Tóxico - Blue Evelyn

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2024 — Copyright ©

Blue Evelyn

1ª Edição

É proibida, dentro dos limites estabelecidos pela lei,


a reprodução total e parcial desta obra,
de qualquer forma ou qualquer meio eletrônico
, mecânico, inclusive, por meio de processos xerográficos,
incluindo ainda, o uso de internet sem premissa
expressa e escrita da autora. Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos,
são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com acontecimentos reais, é mera coincidência.

Texto em conformidade com o novo acordo ortográfico


de 1999, em vigor no Brasil desde 2009.
Neste livro foi utilizada a valorização da
linguagem contemporânea, tanto na narrativa,
quanto nos diálogos, aproximando
o texto ao modo que os personagens usariam no seu dia a dia.

Capa: Nic Amorist | @nic.ghost66


Revisão Textual: Rafaela Bernardes | @pandinhareview
Diagramação: Vitoria | @vitoriaeditorial
Leitura Beta: Autora Cold, Joana Coelho, Nic Amorist, Léa Diógenes
Leitura Crítica e Sensível: Léa Diógenes | @leadiogenes
Ilustração: Carlos Miguel | @carlosmiguelartes
SUMÁRIO

ILUSTRAÇÃO

AVISO DE GATILHOS

PLAYLIST

NOTA DA AUTORA

PREFÁCIO

EPÍGRAFE

DEDICATÓRIA

PRÓLOGO

CAPÍTULO 01

CAPÍTULO 02

CAPÍTULO 03

CAPÍTULO 04

CAPÍTULO 05

CAPÍTULO 06

CAPÍTULO 07

CAPÍTULO 08

CAPÍTULO 09

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

BÔNUS

AGRADECIMENTOS
Este livro contém temas polêmicos e sensíveis. Durante a leitura,
haverá alguns gatilhos. Alguns deles serão apenas mencionados, mesmo
assim, deixarei aqui listados para que você, leitor(a), não seja pego(a) de
surpresa.
– Conteúdo sexual gráfico e agressivo;
– Violência física, verbal e psicológica;
– Automutilação;
– Uso de entorpecentes;
– BDSM;
– Abandono parental;
– Abuso sexual infantil;
– Aliciamento;
– Exploração sexual infantil;
– Relacionamento tóxico;
– Bullying;
– Assédio sexual.
Pode haver também menção à suicídio, depressão, ansiedade e
outros quesitos não mencionados acima.
Esta é uma obra de ficção, destinada a maiores de 18 anos. A autora
não concorda, nem compactua com quaisquer atitudes dos personagens que
fujam a ética e a moral. Se este tipo de conteúdo te for prejudicial de
alguma maneira, não inicie a leitura. Acima de tudo, preze pela sua saúde
mental.
Esse livro termina em Cliffhanger (final inacabado) e terá
continuação.
Escute as músicas que inspiraram a
autora a escrever Tóxico.

Escaneie ou Clique Aqui


Eu pensei muito sobre como iniciar essa nota, e honestamente, até
agora não sei exatamente o que dizer. Essa não é a primeira história que
escrevo, mas é a primeira que eu tive coragem de publicar em uma
plataforma como a Amazon.
A história desses dois surgiu em minha mente há mais de um ano e
eu comecei a desenvolver e dar voz a eles inúmeras vezes, mas sempre
parava porque ainda não era o que eles queriam. Esse livro iniciou como
volume único, e era para ter seguido assim, até que Aidan e Kimberly me
mostraram que eram complexos demais e tinham muito mais história para
contar, para caberem em apenas um volume. E por causa disso, precisei
refazer a história quase que completamente.
Aidan e Kimberly são o próprio caos. Eles estão apenas tentando
sobreviver em meio a um mundo cheio de pessoas que pensam exercer
algum tipo de poder sobre eles. E por essa razão, acabam por tomar diversas
decisões estúpidas, erram muito, consigo mesmos e com os outros. Se
machucam. Mas no fim, estão apenas tentando entender a si mesmos.
Talvez, eles não devessem ficar juntos, ou talvez o momento em que
se conheceram não foi propício, levando em consideração quão jovens eram
e quantos traumas carregam. A questão aqui é que o amor nem sempre é
bonito, e isso é um fato.
Querido(a) leitor(a), esse livro não é para todos. E preciso deixar
esclarecido que não escrevi essa história com o objetivo de aquecer seu
coração. Meu objetivo é te levar ao extremo das suas emoções durante a
leitura, sejam elas quais forem. E se você leu o aviso de gatilhos e está
lendo esta nota, e mesmo assim decidiu prosseguir com a leitura, te peço,
por favor, que se em algum momento a leitura te causar qualquer tipo de
desconforto, apenas pare imediatamente! Não brinque com sua mente, nem
venha desferir palavras desrespeitosas a mim.
Mas, se está disposto(a) a entrar no caos da minha imaginação, é
com imenso prazer que te apresento TÓXICO. Seja muito bem-vindo(a) e
sinta-se em casa.
Primeiramente , quero agradecer à autora por me permitir participar
desse projeto maravilhoso.
Tóxico conta a história da jovem Kim e do Aidan, desde o primeiro
olhar até a paixão mais profunda e obscura. Nos traz a realidade que muitos
jovens enfrentam e por que de tamanha revolta.
Nesse livro, o que seria o vilão, se torna alguém totalmente
compreensível. E o amor mais tóxico, a coisa mais libertadora.

A autora narrou com veracidade e sem romantizar tamanhas


crueldades, estupros e abusos psicológicos escondidos por famílias. Mas
também, mostrou que mesmo em meio ao caos da vida desses jovens, a
paixão, e até mesmo o amor, pode transpor tamanhas barreiras.
Tudo ali remete a toxicidade, ao mesmo tempo que adentra a mente
de dois jovens querendo sentir, viver, amar.
A leitura não é só fluída, como gostosa, e até engraçada em alguns
pontos, dramática e angustiante. Me prendeu desde o início, me fazendo
sofrer ao procurar por mais e mais.
Como a Kim é o vício e a obsessão do Aidan, Tóxico se tornou meu
vício.
Joana Coelho.

Como leitora beta do livro "Tóxico", é evidente para mim que a


história é muito envolvente e cativante desde o primeiro momento. A
habilidade da Blue em criar uma atmosfera vívida e imersiva é notável, o
que permite que os leitores se sintam verdadeiramente parte do universo
dos personagens e dos sentimentos que eles experimentam.
A história gira em torno de Kimberly, uma jovem de dezessete anos,
e Aidan, de dezenove. Ambos são sobreviventes de atos horrendos, mas
cada um reage de maneira diferente. Kimberly mantém a inocência de sua
infância, enquanto Aidan se deixou consumir pela dor e pela raiva. A
pergunta central que permeia a história é se esse casal terá um futuro
juntos. Será que Kimberly conseguirá salvar Aidan de si mesmo? E será
que Aidan encontrará a redenção e conseguirá superar o ódio que o
consome? Essas são questões que me deixaram ansiosa para descobrir o
desenrolar da trama e o destino desses personagens tão complexos.
Tenho certeza que vocês irão se apaixonar assim como eu me
apaixonei.
Léa Diógenes.

Para chegar ao céu, é preciso


passar pelo inferno.
Allan Rychie
A todos que já tiveram suas
vidas destruídas por alguém.
Eu gosto do jeito que você respira[...]
Você é livre como o oceano
Você é profundo como o mar
Você é selvagem como um rio.
Like it Better - Oscen
KIMBERLY

Um mês antes…

Eu estava na lanchonete. Trabalhava lá há aproximadamente um


ano. Digamos que era meu refúgio, o lugar onde eu me sentia em paz e
tranquila, longe de todos os meus problemas.
Enquanto limpava as mesas de madeira, que eram simultaneamente
desocupadas pelos clientes, equilibrando os pratos, copos e talheres sujos na
bandeja, indo e voltando da cozinha diversas vezes para evitar quebrar
alguma coisa e ter o dinheiro descontado do meu salário, ouvi o som da
sineta que informava quando um cliente entrava.
Não levantei a cabeça imediatamente para olhar, especialmente por
escutar risos graves de garotos. Suspirei, já imaginando que seria mais uns
daqueles idiotas que vinham aqui e tentavam flertar comigo, ou melhor,
mexiam comigo e meu corpo sem minha autorização. Era horrível, e
infelizmente, eu não podia reclamar. Era essa porcaria de emprego que
pagava meu salário e me garantia ao menos um pouco de liberdade, levando
em conta o caos que era minha vida.
Não me aproximei deles. Como estava ocupada e minhas outras
duas colegas estavam mais tranquilas, deixei que elas fossem atendê-los.
Porém, algo me chamou a atenção. Foi quando um menino, aparentando ter
a mesma idade que eu e os outros garotos, entrou. Ele parecia ser tímido,
usava óculos e segurava uma mochila na frente do corpo como uma forma
de se proteger.
Após deixar tudo na cozinha, voltei com o pano para terminar de
limpar mais duas mesas, e acompanhei cada um dos movimentos do menino
com os olhos. Ele olhou para os rapazes, que pareciam achar graça dele —
e eu não entendia o motivo — e varreu o lugar com os olhos, parecendo
analisar onde ir sentar. Percebi quando mirou uma mesa bem ao fundo e o
mais distante possível deles, e assim que deu alguns passos adiante, sentido
ao seu destino, um dos idiotas colocou o pé em sua frente, o que o fez
tropeçar e cair.
Todos eles riram. E eu juro que quis ir até lá dizer-lhes um monte,
mas sabia que isso não adiantaria de nada, só os incentivaria a mexer
comigo.
Nesse momento, notei que havia outro rapaz entrando na
lanchonete. Mas esse era diferente, tinha uma vibe mais sombria,
misteriosa. Algo estranho emanava dele. E aquelas tatuagens espalhadas
pelos seus braços, o deixavam com uma expressão extremamente sexy. Eu
não podia acreditar que, subconscientemente, estava salivando por um cara
que não fazia ideia de quem era.
Com uma aura imponente, mesmo sendo tão jovem, suas pisadas à
medida que ele andava, pareciam ecoar em meus ouvidos. Por um instante,
senti minha respiração falhar. Eu nunca o tinha visto ali.
Ele foi até o garoto no chão, o ajudou a levantar, e pegou sua
mochila, o entregando.
— Se manda. — Ouvir sua voz pela primeira vez me fez estremecer.
Soou baixa, mas não deixava de ser forte, rouca e intensa.
O menino, assustado, não disse nada, apenas se afastou e foi sentar à
mesa.
O garoto que o ajudou, olhou em minha direção, me analisando por
inteira e me deixando muito sem graça. Tudo o que fiz foi desviar o olhar
dele, voltando a fazer o que estava fazendo.
Depois desse dia, nunca mais consegui esquecer a imagem daquele
garoto tatuado e a forma como ele me olhou, e ajudou o outro.
Sozinho nos lençóis, sou um pecador
Em um momento você está se arrepiando
Porque eu sei como você se sente
Meu corpo te dá arrepios.
Chills - Mickey Valen, Joey Myron
KIMBERLY

Enquanto eu caminhava em direção ao colégio, sentia aquele


friozinho na barriga. Mas não era medo do que encontraria lá ou de como
seria recebida pelos meus novos colegas. Para a maioria das pessoas, o
novo era assustador. Para mim, era um combustível.
Eu morava um pouco longe do colégio, precisava caminhar por
aproximadamente quinze minutos para chegar lá, talvez mais. Uma pessoa
comum, teria pegado um táxi. Eu, no entanto, não podia. Minha mãe não
permitia que eu gastasse o dinheiro que tínhamos com futilidades. E
definitivamente, aos seus olhos, isso era uma. Os únicos gastos permitidos
por ela se tratava dos seus vícios, entre bebidas, cigarros e homens. E caso
eu quisesse partilhar disso, aí, sim, seria aceitável.
Era quase final do verão, estávamos aguardando o outono chegar,
então o clima estava ameno, nem frio, nem quente, o que era ótimo, porque
caminhar debaixo de sol não era algo que me alegrava.
Havia combinado com a Everly, minha melhor amiga desde que me
entendia por gente, de nos encontrarmos na entrada do colégio onde ela
estudava desde que iniciou o ensino médio. O Private High School
Anderson Rosário era um colégio particular, o tipo de lugar que eu não
tinha condições de pagar. Mesmo trabalhando meio período como garçonete
na lanchonete, nunca conseguia nem mesmo guardar esse dinheiro, porque
minha mãe sempre o pegava. Até já cheguei a esconder, porém, não
funcionava, ela sempre encontrava. Para conseguir estudar no Private, eu
precisei fazer uma prova a fim de concorrer a uma bolsa.
— Nossa! Que demora! — Everly exclamou quando finalmente
cheguei em frente ao colégio — Por que não pegou um táxi?
— Acho que não preciso te responder, você sabe exatamente a
resposta. — falei, enquanto limpava o suor que escorria de minha testa e
recobrava o fôlego.
A Evy não conhecia minha mãe pessoalmente. Ela apenas sabia das
coisas que eu lhe contava, mas uma coisa era criar teorias na cabeça, outra
coisa completamente diferente era ver de perto tudo o que eu passava. E
honestamente, eu preferia que ela não visse. Queria que minha amiga
continuasse me enxergando como uma pessoa forte, como vinha sendo ao
longo dos anos.
Ao entrarmos, senti literalmente todos os olhares sobre mim. Alguns
cochichavam sobre quem era a novata, outros apenas olhavam com atenção,
me deixando sem graça. Eu não suportava ser o centro das atenções, mas
nesse caso não havia muito o que ser feito.
Seguimos em direção à escada e fiquei encantada com as cores
vibrantes do lugar, que era imenso.
Fomos entrando e passamos pelos corredores para ir até a nossa
sala. Quando chegamos em frente a ela, antes mesmo de entrar, meu olhar
foi diretamente para um rapaz extremamente alto e forte, com tatuagens nos
braços, cabelos pretos e lisos com as laterais rapadas, que estava ao lado de
um dos armários, segurando a cintura de uma garota loira com uma mão
enquanto a outra ficava repousada acima da cabeça dela.
Era ele! O mesmo que apareceu na lanchonete há aproximadamente
um mês, que pensei que nunca mais o veria.
— Fala, Blake! — um garoto também alto, porém, mais baixo do
que ele, usando uma dessas jaquetas de time de basquete, vindo da mesma
direção que eu, chamou sua atenção.
Assim que ele ergueu a cabeça para olhá-lo, nossos olhares se
encontraram e foi como se um furacão passasse, mas apenas levasse todas
as outras pessoas que estavam ao nosso redor e só restassem nós dois.
Ele não respondeu ao outro garoto. Não sorria, não demonstrava
nenhuma emoção, exatamente como da primeira vez que nos vimos. A
expressão em seu rosto era indecifrável. Mas seu olhar era intenso. Tão
intenso, que me fez engolir em seco e me desequilibrar.
Eu não o conhecia e algo nele cheirava a encrenca. Mas eu
simplesmente não conseguia parar de olhá-lo.
A garota percebeu para onde ele estava olhando e segurou em sua
nuca, o puxando para um beijo, que ele correspondeu, mas seus olhos
permaneciam abertos, sem deixar de olhar de soslaio para mim.
— Tá olhando o quê, garota? — Ao parar o beijo, a loira me
perguntou com um olhar de desdém — Se manca!
— Kim! — ouvi a Everly me chamar e pisquei algumas vezes, a
olhando.
— Quê? — franzi as sobrancelhas devido ao seu histerismo.
— Estou te chamando há um tempão. Parece que está com a cabeça
na lua — ela desviou o olhar do meu, notando que eu estava prestando
atenção no casal — Acostume-se, isso acontece com frequência por aqui.
Meu único alerta para você, é que se mantenha longe do Blake, ele é
encrenca. Apenas garotas burras se metem com ele.
— Eu não… — antes que eu continuasse, ela ergueu a mão
espalmada, me barrando.
— Poupe-me, Kim. Eu te conheço bem. Ok, ele é um gato e muito
gostoso, mas não se engane com essa carinha bonita. Há muito mais por trás
disso. — Após terminar de falar, a Evy foi entrando na sala e eu ainda
fiquei um tempo do lado de fora, o observando.
O que era estranho, foi ela ter dito isso sobre ele, como se fosse o
garoto mais problemático do mundo, quando me recordava bem que ele
havia ajudado o menino na lanchonete. Algo não batia na informação que a
Everly disse.
Como se soubesse que estávamos falando dele antes de a Evy entrar
na sala, seus lábios se repuxaram em um pequeno, quase imperceptível,
sorriso de canto. Não era exatamente para mim que ele sorria, mas parecia
querer que eu soubesse que ele tinha conhecimento de que o assunto entre a
Everly e eu, era a seu respeito.
Me apressei em entrar na sala e procurei uma cadeira lá no fundo,
onde ninguém prestaria atenção em mim.
Mas não consegui me concentrar na aula, pensando no olhar daquele
garoto. Tanto antes, quanto agora.
Ao final da última aula, eu estava voltando para casa sozinha. A
Everly tinha que ir para casa, aparentemente, sua mãe ligou e pediu que ela
fosse com urgência. Eu tinha duas opções: poderia ir pelo caminho mais
longo, o mesmo que usei para vir, ou pegar um atalho. Mas ao escolher a
segunda opção, precisaria passar pelo cemitério da cidade, onde a rua era
extremamente deserta, e no clima frio, a paisagem sempre se tornava meio
sombria e macabra.
Havia boatos de que, durante a madrugada, já ouviram barulhos de
ossos, entre outras coisas. E por essa razão, quase ninguém se atrevia a
passar por ali.
E eu passaria reto em meu caminho, escolhendo ir pelo trajeto mais
longo, porém, mais seguro, no entanto, algo me chamou a atenção, me
deixou encabulada e me fez parar.
Pulando o muro lateral do cemitério, estava o garoto com quem eu
havia trocado olhares na escola.
Parei por um instante, observando ao redor para saber se havia
alguém por perto. E juro que quis ir embora, aliás, era exatamente isso que
eu deveria fazer. Mas contrariando o que era certo e coerente, meus pés
começaram a se mover antes mesmo que eu tomasse uma decisão se iria até
lá averiguar ou não. Quando dei por mim, lá estava eu, passando pelo
portão entreaberto do cemitério.
Olhei em volta, tentando encontrá-lo, mas nada vi. Mas, de alguma
forma, senti-me sendo observada. Talvez ele estivesse por perto, me vendo,
e estivesse testando meus limites. Isso me fez sentir uma onda de excitação
e me incentivou a seguir.
Continuei andando, passando entre os túmulos, até chegar a uma
parte bastante arborizada, onde não havia mais túmulos, somente um vazio.
Mas não o encontrei. E de tanto andar, comecei a achar que estava andando
em círculos. Até que parei em frente a uma árvore, tentando lembrar o
caminho de volta.
— Nunca te disseram que é feio espiar o que outras pessoas estão
fazendo? — ouvi sua voz baixa, rouca e grave, mas não conseguia vê-lo.
Olhei para trás, mas nada vi.
— Aqui não tem nada para você, ratinha. Vá embora. — Dessa vez,
segui o som de sua voz e olhei para cima, o avistando sentado no galho
grosso de uma árvore não muito alta.
Ele parecia tranquilo, com as pernas esticadas e postas uma sobre a
outra, segurando um cigarro entre os dedos e soprando a fumaça no ar, que
formava pequenos anéis ao se dissolver.
— O que veio fazer aqui? — ignorando o modo como me chamou,
eu o questionei, sentindo uma necessidade enorme de saber mais sobre ele,
indo contra tudo o que a Everly me falou a seu respeito.
Ele tragou a fumaça novamente, segurou nos pulmões por alguns
segundos, então a soprou no ar.
— Você é burra ou só intrometida mesmo? — seu tom era rude, mas
seu rosto permanecia inexpressivo.
— Por que está aqui? Não é normal vir a um lugar como esse assim
do nada.
Ele não me respondeu. Saiu da posição em que estava, desceu da
árvore e veio até mim. Sua postura era imponente e seu rosto de traços
rudes o deixavam ainda mais sexy. Sim, Blake era muito sexy.
Blake deu uma tragada em seu cigarro, jogou a bituca no chão,
amassando com o pé, e soprou a fumaça em meu rosto. Fechei os olhos,
mas ainda deu tempo de sentir uma leve ardência não somente nos olhos
como também na pele do meu rosto pela temperatura alta.
Eu sabia que ele queria me transmitir medo, provavelmente era
exatamente isso que ele causava na maioria das pessoas ao seu redor, mas
seu gesto teve o efeito contrário em mim. Olhei para cada traço seu,
especialmente seus olhos escuros. Sua boca carnuda e bem desenhada,
enquanto ele não desviava seu olhar de mim um segundo sequer. Era
intenso e fumegante.
Senti minha boca secar em vontade de beijá-lo. Já havia beijado
outros garotos, mas a sensação que ele me causava chegava a ser agoniante
e eu engoli em seco.
Ele olhou para baixo, na direção dos meus seios, e viu meus
mamilos eriçados. Eu estava sem sutiã porque detestava usar, e a blusa que
usava o dispensava.
Mordisquei levemente os lábios.
— Se você for esperta o suficiente, vai ouvir sua amiga. — disse,
após voltar seu olhar para mim, e se afastou, sumindo entre as árvores e me
deixando surpresa por ele saber o que a Everly tinha me dito.
Quem era esse cara? E por que eu sentia vontade de saber mais
sobre ele?
E não há remédio para as lembranças
Seu rosto é como uma melodia
Que não sai da minha cabeça
Sua alma está me assombrando e me dizendo
Que está tudo bem
Mas eu queria estar morta (morta, como você).
Dark Paradise - Lana Del Rey
AIDAN

O som da risada de uma criança ecoava. Era ensurdecedor, mas


somente eu podia ouvir. Me revirando na cama de um lado para o outro, não
fazia ideia de quantas horas haviam passado.
Era noite, de madrugada para ser mais específico. Todos estavam
dormindo, e eu deveria estar fazendo o mesmo, mas essa droga de pesadelo
insistia em me atormentar como a porra de um karma.
Olhando para o canto do quarto, eu a via, ela me chamava. Sua pele
reluzia, como um anjo, mas ela estava mais para um demônio. Seus cabelos
loiros-escuros brilhavam. Seu sorriso estava lá, mas não era o mesmo de
antes, era sombrio, macabro. Aquela não era a mesma pessoa. Não podia
ser. No entanto, sua aparência fazia parecer que sim.
— Aidan, meu filho, não corre pra longe! — eu a ouvia gritar,
mesmo que sua voz soasse como um sussurro.
— Não, não, NÃO! ME DEIXA EM PAZ! — em posição fetal, me
cobrindo com o lençol como se assim fosse possível acabar com o
tormento, eu gritava — Você não é real, nada disso é real!
Fechei os olhos o mais forte que podia, o coração estava tão
acelerado, que podia saltar pela boca a qualquer momento. Eu suava frio. O
suor escorria de minha testa excessivamente.
Finalmente, percebi que tudo era silêncio. Não havia mais nada ali.
Mas meus lábios ainda tremiam muito, a ponto de meus dentes baterem um
no outro.
Mesmo com medo, abaixei o lençol, analisando ao redor para me
certificar de que não havia ninguém ali. Estava sozinho.
Levantei, liguei a luz, peguei um casaco, meu isqueiro, algumas
folhas para enrolar cigarro e um saquinho com maconha, colocando-os no
bolso da calça de moletom. Dessa vez, o cigarro comum não me ajudaria,
tinha que ser algo mais forte.
Não estava com frio, mas sabia que quando pusesse os pés fora de
casa, a temperatura baixa me atingiria em cheio, e mesmo que eu não
sentisse, isso me ferraria depois.
Saí do quarto, seguindo pelo corredor em direção à saída. O silêncio
era absoluto. Isso era algo que eu não precisava nesse momento. O silêncio
me fazia pensar, mas não em coisas boas.
Do lado de fora, puxei o zíper do casaco para cima, fechando-o, tirei
o capuz dos ombros, ajeitando-o sobre a cabeça, pus as mãos nos bolsos e
segui andando. Para ser sincero, a essa hora, não sabia para onde ir, mas de
uma coisa tinha certeza, não podia ficar em casa.
Pensei em ir para o cemitério. Lá era um excelente local para
colocar as ideias no lugar, mas nesse momento, seria uma péssima ideia. A
morte para mim tinha cheiro, cor e sussurrava coisas horríveis em meus
ouvidos. Coisas das quais eu não precisava ouvir agora.
Peguei meu carro, liguei o som, colocando Hideaway to Hell -
AC/DC bem alto para tocar. À medida que as ondas sonoras penetravam
meu ser e a letra da música começava a fazer todo sentido em minha vida
fodida, coloquei o carro para andar devagar enquanto bolava um baseado,
enrolando a maconha no papel. Em seguida, fui tragando e dirigindo,
soprando a fumaça no ar, deixando-a voar livremente no carro que estava
com as janelas fechadas. Era disso que eu precisava, me sujar em minha
própria merda.
Como se meu corpo e mente reconhecessem aquele caminho, lá
estava eu, depois de algum tempo, parando bem perto da casa dela.
Estacionei, mas ainda fiquei ali dentro, pensando o que exatamente
eu estava fazendo ali, a verdade é que nem eu mesmo sabia.
De onde estava, as luzes do poste próximo e da lua, iluminavam
acima de mim. Dando mais uma tragada, sentindo o alívio quase que
imediato, a nicotina correndo em minhas veias, o suor se dissipando, a boca
parando de tremer, olhei para a janela de seu quarto. Não era a primeira vez
que eu fazia isso. Desde que a vi no colégio, passei a ter uma curiosidade
insana sobre ela. Queria saber cada passo seu, foi aí que descobri onde
morava e, sempre que podia, vinha observá-la através da janela, que não era
nada segura, e qualquer um com um simples chute seria capaz de abri-la.
Era como se sua presença, a presença de uma completa estranha,
ainda que de longe, fosse capaz de me acalmar. Eu não precisava falar com
ela, precisava apenas saber que ela estava ali. Perto.
Eu rezo para que eu esteja bem
Mas meus pensamentos não são meus
Então eu apenas minto
Porque eu odeio não estar no controle.
Let It Go - Chandler Leighton, Lø Spirit
AIDAN

A bola em minha mão esquerda quicava no chão liso e brilhante da


quadra do Private. Enquanto com a outra, espalmada em seu peito, eu
tentava barrar um dos membros do time de tomá-la de mim. O suor escorria
em minhas costas, molhando a camiseta e fazendo-a grudar em minha pele.
Mas isso pouco me importava. Eu tinha um objetivo e o alcançaria.
Desviando a atenção do Simon por um instante, mirei a cesta à
minha frente. Analisei todos os outros ao meu redor, observando como eu
faria aquela jogada. Eu já conhecia de cor a técnica deles, seria fácil driblá-
los. Com um único movimento, avancei para a cesta, passando pelo Simon.
No momento em que dobrei os joelhos, impulsionando meu corpo a
dar um pequeno salto para fazer a cesta, a imagem dela veio em cheio em
minha mente, como se ela estivesse diante dos meus olhos. Isso me deixou
com ódio e fez com que, quando a bola entrasse na cesta, minhas mãos
agarrassem rapidamente o ferro em volta e a fizesse tremelicar.
Quando desci, com os joelhos dobrados, uma das mãos apoiadas na
coxa e a respiração ofegante, parei para respirar e limpei o suor que escorria
da testa com o dorso da mão. Isso não podia continuar assim, tinha que
acabar. Eu não podia me permitir sentir tanta vontade de estar perto e tocar
aquela garota a ponto de ser agoniante e me fazer pensar nela até de olhos
fechados.
E isso vinha acontecendo desde que a vi há mais de um mês naquela
porcaria de lanchonete. E apenas piorou quando inventei de me enfiar perto
da casa dela depois do meu último pesadelo, duas noites atrás.
Os caras do time e eu tínhamos o costume de ir a fast-foods quando
saíamos do colégio, e para mim, que preferia estar em qualquer lugar,
menos em minha casa, era perfeito. Quando tudo aconteceu, era final de
julho e estávamos de férias do Private, as aulas não demorariam mais tanto
a retornar. Tínhamos ido jogar uma partida de basquete e, nesse dia, o lugar
que íamos estava fechado. Era uma merda.
Eu precisava abastecer o carro antes de ir com eles, então pedi que
fossem na frente e apenas me enviassem mensagem informando para onde
iriam.
Maldita hora que decidiram ir justamente naquela lanchonete.
Porque, depois de me deparar com aqueles olhos, aquela boca… eu nunca
mais consegui tirá-la da minha mente.
— O que rolou hoje, Blake? — após o fim do jogo, enquanto
dávamos uma pausa e eu lembrava de quando a vi pela primeira vez, o
treinador veio até mim e perguntou.
Endireitei a coluna e caminhei em direção aos bancos da frente da
arquibancada, o ignorando.
Pela minha idade, e por ter perdido dois anos devido as merdas da
minha vida fodida, eu não deveria continuar sendo o capitão do time, mas o
treinador havia dado um jeito de eu ficar, porque não tinha ninguém melhor
do que eu para essa função.
Puxei minha mochila, abri-a e retirei uma garrafa de água,
desrosqueando a tampa antes de beber. Quando a sede diminuiu um pouco,
derramei um pouco do líquido insípido no rosto, me refrescando, ainda
ciente da sensação de estar sendo observado pelo Smith.
— Perdeu alguma coisa? — questionei, percebendo que ele apenas
estava ali parado, sem dizer nada, porém, não parava de me olhar.
— Só quero entender o que tá rolando com você. Você não é apenas
o capitão do time, mas também um dos membros mais importantes. Precisa
manter o foco e dar o máximo de si…
Sem esperar que ele terminasse de falar, abaixei a mão com a qual
segurava a garrafa e ri sarcasticamente, balançando a cabeça para os lados.
— O que é tão engraçado? Gostaria de rir também.
— É hilário você falar sobre isso, quando, até hoje, não houve um
único jogo ou treino em que eu não dei 110% de mim. Acho que você
percebeu que acabei de fazer não uma, mas três cestas. — Dessa vez, com o
semblante fechado, comentei, não deixando passar nenhuma informação e o
encarando.
— Sim, você fez. Mas esteve distraído durante todo o treino, e não
passou a bola em nenhum momento. Acha que essa é uma atitude de um
capitão? — seu olhar direcionado a mim era inquisidor. E eu sabia que ele
estava certo, de fato ultimamente vinha estando muito distraído, inclusive
nas aulas, mas estava pouco me fodendo para o que qualquer um pensava a
meu respeito. Desde que eu fizesse o que tinha que fazer, ninguém tinha do
que reclamar.
— Como eu disse: acabei de fazer uma bela cesta. Portanto, dê-se
como satisfeito. — Trovejei com o maxilar travado e um olhar duro,
batendo a garrafa em seu peito e ele a segurou. Em seguida, segurei minha
mochila, passando pelo treinador para ir embora, tombando nele, o que o
fez cambalear para trás.
Estava puto, odiava ser questionado. Especialmente quando eu fazia
algo certo. Era exatamente por isso que eu não tinha o hábito de fazer as
coisas corretamente, porque, uma vez que você fazia, seria sempre cobrado
para permanecer fazendo, e isso, definitivamente, não era do meu feitio.

Era noite, e a chegada do outono em Nova Iorque, ao contrário de


outros estados em muitos países, já fazia o frio castigar a pele. Eu, no
entanto, contrariando a tudo e todos, estava usando apenas uma camiseta
preta com o capuz caído em meus ombros, enquanto todos os outros
mantinham-se bem agasalhados.
Tínhamos o costume de nos encontrar nesse bar toda sexta à noite
para comemorar o início do final de semana, é claro que não éramos
maiores de idade, portanto, não deveríamos estar ali bebendo, mas sempre
conseguíamos burlar as leis, especialmente porque, desde que pagássemos
bem, qualquer um nos venderia bebidas alcoólicas. No entanto, eu sempre
me perguntava que merda fazia ali. Entre garotos e garotas rindo de piadas,
em sua maioria sem graça, contadas por algum idiota do grupo, meu riso era
fingido, não passava de uma máscara para não deixar transparecer a
porcaria que eu me sentia por dentro. Porém, era muito melhor estar ali do
que em casa, com aquelas pessoas que se diziam ser minha família, mas
que, na verdade, eu não fazia ideia de quem eram.
Segurando pela alça transparente, estava prestes a levar o copo
comprido de chopp à boca, quando o som do sino fez não somente eu, mas
a maioria dos meus amigos virarem a cabeça na direção da porta para ver
quem adentrava o estabelecimento.
Sem tomar nenhum gole da cerveja, bati o copo com firmeza na
mesa, sentindo raiva, e respirando exasperadamente. Não era possível que
ela estivesse em todos os lugares.
Todos que estavam à mesa comigo se assustaram com o baque, me
encarando, o que fez com que ela e sua amiga olhassem em nossa direção,
ou melhor, para mim.
Rosnei baixo, experimentando a amarga sensação da fúria
percorrendo minhas células.
Eu tentei, me esforcei para manter a atenção em qualquer outra
coisa e não a olhar, mesmo sabendo que seu olhar estava repousado sobre
mim, mas isso me fazia perder, pouco a pouco, o controle da situação. Eu
estava habituado a ter o poder nas mãos, manter todos ao meu redor no
controle, mas aquela garota parecia mexer comigo de maneiras
inexplicáveis, me levando a perder o controle até sobre mim mesmo e
minhas ações. E havia somente alguns dias que ela tinha chegado no
Private.
Girando a cabeça lentamente, lá estava eu, subindo meu olhar aos
poucos, passando por cada parte do seu corpo, desde os pés calçados num
par de tênis brancos surrados, até os seios, que mesmo não dando para ver
os bicos por estarem bem aconchegados debaixo do casaco de moletom rosa
que ela usava, não me impediu de lembrar da primeira vez que os vi
intumescidos no cemitério, o que fez meu pau se agitar na cueca e,
atordoado, precisei balançar a cabeça por um instante para dispersar esses
pensamentos. Finalmente, encarei seu rosto, vendo-a passar levemente a
língua nos lábios rosados e bem desenhados. Suas íris estavam dilatadas, e
eu suspirei em frustração por ter a convicção de que deveria me manter
afastado, não a desejar, mas parecia que meu corpo se recusava a obedecer
ao que meu cérebro dizia.
— Kim — sua amiga lhe chamou a atenção, tocando em seu braço,
e ela piscou, batendo os cílios longos um no outro — Apenas os ignore,
exatamente como eu faço — eu quis rir do seu comentário, mas não o fiz —
Vamos nos sentar ali. — Apontou para uma mesa mais distante de nós e,
mesmo resistente, a garota começou a caminhar, a acompanhando.
Com os olhos, segui atentamente cada gesto da garota que tinha por
nome Kimberly. Elas sentaram e pediram uma bebida para cada e, à medida
que aguardavam, um garoto, o mesmo que ajudei daquela vez na lanchonete
e que também estudava no Private, chegou. Percebi que, mesmo com as
aulas tendo iniciado há uma semana, ele não havia aparecido, o que era
estranho, mas logo dispersei esses pensamentos.
Ele foi apresentado, deu um beijo em cada lado do rosto da
Kimberly, que sorriu amigavelmente, o que me deixou com ainda mais
raiva, e me fez arrepender de tê-lo ajudado, então juntou-se às duas na
mesa.
Estando ali, como era habitual, ele parecia ter medo de olhar para
nossa mesa. Talvez eu pudesse usar isso contra ele em algum momento.
As bebidas chegaram, e provavelmente pediram um terceiro copo,
porque o garçom retornou trazendo mais um, e eles bebiam, conversavam e
riam. Em especial, a Kimberly, que parecia cada vez mais à vontade com o
tal rapaz, e por vezes colocava a mão em seu ombro e ele em sua coxa. Eu
já não estava suportando mais toda aquela palhaçada, sentindo-me enervado
a cada vez que ele a tocava ou ela ria de algo que ele dizia. Nitidamente, a
garota já estava meio alterada pelo álcool. Não conseguia nem mesmo
prestar mais atenção no que era dito pela minha roda de amigos.
Perdendo absolutamente todo o resto de sanidade que ainda me
restava, entornei o restante da bebida em meu copo, não apreciando nem
um pouco o gosto por estar quente devido ao tempo que levei para bebê-la,
bati o copo na mesa e levantei, caminhando a passos pesados até a porra
daquela mesa.
Enquanto meu resquício de sanidade gritava para que eu retornasse
e sentasse a porra da minha bunda na cadeira, o meu lado caçador atrás de
sua presa sussurrava que ela era um possível alvo, e nenhum outro deveria
tocá-la, e infelizmente, foi esse lado que eu decidi ouvir.
Quando dei por mim, já estava perto deles e comecei a gargalhar
como se achasse graça de algo. Imediatamente, eles pararam a conversa e
me encararam. Notei a garganta da Kimberly se movimentando ao engolir
em seco. Ela parecia nervosa à minha presença. Isso era um ótimo sinal.
Puxei uma cadeira, virando o assento de frente para mim e sentando
de pernas abertas, apoiando as mãos no encosto.
— Pararam por quê? Continuem. Eu estava gostando do assunto. —
Ao parar de rir, falei, sentindo absolutamente o olhar de todos os presentes
no bar sobre mim. Tinha certeza de que, assim como a Kimberly e seus
amigos, a expressão em seus rostos era de extrema confusão.
— Não é educado chegar em um lugar sem ser convidado. Você
pode se retirar, por favor? — A amiga da Kimberly, que eu não fazia
questão de lembrar o nome, se pronunciou.
— O quê? Estudamos no mesmo colégio. Somos amigos… ou não?
— arqueei as sobrancelhas, aguardando sua resposta.
— Amigos? Me poupe, Aidan. Você não é amigo de ninguém. Você
pode sair? — ela falou.
— E você? Concorda com ela? — a ignorando, e com acidez na voz,
perguntei para o cara com jeito de nerd, que estava ali com elas.
— Eu… Eu não… — ele gaguejou.
— Sabe o que é mais engraçado? — o vi engolir em seco quando
seu pomo de Adão subiu e desceu, mas ele não respondeu e tinha uma
expressão assustada no rosto. Cagão! — De acordo com vocês dois —
apontei para a amiga da Kimberly e o cuzão — Não somos amigos, e pelo
que percebi, você acabou de conhecer a senhorita Nelson — olhei de
soslaio para a Kimberly, apreciando a sensação de pronunciar seu
sobrenome — O que me leva a crer que também não são, mas ainda assim
você se sentiu no direito de tocar nela. — falei cada palavra com
sombriedade e meu olhar caiu sobre sua mão na coxa da Kimberly, o que o
fez tirá-la rapidamente como se estivessem ateado fogo em sua pele.
— Você não tem nada a ver com isso, Aidan. Sai daqui! — enquanto
a Kimberly permanecia calada, apenas observando toda a situação, sua
amiga tentava me fazer parar.
— Eu… Me desculpe… — o cagão, com a voz trêmula, tentou se
retratar, mas já era tarde demais. Eu estava enfurecido.
Ignorando os berros da amiga da morena gostosa e vendo os olhos
arregalados do garoto que as acompanhava, levantei, indo até ele e o
segurando pela gola da camisa. Suas orbes pareciam querer saltar do lugar a
qualquer momento.
— Eu vou contar até três. No três, espero, de verdade, que tenha
sumido da minha vista. E se você ousar tocá-la outra vez, ou melhor, se
chegar perto dela, nem mesmo um pacto feito com o diabo será capaz de te
manter seguro. Estamos entendidos? — tudo ao meu redor parecia ter se
silenciado e ele meneou a cabeça em concordância.
O soltei e nem mesmo precisei começar a contar, porque assim que
o fiz, ele saiu correndo, quase tropeçando dos pés. Até se bateu em uma
cadeira.
Assim que ele passou pela porta, virei de frente para as duas garotas
que me olhavam incrédulas.
— Aqui não é lugar para você. Vem, vou te levar para casa. — Não
esperei que ela ou qualquer pessoa me dissesse nada, a segurei pelo braço,
pegando-a de surpresa. Ignorando seus olhos esbugalhados e seus lábios
entreabertos em choque, a levei para fora e a coloquei no banco do
passageiro do meu carro, prendendo o cinto de segurança em volta de seu
corpo, garantindo que ela não saísse antes que eu entrasse no veículo.
Entrei o mais depressa possível, mas nem era preciso, já que ela não
moveu um único músculo. Até seu rosto parecia paralisado com minha
atitude.
Girei a chave na ignição, pisando firme no acelerador e parei
somente quando chegamos em frente a sua casa. Nem aí se ela estava
pensando como eu sabia onde ela morava.
— O que está esperando? Um convite formal para sair? — notando
que Kimberly permanecia cética e horrorizada, questionei, a olhando.
Rapidamente e com as mãos trêmulas, ela tirou o cinto e abriu a
porta, correndo até a entrada de sua casa, me fazendo repuxar os lábios em
um sorriso de canto carregado de satisfação. Mas a verdade era que eu
estava puto com tudo isso. Inclusive, comigo mesmo.
Antes de entrar, ainda com a porta aberta, ela me encarava, seu peito
subindo e descendo freneticamente, mas não fiquei muito mais tempo
porque sabia que se o fizesse, poderia acabar tendo alguma atitude de que
me arrependeria. Pisei no acelerador, cantando pneu e arranquei dali o mais
rápido possível, retornando ao bar.
Fiquei contente em não ver mais a amiga dela no estabelecimento,
não estava com uma gota de paciência para seus questionamentos e ataques
de nervos.
Ao me verem, meus amigos me olhavam com as mesmas expressões
confusas de antes, mas ignorei todos. Sentei-me, pegando a cerveja de um
deles, bebendo tranquilamente, como se nada tivesse acontecido.
Minha mãe não confia nele
Ele só está aqui por uma coisa
Sim, um pouco mais velho, uma jaqueta de couro
Uma má reputação, hábitos insaciáveis
Ele estava dando em cima de mim,
bastou um olhar pra eu perder o ar, sim.
My oh My – Camila Cabello, DaBaby
KIMBERLY

Era segunda-feira, estava em frente ao meu armário, no colégio,


guardando alguns dos meus pertences e pensando que ainda não tinha visto
o Aidan hoje. Será que ele viria? Será que ele estava afim de mim? E se não
estava, por que diabos agiu daquela forma comigo na sexta à noite, no bar?
Acho que qualquer pessoa que chegasse perto de mim nesse
momento, poderia ver um ponto de interrogação acima da minha cabeça. Eu
estava enlouquecendo com tantos questionamentos.
— Kim, será que podemos conversar? — Fui tirada dos meus
devaneios, quando a voz do Nathan, meu mais novo amigo, soou atrás de
mim.
— Oi, Nathan — fechei o armário e virei de frente para ele,
sorrindo, mas não recebi o mesmo em resposta. Ele estava com a cabeça
abaixada — Aconteceu alguma coisa?
— Não — ele ergueu a cabeça, mas parecia envergonhado de me
encarar — É só que…
— Está me assustando, Nathan. Eu fiz algo que você não gostou? Se
sim, peço desculpas. Acabamos de nos conhecer, não sei bem do que…
— Calma, Kim — como eu havia pedido na sexta ao nos
conhecermos, ele me chamou pelo apelido — Você não fez nada. Pelo
contrário, eu que tenho que me desculpar por ter agido tão abertamente com
você no bar — o vi suspirar longamente — Eu juro que não sou de agir
assim, nem mesmo tenho costume de beber tanto, só faço isso quando estou
com a Everly, então uma coisa levou a outra e eu agi estupidamente.
Nesse momento, vi o Aidan passando pelo corredor, bem perto de
nós, seu olhar sobre mim e o Nathan. Ele parecia ter acabado de chegar,
porque segurava a chave do carro entre os dedos, balançando-a
nervosamente, e sua mochila estava nas costas.
O jeito com o qual me olhava, parecia me escanear. Era como se me
despisse. Aidan me fazia sentir exposta. E pior ainda, acho que seu amigo,
que caminhava lado a lado com ele, percebeu, já que o Blake o ignorava
completamente.
Ele desviou o olhar de mim, para o Nathan, que por estar de costas,
não tinha ciência disso, o que era ótimo — porque eu detestaria que meu
amigo ficasse com medo — mesmo assim, tive medo de que o Aidan viesse
até nós e fizesse alguma coisa com ele.
— Pelo visto, você ficou mais chateada do que pensei… É melhor
eu ir para minha sala. — Nathan voltou a falar, me fazendo sentir péssima
por ter parado de prestar atenção no que ele dizia.
Ele já ia saindo, quando segurei em seu braço, o impedindo de
seguir.
— Nathan, espera — ele parou, me olhando sem jeito — Não se
preocupe, ok? Tá tudo bem, juro que não me chateei. Todos estávamos
meio alterados naquele dia, e de qualquer forma, eu também não vi nada
demais em sua atitude.
— Ainda somos amigos? — com um pequeno sorriso e expectativa
no olhar, ele perguntou.
— Claro que sim — o sinal para a primeira aula soou — Nos vemos
no intervalo. — Me aproximei, dando um beijo em sua bochecha e segui
para minha sala.
Assim que entrei, a garota loira com quem o Aidan estava se
pegando no corredor outro dia, que tinha por nome Bethany, me lançou um
olhar de desdém, que eu, obviamente, ignorei, indo me sentar.
— Perdeu alguma coisa, Bethany? Por acaso tem algum pau na cara
da Kimberly pra você encarar tanto? Porque só assim pra você olhar tanto
para alguém. — enquanto eu ficava horrorizada com o que a Everly dizia,
na intenção de me defender, mesmo já estando acostumada com seu jeito,
boa parte dos nossos colegas de turma riam dela, até mesmo algumas de
suas amiguinhas.
— Podia dormir sem essa, Bethany. — um dos garotos falou.
— Vai ver se eu tô na esquina, Ryder.
Depois disso, a professora entrou na sala e fez cessar o burburinho.

