Cidade Global - Anotaçoes Criticas
Cidade Global - Anotaçoes Criticas
Cidade Global - Anotaçoes Criticas
CIDADE GLOBAL
anotações críticas sobre um conceito
MÔNICA DE CARVALHO
Professora de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP
Resumo: O objetivo deste artigo é discutir criticamente o conceito de cidade global e suas implicações para a
compreensão da metrópole de São Paulo. Serão analisadas, primeiramente, suas três formas de apropriação: a
forma diagnóstico, a típico-ideal e a paradigma. Com a intenção de avaliar o caráter ideológico do conceito,
ele é confrontado com o que foi denominado seu padrão normativo, o planejamento estratégico, para demons-
trar que, sob esta forma, o conceito de cidade global reproduz a lógica de apropriação do espaço urbano pelo
capital, o que se revela por meio da análise do processo de segregação urbana na metrópole .
Palavras-chave: cidade global; metrópole.
Compreender não é reconhecer um sentido invariante, pole de São Paulo a partir de seu estatuto de cidade glo-
mas apreender a singularidade de uma forma que só existe bal. Alguns, menos interessados em questionar a proce-
num contexto particular.
Pierre Bourdieu (1994:159) dência do conceito, tomam-no como pressuposto para
construir sua argumentação.1 Outros, questionam seu sen-
O
s problemas urbanos são muitos e complexos. tido a partir da adequação à realidade empírica da metró-
Enumerá-los já se tornou quase um lugar-comum, pole analisada.2 Embora os estudos desse segundo tipo
o que se evita fazer, portanto. Tratando-se de São tenham um distanciamento maior em relação ao conceito,
Paulo, onde, aos não-resolvidos, acrescentam-se novos – a reflexão se atém à sua aplicabilidade ou não a determi-
dilemas de uma metrópole localizada na periferia do sis- nado contexto, sem estender-se à sua elaboração.
tema capitalista a que se somam as especificidades locais No entanto, a ausência de um questionamento mais pre-
destes últimos oito anos – , a urgência por soluções práti- ciso sobre a maneira como o conceito de cidade global
cas, eficazes e viáveis é uma demanda não só de seus ha- tem sido apropriado constitui-se em um problema quando
bitantes, mas dos intelectuais que se dedicam ao estudo lembramos que um conceito não é apenas um “instrumen-
das questões urbanas. No primeiro caso, a urgência se to de um discurso”, mas é “sobretudo ponto de referência
justifica, pois a condição precária em que vive a maior de uma prática” (Martins, 1997:27). É no momento em
parcela da população de São Paulo torna inviável qual- que o estatuto de cidade global deixa de ser apenas uma
quer argumento que a negue. Mas, no segundo, a pressão condição atingida por algumas metrópoles, em decorrên-
exercida pela necessidade de responder às questões pos- cia de transformações históricas vividas, e compõe-se em
tas por uma situação intolerável – não há adjetivo mais projeto necessário à superação dos problemas urbanos, que
próprio – pode conduzir à produção de um conhecimento se faz urgente interrogar seu sentido a fim de desvelar o
de aplicabilidade instrumental e imediata, sem que as con- seu real significado.
seqüências tenham sido devidamente refletidas, quando As dificuldades na apropriação do conceito também se
não reproduz explicações produzidas em contextos histó- revelam por ocorrer a partir de diferentes especialidades
ricos diversos e que pouco significado possuem para a do conhecimento sem que haja um esforço maior para
compreensão de nossa realidade específica. proceder a sua leitura total (Lefebvre,1999b:157). É em
Atualmente, tenho percebido uma proliferação de es- função, portanto, do que essa apropriação acrítica e frag-
tudos cujo objetivo tem sido o de compreender a metró- mentada pode gerar para a compreensão da dinâmica das
70
CIDADE GLOBAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS SOBRE UM CONCEITO
metrópoles, especificamente para a metrópole de São Pau- do a mudança de direção da economia mundial. Não se
lo, que este artigo se propõe a levantar algumas questões tratava, portanto, da perda de sua centralidade econômi-
sobre o conceito de cidade global, com a intenção de in- ca, mas de sua re-significação no interior do sistema pro-
terrogar sua capacidade explicativa em contextos diferen- dutivo internacional. Essas metrópoles assim re-signi-
tes dos que lhe deram origem. ficadas se passou a chamar de cidade global (Sassen, 1998;
A reflexão obedecerá ao seguinte percurso: em primeiro Levy, 1997; Marques e Torres, 1997).
lugar, tratar-se-á de compreender a origem histórica do Entre meados dos anos 80 e início dos 90, uma primei-
conceito, confrontando-o com as diversas formas de sua ra geração de autores (Marques e Torres, 1997) utilizou o
apropriação; em segundo lugar, o conceito será percebi- conceito para designar o posicionamento estratégico de
do por meio das ações do planejamento estratégico que o algumas metrópoles em relação à economia mundial e tam-
constituem como mediação; por fim, será discutida sua bém para expressar as contradições deste processo. A subs-
capacidade explicativa para a metrópole de São Paulo. tituição das atividades industriais pelo setor de serviços
seria responsável por promover uma alteração no merca-
AS FORMAS DE APROPRIAÇÃO do de trabalho gerando maior polarização social, já que
DO CONCEITO DE CIDADE GLOBAL ao lado da oferta de empregos altamente qualificados e
bem-remunerados demandava serviços de manutenção e
Na maior parte dos estudos analisados,3 raramente o sustentação da estrutura produtiva que, diferentemente dos
conceito de cidade global é discutido em suas diferentes primeiros, não requerem qualificação e são, por isso, mal
formas de apropriação, embora sejam dadas pistas que per- remunerados (Levy, 1997:38; Sassen, 1998:136). Por con-
mitam construir este processo. No entanto, seria relevan- seqüência, essa nova divisão do trabalho promoveria uma
te explicitá-las sem, com isso, sugerir que devam ser com- alteração quase que imediata no “uso da terra”, no “mer-
preendidas desvinculadas umas das outras, uma vez que cado imobiliário e na estrutura de consumo”, produzindo
esta é uma propriedade da análise e não daqueles que de- espaços dualizados no interior das metrópoles (Sassen,
las se utilizam. 1998:150). Uma nova configuração, portanto, da segre-
A origem do conceito de cidade global está diretamente gação urbana (Levy, 1997:38).
relacionada aos impactos causados sobre as metrópoles Nessa primeira forma de apreensão, a que se poderia
do Primeiro Mundo pelo processo de globalização da eco- nomear forma diagnóstico, o conceito de cidade global é
nomia, desencadeado a partir do final dos anos 70. As a expressão de um processo histórico bastante concreto
transformações na economia mundial teriam conduzido a vivido por determinadas metrópoles do Primeiro Mundo
uma crise da centralidade econômica daquelas metrópo- e, como tal, procura refletir a totalidade de seu movimen-
les que perderam o controle sobre as atividades industriais, to. Ao mesmo tempo em que designa o processo de
porque as empresas por elas responsáveis, favorecidas pelo transformação na estrutura produtiva das metrópoles, de-
desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação corrente da globalização da economia, evidencia as con-
e informação, passaram a dispor de maior flexibilidade tradições a ele inerentes: as alterações promovidas no
para escolher os lugares de menor custo para suas sedes. mercado de trabalho e o aumento conseqüente da desi-
A crise fiscal conseqüente, o aumento do desemprego, a gualdade social, com rebatimento na apropriação do es-
ausência de solução para os problemas urbanos agora paço urbano. Desse ângulo específico, o conceito enrique-
acrescidos, somaram-se aos demais como ingredientes ce a compreensão da dinâmica das metrópoles e, pelo
preocupantes que colocavam em xeque o futuro das me- menos a princípio, não parece romper com outras formas
trópoles. Paralelamente ao diagnóstico da crise, identifi- de interpretação teórica que também tenham nas questões
cava-se uma mudança no perfil das metrópoles4 que, em urbanas seu objeto. Os problemas, no entanto, começam
substituição às atividades industriais, passavam a sediar quando se distanciam do espaço em que foram produzi-
empresas de prestação de serviços altamente especializa- dos e do movimento histórico que lhes deu origem.
dos, ligados em sua maioria ao setor financeiro e da in- Realizados no final da década de 90, uma segunda ge-
formação e de origem quase sempre transnacional. Se, por ração de estudos transpôs o conceito de cidade global para
um lado, as metrópoles pareciam caminhar para um futu- as metrópoles então consideradas de segunda ordem (Mar-
ro incerto, por outro, readquiriam importância estratégi- ques e Torres, 1997), embora isto não fosse propriamente
ca como locais destinados ao setor terciário, acompanhan- uma novidade, uma vez que um dos pioneiros desse tipo
71
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(4) 2000
de análise já as tivesse incluído em sua classificação de clusiva das determinações estabelecidas pelas mudanças
cidades globais (Levy, 1997:39). A partir daí, o conceito no mercado de trabalho? Como diferenciar essa configu-
de cidade global adquire uma nova forma que, desde já, ração das determinações históricas específicas de cada
pode ser designada de forma típico-ideal (Véras, 1997: metrópole?
