O Tratado de Tordesilhas e A Politica Pa

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Comemorações

do V Centenário
do Tratado
de Tordesilhas
na Santa Sé

COMISSÃO NACIONAL
PARA AS COMEMORAÇÕES
DOS DESCOBRIMENTOS
PORTUGUESES

EMBAIXADA DE PORTUGAL
JUNTO DA SANTA SE
Comemorações
do V Centenário
do Tratado
de Tordesilhas
na Santa Sé

COMISSÃO NACIONAL
PARA AS COMEMORAÇOES
DOS DESCOBRIMENTOS
PORTUGUESES

EMBAIXADA DE PORTUGAL
JUNTO DA SANTA SE
Entrega ao Santo Padre do fac-színile do Tratado
de Tordesilhas, etn cerit7zónia realizada no
Vatzcano no &a 28 de Setembro de 1994.
VOZES VINDAS DE ROMA

No âmbito das celebrações do V centenário do Tratado de Torde-


sdhas, organizadas pela Espanha e por Portugal, em 1994, tiveram
lugar várias cerimónias de grande significado internacional. Dentre
elas, destacar-se-ãoapenas as que envolveram os Chefes de Estado
dos dois países, realizadas, respectivamente, no aniversário da cele-
bração do tratado (Tordesilhas, 7 de Junho) e no da sua ratificação
pelo Rei de Portugal (Setúbal, 5 de Setembro) e, agora, a sessão
solene levada a efeito em Roma, no Auditorium "Augustinianum"
(27 de Setembro), sob a presidência de Sua Eminência Reverendís-
sima o Cardeal Angelo Sodano, Secretário de Estado da Santa Sé,
e que contou com a presença de altas individualidades da hierarquia
eclesiástica. Este processo comemorativo veio a culminar, no dia
28 de Setembro, com a audiência que Sua Santidade o Papa João
Paulo I1 se dignou conceder aos Embaixadores dos dois países,
acompanhados dos responsáveis pelas estruturas incumbidas da come-
moração, o Presidente da Sociedad V Centenario de1 Tratado de
Tordesillas e o Comissário-Geralda Comissão Nacional para as Come-
morações dos Descobrimentos Portugueses, bem como dos especia-
listas que, na véspera, haviam proferido as comunicações de fundo.

O Tratado de Tordesilhas constitui um marco de grande impor-


tância no quadro das relações históricas e políticas entre a Santa
Sé e dois Estados europeus soberanos. E, se é verdade que as
coroas espanhola e portuguesa se afastaram da directriz traçada
pelo Papa Alexandre VI, na substância final do normativo jurí-
dico e diplomático acordado em Tordesilhas, não é menos ver-
dade que, da parte do Papa ou da Igreja, não se conhece qual-
quer oposição a esse facto. O que permite concluir também que
1494 foi um ano em que o Papado entendeu deixar que dois
países católicos regulassem entre si, por comum e pacifico
acordo, um diferendo que poderia ter tido graves consequên-
cias internacionais e aceitou o resultado consubstanciado no
instrumento que eles subscreveram, como, aliás, mais tarde, veio
a acontecer de forma expressa, sob o pontificado de Júlio 11,
em 1506.

Por tudo isto, entendeu a Comissão Nacional para as Come-


morações dos Descobrimentos Portugueses editar a presente bro-
chura, contendo o texto da comunicação apresentada no Istituto
Pontificio pelo historiador José Manuel Garcia, acrescentando-
-lhe, com a devida vénia, o texto do discurso com que Sua
Eminência Reverendíssima o Cardeal Secretário de Estado encer-
rou a sessão de 27 de Setembro, transcrito do Osservatore Romano,
e cuja mensagem de transcendente significado humanista deve
reputar-se da maior e mais actual importância. A audiência con-
cedida pelo Santo Padre vai também assinalada com a imagem
fotográfica que fixou o momento em que a delegação portuguesa
teve a honra de oferecer a Sua Santidade a reprodução fac-simi-
lada do Tratado de Tordesilhas.
Cabe finalmente agradecer muito penhoradamente a Sua
Eminência Reverendíssima, à Secretaria de Estado da Santa Sé,
ao Istituto Pontificio e a Suas Excelências os Embaixadores de
Espanha e de Portugal toda a colaboração que deram a esta ini-
ciativa e sem a qual ela não teria sido possíve!

Lisboa, 29 de Setembro de 1994.

Vasco Graça Moura


COMIÇSARIO-GERAL
Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses
Comunicação proferida pelo Dr. José Manuel Garcia
no Auditorium "Augustinianum" do Istituto Pontifcio Agustiniano
no dia 27 de Setembro de 1994, em sessão presidida por sua
Eminência Reverendhsima o Cardeal Secretário de Estado Angelo Sodano
ABREVIATURAS

i' DP - Descobrimentos
Portugueses. Documen-
tos para a sua História,
publicados e prefacia-
dos por João Martins da
Silva Marques - vol. I ,
Lisboa, 1944 e vol. 111,
Lisboa, 1971.
MH - Monumenta Hen-
ricina, Coimbra, vols.
VI11 (1967) a XIII
Em 1994 comemoram-se os seiscentos anos do nascimento do Infante (1972).
Testamento - O Testa-
D. Henrique e os quinhentos anos da assinatura do Tratado de mentodeAdáo,Lisboa,

Tordesilhas. Estas efemérides têm um denominador comum: os 1994.

Descobrimentos. Com efeito elas reportam-se a esse processo histórico


que permitiu o início de uma nova fase da História da Humanidade.

A expansão portuguesa pelo Mundo, cujo impulso inicial se ficou a


dever à acção do Infante D. Henrique, foi caracterizada nos seus tra-
ços principais pelas vertentes económica e religiosa. É natural que, por
este último motivo - mais precisamente a preocupação com a expan-
são do cristianismo -, tenham sido privilegiadas as relações entre Portugal
e a Santa Sé. A actuação do Papado articulou-se de uma forma muito
clara e constante com a política de afirmação de Portugal nas mais
diversas partes da Terra.

A cobertura do Papa às realizações dos portugueses Além-Mar foi


desde cedo solicitada pelos governantes portugueses, pois estes sem-
pre reconheceram a importância da autoridade internacional e do pres-
tígio do Sumo Pontífice, como garantia estabilizadora das suas acções
nos vários continentes, tanto no ponto de vista laico como no de agen-
tes criadores de novas cristandades.

O Tratado de Tordesilhas relaciona-se com toda esta problemática,


pois ao expressar juridicamente o exclusivo da influência portuguesa
numa vastíssima parte do Mundo constitui um dos pontos altos dos
Descobrimentos.

Planisfério, anónimo de 1502


dito "Mapa de Cantina", (pormenor,.
Consideramos ainda fundamental salientar que foi devido ao Infante
D. Henrique que Portugal começou a delinear, desde 1443, uma estra-
tégia de política internacional para a qual se pode utilizar a expressão
de Mure clausum, a qual veio a culminar com a assinatura do Tratado
de Tordesilhas. Essa política visava garantir a Portugal a exclusividade
da navegação para as terras que os portugueses iam descobrindo para \

sul do cabo Bojador.

A realização do Tratado de Tordesilhas constitui um dos aconteci-


mentos mais notáveis que marcam a história das relações internacio-
nais no período que corresponde à transição da Idade Média para a
Idade Moderna, pois, após uma negociação pacífica, determinava a divi-
são das terras descobertas e a descobrir entre Portugal e Espanha.

Este tratado foi o resultado mais notável das vontades de dois paí-
ses resolverem litígios pela via do diálogo, o que corresponde a um grau
superior de diplomacia, que estava já preocupada em evitar o recurso
a acções violentas e em encontrar soluções justas a contento das partes.

Para destacar a importância deste acordo basta lembrar que foi ele
quem assegurou a Portugal a possibilidade de se afirmar em regiões tão
díspares que vão da China ao Brasil, sendo este país o fruto mais admi-
rável dos esforços dos portugueses Além-Mar e da solução jurídica
encontrada em Tordesilhas em 1494.

Por todas as observações já feitas pensamos que a evocação do Tratado


de Tordesilhas e da sua relação com a política papal face à Expansão
Ibérica deve ter como ponto de referência inicial a figura emblemática
que nasceu cem anos antes dele ter sido assinado - o Infante D. Henrique.

Foi este homem, de formação ainda medieval, um dos que mais con-
tribuiu para o início da Idade Moderna. Tal afirmação fundamenta-se
no facto de se lhe ter ficado a dever o impulso decisivo para o arran-
que das explorações geográficas e económicas de terras do litoral afri-
cano, até então desconhecidas dos europeus.

