Pedra Papel Tesoura Alice Feeney
Pedra Papel Tesoura Alice Feeney
Pedra Papel Tesoura Alice Feeney
PAP E R
SCISSORS
ALICE FEENEY
FLATIRON
BOOKS
NEW YORK
As coisas estao erradas com o Sr. e a Sra. Wright ha muito t empo. Quando
Adam e Amelia ganham um im de semana na Escocia, isso pode ser
exatamente o que seu casamento precisa. O viciado em
FEVEREIRO 202 0
Sinto-o olhando para mim enquanto dirijo e me pergunto o que ele ve.
Ninguem mais lhe parece familiar, mas ainda e estranho pensar que o
homem com quem casei nao seria capaz de me identi icar numa ila policial.
Eu sei a expressao que seu rosto esta usando sem precisar olhar. E a versao
mal-humorada e petulante do tipo “eu avisei”, entao me concentro na
estrada. Preciso. A neve esta caindo mais rapido agora, e como dirigir em
uma nevasca, e os limpadores de para-brisa do meu Morris Minor Traveler
estao lutando para lidar com isso. O carro –
durarao a vida toda, mas suspeito que meu marido gostaria de tr ocar nos
dois por um modelo mais jovem. Adam veri icou o cinto de segurança uma
centena de vezes desde que saımos de casa, e suas ma os estao fechadas em
punhos no colo. A viagem de Londres ate a Esco cia nao deveria ter
demorado mais de oito horas, mas nao me atrevo a conduzir mais depressa
nesta tempestade. Mesmo que est eja
Adam tem uma falha neurologica chamada prosopagnosia, o que signi ica
que ele nao consegue ver caracterısticas distintivas nos rost os, incluindo o
seu. Ele passou por mim na rua em mais de uma ocasia o, como se eu fosse
uma estranha. A ansiedade social que isso inevitavelmente causa afeta a nos
dois. Adam pode estar rodeado de amigos em uma festa e ainda assim sentir
que nao conhece ninguem na sala. Entao passamos muito tempo sozinhos.
Juntos, mas separados. S o nos. A cegueira facial nao e a unica maneira pela
qual meu marido me faz sentir invisıvel. Ele nao queria ilhos... sempre disse
que na o suportava a ideia de nao reconhecer seus rostos. Ele viveu com essa
condiçao durante toda a vida, e eu vivi com ela desde que nos conhecemos.
As vezes, uma maldiçao pode ser uma bença o.
perfume, o som da minha voz, a sensaçao da minha mao na sua quando ele
ainda a segurav a.
Nao sou a mulher por quem ele se apaixonou anos atras. Eu me pergunto se
ele pode dizer o quanto pareço mais velha agora? Ou se ele notou a in
iltraçao de cabelos grisalhos em meus longos cabelos loir os? Quarenta
podem ser os novos trinta, mas minha pele esta cheia de rugas que raramente
eram causadas pelo riso. Costumavamos ter muit o em comum, compartilhar
nossos segredos e sonhos, nao apenas uma cama. Ainda terminamos as
frases um do outro, mas hoje em dia err amos.
Os seres humanos sao uma especie estranha e imprevisıv el. Pre iro a
companhia de animais, que e um dos muitos motivos pelos quais trabalho na
Battersea Dogs Home. Criaturas de quatro patas tendem a ser melhores
companhias do que aquelas com duas, e os ca es nao guardam rancor nem
sabem odiar. Pre iro nao pensar nas outr as razoes pelas quais trabalho la, as
vezes e melhor deixar a poeira de nossas memorias sem varrer .
que nao vemos ninguem, o que faz deste o local perfeito para o que planejei.
Meu coraçao esta batendo forte dentro do peito enquanto pego minha bolsa.
Meus dedos tremulos encontram minha bolsa, chaves e quase todos os outros
conteudos antes de localizar meu inalador. E u agito e dou uma trag ada.
Ja mordi a lıngua tantas vezes nesta viagem que deve estar cheia de bur acos.
—Nao me lembro de voce ter tido uma melhor —r espondo. —Uma viagem
de oito horas para um im de semana for a…
— Ha muito tempo que dizemos que seria bom visitar as Terr as Altas.
— Pode ser bom visitar a Lua tambem, mas pre iro que conversemos sobre
isso antes de voce nos reservar um foguete. Voc e sabe como as coisas estao
ocupadas para mim agor a.
ocupado — digo com os dentes cerrados e batendo. Esta tao frio no carro
agora que posso ver minha propria respiraça o.
— Sinto muito, voce esta sugerindo que e minha culpa esta rmos na
Escocia? Em fevereiro? No meio de uma tempestade? Esta foi sua ideia.
Pelo menos nao terei que ouvir suas insistencias incessant es quando formos
esmagados ate a morte pela queda de uma arvore ou morrermos de
hipotermia neste carro de merda que voce insiste em dirigir .
consegue encontrar. Meu marido acha que gadgets e aparelhos sao a resposta
para todos os problemas da vida.
—Entao ainda estara la. Nao e meu trabalho arrumar suas c oisas para voce.
Eu nao sou sua ma e.
Arrependo-me imediatamente de ter dito isso, mas as palavr as nao vem com
os recibos de presentes e voce nao pode retira-las. A ma e de Adam esta no
topo da longa lista de coisas sobre as quais ele na o gosta de falar. Tento ser
paciente enquanto ele continua procurando seu telefone, apesar de saber que
nunca o encontrara. Ele tem razao. Ele colocou no porta-luvas. Mas tirei-o
antes de sairmos de casa esta manha e escondi-o la dentro. Pretendo dar uma
liçao importante ao meu marido neste im de semana e ele nao precisa do
telefone par a isso.
mas nao vejo lugar para abastecer ha quase uma hora. A neve e
— Atravesse a ponte, vire a direita ao passar por um banco com vista para o
lago. A estrada fara uma curva para a direita, conduzindo ao vale. Se voce
passar pelo pub, voce foi longe demais e perdeu a curv a para a pr opriedade.
—Umjantar em um pub pode ser bom mais tarde —sugir o. Nenhum de nos
diz nada quando o Blackwater Inn aparece a
—Acho que consigo ver alguma coisa —diz Adam, apro ximando- se do
para-brisa e olhando para a escuridao. Tudo o que posso ver e um ceu negro
e um manto branco cobrindo tudo abaixo dele.
— Onde?
Diminuo um pouco a velocidade enquanto ele aponta para o nada. Mas entao
noto o que parece ser um grande edifıcio branco a dista ncia.
Bob – nosso labrador preto gigante – icou quieto durante a maior parte da
viagem. Na sua idade ele gosta principalmente de dormir e comer, mas tem
medo de ovelhas. E penas. Tambem tenho medo de coisas bobas, mas tenho
razao em ter. O rosnado de Bob nao assusta o rebanho. Adam abre a porta do
carro sem avisar, e uma rajada de nev e sopra imediatamente para dentro,
atingindo-nos de todas as direço es. Observo enquanto ele sai, protege o
rosto e depois espanta as ov elhas, antes de abrir uma porteira que estava
escondida atras delas. Nao sei como Adam viu isso no escur o.
Ele volta para o carro sem dizer uma palavra, eu aproveito o tempo enquanto
percorremos o resto do caminho. A trilha ica perigosamente perto da borda
do lago e posso entender por que der am ao lugar o nome de Blackwater. Ao
estacionar em frente a velha capela branca, começo a me sentir melhor. Foi
uma jornada exaustiva, mas conseguimos, e digo a mim mesma que tudo
icara bem assim que entr armos.
—Eu espero que voce esteja certo. O carro ja parece precisar ser retirado da
nev e.
Olho para cima, protegendo os olhos da neve, e vejo que ele est a olhando
para a frente da capela. As enormes portas de madeira esta o agora abertas.
Se toda historia tivesse um inal feliz, nao terıamos motivos par a começar de
novo. A vida e feita de escolhas e de aprender como nos recompor quando
desmoronamos. O que todos nos fazemos. At e
reconhecer o rosto da minha esposa, nao signi ica que nao sei quem ela e .
Ficamos lado a lado do lado de fora da capela, ambos tr emendo, com a neve
soprando ao nosso redor em todas as direçoes. Ate Bob parece infeliz e esta
sempre feliz. Foi uma viagem longa e t ediosa, agravada pela constante dor
de cabeça na base do cranio. Bebi mais do que deveria com alguem que nao
deveria ontem a noite. De novo. Em defesa do alcool, iz algumas coisas
igualmente estupidas enquant o estava completamente so brio.
obsta culos.
novament e?
Nao respondo por alguns segundos, mas o silencio pode prolongar o tempo,
fazendo com que pareça mais longo. Alem disso, meu rosto esta tao frio
agora que nao tenho certeza se consigo mov er minha boca. Mas acontece
que eu posso.
—So para deixar isso claro... voce ganhou um im de semana for a, para icar
em uma antiga igreja escocesa, em um sorteio de funcionarios no Battersea
Dogs Home?
— E uma capela, mas sim. O que ha de errado nisso? F azemos sorteio todos
os anos. As pessoas doam presentes, ganhei algo bom, para variar .
—Otimo —eu respondo. —Isso de initivamente tem sido “bom ” ate agor a.
Ela sabe que detesto viagens longas. Eu odeio carros e d irigir ponto inal –
nunca iz um teste – entao oito horas preso em sua lata antiga sobre quatro
rodas, durante uma tempestade, nao e minha ideia de diversao. Olho para o
cachorro em busca de apoio moral, mas Bob esta muito ocupado tentando
comer locos de neve que caem do ce u. Amelia, sentindo a derrota, usa
aquele tom melodioso passiv o- agressivo que costumava me divertir. Hoje
em dia isso me faz desejar ser sur do.
Pre iro comer meu proprio fıgado a voltar para o carro dela.
— Damas primeiro. — Nao posso dizer que nao sou um cavalheiro. —Vou
pegar as malas no carro —acrescento, ansioso par a aproveitar meus ultimos
segundos de solidao antes de entr armos.
Passo muito tempo tentando nao ofender as pessoas: produtor es, executivos,
atores, agentes, autores. Adicione a cegueira facial nessa
mistura, e acho justo dizer que sou do nıvel olımpico quando se trata de pisar
em ovos. Certa vez, conversei com um casal em um casamento por dez
minutos antes de perceber que eram os noivos. Ela nao usava um vestido
tradicional e ele parecia um clone de seus muitos padrinhos. Mas me safei
porque encantar pessoas faz parte do meu trabalho. F azer com que um autor
me con ie o roteiro de seu livro pode ser mais difı cil do que persuadir uma
mae a deixar um estranho cuidar de seu ilho primogenito. Mas sou bom
nisso. Infelizmente, encantar minha esposa parece ser algo que esqueci como
fazer .
Nunca conto as pessoas sobre ter prosopagnosia. Em primeir o lugar, nao
quero que isso me de ina, honestamente, quando algue m sabe, e so sobre
isso que quer falar. Nao preciso e nem quero pena de ninguem e nao gosto de
me sentir uma aberraçao. O que as pessoas
Acho que tambem aprendi a conviver com um casamento nada perfeito. Mas
nao e todo mundo? Nao estou sendo derrotista, apenas honesto. Nao e disso
que se tratam os relacionamentos de sucesso? Compromisso? Algum
casamento e realmente perfeit o?
Eu amo minha esposa. So acho que nao gostamos um do outr o tanto quanto
costumav amos.
—Isso e quase tudo —eu digo, reunindo-me com ela nos degr aus da capela,
sobrecarregada com mais malas do que poderemos pr ecisar para algumas
noites fora. Ela olha para meu ombro como se isso a tivesse of endido.
— Essa e a bolsa do seu laptop? — Ela pergunta, sabendo muit o bem que e
.
erro. Imagino Amelia fazendo uma cara de cartao de ir para a cadeia2 . Este
nao e um bom começo. Nao terei permissao para escrever nest e
Quando penso em tudo o que temos – uma bela casa em Londr es, uma vida
boa, dinheiro no banco – penso a mesma coisa de sempr e: deverıamos ser
felizes. Mas todas as coisas que nao temos sao mais difıceis de ver. A
maioria dos amigos da nossa idade tem pais idosos ou ilhos pequenos com
quem se preocupar, mas so temos um ao outr o. Sem pais, sem irmaos, sem
ilhos, so nos. A falta de pessoas para amar e algo que sempre tivemos em
comum. Meu pai foi embora quando eu er a muito jovem para me lembrar de
alguma coisa sobre ele, minha ma e morreu quando eu ainda estava na
escola. A infancia da minha esposa
nao foi menos que Oliver Twist3, ela era orfa antes de nascer .
Bob nos salva de nos mesmos rosnando novamente para as portas da capela.
E estranho, porque ele nunca faz isso, mas ico grato pela distraçao. E difıcil
acreditar que ele era um cachorrinho a bandonado em uma caixa de sapatos e
jogado no lixo. Desde entao, ele se tornou o maior labrador preto que ja vi.
Ele tem uma coleçao de pelos grisalhos no queixo atualmente e anda mais
devagar do que antes, mas o cachorro e o unico ainda capaz de amor
incondicional em nossa famı lia de tres pessoas. Tenho certeza de que todos
pensam que o tr atamos como um ilho substituto, mesmo que sejam
educados demais par a dizer isso. Eu sempre disse que nao me importava de
nao ter um de verdade. As pessoas que nao conseguem dar um nome aos
seus ilhos conseguem dar um nome a um futuro diferente. Alem disso, de
que
adianta querer algo que voce sabe que nao pode ter? Tarde demais par a isso
agor a.
— Voce tem certeza de que quer fazer isso? — Eu digo, par ando antes de
entrar .
— Sim. Por que? — Ela pergunta, como se nao pudesse ouvir o cachorro
rosnando e o vento uiv ando.
— Esta nao e uma historia de terror escrita por um de seus autores favoritos,
Adam. Isto e vida real. Talvez o vento tenha aberto as portas?
Ela pode dizer o que quiser, mas as portas nao estav am simplesmente
fechadas antes. Elas estavam trancadas e nos dois sabemos disso.
ileiras de ganchos para casacos, todos vazios. Nao tiramos nossos sapatos ou
jaquetas cobertos de neve. Em parte porque esta tao frio aqui quanto la fora,
mas tambem talvez porque ainda parece incerto se vamos icar .
—Voce nao precisa levantar poeira para defender uma posiçao — diz
Amelia. Olho para o rostinho infantil e sorridente a que ela se refer e no
banco da igreja. Eu nao tinha notado isso ant es.
Eu nao desenhei.
Nos dois giramos, mas nao ha ninguem aqui alem de nos. Todo o edifıcio
parece tremer, os pequenos espelhos na parede balançam um pouco nos
pregos enferrujados e o cachorro choraminga. Amelia olha para mim com os
olhos arregalados e a boca formando um O perfeit o. Minha mente tenta
oferecer uma explicaçao racional, porque e isso que sempre f az.
— Voce pensou que o vento poderia ter aberto as portas... talv ez as tenha
fechado —eu digo, e Amelia assent e.
A mulher com quem casei ha mais de dez anos nunca acr editaria nisso. Mas
hoje em dia, minha esposa so ouve o que quer ouvir e ve o que quer ver .
PEDR A
Palavra do ano :
Prezado Adam ,
Foi algo à primeira vista quando nos conhecemo s. Eu não tinha certeza do
quê, mas sei que voc ê
também sentiu .
filme. Todos pensaram que éramos loucos e que o romance turbulento não
duraria, mas sempre tiv e
erradas. Assim como você. É uma das muitas coisa s que temos em comum .
como imaginei. É mais difícil esconder o lado mai s sombrio de alguém com
quem você mora, e você fe z um trabalho melhor em esconder toda a
desorde m
casa em Notting Hill, agora que moro aqui também . Estou tão feliz.
Acostumei-me a ficar em segund o
Mas acho que entendo agora. Esse manuscrito nã o era apenas uma história
não vendida; era como um a
escrevendo rascunho após rascunho, mas ainda assi m nunca foi além do
desenvolvimento. Deve se r
perturbador que sua história favorita tenha sid o esquecida, deixada para
morrer na gaveta d a
escrivaninha, mas tenho certeza de que não ficar á assim para sempre.
Tornei-me seu primeiro leito r
oficial desde então – um papel do qual tenho muit o orgulho – e sua escrita
está cada vez melhor .
Eu sei que você prefere ver seus próprios conto s transformados em filmes,
mas por enquanto é tud o
seus livros, porque alguém em algum lugar pen sa que poderia funcionar na
tela. Mas eu vi voc ê
Felizmente, os livros são outra coisa que temo s em comum, embora eu ache
justo dizer que temo s
Acho que foi por isso que fiquei tão chatead a quando você disse que não
conseguiríamos u m
cachorro. Tenho apoiado você e sua carreira desd e que nos conhecemos,
mas às vezes me preocupav a que nosso futuro fosse realmente apenas sobre
o seu. Sei que trabalhar para Battersea Dogs Hom e não é tão glamoroso
quanto ser roteirista, mas gost o do meu trabalho, me deixa feliz. Suas razões
par a não comprar um cachorro foram racionais (voc ê
Eu queria levar o cachorrinho para casa no di a seguinte, mas você disse não
e fiquei com o coraçã o
partido pela primeira vez desde que nos conhecemo s. Achei que ainda tinha
tempo de convencê-lo, mas n a tarde seguinte, uma das recepcionistas de
Batterse a
veio ao meu escritório e disse que alguém tinha vind o adotar o cachorro. É
meu trabalho avaliar todos o s
Ninguém vai para uma casa onde não será realment e amado sob minha
supervisão .
sentido. Eu ainda nem conhecia os possíveis donos , então eles não deveriam
se comportar como se o
cachorro já fosse deles. Peguei o cachorrinho do chã o para dar uma olhada
mais de perto na inscrição n o metal brilhante :
Me desculpe por não ter dito sim imediatamente . Acho que entrei em
choque quando você caiu d e
uma onda de emoções que não consegui processar. E com todos olhando
para nós, me senti completament e sobrecarregada .
Minha tesoura cortou seu papel, como sempre fa z quando jogamos esse
jogo, então não foi uma grand e aposta. Sempre que ganho alguma coisa,
você sempr e gosta de pensar que me deixou .
palavras longas, e você me provocou por não saber o que elas significavam .
— Não sei se isso é limerência ou amor — foi o que você disse depois de me
beijar pela primeir a
vez. Tive que pesquisar quando cheguei em casa. A s coisas estranhas que
você às vezes dizia, junto co m
deste ano deveria ser “limerência,” ainda tenho um a queda por isso .
Estou feliz por ter encontrado seu roteiro secret o escondido em sua mesa e
entendo por que el e
significa mais para você do que qualquer outra coi sa que você escreveu. Ler
RockPaperScissorsfoi com o ter um pequeno vislumbre da sua alma; uma
part e
sombria e distorcida, sobre um homem que escrev e uma carta para sua
esposa todos os anos n o
próprias cartas. Para você. Uma vez por ano. Nã o sei se irei compartilhá-las
com você ainda, ma s
xx
Bati as portas da capela. Eu nao queria fazer isso com tanta for ça, ou
perceber que iria causar um estrondo tao alto. E nao sei por que
simplesmente nao confessei isso em vez de culpar o vento. Talv ez porque
esteja cansado de ser repreendido pela minha esposa a cada cinco minut os.
Um grande fogao de cor creme ocupa o centro das atenço es, cercado por
armarios de aparencia cara. Ha uma mesa de madeira de aparencia solida no
meio da cozinha, cercada por bancos de igr eja restaurados. E o tipo de
cozinha que voce ve nas revistas, exceto pela espessa camada de poeira que
cobre todas as superfı cies.
Algo na mesa chama minha atençao. Dou um passo mais perto e vejo que e
uma nota digitada, endereçada a no s:
— Bem, pelo menos sabemos que estamos no lugar certo — diz Amelia,
girando o anel de noivado no dedo. E algo que ela sempre f az quando esta
nervosa. Uma daquelas pequenas peculiaridades que eu costumava achar
cativant e.
—O que ?
ganhou um sorteio este im de semana, mas quem e o dono do lug ar? —Nao
sei… acabei de receber um e-mail dizendo que g anhei. —De quem?
Ignoro a indireta, aprendi que e melhor faze-lo, mas nem minha esposa pode
negar que ha algo muito estranho nisso tudo.
Nao consigo ver expressoes nos rostos, mas ela consegue, enta o tento
manter a minha neutralidade e resistir a apontar que nao t emos mais amigos.
Nao aqueles que vemos juntos. Nosso cırculo social tornou-se um pouco
quadrado. Ela tem a vida dela e eu tenho a minha.
O piso irregular de pedra – que deve ter sido o mesmo quando a capela ainda
era uma capela – e coberto por tapetes de apare ncia antiga, e os dois sofas
xadrez de cada lado da lareira parecem bem-
—Por que voce nao coloca uma musica? Talvez possamos abaf ar o som da
tempestade? — Amelia diz, e eu obedientemente encontro a bolsa onde
coloquei os alto-falantes de viagem. Tenho uma seleçao de musicas muito
melhor no meu telefone do que ela, mas lembro que na o estava no carro.
Olho para minha esposa e me pergunto se isso foi um test e.
— Nao estou com meu celular — digo, desejando poder ver sua expressa o.
Nao gosto de falar sobre cegueira facial, nem com ela. As c oisas que nos de
inem raramente sao o que podemos escolher. Mas as v ezes, quando olho
para os rostos de outras pessoas, as feiçoes delas começam a girar como uma
pintura de Van Gog h.
disfarçada que voce o tenha deixado em casa por engano. Ha alguns albuns
que voce gosta no meu, e uma pausa de icar olhando para as telas o dia todo
vai te fazer bem —diz ela.
Tendo sido casado ha tanto tempo, sei que nao devo pensar que minha
esposa nao tem alguns segredos – eu certamente tenho – mas nunca a vi se
comportando assim. Nao preciso ver o rosto dela par a saber quando ela nao
esta me dizendo a verdade. Voce pode sentir quando alguem que voce ama
esta mentindo. O que ainda nao sei e por que .
Observo Adam enquanto ele coloca outra lenha no fogo. Ele est a se
comportando de maneira ainda mais estranha do que o normal e parece
cansado. Bob parece igualmente impressionado, estirado no tapete. Ambos
sao propensos ao mau humor quando estao com f ome. Temos muita comida
para cachorro – Adam sempre diz que cuido melhor do cachorro do que dele,
mas isso nao ajuda a resolver o problema do que podemos comer. Eu deveria
ter embalado mais do que apenas biscoitos e salgadinhos para a viagem. A
loja onde eu pret endia parar fechou mais cedo devido a tempestade, e meu
plano alternativ o de jantar no Blackwater Inn foi um fracasso epico – o pub
abandonado parecia ter sido abandonado ha anos.
—O bilhete na cozinha dizia algo sobre haver comida no freezer . Por que
nao vemos o que podemos encontrar? —Sugiro voltando par a a cozinha sem
esperar r esposta.
cafe, mas nao ha cafe ou cha. Nao ha nem panelas e frigideir as.
Encontro dois pratos, duas tigelas, duas taças de vinho e duas facas e garfos,
mas e isso. A propriedade e tao grande que parece estranho t er apenas duas
peças de tudo.
Posso ouvir Adam na outra sala. Ele colocou um dos albuns que adoramos
ouvir quando nos conhecemos, e eu me sinto amolecer um pouco. Essa
versao de nos era boa. As vezes, meu marido me lembr a dos caes vadios no
trabalho... alguem que precisa de proteçao do mundo real. Provavelmente e
por isso que ele passa tanto tempo da
—Isso vai demorar? Tenho um almoço marcado —disse ela, mal erguendo
os olhos.
Seu rosto se contraiu, como se eu tivesse pedido que ela resolvesse uma
equaçao complex a.
—Bertie? —Ela fez beicinho.
—O cachorr o…
Ela gargalhou. — Claro, desculpe, vou mudar o nome dele par a Lola assim
que o levar para casa. Todo mundo tem um cockapoo agor a, nao e? Eu os vi
em todo o Insta.
conversarmos, levarei voce para conhecer Bertie e ver como voces dois
se dao. Mas infelizmente voce nao podera leva-lo para casa hoje.
Existem varias etapas neste processo. Para que possamos ter certeza de que e
o ajuste cert o.
—R oupas?
Nunca conheci meus pais. Eu sei que meu pai gostava de carr os antigos,
talvez seja por isso que eu tambem gosto, por que nao consigo largar meu
antigo Morris Minor, apesar das constantes reclamaçoes de Adam. Acho
difıcil con iar em coisas, lugares ou pessoas novas. Meu pai trocou seu MG
Midget antigo por um carro familiar novo pouco antes de eu nascer. Novo
nem sempre signi ica melhor. Os freios falharam no
—Acho que as pessoas nao icam aqui com muita frequencia. Est a
Ele fe z.
