O Tratado de Tordesilhas e A Politica Pa
O Tratado de Tordesilhas e A Politica Pa
O Tratado de Tordesilhas e A Politica Pa
do V Centenário
do Tratado
de Tordesilhas
na Santa Sé
COMISSÃO NACIONAL
PARA AS COMEMORAÇÕES
DOS DESCOBRIMENTOS
PORTUGUESES
EMBAIXADA DE PORTUGAL
JUNTO DA SANTA SE
Comemorações
do V Centenário
do Tratado
de Tordesilhas
na Santa Sé
COMISSÃO NACIONAL
PARA AS COMEMORAÇOES
DOS DESCOBRIMENTOS
PORTUGUESES
EMBAIXADA DE PORTUGAL
JUNTO DA SANTA SE
Entrega ao Santo Padre do fac-színile do Tratado
de Tordesilhas, etn cerit7zónia realizada no
Vatzcano no &a 28 de Setembro de 1994.
VOZES VINDAS DE ROMA
i' DP - Descobrimentos
Portugueses. Documen-
tos para a sua História,
publicados e prefacia-
dos por João Martins da
Silva Marques - vol. I ,
Lisboa, 1944 e vol. 111,
Lisboa, 1971.
MH - Monumenta Hen-
ricina, Coimbra, vols.
VI11 (1967) a XIII
Em 1994 comemoram-se os seiscentos anos do nascimento do Infante (1972).
Testamento - O Testa-
D. Henrique e os quinhentos anos da assinatura do Tratado de mentodeAdáo,Lisboa,
Este tratado foi o resultado mais notável das vontades de dois paí-
ses resolverem litígios pela via do diálogo, o que corresponde a um grau
superior de diplomacia, que estava já preocupada em evitar o recurso
a acções violentas e em encontrar soluções justas a contento das partes.
Para destacar a importância deste acordo basta lembrar que foi ele
quem assegurou a Portugal a possibilidade de se afirmar em regiões tão
díspares que vão da China ao Brasil, sendo este país o fruto mais admi-
rável dos esforços dos portugueses Além-Mar e da solução jurídica
encontrada em Tordesilhas em 1494.
Foi este homem, de formação ainda medieval, um dos que mais con-
tribuiu para o início da Idade Moderna. Tal afirmação fundamenta-se
no facto de se lhe ter ficado a dever o impulso decisivo para o arran-
que das explorações geográficas e económicas de terras do litoral afri-
cano, até então desconhecidas dos europeus.
zer dos homens que as faziam, des o dito cabo de Bojador por diante.
E por ser cousa duvidosa e os homens se não atreverem de ir mandou
lá bem XIIIII (15)vezes até que soube parte da dita terra (. ..) e mandou
dela fazer carta de marear e nos disse que sua vontade era de mandar
seus navios mais adiante saber parte da dita terra".
"acrescentar em a Santa Fé de Nosso Senhor Jesu Cristo e trazer a ela do Infante D. Henrique
por Gomes Eanes de
todalas almas que se quisessem salvars2. Zurara, Estudo crítico
e anotações de
Um dos mais belos elogios à acção de D. Henrique ficou a dever-se Torquato de Sousa
Soares, "01. I, Lisboa,
a Poggio Bracciolini, humanista e secretário de vários papas, que lhe 1978, p. 44.
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escreveu, talvez em 1448, uma carta onde se nota uma vibrante admi- 1
3 josé Manuel Garcia, ração pela obra que realizava3.
"O elogio do Infante
D. Henrique pelo
Ao assinalarmos estes dados e outros que de seguida apontamos é
humanista Poggio
Bracciolini", Oceanos, por querermos realçar que eles são essenciais para avaliarmos devida-
n." 17, Março 1994,
pp. 12-14,
mente a problemática em que se radica o Tratado de Tordesilhas, isto é,
a acção e o prestígio de D. Henrique na definição da política portu-
guesa de Mare clausum. Ela visou desde o primeiro momento assegurar
ao Infante (e a Portugal) as zonas cujos mercados haviam sido desco-
bertos pelos portugueses.