De entre os múltiplos testemunhos desta atitude, que permitiu o encon-


tro de culturas, um dos que é mais pertinente é o do seu irmão o Infante
D. Pedro. Ele encontra-se na carta em que este lhe concedia em nome
de D. Afonso V o privilégio da exclusividade de exploração das terras a
sul do cabo Bojador, a qual lhe foi passada em 22 de Outubro de 1443l. ' DP, I, n.O 339,
pp. 435 - 436; MH,
Aí é peremptoriamente afirmado que D. Henrique "se meteu a mandar VIII, n." 62, pp. 107-
seus navios a saber parte da terra que era além do cabo de Bojador por- - 108 e Testamento,
pp. 223-225. Nas
que até então não havia ninguém na cristandade que de10 soubesse parte, citações que fazemos
actualizámos a
nem sabiam se havia lá poboração (sic) ou não, nem direitamente nas ortografia do
cartas de marear nem mapa mundo não estavam debuxadas senão o pra- português antigo.

zer dos homens que as faziam, des o dito cabo de Bojador por diante.
E por ser cousa duvidosa e os homens se não atreverem de ir mandou
lá bem XIIIII (15)vezes até que soube parte da dita terra (. ..) e mandou
dela fazer carta de marear e nos disse que sua vontade era de mandar
seus navios mais adiante saber parte da dita terra".

O cronista Gomes Eanes de Zurara, seu contemporâneo, é outro dos


autores que reafirma as atitudes pioneiras do Infante no acto de man-
dar descobrir terras desconhecidas dos europeus. Entre as razões que
lhe atribui para tal feito, duas têm conotações religiosas, pois afirma Crónica dos feitos
que ele procurava uma via para chegar a terras onde encontrasse alia- notáveis que se
passaram na conquista
dos que o ajudassem a combater os muçulmanos e procurava também de Guine' por mandado

"acrescentar em a Santa Fé de Nosso Senhor Jesu Cristo e trazer a ela do Infante D. Henrique
por Gomes Eanes de
todalas almas que se quisessem salvars2. Zurara, Estudo crítico
e anotações de

Um dos mais belos elogios à acção de D. Henrique ficou a dever-se Torquato de Sousa
Soares, "01. I, Lisboa,
a Poggio Bracciolini, humanista e secretário de vários papas, que lhe 1978, p. 44.
' i *' ,

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i . ' I

"
1
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I . i
I.
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escreveu, talvez em 1448, uma carta onde se nota uma vibrante admi- 1
3 josé Manuel Garcia, ração pela obra que realizava3.
"O elogio do Infante
D. Henrique pelo
Ao assinalarmos estes dados e outros que de seguida apontamos é
humanista Poggio
Bracciolini", Oceanos, por querermos realçar que eles são essenciais para avaliarmos devida-
n." 17, Março 1994,
pp. 12-14,
mente a problemática em que se radica o Tratado de Tordesilhas, isto é,
a acção e o prestígio de D. Henrique na definição da política portu-
guesa de Mare clausum. Ela visou desde o primeiro momento assegurar
ao Infante (e a Portugal) as zonas cujos mercados haviam sido desco-
bertos pelos portugueses.

Na sequência do já atrás mencionado documento de 22 de Outubro


de 1443 deveremos referir outros menos conhecidos, mas igualmente sig-
DP, I, n." 350, nificativos, como o que data de 3 de Fevereiro de 14464,pelo qual D. Pedro
pp. 445-446; MH, E,
n." 95, pp. 122-123.
alargava ao irmão o exclusivo da navegação às ilhas Canárias. Em 2 de
Setembro de 14485D. Afonso V confirmou-lhe o privilégio dado em 1443
' MH, IX, n." 194,
pp,,09.310, e em 25 de Fevereiro de 14496 outorgou-lhe, para lá dos já atribuídos
"direitos que a nós pertencem de todalas cousas que trouverem os navios
'DP, I, n." 363,
p. 462; MH, X, n." 6, que vierem de Canária e do cabo do Bojador pera além e que temos defeso
pp. 11-12.
que nenhuns navios não vão às ditas terras, de paz nem de guerra, sem
sua licença", o direito a integrar na sua área de exploração exclusiva a
por região que ia desde o cabo de Cantirn até ao cabo do Bojador.
exemplo as cartas de
João Ii de Castela de
25 de Maio de 1452 e Estas últimas doações provocaram uma reacção de Castela, que tam-
de l0 de bém estava interessada na ocupação das Canárias e das terras que lhe
1454; MH, XI,
n.. 138, pp. 174.179 e ficavam em frente7.Tal rivalidade continuou até 1454, ano em que mor-
n." 236, pp. 340-345.
reu João 11, rei de Castela. Ainda antes deste último acontecimento,
WMH,
X I I , n." 1, D. Afonso V reafirmou por carta de 7 de Junho de 1454 a doação das
pp. 2-4.
terras descobertas a D. Henrique8, tal como na mesma data doava à
DP, 3'
407, Ordem de Cristo, governada pelo Infante, a administração espiritual
pp. 518-519; MH, XII, ;

n.' 2, pp. 4-6. das terras descobertas e por descobri^-9.


Foi no ano seguinte, em 1455, o ano do nascimento do rei português
D. João 11, que o Papa Nicolau V reconheceu internacionalmente o
direito da exclusividade de Portugal às terras descobertas sob a auto-
ridade do Infante D. Henrique. Com efeito, a bula Rornanus pontifex,
datada de 8 de Janeiro de 14551°, consagrava o triunfo para Portugal l0 DP, I, n: 401,
pp. 503-508 (com a
da sua política de Mare clausum. Ao assinalarmos a curiosa coincidên- data errada de 1454);

cia do nascimento de D. João I1 no mesmo ano da concessão pela Santa MH, XII, n."36,
pp. 72-79 e
Sé de um documento paradigmático da política de Mare clausurn a favor T ~pp. 226. ~
de Portugal, temos em conta o facto de que D. João I1 seria um dos -227. Nas citações que
fazemos deste
seus maiores defensores e de que o Tratado de Tordesilhas, por ele documentoutilizámos
a tradução de Carlos
assinado, é um dos documentos fundamentais dessa política. A bula de Ascenso André,

1455 constitui a consagração do projecto henriquino cujo primeiro reco-


Documentação
nhecimento foi a carta de 1443. Praticamente cinquenta anos depois ~,,,i,,,~,
organização de José
deste diploma, o Tratado de Tordesilhas viria a alargar o âmbito das Manuel Garcia (no

divisões de zonas de influência entre portugueses e espanhóis à escala pr.io>. o estudo mais
importante sobre as
planetária. bulas papais do
século xv relacionadas
A cúpula do conjunto da documentação henriquina sobre os compo.rugaldeve-se
a Charles-Martial de
Descobrimentos encontra-se, pois, na bula Rornanus pontifex, cujas sen- ,,,, ,,
bulles

tenças executórias datam de 22 de Abril de 145511 e de 6 de Agosto P ~ ~ " ~ ~


Pexpansion portugaise
de 145512. O texto da bula segue muito de perto as cartas régias de ~uxv>~~siècre,
Lovaina, 1958.
1454 e nela o Santo Padre registou que ao Infante "chegou em tempos
a notícia de que nunca ou, pelo menos, até onde vai a memória dos " Dpj I,n:414,
pp. 526-527; MH, XII,
homens, foi costume navegar ao longo deste mar oceano, até às costas O
. 61, pp. 119.121.

meridionais e orientais, e que essa região era desconhecida de nós (. . .).


l2 MH, XIi, n.' 84,
Crendo que prestaria aí um grande serviço a Deus, se, por sua obra e P P 162-166

diligência, tornasse o mesmo mar navegável até aos índios, que se diz
cultivarem o nome de Cristo (...), desde há vinte cinco anos não ces-
sou de fazer enviar (. ..) em navios muito velozes, chamados caravelas,
a descobrir o mar e as províncias marítimas, em direcção às partes meri-
Bula Romanus Pontifex de Nicolau V , 1455,
doando a Povtugal todas as terras e ilhas
descobertas ou por descobrir do Cabo Bojador
em diante.
dionais e polo antártico". Depois de reconhecer estes e muitos outros
factos o Papa observou que D. Afonso V e D. Henrique "proibiram
então (. ..) que ninguém a não ser com os seus marinheiros e navios e
mediante pagamento de um certo tributo e obtenção prévia de licença
(. ..) ousasse navegarpara as ditas províncias ou comerciar em seus por-
tos OU pescar no seu mar".

