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Protocolo clínico: Câncer
Autor e revisor: Carol Rodrigues CRN3 44067
Última atualização: 10/07/2020
1. Definição
O termo câncer ou tumor pode ser definido como o crescimento
descontrolado, disseminado e invasivo de células anormais, resultantes de alterações genéticas hereditárias ou adquiridas. Os tumores malignos podem crescer rapidamente e causar uma série de danos ao hospedeiro, como destruição de estruturas adjacentes por pressão, síntese de hormônios, fatores de crescimento e citocinas, alterações metabólicas, sangramento e infecções secundárias e início de sintomas agudos, como obstrução do trato gastrintestinal (TGI), que pode levar à perda de peso e desnutrição.
2. Diagnóstico
O diagnóstico precoce e o estadiamento dos tumores são importantes para
o prognóstico e o tratamento. A confirmação do diagnóstico é geralmente baseada nos sinais e sintomas, exames de imagem do órgão-alvo, métodos histopatológicos, citológicos e/ou moleculares de uma biópsia ou fragmento do tumor.
Tabela1: Classificação de tumores malignos - TMN
A classificação de tumores malignos pelo sistema TNM existe para
aqueles tipos histológicos mais comuns, como os carcinomas. Além disso, existe o Estadiamento Geral dos Tumores (estádio de descrição), que varia de 0 a IV (0, IA, IB, IIA, IIB, IIIA, IIIB, IIIC, IV) e tem características diferentes para cada localização e tamanho de tumor, sendo que em geral: 0 – carcinoma in situ (TisN0M0); I – invasão local inicial; II – tumor primário limitado ou invasão linfática regional mínima; III – tumor local extenso ou invasão linfática regional extensa; IV – tumor localmente avançado ou presença de metástases.
3. Nutrição e Prevenção
O aparecimento do câncer é multifatorial e inclui tantos fatores genéticos e
de composição corporal quanto ambientais, chamados agentes cancerígenos, como por exemplo: A ingestão de carnes vermelha e processada aumenta o risco de câncer colorretal, enquanto o uso de bebidas alcóolicas está relacionado com o aumento dos cânceres de boca, faringe, laringe, esôfago, colorretal e mama. O excesso de gordura corporal está relacionado com o aumento do risco de câncer de esôfago, pâncreas, vesícula biliar, colorretal, mama, endométrio e rins. Os fatores de risco para o câncer podem ser divididos em modificáveis e não modificáveis, como na Tabela 2. Tabel2. Fatores de riscos modificáveis e não modificáveis. Baseado nesses dados, o Fundo Mundial de Pesquisa contra o Câncer/Instituto Americano para Pesquisa do Câncer (WCRF/AICR) e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) fizeram algumas recomendações para a comunidade. Essas estão descritas na tabela a seguir:
Tabela 3: Recomendações gerais sobre alimentação e câncer.
Existe uma correlação positiva entre uma dieta pobre nesses nutrientes e o aparecimento de alguns tipos de câncer, mas não há nenhuma evidência de que o excesso ou suplementação com antioxidantes possam prevenir a carcinogênese. Inclusive, vários estudos apontam que, em indivíduos fumantes, a suplementação com betacaroteno pode aumentar a incidência de câncer de pulmão. Nesse sentido, o recomendado é uma dieta variada e a suplementação específica em casos de deficiência bioquímica comprovada. Tabela 4. Principais fontes alimentares de antioxidantes 4. Tratamento e suas consequências
Uma vez confirmado o diagnóstico, o tratamento do câncer por ser dividido
em quatro tipos principais, que podem ser realizados separadamente ou combinados, os quais são: a cirurgia, a quimioterapia (QT), a radioterapia (RXT) e o transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH). O ato cirúrgico promove estímulos indutores de alterações homeostáticas, que incluem hemorragia e hipovolemia, fatores locais e lesões, choque e alterações do pH sanguíneo. A injúria provocada pela cirurgia resulta em uma resposta orgânica de fase aguda, induzindo a um processo inflamatório local que é necessário para a cura e reconstituição de tecidos. Com isso, há a ativação de macrófagos, com aumento da produção de citocinas e de outros mediadores inflamatórios. Podem ser observadas, assim, como decorrência dessa reação, alterações vasculares, humorais, neurológicas e celulares com manifestações de dor, rubor, calor, edema, perda de função do local do trauma cirúrgico. O trato gastrintestinal também sofre com o procedimento, muitas