cia do nascimento de D. João I1 no mesmo ano da concessão pela Santa MH, XII, n."36,
pp. 72-79 e
Sé de um documento paradigmático da política de Mare clausurn a favor T ~pp. 226. ~
de Portugal, temos em conta o facto de que D. João I1 seria um dos -227. Nas citações que
fazemos deste
seus maiores defensores e de que o Tratado de Tordesilhas, por ele documentoutilizámos
a tradução de Carlos
assinado, é um dos documentos fundamentais dessa política. A bula de Ascenso André,
divisões de zonas de influência entre portugueses e espanhóis à escala pr.io>. o estudo mais
importante sobre as
planetária. bulas papais do
século xv relacionadas
A cúpula do conjunto da documentação henriquina sobre os compo.rugaldeve-se
a Charles-Martial de
Descobrimentos encontra-se, pois, na bula Rornanus pontifex, cujas sen- ,,,, ,,
bulles
diligência, tornasse o mesmo mar navegável até aos índios, que se diz
cultivarem o nome de Cristo (...), desde há vinte cinco anos não ces-
sou de fazer enviar (. ..) em navios muito velozes, chamados caravelas,
a descobrir o mar e as províncias marítimas, em direcção às partes meri-
Bula Romanus Pontifex de Nicolau V , 1455,
doando a Povtugal todas as terras e ilhas
descobertas ou por descobrir do Cabo Bojador
em diante.
dionais e polo antártico". Depois de reconhecer estes e muitos outros
factos o Papa observou que D. Afonso V e D. Henrique "proibiram
então (. ..) que ninguém a não ser com os seus marinheiros e navios e
mediante pagamento de um certo tributo e obtenção prévia de licença
(. ..) ousasse navegarpara as ditas províncias ou comerciar em seus por-
tos OU pescar no seu mar".
Nesse documento D. Afonso V alegava que o seu filho "era o senhor DP, 111,n.O 115,
pp. 153-154 e
do trauto" e afirmava que essa lei se escorava no facto de que "os san- Testamento, pp. 228-
tos padres de Roma nos têm feita mercê e doação pera sempre das par- -229.
D. João II,
Livro dos Copos, c. 1485 (pormenor)
L.
D.'
mares de Guiné e ilhas até ora, assim per autoridade das ditas leteras,
que da dita doação temos, como per posse e costume sempre foi vedado
e defeso per nós além das ditas excomunhões e defesa dos ditos san-
tos padres de pesssoa alguma haver de ir nem mandar às ditas partes
e terras e mares de Guinéa trautar, nem resgatar, nem guerrear, sem
nossa licença e autoridade".
Os Reis Católicos,
Carta de Privilégios dos Reis
Católicos, 1484 (pormenor).
Neste ponto deve-se notar que a determinação exacta da latitude das
ilhas descobertas por Colombo não parece ter sido claramente enun-
ciada ou determinada pelo famoso genovês, face aos enormes erros que
registou no seu diário de viagem, pois, aparentemente queria situá-las
Cristóbal Colón, muito a norte20. I
Textor y docuneittor
coinpletor, prólogo e A escritura de assento e capitulação de pazes de Alcáçovas foi rati-
notas de Consuelo
Varela, Madrid, 2." ed., ficada por Fernando e Isabel em Toledo em 6 de Março de 1480 e logo
1984, p. 48.
um mês depois deste acto, em 6 de Abril de 148O2I,D. Afonso V pas-
" DP, 111, n." 144, sou um regimento ao príncipe D. João onde, a pedido deste, dava
pp. 211-212.
"poder e faculdade e especial mandado aos capitães, que pelo tempo
forem enviados pelo príncipe meu filho etc., à dita Guinéa, que achando
eles quaisquer caravelas ou navios de qualquer gente de Espanha ou
doutro qualquer seja, ou ser possa, de ida ou vinda, ir ou vir, pera a
dita Guinéa ou estar em ela per qualquer maneira que seja, além das
marcas que pelo assento da capitulação das pazes feitas entre os ditos
nossos reinos e os de Castela são apontadas e decraradas (sic), as quais
marcas e termos são das Canárias pera baixo e adiante contra Guinéa".
A punição para quem se atrevesse a passar tais limites era terrível, pois
I
aqueles que fossem tomados deveriam "logo todos ser e sejam deita-
dos ao mar, pera que mouram (sic) logo". Dessa forma se garantiam os
"trautos de Guiné, resgates e minas do ouro e negociação, que direta-
mente a estes reinos somente pertence e a outros não".
