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DIEGO RODRIGUES ALVES

A IMPORTÂNCIA E A APLICABILIDADE DAS PENAS


ALTERNATIVAS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL
MODERNO

Parauapebas
2022
DIEGO RODRIGUES ALVES

A IMPORTÂNCIA E A APLICABILIDADE DAS PENAS


ALTERNATIVAS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL
MODERNO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Faculdade Pitágoras, como requisito parcial
para a obtenção do título de graduado em
Direito.

Orientador: Rodrigo Bonfim

Parauapebas
2022
DIEGO RODRIGUES ALVES

A IMPORTÂNCIA E A APLICABILIDADE DAS PENAS


ALTERNATIVAS SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL MODERNO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade Pitágoras, como
requisito parcial para a obtenção do título de
graduado em Direito.

BANCA EXAMINADORA

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Parauapebas, 05 de abril de 2022


Dedico este estudo a Deus, pois "agindo Deus
quem impedirá?”
Dedico a minha família.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores da Faculdade, Curso de Direito, por me passar seus


conhecimentos valiosos e em especial a minha orientadora.
Quereis prevenir delitos? Fazei com que as leis sejam claras e
simples.

Cesare Beccaria, Escola Clássica do Direito Penal


Diego Rodrigues Alves. A Importância E A Aplicabilidade Das Penas Alternativas
Sob A Ótica Do Direito Penal Moderno. 2022. 59 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Direito) – Faculdade Pitágoras, 2022.

RESUMO

Em face aos inúmeros problemas do sistema carcerário brasileiro como


superlotação, ineficiência no que se refere à correção e ao alto índice de
reincidência, torna-se cada vez mais necessário a utilização de meios que possam
auxiliar na resolução desses problemas, um desses meios seria o das penas
alternativas. Utilizadas em muitos países, tais como Rússia, Inglaterra, França,
Alemanha, Estados Unidos, Canadá; no Brasil, somente com a Reforma de 1984,
foram instituídas, no Código Penal, as chamadas penas restritivas de direitos
(prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços a
comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana -
dispostas no art. 43 do Código Penal; além da pena de multa, disposta no art. 49).
As penas alternativas são aplicáveis em substituição à pena privativa de liberdade
inferior a um ano, em crimes dolosos ou em crimes culposos qualquer que seja a
pena. Atende a requisitos como: não ser reincidente e ter bons antecedentes. As
vantagens da aplicação das penas alternativas em crimes de menor potencial
ofensivo são que o condenado não é retirado de seu convívio social, não fica
exposto aos malefícios da prisão, cumpre pena no exercício de atividade em prol da
sociedade sendo possível uma ressocialização do infrator.

Palavras-chave: Sistema carcerário brasileiro. Superlotação. Politicas públicas.


Diego Rodrigues Alves. The Importance and Applicability of Alternative Penalties
from the Perspective of Modern Criminal Law. 2022. 59 f. Course Completion
Work (Graduation in Law) – Faculdade Pitágoras, 2022.

ABSTRACT

The custodial sentence used for millennia around the world to punish those who
commit crimes. With the application it’s the society has the feeling that it’s protected
from violence and crime. The general objective of this study was to discuss the
symbolic function of the custodial sentence, as a means of social control and the
State punitive function, in the face of supposed popular adhesion. It’s descriptive and
dissertative research, through hypothetical and deductive methods, using the
qualitative approach. The analysis of the doctrine on the purpose of the sentence in
Brazil showed that the sense of security with the application of the custodial sentence
is false, since the prisons don’t have conditions to return to the social community
resuscitated individuals, who will not recur in crime. In fact, when the criminal law and
criminal procedure are hardened, as is the case with the Anti-Crime Bill, presented by
the federal government, the punitive power of the State increases, especially on the
less favored portion of the population. Projects that present good results in terms of
recovery of the prisoner and also economic ones, such as the Association of
Protection and Assistance to the Convicted (APAC) don’t expand by the country, due
to the vices of the public administration. Thus, society will continue to have a false
sense of security, believing that custodial sentences alone will resolve the issue of
crime and violence, when in fact it would be necessary to improve the socioeconomic
conditions of the population, to prevent crime

Key-words: Brazilian prison system. Over crowded. Public policy.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF Constituição Federal
APAC Associação de Proteção e Assistência ao Condenado
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CoNDege Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais
FBAC Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados
LEP Lei de Execução Penal
ONG Organização Não-Governamental
CP Código Penal
STF Supremo Tribunal Federal
CPC Código de Processo Penal
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 11
2. A PENA 15
3. AS PENAS ALTERNATIVAS 26
4. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO 49
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 57
REFERÊNCIAS 62
1. INTRODUÇÃO

A pena alternativa constitui tema de indubitável interesse da comunidade


jurídica de nosso País, tendo tomado, ultimamente, maiores proporções em
decorrência do agravamento das condições sócio-econômicas por que tem passado
o Brasil.
Uma vez que, nossa sociedade encontra-se extremamente preocupada com as
fugas e rebeliões que vêm ocorrendo nos estabelecimentos prisionais de todo o
território nacional. Pois, quase que diariamente vê-se a imprensa noticiar a falta de
vagas nos presídios diante da superpopulação carcerária, bem como, o estado
precário desses estabelecimentos, deteriorando as expectativas de recuperação dos
apenados.
Mais precisamente, todos os dias, jornais, emissoras de rádio e televisão,
noticiam, a título de comentários, que estão falhando os princípios da aplicação das
penas de reclusão em face da onda de crimes que aumentam, em lugar de
retroceder e que estão falhando os critérios para corrigir e reintegrar os detentos
para o convívio social.
As televisões com exibições de programas, novelas e filmes, que em vez de
educar, ou mesmo de ajudar na formação do futuro da nação, ensinam como
praticar sexo, como se rouba, como se mata, como se trafica e assim por diante. Os
jornais e revistas, esta sinistra imprensa de escândalos, que vive farejando sordícies
nos plantões de polícia, através de uma massa obscurecida, cada vez mais
deteriorada pela ação repugnante de maus profissionais, pois só mesmo num país
onde a ignorância seja generalizada, existem jornais que são capazes de envenenar
o espírito público, com manchetes perigosas, produtos de uma supina ignorância.
Levar-se-á também em consideração que, o alto custo para a criação e
manutenção dos estabelecimentos carcerários determina um terrível desgaste da
responsabilidade do Governo pela questão. Tornando assim, a situação dos presos
cada vez mais desanimadora (caótica).
E, por estas razões, a criminalidade, ao invés de diminuir, tende a aumentar
cada vez mais numa sociedade que é praticamente dominada pela corrupção, onde
se utiliza o crime na repressão ao crime. Porque os verdadeiros responsáveis pelo
martírio de se ver tanta violência, são na realidade os responsáveis pela decadência
da instrução e da educação, pela decadência da família, pelo crescimento da
miséria, pela precária situação econômica, pelo preço de produtos de primeira
necessidade a mercê de exploradores de todo o gênero e as famílias abastadas pelo
desregramento dos costumes, jogos de interesses, pela falta de assistência pública,
entregues a mãos incompetentes de gente sem o menor preparo, para compreender
tais problemas.
Diante desses fatores, a prisão não deve ser vista como único recurso para o
controle da criminalidade, como tem ocorrido ao longo da história da humanidade.
Hoje, vimos que esta não cumpriu com suas finalidades.
Bem como, que a repressão ao crime, mormente o pequeno delito, não
depende da violência das leis penais, depende de fatores múltiplos, instrução,
educação, situação econômica, tranqüilidade coletiva, equilíbrio social, administração
entre outros.
Não se trata apenas da constatação de que o cárcere constitui um local
privilegiado para as violações de direitos humanos. As prisões se demonstram
ineficientes para a realização dos seus próprios objetivos. Vale ressaltar, que é
preciso enfrentar os problemas das prisões de maneira mais racional. Um sistema
carcerário violento, promíscuo e superlotado, tenderá a produzir um índice maior de
reincidentes, que certamente devolverão à sociedade tudo aquilo que passaram
atrás das grades.
Nas mais priscas eras, tinham essas por escopo-mor satisfazer o comum
sentimento de vindita de que todos os homens são naturalmente investidos. É a
pena como automática conseqüência da ação coletivamente condenada. Ao mal do
delito, sobrevinha o mal da pena. Perdurou tal prática por incontáveis anos, sendo,
supervenientemente, superada pelo período marcado pela lei de Talião. Surgiam os
primeiros indícios da preocupação de aferir o dano causado, a fim de se
proporcionar à punição que, inexoravelmente, haveria de se aplicar. Caracterizado
por lutas para impedir a postergação dos direitos individuais. Apregoavam ser de
inquestionável importância a reforma do sistema penitenciário, um período
humanitário.
Surgiu ainda, paulatinamente, o estudo do homem na sua mais substancial
natureza, o qual foi introdutoriamente brotado das eruditas colocações de Lombroso,
Garófalo e Ferri. Era o nascedouro da criminologia e, irrefutavelmente, a continuação
da luta para resguardar os direitos da integridade física e moral do ser humano.
Daí deveria a humanidade jactar-se pelos grandes êxitos logrados no decorrer
de sua história, pois inegável é que os direitos e garantias fundamentais estão
afixados nas mais variadas constituições do mundo, sendo o tema abordado no
Título II da Lei Magna brasileira. Há, de fato, um verdadeiro descompasso entre a
realidade concreta e a utopia legal. Para se corroborar tal afirmação, suficiente é que
se experimente uma rápida passagem aos cárceres de qualquer grande ou média
cidade brasileira e, concomitantemente, aviste-se o que está disposto no art. 5º,
XLIX, de nossa Lei Maior, a saber: "é assegurado aos presos o direito à integridade
física e moral".
Bem como, conforme estatuído no mesmo artigo, inciso XLVI da CF/88, que
regula, as seguintes penas: privação de liberdade, perda de bens, multa, prestação
social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Não obstante isso, a
reiterada execução das penas privativas de liberdade ultrapassam, em muito, a das
demais.
Não podem os juízes aceitar a tendência à ociosidade, naturalmente imposta
ao espírito humano. Ao revés, devem sempre investigar os fatos, observá-los e
analisá-los, a fim de aplicarem as penas mais justas para o restabelecimento da
capacidade social dos delinqüentes. Devem difundir o uso maior das penas de
prestação social, pois estas dignificam o espírito do homem. E, como homens, não
podem desprezar a responsabilidade que recai sobre seus ombros, para trazerem de
volta, por meio de justas sanções, a harmonia interior da maior quantidade possível
de delinqüentes.
Devem estes, pois, achar em cada dissidente da ordem jurídica, através,
principalmente, da aplicação de punições sob forma de serviços comunitários, o
estímulo para a consecução do fim precípuo do Estado: o bem-comum.
Entretanto, os índices de reincidência criminal posteriormente delimitados
revelam claramente o fracasso e insucesso das penas privativas de liberdade que
trazem efeitos tão profundos e marcantes na vida do detento. A obrigatoriedade de
convivência permanente com os demais indivíduos, que nem sempre são tão cordiais
e amigos, gera um clima de angústia e inquietação que proporciona o aumento
significativo de tensão, violência e revolta dentro da instituição reabilitadora.
Diante da análise, uma das soluções pode ser facilmente encontrada em
nossa legislação penal, trata-se da Lei nº 9.714/1998 que modificou o Código Penal
no tocante as “penas restritivas de direitos”, nos seus respectivos artigos 43, 44, 45,
46, 47, 55 e 77, aplicando-as as Penas Alternativas.
Contudo, no decorrer do trabalho analisar-se-á os aspectos em relação ao
tema supracitado, desde a realidade das prisões brasileiras, índices de reincidência
dos apenados até a aplicação dos artigos acima discriminados.
15

2. A PENA

Para melhor compreender as nuances do tema central, é necessário discutir


alguns conceitos básicos como direito penal, função social do direito penal e política
criminal em uma sociedade organizada. O direito penal e as leis fragmentadas
protegem apenas os ativos mais relevantes da sociedade, como a vida, a segurança
pessoal e a propriedade. Sua função é suprimir violações de ativos legais
protegidos. Por outro lado, a política criminal estuda os crimes e suas formas de
combatê-los, buscando coibir e prevenir novos crimes.
No entendimento do autor Julio Fabbrini Mirabete, o qual
afirma 10 sobre a função principal da positivação, e esclarecer
comportamentos refreados pela coletividade ao conceder a
toda conduta ou falha a definição de uma sanção e
concebendo com que os sujeitos não pratiquem crimes. Desta
maneira, procura acautelar atitudes inconvenientes a
sociedade e caso aconteça, seja reprimida, o qual aduz: ―A
função principal da positivação é prever as condutas que são
reprimidas pelo corpo social, dando a cada ação ou omissão
determinada penalidade, e fazendo com que possíveis
indivíduos não cometam delitos‖. (Júlio, 2015 p.57).