131). É nesse segundo momento, então, que a metrópole Sem dúvida que essa é a propriedade mesma do tipo
de São Paulo passará a configurar entre as possíveis cida- ideal, isto é, abstrair-se em relação ao contexto histórico
des globais. que lhe deu origem. No entanto, conforme Weber, o mo-
Conforme lembra Weber, o tipo ideal é uma constru- vimento histórico negado no primeiro momento deverá ser
ção lógica que nasce de uma determinada realidade histó- reencontrado no momento seguinte. Porém, nem sempre
rica, mas que com ela não se confunde. É um meio auxi- é isso que ocorre nos estudos em que a forma típico-ideal
liar, um instrumento de investigação, sem o qual seria é predominante. Há casos em que importa mais demons-
impossível apreender os múltiplos sentidos da realidade. trar que determinadas metrópoles possuem os atributos ne-
Uma vez construído, o tipo ideal pode servir de meio em cessários a alçar à condição de cidade global do que ana-
relação ao qual outras realidades, em que não se origina- lisar suas especificidades históricas que poderiam até a
ram, podem ser comparadas, não com o objetivo da ade- ela se contrapor. Nesse sentido, é que se pode dizer que a
quação mas, exatamente ao contrário, para apontar as suas forma típico-ideal privilegia o aspecto sincrônico por opo-
especificidades. Pode-se dizer que o tipo ideal em Weber sição ao aspecto diacrônico (Véras, 1997:131) pois que
(1991:113-114) está mais para a investigação da diferen- serve menos para apontar as especificidades históricas e
ça do que para busca da identidade.5 Não se confunde, mais para identificar os traços da globalização, como se
portanto, nem com um modelo da e nem para a realidade. seguir esse modelo fosse de fato o destino inexorável das
O tipo ideal que se construiu para definir a cidade glo- metrópoles. Há autores que falam, inclusive, em ranking
bal partiu das características comuns observadas nas das cidades globais, o que evidencia a competitividade que
metrópoles que sofreram o impacto da globalização da eco- se instala na busca de se atingir tal condição (Cordeiro,
nomia. O que foi a princípio compreendido como especi- 1993:322).
ficidade histórica vivida por algumas metrópoles passou Pela confusão que pode gerar entre seu caráter de ins-
a se constituir em atributo a partir do qual se poderia de- trumento analítico e sua condição de modelo, a forma tí-
signar como “global” determinadas cidades. Seria, por- pico-ideal contribui menos para a compreensão da dinâ-
tanto, “global” a “cidade” que se configurasse como “nó” mica das metrópoles do que a forma diagnóstico. O mais
ou “ponto nodal” entre a economia nacional e o mercado importante, contudo, é que, mesmo quando a forma típi-
mundial, congregando em seu território um grande núme- co-ideal se comporta da maneira como preconiza Weber,
ro das principais empresas transnacionais; cujas ativida- representa um passo maior em direção à formalização do
des econômicas se concentrassem no setor de serviços conceito na medida em que a história específica a cada
especializados e de alta tecnologia, em detrimento das metrópole analisada é abstraída em favor das referências
atividades industriais; quando, por conseqüência, o mer- únicas construídas a partir do processo de globalização
cado de trabalho fosse polarizado gerando novas desigual- da economia. Mas, ainda assim, como o tipo ideal não
dades sociais e uma forma de segregação urbana dualizada constrói uma relação de identidade com a realidade ob-
(Levy, 1997; Véras, 1997; Marques e Torres, 1997). servada, há brechas para que as metrópoles sejam inter-
Em relação à forma diagnóstico, os estudos que se apro- pretadas a partir de outras matrizes teóricas (Véras,
priam da forma típico-ideal apresentam alguns problemas 1997:131).
de caráter metodológico. Como não se trata mais de ana- Isso já não acontece quando o conceito de cidade glo-
lisar processos que estão em transformação por causa da bal passa a ser concebido como novo paradigma e, como
globalização da economia, mas de identificar o que se o próprio termo indica, pretende inaugurar uma nova pers-
aproximaria ou não do estatuto de cidade global previa- pectiva a partir da qual as metrópoles devam ser analisa-
mente definido, o difícil é saber se as características ob- das. Aí, sim, há uma intenção clara de rompimento com
servadas se devem realmente à globalização ou às especi- outras interpretações teóricas até então utilizadas para a
ficidades históricas da metrópole em questão. 6 Por compreensão das questões urbanas.
exemplo, como estabelecer que a configuração apresen- A idéia de que as metrópoles devam ser compreendi-
tada em relação à segregação urbana seja expressão ex- das exclusivamente em decorrência do processo de glo-
72
CIDADE GLOBAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS SOBRE UM CONCEITO
balização da economia e na condição de cidades globais análise que pretende transpor de forma quase mágica as
vem expressa literalmente na afirmação de Saskia Sassen, alterações do mercado de trabalho para a maneira como o
autora que se transformou em referência importante para espaço urbano é apropriado. Também considera proble-
os estudos que tratam do tema. Diz Sassen (1998:11) [grifo mático que os processos de segregação urbana sejam
meu] “Os sociólogos têm demonstrado uma tendência a explicados apenas pela globalização da economia, lem-
estudar as cidades abordando a ecologia das formas urba- brando, inclusive, que espaços segregados podem ser
nas, a distribuição da população e os centros institucio- constituídos, por exemplo, por fatores étnico-raciais
nais ou focalizando as pessoas e os grupos sociais, os es- (Préteceille, 1997:85). Sem discordar das observações do
tilos de vida e os problemas urbanos. Essas abordagens autor e indo um pouco além, o maior problema não pare-
já não satisfazem mais. A globalização da economia, ce ser o de reduzir a explicação da segregação urbana ao
acompanhada pelo surgimento de uma cultura global, al- fator econômico, mas, ao fazê-lo, considerar somente as
terou profundamente a realidade social, econômica e po- determinações que se dão para além do território da me-
lítica dos Estados-Nação, das regiões transnacionais e (...) trópole, ao contrário, portanto, das explicações clássicas,
das cidades. Utilizando-me do estudo da cidade como um que discutiam o processo de segregação a partir da dinâ-
local determinado onde estão ocorrendo processos glo- mica intrametropolitana. As explicações, por exemplo, de
bais, procuro definir novos conceitos, úteis para o enten- tradição marxista, bastante em voga no final dos anos 60,
dimento da interseção do global e do local no mundo de compreendiam a segregação urbana como elemento estru-
hoje e no de amanhã”. tural da produção capitalista do espaço, portanto como
A afirmação peremptória da autora de que abordagens resultado do conflito capital-trabalho projetado sobre a
anteriores já não satisfazem mais é que permite afirmar realidade urbana (Préteceille, 1995). Os estudos sobre
que há uma pretensão de conceber o processo de globali- cidade global não negam que a apropriação do espaço
zação e o conceito que dele se origina – cidade global – urbano seja desigual, mas parecem sugerir que decorre da
como novo paradigma teórico. Aqui também é possível diferença na renda auferida pelos grupos profissionais
identificar alguns problemas de caráter teórico-metodo- polarizados (Levy, 1997:38). Apesar do tom crítico, a ex-
lógico. Em primeiro lugar, ao conceber a globalização da plicação pretendida não só perde em intensidade em relação
economia como ruptura em relação às lógicas econômi- à explicação clássica, mas, inclusive, a obscurece, principal-
cas que a antecederam, parece ignorar o debate que apon- mente por pretender-se novo paradigma, isto é, por suge-
ta para o caráter ideológico – quando não mítico – deste rir a ruptura definitiva com as explicações que estejam
discurso.7 O problema é que ao privilegiar a relação das vinculadas a outras matrizes teóricas de interpretação.