— Ok, agora me diz, pelo amor de Deus, o que foi aquilo na sexta-
feira — me pegando de surpresa e fazendo um pequeno baque ao colocar a
bandeja de comida na mesa do refeitório, Everly perguntou, fazendo
algumas pessoas sentadas em mesas próximas, olharem para nós. Apenas
soltei um leve risinho, estava contando os minutos até ela aparecer, cheia de
curiosidade — Por favor, Kim, por tudo o que é mais sagrado — largou a
bandeja, passando a mão no rosto em um gesto de aflição e colocando uma
mecha de cada lado de seu cabelo atrás das orelhas — Só me diz que você
não está se envolvendo com o Aidan.
Bufei enquanto mastigava um pedaço do sanduíche.
— Óbvio que não, Evy! Eu nem o conheço, como isso seria
possível?
Eu estava sendo sincera com a Evy, porém, omitindo o fato de que
não o conheci no colégio e que, quando o vi com aquele jeito imponente em
meu trabalho, tudo em mim estremeceu. E nenhum garoto havia mexido
comigo daquela forma antes, sem nem ao menos me dizer uma única
palavra.
— Não parecia, pelo jeito que ele te tratou naquele dia. Foi
estranho…
— Já parou para pensar que ele pode ser estranho? Aliás, você
mesma disse que ele não é exatamente o que parece ser. Pessoas assim
costumam ser instáveis. Vai ver é o caso dele. — dei de ombros.
— Tudo bem, você tem razão. Apenas fique longe dele. — mais
uma vez, como se soubesse que estávamos falando dele, e na verdade, ele
provavelmente sabia, Aidan passou por nossa mesa, me lançando um olhar
que causou arrepios no corpo e na nuca. Eu só não sabia dizer se isso era
algo bom ou ruim.
Mas logo em seguida, a loirinha da nossa sala, Bethany, chegou e
sentou no colo dele. No entanto, dessa vez, ele a tirou, fazendo-a encará-lo
de forma inquisidora.
— O quê? Tenho cara de banco por acaso? — perguntou com rudeza
— Senta aí e não me enche. — seus amigos pareceram estranhar sua
atitude, mas não dei importância a isso. Everly estava certa, Aidan Blake
era encrenca, tudo nele alertava para isso e eu deveria ficar o mais longe
possível.
E, como uma intervenção divina, o Nathan estava passando,
aparentemente indo sentar longe de nós, certamente com medo de alguma
atitude grosseira do Aidan e sua “trupe”, já que estávamos perto de sua
mesa, mas a Everly acenou para ele, o convidando para sentar com a gente.
E isso nos tirou o foco do assunto anterior.

A última aula tinha acabado e eu pedi a Everly para me esperar do


lado de fora do colégio, porque precisava ir ao banheiro.
Estava lavando as mãos e abri a porta para sair, e de costas,
enquanto eu fechava-a, uma mão tapou minha boca e a outra me prendeu
pela cintura, fazendo-me voltar para dentro. Pensei em morder a mão de
quem quer que fosse ou tentar gritar, mas a maneira como me segurava era
possessiva e não deixava brechas para eu reagir. No entanto, a pessoa
finalmente me virou de frente, me olhou intensamente e, ao reconhecê-lo,
minha respiração se acalmou.
— Não grite, ou serei obrigado a te manter aqui até que todos
tenham ido embora. — falou baixo. Quando concordei, meneando a cabeça,
ele tirou a mão da minha boca, mas a outra que estava em minha cintura,
permaneceu.
— O que você quer?
— Eu realmente pensei que fosse mais inteligente — franzi o cenho
ao ouvi-lo, não entendendo o que ele queria dizer — Eu deixei bem claro
para aquele panaca ficar longe de você.
Arqueei as sobrancelhas, compreendendo a que Aidan se referia,
mas não dava para raciocinar direito quando seu cheiro me sufocava, seu
corpo estava tão perto do meu e seu hálito era sentido em minha pele.
— Ele é meu amigo. E honestamente, não acho que te devo
satisfação do que faço ou deixo de fazer. Nem nos conhecemos.
Parecendo irritado com minhas palavras, Aidan me prendeu ainda
mais contra seu corpo e, lentamente, foi chegando perto do meu rosto, me
levando a prender a respiração. Meu coração acelerou. Porém, ele desviou
da minha boca no último segundo, roçando o nariz na pele do meu pescoço,
como um viciado que necessitava de uma droga para sobreviver, traçando
um caminho para meu ouvido, causando formigamentos a ponto de eu
encolher o pescoço.
— Está avisada. — A ponta de sua língua encostou rapidamente no
lóbulo da minha orelha, antes de o Aidan me soltar, virar de costas e ir
embora. Foi quando eu finalmente soltei o ar preso em meus pulmões.
Esse cara queria mexer comigo, e isso estava bem claro. Mas por
quê?
É tão difícil dizer de que lado você está
Um dia é o inferno, o dia seguinte é o amanhecer
As linhas estão borradas, você
continua esfregando os olhos
As mesas viram, agora é hora de sobreviver.
Man Or A Monster - Sam Tinnesz
KIMBERLY

Eu havia chegado do trabalho há pouco, só deu tempo de tomar


banho, antes de, mesmo exausta, ter que ir para a cozinha fazer a comida da
minha mãe.
Alguns dias haviam se passado. Enquanto eu me vestia, de frente
para o espelho colado à parede do meu quarto, com a pintura esverdeada se
despedaçando, lembrava das atitudes do Aidan Blake para comigo. Todas
elas. E eu realmente não conseguia compreender a maneira como aquele
cara agia.
Em um momento, ele me aconselhava a ser inteligente e manter
distância dele, em outro, me tirava à força daquele lugar e trazia para casa.
Dias depois, me prendia no banheiro do colégio. E o que foi ainda mais
louco, eu permiti. Não houve um único momento em que, mesmo estando
abismada com sua atitude, pensei ou tentei impedi-lo. Talvez por medo
devido a sua má fama… O que sabia era que, de alguma forma, foi como se
eu quisesse ser notada por ele, não somente naquela noite, mas nos dias
anteriores e nos que se seguiram. Especialmente depois de perceber a
maneira com a qual ele vinha me olhando, como se quisesse me devorar.
No entanto, preferia não ficar pensando nisso, porque só me fazia
cogitar mil e uma possibilidades e, no final, não chegar a uma conclusão a
seu respeito.
Já vestida com meu pijama habitual de bolinhas, composto por uma
calça e uma blusa de mangas longas, abri a porta e caminhei em direção à
cozinha, passando pela sala, onde minha mãe estava sentada no canto do
único sofá que tínhamos, revestido com um tecido estampado em formato
de xadrez, já gasto, e com vários rasgos. Ela estava assistindo TV, com os
olhos focados na tela.
Parei por um instante, analisando a imagem do que um dia foi uma
bela mulher em aparência, mas permitiu que os vícios em cigarros,
maconha — talvez outras drogas — e bebida, a levassem a chegar onde
estava.
O que um dia foram cabelos longos e brilhosos, agora estavam
curtos e ressecados. Sua pele mais clara do que a minha estava ainda mais
branca, devido à falta de exposição ao sol. As olheiras abaixo dos seus
olhos causavam a impressão de profundidade. Seu olhar refletia a amargura
de sua vida. Era deprimente olhar para ela.
Mamãe segurava um copo com o que eu supunha ser uísque dentro,
a julgar pela cor amarronzada. E, vez por outra, bebia, sem tirar os olhos da
tela.
Suspirei em frustração, decidindo fazer o que era preciso, antes que
ela surtasse, caso a comida não estivesse pronta quando a fome chegasse.
— Quem era o dono daquele carro que te trouxe para casa naquele
dia? — quebrando o silêncio que imperava no ambiente, quando pensei que
ela nem mesmo tinha se dado conta de minha presença, como fazia questão
de deixar claro, mamãe perguntou.
Franzi a testa, porque pensei que ela não tinha reparado que eu tinha
sido trazida por alguém e, não, vindo de táxi, como era costumeiro.
— Ninguém importante. — respondi secamente e ouvi sua risada
ecoar.
— Não nasci ontem, Kimberly. Se não quer falar, certamente foi um
namorado. Só não sei como conseguiu um, sendo tão esquisita e sem graça
desse jeito. Provavelmente o rapaz não tinha opções. — Ela me lançou um
olhar desdenhoso, mas esse tipo de comentário feito por ela já não me
afetava mais. Na verdade, nessa situação, eu achava que minha mãe tinha
razão. Não fazia ideia do porquê o Aidan estava se aproximando de mim e,
com certeza, pensei na hipótese que dona Katy acabou de falar.
— Não se preocupe, realmente não é um namorado. Na verdade,
nem o conheço. — poupei explicações porque nem eu mesma entendia a
situação.
— Ótimo. Porque o cara que estou namorando vem jantar aqui essa
noite e vai trazer o filho dele para te conhecer. Troque esse trapo velho que
você chama de roupa e arrume essa cara, espero que ao menos uma vez na
vida consiga um homem decente, disposto a te bancar, porque eu não farei
mais isso — como se ela realmente me bancasse. Chegava a ser hilário,
quando, na verdade, todo o dinheiro que vinha entrando nessa casa, saía do
meu bolso. Era fruto do meu trabalho — Ah, e é claro, coloque mais dois
pratos na mesa. Mas acho que não preciso te informar sobre isso. — ela
sorria, mas não com os olhos, o que fazia uma dose de tristeza ser injetada
em minha artéria.
Me perguntava quando chegamos nisso. Quando deixamos de ser
mãe e filha, e passamos a ser nada além de duas desconhecidas. Mas a
resposta estava clara como água cristalina. Desde que o meu pai nos
abandonou quando eu era apenas uma menininha, a Katy me culpava. Me
tratava como qualquer coisa, menos como sua filha.
Não queria conhecer ninguém, mas não retruquei, sabia que não
adiantaria. Era melhor aceitar o meu destino e obedecê-la, ou as
consequências poderiam ser fatais. Mas tinha que admitir que sentia
vergonha de receber visitas com a nossa casa no estado em que se
encontrava. Ela, porém, parecia não se importar. E a julgar pelas pessoas
com quem a Katy andava, duvidava que se incomodassem com isso.
Finalizei a macarronada e deixei o frango terminando de assar no
forno, enquanto isso, fui fazer o que ela mandou. Trocar de roupa e ficar
mais apresentável para receber quem quer que fosse.
À medida que o fazia, ouvi quando o som da campainha soou e
suspirei longamente, querendo permanecer no quarto, mas sabendo que não
havia muito o que pudesse fazer.
— Kimberly! — ela elevou a voz para me chamar — Cadê essa
menina? — dessa vez, sua voz soou impaciente.
— Oi, mãe. — Retornei à sala antes que ela fosse até mim e sorri
sem a menor vontade.
Já sabia exatamente como deveria agir em situações como essa.
Estar atraente, sempre sorrir, ser educada e o mais simpática possível.
Talvez um robô tivesse mais liberdade do que eu.
— Essa é a Kimberly, minha filha — me apresentou aos dois
homens, para os quais nem fiz questão de olhar. Não diretamente a ponto de
notar suas características — É um desastre ambulante, mas fazer o quê?
Como diz o ditado: filhos, por que tê-los? — deu de ombros com
divertimento e o mais velho pareceu achar graça em suas palavras.
Senti meu estômago se revirar.
— Digo o mesmo desse aqui — apontou com a cabeça para o filho
— Não presta para nada. Nem mesmo para seguir os passos do pai. — Pelo
tom de sua voz, compreendi exatamente a que se referia, e senti nojo.
Não conseguia nem imaginar o que se passava na mente de pessoas
que colocavam filhos no mundo, desejando que seguissem seus passos,
ainda que os caminhos fossem tortos.
— Fala com ela, seu idiota! — trovejou para o filho, dando um leve
empurrão em suas costas, fazendo-o tombar para a frente.
— Oi — ele sorriu com timidez, me fazendo olhar para o seu rosto
pela primeira vez. O garoto não era feio, tinha um estilo comum entre os
rapazes da nossa idade, cabelos com topete, calça jeans-escuro e uma
camiseta branca, além de ser bem atraente. Aparentava ter a mesma idade
que eu e não parecia estar se agradando nada de estar aqui — Sou o Kaio…
é um prazer te conhecer. — Ergueu a mão para apertar a minha e, vendo-o
tão constrangido, retribuí seu gesto.
— O prazer é meu.
— A mesa está servida, vamos jantar. — mamãe falou, fazendo
menção para a acompanharmos, não dando a chance de a conversa
continuar.
Eles sentaram e eu, é claro, fui servi-los e só então me juntei aos
três. Enquanto minha mãe e o mais velho comiam e conversavam,
planejando meu futuro com o Kaio, eu gritava mentalmente, implorando
por socorro, para que um raio caísse e atingisse aqueles dois, ou qualquer
coisa que me tirasse daquela situação. Meu peito implodia. O desconforto
era visceral.
Eu mal toquei na comida, se fiz muito foi dar cinco garfadas.
Pedi licença para ir ao banheiro e, ao ver minha mãe menear a
cabeça, dando sua permissão, levantei.
Ao chegar ao cômodo, fechei a porta, sabendo que não tinha como
trancá-la porque a fechadura estava com defeito e a chave só abria e
fechava por fora. Abri a torneira e apoiei as mãos na pia, encarando a água
descendo pelo ralo. Sabia que não deveria fazer isso, porque se minha mãe
descobrisse que eu estava desperdiçando água, seria apenas mais um motivo
para me punir. Mas estava muito angustiada, queria sumir, da mesma forma
que o líquido incolor.
O som da fechadura se mexendo me fez rapidamente fechar a
torneira e olhar para a porta. Esperava ver minha mãe vindo reclamar da
minha demora, mas deparei-me com seu namorado, que entrou e a fechou
atrás de si, me impedindo de sair.
Ele se aproximou abruptamente, prendendo meu corpo entre o seu e
a parede, e cheirou meu pescoço.
— Se gritar, você morre… — sussurrou rente ao meu ouvido e me
fez sentir que segurava uma arma, roçando o ferro gelado em minha cintura.
— Por favor, só me deixe ir… Prometo não dizer nada a minha
mãe… — implorei, choramingando, e temendo o que poderia acontecer.
Ele riu.
— Você cheira muito bem — aspirou meu aroma — Quão bem você
sabe chupar um pau? Aposto que é virgem, deve ter a boceta apertadinha.
Sua mãe é boa nisso, mas já está velha. — Somente em citar isso, pude
sentir sua ereção crescendo. Era um pervertido.
Pisei em seu pé e tentei correr, mas ele segurou forte meu braço.
Com isso, meu corpo retornou na direção da parede e bati a cabeça em
cheio, sentindo-me tonta e algo escorrendo na parte de trás da cabeça. Meu
ouvido zuniu.
Ele riu, parecendo apreciar a cena.
Me segurando junto a parede novamente, colocou a mão por dentro
da minha blusa, segurando forte meu seio a ponto de me fazer sentir dor. Eu
travei os dentes, reprimindo meu sofrimento. Em seguida, subiu o tecido da
minha blusa, lambendo minha pele. Depois abriu a própria calça, a
deixando escorregar e pôs o pau para fora.
Nojo e repulsa era tudo o que eu sentia. Por alguns segundos, fechei
os olhos, me imaginando em um lugar diferente, distante dali. Um lugar
onde nada disso era real.
— Ajoelha! — sem gritar, ordenou e, amedrontada, obedeci,
sentindo todo meu corpo trêmulo.
Mesmo com nojo, quando iria fazer o que ele queria, a porta foi
aberta bruscamente.
— QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — A voz da
minha mãe ecoou e, o homem, fingindo inocência, me empurrou, fazendo-
me cair de bunda no chão.
— Bem que você disse que sua filha era uma putinha. Ela se
ofereceu para me chupar, mas eu neguei. Mesmo assim, ela continuou
insistindo.
Senti um nó na garganta. Como alguém podia mentir tão
descaradamente?
— Ele está mentindo, mãe — tentei me explicar, sentindo as
lágrimas embaçarem minhas vistas — Eu juro que não foi… — antes que
eu pudesse explicar, a Katy me segurou pelos cabelos e saiu me arrastando
para fora do banheiro, parando somente quando chegamos em meu quarto.
Minha cabeça, que já estava doendo pela batida na parede do
banheiro, doeu ainda mais, devido aos seus puxões. Ela não tinha pena.
Eu já sabia o que aconteceria, não precisava de orientações.
Enquanto ela pegava o cinto de couro no guarda-roupa, me ajoelhei e fechei
os olhos, esperando a surra, sentindo o sabor salgado das lágrimas em meus
lábios.
— Sua vadia! — a primeira cinturada veio com força, seguida de
seu xingamento por acreditar naquele monstro em forma de homem,
fazendo o ódio crescer em meu peito. Eu estava em fúria, queria que o
mundo se acabasse ao meu redor, que o inferno a levasse, que a morte me
acolhesse em seus braços.
Em seguida, veio a segunda, que fez meu corpo se arrepiar com o
ardor. A terceira. Ela nunca parava antes de estar cansada. E me ver
sangrando.
Aguardei a quarta, mas ela não veio. Ainda de olhos fechados,
chorando silenciosamente, ouvi um barulho que parecia ser de alguém
apanhando, mas permaneci do mesmo jeito, na mesma posição.
— Abra os olhos, Kimberly — minutos depois, ouvi aquela voz que
me era familiar, mas eu tive medo de fazer o que ele dizia. Tive medo do
que veria — Abra os olhos. — Dessa vez, sua mão tocou a pele do meu
rosto, seus dedos secando as lágrimas que não paravam de escorrer e sua
voz já não soava tão mansa como antes. Era uma ordem.
Minhas pálpebras se moveram e, mesmo em meio ao tremor, fiz o
que a voz ordenou, abrindo os olhos lentamente e encontrando o olhar de
quem eu menos esperava me encarando.
Olhei ao redor, minha mãe estava caída no chão, ainda segurando o
cinto, mas um lado do seu rosto estava meio avermelhado. Imediatamente,
deduzi o que havia acontecido, no entanto, não me dei tempo para pensar,
porque sabia que se o fizesse, mesmo sabendo quão mal ela me causava,
ainda assim seria capaz de ajudá-la.
— Vem comigo. — Foi tudo o que o Aidan disse, antes de me puxar
abruptamente pelo braço, me levando para fora.
Não fazia ideia do que havia acontecido com o tal namorado da
Katy e seu filho. O silêncio imperava naquela casa, mas isso era o que
menos me preocupava no momento.
Aidan me colocou em seu carro, como da última vez, e dessa vez eu
sequer cogitei fugir. Apenas encostei minha cabeça no banco de couro e me
deixei ser levada embora, seja lá para onde fosse.
Eu só queria desaparecer. Ainda que fosse com ele.
Insano, por dentro, o perigo me deixa louco
Não consigo evitar[...]
Eu amo o cheiro da gasolina
Eu acendo o fósforo para saborear o calor.
Play With Fire - Sam Tinnesz, Yacht Money
KIMBERLY

Na noite anterior, quando chegamos ao lugar que eu acreditava ser


sua casa, não me importei em saber para onde ele tinha me levado. Estava
muito atordoada para pensar em qualquer coisa que não fosse tudo o que
aquela noite de merda havia me proporcionado.
Eu tinha muitos questionamentos a fazer. Todos envolvendo o
Aidan. Mas não estava com cabeça para isso. E um deles era, como ele
havia chegado lá e me salvado.
Silenciosamente, paramos em frente a porta dupla e, ao invés de
abri-la logo para entrarmos, ele apenas ficou segurando a maçaneta, e
encostou a testa na madeira, como se estivesse pensando, o que me deixou
confusa.
Eu quis questioná-lo, perguntar o que estava acontecendo, e porque
ele não abria logo a porta, mas além de não estar bem emocionalmente,
sentia medo de falar qualquer coisa. O Aidan tinha aquela expressão
imponente que causava arrepios e calafrios. E eu me sentia uma louca por
estar com ele. Por querer estar perto, mesmo quando tudo ao seu redor me
dizia para ficar longe.
— Não faça barulho. — em um tom baixo, ele disse.
Ergui a cabeça e nossos olhares se encontraram. Havia muitas coisas
não ditas entre nós e isso era perceptível. No entanto, o Aidan andava por aí
mantendo aquela pose de “não chegue perto”, e não seria eu a quebrar a
bolha de sombriedade que o envolvia. Mesmo querendo.
Não respondi, o que ele entendeu como um sinal de que eu havia
compreendido o que falou, e abriu a porta.
Ele entrou primeiro e meus olhos passearam por cada canto da sala.
Com a imponência que Aidan exalava, eu jamais imaginaria que ele
morasse em um lugar tão aconchegante. Não era nenhuma mansão, mas
estava na cara que ele e sua família tinham uma boa condição financeira.
A sala tinha paredes em tom de bege, e a luminária de cristal presa
ao teto dava um contraste perfeito à decoração. Um sofá em formato de L
com tecido acinzentado e duas poltronas, uma de cada lado dele. Observar
isso me fez suspirar em frustração, pois fazia muito tempo que eu não sabia
o que era ter um lar.
Involuntariamente, uma sensação de vazio me preencheu e eu
precisei me esforçar muito para não ceder ao dissabor da amargura. Meus
olhos lacrimejaram e eu respirei fundo a fim de não desabar ali mesmo em
sua frente. Queria chorar, mas não na presença do Aidan. Ele poderia me
achar uma garotinha frágil. Fraca. E já era o suficiente minha mãe e outras
pessoas terem essa visão a meu respeito.
— Me siga. — Só percebi que ele estava se direcionando ao
corredor quando sua voz me tirou dos meus devaneios e Aidan meneou
brevemente a cabeça, fazendo menção para eu acompanhá-lo.
Cruzei os braços sobre os seios em forma de proteção, o que o fez
acompanhar meus movimentos com aquele seu olhar de predador. Assim
que ele deu o primeiro passo, eu o segui imediatamente.
O corredor estava escuro, iluminado somente pelo pequeno feixe de
luz que vinha do fim dele. Aidan virou a direita, subindo os degraus de uma
escada não muito grande e eu o acompanhei. Passamos por mais um
corredor e finalmente chegamos ao nosso destino. Um dos quartos.
Ele abriu a porta, ligou a luz e, calado, apenas moveu as
sobrancelhas grossas após ver que eu permanecia no mesmo lugar.
— Você vai ficar aqui.
— Aidan, eu… — murmurei, não tendo certeza se deveria
verbalizar o que estava em minha mente.
— Fala logo, Kimberly. Não tenho todo o tempo do mundo. —
apesar de sua expressão continuar intacta, seu tom de voz demonstrava
impaciência.
— Essa é sua casa? Por que me trouxe para cá? — senti meu
coração na garganta, o medo que eu estava sentindo naquele momento era
imenso. Não tinha medo do Aidan. Por incrível que pareça, estava me
sentindo segura com ele. O medo que habitava em mim era de que a Katy
descobrisse onde eu estava. E, principalmente, de como as coisas seriam
dali em diante.
— Entra. — Ignorando a minha pergunta, ele ordenou. Sua voz soou
cadente, levando arrepios por cada centímetro do meu ser. Um arrepio
gostoso, daqueles que sentíamos quando alguém sussurrava safadezas em
nossos ouvidos ou quando estávamos em meio a beijos e amassos.
Diante do cenário em que eu me encontrava, essa era a última coisa
que eu deveria sentir. Mas eu não podia mandar em meu corpo e mente. E
talvez, já estivesse tão acostumada com toda a merda que me cercava
durante boa parte da minha vida, que estivesse anestesiada.
Sem mais perguntas, entrei no quarto, sem saber o que fazer,
especialmente por ter certeza de que o Aidan estava me observando.
Conseguia sentir uma chama ardente emanando dele e pulsando em minha
nuca.
Olhei em volta, analisando tudo que tinha ali. Aparentemente, era
um quarto de hóspedes. Não tinha uma decoração específica, como se
pertencesse a alguém. As paredes tinham o mesmo tom da sala, uma cama
de casal bem-organizada, com vários travesseiros dispostos sobre ela. Uma
mesa de madeira e cadeira num canto próximo, uma cômoda envernizada,
com várias gavetas, e um guarda-roupa que parecia bastante espaçoso. A
janela de vidro filmado estava fechada, com uma cortina escura aberta.
Quando virei-me de frente para a porta, pensando que o Aidan havia
ido embora, ele estava parado perto de mim. Perto o suficiente para eu
sentir seu poderoso cheiro de perfume, suor e testosterona invadir minhas
narinas, fazendo meu coração disparar.
Meu peito bateu em sua barriga e eu olhei para cima, encontrando
seus olhos que não se desviavam dos meus. Por um instante, o ar ficou
rarefeito, as paredes pareciam se mover, como se estivessem se fechando,
deixando o cômodo menor do que era. Senti dificuldade para respirar.
Aidan pôs uma mão em meu queixo, segurando com firmeza, não
permitindo que eu me movesse e, involuntariamente, eu entreabri os lábios,
arfando baixinho.
— Não faça perguntas das quais não quer saber a resposta. Eu te
trouxe, você está segura aqui e é isso o que importa — No último segundo,
mirou minha boca e, antes que eu percebesse, passei a língua nos lábios —
Não saia daqui sem a minha permissão. Deixe a porta trancada e só abra
para mim.
Ele me encarou por um tempo, para ter certeza de que eu o
obedeceria, e em seguida, me soltou, batendo a porta atrás de si, me
deixando sozinha e desnorteada.
Sabia que não seria confortável dormir com a roupa que eu estava,
mas o Aidan já tinha feito muito, me salvando daquele covil de cobras, por
isso, não o incomodaria. Talvez amanhã eu falasse com ele. Mas aí pensei
por quanto tempo ele planejava me manter ali, e no mesmo instante, senti
minha cabeça latejar. Toquei no lugar onde havia batido e machucou, o
sangue já estava endurecido.
Deitei-me na cama em posição fetal, com as mãos embaixo da
bochecha, fechando os olhos, tentando imaginar o que seria de mim dali em
diante. Foi quando senti meu peito apertar, lembrando dos acontecimentos
dessa noite, e sabendo que eu estaria sozinha, sem ninguém por mim, chorei
silenciosamente.

Meu pescoço estava um pouco dolorido, possivelmente pela posição


que dormi. Eu tinha um péssimo jeito de dormir, nunca acordava da mesma
forma que dormia.
Aparentemente, havia amanhecido, porque a claridade tentava
adentrar pela janela. Olhei ao redor, percebendo que não estava em meu
quarto, o que me trouxe recordações da noite anterior, e notando que
minhas lágrimas haviam secado, não sabia como me sentir diante de tais
pensamentos. Se alívio, por estar longe da Katy e tudo o que viver sob o
mesmo teto que ela me fazia passar, ou medo, por saber que com o Aidan
poderia ser muito pior.
Passei a mão no rosto, mandando para bem longe todos esses
pensamentos e energias negativas, e analisei o que faria. Eu tinha que ir
para a escola e, à tarde, precisava trabalhar, no entanto, não havia trazido
roupas. Além disso, meu material escolar ficou na casa da Katy.
Levantei, caminhando até a porta, que não lembrava de ter trancado
antes de dormir, mas ao girar a maçaneta para baixo, notei estar trancada.
Contudo, tinha uma chave presa num cordão, atrelado a maçaneta e eu a
abri.
Olhei em volta, não sabendo para onde ir, nem o que fazer. Tudo
estava em silêncio. O Aidan tinha sido muito claro ao dizer que eu não
deveria sair dali sem sua permissão. Estava sem meu celular, o que
dificultava para eu visse as horas, ou até mesmo pudesse me comunicar
com alguém.
Desobedecendo às suas ordens, decidi sair. Antes disso, dei uma
olhada em volta e tinha um quarto bem ao lado do que o Aidan me
hospedou. Pensei em bater, pois poderia pertencer a ele, mas e se fosse de
outra pessoa? Desisti no mesmo instante.
Caminhei a passos curtos, como se pisasse em ovos, não querendo
ser vista por ninguém e senti meus batimentos cardíacos aumentarem em
receio. Eu estava fazendo besteira e tinha consciência disso.
O corredor estava vazio, e ao chegar ao primeiro degrau da escada,
ouvi o som de vozes alteradas. Tomada pelo bichinho da curiosidade, fui
descendo o mais devagar possível, tentando não ser vista por quem quer que
fosse. O piso da escada era de madeira, e isso poderia me ferrar. Para minha
desgraça, quando pisei no penúltimo degrau, um barulho de madeira ecoou,
fazendo duas mulheres olharem em minha direção.
Não consegui ver quem eram, não fiquei esperando para olhar
detalhadamente suas faces, fui rápida em me abaixar, na tentativa de me
esconder atrás do corrimão de vidro texturizado, mesmo sabendo que isso
era algo impossível.
— Quem é você? — Meu coração, que já estava acelerado, acelerou
ainda mais, a ponto de me fazer senti-lo na garganta, quando ouvi a voz
feminina principal da conversa.
Eu estava de cabeça baixa, mas não havia o que ser feito, precisava
enfrentar a consequência do meu erro e desobediência.
— E… Eu… — gaguejei, amedrontada pela expressão da mulher
parada a minha frente.
Ela não somente era muito bonita, alta, vestida de maneira
requintada e muitíssimo elegante, como emanava desprezo com apenas um
olhar.
— Como entrou nessa casa? Você é mais uma das ninfetinhas do
Aidan? — No momento em que a escutei, murchei, sentindo-me um nada.
Pelo visto, essa era mais uma pessoa para me tratar como se eu fosse um
lixo.
— Eu… Me desculpe, estou indo embo… — estava prestes a girar
nos calcanhares para subir a escada de volta ao quarto, quando fui
interrompida.
— Você não vai a lugar nenhum. — a voz dele reverberou por toda a
casa como um trovão. A sensação que eu tinha era que tudo havia
estremecido. Mas, na verdade, era só meu ser que se abalava toda vez que
ele chegava perto. Com aquele olhar e imponência que me faziam arfar e
desestruturar.
Assustada, parei onde estava, com a respiração ofegante.
— Então, eu estava certa. Essa é mais uma das putas que
frequentam seu quarto e não passam de uma noite. — A mulher parecia
querer me afetar com suas palavras. E estava conseguindo.
— Escute-me bem, Susan — eu queria me pronunciar, dizer que não
era necessário que ele a repreendesse por minha causa, mas tinha medo de
sua reação, por isso preferi me manter calada — Fique bem longe dela. Se
ousar se meter com a Kimberly, eu acabo com você. — ele apontou o dedo
na cara dela.
Sem esperar que a mulher, que eu não fazia ideia do grau de
parentesco ou intimidade que tinham, dissesse algo, Aidan me segurou
firme pelo braço e me levou escada acima de volta ao quarto. Não era
preciso ser um gênio para saber que ele estava aborrecido. Bastava olhar
para seu semblante fechado, seu maxilar travado e as narinas soprando
forte.
Ao entrar no quarto, ele bateu a porta com força e veio até mim, me
fazendo recuar e encostar numa das paredes. Eu o encarava assustada.
Percebendo que não havia mais para onde recuar, me senti
encurralada por ele e sua aura dominadora. Sua mão pairou bem acima da
minha cabeça, ele estava suado, como se estivesse acabado de se exercitar.
Suas bochechas coradas, talvez pelo esforço, seus lábios ainda mais
chamativos do que o normal.
Meu peito subia e descia freneticamente, parecia que não havia ar
suficiente para eu respirar.
Tentei me mover e acabei tropeçando, só não caí porque, com uma
mão possessiva em minha cintura, ele me segurou.
Seus olhos desceram até meus seios, ele lambeu lentamente os
lábios, depois voltou a me encarar.
— Essa será a última vez que você desobedece uma ordem minha,
Kimberly. A partir de agora, minha palavra para você será lei — sua voz
estava quase sussurrada, e não foi necessário que ele dissesse mais nada,
pois, no segundo em que o Aidan se calou, eu assenti com um menear de
cabeça — Vou trazer suas coisas e um kit de primeiros-socorros para você
cuidar do ferimento em sua cabeça — como ele sabia dessa parte? — Tome
banho e se vista. Temos que ir para a escola.
Me soltou e virou-se, indo embora, e eu finalmente consegui soltar o
ar que nem percebi haver prendido.
Alguns querem te usar
Alguns querem ser usados por você[...]
Eu vou usar e abusar de você
Eu tenho que saber o que há dentro de você.
Sweet Dreams - Marilyn manson
KIMBERLY

Eu não sabia quem era aquela mulher, e apesar de querer muito


questionar o Aidan sobre isso, principalmente por ele ter me trazido para
sua casa sem avisar a ninguém e, como se não bastasse, parecia ter algum
tipo de atrito com ela, sabia que não deveria fazer isso. Ele era o tipo de
pessoa de poucas palavras. E não precisava ser muito inteligente para saber
disso. Em pouco tempo que o conhecia, o Blake já havia deixado claro que
só falava quando queria. Fazia apenas o que queria, e eu precisava apenas
ser grata por ele me tirar daquele inferno onde eu vivia com o próprio
diabo, e me manter em segurança.
Como prometido, ele me trouxe roupas para que eu pudesse ir à
escola, no entanto, eu não reconhecia nenhuma daquelas peças. E era até
um pouco diferente do meu estilo. Mas eu gostei. Ele havia comprado
roupas novas para mim? Pensar nisso fez meu coração bater mais forte, e
um pequeno sorriso escapar dos meus lábios.
Eu podia imaginar a cara da Evy se me visse agora, gostando de
estar na casa do Aidan. Ela provavelmente diria que eu estava louca, que
perdi completamente o juízo e a noção. E talvez eu realmente estivesse.
Porque, por melhor que estar longe da Katy pudesse parecer, depois da cena
que presenciei entre o Aidan e aquela mulher no andar de baixo, havia a
possibilidade de eu ter me enfiado em um covil de cobras pior do que o que
eu vivia.
Estávamos no carro dele, indo para o colégio. Sentia-me nervosa,
não tinha muita certeza se queria ser vista com ele diante de tantos boatos
ruins a seu respeito.
Eu segurava forte alguns dos livros que não couberam na mochila,
sobre as pernas, as mãos suavam frio. E mesmo sentindo, por vezes, o olhar
dele sobre mim, encarei qualquer lugar, menos o Aidan.
Olhando em volta, ao notar o carro parado, percebi que estávamos
mais distante do colégio, o que me fez franzir o cenho.
— O colégio não é aqui… — quase gaguejei diante de sua aura
intimidante.
— Você fica aqui. Não quero e nem podemos ser vistos juntos. —
Com uma das mãos no volante, ele falou, só então me atrevi a olhá-lo
diretamente.
Meus lábios se entreabriram. Em minha mente, uma confusão se
formou. Se ele não queria ser visto comigo, porque diabos parecia se
importar?
Enquanto eu o encarava, suas sobrancelhas se arquearam, e eu sabia
exatamente o que ele queria dizer com esse gesto. Era um sinal de: “tá
esperando o quê?”
Contrariada, sem saber o que pensar, abri a porta do carro e,
segurando meus livros encostados no peito e a mochila nas costas, segui em
frente.
O clima estava gostoso, e eu também não estava muito longe do
colégio, na verdade, a cerca de uma quadra do Private.
Quando estava chegando ao portão, senti uma mão me puxar pelo
ombro e por pouco não caí.
— Que merda é essa? — assustada, virei de costas, me perguntando
quem era aquele ou aquela idiota, e me surpreendi ao dar de cara com a
Evy.
— Você tem que melhorar seus palavrões com urgência. É porra,
Kim. Não merda. — o escárnio em seu tom estava aparente, mas eu apenas
revirei os olhos.
— Bom dia para você também. Como foi sua noite? Porque a minha
foi uma merda. — E lá estava eu, outra vez, sem conseguir falar um mísero
e simples palavrão como a ocasião pedia, o que a fez rir.
— O que aconteceu com você? Aliás, que roupas são essas? —
Everly me olhou de cima a baixo, notando a diferença no que eu vestia — E
o principal, foi impressão minha, ou o Aidan te trouxe? Eu estava perto
daqui, no táxi, quando tive a sensação de ter te visto, pela janela, saindo do
carro dele lá atrás… — agora, seus olhos estavam semicerrados, como se
me analisasse.
Droga! Isso era tudo o que eu menos queria. Se o Aidan soubesse
que alguém nos viu, a coisa não acabaria bem.
— Muita coisa aconteceu desde a noite passada, Evy. Eu juro que
vou te contar tudo, mas agora temos que ir para a aula. — eu não a
desmenti sobre ter vindo com o Blake, mas tinha muitos alunos passando
pelo portão e eu certamente não queria causar um alarde.
Everly não pareceu apreciar minha resposta, especialmente porque
ela não deve ter esquecido da nossa aparição no bar e de como o Aidan agiu
de maneira estranha com relação a mim. Para ser sincera, nem eu mesma
entendi aquela atitude, e sempre que pensava sobre isso, minha cabeça doía
por cogitar tantas possibilidades. No entanto, apesar de tudo, ela não
retrucou e me puxou pelo braço para entrarmos.
As aulas foram extremamente entediantes, ou talvez o fato de eu
estar bem desligada e pensando no Aidan fossem a razão para isso.
Enquanto os professores faziam inúmeras explicações, eu lembrava do seu
olhar penetrante, da sua imponência, o poder que parecia ter sobre mim sem
nem mesmo perceber, ou talvez ele soubesse e fazia questão de usá-lo
contra mim.
Suspirei, lembrando daquela mão possessiva em minha cintura. O
jeito com o qual olhava minha boca, parecendo travar uma batalha consigo
mesmo para não ceder aos seus instintos. E eu me sentia uma idiota por
querer que um cara como aquele fizesse exatamente isso, cedesse, e me
tomasse para si.
— Senhorita Nelson? — fui obrigada a sair dos meus devaneios ao
ouvir o som da voz do professor de matemática ecoar em meus ouvidos.
Pisquei duas vezes, percebendo que não somente o professor, que
estava em frente ao quadro negro segurando um piloto, me olhava, como
todos os alunos também me encaravam. Alguns achando graça, outros com
desdém.
— Sim. — respondi, envergonhada e murchando os ombros.
— Responda a minha pergunta, por favor. — falou com seriedade.
— É… Eu… — engoli em seco, ficando ainda mais sem graça com
os olhares dos meus colegas de classe direcionados a mim.
— Desculpa, professor — percebendo meu nervosismo, a Everly se
pronunciou em meu lugar — A Kimberly não está se sentindo bem, ela teve
alguns problemas em casa e está com dificuldade para se concentrar. —
Meu coração, instantaneamente, se aqueceu com as palavras de minha
amiga. Ela não sabia o que, de fato, havia acontecido comigo, mas isso não
importava, a Everly sempre estaria lá para mim.
— Problemas todo mundo tem, senhorita Fisher, mas devemos
aprender a lidar com eles. A vida bate mais forte — ele foi extremamente
rude ao responder a Everly, como se eu não soubesse que a vida batia muito
forte, como se não sentisse isso na pele — Que isso não se repita em minha
aula, senhorita Nelson. — e virou-se para a direção oposta, fazendo a
mesma pergunta que tinha feito a mim, para outra pessoa.
A aula foi obrigada a terminar, graças ao toque do sinal para o
intervalo, o que deixou o professor com raiva. Parecia uma atitude comum
entre os docentes de matérias exatas.
Eu estava de pé, guardando meus pertences na mochila, quando,
mais uma vez nesse mesmo dia, meu braço foi puxado. Não tive nem tempo
para pensar. A Everly era uma típica curiosa e tinha dificuldade em esperar
por qualquer notícia ou fofoca.
— Agora, pelo amor de qualquer coisa, me conta o que aconteceu.
— paramos em um corredor, um pouco distante da nossa sala, quando ela
pediu suplicante.
— Acho que aqui não é o lugar apropriado… — praticamente
sussurrei ao ver o Aidan saindo de sua sala, que ficava no mesmo corredor,
e direcionando seu olhar inexpressivo para nós.
Isso enviou uma onda de calafrios por todo o meu corpo. E, pelo
visto, eu não fui a única afetada por sua presença, porque as pessoas que
passavam em frente a sala dele, ao vê-lo saindo, apertavam os passos para
sair de seu campo de visão. E o faziam com expressão de medo.
— Tudo bem. Vem comigo, sei o lugar perfeito. — Enquanto o
Aidan capturava meu olhar, me fazendo arfar, não dando a menor
importância para o cara que estava ao seu lado falando horrores, a Evy
tentava me fazer andar, mas eu permanecia parada no lugar. A sensação que
eu tinha era de que o Blake seria capaz de tirar meus pés do chão sem me
tocar, somente me encarando como fazia.
Ele até parou e se encostou numa parede, cruzando os braços sobre
o peitoral definido, fazendo seus músculos se contraírem. E passou a língua
nos lábios. Cada um de seus movimentos pareceram acontecer em câmera
lenta diante dos meus olhos. E mesmo com seu amigo ainda falando com
ele, sua atenção continuava em mim.
— Já entendi tudo. — ao dizer isso, Everly finalmente conseguiu me
trazer à realidade.
— Entendeu o quê? — ela dividia a atenção entre mim e o Aidan —
O quê? Não, não é nada disso…
— Só vem comigo, Kimberly. — Ela estava muito impaciente e
começou a andar. Dei uma última olhada no Blake, que continuava no
mesmo lugar e do mesmo jeito, e segui logo atrás dela.
Caminhamos pelos corredores, e Evy entrou no banheiro feminino.
Observou se tinha mais alguém além de nós, olhando cada cubículo por
debaixo das portas e, ao se certificar de que estávamos sozinhas, elevou a
voz:
— Eu disse para você ficar longe do Blake! Você perdeu a porra do
juízo? E nem me venha com desculpinhas esfarrapadas. Eu vi o jeito como
estavam se olhando agora a pouco, não minta para mim, Kimberly! — além
de quase gritar, ela também gesticulava excessivamente.
Fiquei calada por um tempo, pensando no que dizer, mas não havia
outra forma de explicar a não ser dizendo a verdade.
— Ele me ajudou, Evy. — murmurei.
Ela riu com escárnio.
— Ajudou? E desde quando o Blake ajuda alguém? Ele é um
delinquente, Kimberly. Um delinquente, droga! — respirou fundo ao falar a
última palavra.
— Eu não entendo…
— O que você não entende? — agora ela estava um pouco mais
calma — Esqueceu da forma como ele agiu no bar e te levou embora de lá?
Analisa as consequências dos seus atos, Kim. Acha que ele está interessado
em você? Pode até estar, mas logo depois que transar com você, vai fingir
que você não existe.
Imediatamente, franzi o cenho, estranhando a maneira como a Evy
falou. Não pelo que ela disse, mas por parecer ter tanta certeza de que isso
aconteceria, como se já tivesse sentido aquilo na pele.
Percebendo como eu a olhava, engoliu em seco e arranhou a
garganta.
— Eu só não quero que se machuque, Kim. Apenas isso.
— Mais? Acha mesmo que algo mais pode me machucar? — falei
com amargura, sentindo o dissabor do ódio em minha língua. Inclusive,
abaixei a cabeça, lembrando das surras que levei da Katy ao longo da vida.
Everly se calou, me lançando um olhar de pena, o que me deixou
frustrada, angustiada e com raiva. No fundo, por ser minha melhor amiga e
saber de toda a merda da minha vida, eu esperava que ela tivesse palavras
de consolo para mim em momentos como esse. Eu sempre esperava.
— É melhor a gente sair daqui. Ainda não lanchamos e o horário do
intervalo passa rápido. — minha amiga parecia tão sem graça, que ao invés
de continuar o assunto que tanto queria saber, apenas disse isso.
— Tudo bem. — decepcionada, concordei.
No refeitório, sentamos numa mesa junto a alguns dos nossos
colegas, e enquanto eles se entrosavam em meio a conversas infinitas e
risadas, eu apenas pensava nas palavras da Everly ditas no banheiro.
Ele é um delinquente.
Delinquente.
Ele vai transar com você e fingir que você não existe.
Cada uma de suas palavras faziam eco em minha mente, fazendo
meu coração estremecer.
Talvez eu precisasse prestar atenção no que ela dizia, afinal, por
mais que eu me sentisse tentada a ter algo com o Aidan, além de sermos
amigas, ela o conhecia há muito mais tempo e deveria saber do que estava
falando.
O horário do intervalo acabou e retornamos para nossas salas. As
aulas não demoraram a acabar, e quando eu estava andando por uma rua
que daria para a lanchonete onde trabalhava, parei assustada ao perceber
estar sendo seguida.
Não quis olhar para o lado para saber quem era, mas à medida que
apertava os passos, quem quer que estivesse dirigindo, aumentava a
velocidade, e se eu diminuía, a pessoa fazia o mesmo.
— Aonde pretende ir a pé? — o som do vidro abaixando, seguido de
sua voz que bombardeava tudo dentro de mim, me fizeram olhar para o
lado.
Ele estava lá, segurando o volante com uma mão e o braço esquerdo
apoiado na janela, olhando para a frente, com aquela expressão de “fodam-
se todos”.
— Estou indo trabalhar.
— Ainda trabalha naquela porcaria de lugar? — ele parecia
surpreso, finalmente me encarando.
— Sim.
— Onde pretende almoçar?
— O que você quer, Aidan? Qual o seu objetivo com tantas
perguntas? Não precisa se sentir na obrigação de cuidar de mim só por ter
salvado a minha vida. Eu agradeço, mas não vejo motivos para…
— Entra. Vou te levar para comer alguma coisa, depois te deixo no
trabalho. — me interrompendo, e não dando a menor importância às minhas
palavras, ele disse, meneando brevemente a cabeça para dentro do carro.
— Você ouviu o que eu disse? — questionei.
— Sim, e não ligo. Vamos, entra.
Fiquei parada, lembrando das palavras da Everly. Eu sabia que não
deveria entrar naquele carro, um alerta vermelho soava alto em minha
cabeça, mas, no fim, como se minhas pernas tivessem vida própria, lá
estava eu, caminhando para o lado do passageiro, abrindo a porta e
sentando no banco. Eu era muito idiota.

