ARQUIVO Trabalho ANPUH REGIONAL
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O século XIII é considerado, por seus estudiosos, como um marco político, jurídico e
intelectual no período medieval, justamente por nele terem sido configuradas as monarquias
medievais e seus mecanismos institucionais e legais, pautados sobre tudo no saber produzido
nas universidades constituídas neste período.
Este processo pode ser detectado de forma clara também nas monarquias que se
constituíram na Península Ibérica, que, para Adeline Rucquoi, em seu artigo De los reyes que
non son taumaturgos (1992), possuíam a peculiaridade de basearem a centralidade da sua
monarquia na força política e militar dos seus reis, característica necessária para resistir às
constantes pressões fronteiriças muçulmanas.
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Professora Adjunta de História Medieval da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora do
Programa de Pesquisa e Produtividade da UNESA.
A formação do reino de Portugal, no século XII, se deu justamente a partir da dupla
necessidade do fundador da casa de Borgonha, Afonso Henriques, de garantir o seu poder
sobre o condado que sua mãe, Tereza, havia recebido como presente de casamento de seu pai,
o rei castelhano, Afonso VI, fazendo com que ele se tornasse um espaço autônomo de poder
frente às constantes pressões de Afonso VII de Castela, e frente à constante ameaça das tropas
muçulmanas principalmente ao Norte do reino.
Desde a sua formação, portanto, os reis borgonheses se viram envolvidos em embates
com forças externas que constantemente influenciavam no equilíbrio das forças internas de
poder, traduzindo-se em rebeliões e oposições monárquicas que se arrastaram ao longo dos
séculos XII e XIII e que constantemente colocavam em campos opostos os membros da
própria dinastia. É o caso, por exemplo, da ascensão de Afonso III, o Bolonhês (1210 a 1279),
ao poder logo após a disputa militar que travou com seu irmão, o rei Sancho II, pelo controle
da Coroa e que lançou o reino em uma intensa guerra civil alimentada por uma aristocracia
ávida pelo controle de mais territórios e de ampliação do alcance do seu poder político.
Através de uma bula papal que lhe garantia plenos poderes sobre o reino português, o
infante Afonso III, chegou a Lisboa provavelmente entre o fim de 1245 e o início de 1246,
sendo bem acolhido pela burguesia lisboeta e portando o título de “defensor e visitador do
reino pelo Sumo Pontífice” (RIBEIRO, 1936), Inocêncio IV, mas despertando forte oposição
entre as forças nobiliárquicas do Norte. O rei Sancho II terminou isolado em Coimbra, onde
era protegido por alguns nobres e para livrar-se das tropas de seu irmão, recorreu a ajuda ao
rei castelhano Fernando III que, ocupado com os embates travados contra os muçulmanos na
fronteira Sul do seu reino, deixa a cargo de seu filho, o infante Afonso X, o socorro ao seu
aliado. Afonso X, então, dirige-se a Portugal com suas tropas transpondo a fronteira de Côa,
no ano de 1247, se estabelecendo em Coimbra e lutando contra as forças do Bolonhês, que
guerreavam ao sul do rio Mondego. Os bispos portugueses, aliados do rei Sancho II, reagem à
ousadia do infante decretando a sua excomunhão. Após algumas derrotas, as tropas
castelhanas terminam vencidas e se retiraram para Castela levando consigo Sancho, o rei
deposto, que morreu exilado, no ano seguinte, na corte castelhana (1248). A nobreza do Norte
ampliou a sua oposição ao novo monarca, o que levou o rei a abrir caminho com os seus
exércitos, na região entre o Douro e o Minho, em busca do apoio político da nobreza local, de
forma voluntária ou não.
Afonso III, então, assumiu a Coroa com o apoio de setores da nobreza, da Igreja e dos
concelhos municipais, o novo rei tinha diante de si o desafio de promover a centralidade do
poder real que pudesse fazer frente à anarquia presente no reinado anterior. Um dos primeiros
passos dados pelo monarca, após ter a sua autoridade reconhecida foi confirmar todos os foros
e as regalias da burguesia lisboeta, justamente para conseguir o apoio necessário na luta
contra as forças setentrionais que permaneciam fieis ao seu irmão. Este ato representou, sem
sombra de dúvida, um marco na relação que se estabeleceria futuramente entre a burguesia
portuguesa e os seus monarcas, já que a partir daí ela passaria a ser ouvida nas Cortes gerais
do reino.
A confirmação da autonomia jurídica dos concelhos municipais se deu também em
outras regiões do reino conforme o monarca avançava com as suas tropas em direção ao
Norte, contribuindo para que o monarca mobilizasse mais tropas e ampliasse sua autoridade
política e para que os vilões dos concelhos se sentissem mais seguros diante da violência das
tropas de alguns nobres setentrionais. Segundo nos informa Mattoso, durante este período o
monarca empenhou-se em “(...) captar o apoio dos nobres da região, a exigir-lhes a
homenagem vassálica ou o reconhecimento público da sua autoridade e a tomar medidas
destinadas a impor a ordem numa região profundamente abalada pela anarquia dos anos
anteriores.” (MATTOSO, 2001; p. 903).