Dessa forma, visa prevenir comportamentos incompatíveis com a sociedade e


puni-los quando ocorrerem. A política criminal é o conhecimento detalhado, que
engloba os possíveis bens jurídicos protegidos por criminosos e os bens que podem
ser protegidos por outros ramos do direito.
Várias teorias se formaram, dentre elas, a retribucionista, na qual a finalidade
da pena é o castigo, ou seja, o pagamento do mal praticado, e que para Escola
Clássica, que considerava o crime um ente jurídico, a pena era retributiva, não
havendo qualquer preocupação com a pessoa do delinqüente, já que a sanção se
destinava a restabelecer a ordem pública alterada pelo delito. Já para a teoria
utilitária, dava-se à pena um fim exclusivamente prático, pois para a Escola Positiva,
a pena não era mais um castigo, mas uma oportunidade para ressocializar o
criminoso, e a segregação deste era um imperativo de proteção à sociedade, tendo
em vista sua periculosidade. Para as teorias mistas, a pena, por sua natureza, é
retributiva, tem seu escopo moral, mas sua finalidade não simplesmente prevenção,
mas um misto de educação e correção.
Embora o pensamento dominante se funde sobre a ressocialização, não
podemos esquecer que o direito, o processo e a execução penal constituem apenas
16

um meio para a reintegração social, logicamente indispensável, mas nem por isso de
maior alcance, porque a melhor defesa da sociedade se obtém pela política social
do Estado e pela ajuda pessoal. A finalidade da pena como medida de integração
social do condenado tem sido contestada pela Criminologia Crítica, que acredita que
a criminalidade é um fenômeno social "normal" de toda estrutura social, sendo até
útil ao desenvolvimento sócio-cultural, e não estado patológico social ou individual.
Na lei da Idade Média, os atos criminosos se cruzam por meio de choques,
resultando nas mais terríveis sanções. Os indivíduos morrem nas praças públicas
das formas mais sanguinárias, como fogueiras, afogamentos e enforcamentos, com
o objetivo de intimidar toda a sociedade. As penalidades são baseadas nas
condições sociais do infrator. Diante desse comportamento bárbaro, destaca-se um
trecho de uma obra clássica, relatando o sofrimento de seus compatriotas sem
senso de justiça. O doutrinador Foucault acrescentou:
Danmies fora condenado, a 2 de março de 1757 [...] na praça
de Greve, e sobre um patíbulo que ai será erguido, atenazado
nos mamilos, braços, coxas e barriga das pernas, sua mão
direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio,
queimada com fogo de enxofre e às partes em que será
atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche
em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir
seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e
seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinza,
e suas cinzas lançadas ao vento.(nucci 1987, p. 7).

Diante desses fatos bárbaros, bárbaros e bárbaros, isso prova que existem
princípios e salvaguardas para fazer cumprir a pena, pois em uma sociedade brutal e
violenta, deve haver regras que limitem o poder de punição do Estado e atribuam
importância às sanções retaliatórias. O réu educa e socializa. Desta forma, violou o
princípio cruel de que toda a dor foi colocada no réu na época, e serviu de exemplo
para os outros.
A tendência moderna é a de que a execução da pena deve estar programada
de molde a corresponder à idéia de humanizar, além de punir. Deve afastar-se a
pretensão de reduzir o cumprimento da pena a um processo de transformação
científica do criminoso em "não criminoso". Nem por isso, deve deixar-se de visar à
educação do condenado, criando-se condições por meio das quais possa, em
liberdade, resolver os conflitos próprios da vida social, sem recorrer ao caminho do
delito.
17

A população, assustada pela escalada da criminalidade violenta, clama por


leis penais e processuais penais mais rigorosas, não sendo raras as reivindicações
de introdução da pena de morte (que, em termos constitucionais, não pode ser
sequer objeto do poder de emenda, pois se trata de cláusula pétrea).
Uma posição à parte ocupa a polícia preventiva e a polícia judiciária, as quais,
na apuração dos crimes, usam por vezes métodos condenáveis, que vulneram a
Constituição.
O conflito entre a posição dos especialistas e a pressão popular, alimentada
por uma imprensa alarmista e sensacionalista, o legislador brasileiro, principalmente
a partir de 1990, preferiu dar satisfação à sociedade civil, tendo produzido leis
penais e processuais penais extremamente rigorosas, frequentemente
desarmônicas, numa linha páleo-repressiva de políticas criminais duras, tendo por
base o mito da eficiência da repressão, tudo mediante a criação de tipos penais
novos, a agravação das penas, a redução das garantias processuais.
Os resultados dessa política criminal repressiva em nada contribuíram para
diminuir a escalada do crime violento e organizado, até porque a gravíssima situação
carcerária em que o País se debate, com 150.000 presos para 75.000 vagas, sequer
possibilita o recolhimento à prisão de todos os condenados, havendo, no país, cerca
de 300.000 Mandados de Prisão a serem cumpridos.
Em função destas constatações acima referidas, percebe-se uma tendência
dos sistemas penais modernos no sentido de incorporar providências outras que não
aquelas restritas à privação da liberdade.
De acordo com Americano:
Em atenção às considerações de que a pena existe porque é
indispensável à resposta do Estado à violação dos princípios básicos
da convivência humana e que é indispensável a recuperação dos
criminosos, pelo menos sempre desejável, os Códigos Penais
modernos, têm procurado acrescentar ao rol das medidas punitivas
outras providências que indicam a repugnância do Estado á privação
de liberdade, sem os inconvenientes do afastamento total do
criminoso do meio social em que vive.

Portanto, se faz importante medidas alternativas a fim de ressocialização dos


envolvidos em crimes de menor gravidade e com autores não reincidentes.
18

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA DE PRISÃO

O homem primitivo para sobreviver às adversidades da natureza, para


conquistá-la e para sobrepor-se às demais espécies de vida existentes, os animais
de grande porte e grande ferocidade, sentiu, desde o limiar de sua existência, a
necessidade imperativa de associar-se a seus iguais. Tinha início a sociedade.
Agrupado, sentiu o homem a inafastável necessidade de criar normas
procedimentais de conduta individual e coletiva a fim de permitir a convivência grupal,
necessária à sobrevivência de todos e de cada qual.
Surgia o direito, como norma de conduta para preservação dessa sociedade
rudimentar, de seus valores éticos e morais. O direito e a sua aplicação jurisdicional
são os instrumentos de preservação das sociedades e dos estados. Sem esses
instrumentos eles não existiriam. Inexistiria a própria vida humana.
De remota origem, nascida com caráter aflitivo, com maior ou menor grau de
aceitação (malumproptermalum), como instrumento de expiação e castigo, foi ao
longo dos tempos, de par com a evolução das sociedades, com o desenvolvimento
cultural e social dos homens, ganhando caráter de ressocialização do apenado,
como instrumento de sua reintegração social sadia.
O confinamento prisional do infrator perde o caráter da punição para
transformar a pena num instrumento de recuperação do homem ao convívio social.
Daí, o homem vem tentando desde os tempos mais remotos garantir a ordem da vida
social e para isso utiliza-se das sanções. As sanções são a maneira encontrada para
coibir a desobediência às normas impostas pela sociedade. Entre essas regras
merece destaque as jurídicas, pois a desobediência a elas sempre foi responsável
pelas sanções mais rigorosas e por isso mesmo chamadas de penas, palavras que
no seu sentido original tem o sentido de dor, aflição e lástima.
Passando a prisão passa a ser um meio para atingimento do fim colimado. Não
perde ela de todo, até por consectário lógico, o seu caráter aflitivo e expiatório, pela
segregação e confinamento forçados, mas pode funcionar, quando bem
administrada por uma política criminal correta, como eficaz instrumento de
desencorajamento psicológico da reiteração da prática infracional.
Não basta, entretanto, só caráter aflitivo. A pena pela pena. A segregação como
castigo. É preciso que essa segregação seja também etapa, instrumento de uma política
criminal que tenha por desiderato a recuperação do apenado, a sua ressocialização, a sua
19

reintegração ao convívio da sociedade, da qual foi retirado, como se retira de uma cesta
uma fruta podre para que não apodreça as demais.

2.1.1 Na Antiguidade

A Antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade, estritamente


considerada sanção penal. Mesmo havendo o encarceramento de delinqüentes, esta
não tinha caráter de pena, e sim de preservar os réus até seu julgamento ou
execução. Recorria-se à pena de morte, às penas corporais e às infamantes.
À época os criminosos nunca tiveram direitos de espécie alguma, eram tratados
sem misericórdia. Ladrões recebiam marcas de ferro em brasa em parte visível do
corpo, para ficarem conhecidos por toda sociedade; os que caluniavam, difamavam ou
injuriavam, tinham suas línguas cortadas; mulheres adúlteras eram mortas a
pedradas, ora afogadas (registram algumas crônicas que em algumas regiões da
China a condenação consistia em mutilações paulatinas: o carrasco tinha que cortá-
las em 200, 300, 500 e até mil pedaços; um dia cortava um pedaço dum dedo, no
outro um dedo, a seguir outro dedo, e assim sucessivamente por meses a fio).
Esquartejamentos, mutilações, olhos arrancados, torturas terríveis, mortes na
fogueira, na roda, desterro; condenações às galés (o condenado ficava remando
durante anos e quase sempre morria antes de cumprir o tempo da pena);
ocasionalmente atirava-se o condenado às feras; muitos foram enterrados vivos.
Durante vários séculos a prisão serviu de contenção nas civilizações mais
antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia etc.), a sua finalidade era a de lugar de
custódia e tortura.
A primeira instituição penal na antiguidade, foi o Hospício de San Michel, em
Roma, a qual era destinada primeiramente a encarcerar meninos incorrigíveis, entretanto,
era denominada Casa de Correção. Os lugares onde se mantinham os acusados até a
celebração do julgamento eram diversos, já que não existia ainda uma arquitetura
penitenciária própria. Utilizavam-se de calabouços, aposentos em ruínas ou insalubres
castelos, torres, conventos abandonados, entre outros.
O direito era exercido através do Código de Hamurabi, diante o princípio de
Talião, que ditava: “olho por olho, dente por dente”, que tinha base religiosa e moral
vingativa.
20

2.1.2 Idade Média

As sanções da Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que


as impunham em função do status social a que pertencia o réu. A imputação dos braços,
a forca, a roda e a guilhotina constituem o espetáculo favorito das multidões desde o
período histórico. Penas em que se promovia o espetáculo e a dor, como por exemplo, a
que o condenado era arrastado, seu ventre aberto, as entranhas arrancadas às pressas
para que tivesse tempo de vê-las sendo lançadas ao fogo. Passaram a uma execução
penal, a um novo tipo de mecanismo punitivo.
Com o Império Bizantino, aglomerado étnico de até povos diferentes:
civilização cristã, direito romano e cultura grega, com influência helenística, foi criado
o Corpus Júris Civilis, pelo Imperador Justiniano, visando restabelecer a ordem, com
suas obras: Código, Digesto, Institutas e Novelas.

2.1.3 Idade Moderna

Durante os séculos XVI e XVII a pobreza se abate e estende-se por toda a


Europa. E contribuíram para o aumento da criminalidade: os distúrbios religiosos, as
guerras, as expedições militares, as devastações de países, a extensão dos núcleos
urbanos, a crise das formas feudais e da economia agrícola.
Ante tanta delinqüência, a pena de morte deixou de ser uma solução adequada.
Já na metade do século XVI iniciou-se um movimento de grande transcendência no
desenvolvimento das penas privativas de liberdade, criação e construção de prisões
organizadas para a correção dos apenados.
A suposta finalidade das instituições consistia na reforma dos delinqüentes por
meio do trabalho e da disciplina. Tinham objetivos relacionados com a prevenção geral,
já que pretendia desestimular a outros da vadiagem e da ociosidade.
Antes das casas de correção propriamente ditas, surgem casas de trabalho
na Inglaterra (1697) em Worcester e em Lublin (1707). Nessas casas, os prisioneiros
estavam divididos em 4 classes: os explicitamente condenados ao confinamento
solitário, os que cometeram faltas graves na prisão e a última aos bem conhecidos e
velhos delinqüentes.
A mais antiga arquitetura carcerária em 1596, foi a de Amsterdã, Rasphuis,
para homens, que se destinava em princípio a mendigos e jovens malfeitores a
21

penas leves e longas com trabalho obrigatório, vigilância contínua, exortações,


leituras espirituais. Historicamente, liga teoria a uma transformação pedagógica e
espiritual dos indivíduos por um exercício contínuo, e as técnicas penitenciárias
imaginadas no fim do século XVII, deu direcionamento às atuais instituições
punitivas.
Em 1597 e 1600, criaram-se também em Amsterdã, Spinhis, para mulheres e
uma seção especial para meninas adolescentes, respectivamente.
Enfim, com a evolução cultural e intelectual do homem, surgiu na tentativa de
humanizar a pena, o conceito de pena com privação de liberdade e a segregação do
criminoso, como medida de segurança da sociedade.
Ao longo dessa evolução, com a valorização dos direitos humanos e a
conclusão de que cárcere muitas vezes torna-se uma punição desumana sem
nenhum proveito para o réu, tampouco para a sociedade, fazendo surgir uma nova
visão que leva em conta não só a punição do indivíduo, mas também a sua
reeducação e readaptação à sociedade através do que se convencionou chamar de
pena alternativa.

2.2 TEORIA DAS PENAS

A sistemática de penas alternativas reformula a concepção clássica da pena


como medida eminentemente punitiva e introduz a idéia da pena como medida
sócio-educativa.
O estudo da pena é feito por três grupos que compreendem as teorias
absolutas, as relativas e as mistas. Na teoria absoluta, pune-se porque se cometeu
um crime, é uma retribuição do Estado ao criminoso em vista do crime praticado por
ele. Já a teoria relativa visa um fim utilitário, reeducativo e preventivo. ”E, na teoria
mista, existe um pouco de cada uma das outras teorias, tendo a pena índole
retributiva, mas que também visa aos fins utilitários de reeducação do criminoso”.1
O entendimento, é o de que, com a evolução do Direito de Penal (Direito de
Punir), há um princípio de humanização das penas, deixando de serem aplicadas
penas mais severas, desnecessárias, desumanas, cruéis ou degradantes.
Esta insuficiência do sistema penal repressivo/punitivo deve-se a uma

1 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 457.
22

contradição em sua concepção e a finalidade da pena, como bem assevera Costa:


Como já foi observado, há uma contradição entre o processo de encarceramento
e a finalidade de recuperação do apenado. Edicutei em minha Criminologia que a
sociedade fechada deforma a personalidade do condenado, alimenta a sua revolta,
corrompe e avilta, pois as prisões possuem um tripé de vulnerabilidade sistêmica
(superlotação, promiscuidade e ociosidade). “É indubitável que quanto mais tempo o
apenado permanecer na fechada mais inapto estará para se reintegrar à sociedade
aberta”.2
Em função destas constatações acima referidas, percebe-se uma tendência
dos sistemas penais modernos no sentido de incorporar providências outras que não
aquelas restritas à privação da liberdade.
De acordo com Americano:
Em atenção às considerações de que a pena existe porque é
indispensável à resposta do Estado à violação dos princípios básicos
da convivência humana e que é indispensável a recuperação dos
criminosos, pelo menos sempre desejável, os Códigos Penais
modernos, têm procurado acrescentar ao rol das medidas punitivas
outras providências que indicam a repugnância do Estado á privação
de liberdade, sem os inconvenientes do afastamento total do
criminoso do meio social em que vive.3

Nesse sentido, ressaltada a necessidade de incorporar providências outras


que não àquelas restritas à privação da liberdade.