das vezes cursando o indivíduo com a diminuição do peristaltismo e da capacidade de absorção, principalmente quando há manipulação da cavidade peritoneal. A QT é um tratamento sistêmico e consiste na combinação de fármacos (quimioterápicos), que é quase sempre mais efetiva do que o uso sequencial de agentes isolados. A QT pode causar uma série de efeitos colaterais, como anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, mucosite, edema, hiperglicemia, alteração da função hepática e renal. Na Tabela 4, podem ser visualizados os principais efeitos colaterais dos quimioterápicos mais usados. A RXT é a terapia útil para os tumores que não podem ser ressecados, sem morbidade grave ou que tendem a disseminar para locais previsíveis, podendo a radiação ser ampliada além da extensão conhecida. As regiões da cabeça, pescoço e TGI possuem diferentes tecidos que respondem de modo diferente à radiação, causando sintomas agudos, como: mucosites, enterites, disgeusia, xerostomia e descamação da pele. Além disso, podem surgir efeitos tardios, como ulceração da mucosa, lesões vasculares, atrofia de tecidos moles, perda ou mudança no paladar, fibrose, edema, necrose de tecidos moles, perda de dente, diminuição do fluxo de saliva, diarreia. Todos esses sintomas podem comprometer a ingestão e absorção de alimentos durante e após o tratamento, causando impacto importante no estado nutricional, e, muitas vezes, necessitando de suporte nutricional via sonda nasoentérica ou gastrostomia. O TCTH é um procedimento terapêutico que consiste em altas doses de QT e/ou RXT corporal total, conhecido como período de condicionamento, seguido por infusão intravenosa de células-tronco hematopoéticas (CTH) com a finalidade de restabelecer a hematopoese após aplasia medular. Quando o paciente possui doença avançada, metastática ou recidiva, sem tratamento curativo eficaz, é indicado o tratamento ou cuidados paliativos. Segundo a OMS, os cuidados paliativos consistem na abordagem para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares e no enfrentamento de doenças que oferecem risco de vida, pela prevenção e pelo alívio do sofrimento. Isso significa a identificação precoce e o tratamento da dor e de outros sintomas de ordem física, psicossocial e espiritual.
Tabela 5: Alguns fármacos utilizados no tratamento antineoplásico e
seus principais efeitos colaterais sobre o trato gastrointestinal. 5. Alterações Metabólicas
No início do desenvolvimento do tumor, a maioria dos pacientes não
apresenta nenhum sintoma ou alteração, porém dependendo da localização e da taxa de crescimento, a presença do tumor pode causar anorexia e aumentar o gasto energético do organismo, por causa do aumento da utilização de nutrientes essenciais para o seu crescimento e a produção de substâncias químicas, chamadas citocinas. A célula tumoral utiliza a glicose como nutriente essencial, aumentando a produção endógena e o turnover de glicose, que é o chamado efeito Warburg. A célula tumoral aumenta a captação de glicose e tem preferência em utilização do metabolismo anaeróbico, com formação de lactato, que gasta mais energia para produzir uma quantidade muito menor de ATP, quando comparado com o metabolismo aeróbico (ciclo de Krebs). Para manter sua produção de energia e crescimento tumoral, ocorre um estímulo para o aumento da disponibilidade de glicose por meio do mecanismo de gliconeogênese, produção hepática de glicose a partir de substratos como lactato e proteína. Assim, ocorre a ativação de mecanismos como o ciclo de Cori, produção de lactato muscular, proteólise, degradação de proteína muscular, resistência periférica a insulina e hiperglicemia, com o objetivo de disponibilizar mais glicose para o tumor. A proteólise e a degradação da proteína muscular causam depleção da massa muscular corporal, com consequente perda de peso e sarcopenia. A presença de citocinas, como PIF e consequentemente ativação do estado inflamatório, leva à diminuição da síntese de proteínas musculares e circulantes, como albumina, pré-albumina e transferrina, além de aumentar a síntese de proteínas de fase aguda, como a PCR, que tem seu nível sérico aumentado em pacientes com doença avançada e metastática. A ativação do metabolismo energético, a intensa utilização de glicose pelo tumor e a presença de LMF também interferem no metabolismo de lipídios, causando lipólise, ativação da lipase hormônio sensível, degradação de reservas de gordura, com liberação de ácidos graxos livres. Frequentemente, ocorre diminuição da lipogênese e diminuição da lipase lipoproteica com aparecimento de dislipidemias. 6. Desnutrição e Caquexia