Após apaziguar os conflitos internos gerados pela guerra civil em que mergulhou o
reino, Afonso III fixou-se na cidade de Lisboa, tornando-a a sede do seu reino. O monarca,
então, parecia estar pronto para o seu segundo desafio: consolidar o controle português sobre
a região do Algarve, seguindo uma tendência já iniciada por seus antecessores, Afonso II e
Sancho II, que procuraram estender as fronteiras portuguesas para o Sul (RUCQUOI, 2005; p.
196).
A perda sofrida em outras regiões fronteiriças, levou os castelhanos a voltar seus
interesses mais uma vez para o Algarve. Afonso III, então, iniciou a conquista definitiva da
região, em 1249, opondo-se mais uma vez às tropas do infante Afonso X que não atendeu às
ordens de Fernando III, seu pai, para abandonar à região. Para impedir um novo e longo
conflito entre o rei português e o infante castelhano, o papa Inocêncio IV intermediou o
embate pedindo que depusessem as armas. Os soberanos acataram ao pedido papal e firmaram
um acordo através do qual D. Beatriz, a filha mais velha de Afonso X, seria dada em
casamento a Afonso IIII. Sendo assim, os portugueses ficavam com o senhorio das terras e os
castelhanos com o seu domínio útil, até que o filho primogênito do futuro casal atingisse os
sete anos de idade. A vitória das tropas portuguesas garantiu-lhes o domínio de Faro, Porches,
Albuferia e outras terras, que foram divididas entre as tropas dos concelhos e as ordens
militares que apoiaram o monarca nesta empreitada e a conquista do Algarve foi de fato
consolidada no reinado de D. Dinis, o filho primogênito do referido casal.
Consolidada a autoridade real no Norte e definida as fronteiras ao Sul, Afonso III
reforçou a sua parceria política e militar com os seus aliados na nobreza, na Igreja e nos
concelhos. Para tanto, reforçou a economia do reino, favorecendo a captação de recursos pela
Coroa e investiu em sua reconfiguração administrativa e jurídica. Como informa Mattoso:
Está claro, então, que o avançar da reconquista territorial portuguesa, impetrada desde
a origem do próprio reino no século XII e efetivamente alcançada através dos exércitos da
casa de Borgonha, mais especificamente nos reinados de Afonso II, Afonso III, D. Dinis e
Afonso IV, levou os monarcas esta dinastia a investir em um projeto de governo pautado não
somente no exercício da força militar, mas sobretudo na construção de uma configuração
jurídica e administrativa para o reino.
José Matoso chama atenção para o fato de que graças a influência de uma visão de
história política tradicional e afeita à narrativa, torna-se difícil compreender de forma
adequada e isenta a história dos primeiros anos da monarquia portuguesa. O autor direciona
uma crítica contundente a Alexandre Herculano, que até a década de 1970, foi um dos
maiores tradutores da história da monarquia portuguesa, apresentando-a como uma monarquia
“paternalista, militar e rude”, operando numa lógica jurídica, legislativa, fiscal e
administrativa similar àquela que se instaurou no Estado Moderno. Desta forma, Herculano
concentrou a sua narrativa na disputa de poder entre a monarquia e os senhores locais e nos
desfechos diferenciados que eles alcançaram no “Norte, no Centro ou no Sul, em terras de
regime senhorial ou de regime concelhio, na cidade ou no campo.” No entanto, sem se levar
em consideração o papel decisivo que o clero desempenhou nestas disputas.
Para lançar luz sobre a história dos primeiros anos da monarquia portuguesa, que
Matoso considera como inevitavelmente marcada pela conjectura, mas fundamental para o
entendimento do processo de centralização monárquico que caracterizou o período moderno.
Para tanto, em seu artigo O triunfo da monarquia portuguesa: 1258-1264. Ensaio de história
política (2001), Matoso identificou duas datas como fundamentais para o triunfo da
perspectiva centralista do poder monárquico: 1258 (o momento em que o rei Afonso III
levantou as primeiras inquirições) e 1264 (a data da última das decisões seminais tomadas por
Afonso III para promover uma nova organização do Estado). Nota-se, portanto, que assim
como Ângelo Ribeiro, quanto como Alexandre Herculano, Mattoso considera os reinados dos
primeiros reis portugueses como fundamentais para a consolidação da figura do monarca
através do aparato jurídico e lembra aos seus leitores que:
3 – Conclusão
4 – Referências Bibliográficas
FONTES PRIMÁRIAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOMEM,Armando Luís de Carvalho. Rei e “Estado real” nos textos legislativos da Idade
Média portuguesa. In: En la España Medieval. n. 22, 1999. p. 117 – 185.
MATTOSO,J. O triunfo da monarquia portuguesa: 1258-1264. Análise Social, vol. XXXV
(157), 2001, 899-935
RIBEIRO,A. História de Portugal. Morte e Revolução. De Afonso III a João I. Vol. 2.
Kindle Editions.
RUCQUOI,Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Editorial Estampa,
2005, p. 216.
RUCQUOI,Adeline. De los reyes que no son taumaturgos. Relaciones 51, vol. XIII, n. 51,
1992.
SILVEIRA,M. de C. A Lei na Idade Média. Penalidades corporais na Castela do século
XIII. Curitiba: Prismas, 2017.