— Você contou a sua amiga? — estávamos num restaurante bem


simples, esperando nossos pedidos chegarem, quando ele, recostado em sua
cadeira, perguntou.
— Não. Mas ela não é burra, tirou as próprias conclusões.
— Não importa o que diga — repentinamente, o Aidan se inclinou
para a frente, segurando firme em meu braço sobre a mesa, e sussurrou
entredentes para que só eu ouvisse e mais ninguém percebesse o que estava
acontecendo — Faça ela entender que não há absolutamente nada
acontecendo entre nós. — Sua expressão direcionada a mim era animalesca
e agressiva, o que me fez engolir em seco.
Fiquei calada, então ele apertou mais a mão em meu pulso, e eu fiz
uma careta de dor.
— Responda.
Meneei a cabeça, com os olhos quase fechados, concordando.
— Si… Sim…
— Ótimo. — Me soltou e, como se nada tivesse acontecido, voltou à
sua posição anterior, e em seguida, nossos pedidos chegaram.
Fiquei bastante assustada com isso. Pensei que ele estivesse sendo
gentil e amável, mas talvez eu quisesse ver algo nele que não existia. Cada
vez mais, a Evy parecia ter razão. Eu deveria me manter afastada do Blake.
Mas por que eu não conseguia?

— Chegamos. — Blake disse ao parar em frente ao meu trabalho.


Sem dizer nada, eu iria abrir a porta para sair, quando sua mão veio
sobre a minha na maçaneta, me fazendo sentir faíscas entre nós. Borboletas
dançavam em meu estômago, e olhando para ele, senti uma vontade imensa
de beijá-lo. Até engoli em seco com a forma com a qual me encarava.
— Que horas você sai?
— Às 17h.
— Ok.
Aidan desviou o olhar do meu e, confusa, eu apenas segurei meus
pertences e saí do carro.
— Estarei te esperando na saída. — Foi tudo o que ele disse, antes
de acelerar o carro, nem mesmo esperando que eu fechasse a porta, e saiu
cantando pneu, fazendo o vento balançar meus cabelos.
Eu estava cada vez mais ferrada.
Concentre-se em mim, querido
Eu tenho muito a dizer
Obcecado com seus modos, de me deixar louco
Está tão escuro, bloqueando a luz,
em seus olhos eu posso ver
O reflexo que eu nunca quis ser
Mas você me faz sentir tão bem.
Focus - Elvis Drew
AIDAN

Na manhã seguinte a que salvei a Kimberly, antes de me deparar


com ela e a Susan perto, eu estava muito aborrecido com todos os últimos
acontecimentos, e quando isso acontecia, a frustração me tomava em cheio.
Por que eu tinha que salvar a Kimberly? Por que eu tinha que me meter
nessa roubada?
Eu deveria ficar longe. Eu deveria manter minha palavra. Sabia tudo
que a minha aproximação com a Kimberly implicaria. E por que não estava
fazendo o que era certo? Eu realmente gostaria de ter a resposta para essa
pergunta, na verdade, eu tinha, só não conseguia admitir para mim mesmo
que estava ficando vulnerável a ela.
A Kimberly me trazia angústia e frustração. Ficar perto dela me
deixava triste, amargurado. E por quê? Simplesmente porque, com aquele
jeito inocente, aqueles olhos que, mesmo com tamanha merda que vivia
com a mãe, pareciam não enxergar a realidade em sua frente, ainda que esta
fosse esfregada em sua cara. Ela era o tipo de pessoa que se habituou a
viver daquela maneira, comendo o pão que o diabo amassou, mastigou e
defecou, achando estar satisfeita. Mas a verdade era que ainda permanecia
faminta. Seu corpo pedia por mais, mas sua mente aceitava o que lhe era
dado.
E eu um dia também fui essa pessoa, justamente por isso que ela me
deixava tão amargurado, porque eu detestava aquele garotinho, e o matei
muito cedo, para jamais voltar a ser ele.
Eu realmente estava tentando me afastar, ou achava estar, mas algo
parecia me puxar para perto de tudo o que a envolvia e, sem que ela
soubesse, passei a rondar sua casa. Passava horas ali, próximo a sua
residência, observando tudo, cada passo que ela e sua mãe davam. Tinha,
inclusive, entrado lá pela janela do quarto dela e colocado uma escuta em
cada cômodo daquela casa. E sentia ódio a cada momento que a mãe dela
agia de maneira rude com ela. Tinha vontade de ir até lá, acabar com a vida
dela e levar a Kimberly comigo.
É incrível como algumas coisas parecem ir de acordo com o que
desejamos ou planejamos, porque eu estava lá, vigiando-a, quando tudo
aconteceu. Ouvi cada uma das malditas palavras da mãe dela e daquele
homem. Senti nojo daquela mulher aliciadora. Era nitidamente uma
cafetina, vendendo sua própria filha, e a troco de quê?
E me vi perdendo a cabeça quando ouvi tudo o que estava
acontecendo naquele banheiro. Imaginando as mãos sujas daquele maldito
sobre a Kimberly. Ele não tinha o direito de tocá-la. Ninguém além de mim
tinha esse direito, porra!
Os pensamentos a respeito da Kimberly estavam cada vez mais
aflorados em mim. Estava enfrentando um conflito interno, me
repreendendo por tê-la tirado daquela casa, quando deveria ficar longe, e
ainda tê-la trazido para cá, sob o mesmo teto que a Susan. Ao mesmo
tempo, me sentindo possessivo em relação a ela, não querendo permitir que
desse um passo sem que estivesse debaixo da minha vista. Era uma droga
isso.
Eu até fingi não saber que ela ainda trabalhava na lanchonete,
mesmo tendo convicção de saber cada passo que ela dava...
Acordei muito cedo, depois de me certificar de que ela estava
dormindo e bem, e fui correr. Só havia três maneiras de não me permitir
sucumbir à merda da minha mente: transar, fumar maconha e, quem sabe,
encher a cara até perder completamente a consciência, se eu fizesse essas
duas últimas coisas ao mesmo tempo. No entanto, não estava muito afim de
foder uma boceta e era muito cedo para me encher de entorpecentes. Por
isso, escolhi me exercitar, assim conseguiria relaxar um pouco, ou pelo
menos achava que sim.
Confesso que, no meio do caminho, cogitei a possibilidade de ligar
para um dos meus muitos contatinhos, todas elas eram fodas fáceis e
gostavam de servir de ninfetinhas para mim, mas a porcaria da imagem da
Kimberly veio em cheio na minha mente, e eu rapidamente dispersei desses
pensamentos. Até quando isso continuaria acontecendo? Eu permaneceria
pensando nela e agindo de maneira precipitada, sabendo que não deveria
nem mesmo chegar perto dela?
Depois de correr por um bom tempo, já muito suado e,
honestamente, sentindo que o exercício não havia feito uma gota de efeito,
resolvi voltar para casa e não sabia dizer o que me deixou mais irritado, se
ver a Kimberly fora da porra do quarto como eu havia mandado, ou vê-la
falando com a Susan. Precisei de muito, muito autocontrole mesmo, para
não explodir.
Mas o que realmente mexeu comigo, e eu sabia que isso aconteceria
em algum momento, por estar tão perto dela. Do meu fruto proibido. Foi
entrar naquele quarto, levando-a de volta, e mirar aqueles olhos
amendoados e escuros, capazes de me fazer subjugar a mim mesmo e
questionar porque a estava mantendo aqui. Sua boca, que parecia emitir um
convite silencioso para beijá-la, sabendo que não devia. Seu cheiro de frutas
cítricas, que desde a primeira vez que senti, quando a prendi no banheiro
do colégio, parecia me intoxicar. Era angustiante pra caralho.
Seu jeito inocente, a maneira como parecia ver o mundo e as
pessoas de um jeito totalmente diferente de mim, me levavam a querer
escondê-la, protegê-la e não deixar ninguém, nenhum filho da puta chegar
perto. Mas sabia que isso jamais seria possível, porque eu estava nessa lista
de cretinos e talvez minha posição fosse bem no topo dela.
Eu podia mantê-la aqui, longe daquela mulher ordinária, que só de
lembrar me fazia querer voltar lá e terminar o que comecei, matando-a, mas
não podia iludir a Kimberly, fazendo-a pensar que teria algo a mais entre
nós. Porque não teria. Ainda que o diabinho em meu ombro esquerdo
sussurrasse em meu ouvido para tomá-la para mim, dominá-la e fazê-la
minha.
Eu não sabia mais o que fazer.
— Pensei que a vagabundinha voltaria com você… — com
sarcasmo escancarado na voz, Susan, minha madrasta, me fez parar no
lugar enquanto eu pegava uma garrafa dentro da geladeira para beber água.
Ignorando a sua presença e fingindo que não era comigo que ela
falava, depois de pegar a garrafa, estiquei o braço até a parte superior do
armário ao lado da geladeira e peguei um copo, enchendo-o.
Soltei aquele famoso som de satisfação após bebê-la, debochando
dela. Sabia bem que a irritaria.
— Por que a trouxe para cá? Ela não parece fazer o seu tipo.
Virei de frente para a Susan, observando-a. Ela usava um conjunto
de calça e cropped brancos. Seus cabelos longos, negros e alisados jogados
sobre os ombros. Eu não poderia jamais negar que ela era muito bonita e
extremamente sexy. Na verdade, ela exalava um poder de sensualidade
capaz de acabar com a vida de muitos homens — só o meu pai não percebia
isso, era idiota demais. Estava muito mais interessado em exibir sua esposa
dez anos mais nova do que ele por aí, como um troféu. Enquanto isso, ela
enchia sua cabeça de chifre e gastava seu dinheiro. E fazia outras coisas,
das quais eu preferia deixar escondido a sete palmos da terra. Era
angustiante.
Susan tirou os óculos escuros dos olhos, passando a língua sobre os
lábios com preenchimento labial e os repuxou levemente em um sorriso de
canto.
— Você parece conhecer bem o meu tipo, não é mesmo, querida
Susan? — entrando em seu jogo, refutei seu argumento usando do mesmo
tom. E isso nunca soou tão bem.
— Você sabe que sim… — ela deu alguns passos em minha direção,
e rapidamente eu recuei.
— As pessoas mudam, querida Susan. Que isso fique bem claro —
a mulher mais velha tentou me tocar, mas eu me afastei antes que ela
conseguisse — Se me der licença… — saí da cozinha, caminhando
impaciente. Eu precisava extravasar. Não somente por ter que lidar com
essa mulher infeliz toda vez que meu pai não estava presente, como também
por estar com a mente cheia de pensamentos a respeito da Kimberly.
E só havia uma forma de fazer isso…

— Hum… Hum… — eu grunhia entrecortado, sentindo o gozo se


aproximando com força enquanto fodia a boca de uma ninfeta. Mas não era
ela quem eu via ajoelhada à minha frente, era a imagem dela, a mesma
garota que vinha fodendo com minha mente e me deixando viciado. Se eu
já me sentia assim sem nem a ter tocado, tentava imaginar como seria se a
tocasse. E essa foi a maior besteira que fiz, porque, ao fechar os olhos, vi
seu rosto perfeitamente desenhado e minha porra jorrou com força na boca
da puta que me engolia.
Ela tentou se afastar, mas segurei forte seus cabelos, a impedindo,
até que engolisse a última gota que saía de mim, mesmo que engasgasse.
Não estava nem aí. Era para isso mesmo que ela estava ali, para me servir,
da forma que eu quisesse.
Não sabia quanto tempo havia ficado naquele quarto, e o fato de ser
escuro e não ter janelas, impedia qualquer pessoa ali dentro de saber se era
dia ou noite. Mas com certeza já devia ser tarde, o que me lembrou que eu
precisava buscar a Kimberly no trabalho, e provavelmente devia estar
atrasado. Droga!
Não era a primeira vez que eu lidava com aquela mulher, por isso
ela já sabia como as coisas funcionavam. Enquanto eu me limpava e vestia,
ela colocava o sobretudo para tapar a lingerie que usava e ir embora. No
entanto, sempre me aborrecia quando, antes de sair, tentava beijar minha
boca.
— Você conhece as regras. — com seriedade, a impedi, colocando
uma mão espalmada em frente ao seu corpo.
— A vida é muito mais gostosa quando quebramos as regras. —
Com um sorrisinho sugestivo, ela tentou me beijar de novo.
— Eu disse não! — não cheguei a gritar, mas a fiz assustar com meu
tom de voz elevado e, dessa vez, segurando rudemente em seu braço. Sabia
que ficaria marcado por meus dedos, mas dane-se! Se ela se recusava a me
obedecer, tinha que pagar pelos seus atos.
Ainda segurando-a, a arrastei em direção a porta, abrindo-a e
soltando a mulher do lado de fora, no corredor vazio e escuro. Ela se
desequilibrou sobre os saltos e caiu de bunda no chão com uma expressão
de incredulidade.
— Se manda. — não precisei dizer mais nada, ela levantou e foi
embora, assustada.
Repuxei os lábios em um quase sorriso, contente com sua reação.
Estar no controle das coisas me dava vida.
Agora eu precisava me apressar, tinha coisas muito mais
importantes para fazer.
Tranquei bem a porta do quarto, que ficava num corredor
subterrâneo da casa, e somente eu tinha acesso, antes de sair.

Tinha acabado de estacionar em frente à lanchonete onde a


Kimberly trabalhava. Ela disse que sairia às 17h e, olhando as horas no
celular, ainda faltavam cinco minutos. A última coisa que eu queria era
parecer um adolescente com os hormônios à flor da pele.
Ri internamente, porque era exatamente isso que eu era. Ou pelo
menos dessa forma que me sentia. Eu nunca tive namoradas, sempre foi um
casinho aqui e ali, uma boa foda e tchau. Todas elas sabiam como as coisas
funcionavam comigo. Mas tinha algo diferente nessa garota. Algo que,
mesmo me odiando por ceder aos meus instintos, não me deixava pensar
racionalmente.
E aqui estava eu, feito a porra de um príncipe encantado, esperando
pela donzela. Uma grande merda!
Pelo vidro do estabelecimento, a avistei. Ela estava sorridente, se
despedindo de alguém e colocando a mochila no ombro. Aquele sorriso
mexeu comigo de um jeito que nenhum outro jamais fez. Eu poderia passar
horas admirando seu sorriso, sua pele, seu corpo e não me cansaria.
Suspirei longamente. Onde eu estava com a cabeça? Certamente era
apenas tesão reprimido falando por mim. Cheguei a imaginar como ela seria
na cama, ouvir seus gemidos, admirar seu corpo. Ela presa de diversas
formas…
Foi quando um som de gritos ecoou em meus ouvidos. Era ela.
Atordoado, saí do carro em disparada e caminhei até a porta daquele
lugar em frenesi.
— Você estava se insinuando pra mim, agora foge… Que beleza,
isso vai ser muito mais interessante. — tinha um homem, aparentando seus
quarenta e poucos anos, segurando-a pela cintura e colocando a mão por
debaixo do uniforme dela. Aquilo me enfureceu de um jeito louco.
Se tinha mais algum funcionário lá, certamente deveria ter ido fazer
alguma outra coisa, porque onde a Kimberly estava, só havia ela e o filho
da puta que a tentava tocar.
— Eu não fiz nada, moço… — assustada, ela gaguejava — Vim
apenas te atender… — seu olhar de medo tornava o ódio em meu ser por
aquele cuzão, ainda maior.
Eles não me notaram. Continuei andando, parei bem atrás dele, e
segurei forte sua nuca, pressionando sua cabeça na mesa.
— Que porra é isso? — perguntou alterado e tentando levantar a
cabeça.
— Quem faz as perguntas aqui sou eu. — falei com o maxilar
trincado e pressionando a cabeça dele novamente.
— Meu pescoço tá doendo, cara.
— Eu. Já. Disse. Que. Quem. Fala. Sou. Eu. — falei entredentes,
sendo cada vez mais consumido pelo ódio — Você a conhece?
— Não.
— E por que a tocou?
— Eu não…
— Cala a porra da boca! — dessa vez, bati sua cabeça na mesa e ele
gemeu de dor — Você tem irmã?
— Tenho duas. — sua voz saiu abafada por estar meio pressionada a
mesa.
— Acredito que não gostaria que eu ou qualquer outro babaca de
merda como você tocasse nelas, certo?
— Não. Eu mataria… — sua resposta foi exatamente o que eu
esperava, o que me fez sorrir de um jeito sádico.
— Ótimo. Porque é exatamente o que eu quero fazer com você
agora.
— Aidan… — a doce e melódica voz dela me tirava do eixo desde a
primeira vez que ouvi. Precisei respirar fundo para me manter concentrado.
— Você vai me matar? — o otário gaguejou.
— Eu deveria, né? — fingindo que o deixaria em paz, soltei seu
pescoço, me virei de frente para a Kimberly, vendo sua face assustada, e
voltei com a mão em punho na direção do rosto do homem, socando seu
nariz em cheio. Tinha quase certeza de tê-lo quebrado, porque ele o segurou
e escorria sangue — Isso foi apenas um aviso. Deveria ser grato por ser
apenas um soquinho. Você sobrevive. Agora, mete o pé, antes que eu perca
o pouco de paciência que ainda me resta.
— Você quebrou meu nariz, seu… — com algumas lágrimas
ameaçando escorrer de seus olhos, proferiu.
— Se eu fosse você, não continuaria. — Vendo como eu o encarava,
e se borrando de medo, ele apenas se virou e foi embora.
— Aidan… — Kimberly tentou falar, mas eu não permiti. Se não
saíssemos dali agora, eu poderia ir atrás daquele filho da puta terminar o
serviço.
— Shiii!!! — Coloquei o dedo indicador em frente aos lábios e
estendi a mão para Kimberly.
Ela hesitou. Estava trêmula e a vontade de abraçá-la e dizer que tudo
ficaria bem quase me consumiu. Mas eu não poderia fazer isso. Não seria
eu.
Kimberly aceitou minha mão, eu peguei a mochila de suas costas e
seus livros que estavam caídos no chão, indo para fora da lanchonete.
A coloquei sentada confortavelmente no banco do passageiro,
passando o cinto em volta do seu corpo, pus sua mochila no chão do carro e
seus livros sobre suas pernas. Me senti absurdamente tentado a acariciar seu
rosto, até levantei a mão, mas a abaixei antes de fazê-lo, fechando os olhos
para me conter.
— Ei — sua voz transpassou as barreiras do órgão sangrento dentro
do meu peito, que imediatamente acelerou — Olha pra mim, Aidan. —
Kimberly segurou meu rosto com delicadeza, sua mão pequena e macia. Foi
inevitável que eu abrisse os olhos e a encarasse, mesmo sabendo que
poderia me perder naquela imensidão escura.
Nesse momento, eu vi algo que preferiria nunca ter visto. Em seu
pulso, havia marcas, e se tinha alguém que conhecia bem essas marcas, era
eu.
Foi inevitável não puxar seu braço, vendo cada uma de suas
cicatrizes. Meu maxilar se contraiu, meus músculos tensionaram. E,
internamente, eu urrei.
Aflição e medo era o que eu sentia. Por um instante, voltei a ser o
garotinho de doze anos indefeso.
— Isso não é nada… — percebendo o que eu olhava, tentou puxar o
braço, mas foi em vão.
Eu analisei cada uma das marcas ali presentes. Por que tinha que ser
logo ela? Por que essa porra tinha que ter acontecido com a Kimberly?
Eram essas as perguntas que rondavam a minha mente.
— Quem fez isso? — perguntei.
— Não precisa se preocupar. Por que está assim, tão transtornado?
Eu estou bem. Está tudo bem. — ela praticamente sussurrava e eu pude
analisar, mais uma vez, seus olhos, cada traço em seu rosto refletido sob as
luzes dos postes que se acendiam um a um sobre nós ao pôr do sol. E como
era linda.
Não conseguia tirar meus olhos dela e até engoli em seco.
— Porque ninguém pode tocar em você.
Olhe-me nos meus olhos
Diga-me que não está tudo bem
Oh, as pessoas não estão felizes[...]
Você pensou que poderia ficar livre
Mas assim é o Sistema.
Blood//Water - Grandson
KIMBERLY

Meu coração estava acelerado demais. Parecia irreal que o mesmo


cara que me dizia tantas coisas rudes, estivesse me dizendo que ninguém
podia tocar em mim. Mas não importava o que eu pensava, porque uma
fagulha de afeto, desejo, carinho, e tantas outras coisas se acendeu em meu
ser. E para completar, a forma como me olhava, me dizia coisas que
palavras se tornavam desnecessárias.
Ele podia se esconder, mas eu tinha certeza de que havia muito mais
no Aidan, do que só aquilo que ele mostrava, que ele permitia que as
pessoas vissem.
Eu estava bastante assustada quando aquele velho nojento entrou na
lanchonete, justamente no momento em que a Siera — a única de minhas
colegas de trabalho que parecia ter algum sentimento bom a meu respeito
— entrou na despensa. Mas quando vi o Aidan, foi como se meu salvador
estivesse chegando para me resgatar. E foi exatamente o que aconteceu. Eu
sabia que não precisava mais ter medo, porque ele sempre estaria lá por
mim.
Mesmo com nossos olhares tão intensos um no outro, ele ainda
parecia resistir. Eu queria que ele se abrisse, que se permitisse, que me
mostrasse o que realmente se passava em sua mente e coração, mas,
contrariando a minha vontade, Aidan colocou sua máscara rude e fria
novamente, tirou minha mão do seu rosto, e bateu a porta do carro com
certa força, me causando um pequeno susto.
Ele deu a volta, indo até o lado do motorista, pisou no acelerador
sem dó e, calado, nos tirou dali.
O caminho foi feito completamente em silêncio. E, por vezes, eu
quis quebrá-lo, mas a expressão em seu rosto estava tão fechada, que eu
temi incomodá-lo.
Aparentemente, estávamos saindo da cidade, e após alguns minutos
dirigindo, ele entrou numa estrada bem arborizada, com as flores
amareladas devido a estação. Essa era uma das épocas que eu mais amava.
Olhar aquela paisagem me fez sorrir, ainda que discretamente.
Finalmente paramos. O lugar era deserto, só tinha nós dois ali, e eu
deveria sentir medo em pensar nas intenções do Aidan, mas não sentia. De
uma forma insana, eu confiava nele. Confiava no cara que conhecia há
pouquíssimo tempo.
— Vem. — Aidan falou, meneando a cabeça e, mesmo sem ter
muita certeza do que aconteceria, abri o cinto e saí.
Ele foi andando em minha frente, com aquele ar de imponência e
sedução que o deixava extremamente sexy, me dando uma bela visão de
suas costas largas e musculosas, a bunda redonda e dura, os braços fortes
exibidos naquela camiseta de mangas curtas. Me vi mordiscando o lábio
involuntariamente. Aidan Blake podia ter uma aura sombria e perigosa
como fosse, mas era muito lindo e gostoso.
Ele parou e eu vi. O lugar era incrível. Lembrava uma floresta, mas
não chegava a ser exatamente isso, estava mais para um parque ambiental.
Além de ter tantas árvores que eu não poderia contar, havia uma cachoeira
de água cristalina bem à nossa frente. Tinha também um penhasco, e eu
poderia jurar que, se nos aproximássemos dele, era possível ver as luzes de
toda a cidade.
Antes que eu percebesse, o Aidan estava tirando a roupa. Sua calça
já estava nos pés. Arregalei os olhos e engoli em seco, vendo-o só de cueca.
Em seguida, puxou a camiseta pela gola, tirando-a, e eu suspirei, porque a
visão era muito, muito melhor do que vestido.
Deus! Meus batimentos estavam em frenesi.
Tirou também os sapatos, largando tudo de qualquer jeito no chão, e
foi em direção ao rio, entrando na água.
Eu apenas o observei nadar, sem saber o que fazer, se deveria entrar
também.
— Vai ficar só olhando? — após alguns minutos, ele emergiu,
balançando os cabelos, jogando água para todo lado, e passou a mão do
rosto até os fios negros.
Suspirei. Ele era lindo demais. E as tatuagens em seus braços,
totalmente à mostra, o deixavam ainda mais gostoso.
Estava completamente perdida naquele olhar e corpo.
— Kimberly. — eu já tinha escutado da primeira vez, mas fiquei tão
vidrada em sua beleza, que não consegui falar, nem me mover.
— Desculpa, eu me distraí — consegui falar, mas fiquei sem graça
por saber que precisava tirar a roupa para nadar e ele estava olhando. Além
disso, eu estava sem sutiã — Não posso, não estou vestida adequadamente.
— Olhei para a roupa que estava usando.
— Eu também não, mas estou aqui, não estou?
— É que… — eu queria dizer que estava sem sutiã, mas senti
vergonha e ele arqueou as sobrancelhas — Tudo bem, eu vou. Mas, vira pra
lá, por favor. — Aidan sorriu de boca fechada, parecendo apreciar meu
constrangimento, mas fez o que pedi.
Abri os botões do meu uniforme de trabalho, o deixando cair no
chão, tirei a blusa que sempre colocava por baixo do meu uniforme por não
usar sutiã, para não deixar meus mamilos aparentes devido ao tecido quase
transparente da farda, e tapei meus seios medianos com ambas as mãos,
antes de caminhar para o rio. Apenas tirei as mãos quando estava imersa na
água e sabia que ele não poderia me ver direito.
Ele mergulhou, e eu pensei que voltaria logo, mas ficou um tempo
debaixo d’água, o que me assustou.
— Aidan? — nenhuma resposta, nada de ele aparecer — Aidan?
Nada.
— Aidan, para com isso, tá me assustando. — Senti algo passar por
minha perna e iria sair da água, mas meus pés foram puxados, em seguida
minhas pernas, que ficaram abertas, e se entrelaçaram na cintura dele.
Nossos corpos colados e molhados, nossos rostos muito perto.
Nossas respirações ofegantes. E os olhares intensos e inexpressivos.
Nem me importei com o fato de que provavelmente ele viu meus
seios. Minha mente só processava ele e seu nome.
Ninguém dizia nada. Mas eu tinha dúvidas se ele não conseguia
ouvir as batidas do meu coração em total desequilíbrio.
Seu olhar se desviou do meu, para minha boca, que salivava,
ansiando por um beijo dele. Foi frustrante quando ele apenas me soltou e
voltou a nadar como se nada tivesse acontecido.

Sentados à beira do rio, estávamos em total silêncio há algum


tempo, e isso já começava a me incomodar. A noite havia caído, a brisa fria
lentamente tomava conta de nossos corpos ainda nus, mas parecia que isso
não o incomodava. Aidan encarava o céu acima de nós e eu fazia o mesmo
com ele, tentando decifrar aquele garoto tão enigmático, que parecia
guardar mil segredos que o atormentavam.
— Eu conheci esse lugar quando criança — ele falou, ainda olhando
para o céu, como se contasse as estrelas — Numa das vezes em que fugi de
casa… E foi impossível não voltar aqui. O mundo, dentro de mim, pode
estar um caos, mas aqui, é como se tudo fizesse sentido.
— Então, você era um menino travesso, já que vivia fugindo. —
falei em tom de brincadeira.
— Não — sério, ele parou de encarar o céu e virou-se para mim.
Imediatamente, pressionei minha roupa que estava segurando em frente aos
seios, na intenção de me esconder, não somente do seu olhar, mas de sua
frieza, que parecia castigar minha pele muito mais do que a baixa
temperatura — Há várias razões para alguém fugir de casa, Kimberly.
Especialmente se tratando de uma criança de doze anos.
— E qual a razão que te levava a fazer isso? — Antes que eu me
desse conta, perguntei, com minha curiosidade aguçada, como se minha
boca tivesse vida própria.
Ele continuou me encarando, porém, agora, com a expressão mais
suave. Mas não respondeu, e sua quietude me levou a entender que não
queria falar. Não forcei a barra, ele já havia, de certa forma, se aberto
demais comigo.
— Não foi a primeira vez que aquilo aconteceu — sem coragem de
encará-lo, mirei a água à nossa frente e falei. Mas sentia seu olhar sobre
mim — Minha mãe já me fez passar por tantas situações, que eu nem
mesmo seria capaz de contar. Meu pai a abandonou quando eu era apenas
uma menina, e desde então, ela me culpa, diz que sou um fardo na vida
dela. Aos quatorze, ela fez acordo com um homem quarenta anos mais
velho do que eu para casar comigo. Ele até chegou a me levar embora, e
tentou transar comigo, dizendo que precisava ter certeza de que eu era boa
de cama, antes de assinar os papéis, mas eu senti muito nojo quando o vi
nu, e medo também. Eu era virgem e fiquei imaginando o que aconteceria.
Dei um jeito de fugir dele. Dias depois, ela me deu mais uma de suas surras,
ajoelhada, daquele mesmo jeito que você me encontrou, e convidou um
homem para… — engasguei, não tendo certeza se conseguiria continuar.
— O que ela fez?
— Fizemos sexo a três — meu peito pesou assim que proferi as
palavras — Perdi a virgindade com minha mãe e um homem que nunca
tinha visto na vida. — parei por aqui, eu não queria pensar nos detalhes.
Eu poderia chorar, mais uma vez, mas era inútil. Não apagaria tudo
o que vivi. E todas essas memórias de merda estavam vivas em minha
mente.
— Eu nunca quis culpá-la por isso. Ela estava bêbada e drogada. E o
tal homem também. Pelo contrário, me culpei por não ter aceitado meu
destino e permanecido naquele maldito casamento. Me culpei por ter fugido
e não permitido que ele me tocasse. E por essa razão, eu deixei que minha
mãe e o amigo dela me tocassem. Sim, eu fiquei quieta, deixei que fizessem
o que queriam comigo. E, ao final, me senti suja demais, então, no banho,
enquanto me limpava, quase arranquei minha pele tentando tirar aquela
sensação horrível do meu corpo, e me cortei. Aquela foi a primeira vez, de
muitas, que fiz isso. Era uma forma de acabar com a dor, de me sentir livre.
Eu não conseguia olhá-lo. Tinha vergonha das decisões que tomei.
— Por que voltou para a casa dela?
Eu ri abafado e sem humor.
— Para onde eu iria, Aidan? Uma menina imatura, sem dinheiro,
sem emprego, só com a roupa do corpo. Não tinha para onde ir. Era isso ou
ficar debaixo da ponte.
— Escolha errada. Deveria ter ficado debaixo da ponte. Ou
realmente acha que foi melhor voltar a viver com aquela mulher?
— Ela é minha mãe, Aidan. — Virei o rosto para ele.
— Tudo depende do que você entende por mãe. Mas eu te garanto,
Kimberly, ela não é. E pelo que está me contando, nunca foi. — dessa vez,
ele parecia sentir raiva ao falar isso.
Abaixei a cabeça, me sentindo uma droga. Será que eu cometi tantos
erros assim? Será que atirei pedra na cruz e Deus estava me punindo por ser
uma menina má?
— Não é culpa sua! — de uma maneira extremamente rude, ele
exclamou, se arrastando no chão para mais perto de mim, o que fez meu
coração idiota se agitar. Aidan segurou meu queixo e o ergueu com firmeza
— Nunca foi culpa sua. Você era a porra de uma criança, Kimberly. Eu sei
exatamente como se sente, e você não pode se culpar. — me perguntava
como ele poderia saber, mas a maneira como me olhava fez borboletas
voarem em meu estômago e minha boceta pulsar. Levando embora todo e
qualquer pensamento que não fosse sobre nossos corpos se chocando. Era
maluquice da minha cabeça reagir assim em um momento como aquele. E
eu sabia disso.
— Eu não me culpo.
— Se culpa, sim. Mas não deveria. — ele falou com muita
convicção, como se realmente soubesse o que era sentir aquilo, enquanto
traçava meu rosto com seus dedos da outra mão, me olhando de um jeito
meio estranho. Parecia um predador. Um olhar lascivo. Exatamente como
um psicopata encararia sua vítima.
E eu deveria sentir medo. Mas senti tesão.
— Kimberly… — sussurrou, soprando seu hálito quente em meu
rosto. Salivei excessivamente.
Soltando uma das mãos da minha roupa, levei-a aos seus cabelos
macios, segurando firme, sentindo um desejo louco de ter seus lábios nos
meus.
Com a mesma mão que estava em meu queixo, Aidan a arrastou,
inclinando minha cabeça para trás, cheirando a curva do meu pescoço, me
fazendo arfar. Meus dedos dos pés se curvaram e eu fechei os olhos.
— Que vá pro inferno a porra da culpa! — grunhiu, antes de tomar
minha boca para si como se fosse me devorar.
Ele não esperou nem um mísero segundo para enfiar a língua,
vasculhando cada canto da minha boca. Parecia que só ter meus lábios não
era o suficiente. Aidan queria mais. Eu queria mais.
Sua mão possessiva segurou minha cintura, apertando, e eu gemi, o
que apenas o fez aprofundar ainda mais o beijo. Sem conseguir me conter,
nem raciocinar direito, soltei minha roupa, deixando meu corpo exposto
para ele, que tirou a mão da minha nuca, a colocando em minha cintura, e
me puxou para sentar em seu colo. Aidan estava duro. Extremamente duro.
E parecia ser muito bem-dotado, porque seu pau, mesmo sob a cueca, me
cutucava exageradamente.
Eu me movi sobre ele, rebolando, e Aidan apertou minha bunda
muito forte.
— Aaah… — gemi.
Nossos lábios estalavam ao movimento do beijo, tornando tudo
ainda melhor e mais gostoso.
Ele soltou minha boca, descendo beijos pelo meu pescoço, chegando
aos seios, onde acariciou calidamente com os lábios, depois se afastou, me
olhando, parecendo me admirar. Suas íris estavam muito escuras. E eu, em
um ato de insanidade, inclinei as costas para trás para deixá-lo apreciar tudo
que eu tinha.
Não senti vergonha. Talvez fosse o tesão falando por mim.
Esperei que ele continuasse, que me tocasse, fosse até o fim, me
fizesse dele… Mas, de um jeito completamente decepcionante, Aidan
respirou fundo, me tirando de cima dele.
— É melhor irmos, está ficando tarde. — levantou, pegando suas
roupas, e caminhando em direção ao seu carro.
E eu fiquei lá, sentada, nua, excitada, e confusa.
Me deixe te contar uma coisa ou duas
Eu tenho uma fantasia sobre
garotas como você[...]
Eu gostaria de ter algum tempo com você
Minha mão, seus lábios
Minha cabeça, seu aperto.
Like U - Rosenfeld
KIMBERLY

Tudo estava estranho. Havia se passado aproximadamente um mês


desde que o Aidan me levou àquele lugar, e depois disso, ele começou a
agir de maneira diferente comigo. Estava distante. Pensando bem, ele estava
normal, acho que eu é quem esperava que as coisas mudassem depois
daquele episódio. De ter me beijado e quase me tomado para si. Eu passava
muitas das noites quase em claro, lembrando daquele beijo, e pensando
sobre como meu ser ansiava por mais.
Eu ainda permanecia em sua casa, mas me sentia uma prisioneira,
afinal, não podia sair de dentro do quarto no qual estava hospedada. Até as
refeições eu fazia lá dentro, sozinha. Saía apenas para ir à escola ou para
trabalhar. Não conseguia entender por qual razão ele me mantinha
encarcerada. Eu sabia que tinha mais pessoas morando naquela casa, além
da mulher que vi outro dia, mas era como se apenas o Aidan existisse. Já
estava começando a pensar que talvez ver aquela mulher não tenha passado
de uma alucinação da minha mente, porque nas poucas vezes em que saía
do quarto, não a via.
Estava na biblioteca nacional, sentada numa das mesas quadradas de
madeira, bem pertinho das inúmeras estantes também de madeira, que
alocavam diversos livros, e era ali que eu me perdia em meio a tantas
histórias magníficas.
Muitíssimo concentrada, o livro que eu lia tinha por título Impacto
Colateral, da autora Ida Garcia, e me senti impactada ao descobrir a maior
reviravolta da história.
— Eu já li esse livro. — Me assustei e quase pulei da cadeira. Ao
abaixar o livro, me deparei com a imagem perfeita e tranquila do Aidan,
bem à minha frente.
— Que droga, Aidan! Não podia ter feito algum barulho? Sei lá.
— Engraçado você dizer isso. Estou há uns dez minutos aqui,
apenas esperando o momento que iria me notar. Como estava entretida
demais em sua leitura, tive que fazer do meu jeito. — deu de ombros.
— Hum — fingi não dar importância a sua resposta — O que está
fazendo aqui? Aliás, como me encontrou? — eu deveria repousar o livro na
mesa e olhá-lo, mas sua expressão sempre me deixava sem jeito. Preferi
fingir continuar lendo, quando, na verdade, já não prestava mais atenção em
uma palavra sequer escrita ali.
— Você não deveria ler tanto. Esses livros, especialmente os
romances, apenas ludibriam a nossa mente, fazendo-nos acreditar em contos
de fadas e finais felizes — honestamente, eu concordava com ele, mas
ainda queria me iludir, achando que um dia o meu príncipe viria em um
cavalo branco para me salvar. Me salvar de mim mesma. Então, o ignorei
— Mas respondendo à sua pergunta, você gosta de ler, hoje é sábado e sua
folga no trabalho. Onde mais estaria, senão aqui? Se ao menos ainda tivesse
algum livro na gaveta da cômoda daquele quarto que você não leu, eu
poderia supor que estava lá — corei ao saber que ele tinha conhecimento de
que eu havia vasculhado tudo no quarto e encontrado livros — A propósito,
eu te dei uma ordem e você desobedeceu. — Agora, sua expressão, que
antes estava tranquila, se fechou.
Eu sabia a que o Blake estava se referindo. Eu não deveria sair do
quarto sem a sua permissão.
— Não aguento mais ficar naquele lugar sem nada para fazer.
Porque não deixa ao menos eu fazer minhas refeições com você? — lhe dei
uma rápida olhada.
— Não quero você perto daquela mulher.
— Quem é ela? Sua mãe?
— Não. Minha mãe morreu quando eu era criança. Ela é a mulher
do meu pai. — notei um desgosto em seu tom ao pronunciar tais palavras.
— Sinto muito. Eu não queria… — desviei minha atenção do livro
em minhas mãos, o encarando. Me senti mal por ser curiosa e fazer
perguntas que não me diziam respeito. Mas quando se tratava dele, eu
simplesmente falava, muitas vezes sem pensar antes.
— Não sinta. Seja diferente, Kimberly. É por isso que não falo a
ninguém sobre isso, porque todos passam a me olhar com pena, e eu não
quero que você me veja dessa maneira. Quero que continue me olhando do
mesmo jeito de antes. Apenas como o cara de quem você está afim.
Abri bem os olhos e entreabri os lábios. Aquele olhar estava ali. O
presunçoso e desdenhoso, mesmo que tentasse esconder o que sentia. Eu
estava aprendendo a decifrá-lo.
— Vamos à uma festa hoje.
— Vamos? Eu vou com você? — fiquei surpresa, porque ele foi
claro quando disse que não queria ser visto comigo.
— Não crie fantasias, Kimberly. A vida não é um romance de livro.
Vai ser da mesma forma de sempre. Você vai no meu carro, te deixo em
algum lugar perto e sigo meu caminho.
— Se é assim, porque não posso ir com a Everly? — repousei o
livro na mesa e o encarei em desafio. Era a primeira vez que eu fazia isso e
sabia o quão arriscado era.
— Porque ela não vai. É uma festa privada e, mesmo se ela fosse,
não iriam juntas. Você só vai porque não quero que fique sozinha naquela
casa com aquela mulher. Do contrário, ficaria trancadinha no quarto, como
sempre. — Ficamos cara a cara. Olhares intensos. Sua boca muito perto,
por ele estar inclinando para a frente e ser muito alto.
— Você age como se mandasse em mim. Como se tivesse algum
tipo de poder sobre mim. — quase sussurrei.
— E não tenho? Aposto que se eu colocasse a mão em sua calcinha
agora mesmo, veria que está molhada. Poderia te virar de costas e te foder
sobre essa mesa nesse exato momento, e você não diria uma palavra em
relutância. Porque sabe que me quer.
Arfei por imaginar a cena descrita por ele.
— Você também me quer. Só não admite. — Eu o estava
enfrentando, e sentia raiva de mim mesma por isso. Não conseguia me
controlar.
Ele engoliu em seco. Vi seu pomo de Adão se mover, e Aidan mirar
meus lábios. Suas palavras causaram um rebuliço em meu coração e corpo,
tanto que rocei uma perna na outra, e curvei os dedos dos pés em um nítido
gesto de tesão.
Blake não disse nada, apenas sorriu de forma presunçosa sem
mostrar os dentes.
Ele podia ser um babaca delinquente como a Everly afirmou, mas
era capaz de mexer com a libido de qualquer mulher.