2.3 DIREITO PENAL

A justiça criminal deve se modernizar para conseguir um controle razoável da


criminalidade. Tendo vários meios e instrumentos político-criminais, que podem
atender a resposta jurídica adequada para cada conduta desviada, resposta que ao
mesmo tempo deve ser justa e útil, nota-se uma forte tendência metodológica para
separar a "grande" da "pequena e média" criminalidade. Cabe ao ordenamento
jurídico prever para espécie de criminalidade sanções não só quantitativa, como
também qualitativa.
As penas privativas de liberdade devem ser compatíveis com o direito

2COSTA, Álvaro Mayrink da. Curso de direito penal: parte geral. 3. ed.. Rio de Janeiro: Forense,
1993, p. 449-466.
3 AMERICANO, Odin I. do Brasil. Manual do direito penal. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 391.
23

processual penal, cuja aplicação seria a delitos de alta reprovabilidade,


especialmente a “criminalidade organizada”, cuja eficiência é cada vez maior no
cometimento de crime doloso com violência ou grave ameaça contra a pessoa,
crimes patrimoniais ou econômicos com grande repercussão socioeconômica e
outros crimes com intenso dano social.
A “criminalidade organizada” tem como alvo pessoas com certo destaque
social. O movimento político criminal, no que se refere à criminalidade “pequena e
média”, deve aplicar o princípio da intervenção mínima, ou seja, evitar o excesso de
intervenção no sistema legal, restringindo-se o mais possível à imposição de
qualquer pena.
O sociólogo LoïcWacquant assim se expressa sobre as prisões brasileiras:
O sistema penitenciário brasileiro acumula, com efeito, as taras
das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas levadas a uma
escala digna do Primeiro Mundo por sua dimensão e pela
indiferença estudada dos políticos e do público. [...] campos de
concentração para pobres [...] depósito industrial de dejetos
sociais (WACQUANT, 2001, p. 11).

A assistência jurídica aos presos é precária ou inexistente, pois há déficit de


profissionais na Defensoria Pública, principalmente nos locais mais afastados dos
grandes centros. Os salários para os defensores públicos são baixos, visto que os
advogados recebem por causa defendida e não um salário fixo, as condições de
trabalho são precárias e o preso não tem o direito de escolher aquele que irá
defende-lo, sob o argumento de que não tem conhecimentos jurídicos suficientes
para isso (SILVA; ESTEVES, 2019).
Além da falta de assistência jurídica, o preso brasileiro também carece de
assistência social, pois na maioria dos presídios não existe a figura de profissional
qualificado para orientá-lo quando é colocado em liberdade, necessitando conseguir
emprego, regularizar sua documentação e voltar à vida social. Esse trabalho tem
sido realizado geralmente por Igrejas e voluntários. No entanto, a LEP, em seu artigo
11, menciona que o preso tem direito à assistência material, à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa, as duas primeiras para garantir a sua sobrevivência e
as outras para proporcionarem a ressocialização (SOUSA, 2018).
Devido à pobreza e à situação de exclusão social, a população negra e
mestiça (pardos) é a que mais está encarcerada no Brasil, como se a cor da pele
fosse um atestado de criminalidade certa ou provável. Quase 46 mil mulheres
24

cumpriam pena privativa de liberdade em 2016. Cerca de 75% dos presos possuíam
apenas o Ensino Fundamental (BRASIL, 2017).
O registro da cor da pele pelo escrivão da Polícia Civil só tem sentido se a cor
tiver significado em um sistema de ideologias raciais, onde:
[...] o negro ocupa posição nitidamente aproximada à ocupada
pelo escravo de antes, marcada pela marginalização, pela
indiferença, pela subinclusão. A diferença é que agora essa
violência é institucionalizada, autorizada por um Estado
negligente e que fundamenta na sua negligência o discurso da
ordem e do progresso. O sistema de Justiça criminal é seletivo,
portanto, o sistema penitenciário apenas corrobora com tal
circunstância (WANDERLEY, 2018, p. 5).

O artigo 41 da LEP estabelece os direitos do preso no sistema


carcerário, com destaque para alguns como trabalho remunerado, com tempo
proporcional para descanso e recreação, proteção contra qualquer forma de
sensacionalismo, chamamento pelo nome, igualdade de tratamento, representação
e petição às autoridades e contato com o meio exterior (BRASIL, 1984).

O modelo político-criminal brasileiro teve sua época páleo-repressiva com o


advento da Lei dos crimes hediondos e depois a Lei de combate ao crime
organizado, tendo como escopo, o endurecimento das penas, cortes de direitos e
garantias fundamentais e o agravamento da Execução Penal.
A ineficácia do sistema que privilegia a aplicação da pena privativa de
liberdade para combater ou prevenir a criminalidade é fato comprovado, atestado
pelos altos índices de criminalidade e de reincidência que se verifica por toda parte.
Aliado à insuficiência de estabelecimentos prisionais existentes e às
dificuldades encontradas pelo Estado em construí-lo e equipá-los, bem como a
impossibilidade de promover a recuperação social dos condenados pela ausência de
qualquer tratamento durante a execução da pena, motivar a busca de medidas
alternativas para as penas de prisão como uma tendência irreversível no moderno
direito penal, que se diversifica nos vários países e sistemas legais em inúmeras
possibilidades que se destinam a solucionar o desprestígio da repercussão penal
provocada pela falência da pena privativa de liberdade como pena principal.
As penas alternativas ou substitutos penais aplicam-se sobretudo às infrações
sujeitas a penas de curta duração, no mesmo tempo que se defende a aplicação da
25

pena privativa de liberdade limitada apenas aos delitos mais graves, destinadas a
retirar do convívio social os indivíduos mais perigosos.
26

3 AS PENAS ALTERNATIVAS
3.1 DEFINIÇÃO

A pena alternativa é mais um instrumento de Direito Penal, com função de


correção para o cidadão que cometeu pequena infração. É uma punição, que não
segue as formas convencionais, mas um novo método com um teor punitivo-
educativo em sua estrutura de aplicação.
A pena alternativa se caracteriza pela busca (desesperada e urgente) de um
instrumental prático-teórico destinado a profissionais que ambicionam colocar seu
saber-atuação na perspectiva de uma sociedade radicalmente democrática.
Segundo Amilton B. de Carvalho, Desembargador do Rio Grande do Sul, a
pena alternativa é:
Uma atividade comprometida com a utopia da vida digna para todos,
com abertura de espaços visando à emancipação do cidadão,
tornando o direito em instrumento de defesa/libertação contra
qualquer tipo de dominação. Envolvendo, pois, o saber dos
humanistas dialéticos, sociólogos, antropólogos do Direito, e
principalmente, dos juristas vinculados à teologia da libertação.4

Visa estabelecer a distância necessária entre o pequeno e o grande infrator,


evitando existir nesse convívio uma verdadeira escola do crime.
A pena alternativa é, também, um fator importante de redução do preconceito,
já arraigado na sociedade para com os egressos de uma penitenciária.

4 CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo em movimento. 3. ed. Niterói: Luam, 1999. p. 78.
27

3.2 ANTECEDENTES

A pena alternativa é, hoje, um tema muito discutido e apreciado nos meios


acadêmicos e fora deles como sabemos, mas se observarmos a História veremos
que a pena alternativa esteve presente em várias partes da Historia da humanidade;
tem-se de certa forma utilizado desde que as sanções passaram a ser um meio de
controle e manutenção da sociedade.
Pode-se encontrar a pena alternativa em vários períodos da História. Porém,
dois exemplos da aplicação da pena alternativa em épocas diferentes, as quais,
pode nos demonstrar mais claramente a sua existência:
Sócrates, importante filósofo grego, que viveu em Atenas no período de 470-
399 a.C. foi, no ano de 399 a.C., condenado à morte por corromper a juventude,
mas a Sócrates foi dada a opção de escapar da pena capital se esse concordasse
em viver fora de Atenas, opção por ele recusada.
Galileu, físico italiano que viveu de 1.564 a 1.642 d.C., também foi condenado
à morte por contestar os dogmas da Igreja Católica, mas para escapar da pena foi
dada a Galileu a opção de negar todo o seu estudo e viver isolado em um castelo
até o fim de seus dias.5
Segundo Cezar Roberto Bitencourt que a Rússia foi a pioneira em penas
alternativas, inaugurando, em sua legislação de 1926, a prestação de
serviços à comunidade, prevista nos arts. 20 e 30 do Código Penal
Soviético. Mais tarde o diploma penal russo (1960) criou a pena de
trabalhos correcionais, sem privação de liberdade, que deveria ser
cumprido no distrito do domicílio do condenado, sob a vigilância do
órgão encarregado da execução da pena, sendo que o tempo
correspondente não poderia ser computado para promoções ou
férias. Fora da Europa Continental, a Inglaterra introduziu a “prisão
de fim de semana”, mediante o Criminal Justice Act, em 1948, e a
Alemanha fez o mesmo com uma lei de 1953, somente para
infratores menores. Em 1963, a Bélgica adotou o arresto de fim de
semana, para penas detentivas inferiores a um mês. Em 1967, o
Principado de Mônaco adotou uma forma de “execução fracionada”
da pena privativa de liberdade, um pouco parecida com o arresto de
fim de semana, sendo que as frações consistiam em detenções
semanais6.

O centro de preocupações criminológicas voltou-se para um novo sistema de


penas. Damásio E. de Jesus informa que as Nações Unidas não estiveram alheias

5
HERKENOFF, João Batista. Crime: tratamento sem prisão. São Paulo: Vozes, 1997, p. 135.
6BITENCOURT, Cezar Roberto. Limitação de fim de semana: uma alternativa inviável no Brasil.
Revista dos Tribunais, v. 82, n. 693, p. 397-308, jul. 1993.
28

ao problema. No 9º Congresso da ONU sobre Prevenção do Crime e Tratamento do


Delinqüente, realizado no Cairo (abril/maio de 1995), como nos congressos
anteriores (Gênova, 1955; Londres, 1960; Kioto, 1970; Estocolmo, 1975; Gênova,
1975; Caracas, 1980; Milão, 1985; e Havana, 1990), recomendou-se a utilização da
pena detentiva em último caso, somente nas hipóteses de crimes graves e de
condenados de intensa periculosidade; para outros delitos e criminosos de menor
intensidade deliqüencial, medidas e penas alternativas. As Resoluções n. 8 e 10 do
6º Congresso da ONU (Caracas, 1980), em caráter prioritário, encareceram a
urgência dessas medidas. “E a Resolução n. 1/83, do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, recomendou a aplicação daquelas duas Resoluções”7.
Hodiernamente, procura-se fazer uma distinção entre criminalidade mínima,
média e máxima, sob o ângulo da periculosidade que ela representa. A tendência,
como se fez no Brasil é limitar a prisão à criminalidade máxima, cujo convívio social
torna-se insuportável.
A substituição da sanção detentiva por outras tem por alvo os criminosos de
nível mínimo ou médio. Procura-se atingir um bem valorizado, sendo sua supressão
o conteúdo de sacrifício imposto e que acaba por realizar o sentido preventivo, a
coação psicológica.
A multa, que encontra suas raízes nos tempos remotos da compositio, que
visava evitar a pena de morte e a supressão do número de guerreiros, sempre
constituiu-se numa resposta de eficácia duvidosa. A desigualdade que engendra
relega às prisões as pessoas pobres, que, afora isso, ainda são a clientela das
ações policiais. Aqui pode-se incluir a reparação do dano como resposta penal.
A prestação de serviços também é antiga. As galés levavam os criminosos,
que, como mão-de-obra gratuita, viabilizavam as conquistas territoriais. O serviço
forçado também é conhecido.
No entanto, na atualidade concretizou-se a imposição de prestação de
serviços à comunidade, sem a conotação de peso e dor que quase transformava tal
sanção em pena corporal. As interdições de direito ganharam espaço, limitando-se
atividades por meio das quais se chegou ao crime. Limitações à liberdade, em finais
de semana, ou prisão domiciliar são cogitadas.
Enfim, procura-se descobrir alternativas à prisão, mas que não gerem o

7JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva, 1997, p.
7.
29

sentimento de impunidade.

3.3 EXECUÇÃO DAS PENAS NO BRASIL

Em meados dos anos 50, o Direito Penal tinha uma feição tutelar, fragmentária
e de intervenção mínima. A norma penal incriminadora visava a proteger os bens
jurídicos fundamentais da sociedade. Não de forma absoluta, resguardava somente
os bens considerados os mais relevantes, como a vida, a incolumidade física, a honra,
entre outros. “E em relação aos interesses mais importantes, não os amparava de todas
as condutas ofensivas, incriminando exclusivamente as de maior gravidade”8.

No final do século passado, a introdução de um novo Direito Penal


brasileiro, excessivamente intervencionista e preventivo, com
fundamento na infusão do medo na população e na sugestão da
suposta garantia da tranqüilidade social, diante da difusão
incontrolada de fatos aterradores, como latrocínios, estupros,
homicídios, chacinas, etc., produzindo na população uma sensação
de total insegurança na sociedade9.