'' DP, 111, n.0 154, 1488, a qual era acompanhada da versão portuguesa feita por Vasco
pp. 230-238. Fernandes de Lucenaz3.Nessa bula eram retomadas outras bulas, com
destaque para a Romanus pontifex de Nicolau V, repetindo-se os privi-
légios passados ao Infante D. Henrique e acrescentando-se-lhe o clau-
sulado do Tratado de Alcáçovas, na parte que interessava ao exclusivo
português das terras da Guiné. Na referida versão portuguesa da bula,
na parte relativa à transcrição desse tratado, lê-se que Fernando e Isabel
"prometeram dagora pera todo o sempre", que não "torvarão, nem moles-
tarão, nem inquietarão de fecto (sic) ou de direito, em juízo ou fora de
juízo os ditos senhores rei e príncipe de Portugal (. ..), sobre a posse ou
quasi posse em que estão de todolos tratos, terras e resgates de Guiné,
com suas minas douro e com quaisquer outras ilhas, praias ou costas de
mar, descobertas ou por descobrir, achadas e por achar, ilhas da Madeira
e Porto Santo e ilha Deserta e todalas ilhas chamadas dos Açores e ilhas
de Flores e também as ilhas do Cabo Verde e todas as ilhas que agora
achou e quaisquer outras ilhas que se daqui avante acharem ou aquirirem
e isto das ilhas de Canária álem e áquem e em fronte de Guiné, assim
que qualquer cousa que já é achada ou se achar e aquirir álem nos ditos
termos, todo o que é achado e descoberto fique ao dito rei e príncipe de
Portugal e a seus reinos, tirando somente as ilhas de Canária (...), as
quais ficam aos reinos de Castela e bem assim não torvarão nem moles-
tarão nem inquietarão quaisquer pessoas que os ditos tratos e resgates
de Guiné, nem as ditas terras, praias e costas descobertas e por desco-
brir, em nome ou de mão e poder dos ditos senhores rei e príncipe de
Portugal (. ..)"-.~., .~. . ..,, -., .,
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de 4 de Maio de 149329e enviada em Junho, o Papa concedia aos Reis ,DP, 111, 253,
Católicos, "todas as ilhas e terras firmes achadas e por achar, desco- ~~374-377.
bertas e por descobrir para as bandas do ocidente e sul de uma linha 29 DP, n..257,
imaginada e figurada desde o pólo Árctico ou setentrião até o pólo P.385-387 (com
traduçáo de JosC
Antárctico ou meio-dia, não embargando a esta linha quaisquer ilhas Saraiva nas pp. 388-
-390) e Testamento,
OU terra firme que se encontrem ou venham a descobrir-se para as pp,235-237,
Por essa carta verificamos ainda que havia de parte a parte insufi-
ciências graves de informação sobre a localização das ilhas visitadas por
Colombo, como Rui de Pina observara. Com efeito, na referida carta
os reis voltam a informar Colombo que era necessário "saber 10s grados
en que estan las yslas y tierras que fallastes y 10s grados de1 camino por
donde fuystes por serujçio nuestro", tal como lhe pediam com insis-
tência a carta de marear que Ihes prometera32. De notar ainda a forte 32~dem,ibidem.
por descobrir no mar oceano" foi encontrada em 7 de Junho de 1494 Junho de 1994, pp. 62-
-76 e Testamento,
através da determinação que se deveria fazer e assinalar "polo dito mar pp. 241-244.
oceano uma raia ou linha direita de polo a polo, a saber, do polo Ártico
ao polo Antártico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha se haja de
dar e de direita como dito é a trezentas e setenta léguas das ilhas do
Cabo Verde, pera a parte do ponente, por gruas ou por outra maneira"
de forma a garantir "que tudo o que é achado e descoberto e daqui a
diante se achar e descobrir", para oriente da dita linha ficasse reser-
vado a Portugal ficando igual direito para Espanha relativamente às
terras que lhe ficassem a ocidente. Nessa altura pensava-se em Espanha
que Colombo teria chegado à Ásia.
O Descobrimento do
nholas, que iriam conduzir ao Tratado de Tordesilhas, a problemática ~,il, Lisboa, 1989.
; ,L- que a concedeu em termos um tanto vagos através da bula Ea quae pro
""L
Alguns documentos do
Arquivo Nacionalda feito um acordo amigável, dá um deferimento favorável à petição de
Torre do Tombo à
D. Manuel no sentido de se lhe confirmar o teor do Tratado de
cerca das navegações e
conquistasportuguesas, Tordesilhas. Ainda antes de o expressar Júlio I1 fez um pequeno his-
Lisboa, 1892, pp. 142-
-143. Incluímo-la em
torial do processo que a ele conduziu, no qual evoca a bula de 1481,
apêndice a este alegando, nomeadamente, que já antes fora permitido pela Sé Apostólica
trabalho em nova
leitura e com tradução a D. João I1 que "pudesse navegar ao longo do mar oceano ou expio-
para português.
rar ilhas e portos e terra firme abaixo do dito mar.e guardar para si as
terras descobertas e a todos os outros fora vedado (...), que se atre-
vessem a navegar esse mesmo mar, contra a vontade do sobredito rei
ou a ocupar ilhas e lugares aí descobertos".