Anoiteceu. Estávamos na casa de um dos amigos do Aidan. Na tal


festa. Mas o jeito que aquela festa tinha sido decorada era bastante
sugestivo. Luzes vermelhas, que refletiam nas paredes. Muitas cortinas por
todos os lados. Tinha casais se pegando abertamente em todo lugar. Outros
apenas sentados nos sofás ou poltronas, conversando, bebendo e alguns até
mesmo usando drogas. Em alguns momentos, me senti em uma casa de
swing.
A casa era imensa. Por estar sozinha, já que o Aidan não queria ficar
perto de mim como se eu tivesse algum tipo de doença contagiosa, tinha
andado por alguns cômodos. Estava entediada. Não queria beber, porque
não conhecia ninguém ali, e poderiam batizar minha bebida. Não arriscaria.
Talvez eu devesse ir embora. Talvez até voltar para a casa da Katy.
Lá nunca foi um bom lugar para se viver, mas ao menos eu tinha um pouco
de liberdade para ir e vir quando bem entendia.
Senti vontade de fazer xixi, e andei pelos corredores, procurando
por um banheiro. Todas as portas que eu abria eram de quartos, e estavam
ocupados.
Vi uma escada e subi. Ao chegar no último degrau, passei por um
corredor extenso e fui, mais uma vez, abrindo de porta em porta. Até que
em frente a um deles, reparei que tinha muitas pessoas e elas estavam
fissuradas no que quer que estivessem olhando. Pensei em recuar, afinal, eu
não era amiga daquelas pessoas, mas ouvi o som do que pareciam ser
gemidos, que iam aumentando gradativamente, e antes que eu percebesse,
minhas pernas estavam se movendo. Parei somente quando cheguei bem
perto de onde estavam aquelas pessoas, me deparando com uma cena que
nem em outro século, jamais poderia imaginar algo assim vindo dele.
Era o Aidan. E ele estava nu, com uma cinta strapon[1], penetrando
duplamente uma garota que se encontrava de quatro sobre a cama. Os pés
presos por uma tornozeleira com extensor, e as mãos presas entre suas
pernas, na parte do extensor. Seu rosto rente ao colchão. Ela gemia alto,
apenas não era mais alto porque a música eletrônica na caixa de som, no
andar de baixo, ecoava por todo o ambiente.
A garota, que parecia ter aproximadamente a mesma idade que eu,
virou a cabeça em minha direção e deu um sorrisinho sacana.
Eu deveria sair dali o mais rápido que pudesse, porque senti meu
peito pesar em ver aquilo. Não pela cena em si, mas por ser ele. Eu não era
idiota, quer dizer, não tanto quanto pensavam, sabia que nem em mil anos
ele deveria olhar para mim ou me tocar da mesma forma que fazia com as
outras garotas. Mesmo tendo me deixado sedenta quando me beijou. Eu
ainda podia sentir o toque rude dos seus lábios nos meus, a maneira como
minha pele se arrepiou e se deleitou em seus toques tão felinos. Mas ainda
assim, doía vê-lo tocando outra garota. Beijando, ou transando.
— Kimberly? — o que eu menos queria, aconteceu. Aidan me viu
— Que porra você está… — antes que ele concluísse o que diria, eu passei
pelas pessoas e saí correndo o mais depressa possível.
À medida que eu corria, descendo a escada, quase tropeçando nos
pés, olhei para trás para me certificar de que ele não me seguia. E não tinha
ninguém. Continuei procurando uma saída ou um lugar onde pudesse me
esconder dele. Até que o escutei gritando, mas não estava tão perto de mim,
então eu conseguiria fugir. Uma cortina transparente e úmida se formou em
frente aos meus olhos, se eu piscasse, as lágrimas rolariam. Mas não, eu não
iria chorar pelo Aidan. Não podia.
— Kimberly! Para, caralho!
Não dando importância ao Blake, por pura burrice, entrei num
corredor, e depois em algum quarto ou sala. Não consegui descobrir o que
era, porque o Aidan não me deu tempo de fechar a porta. Ele me segurou
pela cintura e me prensou entre seu corpo seminu e uma parede. Minha
respiração estava ofegante, e a dele não estava tão diferente.
— ME SOLTA, AIDAN! — eu esmurrava seu peito, ou melhor,
tentava, já que ele nem se abalava — VAI, VOLTA LÁ PRA CIMA E ME
DEIXA EM PAZ, SEU IDIOTA!
— O que você estava fazendo lá em cima? Eu não mandei você ficar
aqui embaixo?
— Foi pra isso que você me trouxe aqui, né? — minha voz agora
estava chorosa.
— Não. Não foi. Mas é bom que você tenha visto. Aquilo é quem eu
sou. Eu não sou a porra de um herói, Kimberly. Nas histórias dos livros que
você lê, eu seria um vilão. Não estou querendo te salvar, na verdade, eu
poderia te comer viva. E se você fosse, no mínimo, inteligente, se manteria
bem longe de mim. A não ser que queira ter sua vida fodida por mim.
— Eu já estou fodida, Aidan. Não há nada que você possa fazer, que
vá me ferrar mais.
— Resposta errada. Mas quer saber? Estou pouco me fodendo. —
Aidan mordeu meu lábio inferior, o puxando para si, tão forte, que
machucou um pouco e sangrou, em seguida, me beijou. Eu não me
importava com a dor, só queria senti-lo.
Inicialmente, ele não tirava os olhos de mim, como se quisesse
memorizar cada reação que eu tinha ao seu beijo, aos seus toques. E eram
toques precisos. Com garra e ferocidade.
Ele pôs uma de suas pernas entre as minhas, as afastando com os
joelhos, e isso me levou a sentir seu membro duro e ereto em minha barriga.
Aidan não estava mais usando a cinta strapon, estava de cueca. Segurando
forte em meu pescoço, quase me privando de obter oxigênio, beijou meus
lábios, meu rosto, pescoço, o espaço entre meus seios, depois os segurou
com força, não se importando se eu sentia dor. Honestamente, a maneira
como me tocava estava sendo tão gostosa, mesmo sem ter chegado aonde
eu queria, que eu estava me lixando para a dor. Isso era o que menos
importava naquele momento.
Aidan puxou minha blusa para cima, retirando-a, e seus olhos
escureceram ao verem meus seios. Ele os segurou, soprou seu hálito quente
em minha pele, me fazendo arrepiar, e meus mamilos, que já estavam
endurecidos, enrijeceram ainda mais. Ele pareceu apreciar minhas reações.
Circulou a língua em meus mamilos, dando uma atenção minuciosa
a cada um, os chupou lentamente, como uma tortura, e ao soltá-los, seus
lábios faziam som de estalo. A cada instante, sentia-me mais excitada,
quando pequenos jatos de lubrificação escapavam para minha calcinha. Eu
estava em puro êxtase.
Aidan foi descendo, deixando beijos por toda a extensão do meu
corpo. Barriga, umbigo, baixo ventre, e cada parte onde sua boca passava,
uma onda de arrepios era enviada sobre mim, fazendo meus pêlos eriçarem.
Ajoelhado, ele chegou aonde eu mais ansiava. Pôs as mãos em
minha calça jeans, abrindo o botão e o zíper e puxando-a para baixo.
Colocou o cós da minha calcinha entre os dentes, abaixando-a, sem tirar os
olhos dos meus um segundo sequer. Me vendo completamente nua, a sua
mercê, e cara a cara com minha vulva, deslizou a língua por meus grandes e
pequenos lábios, meu clitóris de baixo para cima. Tudo isso de forma
extremamente lenta e torturante. Arqueei minha coluna, revirando os olhos.
— Argh… — gemi baixo — Aidan…
Ele segurou ambos os lados da minha bunda, levando-me mais para
a frente, pressionando a boca em minha entrada e circulando a língua. A
essa altura, eu já estava excessivamente molhada. Aidan chupava, sugava,
lambia ao redor, circulava e pressionava o clitóris com a língua, e eu
somente me deleitava no prazer que ele me proporcionava.
Blake cravou as unhas em minha pele, passando a língua na minha
entrada, levando minha lubrificação junto a sua saliva para o meu clitóris,
onde pressionou com ainda mais vigor, e eu segurei seus cabelos, quase os
arrancando da cabeça. Ele não pareceu se importar. Não parou o que estava
fazendo, continuou me dando prazer, enquanto eu me sentia chegar ao
ápice.
— Aaa… Aaah… Aaaah… — explodi em um orgasmo intenso,
gemendo entrecortado, porque isso me tirou até o fôlego.
Ainda com a boca em minha vagina, seu olhar febril estava sobre
mim, como quem havia gostado de me ver assim e me proporcionar a
satisfação que somente ele poderia me dar. Deu uma última lambida,
sugando o resquício que havia sobrado do meu gozo, bateu em minha bunda
e levantou. Tinha uma marca bem intensa em sua cueca, talvez tivesse
gozado também.
Ele percebeu para onde eu olhava e abaixou a cabeça, visualizando
seu pau ereto, e me lançou um olhar sexy pra caralho. Em seguida, pegou
minha mão, puxou seu membro para fora, me fazendo arregalar os olhos
com seu tamanho e largura. Era insano. Eu nunca tinha visto um assim
antes.
Colocou minha mão nele, que estava lambuzado, fazendo
movimentos de cima para baixo, se masturbando com minha ajuda. E assim
continuou. Até que eu peguei o ritmo, notando sua cabeça se inclinando
para trás, e seu maxilar travado, além de pequenos grunhidos que ele
soltava. Tive vontade de colocá-lo em minha boca e sentir seu gosto. Mas
tive receio de ele não me deixar guiar a situação. Aidan tinha todo aquele ar
possessivo, que me levava a fazer tudo o que ele queria.
Ele pôs a mão sobre a minha, aumentando o ritmo da masturbação, e
não suportou permanecer calado. Um som quase sussurrante de gemido foi
ecoando pouco a pouco em meus ouvidos e eu sabia que ele gozaria. O que
eu já previa, não demorou a acontecer. Seu gozo veio forte, espirrando em
nossas barrigas, um pouco em meus seios e no chão.
Quando recobrou a respiração, me olhou de cima a baixo, como se
memorizasse os traços do meu corpo, fixando bem a visão em minha vagina
e seios, me beijou gostoso de língua, fazendo-me sentir meu próprio gosto e
cheiro, mordiscou minha língua, depositou um selinho em meus lábios, e
me dando uma última olhada, guardou o pênis na cueca e saiu, me deixando
ali, parada e estarrecida com o que havia acabado de acontecer.
Eu vou ficar e assistir a gente desaparecer
Brincando com porcelana
Eu acho que sou o único culpado
Nós dois sabemos como isso termina
Porque tudo que eu toco, quebra.
Pressure - Rosenfeld
AIDAN

Sete anos antes…

Minha mãe tinha falecido, vítima de afogamento. Era um típico


domingo de verão, estávamos na praia. Meu pai era marinheiro e o tempo
que passava em alto-mar era bem relativo. Às vezes, podia ser apenas
alguns dias, outras vezes, meses ou até um ano. Então, esses momentos
costumavam ser eventos raros entre nós.
Eu sempre amava quando acontecia. Mesmo que meus pais não
fossem um casal perfeito, mas pensando bem, acho que não existia isso.
Todos os casais tinham seus atritos.
Eu estava brincando de me esconder. O objetivo era que a mamãe
me encontrasse. Ela disse para eu não me afastar muito deles, porque o
lugar estava cheio e eu poderia me perder. Mas eu era apenas uma criança, e
achava graça no que ela dizia.
Saí correndo, e quando percebi, não os enxergava mais. O desespero
me preencheu e eu quis chorar, só não o fiz porque o papai sempre dizia que
garotos não eram menininhas e não deveriam chorar nunca. Pensando nisso,
engoli o choro, respirando fundo, e continuei andando à procura deles.
Depois de um tempo, percebi que havia uma multidão de pé à beira
do mar, e curioso, me aproximei. Afinal, podia ser que eles soubessem que
havia uma criança perdida e me ajudassem a encontrá-los. Mas para minha
total decepção, não se tratava disso. Pelo que ouvi do burburinho, alguém
estava se afogando e o salva-vidas foi até lá.
No entanto, o que realmente fincou uma faca em meu coração, foi
ver o homem vestido de vermelho com um símbolo de cruz estampado na
camiseta, voltando para a areia, segurando uma mulher nos braços.
Eu implorei mentalmente para que não fosse ela, mas seus cabelos
longos, loiros-escuros e esvoaçantes, a denunciavam. Era ela. Era minha
mãe.
Ela não sabia nadar e provavelmente, em meio a aflição de não me
encontrar, tinha entrado no mar com medo que eu estivesse lá.
Foi culpa minha. Eu a matei.
Ela foi colocada deitada sobre a areia, o homem tentava salvá-la e,
parado, de pé, eu apenas observava. A vontade de chorar era tão grande,
que doía minha garganta como se um objeto cortante a dilacerasse.
Meu pai se aproximou dela e me viu. Ele me olhou, mas eu conhecia
aquele olhar. Era o mesmo de quando eu ia para o quintal de casa brincar e
voltava sujo de barro. Eu sabia que o pior viria quando voltássemos para
casa.
Quando o salva-vidas parou de tentar salvá-la, percebendo que
minha mãe tinha engolido muita água e seus pulmões ficaram
extremamente obstruídos, notou que não havia mais jeito. Mamãe estava
morta. E era tudo culpa minha.
Meu pai, com sua postura militar, mesmo dizendo amá-la, não
derramou uma lágrima sequer. Aquilo me enfureceu por dentro. Como
alguém podia ser tão insensível?
Ele não me bateu no dia fatídico, por estar resolvendo as coisas para
a enterrarmos, mas dias depois, após o sepultamento da mamãe, ao
chegarmos em casa, eu já sabia o que me esperava, então somente tirei toda
a roupa que usava, ajoelhei-me na frente do meu pai, fechei os olhos e
esperei. Ele só não me punia com surras quando eu fazia algo errado,
quando a mamãe ainda estava viva e o impedia. E eu tinha quase certeza de
que era ela quem pagava em meu lugar. Mas agora ela estava morta, não
havia ninguém que pudesse me ajudar.
Alguns meses depois, era meu aniversário de doze anos.
Honestamente, pensei que não teria nem um bolo para comemorar, afinal,
meu pai nunca fazia questão disso, era sempre a mamãe que cuidava desses
detalhes.
Estava em meu quarto, sentado no chão, brincando com um dos
carrinhos da minha coleção, quando a porta foi aberta e o homem que eu
chamava de pai, adentrou extremamente sorridente. Aquilo era bastante
incomum, considerando que, nos últimos meses, após a morte da mamãe,
ele não sorria. Nunca.
— O que está fazendo? — ele perguntou — É seu aniversário, filho.
Daremos uma festa e você vai conhecer uma pessoa muito especial essa
noite. — em nenhum momento o sorriso abandonava seu rosto.
— Quem é? — apesar da data, eu não conseguia compartilhar da
mesma alegria que ele. Minha mãe havia morrido. A única pessoa com
quem eu podia ser genuíno. E por ele ter estado ainda mais distante de mim
ultimamente, eu me sentia muito sozinho.
— É surpresa. Mas eu garanto, você irá gostar. Tome banho, escolha
uma roupa bonita e fique bem cheiroso. Estarei lá embaixo organizando
tudo, se precisar de mim. — ele instruiu e depois saiu, me deixando
pensativo.
Quem poderia ser essa pessoa de quem meu pai falava com tamanha
empolgação?
Evitei ficar pensando nisso. A tarde estava se findando e eu
precisava fazer o que ele disse.

Estava na sala, sentado num dos sofás, admirando a decoração, que


ele certamente pagou alguém para fazer. Meu pai era muito machão, ele
jamais se dignaria a fazer algo desse tipo, dito como coisa de mulher.
Eu estava praticamente sozinho, minha única companhia era a
presença da Lira, uma empregada da casa, que estava ali desde antes de eu
nascer. Não tinha amigos, meu pai costumava ser muito rígido quanto a
isso, então não tinha muito o que ser feito. Até que, finalmente, a porta da
frente foi aberta, revelando as figuras do meu pai e, logo atrás, uma mulher
bem mais nova do que ele, mas muito bonita. Ele a havia adotado e eu teria
uma irmã?
— Filho, quero que conheça a Susan — papai se aproximou,
sorridente, fazendo menção para eu levantar, e acenou para que a mulher
chegasse para a frente — Susan, este é meu filho, Aidan.
— Nossa! Já é tão grandinho — ela comentou, contente — Da
forma que você falava, pensei que fosse apenas um garotinho, mas já é um
homenzinho.
— Estou completando doze anos hoje. — contagiado pela
espontaneidade dela, falei.
— Meus parabéns, Aidan. Em breve, você vai crescer e será um
lindo homem. — ela estendeu a mão em minha direção para um aperto, e
piscou para mim, que por um instante, me senti o máximo. Fazia tempo que
não me sentia dessa forma.
— Obrigado.
Nós quatro, porque papai pediu que a Lira estivesse presente,
cantamos os meus parabéns, e no momento em que eu deveria apagar as
velas sobre o bolo, a Susan disse:
— Faz um pedido, Aidan.
Fechei os olhos e pedi mentalmente que todos os próximos dias da
minha vida fossem iguais aos do meu aniversário. Sempre felizes.
O resto da noite foi incrível, como há muito não acontecia. E, após
levar a Susan embora, enquanto eu me preparava para dormir, papai entrou
em meu quarto.
— Filho, será que podemos conversar?
— Sim.
Ele veio até mim, sentando-se ao meu lado na ponta da cama.
— O que achou da Susan?
— Ela é legal. E bonita. Gostei dela.
— O que você acharia se ela viesse morar com a gente?
— Como assim? Ela vai ser minha irmã?
— Não, Aidan. Ela será minha namorada — fiquei muito surpreso
ao ouvir sua resposta — Na verdade, já estamos juntos há algum tempo,
mas eu não queria trazê-la sem falar com você antes.
— Ela vai ser minha segunda mãe? Tenho que chamá-la de mãe?
Ele riu.
— Não, meu filho. A não ser que queira. Sua mãe era a Aimê, ela é
insubstituível em sua vida e seu coração.
Fiquei um tempo em silêncio, processando o que tinha escutado e
pensando que talvez fosse bom ter mais alguém naquela casa. Uma
presença feminina. E a Susan parecia ser uma boa pessoa.
— Tudo bem.
— Então, não vai se importar se eu a trouxer para cá? — seu olhar
carregava expectativa.
— Não.
— Que bom, filho. Tudo será diferente daqui em diante, você vai
ver — eu sabia exatamente a que ele estava se referindo. Meu pai não era
do tipo emocional, ele não se desculpava, sempre deixava as coisas
subentendidas — Feliz aniversário, Aidan. — Ele se levantou, ajeitou a
coberta sobre meu corpo, acariciou meus cabelos e apagou a luz, antes de
sair.
Pela primeira vez em tempos, me senti em paz. E dormi feliz.

Eu realmente acreditei nas palavras do meu pai, de que tudo


mudaria dali em diante. Que ele estaria mais presente em casa e na minha
vida, até sonhei com isso. Acreditei também que a chegada da Susan em
nossas vidas seria um grande salto em nossa realidade. E, na verdade, foi.
Mas um salto para um abismo profundo e sem chão.
Com a chegada dela, inicialmente, tudo foram flores. No entanto, às
vezes esquecemos que toda rosa, por mais bela que seja, tem espinhos.
Meses haviam se passado. Meu pai, como sempre, estava no mar. Eu
estava em meu quarto, era um garoto muito solitário. Bateram na porta e eu
pensei ser a Lira, porque naquele horário ela sempre vinha me chamar para
lanchar e brincar comigo. Mas era a Susan.
Ao olhar para ela, fiquei sem jeito ao perceber que estava usando
uma blusa quase transparente na parte dos peitos, uma abertura entre os
seios que ia até um pouco acima do umbigo. Engoli em seco, me sentindo
muito envergonhado, e um incômodo em meu pinto. Estava rígido e
pulsava.
Abaixei a cabeça, constrangido.
— Aidan, meu anjo, você pode me ajudar? O zíper da minha blusa
não quer fechar.
— Ach… — ainda de cabeça abaixada, gaguejei, tentando pensar
em qualquer coisa que não fossem seus peitos — Acho melhor você chamar
a Lira…
— Ela está ocupada, lindinho. Vem me ajudar, é coisa rápida — ela
se virou de costas, me dando uma visão perfeita de sua bunda redonda e
empinada. Fiquei ainda mais sem graça — Vem, Aidan.
Não tinha certeza se era correto fazer o que me pedia, e algo me
dizia que não era. Além disso, o incômodo em minha cueca continuava.
Ainda assim, levantei e me aproximei dela, que se agachou para ficar da
minha altura e fechei o zíper de sua blusa o mais rápido possível. Ou
melhor, tentei. Porque eu puxava e ele não saía do lugar. Minha mão era
pequena, eu não tinha força suficiente, o que só atrapalhava. Até que, por
fim, consegui.
— Pronto.
— Obrigada, lindinho. — Ela se virou de frente para mim e me
abraçou, encostando bem os peitos em meu corpo, e beijou meu rosto.
Eu nunca tinha me sentido tão sem jeito.

Mais dias se passaram, e eu fingi esquecer aquele episódio, mas a


realidade é que aquela cena estava bem viva em minha mente.
— Aidan, vem! — ouvi a voz da Lira, me chamando para entrar,
enquanto eu brincava no quintal de casa — Você tem que tomar banho e
comer!
— Já vou, tia Lira! — gritei em resposta.
Levantei do chão, sacudi a terra do meu short com a mão e entrei em
casa. A Lira sempre achava graça quando me via assim, dizia que crianças
precisavam se sujar para serem verdadeiramente crianças.
— Acho que já estou bem grandinho para isso, tia Lira. —
Retruquei, quando ela, como sempre, tentou segurar minha mão a fim de
me guiar casa adentro.
— Você sempre será meu garotinho, menino Aidan. Não importa a
idade. — Achando graça do que eu havia dito, ela bagunçou meus cabelos
com uma mão.
Lira era uma pessoa maravilhosa, eu me sentia bem em tê-la
comigo, afinal, ela era a única pessoa que realmente era por mim naquela
casa atualmente.
Fomos direto para o banheiro do meu quarto. Lira tirou minha
roupa, me colocou de pé dentro da banheira e ligou a torneira para encher
de água. Quando ela iria me dar banho, a Susan apareceu, e imediatamente,
abaixei a cabeça, envergonhado. Eu não queria estar nu na frente dela.
— Precisa de alguma coisa, senhora? — Lira perguntou a ela.
— Preciso que compre meu iogurte natural, aquele que tomo
sempre, lembra? Nas compras que você fez, esqueceu de pegar.
— Não, senhora. Lembro bem desse item na lista de compras.
Talvez tenha tomado todos e não se lembra.
— Oh, claro! — Susan deu um tapa de leve na própria testa — Que
cabeça a minha. Acho que tomei mesmo, antes de ontem. Você pode
comprar para mim?
— Claro, deixa só eu terminar o banho do menino Aidan.
— Não precisa se preocupar com isso, eu posso fazer em seu lugar.
Não é tão difícil dar banho em uma criança. Ainda mais o Aidan, que é
sempre tão comportado. Por favor, Lira, o iogurte faz parte da minha dieta e
não gosto de quebrá-la. — eu apenas ouvia a conversa das duas.
— Se importa, Aidan? Prometo voltar a tempo de te vestir. — Lira
perguntou, olhando para mim.
— Não precisa, eu posso tomar banho sozinho, tia Lira. — Eu
estava com medo e nem sabia exatamente do quê.
— De jeito nenhum! Da última vez, não lavou os cabelos direito e
tinha areia neles. Prometo não demorar. — Ela sorriu, mas eu não consegui
retribuir, porque estava assustado. Tanto, que sentia minhas mãos suarem.
Lira se levantou e saiu, então a Susan aguardou que o som dos
passos dela parassem de ser ouvidos, e fechou a porta do banheiro. Em
seguida, começou a me molhar e ensaboar.
Eu não queria que ela tocasse em meu pênis, mas foi inevitável, e
não sabia como falar sobre isso. Evitei olhar em seu rosto enquanto ela o
lavava, descendo e subindo a pele que envolvia a cabecinha para limpar
bem.
Por ter esquecido de fechar a torneira, a água respingou muito em
sua roupa, o que deixou seu sutiã aparecendo e, mais uma vez, senti meu
pênis enrijecer. Era uma sensação estranha. Eu já havia ficado ereto, mas
não dessa maneira.
— Droga! Me molhei toda — ela resmungou — Acho que vou
aproveitar para tomar banho também.
— Acho que já estou limpo, vou sair e te deixar tomar banho. —
sem graça, eu iria saindo da banheira, colocando um pé para fora, quando
ela segurou meu braço.
— Fica aqui e me faz companhia. Eu não vou tirar a roupa toda.
Será como as meninas que usam biquíni na praia. — piscou para mim.
Sem saber o que fazer e já vendo a Susan se despir aos poucos,
paralisei no lugar com os olhos arregalados. Ela ficou só de calcinha e sutiã,
e entrou na banheira, sentando-se confortavelmente. E foi jogando água em
seu corpo com as mãos em forma de concha.
Eu queria desviar os olhos, mas não conseguia. Era muito mais forte
do que eu.
— O que foi, Aidan? — Me vendo perplexo, ela perguntou.
— Nada. Eu só quero me vestir, estou com frio. — menti, porque,
na verdade, vendo a maneira como ela se banhava, meu corpo parecia,
involuntariamente, esquentar.
— Calma, Aidan. Preciso de sua ajuda para ensaboar minhas costas,
não alcanço. Pode me ajudar?
— Não sei…
Ela se levantou, posicionando-se de costas para mim, e com ambas
as mãos, abriu o sutiã. Entrei em desespero. Aquilo não era certo. Quis
chorar, mas lembrei das palavras do meu pai dizendo que garotos não
deveriam chorar.
Susan jogou o sutiã no chão fora da banheira, ela colocou o sabonete
em minha mão, fazendo um gesto sugestivo e esquisito de criar espuma.
Não era um jeito normal. E a maneira como me olhava por cima do ombro,
quase deixando os peitos aparentes, me fazia sentir vergonha de encará-la.
Quando parou, virou totalmente de costas, e eu fiquei sem saber se
realmente deveria obedecê-la. Mas tive medo. E nem mesmo sabia qual a
razão daquele medo. No fim, comecei a ensaboar suas costas, mas Susan
passou a emitir sons pela boca. Sons agudos e baixos, quase sussurrados,
como quem estava satisfeita com aquilo. Como quem estava sentindo…
prazer.
Minha mão parou em seu ombro e ela puxou para baixo, fazendo-a
tocar em seu seio.
— Oh, me desculpe, Aidan. Achei que você estivesse tentando
chamar minha atenção e minha mão escorregou. — sua voz tinha todo o ar
de inocência possível, mas não passava de uma farsa. E, infelizmente, como
uma criança inocente, que não entendia o que estava acontecendo, entrando
na puberdade, os hormônios falando por mim, não só tive uma baita ereção,
como ejaculei em suas costas.
Envergonhado, comecei a chorar, e larguei ela lá, saindo da banheira
do jeito que estava, nu e molhado, me sentindo péssimo.
Ainda ouvi sua risada e tentava entender o que era tão engraçado
para ela. Mas precisava sair dali. Precisava me esconder. Eu nunca deveria
ter feito aquilo. Nunca deveria tê-la tocado.
Você continua sonhando e
tramando coisas obscuras
Sim, você continua
Você é venenosa e eu sei que essa é
a verdade[...]
Eu sinto como se estivesse me afogando
I Feel Like I’m Drowning - Two Feet

AIDAN
Sete anos antes…

Meus pais foram chamados na escola. Meu pai, na verdade. E eu o


aguardava, sentado num dos bancos do lado de fora da diretoria. Para ser
honesto, não entendia bem o motivo de estar ali. Tudo aconteceu muito
rápido, minha cabeça estava confusa.
Eu estava com meus colegas brincando de pique-esconde, e uma das
meninas, a Agatha, contava até todos se esconderem. Eu me escondi atrás
dela, e quando ela virou para ir procurar os outros, eu bati a mão na parede
onde sua cabeça estava encostada anteriormente enquanto fazia a contagem,
para dizer que eu estava salvo.
Ela ficou irritada por eu rir, provavelmente achando que eu ria dela,
quando, na verdade, eu ria da situação.
— Seu idiota! — eu lembrava do momento com frustração.
— É só uma brincadeira, Agatha. Não precisa levar a sério. —
ainda rindo, eu disse.
— Por que você tem sempre que estragar tudo? Sai daqui, vai! Você
não vai mais brincar! — Ela estava irritadíssima.
— Eu vou ficar aqui. Vai procurar os outros.
— Eu não vou a lugar nenhum enquanto você não sair daqui! Você
não vai mais brincar, Aidan! Sai! — sua voz estava alterada, e ela acabou
me empurrando, então me desequilibrei e cambaleei para trás.
— Para, Agatha! — nervoso, gritei de volta.
Não dando importância ao que eu disse, ela me empurrou de novo,
mas dessa vez, caí no chão.
Sentindo uma raiva como nunca antes, deixando as emoções
aflorarem, quando Agatha virou de costas, prestes a se afastar de mim para
voltar a brincar, levantei e segurei seus cabelos loiros e soltos o mais forte
que podia.
— Aaai! Para! Para, Aidan! Tá doendo — ela choramingou e eu
deveria parar. Em outra ocasião eu teria parado, mas era como se eu
estivesse fora de mim naquele momento — Aidan! Por favor, para! —
agora, ela realmente chorava.
Cego pela raiva, a puxei para trás, jogando-a no chão. Eu não
poderia explicar, mas quem eu via em minha frente não era ela, era a
Susan. Via-a tirando a roupa diante dos meus olhos, tocando em meu
corpo, se insinuando para mim. Era com ela que eu queria fazer isso. Era
ela quem eu queria machucar. E só não estapeei a Agatha porque alguém
me segurou por trás, pela cintura, me tirando do chão.
Mas a vontade de bater naquela menina ainda estava ali.
Ao contrário de quem eu pensei que viria para a reunião com a
diretora, quem chegou foi a Susan. E, depois de ter ejaculado pela primeira
vez em minha vida, por causa dela, por ver o seu corpo, sentia vergonha de
encará-la.
— Aidan. — com seu tom de voz doce e sedutor, ela parou
agachada ao meu lado.
— Cadê o meu pai? — A raiva ainda era perceptível em minha voz.
— Ele ainda não chegou. Talvez só esteja em casa à noite. Mas eu
estou aqui para você, meu anjo. — Susan passou a mão em meu rosto e meu
corpo inteiro reagiu, inclusive, como um garotinho de quase treze anos, era
bem comum ter uma ereção ao ver a mulher que esteve praticamente nua
em sua frente, e foi exatamente o que aconteceu. Mas isso não era uma
coisa boa. Porque Senti medo. Seu toque me amedrontou.
Minha mente estava confusa.
— Eu quero o meu pai. — ainda com a cabeça abaixada, falei.
— Você vai vê-lo, mas não agora.
— EU QUERO O MEU PAI! — gritei.
— Aidan… — ela falou entredentes, provavelmente olhando ao
redor para ver se alguém estava prestando atenção, mas eu não estava
ligando. Só queria distância dela.
— Você é a responsável pelo Aidan Blake? — era a voz da diretora.
— Sim. Sou Susan, madrasta dele. Infelizmente o pai dele não pôde
vir. — Susan se levantou para respondê-la.
— Entrem, por favor.
— Vem, Aidan. — Susan tentou me puxar com delicadeza.
— Não quero! Quero ver o meu pai! — elevei a voz e cuspi em seu
rosto. Ela fechou os olhos e respirou fundo.
— Você vai entrar comigo. — limpou o rosto e, mesmo falando em
um tom normal, tinha autoridade em suas palavras.
Susan então me segurou e tirou do banco, entrando comigo na sala.
Eu não precisava olhar para a diretora para saber que ela estava horrorizada
com a cena. Mas ela apenas via uma parte da história. Aquilo não era tudo.
Minha madrasta me colocou sentado numa das cadeiras em frente a
mesa da diretora e sentou na que estava ao lado, enquanto eu ouvia o clique
da maçaneta sendo fechada, seguida dos saltos da diretora batendo no piso,
à medida que a mulher caminhava.
A conversa deu início e tudo o que eu mais queria era sair correndo
dali. Não prestei atenção em tudo o que foi dito, mas de forma resumida,
chegaram à conclusão de que eu era um garoto problemático e um possível
futuro delinquente.
— Talvez fosse bom considerar a possibilidade de ele ter
acompanhamento psicológico, levando em consideração que ele perdeu a
mãe há pouco tempo, e talvez não esteja processando bem a perda. Essa
agressividade pode ser fruto da perda. Até porque, não é a primeira vez que
o Aidan age assim depois do falecimento da mãe dele. — a diretora, com os
antebraços apoiados na mesa e as mãos cruzadas, sugeriu. Eu quis gritar
que não era esse o motivo. E que não era para tocar no nome da minha mãe.
Ainda estava com raiva. Mas sabia que isso só pioraria minha situação.
Ela abriu uma gaveta num armário atrás de si e pegou um cartão-de-
visita, entregando a Susan.
— Essa é a melhor profissional que eu poderia te indicar. Espero de
verdade que o Aidan melhore. — a diretora sorriu.
— Ele vai.
— Quer dizer alguma coisa, Aidan? — a diretora me perguntou, e
eu até queria, mas sabia que nada do que eu tinha vontade de dizer, ela iria
querer ouvir. Talvez até dissesse que eu estava inventando histórias. Afinal,
na mente dos adultos, crianças amavam criar ilusões.
Permaneci calado.
— Não se preocupe, ele vai falar quando se sentir à vontade —
Susan confirmou, acariciando meu braço, que estava apoiado no braço da
cadeira — Já cuidei de crianças antes, ele só precisa de tempo.
Seu toque era como arame farpado em minha pele. Parecia rasgar.
— É melhor irmos. O pai dele pode chegar a qualquer momento, e
quero que tenhamos uma conversa com o Aidan juntos. — minha madrasta
foi se levantando, e sabendo que não tinha o que ser feito, fiz o mesmo.
Nesse momento, alguém bateu na porta e a diretora permitiu a
entrada. Olhei para trás e vi uma funcionária da secretaria segurando minha
mochila.
— É melhor mesmo, assim ele terá tempo para repensar suas
atitudes. Amanhã ele pode retornar normalmente. — Informou a diretora.
De repente, um nó se formou em minha garganta e senti vontade de
chorar. A raiva que sentia antes deu lugar à amargura. Ninguém parecia
estar nem aí para mim ou para o que eu queria ou sentia.
Susan pegou minha mochila, segurou minha mão, que eu quis puxar,
mas não o fiz, e assim saímos dali.

— Que lugar é esse? — Olhei em volta, estranhando o lugar em que


estávamos. Não lembrava de já ter ido ali. E esperava irmos para casa.
Era uma casa abandonada. Tudo ali era muito esquisito e me
transmitia uma sensação estranha de que as pessoas que habitavam faziam
coisas ruins.
As paredes tinham um aspecto envelhecido, com algumas manchas
que eu não saberia dizer se era mofo ou a pintura desbotando. Os sofás
seguiam o mesmo modelo, com a espuma gasta e meio afundada na parte
do assento. Uma TV de modelo antigo, com tubo atrás, estava ligada,
porém, com o som ambiente, na qual passava um desenho animado.
— Ora, ora — uma voz feminina me fez olhar em direção a um
corredor. Ela usava uma lingerie, tipo aquelas que as atrizes pornô usavam
nos filmes que passei a ver depois de ver a Susan seminua, com um robe de
seda por cima, aberto. E encostou na parede, me olhando de cima a baixo
— Carne nova? E o que é melhor, fresquinha…
— Esse aqui é meu. Está sob a minha responsabilidade. Não quero
nenhuma de vocês se metendo com ele. — Susan, segurando um pouco
mais forte minha mão, disse.
— Mais um protegido seu? Isso está começando a perder a graça. O
último…
— CALE A BOCA! — Susan não permitiu que a mulher
terminasse, a fazendo se assustar e encolher os ombros, em seguida, minha
madrasta saiu, me levando junto.
Passamos por um dos corredores da casa, onde havia vários quartos,
alguns com portas abertas, e vários olhares curiosos de mulheres vestidas
igualmente àquela, direcionados a mim. Que lugar era aquele?
Paramos em frente a uma porta. Mas reparei que essa era diferente
das outras.
Ela a abriu, me revelando um lugar completamente assustador e
diferente de tudo o que eu já tinha visto na vida.
Paredes vermelhas e almofadadas, correntes presas em vários
lugares, umas mesas esquisitas, que eu não sabia para que serviam.
Susan entrou e, séria, balançou a cabeça para que eu entrasse
também. Com medo, a obedeci. A expressão em seu rosto me dizia que ela
não era a mesma mulher que convivia conosco em nossa casa.
— Você viu aquela mulher na sala e todas as outras pelos
corredores? — agachada, perguntou, e eu apenas meneei a cabeça em
confirmação — Todas elas estão dispostas a tudo para te agradarem e
ensinarem coisas... A partir de hoje, você vai aprender a nunca mais deixar
ninguém te fazer de marionete, principalmente as mulheres.
— Eu não sei se quero aprender. O que fiz hoje foi errado, Susan.
— Errado? Você apenas reagiu depois de aquela menina te fazer
sentir um nada. Um fraco. É assim que você quer continuar se sentindo?
Você precisa aprender a reagir, a mostrar a elas quem manda, quem tem o
controle da situação. — sua feição endureceu.
Eu não tinha entendido bem o que suas palavras queriam dizer, mas
no instante em que minha madrasta se despiu totalmente na minha frente,
deixando seu corpo exposto para mim e foi até a cama que estava forrada
com um lençol branco e um objeto de couro sobre ela, o pegou, colocando-
o em seu pescoço e prendeu algemas em seus pulsos, e outra parte no pé da
cama, arregalei meus olhos, sem saber o que fazer ou dizer. Aquilo era
loucura. Não era correto. E eu olhei em volta, pensando em alguma forma
de fugir, mas não encontrei nada que pudesse me ajudar.
E, dessa forma, descobri, pela primeira vez, o que era sexo. Não da
forma convencional, como a maioria dos homens aprendiam, bastando
somente ir a um puteiro e foder a boceta de uma mulher qualquer. A Susan
me provocou, instigou, fez meu pau, que já estava endurecendo aos poucos
por vê-la nua, ficar rígido como pedra, fez inúmeras coisas como me
chupar, já que meu pênis já tinha um tamanho considerável nessa época,
para que eu ficasse do jeito que ela queria, até dizer:
— Agora, seja homem e enfie a porra desse pau em minha bunda!
— me olhando com raiva, ela ordenou com autoridade extrema.
— Não, Susan, por favor… — choraminguei, suplicando, e dessa
vez não consegui me segurar, sentindo as lágrimas escorrerem em minhas
bochechas — Eu não quero fazer isso…
— Vamos, Aidan, para de choramingar, antes que eu perca a porra
da paciência!
— Não, eu não vou fazer isso… Não posso… — Iria girar nos
calcanhares para correr, porque pensei que, estando presa, ela não me
alcançaria, mas Susan conseguiu segurar meus pés, não sei exatamente
como, me derrubando de cara no chão e me puxando para perto, então,
comigo de costas, tirou completamente minha calça e cueca, me segurou
pela cintura, se acomodou, deitando de barriga para cima e me pôs entre
suas pernas, me enfiando em sua vagina.
A cada vez que me forçava a sair e voltar a entrar nela, era seguido
de uma lágrima que rolava dos meus olhos. Não somente pela amargura da
situação, como também por nunca ter feito sexo antes e sentir dor na cabeça
do meu pênis por forçar a pele a descer ainda mais.
— Vamos lá, Aidan, reaja, porra! — ela não gemia como as
mulheres dos pornôs, isso parecia deixá-la com raiva — Me xingue, me
bata! Não foi assim que aquela garota inútil te fez sentir? Impotente? Reaja!
E, sentindo um ódio me preencher por estar sendo obrigado a fazer
algo que eu não queria, ergui a mão, dando um tapa em seu rosto, gritando o
mais alto que podia, sem conseguir parar de chorar.
Susan só parou quando ejaculamos. Mas de alguma forma, ela não
parecia contente com aquilo. Assim como eu, a expressão em seu rosto
parecia ser de nojo.
Eu apenas fechei os olhos por um breve instante, desejando estar em
outro lugar, talvez junto à minha mãe onde quer que ela estivesse. Porque
qualquer outro lugar parecia muito melhor. Qualquer outra situação parecia
mais convidativa.
— Esse será o nosso segredo — ela quebrou o silêncio e me
empurrou para o lado, para conseguir se soltar — E se ousar contar ao seu
pai, haverá consequências, ouviu bem?
Eu queria dizer que não. Queria discordar. Mas não podia.
Principalmente porque meu pai poderia me castigar de forma severa, como
costumava fazer. E eu não sabia mais o que seria pior. Se permitir que a
Susan fizesse o que bem queria e entendia comigo, ou esperar pelas surras
do meu pai por achar que eu estava inventando histórias para ele.