Eu estav a.
— Sim, mas esta trancada — respondo, sem erguer os olhos. Adam sempre
pensa que sabe mais do que eu.
Ele aperta um botao, quando o alcanço, vejo que a porta leva ao que parece
ser uma despensa. Mas as prateleiras estao cheias de ferramentas em vez de
comida. Ha caixas bem empilhadas de pregos e parafusos, porcas, chaves
inglesas e martelos de diferentes tamanhos e uma seleçao de serras e
machados pendurados na parede posterior. H a tambem uma serie de
ferramentas menores de aparencia estranha que nao reconheço, como cinzeis
em miniatura, facas curvas e la minas redondas, todas com cabos de madeira
combinando. O espaço umido e escuro e iluminado por uma unica lampada
pendurada no teto. Ela se esforça para iluminar tudo abaixo, mas e
impossıvel nao notar o gr ande
buraco4 ...
—Curry de galinha? —Eu sugir o.
PAPE L
Palavra do ano :
aniversári o
Prezado Adam ,
prometido, estou escrevendo minha carta secreta anua l para você, assim
como os personagens do seu roteir o
mesmo que eu nunca deixe você ler as cartas qu e escrevo, ainda adoro a
ideia de poder relembrar a
Os últimos doze meses foram uma montanha - russa para nós. Casar em dia
bissexto foi idei a minha, ir para a Escócia em lua de mel foi idei a
todo mundo, mas é óbvio que você nunca pensou qu e isso aconteceria com
você .
tarde da noite. Às vezes você só parece parar par a dormir ou comer. Mas eu
não me importo. Aprend i que você tem uma baixa tolerância ao tédio e que
o trabalho é sua cura favorita .
Se este fosse um dia normal, eu teria passad o meu uniforme na cama – não
temos tábua e não h á espaço ou necessidade real de uma – então teria m e
velho carro para ir para o trabalho. Todos os dias é dia de trazer seu animal
de estimação para o
como sempre acontece depois de muito vinho tinto n a noite anterior. Você
começou a beber mais do qu e
roda de hamster da escrita noturna em que você est á preso. Mas não
podemos pagar pelas coisas boas. O orçamento com que vivemos parece um
pouc o
Segurei meu telefone bem na frente do seu rosto , para que você pudesse ler
a manchete .
— Henry Winter .
cabeleira branca crescida e os olhos mais azuis qu e já vi. Nas raras fotos
dele online, ele sempre u sa
esconde. Não partilho do seu entusiasmo pelo home m ou pelo seu trabalho,
mas isso não muda o fato d e
ele ser um dos autores mais bem sucedidos de todo s os tempos. Mais de
cem milhões de cópias de seu s mistérios de assassinato e thrillers
assustadore s
“tristemente”. — Esse homem viverá até os cem ano s. É o agente dele que
está morto .
esperava, mas em vez disso você apenas bocejou . — Por que você está me
acordando com e ssa
mesmo que mude, Henry Winter nunca vai concorda r que eu escreva um
roteiro de seu trabalho, quand o
ele passou a vida inteira dizendo não a todo mundo . — Bem, eu concordo
que você não tem chance co m
não vale a pena tentar? Talvez tenha sido seu agent e quem não gostou da
ideia? Alguns autores faze m
demais escrevendo para visitar o barbeiro – então nã o pude ver o que você
estava pensando. Mas eu nã o
conseguisse que Henry Winter deixasse você adapta r um de seus livros, isso
mudaria sua carreira .
— Acho que você deveria pedir ao seu agent e para marcar uma reunião —
eu disse .
prêmio BAFTA.. .
— Que bem isso poderia fazer? Além disso, se o agente de Henry Winter
acabou de morrer, o pobr e homem provavelmente está de luto. Seria
inapropriado . — Então não está pagando o aluguel deste mê s.
Sua ingenuidade em relação a alguns dos autore s que você tanto admira me
deixa perplexa. Você é um a das pessoas mais inteligentes que já conheci,
mas é facilmente enganado ao ver todos os autores atravé s de óculos de
leitura cor-de-rosa. A capacidade d e
— Abra e veja .
nosso casamento foi outro desafio este ano. Não er a o local... as fileiras de
cadeiras no cartório estava m quase vazias, sem família de nenhum dos lados
e apenas alguns amigos próximos morando e m
bom dinheiro, e os centavos são mais bonitos quand o você não tem muitos
deles .
Eu sabia que você gostaria mais quando soube sse disso. Você é o homem
mais supersticioso que j á
mantê-lo aí para sempre? Espero que sim, gosto d a ideia disso. A menos que
algo mais sortud o
apareça .
— Eu não esqueci — você disse. — E u
— Bem, nos casamos no dia 29 de fevereiro d e 2008. Hoje é dia 28. Não
será um ano bissext o
Você tem estado tão ocupado ultimamente. Nã o estou surpresa que você
tenha esquecido. Alé m
Então você enfiou a mão dentro da calça do me u pijama. Acho que você vai
se lembrar do qu e
nesta época no ano que vem, você saberá que isso se tornou realidade .
estúdio mal tem espaço para três pessoas, na melho r das hipóteses, então
deixei você escrevendo e Bo b
dormindo, e saí para passar uma tarde na cidade . Gosto bastante da minha
própria companhia, entã o
depois passei algumas horas na National Portrai t Gallery. Adoro olhar para
todos aqueles rostos, é
era preciso tirar as pilhas do alarme de fumaça. A mesa de centro (não temos
espaço para mesa d e
jantar) estava posta com dois pratos, dois conjunto s de talheres, duas taças e
uma garrafa d e
favorito estava encostado nele, junto com um envelop e com meu nome.
Você e Bob observaram enquanto e u
abria .
FELIZ ANIVERSÁRIO !
Eledissesim .
— O que isto significa? — Perguntei. O sorri so em seu rosto e seu olhar já
me disseram a
vitória .
— Quase sempre .
—E?
hora em ponto. Havia um portão enorme do lado d e fora, tive que ser
chamado para entrar, então um a mulher – que presumo ser algum tipo de
governant a – me levou até uma biblioteca. Era como estar nu m
romance policial de Henry Winter, e eu meio qu e
esperava, mas vestindo uma jaqueta de tweed e gravata borboleta azul. Ele
serviu dois copos d e uísque – o primeiro de muitos – e entã o
conversamo s.
Você balançou a cabeça. — Não, ele não menciono u isso nenhuma vez .
dele, todos eles, e ele fez muitas perguntas sobr e mim... e sobre você.
Mostrei a ele o grou que voc ê fez para mim e foi à única vez que ele sorriu.
A tarde toda pareceu tão surreal, como se eu tive sse
inventado tudo, mas então meu agente ligou novament e meia hora depois
que eu saí e disse que Henr y
Então eu chorei .
Você presumiu que eram lágrimas de felicidade e pelo menos algumas delas
eram .
— Estou tão orgulhosa de você — eu disse. — Tudo vai mudar agora, você
verá. Depois de escreve r a primeira adaptação da obra de Henry Winter ,
haverá estúdios batendo na porta implorando par a que você escreva para
eles — acrescentei, sabend o
agora você está dormindo e eu estou bem acordada – como sempre – e pela
primeira vez desde que no s
casamos, tenho um novo segredo que preciso esconde r de você. Um que não
tenho certeza se podere i
soubesse que Henry Winter só confiou seu livro e m você por minha causa,
isso poderia ser o nosso fim .
Suponho que também não posso compartilhar est a carta com você agora.
Talvez um dia .
Todo meu amor ,
Sua espo sa x x
Adam abre o alçapao fragil. Uma escadaria de pedra desce e ele nao hesita.
—Nao se preocupe, acho que muitas capelas antigas tem cr iptas. Alem
disso, qual e a pior coisa que pode acontecer? A menos que seja uma
masmorra secreta, contendo os cadaveres apodrecidos das u ltimas pessoas
que icaram aqui. Isso pelo menos explicaria o cheir o.
Fico onde estou, mas ouço o som de seus passos ate que ele desapareça de
vista. A luz da lanterna pisca e depois se apag a.
Mas entao Adam pragueja e uma luz se acende la embaix o. —Voce esta
bem? —Eu pergunt o.
—Sim, acabei de bater a cabeça no teto baixo quando a lant erna se apagou.
Provavelmente precisa de baterias novas. Mas encontrei um interruptor de
luz e tenho o prazer de informar que nao ha f antasmas ou gargulas aqui,
apenas prateleiras cheias de vinho!
A tempestade la fora intensi icou outra marcha. A neve ainda est a caindo e o
vento sopra forte, mas esta quente o su iciente no sofa em frente ao fogo.
Bob esta roncando suavemente no tapete aos nossos pe s, talvez seja o
cansaço da viagem, ou o vinho, mas me sint o estranhamente... contente.
Meus dedos caminham em direçao aos de Adam – nao consigo me lembrar
da ultima vez que nos tocamos – mas minha mao para, como se estivesse
com medo de me queimar. Carinho e como tocar piano e voce pode esquecer
como fazer isso sem praticar .
Dez anos e muito tempo para estar casado com alguem que voc e esquece.
Nao fui completamente honesta com ele sobre este im de semana fora. Nao
tenho sido completamente honesta sobre muitas coisas e a s vezes acho que
ele sabe. Mas digo a mim mesma que isso nao e possıv el. Tentamos
encontros noturnos e aconselhamento matrimonial, mas
passar mais tempo juntos nem sempre e o mesmo que passar menos
O que ele nao sabe e que se as coisas nao correrem conforme o planejado,
apenas um de nos ira para casa.
entusiasmado com nada que meu agente envia para mim e me pergunt o
—E aquele em que voce passou anos trabalhando, vale a pena dar uma
olhada?
Ela nem consegue lembrar o nome do meu roteiro favorito. Na o sei por que
isso me incomoda, mas incomoda. Ela costumava se interessar muito mais
pelo meu trabalho e parecia realmente se importar com a minha escrita. A
indiferença dela hoje em dia doi mais do que dev eria.
— Meu agente disse que havia um novo thriller em oito part es que eu
poderia estar interessado. Outra nova adaptaçao. Mas um antigo... —Olho
por cima do ombro para todas as estantes —...pode at e haver uma copia dele
em uma dessas prateleir as.
—So porque pude ouvir voce pensando sobre isso. E voce estav a fazendo
aquela cara vazia que voce faz quando nao esta realmente aqui, mesmo
quando esta sentado ao meu lado.
Nao consigo ver que cara ela esta fazendo, mas me ressinto do tom dela.
Amelia nao entende. Eu sempre preciso trabalhar em uma historia ou o
mundo real icara muito barulhento. Nao consigo f alar sobre nada
ultimamente sem que ela ique chateada. Ela ica de mau humor se estou
muito quieto, mas abrir a boca e como navegar em um campo minado. Eu
nao posso vencer. Nao contei a ela o que acont eceu com Henry Winter
porque isso e outra coisa que ela nao ent enderia.
Henry e seus livros nao foram apenas trabalho para mim, ele se t ornou uma
igura paterna substituta. Duvido que ele sentisse o mesmo, mas os
sentimentos nao precisam ser mutuos para serem r eais.
O vento sacode os vitrais e ico grato por qualquer coisa que possa abafar os
pensamentos mais altos da minha cabeça. Eu nao gostaria que ela ouvisse
isso. Minhas maos ainda precisam de algo para fazer... na o quero mais
segurar as dela e meus dedos parecem redundantes sem o telefone. Tiro
minha carteira do bolso e encontro o grou de papel amassado entre as dobras
de couro. O velho e bobo passaro de orig ami sempre me trouxe sorte e
conforto. Eu seguro por um tempo e nao me importo que Amelia me veja
fazendo isso.
—Ha muito tempo que carrego esse passaro de papel comigo — digo.
Ela suspira. —Eu sei.
particularmente emocionant e.
Se voce perceber no meio de um livro que nao esta mais gostando dele, basta
parar e encontrar algo novo para ler. O mesmo acontece com ilmes e dramas
de TV. Nao ha julgamento, nem culpa, ninguem pr ecisa saber, a menos que
voce decida contar. Mas com as pessoas, voce t ende a ter que ir ate o im,
infelizmente, nem todos conseguem viver f elizes para sempr e.
A neve virou granizo. Gotas grandes e furiosas caem nas janelas antes de
escorrerem pelo vidro como lagrimas. As vezes tenho v ontade de chorar,
mas nao consigo. Porque isso nao combinaria com quem minha esposa pensa
que eu sou. Somos todos responsaveis por lançar as estrelas nas historias de
nossas proprias vidas, e ela me escalou par a
Levanto-me e saio do sofa xadrez num piscar de olhos e quase queimo a mao
ao recuperar o passaro. Uma borda esta chamuscada, mas sem danos. E isso.
O ato inal. Se eu nao tinha certeza antes, agor a tenho, estou contando as
horas ate que isso acabe de uma vez por t odas.
ALGODÃ O
Palavra do ano :
aniversári o
Prezado Adam ,
comprou em leilão pagou mais por essas 120 página s do que eu poderia
ganhar em dez anos. Foi incrível , e estou muito feliz por você, mas muito
triste po r
Muita coisa mudou para você durante os último s doze meses, mas
infelizmente não para mim. Aind a não temos um bebê. Você manteve sua
palavra d e
providenciou para que um vizinho cuidasse de Bob , me disse para fazer uma
mala e meu passaporte ,
mas não me disse para onde estávamos indo. Troque i meus jeans cobertos
de pelos de cachorro por u m
caridade de Notting Hill, e até usei um batom novo . Você chamou um táxi
preto assim que saímos d o
casa lá. É super chique, mas não achei que pessoa s como nós precisassem
de passaporte para visitar ,
então me perguntei por que você me disse par a trazer o meu .
para você .
— Acho que se trata de comemorar, não d e sobreviver, e não sabia que tinha
me casado co m alguém tão exigente .
Revelou uma pequena caixa de veludo – do tip o que pode conter joias – e
era turquesa; minha co r favorita. Acho que esperava brincos, mas quand o
abri a tampa encontrei uma chave .
Olhei para a velha casa vitoriana de frente dupl a onde estávamos do lado de
fora. Suas paredes d e
tijolos vermelhos estavam cobertas pelo que pareci a ser uma mistura de
galhos de glicínias e hera .
— Quase sempre .
A cena lá dentro era tão abandonada quanto a vista da rua. Todo o lugar
cheirava a umidade ,
possibilidades e potencial .
— Um pouco ?
— Eu amo isso .
— Pelo menos meu presente foi feito de algodão . — Em que ano são os
tijolos? Poderíamos espera r
até então …
Você sorriu para encobrir sua hesitação mentirosa , mas eu ainda vi. Você
sempre gostou de medir sua s
— Sim, foi um ano muito bom. Tenho estado u m pouco ocupado para
aproveitar, mas acho que é hor a de começarmos a viver a vida que sempre
sonhamo s. Não é? Achei que poderíamos dedicar nosso temp o
você acha que o térreo é bom, deveria ver o andar d e cima — você disse .
Minhas mãos subiram pelo velho corrimão d e madeira e meus pés foram
cautelosos – tomand o
trabalhar duro .
egípcio. Veja, eu não esqueci. Feliz aniversário, Sra . Wright — você disse,
passando os braços em volt a de mim .
todos os cômodos até que seja a casa para sempr e que ambos sonhamos. É
difícil imaginar me senti r mais sortuda do que agora .
Sua espo sa
xx
— Desculpe. Nao sei por que iz isso — digo, mas Adam na o r esponde.
As vezes me sinto como um daqueles bichinhos abandonados que vejo todos
os dias no trabalho, do jeito que meu marido desapar ece dentro de sua
escrita o tempo todo. Deixando-me para tras. Esquecida. Esta e sempre uma
epoca difıcil do ano no meu trabalho. Todas as pessoas que compraram
cachorrinhos no Natal muitas v ezes descobrem que nao os querem para o
resto da vida perto do Dia dos Namorados. Um pastor alemao chamado
Lucky foi trazido esta semana,
conseguido rastrear seus donos e prende-los. Lucky foi deix ado amarrado a
um poste de luz na chuva, gravemente desnutrido, famint o, coberto de
pulgas e sujeira e encharcado ate os ossos. O veterina rio disse que seus
ferimentos so poderiam ser resultado de espancament os regulares durante
um longo perıodo de tempo. Aquele pobre cachorr o
nao teve nenhuma “sorte”, nem o grou de papel que Adam guarda na
carteira. E apenas um absurdo supersticioso.
—Nao sei por que voce ica tao brava o tempo todo —diz ele.
—Eu nao estou brava —eu digo, soando assim. —Estou cansada de ser a
unica que se esforça nesse relacionamento. Nos nunca mais conversamos. E
como viver com um colega de casa, nao com um marido. Voce nunca
pergunta sobre meu dia, ou meu trabalho, ou como estou me sentindo.
Apenas — o que ha para o jantar? — ou — Onde esta minha camisa azul?
— ou — Voce viu minhas chaves? — Eu na o sou so dona de casa. Tenho
uma vida e um trabalho proprios. Voce me faz sentir tao desagradavel, nao
amada, invisível e...
Adam quase nunca demonstra afeto hoje em dia, como se nao se lembrasse
de como, mas entao ele faz a coisa mais estranha. Ele me segur a.
—Sinto muito —ele sussurra, antes que eu possa perguntar por
Fiquei boa em me sentir culpada por fazer o que e melhor par a mim. E a
culpa e uma daquelas emoçoes que raramente vem com um botao para
desligar. As vezes sinto que preciso sair da vida da mesma forma que outras
pessoas saem dos hoteis. Assine tudo o que pr eciso assinar, devolva as
chaves da vida que estou vivendo e encontre um lugar novo. Em algum lugar
seguro. Mas talvez ainda haja algo pelo qual valha a pena icar?
— Foi um longo dia, acho que nos dois estamos um pouco cansados —diz A
dam.
Nao sei por que ele deixou na cozinha se queria mais, mas nao se importou
de ir busca-la. Esta e a coisa mais ıntima que existe entre no s ha meses. A
musica parou e posso ouvir o vento assobiando por t odas as frestas e fendas
que encontra nas paredes da capela. O chao de pedr a esta tao frio que parece
morder meus pes calçados com meias. T enho pressa de voltar para o calor
do outro comodo, mas algo nos vitr ais chama minha atençao. Quando olho
mais de perto, eles parecem muit o incomuns. Nao ha cenas religiosas,
apenas uma serie de rostos de cor es diferent es.
Ouvi algo quebrar antes de Amelia começar a gritar e posso v er que ela
deixou cair a garrafa de vinho tinto. Ha pedaços de vidr o espalhados pelo
chao de pedra, agarro Bob pela coleira para impedi-lo de pisar neles. —O
que aconteceu? Voce esta bem?
—O que? Onde?
—Bem, eles se foram agora. Eles correram assim que eu gritei — diz ela, e
começa a recolher os cacos de vidr o.
—Vou la fora, dar uma olhada.
— Nao! Voce esta louco? Estamos no meio do nada, quem sabe quem
poderia estar la fora? Mer da!
Envolvo meus braços em volta de Amelia e a seguro com for ça, perto o su
iciente para sentir o cheiro de seu cabelo. O cheiro f amiliar do shampoo
desperta lembranças de tempos mais felizes. Nao consigo ver um rosto
bonito, mas sempre senti como se tivesse um instinto par a a beleza interior.
Quando penso na noite em que nos conhecemos, ainda consigo me lembrar
de tudo sobre ela com muita clareza e de como eu queria e precisava
conhece-la melhor. Sempre con iei em meu instint o quando se trata de
pessoas e raramente estou errado. Posso dizer se alguem e bom ou mau
poucos minutos depois de conhece-lo, o tempo e a vida tendem a provar que
estou certo. Quase sempr e.
— Como voce sabia que isso estava la? — Ela pergunta, e eu hesito antes de
responder .
— Suponho que seja um palpite de sorte. Voce esta bem? Voc e precisa do
seu inalador?
imaginado isso?
Usei o tom que reservo para crianças pequenas ou autor es exigentes que nao
amam os roteiros de seus livros, mas posso dizer que nao era a coisa certa a
fazer antes mesmo de ela explodir .
—Nao, eu nao imaginei isso. La. Era. Um rosto. Na janela la for a, olhando
diretamente para mim.
—Era um rost o!
— Nao sei, aconteceu tudo muito rapido… eu te disse, assim que gritei, eles
correr am.
—O que voce acha que eles vao fazer sobre isso? —Eu digo, mas ela nao
esta ouvindo e ja esta procurando o telef one.
—Otimo —ela diz, descobrindo.
—Sem sinal?
— E isso. Vou la fora dar uma olhada — digo, vestindo meu casaco.
—Bob e o pior cao de guarda do mundo, ele tem medo de penas! —Ela diz.
— Sim, mas eles nao sabem disso. Se houver alguem la fora, v ou assusta-lo
e podemos abrir outra garrafa de vinho.
A neve entra assim que abro as portas, e a rajada de frio tira o ar dos meus
pulmoes. Bob ica furioso, rosnando, latindo e forçando a guia, tanto que
tenho di iculdade para segura-lo. Esta escuro como br eu
escuridao, logo ica terrivelmente claro por que o cachorro esta ta o chateado.
Do lado de fora, a poucos metros de distancia, ha varios par es de olhos nos
encar ando.
COUR O
Palavra do ano :
aniversári o
Prezado Adam ,
Não esse ano. Esta noite passamos nosso aniversári o com centenas de
estranhos e parecia que todos o s
Nunca conheci ninguém que odeie tanto festa s quanto você, mas parece que
você vai a tanta s
ultimamente. Não estou sugerindo que você sej a antissocial e entendo por
que você as evita tanto .
— Por favor, entre direto, Sr. Wright — ronrono u a mulher na porta, com
um sorriso largo e um a
soslaio quando você estava sem sorte, mas com u m filme de grande sucesso
– graças ao romance d e Henry Winter – todos querem ser seus melhore s
amigos novamente. Por agora .
A razão pela qual você começou a me convida r para grandes festas, eventos
e cerimônias d e
premiação foi para que eu pudesse sussurrar que m são as pessoas quando se
aproximam de nós, par a
Temos uma rotina muito boa agora. Depois d e alguns anos ouvindo você
falar sobre produtore s, executivos, diretores, atores e autores, já havi a
imaginado um elenco com seus rostos. Mas agora se i como são todos eles
na vida real, e passamos noite s
Raramente tenho muito em comum com eles, mas ach o bastante fácil falar
sobre livros, filmes e dramas d e TV... todo mundo adora uma boa história .
Eu estava ansiosa para ver o interior da Towe r Bridge pela primeira vez, e a
promessa d e
convencê-lo a lhe dar outro livro. Você já pergunto u duas vezes. Eu lhe
disse para não implorar, ma s
gravidez naquela manhã, por precaução, eu sabia qu e não havia razão para
não beber. Parei de lhe conta r
este. Todo mundo aqui sabe quem você é. As única s expectativas que você
ainda luta para cumprir são a s suas. Mas nunca senti que me encaixasse co
m
tinha que fazer e examinei sutilmente a sala, meu s olhos procurando o que
os seus não conseguiam ver .
apropriado. Seu presente para mim foi um par d e botas de couro até o joelho
que eu estava de olho . Achei que talvez estivesse velha demais para usá - las
– aos trinta e dois anos, mas você clarament e discordou. Usei-as pela
primeira vez esta noite e notei você olhando para minhas pernas no táxi a
caminho da festa. Foi bom se sentir querida .
— Sim .
cozido. Nem era o livro dela para adaptar. Ela é uma biblioclepta que anda,
fala e.. .
— Código vermelho .
— Lizzy, querida, como você está? Você est á
maravilhosa — você disse, com aquela voz que só usa quando fala com
crianças pequenas ou pessoa s pretensiosas. Espero que você nunca fale assi
m
perdendo. Você se torna uma versão diferente de si mesmo nas festas, aquela
que todo mundo adora :
Constantemente olhando por cima do ombro dele ou d o seu, para ver com
quem mais ele poderia ou deveri a estar conversando. Ele era um homem
que gostava d e exagerar na alegria, sempre sugando um pouco d a
Era uma pergunta que eu odiava. Não por cau sa da resposta, mas por causa
das respostas d e
Decidi não explicar como ou porque não era bo m para mim que tantas
pessoas fossem cruéis o u
ensinada a ser sempre educada: você não pod e cruzar uma ponte se a
queimar. Felizmente a
Não precisei perguntar quem. — Temo que não . Poderíamos tentar o outro
lado ?