metrópoles com o processo de globalização reproduz em A questão, pois, que se coloca é se, ao romper definiti-
níveis ainda maiores de abstração a negação do movimento vamente com as explicações clássicas e ao reduzir toda a
histórico específico a cada metrópole analisada. Assim, dinâmica das metrópoles à perspectiva que privilegia ex-
se a forma típico-ideal privilegia o aspecto sincrônico por clusivamente as verticalidades, a forma paradigma do
oposição ao diacrônico, a forma paradigma privilegia as conceito de cidade global não assumiria, também ela, o
verticalidades por oposição às horizontalidades (Santos, caráter ideológico atribuído por vários autores à própria
1997:225). Ou seja, privilegiam-se as explicações que questão da globalização.
decorrem das interferências verticais da globalização so- Antes, no entanto, de responder à questão, é importan-
bre o território da metrópole – as influências da econo- te demonstrar o crescente processo de formalização pre-
mia global – por oposição às interferências horizontais, sente na passagem da forma diagnóstico à forma típico-
entendendo por horizontais as relações sociais locais que ideal e desta para a forma paradigma. De uma para outra,
decorrem no tempo histórico da metrópole. Isso fica bem o que se observa é a negação, em um nível cada vez maior
evidente quando tomamos a questão da segregação urba- de abstração, da dinâmica histórica específica às metró-
na como referência. poles analisadas. Na forma diagnóstico, o movimento his-
Os estudos sobre as cidades globais pretendem sugerir tórico ainda está presente, uma vez que é em decorrência
que, a partir das transformações no mercado de trabalho, mesmo de um processo desencadeado historicamente – a
decorrentes da globalização da economia, há uma apro- globalização da economia – que o conceito pôde ser for-
priação dualizada do espaço urbano. Edmond Préteceille jado. Na forma diagnóstico, o conceito é a nomeação das
(1997:83) já chamou a atenção para o aspecto redutor dessa transformações percebidas no interior das metrópoles do
73
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(4) 2000
Primeiro Mundo e, por refletir esse movimento, não nega reduzida ao processo de globalização da economia, a se-
as contradições que lhe são inerentes: a polarização so- gregação urbana está diretamente relacionada à lógica
cial e a segregação urbana dualizada. de apropriação do espaço urbano. Observar se houve trans-
A partir da forma típico-ideal, o movimento histórico formação nessa lógica a partir do processo de globaliza-
começa a ser abstraído. Em um primeiro momento, pela ção da economia seria uma forma de compreender se de
própria característica do tipo ideal. Em seguida, quando, fato é possível conceber o conceito de cidade global como
sob esta forma, o conceito ganha independência em rela- um novo paradigma. Os estudos sobre cidade global pre-
ção às metrópoles do Primeiro Mundo e passa a ser ins- tendem que sim, quando reduzem a explicação da segre-
trumento de análise de metrópoles consideradas de segunda gação urbana às mudanças no mercado de trabalho pro-
ordem. E por fim, quando as contradições que emergiram vocadas pela globalização da economia. No entanto, é
como efeito de um processo histórico se transmutam em importante lembrar que a globalização age sobre o espa-
atributos do conceito. A polarização social e a segrega- ço urbano não apenas mediada pelo mercado de trabalho,
ção urbana dualizada passam a ser características das ci- mas por intervenções urbanas propriamente ditas. Assim,
dades globais e não mais contradições de um processo se se trata de pensar a segregação urbana por meio da glo-
histórico. Aqui começam as confusões, uma vez que, abs- balização, parece difícil desvinculá-la dessas ações que
traída a especificidade histórica, parece ser complicado têm o espaço urbano como objeto. É nesse confronto en-
delimitar quando tais atributos são devidos à globaliza- tre o conceito de cidade global propriamente dito e as
ção ou não. intervenções urbanas que o têm por mediação que será
A negação definitiva do movimento histórico específi- possível concluir se há ou não alteração na lógica de apro-
co às metrópoles analisadas ocorre com a forma paradig- priação do espaço urbano e, a partir daí, revelar seu real
ma, pois toda sua dinâmica passa a ser determinada por significado, seja ele ideológico ou não.
um fator externo ao seu território e que rompe com todas
as determinações históricas anteriores. As contradições O PADRÃO NORMATIVO
evidenciadas pela forma diagnóstico também o são pela DO CONCEITO DE CIDADE GLOBAL
forma paradigma, mas perdem em intensidade quando re-
metidas exclusivamente à globalização da economia, im- A expressão efetiva da intervenção urbana mediada pelo
possibilitando que se recuperem as explicações clássicas conceito de cidade global é o que se tem chamado atual-
na busca de se compreender a constituição das cidades mente de planejamento estratégico. Compreendido como
globais. o empreendimento de uma terceira geração de urbanistas,
Observando esse processo de formalização, ao que pa- pretende-se um novo paradigma na forma de abordar as
rece o conceito de cidade global vem sendo construído cidades, negando, pelo menos na intenção, o planejamen-
negando não só a especificidade histórica das metrópo- to urbano de tradição moderna bem como a crítica
les, mas a própria condição de ser metrópole das grandes contextualista que lhe deu seqüência (Arantes, 2000). O
cidades, o que explica, a partir de um determinado mo- primeiro teve seu auge no período pós-guerra quando,
mento, a substituição que tem sido feita atualmente de um apoiado em um forte desenvolvimento econômico, acre-
termo pelo outro, quando se trata de discutir os proble- ditava-se que as desigualdades existentes nas cidades se-
mas urbanos. Mas negar as metrópoles em favor da cida- riam minoradas pela organização do espaço urbano. Já no
de global é optar pela perspectiva sincrônica por oposi- final dos anos 60, porém, percebia-se que as desigualda-
ção à diacrônica, pela perspectiva que enfatiza as des urbanas não se reduziam. As próprias intervenções
verticalidades por oposição às horizontalidades, ou, dito públicas no espaço urbano se descobriram responsáveis
de outra forma, por uma concepção de cidade que se defi- pela produção de novas formas de segregação, o que sus-
ne exclusivamente pela relação com a ordem global, dei- citou críticas à direita e à esquerda em relação à prática
xando para trás, ou secundando, a ordem local. Para com- do planejamento urbano (Préteceille, 1995).
preender as implicações dessa opção, importa retomar a Henri Lefebvre, autor vinculado à tradição marxista (ou
questão da segregação urbana que acompanha a defini- marxiana), desenvolveu uma das críticas mais radicais ao
ção do conceito de cidade global. urbanismo desse período (Maricato, 2000:130). Para ele,
A princípio como contradição – na forma diagnóstico –, pas- o urbanismo só adquire sentido porque concebe como
sando à condição de atributo – na forma típico-ideal – e desordem a contradição sobre a qual se funda a cidade
74
CIDADE GLOBAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS SOBRE UM CONCEITO
moderna (1991:23). Pois que, podendo se constituir como (1999b:143). Aos que se vêem excluídos do direito à ci-
sentido e finalidade do processo de industrialização dade, sobram os espaços segregados da moradia – redu-
(1991:80), quando se realizariam as condições objetivas ção peculiar dos problemas da cidade (1999:80) – plane-
à efetivação da sociedade urbana – meio relevante à su- jados por esse mesmo urbanismo que, submetido ao valor
peração definitiva da separação entre homem e natureza de troca, vende cotidianidade como “alegria de viver”
(1999a) –, a cidade acabou reduzida à sua condição de (1991:25).