Atualmente, o Direito Penal descreve normas incriminadoras relacionadas a


um sem-número de setores da atividade humana, pouco importando a natureza do
fato. Atribuindo-lhe a tarefa de disciplinar os conflitos antes mesmo de serem
regulamentados pelas disciplinas próprias dessas áreas, perdendo o caráter de
intervenção mínima e última, adquirindo natureza de um conjunto de normas de
atuação primária e imediata, passando a ser considerada pelo legislador como
indispensável para a solução de todos os conflitos sociais.
Damásio E. de Jesus, afirma que:

Essa nova fisionomia da legislação criminal brasileira produz efeitos


negativos. A natureza simbólica e promocional das normas penais
incriminadoras, num primeiro plano, transforma o Direito Penal na
mão avançada de correntes extremistas de Política Criminal. É o que
está acontecendo no Brasil, onde movimentos de opinião partidária
do princípio de lei e ordem pressionam o Congresso a elaborar leis
penais cada vez mais severas. Sob outro aspecto, esse movimento
faz com que o Direito Penal e o Direto Processual Penal percam a
forma. Quanto ao estatuto penal, os tipos passam a ser descritos

8JESUS, Damásio E. de. Sistema penal brasileiro: execução das penas no Brasil. Revista Consulex.
Brasília: Consulex, ano I, n. 1, p. 17-20, jan. 1997.
9 Ibid.
30

com a inclusão de normas elásticas e genéricas, enfraquecendo os


princípios da legalidade e da tipicidade. Entram em vigor, na mesma
data de sua publicação, leis a granel, umas sobre outras, malfeitas,
sem técnica, formando um emaranhado confuso e contraditório. No
campo do processo penal, encurta-se a distância entre a investigação
e o procedimento instrutório, desaparecendo o limite entre as fases
investigatória e judicia.10

Segundo o autor, a execução da pena criminal segundo os princípios de lei e


ordem, é de extrema severidade. Como vê-se na Lei dos Crimes Hediondos
(8.072/90), em seu artigo 3º, bem como, na Lei do Crime Organizado (9.034/95).
Separando a sociedade em dois grupos: o primeiro, composto de pessoas de
bem, merecedoras de proteção legal; o segundo, de homens maus, os delinqüentes,
aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal. Cristalizou-se o
pensamento de que o Direito Penal pode resolver todos os males que afligem os
homens bons, exigindo-se a definição de novos delitos e o agravamento das penas
cominadas aos já descritos, tendo como destinatários os homens maus (criminosos).
Para tanto, os meios de comunicação tiveram grande influência, dando
enorme valor aos delitos de maior gravidade. A população passou a crer que a
qualquer momento o cidadão poderia ser vítima de um ataque criminoso, gerando a
idéia da urgente necessidade da agravação das penas e da definição de novos tipos
penais, garantindo-lhe a tranqüilidade.

Enfrenta-se a falsa crença de que somente se reduz a criminalidade


com a definição de novos tipos penais, o agravamento das penas já
cominadas, a supressão de garantias do acusado durante o processo
e a acentuação da severidade da execução das sanções. Sendo de
pouca aplicação as penas alternativas, de modo que se encontra
cumprindo pena privativa de liberdade, muitas vezes sem separação
celular, infratores de intensa periculosidade e condenados que
poderiam estar submetidos a medidas sancionatórias não-
detentivas.11

O Direito Penal brasileiro se apresenta em péssimas condições, além de não


conseguir baixar a criminalidade a índices razoáveis, gerou a sensação popular da
impunidade, a morosidade da justiça criminal e o grave problema penitenciário.

O Processo Penal, que o executa, segue-lhe o passo: confuso e

10
JESUS, op. cit., p. 17.
11 JESUS, op. cit.
31

casuísta, não é aplicado de modo a tornar célere a resposta penal. O


resultado é uma descrença total na Justiça: esta não funciona e,
quando o faz morosamente, tropeça na falta de recursos, mau
pagamento de seus funcionários, [...]. 12

A pena privativa de liberdade, como sanção principal e de aplicação genérica,


está falida, conforme será demonstrado no continuar deste trabalho. Urge que a
prisão seja imposta somente em relação aos crimes graves e aos delinqüentes de
intensa periculosidade. Nos outros casos, deve ser substituída pelas medidas e
penas alternativas e restritivas de direitos, como multa, prestação de serviço à
comunidade, limitação de fim de semana, interdições de direitos, sursis, etc. A
aplicação irrestrita da pena de prisão e seu agravamento, como vem acontecendo
no Brasil, não reduzem a criminalidade.

Segundo Damásio E. de Jesus, no 9º Congresso da ONU sobre


Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, realizado no
Cairo em de 1995, recomendou a utilização da pena detentiva em
último caso, somente nas hipóteses de crimes graves e de
condenados de intensa periculosidade; para outros delitos e
criminosos de menor intensidade deliqüencial, medidas e penas
alternativas. Verificou-se que a reincidência é maior em relação aos
condenados que cumpriram pena privativa de liberdade e menor, no
tocante aos submetidos a medidas alternativas, como o sursis e a
probation, ou a penas substitutivas ou alternativas, como a prestação
de serviço à comunidade, que tem a preferência da comunidade
mundial.13

É, pois, crença errônea, arraigada na consciência do povo brasileiro, a de que


somente a prisão configura a resposta penal. A pena privativa de liberdade, quando
aplicada genericamente a crimes graves e leves, só intensifica o drama carcerário e
não reduz a criminalidade. Por isso, como diz Raul Eugênio Zaffaroni, a saber:
“Devemos estar convencidos de que a pena privativa de liberdade é o recurso
extremo com que conta o Estado para defender seus habitantes das condutas
antijurídicas de outros”.14
Todavia, como foi verificado no 9º Congresso da ONU, é bom que se
esclareça que esta forma alternativa não significa deixar sem punição os criminosos,

12 Ibid., p. 18.
13 JESUS, op. e loc. cit.
14ZAFFARONI, Raul Eugênio. Político criminal latino-americana. Buenos Aires: Editorial Hamurabi,
1982 apud JESUS, op. e loc. cit.
32

mas sim, aplicar-lhes penas condizentes com a gravidade de seus crimes. Também,
não se pretende deixar os criminosos fora das prisões pelo simples fato de não
existirem dependências nos presídios. O que se quer, na realidade, é que sejam
aplicadas as determinações legais já existentes na legislação penal.
Daí, o porque dos sistemas penitenciários mundial e o brasileiro em especial
estarem sob fogo cerrado da crítica. Acusações generalizadas de sua falência são
postas em relevo na imprensa com inusitada freqüência. Mudanças são pedidas, via
de regra pela solução equivocada da exasperação das penas, como se isso, por si
só, tivesse o condão mágico de resolver o gravíssimo problema do incremento
assustador da violência, máxime a urbana.
Parte considerável da crítica responsabiliza o sistema penitenciário Pátrio
como o grande vilão, o grande ofensor desse ideal de segurança pública, levado aos
primeiros lugares nas pesquisas como desejo da população. Nessa esteira, é pedida
não só a exasperação das penas dos delitos, mas também a reforma da Lei de
Execuções Penais e até cresce o chamar pela pena de morte. Avolumando-se os
seus defensores.
Que o sistema prisional brasileiro é deficiente, mais que isso é perverso,
ineficaz, verdadeira fábrica de criminosos, universidade do crime, não temos dúvida
em concordar. Será, entretanto, que esse sistema está em conformidade com a Lei
de Execuções Penais? Será que é preciso mudar a lei ou apenas aplicá-la correta e
integralmente?
Uma leitura atenta nos artigos da Lei nº 7.210/84 revelará, com surpreendente
clareza, que ela simplesmente ainda não foi aplicada em sua inteireza no sistema
prisional brasileiro. Cumpre observar que os estabelecimentos penais, à luz da lei
regente, são de seis espécies:
1) a Penitenciária, destinada ao condenado à pena de reclusão, cumprida
em regime fechado;
2) a Colônia Agrícola, Industrial ou similar, reservada para o cumprimento
de pena de reclusão ou detenção em regime semi-aberto;
3) a Casa do Albergado, para acolher os condenados à pena privativa da
liberdade em regime aberto, e bem assim aos condenados à pena limitada aos fins
de semana;
4) o Centro de Observação, para realização de exames gerais e
criminológicos dos apenados;
33

5) o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que se destina aos


apenados portadores de doenças mentais, de desenvolvimento mental incompleto
ou retardado e aos que apresentem perturbações das faculdades mentais; e
6) a Cadeia Pública, normalmente instaladas nas delegacias de polícia
judiciária.
A lei é eficiente. Estabelece a classificação dos presos, observados os seus
antecedentes e personalidades, como instrumento de individualização da execução
penal, medida de extrema importância para o objetivo da ressocialização.
Determina a realização do exame criminológico para igual classificação
prisional, com o mesmo propósito. Determina a assistência material, a assistência à
saúde, a assistência jurídica, educacional, social e religiosa do preso. Garante-lhe,
como forma de dignidade humana, o direito ao trabalho remunerado, estabelecendo,
desde logo, a destinação da receita como meio de indenização aos danos causados
à vítima do delito, desde que determinado na sentença condenatória a assistência
familiar do apenado, às suas despesas pessoais e ao ressarcimento do Estado,
estabelecendo que os saldos porventura existentes serão depositados, por constituição
de pecúlio, em caderneta de poupança em nome do preso, como forma de facilitar o
seu retorno à sociedade. Fixa normas de assistência ao regresso, enfim, contém os
elementos necessários e fundamentais para a ressocialização. Estabelece as
progressões da pena, que vão do regime fechado ao aberto, passando
necessariamente pelo semi-aberto, desde que cumprido 1/6 da pena e tenha o preso
bom comportamento e condições psicológicas indicativas da recuperação.
Para evitar o problema gravíssimo da superlotação carcerária, a lei confere
competência ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária para
determinar o limite máximo de capacidade do estabelecimento prisional, de
conformidade com a sua natureza e peculiaridades (art. 85, parágrafo único da Lei
7.210 de 11/07/1984).
Exatamente no problema da superlotação reside o impedimento maior e mais
complexo da adoção dessa boa política penitenciária da Lei 7.210/84, que se
conforme com ela e com seus objetivos. O ideal teórico da lei neste particular não
encontra ressonância na realidade, porque significaria a necessidade de novos e
muitos presídios, de custo financeiro e manutenção fora do alcance dos estados-
membros.
Sabiamente afirma o Desembargador do TRF – 2º Região, Ney Moreira da
34

Fonseca, que:
Todos sabemos que um dos mais graves problemas do país, que
exige solução corajosa, urgente e global é o chamado fenômeno da
conurbação, isto é, da exagerada concentração populacional urbana. As
regiões metropolitanas do país concentram mais de 80% da população
brasileira. No Rio essa concentração é ainda maior, o que torna
difícil, quando não frustra, todos os planejamentos urbanos e seus
serviços públicos de transporte de passageiros, de energia, de gás,
de telecomunicações, [...]. 15

Depois de brilhante explanação de motivos, as causas são conhecidas. É


urgente e fundamental que se estanque e reverta esse ciclo migratório do interior
para a cidade, sob pena de riscos seríssimos de toda ordem, inclusive os da
segurança pública.
A lei de execuções penais faculta ao juiz da execução determinar o
cumprimento da pena em comarca diferente daquela em que se deu a condenação
em seu artigo 86. É, entretanto, uma simples faculdade, que não é usada na prática,
vez que a regra é a da competência jurisdicional, isto é, que o apenado cumpra a pena
no local da prática do crime. Em situações excepcionais, no interesse da segurança
pública e do próprio condenado, pode dar-se o cumprimento da pena, em especial
as superiores a 15 anos, a serem cumpridas em regime fechado, em locais diversos
do da condenação. Não é o que se vê, entretanto, sobretudo em razão direta da
jurisdição descentralizada do sistema penitenciário que não obriga um determinado
governo estadual de receber preso condenado por outro estado.
Para o atingimento desse desiderato é preciso que seja transferido para a
União Federal o controle da política penitenciária, atualmente confiada aos estados-
membros, para por fim a descentralização jurisdicional. Pois, poderia então
determinar a União Federal que as penas fossem cumpridas onde o condenado
tivesse a base de sua família, seja qual for a sua quantidade e o regime de
cumprimento. Lá ele teria melhor assistência familiar, que é um dos pilares da
ressocialização. Consciente dessa nova regra, as pessoas teriam um freio inibitório
maior na perpetração do crime, pelo juízo de censura que ele teria no local onde
nasceu, cresceu e está situada a sua base familiar. Seria, sem dúvida, uma fonte
importante de inibição da prática infracional, além de fator de redução da
superlotação das prisões, atualmente concentradas nos grandes centros urbanos.

15 Ney Moreira da Fonseca apud JESUS, op. cit., p. 19.


35

Reafirma o eminente Desembargador acima mencionado, que:


Com a mudança da lei, em vez de ser uma opção do juiz, nunca
utilizada pelas complicações imagináveis em matéria de competência
e de jurisdição, seria uma determinação legal. Mas não é só. Com
essa alteração estrutural e institucional, poderia o sistema
penitenciário funcionar de conformidade com os parâmetros da Lei
7.210/84: com seleção dos criminosos, segundo seus antecedentes e
personalidade, objetivando a individualização da execução penal,
como terapia de ressocialização, a oferta de trabalho, de acordo com
a formação profissional do preso, a adoção de treinamento
profissional, formação cultural, moral, religiosa, enfim, a efetiva
prática de uma política prisional, como consta da prefalada lei e não
aplicada... Não se pode, rigorosamente, obter-se qualquer tipo de
resultado eficiente em matéria de ressocialização, numa penitenciária
com mais de mil presos. É um verdadeiro absurdo [...]. O ideal seria
que os presídios fossem constituídos de pequenos núcleos, com no
máximo 100 presos. Poderiam ser até construídos em círculos, com
uma área central comum para instalação de oficinas, parques de
trabalho, v.g., oficinas de carpintaria, marcenaria, sapataria,
alfaiataria, mecânica, pintura, borracharia, lanternagem e eletricidade
de automóveis, em suma, todo um centro de atividade profissional.
Terminada a jornada de trabalho diária de oito horas retornariam os
presos a seus presídios, todos próximos. Ter-se-ia economia de
escala, com redução de custos. O produto desse trabalho seria
colocado no mercado e, principalmente, seria destinado às
necessidades do serviço público dos três níveis (federal, estadual e
municipal), obrigatoriamente.16

A lei vigente, com inquestionável acerto, já autoriza a aquisição direta desses


produtos pela administração pública, direta ou indireta, sem necessidade de
licitação.
Assim, por exemplo, dessas oficinas sairiam os móveis das escolas públicas, das
universidades públicas. Sairiam os calçados e os uniformes dos militares e das Polícias
Militar e do Corpo de Bombeiros. Nelas seriam consertados e mantidos os veículos do
Estado, empregados no serviço público, todos, de todas as categorias, inclusive as
ambulâncias. Eliminados estariam, por via reflexa, focos de corrupção administrativa,
infelizmente comuns nas contratações desses serviços com particulares. Estar-se-ia
garantindo mercado para o trabalho dos presos, redução de custos para o Estado na
manutenção do sistema prisional e, sobretudo, garantindo-se trabalho para o preso,
instrumento inafastável para sua recuperação, fortalecimento de sua dignidade e forma ágil
e prática de sua reintegração social. E o que é importante, providências absolutamente
factíveis e de adoção simples.

