Trabalho Justiça

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UNIVERSIDADE PRESBETERIANA MACKENZIE

DEPARTAMENTO DE DIREITO

ALEXIA CAVALHEIRO MARTINS

ANA CLARA GALLANO MANZATTO

CELÍCIA CRISTINA ROCHA DA SILVA

NATHALYA DOS SANTOS BASTOS

PARA ALÉM DA LEI: A BUSCA PELA JUSTIÇA

CAMPINAS/ SÃO PAULO


2024
ALEXIA CAVALHEIRO MARTINS

ANA CLARA GALLANO MANZATTO

CELÍCEA CRISTINA ROCHA DA SILVA

NATHALYA DOS SANTOS BASTOS

PARA ALÉM DA LEI: A BUSCA PELA JUSTIÇA

O presente trabalho apresentada à disciplina de


Teoria Geral do Direito do curso de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
parte das atividades avaliativas da disciplina.
Apresentando como objetivo central, relacionar
com as aulas abordadas em sala de aula e
investigar o desenvolvimento e características
complexas sobre a relação entre justiça e direito.
Embora frequentemente utilizados como
sinônimos, esses conceitos apresentam nuances
distintas. A pesquisa aprofunda a discussão sobre
a efetividade do direito em promover a justiça,
considerando os desafios e as limitações do
sistema jurídico.

Professor: Luiz Eduardo de Almeida

CAMPINAS/ SÃO PAULO


2024
Introdução

A justiça é uma garantia fundamental. Ele é essencial para todos os outros


direitos, e qualquer ameaça ao seu acesso causa graves prejuízos aos
princípios de igualdade e à supremacia da lei. A Constituição Federal de 1988
estabeleceu o acesso à justiça como um direito em seu artigo 5; XXXV: "a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Este
mandato confere a todos, sem exceção, o direito de recorrer à justiça,
resultando em ações para a construção de uma sociedade mais justa e
democrática.

O acesso à justiça não se restringe apenas a recorrer ao Poder Judiciário


quando um direito é violado. Este direito abrange uma variedade de entidades,
tanto governamentais quanto não estatais, que têm a capacidade de atuar na
busca pela resolução pacífica de conflitos e pelo reconhecimento de direitos.

Estudos internacionais comparativos indicam que sociedades com altos níveis


de desigualdade econômica e social tendem a ter uma alta probabilidade de
que grandes segmentos da sua população sejam caracterizados pela falta de
conhecimento sobre seus direitos. Esta característica prejudica a
universalidade do acesso à justiça, excluindo todos aqueles que nem sequer
têm conhecimento sobre seus direitos.

O presente projeto tem como objetivo central analisar os mecanismos de


estabelecimento da justiça na sociedade contemporânea, com base nos
direitos fundamentais da pessoa humana. A pesquisa abarcará diversas
perspectivas teóricas e metodológicas, proporcionando uma análise
aprofundada e multifacetada do tema.

O Acesso ao Direito e á Justiça: Entre o Estado e a Sociedade

1. Estado de Justiça e Estado de Direito

Direito e Justiça são ambos conceitos que se unem, sendo percebidos como
uma única entidade pela consciência social. No entanto, não se pode negar,
que eles nem sempre caminham juntos e podemos expressar pelo ditado
popular a ideia de que as leis e a justiça não são sempre sinônimas, "Nem tudo
que é direito é justo e nem tudo que é justo é direito".

Isso ocorre porque o conceito de Justiça abrange valores intrínsecos ao ser


humano, como: liberdade, igualdade, fraternidade, equidade e outros (tudo o
que tem sido denominado como direito natural desde a antiguidade). Por outro
lado, o Direito é uma criação humana, um fenômeno cultural e histórico
concebido como uma ferramenta para a harmonia social e para a concretização
da justiça. (FILHO, 2002)

A Justiça é um conjunto aberto de valores que está sempre em transformação,


enquanto o Direito é um conjunto de princípios e normas que procuram auxiliar
na sua concretização. Portanto, o Direito, em sua incessante procura pela
Justiça, está sempre em avanços que demonstram estar em constante
progresso. O objetivo da Justiça é a mudança social, tornando-se uma
edificação para uma sociedade equitativa, conforme claramente estabelecido
no artigo 3° da nossa Constituição.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República


Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as


desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de


origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.