Seguimos pelo segundo corredor, um túnel intern o que liga uma torre à
outra acima da famosa ponte . A vista do Tâmisa e de Londres iluminada l á
— Você pode ver Henry agora? — Você pergunto u de novo, e pareceu tão
triste quando eu disse qu e
não achei. Como um garotinho que foi surpreendid o pela garota dos seus
sonho s.
preparando para atacar você a noite toda, esperand o pela chance de dizer
olá: produtores que queria m
trabalhar com você, executivos que desejavam não te r sido rudes com você
no passado e outros escritore s
que queria que eles fossem você. Meus pés estava m começando a doer,
então fiquei encantada – e també m surpresa – quando você sugeriu sair mais
cedo .
Você chamou um táxi preto, assim que estávamo s no banco de trás, você me
beijou. Sua mão encontro u o topo das minhas novas botas de couro e
deslizo u
entre minhas pernas e por baixo do vestido. Assi m que chegamos em casa,
você começou a tirar minha s roupas no corredor, até que eu só vestisse as
bota s.
Sexo na escada recentemente reformada foi um a
sorriso atrevido. É uma das suas coisas favoritas d e dizer. Você estava tão
lindo que tudo que pude faze r foi rir .
Quase sempre também te amo. Mas não mencione i que tinha visto Henry
Winter várias vezes durante a noite, vestindo sua marca registrada de jaqueta
de
Sua espo sa
xx
Quando vimos pela primeira vez os varios pares de olhos olhando em nossa
direçao, parecia uma cena de um ilme de terror, mas a lanterna de Adam
logo revelou que os unicos vizinhos intrometidos a espreita do lado de fora
da capela eram o pequeno rebanho de ov elhas por quem passamos na
estrada mais cedo. Elas provavelmente nos
praticamente o intimidei para vir aqui, mas agora sinto uma estr anha
saudade de casa.
Adam e um eremita confesso. Ele ica mais feliz em sua escrita com seus
personagens, desaparecendo tao profundamente no mundo imaginario em
sua cabeça que as vezes luta para encontrar o caminho de volta. Juro que
nunca irıamos a lugar nenhum se nao fosse por mim. Ele tem orgulho da
nossa casa, eu tambem, mas isso nao signi ica que nunca devemos sair dela.
A casa vitoriana isolada de fachada dupla em Hampstead Village ica muito
longe da propriedade municipal onde ele cresceu, mas Adam nao conta as
pessoas sobre essa parte de seu passado. Ele nao apenas reescreve sua
propria historia, ele a apagou.
Nem sempre sinto que pertenço a um canto tao rico de Londr es, mas ele se
encaixa perfeitamente, apesar de ter deixado a escola aos dezesseis anos para
trabalhar em um cinema, com muita ambiçao e poucos creditos academicos.
Mas todo mundo adora um provador e Adam nunca aprendeu a desistir. Ha
um diretor de teatro a duas portas da nossa casa, um locutor a nossa direita e
uma atriz indicada ao Oscar mora ao lado, a esquerda. Pode ser intimidante:
me preocupar com quem posso encontrar quando passear com o cachorro.
Tenho pouco em comum com nossos vizinhos, ao contrario de meu marido.
Nao que eu tenha algo contra os alpinistas sociais... sempre achei que quant
o mais alto voce sobe na vida, melhor e a visao. Mas as vezes o sucesso dele
me faz sentir um fracasso. Adam e o verdadeiro negocio hoje em dia,
enquanto eu ainda sou mais um primeiro rascunho, um tr abalho em
andament o.
Ele me beija na testa entao. E tao gentil, como um pai dando um beijo de boa
noite em um ilho antes de apagar as luzes. Houve tantas vezes recentemente
em que ele me fez sentir como se eu nao fosse boa o su iciente. Mas talvez
eu esteja projetando minhas pro prias inseguranças. Talvez ele ainda se
import e.
— Nao ha necessidade de icar envergonhada — diz ele, ico preocupada com
a possibilidade de estar pensando em voz alta.
—Sobre o que ?
Sempre que meu marido me diz para relaxar, isso tende a ter o efeito oposto.
Nao digo nada... ele nao me levaria a serio se eu dissesse, mas acho que nao
imaginei o rosto na janela. Ao contrario dele, vivo na realidade, em tempo
integral. Tenho certeza do que vi, quase certeza, e nao consigo afastar a
sensaçao de estar sendo observ ada.
Ja faz muito tempo que ninguem veio visitar Blackwater. Mais de um ano
desde que ela viu alguem inesperado aqui, alem de um caminhante ocasional
– perdido apesar de todos os dispositivos e engenhocas que parecem carregar
hoje em dia – e sempre ha muit os cervos e ovelhas no vale. Mas nao
pessoas. E muito remoto e muit o longe dos roteiros mais conhecidos para a
maioria dos turistas
longe. Blackwater Loch e a capela ao lado tem uma reputaçao desde que ela
se lembra, e nunca foi boa.
Robin sabia que uma tempestade estava chegando, entao foi uma surpresa
quando passaram por sua pequena cabana de palha no inal
da trilha. Ela nao achava que alguemseria louco o su iciente para peg ar a
estrada costeira ou arriscar as trilhas nas montanhas com esse t empo. Robin
nao tem TV, mas houve varios avisos no radio, e nao era pr eciso ser
meteorologista para olhar pela janela. Faz dias que esta nublado e muito frio,
como sempre acontece antes da neve chegar. Robin passou varios anos da
sua vida a viver nas Terras Altas, por isso sabe que na o deve con iar no
clima escoces, pois tem um ritmo proprio e nao t em regras. Quando uma
tempestade se aproxima, todos os habitantes locais reservam tempo para se
prepararem e tomarem as precauço es necessarias, porque sabem, por
experiencias anteriores, que isso pode signi icar icarem presos ou isolados
dentro de casa durante dias. Ninguemem sa consciencia viria aqui nesta
epoca do ano. A menos que quisessem icar isolados do resto do mundo.
Robin observava pela janela de seu chale, escondida atras das cortinas
improvisadas, paralisada pela visao do carro de visitantes que se
aproximava. Era uma coisa antiquada, verde menta, e par ecia pertencer a
um museu, nao a uma estrada. Como eles conseguir am chegar ate
Blackwater foi nada menos que um milagre ou um miste rio. Robin nao
conseguia decidir qual.
Ela observou enquanto eles seguiam pela estrada em direçao a capela, antes
de estacionarem perigosamente perto da beira do lago. Estava escuro como
breu la fora. O vento aumentava e a neve caıa fort e, mas os visitantes
pareciam alheios ao perigo. A capela icava a poucos passos de sua casa,
entao ela os seguiu para ver mais de pert o, mantendo dista ncia.
Era a mulher quem dirigia o carro, e Robin estava fascinada por tudo nela: as
roupas da moda que usava, os longos cabelos loiros e a maquiagem
habilmente aplicada. Robin nao tem nada de novo par a vestir ha anos, ela se
veste para se aquecer e se sentir confortavel. Na o ha nada em seu guarda-
roupa que nao seja feito de algodao, la ou tweed. Na maioria dos dias, ela
usa um uniforme de camisetas de mangas compridas por baixo do macacao
antigo, junto com dois par es de meias de trico para manter os pes aquecidos.
O cabelo de Robin est a longo e grisalho agora, e ela mesma o corta quando
os emar anhados icam muito problematicos. Suas bochechas rosadas sao o
resultado de ventos frios, nao de rubor, ate ela acha difıcil se lembrar de uma
e poca antes de parecer e viver dessa maneir a.
Robin observou-os entrar e depois deu a volta na capela, olhando atraves dos
vitrais. Ela desejou poder ouvir o que eles estavam dizendo, mas o vento
roubou as palavras de seus ouvidos. As camadas que ela usava valeram a
pena, mas ela nao estava imune ao frio. Ou curiosidade. Apesar da poeira
que baixou desde a ultima vez que alguem habitou o local, os visitantes logo
pareceram se sentir em casa. Acenderam velas e o fogo que lhes foi
preparado, aqueceram alguma comida, beberam um pouco de vinho. O
cachorro se esticou no tapete e o casal quase deu as maos em determinado
momento. Olhando de fora, era uma cena bastante romantica. Mas as
aparencias enganam, todo mundo sabe disso.
Ela se perguntou se era porque eles estavam juntos. O m undo pode parecer
menos assustador quando voce nao precisa enfrenta -lo sozinho. Mas a vida
e um jogo de escolhas, e algumas das escolhas de Robin foram erradas. Ela
pode admitir isso agora, mesmo que seja apenas para si mesma, porque nao
sobrou ninguem para contar . Observando o casal começar a relaxar dentro
da capela, ela per cebeu que eles tambem haviam feito escolhas erradas. E
vir aqui provavelmente estava no topo da lista.
— O que esta errado? — Adam diz. E uma pergunta que meu marido faz
com frequencia, sem realmente querer saber a r esposta.
— Eu estava ansioso por outra taça de vinho, mas voce estr agou essa ideia
quando deixou cair a garrafa… —Adam diz.
— Bem, voce disse que a cripta estava cheia delas. Poderı amos
simplesmente abrir outr a...
—O que ?
— Quando voce perceber que nao ha nada a temer, voce deixar a de ter
medo.
Nao tenho certeza se concordo com a logica dele, mas tenho uma espinha
dorsal feminista, e qualquer coisa que meu marido possa fazer ,
eu tambem posso fazer. Entao, embora eu nao queira entrar na cripta, irei.
Para deixar claro e tambempara obter o alcool tao necessa rio.
Percebo que Adam fecha todas as portas atras de nos enquant o voltamos
para a cozinha, como se estivesse tentando esconder alguma coisa. Embora
eu tenha certeza de que ele deve estar apenas t entando manter o calor.
Quando chegamos a despensa, ele abre o alçapao no chao, e meus sentidos
sao imediatamente assaltados pelo cheiro u mido e mof ado.
— Adam! — Eu grito, mas ele nao responde, e tudo que consigo ver e
escurida o.
Robin nunca teve medo do escuro. Ou tempestades. Ou as c oisas estranhas
que as vezes acontecem na Capela Blackwater. Mas, diferentemente dos
visitantes, Robin esta sempre prepar ada.
Hoje cedo, ela fez uma viagem mensal a cidade para cons eguir tudo o que
precisava. A viagem pelo vale e pelas montanhas leva pouco mais de uma
hora de ida e volta, e fazer compras nunca foi uma das coisas favoritas de
Robin. Ela esta um pouco enferrujada quando se trata de habilidades
pessoais, morar sozinha por muito tempo pode fazer isso com uma pessoa. A
solidao de sua vida e algo com que ela aprendeu a conviver, mas ainda se
preocupa com os sons estranhos que sua boca faz hoje em dia, nas raras
ocasioes em que a abre. Entao ela tende a mante-la f echada.
Seu velho Land Rover ja viu dias melhores – um pouco como sua dona –
mas e pelo menos facil de dirigir e con iavel, mesmo nos pior es tipos de
clima. “Cidade” e na verdade apenas a aldeia mais proxima. Um lugar
tranquilo chamado Hollowgrove, na costa oeste da Esco cia. Consiste em
pouco mais que um punhado de casas e uma “loja local.” A
Ela colocou os ultimos potes de comida para bebe das prateleir as em sua
cesta. A mulher atras do caixa fez uma pausa antes de examina - los – como
sempre – e Robin sentiu-se encolher um pouco sob o peso de seu olhar. Ela
comprava comida para bebe nesta loja desde que alguem se lembrava, mas
as pessoas sabiam que nao era melhor perguntar sobre um bebe. Todos
sabiam que ela nao tinha um.
Robin pensou em dizer ola, sabendo que e isso que as – pessoas normais –
fazem. Mas se houvesse um teste decisivo para a bondade,
estava claro que Patty falharia todas as vezes. Portanto, embora R obin as
vezes desejasse puxar conversa, so para ver se ainda conseguia, P atty era
alguemcom quem ela nao gostava de conversar .
Quando Robin voltou para o chale, ja havia faltado energia e o lugar estava
escuro e frio. Nao era grande coisa: uma pequena construçao de pedra com
dois quartos, telhado de palha e um banheir o externo. Mas era dela. E era o
mais proximo de uma casa que ela tinha ultimamente. A casa tinha sido
construıda a mao ha mais de duzent os anos, para o padre que cuidava da
capela quando ela ainda era usada para o seu proposito original. Algumas
das grossas paredes de pedr a branca desmoronaram em alguns lugares,
revelando tijolos de granit o escuro. As impressoes digitais dos homens que
as izeram ainda sa o visıveis, dois seculos depois, e Robin sempre anima
pensar que ninguem desaparece completamente. Todos nos deixamos para
tra s uma pequena parte de nos mesmos.
A mae de Robin as vezes dormia nesta casa. Anos atras, qu ando Robin era
apenas uma criança e as coisas eram... difıceis em casa. A ma e dela tinha
uma chave e vinha aqui sempre que ela precisava fugir ou se esconder. Ela
era uma mulher feliz presa dentro de uma mulher trist e. Ela adorava cantar,
cozinhar e costurar, tinha a habilidade mais maravilhosa de fazer com que
tudo – inclusive ela mesma – icasse bonito. Ate mesmo esta casinha triste.
Robin a seguiria ate aqui – ela sempre icava do lado da mae em qualquer
discussao – e elas se sentavam juntas em frente ao fogo. Confortando uma a
outra sem palavras e esperando que a ultima tempestade conjugal passasse.
O lugar se tornou um santuario em ruınas para ambas. Elas o tornar am
aconchegante, com cortinas e almofadas caseiras, velas para iluminar e
cobertores para aquecer. Mas tudo isso ja havia passado quando R obin
voltou anos depois. Assim como a mae de Robin. Nada alem do po de uma
memo ria.
Robin nao tem muitos moveis. Sua cama e feita de uma serie de estrados de
madeira que ela encontrou na beira da estrada, mas e surpreendentemente
confortavel graças a uma espessa camada de cobertores de la e almofadas
caseiras. Na sala com lareira – onde ela passa a maior parte do tempo para se
aquecer – ha uma mesinha com uma perna bamba e uma velha poltrona de
couro que ela resgatou de uma lixeira em Glencoe. Ter pertences que eram
dela era mais importante para Robin do que sua aparencia ou de onde
vieram. Ela nao tinha muito quando chegou aqui, apenas uma mala cheia de
suas coisas favoritas. Robin deixou todo o resto para tra s.
Usando luvas de forno que nao combinam, ela tira a lata de cima do fogo e
come o feijao quente direto da lata. Isso economiza tempo e
lavagem. Quando ela termina seu jantar, ela abre um pote de comida para
bebe e coloca o conteudo em uma tigela. Ela sabe que ele comer a quando
estiver com f ome.
Ela desenrosca a lata e espalha tres pitadas de tabaco, exatament e como ele
lhe ensinou quando ela era pequena. E como embelezar um ninho antes de
queima-lo. Alguns ios caem em seu colo, onde icam, abandonados por maos
instaveis. Ela percebe a pele seca e as unhas roıdas ao acender um fosforo,
entao fecha os olhos brevemente, para se esconder de si mesma, enquanto
aprecia o cheiro do cachimbo e a dose de nicotina que desejou o dia t odo.
Robin olha para a capela a distancia. Da janela ela pode ver que as luzes
ainda estao acesas. Ao contrario da sua casinha, a capela ainda tem energia,
porque o proprietario sofreu muitas tempestades na Escocia e instalou um
gerador ha alguns anos. Por todo o bem que isso lhes fez. Ela ouve radio
enquanto espera, Robin e boa em esperar . Paciencia e a resposta para muitas
das perguntas da vida. Ela senta e espera, mesmo quando o cachimbo esta
vazio e o fogo ja se e xtinguiu. Ela ouve as vozes no radio – tao familiares
quanto de velhos amigos –
Robin ouve algo entao, passos minusculos na escuridao atras dela. A tigela
de comida para bebe esta vazia. Foi lambida completament e limpa e isso a
deixa feliz. Companhia e companhia, seja qual for a f orma que assuma.
Sinto-me louca por pensar nisso, mas nao creio que esteja sozinha na cripta.
Pisco na escuridao e giro, mas nao consigo ver nada. Na minha imaginaçao,
as paredes estao se fechando sobre mim e acho que ouço meu nome sendo
sussurrado nas sombr as.
Minha respiraçao logo começa a icar fora de controle. Sinto meu peito
apertar como se um peso estivesse pressionando meus pulmoes, e imagino
maos invisıveis me estrangulando enquanto minha garg anta começa a fechar
.
Entao o alçapao se abre acima, mas ainda nao consigo ver . —Voce esta
bem? —A voz de Adam chama na escurida o. —Nao! O que acont eceu?
— Nao sei, corte de energia, eu suspeito. Deixei cair a porta quando as luzes
se apagaram, desculpe. Tente seguir em direçao a s escadas.
Ele nao apenas ouve minhas palavras, ele ouve o som aspero da minha
respiraçao entre elas.
Tenho asma desde pequena... ser criada por pessoas que fumav am sem parar
e morar em apartamentos no centro da cidade provavelmente nao ajudou.
Nem todos os meus pais adotivos er am amigos das crianças. Minha asma
nao e um problema tao grande hoje em dia, mas ainda ha coisas que podem
desencadear um ataque. Ficar presa em uma cripta subterranea no escuro
parece ser um deles. Avanço tentando encontrar os degraus para sair daqui,
mas meus dedos so encontram uma parede umida e um anel de metal frio.
Isso me f az estremecer. Se ao menos as baterias da lanterna nao tivessem
acabado ou eu estivesse com meu telefone. Penso em todas as velas da
biblioteca, desejando ter uma agora, mas entao me lembro da caixa de
fosforos que usei para acende-las. Ainda esta no meu bolso.
Tudo e pret o.
E entao eu ouço de novo. Meu nome sendo sussurrado. Bem atra s de mim.
controla-la e acho que vou desmaiar. Nao importa em que direçao eu olhe,
tudo que consigo ver e escuridao. Entao ouço o som de arranho es.
Seus ataques de asma sao poucos e raros, mas sempre acho que e melhor
estar preparado para o pior. A vida me fez pensar assim e est ou melhor com
isso. Procurar a bolsa da minha esposa nunca e uma taref a facil – mesmo
para ela – mas tentar adivinhar onde ela a deixou em um predio
desconhecido, na escuridao total, e algo que leva tempo. T empo que eu sei
que ela nao tem. Quando inalmente sinto a bolsa de cour o, encontro o
inalador dentro dela e corro de volta para o alçapao. Bob começou a arranhar
a madeira e posso ouvir Amelia chor ando.
—Voce precisa encontrar os degraus —eu digo. —O que voce acha que
estou tentando... f azer? Ela nao consegue respirar .
fantasmago rica.
—Deve haver um gerador —digo, mas Amelia nao responde. Em vez disso,
ela apenas se agarra a mim e eu a abraço. Ficamos assim por muito tempo e
me sinto estranhamente protetor com ela.
— Que tal levarmos essa garrafa para a cama? — Ele perg unta, pegando o
Malbec e segurando minha mao enquanto me leva para for a da cripta. As
vezes e melhor deixar as pessoas pensarem que voce as seguira, ate ter
certeza de que nao se perdera sozinha.
andar, quando esta ainda era uma capela. Suponho que a madeira seja toda
original, certamente parece, e cada segundo degrau range de uma forma
bastante teatral. Bob avança, trotando escada acima, quase como se soubesse
para onde esta indo.
Nao consigo deixar de olhar para as fotos que passamos nas paredes de
pedra caiadas. A serie de retratos emoldurados em preto e branco começa na
parte inferior da escada e segue ate o topo, como uma arvore genealogica
fotogra ica. Algumas das fotos estao quase completamente desbotadas,
descoloridas pela luz do sol e pelo t empo, mas as mais novas – mais
proximas do primeiro andar – estao em boas condiçoes e ate parecem um
pouco familiares. Eu nao reconheço os rostos neles. E nao adianta perguntar
a Adam, que nem reconhece o seu no espelho. Percebo que faltam tres
quadros, formas retangular es descoloridas e pregos cor de ferrugem onde
costumavam icar pendur ados.
Por favor .
— Bem, ele esta sendo cuidado. O bilhete anterior nao dizia que um dos
quartos havia sido arrumado para nos? —Adam diz.
—Sim, mas nao consigo lembrar qual.
Ele experimenta cada uma das portas disponıveis, t odas trancadas, ate que a
ultima se abre com um rangido dramatico que combina com a trilha sonora
das escadas. Junto com o vento uivante l a fora, e o su iciente para dar a
qualquer um uma dose de calafrios.
—Um pouco?
— Adam, estou falando serio. Voce nao acha que tudo isso e um pouco estr
anho?
—Sim e nao. Eles provavelmente tiveram a ideia do mesmo lug ar que voce.
Voce nao comprou tudo do nosso quarto de uma empr esa porque conseguiu
um desconto de cinquenta por cento na venda? Voc e se apaixonou pela foto
de um quarto na brochura e literalment e comprou tudo. De initivamente me
lembro da fatura do cartao de credito. Talvez o dono deste lugar tenha feito o
mesmo?
Abro outra porta e encontro um banheiro que nao se parece em nada com o
nosso em casa. Tudo e genuinamente antigo, e ha marcas na parede e no
chao onde suponho que costumava haver uma banheir a com pes. Acontecia
a mesma coisa no banheiro do andar de baixo – sem banheira, apenas um
espaço vazio onde alguma claramente estava. H a mofo nos azulejos e na
pia. Quando abro as torneiras, ouço um som estranho, mas nada acont ece.
enquanto esper a.
—Entao o que ?
—Espere mais.
Com a porta fechada entre nos, começo a me sentir mais calma novamente.
Mais no controle. Finjo nao saber por que estou tao nerv osa por ter
intimidade com meu proprio marido, mas e uma daquelas
Abro a porta do banheiro, tentando parecer sexy quando saio de tras dela,
mas nao precisava ter me incomodado. O quarto esta v azio. Adam se f oi.
Mantenha-se fora nao faz com que todos queiram ver o que est a por tras
dela? E sempre me senti bastante atraıdo pelo perigo.
Eu sei que Amelia vai demorar uma eternidade para “se refre scar” no
banheiro e estou entediado de esperar. Entao tomo um gole de vinho e volto
para o patamar para ver se Bob quer me fazer companhia. Mas ele ja esta
dormindo. E r oncando.
Nao ha luz, entao pego uma das velas do quarto e subo. Um passo
barulhento de cada vez. Sinto algo tocar meu rosto na penumbra e imagino
dedinhos, mas sao apenas teias de aranha. Acho que faz muit o tempo que
ninguem limpa essa parte da casa tambem. Estou prev endo que a porta no
topo da escada proibida estara trancada. Mas nao esta . Assim que abro, uma
forte rajada de vento apaga a vela e quase me derruba.
A torre do sino.
Ao olhar para o ceu noturno, parece-me quase inconcebıvel que algo tao
magico esteja sempre la. Estamos todos muito ocupados olhando para baixo
para nos lembrarmos de olhar para as estrelas. Fico triste quando penso em
todas as coisas que ja perdi na vida, mas pretendo mudar isso.
Tiro meu telefone do bolso para tirar uma foto... o telefone que minha esposa
acha que ainda esta em casa, em Londres. Fiquei enjoado quando a vi
tirando-o do porta-luvas do carro antes de sairmos de casa e depois
escondendo-o dentro de casa. Me senti ainda pior quando ela mentiu sobre
onde estava, me culpando por deixa-lo para tras. Ela est a se comportando de
maneira estranha ha meses e agora sei que na o estava imaginando isso.
melhor para o futuro. A princıpio nao percebi que ela se referia ao dela , nao
ao nosso. Que outra explicaçao existe para ela ter feito um segur o de vida
em meu nome e me pedido para assina-lo quando ela pensou que eu estava
bebado algumas semanas atra s?
—Voce nao seria uma sem-teto. Na pior das hipoteses, talvez voc e precise
reduzir o tamanho…
Talvez seja porque os pais dela morreram quando ela nasceu, ou talvez seja
por causa de todas as coisas tristes que ela ve no tr abalho quase todos os
dias, mas Amelia pensa mais na morte do que eu acho normal. Ou saudavel.
Especialmente agora que ela parece ta o preocupada comigo.
Minha esposa esta planejando algo, tenho certeza disso. So nao sei o que .
Suspeito que todo mundo chega a uma idade em que começa a questionar o
que conquistou na vida. Se as escolhas que izeram for am as corretas. Mas
tambem acredito que o que faço – contar historias – e
importante. As historias nos ensinam sobre o nosso passado, enriquecem o
nosso presente e podem prever o nosso futuro. Mas entao eu diria isso. As
palavras que escrevi sao tudo o que restara de mim quando eu partir .