16 Ney Moreira da Fonseca apud JESUS, op. cit., p. 20.


36

O trabalho, antes mesmo de ser dever, é direito do preso. Fator de dignidade


pessoal inarredável e insubstituível. Não é só direito, mas também dever, obrigação,
porque o direito, exceto o indisponível, é renunciável e o trabalho para o preso não o
é e nem deveria ser para todos os demais cidadãos. É um dever diretamente ligado
à sua dignidade, à sua auto-estima. É um dever que ele tem com a sociedade e com
sua ressocialização.

3.4 O DIREITO ALTERNATIVO E A MAGISTRATURA

O ordenamento jurídico é estático, enquanto a vida passa por inúmeras


transformações, ocorrendo muitas vezes um desencontro entre as normas vigentes e a
realidade atual, cabendo ao intérprete fazer o ajuste entre o ajuste entre esta e o fato
novo.
O verdadeiro profissional do direito não é um mero reprodutor de fórmulas
feitas, atrelado as técnicas, e sim aquele que possui outros horizontes, conseguindo
através do seu espírito crítico enxergar além do que está escrito.
Busca o direito a realização da Justiça, mas como é relativa a concepção do
justo faz-se necessário a reunião de todos os meios disponíveis, para que haja pelo
menos uma aproximação deste, pois se isso não ocorre, está se fazendo um mau
uso do direito, impedindo, portanto, sua efetivação.
O conflito entre a lei e a justiça faz com que os profissionais do direito adotem
uma postura através de uma escolha valorativa, o Direito Alternativo decorre,
portanto, do descompasso entre a lei e o direito, pois esse nada mais é do que a
aplicação da lei em função do justo, do interesse social e das exigências do bem
comum.
Não nega o ordenamento jurídico vigente, apenas demonstra a necessidade
de se fazer uma interpretação mais humana e coerente com a realidade social das
normas jurídicas, pois a vida é dinâmica, enquanto a lei é fria, morta, cabendo ao
jurista fazer a adequação desta com aquela, através do prisma da justiça social, para
que o direito possa atingir sua finalidade.
A liberdade do magistrado ao julgar não pode ser excessiva, pois mesmo
podendo aplicar a lei com uma certa discricionariedade, deve prender-se pelo menos
em parte às regras materiais e processuais nas situações concretas postas ao seu
conhecimento.
37

Os adeptos desse movimento defendem o rompimento de todos os entraves


da legalidade, quando estes se tornarem obstáculos, no entendimento do julgador, à
dissolução da lide com a justiça. É uma forma de visão do direito onde se prioriza a
liberdade e dignidade humana, procurando-se soluções de maior sintonia com o
bem comum.
Atualmente, não se pode admitir que estudiosos e operadores do direito sejam
robôs, repetidores de fórmulas e regras preconcebidas, sendo completamente
destituídos de um espírito crítico, pois é essencial para ser considerado um
verdadeiro jurista não está preso as normas escritas com um verdadeiro fetiche.
Ao negar a aplicação da lei quando ela ofende a dignidade da pessoa
humana, desatende aos valores sociais do trabalho, contraria a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, quando cria empecilho a erradicação da pobreza e
à redução das desigualdades sociais e regionais. Assim, o Direito Alternativo não
nega a legalidade, mas sim cumpre o que preceitua a nossa Carta Política.
Entre os requisitos para a democratização do Judiciário está a possibilidade
de a Magistratura representar, em seu seio, o conflito que se dá na sociedade. Ou seja,
as forças que se apresentam no meio social devem estar representados dentro da
Magistratura, a qual, deve abrir horizontes para todas as correntes de pensamento.
Em assim sendo, como resultante de certo pendor democrático, surgirão
idéias férteis que fogem à racionalidade conservadora que caracteriza a Magistratura
nacional, bem como, abrir espaço a uma militância de vanguarda. Tornando-se,
assim, referencial para atores jurídicos que buscam abandonar a visão dogmatizada
do fenômeno jurídico.
No Brasil, surgiu um grupo de juízes gaúchos vinculados ao movimento do
Direito Alternativo, oriundos do movimento pré-constituinte de 1985, quando se
reuniram para debater sugestões à Constituição. De início, era um grupo de estudos
que buscava pensar o direito comprometido com um novo modelo de sociedade. A
partir daí, tiveram forte atuação nas Associações dos Juízes, Escolas de
Magistraturas, começando a oxigenar o próprio Poder, com a nova era da produção
teórica.17
O eminente jurista Amilton Bueno de Carvalho discorre sobre a matéria, in
verbis:

17 CARVALHO, op. cit.


38

O movimento do Direito Alternativo busca um instrumental prático-teórico


destinado aos profissionais que ambicionam colocar seu saber-atuação na
perspectiva da radicalização democrática. Isto é, busca um direito realmente
democrático, que sofra a influência da própria sociedade civil (a quem o direito serve
deve prestar contas). É da sociedade civil, que vêm os limites de atuação do jurista e
as exigências de sua atividade.18
Esse movimento teve, no seu alvorecer, estes juízes como norte de atuação
prática. O movimento alcança (ou tenta alcançar) a práxis destes juízes já em
andamento. E, a partir da agressão que estes juízes sofreram, em razão de sua
atuação, por parte de setores da imprensa e de atores jurídicos contrários, é que o
movimento do direito alternativo floresce. Atualmente, o preconceito em relação a estes,
já diluiu, alguns de nossos magistrados defensores dessa corrente, já alcançaram os
Tribunais.
O atuar dos juízes alternativos abandona a visão compartimentalizada do
direito, jogando-o numa ótica multidisciplinar. Busca-se ter o direito em construção,
abandonando-se a visão de se ter como dado. Ou seja, ousa-se criar ao invés de
buscar apenas revelar o direito emergente do Estado.
Então o limite do julgador passa a ser numa ponta o fato concreto e na outra
os princípios gerais do Direito. E se a legalidade atrita com os princípios ela perde
sua legitimidade e se está autorizado a negá-la (âmbito das decisões realmente
democráticas).

Na verdade, o operador jurídico não consegue ficar frente à discussão, eis no


movimento do Direito Alternativo que o debate ultrapassa a legalidade primária e
estreita, atacando os próprios fundamentos do direito. Os atores jurídicos tiram a
poeira dos livros e trazem novas teorias à prática.
Ante o caos declarado do sistema, a crítica caminha, cada vez mais, na
direção abolicionista: o direito penal não logra cumprir as promessas que tem feito
(sua finalidade); ao contrário, há profundo descompasso entre suas declaradas
intenções e o resultado emergente, daí porque necessário abolir as penas
concebidas e aplicadas pelo sistema penal.
São de Louk Hulsman, de onde se extraem autênticos desabafos:

18 Ibid., p. 85.
39

Percebi que, a não ser por um acaso excepcional, o sistema penal


jamais funciona como querem os princípios que pretendem legitimá-
lo; Eis o que faz da prisão um mal social específico: ela é um
sofrimento estéril; o sistema penal é especificamente concebido para
fazer o mal.19

É que o direito penal, por mau, vingativo, ditatorial, excludente, só deve ser
reservado para situações-limite, de autêntico caos, onde os demais ramos do direito
não logram dar respostas razoavelmente eficazes. Talvez o atuar crítico tenha o
próprio abolicionismo, ou seja, que se construa instrumental que possa dar conta do
caos sem o socorro do penal.
Diante disso, o Judiciário começa a ter importância quando a democracia
chega com ela. A população ousa postular por seus direitos e descobre no Judiciário
uma arena onde se pode travar luta pela concretização desses direitos em face da
opressão que se lhe impõe.
A necessária independência da Magistratura é ressaltada por Dalmo de Abreu
Dallari, ao afirmar que:
Longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da
Magistratura é necessária para o povo, que precisa de juízes
imparciais, para a harmonização pacífica e justa dos conflitos de
direito. A rigor, pode-se afirmar que os juízes têm a obrigação de
defender sua independência, pois sem esta, a atividade jurisdicional
pode, facilmente, ser reduzida a uma farsa, uma fachada nobre para
ocultar do povo a realidade das discriminações e das injustiças.20

Para Dallari, o juiz deve ser parceiro de caminhada dos litigantes na construção
democrática. Deixar de ser a estrela do espetáculo forense para ser companheiro
das partes na busca da autonomia, no sentido de que elas mesmas construam sua
história. Como imparcial ético inibirá a possibilidade de o melhor preparado ou do
economicamente mais forte transformar o diálogo em instrumento para conquista de
vantagens espúrias.
Evidente que poderá surgir hipóteses em que o juiz deverá tomar decisões
verticalizadas. Mas elas só deverão vir quando esgotadas todas, absolutamente
todas, as possibilidades dialogais, ou seja, no caos do caos da democracia. Todavia,
após ter trilhado o caminho do diálogo, o juiz estará melhor preparado à decisão:
conhecerá melhor os fatos e as pessoas.

19 HULSMAN, Louk. Penas alternativas. Niterói: Luam, 1993, p. 45.


20 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 45.
40

Assim, em havendo discordância entre o Direito e a lei, esta precisa ceder


espaço àquele. Cumpre, então, ao juiz, gerar a solução alternativa, criar a norma
adequada para o caso concreto. A lei deixará de ser expressão do Direito. Aplicá-la
será injustiça. Impõe-se gerar a norma justa (proporcionalidade reclamada). O juiz
tem dever de ofício de recusar a aplicação de lei injusta.
Com grande magnitude aduz Luiz Vicente Cernicchiaro, que:

A norma alternativa não é aventura, opinião pessoal do magistrado,


discordar por discordar. Resulta da apreensão de conquistas
históricas, acima de interesses subalternos. Projeta orientação
reclamada pelo Direito. Concreção da Justiça! A trincheira de hoje
será o galardão de amanhã.21

Para Cernicchiaro, o juiz é agente de transformação social. Lei iníqua,


impeditiva de realização plena do Estado de Direito Democrático, precisa ser
repensada. O juiz repita-se, deve recusar aplicação à lei iníqua, injusta. Impõe-se-lhe
invocar princípios. Só assim, a interpretação será sistemática. Criar, se necessário, a
norma para o caso concreto.

O Direito Alternativo, portanto, é preocupação com o Direito. A solução


alternativa rompe o conservadorismo acomodado; enseja o tratamento
jurídico correto. Confere, sem dúvida, eficácia à vigência da norma
jurídica.22

Princípios esse que conferem razoabilidade e adequação aos casos concretos.

3.5 REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS DO DIREITO ALTERNATIVO

O Direito, entretanto, não se esgota na lei. O Direito é sistema de princípios


(valores); definem, orientam a vida jurídica (inter-relação de condutas). A lei, nem
sempre, traduz, projeta esse comando. Não raro, a lei busca impedir, ou, pelo
menos, retardar a eficácia do princípio. Nem sempre o concretiza. O salário mínimo,
na Constituição da República (art. 7º, IV), é enunciado como “[...] capaz de atender
as necessidades básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação,

21 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito alternativo. Revista Consulex. Brasília: Consulex, n. 7, p. 15,
jul. 1997.
22 Ibid., p. 20.
41

educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social [...]”.