A tarefa constante do operador do direito é ajustar o Direito à Justiça,


independentemente da qualidade da lei. Como vimos, a Justiça, é um sistema
aberto de valores em constante transformação, não importa quão boa seja a lei
ou quão avançadas sejam seus princípios, sempre haverá a necessidade de
criar novas estruturas jurídicas para se adaptar às mudanças sociais e aos
novos conceitos de justiça. Imagine uma lei criada há 100 anos, naquela
época, ela era considerada justa, mas hoje pode não ser mais, as leis
necessitam acompanhar essas mudanças.
Não podemos nos omitir diante dos desafios da nossa sociedade. É preciso
que, como cidadãos, ativemos nossa participação, indo além de apontar
problemas. Devemos colaborar na construção de soluções e trabalhar juntos
para que as leis reflitam as nossas necessidades e valores, garantindo assim
que o Direito não se desvirtue da Justiça.

Em sua obra "Oração aos Moços", em 1920, Rui Barbosa expressou uma frase
que sintetiza perfeitamente os impactos da lentidão ao tentar acompanhar as
mudanças:

“Mas Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça


qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos
do julgador contraria o direito escrito das partes e assim
as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes
tardinheiros são culpados que a lassidão comum vai
tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível
agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra
o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do
litígio pendente”.

2. Utilitarismo e o Bem Comum

O Utilitarismo é uma corrente filosófica pregada pelo inglês Jeremy Bentham


que visava maximizar a felicidade e o bem-estar em uma maior quantidade
possível de indivíduos, estabelecendo uma conexão intrínseca com os
princípios de bem-estar coletivo e a justiça. Bentham argumentava que as
ações devem ser avaliadas pelas suas repercussões e que a maior felicidade
está na felicidade coletiva e propagando que as decisões e políticas públicas
devem ser direcionadas para o que é vantajoso para a maioria.

A ideia principal é exposta de forma clara e objetiva, me apoiando por uma


rogativa intuitiva: o objetivo supremo da moral é maximizar a felicidade,
garantindo a supremacia do prazer sobre a dor. Segundo Bentham (1789), a
ação correta é aquela que maximizará o benefício, definindo que a "utilidade"
como qualquer coisa que gere prazer ou contentamento e que previna a dor ou
o angústia.
Todos nós apreciamos o prazer e evitamos a dor. (BENTHAM, 1789) A filosofia
utilitarista aceita essa verdade e a fundamenta como fundamento da vida moral
e política. O princípio de maximizar a "utilidade" é válido não só para o cidadão
comum, mas também para os legisladores. Ao estabelecer as leis ou
orientações a serem implementadas, um governo deve se esforçar ao máximo
para maximizar a satisfação da comunidade como um todo.

Uma das principais críticas feitas ao utilitarismo é a complexidade inerente à


mensuração e comparação da alegria. O problema de como medir a qualidade
de vida de pessoas com realidades distintas e como harmonizar os interesses
de grupos minoritários com os da maioria constitui uma barreira importante
para a implementação prática dessa filosofia. O utilitarismo requer uma visão
neutra, onde a satisfação de todos os indivíduos seja levada em conta de forma
igualitária. Contudo, na realidade, é desafiador atingir essa neutralidade total, já
que as pessoas costumam privilegiar seus interesses pessoais e os de seus
grupos. Focalizando em uma felicidade imediata , mas ter uma ter uma visão
pensada na felicidade a longo prazo também se torna fundamental, pois
políticas públicas voltadas para a maximização da felicidade no curto prazo
podem resultar em efeitos adversos a longo prazo.

O acesso á justiça enquanto um direito humano

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Organização


das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948 consagra, no seu artigo 8.º,
que “toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais
competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos
pela Constituição e pela lei”.

A procura por justiça é intrínseca ao ser humano. A disponibilidade dela,


estabelecida como um direito básico, simboliza a esperança de que as
injustiças sejam corrigidas e os direitos sejam assegurados. Contudo, para a
realização desse direito, é necessário estabelecer um sistema legal que seja
acessível a todos, que fomente a igualdade e a dignidade humana. Ao
assegurar que todos possam buscar assistência jurídica, fortalecemos e
impulsionamos o Estado de Direito, resultando assim no crescimento de uma
comunidade mais unida e solidária. (SADEK, 2001)
1. A Justiça mais simples, rápida e acessível

O direito à justiça é essencial e um alicerce da democracia. Contudo, em


diversas sociedades, o sistema judicial se depara com obstáculos que o
impedem de proporcionar uma justiça ágil, clara e compreensível para todos os
cidadãos. A complexidade dos procedimentos, o atraso na solução dos casos e
os altos custos são apenas alguns dos entraves que limitam o acesso à justiça.