meio de produção, reprodução e circulação do capital, uma Pelo lado da “ofensiva liberal-conservadora”, o plane-
segunda natureza, portanto, alienada das possibilidades jamento urbano foi acusado, durante toda a década de 70,
de apropriação daqueles que são os diretamente respon- como sendo responsável “pelo desvirtuamento e inibição
sáveis pela sua criação – da cidade como obra e não como das localizações empresariais ótimas e, assim, pela decor-
produto. “Temos à nossa frente um duplo processo ou, se rente degradação das áreas centrais” (Arantes, 2000:21).
se preferir, um processo com dois aspectos: industrializa- Dito de outra forma, atacava-se exatamente a excessiva
ção e urbanização, crescimento e desenvolvimento, pro- regulação do espaço urbano como impeditiva do cresci-
dução econômica e vida social. mento das cidades. Já estava em movimento, portanto, uma
Os dois ‘aspectos’ desse processo, inseparáveis, têm reivindicação em favor de uma desregulamentação e maior
uma unidade, e, no entanto, o processo é conflitante” flexibilidade do Estado de Bem-Estar que não se referia,
(1991:9). Conflito que se instala entre duas lógicas diver- obviamente, somente ao espaço urbano, mas também a ele,
sas de apropriação do espaço urbano: a lógica da merca- o que evidencia o papel importante que as cidades pos-
doria, que concebe o espaço como meio de reprodução da suíam – e possuem – no processo de acumulação e repro-
mais-valia, pois também ele é produto do trabalho social, dução do capital.
e a lógica da sociedade urbana, compreendida como me- As críticas ao planejamento urbano, principalmente as
diação necessária ao desenvolvimento do processo de que vieram de posturas localizadas mais à esquerda, ge-
humanização (1991:82). Ora, o que os urbanistas fazem, raram um movimento, de intenção claramente oposicio-
quase sem saber – não só, mas também os sociólogos, ar- nista, que sobrepunha a cidade valor de uso à cidade com-
quitetos, filósofos, economistas (1991:107) –, é negar esse preendida como valor de troca. Como lembra Otília
conflito e, por conseqüência, negar as possibilidades de Arantes (2000:44) “nada mais antivalor (de troca) do que
superação dessa contradição. E isso porque reduzem a o ‘lugar’ redescoberto e contraposto ao espaço homogê-
compreensão do espaço urbano a suas representações. “O neo dos modernos e do mercado. Portanto, muito melhor
pensamento dos tecnocratas oscila entre a representação reabilitar do que demolir; intervenção, só em migalhas;
de um espaço vazio, quase geométrico, tão-somente ocu- reativar a memória porém evitando o assassinato museo-
pado pelos conceitos, pelas lógicas e estratégias no nível gráfico dos sítios históricos; valorizar o contexto, o hábitat
racional mais elevado, e a representação de um espaço ordinário, reanimar a vida dos bairros, sem violentar os
finalmente pleno, ocupado pelos resultados dessas lógi- moradores, e por aí afora...”.
cas e estratégias” (1999b:141). Se, por um lado, essas críticas foram importantes para
O espaço da cidade, reduzido à sua “morfologia mate- revelar o “padrão tecnocrático-centralizado-autoritário”
rial”, é que permite, portanto, sua apropriação pelo capi- (Vainer, 2000a:75) do planejamento urbano e sua conse-
tal que, por sua vez, também ignora a condição da cidade qüente postura ideológica, por outro, introduziram uma
como obra de relações sociais estabelecidas ao longo da crise nas próprias ações de planejamento que passaram a
história. O que se produz coletivamente pode ser apropria- ser descartadas ou concebidas pontualmente, fragmentando
do de modo privado em decorrência de sua concepção os espaços da cidade, privilegiando o local por oposição
como espaço vazio e disponível, e que, como tal, pode ao global. Mesmo onde “o planejamento urbano global e
ser comprado e vendido livremente (1999b:142). de longo prazo” sequer havia sido implementado, como é
O urbanismo acaba se definindo como ideológico o caso, por exemplo, da metrópole de São Paulo, mesmo
(1991:24) porque “encobre essa gigantesca operação. Ele aí sua morte foi antecipadamente decretada (Villaça,
dissimula seus traços fundamentais, seu sentido e finali- 1995:46). É nesse vazio, portanto, que o planejamento
dade. Ele oculta, sob uma aparência positiva, humanista, estratégico vem se inserir.
tecnológica, a estratégia capitalista: o domínio do espa- Embora Barcelona – totalmente reformulada para sediar
ço, a luta contra a queda tendencial do lucro médio etc.” os jogos Olímpicos de 1992 – tenha se constituído em sím-
75
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(4) 2000
bolo privilegiado dessa forma de intervenção urbana, ex- as metrópoles no sistema mundial de rede de cidades a fim
portando, inclusive, consultores para as demais cidades de que possam disputar os investimentos estrangeiros dis-
do mundo (Vainer, 2000a:75), as primeiras ações que poníveis no mercado global (Borja, 1994). Essa intenção
obedeceram à lógica do planejamento estratégico locali- iria ao encontro da Conferência de Cidades Européias, re-
zaram-se nas cidades americanas, a partir dos anos 70 alizada em 1986 em Roterdã, e que “definiu as cidades como
(Arantes, 2000:22; Borja e Castells, 1996:154). Outras motores do desenvolvimento econômico”( Borja e Castells,
cidades sofreram intervenções semelhantes: Paris, Lon- 1996). Verdadeiras “máquinas de crescimento”, como dirá
dres, Bilbao, Lisboa, para citar as mais conhecidas Otília Arantes, transformando o planejador urbano em
(Arantes, 2000). No Brasil, o planejamento estratégico foi planejador-empreendedor. Trata-se, a partir daí, de “cons-
homologado em 1995 na cidade do Rio de Janeiro (Vainer, truir cidade” (Borja, 1994:16).
2000b). Em comum, as linhas mestras do planejamento Para tornar as metrópoles competitivas, segundo Jordi
estratégico: a identificação de uma crise na centralidade Borja (1994:13) – sociólogo e urbanista responsável pela
econômica da cidade; a necessidade de torná-la competi- consultoria aos planejamentos estratégicos de Barcelona,
tiva aos investimentos estrangeiros; uma ação que venda Lisboa, Bogotá e Rio de Janeiro –, é preciso promover
a imagem da cidade para o mundo, a partir da descoberta uma alteração em suas “bases territoriales” de maneira a
de algo que possa se constituir em sua marca de identida- que “sean eficientes” às “empresas-red” que, em decor-
de; a “parceria” entre os recursos públicos e o capital pri- rência do desenvolvimento das novas tecnologias de co-
vado; a busca de um consenso entre todos os atores urba- municação estão livres para escolher a melhor localiza-
nos, a fim de que o projeto possa ser realmente efetivado ção. Um estudo realizado pelo Instituto Europeu de
(Borja e Castells, 1996; Arantes, 2000; Vainer, 2000b). Economia Urbana, em que foram ouvidos 50% de empre-
Tornar as cidades competitivas parece ser o “teorema sários e 50% de “expertos, universitários, investigadores,
padrão” do planejamento estratégico, como analisa Otília periodistas etc.”, aponta quatro fatores de atração nos quais
Arantes (2000:13): “que as cidades só se tornarão prota- as cidades que se pretendem competitivas devem inves-
gonistas privilegiadas, como a Idade da Informação lhes tir: infra-estrutura de comunicação – aeroportos, teleco-
promete, se, e, somente se, forem devidamente dotadas municações, infra-estrutura de internacionalização da eco-
de um Plano Estratégico capaz de gerar respostas compe- nomia, feiras, exposições, hotéis; terciário de excelência
titivas aos desafios da globalização (...), e isto a cada opor- – centros de pesquisa, recursos humanos qualificados;
tunidade (...) de renovação urbana que porventura se apre- qualidade de vida – oferta cultural, bom clima, ambiente
sente na forma de uma possível vantagem comparativa a urbano, vida na rua; e “buena imagem, que la ciudad esté
ser criada”. Seria, portanto, uma resposta “a uma conjun- de moda, que tenga prestígio al nivel internacional”
tura histórica marcada pela desindustrialização e conse- (Borja,1994:15).