Perante esta situação Nicolau V declarou que "de direito, as pro-


víncias, ilhas, portos, lugares e mares, sejam quais forem, quantos forem
e de que natureza forem, e a mesma conquista, desde os referidos cabos
Bojador e Não, para sempre os doamos, concedemos e atribuímos, pela
presente carta, aos sobreditos rei Afonso e seus sucessores reis dos ditos
reinos e ao Infante".

É neste documento que se radica, no plano internacional, a linha de


continuidade e de reafirmação constante de Portugal para defender o
direito de exclusividade às terras que descobrira. Daí que seja também
com o recurso ao Papa que, mais tarde, os Reis Católicos reivindica-
ram o sancionamento da posse das terras descobertas em 1492 por
Colombo.

Em 13 de Março de 1456 o novo Papa Calisto I11 confirmou a bula


l3 DP, I, n." 420, anterior através da bula Inter caetera13. Esta deve ainda articular-se com
pp. 535-537; M H , XII,
nP 137, pp. 286.288. a bula Ad summipontifcatus de 15 de Maio de 1 4 5 5 1 4 , que confirmou
a bula Et si ecclesiam de Nicolau V de 30 de Setembro de 1453 15, con-
,,,
l4 MH, XU, n.' 64,
124.129. cedendo indulgências plenárias àqueles que combatessem os turcos,
que em 1453 tinham conquistado Constantinopla.
Citada no local
referido na nota 14.
Em 26 de Dezembro de 1 4 5 7 1 6 o Infante preparou em Sagres um
DP, I, n.' 426, importante documento com dados autobiográficos, onde, no essencial,
pp. 544-545; MH,
XIII, n.'68, 116- retoma ele próprio o teor dos documentos de 1443 a 1455, a que nos
-117.
temos vindo a referir. Diz ele que: "sendo certo como des a memória
dos homens se não havia alguma notícia na cristandade dos mares, ter-
ras e gentes que eram além do cabo de Não contra o meio dia e esguar-
dando quanto serviço se a Deus em elo fazer podia e bem assim a el-
-rei D. Afonso meu senhor e sobrinho, que Deus mantenha, me fundei
de enquerer e saber parte, de muitos anos passados acá, do que era des
o dito cabo de Não em diante, não sem grandes meus trabalhos e infin-
das despesas, especialmente dos direitos e rendas da dita Ordem, cuja
governança assim tenho, mandado per os ditos anos muitos navios e
caravelas com meus criados e servidores, os quais per graça de Deus
passando o dito cabo de Não avante e fazendo grandes guerras, alguns
recebendo morte e outros postos em grandes perigos prouve a Nosso
Senhor me dar certa informação e sabedoria daquelas partes des o dito
cabo de Não atá passante toda a terra de Berberia e Núbio e assim
mesmo per terra de Guiné bem trezentas léguas de onde até a ora,
assim no começo per guerra como despois per maneira de trauto de
mercadoria e resgates", de onde vinham para ele e para a cristandade
muitos benefícios. Perante estes factos D. Afonso V, que, diz ele, era
o "primeiro (rei) das ditas partes de Guiné (...), me fez pura doação
em minha vida desta terra com todalas rendas, prões, interesses, direi-
tos, que se dela haver pudesse". Acrescenta ainda que o padroado das
ditas terras fora confirmado por Calisto 111.

A argumentação para fundamentar este direito de exclusividade às


terras que os portugueses tinham começado a descobrir baseava-se no
princípio da prioridade da chegada a esses locais, que ainda não haviam
sido contactadas por europeus, e decorria dos encargos resultantes dos
empreendimentos levados a cabo para os descobrir e ocupar. Desta
forma consolidava-se a política de Mure clausum, a qual foi mantida
numa clara tendência de continuidade por D. Afonso V, D. João I1 e
D. Manuel.
Na fase pós-henriquina da História dos Descobrimentos é de salien-
tar a legislação promulgada entre 1474 e 1480 por inspiração do futuro
rei D. João 11, a qual reafirmava com clareza os direitos de exclusivi-
dade portuguesa às regiões que então se estavam a descobrir, escudan-
do-se sempre, como forma de reforço, na documentação protectora
emanada de Roma.

Quando em 1474 o príncipe D. João foi encarregado "dos feitos das


partes de Guiné e investigação dos mares, terras, gentes e cousas que
aos viventes agora e aos que nos precederam foram sempre muito
incógnitos até o tempo do Infante Dom Henrique"17,uma das suas pri- l7 Como referiu
D. Afonso V na carta
meiras decisões foi a promulgação da lei de 31 de Agosto de 147418, de 4 de Maio de 1481,
na qual se reflecte claramente o empenho em reservar para o Estado o ao confirmar-lhe esse
encargo - DP, 111,
tráfico da Guiné, clarificando e precisando medidas anteriores. n." 152, pp. 220-222.

Nesse documento D. Afonso V alegava que o seu filho "era o senhor DP, 111,n.O 115,
pp. 153-154 e
do trauto" e afirmava que essa lei se escorava no facto de que "os san- Testamento, pp. 228-
tos padres de Roma nos têm feita mercê e doação pera sempre das par- -229.

tes e mares e terra de Guinéa e ilhas do mar oceano, des o cabo de


Não e Bojador até o meio dia e que nenhuma pessoa a eles não vá nem
mande trautar nem guerrear sem licença e autoridade nossa, sob pena
de grandes excomunhões, que em elas põem, e como per a boa gover-
nança e sostimento dos trautos e resgates que em as ditas partes de
Guinéa temos e ao diante com a ajuda de Deus entendemos ter, polo
que cada dia mandamos descobrir notícia de terra nova, o que fazemos
com grandes gastos e perigos e despesas e porém convém pôr lex e
ordenações per que o dito trauto manteúdo e governado seja a serviço
de Deus e nosso e bem e proveito de nossos reinos e isso mesmo con-
siderando como sempre em tempo de1 rei meu padre, que Deus haja,
como no nosso, dês que o Infante D. Henrique meu tio, que Deus haja,
que foi o primeirro que mandou descobrir e navegar as ditas partes e

D. João II,
Livro dos Copos, c. 1485 (pormenor)
L.
D.'
mares de Guiné e ilhas até ora, assim per autoridade das ditas leteras,
que da dita doação temos, como per posse e costume sempre foi vedado
e defeso per nós além das ditas excomunhões e defesa dos ditos san-
tos padres de pesssoa alguma haver de ir nem mandar às ditas partes
e terras e mares de Guinéa trautar, nem resgatar, nem guerrear, sem
nossa licença e autoridade".

A lei era clara quando determinava "que qualquer pesssoa de qual-


quer preminência, estado e condição que seja, que às ditas partes e ter-
ras e mares de Guinéa for ou mandar trautar, nem resgatar, nem guer-
rear ou mouros tomar, sem licença e autoridade nossa, moira por elo
e per esse mesmo feito perca todolos bens que tiver (. . .)".

Só a fase de lutas que se seguiu à morte de Henrique IV de Castela,


em Dezembro de 1474, é que veio pôr em causa a política portuguesa
de Mure clausum. Com efeito, as hostilidades que entre 1475 e 1479
opuseram portugueses e espanhóis, por causa das pretensões de
D. Afonso V ao trono de Castela, reflectiram-se na exploração de ter-
ritórios africanos da Guiné. Alguns navios castelhanos chegaram então
a ir até à Mina. Com o restabelecimento da paz através do Tratado de
Alcáçovas, assinado em 4 de Setembro de 147919,Castela reconheceu l9 DP, 111,n." 1 .-,
pp. 182-209 e
a Portugal o exclusivo das explorações para baixo de um paralelo que Testamento, pp. 229

passava a sul das ilhas Canárias, enquanto D. Afonso V reconheceu a -231.

soberania castelhana sobre estas ilhas. Verificamos, pois, que desta


forma D. João voltava a garantir para Portugal o exclusivo do còmér-
cio e posse das terras africanas para sul do cabo Bojador "contra Guiné".

Quando em 1493 Colombo chegou a Lisboa, D. João I1 alegaria, com


base no preceituado neste tratado, o direito à posse das ilhas desco-
bertas pelo genovês, pois deveria pensar que elas se situariam a sul
desse paralelo, não interessando a que distância ficariam da Guiné.