O acesso aos direitos se torna fundamental e um alicerce para as pessoas,


sem distinção de status social ou econômico, possam utilizar o sistema judicial
e defender seus direitos.

Michael Sandel, em sua obra "Justiça: o que é fazer a coisa certa" explora
diferentes teorias da justiça, especialmente as que visam ao bem-estar social e
à utilidade. Quando pensamos em uma justiça mais acessível, rápida e
simples, estamos discutindo a remoção de barreiras burocráticas e financeiras
que dificultam a entrada dos cidadãos no sistema de justiça. Assim, para o
autor, a justiça deve ser orientada para promover o bem comum e garantir que
as necessidades básicas de todos sejam atendidas.

Neste sentido, facilitar o acesso e simplificar os processos judiciários seria uma


forma de aplicar um conceito de justiça que realmente atende às necessidades
da sociedade, garantindo que o sistema seja inclusivo e funcione de maneira
justa para todos, sem privilégios.

Os princípios defendidos por Sandel apoiam iniciativas de simplificação do


processo judicial e a redução dos custos com litígios, criando um ambiente
onde todos, independentemente de sua condição social, tenham voz e possam
reivindicar seus direitos. Dessa forma, o direito à justiça passa a ser mais que
um ideal, mas um serviço verdadeiramente acessível a toda a população.

2. Equidade

A equidade é um conceito fundamental, que reconsidera os conceitos de


igualdade e justiça em termos de oportunidades e resultados sociais. No
âmbito da justiça como um direito humano, a equidade requer que todos os
indivíduos possuam oportunidades iguais de defesa e julgamento justo, sem
considerar sua posição social, etnia ou identidade de gênero. Sandel aborda a
questão da justiça com base no reconhecimento das diferenças pessoais, a
relevância de um sistema legal que garanta igualdade de tratamento para
todos, prevenindo injustiças estruturais frequentemente causadas por
preconceitos e disparidades sociais. (SANDEL, 2019)

A adoção de políticas que promovam a equidade, como a assistência jurídica


para grupos vulneráveis e a inclusão de advogados comunitários (como é
assegurado no artigo 5, inciso LXXIV), poderia contribuir para um sistema mais
justo e equitativo, refletindo a concepção de justiça. Em suma, garantir o
acesso igualitário à justiça é essencial para que todos possam exercer seus
direitos de forma plena e significativa.

3. Ideologia Libertária

O pensamento libertário, em suas várias formas, oferece uma perspectiva


complexa e frequentemente discutida sobre a justiça. Esta ideologia se
fundamenta na crença na liberdade individual como valor supremo, e na ideia
de que o Estado deve desempenhar um papel mínimo na vida dos indivíduos.

O escritor Sandel também discute a ideologia libertária, que exalta a liberdade


pessoal acima de outros aspectos, como a justiça distributiva ou o bem
coletivo. De acordo com essa visão, a justiça visa maximizar a liberdade
individual, possibilitando que todos atuem como desejarem, contanto que não
causem danos a terceiros. Os libertários acreditam que a função do estado e
da justiça deve ser reduzida, concentrando-se apenas na defesa dos direitos
de propriedade e das liberdades individuais. Propondo que cada pessoa
apresenta de direitos inalienáveis, tais como a propriedade privada e a
liberdade de decisão. Neste cenário, a justiça está relacionada à salvaguarda
desses direitos individuais contra a pressão do Estado e de outras pessoas.

O autor também irá criticar, a perspectiva libertária ao enfatizar que um estado


sem ações apropriadas poderia desconsiderar as disparidades estruturais e
permitir injustiças sociais, uma vez que nem todos têm os mesmos meios ou
oportunidades para defender seus interesses de forma eficiente. Entretanto, há
críticas de que o Estado é o principal causador de injustiça, uma vez que limita
a liberdade individual por meio de leis e normas. Portanto, a justiça requer a
redução do poder do Estado.