qüente desinvestimento de áreas urbanas significativas, a Conforme têm demonstrado as realizações efetivas do
terceirização crescente das cidades, a precarização da força planejamento estratégico, a preocupação com a “buena
de trabalho remanescente e sobretudo a presença desesta- imagem” tem assumido uma centralidade em relação aos
bilizadora de uma underclass fora do mercado” (Arantes, demais, o que se observa pela prioridade que os planeja-
2000:31). dores-empreendedores têm dado aos investimentos na área
Assim, diante da “sensação de crise [gerada] pela da cultura. Os exemplos mais conhecidos são o de Bilbao,
conscientização da globalização da economia” (Borja e em que a “requalificação” pretendida deveria irradiar-se
Castells, 1996:156) seria preciso promover uma interven- a partir da instalação do Museu Guggenheim 9, o de Bar-
ção sobre as metrópoles de maneira a inseri-las “nos espa- celona – já citado – e o de Lisboa, onde, aproveitando-se
ços econômicos globais”, com o objetivo de garantir “à sua a oportunidade de dois grandes eventos relativos à área
população (...) um mínimo de bem-estar para que a convi- cultural – as olimpíadas de 1992 e a Exposição Mundial,
vência democrática possa se consolidar” (Borja e Castells, em 1998, respectivamente –, promoveram-se as reformas
1996: 155). Parte-se, portanto, do pressuposto que a recu- necessárias à “recuperação” daquelas cidades. A priori-
peração da centralidade econômica das metrópoles, perdi- dade concedida à área cultural está, de um lado, relacio-
da por causa do processo de reestruturação produtiva, se- nada à imagem positiva que a cultura possui entre os ha-
ria condição sine qua non para garantir a democratização bitantes da metrópole onde a reforma pretende ser
da sociedade. Para tanto é que se torna necessário inserir empreendida, mas também por garantir credibilidade aos
76
CIDADE GLOBAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS SOBRE UM CONCEITO
que olham “de fora”, alvo principal das mudanças que o fazer a crítica à compreensão da cidade como mercadoria
planejamento estratégico propõe. Seria, portanto, um (valor de troca). Por isso defende o “lugar”, o valor de
catalisador importante de consensos e investimentos. Um uso, a identidade, como uma maneira de se contrapor ao
ponto estratégico, para ficar nos termos com o qual o pró- caráter tecnocrático e ideológico do planejamento moder-
prio planejamento se define, a partir do qual toda a cida- no. Já para a perspectiva estratégica, a cultura não se cons-
de em questão poderia vir a ser modificada (Arantes, titui em mediação para a crítica, mas, ao contrário, é o
2000)9. meio de intervenção para construir uma imagem favorá-
Outra linha mestra do planejamento estratégico define vel da cidade, uma “buena imagem”, que a torne competi-
que os investimentos no espaço urbano devem ser reali- tiva para disputar o capital internacional. A imagem pro-
zados a partir da parceria entre o setor privado e o setor duzida pelo investimento na área cultural importa não para
público (Borja e Castells, 1996:159). Além, obviamente, negar, mas para efetivar definitivamente a cidade como
da crise fiscal que poderia haver nas metrópoles em de- mercadoria (Arantes, 2000; Vainer, 2000a). Assim, o que
corrência do processo de desindustrialização, que deman- se opunha – a cultura à mercadoria – passa a se constituir
daria, portanto, uma ação “concertada” dos dois setores, em uma nova unidade, uma unidade híbrida. Insiste-se
está uma visão pragmática de cidade associada à idéia de no termo híbrido, e não contraditório, porque há muito
parceria (Vainer, 2000a:86). Ou seja, é preciso adotar po- a cultura não se opõe mais à lógica da mercadoria, tendo
líticas eficazes que garantam definitivamente a superação ela mesma assumido essa condição (Adorno, 1994). No
da crise das metrópoles. “As formas de gestão e de con- caso específico das cidades globais, a intenção dos inves-
tratação devem assegurar a agilidade e a transparência e timentos na área da cultura não é outra a não ser atrair
responder a critérios de eficiência econômica e eficácia dividendos.
social e não de controle político ou burocrático” (Borja e O caráter híbrido do planejamento estratégico, no en-
Castells, 1996:159). tanto, não se revela somente em relação à perspectiva
Por fim, para que a recuperação econômica das metró- contextualista, mas também quando se contrapõe ao pla-
poles possa ser alcançada é necessário que haja “a vonta- nejamento urbano moderno. A crítica marxista dos anos
de conjunta e o consenso público para que a cidade dê um 70 revelou serem contraditórias a lógica da mercadoria e
salto adiante, tanto do ponto de vista físico, como econô- a lógica da sociedade urbana, presentes na origem da ci-
mico, social e cultural” (Borja e Castells, 1996:156). dade moderna. Ao planejamento urbano moderno foi, en-
Embora se pretenda um novo paradigma, uma análise tão, atribuído um caráter ideológico porque, sob um dis-
crítica, que se atenha a essas linhas mestras do planeja- curso que pretendia superar as desigualdades do espaço
mento estratégico, revela sobretudo o seu caráter híbrido. urbano e que, portanto, se alinhava a favor da socieda-
Porque o paradigma pressupõe uma ruptura com o que lhe de urbana, encobria-se uma prática que terminava por le-
antecedeu, pretende-se uma nova abordagem, uma nova gitimar a lógica de apropriação do espaço pelo capital.
matriz teórica, ao passo que o híbrido é formado pela No caso do planejamento estratégico, a assimilação da ci-
complementaridade dos aspectos que, originalmente, se dade como mercadoria não é uma revelação que possa de-
opõem. O planejamento estratégico não nega nem o pla- nunciar seu caráter ideológico, mas é, para seus idealiza-
nejamento urbano moderno, nem a perspectiva contextua- dores, a condição mesma de superação da crise das
lista, pelo menos não em sua totalidade. Ao contrário, re- metrópoles. Não parece haver intenção de recobrir esse
cupera de cada um os seus melhores elementos com o aspecto, até porque o contexto histórico o favorece, uma
intuito de produzir algo de novo. vez que a “crise” da matriz explicativa que denunciava a
Assim, ao mesmo tempo em que recupera a idéia de “má” consciência da mercadoria tem permitido que ela seja
planejamento, incorporando inclusive o termo à sua de- assimilada livremente. O aspecto híbrido do planejamen-
nominação (Arantes, 2000:13), sua atuação está mais pró- to estratégico no seu diálogo com o planejamento urbano
xima da perspectiva contextualista por privilegiar ações moderno revela-se, então, na relação de complementari-
pontuais, com ênfase para os investimentos na área da dade estabelecida entre a lógica da mercadoria – a cidade
cultura. Mas se nisso se assemelham, distanciam-se quan- que deve se tornar competitiva para atrair investimentos
to ao papel que a cultura desempenha em cada uma das estrangeiros... – e a lógica da sociedade urbana – ... para
diferentes perspectivas. Na perspectiva contextualista, a que possa haver uma democratização maior do convívio
cultura é assumida como lugar a partir do qual é possível social.