Os Reis Católicos,
Carta de Privilégios dos Reis
Católicos, 1484 (pormenor).
Neste ponto deve-se notar que a determinação exacta da latitude das
ilhas descobertas por Colombo não parece ter sido claramente enun-
ciada ou determinada pelo famoso genovês, face aos enormes erros que
registou no seu diário de viagem, pois, aparentemente queria situá-las
Cristóbal Colón, muito a norte20. I
Textor y docuneittor
coinpletor, prólogo e A escritura de assento e capitulação de pazes de Alcáçovas foi rati-
notas de Consuelo
Varela, Madrid, 2." ed., ficada por Fernando e Isabel em Toledo em 6 de Março de 1480 e logo
1984, p. 48.
um mês depois deste acto, em 6 de Abril de 148O2I,D. Afonso V pas-
" DP, 111, n." 144, sou um regimento ao príncipe D. João onde, a pedido deste, dava
pp. 211-212.
"poder e faculdade e especial mandado aos capitães, que pelo tempo
forem enviados pelo príncipe meu filho etc., à dita Guinéa, que achando
eles quaisquer caravelas ou navios de qualquer gente de Espanha ou
doutro qualquer seja, ou ser possa, de ida ou vinda, ir ou vir, pera a
dita Guinéa ou estar em ela per qualquer maneira que seja, além das
marcas que pelo assento da capitulação das pazes feitas entre os ditos
nossos reinos e os de Castela são apontadas e decraradas (sic), as quais
marcas e termos são das Canárias pera baixo e adiante contra Guinéa".
A punição para quem se atrevesse a passar tais limites era terrível, pois
I
aqueles que fossem tomados deveriam "logo todos ser e sejam deita-
dos ao mar, pera que mouram (sic) logo". Dessa forma se garantiam os
"trautos de Guiné, resgates e minas do ouro e negociação, que direta-
mente a estes reinos somente pertence e a outros não".

O reconhecimento papal deste direito de exclusividade assume mais


uma vez a maior importância e encontra-se claramente expresso na bula
I
22 DP, 111, n? 153, Aeterni regis clementia, de Sisto IV, que está datada de 21 de Junho de i
pp. 223-230 e 148122.É de salientar que para a sua mais fácil divulgação D. João I1
Tcrtornento, pp. 232-
-233. mandou fazer deste documento uma pública-forma, em 10 de Abril de

'' DP, 111, n.0 154, 1488, a qual era acompanhada da versão portuguesa feita por Vasco
pp. 230-238. Fernandes de Lucenaz3.Nessa bula eram retomadas outras bulas, com
destaque para a Romanus pontifex de Nicolau V, repetindo-se os privi-
légios passados ao Infante D. Henrique e acrescentando-se-lhe o clau-
sulado do Tratado de Alcáçovas, na parte que interessava ao exclusivo
português das terras da Guiné. Na referida versão portuguesa da bula,
na parte relativa à transcrição desse tratado, lê-se que Fernando e Isabel
"prometeram dagora pera todo o sempre", que não "torvarão, nem moles-
tarão, nem inquietarão de fecto (sic) ou de direito, em juízo ou fora de
juízo os ditos senhores rei e príncipe de Portugal (. ..), sobre a posse ou
quasi posse em que estão de todolos tratos, terras e resgates de Guiné,
com suas minas douro e com quaisquer outras ilhas, praias ou costas de
mar, descobertas ou por descobrir, achadas e por achar, ilhas da Madeira
e Porto Santo e ilha Deserta e todalas ilhas chamadas dos Açores e ilhas
de Flores e também as ilhas do Cabo Verde e todas as ilhas que agora
achou e quaisquer outras ilhas que se daqui avante acharem ou aquirirem
e isto das ilhas de Canária álem e áquem e em fronte de Guiné, assim
que qualquer cousa que já é achada ou se achar e aquirir álem nos ditos
termos, todo o que é achado e descoberto fique ao dito rei e príncipe de
Portugal e a seus reinos, tirando somente as ilhas de Canária (...), as
quais ficam aos reinos de Castela e bem assim não torvarão nem moles-
tarão nem inquietarão quaisquer pessoas que os ditos tratos e resgates
de Guiné, nem as ditas terras, praias e costas descobertas e por desco-
brir, em nome ou de mão e poder dos ditos senhores rei e príncipe de
Portugal (. ..)"-.~., .~. . ..,, -., .,
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Quer a bula de 1481 quer o seu tresladó e tradução de 1488 expres-


sam com clareza a teorização portuguesa do Mure clausum, ao funda-
mentar o encadeamento dos preceitos que o regulavam. DP, III, n." 394,
pp. 661-663 (mas
De uma maneira geral, o Tratado de Alcáçovas foi respeitado pelos datado apenas de
"ante"0ra 1494,
castelhanos, mas ainda houve alguns problemas que levaram, em
Maio 12") e Testamento,
Novembro de 149024a que D. João I1 prestasse alguns esclarecimen- pp. 233.234.
Bula Aeterni Regis Clemen 1481, onde se confirmam as

que concedzam aos reis de Portugal a /urzsdzçüo das terras descobertas


e a descobrir desde o Cabo Bojador até à fndia, e confirmando ainda
parte do Tratado de Alcáçovas.
tos aos Reis Católicos sobre os direitos de Portugal "àcerca das pesca-
rias de Guiné" e aos territórios e águas a sul do cabo Bojador. Eles
mais não são, afinal, que uma nítida reafirmação dos princípios do Mare
clausum que considerava evidentes, pois já haviam começado a ser defe-
nidos pelo Infante D. Henrique. Aliás, esse enraizamento histórico foi
claramente salientado por D. João I1 nesse documento ao afirmar que
aqueles monarcas deveriam "considerar com quantos trabalhos e des-
pesas de1 rei meu senhor e padre cuja alma Deus haja e nosso e do
Infante D. Henrique, meu tio, primeiro inventor destas partes de Guiné,
e assim de nossos súbditos e naturais e perdas deles e de seus navios e
fazendas, descobrimos e houvemos estas partes, ilhas e mares não conhe-
cidos, que sempre os passados houveram por tão perigosa e duvidosa
navegação, per onde qualquer pequena cousa de lá deve ser de nós mui
estimada e assim que a primeira terra que conquistou e em que fez res-
gate o dito Infante, meu tio, foi em os ditos cabos de Bojador e Não,
que é em terra dos alarves", destacando ainda o facto de "os santos
padres movidos não com leves causas nos deram sua bula de doação
mui abastante e copiosa, conhecendo quanta glória, louvor e acres-
centamento de nossa Santa Fé era ser esta terra descoberta".

Esta atitude de D. João I1 considerar o Infante D. Henrique como


O "primeiro inventor" dos Descobrimentos, é uma das mais importan-
tes para fundamentar os direitos de Portugal ao "demarcar o senhorio
e conquista de Guiné per certos marcos expressamente limitados, a
saber: cabo Bojador e cabo de Não, dentro dos quais todalas terras e
resgates, províncias, ilhas, mares adjacentes, pescarias, abras e portos
descobertos e por descobrir, ganhados e por ganhar, até Oriente e os
Índios, declaram pertencerem a nós e à coroa de nossos reinos".

Fora nessa base que se estabelecera o Tratado de Alcáçovas, como


D. João I1 evoca neste documento de 1490, ao lembrar que "as ilhas
que se achassem no mar oceano contra Guiné ficassem livremente des-
pachados a nós e as Canárias, que eram de dentro destes cabos e limi-
tes de Guiné, que já em outro tempo todas ou a maior parte delas foram
havidas e possuídas pelos infantes D. Henrique e D. Fernando, meus
tios, cujas almas Deus haja, ficassem livres e despachadas aos ditos rei
e rainha e à coroa de seus reinos e sucessores e se declarou toda a terra
de Guiné, ilhas, mares, pescarias, abras e portos descobertos e por des-
cobrir, ganhados e por ganhar, pertencer a nós". A clareza do Tratado
de Alcá~ovasera tão grande e os direitos antigos de Portugal eram tão
evidentes que D. João I1 concluiu por dizer "que quaisquer outras ilhas,
que se acharem ou conquerirem das ilhas das Canárias peravante, per-
tencem a nós e a nossos reinos e sucessores pera sempre". Toda esta
segurança na afirmação de princípios ficou então devidamente salva-
guardada, até que menos de três anos depois foi posta em causa por
um acontecimento inesperado: a descobeyta de- Cristóvão C010,mbo.
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A 4 de Março de 1493 Colombo chegou à foz do rio Tejo e pouco


depois avistou-se com D. João I1 em Vale de Paraíso, onde informou
o rei do seu alegado descobrimento das "Índias" ou de " C i p a n g ~ " ~ ~Ctistóbal
. Colón,
ob. cit., pp. 143-136 e
Este acontecimento vinha questionar a política que em Portugal labo- Crónicar de Ruide
riosamente se tinha vindo a seguir ao longo dos últimos cinquenta anos. Pin.3 introdução e
revisão de M. Lopes
de Almeida, Porto,
D. João I1 considerou então que as terras onde Colombo havia che- 1977, p, lo16,

gado lhe pertenciam, de acordo com o que fora estipulado no Tratado


de Alcáçovas. Tal posição, como era de esperar, não foi aceite pelos
Reis Católicos, que consideravam suas as terras descobertas por Colombo,
pois elas não se encontravam nas partes da Guiné, onde expressamente
se indicara que Colombo não poderia ir26. " Cristóbal Colón,
ob. cit., p. 136.