Minha vida parece igual ao meu trabalho, com pessoas sempr e querendo me
mudar. Tudo começou com minha mae. Quando meu pai foi embora, ela
trabalhou em turnos duplos no hospital para me criar e manter um teto sobre
nossas cabeças. Moravamos no decimo terceir o andar de um predio de
apartamentos no sul de Londres. Nao tı nhamos muito, mas sempre tivemos
o su iciente. Ela costumava me repr eender por assistir muita TV quando
estava trabalhando – dizia que meus olhos icavam quadrados –, mas nao
havia muito mais a fazer que na o envolvesse me meter em encrencas. Ela
preferiu me ver lendo, entao eu iz isso, e no meu aniversario de treze anos
ela me deu treze livr os. Eram todas ediçoes especiais de autores que adorei
quando menino, ainda as guardo ate hoje, numa estante do porao onde
escrevo. Ela escreveu uma nota na primeira ediçao do meu livro favorito de
St ephen
King: Aproveite as histórias da vida de outras pessoas, mas não se esqueça
de viver a sua pr ópria.
Tive uma serie de amigas que tambem tentaram me mudar, mas nao
conseguiram, ate que conheci minha esposa. Pela primeira vez na minha
vida, encontrei alguem que me amava por ser eu e nao queria mudar quem
eu era. Poderia inalmente ser eu mesmo e escrever minha propria historia,
sem medo de ser abandonado ou substituıdo. Talv ez seja por isso que eu a
amei tanto, no começo. Mas o casamento muda as pessoas, gostem ou nao.
Voce nao pode quebrar um ovo quando ja o tiver batido e fazer uma omelet
e.
que estou emocionalmente falido atualmente... todo o amor que me resta por
ela esta gast o.
Nunca pensei que fosse o tipo de homem que trairia a esposa. Mas eu iz. E
de alguma forma, ela descobriu.
Suponho que isso me faz parecer o vilao, mas tambem ha uma garota ma
nesta historia. Dois erros as vezes tornam algo feio. E eu na o fui o unico que
dormiu com alguem que nao deveria. Santa Amelia tambemf ez.
—A dam?
Estou no patamar, segurando uma vela e chamando seu nome. Mas ele nao r
esponde.
Bob olha para mim, irritado por eu ter perturbado seu sono, depois olha para
a porta com a placa PERIGO MANTENHA-SE FORA e
suspira. As vezes acho que nosso cachorro e mais esperto do que
Nunca fui muito boa em seguir regras, entao ignoro a placa e abr o a porta.
Revela uma estreita escadaria de madeira que conduz a outr a porta no topo.
Dou alguns passos e quase derrubo a vela quando entr o numa teia de
aranha. Tento desesperadamente afasta-la do rosto, mas ainda sinto como se
algo estivesse rastejando pela minha pele no escur o.
— Nao consigo me lembrar da ultima vez que vi lua cheia — ele sussurr a.
—Sem poluiçao luminosa. Voce consegue ver aquela estrela mais brilhante,
logo a esquerda da lua? — Ele pergunta, apontando para o ceu. Concordo
com a cabeça e observo enquanto ele move o dedo como se estivesse
escrevendo a letra W. — Essas cinco estrelas formam a
aleatorios, as vezes acho que e por isso que nao sobra espaço dentro de sua
cabeça para pensar em nos, ou em mim.
conosco?
Meus proprios dentes começam a bater. — Talvez deve ssemos voltar para
dentr o?
Tento voltar para a porta, mas ele me segura. A visao muda de algo
espetacular para algo sinistro; se algum de nos caısse da torre do sino,
estarıamos mortos. Nao tenho medo de altura, mas tenho medo de morrer,
entao me afasto. Ao fazer isso, esbarro no sino. Nao com for ça su iciente
para faze-lo tocar, apenas para balançar, e assim que isso acontece, ouço
cliques bizarros, seguidos por uma cacofonia de guinchos agudos. Minha
mente leva um momento para processar o que esta vendo e ou vindo.
Morcegos, muitos deles, voam para fora do sino e na nossa car a. Adam
cambaleia para tras, perigosamente perto do muro baix o, jogando os braços
na frente do rosto e tentando afasta-los. Ele tropeça e tudo parece mudar para
camera lenta. Sua boca esta aberta e seus olhos
Eu sei que Amelia tambem estava com medo, mas ela quase m e deixou cair.
Isso nao e algo que eu possa simplesmente esquecer. Ou perdoar .
Estamos indo embora. Nao me importa quao tarde seja ou que haja neve na
estrada. Nao me lembro de termos sequer discutido isso. Estou feliz por
estarmos saindo deste lugar. Mesmo que eu nao queir a admitir isso – para
mim mesmo ou para qualquer outra pessoa – est ou preso. Neste carro, neste
casamento, nesta vida. Ha dez anos, pensei que poderia fazer qualquer coisa,
ser qualquer pessoa. O mundo parecia cheio de possibilidades in initas, mas
agora nao passa de uma serie de becos sem saıda. As vezes eu so quero...
começar de nov o.
A estrada a frente esta escura, nao ha iluminaçao publica e sei que nao nos
resta muita gasolina. Amelia nao esta falando comigo – nao f ala ha mais de
uma hora – mas o silencio e um alıvio. Agora que desistimos do im de
semana fora, a unica coisa que ainda me preocupa e o t empo. A neve parou,
mas ha uma chuva forte que bate no capo, fazendo uma
Viro-me para olhar para Amelia e ela e um borrao irreconhecıv el, os traços
de seu rosto girando como um mar furioso. Parece que est ou sentado ao
lado de uma estranha, nao da minha esposa. O fedor do arrependimento se
espalha pelo carro como um ambientador barato, e impossıvel nao saber o
quanto estamos infelizes. Quando se trata de casamento, nem sempre e
possıvel consertar e salvar. Tento falar, mas as palavras icam presas na
minha garganta. Eu nem tenho certeza do que eu ia dizer .
Entao vejo a forma de uma mulher andando na estrada ao longe. Ela esta
vestida de v ermelho.
— Desacelere! — Digo de novo, desta vez mais alto, mas ela pisa no
acelerador .
Olho para o velocımetro enquanto ele sobe de sessenta quilometros por hora,
para oitenta e depois noventa, antes que o mostrador gire completamente
fora de controle. Coloco as maos na frente do rosto, como se tentasse me
proteger da cena a frente, e v ejo
que meus dedos estao cobertos de sangue. O barulho das gotas de chuva do
tamanho de balas no carro e ensurdecedor, quando olho par a cima, vejo que
a chuva icou v ermelha.
—Acor de!
—Que mulher?
—A mulher de v ermelho...
Ele olha para mim do jeito que uma criança olha para os pais quando estao
com medo. Toda a cor sumiu de seu rosto e ele est a coberto de suor .
— Voce esta bem — eu digo, pegando sua mao umida na m inha. — Nao ha
mulher de quimono vermelho. Voce esta aqui comigo. Voc e esta segur o.
Ele mal falou comigo quando descemos da torre do sino mais cedo. Nao sei
se foi o choque de quase cair na parede desmoronada, ou os morcegos, ou o
excesso de vinho tinto, mas ele se despiu, subiu na cama desconhecida – que
se parece com a nossa em casa – e foi diret o para dormir sem dizer uma
palavr a.
Ja faz um tempo que Adam nao tem um de seus pesadelos, mas eles
acontecem com bastante frequencia e sao sempre iguais, excet o que ele ve o
acidente de um ponto de vista diferente. As vezes, nos sonhos, ele esta no
carro, em outros, esta andando pela rua, ou h a sonhos em que observa a
cena pela janela de um apartament o municipal no decimo terceiro andar de
um predio, batendo com os punhos no vidro. Ele nunca me reconhece
imediatamente depois – o que e normal para nos, dada a sua cegueira facial –
mas as vezes ele pensa que sou outra pessoa. Sempre leva varios minutos
para acalma -lo e convence-lo de que nao sou. Seus sonhos costumam
assombra -lo, independentemente de ele estar dormindo ou acordado. Sua
mente na o esta garimpando ouro, esta procurando por algo muito mais
sombrio. Pequenas pepitas de arrependimentos enterrados as vezes escapam
pelas brechas, mas as lembranças mais pesadas tendem a afundar em vez de
vir a t ona.
agor a.
— Me desculpe por ter acordado voce — ele diz, sua respiraça o ainda mais
rapida do que dev eria.
certamente teria feito isso —digo a ele. Aı faço o que sempre faço: pego
meu bloco e um lapis e depois anoto tudo o mais rapido possıv el. Porque
nao e apenas um sonho – ou pesadelo – e uma memo ria.
Ele balança a cabeça. —Nao precisamos fazer isso esta noit e...
Apesar do traje, ela nao e japonesa. Adam acha difıcil descrever o rosto dela
– ele luta com as feiçoes nos sonhos da mesma forma que na vida real –, mas
sabemos que ela e uma mulher britanica de quarenta e poucos anos, mais ou
menos da mesma idade que eu tenho agora. Ela e atraente. Ele sempre se
lembra do batom vermelho dela, exatamente no mesmo tom do quimono. Ela
tambem tem longos cabelos loiros como os meus, mas os dela sao mais
curtos, na altura dos ombr os.
Ele nao diz o nome dela esta noite, mas nos dois sabemos qual e .
Ha um adolescente nos pesadelos tambeme ele esta apavor ado. Adam viu
tudo acontecer: a mulher, o carro, o acident e.
Foi na noite em que sua mae morreu. Ele tinha treze anos.
Segundo todos os relatos, a mae de Adam era uma mulher bastante simpatica
– era enfermeira e muito popular na pr opriedade onde viviam – mas nao era
perfeita. E ela de initivamente nao era uma santa. Acho estranho como ele
compara todas as outras mulheres de sua vida a ela. Incluindo eu. O pedestal
em que ele colocou sua ma e morta nao e apenas instavel, esta quebrado. Por
exemplo, ele parece t er esquecido convenientemente por que ela estava
usando o quimono vermelho. Era o que ela sempre usava – junto com o
batom combinando – sempre que “amigos” homens vinham visitar o
pequeno apartament o onde moravam. O lugar tinha paredes inas, inas o su
iciente par a Adam ouvir que sua mae tinha um “amigo” diferente que icava
na cama dela quase toda semana.
Um dia ele podera se lembrar do rosto que viu naquela noite, e as perguntas
sem resposta que o perseguiram durante anos podera o inalmente ser
respondidas. Eu tentei tanto acabar com os pesadelos:
Demoro alguns segundos para lembrar onde estou – o quarto est a escuro
como breu –, mas quando pisco na escuridao e meus olhos se ajustam a luz,
lembro que estamos na Capela Blackwater. Um raio de luar entre a persiana
da janela e a parede ilumina um pequeno canto do quarto, me esforço para
ver a hora no mostrador do relogio de pe ndulo. Seus inos ponteiros de metal
ainda sugerem que e apenas meia-noite e meia, o que signi ica que nao
durmo ha muito tempo. Minha ment e parece confusa, mas entao me lembro
do que me acordou porque ouço novament e.
Ha um barulho la embaix o.
Ela esta preocupada com os visitantes. Eles nao deveriam t er vindo aqui.
Nao ajuda que suas botas Wellington sejam varios tamanhos maior es. Elas
sao de segunda mao: ela nao tem as suas. Ela teria que dirigir at e Fort
William para comprar um par, nao ha lojas de calçados v endendo calçados
perto de Blackwater Loch ou mesmo em Hollowgrove. Ela poderia ter
comprado online, mas isso exigiria um cartao de credito em vez de dinheiro,
que e tudo o que ela tem hoje em dia. Robin cort ou todos os seus cartoes ha
muito tempo. Ela nao queria que ningue m tivesse como encontra -la.
Ela gosta do som da neve sendo compactada sob seus pes, e o unico barulho
que prejudica o silencio, alem do clique distante dos morcegos. Ela gosta de
observa-los voando sobre o lago a noite, e uma visao bastante bonita de se
ver. Robin leu recentemente que os
Depois, eles tem que pegar os ilhos antes que caiam muito, mas essa parte e
a mesma para todos os pais. Seu caminho esta noite e iluminado pela luz da
lua cheia, sem ela o ceu noturno seria um mar negro, ja que as nuvens
esconderam tudo, exceto as estrelas mais brilhant es novamente agora. Mas
tudo bem: Robin nunca teve medo do escur o.
esquece um rosto e nunca poderia esquecer o dele. Sua mente volta no tempo
e ela pensa no que aconteceu quando ele era menino. O que ele viu e o que
nao viu. A historia e tao tragica agora quanto era ant es, Robin se pergunta
se ainda tem pesadelos com a mulher de v ermelho. Ela acha que chegou a
hora de ele saber a verdade, mas ele nao v ai gostar. As pessoas raramente o
f azem.
A vida e como um jogo onde os peoes podem virar rainhas, mas nem todo
mundo sabe jogar. Algumas pessoas permanecem peo es durante toda a vida
porque nunca aprenderam a fazer os moviment os
LINH O
Palavra do ano :
aniversári o
Prezado Adam ,
nosso aniversário .
corpos emaciados faziam com que parecessem urso s de pelúcia com todo o
recheio retirado. Fizemos tud o o que podíamos para tentar salvá-los, mas ele
s
nada que pudéssemos fazer e foi mais gentil colocá - los no chão. A dona
deles estava de férias n a
Espanha e eu gostaria que pudéssemos ter dado a ela uma injeção letal. Às
vezes desprezo os sere s
humanos, então talvez seja bom que nunca tenhamo s conseguido criar um .
fertilização era importante para mim. Achei que er a importante para nós,
mas você tem estado mai s
Cinco veze s.
que será por um tempo. Até que alguém constru a algo mais alto. Aposto que
não demorará muito ,
clínica. Seu telefone tocou duas vezes antes de se r desviado para o correio
de voz. Eu sei com que m
e sem alma nos últimos meses. Se eu somasse toda s as horas que passei
naquela sala de espera –
passado vários dias da minha vida ali. Esperand o por algo que sempre soube
que poderia nunc a
acontecer .
que a maioria das pessoas sãs concordaria que a sua contribuição para este
processo foi meno s
sangue por dias depois e não conseguia ficar de pé , muito menos andar
devido à dor incapacitante apó s
uma operação malsucedida. Mas superamos i sso juntos. Você disse que tudo
ficaria bem. Voc ê
conhecemos. Eles fazem parecer tão fácil. Alguma s delas até engravidam
sem querer, nem precisa m
Porque elas poderiam. Porque todo mundo pode. Todo s menos nós. É assim
que parece: como se fôssemos o único casal na história com quem isso
aconteceu. À s vezes é ainda pior que isso: parece que esto u
abandonou .
Destino sentou-se atrás de sua mesa e apontou par a as duas cadeiras vazias à
sua frente. Ou enquant o
esperávamos por você em um silêncio constrangedor e ele verificava sua
pasta para lembrar nossos nome s. A clínica nunca nos tratou como seres
humano s,
O pior de tudo é que você não estava lá par a ouvir a notícia que esperávamo
s.
era verdade .
mancha na tela e disse que era o nosso embrião. O conteúdo do seu pote de
amostras e do meu óvulo ,
com sucesso em meu útero e estavam ali na tela. Viv o e crescendo dentro de
mim .
mimadas, e não entendo por que você os satisfaz, o u seus acessos de raiva.
Você foi realment e
surpreendido por pelo menos um deles, mesmo qu e seja cego demais para
ver .
Sinto muito. Espero que você nunca encontre est a carta, no caso improvável
de encontrar, eu não qui s dizer o que disse. Estou sofrendo muito agora; e
parte meu coração a maneira como você dedica todo o seu tempo a essas
pessoas e não guarda nada d e
si para mim. Sou sua esposa. Minhas histórias sã o reais. Isso faz com que
não valha a pena ouvi-la s?
vídeos no YouTube .
Você chorou quando eu contei que estava grávida . Chorei quando lhe
mostrei o exame. Tendo sonhad o
com aquele momento por tanto tempo, aquela image m em preto e branco
era a única coisa que fazia co m
— Espero que seja uma menina — sussurrei . — Por que? Espero que seja
um menino. Vamo s
— Existe uma maneira mais científica? — Voc ê respondeu, com uma cara
séria .
Minha tesoura cortou seu papel, como sempre . — Você me deixou vencer!
— Eu disse .
errada.. .
Havia uma almofada de linho dentro. Tinha me u nome bordado junto com
as seguintes palavra s
abaixo :
ELA ACREDITOU QUE PODERIA, ENTÃ O FEZ .
segui seu olhar pude ver por quê. Um fio grosso d e sangue vermelho
brilhante desceu até meus chinelos .
trás agora, eu gostaria de nunca ter contado a você – você não seria capaz de
lamentar por algo que nunc a soube que tinha. E sinto muito e estou
quebrada o suficiente por nós doi s.
Fui direto para o nosso quarto quando chegamo s em casa e até deixei Bob
se esticar na ponta d a
cama. Tentei chorar até dormir, mas não funcionou , nada funciona. Posso
conversar com o médico sobr e
como tomar alguns comprimidos para dormir. Perceb i que meu relógio
havia parado às oito e três minuto s e me perguntei se essa seria a hora exata
em qu e
você não fez isso. Sorriso. Em vez disso, voc ê parecia mais sério do que
nunca .
— Sempre, sempre. Lamento muito que nã o possamos ter filhos, porque sei
o quanto i sso
significa para você e que mãe maravilhosa você seria . Mas isso não muda
nada para mim. Estarei co m
Mas as palavras não podem resolver tudo, nã o importa o quanto você goste
dela s.
que algo estava muito errado. Coloquei a pizza fria e intacta – que ainda
estava onde a havíamos deixad o
quem sonhei que seria. Não sei o que isso signific a para nó s.
deixarei você ler. Acho isso catártico. Elas me faze m sentir melhor, embora
eu saiba que isso destruiri a
Sra. A Wright .
Estou segurando agora. Não consigo deixar ir. A recepcionista usou uma
caligrafia ondulada na minh a inicial, como se fosse algo bonito. Lembro-me
de
primeira vez. Pratiquei assinar minha nova assinatur a por semanas com
minhas próprias letras ondulada s. Fiquei muito feliz por ser sua esposa, mas
nenhu m dos desejos que fiz desde então se tornou realidade .
Acho que a culpa pode ser minha, não sua. Esper o que, se você descobrir a
verdade, seja capaz de m e perdoar e me amar, não importa o que aconteça .
xx
Ouço outro barulho la embaixo na capela e sei que nao est ou imaginando.
Procuro as cegas o interruptor de luz ao lado da cama, mas ele nao funciona.
Ou houve outro corte de energia – o que parece estr anho se houver um
gerador – ou alguemcortou a energia. Tento nao permitir que minha
imaginaçao hiperativa torne essa experiencia ainda mais assustadora do que
e. Digo a mim mesma que deve haver uma explicaçao racional. Mas entao
ouço o som inconfundıvel de passos no inal da escada rangent e.
Mas ha outro gemido vindo das tabuas antigas do piso, seguido por outro
rangido, e o som de alguem subindo a escada ica cada v ez mais alto. E mais
perto. Tenho que cobrir a boca com a mao para na o gritar quando os passos
param do lado de fora da porta do quart o.
Tudo ica quieto por alguns segundos. Entao o silencio e quebr ado pelo som
de um punho batendo na porta. Estou com tanto medo que começo a chorar,
com lagrimas escorrendo pelo meu rost o.
—Porque voce esta chorando? Voce esta bem? —Ele per gunta. Minhas
palavras tropeçam na pressa de dize-las. — Nao, eu na o
—Fui so eu, boba. Eu estava comsede e fui pegar um copo d'a gua. Mas
acho que todos os canos devem estar congelados porque nenhuma das
torneiras funciona.
—Nao ha a gua?
Ele segura a chama bruxuleante abaixo do queixo e faz uma se rie de caretas
bobas, como as crianças fazem com lanternas no Hallow een. Começo a me
sentir melhor. Um pouco. Pelo menos ha uma explicaça o racional. Entao me
sinto uma t ola...
—Eu tambem, foi isso que me acordou. —Adam interr ompe. Apos uma
breve ausencia, meu terror retorna. —O que ?
— Essa foi a outra razao pela qual desci, para veri icar se estav a tudo bem.
Mas as portas principais ainda estao trancadas, nao ha outr a forma de entrar
ou sair, este lugar e como Fort Knox. Dei uma boa olhada ao redor, nenhum
ladrao – ou ovelha – conseguiu entrar e est a tudo bem. Assim como o
deixamos. Alem disso, Bob teria latido se um estranho tivesse entr ado.
Voltamos para a cama e faço uma pergunta que ele nunca quer responder .
—Na o.
—Por que ?
acontece a seguir – mas ele nao muda. — As vezes ico feliz por na o termos
ilhos, porque tenho medo de que possamos te-los fodido de alguma forma,
do jeito que nossos pais nos foderam. Acho que talv ez nossa linhagem tenha
chegado ao im por algum motiv o.
Acho que preferia quando ele nao respondia. Nao gosto que ele nos descreva
assim, mas parte de mim se pergunta se ele pode estar certo. Sempre me
senti abandonada por pessoas com quem fui tola o su iciente para me
importar, incluindo meus pais. Sim, eles morrer am num acidente de carro
antes de eu nascer, mas o resultado – eu cr escer sozinha – e o mesmo que se
eles me abandonassem deliberadament e. Se voce nao tem ninguem para
amar ou ser amado quando criança, como voce apr ende?
Mas entao, o amor nao e como respirar? Nao e instinto? Algo que nascemos
sabendo fazer? Ou o amor e como falar frances? Se ningue m
— OK. Vamos tentar dormir um pouco ate amanhecer la for a, depois fazer
as malas e ir embora. Talvez tome outro comprimido par a dormir, pode
ajudar?
Faço o que ele diz, apesar dos avisos na receita, porque est ou
descansar um pouco. Mas antes de fechar os olhos, noto que o relo gio de
pendulo no canto do quarto parou. Estou feliz, pelo menos isso na o vai nos
acordar novamente durante a noite. Aperto os olhos para ver a hora e vejo
que parou as oito e tres, o que parece estranho – pensei que
cansada demais para sequer tentar entender. Adam passa o braço em volta da
minha cintura e me puxa para ele. Nao consigo me lembrar da ultima vez
que ele fez isso na cama, ou me fez sentir segura assim. No mınimo, a
viagem ja nos aproximou. Como sempre, ele adormece em poucos minut os.
Finjo que estou dormindo e me pergunto quanto tempo terei de abraça-la
antes de poder voltar ao que estava fazendo la embaix o.
estar um pouco surdo hoje em dia, mas Bob ica sempre feliz em me ver ,
enquanto Amelia so ve as coisas do ponto de vista dela.
Estou cansado. De tudo isso.
tentar. E se a pessoa com quem voce se casou icar irreconhecıvel dez anos
depois? As pessoas mudam e as promessas – mesmo aquelas que tentamos
cumprir – as vezes sao quebr adas.
comportamento normal.
Acabei de comprar tenis de corrida novos, mas eles nao sao a unica coisa na
minha vida que precisa ser substituıda. Posso nao ser bom em reconhecer
rostos, mas posso dizer que pareço mais velho. E u certamente sinto isso.
Talvez porque todo mundo na minha indu stria pareça estar icando mais
jovem atualmente: os executivos, os
Sinto atraçao por outras pessoas? Claro, sou humano, f omos projetados para
ser. Nunca por causa de um rosto bonito – de qualquer maneira, nao consigo
ve-los. Nesse sentido, as pessoas sao um pouco como livros para mim, e
tendo a icar genuinamente excitado com o que esta dentro, em vez de apenas
com uma capa chamativa. Admito que tenho pensado muito em outra pessoa
ultimamente, imaginando como seria se eu estivesse com ela. Mas nao e
todo mundo que tem pequenas fantasias de vez em quando? Isso e tudo que
eles sao e isso nao signi ica que eu realmente vou fazer algo a respeito. A
ultima vez que dormi com alguem que nao deveria, nao acabou bem para
mim. Eu aprendi essa liçao. Eu penso. Alem disso, estou sempre
trabalhando, nao t enho tempo para ter um caso hoje em dia. Faço o possıvel
para aplacar o ciume constante de minha esposa, mas nao importa o que eu
diga, ela simplesmente nao parece capaz de con iar em mim.
Nunca fui totalmente honesto com minha esposa, mas isso e par a o bem
dela.
Ha tantas coisas que nao posso contar a ela; um pouco como as pılulas para
dormir que as vezes coloco em suas bebidas quentes ant es de dormir. Coisas
que ela nao precisa saber. Fui eu quem desligou a energia quando ela estava
na cripta mais cedo. Ela nao entende caix as de fusıveis... tudo o que precisei
fazer foi apertar um botao e soltar o alçapao. Esqueci o gerador la fora, mas
desliguei-o agora tambem e na o teremos energia de volta tao cedo.