77
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(4) 2000
No entanto, a aproximação das duas lógicas não é ingê- pensamento marxista que, hoje, de certa forma, vem sen-
nua. Ao contrário, parece haver plena consciência dos do escamoteado não só pela força com que se impôs o
propositores do planejamento estratégico da dificuldade pensamento neoliberal, mas também pelo próprio recuo
dessa aproximação. A evidência disso é que concebem da esquerda – digo teórico – na discussão de alternativas
como pressuposto necessário à efetivação da recuperação que pretendam a superação das contradições entre a lógi-
econômica das cidades o que denominam de “consenso ca da mercadoria e a lógica da sociedade urbana. Qual-
público”. Diante da “sensação de crise”, que consideram quer discussão nesse sentido sugere um ar “passadista”
presente entre todos os habitantes das metrópoles que bem difícil de assumir. Há ainda o forte pragmatismo que
atualmente enfrentam as alterações geradas pela reestru- tem se imposto na maneira de olhar a cidade (Vainer,
turação produtiva, somente uma ação conjunta poderá le- 2000a:86). A idéia de “fazer cidade” (Arantes, 2000:30),
var à possibilidade de sua superação. Assim, o consenso ou “construir cidade”, como diz Borja, é uma idéia
é pressuposto – ou imposto, como diria Chico de Oliveira consensual. No entanto, como mencionado no início des-
(1999) –, é condição, uma “trégua” que coloca entre pa- te artigo, parece difícil um fazer que negue a mediação
rênteses o conflito histórico entre diferentes grupos sociais, teórica, seja ela qual for. Pois não seriam teóricas as pro-
com interesses também diferentes, em torno do melhor postas sugeridas pelo planejamento estratégico? Da mes-
sentido a ser atribuído ao espaço urbano (Vainer, 2000a:92- ma forma, um fazer que abdique da reflexão sobre os im-
93). Isso também explica o porquê de assumirem aberta- pactos que venha causar na realidade prática também se
mente a parceria entre os poderes público e privado, igno- constitui em um fazer alienado, que sequer se justifica
rando as críticas clássicas que denunciaram a mediação do diante da necessidade de suplantar os problemas urbanos,
Estado na acumulação e reprodução do capital. Tudo pa- pois sendo a ação acrítica, ela mesma pode contribuir para
rece encontrar justificativa na “crise”. Diante de sua gran- aprofundá-los. Dessa forma, não se vai propor a crítica
deza, toda a conjunção de esforços parece ser pequena. dos termos que compõem o planejamento estratégico, o
Além disso, trata-se de produzir soluções emergenciais, efi- que já foi feito por quem possui maior competência técni-
cazes e eficientes, termos que compõem o imaginário da ca,10 mas de sua efetivação prática em um contexto como
ação do poder privado e não do poder público, denunciado a metrópole de São Paulo. Se se trata de “construir cida-
como “ineficiente” pelos adeptos do pensamento neolibe- de”, que a crítica revele os impactos desse fazer.
ral a partir da “falência” do Estado de Bem-Estar Social.
Pela sua condição híbrida, o planejamento estratégico EFEITOS DA “CIDADE GLOBAL”
impede que se transponha de forma automática a crítica SOBRE A METRÓPOLE DE SÃO PAULO
que durante os anos 70 foi feita ao planejamento urbano
moderno. “O questionamento da transformação da cidade O planejamento urbano moderno tentou romper o cír-
em mercadoria se dilui no momento em que ela ressurge culo cidade-mercadoria/segregação urbana por meio de
travestida de empresa [a questão da necessidade de efi- uma organização técnica e racional do espaço. Intenção
ciência na solução dos problemas urbanos]; e a crítica a fracassada, segundo seus críticos, uma vez que estava mais
esta analogia perde sentido quando é a cidade-pátria que vinculada à lógica da mercadoria do que poderia supor.
emerge [a necessidade do consenso para superar uma cri- Agora, novamente, o planejamento estratégico pretende
se também consensual], oferecendo a paz, a estabilidade democratizar o convívio social, o que implica, sem dúvi-
e a garantia de líderes capazes de encarnar, graças a seu da, a intenção de superar a segregação urbana. O proble-
carisma, a totalidade dos citadinos. Essa permanente fle- ma é que assume a condição da cidade-mercadoria e acre-
xibilidade e fluidez conceitual opera como poderoso ins- dita que pela estratégia do “consenso público” seja possível
trumento ideológico, fornecendo múltiplas e combinadas, romper com aquele círculo vicioso. Mas, segundo Arantes
mesmo se contraditórias, imagens e representações, que (2000:23), os efeitos do planejamento estratégico pare-
podem ser usadas conforme a ocasião e a necessidade” cem revelar outra coisa. Nas cidades americanas, onde foi
(Vainer, 2000a:100). pioneiro, as reformas empreendidas, por exemplo, em
Além disso, o planejamento estratégico se inclui em Baltimore, nos anos 70, resultaram um “impacto nulo so-
um contexto teórico diferente do vivido pelo planejamen- bre a pobreza e demais déficits sociais”. O mesmo pro-
to urbano moderno, pois as críticas mais radicais que a cesso aconteceu em Nova York, no bairro SoHo, hoje
esse se dirigiam fundavam-se em matrizes vinculadas ao mundialmente conhecido por ser reduto de artistas, arqui-
78
CIDADE GLOBAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS SOBRE UM CONCEITO
tetos, cineastas famosos, e que terminou na “migração tos públicos têm contribuído para a valorização imobiliá-
forçada de seus antigos moradores” (Arantes, 2000:32). ria das regiões onde são aplicados, tornando o custo de
Em Londres, a ação se deu sobretudo na sua porção leste, vida mais caro e expulsando a população mais pobre, que,
mas isso não significou melhor condição de vida para a por não poder arcar como os altos custos, migra para regiões
população mais pobre que historicamente habita a região. que lhe são mais acessíveis, porque quase sempre ilegais e
Ao contrário, a partir dos anos 80, a região passou a ser desprovidas de qualquer serviço público básico que ga-
conhecida como reduto dos yuppies, “com os preços dos ranta um mínimo de condição de vida urbana (Kowarick,
terrenos valorizados em até 2.000%”, preço que, obvia- 1979:82).13 Situação que, normalmente, não ocorre por
mente, a população mais pobre não pode pagar (Arantes, causa de um fatalismo qualquer, mas por “alianças” polí-
2000:35). Em Barcelona, cidade paradigma do planeja- ticas entre setor público e privado, em que o primeiro, por
mento estratégico, houve o início de um processo de meio da ação do governo municipal, privilegia o mercado
periferização até então desconhecido pela cidade (2000: imobiliário ao decidir as prioridades de seus investimen-
57). Estes, entre outros, são exemplos que permitem con- tos (Maricato, 2000:159)14. A questão é saber se o “con-
cluir pela “gentrificação” dos espaços sobre os quais atua senso público” entre os setores público e privado preco-
o planejamento estratégico. “Daí a má consciência que nizado pelo planejamento estratégico não viria exatamente
costuma acompanhar o emprego envergonhado da pala- legitimar uma prática que tem se revelado a maior res-
vra, por isso mesmo escamoteada pelo recurso constante ponsável pelas desigualdades sociais na metrópole de São
ao eufemismo: revitalização, reabilitação, revalorização, Paulo ou se, de fato, haveria condições de superá-las em
reciclagem, promoção, requalificação (...) mal encobrin- favor de um convívio social mais democrático.