As negociações luso-castelhanas iniciaram-se pouco depois, tendo


desde início a diplomacia dos Reis Católicos procurado munir-se de
Papa Alexandre VI,
Escola Alem& 1J78.
bulas papais, para fundamentar os seus direitos às terras descober-
tas por Colombo, tal como haviam feito os portugueses entre 1455
e 1481.

Deveremos observar que as informações sobre a viagem de Colombo


chegaram a Roma em 11 de Abril de 149327e logo se diligenciou a 27JeanAnbin,
"D.Joáo I1 devant sa
preparação da bula Inter caetera de 3 de Maio28,que pouco depois foi succession,,,Ar4uiVos

enviada para Espanha. Nela eram-lhe atribuídas, de forma vaga, as d~CefitroCu[tura[


Português, vol. XXVII,
terras encontradas a ocidente. Numa outra bula Inter caetera datada 1991, p. 103.

de 4 de Maio de 149329e enviada em Junho, o Papa concedia aos Reis ,DP, 111, 253,
Católicos, "todas as ilhas e terras firmes achadas e por achar, desco- ~~374-377.

bertas e por descobrir para as bandas do ocidente e sul de uma linha 29 DP, n..257,
imaginada e figurada desde o pólo Árctico ou setentrião até o pólo P.385-387 (com
traduçáo de JosC
Antárctico ou meio-dia, não embargando a esta linha quaisquer ilhas Saraiva nas pp. 388-
-390) e Testamento,
OU terra firme que se encontrem ou venham a descobrir-se para as pp,235-237,

bandas da Índia ou de quaisquer outras partes, e devendo a mesma


distar para os lados do ocidente e sul cem léguas de qualquer das ilhas
vulgarmente chamadas dos Açores e de Cabo Verde" Cfabricando et
constituendo lineam a polo arctico ad polum antarcticum (...) que linea
distet a qualibet Insularum que uulgariter nunupantur de 10s Azores et
Cabo Verde Centum Leucis uersus occidentem et Meridiem). Neste caso,
que foi da maior importância para o Tratado de Tordesilhas, verifica-
-se já uma limitação territorial. Esta bula era o resultado dos parece-
res de Colombo e, de certa forma, servia de resposta às pretensões dos
portugueses. Estes, contudo, não consideravam então tais decisões pon-
tifícias, que sabiam ser determinadas por Fernando e Isabel, pois
D. João I1 teria continuado a contar com a validade das bulas que
anteriormente os papas tinham enviado a Portugal, insistindo, por isso,
no seu direito a todas as terras que se encontrassem a sul do paralelo
das Canárias.
Segunda Bula Inter Ccetera, 1493, pela qual o Papa Alexandre VI
concedia aos Reis Católicos as ilhas e terras descobertas navegando
rumo ao ocidente e na qual traçava uma linha a 100 léguas dos Açores
e de Cabo Verde, limitando as zonas de descobrimentos de portugueses
e castelhanor.
A necessidade da definição dos limites da acção dos súbditos de cada
um dos países era, pois, o maior problema a enfrentar, mas temos de
reconhecer, face às hesitações manifestadas por ambas as partes, que a
sua resolução se foi protelando, nada se avançando de concreto nas pri-
meiras fases das negociações.

30 Crónicas de Rui de Rui de Pina30confirmou-nos as informações conhecidas na documen-


Pinu, loc. cit., p. 1017.
tação ao escrever que a armada portuguesa, que se teria destinado a ir
a terras ocidentais, "sendo já prestes, chegou a el-rei um chamado
Fereira, mensageiro dos reis de Castela, que por serem certificados do
fundamento da dita armada que era contra outra sua, que logo havia
de tornar, lhe requereu que nela sobrestivesse até se ver por direito em
cujos mares e conquista o dito descobrimento cabia (. ..), polo qual, el-
-rei desistiu do enviar da dita armada". O referido cronista registou
ainda que a falta de progressos nas negociações de 1493 foi o resultado
da conjuntura internacional e, sobretudo, "porque, antes de finalmente
sobre a dita conquista e ilhas e terras se concordarem, quiseram secun-
dariamente ser certeficados da inteira verdade das ditas ilhas e terras,
que já eram descobertas e das cousas que nelas havia, pera que tinham
já enviados seus navios, que ainda não eram tornados: porque segundo
fosse a estima delas assim se concordariam, insistindo ou. desistindo".

Outro ponto que deveria ter afectado as negociações eram certas


informações como as que são assinaladas numa carta de 5 de Setembro
3 1 ~ III,
~ n."281,
, de 1493j1 dos Reis Católicos para Cristóvão Colombo, onde se regista
pp. 417-419 e
Testamento, P. 239. a curiosa informação de que "despues de la venjda de 10s portugueses
en la platica que con ellos Se ha aujdo algunos quieren deçir que 10
que esta en medio desde la punta que 10s portugueses llaman de buena
esperança, que esta en la Rota que agora ellos lleuan por la mjna de1
oro y gujnea abaxo asta la Raya que vos dixistes que deuja venir en la
bulla de1 papa piensan que podra aver yslas y avn tierra firme, que
segund en la parte de1 Sol que esta Se cree que Seran muy pronucho-
sas y mas ricas que todas las otras". Perante esta questão os reis que-
riam conhecer o parecer do almirante, "porque sy convjnjere y os pares-
ciere que aquello es tal negoçio qual aca pjensan que sera se hemjende
la bulla", na qual ele havia sugerido a distância da demarcação.

Por essa carta verificamos ainda que havia de parte a parte insufi-
ciências graves de informação sobre a localização das ilhas visitadas por
Colombo, como Rui de Pina observara. Com efeito, na referida carta
os reis voltam a informar Colombo que era necessário "saber 10s grados
en que estan las yslas y tierras que fallastes y 10s grados de1 camino por
donde fuystes por serujçio nuestro", tal como lhe pediam com insis-
tência a carta de marear que Ihes prometera32. De notar ainda a forte 32~dem,ibidem.

recomendação de que ele levasse consigo um bom astrólogo para o


auxiliar. Estes dados e os conhecidos erros de latitudes, que se encon-
tram na cópia do diário de Colombo, elucidam-nos sobre as dificulda-
des de conduzir uma negociação rigorosa.

É curioso assinalar que Colombo parte para a sua segunda viagem


em 25 de Setembro de 1493 e do dia seguinte está datada a bula Dudum
siquidem, favorável aos direitos ca~telhanos~~. 33 DP, m,n." 282,
pp. 420-421.

D. João I1 deveria ter defendido até tarde a divisão do paralelo esta-


belecido em Alcáçovas, mas face às bulas papais e à insistência caste-
lhana em assegurar o seu direito às terras descobertas por Colombo,
com o recurso a uma divisão seguindo um meridiano, terá começado
a ceder. Com efeito, os Reis Católicos não reconheciam a sua posição
de fazer valer a cláusula do Tratado de Alcáçovas, que para eles ape-
nas tinha validade para as terras e ilhas junto ao litoral africano e não
para quaisquer terras encontradas a ocidente, mesmo que ficassem em
frente de África.
Só após alguns meses de uma longa pausa nas conversações e de
Colombo ter partido pela segunda vez para as suas alegadas "Índias",
é que se iniciou nova e derradeira fase de negociações, tendo em vista
chegar a um acordo sobre a demarcação de zonas de influência entre
Portugal e Espanha.

Crónicas de R U ~de Rui de Pinaj4 informou-nos que os Reis Católicos só "despois de


Pina, loc. cit.,
pp. 1017-1018.
serem da substância e posição das ditas ilhas e terras e cousas delas per
os segundos seus navios bem avisados e certificados, el-rei tornou a
enviar por seus embaixadores e procuradores sobre a concórdia da dita
conquista".