MADEIR A
Palavra do ano :
Humano substantivo. Uma boa pessoa. Algué m que é gentil e age com
integridade e honra .
aniversári o
Prezado Adam ,
Me desculpe por ter agido com tanto ciúm e ultimamente, espero que
possamos deixar esse s
não aconteceu, ou que não queria ser mãe. Nunca fo i sobre ter seus filhos
(desculpe), eu só queria o s
meus. Desisti de desistir de tantas coisas na vida , mas sabia que não poderia
continuar tentando ter u m filho. Não depois da última ronda de fertilização i
n vitro não ter funcionado. O desgosto estava m e
Eu ainda esperava secretamente que isso pude sse acontecer por um tempo.
Já li todas aquela s
histórias de casais que engravidam assim que para m de tentar, mas não foi
isso que a vida planejo u
para nós. Nos primeiros meses eu ainda chorav a toda vez que minha
menstruação chegava, não qu e
você tenha perguntado, eu te disse isso. Mas ach o
Bob não é um bebê – eu sei disso –, mas ach o que o trato como um filho
substituto. E voltei a o
reconhecida. E percebi que sou uma boa pessoa. Nã o poder engravidar não
era um castigo, simplesment e
acreditava nisso. Mas eles estavam errados sobr e mim. Todos ele s.
primeira em muito tempo, lembra? Ainda me sint o culpada por isso. Para
ser justa, acho que muita s
cena de jogar seu jantar frio e intocado no lixo, voc ê me contou tudo sobre
October O'Brien. A jovem e
premiada atriz irlandesa havia se apaixonado po r seu roteiro:
RockPaperScissors. Ela entrou e m
pouco preocupada até que pesquisei a garota n o Google e vi como ela era
linda .
Hollywood, mas leio. Bastante. E achei que o No sso Time fez um ótimo
trabalho. — Você vai amá-la... — você disse emocionado, mas eu duvidei
muito disso . — Ela é simplesmente encantadora... tã o
— Não seja assim — você disse, com um olha r que me deu vontade de dar
um soco em você .
história e que não descansará até que ela seja feit a em Hollywood.. .
— Isso é diferente .
— Você ganhou um Bafta aos vinte e pouco s anos, mas ainda não conseguiu
o que queria .
— Tenho uma chance muito melhor com uma atri z como October. Se ela
bater nas portas de Lo s
Angeles, elas abrirão para ela. Enquanto comigo, a menos que eu consiga
outro grande livro par a
trabalho, mas não do tipo que realmente deseja. E u estava prestes a mudar
de assunto, tentar ser u m pouco mais gentil, mas você atacou em legítim a
defesa. — É uma pena que você ainda não seja tã o apaixonada por sua
carreira, então talvez voc ê
entendesse .
— Isso não é justo — eu disse, embora fosse . — Não é? Há anos que você
não recebe u m
— Não, porque você está com muito medo d e pensar em trabalhar em outro
lugar .
que você acha que eu poderia estar fazendo mais n a minha vida, mas não é
tudo culpa minha. Quando a
pessoa que você ama tem muitas ideias brilhantes , elas podem eclipsar
completamente as suas. E e u
ainda faço. Amo você. Gastei minha ambição no s seus sonhos, em vez dos
meu s.
Você dormiu no quarto de hóspedes naquela noite , mas nós fizemos as pazes
desde então. Bem a
uma bandeja de café da manhã para o nosso quarto , pensei que devia estar
sonhando. Em todos os ano s
que estamos juntos, você nunca fez isso antes. Entã o eu deveria saber que
algo estava errado .
acordou tão cedo ou por que parecia tão ansioso par a levar as xícaras e
pratos sujos de volta para baixo .
Seu rosto confessou antes de você. — Sinto muito , preciso ir ver meu
agente. Realmente não vai demora r muito.. .
— Mas concordamos em passar o dia inteir o juntos este ano. Tirei férias
anuai s.
Eu sei que você não conseguiu ver a cara que e u fiz, mas deve ter lido
minha linguagem corporal .
— Eu sei que é nosso aniversário, mas promet o que vou compensar você
esta noite .
— Ainda vamos jantar? — Eu disse .
Era um ingresso para uma peça de teatro que e u queria ver há meses. Está
esgotado desde que abriu . O ingresso era para hoje, então pelo menos eu teri
a
presente de madeira, então comprei para você um a régua com uma inscrição
:
duas, mas apontei para aquela com os pássaro s. Parecia estranho até na
época, visto que voc ê
normalmente nunca se veste bem para ver seu agente . — Não é para mim, é
para você — você disse ,
quanto no dia em que nos casamos, além disso, é a única maneira de mostrar
seu verdadeiro presente d e aniversário .
Dei mais alguns passos incertos, o caminho fri o mordendo meus pés
descalços, até chegar à grama . Paramos e você removeu minha venda
improvisada .
Havia uma pequena árvore feia e sem folhas n o meio do que costumava ser
meu gramado perfeito .
isso. Quero dizer, talvez não agora, mas quando a s flores aparecerem,
aposto que ficará incrível. — Voc ê parecia feliz novamente. — Obrigada, é
o present e
perfeito. Agora vá e transforme seu roteiro em u m sucesso de bilheteria de
Hollywood, para que Bob e eu possamos andar no tapete vermelho da
Leiceste r
Square .
Assim que você teve minha permissão, você sai u pela porta e eu fiquei
sozinha no nosso aniversário . De novo .
merda – acho que tudo teria ficado bem se o alarm e de fumaça não tivesse
disparado no teatro naquel a
chamado e a matinê que eu deveria ver foi cancelada . É por isso que voltei
para casa mais cedo do qu e
o planejado .
para casa. Eles tinham a nossa idade, mas estava m de mãos dadas e sorrindo
um para o outro com o
— A peça foi cancelada — eu disse, olhand o para ela o tempo todo – não
pude evitar. Octobe r
O'Brien era ainda mais bonita na vida real do qu e em todas as fotos que
pesquisei online no Google .
pareceria um menino, mas ela parecia uma prince sa elfa feliz, com seus
grandes olhos verdes e u m
largo sorriso branco. Mesmo aos vinte e poucos ano s, nunca pareci tão bem
.
filmes – fosse normal. Eu estava prestes a faze r papel de boba, mas então os
lábios vermelho s
aniversário para você. Eu disse que não queria nad a com o roteiro dele até
que a situação fosse corrigida , quando ele disse que não sabia cozinhar, me
oferec i para ajudar. Era para ser uma surpresa... ma s
mim e sobre nós e sobre o estado de nossa cozinha . Então desejei ter usado
um pouco mais d e
nunca conheci uma mulher mais gentil ou generosa – não admira que você
quisesse trabalhar com ela. At é Bob se apaixonou pela nossa hóspede, mas
ele am a
a todos. Insisti para que October ficasse e come sse a refeição que ela havia
preparado conosco – você nã o discute – e depois que coloquei roupas secas
e abr i
outra garrafa, tivemos uma noite maravilhosa. Todo s os três pratos estavam
deliciosos – especialmente o
perturbadoramente bonito s.
— PMi ?
estou ansiosa para fazer mais com você no futuro . Suspeito que todo mundo
tem uma pessoa mai s
Sua espo sa
xx
Robin ica perfeitamente imovel, escondida em um canto frio e
homem desceu duas vezes e ela quase foi pega. Ela se pergunta se ele a
reconheceria agora. Independentemente da cegueira facial dele, ela teme que
tenha mudado de forma irreconhecıvel desde a ultima v ez que se conhecer
am.
Quando Robin entrou, ha mais de uma hora, ela pensou que eles tinham ido
dormir e teve que se esconder quando o ouviu descendo a velha escada em
espiral de madeira. De alguma forma, ele conseguiu evitar todos os passos
mais barulhentos. Felizmente, a sala – que ela sempre pensou ser mais uma
biblioteca com sofas – tinha muit os espaços escuros, as estantes forneciam
ampla cobertura ate que ela pudesse ver quem era. Depois disso, ela entrou
na sala secr eta. Segredos sao segredos apenas para quem ainda nao os
conhece. Eles podem se transformar em mentiras quando compartilhadas,
como lagartas que se transformam em borboletas, lindas mentiras podem
voar para muito, muito longe. Nao ha nada que Robin nao saiba sobr e esta
antiga capela: ela morava aqui.
Ela ainda poderia morar aqui agora se quisesse, mas optou por nao faze -lo.
Robin nao gosta de icar dentro do lugar por mais tempo do que o necessario
atualmente. Ela sempre precisa reunir muita coragem par a entrar pelas
portas da velha capela, nas raras ocasioes em que isso na o pode ser evitado,
ela faz o que precisa fazer o mais rapido possıv el antes de sair novamente.
Os visitantes tambem gostariam de sair se soubessem a verdade sobre onde
estao hospedados, mas as pessoas veem o que querem ver .
A sala secreta ica atras da biblioteca e Robin odeia mais essa parte da capela.
E bastante facil encontra-la atras da estante – se voc e souber onde procurar
– mas e preciso usar os olhos. A maioria das pessoas passa a vida com os
olhos fechados. E os livros sao bons par a esconder todo tipo de coisas,
principalmente os livros fechados, assim como as pessoas f echadas.
A lua esta cheia e brilhante esta noite. Ela brilha atraves dos vitrais,
lançando uma serie de padroes que parecem estranhos e desconhecidos. A
visao de sua propria sombra na parede chama sua atençao e a faz se sentir
pequena. Ate a sombra dela parece triste. R obin nao tem a intençao de
fechar o punho, mas quando ve sua silhueta f azer o mesmo, ela levanta a
mao, mudando o formato dos dedos. Primeir o uma pedra. Depois plano,
como papel. Entao ela faz um moviment o cortante, como uma tesoura, e
sorri.
Quando ela tem certeza de que e seguro faze-lo, Robin se lev anta para sair.
Ela congela quando pensa que ve alguem, mas e apenas o seu proprio re lexo
no espelho acima da lareira. A visao a choca: ela quase
achatado. Ela se lembra da primeira vez que usou: choveu naquela noit e e
ela se machucou gravemente. Mas reforçou a importancia de na o con iar em
ninguemalemde si mesma.
As melhores liçoes sao muitas vezes aquelas que nao perceb emos que
estamos apr endendo.
Os visitantes podem dizer o que quiserem, podem ate optar por acreditar se
isso os ajudar a dormir quando deitarem a cabeça nos travesseiros. A
tempestade la fora pode ter parado, por enquanto, mas ninguem saira daqui
amanha de manha. Depois do que ja viu e ou viu, Robin tem quase certeza
de que pelo menos um deles nunca mais sair a deste lugar .
Ainda esta escuro la fora, mas sacudo Adam para acorda -lo. —Bob se foi.
Nao consigo encontra -lo!
Observo com impaciencia enquanto meu marido esfrega os olhos para tirar o
sono, pisca na escuridao e espia ao redor do quarto. Cheir a como se
estivessemos em uma capela agora. Aquele cheiro bolorento de Bıblias
antigas e fe cega. A unica fonte de luz e a chama do castiçal que estou
segurando, e Adam demora um pouco para lembrar onde estamos. Esta tao
frio aqui quanto suspeito que esteja la fora agor a,
—Ele tambem nao esta la! Procurei em todo o lugar, ele nao est a aqui!
Adam ainda esta meio adormecido, mas se arrasta para fora da cama e corre
para o patamar. Ele faz uma pausa para olhar para a cama vazia do cachorro
– como se eu pudesse estar inventando que Bob est a desaparecido – e desce
as escadas correndo na minha frente. Per cebo que ele erra deliberadamente
alguns degraus, que rangem alto quando eu os piso.
—Como voce sabia quais degraus nao deveria pisar? —Pergunt o, seguindo-
o um pouco mais de pert o.
—O que ?
—Nao entendo, as portas ainda estao trancadas, ele nao pode t er saıdo —diz
A dam.
O convite e recebido com um silencio que parece ainda mais sinistro do que
antes. Eu nao sei o que fazer. Pego meu telefone, mas e claro que nao ha
sinal, e para quem eu ligaria mesmo se houv esse?
trancadas. A neve e mais alta que Bob – mesmo que ele pudesse t er saıdo,
ele nao teria conseguido – aquele cachorro nem gosta de chuv a. Ele deve
estar la dentro... voce olhou na cripta?
—Depois da noite passada? Com apenas uma vela? Claro que na o. —Vou
usar a lanterna do meu telefone —diz ele.
Estou prestes a corrigi-lo – ele esqueceu que seu celular ainda esta em
Londres, mas entao observo enquanto ele corre para encontr ar a velha bolsa
de couro que usa para trabalhar. Esta tao surrada que eu deveria comprar
algo novo para ele. Ele chega la dentro e pega seu telef one.
Aquele que ele ingiu nao encontrar no carro quando o esteve com ele o
tempo t odo.
interessante do que a propria mentira. Meu marido nao deveria contar elas;
ele nao e muito bom nisso.
Pego meu celular, ligo a lanterna e corro ate o alçapao. Est a
fechado, entao nao vejo como Bob poderia ter ido ate la, mas tambem e o
unico lugar que nao procuramos. Abro e desço correndo os degr aus de pedra
o mais rapido que posso. Tudo o que encontro sao as mesmas prateleiras de
vinho empoeiradas e um pan leto sujo e de apare ncia caseira no chao: —A
Historia da Capela Blackwater .
— Bem, felizmente percebi que voce tirou meu telefone do carr o antes de
sairmos. Voce mentiu para mim sobre isso e esta agindo de forma estranha
ha semanas. Ha mais alguma coisa sobre a qual voc e esta mentindo para
mim? Bob esta realmente desapar ecido?
Ela começa a chorar – sempre seu cartao para sair da prisao – e nao consigo
icar com raiva dela. Nao e como se eu tivesse sido honest o sobre tudo.
— Voce tem sinal no seu telefone, talvez possamos ligar par a alguem? —
Ela pergunta. Estou em uma rede diferente da dela, entao e uma pergunta
sensata.
Sua linguagem corporal sugere que ela esta aliviada, mas isso na o faz
sentido. Devo estar lendo errado. Odeio quem nos tornamos, mas nao tenho
culpa por tudo isso. A con iança nao pode ser emprestada; se voce tirar, nao
podera devolve -la.
Digo as palavras tao baixinho que ico surpreso que ela as ouça. Amelia se
afasta de mim. —O que ?
—Ontem a noite... nao desci para pegar um copo de agua. Eu vi... algo aqui
embaixo, antes de irmos para a cama. Eu nao queria t e assustar, entao
esperei ate voce dormir e depois desci para t entar entender a situaçao. Voce
ja estava tao chateada depois do incidente da cripta. Eu nao queria piorar as
coisas...
—O que e ?
—Acho que voce deveria ler por si mesma. Nao acho que sejamos realmente
bem-vindos aqui.
— Mas entao por que oferecer um im de semana gratis como premio do
sorteio? Eles nos convidar am.
—Quem f ez?
Uma capela existe neste local, proximo ao Blackwater Loch, pelo menos
desde meados d o seculo IX. Quando o atual proprietario adquiriu a
propriedade e terrenos envolventes, esta ja s e
Escavaçoes na cripta, para criar uma base mais solida, revelaram que a
capela tinha sid o usada como prisao de bruxas no seculo XVI. Aneis de
ferro foramencontrados nas paredes d a cripta, onde mulheres e crianças
condenadas por bruxaria foramacorrentadas antes de sere m queimadas na
fogueira. Os ossos de mais de cemsupostas bruxas foramencontrados
enterrado s no chao, junto com seus descendentes. Os testes revelaram que
um esqueleto era de um a menina de cinco anos .
Adam guarda o pan leto e os recortes de jornais sobre Oct ober O'Brien
numa gaveta da cozinha e fecha-a com irmeza, como se faze - los
desaparecer pudesse ajudar. Ainda nao tenho certeza de qual e a ligaçao
entre October e este lugar, mas ele nao consegue me olhar nos olhos.
Agora que a neve parou de cair, e como entrar em uma pintura. O ceu mudou
de preto para cinza e depois para azul claro desde que acordei, e posso ver
muito mais do que quando chegamos no escuro na noite passada. Existem
montanhas cobertas de neve e lorestas densas ao longe. Um punhado de
nuvens brancas re lete-se na superfı cie imovel e vıtrea do vasto lago, e a
antiga capela branca parece brilhar ao sol da manha. Entao noto a torre do
sino e me lembro da noite passada. A parte da parede que desabou e
impossıvel de perder. Nao e a toa que a placa na porta dizia PERIGO .
—A dam…
—O que ?
—E daı ?
Nao gostei da maneira como ele respondeu a pergunta, mas sei que Adam
esta certo. Começamos a procurar la fora em silencio. Este e sem duvida um
dos recantos mais bonitos e intocados do mundo, mas mal posso esperar para
partir .
Nao trouxe as melhores roupas ou sapatos para este tempo. A neve esta tao
alta que nao temos escolha a nao ser atravessa-la com nossos tenis. Minhas
meias e pes icam molhados em segundos, e a metade inferior da minha calça
jeans esta encharcada e pesada com agua gelada. Estou tao preocupada com
o cachorro que mal per cebo. Vendo o local a luz do dia, podemos agora
apreciar verdadeiramente o isolamento e a escala do vasto vale em que nos
encontramos. Na o encontramos o que procuramos, mas logo descobrimos o
que aconteceu com todas as banheiras desaparecidas na propriedade. Tre s
banheiras com pes em forma de garra estao escondidas na parte de tra s e
foram preenchidas com plantas – urze, pelo que parece, em va rios tons de
rosa e rox o.
—Voce acha que alguemo levou? —Pergunto, quando parece que esgotamos
todas as outras ideias.
— Nao, mas poderıamos pedir a ajuda deles? Eles estao muit o mais perto da
estrada principal do que nos, entao ainda podem t er energia... ou pelo menos
um telefone que possamos usar. Nao e ta o longe para caminhar. Vale a pena
tentar, nao e? Se Bob c onseguisse escapar de alguma forma, eles poderiam
te-lo vist o?
Nao parecia tao longe quando partimos, mas levamos mais de quinze
minutos para chegar a cabana. E uma coisa minuscula, com paredes caiadas
como a capela e telhado de palha. Quase como uma casa de Hobbit. E tao
pequena e remota que nao consigo imaginar por que alguem iria querer
morar nela, mas ha um carro estacionado do lado de fora – quase
completamente escondido da vista – o que me d a esperança de que alguem
more. E um veıculo grande, talvez um v elho Land Rover. E difıcil dizer
porque esta meio enterrado pela neve. Seja o que for, tenho certeza de que
aguentara melhor do que meu carro nest e clima.
Presumo que ele esteja se referindo a palha, mas quando olho para cima,
vejo a chamine fumegante. Alguemdeve estar la dentr o.
—Talvez eles nao possam nos ouvir —diz ele. —Voce ica aqui e
Ele desaparece antes que eu possa responder e ica fora por tant o tempo que
começo a me preocupar .
—O timo...
— Possivelmente nao — diz ele, interrompendo meus pensamentos positivos
com mais pensamentos negativos. — Bati na janela para chamar a atençao
dela e acho que a assust ei.
— Bem, isso e compreensıvel... duvido que ela receba muit os visitantes ate
aqui. Podemos apenas pedir desculpas. Tenho certeza que ela vai querer
ajudar assim que e xplicarmos.
— Nao, quero dizer em todos os lugares. Centenas delas. Ela parecia uma
bruxa lançando um f eitiço.
— Nao seja idiota. Esse pan leto idiota colocou ideias bobas na sua cabeça...
—Ela me encarou por um longo tempo, depois foi ate a janela, ta o perto
quanto eu estou de voce agora. Ainda carregando o gordo coelho branco, se
e que era isso. Entao ela fechou as cortinas.
Robin nao puxou apenas um par de cortinas; ela fechou todas elas. Ela
tambem apagou todas as velas – eram apenas um punhado,
Parece obvio agora que ela pensa sobre isso – e claro que os visitantes
viriam aqui em busca de ajuda – ela so esta irritada por que eles conseguiram
pega-la desprev enida.
Esta nao e uma situaçao normal para nenhum deles, longe disso, e ela espera
que o estresse e o medo estejam começando a cobrar seu preço. Os casais
sempre pensam que conhecem seus parceiros melhor
experiencia – mas isso nao signi ica que isso seja verdade. Robin sabe coisas
sobre os dois que ela tem certeza de que eles nao sabem um do outr o.
Ela o viu olhando para o coelho em seu colo, com uma mistura de
— Nao acho que seja uma boa ideia — responde Adam. — Ela parecia uma
maluca.
— Shhh! Ela provavelmente pode ouvir voce, este lugar nao t em vidros
duplos. Como voce sabe que era uma mulher?
—Se for uma mulher —digo. —Entao talvez eu deva tentar f alar com ela.
Nao vejo nenhum outra casa por perto, ela pode ser a u nica que pode nos
ajudar .
Ja estou congelando, mas sinto mais frio do que antes quando ele diz isso.
Penso nos recortes de jornal de October O'Brien que ele encontrou en iados
em uma das gavetas da cozinha da capela e me sinto mal. Ja faz muito
tempo, mas Adam trabalhou com a atriz antes do que aconteceu, aconteceu,
e as vezes ainda me pergunt o...
—Voce acha que ela pode ser quem voce viu pela janela ontem a noite? —
Ele sussurr a.
— Como eu iria saber? Eu nao vi o que voce viu, e nos dois sabemos que eu
nao seria capaz de reconhece-los novamente, mesmo que o izesse.
— Bem, a pessoa que voce viu agora era gorda ou magra? V elho ou jov
em?
—Talv ez.
— As governantas nao limpam as coisas? Pelo que vi pela j anela, ela nao
parece saber usar um espanador. Ela pode ter uma vassour a... para voar a
noit e...
—Quem disse que estou brincando? Voce nao viu o que eu vi com todas
aquelas velas e o coelho branco no colo dela como se ela estiv esse
As vezes, ter uma imaginaçao hiperativa e uma maldiçao. P ego meu celular
e o seguro para ver que ainda nao tenho sinal. A dam observa e depois faz o
mesmo com o dele.
— Nem mesmo uma barra. Por que nao subimos ate o t opo
daquela colina? Acho que consigo ver uma trilha —diz ele, apontando para o
que me parece ser uma pequena montanha. —Um de nos pode conseguir um
sinal la em cima, e se nao conseguir, pelo menos ter emos uma visao de todo
o vale. Se houver outras casas, ou pessoas, ou mesmo uma estrada
movimentada onde possamos sinalizar para algue m, poderemos ver .
—Ok. Isso soa como um bom plano. Ainda vou escrever uma nota rapida, so
para garantir .
Ame lia
Mostro o bilhete para A dam.
—Para o caso de ela ser uma bruxa e querer transformar Bob em um coelho
tambem—sussurro, antes de tentar en iar o bilhete na caix a de correio.
Parece que esta lacrada, entao deslizo o envelope por baix o
Observo enquanto ele sauda um melro, para o caso de ser uma pega. E um
de seus muitos habitos supersticiosos que muitas vezes me fazem ama-lo e
odia-lo ao mesmo tempo. A ideia de que deixar de saudar uma pega resultara
em azar esperando por voce na pro xima esquina e um mito em que minha
mente logica nunca acreditou. Mas ele acredita. Porque a mae dele fez.
Dadas as nossas circunstancias atuais, talvez eu deva começar a saudar
tambe m.
Ela le o bilhete que a mulher empurrou por baixo da porta, depois o enrola
ate formar uma bola antes de joga-lo no f ogo.
Robin nao e uma bruxa – nao que ela se importe com o que eles pensam –
mas francamente foi chamada de muito pior. E daı se ela na o
pessoas. Mas Robin nao sera comprada. Tudo o que ela tem agora e dela. Ela
ganhou, ou encontrou, ou fez tudo sozinha. Ela nao pr ecisa nem quer o
dinheiro, as coisas ou as opiniões de ninguem. Robin pode cuidar de Robin.
Alem disso, esta casa pode nao parecer grande coisa, mas era um lugar para
onde ela costumava fugir quando criança. Assim como sua mae antes dela.
As vezes, a casa e mais uma memoria do que um lugar .
consegue nem reconhecer seu proprio re lexo. Mas embora a v aidade nunca
tenha sido uma de suas qualidades, isso nao signi ica que ela esteja imune a
insult os.