do, pelo contrário, o sentido original de invasão e recon- Em livro publicado recentemente, Heitor Frúgoli (2000)
quista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao co- analisa as práticas de intervenção urbana em São Paulo
ração as cidades” (Arantes, 2000:31). defendidas pelas Associações Viva o Centro, constituída
A dificuldade de transpor o planejamento estratégico em 1991, e Paulista Viva, em 1995, que, embora não se-
para metrópoles como São Paulo é que, se em Barcelona jam ações oficialmente concebidas no interior de um pla-
o processo de periferização era até então desconhecido, nejamento estratégico, dele se aproximam. A primeira,
aqui ele é o principal elemento estruturador da organiza- inclusive, por iniciativa própria, promoveu, em 1994, duas
ção do espaço (Rolnik, 1997:28; Véras, 1992:81). Segundo palestras sobre “cidade mundial” para as quais foi cha-
Caldeira, é possível estabelecer três padrões de configu- mado Jordi Borja (Borja, 1994; Frúgoli, 2000:76). Assim,
ração da segregação urbana na metrópole de São Paulo: a é possível dizer que são pontos de contato entre essas
que opõe cidade legal à cidade ilegal,11 que predominou Associações e o planejamento estratégico: a reforma ur-
até os anos 40; a que se demarca pela relação centro-peri- bana pensada como intervenção pontual em espaços ur-
feria,12 intensificada a partir a década de 50; e, por fim, a banos considerados estratégicos ao desenvolvimento da
que se estabelece a partir dos anos 80 e que, embora não cidade, como são o centro histórico e a Avenida Paulista,
negue as anteriores, caracteriza-se pela proximidade es- centro financeiro elevado à condição de símbolo da cida-
pacial dos diferentes grupos sociais, mas que estão sepa- de em 1990 (Frúgoli, 2000:135);15 intervenção que, por
rados por “muros e tecnologias de segurança, e tendem a sua vez, vem precedida de um diagnóstico que aponta para
não circular ou interagir em áreas comuns”. São os cha- a degradação desses mesmos espaços urbanos. No caso
mados “enclaves fortificados” (Caldeira, 2000). Embora do centro histórico de São Paulo, além de o diagnóstico
seja importante chamar a atenção para as descontinuidades contar com a contribuição da percepção subjetiva da maior
presentes na configuração espacial da segregação urbana parte da população, quando a Associação Viva o Centro
em São Paulo, cumpre evidenciar que uma mesma lógica se constituiu vinha ao encontro do interesse dos proprie-
perpassa esses três padrões: uma associação entre poder tários de imóveis localizados na área e que se sentiam
público e poder privado na constituição da cidade-merca- prejudicados pela “saída” de empresas e instituições fi-
doria, ou, dito de outra forma, o desenvolvimento de obras nanceiras que buscavam localização mais favorável
de infra-estrutura urbana como forma de estímulo à espe- (Frúgoli, 2000:69). Também a Associação Paulista Viva
culação imobiliária e não à democratização da cidade partiu de um diagnóstico que centrava sua preocupação
(Kowarick, 1979:81; Maricato, 2000:157). Invariavelmen- na desvalorização patrimonial da avenida (Frúgoli,
te, na história da metrópole de São Paulo, os investimen- 2000:145); intervenções que privilegiam investimentos na
79
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(4) 2000
área cultural. No caso da Associação Viva o Centro te- poder privado com vistas a garantir uma revalorização
mos presenciado as reformas da Pinacoteca do Estado, da imobiliária tanto da região central, como da Avenida Pau-
Estação Júlio Prestes e, mais recentemente, o Parque da lista. Aliás, essa é a intenção quase que explícita na cria-
Luz. Na Paulista, o projeto aprovado para sua recupera- ção das duas associações. Embora a “revalorização” seja
ção tem o Masp como ponto de irradiação e se legitima o propósito mesmo do planejamento estratégico, aqui re-
por um discurso que salienta a importância cultural da afirma e legitima uma prática histórica que tem sido per-
Avenida para a cidade, pois abriga em sua extensão mu- versa e excludente, como aliás demonstra a quase inexis-
seus – o próprio Masp e a Casa das Rosas –, cinemas, o tência de participação dos setores populares na decisão
Instituto Cultural Itaú, espaços de exposição para artes sobre o “construir cidade” e a expulsão dos camelôs, tan-
plásticas, como os da Fiesp e do Sesc, o Parque Trianon, to da Paulista como do centro histórico, sem que tenham
etc. (Frúgoli, 2000:151); a associação entre o poder pri- sido sequer ouvidos sobre outras possíveis alternativas.
vado e o poder público, com a iniciativa do setor priva- Coincidentemente, ou não, no mesmo período em que as
do. As duas associações são predominantemente compos- associações foram criadas, mais especificamente entre
tas por membros representantes do setor empresarial, com 1991 e 1996, houve um adensamento populacional das
ênfase para as instituições financeiras. No caso da Viva o regiões periféricas – com destaque para o bairro de
Centro, o Banco de Boston desempenha papel hegemônico Anhangüera, cujo número de moradores aumentou em
(Frúgoli, 2000:71) e o Banco Itáu lidera as ações da Pau- 129,96% – onde as condições de exclusão social são maio-
lista Viva que tem Olavo Setúbal como seu presidente. A res, e uma redução no número de moradores dos bairros
participação de setores populares, de associações de mo- em que o índice de exclusão é praticamente inexistente,
radores, de sindicatos de trabalhadores é quase inexisten- como é o caso do bairro Jardim Paulista (Sposati, 2000).16
te, quando não ausente (Frúgoli, 2000:150). Além disso, É claro que estudos qualitativos precisariam melhorar essas
essas associações têm grande poder de influência na defi- trajetórias. No entanto, esses dados rapidamente indicados
nição das políticas públicas e dos investimentos que o evidenciam que o binômio investimento público-valorização
poder público deve empreender sobre a cidade. Exemplo imobiliária continua sendo um mecanismo eficiente de ex-
disso é a criação do Pró-Centro, em 1993 (Frúgoli, clusão. O que há de novo no planejamento estratégico em
2000:81). Além de ser um organismo criado com a inten- São Paulo não é, portanto, a “parceria consensual” entre
ção de fornecer a contrapartida pública às ações defini- setor público e privado, mas é a capacidade de revelar
das pela Viva o Centro, não contava, em sua criação, com como consenso aquilo que, de fato, é a apropriação priva-
nenhuma participação de sindicato de trabalhadores ou da do espaço público para interesses exclusivos da lógica
organização popular (Frúgoli, 2000:83). Também as de- de reprodução e ampliação do capital. Ao legitimar uma
cisões tomadas pelo poder público, em 1997, em relação prática histórica da metrópole de São Paulo, reproduzin-
à Avenida Paulista, não só foram apoiadas pela Associa- do as condições que sempre estiveram presentes na consti-
ção Paulista Viva como vinham ao encontro das discus- tuição da segregação urbana, o planejamento estratégico
sões que tinha acumulado, como é o caso, por exemplo, confirma seu caráter ideológico.
da diminuição de linhas de ônibus sugerida pelo projeto A segregação urbana, portanto, pelo menos por enquan-
proposto de “requalificação”. A expulsão dos camelôs da to, não parece ter sido superada pelo planejamento estra-
Paulista – ação que também se repetiu no centro histórico tégico. Ao contrário, as suas ações têm conduzido a um
– e a proibição de manifestações políticas no centro fi- processo de valorização do espaço “requalificado” repro-
nanceiro da cidade, lei de autoria do vereador e ex-pre- duzindo-o para a apropriação do capital e a conseqüente
feito Miguel Colassuono e sancionada pelo prefeito em expulsão de quem não pode pagar por essa “mercadoria
1996, também foram ações apoiadas pela Paulista Viva de luxo” (Vainer, 2000a:82). O maior problema, no en-
(Frúgoli, 2000). tanto, é que a população expulsa dos espaços “requali-
Esse rápido esboço evidencia que, embora sob o signo ficados” parece se contentar em apreender subjetivamen-
do planejamento estratégico, as ações das duas associa- te esta cidade-fetiche, posta na vitrine graças ao brilho que
ções reproduzem, sob uma nova indumentária, um esque- a cultura lhe empresta (Sawaia, 1995).
leto há muito conhecido na metrópole de São Paulo, paro- A questão que fica: revelado o caráter ideológico do
diando frase clássica de Adorno (1994). Assim, observa-se planejamento estratégico, é possível atribuí-lo ao concei-
a mesma relação “concertada” entre o poder público e o to de cidade global?