A última fase das negociações para o estabelecimento de um convé-


nio luso-espanhol sobre a divisão de zonas de influência no Mundo ini-
ciou-se em 8 de Março de 1494, data em que D. João I1 assinou em
Lisboa a "carta de poder e procuração" para os seus embaixadores. Aí
o monarca português voltava a reafirmar a sua intensão de pacifica-
mente resolver "debates e diferenças" resultantes de por mandado dos
Reis Católicos terem sido "descobertas e achadas novamente algumas
35 DP, III, :n 292, ilhas"35.
p. 434. Note-se que ai
não se fala em bdias. Perante essa situação o desejo do rei era de "que o mar em que as
ditas ilhas estão e foram achadas se parta e demarque antre nós todos
em alguma boa, certa e limitada maneira", especificando aos seus embai
xadores e procuradores que deveriam chegar a "qualquer concerto,
assento e limitação, demarcação e concórdia sobre o mar oceano, ilhas
e terra firme que nele houverem por aqueles rumos de ventos e graus
do norte e do sol e por aquelas partes, divisões e lugares do céu e do
mar e da terra que vos bem parecer"
36 Jaime Cortesão,
Os Descobnmentos
Fernando e Isabel tinham entretanto recebido informações por António
Portugueses, vol. 111,
Lisboa, 1990, p. 704. de Torres, em 4 de Abril de 1494j6,sobre a segunda viagem de Colombo
5s Antilhas. Este facto assegurou-lhes a desejada margem de manobra
que desejavam, pois assim conseguiram saber com maior segurança a
localização das ilhas descobertas por Colombo. Aproveitando-se da per-
manência dos Reis Católicos em Tordesilhas as negociações foram aí
levadas a cabo num curto espaço de tempo.

A carta de crença para os procuradores espanhóis foi passada em


Tordesilhas apenas a 5 de Junho de 149437e em 7 de Junho de 1494 "DP, III, n.O 292,
p. 434.
foram concluídas as negociações com a assinatura da minuta do T r a t a d ~ ~ ~ .
"José Manuel Garcia,
A superação da "certa diferença sobre o que a cada uma das ditas "A minuta do Tratado
de Tordesilhas",
partes pertence, do que atá hoje, dia da feitura desta capitulação está Oceanos, n." 18,

por descobrir no mar oceano" foi encontrada em 7 de Junho de 1494 Junho de 1994, pp. 62-
-76 e Testamento,
através da determinação que se deveria fazer e assinalar "polo dito mar pp. 241-244.

oceano uma raia ou linha direita de polo a polo, a saber, do polo Ártico
ao polo Antártico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha se haja de
dar e de direita como dito é a trezentas e setenta léguas das ilhas do
Cabo Verde, pera a parte do ponente, por gruas ou por outra maneira"
de forma a garantir "que tudo o que é achado e descoberto e daqui a
diante se achar e descobrir", para oriente da dita linha ficasse reser-
vado a Portugal ficando igual direito para Espanha relativamente às
terras que lhe ficassem a ocidente. Nessa altura pensava-se em Espanha
que Colombo teria chegado à Ásia.

O Papa Alexandre VI, que era mais favorável aos interesses de


Espanha, tentara estabelecer a referida linha de demarcação cem léguas
a ocidente das ilhas de Cabo Verde e dos Açores mas D. João 11,tendo
acabado por aceitar a demarcação por um meridiano, impôs que ela
fosse estabelecida a mais duzentas e setenta léguas para ocidente do
que a proposta espanhola e papal. Tal mudança levou à formulação de
uma hipótese, segundo a qual seria verosímil D. João I1 já então conhecer
secretamente a existência de terras brasileiras, pois só através desta altç-
ração era possível englobar tais terras na zona de influência portuguesa.
Esta hipótese tem tido bastante re~eptividade~~ 39 Testamento, pp. 97-
-99 e p. 253. Ver ainda
É de observar que se situa no contexto das negociações luso-espa- MaxJu"O Guedesj

O Descobrimento do
nholas, que iriam conduzir ao Tratado de Tordesilhas, a problemática ~,il, Lisboa, 1989.

embaixada de D. João I1 com a obediência deste monarca ao Papa


Alexandre V140. 'O Jean Aubin, Ob. cit.,
pp. 124-131.

Os problemas internos com que D. João I1 se confrontou, sobretudo


aqueles que se relacionavam com a sua sucessão (tentativa de nomear
herdeiro do trono o seu filho bastardo D. Jorge)41e a doença que lhe Jean Aubin, o b cit.,
Manuela Mendonça,
minava a saúde, além da falta de capacidade para desencadear um pro- 11: umpernrrso
cesso de afirmação portuguesa na região sul atlântica, impediram que humanoepolíticona5
origens da modernidade
durante anos se tivesse avançado para o Sudoeste do Atlântico. Este em,rt,gal,Lisboa,
1991 'JO" MM"uel
ficou como que uma reserva espacial, pronta a ser revelada na altura
Garcia. "D. Leonor e
própria. Esse momento verificou-se oficialmente aquando da realiza- a «grande
desavença»", Oceanos,
ção da segunda viagem para a Índia em 1500, que dessa forma pôde 18,,unho 1994,
registar abertamente a terra ocidental, dando assim a plena noção das PP. 114-118.

dimensões das demarcações de terras e mares que é possível observar


no planisfério dito de C a n t i n ~ realizado
~~, oito anos depois. dao,agsjnai, - 42 Testamento,

A continuação dos Descobrimentos portugueses e espanhóis veio a


garantir a Portugal amplas zonas de domínio na África, Ásia e Brasil e
a Espanha na restante América.

O Tratado de Tordesilhas foi estabelecido sem a intervenção da Santa


Sé, jurando mesmo as partes "não pedir absolução (sic) nem relaxação
dele ao nosso mui Santo Padre, nem a outro nenhum legado, nem pre-
lado, que lha possa dar e ainda que próprio moto lha dêm não usarem
" DP, 111, n." 292,
dela"43. Apesar de tudo não se deixa de, pela referida capitulação, de p. 439.

Minuta original do Tratado de


Tordesilhas, 7 de Junho de 1494.
suplicar "ao nosso mui Santo Padre que à sua santidade praza confir-
mar e aprovar esta dita capitulação, segundo em ela se contém e man-
dando expedir sobre elo suas bulas às partes ou a qualquer delas que
lhas pedir, e mandando incorporar em elas o teor desta capitulação,
pondo suas censuras aos que contra elas forem ou passarem em qual-
44 DP, m, n.0292,. quer tempo que seja ou ser possa"44.Por os monarcas de Portugal e de
pp. 439-440.
Espanha não terem considerado necessárias novas bulas elas não foram
solicitadas. Só alguns anos depois é que o monarca português D. Manuel
_ solicitou a aprovasão do teor do Tratado de Tordesilhas ao Papa Júlio 11,
It:,-:
.-
I.,..

; ,L- que a concedeu em termos um tanto vagos através da bula Ea quae pro
""L

45~ubl%d~'pda bono paczs de 14 de Janeiro de 150645.


primeira vez por Jose
RamosCoelhoem Nesta bula o Sumo Pontífice,. d e ~ o i sde louvar a decisão de se ter
&

Alguns documentos do
Arquivo Nacionalda feito um acordo amigável, dá um deferimento favorável à petição de
Torre do Tombo à
D. Manuel no sentido de se lhe confirmar o teor do Tratado de
cerca das navegações e
conquistasportuguesas, Tordesilhas. Ainda antes de o expressar Júlio I1 fez um pequeno his-
Lisboa, 1892, pp. 142-
-143. Incluímo-la em
torial do processo que a ele conduziu, no qual evoca a bula de 1481,
apêndice a este alegando, nomeadamente, que já antes fora permitido pela Sé Apostólica
trabalho em nova
leitura e com tradução a D. João I1 que "pudesse navegar ao longo do mar oceano ou expio-
para português.
rar ilhas e portos e terra firme abaixo do dito mar.e guardar para si as
terras descobertas e a todos os outros fora vedado (...), que se atre-
vessem a navegar esse mesmo mar, contra a vontade do sobredito rei
ou a ocupar ilhas e lugares aí descobertos".

Essa situação fora alterada pela descoberta das Antilhas, que susci-
tara um "litígio, controvérsia e matéria de disputa", mas "desejando as
próprias partes obviar a essa situação de litígio, controvérsia e debate
e alimentar a paz e a concórdia entre si", chegaram "com dignidade a
certa forma de acordo, convenção e pacto, pela qual entre outras dis-
posições reivindicaram que aos reis de Portugal e dos Algarves a par-
tir de determinados lugares e também aos reis de Castela e Leão a partir
PapaJúlio II, medalha (século xbv.
de outros e até outros determinados lugares no momento enunciados,
fosse lícito navegar ao longo do dito mar e explorar novas ilhas e con-
quistá-las e guardá-las para si, tal como em certo instrumento público
lavrado a respeito desse assunto se diz conter com maior abundância
de pormenores". Ao contrário da bula de 1481, onde se chegaram a
transcrever alíneas do Tratado de Alcáçovas, nesta bula de 1506Júlio I1
refere-se ao Tratado de Tordesilhas de forma genérica, sem se preo-
cupar com a citação de "pormenores" e chegando mesmo a declarar
que não possui "notícia certa sobre o mencionamento assunto". A sua
preocupação consistia em assegurar a paz entre os monarcas ibéricos,
pelo que aprovava e confirmava o referido "acordo, convenção e pacto
e tanto quanto lhes diz respeito, tudo e o que quer que seja que no
dito instrumento se contenha e tudo quanto daí resultou, por concenso
de ambos os reis".