Agora que ela tem certeza de que eles nao podem ver ou ou vir mais nada
que nao deveriam, Robin se senta na velha cadeira de cour o e acende seu
cachimbo. Ela so precisa de uma coisinha para se acalmar e acalmar os
nervos, e esta e a ultima chance que ela tera de fumar. Os unicos visitantes
com os quais ela esta acostumada atualmente sa o Patrick, o carteiro – que
sabe que nao deve bater ou dizer ola – e Ew an, o fazendeiro local que
pastoreia suas ovelhas nas terras ao redor do Lago Blackwater. Ele as vezes
aparece com leite ou ovos para agr adecer – ela deixa os animais se
alimentarem de graça e entende que a agricultura se tornou um negocio
difıcil. Ele tambemconta a ela tr echos de fofocas sobre varios personagens
da cidade – nao que Robin queir a saber – mas a maioria das pessoas ica
longe.
embora ela mesma ja tivesse um cachorro, e sabe o quanto eles dev em estar
chat eados.
FERR O
Palavra do ano :
Este foi um bom ano para nós dois, não foi? Voc ê estava feliz, o que me
deixou feliz, como se foss e
estar caminhando na direção certa também com seu s próprios roteiros, com
RockPaperScissorsagora e m pré-produção !
três passaram muito tempo juntos este ano, e voc ê desapareceu para Los
Angeles com eles mais d e uma vez, não que eu me importe. Além disso ,
Eu disse a ela que nunca estivemos fora no no sso aniversário porque você
está sempre muito ocupad o
adora dirigir carros velozes, mas agora ela tem qu e ir a tribunal e por causa
de todas as infraçõe s
Passamos por Paris – eu queria ver Notre Dam e – depois do almoço, num
pequeno café às margen s
livros. É algo que você sempre faz, embora eu tenh a achado um pouco
peculiar, agora acho cativante .
Adoro a maneira como você pega um livro nas mão s, virando as páginas
com cuidado, como se o pape l
fosse feito de ouro, depois cheira-os, como se pudesse respirar a história .
quando um casal fica sem histórias para contar u m ao outro, o tempo deles
acaba. Eu poderia ouvir sua s histórias o dia todo, mesmo as que já ouvi,
porqu e
cada vez que você conta uma história é um pouc o diferente. Ninguém sabe
tudo sobre outra pessoa , não importa há quanto tempo estão juntos, mas se
você sentir que sabe demais, algo está errado .
— Dizem que o rio Sena é o único rio do mund o que corre entre duas
estantes de livros — voc ê
Faz anos que não nos beijamos em público assim . No início, fiquei
constrangida – não tinha certeza se conseguia me lembrar como – mas
depois cedi à
América. Ela tem quatro casas diferentes espalhada s pelo mundo. Talvez
seja por isso que ela é tão bo a
certeza de ser o melhor endereço que já ouvi – e posso entender por que ela
gosta mais de mora r aqui do que em Londres ou Dublin. Sinto qu e
menos de trinta anos. Ela parece ter pegado o víru s da reforma e já está de
olho em outro imóve l
A princípio eu não tinha certeza de onde estava , mas depois relaxei quando
vi a vista deslumbrant e
do quarto de hóspedes: nada além de céu azul, sol e vinhedos. Você sorriu
quando me deu meu presente e pareceu bastante satisfeito consigo mesmo.
Sinto muit o se pareci um pouco desapontada quando o abri. E u
— Estou muito encantado por você adorar ler tant o quanto eu hoje em dia
— você disse. — É bo m
passar uma noite com alguns livros e uma garraf a de alguma coisa boa em
frente ao fogo, não é ?
Dei-lhe o seu presente: uma chave de ferr o vintage muito elaborada. Você
parecia tã o
ajuda a manter a vida privada dela privada — voc ê disse. — Ainda bem que
a imprensa às vezes va i
porque queria que esse tempo fora fosse só sobr e nós. Somente nó s.
Eu te dei essa chave de ferro porque quero t e contar a verdade sobre tudo.
Tudo isso. Estamo s
muito felizes no momento e não quero mais que haj a segredos entre nós.
Mas quando você a desembrulho u
Melhor nos deixar viver mais um pouco essa nos sa versão feliz .
Sua espo sa
xx
Eu me cuido melhor do que minha esposa, ela passa muito t empo cuidando
dos outros. Quando chegamos ao topo da colina, ela esta com o rosto
vermelho e um pouco sem folego. Eu poderia ter facilitado as coisas, talvez
ter ido um pouco mais devagar, mas queria levar nos dois para o mais longe
possıvel daquele chale o mais rapido possıv el.
Daqui de cima ha uma visao completa de trezentos e ses senta graus do vale
– exatamente como previ que haveria – com apenas
Nao reconheci a mulher – nunca reconheci ninguem, mas tive uma estranha
sensaçao de deja vu. Tento guarda-la em um dos cantos mais escuros da
minha mente – fora da vista –, em vez disso, olho para minha esposa. Ela
esta de costas para mim, ocupada apreciando a vista do vale. Posso dizer que
ela esta tentando recuperar o folego e org anizar seus pensamentos, ambos
parecem ter escapado dela. Eu gostaria de poder ver minha esposa como as
outras pessoas veem. Reconheço o formato do corpo de Amelia, o
comprimento e o estilo do seu cabelo. Conheço o cheiro do seu shampoo, do
seu creme hidratante e do perfume que dou a ela nos aniversarios ou no
Natal. Conheço sua v oz, suas peculiaridades e maneirismos.
Mas quando olho para o rosto dela, posso estar olhando par a qualquer
pessoa.
As vezes penso que deveria ter sido um autor. As palavras de um autor sao
tratadas como ouro, sao intocaveis e vivem felizes par a sempre dentro de
seus livros – mesmo os ruins. As palavras de um roteirista sao, em
comparaçao, jujubas; se um executivo nao gosta delas, eles as mastigam e
cospem fora. Junto com quem as escrev eu. Minha propria experiencia na
vida real teria sido um thriller melhor do que aquele. Imagine nao ser capaz
de reconhecer sua esposa, ou seu melhor amigo, ou a pessoa responsavel
pelo assassinato de sua ma e bem na sua frente quando criança.
Minha mae foi quem me ensinou a ler e a me apaixonar pelas historias.
Devorarıamos juntos os romances da biblioteca do apartamento municipal
onde cresci, e ela disse que os livros me levariam a qualquer lugar se eu
deixasse. Mentiras gentis sao primas das mentiras brancas. Ela tambem disse
que meus olhos icav am quadrados por causa de toda a TV que eu insistia
em assistir, mas quando nosso velha TV quebrou, minha mae vendeu todas
as suas joias – exceto seu amado anel de sa ira – na loja de penhores para me
comprar outra. Ela sabia que os personagens que eu amava em livr os, ilmes
e programas de TV preenchiam as lacunas deixadas pela famı lia ausente e
pelos amigos inexistentes quando eu era criança.
Foi uma subida longa e ıngreme ate ao topo desta colina, ambos estamos mal
vestidos para a caminhada e para o clima, parece que f oi tudo em vao.
Nenhum de nos tem sinal em nossos telefones, mesmo aqui. Nao ha sinal de
Bob ou qualquer forma de pedir ajuda. Posso ver a capela ao longe, e ela
parece muito menor do que antes. Menos ameaçadora. O ceu, por outro lado,
escureceu desde que saımos. As nuvens parecem determinadas a bloquear o
sol e Amelia est a tremendo. Estava tudo bem quando estavamos em
movimento, mas tambem sinto frio desde que paramos e sei que nao
devemos icar parados por muito t empo.
Ao chegar ao topo de uma colina, muitas vezes voce pode olhar para tras e
ver todo o caminho que percorreu para fazer a jornada. Mas enquanto voce
esta no caminho, as vezes e impossıvel ver para onde esta indo ou onde
esteve. Parece uma metafora para a vida, eu icaria tentado a escrever o
pensamento se nao estivesse com tanto frio. Dou uma ultima olhada ao
redor, mas alem da capela e da cabana, nao h a realmente nada para ver,
exceto uma paisagem coberta de neve por quilometros em todas as direço es.
Protejo os olhos, examino o vale abaixo, mas nao vejo nada. — Onde?
— Indo para a capela — sussurra Amelia, como se pude ssem ouvi-la do que
ainda deve estar a mais de um quilometro de dista ncia.
Com certeza, vejo a forma de uma pessoa subindo os degraus da capela.
— Sim.
—A governanta. Eu já te disse.
— Nina ganhou uma caixa de chocolates Quality Street, mas comprou vinte
rifas, então com certeza ganharia alguma coisa.
Robin nao leva muito tempo para caminhar do chale ate a capela. Oscar
parecia muito triste quando ela o deixou para tras, suas
grandes orelhas brancas e caıdas pareciam cair ainda mais do que o normal.
Robin precisava desesperadamente de algum conforto e companhia quando
chegou a Blackwater, e Oscar parecia um bom nome para o companheiro
que encontrou. Robin sempre gostou muit o daquelas solidas estatuas de
bronze que a industria cinematogra ica distribuıa uma vez por ano. Seu unico
Oscar pode ser um coelho, mas ela o ama.
montanhas ao fundo, e como olhar uma pintura. Ela percebe que est a aqui
ha muito tempo em mais de um aspecto; uma pessoa pode se tornar imune a
beleza quando exposta a ela com muita freque ncia. Quando Robin entra, o
vento tambementra, soprando no ar uma nuv em de partıculas de poeira
disfarçadas de neve. Ela se diverte com o fato de os visitantes pensarem que
ela e a governanta. Nao e por isso que ela tem uma chav e.
Robin tira as botas na sala de bagagens – o lugar pode estar imundo, mas nao
ha necessidade de piorar as coisas – e depois vai ate a cozinha. Suas meias
tem mais buracos do que um par de meia arrasta o, mas nao desperdice, nao
queira. A capela esta ainda mais fria que o normal e ja cheira diferente de
antes de eles chegarem. Vestıgios do cachorro, junto com o perfume
avassalador da mulher, agora permeiam o ar viciado.
Ela corre para a sala que mais parece uma biblioteca, depois tira a luva da
mao direita e passa os dedos pelas lombadas dos livros que se alinham nas
estantes. Ela faz isso toda vez que vem aqui, da mesma forma que algumas
pessoas nao resistem a tocar nas pontas do trigo no campo. Ela percebe um
leve cheiro de fumaça e ve que os visitant es queimaram todas as toras que
ela deixou para eles na noite anterior . Nao que isso importe agora. Pelo
menos, nao para ela. Isso pode ser importante para eles mais tar de.
A forma como algumas pessoas con iam cegamente nos outr os sempre
deixou Robin perplexa. Pelo menos um dos visitant es acreditava que vinha
passar um im de semana fora e que a Capela Blackwater era algum tipo de
aluguel para temporada. Nao e e nunca sera. Pelo menos nao enquanto ela
estiver viv a.
Ela encontra uma carteira na gaveta. Parece estranho que o homem a tenha
deixado para tras, mas os donos de animais agem de forma estranha quando
preocupados com seus animais de estimaça o. Robin pode entender isso. Ela
tira os cartoes de credito da carteira, um por um, esfregando o polegar no
nome em relevo. Entao ela encontr a um formato de papel amassado entre as
dobras de couro. Ela o segur a contra a luz e ve que e um grou de origami.
Esta um pouco queimado nas bordas, mas Robin sabe que os grous
supostamente trazem boa sorte, e o fato de ele carrega-lo na carteira faz com
que ela o odeie um pouco menos. Ela coloca todo o resto como o encontr ou.
Se nos dois nao tivessemos visto alguem entrando na capela, eu poderia ter
pensado que estava imaginando. Mas foi real. Talvez seja a governanta
misteriosa? Vindo veri icar se estamos bem depois da tempestade? Digo a
mim mesma que quem quer que seja podera nos ajudar. E quero. Porque
nenhuma das outras possibilidades de audiça o dentro da minha mente e boa.
Quando chego a trilha coberta de neve no sope da colina, ico aliviada por
estar novamente em uma superfı cie
plana. A vantagem de Adam aumentou. Ele nao esta longe da capela agora,
entao corro o mais rapido que posso, tentando alcança -lo.
A neve bate em meu rosto. Nao vi Adam entrar, mas ele deve t er visto,
porque quando olho para cima, protegendo meus olhos da nevasca
implacavel, ele desapareceu. Ele tocou o sino? Lembr o-me antes, quando
Adam disse que as portas principais eram a u nica entrada e saıda da capela.
Nao vi ninguemsair, o que signi ica que quem
quer que vimos entrar ainda esta la. Qualquer coisa pode estar
Sile ncio.
Sigo o som de sua voz, olhando para as estantes repletas de livr os do chao
ao teto. Nao entendo ate ver um raio de luz revelando uma porta secreta,
coberta por lombadas de livros antigos. Hesito antes de abri-lo, mais uma
vez sentindo como se tivesse caıdo na toca do coelho ou icado presa em um
dos livros sombrios e perturbadores que meu marido adora adaptar .
—Quem quer que estivesse aqui se foi —diz Adam sem erguer os olhos. —
Eu procurei em todo o lugar. A unica coisa que notei de diferente foi que a
porta desta sala estava aberta.
Ele nao parece notar que mal consigo respirar. Nao exist em suplementos
para pessoas que sofrem de de icit de simpatia, e meu marido sempre se
distraiu facilmente com seus proprios pensament os e sentimentos. —Voce r
econhece?
semana fora por acaso, numa rifa, mas isso nao pode ser verdade. E tudo
muita coincidencia. Eu sei a quem esta propriedade pert ence agor a.
COBR E
Palavra do ano :
aniversári o
Prezado Adam ,
pareceu tão feliz e positiva, pelo menos externamente . Quase trinta anos e
tanto para viver. Vocês dois se
caras. Parece que amigos genuínos são ainda mai s difíceis de conseguir
quando você é famoso. Fique i surpresa ao descobrir que o nome verdadeiro
de
nome era apenas um nome. Agora não tenho tant a certeza. Eu também me
tornei bastante amiga d e
faltando em nossas vidas, agora que ela não est á mais nela s.
Uma viagem à New York parecia uma ótim a maneira de passar nosso
sétimo aniversário e
estreia do último filme de Henry Winter, The Blac k House. Você estava tão
ansioso para agradar ,
lisonjeado quando ele disse ao agente e ao estúdi o que só compareceria se
você o fizesse. Você penso u
que era porque ele estava satisfeito com a adaptaçã o e queria que você
recebesse o crédito que merecia po r escrever o roteiro. Mas não era por isso
que el e
queria você lá. Ou por que ele sugeriu que voc ê convidasse sua esposa .
Manhattan onde a estreia foi realizada. O Ziegfel d era o meu tipo de lugar:
um cinema antigo decorad o em vermelho e dourado, com um mar de
assento s
temi que pudesse ser uma desilusão para vocês. É difícil brilhar rodeada de
estrelas. A ideia de se r normal parece deixar você tão infeliz, mas é tud o
não. Eu só queria que você não quisesse dizer sim . Entendo que você
sempre foi um grande fã dele e
entendo o quanto você está grato por ele ter permitid o que você adaptasse
seu trabalho. Eu sei o que i sso significa para sua carreira, mas já não paguei
o preço por isso? Vaguear sozinha por uma cidad e
Você não é você mesmo há um tempo. Eu sei qu e você está de luto por
October, entendo que ela er a
não devemos tentar segurar todos que encontramos, e conheci muitos turistas
na minha vida, pessoas qu e
você não deixar ninguém chegar muito perto, eles nã o poderão te machucar
.
Passei o dia sozinha, visitando partes de Nov a York que nunca tinha visto
antes, enquanto voc ê
seguia Henry Winter pela cidade. O autor idoso pod e parecer encantador
para você, nas raras ocasiões e m
que você esteve na companhia dele, mas na vida rea l o homem vive como
um eremita, bebe como um peix e
e é impossível de agradar. Não posso te dizer isso , porque não deveria saber.
Eu li todos os seus livro s também, assim como você. Seu mais recente foi, n
a melhor das hipóteses, medíocre, mas você ainda ag e como se o homem
fosse a reencarnação d e
Shakespeare .
Tentei não pensar nisso quando visitei a Estátu a da Liberdade. A balsa para
a ilha estava lotada , mas eu ainda me sentia sozinha. Dentro d o
los unidos. Nós só temos nós. Fiz algo que nunc a faço no topo… tirei uma
selfie .
Fui para Coney Island depois disso. Acho qu e deve ser mais movimentado
no verão, mas goste i
encontrei um presente de última hora para você – o tema cobre deste ano
representou um certo desafio . Tivemos tantos altos e baixos ao longo do no
sso
relacionamento, mas suponho que o sétimo ano sej a difícil. Já ouvi falar da
coceira dos sete anos e tenho certeza de que você também deve ter ouvido .
Aconteça o que acontecer, sei que não serei a
primeira a arranhá-lo .
Eu tinha reservado uma mesa para jantarmos – sabia que você esqueceria de
lembrar – em um a
ouvia você me contar sobre seu dia com Henry. Voc ê não perguntou sobre o
meu, nem notou o vestido nov o que comprei na Bloomingdale's. Me elogiar
é alg o
iguais para você e eu estava usando algo que voc ê nunca tinha visto, sua
confiança ao se sentar à
Acho que sabia que iríamos discutir antes mesm o de você dizer o que disse.
Às vezes, as brigas sã o como tempestades e você pode vê-las chegando .
— Sinto muito por fazer isso, mas Henry que r que eu vá com ele para Los
Angeles. Dado todo o burburinho em torno deste filme, o estúdio que r
adaptar outro de seus livros, ele diz que só aceitar á a ideia se eu for
encontrá-los e concordar e m
escrever o roteiro .
queria dizer, e pude ver que você não estava ne m um pouco arrependido .
— E o que eu quero? Foi ideia sua passarmo s
— Porque eu não poderia deixar você para trá s. Eu nunca teria ouvido o fim
disso .
Pela primeira vez, parece que sou eu quem nã o consegue reconhecer meu
cônjuge. — O quê ?
— Você não parece ter amigos ou mesmo uma vid a própria atualmente .
quem não falava há anos – mas à medida que todo s crescemos e nos
distanciamos, acho que fiquei mai s
Você pegou minha mão, mas eu a puxei, então voc ê pegou seu vinho .
realmente se preocupa com seu trabalho e em que m ele confiará. Ele teve
um ano difícil.. .
— Já tive vários. Quanto a mim? Você est á agindo como se ele fosse seu
melhor amigo d e repente. Você mal conhece o homem .
regularidade. No telefone .
— Eu não sabia que precisava contar a você sobr e todas as pessoas com
quem falo ou obter su a
permissão .
Você fez uma careta que me fez pensar que tinh a esquecido de me dar um
presente, mas depois m e
Você insistiu que eu abrisse o seu primeiro, entã o eu abri. Era uma pequena
moldura suspensa d e
passado a noite com alguém que parecia e falav a como meu marido, mas
não era. Você abriu me u
bebeu .
Adoro meu trabalho na Battersea Dogs Home. I sso me faz sentir melhor
comigo mesma. Talvez porque – assim como os animais dos quais passo
meu temp o
— Sim, todo mundo pensa que pode escrever at é se sentar e tentar fazê-lo
— você interrompeu co m seu sorriso mais condescendente .
Você pegou sua taça novamente antes de percebe r que estava vazia .
quebrado .
Você perguntou sem fazer contato visual. — Você sab e que ele foi embora
quando eu era criança. Não crei o que Henry Winter seja secretamente meu
pai h á
— O cara é meu herói. Ele é um escritor incríve l e sou muito grato por tudo
que ele fez por mim ,
portanto, por nós. Isso não é a mesma coisa qu e imaginá-lo como uma
espécie de pai substituto .
— Não é ?
— Não sei o que você está tentando dizer.. . — Não estou tentando dizer
nada, estou lh e
dizendo que acho que você desenvolveu algum tipo d e ligação emocional
com o homem... é como um a
obsessão. Você abandonou todos os seus projetos par a trabalhar dia e noite
nos dele. Henry Winter inicio u sua carreira quando você estava sem sorte,
entã o
sim, você lhe deve alguma gratidão, mas a maneir a como agora você busca
constantemente a aprovaçã o
dele sempre que escreve algo novo é... na melhor da s hipóteses, carente e na
pior, narcisista .
suficiente para saber que seu trabalho é bom, se m precisar que ele diga isso
.
— Eu não sei do que você está falando. Henr y nunca disse que gosta do
meu trabalho.. .
para todos os outros – o quão desesperado você est á para que ele o apoie de
alguma forma. Você preci sa parar de esperar secretamente que ele o faça. El
e
raramente diz algo gentil sobre o trabalho de outr o escritor – ele raramente
tem uma palavra gentil a
— Acho que tenho idade suficiente para faze r minhas próprias escolhas e
escolher meus próprio s amigos, obrigado .
penetrantes olhos azuis ainda eram os mesmos d e sempre. Ele esteve nos
observando o tempo todo qu e estivemos lá .
Você continuou falando sobre ele durante todo o caminho até o Library
Hotel, e minhas palavra s sobre o assunto foram esquecidas assim que a s
pronunciei. Pela expressão alegre em seu rosto ,
qualquer um pensaria que você passou o dia com o Papai Noel, em vez de
um Ebenezer Scrooge e m
forma de livro .
matemática, as coisas não estavam dando certo par a mim. Comi os dois
chocolates em nossos travesseiro s enquanto você estava no banho – embora
eu odei e
chocolate amargo – acho que queria machucar você d e alguma forma, por
mais infantil que isso pareça .
não era você, era meu novo amigo do trabalho dizend o que sentia minha
falta. A ideia de alguém senti r
minha falta fez meus olhos se encherem d e
Você está dormindo agora, mas estou acordad a como sempre, escrevendo
uma carta que nunc a
hotel. Uma onda de ressentimento de sete anos pod e ser mais precisa do que
uma coceira. Não posso se r honesta com você, mas preciso ser honesta
comig o
mesma .
Sua esposa ,
xx
Robin ica onde esta ate que os dois visitantes estejam no
Ela e boa em esperar. A pratica pode tornar uma pessoa boa em qualquer
coisa, e pelo menos ela nao esta sozinha desta vez. A nev e parou de cair,
mas ainda esta frio. Robin preferiria voltar para casa, mas nao adianta
apressar algo tao importante. Ela teve o cuidado de seguir as pegadas
anteriores dos visitantes, mas tentar passar desper cebida nem sempre e facil.
Esse e o problema de seguir os passos de outr a pessoa; se voce deixar uma
marca maior do que a deles, eles tendem a icar chateados. Robin aprendeu
da maneira mais difıcil que e sempr e melhor nao ter pressa, e tarde e melhor
do que nunca. As vezes, o madrugador come muitas minhocas e morr e.
Os vitrais sao lindos, mas deixam entrar o frio e sair o som, por isso ela esta
ouvindo do lado de fora do escritorio. Ela destrancou a
porta secreta e a deixou aberta deliberadamente, para que os visitant es
pudessem encontra-la por si proprios. Depois que a icha cair, as coisas nao
deverao demorar muito mais.
Ouvi-los no lugar onde ela morava, rir e sonhar e uma experie ncia tao
estranha e surreal. Um pouco como uma intoxicaçao alimentar. Ela
novamente quando tirar o que quer que esteja podre de seu org anismo. Ela
quer que os visitantes saiam da capela, mas ainda nao. Ainda h a muito a
dizer e fazer antes que este capıtulo desagradavel de suas vidas chegue ao
im.
—Vai icar tudo bem, voce vai ver —diz ela ao companheiro, mas ele nao
responde. Ele apenas olha para ela, parecendo tao triste e frio quanto ela esta
começando a sentir .
Sempre que sua vida tomou um rumo errado no passado, R obin tentou
identi icar o momento exato em que se perdeu. Sempre ha um.
notıcia assim que a conhece, porque ela e podre, por dentro e por fora, e o
instinto lhe diz para icar longe.
Ele ainda parece impressionado, mas faz o que ela diz, como sempr e.
O tempo congela quando Adam diz que sabe a quem pertence a capela.
Olho ao redor do escritorio secreto, pensando que se poderia revelar a
resposta antes dele, mas tudo que consigo ver sao mais livr os empoeirados,
uma escrivaninha velha e meu marido. Suas belas feiço es se transformaram
em uma carranca decepcionada e uma carranca f eia. Ele parece mais irritado
do que com medo. Como se tudo isso fosse de alguma forma minha culpa.
Consegui acalmar minha respiraçao quando o encontrei aqui, mas essa nova
ansiedade esta pressionando meu peit o.
— Os escritores sao uma especie peculiar de ser humano — diz Adam, ainda
olhando para a escrivaninha antiga como se estiv esse falando com ela, e nao
comigo. Esta tao frio nesta sala que posso ver sua respiraçao. — Ha pessoas
com quem trabalhei ao longo dos anos – pessoas em quem con iei – que
acabaram por ser nada mais do que…
A luz dos vitrais lança fragmentos de cor no piso de parquet, e ele parece
distraıdo demais com eles para terminar seu pensamento. Tent o pensar em
alguem com quem ele brigou desde que o conheço, mas na o sao muitos. Ele
tem o mesmo agente desde o inıcio. Todo mundo ama Adam, mesmo as
pessoas que nao amam.