— Como foi a reunião com a diretora da escola do Aidan? Aliás, o


que exatamente aconteceu? — Enquanto jantávamos, sentados à mesa, meu
pai perguntou.
Eu não conseguia dizer nada. Minha mente estava aérea. Aquela
cena da Susan me obrigando a fazer sexo não saía da minha cabeça.
— Foi apenas uma briguinha de crianças, amor. Coisa sem
fundamento. Pelo que a diretora me disse, a garotinha que começou tudo e
bateu nele. O Aidan, como sempre, foi um fofo. Mas não se preocupe com
isso, está tudo sob controle.
Ergui a cabeça, querendo dizer que a Susan estava mentindo, porque
não foi assim que as coisas aconteceram. Mas as palavras simplesmente não
saíam. Estavam presas em minha garganta.
— Eu vou deitar. Boa noite. — falei, levantando da cadeira, sem
esperar que eles dissessem nada e, enquanto me dirigia ao meu quarto,
lágrimas silenciosas rolavam pelo meu rosto. E eu pensava que talvez as
mulheres realmente não fossem aquilo que minha mãe tentava passar para
mim, que talvez merecessem mesmo serem tratadas como nada. Porque foi
nesse mesmo dia que eu descobri que mulheres eram manipuladoras e
capazes de muito mais do que se podia imaginar.
Aquilo se repetiu por muitas vezes, até que eu fui crescendo e a
mensagem da Susan foi se proliferando em meu ser. Fiz treze, quatorze,
quinze anos e, assim, sucessivamente, me tornando um homem que
chamava a atenção das garotas, cada vez mais viciado em sexo. Mas não
qualquer sexo. Sexo agressivo. Exatamente como minha madrasta me
ensinou, e por muito tempo, usufruiu.
Mas tudo mudou quando, aos dezenove, conheci a Kimberly, no
último ano do ensino médio. Na verdade, antes disso, aos dezesseis, eu já
não queria mais ser tocado pela minha madrasta. Quando queria sexo,
buscava alívio em outras garotas, nunca nela. Porém, depois que conheci a
Kimberly, algo mudou em mim, e por mais que eu não quisesse admitir,
sabia disso.
Ao mesmo tempo em que ela fazia todos aqueles sentimentos ruins,
que me faziam sentir pequeno, virem à tona, quando a via exalando
tamanha inocência, como se o mundo à sua volta fosse perfeito, me fazia
também sentir que nada disso fazia sentido e que talvez, só talvez, eu
devesse me abrir um pouco e deixá-la entrar. Mas tudo isso mudava quando
eu via a Susan. Era como se sua imagem diante dos meus olhos me cegasse.
E um conflito desse início dentro de mim.
Essa era a maior razão para eu querer me manter distante da
Kimberly. Porque eu era como uma bomba prestes a explodir, e não queria
levá-la junto quando acontecesse. Tinha medo das minhas próprias atitudes
para com ela. Medo de que outro fosse melhor do que eu para ela. Eram
tantos os meus medos, que me faziam corroer internamente.
Por essa razão, que depois de tê-la beijado e sentido, ainda que não
completamente, o gosto de sua pele, de tê-la visto tão vulnerável, tão
entregue. Saber que eu poderia ter feito o que quisesse com ela, sem ser
impedido, me afastei. Porque se eu continuasse, eu a levaria para o meu
inferno pessoal e, de lá, Kimberly só sairia morta.
Você é a melhor mulher para o pior dos homens
Você traz um pouco do céu para minha terra perversa
Cruze meu coração e espero morrer
Você me deixa alto e seco.
Dangerous Woman - Rosenfeld
AIDAN

— Filho, precisamos conversar. — Essa era uma das poucas vezes


em que meu pai estava em casa e fingia se importar comigo, como se nós
três, sentados à mesa, fôssemos a perfeita família feliz.
Estava pouco me fodendo para ele e suas hipocrisias.
Não o respondi, apenas continuei enfiando uma garfada de comida
após outra na boca, comendo como um primitivo, para não me permitir
dizer o que queria e acabar com o teatrinho família de comercial de
margarina.
— Você não se alistou aos dezoito. Tudo bem que não é mais
obrigatório o alistamento aqui, mas você está com quase vinte anos, Aidan,
precisa pensar em seu futuro, ou pretende passar o resto da vida como se o
amanhã não existisse? — E existia? Talvez estivéssemos enganados e nosso
único objetivo nessa porcaria de vida fosse vagar por ela sem destino, até
um dia sermos abraçados pela morte.
— Seu pai tem razão, Aidan. — O som da voz da Susan me enervou
ainda mais. Mas para não dizer nada que desagradasse o papai e o fizesse
vir para cima de mim por desrespeitar sua esposa perfeita, continuei
enfiando o restante da comida na boca, e para não engasgar, entornei o suco
de laranja contido em meu copo goela abaixo, de uma só vez.
— Talvez devesse cogitar a possibilidade de seguir meus passos, ser
um marinheiro. — ao ouvi-lo, trinquei os dentes, tremelicando o maxilar,
porque pensar nisso me fazia lembrar de minha mãe e tudo que a acometeu,
não só a sua morte, como antes disso, inclusive, a convivência com meu
pai.
Nada me tirava da mente que ele a traía, entre outras coisas.
— Aidan, estou falando com você — alterado, elevou a voz —
Poderia ao menos fingir que se importa com esta família?
— Eu jamais seguiria os passos de um verme como você. — proferi,
o olhando com nojo. Bati a mão com força na mesa e levantei, indo para o
meu quarto trocar de roupa. Eu não tinha nenhum compromisso, mas
certamente não podia ficar ali ou perderia a cabeça e faria alguma besteira
da qual me arrependeria.
E só eu sabia quantas vezes, conforme fui crescendo, entrei
furtivamente no quarto deles, que nem sempre estava trancado, e mesmo
quando estava, dava um jeito de abrir, os via dormindo tranquila e
serenamente, abraçadinhos, pensando como seria matar os dois. A ideia
sempre me fazia sorrir. E nesse momento, eu pensava seriamente nisso.
Kimberly não estava aqui essa noite, por meu pai estar em casa, e
sempre que isso acontecia, a Susan também estava presente — em outros
momentos, ela sumia e eu nunca sabia para onde ela ia, mas pouco me
importava com isso. Por mim, aquela mulher poderia morrer, que não faria
a menor falta.
Eu havia planejado que Kimberly ficasse fora enquanto ele estivesse
aqui, não queria que meu pai a visse. Não queria nenhum dos dois perto
dela. Como ela já queria sair um pouco daquele quarto, foi para a casa de
sua amiga, mas sempre me mantendo a par de sua situação e localização.
Nosso acordo foi que ela iria, mas para isso, eu teria que saber a hora que
dormia e comia, onde estava, com quem saía, desde que não saísse com seu
amiguinho, o que eu tinha certeza de que ela estava desobedecendo, e
qualquer outra informação relevante sobre ela.
Mas o pior era que, de alguma forma, sua presença nessa casa me
acalmava, mesmo que, por vezes, eu agisse com um cretino com ela, não
que eu me importasse, afinal, estava a todo tempo tentando me afastar e ela
não permitia. E por mais que eu tentasse parar de pensar na Kimberly,
parecia que quanto mais perto ficávamos, mais entranhada em mim ela
ficava. E o fato de eu estar dando minha completa atenção a ela nas últimas
semanas, não fazendo nada além de estar com ela, apenas colaborava para
isso. Por essa razão, eu sabia que precisava agir o quanto antes, enquanto
ainda era tempo.
Enquanto eu pensava no que fazer para ficar bem longe dessa casa,
como uma intervenção divina, o Ryder, um dos caras do time e com quem
eu tinha mais afinidade, enviou uma mensagem dizendo que dariam uma
zapeada na night[2]. Era a ocasião perfeita. Era tudo que eu precisava.
Ryder: Ei, cara! Vai rolar racha essa noite, você vai colar?
Ryder: Toda a galera vai estar lá, como nos velhos tempos, antes de
você ficar fissurado naquela garota novata.
Eu: É só uma boceta, Ryder. Apenas uma boceta. E quando eu me
cansar dela, parto para outra, como sempre.
Eu: Encontro vocês lá.
Sabia que não só ele, mas todas as pessoas que vinham presenciando
o modo como eu estava agindo com a Kimberly, não acreditavam em minha
mentira. Mentira essa da qual eu apenas tentava convencer a mim mesmo
de que era verdade, mas só eu acreditava nela. A parte boa é que nenhum
deles sabia que eu a estava mantendo em minha casa, ou teriam muito mais
motivos para desconfiarem de mim.
Troquei de camisa, coloquei o celular no bolso do jeans, peguei a
chave do carro, a maconha e segui para fora do quarto.
— Para onde vai a essa hora da noite, filho? — ouvi meu pai
perguntar quando desci a escada e passei por eles na sala de estar, mas não
desviei minha atenção da porta, que era meu alvo, e sibilei um foda-se de
forma que não ouvissem.

Com o carro em potência máxima, eu dirigia em alta velocidade ao


som de Slipknot, minha mente estava um turbilhão. Tudo estava passando
ao mesmo tempo. Imagens da minha mãe nos braços do salva-vidas sendo
tirada do mar, a Susan em cima de mim, me chupando e forçando a fazer
sexo, meu pai negligenciando a mim como seu filho, me deixando sozinho,
sem ninguém por mim. E a angústia foi me preenchendo pouco a pouco,
fazendo que, com a ajuda da maconha que eu fumava, começasse a ter
alucinações. Já não era mais a pista que eu via, eram todas aquelas
lembranças, como se alguém segurasse minha cabeça, obrigando-me a
assistir o filme que estava sendo reproduzido diante dos meus olhos.
Quis chorar, quis vomitar, gritar, espernear, acabar com minha
própria vida, mas tudo o que fiz foi pegar a garrafa de vodca que estava
repousada sobre o banco do passageiro, que havia comprado antes do início
da corrida, e entornar. Sabia que tudo isso me foderia depois, mas apenas
correr e competir não estava adiantando, então, que fosse para o inferno o
senso de certo e errado.
Quando me dei conta, estava perto da linha de chegada e o carro
praticamente em cima da grid girl.[3]
Tudo aconteceu muito rápido. Atordoado, deixei a garrafa cair no
meu colo, derramando a bebida para tudo o que era lado e girei o volante ao
máximo, tentando desviar dela. Não tinha certeza se consegui, porque em
seguida, meu carro capotou, girando inúmeras vezes, até não aguentar mais
e parar de cabeça para baixo.
Você invadiu minha vida pecaminosa
Você me derrubou e roubou meu coração
Com apenas um olhar você me trancou
Acho que é azar.
Dangerous Woman - Rosenfeld
KIMBERLY

— Você realmente precisa entender que ele está me ajudando, Evy.


— Na casa dela, em seu quarto, conversávamos a respeito de eu estar
vivendo sob o mesmo teto que o Aidan.
— Ok. Mas o que eu não entendo é porque? Por que ele está te
ajudando? — sentada em sua cama enquanto ela estava de pé dobrando
algumas roupas limpas que sua mãe trouxe para ela guardar, Everly
perguntou, e antes que eu pudesse abrir a boca para tentar responder, ela
espalmou a mão na frente do rosto, me impedindo de falar — Kimberly, me
entenda, eu não estou te julgando, longe disso, sabe bem que isso não faz o
meu tipo, mas levando em consideração tudo o que eu e todos, ou pelo
menos a maioria dos que estudam no Private, sabem sobre o Aidan, é muito
estranho que ele esteja fazendo algo por alguém. O que me leva a crer que
ele está fazendo isso apenas pensando em como irá se beneficiar disso.
Eu sabia que ela não estava errada. Mas o que eu podia fazer?
Eu poderia ter escondido essa informação dela, e até pensei nisso,
mas contei sobre a última surra que levei da Katy e tudo o que sucedeu isso,
então contar sobre ter sido salva pelo Aidan se tornou consequência.
Ficamos conversando até tarde, fazia tempo que não tínhamos esse
momento só nós duas, então aproveitamos ao máximo, e foi bom demais,
para variar. No dia seguinte, fomos para a escola e o assunto do momento
não era outro, senão a corrida de racha feita entre Aidan e seus amigos. Mas
o que realmente me chocou e deixou aflita, foram os murmúrios que
ecoavam pelo corredor a respeito do suposto acidente sofrido por ele.
Ele estava vivo? Estava bem? Eu precisava vê-lo.
Aidan não apareceu no colégio. Pensei em contatá-lo, mas não tinha
seu número. Não consegui prestar atenção nas aulas e, quando estava no
refeitório, no horário do intervalo, antes que eu me desse conta, estava
encarando sua roda de amigos, que pareciam não se importar nem um
pouco com o fato de ele estar sumido.
Percebendo que eu os encarava, cochichos, certamente sobre mim,
seguido de risadas, ecoaram no ar. Eu não ligava, só queria saber do Aidan.
Decidi então ir procurá-lo após o fim das aulas. Não importava se precisaria
me atrasar ou faltar ao trabalho, eu precisava encontrá-lo.

Fui na casa dele, mas quem me atendeu foi a empregada da casa,


que tinha por nome Lira, e de alguma forma que eu não fazia ideia, sabia
sobre mim. Ela disse que ele não estava em casa, que inclusive, passou a
noite fora e todos estavam preocupados com ele, então, caso eu soubesse do
seu paradeiro, implorou que eu a avisasse.
Enquanto falávamos, pude ver a aflição nos olhos dela, e não era
para menos.
Saindo de lá, realmente não sabia onde procurá-lo. Apesar de estar
com o Aidan o tempo todo, não sabia nada sobre ele, a não ser o óbvio e
que todo o resto sabia, ou especulava — já que eu não tinha certeza se os
rumores sobre ele eram, de fato, verdade.
Muito preocupada, mas sem saber o que fazer, decidi ir trabalhar e
continuar minha busca quando saísse da lanchonete ao fim da tarde.
Durante todo o meu expediente, fiquei meio dispersa, minha mente
a todo momento ia de encontro ao Aidan. Onde ele estaria? O que estaria
fazendo? O tal acidente de que falavam no colégio tinha sido grave? Ele
estava bem? Essas eram as inúmeras perguntas que rondavam a minha
mente, me deixando atordoada.
Meu horário de saída finalmente chegou, peguei meus pertences e
fui embora. Enquanto eu caminhava pelas ruas, tentando pensar onde ele
poderia estar, um pensamento me veio. O cemitério. Foi lá que nos falamos
pela primeira vez — inclusive, lembrar da cena me enviava arrepios na pele
até a nuca — e o Blake parecia ter algum tipo de familiaridade com aquele
lugar. Não pensei duas vezes. Estava no caminho oposto, mas girei nos
calcanhares, mudando o trajeto.

O clima por si só já estava frio devido à estação, mas entrar naquele


lugar tornava a coisa ainda mais macabra e gélida. Após passar pelo portão,
ajeitei meu casaco, fechando-o mais, e continuei andando.
Enquanto eu caminhava por entre os túmulos, a baixa temperatura
criava uma camada fina de vapor sob os meus pés e, conforme eu respirava,
podia ver a fumacinha saindo dos meus lábios e narinas.
— Aidan? — À medida que me aproximava da parte onde o havia
encontrado da outra vez, chamei, mas não obtive resposta — Aidan? Sou
eu, a Kimberly. — Quem sabe assim, ele reconhecesse minha voz e
resolvesse aparecer.
Ledo engano.
Notando que, caso ele estivesse ali, não estava me ouvindo, ou
estava e não dando a mínima, me calei e prossegui. Até que ouvi um
resmungo baixinho, porém, alto o suficiente para ser escutado.
— Aidan? — novamente, como resposta, um resmungo.
Segui na direção do som e vi o que parecia ser a cabeça de alguém
deitada no chão. Imediatamente, corri até lá, e sim, era o Aidan.
Mas o que realmente me assustou foi ver o estado em que ele se
encontrava. Sujo, o corpo cheio de areia do chão do cemitério. Cheirava a
bebida e maconha — por causa da minha mãe, se tinha algo que eu
reconheceria em qualquer lugar era o odor fétido dessa porcaria. Seu rosto
estava coberto de sangue endurecido e alguns ferimentos que eu esperava
não estarem fundos. Meu coração quase parou ao vê-lo assim.
— Eu não matei… Eu matei… — ele resmungava coisas que
pareciam aleatórias, porque eu não fazia ideia do que se tratavam.
Apesar de resmungar coisas confusas, seu corpo estava muito
relaxado, como se estivesse inconsciente. Talvez estivesse alucinando. Me
abaixei rapidamente, segurando sua cabeça, fazendo um esforço absurdo
devido ao seu peso para trazê-lo para perto.
— Aidan? Por favor, acorda — aflita, choraminguei — É a
Kimberly. Estou aqui. — dei alguns tapinhas de leve em seu rosto, mas ele
não acordava de jeito nenhum.
Eu não sabia o que fazer, nem a quem recorrer para me ajudar,
afinal, com todo o seu peso, não conseguiria tirá-lo dali sozinha. Cogitei
tentar levá-lo ao hospital, porque ele precisava muito de atendimento
médico, mas eu não sabia exatamente como tudo havia acontecido, e tinha
um pressentimento dentro de mim dizendo que Aidan poderia se ferrar caso
eu o fizesse.
Eu só tinha certeza de uma coisa: o tiraria dali. Não importava
como.

Eu estava voltando para o quarto, segurando uma bacia com água e


um pano. Assim que entrei, o encontrei acordado. Seus olhos percorriam
todo o lugar, certamente buscando saber onde estava.
Eu o havia tirado do cemitério com certo custo, porque não podia
contar com ninguém. Consegui um táxi e saí o arrastando.
Sorri de boca fechada por, pela primeira vez, não ver o Aidan
imponente em minha frente, apenas um garoto comum, com medos e
anseios como qualquer outra pessoa.
— Oi — falei, sentando-me ao seu lado, na ponta da cama — Como
está se sentindo? Você me deixou preocupada. — Molhei o pano na água
para limpar seu rosto ensanguentado.
— Que lugar é esse?
— Você não é o único a ter um lugar de refúgio — ergui a mão com
o pano, pedindo permissão silenciosamente para fazer o que era necessário,
e como ele não disse nada, prossegui — Essa foi a primeira casa onde eu e a
Katy, minha mãe, moramos. Antes de o meu pai nos abandonar.
Lembranças demais, então ela preferiu que nos mudássemos. Quer dizer, a
Katy preferia que eu ficasse aqui, assim não teria que me aturar — dei uma
risadinha baixa e sem graça. Essa era minha forma de lidar com as coisas
que mexiam comigo. Levar na esportiva — O que aconteceu com você?
— Você me desobedeceu de novo. Eu disse…
— O que você disse não vale de nada, quando você precisava de
ajuda. Queria que eu te deixasse morrer naquele cemitério?
Ele não respondeu, apenas desviou o olhar do meu e eu podia jurar
que havia um toque de vergonha em seu gesto.
— Você precisa de um banho, medicamentos e comer alguma coisa.
Seja lá o que tiver acontecido, tem muita sorte de estar vivo, porque sua
situação não era nada boa quando te encontrei. Também não poderemos
ficar aqui por muito tempo, a casa está vazia, só restou essa cama e uma TV
quebrada. Agora me deixa terminar de te limpar.
Enquanto eu o limpava, ele ficava me encarando. Sua cabeça não se
movia, apenas seus olhos, que pareciam traçar cada detalhe do meu rosto. E
eu me questionava o que se passava em sua mente e quais segredos ele
guardava.
Ansiando conhecer todos eles.
Sua mamãe
Sua mãe diz que eu sou um tolo
E sim, talvez seja verdade
Porque eu não consigo parar
de pensar em você.
Love Is a Bitch - Two Feet
KIMBERLY

Dias depois de o Aidan ter se recuperado do acidente, voltamos para


sua casa. Mesmo depois de tudo aquilo, vez por outra, a maneira com a qual
ele vinha agindo comigo não me deixava esquecer quando me fez gozar
daquele jeito na festa que fomos, quando eu tive a chance de vislumbrar seu
corpo lindo e delicioso, e cada vinco definido em seu abdômen. E o fato de
ele ainda aparecer durante alguns dias em meu quarto, de madrugada, só
colaborava para me fazer sentir coisas. Coisas que eu sabia que não deveria,
mas que era muito mais forte do que eu.
Houve uma vez, logo quando retornamos, que parecia haver uma
discussão no andar de baixo. E encostando o ouvido na porta, eram,
aparentemente, vozes masculinas. Seria o pai dele? E entre essas vozes,
parecia surgir uma feminina, que eu acreditava ser a da madrasta dele.
Naquela mesma noite, como várias outras, Aidan entrou
silenciosamente em meu quarto, me permitindo ouvir apenas o clique da
maçaneta se fechando e o som de seus passos. Ainda que tentasse pisar em
ovos, era impossível. Até em silêncio, Blake era capaz de fazer sua
presença ser notada.
Com a luz apagada, e eu fingindo estar dormindo, ele sempre
deitava ao meu lado, passava a mão em volta da minha cintura, cheirava
meu pescoço, meus cabelos, me fazendo estremecer, tocava em cada uma
das partes de mim. Às vezes, transávamos enlouquecidamente e de forma
bruta, outras vezes, Blake apenas me tocava com aqueles dedos hábeis, ou
me chupava. Sempre me proporcionando chegar às alturas com seu toque.
A parte mais difícil era não gemer alto ou gritar. Porque se tinha
uma coisa que o Blake sabia fazer bem, era sexo.
Algumas vezes, após o sexo, eu tentava conversar com ele, fazê-lo
se abrir, mas parecia que, quanto mais eu fazia isso, mais ele se fechava. E,
quando isso acontecia, ao contrário da maioria das vezes, Aidan não dormia
comigo. Como se eu fosse um nada, ele me deixava no quarto sem dizer
uma palavra sequer e saía. Mas quando dormíamos juntos, eu me sentia
amada, querida e protegida. Blake estava se mostrando cada vez mais o
meu anjo da guarda, ainda que lutasse contra isso.
Eu sabia que tinha algo que o prendia, tinha certeza disso, e estava
me apaixonando por cada detalhe seu, até mesmo seus monstros, aqueles
que Aidan vivia tentando esconder, mas que certamente o assombravam a
noite. E talvez fosse por isso que ele ia até mim. Talvez sentisse o mesmo
que eu, se sentisse seguro ao meu lado, mesmo não conseguindo expressar
com palavras. Mas eu estava disposta a ajudá-lo a enfrentá-los. Tinha uma
boa pessoa ali, ainda que ninguém mais, além de mim, acreditasse nisso.
Em meu aniversário de dezoito anos, que eu pensei que passaria
sozinha, ele estava lá. Como sempre fazia, entrou de madrugada, mas dessa
vez, ligou a luz do abajur na cômoda ao lado da cama, me fazendo ver que
segurava algo. Confusa, me sentei, e só então percebi que Aidan segurava
um cupcake com uma vela presa ao centro dele. De boca fechada e com o
coração aquecido, eu sorri.
Eu não fazia ideia de que ele sabia a data do meu aniversário, mas
com o Aidan tudo era assim e eu realmente não queria entender, apenas
curtir o momento. Porque, diante de tudo o que eu vinha vivendo, ele
parecia ser o único que se importava.
— Feliz aniversário. — Sob a baixa iluminação do quarto, cara a
cara, nossos olhares intensos me permitiram ver o brilho dos seus olhos,
quando ele disse.
Em seguida, deixou o cupcake na cômoda, apagou a luz e me puxou
para deitarmos, me puxando para seu peito.
Aquilo não poderia ter sido mais perfeito.
No entanto, meu castelo erguido minuciosamente pedra sobre pedra,
aquele mesmo que os romances dos livros que eu lia tentavam me fazer
acreditar, foi ruindo aos poucos quando eu percebi as pequenas rachaduras
que iam surgindo nas paredes, ao notar o distanciamento e a indiferença do
Aidan dias depois. Ele já não me levava e trazia em seu carro para nenhum
lugar. Deixava o dinheiro para o táxi debaixo da porta do meu quarto, ou
entrava sem que eu o visse, e colocava sobre a cômoda.
As inúmeras noites deliciosas que passávamos juntos, passaram a
ser solitárias, me fazendo perder a conta de quantas vezes eu chorava
silenciosamente, sentindo-me sozinha por estar vivendo daquela forma. Foi
então que eu tomei uma decisão: eu o confrontaria.
Eu pretendia fazer isso no colégio, porque era o lugar onde sabia
que, por mais que o Aidan quisesse manter nossa “relação” escondida,
talvez por ele ser considerado o fodão do Private, não rejeitasse conversar
comigo. Afinal, o que seus amigos pensariam se ele o fizesse?

No corredor, encostada em uma parede ao lado da minha sala e da


Evy, eu conversava com ela e o Nathan, que estava cada dia mais próximo
de mim, o que me fazia bem e querida. Era bom ter pessoas que se
importavam comigo. Aidan adentrou o colégio, passando com sua aura
sombria e perigosa por entre várias pessoas que, à medida que ele passava,
abriam caminho para ele.
Mas não era como se ele fosse um deus, o olhar da maioria
transmitia medo dele. Especialmente depois do acidente, que eu ainda não
fazia ideia de como realmente aconteceu. E o pior era que as cicatrizes em
seu rosto, especialmente aquela que ia de uma linha abaixo do olho direito
até acima do seu lábio superior, que estava mais evidente, e eu lembrava
bem de tê-la tratado, ajudavam a deixá-lo ainda mais com um ar perigoso.
As pessoas cochichavam sobre ele, certamente comentando sobre o
acidente, e ele sabia disso, sei que ouvia, inclusive, pude notar um leve
repuxar de lábios quase imperceptível, mas que eu conhecia bem. Era um
sorriso de quem estava nitidamente dizendo: fodam-se todos!
E talvez todos esses adjetivos, aliás, não era talvez, eu sabia que
tudo no Aidan mexia comigo, com minha mente, meu corpo, minha
libido…
Aidan sabia que entre todos do colégio, eu estava não somente o
olhando, como também o admirando. Eu podia sentir. Mesmo que ele
sequer desviasse sua atenção para mim.
— Kim, você ouviu? — pisquei para voltar à realidade.
— O que tem eu? — com os lábios entreabertos, perguntei.
— Você ao menos poderia fingir interesse em nossos assuntos, Kim.
Parece que toda vez que o Aidan está por perto, todo mundo some de sua
frente. Como se sua mente entrasse em pane. — ela não sabia, mas era
exatamente isso que acontecia. Aidan era meu ar, o oxigênio de que eu
necessitava para viver. E pouco a pouco eu começava a perceber isso.
— Mas eu estou interessada. — falei e Nathan riu.
— Você só engana a si mesma, Kimberly. Mas, do fundo do meu
coração, gostaria que prestasse mais atenção nas coisas que estão em sua
frente, ou pode acabar perdendo coisas maravilhosas. — Como nunca antes,
o olhar dele sobre mim se tornou intenso. Como se ele quisesse me enviar
uma mensagem. Eu só não entendia a que ele estava se referindo.
— Do que está falando, Nathan? — ele ficou sem palavras diante da
minha pergunta, o que foi estranho, porque não parecia ser o mesmo Nathan
de minutos atrás quando me disse aquelas coisas.
Antes que ele tivesse tempo de falar mais alguma coisa, o sinal para
a aula soou. Nos despedimos dele e entramos na sala.

Estávamos no campo aberto do Private, onde, por vezes, tanto o


time de basquete quanto a equipe de animadoras de torcida treinavam. E eu,
a Evy e o Nathan, em meio a conversas e risadas, como o horário da aula
estava vago, assistíamos ao treino dos Falcões Dourados. Ou melhor, eu
assistia. Os outros dois não paravam de tagarelar, pensando que eu estava
tão entretida no assunto quanto eles. Quando, na verdade, eu apenas
admirava a forma física do Aidan e a maneira como os músculos dos seus
braços se estendiam a cada esforço que ele fazia. Nem parecia que havia
sofrido um acidente há poucos dias.
— Fala você, Kim — Evy me tirou do foco. Bati os cílios um no
outro ao piscar os olhos — Quem é o mais gato entre os garotos do time de
basquete?
Abri a boca, prestes a responder, porque não precisava pensar
demais para saber quem o meu coração e corpo escolhiam. Meu peito até se
encheu de ar para dar a resposta orgulhosamente. Mas a Evy estendeu a
mão, me interrompendo.
— Não vale o Aidan.
— Concordo. — o Nathan disse.
— Por que não? — perguntei, estarrecida.
— Porque é um babaca delinquente. E a história do acidente na
corrida de racha só provou isso — estalei a língua ao ouvir sua resposta.
Não parecia um motivo plausível. Não para mim — Além disso, o Aidan é
óbvio demais. Não há uma só garota nesse colégio que não suspire por ele
pelos cantos.
— Até você? — indaguei, porque estava com esse questionamento
na ponta da língua desde que ela me disse aquelas coisas no banheiro do
Private.
— Claro. A Everly nem poderia negar isso, afinal, eles dois já
tiveram um rolo. — Enquanto a Evy seguia sem palavras, o Nathan me deu
a resposta que eu tanto queria.
— Nathan… — minha amiga soprou quase inaudível, parecendo
não acreditar em nosso amigo. Como se isso tivesse sido o ato mais infiel
que alguém já cometeu.
— Você nunca me contou sobre isso... — Por um instante, me senti
traída. Éramos amigas há tempo demais para eu não saber esse tipo de
informação a seu respeito.
— Você não tinha o direito de falar sobre isso, Nathan! — explodiu
— Isso é sobre mim, não sobre você e não diz respeito a ninguém!
— Nem a mim? Pensei que fôssemos amigas. — não, eu não estava
com ciúmes dela. Sabia que minha amiga não tinha interesse no Aidan…
Ou será que tinha?
Repentinamente, minha cabeça deu um giro de trezentos e sessenta
graus. Se a Everly escondeu esse fato de mim, o que mais ela poderia ter
escondido?
— Kim, eu juro que há uma boa explicação para eu nunca ter te
contado. — retorceu os lábios como quem se ressentia.
— Meninas, me desculpem — o Nathan se retratou — Vocês me
parecem ser tão próximas, não imaginei que a Kim não sabia. — ele parecia
estar sendo sincero.
Nesse momento, notei que o treino dos Falcões tinha acabado e o
Aidan estava se direcionando à sua mochila, posicionada sobre a grama. Era
o momento perfeito.
— Nos falamos depois, tenho algo a resolver agora. — Nem mesmo
esperei que os dois dissessem qualquer coisa, levantei e segui até o meu
alvo. Ainda mais agora, tudo o que eu menos queria era ouvir a Everly.
Algo me dizia que qualquer coisa que ela me dissesse não passaria de
mentiras ou meias verdades. Ou talvez fosse o costume que eu tinha de ser
decepcionada me dizendo isso.
Eu sabia que estava tendo uma atitude impulsiva e que poderia
haver consequências, mas eu precisava fazer isso. Precisa confrontá-lo.
Caminhei a passos firmes e decididos pelo gramado, mirando o
Aidan, que bebia água enquanto um de seus amigos falava com ele.
Aidan sabia que eu iria falar com ele. Ele me direcionava um olhar
frio por cima da garrafa, à medida que eu andava. Mas parecia não dar a
mínima. Ele não fazia ideia do quanto isso me matava.
Para minha total decepção e aperto no peito, antes que eu tivesse a
chance de chegar até ele, a Bethany se aproximou, e se pendurou no
pescoço dele, que não recuou, e o beijou na boca.
Meu coração foi criando pequenas rachaduras, que iam crescendo
lentamente. A qualquer momento, ele se partiria de vez.
Abaixei a cabeça, sentindo-me dilacerada. As lágrimas querendo
encharcar meus olhos. Lembranças de vários momentos que vivemos juntos
vindo à tona. Nada disso fazia sentido. Eu era apenas um brinquedo para
ele? Um que ele usava quando bem queria e depois jogava em um canto
qualquer?
— FICA ASSIM NÃO, GATA! — a voz de um de seus amigos
ecoou alta em meus ouvidos, ele a elevou porque estávamos a uma distância
considerável, então só assim eu ouviria — SE QUISER, ESTOU
DISPONÍVEL!
Eu não permaneci ali para continuar ouvindo as barbaridades que a
boca daquele idiota dizia. Girei nos calcanhares e segui para dentro do
colégio, ignorando os gritos da Everly e do Nathan a me chamar.
Mas não fui para a sala, entrei no banheiro, depois em um dos
cubículos, sentei na tampa do sanitário e ali pus a mão na boca, mordendo
com força e gritei de forma que ninguém pudesse me ouvir. Era só eu e meu
coração pequeno e dilacerado. Todos. Todos nessa droga de vida me
tratavam como um verme, um animal, e eu estava cansada disso.
Chorei, gritei, ainda com a mão na boca. Chutei a porta, me
descabelei, e só parei de reagir ao que estava sentindo quando meu coração
se acalmou. Quando todos os meus anseios deixaram de existir.
— Kim! Você está aí? — ouvi sua voz e seus passos pelo banheiro,
mas a essa altura já havia me silenciado e assim continuei, não queria ver
ninguém, nem que a Everly me visse no estado em que me encontrava —
Kim, por favor, amiga, se estiver aí, vamos conversar.
Não respondi. Ouvi sua respiração frustrada antes de sair. Quando
tive certeza de que ela não voltaria, desci do sanitário, abri a porta do
cubículo e me aproximei da pia para passar um pouco de água no rosto e me
recompor.
Olhei-me no espelho e percebi o quanto minha imagem refletia a
merda que eu era. Ou pelo menos me sentia assim. Um nó se formou em
minha garganta e eu quis chorar novamente, mas não o fiz.
Quando cheguei à minha sala, imediatamente o olhar da Everly veio
sobre mim, mas não dei importância. Notei que alguns dos alunos que
estavam sentados tentavam conter uma risada. Alguns deles, inclusive, com
livros na frente do rosto, ou a mão na boca. E, tirando algumas garotas que
se podiam contar no dedo, a maioria eram meninos que riam. Alguns deles
eu reconhecia, eram amigos do Aidan que estudavam na mesma sala que
nós duas.
Eu não estava com cabeça para pensar nisso. Fosse o que fosse, não
me importava. A cena do Aidan retribuindo o beijo da Bethany, depois de
ter transado comigo diversas vezes, me fazia encolher no fundo da minha
mente. Lugar esse onde ninguém tinha acesso e eu podia gritar e chorar.
— Onde você estava? Te procurei… — quando cheguei à minha
mesa, sentada na cadeira atrás de mim, Everly tentou falar comigo, mas
ignorei — Não faz isso, amiga…
Eu não sabia o que mais estava me machucando naquele momento,
e não queria falar com ninguém.
Retirei a mochila de cima da cadeira para sentar, e senti um cheiro
esquisito. Mas não fazia ideia de onde vinha o tal odor.
Sentei, e ao colocar a mochila sobre as pernas para pegar meu
caderno, o odor se tornou ainda mais forte. Que merda era aquilo?
O professor entrou na sala e, enquanto eu abria o zíper da mochila, o
som das risadas abafadas dos idiotas foi se intensificando.
Até que pus a mão dentro da bolsa e franzi o nariz, quando o fedor
atingiu em cheio minhas narinas. Senti algo meio úmido e peludo… Segurei
no que quer que fosse aquela porcaria, e ao puxar para fora, fiquei
completamente em choque ao me deparar com um rato morto.
Sua cabeça esmagada, seu corpo coberto de sangue, que sujaram
minha mão e tudo o que estava dentro da minha bolsa.
O soltei imediatamente e o bicho caiu em minha roupa, me sujando
ainda mais. Levantei, largando tudo de qualquer jeito. Minhas mãos
tremiam e eu gritei. Um grito extremamente agudo, que fez arder minha
garganta.
— O que está acontecendo aqui? — Quando ouvi essa voz, que
pertencia ao professor, foi como se girassem uma chave em meu cérebro,
me fazendo entender o que havia acontecido, e eu chorei — Senhorita
Nelson? — Eu ouvia, mas não conseguia sair do transe, nem parar de
chorar, tremendo as mãos — Kimberly?
Eu estava tão assustada e fora de mim, que senti meu corpo se
movendo, mas não fazia ideia de quem ou para onde estava sendo levada. A
sensação daquele bicho morto em cima de mim era horrenda, causava
arrepios. E aquele sangue, o odor…
— Ela está muito nervosa. — o professor explicava e, a cada
instante que eu lembrava daquela cena, lágrimas silenciosas escorriam dos
meus olhos.
— O que aconteceu? — uma voz feminina soou.
— Aparentemente, aqueles moleques inconsequentes fizeram algum
tipo de brincadeira com ela. Mas preciso dar aula agora e a Kimberly
precisa de um calmante, qualquer coisa que a ajude a relaxar.
— Tudo bem. Ela está segura aqui. Vem, querida, vamos cuidar de
você. — A enfermeira me puxou com delicadeza e foi me guiando.
Não sei exatamente o que aconteceu depois disso, porque adormeci.
Quando acordei, ainda assustada, vi o Aidan do lado de fora da
enfermaria. Ele me observava através do vidro que tinha na porta. Estava
sério, mas eu podia jurar que havia um vinco de preocupação e, talvez,
culpa em sua testa.
Isso só me dizia uma coisa: eu não o vi por estar muito assustada, ou
por ele ser covarde demais para suportar as consequências dos seus atos e
meu olhar de desprezo. Mas foi tudo culpa dele. Tinha que ser! Foi aquele
idiota quem armou para cima de mim. E para que? Para garantir que
conseguiria me manter distante, como desejou desde o início. Não bastou
apenas ter beijado a Bethany em minha frente e ser um desgraçado filho de
uma puta. Ele tinha que me jogar no fundo do poço e garantir que eu não
sairia de lá.
Eu o encarei com ódio, porque isso era tudo o que sentia por ele
naquele momento. Uma fúria descomunal. E ali, com sangue nos olhos, eu
decidi: me afastaria do Blake.
Eu empurro meus dedos em meus olhos
É a única coisa que
lentamente para a dor
Mas é feita de todas as coisas
que eu tenho que suportar.
Duality - Slipknot
AIDAN

Eu tinha planejado tudo. Tinha que acabar com aquilo porque já não
suportava mais aquele olhar de carinho com o qual ela me olhava.
Depois do acidente, eu fiquei muito assustado, pensei ter matado a
garota, e por isso sumi. Porque não podia suportar a culpa de ter o sangue
de outra pessoa nas mãos. Depois acabei descobrindo que ela estava viva e
bem, porque conseguiu sair da minha frente antes que eu a atropelasse. E
depois de conversarmos, todos os que estavam no racha, fossem os que
participaram da corrida ou os que estavam apenas para assistir,
concordaram em não falar sobre aquele episódio para ninguém ou eu
poderia me ferrar.
Os dias passaram e a todo momento eu lembrava do olhar da
Kimberly enquanto cuidava de mim. E isso fez minha mente sentir culpa.
Sim, porque se eu a mantivesse em minha vida, acabaria a destruindo.
Destruindo o resto de algo bom, aquele olhar doce que ela ainda tinha, e
essa era a última coisa de que ela precisava. Foi por isso que decidi afastá-
la, nem que para isso eu tivesse que machucá-la.
Foi então que conversei com os caras do time que estudavam na
mesma sala que ela. Fiz isso porque, como confiavam totalmente em mim,
não fariam perguntas, apenas seguiriam o que eu dissesse.
Eu planejei cada detalhe, mas a peça-chave do teatro, e que eu não
esperava, foi a Bethany vir me beijar depois do treino. Eu cedi, mesmo não
querendo, porque nenhuma outra garota me fazia sentir as coisas que a
Kimberly fazia, nenhum outro toque na pele causava os formigamentos que
os dela causavam. E planejei tudo isso porque queria feri-la. Ela já estava
muito entregue a mim, então qualquer coisa que eu fizesse teria o resultado
esperado.
E mesmo assim, quando a vi nos observando, já que eu não senti
nada além de tesão com o beijo da Bethany, quando vi seu olhar de
decepção, pensei em recuar, em dizer para os rapazes deixarem de lado
aquela merda, tirarem o rato da mochila dela e jogarem fora. Mas já tinha
ido longe demais para voltar atrás.
Ainda assim, ao ouvir a piadinha do Ryder direcionada a Kimberly,
logo após ela desistir de ir até mim, empurrei a Bethany, voando em cima
dele, o derrubando no chão e segurando forte em seu pescoço. Ele, é claro,
ficou confuso, porque eu havia dito que a Kimberly era apenas uma boceta
qualquer que eu fodia, mas não, ela era bem mais do que isso. E por isso eu
estava tão atordoado.
Quando o soltei e saí de cima dele, vendo o olhar de choque de
todos que ali estavam, direcionados a mim, decidi que não iria para dentro
do colégio antes que eles fizessem o que ordenei. Era covarde demais para
me permitir ver sua expressão de pânico e tudo o que sucederia isso.
Próximo a sala, eu ouvi as risadas. Eles tinham feito. A tinham
humilhado, como pedi que fizessem.
As risadas eram altas, deveria ser divertido para mim, mas por que
não era?
Eu precisava sair dali, não podia continuar ouvindo. Porque me
fazia sentir péssimo.
Ao final, ela foi levada para a enfermaria, foi cuidada e, eu fiquei do
lado de fora de onde Kimberly estava o máximo que pude. Como se zelasse
seu sono. Mas isso nunca seria capaz de tirar a culpa de dentro do meu peito
ou apagar aquela merda da memória dela. Ficaria fincado, cravado. Para
sempre.
E quando ela acordou e me viu, seu olhar de ódio e desprezo estava
ali. Kimberly me odiava. Exatamente como eu queria que fosse. Mas por
que eu não estava feliz?
Quando você fecha os olhos, o que você vê?
Você segura a luz ou a escuridão está por baixo?
Em suas mãos há um toque que pode curar
Mas nessas mesmas mãos há o poder para matar.
Man or a Monster - Sam Tinnesz
KIMBERLY

Era um dia chuvoso. Não uma chuva torrencial, mas forte o


suficiente para atrapalhar os meus planos.
Desde o episódio do beijo do Aidan com a Bethany e do rato na sala
de aula, eu não conseguia esquecer o olhar do Blake sobre mim. Ele não
estava lá no momento em que tudo aconteceu, mas de alguma forma nada
tirava da minha cabeça que foi ele quem fez aquilo. E lembrar daquela
porcaria de olhar de arrependimento, como se sentisse remorso, fazia com
que eu chegasse a uma única conclusão... E por mais que eu quisesse
acreditar que o Aidan não tinha nada a ver com aquilo, sabia que estava
errada, e apenas tentava continuar me convencendo de que ele era uma boa
pessoa.
Era fim de tarde, o sol estava se pondo. Eu estava de saída do
trabalho. Dividia meu olhar entre a chuva e minha mochila aos meus pés,
no chão, pensando que precisava adiantar, ou meus planos iriam
literalmente por água abaixo.
Não sabia se por sentir-se culpado, mas o Aidan tinha voltado a me
dar carona para todo lugar que eu fosse. Não deveria ser assim, afinal, era
ele quem queria me afastar e conseguiu. Porque eu, ao contrário de como
costumava ser antes, entrava e saía do carro dele em completo silêncio.
Minha mente estava muito confusa. Ora, o Aidan me fazia sentir coisas
bonitas, ora, me fazia sentir repulsa. Eu não conseguia entendê-lo. O que,
de fato, ele queria de mim?
Suspirei, sentindo-me frustrada. A minha vida, desde que nasci, era
um completo caos. Ninguém parecia se importar de verdade comigo, o que
me levava a crer que talvez eu devesse começar a pensar em viver sozinha
após concluir o ensino médio. Afinal, agora eu tinha dezoito anos. Quem
sabe, dessa forma, teria paz e encontrasse um pouco de felicidade e
liberdade das quais tanto sonhava.
Não podia mais esperar que a chuva passasse, porque quanto mais
as horas passavam, mais a chuva parecia aumentar. Ajustei o casaco,
fechando o zíper e colocando o capuz sobre a cabeça. Inclinei-me para
pegar minha mochila, colocando as alças nos ombros, e saí debaixo do
temporal com ambas as mãos nos bolsos do casaco. Sorte que eu tinha
dinheiro para pegar um táxi, porque não estava mais gastando com as
despesas da casa da Katy e, como o Aidan voltou a me levar e buscar, não
precisava ficar gastando, o que me ajudava a economizar.
Finalmente cheguei ao meu destino. Desci do táxi e parei em frente
à porta. Ergui a mão, ponderando se era realmente aquilo que eu queria
fazer. Mas, suspirando longamente, percebi que não havia muito o que ser
feito. Dei alguns toques na porta com os nós dos dedos e aguardei.
— Quem é vivo, sempre aparece. Não é esse o ditado, cadela? — eu
já esperava ser recebida dessa forma. A Katy nunca deixaria barato o fato
de eu ter sumido sem dizer para onde ia e voltar do nada como um cão
arrependido.
Eu devia ser muito idiota mesmo para suportar essas coisas. E eu
sabia que poderia arrumar um lugar para ficar, nem que fosse um quarto de
hotel, mas pensar nisso me trazia uma angústia absurda. Fazia-me sentir
sozinha, ainda mais do que o normal.