D. Manuel vinha-se então a assumir como herdeiro das acções inicia-


das pelo Infante D. Henrique e por D. João 11, conseguindo concreti-
zar de forma audaciosa muitos dos ambiciosos projectos que aqueles
tinham acalentado. É bom exemplo deste facto a obtenção da bula de
ratificação papal do Tratado de Tordesilhas, a qual reflecte também o
bom relacionamento entre o Papa Júlio I1 e D. Manuel.

Após a morte de Alexandre VI, em 1503, D. Manuel enviou uma


embaixada de obediência ao novo Papa Júlio 11, a qual foi chefiada por
D. Diogo de Sousa, em que o orador foi o doutor Diogo Pacheco.
A embaixada foi recebida pelo Papa em 4 de Junho de 1505 e a sua'
oração foi então impressa em Roma num opúsculo que teve duas edi-
ções.

Por esta altura, em Lisboa, D. Manuel recebeu Fra Mauro com um


breve de Júlio I1 de 26 de Agosto de 1504 e cópia de uma carta do sul-
tão da Babilónia. Este reflectia a sua inquietação pela situação susci-
tada pela chegada dos portugueses ao Oriente, facto que o levou a
ameaçar destruir os lugares de culto cristãos na Terra Santa.

Em 12 de Junho de 1505 D. Manuel expressava a sua resposta numa


carta que foi pouco depois impressa em Lisboa por Valentim Fernandes.
Por ela se verificava a enérgica resposta do monarca português às pre-
tensões islâmicas, tendo logo de seguida começado a projectar uma
ampla cruzada46. É neste contexto que D. Manuel pediu a ratificação 46~obreesta
problemática que
papal do Tratado de Tordesilhas, a qual foi autorizada a ser dada em
Portugal pelo arcebispo de Braga e pelo bispo de Viseu. aprofundada veja-se o
estudo de Charles-
Martial de Witte, "Un

José Manuel Garcia project portugais de


reconquête de Ia
Terre-Sainte (1505-
-1507)",Actas do
Congresso
Internacional de
História dos
Descobrimentos,
"01. V , I parte, Lisboa,
1961, pp. 419-449.
AIUTAREGLI STATIA RITROVARE
IL CAMMINO DELLAPACEÈ LO SPIRITO
CHE ANIMAL'OPERA DEI PONTEFICI

Discurso proferido por sua Eminência Reverendíssima


o Cardeal Secretário de Estado Angelo Sodano,
no Auditorium "Augustinianum" do Istituto Pontifcio Agustiniano
no dia 27 de Setembro de 1994
Con grande interesse abbiamo ascoltato i contributi scientifci alta-
mente qualificati con cui i relatori ci hanno aiutato a collocare il Trattato
di Tordesillas nelle sue precise coordinate storiche. Li ringrazio cordial-
mente per l'ommaggio che hanno reso all'opera lungimirante dei Romani
Pontefci de1 secolo XV.

In realtà, il Trattato di Tordesillas ci riporta ad un momento cruciale


della storia dell'Europa cristiana, spinta ad aprirsi a nuovi mondi dalle
incalzanti scoperte geografche, cosi come verso nuovi orizzonti lu spingeva
l'atmosfera culturale dellúmanesimo e de1 rinascimento, che all'uomo di
que1 tempo ispirava sentimenti difiducioso ottimismo e d'intrepido ardimento.

La cultura umanistica, favorita anche da grandi Pontefic, non siponeva


in contrapposizione, come poi è talvolta avvenuto, con l'ottica della fede.
Tra lu grandezza di Adamo avvivato da1 dito di Dio, come 10 avrebbe di
li a poco raffigurato Michelangelo nella Cappella Sistina, e lu grandezza
dell'uomo incarnata da Colombo, mentre con L fede nel cuore si avven-
tura intrepido verso l'ignoto, c'è un collegamento profondo.

I1 Trattato di Tordesillas si pone sullo sfondo dell'unità culturale data


da1 Cristianesimo all'Europa. Certo, anche in quell'orizzonte luminoso si
allungavano ombre gettate dall'incoerenza e dalla debolezza degli uomini.
È giusto, ad esempio, riconoscere che la storia de1 colonialismo, a cui i1
nostro Trattado inevitabilmente rinvia, non conobbe solo splendori, ma
anche pagine nere, che nessuna comprensione storica potrebbe moral-
mente giustificare.

Planiifério, anónimo, c. 1545


(pormenor).
Ma questo nulla toglie a1 valore dell'avvenimento di cui oggifacciamo
memoria, almeno per alcune caratteristiche che 10 rendono signifcativo
anche per noi, immersi in ben altro contesto culturale, ma più che mai
assillati da1 problema spinoso che quel Trattato era chiamato a risolvere,
e cioè i1 problema della pace nei rapporti internazionali.

A Tordesillas, come è noto, si operò di comune accordo una ridefini-


zione delle sfere di influenza della Spagna e de1 Portogallo, precedente-
mente disegnate con l'intervento della Santa Sede. Si ebbe cosi lu com-
posizione pacifica di un contenzioso che poteva degenerare in scontri
armati dalle conseguenze disastrose, considerata lu potenza delle due
Nazioni interessate. E l'accordo si ottenne con lu mediazione della Chiesa,
alla quale i contendenti si rivolsero per un compito di arbitrato, a quel
tempo non inusuale a motivo dell'autorità morale di cui i1 Pontefice
godeva fra le Nazioni cristiane. Egli, infatti, era in grado di fure appello
ad un insieme di valori condivisi, sulla cui base le parti in causa pote-
vano trovare intesa. Ciò faceva della Santa Sede un baricentro di pace.

L'intervento dei Papi de1 secolo xv fu possibile grazie alla grande auto-
rità morale de1 Pontifcato Romano. Ed è ciò che accade anche oggi, allor-
quando le Nazioni si volgono verso i1 Successore di Pietro, per implorare
Ia sua opera di pace.

Nel 1400 i Papi si chiamavano Nicolò V, Sisto IV, Alessandro VI,


Giulio 11. In questo secolo, provato da tanti conflitti, i Papi si chiamano
Benedetto XV, Pio XIT, Giovanni XXIII, Paolo V I ed oggi Giovanni
Paolo II. È sempre 10 stesso spirito che li anima. Aiutare gli Stati a ritro-
vare i1 cammino della concordia e della pace.

I1 Trattato di Tordesillas è nato grazie all'opera de1 Papato Romano.


Certamente esso è anche una bella pagina di moderazione, di saggezza,
di capacità diplomatica e di buona volontà nei rapporti tra due Nazioni,
che seppero capire per tempo che nulla si compromette con lu pace, men-
tre tutto si rischia di perdere con lu guerra. La rilettura di que1 Trattato,
a distanza di cinquecento anni, può invitare ancora oggi alla compren-
sione dell'opera dei Romani Pontefici ed alla riscoperta delle vie de1
diritto, guale unica strada proficua e degna di risolvere i conflitti e le ten-
sioni tra i popoli.

A voi, illustri Signori che avete promosso questa commemorazione, i1


merito di aver dato un signifcato contributivo non soltanto alla memo-
ria storica, ma alla cultura della pace, fondamentale ualore oggi da tante
parti e in tanti modi pericolosamente insidiato. Per questo lu Chiesa non
si stancherà mai di proclamare lu beatitudine evangelica: "Beati i cos-
truttori di pace, perché di essi è i1 regno dei cieli!".
I
: DE 24 DE JANEIRO DE 1506 COM A CONFIRMAÇÁO
TORDESILHAS
Julius episcopus seruus seruorum Dei Uenerabilibus fratribus archie-
piscopo Bracharensi et Episcopo Uisensi Salutem et apostolicam bene-
dictionem.
Ea que pro bono pacis et quietis inter personas quaslibet presertim
Catholicos Reges per concordiam terminata sunt, ne in rediciue conten-
cionis scrupulum relabantur, sed firma perpetuo et inconcussa permaneant,
libenter, cum a nobis petitur, apostolico munimine roboramus. Exhibita
siquidem nobis nuper pro parte Carissimi in Christo filij nostri Emanuelis
Portugalie et Algarbiorum Regis Illustris petitio continebat, quod olim
postquam per sedem apostolicam clare memorie Johanni Regi Portugalie
et Algarbiorum quod ipse Johannes, et Rex Portugalie et Algarbiorum
pro tempore existem, per Mare Occeanum nauegare aut isulas et portas
et loca firma infra dictum Mare existencia perquirere et inventa sibi reti-
nere liceret, ac omnibus alijs sub excommunicationis et alijs penis tunc
expressis ne Mare huiusmodi contra uolzmtatem prefati Regis nauigare
aut insulas et loca ibidem repperta occupare presumerent inhibitum fue-
rat. Cum inter prefatum Johannem Regem ex una, et Carissimum in
Christo filium nostrum Ferdinandum Aragonum tunc Castelle et Legionis
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. +c-.,,, - ,
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..