O grau e a prevalência da desnutrição dependem do tipo, localização e
do estágio do tumor, dos órgãos envolvidos, dos tipos de terapia antitumoral utilizadas e da resposta do paciente. Dentre os pacientes com câncer, 66,4% estavam desnutridos, e o risco nutricional se modificava de acordo com a localização da doença, principalmente quando o câncer acometia o TGI. A caquexia pode ser definida como uma síndrome multifatorial caracterizada pela perda de massa muscular (com ou sem perda de tecido adiposo), que não pode ser revertida com suporte nutricional convencional e acarreta progressiva disfunção orgânica. A fisiopatologia é caracterizada por balanço nitrogenado e proteico negativo, associado a redução da ingestão alimentar (anorexia) e alterações metabólicas (hipermetabolismo). A perda de peso maior que 5% em seis meses é considerada um dos indicadores iniciais de caquexia, mesmo quando o paciente ainda não apresenta depleção evidente de massa corporal.
Figura 1: Diagnóstico e estágios da caquexia do câncer.
7. Objetivos da terapia nutricional
Manter o peso saudável.
Prevenir e tratar a desnutrição e caquexia. Auxiliar no manejo de sintomas. Melhorar a resposta imune. Evitar que o tratamento seja interrompido. Ajustar consistência da dieta e via alimentar.
8. Recomendações nutricionais para pacientes adultos
8.1 Em tratamento clínico (quimioterapia e radioterapia)
De acordo com o guideline de terapia nutricional para o paciente
oncológico da Espen (2006), recomenda-se de 30 cal/kg a 35 cal/kg ao dia para pacientes em tratamento ambulatorial e de 20 cal/kg a 25 cal/kg ao dia para os acamados. As Diten recomendam a oferta de 1,2 g a 1,5 g de proteína/kg ao dia para os pacientes em estresse moderado e 2,0 g/kg ao dia para os pacientes em estresse grave. De igual modo, o guideline da Espen (2006) recomenda de 1,2 g a 2,0 g de proteína/ kg de peso corporal por dia para garantir uma ótima oferta de nitrogênio. No entanto, deve-se ter atenção às funções renal e hepática para a determinação da oferta proteica.
Pacientes oncológicos podem apresentar deficiências de micronutrientes
em função do aumento das necessidades e de perdas associadas à diminuição da ingestão alimentar. Os micronutrientes devem ser ofertados em níveis adequados que contemplem de uma a duas vezes a ingestão dietética de referência (DRI, do inglês, dietary reference intake). Os requerimentos hídricos para pacientes em quimio e radioterapia são semelhantes aos de indivíduos saudáveis, que é de 1,0 ml/kcal ou de 30 ml/kg a 35 ml/kg de peso. Ajustes são necessários na presença de desidratação e retenção hídrica. Com relação as vias da terapia nutricional, a Terapia nutricional oral (TNO) é a primeira opção, desde que o TGI esteja apto para receber nutrientes, além de ser a via mais fisiológica e de fácil acesso. Dessa forma, a TNO deve ser indicada sempre que o paciente apresentar uma ingestão alimentar pela via oral convencional < 70% das necessidades. A TNE é o tratamento escolhido para pacientes que não podem manter suficiente ingestão oral, mas mantém a funcionabilidade do TGI de forma total ou parcial. Nesse contexto, tal nutrição está indicada quando o paciente apresenta uma ingestão de menos de 60% das suas necessidades nutricionais pela via oral convencional. Recomenda-se ainda que a TNE via sonda seja implementada precocemente nos casos de câncer de cabeça e pescoço ou câncer de esôfago obstrutivo. Esses tumores impedem diretamente a ingestão de alimentos, o que leva rapidamente à deterioração grave do estado nutricional. Quando suspender a terapia nutricional? TNO: Na presença de odinofagia e disfagia grave que impeçam a ingestão oral adequada, vômitos incoercíveis, broncoaspiração, recusa do paciente e intolerância ao suplemento. TNE: Na presença de instabilidade hemodinâmica, e/ou persistentes intercorrências, como diarreia grave persistente, vômitos incoercíveis, íleo paralítico, sangramento do TGI e distensão abdominal. TNP: Na presença de instabilidade hemodinâmica ou quando a via entérica oral ou enteral estiver suprindo 75% e 60% das necessidades nutricionais, respectivamente, por 3 dias consecutivos.