Essa situação fora alterada pela descoberta das Antilhas, que susci-
tara um "litígio, controvérsia e matéria de disputa", mas "desejando as
próprias partes obviar a essa situação de litígio, controvérsia e debate
e alimentar a paz e a concórdia entre si", chegaram "com dignidade a
certa forma de acordo, convenção e pacto, pela qual entre outras dis-
posições reivindicaram que aos reis de Portugal e dos Algarves a par-
tir de determinados lugares e também aos reis de Castela e Leão a partir
PapaJúlio II, medalha (século xbv.
de outros e até outros determinados lugares no momento enunciados,
fosse lícito navegar ao longo do dito mar e explorar novas ilhas e con-
quistá-las e guardá-las para si, tal como em certo instrumento público
lavrado a respeito desse assunto se diz conter com maior abundância
de pormenores". Ao contrário da bula de 1481, onde se chegaram a
transcrever alíneas do Tratado de Alcáçovas, nesta bula de 1506Júlio I1
refere-se ao Tratado de Tordesilhas de forma genérica, sem se preo-
cupar com a citação de "pormenores" e chegando mesmo a declarar
que não possui "notícia certa sobre o mencionamento assunto". A sua
preocupação consistia em assegurar a paz entre os monarcas ibéricos,
pelo que aprovava e confirmava o referido "acordo, convenção e pacto
e tanto quanto lhes diz respeito, tudo e o que quer que seja que no
dito instrumento se contenha e tudo quanto daí resultou, por concenso
de ambos os reis".
L'intervento dei Papi de1 secolo xv fu possibile grazie alla grande auto-
rità morale de1 Pontifcato Romano. Ed è ciò che accade anche oggi, allor-
quando le Nazioni si volgono verso i1 Successore di Pietro, per implorare
Ia sua opera di pace.
. +c-.,,, - ,
, L.-
..
"
. ?*.Este nome é "ma Regem Illustrem super certis insulis Lasamillis" nuncupatis, per prefatum
""?da '"
Anti.las Regem inventas et occupatas, ex alia partibus lis, controversia et questio-
!I-,.
:i .-5..i.:. '..
.<<.
Joane Saldana
da parte do sobredito rei Manuel, foi-nos humildemente suplicado que ao
acordo, convenção e pacto supracitados, para sua mais firme consistência,
nos dignássemos, por benignidade apostólica, ajuntar-lhes o garante da con-
firmação apostólica e, além disso, tomar, quanto ao mencionado assunto,
adequadas provisões. Nós, portanto, que desejamos com a maior intensidade
que, entre todas as pessoas, em particular aquelas em quem resplandece a
dignidade régia, vigore a paz e a concórdia, não possuindo notícia certa sobre
o mencionado assunto e inclinados a este género de súplicas, ordenamos a
vossa fraternidade, por carta apostólica, que vós ou um de vós, se assim é,
cureis de aprovar e confirmar os supracitados acordo, convenção e pacto, e,
tanto quanto lhes diz respeito, tudo e o que quer que seja que no dito ins-
trumento se contenha e tudo quanto daí resultou, por consenso de ambos
os reis, determinando ainda que mantenham o vigor de uma eterna firmeza,
por nossa autoridade, e suprindo todos e quaisquer defeitos, se acaso alguns
neles houver. E outrossim, se acontecer que venham a ser consumadas por
vós, com o vigor das presentes disposições, a confirmação e aprovação supra-
citadas, como acima se diz, que façais com que seja observado de forma
inviolável o dito acordo, e os mesmos reis gozem em paz desse acordo e das
supracitadas confirmação e aprovação, não permitindo que eles se molestem
indevidamente entre si ou por meio de quaisquer outros, por causa desta
matéria, reprimindo, com a nossa autoridade e sem direito a apelação, os
prevaricadores; não obstantes quaisquer constituições e ordenações apostólicas
em contrário, mesmo se, aos mesmos reis ou quaisquer outros, em conjunto
ou separadamente, tenha sido concedido pela sé apostólica que não possam
ser interditos, suspensos ou excomungados, se não fizerem, através de carta
apostólica, plena e expressa menção, palavra por palavra, desse indulto.
Dado em Roma, em S. Pedro, no ano da Incarnação do Senhor de mil
quinhentos e cinco, aos 24 de Janeiro, ano terceiro do nosso pontificado.
Joane Saldana
Tradução de
Carlos Ascenso André
Professor da Faculdade de Letras da Universidadde de Coimbra
Design
Atelier B2: José Brandüo/Nuno Vale Cardoso
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