— Voce se lembra do ilme Gremlins? — Ele pergunta. Fico f eliz que ele
nao espere uma resposta porque nao sei o que dizer ou v er como isso e
relevante. —Havia tres regras: nao molha-los, nao os e xpor a luzes fortes e
nao alimenta-los depois da meia-noite. Caso contra rio, coisas ruins
acontecem. Autores sao como Gremlins. Todos eles começam como Gizmo
– essas criaturas individuais e interessantes que sao divertidas de se ter por
perto – mas se voce quebrar as regras: se eles nao gostarem da adaptaçao do
livro ou acharem que voce mudou muito a historia original, os autores se
transformam em monstr os maiores do que aqueles sobre os quais escrev em.
pr opriedade?
—Henry Winter .
Eu congelo. Sempre tive medo de Henry, e nao apenas por causa dos livros
sombrios e distorcidos que ele escreve. O que mais me assustou na primeira
vez que o vi foram seus olhos. Eles sao muit o azuis e muito penetrantes,
quase como se ele pudesse olhar dentro de uma pessoa, nao apenas para ela.
Ver coisas que ele nao deveria ser capaz de ver. Saber coisas que ele nao
deveria saber. Minha respiraça o começa a icar um pouco fora de controle
novament e.
—Voce esta bem? Onde esta o seu inalador? —Adam per gunta. —Estou
bem —insisto, agarrando as costas da cadeir a.
— O Daily Mail queria fazer uma reportagem sobre onde Henry escreveu
seus livros quando o ultimo ilme foi lançado. Ele nao permitia que
mandassem um jornalista ou, Deus me livre, um fotografo – ele sempre
odiou isso. Eu o conhecia ha anos, mas ele nem me dizia onde morava
quando nao estava em Londres – sempre pr eocupado obsessivamente com a
privacidade por motivos que nunca consegui entender completamente. So vi
uma foto dele em seu escritorio – que o jornal disse ter sido “fornecido pelo
autor”. E isso. A sala onde ele escreve. Lembro-me da foto dele sentado
nesta mesa — diz A dam, tocando a mesa de madeira escura. E uma coisa
velha e peculiar sobr e rodas, com muitas gavetas pequenas. —Pertenceu a
Agatha Christie, e Henry pagou uma pequena fortuna por ela em algum
leilao de caridade anos atras. Ele se tornou bastante supersticioso sobre isso;
uma vez me disse que achava que nao conseguiria escrever outro terror em
nenhum outro lugar .
Viro-me e faço o que ele diz, mas as estantes que icam na par ede dos fundos
do escritorio parecem exatamente iguais as da sala. Enta o noto as lombadas
dos livros e vejo que todos foram escritos por Henry Winter. Deve haver
centenas deles, incluindo traduçoes e ediço es especiais. E uma parede
gigante e exatamente o que eu esperaria de um homem como ele.
— Tem certeza de que esta bem? — Adam pergunta. — Sua respiraçao par
ece...
—Estou bem.
Ele não parece convencido, mas continua mesmo assim. — Acho que ele
pode estar chateado comigo. Desde que eu disse que não queria mais adaptar
os livros dele...
Eu absorvo suas palavras, processando o que elas signi icam para ele e para
nó s.
Adam me encara quando diz a última frase. Estou prestes a perguntar por
que quando vejo meu inalador na mesa atrás dele.
Eu ico olhando para ele por um longo tempo. Normalmente posso dizer
quando ele está mentindo e não acho que esteja.
Pego o inalador e coloco-o no bolso. —Acho que estamos ambos exaustos e
agora que sabemos a quem pertence este lugar, só quero encontrar Bob e sair
daqui.
Eu nao sei o que esperar. Henry Winter parado do lado de fora da capela?
Seguindo o exemplo de Bob e rindo loucamente como um vila o de
comedia? Talvez ele inalmente tenha perdido as bolas de gude restantes? O
homem escreve icçao sombria e distorcida, mas ainda tenho di iculdade em
acreditar que ele seria capaz de algo assim na vida r eal.
sumiram. Quem quer que estivesse aqui antes saiu e trouxe Bob com ele.
Ela corre mais longe na neve e nao tenho escolha a nao ser segui- la.
As ovelhas estao de volta. Elas olham em nossa direçao, mas na o sao tao
assustadoras quanto no escuro da noite passada. Nos dois paramos quando
vemos as costas de uma pessoa vestindo uma jaqueta de tweed, calças
escuras e o que parece ser um chapeu panama... no meio do inverno... na
neve gelada ate os joelhos. Amelia olha em minha direçao. Nao consigo ler a
expressao em seu rosto, mas se for algo parecido com o que estou sentindo,
imagino que seja de terror .
Lembro a mim mesmo que conheci esse homem tao bem quant o voce
conhece alguem com quem trabalha e que so conheceu algumas vezes.
Limpo a garganta e dou um passo mais pert o.
at e
com cabeça de boneco de neve. Ele tem rolhas de vinho no lugar dos olhos,
uma cenoura no lugar do nariz, um cachimbo saindo do espaço onde deveria
estar sua boca e uma das gravatas-borboleta azuis de seda de Henry Winter
amarrada no pescoço. E um tom mais escuro do que deveria, saturada de
neve derretida. A bengala de Henry, aquela com cabo de cabeça de coelho
prateado, esta apoiada nela, como se quisesse se apoiar .
— Nao. Acho que terıamos notado. Eu realmente nao entendo o que esta
acont ecendo.
— Temos que encontrar Bob. Ele esta aqui em algum lugar, no s dois o
ouvimos, e so temos que continuar procurando —diz Amelia, eu a sigo.
— Eu nao entendo. Por que tirar a coleira do cachorro e deixa -la aqui? —
Ela diz.
Mas eu nao respondo. Estou muito ocupado olhando para a la pide. HENRY
WINTER
Adam nao responde. Ficamos lado a lado em silencio, olhando para a lapide
de granito, como se isso pudesse fazer desaparecer as palavras nela
gravadas. Nao importa quantas vezes eu reorganize as peças desse quebra-
cabeça dentro da minha cabeça, elas simplesment e nao se encaixam. Posso
ver a confusao, o medo e a tristeza no rosto do meu marido. Eu sei que ele
pensou que tudo o que temos foi r esultado de Henry Winter ter lhe dado sua
grande chance e con iado a ele seus livros. Uma briga boba nao mudou isso.
O homem morrer quando eles nem sequer se falavam vai atingi-lo
duramente. Mas Adam dev e perceber que temos problemas maiores agora:
se Henry nao nos enganou para virmos aqui, quem o f ez?
Assim que voltamos para dentro da capela, Adam tranca as portas e empurra
o grande banco de madeira da igreja na frente deles.
—Quem quer que vimos entrando antes devia ter uma chave. Isso vai
impedi-los de voltar sem que nos ouçam —diz ele, indo em direça o a
cozinha. —Voce pode me mostrar o e-mail que recebeu sobre g anhar um im
de semana neste lugar novament e?
Procuro meu telefone dentro do bolso, mas em vez disso encontr o meu
inalador. Agora que minha respiraçao voltou ao normal, na o preciso disso,
mas me sinto melhor sabendo que esta por pert o.
— Eu nao percebi que havia uma conexao ate agora. Mas H enry nao pode
ter enviado este e-mail – ele nao lida com e-mails, nem com internet, nem
tem celular. Ele acha que eles causam cancer. Pensament o.
Coloquei minha mao em seu ombro: — Sinto muito, eu sei o quanto voce ...
— Eu nao tinha notıcias dele ou sobre ele desde setembr o passado, quando
seu ultimo agente me enviou uma copia de seu u ltimo livro. Felizmente,
este agente aprova adaptaçoes para a tela, nao como o primeiro de Henry.
Ele e um cara legal, ate brincamos sobre como Henry tambem nao estava
falando com ele, mas o autor ainda ha via enviado seu manuscrito, tres dias
antes do prazo, embrulhado em papel pardo e amarrado com barbante como
de costume.
—Enta o?
— A lapide la fora diz que ele morreu ha dois anos. Pe ssoas mortas nao
podem escrever livros ou envia-los aos seus agent es.
— Ele tinha famılia? Certamente alguem saberia se ele fale cesse. Um dos
meus antigos pais adotivos morreu no ano passado, lembr a? Charlie, o cara
que trabalhou no supermercado a vida toda e sempr e trazia para casa
comida de graça que estava prestes a estragar. Eu na o falava com ele ha
mais de uma decada, mas ainda soube quando ele morreu. Henry Winter e
um autor mundialmente famoso, terıamos lido sobre sua morte nos jornais
ou...
Adam balança a cabeça. —Nao havia ninguem. Ele era um er emita confesso
e gostava de viver sua vida dessa maneira... na maior parte do tempo.
Sempre que bebia uısque demais, Henry icava com la grimas nos olhos por
nao ter ilhos – ninguem para cuidar de seus livr os
quando ele estivesse fora. Era so com isso que ele realmente se
— Bem, alguem deve te-lo ajudado. Henry nao era ne nhum frangote se
nasceu em 1937 — digo.
A maneira como Adam olha para mim me assusta um pouco. E difıcil nao
dizer a coisa errada quando nada parece certo. As v ezes penso que a sua
incapacidade de reconhecer os rostos das outr as pessoas pode tornar mais
difıcil para ele controlar as expressoes por si proprio. A expressao
desgastada desapareceu e e quase como se ele estivesse... sorrindo. Ela
desaparece tao rapidamente quanto apar eceu.
— Devıamos sair daqui enquanto ainda esta claro — diz ele, adotando uma
expressao seria mais uma vez para combinar com seu t om.
—E Bob?
mais seguro la fora do que se icasse aqui por mais uma noite, nao e ?
Ele abre a porta da despensa onde vimos a parede de ferr amentas quando
chegamos. O freezer de tamanho industrial emite uma trilha sonora
misteriosa e evito olhar para o alçapao da cripta. Pre ir o esquecer o que
aconteceu la embaix o.
—Voce vai abrir nossa saıda? —Pergunto quando Adam tira um machado da
par ede.
—Não, só acho que ter algo para autodefesa pode não ser uma m á ideia —
ele responde, tirando uma pá de um gancho enferrujado com a outra mã o.
O Morris Minor está coberto de tanta neve que combina com a paisagem.
Sinto-me como uma peça sobressalente quando Adam começa a retirá-la das
rodas do carro. Está muito frio, mas ele ainda está suando por causa do
esforço. Até que ele para e olha para a roda dianteira como se ela o tivesse
ofendido. Ele larga a pá e se curva atrá s do lado dianteiro esquerdo do carro,
de modo que não consigo mais ver o que ele está fazendo.
—O quê ?
Paro de falar quando vejo por mim mesma. Não será problema encontrar o
buraco porque é do tamanho de um punho. Há um corte em forma de sorriso
na borracha: o pneu foi claramente cortado. Eu j á estava com tanto frio que
mal conseguia sentir as mãos ou os pés, mas o frio que sinto agora se espalha
por todo o meu corpo.
Esta frio, mesmo dentro da cabana. Robin acende o fogo e se senta no tapete
proximo, tentando aquecer os ossos. Ela sente falta do cachimbo, mas agora
ele acabou, entao ela abre um pacote de Jammie Dodgers. O cachorro deita-
se ao lado dela, apoiando o queixo nas pernas dela, olhando para ela
enquanto ela come, esperando que ela deixe cair alguma coisa. Robin gosta
de mordiscar cada biscoit o,
Apesar de estar tao perto das chamas, ela ainda mal consegue sentir as maos.
Seus dedos eram um arco-ıris vermelho e depois azul depois de usa-los para
limpar toda aquela neve da lapide de Henry. Mas os visitantes nunca a teriam
encontrado se ela nao o tivesse feito, e ela precisa de coisas para se manter
no caminho certo. Ha uma razao pela qual ela os convidou para vir aqui
neste im de semana, e nao por qualquer outr a.
Foi o que ele disse quando ligou. Nao “ola” ou “como vai voce ?” Apenas
cinco pequenas palavras. Eu preciso que você venha. Ele na o precisou dizer
onde, embora eles nao se falassem ha muito tempo. Ele tambemnao
precisava dizer o porque, mas disse.
— Estou doente — foram as duas palavrinhas extras prof eridas quando ela
nao respondeu. Isso acabou sendo um euf emismo.
Londres e estava morando em seu refugio escoces em tempo integr al. Ele
sempre foi um eremita que preferia sua propria companhia. O que ela nao
esperava era que seria ela quem ele ligaria em sua hora de necessidade. Mas
nao ter mais ninguem era uma das poucas coisas que tinham em comum. Os
escritores sao capazes de criar os mundos mais elaborados e populares, as
vezes deixando para si mundos bastant e pequenos. Alguns cavalos precisam
de antolhos para fazer o que f azem de melhor e vencer a corrida. Eles
precisam se sentir sozinhos e sem distraçoes. Alguns autores sao iguais; e
uma pro issao solita ria.
O silêncio não pode ser citado erroneamente. Era um dos lemas de Robin.
Mas quando ela ainda nao falou, a linha telefonica estalou e Henry falou
mais uma vez antes de desligar .
—Estou morrendo. Venha ou nao venha. So nao conte a ningue m.
Ele explicou mais tarde que estava sem troco para o telef one publico do
hospital. Insistiu que nao havia sido deliberadament e dramatico ou rude.
Robin nao acreditou nele. Ela nunca fez isso. Mas ela entrou no carro
mesmo assim, porque a vida pode ser tao imprevisıv el quanto a mort e.
sinuosas das Terras Altas. Uma vez de volta a capela que ele
transformara em casa, Henry mancou ate o salao que transformara em
biblioteca, acenando para que ela o seguisse. Entao ele abriu a porta secreta
na parede de tras dos livros. Robin nao icou impressionada – ela ja tinha
visto isso antes – mas foi a primeira vez que ele a con vidou para entrar em
seu escrito rio.
Ela olhou para os coelhos brancos que pareciam cobrir todas as superfıcies.
O papel de parede era coberto com um padrao brilhant e deles, as persianas
romanas eram costuradas com uma variedade de saltos, havia grandes
orelhas e rabos de cavalo costurados nas almofadas dos assentos da janela,
havia ate um coelho em um dos vitr ais.
— Nao sei quanto tempo temos, entao e melhor nao desperdiça - lo. Eu
gostaria de lhe mostrar onde meu testamento esta guardado. Est a tudo
arranjado, so preciso que alguem aperte o botao, por assim dizer , quando
chegar a hora. Existem planos escritos para o que eu gostaria que
acontecesse comigo. Quero ser cremado, mas tudo que voce pr ecisa saber
esta na pasta. Estou na metade do meu ultimo terror, nao poder ei termina-lo
agora. Meu agente cuidara de quase tudo em formato de livro quando chegar
a hora. Mas pode haver algumas decisoes sobr e meu patrimonio literario
que eu preferiria... —Ele olhou para ela, seus grandes olhos azuis
suplicantes, como se esperassem que R obin dissesse alguma coisa. Quando
ela nao o fez, ele pareceu ceder, peg ando gentilmente seus pensamentos
cansados quase de onde os ha via deixado. —Voce deve fazer o que achar
certo. Isso e tudo que qualquer
—Eu sei eu sei. Todo mundo pensa que nao entendo como usar a tecnologia
moderna, mas estou velho, nao senil. Gosto bastante que pensem que sou tao
velho que escrevo os livros com uma pena e um pote de tinta, mas este
pequeno laptop me poupa muito tempo. E muit o mais facil editar para
começar. Eu uso a maquina de escrever par a enviar a versao inal ao meu
agente – para manter a ilusao da pessoa que eles pensam que eu sou – mas
uso um computador para todos os outros rascunhos. Porem, eu estabeleço
um limite para os telef ones celulares – essas coisas causam cancer, marque
minhas palavr as.
— Isso nao e alguma coisa? — Ele disse, parecendo muito mais com o que
era antes, aquele de quem ela se lembrava. —Eu nao sabia
publicarei. Signi ica muito para mim que meus leitores tenham gostado.
— Sim.
Henry sorriu. —Ha muitas coisas que meu agente nao sabe sobr e mim.
Ele sorriu. — Sim, tudo apenas uma invençao da m inha imaginaçao sombria
e distorcida. Mas funcionou, nao foi! A unica coisa que os construtores
encontraram na cripta quando restauramos o local foi umidade. Gosto de
paz, tranquilidade e privacidade. Nao quero que as pessoas me incomodem,
mas as vezes me assusto. Passei tantos anos dentro dessas historias, que o
mundo que inventei me pareceu mais real do que aquele em que vivi. —
Seus olhos azuis lacrimejaram e Robin percebeu que sua mente havia
vagado em algum lugar distant e.
Robin hesitou, mas depois fez o que ele pediu. A primeira coisa que viu ao
entrar na despensa foi o freezer gigante, depois notou t odas as ferramentas
alinhadas na parede, incluindo todos os cinzeis de marcenaria e ferramentas
de alvenaria arrumadas de acordo com o tamanho. O machado a assustou
tanto quanto sempre. Durante anos, Henry gostou de esculpir coisas em
madeira e pedra, ele disse que er a um pouco como esculpir icçao da vida
real. Exigia apenas pacie ncia, imaginaçao e mao irme. Todo verao, ele
derrubava com aquele machado uma velha arvore que bloqueava sua visao
do lago e depois esculpia cuidadosamente uma escultura de animal no toco
restant e. Corujas e coelhos eram seus favoritos. Todos com olhos
assustadores e enormes, um pouco parecidos com os dele.
Robin enterrou Henry naquela noite, com medo de que algue m pudesse ver
se ela esperasse o sol nascer. Ela envolveu o corpo dele em um lençol velho
junto com alguns de seus livros favoritos e depois o
arrastou para fora da capela. Em seu testamento, ele pediu para ser cremado,
mas ter um cemiterio do lado de fora e uma pa provou ser muito
conveniente. Embora seja um trabalho arduo. Havia outr as instruçoes que
Robin decidiu ignorar tambem. Como contar a algue m que Henry havia
morrido. Na manha seguinte, ela encomendou on-line uma lapide muito
bonita usando os dados da conta bancaria de Henry , quando chegou, ela
mesma a gravou usando as ferramentas de Henry . Ele tinha uma quantidade
impressionante de dinheiro – mais do que ela imaginava – mas Robin nunca
gastou um centavo consigo mesma. Apesar de icar claro em seu testamento
que o autor havia deixado par a ela uma quantia consideravel. A unica vez
que ela usou o cartao do banco novamente foi para comprar adereços para os
visitantes, por que isso era para eles, nao para ela. Dois dias depois da morte
de Henry, ela demitiu sua faxineira, sabendo que ninguem mais vinha visitar
o recluso. Ate o Blackwater Inn havia fechado anos antes, graças a Henry .
Ele estaria tao sozinho na morte quanto escolheu estar na vida.
BRONZ E
Palavra do ano :
perfeição .
Não comemoramos nosso aniversário este ano . Tenho passado muito tempo
com um amigo d o
trabalho e você tem, bem, passado tempo com se u trabalho. Você teve
dificuldades com a últim a
adaptação dos livros de Henry Winter. Pessoalmente , acho que porque você
estava se esforçando demai s
mesmo. Mas como você disse quando me ofereci par a tentar ajudar algumas
semanas atrás, o que eu sei ?
porque são só nossos e pensamos que ninguém mai s os verá. Enquanto você
pensa em Henry Winter e
fazer sentir invisível. Você me faz sentir como se não fosse boa o suficiente
todos os dias. É um a coisa terrível de confessar, mas às vezes m e
pergunto se a única razão pela qual fico é po r causa de Bob. E esta casa .
banho e abrir uma garrafa de vinho. Eu podia ouvi r vozes dentro de casa
antes mesmo de colocar a chav e na porta. Sua e uma outra. E cheirava como
se alg o
cachimbo em nossa casa para não fumantes. A princípio pensei que estava
imaginando, mas a jaqueta de tweed e a gravata-borboleta de sed a
— Olá, querida. Temos uma visita — você disse , como se eu não pudesse
ver isso por mim mesma .
expressão de horror no meu rosto, ele reconheceu , mas você não reconheceu
porque não pode. Aind a assim, eu teria pensado que você poderia te r
não tinha a menor ideia da situação, enquanto o outr o parecia muito feliz
com isso .
— Olha, este é o novo livro de Henry — voc ê disse, segurando um livro de
capa dura vermelh a brilhante e parecendo muito satisfeito, como se voc ê
mesmo o tivesse escrito e quisesse uma estrel a
dourada .
num dia e ao teatro no outro. Eu me senti viva, feli z e livre. Gosto mais da
companhia dela do que d a
sua atualmente. Ela tende a gostar mais de animai s do que de pessoas, por
isso começou a trabalha r
escuta, ri das minhas piadas e não faz com que e u me sinta a segunda
melhor o tempo todo. Ela ador a
semana, fiquei aliviada porque Henry havia partido . Fiquei triste por você
não parecer realmente se
importar onde eu estive ou com quem eu estava. Voc ê sabia que era uma
amiga do trabalho, mas ne m
perguntou qual era o nome dela. Em vez disso, voc ê apenas olhou para mim
com uma expressão peculia r no rosto .
— O que está errado? — Eu perguntei ,
preocupando-me com Bob, que claramente sentiu mai s a minha falta do que
você .
— Só um corte .
Você reconhece meu cabelo mais do que meu rosto , e sempre parece
incomodar um pouco quando eu o mudo. Honestamente, é apenas alguns
centímetro s mais curto e com alguns destaques a mais do qu e antes, mas é
bom se sentir notada. Tive vontade d e
cansada, mas você antecipou minha recusa com mai s palavras suas. —
Além disso, gostaria de saber se você poderia lê-lo antes de enviá-lo ao meu
agente ?
— Quase sempre .
Isso me fez sorrir. — Vou pensar sobre isso . — Talvez um jogo de pedra,
papel e tesour a
— Como o quê ?
Isso chamou sua atenção – ainda mais do que o cabelo – e nenhum de nós
estava sorrindo naquel e
momento. Não sei o que esperava que você dissesse , mas não foi.. .
pagando de quem era o blefe ou se era isso mesmo . Você sempre me deixou
vencer sempre que jogávamo s. Minha tesoura cortaria seu papel. Todo. Vez.
Nã o
sei o que me fez querer que as coisas fosse m diferentes, mas minha mão
adquiriu um nov o
Jogamos novamente. Eu escolhi torcer, mas voc ê decidiu ficar. Seus dedos
em forma de pape l
— Isso significa que às vezes a vida muda a s pessoas, até mesmo nós.
Ambos somos versõe s
diferentes de nós mesmos em comparação com que m éramos quando nos
conhecemos. Quase irreconhecíve l
queria acreditar em você. Chegamos tão longe, você e eu, e fizemos isso
juntos. É por isso que não po sso nos deixar desmoronar .
comemorar nosso aniversário este ano. Em vez disso , fiquei acordada até
tarde para ler seu trabalho. Er a bom. Talvez o seu melhor. Sentir-se
necessária não é o mesmo que sentir-se amada, mas é próximo o
um coelho saltando no ar. Você pensou que tinha alg o a ver com
AsAventurasdeAlicenoPaísda s
Maravilhas– sabendo que esse era um dos meu s livros favoritos quando
criança – mas você estav a
Você me deu uma bússola de bronze alguns dia s depois, com a seguinte
inscrição :
Sua esposa ,
xx
Coelhos brancos sao de initivamente um tema aqui… eles saltam por todo o
papel de parede, nas persianas, nas almofadas. As escolhas de design de
interiores sao inesperadas para um homem de oit enta anos que gostava de
escrever livros sombrios e perturbadores. Mas como Adam sempre diz, os
melhores escritores tendem a nao ter nada e tudo em comum com seus
personagens.
acontecendo aqui, entao agora seria um bom momento para me contar — diz
ele, em um tom que normalmente reserva para ligaçoes na o solicitadas.
— Nao comece a tentar me culpar. Este lugar pertence ao aut or cujos livros
voce passou os ultimos dez anos de sua vida adaptando. E u
nunca gostei dele. Ou seus livros. E tudo o que vi neste im de semana sugere
que você é a razao de estarmos presos aqui.
—Ja vi isso antes —ele murmura, ja indo para a proxima gav eta. Dentro
dela, ele encontra um passaro de papel de origami, igual
Nao gosto de ver meu marido assim. Todas as outras pe ssoas veem uma
versao diferente do homem que conheço. Eles nao te m conhecimento de seu
humor, ou de suas inseguranças, ou de seus pesadelos regulares sobre uma
mulher de quimono vermelho sendo atropelada por um carro. Ele nao apenas
acorda sem folego e cobert o de suor quando sonha com ela, as vezes ele
grita. Adam passou a vida inteira fugindo das coisas que mais o assustavam,
embora o menino agora pareça um homem, ele nao mudou tant o.