Não raro, existe descompasso entre o princípio e a lei. O Direito não se
confunde com a lei. A lei deve ser expressão do Direito. Historicamente, nem sempre
o é. A lei, muitas vezes, resulta de prevalência de interesses de grupos, na
tramitação legislativa. Apesar disso, a Constituição determina: “Ninguém é obrigado a
fazer ou deixar de fazer coisa alguma senão em virtude de lei”.
Aparentemente, a lei (sentido material) seria o ápice da pirâmide jurídica.
Nada acima dela. Nada contra ela. A Constituição, entretanto, registra também
voltar-se para “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, fundada na
harmonia social [...]”.
Ainda que não o proclamasse, assim cumpria ser. A lei precisa ajustar-se ao
princípio. Em havendo divergência, urge prevalecer a orientação axiológica. O
Direito volta-se para realizar valores. O Direito é o trânsito para concretizar o justo.
O Judiciário, visto como Poder, não se subordina ao Executivo ou ao
Legislativo. Não é servil, no sentido de aplicar a lei, como alguém que cumpre uma
ordem. Impõe-se-lhe interpretar a lei conforme o Direito. Adotar posição crítica,
tomando como parâmetro os princípios e a realidade social. A lei, tantas vezes, se
desatualiza, para não dizer carente de eficácia, desde a sua edição.
O Judiciário precisa rever a idéia de normas da Constituição não auto-
aplicáveis, dependentes de regulamentação. Na falta de lei específica, invoquem-se
os princípios. A solução do caso concreto virá naturalmente. Para homenagear os
positivistas, registre-se a viabilidade (posta em lei) de recorrer-se também à analogia
e aos princípios gerais do Direito.
O Poder Judiciário precisa ponderar que o Direito não é neutro. Fato e norma
estão envolvidos pelo valor, traduzindo um significado, indicando assim uma direção.
As proclamações dos Direitos Humanos não acontecem por acaso, não se restringem
a simples enunciados acadêmicos. Concretizam, isso sim, reivindicações, exigências
em homenagem ao homem, parâmetros para realizar o justo. O Judiciário tem
importante papel político, suas decisões precisam traduzir o Direito da história (a
história do Direito orienta nesse sentido, apesar das inúmeras resistências). Caso
contrário, o magistrado, passa a ser servidor burocrático, mero fazedor de
estatística.
42

A formação dada ao jurista é centrada no que se convencionou chamar


positivismo jurídico-legalista (seja de direita, seja de esquerda). Tal escola apresenta
o direito como neutro, funda-se exclusivamente no direito posto, positivado, gera
fetichismo da lei, explica o direito sem preocupações políticas, morais, de
consciência ou emergentes do contexto sócio-econômico.
Vê-se, pois, que o direito alternativo rompe com o saber positivista, pois não
tem o direito como neutro, mas sim como expressão da vontade de determinada
classe (mas, ante sua ambivalência em determinados momentos, expressa
conquistas dos pobres) e, como conseqüência da não-neutralidade, invade o jurídico
buscando ser mais um instrumento para emancipação da classe trabalhadora, tendo
o jurista e o direito a serviço desta luta. Não se funda basicamente no direito
positivado, mas avança pelos caminhos abertos pela luta dos pobres, alargando,
assim, o foco do direito, abandonando qualquer atitude dogmática, atuando sempre
em busca do valor maior da justiça, elegendo lei, doutrina e jurisprudência como
fontes de procura, possibilidades de partida para discussão.
Esse direito representa arma de combate na busca do novo; é um dos
instrumentais do ativista jurídico que ambiciona colocar seu saber na perspectiva de
novo tipo de sociedade, que quer comprometer-se com os pobres, combatendo à
passividade dos juristas.
O direito alternativo em sentido estrito: emerge do pluralismo jurídico. É o
direito paralelo, emergente, concorrente, insurgente, achado na rua. É direito
construído pela população na sua caminhada libertária, ou seja, o povo constrói
direitos na busca de soluções a seus problemas, até em conflito com o direito oficial.
Reconhece-se que num mesmo espaço geográfico, num mesmo momento histórico,
existem direitos que caminham paralelamente, às vezes em conflito.
Este direito alternativo deve ser efetivado desde que resuma conquistas
democráticas, busque sociedade mais justa e tenha por limite os princípios gerais do
direito.
É de se ter claro que a alternatividade não advoga inexistência de leis, busca-
se uma dominação justa em oposição à liberdade de dominação ou às formas
injustas de dominação.
É que alguns se revelaram cansados de ter sua atuação dirigida para colocar
pobres na cadeia e decretar despejos. Com ajuda de intelectuais, foi descoberto
tardiamente que o fenômeno jurídico poderia ser visto de local diferenciado que
43

desse respaldo à utopia que os animava.


A atuação interpretativa-alternativa ultrapassa os limites da reprodução de
práticas consagradas, tornando-se:
- mais próxima do real conflito humano;
- permissiva de discussão axiológica desmascadora da idéia de
neutralidade;
- politicamente participativa;
- questionadora da ordem estabelecida e das leis que a mantêm;
- inserida no contexto econômico, e
- possibilitadora de novas soluções aos conflitos.
Enfim, o direito alternativo, por estar comprometido com o diverso do usual
predominante, por ter assumido posição de classe, por não ter compromisso com
dogmas, permite atuação firme e eticamente definida de estar ao lado do frágil.
Ensina Clémerson Merlin Cléve em precioso artigo que: “O movimento não é
necessariamente homogêneo e que, a partir de vários aportes e vias teóricas,
pretende favorecer a emancipação das classes populares através do Direito. Ou
seja, o Direito para o movimento, desafia novas abordagens e práticas”.23
Atualmente, o operador desempenha papel vital na consolidação de posições
renovadas no contexto social, econômico e político. Cumpre, pois, agora, resgatar a
dogmática jurídica. Aliás, é importante dizer que não é possível confundir a
dogmática com o dogmatismo. O dogmatismo é o apego preconceituoso e irrefletido
a dogmas. O que importa para o jurista participante é impregnante práticas jurídicas,
oferecendo, no campo da dogmática, novas soluções, novas fórmulas, novas
interpretações, novas construções conceituais.

Brilhante ensinamento de Amilton B. de Carvalho, de que:

A efetivação da norma é momento posterior ao da sua promulgação


e depende da correlação de forças entre os diversos segmentos da
sociedade. Aqui, além da atividade do operador jurídico, necessária,
muita vez, a mobilização popular. Além da concretização, a luta
implica não permitir retrocesso na busca permanente e renovável da

23 CLÉVE, Clemerson Merlin. A teoria constitucional e o direito alternativo. In: SEMINÁRIO


NACIONAL SOBRE O USO ALTERNATIVO DO DIREITO, 1993. Rio de Janeiro. Anais...Rio de
Janeiro, jul. 1993.
44

utópica vida em abundância para todos.24

Claro, pois, que a posição positivação carrega vantagens e é conquista desde


que tenha por fim a concretização dos princípios, desde que instrumentalize a
aplicação das conquistas da humanidade, que são criados e renovados e destruídos
pela sociedade civil na sua caminhada histórica na busca da vida digna. A
humanidade no seu andar, pois, constrói direitos que são erigidos à condição de
princípios norteadores, universais. Assim o são o direito à vida, à liberdade, à
igualdade. Os princípios não são eternos, nem absolutos, mais históricos.
A partir dos princípios, emergem normas legais que buscam colocá-los em
prática, ou seja, no mundo real, sob pena de tenderem a servir tão só de adornos. A
forma de os princípios se fazerem presentes é através da lei. Eles são pano de
fundo donde deve emergir a legalidade e dão o suporte interpretativo ao operador
jurídico.
A alternatividade busca, via positividade combativa, estratificar as conquistas
legais que permitem que os princípios aterrissem na vida diária. E quanto tal
acontece, o jurista deve atuar no limite do positivado como forma de politizar a
interpretação.
Cada povo em sua caminhada histórica constrói/destrói direitos na busca de
soluções em sua organicidade. E tais direitos podem estar em conflito com aquele
oriundo da atividade estatal, isto é, direitos que caminham paralelamente.
Roberto Aguiar ensina que:

[...] Devemos lembrar que não é o Estado que outorga direitos, mas
sim a sociedade dos seres humanos que os constrói, preserva,
transforma, derruba. Esse direito plural, construído pela luta dos
sujeitos coletivos, não tem patrão, porque é obra coletiva e
inacabada desse ser concreto e contraditório, que desenha sua
trajetória fugaz, buscando consistência nesse momento de vida
histórica, limitado entre o mistério da morte e do nascimento.25

Por fim, o direito Alternativo que merece ser efetivado, deve também ter como
limite os princípios gerais do direito, mesmo quando ambiciona criar ou destruir
princípios positivistas, e ter como norte a real democratização da vida em sociedade.

24 CARVALHO, op. cit., p. 90.


25 AGUIAR, Roberto. A crise da advocacia no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1991, p. 78.
45

Ser alternativo é lutar pela abertura de espaços democráticos para sua


concretização.

3.6 PERFIL DO PRESÍDIO E SUA POPULAÇÃO

O êxodo rural, o desemprego, a má distribuição de renda e a própria evolução


econômica e social são causas diretas e reconhecidas do aumento da criminalidade
em todo o território nacional. Também, a falta de uma política voltada à prevenção
da conduta delituosa, que via de regra, começa na infância, contribui violentamente
para a não inibição de tal comportamento.
Se a rigidez e as dificuldades sócio-econômicas proporcionam o
aparecimento da conduta criminosa e muito pouco vem sendo feito para inibí-la,
muito menos tem sido realizado para retirá-la do indivíduo que já a porta.
O próprio descaso por que passa o sistema reabilitador, onde as
penitenciárias e os presídios do País assumem simplesmente a condição de
depósitos humanos, incapazes de alcançar com plenitude seu propósito de corrigir
indivíduos com desvios de conduta social.
Percebe-se, pois, que a pena privativa de liberdade não em alcançado na
íntegra o seu objetivo que é punir e reabilitar o infrator para o convívio em
sociedade. Incontestável, que no tocante a punição, o objetivo vem sendo com
plenitude alcançado; todavia, não podemos dizer o mesmo quanto ao aspecto
reabilitador, uma vez que a reincidência criminal é alarmante e tende a cada vez
aumentar.
O presídio é um sistema fechado onde o recluso fica preso àquela realidade
da qual não consegue se desvincular. Nesse ambiente temos um momento a parte,
um mundo bandido, confuso e obscuro, diferente da convivência na sociedade civil.
Infelizmente, neste ambiente carcerário a aprendizagem do crime e a formação de
grupos delitivos são tristes conseqüências. O indivíduo que entra no presídio acaba
entrando numa escola do crime, saindo de lá grande conhecedor dos ilícitos penais
das mais variadas formas.
O sistema normativo próprio estabelecido dentro da prisão nasce como forma
de estabelecer as relações sociais e hierárquicas e ao mesmo tempo, conciliar
interesses difusos lícitos e ilícitos, isto é, leis cruéis que regulam a forma de conviver
e suportar a falta de privacidade num ambiente tão pequeno. Existem normas
46

internas para tudo, desde a organização da forma de manter relações sexuais com
as mulheres nos dias de visita, até aplicações de sanções para aqueles que furtam
dos demais dentro da cadeia, bem como, para aqueles que cometem delações. Neste
local a primeira coisa que se aprende é que para permanecer vivo é preciso não
ouvir, não ver e não falar nada.
Prisões abarrotadas, imundas, em vez de melhorar os ruins, pervertem e
degradam definitivamente os recuperáveis. Além dos fatores que contribuem para
degradação da saúde física e mental. As deficiências de alojamento e de
alimentação facilitam o aparecimento da tuberculose, enfermidade, excelências das
prisões. As quais, contribuem igualmente, para deteriorar a saúde dos detentos
devido às más condições de higiene dos locais originados da falta de ar, a umidade
e os odores nauseabundos. A falta de distribuição entre o ócio e o trabalho presume
um dano considerável na condição físico-psíquica do interno, pois a falta de trabalho
vicia o sujeito a um estado de inoperância e descompasso.
Problemas psicológicos também são constatados como conseqüência do
encarceramento. O ambiente penitenciário perturba e impossibilita o funcionamento
dos mecanismos compensadores da psique, que são os que permitem conservar o
equilíbrio psíquico e mental. Este ambiente ainda exerce uma influência tão
negativa, que a ineficácia dos mecanismos de compensação psíquica propicia a
aparição de desequilíbrios que podem ir desde uma simples psicopática
momentânea até um intensivo e duradouro quadro psicótico, segundo a capacidade
de aptidão de que o sujeito dispõe. Por outro lado, vale ressaltar que muitos indivíduos
já entram no presídio com manifestas debilidades psicológicas e sérios desvios de
conduta.
A vida na prisão é dura e, como se não bastasse, após o recluso cumprir sua
pena, não raras vezes continua pagando por seus erros, agora não os que o
levaram à prisão, mas sim os cometidos lá dentro. Como por exemplo, quando o
sujeito sai da cadeia e, voltando à sua atividade sexual normal, enfrenta problemas
psicológicos de impotência sexual, ejaculação precoce, complexo de culpa pelas
relações homossexuais que manteve dentro da prisão, além de grandes dificuldades
de retornar à vida matrimonial. Pois, o encarceramento de um dos cônjuges acaba
por destruir os laços íntimos, que não conseguem ser compartilhados dentro da
prisão, além de impossibilitar contatos mais prolongados e amorosos. Gera, isto, um
grande número de divórcios entre estes casais, já nos primeiros anos que são
47

separados.
De acordo com o jurista Cezar Roberto Bitencourt, sobre o assunto em tela,
afirma que:
As esposas são vítimas implícitas da prisão; não sendo raro sofrerem
de problemas psicológicos dentre os quais a culpa, solidão,
depressão, ansiedade, etc. É óbvio que a vida afetiva do preso é
desmoronada pela supressão das relações afetivas e sexuais,
gerando também efeitos como infidelidade e o abandono.26

Diante disso, observando a própria auto imagem, o detento nota significativa


deformação. Quando é encerrado com outros homens, em um meio que reprime a sua
condição natural do sexo, a concepção que tem de si mesmo altera-se, diante o
questionamento de identificação sexual. Involuntariamente, é separado de sua mulher e
começa a colocar em dúvida o sentido da sexualidade perante o conglomerado
masculino, sempre deparado com a falta de existência do sexo oposto.

Ainda com relação à abstinência sexual, esta gera danos ao detento.


Assim, alijado de seu ambiente familiar e social, o preso, imerso num
mundo peculiar, assentado em regras interpostas pela massa
carcerária, poderá conter seus desejos, reprimir seus impulsos
sexuais, ou envolver-se, voluntariamente ou sob coação, em práticas
homossexuais27.