Por eu ter “fugido” em um final de semana, numa sexta-feira, não


precisava temer ter que encarar o Aidan no dia seguinte. Só nos veríamos
na segunda, no colégio, e mesmo assim, eu começava a cogitar a
possibilidade de não retornar. Por mais louca e idiota que pudesse parecer
essa decisão, em minha mente, tudo o que me ajudasse a manter distância
dele, fazia sentido.
Por hora, eu precisava enfrentar o meu inferno pessoal. Katy.
Como já era esperado, minha querida mamãe me aceitou em casa,
mas, é claro, isso não sairia barato. Para a Katy, tudo, absolutamente tudo,
tinha um preço. E, se tratando do meu retorno, o preço a ser pago era me
prostituir.
— Está pronta, cadela? — após bater bruscamente na porta do meu
quarto, ela perguntou.
— Já vou! — gritei em resposta.
— Não demore. O primeiro cliente já está chegando. E esse é dos
bons. — senti um toque de malícia em sua voz. Não saberia dizer se era
pelo que o tal homem faria comigo, sexualmente falando, ou por pagar bem.
Isso pouco me importava.
Suspirando longamente, eu encarava meu reflexo no espelho,
questionando quem eu era e no que me tornei. Sentia como se não vivesse,
apenas existisse. Mas será que essa existência valia de alguma coisa?
Não podia mais adiar o meu calvário, tinha que aceitar que não
importava o que eu fizesse, meu destino já estava traçado. E o que era pior,
pelo próprio diabo, que em pessoa, convivia comigo.
Abri a porta, me direcionando a saída depois de ajeitar meus cabelos
soltos sobre os ombros e colocar o meu melhor sorriso falso no rosto, a fim
de convencer o cliente de que ele teria a melhor transa de sua vida e que eu
estava satisfeita em satisfazê-lo.
Assim que cheguei à sala, bateram na porta e meu corpo inteiro
gelou.
— Não estrague tudo. — Katy disse, segurando a maçaneta e eu
meneei a cabeça em concordância.
Por um instante, juro que, mesmo de olhos abertos, me vi enfiando
uma faca no peito dela, depois esmagando sua cabeça com uma pedra,
vendo seus miolos explodirem. Aquilo me fez sorrir de verdade.
— Boa noite. Essa é a Selena. — Katy apontou para mim e aquele
foi o nome de guerra que concordamos que eu usaria com os clientes. Me
fazendo sentir verdadeiramente uma puta.
O homem entrou, me olhou de cima a baixo, apreciando a visão, e
eu segurei em sua mão para guiá-lo ao quarto que a Katy preparou
exclusivamente para isso.
Entramos, o coloquei sentado na cama. Ele estava tão interessado
em mim, que nem mesmo se deu ao trabalho de conferir o lugar onde
estávamos.
— O que você quer que eu faça? — perguntei.
— Tire a roupa. Quero ver seu corpo. — respondeu, com a mão no
pênis sob o jeans da calça que usava.
Sem hesitar, o obedeci e vi seus olhos brilharem e sua boca salivar.
Ele não deixava de me encarar um segundo sequer.
Repentinamente, ouvi vozes alteradas. Não parecia ser só da Katy.
Tinham outras, que pareciam ser masculinas. Mas eu precisava manter o
foco, ou minha mãe poderia me punir se eu não fizesse o que ela estava
sendo paga para eu fazer.
— QUE PORRA É ESSA AQUI? — A porta foi arrombada e,
imediatamente, eu cobri meus seios, que já estavam expostos, quando vi um
policial parado atrás de mim.
— Vocês não têm o direito de entrar na casa de alguém assim! —
logo atrás dele, a Katy retrucava, extremamente alterada.
— A senhora está presa pelos crimes de aliciamento e exploração
sexual infantil. A partir de agora, tudo o que disser, poderá ser usado contra
você.
Nesse momento, meu coração acelerou. A primeira pessoa que me
veio à mente que poderia ter feito aquilo era o Aidan. A Everly não tinha
como saber.
O mínimo pensamento de ele ter me salvado, mais uma vez, mexia
demais comigo e fazia meu coração idiota reagir.
Eu tinha ido para a delegacia junto com a Katy e aquele homem.
Precisei dar meu depoimento, desde quando tudo começou. E contar fato
por fato desde quando o meu pai nos abandonou, doeu mais do que pensei
que aconteceria.
Agora, eu estava sentada num dos bancos da delegacia, depois de
me certificar que a Katy e aquele homem nojento haviam sido presos,
pensando como um passarinho que passou anos enjaulado, e agora
finalmente tinha sua liberdade. E pensava no que faria daqui para a frente.
Para onde iria. Se ficaria sozinha.
Pensei em pedir abrigo a Everly, mas ainda estava chateada com ela
por ter escondido um segredo de mim, ela até foi me ver quando estava na
enfermaria do Private, mas por mais imatura que eu estivesse sendo, não
quis vê-la, apenas aceitei a visita do Nathan. E agora achava que, pela
primeira vez, deveria tomar as rédeas da minha vida e recomeçar sozinha.
Não podia mentir, estava com muito medo, mas tinha que fazer isso.
Por mim mesma.

Era sábado. No dia anterior, ao sair da delegacia, encontrei um hotel


e passei a noite. Na verdade, não fazia ideia de quanto tempo ficaria ali,
mas no momento o que eu mais pensava era em encontrar o Aidan.
Estava sem celular, porque devido a termos saído de casa às pressas
ontem, não deu tempo de pegar nada. E eu tive medo de voltar naquela casa
onde, por anos, vivi meus piores dias. Sorte que um dos policiais que me
interrogou, perguntou se eu tinha para onde ir ou com quem ficar, quando
eu disse que não, ele me deu cem dólares, ou eu teria passado a noite ao
relento. Porém, lembrei que era aniversário do Aidan — algo que eu
descobri fuçando suas redes sociais — e soube através de terceiros, sobre
uma corrida de racha, e eu tinha quase 100% de certeza que aquele idiota
estaria lá. Mesmo levando em consideração o que aconteceu na última.
Assim que cheguei ao local de destino, não precisei me esforçar
para encontrá-lo, porque ele estava encostado na lataria de seu carro novo,
usando um casaco de moletom, lindo como sempre, e com os braços
cruzados sobre o peito, conversando com um garoto, que de longe eu não
reconheci. As luzes dos postes iluminavam acima de nós e refletiam em
suas tatuagens.
Parei no caminho, apenas o observando e tentando tomar coragem
para me aproximar, não fazendo ideia de qual seria a sua reação. Até que
Aidan se despediu do tal garoto, que deu um tapinha em seu ombro, e virou
de costas, prestes a entrar no carro, mas parou ao me ver.
Ficamos nos encarando por um tempo. Meu peito subia até o limite,
como se a sensação de ver o cara que mexia tanto comigo, o fizesse precisar
se esforçar excessivamente para obter oxigênio.
Ele entrou no carro e eu, vendo todos os veículos se alinharem para
dar início a corrida, andei o mais depressa que pude e entrei no lado do
passageiro. Era uma completa loucura o que eu estava fazendo. Muito
arriscado. Mas eu não estava pensando em mais nada além de falar com ele.
Tinha que entendê-lo, saber o que se passava em sua mente, ou pelo menos
tentar.
— Desce, Kimberly. Isso aqui não é brincadeira, é perigoso demais.
— Com as mãos no volante e sem me olhar, ele disse.
— Só saio daqui quando a gente conversar.
— O que nós teríamos para conversar? Não acha que foi o suficiente
o rato em sua mochila, ratinha? — Notei um certo tom de sarcasmo quando
ele disse ratinha, me dando a certeza de que eu buscava.
— Não. Não foi. Não quando você beija a Bethany na minha frente,
depois faz uma merda dessas e, logo em seguida, faz uma denúncia contra
minha mãe. Eu não sou tão idiota quanto pareço, Aidan. — Eu falava cada
palavra com firmeza. Estava no meu limite com as atitudes indecisas dele.
Blake não disse mais nada, apenas olhou para mim, não me
permitindo decifrar o que pensava, e em seguida, moveu a marcha, pisando
no acelerador o mais forte que podia. Tudo que consegui sentir foi meu
corpo tombando para trás, no banco. Imediatamente, coloquei o cinto de
segurança e, já que estava ali, deixei a adrenalina da corrida penetrar
minhas veias. E, nossa! Aquilo estava sendo o máximo.
A cada curva que ele fazia, meu coração pulsava forte. Tremia
minha garganta. E, como se não bastasse, Aidan ligou o som, deixando uma
música do Slipknot tocar, o que só contribuiu para o momento que estava
sendo espetacular.
Aidan ultrapassou todos os carros, chegando ao fim da linha em
primeiro lugar, e parou o carro. Ficamos um tempo em silêncio, ouvindo
apenas as batidas dos nossos corações e o som de nossas respirações em
sintonia. A música tinha parado. Até que, sem parecer se importar em
receber seu prêmio pela corrida, ele girou sobre os pneus, fazendo-os
cantar, gerando uma fumaça que embaçava os vidros, e arrancou dali.
Eu não sabia para onde estávamos indo. Mas o que realmente me
interessava era que eu estava com ele. O garoto insano por quem me
apaixonei.

Ele parou naquele lugar incrível. O mesmo que havia me levado da


outra vez, quando me defendeu do homem na lanchonete. O lugar onde nos
beijamos pela primeira vez.
Como de costume, saiu do carro antes de mim, indo até lá. E eu fiz o
mesmo, vendo-o parar no penhasco.
— Como tem tanta certeza de que fui eu quem fez a denúncia? —
encarando a cidade de Nova Iorque de cima, perguntou.
— Ninguém mais, além de você e da Everly sabiam do que
acontecia naquela casa. E a Everly não sabe que voltei para lá. Então…
— Por que voltou para lá, Kimberly? Por que foi burra? Você estava
segura comigo.
— Eu estava? — ele não respondeu — De qualquer forma, ainda
que eu estivesse, segurança não é tudo que eu quero, Aidan. Quero que pare
de se esconder e mostre o que sente por mim. Se é que sente alguma coisa.
Talvez eu esteja apenas me iludindo. Afinal, como acabou de dizer, sou
burra. E depois de tudo o que fez, eu devo ser muito idiota mesmo por ainda
vir atrás de você.
— O que acha que sinto por você, Kimberly?
— Não faço ideia. Mas alguma coisa você sente. E não é só tesão.
Talvez seja ódio, mas se for, a pergunta que não quer calar é: Por que me
detesta tanto?
Ele riu abafado, o que me fez questionar o que era tão engraçado. E
virou-se de frente para mim.
— Seria incrível se eu realmente te detestasse, como acaba de
afirmar. Mas é muito além — Aidan veio se aproximando de mim, me
levando a prender a respiração — Me faz perder o equilíbrio. Me faz
questionar o certo e o errado. Me faz sentir um filho da puta. Te querer por
perto e longe, ao mesmo tempo. Assusta, porque nunca senti isso antes. —
Ele finalmente parou bem perto e eu senti seu hálito quente soprar em
minhas bochechas.
— E por que não se permite? Por que foge?
— Porque não consigo controlar o monstro que vive dentro de mim
e não confio nele perto de você.
Me mate, minta pra mim, me amaldiçoe
Faça mais uma vez
Me beba, me assuste, me odeie
Como nunca antes
Me ame, ore para mim, me quebre
Faça um esforço você mesma
Me lave, me segure
Me foda.
Drink Me - Michele Morrone
KIMBERLY

Ele não permitiu que eu dissesse nada, segurou minha nuca com
firmeza, mexendo com todas as minha estruturas, daquele jeito que só ele
sabia fazer.
No mesmo instante, minhas pernas fraquejaram, meu coração
pareceu parar e eu tive a ligeira sensação de esquecer como se respirava.
Aidan foi aproximando o rosto do meu lentamente, em uma tortura
infindável, me fazendo salivar, ansiando por sua boca na minha. Roçou o
nariz em minha bochecha, bem perto da minha boca, e eu fechei os olhos.
Ele aspirou o cheiro da minha pele, como se cheirasse uma droga, me
fazendo delirar. Até que, finalmente, uniu nossos lábios e, em um ímpeto,
envolvi seu pescoço com meus braços.
Sua língua explorava todos os cantos da minha boca, parecendo
querer entrar em minha garganta, como se aquilo não fosse o suficiente para
ele.
Blake soltou minha nuca, pôs as mãos em minha cintura e me puxou
para cima, levando-me a entrelaçar minhas pernas em volta dele.
Imediatamente, senti sua ereção. Ele estava duro como pedra e não se
envergonhava disso. Na verdade, tinha a impressão de que queria que eu
soubesse como o deixava. E eu não podia negar que gostava daquilo. E
lembrar de como era tê-lo dentro de mim, me deixou ainda mais molhada
do que já estava e minha boceta pulsou.
O senti se movendo, indo para a frente, mas o beijo estava tão
gostoso, que eu me recusava a abrir os olhos para entender o que estava
acontecendo.
Segurei seus cabelos, repuxando-os, dando leves arranhadas em sua
nuca com minhas unhas. Afastei nossas bocas ao sentir algo molhado. E,
quando abri os olhos, percebi que estávamos na água.
Voltei a encará-lo, e ele me devolvia um olhar intenso e cheio de
desejo. Eu o queria demais e precisava aproveitar o que estávamos fazendo,
saber que o Aidan estava se entregando ao momento, a mim. Então, que se
fodesse o que era certo e errado. Que fosse para o inferno se a nossa
“relação” não era comum. Nada na minha droga de vida era comum. Eu
vivia no caos. Portanto, iria me permitir afogar mais um pouco no lamaçal e
viver o momento.
Continuamos nos beijando, com o céu e as estrelas acima de nós
testemunhando o quanto nos desejávamos. Eu estava tão em brasas, que
nem sentia o frio. Ele apertava minha bunda, meus seios, beijava, mordia e
chupava meu pescoço, deixando ali sua marca. E eu gemia, pedindo por
mais. A essa altura, minha calcinha deveria estar encharcada.
— O que você está fazendo comigo…? — perguntou, arfando, ao
parar o beijo e encostar nossas testas.
— Eu sinto o mesmo que você, Aidan. Por que não se entrega?
— Você quer mesmo saber? — desencostou sua testa da minha, me
analisando.
Meneei a cabeça. Aidan respirou fundo, parecendo arrependido de
ter me feito aquela pergunta. Em seguida, sem me soltar e sem nenhuma
dificuldade de me carregar, foi saindo da água.
Enquanto ele andava, eu não parava de admirá-lo. Como era lindo.
Aqueles olhos, aquela boca, os braços fortes, os cabelos lisos. Senti meu
coração bater mais forte e, sem perceber, estava sorrindo para ele, que
mesmo sem entender nada, e bastante sem jeito, retribuiu, sorrindo de
canto. E, me pegando de surpresa, roçou o nariz em minha bochecha e a
beijou.
Ali, em seus braços, me senti completa.

— Como… O que… — parada, após entrarmos no quarto, eu


tentava formar uma frase coerente, mas nada saía.
— Em meu aniversário de doze anos, algum tempo depois da morte
da minha mãe, eu conheci a mulher que acabaria com toda a minha infância
— sem me encarar, ele começou a falar — Naquela noite, meu pai estava
muito feliz, e fazia muito tempo que eu não o via assim. Ele e minha mãe
nunca foram o casal perfeito, daquele tipo que eram eternos namorados.
Pelo contrário, acho que estavam há tanto tempo junto mais por costume do
que por amor, o que me fez questionar por muito tempo se o tal do amor
realmente existia — doeu um pouco ouvir aquilo, porque apesar de tudo, eu
acreditava no amor — Foi justamente quando aquela mulher, a mesma que
você conheceu quando eu te trouxe para cá, que me mostrou que essa coisa
de amor não existe. O mundo, Kimberly — ele olhou para mim. Pude ver a
dor e a amargura em seus olhos — É feito de pessoas poderosas que o
dominam. Ninguém é realmente livre e dono de sua própria vida. Não
importa se você cresceu, se trabalha, se mora sozinho e não depende de
ninguém, sempre haverá alguém que terá o controle de sua vida. E eu sei
disso porque vivi na pele.
— O que ela te fez para pensar desse jeito?
— O que ela fez? — ele riu diabolicamente e sem uma gota de
humor — A coisa mais certeira que poderia foder com a mente de uma
criança. Em um quarto exatamente como esse — abriu os braços,
mostrando ao nosso redor — Porém, em outro lugar, me estuprou.
Arregalei os olhos, sentindo-me estremecer. A bile me subiu a
garganta e eu quis vomitar.
— A Susan foi a primeira mulher em minha vida, sexualmente
falando. E a pior que poderia ser. Me ensinou a ter o controle sobre tudo e
todos, principalmente sobre as mulheres que passassem em minha vida.
Todas seriam marcadas por mim… Algumas não de um jeito bom, porque
nem todas conseguem se adaptar ao modo com o qual vejo o mundo.
— E você tem medo que eu não me adeque e saia machucada dessa
história… — quase sussurrando, afirmei.
Ele não disse nada, mas seu silêncio e a expressão em seu rosto
foram o suficiente para eu entender.
— E se eu quiser?
— Não sabe o que está pedindo, Kimberly. Você não faz a menor
ideia de como é estar nesse quarto. As coisas que faço com as mulheres
aqui são humilhantes. Você já passou por humilhação demais nessa vida
para eu ser mais um em sua lista que vai acabar com o que sobrou de bom.
— E o que sobrou de bom, Aidan? Me diz — ele se calou, porque
sabia que eu tinha razão. Não havia restado nada — Aidan — me aproximei
dele, espalmando minhas mãos em seu peito. Seu cheiro me preencheu em
cheio e eu precisei de certo esforço para prosseguir. Blake abaixou a
cabeça, me olhando — Eu estou aqui. Sinto muito, muito mesmo por tudo o
que te aconteceu. Mas você não está mais sozinho. Eu confio em você e
quero que me dê tudo o que tiver. Eu quero tudo de você, Aidan.
Ao ouvir minhas palavras, ele me pegou pela cintura, andando para
a frente, me fazendo bater as costas numa parede, que por sorte era
acolchoada. Aquilo e seu olhar predador me deram um baita tesão. Eu já
podia imaginar todas as coisas que aquele garoto faria comigo, e usando
todos os objetos que tinham ali.
— Eu me odeio por não conseguir me controlar perto de você — seu
hálito fresco e quente soprou em meu rosto — Apenas lembre-se: aqui não
há espaço para arrependimentos. No fim, foi você quem causou isso a si
mesma, ratinha.
Pus as mãos em seu rosto para beijá-lo, mas ele as segurou e
prendeu acima da minha cabeça.
— Quem disse que você pode me beijar? Aqui, sou eu quem dou as
ordens. Se eu mandar você falar, você fala. Se eu mandar você calar a boca,
você cala. E se eu mandar você fazer alguma coisa e você não fizer, você é
punida.
Meneei a cabeça e ele me soltou.
— Tire a roupa, suba na cama e fique de quatro. — Sério, ele
ordenou.
Fiz o que ordenou e, ao me ver na posição em que mandou, pude
vislumbrar sua respiração em frenesi. Ele podia tentar esconder suas
reações de mim, mas não conseguia. Eu sabia que o afetava.
Aidan foi até uma mesa preta, pegou um acessório com algumas
partes de couro e outras de ferro, e outra coisa que não consegui identificar,
vindo até mim. Segurando meu pescoço sem dó, me puxou um pouco para a
frente, e colocou a parte de couro nele. Era uma coleira.
Em seguida, prendeu minhas mãos, as puxando por entre meus
peitos, passando pelo meio de minhas pernas, e antes de continuar, passou a
mão pela minha bunda completamente exposta, deslizando o dedo do meu
ânus até minha vagina, onde circulou os grandes lábios e encostou o rosto,
roçando o nariz ao redor e cheirando minha boceta. Somente o sopro da sua
respiração já foi o suficiente para eu arfar e pulsar. E, aparentemente, aquilo
era só o começo.
Aidan concluiu o que estava fazendo, prendendo minhas mãos, e
perdendo o equilíbrio, meu tronco desceu e meu rosto tombou no colchão.
Veio até a ponta da cama, puxou minha cabeça para cima, e vendou
meus olhos.
— Você não vai ver. Vai apenas sentir. E perceberá como o medo do
invisível está apenas em nossa mente. — disse baixinho.
Em silêncio, pelo movimento do colchão, percebi que levantou. Eu
não fazia ideia do que o Blake estava fazendo, mas por estar com os olhos
vendados, minha audição foi aguçada. Ouvi seus passos se distanciando, um
barulho como se estivesse pegando algo, e logo depois, seus passos outra
vez. Ele estava voltando?
Aidan deslizou algo frio e rude pelas minhas costas, o meio da
minha bunda, vagina, circulou levemente em meu clitóris e bateu com o que
quer que fosse aquilo que segurava, em minha bunda. Acho que era um
chicote. Fosse o que fosse, causava uma sensação dolorosa, mas gostosa e
excitante.
— Argh… — gemi baixinho.
Passando o chicote por entre minhas pernas, o deslizou dessa vez até
meus peitos, circulando-o em meus mamilos que já estavam entumescidos.
— Aidan…
Tudo o que eu obtive em resposta foi o silêncio. E por mais louco
que fosse, tornou tudo ainda mais excitante. Talvez fosse a expectativa, a
vontade que eu tinha de tê-lo de todas as formas possíveis.
Enquanto continuava a fazer isso, ele se abaixou um pouco e eu
senti a ponta da sua língua deslizar da parte acima do meu ânus até minha
boceta. Aquilo foi o suficiente para me fazer gemer mais alto e minha
vagina pulsar dolorosamente.
Ele continuou lambendo, porém, de leve, somente com a pontinha
da língua. Mas era um movimento preciso. E, Deus! O que era aquilo?
Quanto mais me lambia, mais eu gemia e meus dedos dos pés se
curvavam.
Nervosa, me mexi, tentando me soltar, mas era impossível. Queria
tocá-lo, o queria dentro de mim.
— Aidan, não para… Eu vou… — assim que falei em meio aos
gemidos, engasgando com saliva, ele parou o que estava fazendo, causando-
me frustração.
Percebi seu movimento ao levantar da cama e ouvi seus passos. Pelo
calor do seu corpo, ele estava em minha frente. O som do zíper de sua calça
foi ouvido. Ele pôs a mão em meus cabelos, posicionando o que eu
imaginava ser seu pau na frente da minha boca. Queria muito ver o que, de
fato, estava acontecendo, mas sabia que ele não tiraria a venda dos meus
olhos.
— Abre a boca — obedeci — Chupa.
— Acho que não sei fazer isso direito. — Sim, eu já havia chupado
outros caras, mas não era exatamente expert no assunto.
— Não perguntei se sabe fazer. Mandei fazer. Agora abre a porra da
boca e me chupa — obedeci e ele se enfiou em minha boca — Sem dentes,
ratinha.
Comecei a movimentar a boca, com um pouco de dificuldade por
estar de mãos e pés atados. Só não me desequilibrava porque ele segurava
meus cabelos, mantendo minha cabeça erguida.
Quando percebeu que eu movia a boca devagar, mesmo apreciando
muito sentir seu gosto, porém, com medo de fazer algo errado, Aidan ditou
o ritmo das estocadas, movendo seu quadril para a frente e para trás, não me
deixando respirar nem um segundo. Por vezes, eu engasgava, porque ele
enfiava tudo e seu pau era grande, então forçava minha garganta. Mas Blake
não estava nem aí. Meus olhos até lacrimejaram e saliva escapava dos
cantos dos meus lábios, o lambuzando ainda mais.
Até que o senti pulsar, e em seguida, seu leite jorrar em minha
garganta. E Aidan não tirou até ter certeza de que eu engoli tudo.
Ao sair de mim e tirar a venda dos meus olhos, notei que apesar de
ter gozado, seu pau continuava duro. Eu quis chupá-lo outra vez, agora
podendo ver suas reações em minha boca, mas apenas o deixei fazer o que
quisesse comigo.
Blake foi até a mesa, voltou segurando um vasinho tampado, subiu
na cama, se posicionando atrás de mim. Passou algo gelado em meu ânus, o
lambuzando bem, e enfiando a pontinha de seu dedo. Se eu não estivesse
mais excitada, o que não era o caso, teria ficado agora, porque aquilo foi
uma delícia.
Ele segurou meus quadris, forçou a cabeça do pau em minha bunda,
e confesso que doeu um pouco. Um pouco não, bastante. Eu nunca tinha
feito sexo anal, apesar de os clientes da Katy quererem, sempre conseguia
desviar sua atenção para outras coisas. Mas os dedos hábeis dele, que
haviam descido para meu clitóris, o estimulando, me ajudaram a relaxar
mais.
Aidan se pressionou ainda mais, cada vez empurrando um pouco do
seu pau imenso dentro do meu ânus. Arfei em desconforto.
— Se você não relaxar, vai ser pior. Foi você quem escolheu isso,
Kimberly, não vou ter pena de você. Relaxa esse cuzinho apertado pra mim,
vai.
Ouvindo suas palavras sacanas, fechei os olhos, sentindo seus dedos
trabalhando em meu clitóris e entrando em minha boceta, e quando relaxei e
não esperava, ele enfiou o restante do seu pau que estava para fora. Mas eu
já não sentia mais dor por causa do seu estímulo. Na verdade, queria muito
mais do prazer que ele me proporcionava.
Aidan começou a se mover, saindo quase que completamente da
minha bunda e voltando de vez. E doía. Mas era uma dor prazerosa.
— Ah, porra! Caralho de rabo apertado! — ele gemeu e bateu muito
forte em minha bunda.
Continuou metendo, e cada vez mais eu sentia o ápice se aproximar.
Eu nunca havia feito sexo daquela maneira, mas era surreal de bom. E me
vi cada vez mais inebriada pelo desejo, a luxúria, o prazer… Era
enlouquecedor.
Meu corpo inteiro estremeceu, minha boca se abriu ao máximo,
meus olhos reviraram, minhas pernas cederam em espasmos musculares,
uma onda frenética de prazer invadiu meu ser e eu gozei, gemendo alto e o
apertando em minha bunda. E senti seu líquido quente jorrar lá dentro, o
ouvindo urrar.
Estou tentando
Estou tentando não esquecer minhas palavras
Porque quando estou ao seu redor
Eu costumo continuar mudando de ideia.
Love Is a Bitch - Two Feet
KIMBERLY

— O que você está fazendo? Por que não parou? — Confusa,


questionei o Aidan, notando que ele continuava dirigindo em direção ao
Private e não parou a uma certa distância para eu descer do carro, como
sempre fazia — Aidan? — percebendo que ele não respondeu, perguntei
novamente.
— Não faz perguntas demais, Kimberly.
Eu sabia que não adiantaria insistir, porque o Blake não diria a razão
para aquilo. Para falar a verdade, ele estava agindo de forma estranha
comigo desde que me levou aquele quarto em sua casa — lugar esse que,
inclusive, depois de transarmos, me contou que apenas ele tinha
conhecimento da existência. Aidan vinha dormindo comigo todas as noites,
me tratando de maneira menos rude, e sempre que possível, transávamos
naquele quarto. E o mais improvável, estávamos indo juntos a vários
lugares. No entanto, pensei que ainda teria que manter nossa “relação”
escondida.
Às vezes, era difícil penetrar aquela mente e tentar compreendê-lo.
Ele parou no estacionamento do colégio, e notei que, mesmo ainda
estando lá dentro, os alunos que passavam do lado de fora, percebiam que
tinha alguém além dele ali dentro.
Aidan tirou a chave da ignição após travar o veículo, desceu e veio
até o lado que eu estava, abrindo a porta e estendendo a mão para mim. Sem
saber como reagir, fiquei apenas parada, com os lábios entreabertos, muito
surpresa. Eu jamais esperaria que aquilo acontecesse.
— Anda. — ele disse e eu precisei piscar duas vezes para entender
que aquilo era real.
Estendi a mão, aceitando a dele. Blake entrelaçou nossos dedos,
fechou a porta atrás de nós e segurou meus livros, tirando o peso dos meus
braços, e seguiu comigo em direção à entrada do Private.
Acredito que não havia uma única pessoa que não estivesse nos
olhando, tão abismados quanto eu.
Ele me deixou em minha sala e foi para a dele. Pelo visto, seríamos
o assunto das próximas semanas. E eu odiava ser o centro das atenções.

— Então, é verdade o boato… — eu estava sentada na grama, sob a


sombra de uma árvore, lendo um livro, quando fui interrompida pela
Everly.
Não nos falávamos desde que descobri que ela havia escondido de
mim o fato de ter ficado com o Aidan. E isso já tinha mais de uma semana.
— Não sei do que está falando. — falei, sem desviar minha atenção
do livro. A verdade é que eu só não queria olhar para ela, mas não estava
mais lendo.
— Você e o Aidan. Soube que chegaram juntos e andaram de mãos
dadas pelos corredores.
— É, foi o que aconteceu. — respondi secamente.
— Poxa, Kim, até quando vai me dar gelo? Ao menos olha pra mim,
amiga. — seu tom era suplicante.
— Amiga? — fechei o livro bruscamente, fazendo um pequeno
barulho, e a olhando — Amigas não escondem coisas.
— É sério que ainda está chateada com isso? Não foi nada demais,
Kimberly! Foi apenas uma foda e pronto, ele nunca mais me procurou,
droga! Satisfeita? — virou-se de frente para a direção oposta à minha com
os braços cruzados abaixo dos seios, respirando exasperadamente.
— Não é ciúmes, Everly. — e realmente não era. Ou eu tentava,
mais uma vez, me convencer disso, quando, na verdade, me mordia
internamente.
— Mas é o que parece. De qualquer forma, não temos mais nada.
Ele, sequer, olha pra mim ou fala comigo. Por isso, não se preocupe, seu
mundinho cor-de-rosa não vai desmoronar por minha causa.
— Meu mundo está longe de ser cor-de-rosa, Everly. E se tem
alguém que sabe disso, é você. Eu só não quero me envolver com um cara
de quem você está afim. Então, se ainda quiser alguma coisa com ele, é só
me dizer, e eu saio do seu caminho.
— Kimberly, você já viu o Aidan andando de mãos dadas com
alguma garota? Não. Já o viu ficar com a mesma pessoa mais de uma vez?
Aquela songamonga da Bethany não conta. Ela dá em cima de todos os
caras do Falcões Dourados. E como ela é presa fácil para o Aidan, ele acaba
cedendo. Mas já o vi rejeitá-la várias vezes. Ou seja, mesmo se eu quisesse
algo a mais com ele, o que não é o caso, estaria completamente fora de
cogitação.
— Tudo bem. Mas não pense muito sobre isso, não sei exatamente o
que está rolando entre nós. O Aidan é imprevisível.
— Mas tá na cara que você está caidinha por ele. — gesticulou,
como se aquilo estivesse escrito em minha testa.
— É complicado… — suspirei longamente.
— Eu não te contei sobre nós dois porque senti vergonha — ela
estava falando a verdade, eu a conhecia bem para saber disso. E o fato de
permanecer olhando para outra direção, deixava isso aparente — Pensa
bem, justo eu, que estava te alertando sobre o Blake, porque ele é
problemático demais, contar que já transei com ele. Seria bizarro, né? — ela
riu e acabei achando graça da situação também.
Quando parei de rir, me questionei se eles teriam transado no quarto
da dor — nome este que o Aidan mencionou em uma de nossas conversas
depois. Mas logo deixei esse pensamento de lado.
— Vai assistir ao jogo deles? — Ela sabia que eu não falaria mais
nada sobre isso. Ao menos não naquele momento, então mudou de assunto
repentinamente.
— Acho que não. Sei que estarão falando sobre nós dois. Prefiro
ficar aqui lendo meu livro. — No instante em que me calei, o celular que
ele havia me dado com um número diferente por receio de a Katy me
encontrar, emitiu um som de notificação no bolso da minha calça e eu o
peguei.
Aidan Blake: Cadê você?
Estranhei não somente o teor da mensagem, como também a pessoa
que o enviou. Não lembrava de ter salvado o contato dele.
Guardei o celular, não o respondendo.
— Você vai? — perguntei a Everly. Mas logo fui interrompida
novamente.
Sabia que era ele.
Aidan Blake: Se não me responder, vou rodar esse colégio todo até
te achar.
Eu: Não é assim que pessoas civilizadas conversam.
Aidan Blake: Foda-se! Não ligo. Você tem cinco minutos para
chegar aqui.
Eu: Não sabia que tinha salvado seu número em meu celular.
Era de se imaginar que ele havia feito isso, mas eu queria provocá-
lo.
Aidan Blake: Uma informação totalmente irrelevante. Seu tempo
está passando.
Eu: Onde exatamente seria “aqui”?
Aidan Blake: Em cima do meu pau, Kimberly.
Juro que ri ao ler. Tinha certeza que ele estava se irritando com
minhas perguntas.
Aidan Blake: Sabe muito bem onde é.
Eu: Ok. Estou indo.
— Deixa eu adivinhar — Everly comentou assim que eu guardei
novamente o celular — Aidan.
— Na mosca. Vamos lá. — falei, levantando e posicionando o livro
debaixo do braço, antes de estender a mão para ajudar minha amiga a
levantar e seguirmos para a quadra.

Assim que entramos na quadra, a porcaria da porta fez um barulhão


ao fechar quando a soltei, e os olhares dos alunos e professores que estavam
ali, foram direcionados a mim.
Droga!
Eu sabia que o assunto do momento era o Blake e eu, especialmente
depois de ele estar metido com o lance do rato em minha mochila. Sim,
porque pelo que diziam a seu respeito, não tinha como acontecer uma
merda naquele colégio sem que ele estivesse envolvido. Talvez estivessem
pensando que tipo de besteira eu havia feito para o Aidan querer se vingar
de mim, afinal, antes de chegarmos juntos hoje, ninguém tinha
conhecimento de que havia algo entre nós.
Eu realmente preferia não pensar a respeito.
Mas havia um olhar no meio de todos. O mesmo que mexia com
tudo dentro de mim, que fazia meu âmago estremecer, meu coração
acelerar, minha cabeça girar. O único que me interessava. E estava sobre
mim.
Por um instante, tive a sensação de estar flutuando sob o seu olhar.
Era intenso, quente, avassalador e sombrio. Sombrio para os outros. Para
mim, não mais. Agora, eu o conhecia. Especialmente depois de ele ter me
contado todos os detalhes de sua vida, tão fodida quanto a minha. Os
detalhes da morte de sua mãe. E tudo isso apenas colaborou para o que
estava crescendo dentro de mim, sobre ele, aumentar ainda mais.
Eu estava entregue ao Aidan Blake, e foi justamente o caos da sua
vida que me encantou.
Passamos por entre várias pessoas que estavam sentadas na
arquibancada, procurando por lugares para sentar. Quando nos sentamos,
fiquei cara a cara com os garotos dos times, sabendo que o olhar do Blake
acompanhou cada movimento meu.
Estranhei o fato de o Nathan não ter vindo sentar perto de nós,
inclusive, o procurei com os olhos, e o encontrei perto de alguns garotos
com jeito de nerd, assim como ele. Nathan me viu, mas nitidamente fingiu
que não. Tinha algo de muito estranho nisso.
O jogo iniciou e, logo de cara, os garotos do Falcões Dourados, time
principal e que representava o Private, ganhou de lavada dos Leões, time
secundário. E a última cesta, feita pelo Aidan, eu podia estar louca, tinha
noção disso, mas pelo jeito que ele me olhou enquanto quicava a bola, antes
de lançar, foi como se estivesse fazendo aquilo para mim, mesmo sem dizer
nada.
E internamente, eu sorri.