Ao criticar o modelo libertário, Sandel sugere que um sistema de justiça deve ir


além da mera liberdade de escolha, abraçando também uma responsabilidade
coletiva para assegurar que todos tenham acesso igualitário à justiça. O
fortalecimento de políticas de assistência jurídica pública e a supervisão de
práticas jurídicas abusivas seriam, nesse sentido, medidas que refletem a
crítica de Sandel para a ideologia e sua defesa de um acesso à justiça
verdadeiramente universal.

Justiça Aristotélica

1. Conceito e Teoria:

Aristóteles, na Ética a Nicômaco, propõe uma abordagem de justiça que é


fundamentada na ideia de que cada pessoa deve receber o que é "devido", de
acordo com o seu mérito e o papel que desempenha na sociedade. Essa visão de
justiça é muitas vezes chamada de "justiça distributiva" ou "justiça de mérito". De
acordo com Aristóteles, a justiça está relacionada à distribuição de bens e
recursos com base em critérios que envolvem o mérito, as virtudes e a
contribuição de cada um.
Para Aristóteles, a justiça não é uma fórmula única que se aplica a todos os
casos, mas uma virtude prática que se adapta à situação. Em outras palavras, o
que é justo depende do contexto. O princípio central é o "proporcional", que
implica que pessoas que contribuem mais ou que têm mais mérito devem receber
mais, mas sempre de acordo com sua capacidade e necessidade. Esse é o
conceito de justiça distributiva, que estabelece que a distribuição dos bens deve
ser baseada nas qualidades que são vistas como valiosas na sociedade.
Justiça Distributiva

Este tipo de justiça se refere à distribuição de recursos, bens ou honrarias em uma


comunidade. A distribuição deve ser proporcional ao mérito de cada indivíduo,
considerando sua contribuição e posição na sociedade. A ideia é que cada pessoa
receba de acordo com o que merece, criando uma proporcionalidade que
mantenha a harmonia e a equidade social.
Por exemplo, se duas pessoas contribuem de forma diferente para uma causa ou
projeto, elas devem receber uma recompensa proporcional à sua contribuição.
Essa proporção deve ser determinada pelo critério de mérito, competência ou
necessidade, conforme os valores aceitos pela comunidade.

Justiça Retificativa (ou Corretiva)

A justiça corretiva é aplicada em situações que envolvem desequilíbrio ou prejuízo


entre partes, como em casos de transações ou litígios. Ela busca restaurar a
igualdade através da correção de injustiças, como compensações ou reparações.
Por exemplo, se uma pessoa causa dano ou prejuízo a outra, a justiça corretiva
exige que essa pessoa repare o dano para restabelecer o equilíbrio original. Esse
tipo de justiça é baseado em uma ideia de igualdade aritmética, onde o objetivo é
corrigir as discrepâncias sem levar em conta o mérito das partes envolvidas.

A Justiça como Proporcionalidade

A essência da justiça, para Aristóteles, é a proporcionalidade. A justiça distributiva


segue o princípio de que a distribuição deve ser proporcional ao mérito, de modo
que pessoas que contribuem mais ou têm maior virtude recebam mais em troca. Em
contraste, a justiça corretiva busca uma igualdade exata e objetiva, sem considerar
méritos, apenas a correção de desequilíbrios causados.
Finalidade da Justiça

Aristóteles entende que a finalidade da justiça é promover o bem comum e a


harmonia social. Para ele, a justiça é essencial para que as pessoas convivam de
forma virtuosa e próspera, pois, ao praticar a justiça, o indivíduo contribui para o
bem-estar de toda a polis (cidade-estado). Essa perspectiva está ligada ao
conceito de eudaimonia, ou seja, a realização do potencial humano e a busca da
felicidade, que só pode ser plenamente alcançada em uma sociedade justa e
equilibrada.

2. Justiça e Virtude

Aristóteles acredita que a justiça é a mais completa das virtudes, pois envolve
agir com equidade e considerar os outros em nossas ações. Um indivíduo que
pratica a justiça age de acordo com as demais virtudes, como coragem,
temperança e sabedoria, e busca manter a harmonia tanto em suas relações
pessoais quanto na sociedade como um todo. A teoria da justiça aristotélica é
baseada na ideia de que a justiça deve refletir uma proporcionalidade que
distribua bens e oportunidades de acordo com o mérito e corrija desigualdades
para restaurar o equilíbrio. A prática da justiça contribui para o bem comum e é
fundamental para alcançar a eudaimonia, o objetivo máximo da vida humana
segundo Aristóteles.