A abstinência, sobretudo quando prolongada, gera não só problemas de plano


individual, provocando tais desequilíbrios psicológicos e favorecendo
comportamentos condenáveis, senão também no plano coletivo, dando causa a um
clima de agressividade, de tensão e a conseqüentes distúrbios intramuros.
Numa análise mais minuciosa sobre o perfil do detento, é um homem que
geralmente proveio de uma família pobre, sempre com muitos irmãos, que teve,
quase na totalidade dos casos, uma infância miserável e perturbada, sem noções de
valores. Começa a cometer pequenos furtos e roubos desde esta época. Via de
regra, tem muitos problemas familiares, como por exemplo: “pai alcoólatra ou
extremamente agressivo com os filhos e com a esposa, mãe prostituta, padrasto que
se aproveita sexualmente das enteadas, familiares com problemas judiciários, entre

26 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência das penas de prisão. Porto Alegre: RT, 1993, p. 53.
27 LEAL, César Barros. Um direito do Preso: visita íntima. Revista Consulex. Brasília: Consulex, n. 41,
p. 30-32, 31 maio 2000.
48

outros”.28
A maioria dos presos freqüentou a escola por pouco tempo e mesmo assim
mantém uma falta de freqüência e uma desregularidade nos seguimentos didáticos,
ou seja, o sujeito entra e sai várias vezes no mesmo ano letivo, até desistir,
definitivamente, no colégio. Quanto à vida profissional, a grande maioria teve poucos
trabalhos não especializados e temporários, em regra, nos ramos da construção civil
e setores primários da economia brasileira. Diante disso, mantêm uma profunda
irregularidade na freqüência e na continuidade dos serviços e ganham pouco.
Por fim, em poucas palavras, pode-se afirmar que a maioria dos detentos em
presídios de nosso País são homens desprovidos de condições econômicas desde
sua infância, tendo que delinqüir desde cedo, persistindo com estas atitudes durante
a adolescência e sua maioridade. Sem muita definição de valores, o indivíduo que
geralmente não consegue um trabalho onde ganhe o suficiente para conseguir
sobreviver, passa a praticar atos contra a sociedade, e após os primeiros crimes
mais relevantes, acaba caindo num ciclo vicioso, do qual não consegue se
desvincular mais. Depois de um tempo, acaba sendo preso e penetrando num
presídio, onde sofrerá, infelizmente, as diversas degradações acima analisadas.

28 BITENCOURT, op. cit. p. 54


49

4. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO

O poder judiciário, como Estado que é, como poder que é (em sentido amplo),
tem o dever de executar penas, com a finalidade de contribuir na ressocialização do
indivíduo, mantendo assim, da melhor forma, o equilíbrio entre o direito e a justiça.
Uma distribuição desigual das penalidades faz nascer uma contradição dentro
do judiciário. Os altos índices de reincidência têm sido, historicamente, invocados
como um dos fatores principais da comprovação do efetivo fracasso da pena
privativa de liberdade, a despeito da presunção de que, durante a reclusão, os
internos são submetidos a um tratamento ressocializador.
Diante da falência da pena privativa de liberdade, que não atende aos anseios
do recluso, e nem mesmo da própria sociedade, a tendência moderna é procurar
substitutivos penais para esse método sancionador, ou pelo menos, no que se
relaciona com os crimes de menor gravidade, criminosos de pequeno porte, cujo
encarceramento não é aconselhável.
Restringir os direitos do indivíduo que comete um ato infracional, é fazer com
que ele seja punido, mas sem deixar de ser cidadão, contribuindo para seu próprio
progresso. A prisão consiste numa fuga diante ao enfretamento das questões
sociais, responsável pela grande parcela do estado criminalidade que impera em
meio à sociedade. Assim, a prisão exerce, não se pode negar, forte influência no
fracasso do tratamento do recluso.
É impossível pretender recuperar alguém para a vida em liberdade em
condições de não-liberdade. Com efeito, os resultados obtidos com a aplicação da
pena privativa de liberdade são, sob todos os aspectos, desalentadores.
A prisão, ao invés de conter a delinqüência, tem servido-lhe de estímulo,
convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades.
Não traz nenhum benefício ao apenado, ao contrário, possibilita toda a sorte de
vícios e degradações. Enfim, a maioria dos fatores que dominam a vida carcerária
imprimem a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica,
as condições materiais e humanas, podem exercer efeitos nefastos na personalidade
dos reclusos.
Existe, de há muito, uma luta incessante no sentido de se romper com o
sistema clássico da pena de prisão, em especial, para determinadas infrações que
podem e devem ser punidos com outras formas de sanções menos aviltantes e
50

menos dispendiosas para o erário publico e, muitas vezes, com relevante alcance
social e, com isto, mais eficientes.29
Assim, com a nova redação dada a vários dispositivos do Código Penal,
aumentaram o número de penas alternativas, com caráter de substituição da pena privativa
de liberdade, e extremamente alargadas as possibilidades de incidência no caso concreto.
São estas autônomas, e não podem ser aplicadas conjuntamente com as penas
privativas, quando preenchidos os requisitos legais do Código Penal.
A Lei nº 9.714 de 25 de novembro de 1998 constitui um verdadeiro marco no
direito penal brasileiro. As suas inovações vêm ao encontro da política criminal
moderna que busca cada vez mais a erradicação (ou pelo menos a restrição) da
pena privativa de liberdade, pelos sabidos efeitos deletérios de sua aplicação,
mormente em nosso país.
As novas determinações sobre as penas restritivas de direitos, introduzidas
no Código Penal pela referida lei, ampliam consideravelmente os limites temporais
anteriormente estabelecidos para o cumprimento de pena no cárcere, admitindo a
substituição da pena privativa de liberdade de até 4 (quatro) anos de condenação
pela aplicação de penas alternativas.
Além da prestação pecuniária e perda de bens e valores, criou-se entre as
penas restritivas, as de interdição temporária de direitos, a proibição de freqüentar
determinados lugares. A prestação de serviços à comunidade passou a ser
denominada prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Vale expor:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I - prestação pecuniária;
II - perda de bens e valores;
III - (VETADO);
IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades
públicas;
V - interdição temporária de direitos;
VI - limitação de fim de semana.

A substituição da pena não é um direito subjetivo do sentenciado, mas o juiz,


reconhecendo estarem presentes todos os requisitos legais, é obrigatória a
substituição.
Os pressupostos objetivos para substituição da pena são:

29 CARVALHO, op. cit.


51

O juiz só poderá proceder à substituição, se a pena privativa de liberdade


aplicada inicialmente, por crime doloso, não for superior a quatro anos, com exceção
da prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, em que ela só é
admitida quando a condenação for superior a seis meses (art. 46, caput).
No caso de condenação igual ou inferior a um ano, por crime doloso ou
culposo, permite-se a substituição por pena de multa.
No caso de crime culposo, é permitida a substituição da pena por restritiva de
direitos qualquer que seja a quantidade de pena aplicada.
Havendo concurso de crimes, a substituição é possível quando o total das
penas não ultrapassa os limites mencionados, com exceção dos crimes culposos em
que ela é sempre admissível.
A substituição não poderá ser feita quando se tratar de crime praticado com
violência ou grave ameaça á pessoa, nesse caso, qualquer que seja a quantidade
da pena privativa de liberdade imposta. Ex.: crimes de roubo, extorsão, estupro,
rapto, etc.
Os pressupostos subjetivos para a substituição da pena são:
O condenado não pode ser reincidente em crime doloso. Só poderão ser
beneficiados aqueles que embora condenados anteriormente, praticaram o crime
antes do trânsito em julgado, e também aqueles reincidentes em que um dos crimes,
ao menos, seja culposo.
Aquele que praticou o crime após cinco anos contados da data do
cumprimento ou extinção da pena da condenação, computado nesse prazo o
período de prova da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional se
não ocorreu a revogação desses benefícios.
Caso o condenado seja reincidente, mas não em crime doloso, e desde que os
crimes antecedente e posterior não sejam idênticos, ou seja, previstos no mesmo tipo
penal, a substituição da pena privativa só deve ser concedida se a medida for
socialmente recomendável.
Para ser concedida a substituição é preciso que a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social do condenado e a personalidade do condenado, bem
como os motivos e as circunstâncias,indiquem que a substituição é suficiente. Essas
circunstâncias pessoais, que também devem ser observadas na fixação da pena
privativa de liberdade, é que vão dar a medida de conveniência da substituição. Não
têm direito à substituição, portanto, os condenados que, pelos elementos colhidos na
52

instrução criminal, demonstrarem incompatibilidade com a convivência social


harmônica, que tiverem antecedentes comprometedores, ainda que não tenham sido
condenados anteriormente, que apresentem conduta marcada por fatos anti-sociais ou
que não tenham profissão definida, emprego fixo ou residência determinada, e, ainda,
quando os próprios motivos e as circunstâncias de caráter pessoal indicarem que a
substituição não servirá de prevenção penal.

4.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE AS PENAS RESTRITIVAS DE


DIREITOS
4.1.1 Prestação Pecuniária

A prestação pecuniária (art. 45 CP), é fixada com base nos dados disponíveis
no processo de modo que, não existe previsão legal, específico de procedimento
para calcular o prejuízo resultante da prática do crime. Assim, consiste no
pagamento em espécie à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou
privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz da condenação.
Dispõe ainda a lei, no novel art. 45, § 2º do CP, que, se houver aceitação do
beneficiário, ou seja, do ofendido ou da entidade pública ou privada com destinação
social, a prestação pecuniária poderá constituir-se, por decisão do juiz, em prestação
de outra natureza, como por exemplo, o fornecimento de cestas básicas. É
obrigatória, pois, a consulta ao beneficiário, pelo juiz da execução, para que se
efetue a referida substituição.

4.1..2 Perda de Bens e Valores

De acordo com o que reza o dispositivo do art. 45, § 3º, do CP, é o confisco
em favor do Fundo Penitenciário Nacional, de quantia que pode atingir até ao valor
referente ao prejuízo causado ou do provento obtido pelo terceiro, em conseqüência
da prática do crime, prevalecendo aquele que for maior. Esses bens e valores serão
destinados, preferencialmente, ao lesado ou de terceiro de boa-fé.

4.1..3 Prestação de Serviços a Comunidade ou a Entidades Públicas


53

É o trabalho não remunerado em entidades públicas mencionadas no artigo


46, em programas fixados pelo Estado, ou criados pela comunidade. As tarefas a
serem cumpridas são atribuídas pelo juiz da execução, de acordo com as aptidões
do condenado. Ao contrário da lei anterior que, determinava que as tarefas deveriam
ser de oito horas semanais, a nova lei refere-se ao montante exato das horas
trabalhadas, que será o mesmo número de dias da pena privativa de liberdade
aplicada originalmente.

4.1..4 Interdição Temporária de Direitos

a) Proibição do exercício de cargo, função, atividade pública e mandato


eletivo.
- Cargo público: é o lugar instituído na organização do funcionalismo,
com denominação própria, atribuições específicas e estipêndio componente.
- Função pública: é a atribuição ou conjunto de atribuições, que a
administração confere a cada categoria profissional, ou comete individualmente a
determinados servidores, para a execução de serviços eventuais.
- Atividade pública: é toda aquela efetuada em benefício do Estado, seja
remunerada ou não, e que depende da nomeação, escolha, designação etc., por
parte do Poder Público.
- Mandado eletivo: exercem os componentes de Legislativo (vereadores,
deputados e senadores) ou do Executivo (prefeitos, governadores e presidente da
República), eleitos por prazos determinados.
b) Proibição do exercício de profissão atividade ou ofício.
Essa segunda espécie de interdição é a proibição do exercício de profissão,
atividade ou ofício que depende de habilitação especial, de licença ou autorização
do Poder Público. Existem profissões, ofícios ou atividade que dependem de certos
requisitos legais para ser exercidos e que são controlados ou fiscalizados pelo
Estado. Aplicado essa pena o condenado fica privado de exercer esse tipos de
atividades pelo tempo da pena a ser cumprida, mesmo que esteja legalmente
habilitado para exercer.
c) Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículos.
Esse tipo de suspensão é aplicável exclusivamente aos crimes culposos de
trânsito.
54

d) Proibição de freqüentar determinados lugares.


Nessa espécie, o juiz deverá especificar na sentença os lugares que o
sentenciado não pode freqüentar. Essa fixação deve guardar relação com o delito
praticado com a pessoa do agente, como forma de prevenir a prática de novo crime
pelo condenado.

4.1.5 Limitação de Fim de Semana

O condenado é obrigado a recolher-se a casa de albergado ou outro


estabelecimento similar, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em
horários estabelecidos pelo juiz da execução.