— Atrapalho? — eu não precisava virar de costas para saber quem


era. Sua voz e cheiro o denunciavam.
— Não, só estáva… — antes que eu pudesse concluir, fui
interrompida.
— Atrapalhou, sim. — o Nathan, que após o jogo, veio falar com a
gente, o encarou com uma expressão raivosa.
— Nathan… — Everly interviu, tocando o braço dele de leve —
Que bobagem. A gente só estava conversando.
— Sim. E ele atrapalhou. Eu tô cansado do Aidan Blake — tinha
sarcasmo em seu tom quando ele disse o nome dele — Andando por aí se
achando o deus do Private. Esse babaca é só um garoto como qualquer
outro.
— Esse o quê? — Me arrastando para o lado, Aidan deu um passo à
frente, que devido a sua altura, foi o suficiente para chegar perto do Nathan
— Repete o que você disse. — Blake segurou na gola da camisa dele.
— Aidan, para com isso. — pedi, tentando tocá-lo, mas ele não
deixou, colocando a outra mão para trás, me afastando.
— Deixa, Kimberly — Nathan curvou os lábios em um sorriso, o
desafiando — Deixa esse babaca me bater e mostrar sua verdadeira face.
Afinal, todo mundo sabe que ele é um otário que usa as garotas para o seu
próprio benefício.
— Nathan, de que merda você está falando? Para com isso! —
Everly rebateu.
— Até você sabe disso, Everly. Ou não? Ele deve ser mais um
desses delinquentezinhos que tem dinheiro e faz o que quer, com a
justificativa de que nunca teve o amor dos pais. Principalmente por ser
órfão de mãe. Não é mesmo, Blake?
Um burburinho se formou ao nosso redor. Os alunos estavam
curiosos para saber o que estava rolando.
Vi a veia do pescoço do Aidan engrossar, quase saltando, e a mão
dele ir em cheio na direção do rosto do Nathan, acertando seu nariz.
— Nunca mais na porra da sua vida, sequer pense em falar sobre a
minha mãe, seu otário! Vamos. — Depois disso, ele me pegou pela mão e
saiu me puxando para fora da quadra.
— Cuidado, Kimberly! — ainda consegui ouvir a voz do Nathan
alterada — É exatamente isso que ele vai fazer com você!
Eu engoli em seco, dividida entre pensar sobre o que o Aidan tinha
acabado de fazer com meu amigo e ir com ele. Pela primeira vez, eu tive
medo dele.
Ele não parou. Não foi para o vestiário masculino tomar banho e se
trocar, nem voltamos para nossas salas. Continuamos andando até chegar
onde seu carro estava estacionado.
Aidan chegou a entrar, mas eu permaneci ali, parada, atônita. Não
sabia o que pensar. O meu ser estava me corroendo. E o fato de não
conseguir esquecer a cena de ele socando o rosto do Nathan apenas
colaborava com o pânico.
— Entra — ordenou, mas não consegui obedecê-lo — ENTRA,
KIMBERLY! — gritou — Inferno! — socou o volante, bufando e me
deixando ainda mais nervosa.
Ao perceber que eu não faria o que mandava, abriu a porta do carro
e veio até mim. Prendi a respiração, temendo o que viria a seguir.
Ele parou em minha frente, emoldurou meu rosto com as mãos,
olhando no fundo dos meus olhos.
— É por isso que eu tive tanto medo de aceitar o que quer que esteja
sentindo por você, porque não tenho controle sobre minhas ações quando
estou com raiva. Mas eu nunca faria algo assim com você. E sabe por quê?
— ele acariciou meu rosto com os dedos, e sem conseguir verbalizar,
balancei a cabeça em negação — Porque você me faz querer ser diferente
quando estamos perto. Eu posso ter vontade de acabar com o mundo, mas
nunca com você. — E sem esperar que eu dissesse algo, Aidan me beijou,
ali mesmo, no estacionamento do Private, onde todos podiam nos ver. E
não consegui impedi-lo, porque o que sentia por ele era mais forte do que
qualquer medo que tentasse se apoderar de mim.
Meu peito explodiu como fogos de artifícios. Eu senti sinceridade
em suas palavras. E, dessa vez, não era um beijo como os outros que ele
costumava me dar, cheios de luxúria, como um cara que queria apenas me
levar para a cama. Tinha algo mais. Era leve. E terminou com selinhos e
nossas testas coladas.
Algo está quebrado lá no fundo
Eu sinto-me tão mal
Eu tenho problemas
Sou demasiado fraco para lidar com eles
Só quero o teu amor
Para me ajudar a ultrapassar tudo
Por isso aguenta, querida
Porque ultimamente sinto-me louco.
Hold On - ill Peach
KIMBERLY

Não sabia para onde estávamos indo. E confesso que achei bem
estranho quando ele disse que sairíamos naquela noite. Não exatamente por
causa disso, mas porque era sexta-feira e eu sabia onde era sua parada todas
as sextas a noite. E com certeza não queria ir a um date com seus amigos.
Entrei em pânico quando ele parou o carro no estacionamento do bar
e fez menção com a cabeça para eu sair.
— É aqui que vamos ficar?
— Não. Só preciso entregar uma coisa a um dos caras do time. É
rápido. — ele levou a mão ao porta-luvas, pegando um pequeno embrulho.
— Eu preciso ir junto? Não posso esperar aqui?
— Qual é o problema, Kimberly? — apoiou o braço esquerdo no
encosto do meu banco, me analisando.
— Eu só não quero ir lá… Não sei se estou bem para me encontrar
com seus amigos — olhei para baixo, analisando a roupa que vestia. A
insegurança me tomando — Aliás, não sei se quero conhecê-los
formalmente. Eles podem não gostar de mim… É melhor eu esperar aqui.
— iria virar o rosto na direção oposta a dele, mas Aidan não permitiu,
segurando meu queixo para encará-lo.
Eu amava quando ele fazia isso, me permitindo enxergar além dos
seus olhos.
— Você não apenas está, como é linda — seu cheiro me inebriou —
E quanto a eles, que se fodam todos. O único que precisa gostar de você sou
eu. Quero que grave bem minhas palavras em sua mente e nunca mais
esqueça. — ainda segurando meu queixo, Blake juntou seus lábios aos
meus, me dando um beijo que me fez esquecer até meu nome.
Eu nunca me cansaria daquilo. Nunca.
— Vamos. Eu prometo que é coisa rápida. — Abriu a porta do carro
e saiu.
Já do lado de fora, estendeu a mão para eu segurar. Quando o fiz,
entrelaçou nossos dedos.
Cada vez que o Aidan agia dessa forma, dizendo publicamente,
ainda que não de forma verbal, que estávamos juntos, todas as borboletas
do universo dançavam em pares e faziam sexo em meu estômago. Eu podia
sentir o êxtase em cada célula pulsante.
Ao abrir a porta do estabelecimento, quando o sino tocou, todos os
olhares vieram sobre nós. Quer dizer, sobre ele primeiro, porque o Aidan
era muito alto, então ninguém conseguia ver que ele estava acompanhado
imediatamente. Inclusive, pude ver o sorriso da Bethany enlarguecer ao vê-
lo, mas assim que me viu de mãos dadas com ele, seu sorriso morreu. Seus
amigos nos encaravam com incredulidade, como se aquilo fosse coisa de
outro mundo. Mesmo que aquilo não fosse algo tão anormal, já que
estávamos quase sempre juntos no colégio nas últimas semanas. No
entanto, ainda não se acostumaram com isso e pareciam não gostar.
— Ora, se não é a ratinha... — um dos amigos dele comentou em
tom de zombaria, assim que nos aproximamos da mesa em que estavam, o
que me fez encolher e questionar que merda eu estava fazendo ali.
— O que disse? Acho que não ouvi bem. — Aidan, o lançando um
olhar duro, falou.
— Ah, qual é, Blake?! Vai dizer que…
Não o deixando terminar, Aidan segurou na gola de sua camisa com
firmeza, o fazendo gaguejar.
— O que eu tenho com a Kimberly, interessa apenas a nós dois. É
melhor calar a porra do fazedor de merda que você chama de boca, antes
que eu enfie a mão em sua cara. Seria um grande favor que eu estaria
fazendo ao mundo, arrebentando essa sua cara feia.
Blake o encarou com fúria, o maxilar travado, a outra mão já em
punho, até que o carinha que segurava meneou a cabeça, concordando com
o que ouviu e ele o largou.
Eu queria distância daquelas pessoas. E, depois de conhecer o Aidan
mais a fundo, tendo a certeza de que seus amigos não o conheciam tão bem,
me perguntava porque ele andava com eles. Não fazia sentido.
— Vou indo nessa. Vejo vocês na segunda. — Blake falou, logo
após entregar o embrulho a um dos rapazes.
— Não vai ficar, Aidan? — quando ele segurou minha mão
novamente, prestes a me guiar para fora dali, Bethany perguntou.
— Não. Tenho coisas muito melhores e mais importantes para fazer
— ele parecia desdenhar dela, e honestamente, no fundo da minha alma, eu
estava cantarolando e soltando fogos de artifícios por isso — E onde não
cabe a Kimberly, não me cabe também.
Eu jamais esperava ouvir tais palavras vindas dele, do cara que vivia
fugindo de qualquer coisa que se relacionasse a mim até algumas semanas
atrás. Se Aidan estava apenas brincando comigo, ele sabia esconder muito
bem suas reais intenções, porque parecia extremamente convicto no que
dizia. Qualquer um se convenceria do que ele disse.
Ele não esperou que ninguém mais o questionasse ou tentasse
insistir para que ficasse. Acho que nenhum deles se atreveria a isso,
conviviam com o Aidan há tempo suficiente para conhecê-lo bem.
— Kim? — Ao passarmos pela porta, alguém me chamou.
Aquela voz eu conhecia bem.
— Nathan? — Estava feliz e surpresa em vê-lo — O que faz aqui?
Pensei que não frequentasse esse tipo de lugar. Lembro-me bem de como
pediu para sairmos daqui várias vezes quando nos conhecemos daquela vez.
— contive um risinho, lembrando daquele dia, sem conseguir esquecer a
atitude do Aidan para com ele e comigo.
— E não frequento. Combinei com a Everly. — notei que o Nathan
olhou de soslaio para o homem imenso ao meu lado. Não tinha certeza se
ele estava com medo, mas também não duvidava que estivesse.
Aidan podia causar calafrios em qualquer um com apenas um olhar
devido ao seu jeito imponente.
— Infelizmente, não posso ficar. Mas vamos combinar alguma coisa
qualquer dia desses. — o abracei, me despedindo.
— Claro. Com você, eu topo tudo. — retribuiu o abraço, dando um
beijo em minha bochecha.
Nathan entrou no bar e eu segui com o Aidan em direção ao seu
carro. Ele não me esperou, andava em minha frente. Calado.
Estava com ciúmes?
— Já disse que não te quero perto dele. Ele gosta de você. —
quebrando o silêncio insuportável, sem desviar a atenção da direção, falou.
E realmente ele havia dito, logo depois de socar a cara do Nathan, no
Private.
— Está vendo coisa onde não tem.
— Você é mesmo ingênua, Kimberly — riu sem humor — Por que
acha que ele surtou daquele jeito no colégio? Por ter algum tipo de rixa
comigo?
— Levando em consideração o seu histórico, eu não duvidaria. —
dei de ombros.
— Eu nunca nem falei com aquele cara. Nem sei quem ele é. E
sinceramente, prefiro continuar assim, ele não me passa a menor confiança.
— Muitas pessoas dizem o mesmo sobre você, e olha onde estou.
— É diferente. Eu nunca me escondi para você. Você sabe coisas a
meu respeito, que ninguém mais sabe. Nem mesmo aquelas pessoas que
estavam no bar. Conhece lugares ligados a mim que nunca mostrei a
ninguém.
— A cachoeira? — indaguei, o olhando com os olhos brilhando.
Ele não respondeu e eu encarei seu silêncio como um sim.
— E por que acha que o Nathan esconde algo? Ele é um cara legal.
— Todos são legais quando querem se enfiar na boceta de uma
mulher.
— Foi por isso que se aproximou de mim? Que me protegeu?
— Se fosse, não acha que eu já teria me cansado de você? Nenhuma
outra garota fodeu com a minha mente como você. Nem mesmo a Susan —
dessa vez, olhou para mim — Você é o meu inferno na terra, Kimberly.
Corei, sentindo-me abobalhada. Por mais rude que suas palavras
fossem — porque era assim que ele se expressava — tinha um toque de
sentimento. Algo bom que eu não sabia explicar. E seus olhos nos meus
refletiam que eu não estava errada.

— Cinema? — perguntei, sorrindo e surpresa, quando ele parou.


— Sem perguntas. — ele disse, travando o carro e saindo.
Entramos de mãos dadas e paramos na fila da bilheteria.
— O que vai querer assistir? — perguntei.
— Você escolhe. Não sou muito de assistir filmes.
— Não assiste filmes, mas lê livros. Você, às vezes, é irônico. Se
não queria assistir nada, por que me trouxe aqui?
— Porque você gosta e é isso o que importa — mesmo deixando
subentendido, eu sabia que ele queria me agradar — Além disso, vou
assistir outra coisa. — Fiquei confusa, mas não fiz mais perguntas.
Quando chegou a minha vez de ser atendida, escolhi o filme Como
Eu Era Antes de Você, que estava em cartaz. Aidan pagou, pegamos os
bilhetes, compramos pipoca e refrigerante, e fomos para a sala.
Durante todo o filme, eu sentia seu olhar sobre mim, fosse quando
eu ria, sorria, me emocionava, ou xingava o Will, protagonista do filme. Foi
aí que entendi o que ele quis dizer quando falou que iria assistir outra coisa.
Ele parecia vidrado em mim, como se eu fosse algum tipo de espetáculo do
qual não conseguia desviar a atenção.
Houve um momento em que estendi a mão para pegar pipoca no
balde no apoiador da poltrona, e nossas mãos se chocaram. Olhei para o
lado, me desculpei e fiquei sem jeito quando Aidan, sem dizer nada,
segurou minha nuca, forçando meu rosto para si, e me beijou.
Foi realmente uma noite perfeita.

No caminho de volta para casa, comecei a sentir cólica e fiz uma


careta, levando a mão ao baixo ventre.
— Algo errado? — ele perguntou, me olhando.
— Só um pouco de cólica. Não se preocupe.
Repentinamente, Aidan fez uma curva, nos tirando do trajeto que
seguíamos, e depois de alguns minutos, parou em frente a uma farmácia.
— Já volto. — informou, saindo e fechando a porta.
Depois de algum tempo, retornou, segurando algumas sacolas, e as
colocando sobre minhas pernas. Em seguida, deu partida no carro.
— O que é tudo isso? — franzi o cenho.
— Remédio para cólica, uma bolsa térmica que a atendente disse
que ajuda na dor, e chocolates. Não entendo dessas coisas, mas ouvi dizer
que chocolate ajuda a aliviar os sintomas menstruais. — ao final, ele estava
olhando para mim. E sorrindo, suspirei, sentindo meu coração aquecido.
— Obrigada. — me inclinei e beijei sua bochecha. Ele não reagiu,
mas eu sabia que havia sido afetado por meu gesto.

— Quem é vivo, sempre aparece! — Ao entrar em sua casa, fomos


recebidos por uma recepção, digamos, bastante calorosa. Era uma voz
masculina. Eu já a tinha escutado de longe antes, e suspeitava que fosse o
seu pai.
No mesmo instante, Aidan colocou a mão para trás, segurando a
minha e apertando. Não era um aperto doloroso. De alguma forma, era
como se eu o transmitisse segurança através disso.
— A que devemos a honra de sua presença nesta casa? Uma garota?
— o homem bastante alto, aparentando ter a mesma altura que o Aidan,
mesmo sentado, talvez centímetros mais baixo devido a idade, questionou,
arqueando as sobrancelhas. Sua aparência não negava a quem o Blake saiu.
Apesar da idade, era tão bonito quanto, e muito charmoso.
— Oi — Aidan cumprimentou secamente — Essa é…
— Com quem você está falando, querido? — A madrasta do Aidan
veio se aproximando e parou ao nos ver. Vê-la me causou medo, mas não
era por mim, e sim, por ele. Eu sabia como ele deveria se sentir sob a
presença dela. E sua mão apertando a minha não negava isso.
Eu não lembrava muito bem dela, só a tinha visto uma única vez.
Mas observando agora, não dava para negar sua beleza, e o quão sedutora
era. Talvez tenha sido isso que afetou o Aidan, e por ser apenas uma
criança, não conseguiu distinguir as verdadeiras intenções dela.
— Boa noite — quebrando o silêncio, que já começava a me
incomodar, falei — Sou a Kimberly, amiga do Aidan.
— Amiga? — o tom com o qual a voz do pai do Aidan soou, parecia
estar carregado de malícia — É assim que chamam os namoros agora?
Enquanto isso, o olhar da madrasta do Aidan estava sobre mim. Ela
me observava e analisava. Eu não saberia dizer o que se passava em sua
mente, mas seu jeito realmente passava a imagem da esposa e madrasta
perfeita. Isso me dava nojo e me fez lembrar da Katy.
— Não somos…
— Não importa o que somos — Aidan me interrompeu — Vamos
subir. Boa noite.
— Espera, filho — ele iria me puxando, quando seu pai o fez parar
no meio do caminho. Aidan permaneceu de costas e notei que respirou
fundo — Fica e janta com a gente. Os dois. — seu pai parecia estar
suplicando por sua presença.
— Não estou com fome. — Aidan respondeu.
— Por favor, filho. Você quase nunca está em casa quando eu estou.
Eu só quero ficar um pouco com a minha família.
Aidan repuxou os lábios em um sorriso de canto, sarcástico, e
mesmo sem dizer uma palavra, eu entendia o que aquilo queria dizer.
Porque eu sentia o mesmo quando se tratava de família.
Sem dizer nada, ele girou nos calcanhares, ainda segurando minha
mão, e assim como seu pai e sua madrasta se levantaram para ir até a sala
de jantar, seguimos logo atrás.
Ao chegar, ele puxou uma cadeira, sentou, depois puxou outra bem
ao seu lado, fazendo menção para eu sentar, e me trouxe para ficar o mais
perto dele possível. Era como se quisesse me manter segura dos olhares de
sua madrasta. Ou talvez fosse ele quem quisesse se sentir seguro.
Nos servimos, exceto o Aidan, que não moveu uma palha. Ele
estava mais sério do que o normal. Eu não estava com fome, mas coloquei
um pouco de comida no prato para não fazer desfeita.
— Então, como se conheceram? Estão juntos há muito tempo? Sabia
que você é a primeira garota que ele traz aqui? — A última pergunta foi
direcionada a mim. Não sabia como me sentir diante disso.
— Acho que estão juntos há algum tempo, querido — a mulher
falou — Não é a primeira vez que a vejo aqui. Só não imaginava que a
coisa estava tão séria.
Mal sabiam eles que eu estava literalmente vivendo sob o mesmo
teto que ambos.
— Fico muito feliz em saber disso. A propósito, filho, você fez uma
bela escolha, ela é linda — piscou para o Aidan com orgulho — Por que
não come um pouco? A comida da Susan está deliciosa.
— O que pretende com isso, pai? Qual a sua real intenção? —
Aidan questionou repentinamente.
— Do que está falando, filho? Eu só queria passar um tempo com a
minha família, isso é pecado?
— Você é hilário — Aidan riu amargamente, fazendo o clima ficar
ainda mais tenso — Não somos uma família, pai. Eu diria que deixamos de
ser a partir do momento que minha mãe morreu, mas se pensar bem, foi
muito antes disso. Com a morte da mamãe só piorou, porque você estava
muito mais preocupado com sua carreira de merda, do que com as coisas
que aconteciam nessa casa. Vocês dois me dão nojo! — ele falou
entredentes, travando o maxilar, e fazendo uma careta, despejando ali tudo
o que sentia.
Em seguida, levantou bruscamente, me levando consigo.
— AIDAN! — seu pai gritou, mas ele não parou. Continuou
andando, até chegarmos ao corredor que levava aos quartos. Mas ao invés
de ir para o meu, entrou no seu, que ficava bem ao lado.
Ele me soltou e seguiu até a janela, retirando algo do bolso da calça
jeans e pegando algo. Era maconha. Percebi enquanto Blake enrolava a erva
no papel, passando a língua para fechar.
Antes de acendê-lo, encarou a chama do isqueiro por um momento,
parecia fascinado com aquilo. Até finalmente acender o cigarro, levando-o
à boca e dar uma longa e forte tragada.
— Aidan… — sussurrei, mas ele não deu importância — Quer
conversar?
Tudo o que eu ouvia era o barulho da sua respiração forte quando
ele soprava a fumaça no ar.
— Aidan?
— Não me enche, Kimberly.
— Desabafa.
Ainda segurando o cigarro, ele veio apressadamente até mim,
segurando muito forte meu pescoço. Tão forte, que me privou do ar. Foi me
fazendo recuar, até bater minhas costas em uma parede. Doeu pra caralho!
Fechei os olhos, engolindo em seco, reprimindo a dor.
Abri a boca, respirando com dificuldade. Foi nesse momento que ele
soprou a fumaça em meu pescoço, beijando e chupando forte, sem soltá-lo.
Jogou o cigarro no chão do quarto, pisoteando-o, e levou a mão a minha
perna, subindo aos poucos, deslizando os dedos levemente na parte interna
de minha coxa direita, causando formigamentos e me fazendo esquecer
completamente que eu precisava respirar.
— Se quiser sexo, estou aqui. Senão, não se meta em minha vida. —
sussurrou.
— Você não me amedronta, Aidan… — falei com dificuldade,
arrancando um pequeno sorriso sádico dele.
— Essa foi a maior besteira que você já disse, ratinha. A pior. —
apertou mais. Não era da mesma maneira que fazia quando queria me
causar tesão, ele apenas queria me fazer temê-lo. Esse era o jeito perfeito de
demonstrar ser forte, ter domínio sobre algo. De dizer que nada nem
ninguém o dominava, ou tinha qualquer tipo de poder sobre ele.
— Aidan… Por fa… — minha voz já estava ficando cada vez mais
sussurrada — Não é a mim que você quer machucar, é a ela. As duas
pessoas que estão lá… Embaixo… Foi ela quem acabou com sua vida…
Que minou sua… Infância… — meus olhos já estavam quase revirando. Eu
não sabia mais onde buscar por oxigênio — Ela é a culpada das merdas de
sua vida…
— Cala a porra da boca! — alterou a voz.
— Você precisa pôr para fora o que está sentindo, Aidan…
— CALA A BOCA, PORRA! — dessa vez, gritou e sua voz saiu
embargada. Eu sabia que minhas palavras haviam mexido com ele — Eu
poderia continuar, te matar aqui mesmo e agora, esconder o seu corpo, e
ninguém saberia.
— Mas não é isso que você quer fazer… Eu não sou ela… Não sou
a… Susan… Ela é a culpada… — ao ouvir o nome da madrasta, seus olhos
lacrimejaram. Aidan travou o maxilar, tentando reprimir o que sentia, mas
abaixou a cabeça, caindo no choro, e afrouxou o aperto em minha garganta.
Era um choro dolorido. Eu podia sentir a dor em minha alma.
— DROGA! — gritou em meio às lágrimas, encostando a cabeça na
parede acima da minha.
Suas lágrimas rolavam, molhando meus cabelos. Enquanto, com a
mão na garganta, eu tentava recobrar o fôlego.
— Shiii!!! — falei baixinho, tentando segurar seu rosto e trazê-lo
para mim — Tá tudo bem. Ela não pode mais te fazer mal. Eu estou aqui.
Ele continuava chorando, e até tentava parar, mas acabava
soluçando. Eu o compreendia completamente. Aidan devia estar contendo
suas dores há muito tempo sem ter com quem contar.
Segurando em sua mão, o puxei com um pouco de dificuldade para
a cama. O fiz sentar, e sentei em seu colo, de frente para ele, e somente o
abracei o mais forte que pude. Era como se eu quisesse que ele dividisse sua
dor comigo, para amenizá-la nem que fosse um pouco.
Inicialmente, Aidan relutou, mas minutos depois, se rendeu, me
apertando muito forte. E assim, ficamos por horas. Enquanto eu o
consolava.
Fui atropelado por um caminhão,
fui atropelado por um caminhão
Ele fugiu e me deixou aqui para morrer
Uma noite longa chorando na chuva, é.
The Feels - Labirinth
KIMBERLY

Algumas semanas se passaram, e eu não poderia estar mais feliz.


Aidan e eu estávamos mais conectados do que nunca. Talvez o fato de ele
ter se permitido despejar seus sentimentos sobre mim, tenha ajudado. O que
sei é que estava tudo perfeito.
No colégio, as pessoas ainda nos encaravam com desdém, mas isso
não me importava. Nada disso era sobre eles. Era somente sobre nós dois e
o quanto nos dávamos bem, apesar de tudo.
Era final de outubro, hoje teria um último jogo de basquete, antes de
finalizar algumas provas do semestre, e em breve entraríamos nas férias de
inverno.
Todos estavam empolgados para o jogo. Eu já estava a caminho da
quadra, mas precisei ir ao banheiro e disse a Everly para ir na frente.
— Posso falar com você rapidinho, Kim? — Quando estava saindo
às pressas, com medo de o jogo começar e eu perder o início, o Nathan
chamou minha atenção do lado de fora.
— Oi, Nathan. Tem que ser agora?
— Sim, é importante. Prometo ser rápido. — seu olhar era
suplicante.
— Tudo bem, pode falar.
Ele encarou os pés, os juntou, respirou fundo, enquanto minha
paciência ia se esvaindo aos poucos. Mas o Nathan era sempre tão legal
comigo, que eu não queria ser indelicada.
— Kim, eu sei que isso pode parecer repentino e nada a ver… Mas
estou apaixonado por você desde que bati meus olhos em você pela
primeira vez.
— Eu… — antes que eu prosseguisse, ele espalmou a mão, me
barrando.
— Eu sei que vai dizer que está com o Blake, mas eu realmente não
consigo entender. Demorei muito a ter coragem para me declarar porque
pensei que você perceberia. Bobo, eu sei. Só queria que você soubesse o
que sinto e que o Blake não é sua única opção. Tem um cara muito melhor
bem aqui em sua frente. — levantou a mão e acariciou meu rosto.
— Não é bobo, Nathan. Na verdade, você teve uma atitude muito
bonita e corajosa — sorri para lhe mostrar que estava tudo bem — Mas não
é tão simples como parece. Eu me apaixonei pelo Aidan. Aconteceu e não é
algo que eu possa controlar — ele abaixou a cabeça. Eu sabia que o tinha
entristecido, mas infelizmente não podia fazer nada — Sei que você irá
encontrar uma garota legal, que goste de você tanto quanto você dela. —
Pus a mão em seu rosto, me aproximei e beijei sua bochecha.
Eu sabia o quanto tinha dilacerado seu coração e isso não me
deixava feliz, mas era isso.
— Não vai para a quadra? — voltei a virar de frente para ele,
percebendo que permanecia no mesmo lugar.
— Pode ir na frente, vou em seguida. — ele sorriu forçadamente,
mas eu preferi não insistir. Tinha medo de acabar passando a mensagem
errada.
Assenti e saí.

O jogo estava sendo incrível. A cada vez que os Falcões Dourados


faziam uma cesta, a galera na arquibancada ia à loucura e as animadoras de
torcida faziam uma pequena dancinha no banco mesmo.
Eles tiveram um tempo para descansar, antes de retornarem para
finalizar a partida. A pontuação já estava 28 a 10, mas uma partida e os
Falcões seriam vencedores. Eles eram muito bons.
Mas repentinamente, enquanto os garotos bebiam água e
conversavam com o treinador, dois policiais adentraram o lugar, seguido do
diretor, que eu não vi quando tinha saído de lá. Um burburinho se formou,
ninguém fazia ideia do que estava acontecendo.
Eles falaram com o treinador dos Falcões e chamaram o Aidan, que
prontamente se aproximou. Minha respiração estava presa nos pulmões,
meu coração acelerado. Minhas pernas batiam impacientemente uma na
outra. Eu estava muito nervosa, querendo saber o motivo para aquilo.
Os policiais falaram com o Aidan e saíram, o levando. Antes de
passar pela porta da quadra, ele me lançou um olhar de que ficaria tudo
bem, mas eu não tinha tanta certeza disso.
Você tem sangue em suas mãos
Como você se declara?
Good in Goodbye - Madison Beer
AIDAN

— Aidan Blake? — reconheci a voz do diretor quando me chamou,


apoiando a mão em meu ombro, e olhei para trás, porque estava em pé, de
costas para a porta.
Virei-me, deparando-me com ele e dois policiais. Imediatamente,
franzi o cenho. Eles me afastaram um pouco das pessoas, para que não
ouvissem do que se tratava e acabar causando alarde desnecessário — como
se já não o tivesse feito.
— Senhor Blake, sou o policial Willians e esse é o Lewis — um
deles os apresentou, como se fosse necessário, quando seus sobrenomes
estavam estampados nas plaquinhas douradas em suas fardas. Bando de
cuzões exibidos! Revirei os olhos internamente — Recebemos uma
denúncia de homicídio, viemos com um mandado e verificamos seus
pertences, onde encontramos uma faca que pode ter sido usada como arma
do crime. Precisamos que nos acompanhe até a delegacia para que
possamos averiguar mais sobre o caso.
Ao ouvi-lo, fiquei sem palavras. Eu não podia imaginar como uma
faca teria ido parar em minha mochila. Mas notei que o policial que estava
falando comigo mirou os ferimentos em processo de cicatrização no meu
rosto, o que só lhe dava mais certeza de que quem quer que tivesse feito a
porra da denúncia, estava certo.
Merda!
— Temos que ir, senhor Blake. — eles não estavam sendo rudes,
nem deram voz de prisão por não terem certeza de que eu havia cometido
um crime, mas eu não estava com um bom pressentimento.
Antes de acompanhá-los, dei uma última olhada na Kimberly, que
estava na arquibancada. Era bizarro como nenhum outro olhar me
interessava. Mesmo que a maioria deles fossem julgadores. Eu não me
importava. Tinha alguém, por mais filho da puta que eu fosse, que
acreditava em mim. E era nesses momentos que sentia aquela mistura de
sentimentos em meu ser, porque me fazia odiá-la. E não, eu não a odiava
pelos motivos certos, mas pelos errados.
A odiava por me fazer sentir pequeno. Porque, sempre que encarava
aqueles olhos escuros, me via perdido, como se ela fosse tudo de que eu
necessitava para viver. A odiava por me fazer ver aquele garotinho de doze
anos, indefeso e sem ninguém com quem contar, refletido em sua íris.
Quando seus olhos pareciam querer me transmitir uma imensidão de coisas
boas. Coisas essas que há muito eu vivia convicto de que não existiam.
Exatamente como agora.
Eu sabia que ela estava pensando mil e uma coisas, e não deveria
me importar se ela estava preocupada comigo ou não. Afinal, passei boa
parte da minha vida sendo obrigado a me importar somente comigo mesmo.
Era eu por mim mesmo e mais nada. Mas de alguma forma, ainda que eu
não quisesse admitir, agora, a olhando, queria garantir que tudo ficaria bem,
porém, a verdade era que nem eu tinha essa certeza.
Não pude nem mesmo terminar a partida do último jogo da
temporada, porque os policiais foram me guiando pelos corredores, para
fora do Private. Era sempre assim, durante toda a minha vida, até aqui, em
algum momento algo bom me era tirado. E, olhando bem, talvez eu
merecesse isso.
Quando estávamos bem perto da saída do colégio, vi o tal
amiguinho da Kimberly. Ele estava atrás de uma parede, certamente
tentando se esconder. Idiota! Tinha algo naquele cara que não me passava
confiança. Eu só não sabia dizer o que era.
Eu parei por um instante, devolvendo o mesmo olhar com o qual me
encarava. Era um embate silencioso. O mais hilário era que eu sabia que ele
era afim da Kimberly. Ele a queria. Mas nunca a teria. A não ser que
passasse por cima do meu cadáver. E antes que eu morresse, o enterraria
vivo se necessário fosse.
— Anda! — os policiais me fizeram despertar, e deram um
empurrão em minhas costas, forçando-me a andar. Ri internamente, porque
há pouco eu analisava o fato de eles estarem sendo pacientes.
Olhei pela última vez na direção do cara, mas ele já havia sumido do
meu campo de visão.

— Como já dissemos anteriormente, senhor Blake — o tal policial


Willians voltou a entrar na sala em que eu estava sozinho desde que cheguei
ao departamento de polícia, e sentou na cadeira a minha frente, colocando
uma embalagem transparente com a tal faca que afirmou ter encontrado em
minha mochila, sobre a mesa — A denúncia que recebemos foi a respeito
de uma corrida de racha que aconteceu há algumas semanas, na qual você
estava embriagado e chapado, e neste mesmo dia, um acidente aconteceu,
sendo você o responsável.
Nesse momento, eu entendi tudo. Foi o filho da puta do amiguinho
da Kimberly, que eu não fazia a menor questão de lembrar o nome, quem
fez a porra da denúncia. Por isso ele estava lá, feliz por me ver sendo
levado.
Travei o maxilar, lembrando do olhar de inocência dele. Maldito!
Ele iria pagar, nem que fosse com a vida.
— Ninguém se feriu. — saindo dos meus pensamentos, respondi.
— Não foi o que soubemos. De acordo com as informações que
recebemos, você atropelou uma pessoa.
— Eu os aconselharia a investigar melhor, porque o único que saiu
ferido no acidente fui eu. A garota conseguiu sair da frente antes que o
carro a pegasse.
— Lembre-se com quem está falando, senhor Blake. Ou você pode
se complicar — continuei o encarando com desdém, estava pouco me
fodendo para o que ele dizia — Já enviamos uma viatura para o local do
acidente para verificar. Você precisará permanecer sob custódia até
sabermos exatamente como tudo aconteceu e se está dizendo a verdade ou
não.
Não havia o que eu pudesse fazer, e como eles não tinham provas
concretas a meu respeito, não podiam me algemar nem prender em uma
cela. Só me restava esperar.
Fiquei naquela cadeira desconfortável por horas. Sozinho, porque o
policial não ficaria ali dentro comigo, tricotando, como duas amiguinhas
fofoqueiras. E honestamente, eu preferia mil vezes a minha própria
companhia.
Até que finalmente a porta foi aberta, não sei quantas horas depois.
Eu já estava com fome e com sede e não via a hora de sair dali.
— Está liberado. — foi tudo o que ele disse, me fazendo erguer as
sobrancelhas.
— Tão rápido? Pensei que viria conversar comigo, talvez me dar
seu número de telefone. — Sim, eu estava com raiva e essa era minha
forma de demonstrar. Nutria em mim um imensurável ódio por policiais,
desde que, quando mais novo, com aproximadamente quatorze ou quinze
anos, fui a uma delegacia denunciar os abusos que sofria por parte da
Susan, mas tudo que consegui em resposta foram gargalhadas, seguidas por
um deles dizendo que eu possuía a imaginação fértil.
Eu nunca me esqueceria daquilo. E foi ali que percebi que a justiça
não valia de merda nenhuma. E que às vezes precisamos fazer justiça com
as próprias mãos.
— A faca que encontramos em sua mochila tem a sua digital,
porém, não há vestígios de sangue ou qualquer outro elemento que possa
comprovar um homicídio. E há sangue no lugar onde o acidente aconteceu,
mas pertence a você. Como você não possui antecedentes criminais, sendo
este o seu primeiro delito, não será preso — respirei aliviado — Mas pagará
uma multa no valor de quinhentos dólares pela corrida ilegal.
Estava bom demais para ser verdade…
No entanto, não seria eu a reclamar. Estava saindo praticamente
ileso da situação.
Na saída da delegacia, depois de pagar a multa, eu só tentava pensar
em quem teria feito a denúncia e possivelmente colocado a faca em minha
mochila, tudo isso para não tocar naquele cagão do amigo da Kimberly.
Não que eu me importasse com ele, mas por saber como ela ficaria se eu
fizesse algo com ele. Eu estava virando um idiota, cogitando não reagir a
algo feito contra mim por causa de uma boceta. Mas uma coisa era certa,
quando saí de casa a arma branca não estava lá.
De tanto pensar, a imagem do desgraçado do amigo da Kimberly me
olhando na saída do colégio me veio à mente. Era muita coincidência ele
estar lá no exato momento em que eu estava sendo levado pelos policiais.
Só podia ser ele, porra!
Uma raiva descomunal me subiu outra vez. Fechei as mãos em
punho. Aquele cara não perdia por esperar.
Te vejo errando, isso não é pecado
Exceto quando faz outra pessoa sangrar.
Na Sua Estante - Pitty
KIMBERLY

Naquele dia, assim que saí da lanchonete, para fazer meu coração
acelerar, ele estava lá, em frente, encostado na lataria de seu carro, usando
uma calça escura, botas de cano curto, uma camiseta preta, e como nas
poucas vezes em que o via de casaco, Aidan o estava usando. Era um de
moletom, aberto. Seus braços estavam cruzados sobre o peito e Blake
segurava um cigarro entre os dedos, o levando a boca por vezes.
Me questionava como podia ser tão lindo, a ponto de nem mesmo as
cicatrizes em seu rosto afetarem sua beleza rústica. Pelo contrário, pareciam
lhe dar um charme a mais.
Só percebi que estava parada no mesmo lugar, na porta da
lanchonete, quando Aidan deu uma última tragada no cigarro, jogando a
bituca no chão, pisoteando-a e entrando no carro enquanto soprava a
fumaça no ar.
— Como foi lá? Aliás, por que eles te levaram? — Com meu jeito
intrometido, eu nunca conseguia esconder minha curiosidade sobre tudo o
que se relacionava a ele, então questionei assim que entrei no lado do
passageiro.
— Não foi nada. Não se preocupe com isso. — respondeu sem tirar
os olhos da direção.
Estalei a língua na boca.
— Acredito que aqueles policiais não tenham ido a uma escola, se
preocupar com um adolescente por nada. Eles não teriam perdido o tempo
deles… — eu o estava encarando e ele tinha ciência disso.
Aidan bateu uma das mãos no volante, impaciente. Mas eu não me
assustei. Não dessa vez.
— O que eu digo sobre fazer perguntas demais, Kimberly?
— Eu só quero saber o que aconteceu. — Minha voz soou um pouco
acima de um sussurro.
Ele respirou fundo, antes de responder:
— Tem a ver com o acidente que eu sofri no dia do racha. Algum
idiota me denunciou, afirmando ter certeza de que eu matei alguém — ele
riu amargamente, apertando as mãos forte no volante, tão forte, que seus
dedos esbranquiçaram — O cuzão nem mesmo investigou a situação direito
para saber o que realmente aconteceu.
— Você sabe quem foi?
— Não tenho certeza, mas suspeito de uma pessoa.
— É alguém que conheço?
— Talvez. — seus lábios se curvaram em um sorriso, me fazendo
franzir o cenho, confusa.
Eu sabia que não adiantaria fazer mais perguntas, então deixei para
lá.
— O que aconteceu naquele dia?
Dessa vez, ele olhou para mim. Suas íris pareciam tentar me
desvendar, como se quisesse entender o que se passava em minha mente.
— Você é hilária às vezes, Kimberly — arqueei as sobrancelhas em
sinal de confusão — Qualquer outra pessoa me perguntaria se eu realmente
matei alguém, mas você não. Você quer entender minhas ações, minhas
razões, como me sinto…
— O que tem de errado nisso? Eu apenas acredito em você, quando
ninguém mais acredita. Confio em você, quando ninguém mais confia. E
não, não acredito que tenha matado alguém.
— Você acredita na mentira. Acredita apenas no que quer, Kimberly.
Um silêncio se formou no ar. Seu olhar sobre mim era intenso, e em
momentos como esse, por causa de sua expressão indecifrável, eu não sabia
o que se passava em sua mente, o que fazia com que eu não tivesse certeza
se ele estava falando a verdade ou apenas tentando me afastar, se infiltrando
em sua redoma.
— Eu não matei ninguém — suspirei aliviada quando ele disse —
Dessa vez.
Mais alguns minutos de estrada e chegamos em sua casa. Como já
estava anoitecendo, e para variar, nesse dia o clima estava mais frio, um
vento gélido soprou, balançando meus cabelos e me fazendo bater os dentes
e abraçar meu corpo como forma de proteção.
Ouvi quando o Aidan bateu a porta de seu carro, seguido de seus
passos atrás de mim. Ele parou ao meu lado, tirou o casaco e colocou sobre
os meus ombros. Não tirei os olhos dele um segundo sequer enquanto o
fazia, observando as tatuagens em seus braços, que eu amava admirar.
Especialmente a cabeça de lobo, com traços de uma floresta abaixo dele,
em seu braço esquerdo, e meu olhar pairou sobre uma na qual eu ainda não
tinha visto, no antebraço.
Instintivamente ergui a mão, tocando-a, como se desenhasse os
traços minuciosos e Aidan estremeceu sob meu toque.
— É linda. — elogiei, ainda tocando-a. Pareciam ser dois remos
cruzados, formando um X, e em cada espaço tinha um desenho. Em cima
um sol, no lado direito uma montanha, no lado esquerdo, uma onda, e
embaixo, uma van.
Era intrigante que, no meio de tantas tatuagens com desenhos
sombrios, houvesse essa. Mas eu não poderia negar sua beleza.