Quem Merece O Que?:

No capítulo 8 do livro "Justiça: O que é fazer a coisa certa" de Michael J. Sandel,


o autor explora a visão de Aristóteles sobre a justiça e discute a relação entre
virtude, mérito e o papel da política na construção de uma sociedade justa. O
capítulo se concentra em como a justiça, para Aristóteles, está profundamente
ligada ao bem comum e à ideia de que a política deve promover uma vida
virtuosa.
Justiça como Telos (Finalidade):

Para saber quem merece o quê, é importante entender o propósito (Télos


palavra grega que significa propósito, finalidade ou objetivo) aquilo que está
sendo distribuído. Por exemplo, se estamos distribuindo flautas, a pergunta é:
"Qual é o propósito de uma flauta?" A resposta é que é feita para ser bem
tocada, então quem deveria recebê-la é quem sabe tocá-la melhor. Na visão de
Aristóteles, a justiça significa dar a cada um o que merece, com base no mérito
relevante para a situação. Se distribuirmos algo como flautas, por exemplo,
seria justo dar as melhores flautas aos melhores músicos, pois é para isso que
elas existem (para serem bem tocadas e assim cumprirem seu propósito).

Ele acredita que justiça não pode ser neutra, pois sempre envolve considerar o
que é uma "vida boa" e quais são as virtudes que merecem ser
recompensadas. Ao contrário das teorias modernas que tentam ser imparciais
e evitar juízos de valor, Aristóteles acha que é inevitável que as discussões
sobre justiça incluam debates sobre honra e mérito moral. O argumento para
distribuir algo de forma justa, é necessário entender qual é a finalidade desse
objeto ou prática e premiar aqueles que melhor se alinham com esse propósito.

Aplicação em Situações Contemporâneas

Sandel também transita para exemplos modernos, como a distribuição de


vagas em universidades. Ele questiona se os critérios para essa distribuição
devem ser baseados apenas no mérito acadêmico ou se também devem
considerar aspectos que promovam o bem comum, como a diversidade. A
discussão se alinha à ideia aristotélica de que a justiça deve refletir a finalidade
da prática — neste caso, a educação e a formação de cidadãos que
contribuam para a sociedade.
Portanto o exemplo da flauta e a discussão sobre o ingresso em universidades
mostram como a justiça, sob a ótica aristotélica apresentada por Sandel, vai
além da igualdade formal e se preocupa com o propósito das práticas e com a
promoção de virtudes e do bem comum.
Você Pode Ser Uma Boa Pessoa Sem Participar Da Política?

"A justiça é honorífica. Compreender o télos


de uma prática — ou discutir sobre ele —
significa, pelo menos em parte, compreender
ou discutir as virtudes que ela deve honrar e
recompensar".
Michael J. Sandel explora a visão de Aristóteles sobre o propósito da política e a
justiça distributiva. Aristóteles considera a participação na política essencial para
uma vida boa porque acredita que os seres humanos são, por natureza, seres
políticos, ou seja, feitos para viver em comunidade e deliberar sobre questões
morais e de justiça. Segundo ele, a vida na pólis permite que as pessoas
exerçam plenamente sua capacidade de linguagem e deliberação sobre o que é
justo e injusto. Para Aristóteles, não basta apenas conhecer princípios morais; é
preciso praticá-los no convívio com os outros. Isso só é possível no contexto de
uma comunidade política.

A virtude moral, para Aristóteles, não é algo que se aprende apenas com teorias
ou leituras, mas sim com a prática e com a vivência em sociedade. Ele compara
esse aprendizado com o desenvolvimento de habilidades como tocar um
instrumento musical, onde a prática constante é fundamental. A política,
portanto, é o ambiente onde os seres humanos podem exercitar a “sabedoria
prática”, uma forma de conhecimento que envolve agir de maneira correta e
justa em situações concretas.

Assim, para Aristóteles, viver de forma virtuosa e alcançar a felicidade (ou


eudaimonia) só é plenamente possível participando da vida pública e política.
Isso ocorre porque a verdadeira virtude moral envolve não apenas o benefício
pessoal, mas também a busca do bem comum. Quem vive isolado, sem
participar da vida da pólis, pode não alcançar o pleno desenvolvimento de suas
capacidades humanas, que são realizadas no diálogo e na deliberação sobre o
bem-estar coletivo.
Distribuição de Cargos e Honrarias:
Aristóteles argumenta que a distribuição de cargos e honrarias deve ser feita com
base na virtude cívica e na capacidade de contribuir para o bem comum. As
pessoas que possuem maior excelência cívica aquelas que demonstram as
melhores qualidades para deliberar sobre o bem comum e tomar decisões em prol
da coletividade — devem receber mais influência e reconhecimento na política.