4.2 A Pena de Morte Versus Violência e Impunidade

Seguindo o estratagema afeto às discussões doutrinárias a respeito da


matéria sub examine, imprescindível tecer alguns comentários sobre a pena de
morte.
O direito de punir ofertado ao Estado tem uma base concreta e delineada: a
segurança da sociedade e, todo o exercício do poder que deste fundamento se
afaste constitui abuso e não justiça, já que se trata de um poder de fato e não de
direito, passível, pois, de usurpação.
No caso da pena capital pende em seu desfavor a sua desproporcionalidade,
senso comungado por todo o seio social, pois que não há crime que se cometa
capaz de conceder ao Estado o direito de vida sobre um concidadão.
O direito de punir não pode ser a mola propulsora capaz de transformar o
Estado em cometedor de ação cuja ética e a moral reprovam e repudiam os
cidadãos. Ademais, apesar da natureza representativa da Casa Congressual, o
Estado não pode impor indiscriminada e genericamente a todos os cidadãos o ônus
de conviverem com o carma de serem o carrasco que executa a morte de um
homem. A democracia de representação tem limites sociais.
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil dispõe no artigo 5º,
55

inciso XLVII, letras a e e, a respeito de penas não praticadas e inadmissíveis no


Brasil, aí incluída a pena de morte, com as ressalvas dos casos previstos na
legislação militar e em tempo de guerra (CF, art. 84, XIX).
De efeito, apesar de pouco tempo passado da negação, pela sociedade
brasileira, para a implantação da pena de morte em nosso país, a população nacional,
principalmente nos grandescentros urbanos, clama por segurança, força do
crescimento indiscriminado de autêntica guerrilha urbana.
Nessa esteira, apesar de ser um direito fundamental, asseveram os
defensores da pena capital que o direito à vida também sofre limitações. Tem uma
limitação direta quando a Constituição ressalva a possibilidade de aplicação da pena
de morte nos casos de guerra declarada. Aparece, em seara ordinária penal, outra
limitação, como, por exemplo, a legítima defesa e o estado de necessidade, que
permitem o sacrifício do direito à vida, nos moldes especificados nas respectivas
normas.
Toda essa questão tem arrimo na doutrina kelsiana do ser e do dever-ser, da
tensão existente entre o direito natural e o direito positivo. É a idolatria da
Constituição como ser supremo capaz de instituir um direito fundamental e, como
consectário, limitá-lo e restringi-lo.
No Brasil, por exemplo, em momento algum é permitido a violação ao direito à
vida. Este direito fundamental não é limitado pela Constituição, sendo cláusula
pétrea intocável, por ser direito natural do homem e não uma conquista social
somente. O fato de se permitir as excludentes mencionadas em seara ordinária, não
resulta na afirmação de que o povo, hoje em dia, se encontra sob o ataque direto do
malfeitor e na batalha de viver ou morrer, como o era no estado selvagem dos
primórdios da sociedade, para autorizá-la a determinar a morte de um homem.
O Estado é certo, em termos de acudir o cidadão em decorrência de seu
direito constitucional à segurança, e a outros direitos individuais e sociais, está à
beira da bancarrota, totalmente falido financeira e ideologicamente, não fornecendo
o atual sistema punitivo o amparo capaz de suportar as mazelas comuns da
criminalidade.
A competição da vida econômica, a disputa não sempre ética pela posição
social, faz do homem um autêntico lobo para o outro homem. As religiões,
meritoriamente, tentam mitigar esse quadro a um tempo grave e desolador. O
desamor é, não raras vezes, responsável pela terrível tragédia urbana, que às
56

transgressões diuturnas das leis, às práticas reiteradas dos ilícitos penais e a


destruição do homem pelo homem.
Essa é uma fotografia de hoje do mundo, real e sem retoque e nesse quadro
sociológico dantesco a pena alternativa exsurge como uma válvula de escape dos
governos e também de seus cidadãos em libertar-se desse temor que corroem as
suas vísceras: a insegurança. A pena máxima, tal qual a fé, não passa de uma forma
de exorcizar os medos e a impotência humana, pois o Estado é diretamente
incompetente para garantir a inexistência do crime ou banir do seio social os
criminosos virtuais. Os cidadãos, por sua vez, indiretamente carregam a consciência
desse fardo.

Porém, o engodo do recrudescimento da punição é latente. Essa solução é


imediatista, porquanto fruto da resistência enfraquecida da sociedade em digladiar
contra o terror da insegurança, cujo fôlego já se expirou, gerando anseio de não
admitir postergações e remédios de solução a médio ou longo prazo.
E então, mesmo embarcando no ataque aos efeitos, preocupa-nos a
indagação: e se, apesar da pena de morte, os crimes violentos aumentarem e a
incidência de crimes não hediondos generalizar-se? Nem se diga ser isso impossível
ou possuir pequena probabilidade, pois os criminosos de crimes bárbaros, como o
seqüestro seguido de morte, nem teriam mais o direito ao arrependimento, mas
apenas o incentivo de sua folha de antecedentes criminais elencando-o como
integrante do grupo a freqüentar o corredor da morte.
No tocante aos criminosos comuns, a tendência será contrária à intimidação,
pois inerente será o desprezo à enxovia ou às penas alternativas, força do
paradigma da pena de morte, ou seja, a pena capital para os crimes hediondos
ofuscará o caráter retributivo das demais penas, incentivando os já numerosos
pequenos delitos.
57

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim deste trabalho sobre “a importância e a aplicabilidade das penas


alternativas sob a ótica do direito penal moderno”, tema que tanto despertar traz hoje
no mundo jurídico, além de ter grande acolhida dentro da Magistratura, procurou-se
discutir de maneira didática a opinião daqueles que a favor se manifestam.
Em nosso país, os direitos à integridade física e moral ínsitos aos seres
humanos são sistematicamente violados, apesar de serem dogmas constitucionais e
dos diversos programas defensores dos direitos humanos, o que nos deixa,
infelizmente, mais longe do Estado de Direito há tanto perseguido.
Cenário comum dos noticiários nos últimos anos, as rebeliões de presos em
penitenciárias são um sintoma inconfundível de que o sistema penal atingiu seu
limite, tanto no que diz respeito ao espaço físico quanto ao papel de órgão
reabilitador.
Falar em reabilitação é quase o mesmo que falar em fantasia, pois é fato
comprovado que as penitenciárias em vez de recuperar os presos os tornam piores
e menos propensos a se reintegrarem ao meio social.
Pois, o sistema carcerário, como é atualmente, reduzindo os encarcerados, a
qualquer título, a condições subumanas, prescindindo das mais peculiares e básicas
necessidades, condenando-os ao jugo (ou subjugo) de uma sociedade prisional
regida por valores outros que não aos do homem-cidadão, do homem-natural, é,
enfim, um sistema violentador do próprio direito à vida, direito de onde brotam todos
os demais direitos; dever do Estado de velar pela garantia indeclinável de sua
incolumidade.
Ademais, o fenômeno da assimilação dos padrões vigorantes na
penitenciária, estabelecidos, precipuamente, pelos internos mais endurecidos, mais
persistentes e menos tendentes à recuperação, mormente na atitude sintomática de
aquilatar as maestrias do criminoso habitual, desenvolvendo o perfil delinqüente e os
denominados fatores universais da prisionização, impingem a situação paradoxal da
ressocialização por intermédio da reclusão carcerária.
Do ponto de vista da Psicologia, o isolamento e a segregação humana
produzem efeitos maléficos sobre a mente e o comportamento, levando o indivíduo à
degeneração física e moral, à própria degenerescência mental, daí porque a
absurdidade do sistema prisional para essa ciência que, periodicamente, vem
58

submetendo os seus princípios e métodos a estudos profundos, altamente


aproveitáveis para a ciência jurídica e, esperamos, para a ciência política.
O Direito recorre a outras ciências para explicar a violência. Políticos insistem
no argumento de que, quanto mais um criminoso seja mantido na prisão, tanto mais
seguros estarão os homens livres. Dos sistemas existentes para lidar com
criminosos, a prisão é o mais caro e seu preço recai sobre o povo. Além de tudo, é
injusto em si mesmo. Pune os pobres mais que os ricos; os negros mais que os
brancos. Adota dosagens de pena que variam sem critério científico, mas mudam
freqüentemente ao sabor de fatos isolados.
As penas alternativas são uma tendência mundial pelo consenso da
imprestabilidade do efeito reclusivo da prisão, como reprimenda aplicável a crimes
de qualquer natureza, sem levar em consideração a sua potencialidade para a
sociedade, tendo os efeitos deletérios do sistema prisional fomentado a reincidência,
inclusive de condenados recuperáveis que são contaminados,por mais selecionados
que sejam dentro do complexo carcerário, pelo vírus maléfico caracterizador da
instituição total.
Por isso, o movimento de reforma do sistema punitivo concentra suas
proposições na adoção imediata de penas alternativas, demonstrando a absorção da
sociedade civil da idéia de que o Estado é mau administrador; não tendo condições
estruturais de solver as mais básicas de suas funções, tais como segurança pública,
educação e saúde. O plano nacional de privatizações é reflexo direto dessa consciência
governamental, que tem apoio incondicional nos mais nobres seguimentos sociais.
A adoção das penas alternativas, em especial a prestação de serviços
comunitários ou similar, o contato direto do delinqüente com problemas sociais de
profundidade incontestável, os quais farão desabrochar seu sentimento de utilidade
para a sociedade na qualidade de bem-feitor, sensibilizando-o para os percalços das
vidas de outrens, amenizando a introspecção ao seu mundo violento e marginalizado,
despertando-o para o fato de que se o problema vivencial de sua vida é nefasto, de
certo há piores.
Assim, vivenciando o despautério da existência de pessoas solitárias,
carentes, deficientes e de crianças órfãs e abandonadas ou privadas da convivência
familiar por ato abusivo dos pais, a extensão de sua cosmovisão da realidade alargar-
se-ia e inquestionavelmente, a reciprocidade dos laços emocionais entre a sua
pessoa e os seus assistidos fariam aflorar sentimentos adormecidos no seu ser por
59

força de sua realidade delinqüente.


Alguns sugerem a idéia da privatização do sistema carcerário, onde o Estado
seria mero fiscalizador, deixando a cargo de entidades privadas a gestão e a
administração dos presídios e das casas de detenção em geral. Podemos retrucar
que, no Brasil, cidadãos livres e no gozo de seus direitos constitucionais são
mantidos na condição análoga àquela imposta ao escravo de outrora em diversos
latifúndios no interior do país e não há fiscalização, prevenção ou reprimenda do
Poder Estatal, impotente por suas deficiências que, de certo, se repetiriam à
privatização carcerária.
A Lei Execuções Penais é eficiente. Estabelece a classificação dos presos,
observados os seus antecedentes e personalidades, como instrumento de
individualização da execução penal, medida de extrema importância para o objetivo da
ressocialização. Exatamente no problema da superlotação reside o impedimento maior e
mais complexo da adoção dessa boa política penitenciária da Lei de Execuções Penais,
que se conforme com ela e com seus objetivos. O ideal teórico da lei neste particular não
encontra ressonância na realidade, porque significaria a necessidade de novos e muitos
presídios, de custo financeiro e manutenção fora do alcance dos estados-membros.
Todos sabem que um dos mais graves problemas do país, que exige solução
corajosa, urgente e global é o chamado fenômeno da conurbação, isto é da exagerada
concentração populacional urbana. As regiões metropolitanas do país concentram mais
de 80% da população brasileira. As causas são conhecidas. É urgente e fundamental que
se estanque e reverta esse ciclo migratório do interior para a cidade, sob pena de riscos
seriíssimos de toda ordem, inclusive os da segurança pública.
Complemente-se que, com essas alterações estruturais e institucionais
poderia o sistema penitenciário funcionar de conformidade com os parâmetros básicos
da Lei de Execuções Penais, com seleção dos criminosos, segundo seus antecedentes e
personalidade de cada qual, objetivando a individualização da execução penal. Como
terapia de ressocialização, a oferta de trabalho, de acordo com a formação profissional do
preso, com a adoção de treinamento profissional concomitantemente com sua formação
cultural, moral, religiosa, enfim, a efetiva experiência de uma política prisional, como
consta da prefalada lei, nunca efetivamente posta em prática, na sua inteireza.
O ideal seria também que os presídios fossem constituídos de pequenos
núcleos, com no máximo cem presos. Poderiam ser até construídos em círculos,
com uma área central comum para a instalação de oficinas, parques de trabalho -
60

oficinas de carpintaria, sapataria, alfaiataria, mecânica, pintura, borracharia,


lanternagem e eletricidade de automóveis, em suma, todo um centro de atividade
profissional. Terminada a jornada de trabalho diária de oito horas retornaríamos presos
a seus presídios, todos próximos. Ter-se-ia economia de escala, com redução de
custos.
O produto desse trabalho, por sua vez, seria colocado no mercado e,
obrigatoriamente, destinado às necessidades do serviço público dos três níveis
(federal, estadual e municipal), com contratação direta, sem licitação. Baratear-se-ia
o custo desses produtos para o serviço público, alavancando-se uma efetiva política
carcerária, inexistente sem o componente trabalho, efetivo, constante, diuturno e
remunerado.
Nessas oficinas seriam feitos os fardamentos dos policiais militares e dos
guardas municipais, onde existissem; os seus calçados; os seus móveis e demais
equipamentos das escolas públicas dos três estágios da administração e de todos
os níveis de ensino; seriam conservados e consertados os veículos automotores das
frotas dos serviços públicos, inclusive das administrações indiretas; das autarquias,
das fundações, das empresas públicas e das sociedades de economia mista,
inclusive as controladas; os materiais escolares, enfim todas as necessidades
operacionais da administração pública.
O trabalho, antes mesmo de ser dever é direito do preso. Fator de dignidade
pessoal inarredável e insubstituível. Não é só o trabalho direito do preso, mas
também dever, obrigação, porque o direito, exceto o indisponível, é renunciável e o
trabalho para o preso não o é e nem deveria ser para todos os demais cidadãos. É
um dever diretamente ligado à dignidade, à auto-estima. É dever que o apenado tem
com a sociedade e com sua ressocialização.
Por fim, a prisão gera mais problema céticos, sociais, psicológicos e
econômicos do que na realidade resolve, e que na prática a reabilitação desejada
por muitos sistemas penais no mundo termina em desilusão, desespero e revolta
contra a sociedade, que cerra as suas portas aos ex-condenados. Neste ponto surge
o questionamento da validade de se infligir uma pena que envolve a perda de direitos
civis de uma pessoa que já trouxe a desonra ao seu próprio nome.
A necessidade crescente da aplicabilidade de penas alternativas para os
condenados, é claro, excetuando-se aqueles que representam ameaça à sociedade.
É necessário que punam o delito e ao mesmo tempo reeduquem o delinquente.
61

É de se notar, ao fim, portanto, que as penas alternativas, longe de


trancafiarem pessoas que cometeram algum pequeno ou médio delito, tornando-as
isoladas da sociedade, em cubículos que mais parecem jaulas, aprisionando
juntamente gatos e leões ferozes, elas se utilizam de um grande sentido humanístico,
ao tentarem reeducar o apenado, fazendo-o viver em sociedade e, principalmente,
quando nela prestam algum serviço social. Daí, por que seu uso tem sido crescente
em todo mundo e vem mais e cada vez mais capitaneando novos adeptos de uma
causa nobre que já não resiste ao trancamento humano, que representa um sistema
carcerário historicamente falido e que só macula o homem.
O Estado tem que começar a ser mais seletivo no que concerne a quem deve
ficar preso. O importante é que quem cometeu algum delito seja realmente punido. A
pena alternativa, longe de ser benefício, é garantia de punição e de justiça.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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