Era nosso último dia de aula, antes das férias de inverno e, ao


contrário do que pensei que aconteceria, o diretor do colégio deixou que os
times tivessem seu momento de glória, finalizando o semestre com louvor
— já que optaram por não fazê-lo quando o Aidan foi levado pela polícia.
Na verdade, os Falcões foram os únicos que tiveram um momento de glória,
porque os Leões perderam feio.
Era fascinante o brilho e o fogo no olhar do Blake toda vez que ele
jogava. Talvez fosse a única coisa que o fizesse esquecer o mundo ao seu
redor.
Ao final do jogo, quando estávamos prestes a sair da quadra, o
diretor pegou o microfone para falar, mas foi interrompido quando algo foi
colocado no telão. Era um vídeo e eu reconhecia aquelas vozes.
Não! Não podia ser! Não, por favor, não!
Era tarde demais. Alguém com péssimas intenções, havia feito um
vídeo da minha conversa com o Nathan no corredor, muitos dias atrás —
onde pensei que só havia nós dois — e tinha colocado no telão, para que
todos vissem e o ridicularizasse.
Chocada e sentindo que meu coração iria sair pela boca a qualquer
momento, olhei na direção do Nathan, que estava de cabeça baixa. Eu sabia
como meu amigo deveria estar se sentindo um nada, porque eu já senti isso
na pele.
Olhei para o Aidan, que já estava olhando para mim, e uma pontada
de decepção me atingiu. Será que tinha sido ele? Será que tinha sido o
Nathan quem o denunciou? Faria sentido, afinal, ele havia se declarado para
mim e sabia que eu estava com o Blake. Poderia ter ficado com raiva por ter
sido rejeitado, e revidado. Mas ao mesmo tempo, esse não parecia fazer o
estilo do Nathan.
Eu não sabia o que pensar, minha mente parecia dar voltas. Mas o
som da gargalhada da maioria das pessoas que estavam ali, especialmente
dos amigos do Aidan, e dos garotos de ambos os times, me fez voltar à
realidade. Nesse mesmo momento, vi o Nathan sair correndo e levantei para
ir atrás dele.
— NATHAN! — após passar pela outra porta da quadra, que ficava
na lateral, gritei, mas ele não parou — NATHAN, POR FAVOR, PARA! —
ele continuava correndo e tinha as mãos no rosto. Droga, ele estava
chorando!
Quanto mais eu corria, mais rápido ele o fazia, sequer parando para
me ouvir. E eu não podia julgá-lo, afinal, meu amigo tinha sido
ridicularizado na frente de todos. Seus sentimentos foram expostos.
Aquelas pessoas eram horríveis, eles não tinham pena de ninguém, e
eu sabia disso. Eles não se importavam, só queriam fazer o que bem
entendiam com as pessoas e dane-se o resto.
Quando dei por mim, já tinha chegado do lado de fora do Private,
mas o Nathan estava passando pelo portão, indo embora, deixando até
mesmo seu carro no estacionamento.
Ele estava muito atordoado, tive medo de que fizesse alguma
besteira, que algo ruim o acometesse. Mas o que me restava agora era ter
pensamento positivo.
Com o gosto dos seus lábios eu viajo
Você é tóxico, estou perdendo o controle
Com o gosto do paraíso venenoso
Estou viciada em você.
Toxic - Kurt Hugo Schneider, Casey Breves
KIMBERLY

Eu não via o Nathan há algum tempo. E o fato de estarmos de férias


também dificultava ainda mais a coisa toda.
Tentei ligar para ele, enviar mensagem, mas as mensagens no início
eram recebidas, depois pararam de serem entregues. Talvez tivesse ficado
com raiva de mim também, pensado até que eu estava envolvida na história
e me bloqueado. As ligações, por sua vez, caíam na caixa postal.
Cheguei a perguntar a Everly se ela tinha notícias dele, porque os
dois se conheciam há muito mais tempo, mas ela teve tanta sorte quanto eu
na tentativa de contatá-lo. Ela disse para eu não me preocupar, porque isso
era corriqueiro. De tempos em tempos o Nathan entrava numa bad da qual
se tornava difícil sair. Onde todas as situações ruins de sua vida se uniam
em sua mente e ele se isolava do mundo, depois reaparecia como se nada
tivesse acontecido.
Se ela estivesse certa sobre isso, significava que ele sofria de algum
tipo de transtorno como depressão ou ansiedade, e isso não era saudável. As
pessoas estavam brincando com algo sério e isso me partia o coração.
Cheguei a conversar com o Aidan, perguntando se ele quem tinha
feito aquela palhaçada. Ele me garantiu que, apesar de ter certeza que foi o
Nathan quem o denunciou, detalhando todas as coisas que haviam
acontecido no dia que os policiais o levaram, inclusive a maneira como se
olharam, não foi ele. Mas que apesar disso, ficou feliz em saber que alguém
teve a brilhante ideia de colocar o “nerdzinho” — palavras dele — no lugar.
Fiquei chateada com isso, mas sabia que não deveria esperar muito
do Aidan. Ele era quem era e se tinha uma coisa que nunca mentiu, foi
sobre isso. Nunca se escondeu para mim.
E foi justamente por essa razão que escolhi acreditar nele.
Estava cada vez mais preocupada com meu amigo.
Independentemente de qualquer coisa, ele era uma boa pessoa.
Espantei meus devaneios porque esse não era o momento para
pensar nessas coisas. Era dia de festejar e talvez eu ainda tivesse a chance
de encontrá-lo na festa essa noite.
— O que achou dessa? — saindo do provador, parando de frente
para o Aidan, que estava sentado numa poltrona com as mãos repousadas
nos braços dela, perguntei sobre a roupa que eu tinha experimentado.
— Linda.
Estalei a língua, respirando fundo e revirei os olhos, o que arrancou
um leve sorriso dele. Aidan Blake estava me fazendo perder a paciência. E
essa parecia ser a especialidade dele em certos momentos.
— Você disse isso das outras cinco que eu provei antes, Aidan. Se
não iria me ajudar, nem precisava ter vindo.
O sorrisinho meio contido ainda permanecia em seu rosto, eu sabia
que ele estava se divertindo com aquilo.
— É você quem está vestindo. Podia ser um saco de batatas, ainda
continuaria linda. — corei. Ainda não havia me acostumado com esse lado
dele, mesmo que Aidan não o mostrasse sempre.
— É… — arranhei a garganta — Vou procurar outra. Ainda não é o
que eu quero. — Girei sobre os calcanhares, retornando ao provador.
Estávamos em uma loja de fantasias no shopping. Era dia 31 de
dezembro, dia em que estaríamos comemorando o Ano Novo, e de acordo
ao que o Aidan disse, o pessoal do colégio, aqueles que não estavam nem aí
para essa baboseira de comemorações em família — palavras dele —
faziam uma festinha. Mas não era uma festa comum, era uma, digamos,
bem parecida com o Halloween, na qual todos iam à caráter, fantasiados
com o que sua imaginação pedisse. E, é claro, nós iríamos.
Vesti minha roupa novamente, buscando pelas araras e mostruários
da loja por algo que me enchesse os olhos e eu pudesse dizer: é esse!
Olhei para cada canto, sem encontrar nada que me agradasse. Até
que, quando estava perdendo as esperanças, avistei algo que me chamou a
atenção.
Aproximei-me de uma das araras, esticando um porta-roupa
transparente, onde havia uma fantasia preta e vermelha. Peguei e abri o
zíper, e quando retirei a fantasia, meus olhos brilharam. Era o traje da
Princesa das Trevas. Era esse!
Segurando-o, retornei ao provador, tirei minha roupa e vesti a
fantasia. Olhando-me no espelho, no macacão preto com alguns detalhes
em vermelho, no tecido de couro, um zíper que ia do meu baixo ventre até
meus seios, onde logo acima, havia duas tiras finas cruzadas, dando todo
um charme. As mangas compridas, uma cauda longa atrás e um capuz no
pescoço. Senti-me maravilhosa, especialmente quando meus cabelos
bagunçados por trocar de roupa diversas vezes, e meio caídos nos ombros,
davam um toque especial e sexy ao look que eu experimentava.
Saí do provador, parando novamente em frente ao Aidan, que estava
com a cabeça encostada no encosto da poltrona, certamente impaciente.
Pigarreei, o fazendo erguer a cabeça. Ele me olhou de cima a baixo,
passando seus olhos por cada centímetro do meu corpo, deixando rastros de
brasa, como se eu tivesse acabado de passar no meio do fogo, e me fazendo
sentir arrepios na pele. Sentia meus pêlos levantando.
Ele subiu novamente o olhar, passando a língua nos lábios. Havia
desejo em seus olhos, eu podia sentir. Porque me sentia da mesma forma
somente com seu olhar. E mirou meus seios no decote não muito
extravagante, mas que deixava meus peitos médios bem apetitosos, por
apertá-los bem.
— Então…? — perguntei com expectativa.
Aidan levou um tempo para responder, parecendo procurar as
palavras certas para dizer.
— Acho que vermelho é minha nova cor favorita, além do preto e
cinza. — ele não parava de me admirar com os olhos.
— Vou encarar isso como um sim. — sorri, lhe dando uma
piscadela.
— Podemos ir?
— Você não vai escolher nada?
— Não se preocupe, tenho uma fantasia que uso todo ano. Não ligo
para essas coisas — disse, levantando-se — Vamos pagar e ir embora.
Troquei de roupa, saindo do provador segurando a fantasia no
antebraço e fizemos o que ele disse. Na saída, esbarrei com alguém.
— Oh, me desculpe. Eu juro que foi sem querer… Nathan? — Ao
perceber quem era, falei com entusiasmo e surpresa ao mesmo tempo. Eu
jamais poderia imaginar encontrá-lo aqui — Como você está? Onde esteve?
Te liguei, enviei mensagem… — eu estava muito atordoada, então fui
falando uma coisa atrás da outra.
— Oi, Kim. Tudo bem? — ele abriu os braços para me abraçar, mas
foi barrado pela mão do Aidan em seu ombro.
— Não precisa abraçar. A Kimberly escuta muito bem.
Enquanto eu me sentia envergonhada a ponto de procurar um lugar
para enfiar minha cabeça, os dois se fuzilavam com o olhar.
— Eu tô bem. Só precisava ficar um tempo sozinho por aí. — não
era isso que seus olhos me diziam. Eu podia sentir.
— Sabe que estou sempre aqui, né? Pode contar comigo sempre.
Ele apenas meneou a cabeça, sem sorrir nem nada.
— Você vai para a festa essa noite? — perguntei.
— Talvez. Não é certeza.
— Vamos? — Aidan chamou minha atenção.
— Até a noite, Nathan, se você for. Foi muito bom te ver. — no
impulso, iria abraçá-lo, mas antes de chegar perto dele, lembrei do que o
Aidan disse. E definitivamente não queria uma cena em público.
— O que… Como… Eu… — tentando falar algo que fizesse
sentido, acabei me embaralhando em minhas próprias palavras.
— Você deixou seu diário aberto em cima da cama quando foi tomar
banho, e eu vi que entre os seus dez desejos, estava vir a Times Square.
Achei que não haveria ocasião melhor. — deu de ombros e eu o encarei,
realmente sem saber o que dizer.
Não estava chateada por ele ter lido meu diário. Afinal, qualquer
pessoa poderia ter feito isso levada pela curiosidade. Eu mesma certamente
faria. Mas era louco pensar que aquele mesmo cara enfezado, possessivo,
desdenhoso, e tantos outros adjetivos que eu pudesse lhe dar, estivesse
tendo uma atitude tão bonita.
— Obrigada. — Senti minhas bochechas esquentarem.
Ele não respondeu, segurou minha mão, fazendo menção para
andarmos.
— É impressão minha ou as pessoas estão indo embora? —
questionei, notando várias pessoas seguindo em direção à saída.
— Sim. Estão. A maioria das pessoas que vêm aqui para essa
baboseira de passagem de ano, chegam em torno de quinze horas antes da
meia-noite para aproveitarem os shows. A essa altura, todos já estão indo
embora. Mas acredite em mim, isso é uma coisa boa. Você vai ver. — e
continuou me guiando para onde quer que fosse.
Paramos em um lugar onde havia pouquíssimas pessoas, faltava
pouco tempo para a contagem regressiva. E ele me puxou, aconchegando-
me em seu peito enquanto assistíamos ao final do show de uma banda que
eu não conhecia.
— Cinco! — o som da voz do vocalista da banda que estava no
palco, junto as vozes da plateia, me despertaram, trazendo-me de volta à
realidade — Quatro! Três! Dois! Um! Feliz Ano Novo! — Era meia-noite.
O início de um novo ano.
Não havia queima de fogos ali. Por outros lugares, sim, mas não na
Times Square. Mas o palco montado para os shows, os confetes que eram
soltos no momento da virada do ano, a decoração das ruas, deixavam tudo
incrivelmente perfeito. Certamente, foi o melhor fim de ano que eu tive.
— Feliz ano novo — virando-me de frente para o Aidan, falei —
Que esse seja um ano maravilhoso para nós dois.
— Já está sendo. — ele não sorriu ao pronunciar tais palavras, mas
seus olhos brilhavam, o que fez meu coração acelerar e meu peito aquecer.
Segurando minha cintura, Aidan Blake me beijou apaixonadamente.
Sim, havia ternura, paixão e tantos sentimentos incontáveis naquele beijo.
Mesmo que ele não deixasse de lado a sua possessividade ao me segurar
forte, e sua língua passeasse por cada canto de minha boca, reivindicando
que eu era dele. E, de fato, eu era.
Uma nova era marcada pelo que sentíamos um pelo outro, mesmo
que não conseguíssemos expressar com palavras. Éramos assim. Nada além
de gestos era necessário.

Depois da virada de ano, fomos para a festa a fantasia na casa de um


dos nossos colegas do Private. Quer dizer, eu não conhecia o anfitrião, o
Aidan provavelmente sim.
— Feliz ano novo, Evy! — falei, abraçando-a, assim que a
encontrei.
— Para você também, Kim. E aí? — ainda estávamos abraçadas,
então eu sabia que ela estava cumprimentando o Aidan por cima do meu
ombro.
— Oi — friamente, ele respondeu — Vou ali falar com os caras do
time e pegar algo para beber. Você quer alguma coisa? — direcionou sua
pergunta a mim.
— Não se preocupe, estou bem.
— Ok, não demoro. Não suma de minhas vistas. — seu tom era de
ordenança.
Eu apenas meneei a cabeça, antes de ele sair do meu campo de
visão.
— Pelo visto, a coisa entre vocês dois está séria mesmo… — Everly
comentou, mas eu podia jurar que senti um leve tom de reprovação em sua
voz.
— Estou apenas me deixando levar e curtindo o momento, Evy.
Gosto dele, não nego, e ele me faz bem, muito mais do que qualquer outro
cara já me fez sentir, mas tenho tentado não me iludir. Afinal, todos sabem
que o Aidan Blake não é de se relacionar sério com ninguém, não é mesmo?
— Primeiro, tenho certeza de que sua tentativa de não se iludir está
indo por água abaixo, olha o brilho desses olhos — apontou para meu rosto,
entornando um longo gole da bebida no copo em sua mão, me fazendo
abaixar a cabeça, sem graça. Ela não estava errada — E segundo, você foi o
mais perto de um namoro que o Aidan já teve, o que quer dizer que tem
grandes chances de alavancar.
Nesse momento, quando a Everly parou de falar, involuntariamente
meus olhos varreram o lugar, procurando por ele. E eu o avistei, não tão
distante de nós, conversando com um de seus amigos, mas como se
soubesse que eu o estava procurando, encontrei seu olhar sobre mim. Me
arrepiei dos pés a cabeça. Não havia um único fio de cabelo em meu corpo
que não respondesse ao Aidan.
Eu não queria me iludir, mas talvez já estivesse. E nem precisava
dizer nada a Everly.
Depois disso, o Blake sumiu de minhas vistas e eu fiquei
aproveitando a festa com minha amiga. Dançamos e bebemos, já que o
Aidan demorou para voltar e senti sede.
Um cara muito bonito se aproximou, sussurrando no ouvido da
Everly, e eu já imaginava o que viria a seguir.
— Amiga, se importa se eu…
— Relaxa. Vai curtir sua noite. Daqui a pouco o Aidan volta. —
pisquei para ela, que deu um beijo em minha bochecha e segurou na mão do
cara, ambos se afastando de mim.
Sentindo as ondas sonoras da música nas caixas de som estrondarem
o meu peito e tremer minha garganta, movia meu corpo no ritmo frenético,
não sentindo nem mesmo o frio devido a baixa temperatura por estarmos no
início do inverno. O álcool em meu organismo não me permitia sentir, pelo
contrário, fazia-me suar fortemente.
Ergui a mão para tomar mais um gole da minha bebida, quando
percebi que meu copo estava vazio. Decidi então ir buscar mais e
aproveitaria para procurar pelo Aidan, que até o momento não tinha
retornado. A festa estava bem animada, mas não era a mesma coisa curtir
sozinha.
Passando entre as pessoas que dançavam ensadecidamente, alguns
casais se esfregando pelos cantos, outros em meio a amassos, cheguei bem
perto da cozinha, e olhando em volta, não o encontrei. Ouvindo o som de
vozes misturadas, entre masculinas e femininas, repousei meu copo sobre a
bancada, e segui até o quintal.
Após passar pela porta, vi uma piscina imensa, e em volta dela,
vários alunos do Private, incluindo o Aidan, que eu reconheci pela fantasia
de pânico que usava. Ele estava sentado num banco de madeira e, em seu
colo, estava a Bethany. A mão dele estava em volta da cintura dela. Que
merda estava acontecendo?
— Aidan? — Chamei sua atenção ao me aproximar.
Todos, que antes riam, envolvidos na conversa, olharam para mim.
Aidan me encarou sob a máscara manchada de sangue, inclinando a cabeça
para o lado.
— É o Aidan, né? — indaguei, porque poderia ser outra pessoa
usando a mesma fantasia que ele.
Seus amigos riram, fazendo-me sentir estúpida, e a Bethany
acariciou seu rosto e peitoral, lambendo o pescoço dele, sem deixar de me
encarar, como se aquilo fosse excitante para ela.
Ele não disse nada. Não tirou a máscara, nem esboçou qualquer
reação. Nem mesmo impediu a filha da puta de continuar.
— AIDAN? — gritei, sentindo o nervosismo percorrer meu corpo
— Porque me deixou lá sozinha? Se queria me trazer para essa porcaria de
lugar para isso, era melhor ter me deixado em casa, seu idiota!
Seus amigos não paravam de rir em meu momento de histeria.
Repentinamente, me vi cercada por vários deles, o que me assustou
bastante.
— Ela até que é gostosinha, Blake. Deve ser por isso que você está
tão fissurado nela e não liga mais para nós — um deles comentou, passando
a mão em minha bunda, imediatamente me afastei, ou melhor, tentei —
Acredito que não vai se importar se a gente se divertir um pouquinho com
ela, não é mesmo?
Olhei suplicante para o Aidan, mas ele nem se abalou.
— Aidan… — dessa vez, minha voz soou chorosa. Eu estava muito
assustada.
Enquanto eu tentava escapar do meio deles, os rapazes me lançavam
como joguete de um para o outro, sempre passando a mão em meu corpo.
Até que, em um impulso, achei uma pequena brecha, e tentei escapar
correndo, mas um deles segurou forte a cauda da minha fantasia, rasgando
não somente ela como também parte da roupa na altura da minha bunda,
deixando minha calcinha exposta.
Aquilo era humilhação demais. As lágrimas embaçaram meus olhos.
Eu queria chorar, queria sair correndo dali. Qualquer coisa, menos
permanecer onde não me queriam e eu não me sentia bem em estar.
Segurando a cauda rasgada da minha fantasia, a pressionei em
minha bunda, escondendo minha quase nudez, e fui recuando, com medo,
muito medo do que aquelas pessoas poderiam fazer comigo.
Finalmente Aidan se levantou, mas para minha decepção, ele se
aproximou de mim apenas para ajudar seus amigos babacas a mexerem
comigo.
Um deles pegou um copo com bebida, bebeu um pouco e jogou o
resto em mim. Outro, sem que eu percebesse, me pegou pelos cabelos,
segurando tão forte, que meu couro cabeludo ardeu, me puxou para trás,
colando meu corpo ao seu e beijou minha boca, inclinando minha cabeça
para trás, roçando o pênis em minha bunda.
— Por favor, parem… — a essa altura, eu já estava chorando, sem
entender porque aquilo estava acontecendo. Sem entender porque o Aidan
estava permitindo.
Foi quando o Aidan, com toda sua altura e músculos tentou me
puxar, mas não teve sucesso, porque recuei e por estar muito perto da ponta
da piscina, acabei escorregando no piso e caindo na água que estava
bastante fria.
Não sabia nadar e a piscina era funda. Comecei a me debater,
tentando me manter na superfície, engolindo água aos poucos, mas alguém
me impediu de emergir, ao entrar na água e pressionar minha cabeça para
baixo.
Eu balançava minha cabeça para os lados, fazendo todo o possível
para escapar, mas não havia como. Não tinha saída para mim. E para piorar
tudo, vi aquela porcaria de máscara. Era ele. Era o Aidan quem estava
acabando com a minha sanidade, e por que razão? Eu não fazia ideia.
A cada segundo que eu me forçava para subir e respirar, ele me
impedia, me forçando ainda mais para baixo. A sensação de ter meus
pulmões pouco a pouco preenchidos pela água, levando embora todo o meu
oxigênio, era avassaladora.
E, sem mais forças para continuar lutando por minha vida, parei de
me debater ao sentir meu corpo dar pequenos solavancos, quando o resto do
espaço em meus pulmões que ainda tinha fôlego, foram preenchidos.
Com o corpo boiando na água, os sons ao redor foram se
distanciando, a iluminação, que já estava muito baixa, quase sem feixes de
luz, diminuindo ainda mais, e a máscara se tornando apenas um borrão.
— KIMBERLY! DROGA! KIMBERLY, ACORDA! VOCÊ NÃO
VAI MORRER! — isso foi tudo o que ouvi bem ao longe. Vi também,
mesmo que não muito nitidamente, uma tatuagem no braço da pessoa que
falava comigo, antes de perder completamente a consciência.
Agora eu vou lhe dizer o que fiz por você
50 mil lágrimas eu chorei
Gritando, iludindo e sangrando por você
E você ainda não me ouve.
Going Under - Evanescence
KIMBERLY

A água penetrava meus pulmões. Eu tentava gritar e não conseguia.


A escuridão estava ao meu redor. Ela queria me tomar para si. O grito
estava preso na garganta. Eu via alguém. Um rosto. Mas não estava nítido.
Era um borrão. Em seguida, a máscara. Entrei em pânico. E quando percebi,
estava caindo em um abismo profundo.
— Aaargh!!! — Meus olhos abriram e eu tentei dizer algo, mas tudo
o que saiu foi o som da minha respiração desregulada, como se eu estivesse
morta ou inconsciente.
— Kimberly! Meu Deus, Kim! Eu não acredito! Você finalmente
acordou! — eu não fazia ideia de onde estava e o que havia acontecido.
Mas uma coisa era certa, a voz da Everly seria impossível de não ser
reconhecida por mim — Amiga, eu… — notei que se aproximou, porque
apesar de ainda estar me situando, sua voz estava mais perto agora —
Droga! Eu pensei que você nunca sairia do coma. — minha amiga chorava.
E pela primeira vez, eu olhei para o lado, vendo as lágrimas escorrendo por
suas bochechas.
Coma? Como assim?
Finalmente, olhei ao redor, percebendo que, pela decoração básica e
quase sem cor do lugar, eu estava em um hospital.
— Ág… — tentei falar, mas minha garganta doía muito.
— O quê, amiga? Está sentindo alguma coisa? — ela enxugou o
rosto e perguntou com aflição, segurando minha cabeça.
— Águ… — estava muito difícil falar.
— Você quer água? — balancei a cabeça em confirmação à sua
pergunta.
Everly se afastou e eu acompanhei seus movimentos com os olhos.
Ela foi até um canto, pegou uma garrafa numa mesinha e encheu um copo
descartável, voltando em seguida e me entregando. Como a amiga
maravilhosa que era, colocou a mão na parte de trás da minha cabeça, a
inclinando um pouco para a frente e me ajudando a beber. Estava com tanta
sede que acabei bebendo rápido e o líquido escorreu pelos cantos da minha
boca.
— Shiii… Calma. Bebe devagar. — Everly me olhava com atenção
e ternura. A expressão em seu rosto me transmitia paz e segurança. Ela era
minha família. Minha única família.
Minha amiga afastou o copo quando eu solucei um pouco e
acariciou minhas costas para ajudar a acalmar.
Encostei-me, respirando fundo.
— Há quanto tempo estou aqui? Aliás, por que estou aqui?
— Não se lembra de nada?
Eu até lembrava de algumas coisas, como o fato de ter visto o Aidan
fantasiado e com a Bethany em seu colo, os amigos dele mexendo comigo,
a máscara, a piscina. Depois disso, tudo não passava de um borrão.
Eu não podia negar, como o suposto Aidan não tinha falado nada, e
eu lembrava que teve certa dificuldade para me segurar quando tentou me
puxar — coisa que o Blake nunca teve — ainda restava um pouco de
dúvida em minha mente se realmente foi ele. Mas a tatuagem, a altura, os
músculos… tudo indicava que sim. Tinha sido ele.
Notando que desviei o olhar do dela, tentando lembrar de tudo, Evy
suspirou longamente.
— Pelo seu jeito, parece ser sério. — comentei, a encarando, com
medo do que ela me contaria.
— Eu não sei como tudo aconteceu, Kim. Eu não estava lá. Quando
terminei de ficar com o cara que você viu — lembrava disso — Fui te
procurar e o restante das pessoas que ainda estavam na casa, pareciam bem
agitadas, de um jeito ruim. Estavam saindo às pressas e eu tentei, em vão,
falar com alguém, perguntar se viram você ou o Aidan. Mas ninguém
sequer parava pra falar comigo. Teve alguém, inclusive, que disse muito
rapidamente que se eu tivesse bom senso, iria embora também porque a
coisa ficaria feia.
Eu não estava entendendo nada do que minha amiga dizia, mas
prestava atenção em cada palavra dita por ela.
— Quando cheguei no fundo da casa, na área da piscina, tudo fez
sentido. Você estava deitada na borda, inconsciente — o ar me faltou como
se eu sentisse a exata sensação de ser afogada. Era horrível — O Nathan
tentou te reanimar. Ele estava muito desesperado.
— O Nathan? Mas ele não estava na festa. Pelo menos não lembro
de tê-lo visto. — meus lábios se entreabriram e minha testa se franziu.
— Eu não sei, Kim — ela passou a língua nos lábios e a mão no
rosto, um claro sinal de quem já havia tentado entender as coisas e não
conseguiu — Também não o vi. Mas foi ele quem estava lá tentando te
salvar de um afogamento. Mas isso não levou muito tempo porque o Aidan
apareceu, o tirou de cima de você, e fez tudo o que era possível para te
manter viva.
Aidan? Mas porque ele teria feito isso, quando foi ele mesmo o
culpado de tudo? Não fazia sentido.
— Tem certeza de que foi o Aidan? — questionei.
— O Aidan é inconfundível, Kim. Era ele.
Eu não insisti. Talvez tentasse descobrir tudo depois que saísse
daqui.
— Você não acordava de jeito nenhum e nem respirava. Com raiva,
o Aidan foi pra cima do Nathan, ficou gritando com ele, o encheu de socos
e disse que ele era o culpado, que se ele não tivesse ali, você estaria bem, e
que caso você não sobrevivesse, o caçaria até no inferno.
Ouvindo tudo isso, eu não sabia mais no que acreditar. Eu não
estava louca. Sabia o que tinha visto. Era o Aidan. Todos os detalhes que vi
antes de apagar…
— O que foi? — Everly chamou minha atenção enquanto eu tentava
buscar uma lógica em tudo isso.
— Não é nada. É apenas muita informação para eu processar.
— Desculpa te falar tudo isso assim, Kim, mas achei que você
precisava saber.
— Tudo bem, não se culpe — Evy retorceu os lábios, olhando para
o lado — Tem mais alguma coisa que não está me contando? — ela não
respondeu, mas seu peito subindo e descendo freneticamente denunciava
sua respiração acelerada e notei seus olhos marejarem — Seja lá o que for,
Evy, por favor, eu quero saber! — Elevei a voz com um pouco de
dificuldade, não por estar estressada com ela e, sim, por ter ficado nervosa.
Tanto que o som dos meus batimentos cardíacos aumentou na tela ao lado
da cama.
— É o Nathan, Kim — ela voltou a me encarar, engolindo em seco e
os olhos molhados — Ele está sendo acusado de ter te afogado. E o Aidan
está ajudando, fazendo todos acreditarem que realmente foi ele. Nosso
amigo. Eu conheço o Nathan, Kimberly, ele não seria capaz de matar uma
mosca. — Eu podia sentir o desespero na voz dela e era compreensível,
afinal, eles eram amigos há bastante tempo.
Saber dessa última parte me deixou furiosa. Como o Aidan podia ser
tão cínico? Ele era o culpado, não o Nathan!
Achei que estivesse apenas pensando comigo mesma, mas notei que
gesticulava e bati a cabeça com certa força no travesseiro, quando a Evy
chamou minha atenção. Seu olhar sobre mim era indagativo.
Eu sabia que deveria contar a ela, mas não queria incriminar
ninguém sem ter certeza. E algo, no mais profundo do meu ser, ainda me
deixava cheia de dúvidas.
— Quanto tempo? — perguntei.
Ela me olhou confusa.
— O tempo que estou aqui e toda essa merda vem acontecendo.
— Umas duas semanas. O Nathan está muito mal, Kim. Eu já não
sei mais o que fazer para ajudá-lo — nada podia ser feito. Pelo menos não
até que eu saísse dessa porcaria de lugar e pudesse dar um jeito de inocentá-
lo — O Aidan não foi para casa um dia sequer. Ele tem morado nesse
quarto, só saiu hoje porque insisti para ficar um tempo com você. Ele nem
mesmo se preocupou com o fato de as férias de inverno já terem acabado e
estar faltando as aulas — por mais raiva que eu sentisse dele, não consegui
evitar de me sentir tocada por saber que ele estava cuidando de mim, como
vinha sendo desde o início. Até mesmo podendo se prejudicar com o time.
Então, por que ele fez aquilo comigo? — Senti muito sua falta, amiga.
— Você não vai se livrar de mim tão fácil. Sou dura na queda,
esqueceu? — sorri.

— Por que está me encarando tanto? — A Evy tinha ido embora


depois que o médico que estava cuidando do meu caso me examinou e se
certificou de que estava tudo bem. Em seguida, o Aidan chegou. Então,
perguntou.
Já tinha aproximadamente uns trinta minutos que ele estava aqui,
sentado numa poltrona, e ambos em silêncio, porque ele não conseguia
expressar o que sentia por me ver acordada e eu por estar com a mente
cheia de questionamentos a seu respeito.
— Eu só queria entender porque.
— Porquê o quê?
— Por que me levou àquela festa? Por que sumiu? Por que agiu
como se eu não fosse nada quando te encontrei perto da piscina com seus
amigos? E por que fez o que fez?
— Eu não sei do que está falando, Kimberly. Eu não estava na
piscina e não fiz nada além de tentar te salvar quando te encontrei
desacordada. A culpa foi daquele seu…
— Não ouse falar do Nathan! — sentindo um nó em minha
garganta, me alterei — Ele está sendo acusado injustamente e você sabe
disso! — Pela primeira vez, vi o Aidan se calar — Você estava lá. Era a
mesma fantasia, a mesma máscara. Você me fez cair na piscina e me
afogou. A tatuagem era a mesma. É impossível que não tenha sido você,
Aidan. — Agora eu falava com ódio e tinha certeza de que a expressão em
meu rosto deixava isso bem aparente.
— Do que você está falando, Kimberly? — Aidan estava atuando
muito bem, porque ele realmente parecia confuso.
— Para de se fazer de inocente, Aidan! Só tem nós dois aqui. Tenha
ao menos a decência de falar a verdade, droga! A porcaria da tatuagem
nova em seu braço, aquela que eu vi outro dia. A pessoa que me afogou,
além de estar usando a mesma fantasia que você, tinha a mesma tatuagem
no lugar exato! A fantasia e a máscara poderiam ser coincidência, mas a
tatuagem? Quem seria louco a ponto de fazer isso, pensar até mesmo nesse
detalhe para se fazer passar por você? — Eu estava com muita raiva. Eu
quase morri. Meu amigo estava sendo acusado e talvez por causa dele.
— Não fui eu, Kimberly! Eu não estava lá, porra! — ele se alterou,
a veia do seu pescoço quase saltando.
— Eu não acredito em você! Não acredito! — me calei por um
instante — E se alguém colocou algo em sua bebida? E se você estava
drogado? Eu só queria entender o que houve, Aidan. Só isso.
Ele não respondeu. Seu olhar se distanciou, como se tentasse pensar
em algo que pudesse justificar. Algo que pudesse inocentá-lo.
— Foi isso que aconteceu, não foi? Você bebeu demais e não se
lembra. — tinha um leve toque de decepção em minha voz.
— Eu não... Eu juro que não sei, Kimberly. Eu bebi um pouco, mas
não lembro de estar fora de mim. Eu te salvei, como poderia ter feito isso
caindo de bêbado ou drogado? — Ele parecia vulnerável. Como se a culpa
o atingisse.
— Vai embora, Aidan. — pedi.
— Mas, Kimberly… — ele me encarou e notei seu maxilar trêmulo,
como se quisesse… chorar?
— VAI EMBORA, DROGA! — gritei.
Ele abaixou a cabeça, rindo.
— Eu deveria saber que você não acreditaria em mim. Você é como
todos à minha volta. Eu passaria pelas chamas do inferno por você, mas
você não está disposta ao mínimo por mim. — proferiu com nojo, antes de
se levantar e passar pela porta.
Eu o odiava. Agora, mais do que nunca!
Algum dia isso foi amor, se na noite em que terminamos
Ambos saímos para pegar outras pessoas?[...]
Isso foi realmente tudo? Eu estava em um sonho?
Sete meses foram apenas uma diversão,
eu estou começando a enlouquecer.
Seven - Natalie Jane
KIMBERLY

Horas se passaram, e eu não sabia o que pensar ou sentir diante de


tudo o que ouvi do Aidan e que também falei. Por um instante, senti ondas
de arrependimento me tomarem. Talvez eu tenha sido muito dura com ele,
talvez ele não merecesse ouvir tudo aquilo. Mas eu estava com muita raiva.
E como não estaria? Eu quase morri, droga!
E pensar em meu amigo sendo acusado injustamente e o Aidan
ajudando a ferrá-lo ainda mais, apenas aumentava minha raiva. Eu queria
descontar tudo o que estava sentindo em alguém. Talvez no próprio Aidan.
Pensar nisso me fez perceber que talvez eu não fosse tão diferente
dele. Que talvez não fosse tão boa quanto as pessoas pensavam que eu era.
Que eu mesma pensava ser.
Eu estava prestes a me levantar para ir procurá-lo, mesmo sabendo
que não deveria fazer isso. Talvez eu devesse lhe dar uma chance, tentar
entender seus motivos. Ou será que era apenas meus sentimentos por ele
falando por mim? Eu estava apaixonada e isso era um fato.
Não consegui nem mesmo sair da cama, porque Evy entrou no
quarto quase arrombando a porta. Seu olhar era de amargura, inquietação e
tristeza, seus olhos marejados demonstravam que ela desabaria a qualquer
momento. No mesmo instante, pensei no Aidan. Será que havia acontecido
algo com ele?
Meu peito apertou.
— Kim… — sua voz soou um pouco acima de um sussurro —
Ele… — ela engasgou.
— O quê? Ele quem? O que houve? — sua aflição estava passando
para mim — Foi o Aidan?
Ela balançou a cabeça em negação.
— Foi o… Nathan — como se antecipasse o que havia acontecido,
meu coração acelerou tanto que pude ouvir as batidas — Ele… Morreu. —
Evy piscou e as lágrimas rolaram pela pele de suas bochechas.
Nathan morreu.
Ele morreu.
Essas palavras faziam eco no quarto onde eu estava. Ou era apenas
em meus ouvidos. O que sei é que paralisei, tentando fazer minha mente
entender o que havia acabado de escutar.
Nathan morreu.
Ele morreu.
Com o olhar aéreo, abaixei a cabeça, tudo em mim estremecido. Foi
quando senti a primeira lágrima escapar. Tudo parecia estar tão silencioso
ao redor, que quando a gota caiu no lençol branco que me cobria, ouvi o
som.
Permiti que o sentimento extravasasse silenciosamente. Eu não
conseguia dizer nada e a Evy seguia na mesma. Ela sentou ao meu lado e
me abraçou forte. Desabamos. Eu sabia o quanto ela devia ter segurado até
chegar até aqui para ter forças de me contar, e estava colocando tudo para
fora agora. Minha amiga, apesar de ter uma personalidade forte, dizia tudo
o que queria e pensava aos outros, e chorava com facilidade. Ao contrário
de mim, que reprimia minhas emoções.
— Tem certeza disso? — perguntei após nos acalmarmos, fungando
e limpando o nariz com o dorso da mão.
— Sim. Acabei de saber. Muitos ainda o estavam acusando por
causa do Aidan e os policiais levaram isso em consideração, então ainda
não concluíram a investigação do caso do seu afogamento para saber se o
Nathan era o culpado ou não. Hoje ele teria que ir à delegacia, como vinha
fazendo praticamente todos os dias, mas pelo que eu soube, não apareceu.
Os policiais foram até a casa dele, e o encontraram — sua voz falhou e ela
fechou os olhos, respirando fundo para conseguir continuar — No banheiro,
com uma corda presa ao pescoço… Sem vida.
Se antes eu repensei sobre o Aidan, agora eu estava ainda mais
enfurecida. Era tudo culpa dele. Ainda que ele não o tivesse matado, Aidan
tinha culpa por ter sido um cretino com o Nathan junto com seus amigos
durante muito tempo.
Aidan Blake era como veneno escondido em uma taça de vinho.
Tinha uma boa aparência, era sedutor, e fazia qualquer um ter sede de beber.
Mas ao entorná-lo, seu gosto era amargo, intoxicava, e não havia antídoto
que fizesse efeito.
Se um dia ele teve o meu amor, agora tudo o que ele teria seria o
meu ódio. Eu o odiaria pelo resto da minha vida.
Eu sei o papel que desempenhei antes
Eu sei da merda que ignorei
Eu conheço a garota que você adorava
Ela está morta, é hora de lamentar, porra.
Demi Lovato, Royal & the Serpent
AIDAN

Pela primeira vez, eu queria poder responder tudo o que alguém me


perguntava, com seriedade e veracidade. Queria contar a minha versão dos
fatos e fazê-la acreditar em mim. Pela primeira vez, não estava me fodendo
para a opinião de alguém a meu respeito.
Mas eu não podia. Porque não tinha certeza. Eu realmente fiquei um
bom tempo longe dela na festa. Bebi, fumei maconha. Podia estar
alucinando e não saber se a machuquei ou não.
O que eu tinha feito?
Saí apressadamente e atordoado do quarto em que ela estava, e
acabei esbarrando em alguém. Ao erguer a cabeça, me deparei com o diabo.
Ele esbanjava um sorriso no rosto. Daqueles capazes de fazer qualquer um
estremecer. Até mesmo quem viveu o pior dessa vida.
— Sempre vai ser assim, meu anjo. — eu odiava quando ela falava
assim.
— O que você quer? Como sabia que eu estava aqui?
Susan riu.
— Ah, Aidan… Eu pensei que tivesse te ensinado tudo, mas você
ainda tem muito o que aprender. Eu sempre sei onde e com quem você está.
Seu pai pode te negligenciar como filho, mas eu sempre estou aqui, de uma
forma ou de outra. — entendi perfeitamente o que ela queria dizer.
Eu a olhava. Susan sempre mantinha aquele ar de sedução. Era
assim que enganava as pessoas ao seu redor. Foi assim que enganou meu
pai. Senti raiva de mim. Dela. Dele. De todos.
— A pergunta que não quer calar, querido, é: ainda pretende insistir
nisso? Não percebe que em algum momento vai matá-la, assim como fez
com sua mãe?
— Eu não a matei. Não fui eu.
— Claro que foi, Aidan. Foi você — ela tentava me convencer e, de
olhos fechados, eu balançava a cabeça, repetindo inúmeras vezes que não
matei minha mãe — Se você não tivesse ido para longe, ela nunca teria
entrado no mar. Ela não sabia nadar. Foi apenas um ato de desespero. E por
sua culpa, sua mãe está morta.
— Não, não. Não fui eu. — meu peito pesou e, pela primeira vez em
muito, muito tempo, as lágrimas embaçaram minhas vistas. Engoli em seco,
eu não daria o braço a torcer. Eu não concordaria com ela.
Susan deu alguns passos em minha direção, chegando bem perto, eu
recuei, mas não adiantou porque em questão de segundos, estava encostado
na parede e ela conseguiu tocar meu rosto.
— Deixe-a. Essa é a única maneira de mantê-la a salvo. Em algum
momento você vai perceber, meu anjo, que tudo o que você toca, é
destruído ou morre.
Não, porra! Não. Ela estava errada. Tinha que estar.
Foi ela quem me destruiu, quem acabou com tudo de bom que
existia em mim.
Mas de repente, lembrei de como eu costumava agir com as pessoas
à minha volta, como eu as tratava. Tudo veio à tona. Eu as tratava
exatamente como a Susan me ensinou. Eu mexia com a mente delas. Eu
tentava exercer poder sobre elas. E em algum momento, eu dava um jeito de
destruí-las.
Ela estava certa. Eu precisava sair da vida da Kimberly.
E foi assim que eu tirei bruscamente a mão da Susan do meu rosto, a
olhando com raiva, nojo, ódio e tantos sentimentos que eu não poderia
contar. Saí o mais rápido que podia do hospital, entrei em meu carro,
dirigindo a toda velocidade sem rumo, sem ter a menor ideia de para onde
ir. Eu só precisava sair dali.
Dirigi pelo que foram horas, diversos pensamentos vieram à tona.
Várias lembranças. Lembranças de quando minha mãe estava viva. De
quando meu pai levou a Susan para nossa casa. De todo o tempo que me
senti sozinho. De como a vida vinha me fazendo pagar pelos meus pecados
ao longo dos anos. E de como eu era um cretino, filho da puta. E parecia me
orgulhar disso.
Não sabia quanto tempo havia dirigido, nem onde estava. Mas parei
o carro no meio do nada. O deixei de qualquer jeito no meio da estrada
vazia, escura e deserta e, andando um pouco, liberei um grito tão alto e
forte, que rasgou minha garganta.
Era frustração, angústia, medo, derrota… Era tudo.
Ali, sozinho, como sempre estive, eu decidi… eu deixaria Nova
Iorque.
Por favor, fique onde está
Não chegue mais perto
Não tente me fazer mudar de ideia
Eu estou sendo cruel para ser gentil
Love In The Dark - Adele

Olhos fechados, o corpo suando frio e tremores se espalhando por


toda parte. Sentia como se milhões de espinhos estivessem em minha
garganta, impedindo-me de respirar. O ar parecia estar preso. Me debatia,
sacudindo as mãos excessivamente, balançando a cabeça para os lados e
tentando abrir os olhos, mas era tudo em vão.
Ao longe, mesmo de olhos fechados, de alguma forma, conseguia
vê-lo. Em um momento, sorria para mim, no minuto seguinte, seus olhos
eram como duas chamas ardentes e, quanto mais eu o olhava, mesmo de
longe, sentia a fumaça que seu corpo emanava.
Minutos depois, me via em um cubículo e as paredes iam se
fechando segundo após segundo. O desespero ameaçou tomar conta do meu
ser e eu não fazia ideia de como poderia sair dali. Deslizando na parede,
agachei-me, com as mãos na cabeça, sem saber o que fazer, o coração
acelerado, as mãos geladas e a boca seca.
— Abra os olhos, Kimberly, ou morrerá. — conseguia escutar a voz,
mas ainda que minha mente quisesse obedecer, não conseguia.
Tudo o que eu ouvia, eram gritos, seguidos de uma voz masculina,
que eu reconheceria em qualquer lugar.
— Estou indo embora. Preciso ir…
— Por… Por fav… — forcei-me a falar, contudo, minha voz não
saía.
Em um determinado momento, eu já não estava mais no cubículo e,
sim, em cima de um prédio e, ao olhar para trás, ele me encarava. Agora,
seus olhos refletiam uma frieza extrema.
— Não há outra saída, Kim... — ele dizia, apontando com a cabeça,
como se me dissesse silenciosamente para pular.
Aproximei-me vagarosamente da ponta do prédio e olhei para baixo,
não havia mais ninguém na cidade além de nós dois. O silêncio imperava.
Tudo que podia ser ouvido era o som de nossas respirações e dos urubus
voando no céu.
— Não há outra saída, eu vou embora. — como se tentasse me
encorajar, ele dizia.
Fechei os olhos, respirando fundo, a fim de tomar coragem para
fazer o que ele tanto exigia. Contudo, não consegui, pois, no segundo
seguinte, senti-me ser empurrada. Um grito rasgado quis sair da minha
garganta, mas eu não conseguia liberar um único som sequer.
Via meu corpo flutuando no ar e, com minhas mãos, tentava uma
forma de me apoiar, mas não havia nada que pudesse me salvar daquele
abismo profundo. E, quanto mais eu caía, mais parecia não haver chão. Era
como um imenso buraco sem fundo e escuro. Eu estava morrendo e não
havia escapatória.
CONTINUA...
Eu tive uma equipe muito foda para esse lançamento e por mais
longo que fique esse agradecimento, não ligo, porque preciso enaltecer cada
pessoa que esteve ao meu lado e não me largou um segundo sequer. Desde
o planejamento da história, até cada mínimo detalhe a respeito de como
lançar meu primeiro livro, essas pessoas estiveram ao meu lado. Surtei
muito, nossa, como surtei, e sou eternamente grata a cada uma delas que me
ajudaram.
Nic, sério, se um dia você cometer a loucura de esquecer o quão
foda é, eu rapo tua cabeça e te deixo carequinha. Eu disse e repito: pelo
tanto que você me ajudou, apenas gratidão é pouco para te recompensar,
obrigada pelas madrugadas planejando meus posts, cada detalhe de como eu
poderia e deveria divulgar o livro e deixar meu perfil cada vez mais atraente
ao público, pelas inúmeras dicas que me deu a respeito de tudo envolvendo
o universo literário, as palavras de positividade em relação ao meu livro,
sobre como você achou a história incrível, mesmo quando eu mesma
duvidei, e pelas tantas outras coisas as quais você me ajudou. Fica aqui meu
muito obrigada. Você é sensacional, definitivamente, a melhor assessora da
vida.
Cold, meu anjo, o tanto que você aturou meus surtos no WhatsApp,
mesmo querendo matar o Aidan, por odiar a versão adolescente dele, não
está escrito (mas ele mandou dizer, mais uma vez, que você é a leitora
favorita dele, inclusive, ele ama o apelido especial que você o dedicou:
corno bonito). Eu nem sei quantas vezes quis desistir desse livro por esses
dois estarem me deixando maluca, mas sabia que a Kimberly e o Aidan não
queriam que isso acontecesse, e você foi o ponto alto para essa história
continuar, e além de ter sido uma leitora incrível, o que me disse dias antes
do lançamento sobre ter tido a sensação de levar “um soco no estômago” ao
conseguir compreender as atitudes desses dois e que entendeu que não tinha
como eles serem diferentes, foram palavras que mexeram demais comigo
enquanto autora do livro e me fez ter ainda mais certeza de que Tóxico foi
escrito como tinha que ser. Muito, muito, muito obrigada mesmo. Você é
maravilhosa!
Wan, meu amor, lembro-me bem de quando te procurei e conversei
a respeito desse livro para iniciarmos a leitura crítica, pois, pelo conteúdo
dessa história, tive medo de que não quisesse trabalhar comigo nela, mas
desde o início, você foi tão fofa, tão incrível, soube entender cada detalhe
desses dois, que me deixou pasma, e acredito que percebeu isso em meus
áudios. Eu não tenho palavras para agradecer seu carinho, atenção, cuidado
e a sensibilidade que você tem para lidar com os autores. Você é,
simplesmente, a melhor leitora crítica do mundo!
Jô, você é uma puta leitora! (Apesar do adjetivo usado, leve no bom
sentido, minha gata). Os comentários feitos tanto no arquivo do livro,
quanto em meu WhatsApp, me deram um gás para escrever essa história,
que você nem sabe. O modo como você falava do Aidan e da Kimberly, me
fizeram enxergar meu próprio livro de uma maneira completamente
diferente e eu serei sempre, sempre mesmo muito grata por isso.
Aos leitores, muito obrigada por se permitirem embarcar na leitura
desse livro tão caótico e complicado. Se puder me ajudar, deixe sua
avaliação ao final para engajar o livro. Em breve, a sequência dele estará
disponível para leitura, aguardo vocês. E caso queiram, sintam-se à vontade
para surtarem comigo no direct do insta.
Me sigam muito no Instagram @blue_autora
Beijo no coração de vocês!

[1]
Cinta peniana, muito usada para dupla penetração, especialmente no BDSM.
[2]
Expressão popular muito usada entre jovens, para dizer que vão cair na noitada.
[3]
Traduzido para o português, significa “garota da grade”. De forma resumida, é a garota
responsável por erguer e abaixar a bandeira, dando largada e finalizando uma corrida de racha.

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