Comparação com Associações Limitadas:


Aristóteles faz uma distinção entre verdadeiras comunidades políticas e
associações limitadas como alianças de defesa ou tratados comerciais
(exemplos modernos como OTAN ou NAFTA). Essas associações, segundo ele,
têm fins restritos e não moldam o caráter dos participantes, enquanto uma
verdadeira pólis deve promover uma forma de vida que incentive a virtude e o
bem-estar comum.

Implicações para a Sociedade:


A visão aristotélica implica que o reconhecimento e a distribuição de poder na
sociedade devem ser baseados não apenas em riqueza ou popularidade, mas
na capacidade de deliberar sobre o bem comum e demonstrar virtude. Esse
critério honorífico serve também como um meio de educar a sociedade sobre a
importância das virtudes cívicas. Aristóteles vê a política não apenas como um
sistema para organizar a vida em comunidade, mas como um meio para
fomentar a excelência e o desenvolvimento moral dos cidadãos, com o objetivo
de alcançar uma vida boa e justa para todos.
Este trecho aborda a visão de Aristóteles sobre política e a sua noção de vida
boa, além de sua polêmica defesa da escravidão e as críticas modernas a essa
posição.

A Política e a Vida Boa:

Aristóteles considerava a política uma atividade central para a realização da vida


boa. Diferente de outras ocupações, a política, para ele, era a forma pela qual os
cidadãos podiam desenvolver virtudes cívicas, deliberar de forma prática e agir
de maneira significativa para o bem da comunidade. Ele acreditava que a
participação ativa na vida política permitia aos cidadãos exercitar sua capacidade
de julgamento e tomada de decisões, algo que não podia ser plenamente feito de
maneira isolada. Em suma, a política era vista como um meio de praticar a
cidadania de forma plena e essencial para a realização humana.

A Defesa da Escravidão:

Aristóteles, no entanto, defendia a escravidão com base em sua visão teleológica,


na qual a justiça consistia em atribuir papéis que estivessem de acordo com a
natureza de cada indivíduo. Ele argumentava que algumas pessoas eram
"escravas por natureza" e que, para essas pessoas, era melhor e mais justo
serem governadas por outras. Esse conceito foi amplamente criticado por sua
base discriminatória e por justificar uma estrutura social de opressão.

As teorias políticas contemporâneas, como as de Kant e Rawls, se opõem à ideia


de Aristóteles ao colocarem a escolha individual e o consentimento como base da
justiça. Para essas teorias, a justiça deve permitir que as pessoas escolham seus
papéis na sociedade, em vez de serem designadas com base em uma suposta
"natureza". A escravidão é vista como injusta porque é coercitiva e impede a
autodeterminação dos indivíduos. No entanto, é interessante notar que a própria
teoria de Aristóteles contém elementos que podem criticá-la internamente. A
necessidade de coerção para manter alguém em um papel social sugere uma
inadequação natural, algo que Aristóteles reconhecia em parte ao admitir que
a escravidão em sua época frequentemente não era "natural", mas resultado de
circunstâncias como a guerra.

Aristóteles estabelecia um critério moral mais rigoroso do que a ética liberal, ao


afirmar que o trabalho justo deve estar de acordo com a natureza dos
trabalhadores. Ele acreditava que funções repetitivas e degradantes, como certas
atividades industriais perigosas, poderiam ser injustas mesmo que fossem
realizadas sob condições de consentimento livre. Para ele, a justiça exigiria que o
trabalho fosse reorganizado para respeitar a dignidade e a natureza dos
trabalhadores.

A visão de Aristóteles sobre a política como essencial para a vida boa permanece
relevante por destacar a importância do engajamento comunitário e da virtude
cívica. No entanto, sua defesa da escravidão revela as limitações de sua filosofia
diante das concepções modernas de liberdade e direitos humanos. As críticas
modernas mostram que a noção de escolha e consentimento são cruciais para
evitar a imposição de papéis sociais injustos.