80
CIDADE GLOBAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS SOBRE UM CONCEITO
81
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(4) 2000
busca daquilo que é específico ao mundo ocidental moderno (...) em termos da CORDEIRO, H.K. “A ‘cidade mundial’ de São Paulo: o complexo corporativo
busca, em outras configurações históricas, de traços que não fossem congruentes do seu centro metropolitano”. In: Anais... ANPUR, 1993, p.318-331.
com essa racionalização especificamente européia de vida” (Cohn, 1991:15). FRÚGOLI, H.J. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negocia-
6. Para crítica semelhante, ver Marques e Torres (1997), quando analisam os pro- ções na metrópole. São Paulo, Cortez Edusp, 2000.
blemas sobre o que chamam método de análise de atributos. HIRST, P. e THOMPSON, G. Globalização em questão. Petrópolis, Vozes, 1998.
7. Para uma discussão sobre a globalização como mito e ideologia ver Hirst e KOWARICK, L. A espoliação urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
Thompson (1998); Bourdieu (1998); Batista Jr. (1998); Muzio (1999).
LÉFÈBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo, Editora Moraes, 1991.
8. Vale lembrar a disputa entre as cidades da América Latina para sediar uma
__________ . A cidade do capital. Rio de Janeiro, DP&A, 1999a.
“versão” do Museu Guggenheim.
__________ . A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999b.
9. Para uma discussão mais detalhada e riquíssima sobre o papel de centralidade
da cultura para o planejamento estratégico ver Arantes (2000). LEVY, E. Democracia nas cidades globais: um estudo sobre Londres e São Paulo.
São Paulo, Studio Nobel, 1997.
10. Ver as análises de Arantes, Vainer e Maricato (2000).
MARICATO, E. “As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias: planejamento
11. Para um discussão detalhada sobre a segregação urbana em São Paulo até os
urbano no Brasil”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.B. e MARICATO, E.
anos 40 ver Rolnik (1997).
(orgs.). Op. cit., 2000, p.121-192.
12. Para uma reflexão clássica a respeito de tema, ver Kowarick (1979).
MARQUES, E. e TORRES, H. e “São Paulo no sistema mundial de cidades”. In:
13. “A dinâmica de produção dos espaços urbanos, ao gerar uma melhoria, cria Encontro Alas, São Paulo, 1997, mimeo.
simultânea e constantemente milhares de desalojados e desapropriados que ce-
MARTINS, J.S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo, Paulus, 1997.
dem seus locais de moradia para grupos de renda que podem pagar o preço de um
progresso que se opera através de uma enorme especulação imobiliária. Tal tra- MUZIO, G. “A globalização como estágio de perfeição do paradigma moderno:
ma urbana só pode levar à fixação das camadas pobres em zonas desprovidas de uma estratégia possível para sobreviver à coerência do processo”. In: OLI-
serviços públicos, até o dia em que, com o crescimento da Metrópole, também VEIRA, C. e PAOLI, M.C. (orgs.). Os sentidos da democracia: políticas
destes locais terão de ser expulsos se, porventura, sua iniciativa política conti- do dissenso e hegemonia global. Petrópolis, Vozes, 1999, p.133-161.
nuar bloqueada” (Kowarick, 1979:82). OLIVEIRA, C. “Privatização do público, destituição da fala e anulação da políti-
14. “A gestão de Paulo Salim Maluf na prefeitura de São Paulo (1993/96) foi ca: o totalitarismo neoliberal”. In: OLIVEIRA, C. e PAOLI, M.C. (orgs.).
exemplar nesse sentido (...). Ao invés de priorizar o caráter público e social dos Op cit., Petrópolis, Vozes, 1999, p.55-81.
investimentos municipais em uma cidade com gigantescas carências, o governo PRÉTECEILLE, E. “Segregations Urbaines”. Revue Sociétés Contemporaines.
municipal o fez de acordo com interesses privados, em especial de empreiteiras n.22, jun/set. 1995, mimeo.
de construção pesada e agentes do mercado imobiliário” (Maricato, 2000:159). __________ . “Cidades globais e segmentação social”. In: RIBEIRO, L.C.Q. e
15. A intervenção nos centros históricos das cidades é, inclusive, uma das pro- SANTOS JÚNIOR, O.A. (orgs.). Globalização, fragmentação e reforma
postas levantadas por Jordi Borja na palestra do dia 12 de dezembro de 1994 urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro, Civiliza-
para a Associação Viva o Centro (Borja, 1994:15). ção Brasileira, 1997, p.65-89.
16. “Entre 1991 e 1996, os 37 distritos que viram a situação social melhorar per- ROLNIK, R. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade
deram cerca de 260 mil moradores (queda de 8,4%). Nessas localidades, a popu- de São Paulo. São Paulo, Studio Nobel, 1997.
lação caiu de 3,09 milhões em 1991 para 2,83 milhões em 1996. Nos mesmos SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Pau-
cinco anos, a população dos 53 distritos onde pioraram as condições de vida se lo, Hucitec, 1997.
elevou em 10% (470 milhões), enquanto a taxa de crescimento médio da cidade
foi de 2%” (Toledo e Alencar, 2000). SASSEN, S. As cidades na economia mundial. São Paulo, Studio Nobel, 1998.
SAWAIA, B.B. “O calor do lugar: segregação urbana e identidade”. São Pau-
lo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.2, abr./jun. 1995,
p.20-24.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SPOSATI, A. Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo/2000.
Dinâmica social dos anos 90. São Paulo, Polis, Inpe, PUC – SP, 2000.
TODOROV, T. O homem desenraizado. Rio de Janeiro, Record, 1999.
ADORNO, T. “A indústria cultural”. In: COHN, G. Theodor W. Adorno. São
Paulo, Ática, 1994, p.92-99. TOLEDO, J.R. e ALENCAR, K. “Regiões mais ricas perdem habitantes”. Folha
de S.Paulo. Caderno Cotidiano 24/12/2000, p.3.
ARANTES, O. “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”. In:
ARANTES, O.; VAINER, C.B. e MARICATO, E. (orgs.). A cidade do pen- VAINER, C.B. “Pátria, empresa, mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva
samento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000, p.11-74. do Planejamento Estratégico Urbano”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.B. e
MARICATO, E. (orgs.). Op. cit., 2000a, p.75-103.
BATISTA JR., P.N. “Mitos da globalização”. Revista Estudos Avançados. São
Paulo, Edusp, jan./abr. 1998, p.125-186. __________ . “Os liberais também fazem planejamento urbano? Glosas ao Pla-
no Estratégico do Rio de Janeiro”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.B. e
BORJA, J. “A ciudad mundial”. In: MEYER, R. (org.). Memória, encontro, sé- MARICATO, E. (orgs.). Op. cit., 2000b, p.105-119.
culo XXI. São Paulo, Editora Viva o Centro, 1994, p.11-16.
VÉRAS, M.P.B. “Cortiços em São Paulo: velhas e novas formas de pobreza urbana e
BORJA, J. e CASTELLS, M. “As cidades como atores políticos”. Revista Novos da segregação social”. In: BÓGUS, L.M.M. e WANDERLEY, L.E.W. (orgs.).
Estudos. São Paulo, Cebrap, n.45, jul. 1996, p.152-166. A luta pela cidade de São Paulo. São Paulo, Cortez, 1992, p.81-126.
BOURDIEU, P. “A economia das trocas lingüísticas”. In: ORTIZ, R. (org.). Pierre __________ . “Novos olhares sobre São Paulo: notas introdutórias sobre territó-
Bourdieu. São Paulo, Ática, 1994, p.156-183. rios, espaços e sujeitos da cidade mundial”. Margem. São Paulo, Educ, n.6,
__________ . Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de dez.1997, p.129-153.
Janeiro, Zahar, 1998. VILLAÇA, F. “A crise do planejamento urbano”. São Paulo em Perspectiva. São
CALDEIRA, T.P.R. Cidade dos muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.2, abr./jun. 1995, p.45-51.
Paulo. São Paulo, Edusp Editora 34, 2000. WEBER, M. “A ‘objetividade’ do conhecimento nas ciências sociais”. In: COHN,
COHN, G. (org.) “Introdução”. In: Weber. São Paulo, Ática, 1991. G. Weber. São Paulo, Ática, 1991, p.79-127.
82