"
. ?*.Este nome é "ma Regem Illustrem super certis insulis Lasamillis" nuncupatis, per prefatum
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Anti.las Regem inventas et occupatas, ex alia partibus lis, controversia et questio-
!I-,.
:i .-5..i.:. '..
.<<.

nis materia exorte fuissent, partes ipse litibus, controuersijs et questioni-


bus huiusmodi obuiare, ac pacem et concordiam inter se pro subditorum
suorum comoditate nutrire et uigere desideruntes, ad certas honestas con-
cordiam, conuentionem et compositionem deuenerunt, per quam inter
cetera uoluerunt quod Portugalie et Algarbiorum a certis Castelle uero et
Legionis Regibus pro tempore existentibus a certis alijs locis usque ad
certa alia loca tunc expressa per dictum Mare nauigare et insulas nouas
perquirere et capere ac sibi retinere liceret, prout in quodam instrumento
publico desuper confecto dicitur plenius contineri. Quare pro parte pre-
"Júlio, bispo, servo dos servos de Deus, aos veneráveis irmãos arcebispo
de Braga e bispo de Viseu, saúde e bênção apostólica.
Aqueles actos que, em favor da paz e da tranquilidade entre quaisquer
pessoas, em particular os reis católicos, se concluíram por meio de um pacto
de concórdia, para que não voltem a cair, uma vez mais, nos problemas de
urna reavivada contenda, antes permaneçam firmes e inquebráveis por todo
o sempre, de livre vontade, porque a nós nos é pedido, com autoridade apos-
tólica os fortalecemos.
Tal como continha uma petição que há pouco nos foi exibida, da parte
do nosso caríssimo filho em Cristo, Manuel, ilustre rei de Portugal e dos
Algarves, porque outrora, depois que [fora permitido] pela sé apostólica
a João, de clara memória, rei de Portugal e dos Algarves, que ele próprio,
João, e o rei de Portugal e dos Algarves que ao tempo fosse, pudesse nave-
gar ao longo do mar oceano ou explorar ilhas e portos e terra firme abaixo
do dito mar e guardar para si as terras descobertas, e a todos os outros
fora vedado, sob pena de excomunhão e outras penas então determinadas,
que se atrevessem a navegar esse mesmo mar, contra a vontade do sobre-
dito rei, ou a ocupar ilhas e lugares aí descobertos; e como entre, de uma
parte, o sobredito rei João, e, de outra, do nosso caríssimo filho em Cristo
Fernando de Aragão, ao tempo ilustre rei de Castela e de Leão, a propó-
sito de certas ilhas, chamadas Las Antilhas*, descobertas e ocupadas pelo * No original
Lasamillis
sobredito rei, se tivesse desencadeado litígio, controvérsia e matéria de dis-
puta, desejando as próprias partes obviar a essa situação de litígio, con-
trovérsia e debate e alimentar a paz e a concórdia entre si, para tranquili-
dade dos seus súbditos, chegaram, com dignidade, a uma certa forma de
acordo, convenção e pacto, pela qual, entre outras disposições, reivindi-
caram que aos reis de Portugal e dos Algarves, a partir de determinados
lugares, e também aos reis de Castela e de Leão, a partir de outros e até
outros determinados lugares no momento enunciados, fosse lícito navegar
ao longo do dito mar e explorar novas ilhas e conquistá-las e guardá-las
para si, tal como em um certo instrumento público, lavrado a respeito desse
assunto, se diz conter-se com maior abundância de pormenores. Por isso,
fati Emanuelis Regis nobis fuit humiliter supplicatum ut concordie, conuen-
tioni et compositioni predictis pro illorum subsistencia firmiori robur apos-
tolice confirmationis adicere, ac alias in premissis oportune prouidere de
benignitate apostolica dignaremur. Nos igitur qui inter personas quas-
cumque presertim regali dignitate fulgentes pacem et concordiam uigere
intensis desideris affectamus, de premissis certam noticiam non haben-
tes, huiusmodi supplicationibus inclinati fraternitati uestre per apostolica
scripta mandamus, quatinus uos uel alter uestrum, si est ita, concordiam,
conuentionem et compositionem predictas, ac prout illas concernunt omnia
et singula i n dicto instrumento contenta, et inde secuta quecunque de
utriusque Regis consensu approbare et confirmare, illamque perpetuefir-
mitatis robur obtinere decernentes, auctoritate nostra curetis, supplentes
omnes et singulos defectus, si qui forsan interuenerunt in eisdem. Et
nichilominus si confirmationem et approbationem predictas per uos uigore
presencium fieri contigerit, ut prefertur, faciatis dictam concordiam inuio-
labiliter obseruari, ac eosdem Reges concordia et illius confirmatione et
approbatione predictis pacifice gaudere, non permittentes eos inter se aut
per quoscunque alios desaper indebite molestari, Contradictores auctori-
tate nostra appelatione postposita compescendo: Non obstantibus
Constitutionibus et ordinationibus apostolicis contraris quibuscunque,
Aut si eisdem Regibus uel quibusuis alis communiter uel diuisim ab apos-
tolica sit sede indultum quod interdici, suspendi uel excommunicari non
possint, per litteras apostolicas non facientes plenam et expressam ac de
uerbo ad uerbum de indulto huiusmodi mentionem.

Datum Rome apud Sanctum petrum Anno Incarnationis dominice


Millesimo quingentesimo quinto, Nono kalendas Februarum, Pontifiatus
nostri Anno Tercio.

Joane Saldana
da parte do sobredito rei Manuel, foi-nos humildemente suplicado que ao
acordo, convenção e pacto supracitados, para sua mais firme consistência,
nos dignássemos, por benignidade apostólica, ajuntar-lhes o garante da con-
firmação apostólica e, além disso, tomar, quanto ao mencionado assunto,
adequadas provisões. Nós, portanto, que desejamos com a maior intensidade
que, entre todas as pessoas, em particular aquelas em quem resplandece a
dignidade régia, vigore a paz e a concórdia, não possuindo notícia certa sobre
o mencionado assunto e inclinados a este género de súplicas, ordenamos a
vossa fraternidade, por carta apostólica, que vós ou um de vós, se assim é,
cureis de aprovar e confirmar os supracitados acordo, convenção e pacto, e,
tanto quanto lhes diz respeito, tudo e o que quer que seja que no dito ins-
trumento se contenha e tudo quanto daí resultou, por consenso de ambos
os reis, determinando ainda que mantenham o vigor de uma eterna firmeza,
por nossa autoridade, e suprindo todos e quaisquer defeitos, se acaso alguns
neles houver. E outrossim, se acontecer que venham a ser consumadas por
vós, com o vigor das presentes disposições, a confirmação e aprovação supra-
citadas, como acima se diz, que façais com que seja observado de forma
inviolável o dito acordo, e os mesmos reis gozem em paz desse acordo e das
supracitadas confirmação e aprovação, não permitindo que eles se molestem
indevidamente entre si ou por meio de quaisquer outros, por causa desta
matéria, reprimindo, com a nossa autoridade e sem direito a apelação, os
prevaricadores; não obstantes quaisquer constituições e ordenações apostólicas
em contrário, mesmo se, aos mesmos reis ou quaisquer outros, em conjunto
ou separadamente, tenha sido concedido pela sé apostólica que não possam
ser interditos, suspensos ou excomungados, se não fizerem, através de carta
apostólica, plena e expressa menção, palavra por palavra, desse indulto.
Dado em Roma, em S. Pedro, no ano da Incarnação do Senhor de mil
quinhentos e cinco, aos 24 de Janeiro, ano terceiro do nosso pontificado.

Joane Saldana
Tradução de
Carlos Ascenso André
Professor da Faculdade de Letras da Universidadde de Coimbra
Design
Atelier B2: José Brandüo/Nuno Vale Cardoso
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