3. A Crítica de Hans Kelsen à Justiça Aristotélica

Subjetividade e Dependência da Moral

Kelsen criticava a visão aristotélica porque via nela uma profunda ligação com
conceitos subjetivos de moralidade e ética. Segundo Kelsen, a introdução de
noções como "virtude" e "mérito" na definição da justiça cria um campo fértil para
a interpretação subjetiva e abre espaço para a discricionariedade.

Para Kelsen, o direito deveria ser uma ciência descritiva e normativa, com um
foco na objetividade e na neutralidade. A inclusão de valores morais, que variam
de acordo com a cultura e a época, comprometeria a imparcialidade da ciência do
direito. Essa subjetividade torna o sistema jurídico vulnerável a interpretações
diversas e, portanto, menos previsível. A aplicação de uma justiça baseada em
mérito ou virtude pode gerar conflitos sobre o que constitui mérito, levando a
desigualdades e injustiças práticas.

A justiça aristotélica pressupõe uma visão comum de virtude e mérito


compartilhada pelos membros da sociedade. No entanto, Kelsen argumentava
que em uma sociedade pluralista e multicultural, essa visão unificada é
praticamente impossível. Em democracias modernas, a diversidade de crenças e
valores faz com que diferentes grupos defendam diferentes concepções de
justiça. A tentativa de aplicar uma visão única de justiça (como a aristotélica) pode
levar a conflitos sociais e políticos, enfraquecendo o sistema jurídico.

Para Kelsen, o conceito de justiça é relativo e muda conforme a perspectiva


social e histórica. Portanto, ele considerava inadequado usar esse conceito para
fundamentar um sistema jurídico universal. Ele via a ciência do direito como um
estudo puramente normativo e autônomo. Defendendo que as normas jurídicas
deveriam ser avaliadas com base na sua validade formal e não em seu conteúdo
moral ou ético. Assim, ele buscava eliminar o juízo de valor do estudo do direito.
A estrutura proposta por Kelsen é fundamentada na Grundnorm, que serve como
a base de um sistema de normas coerente e independente de critérios de justiça.
Isso assegura que a análise jurídica seja objetiva e livre de valores externos. Um
sistema jurídico baseado apenas em normas formais pode ser mais previsível e
aplicável, pois evita debates sobre moralidade que podem ser altamente
subjetivos.

Diferenças Filosóficas:

Aristóteles, enxerga a justiça como parte de um sistema ético-político,


fundamentado na busca pela excelência e pela virtude. A justiça é um ideal que
visa o bem comum e a promoção da virtude na sociedade. Essa visão é
profundamente normativa e vinculada a uma compreensão compartilhada de
moralidade e ética.

Kelsen, vê a justiça como uma questão externa ao direito. Ele critica a ideia de
justiça aristotélica por ser subjetiva e dependente de valores morais variáveis.
Para Kelsen, o direito deve ser estudado como uma ciência objetiva e autônoma,
onde a validade das normas jurídicas é independente de considerações morais.

A crítica de Kelsen à justiça aristotélica revela um contraste fundamental entre


duas abordagens ao direito: a visão teleológica e virtuosa de Aristóteles, que
busca alinhar justiça e ética para o bem comum, e a abordagem normativo-
positivista de Kelsen, que propõe uma análise objetiva e desprovida de
influências externas para assegurar a clareza e a previsibilidade do sistema
jurídico. Essa crítica destaca a tensão entre a tentativa de criar um direito justo e
a necessidade de manter a objetividade e a universalidade no estudo das normas
jurídicas.
Conclusão
Como observamos ao longo do projeto, a justiça não se resume à aplicação formal
da lei, como abordado por Hans Kelsen, mas envolve a construção de uma
sociedade mais justa e equânime. A busca por justiça transcende o âmbito
individual, abrangendo questões coletivas como a desigualdade social, a
discriminação e a exclusão, como foi observado por vários autores. Nesse sentido,
a justiça social emerge como um imperativo moral e um desafio a ser enfrentado
por todos os membros da sociedade. A superação das injustiças sociais requer a
adoção de políticas públicas eficazes, a promoção da igualdade de oportunidades
e o respeito aos direitos humanos.

Referências Bibliográficas

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Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, 2017, n. 26.

PEDROSO, JOÃO TRINCÃO, CATARINA DIAS, JOÃO PAULO. O Acesso ao


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