8.2. Submetidos a Transplante de Célula- tronco Hematopoiética
Além dos cuidados gerais, os pacientes devem ser orientados a respeito dos alimentos que podem causar infecção; para isso, a higiene e a manipulação segura dos alimentos durante o período de neutropenia devem ser reforçadas aos pacientes e familiares. Pacientes submetidos a transplante autólogo ou singênico utilizam essa recomendação durante aproximadamente três meses após o transplante, e aos submetidos a transplante halogênico, pode ser necessário seguir essa recomendação por até um ano ou mais, caso permaneçam em terapia imunossupressora.
8.3. Pré e Pós Operatório
Segundo o mais recente Guia de Conduta da ASPEN (2009), a utilização
de fórmulas enterais contendo imunomoduladores, como arginina, ácidos nucleicos e ácidos graxos essenciais, pode ser benéfica para pacientes desnutridos que serão submetidos a cirurgias de grande porte, com grau A de recomendação. Contudo, a diversidade das metodologias limita a determinação do momento ideal para o início da imunomodulação. Em geral, recomenda-se que indivíduos previamente desnutridos, que serão submetidos a cirurgias gastrintestinais, de cabeça e pescoço ou outras, consideradas de grande porte, recebam a suplementação em um período de 5 a 7 dias no pré-operatório. O Consenso Brasileiro de Nutrição Oncológica (Inca, 2009) recomenda a suplementação com dieta imunomoduladora no pré-operatório de cirurgias eletivas de grande porte para todos os pacientes, independente do estado nutricional. A glutamina é um aminoácido não essencial, que pode ser sintetizada em nível hepático e muscular, mas, em enfermidades como o câncer, pode ser considerada condicionalmente essencial, pois ocorre um aumento de seu catabolismo, afetando a função imune e a barreira mucosa intestinal. A suplementação de glutamina pode ser feita via oral, enteral ou parenteral e está relacionada com melhor tolerânia à QT, prevenção da mucosite oral e diarreia. Contudo, existem poucos trabalhos controlados confirmando seus efeitos benéficos. Em relação à mucosite, a comparação entre os resultados encontrados é dificultada pela diversidade dos pacientes e tratamentos submetidos, da quantidade usada nos estudos, que pode variar de 1,02 a 7,31 g/kg/dia e da forma de administração. Até o presente momento, nenhum guia de conduta ou revisão consultada recomenda a suplementação com glutamina e, inclusive, existe uma preocupação a respeito de que o seu uso possa aumentar a recidiva de alguns tumores, como os hematológicos.
9. Manejo dos Sintomas
Os quadros a baixo foram retirados do Consenso Brasileiro de Nutrição
Consenso nacional de nutrição oncológica / Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva, Coordenação Geral de Gestão Assistencial, Hospital do Câncer I, Serviço de Nutrição e Dietética; organização Nivaldo Barroso de Pinho. – 2. ed. rev. ampl. atual. – Rio de Janeiro: INCA, 2015.
Guia de nutrição : clínica no adulto / coordenação deste guia Lilian Cuppari. –