A proxima esta cheia de moedas de cobre. Deve haver mais de cem delas,
cada uma com buracos no lugar dos olhos e um rost o sorridente esculpido.
CERÂMIC A
Palavra do ano :
pelo menos você não esqueceu nosso aniversário est e ano. Isso é alguma
coisa, suponho. Você estev e
Optamos por uma noite tranquila – como fazemo s na maioria das noites –
mas com uma garrafa d e
deu um pulo para atender e passou tanto tempo n o corredor que presumi que
fosse alguém que voc ê
estava chorando. Tive uma ligeira oscilação quando v i vocês dois juntos.
Tento não falar sobre nós com ela , mas ela sempre pergunta, então é difícil
não fala r
sem parecer rude. Acho que só queria mantê-la par a mim, uma amiga minha
que não tinha nada a ve r
com você, por mais bobo que isso possa parecer . — O que está errado? —
Eu perguntei, vend o
vocês dois parados ali na porta, você de chinelos, el a de salto alto com
lágrimas escorrendo pelo rosto .
Meus colegas não foram afetuosos com ela com o eu. Eles faziam piadas de
que poderíamos se r
como se estivesse preocupada que elas não cabessem . Mas não esta noite .
casaco enorme e fofo com capuz, que não combinav a em nada com os salto
s.
— O que aconteceu? Você está bem? — E u
O olhar que você me deu então foi impagável . Eu me pergunto o que meu
próprio rosto fe z
quando ela aceitou o convite, entrou e baixou o capu z para revelar uma
cabeça loira. Os cacho s
mesmo tom .
comigo. Ela até parecia um pouco comigo. O sotaqu e do East End com o
qual eu estava acostumad a
buscar e eu pensei que ele estava sendo antiquado e gentil, mas agora ele
sabe onde moro. Ele m e
convidei e... sinto muito, não conheço mais ningué m em Londres, exceto
você e.. .
Senti muita pena dela enquanto nós três estávamo s sentados na sala,
bebendo nosso champanhe d e
terríveis com homens terríveis, percebi a quão sortud a eu era por ter um dos
bon s.
voz .
ela sabia onde me encontrar – acho que nunca lhe de i nosso endereço – mas
estou feliz que ela tenha feit o
isso .
— Ela não é exatamente o que eu imaginei pel a maneira como você a
descreveu. Ela parece... legal .
Eu ri. — Isso é loucura... ela é uma ratinh a quieta na maior parte do tempo .
quente quando está frio lá fora. Compartilhar o calo r corporal com alguém
que você ama. Ou costumava .
esperando que você desviasse o olhar ou mudasse d e assunto, mas você não
o fez .
também não, e está tudo bem. A única pergunta qu e precisamos nos fazer é:
amamos quem somos agora ? Ouvir sua amiga esta noite me fez sentir
solitário e sortudo ao mesmo tempo. O sucesso de u m
acho que é possível ter um caso de uma noite qu e pode ser mais profundo
do que alguns casamento s. Não se trata de quanto tempo dura u m
relacionamento, mas do que ele ensina um sobre o outro e sobre você mesmo
.
— O quê ?
Deve ter passado um ano desde a última vez qu e jogámos esse jogo. Mas
você me deixou vencer com o sempre fazia, minha tesoura cortando seu
papel .
Parece bobagem, mas senti como se fosse um sina l de que talvez também
fôssemos mais parecidos co m quem éramo s.
— O que teria acontecido se eu tivesse perdido ? — Perguntei .
importava. Você passa o dia todo trabalhando co m palavras, mas essas eram
as únicas três que e u precisava ouvir .
Eu sou uma garota que gosta de estar na mesm a página quando se trata de
relacionamentos, é um a
meus. Eu me importava tanto com você que não tinh a mais nada para dar a
ninguém, nem a mim mesma . Eu estava satisfeita com um círculo social
grande o suficiente para dois. Você sempre foi o suficient e
para você. Talvez isso possa mudar. Talvez se e u tentar te amar um pouco
menos, a balança po ssa
pender a meu favor e você possa me amar um pouc o mai s?
Preocupo-me muito com minha amiga de trabalho , mas não quero acabar
como ela. Vê-la aqui em nos sa casa – tão solitária, triste e quebrada – foi u
m
parar de considerar uns aos outros como garantido s. Essa é outra coisa que
ninguém lhe conta sobr e
significa que acabou. Talvez isso seja tão bom ou tã o ruim quanto possível?
Então, embora nossa ca sa
tenha deixado de parecer um lar, vou tentar conserta r isso e vou tentar nos
consertar. Mesmo que i sso
Sua esposa ,
xx
—O que isto signi ica? —Pergunto, segurando a pequena gav eta cheia de
moedas em uma mao e uma caneca quebrada VA EMBORA, ESTOU
ESCREVENDO na outra. Posso sofrer de cegueira facial e de algum
problema neurologico estranho, mas nao ha nada de errado com minha
memoria (na maior parte do tempo). A mesa esta cheia de presentes de
aniversario que minha esposa me deu ao longo dos anos. —Voce esta
envolvida em tudo isso?
Eu ico olhando para ela, procurando a verdade, mas nao consigo nem ver seu
rosto. Suas feiçoes estao girando como uma pintura de V an Gogh e sinto
tontura so de olhar em sua direçao. As vezes consigo reconhecer as pessoas
pelo formato ou pela cor do cabelo, ou por um par de oculos caracterıstico.
As vezes nao sei se os conheço.
— Acho que voce precisa se acalmar. Eu nao sabia de nada. E u ainda nao
sei. Exceto aquilo…
— Voce disse que Henry entregou um novo livro em setembr o, mas agora
sabemos que ele morreu no ano anterior .
—Enta o?
—Nos dois vimos alguementrar na capela mais cedo. Lembr a-se? E quem
devemos culpar por tudo isso. Nao um ao outro —diz Amelia.
—E a mulher na cabana?
—A bruxa com as velas e o coelho branco? Voce disse que ela er a v elha…
— Eu disse que ela tinha cabelos grisalhos. Nao vimos mais ninguemdesde
que cheg amos.
Talvez porque ela já saiba o que está acontecendo aqui e tudo isso seja uma
encenaç ão.
Sempre me sentirei culpado por trair minha esposa, mas Santa Amelia
tambem dormiu com alguem que nao deveria. E como se ela
convenientemente esquecesse essa parte da historia. Mas nao posso.
“Chame-me de Pamela” disse a conselheira, que precisavamos seguir em
frente, aprender a deixar isso para tras, mas ainda estou chocado com a
facilidade com que minha esposa ment e.
Eu gostaria de poder ver o rosto dela agora, do jeito que outr as pessoas
podem. Eu me pergunto se ela parece assustada? Ou ela par ece tao
composta quanto parece? E se for assim, visto que parecemos estar presos e
possivelmente em perigo, por que ela nao esta tao assustada quanto eu? Ela
parece ter esquecido completamente de seu amado cachorro. Ela esta
mentindo sobre alguma coisa e nao sei o que me assusta. Um casamento
mal-assombrado e tao assustador quanto uma casa mal-assombr ada.
—Venha comigo —eu digo, pegando a mao dela... ela esta sempr e
reclamando que eu nao a seguro com frequencia su icient e.
Seu rosto e voz podem nao denuncia-la, mas Amelia nao con segue
— Quem sao as pessoas nessas fotos, voce reconhece algum de seus rostos?
—Eu pergunt o.
vestidas com roupas vitorianas. Os mais proximos do topo par ecem mais
recentes. Posso ver que alguns dos sujeitos sao adultos, outros sa o crianças,
mas – como sempre – nao consigo ver nenhum dos seus rost os.
Amelia balança a cabeça, entao começo a puxa-la escada acima. —Que tal
agora? Alguemaqui parece f amiliar?
— Voce esta me assustando, Adam — ela diz, e posso ouvir pela sua
respiraçao que ela esta dizendo a verdade. Estou prestes a me desculpar
quando ela fala novament e.
—Espera aı, acho que essa foto e do Henry adolescente… e a que esta
abaixo tambem se parece um pouco com ele, so que mais jov em, com um
homem e uma mulher. Pais, talv ez.
Eu mesmo ico olhando as fotos, tentando ver o que ela ve, mas e inu til.
— Essas fotos nao estavam aqui antes. Voce se lembra? Ha via apenas tres
formas retangulares desbotadas com pregos enf errujados saindo da parede.
Alguem os colocou de volta. — Estou prestes a perguntar se foi ela, mas
mordo a lıngua. —Acho que esta foto e de...
Vejo algo por cima do ombro dela antes que ela termine a fr ase.
Tudo esta coberto de poeira como o resto da capela, mas est e quarto
tambem esta cheio de teias de aranha. Cheira a mofo, como se nao tivesse ao
ar ha meses. Talvez mais. A coisa mais assustadora que me chama a atençao
e a grande casa de bonecas no meio do quart o. Parece antiga. Tambemse
parece muito com a nossa casa em Londres – uma casa vitoriana de fachada
dupla. Nao consigo evitar de abrir as portas empoeiradas, quando vejo que
os comodos internos esta o decorados de maneira semelhante a nossa casa,
começo a me sentir mal. As mesmas duas bonecas esculpidas em madeira
estao em t odos os quartos, mas nao sao replicas em miniatura de Amelia e
de mim. Um e um velho do tamanho de uma boneca, vestindo jaqueta de
tweed e gravata borboleta, o outro e uma boneca menina, vestida de v
ermelho. Em todas as cenas de faz de conta eles estao de maos dadas, e o v
elho esta sempre fumando cachimbo. Quando olho mais de perto, vejo que
os cachimbos sao na verdade copos e talos de bolota.
Ela esta segurando uma velha caixa de surpresas. Eu tive uma exatamente
igual quando criança e isso me aterrorizou. A princıpio na o entendo o signi
icado, ate ver que o nome Jack foi riscado, de modo que agora esta escrito
Adam-na-caix a.
Minha mae me ensinou o nome frances para essas coisas quando eu era
pequeno: diable en boîte, literalmente “caixa do diabo.” T antas coisas
inesperadas me lembram dela. E sempre que o fazem, revivo a noite em que
ela morreu: a chuva, o som terrıvel dos freios do carro, o quimono vermelho
dela voando no ar. O cachorro era meu. Implorei a ela que me deixasse icar
com um, mas nao cuidei dele. Se eu, aos tr eze anos, tivesse levado o
cachorro para passear, como prometi, ela na o teria morrido andando pela
calçada naquela noit e.
E como en iar a linha na agulha; Cada vez que meu dedo escorreg a; Pop!
Vai à doninha.
Jack sai da caixa e eu pulo, mesmo sabendo o que estava por vir . Com seu
cabelo ruivo selvagem, rosto pintado e roupa azul manchada, parece
assustador, ainda mais do que aquele de que me lembro quando criança,
porque faltam-lhe os olhos.
Acho que entendi a mensagem nao tao sutil, mas o que mais não estou v
endo?
Não devo contar hist órias. Não devo contar hist órias. Não devo contar hist
órias.
ESTANH O
Palavra do ano :
aniversári o
Prezado Adam ,
que aconteceu .
Achei que as coisas estavam muito boas entre nó s este ano. Achei que
estávamos felizes. Eu estava, e pensei que você também estava. Olhando de
fora ,
completamente .
Durante muito tempo, parecia que alguém estav a nos observando. Não
consigo explicar o sentiment o
pessoa estão olhando em sua direção por mais temp o do que deveriam. Você
sempre sabe. É instinto .
— Não tenho televisão, sempre preferi ler . — Mas você deve tê-los visto?
— Graha m
— Eu os vi. Não posso dizer que gosto muit o deles. Mas fui persuadido a
deixar o roteirist a
nenhum antes de eu dizer sim – e mesmo que e u não goste do que ele fez
com os livros, muita s
Graham riu. — Caramba, vamos torcer para qu e ele não esteja assistindo !
Mas você estava assistindo. Eu também. Ach o que você não falou com
Henry nem escreveu nad a novo desde então .
negócio, mas ainda assim não consegui lhe contar a verdade. Achei que as
coisas entre nós finalment e
estavam de volta aos trilhos, dizer a você que fui e u a razão pela qual Henry
deixou você adaptar o s
Não sei o que fez você ficar sentado no escuro e assistir a um clipe antigo de
Henry colocando voc ê
no chão. Não sei por que você ainda se importa co m o que ele pensa. Notei
então a garrafa de uísqu e
crescer .
banho rápido — gritei, para que você pensasse qu e não te vi. Quando desci,
a TV estava desligada, o uísque havia acabado e o Bafta estava de volta n a
prateleira. Eu me perguntei há quanto tempo voc ê
estava morrendo. Optei por ignorar o que poderia te r sido um sinal e deixei
Bob e eu entrarmos em casa . Tudo estava quieto e silencioso, como sempre
acontec e quando você está no escritório, o que quase sempr e
tradicional durante dez anos de casamento. Sorri e subi direto para o nosso
quarto. Planejei passar u m
Ela ligou dizendo que estava doente naquel a manhã. Agora eu sabia por quê
.
respirar – embora parecesse que parei – foi como se o próprio tempo tivesse
parado perfeitamente ,
esperando que os pedaços da minha vida quebrad a caíssem e ver onde eles
iriam parar .
— Achei que fosse você — você disse, enroland o o lençol em volta de si.
Quando eu não respondi, voc ê disse de novo. Como se as palavras
pudessem soa r
gostaria de ter dito algo inteligente, mas nunca fu i boa em saber o que dizer
até muito depois de u m
apenas assistiu com horror. A árvore já estav a maior do que eu, mas
arrastei-a pela porta d a
atrás de mim. Depois a joguei na cama onde voc ê dormiu com ela, antes de
enfiá-la debaixo do s
Qualquer coisa? — Você disse, enquanto eu arrumav a uma mala. Mas não
acho que nada possa no s
Sua espo sa
Adam ainda nao juntou as peças do quebr a-cabeça.
Ele olha para o quarto da menina onde tudo esta coberto de tordos,
parecendo uma criança perdida. Ate eu pegar sua mao e leva -lo de volta ao
patamar. Paramos no topo da escada em espiral e apont o para a ultima foto
emoldurada na par ede.
—Quem e esse? —Ele pergunta, embora eu tenha quase cert eza de que ele
ja deve saber. Ter cegueira facial nao pode impedir algue m de ver a ver
dade.
—E voce —eu digo. Estudamos entao a imagem: o terno caro que ele usou
no casamento, os confetes nos ombros, o vestido de noiva, as alianças, os
sorrisos felizes… e outra pessoa na foto. — Henry esta em segundo plano.
Nos dois sabemos que ele nao foi convidado, mas o fat o de ele estar la –
parado na rua em frente ao cartorio, pelo que parece – junto com a visao
desta foto em sua parede de retratos de famı lia, sugere que ele pensava em
voce como muito mais do que apenas um roteirista que adaptou seus livr os.
Isto nao vai ser facil. Mas meu marido precisa saber a ver dade agora, e
precisa ser eu quem lhe cont e.
— O que voce quer dizer? — Pergunto, olhando para a foto de uma noiva e
de um noivo cujos rostos nao consigo ver .
Ficamos em silencio no topo da escada. Parece que icamos assim por muito
tempo, enquanto tento processar o que Amelia disse.
— Acho que sim — diz ela. — Acho que embora voce tenha sido casado
com Robin por dez anos, ela nunca lhe contou que era ilha de Henry Winter.
Acho que ela cresceu aqui e o quarto daquela menina er a dela.
Fico olhando para minha segunda esposa por um longo t empo, tentando ver
em seu rosto se isso e algum tipo de brincadeira. Mas os redemoinhos de
Van Gogh estao de volta e eu agarro o corrimao par a me equilibrar .
Amelia balança a cabeça. —Eu sei que voce nao consegue ver, mas essas
tres fotos na parede – as que estavam desaparecidas ontem – sa o todas da
sua ex-mulher. Este e voce e Robin se casando, com uma bomba fotogra ica
de Henry. —Ela aponta para a proxima foto. — Esta e Robin quando ela era
mais jovem, adolescente, eu acho, em um bar co a remo pescando no Lago
Blackwater. E esta... — ela aponta para o quadro inal, —e uma garotinha,
que se parece com Robin, sentada no colo de Henry lendo um livro,
enquanto ele fuma cachimbo.
Minha mente esta correndo para frente e para tras no tempo e f alo meus
pensamentos em voz alta.
— Robin nunca quis falar sobre sua famılia, especialmente sobr e seu pai.
Ela disse que eles estavam separ ados...
—Nao duvido, mas acho que ha uma razao pela qual ela nunca lhe contou
quem ele er a.
Estudo novamente os rostos nas fotos, mas mesmo agora que sei o que
procurar, todos parecem iguais.
—Eu sei que voce nao pode ver por si mesmo, entao voce vai t er que con iar
em mim — diz Amelia. Depois de me seduzir, o marido de sua melhor
amiga, con iar nela e algo em que nunca fui muito bom. — Estou lhe
dizendo que essas fotos sao todas da sua ex-mulher. As dela quando menina
parecem iguais as de Henry quando menino. A
Henry .
—Nao entendo por que nenhum deles teria me contado algo ta o grande
como isso — digo, odiando o som patetico da minha pro pria voz. Talvez eu
nao consiga ver a beleza por fora, mas Robin era a pessoa
mais linda por dentro. Eu podia sentir isso sempre que ela estava na mesma
sala. Todos os outros tambem souberam disso assim que a conheceram – ela
era tao boa, genuına e honesta. Nao consigo imagina - la mentindo para mim
sobre nada, muito menos sobre algo tao gr ande como isso.
—Talvez houvesse uma boa razao pela qual nenhum deles q ueria que voce
soubesse? Quem voce conheceu primeiro? Como surgiu a ideia de voce
adaptar os livros de Henry Winter? —Amelia per gunta.
—Isso e normal?
Eu nao respondo a princıpio. Nos dois sabemos que nao e. — Bem, o agente
dele morreu de repent e...
—Do que ?
— Nao me lembro... so que foi um choque. Seu agente era bem jov em.
Ela nao precisava deles. Ela me tinha, com ou sem razao, eu er a tudo o que
ela queria. Mas eu tomei isso como cert o.
—Ela nao tinha problemas em fazer amigos —digo, ciente de que agora
estou defendendo minha ex-mulher. — Todo mundo gostava de Robin. Ela
raramente gostava deles tambem. Ela se tornou bastant e amiga de October
O'Brien quando trabalhavamos junt os.
Battersea quando voce era voluntaria, foi gentil com voce, con iou em voce
...
— Isso nao e sobre mim. Sera que aquele encontro inesper ado com um
autor de best-sellers internacional aconteceu porque voc e estava morando
com a ilha dele? —Amelia diz, como se falasse em v oz alta sobre meus
medos particulares. — Acho que durante esses dez anos em que voce foi
casado com Robin, voce foi genro de Henry Winter. Voce simplesmente nao
sabia disso.
—E ele?
— Voce realmente acha que ela esta por tras de tudo isso? — Amelia per
gunta.
— Quem mais pode ser? A questao mais importante nest e momento e: por
que estamos aqui e por que agora? Se ela quisesse vingança, seria preciso
esperar muito tempo. Entao o que ela quer? P or que nos enganar para
virmos para a Esco cia?
Ela da de ombros. —Sim. Mas por que? O que ha de tao especial neste im de
semana?
Foi entao que Henry ligou. Para dizer a ela que ele estav a morrendo e pedir
que ela voltasse para casa.
Robin nao falava com o pai ha anos, mas uma serie de estr elas cadentes
pareciam se alinhar naquela tarde, para guia-la de volta a casa de onde ela
fugiu quando criança. Verdade seja dita, ela nao tinha outr o lugar para ir .
Nao mais.
Agora ela culpa os dois, e e disso que se trata este im de semana e por que
ela os enganou para virem aqui.
O mundo inteiro pensou que foi um acidente, mas não foi. R obin sempre
acreditou que Henry foi o responsavel pela morte de sua ma e. Foi por isso
que ele realmente mandou Robin para o internato, e por que ela fugiu assim
que teve idade su iciente para partir para sempr e. Ele removeu quase todos
os vestıgios de sua mae da capela escocesa que ela amorosamente converteu
em lar. As banheiras foram as primeiras a desaparecer. Sua mae adorava
cozinhar, entao Henry
restassem apenas dois de tudo; dois pratos, dois talheres, duas xıcar as.
Nenhuma panela, forma ou frigideira foi deixada para tras. O cheiro da
comida o lembrava da esposa morta, entao a velha gov ernanta preparava
grandes porçoes de refeiçoes em casa e depois enchia o freezer da capela
com elas para que ambos nao morressem de f ome. Robin guardou o que
pode dos pertences da mae, incluindo dois par es de tesouras de bordar
douradas e prateadas em forma de cegonha – sua mae adorava costurar e
tambem cozinhar – e os escondeu debaixo da cama. Ela nunca acreditou que
a morte de sua mae fosse acidental. Pessoas que leem e escrevem romances
policiais e thrillers sabem que
Henry comprou a casa de boneca mais chique que Robin ja tinha visto
quando sua mae morreu. Cada comodo tinha as mesmas duas pequenas
iguras dentro dela. Uma parecia Henry, a outra era uma Robin em miniatura.
Uma famılia de brinquedos feliz para substituir a verdadeira quebrada. Ele
mesmo esculpiu as bonecas com seus cinze is de madeira, assim como as
estatuas do lado de fora da capela, e t odos os passaros em forma de robins
que ele havia cortado ao longo dos anos, enquanto fumava seu cachimbo ou
bebia um copo de uı sque.
homem que matou sua esposa na banheira alguns anos depois, em seu
romance policial chamado Drowning Your Sorrows. Isso fez R obin
questionar se todas as suas historias poderiam ser baseadas em fatos e nao
em icçao, e esse pensamento a aterrorizou. O livro era um gr ande best-
seller, todos no internato falavam dele, ate os professor es.
Isso inspirou Robin a escrever sua propria historia. Seu prof essor de ingles
icou tao impressionado que, sem que Robin soubesse, ele enviou uma copia
para Henry no inal do semestre, dizendo que o dom de contar historias
claramente era de famılia. Era sobre um r omancista que cometia crimes na
vida real e depois escrevia sobre eles em seus livros, sempre escapando
impune de assassinat os.
Quando Robin voltou para casa naquele Natal, Henry mal f alou com ela.
Ele icou trancado em seu escritorio secreto com seus amados livros. Como
sempre. Uma tarde ela encontrou suas bonecas lutuando na pia do banheiro.
Parecia que elas estavam se afogando, assim como sua mae havia feito na
banheira com pes. Quando ela acordou na manh a de Natal, nao havia
presentes na meia pendurada na ponta da cama. A unica coisa que mudou
durante a noite foi que o cabelo de Robin f oi cortado. Havia duas longas
tranças louras sobre o travesseiro onde ela dormira, e a linda tesoura de
cegonha da mae estava na mesinha de cabeceir a.
Henry Winter nao escreveu apenas sobre monstros. Ele era um. Ele a fez
escrever versos como puniçao por escrever aquela
historia na escola:
Eu não devo contar hist órias Não devo contar hist órias. Não devo contar
hist órias.
Robin apagou a maior parte do que Henry havia escrito – ela na o achou
muito bom – e depois substituiu por suas proprias palavras. Ela escreveu tres
rascunhos em tres meses, quando o livro foi concluıdo e ela o editou da
melhor maneira possıvel, sentiu como se a transiçao da
historia de seu pai para a dela fosse perfeita. Depois ela digitou o livr o
inteiro de novo... na maquina de escrever de Henry, exatamente como ele
teria feito. O verdadeiro teste seria envia-lo ao seu agente: se
alguemconseguisse perceber a diferença, seria ele.
Robin mal tinha saıdo da Blackwater desde que chegou, tre s meses antes.
Parecia-lhe estranho que o mundo fora das grandes portas de madeira da
capela fosse o mesmo em que vivera antes, quando a vida de Robin mudara
de forma irreconhecıvel. Nao havia motivo par a partir ate entao, aquela era
sua primeira viagem a Hollowgrove – a cidade mais proxima de Blackwater
Loch – em mais de vinte anos. Mas enquanto Robin dirigia seu velho Land
Rover, com o manuscrito ao seu lado no banco do passageiro, ela ainda
estava com medo de que algue m pudesse reconhece-la. Eles nao izeram
isso. Mas Patty, na loja da esquina, reconheceu o pacote de papel par do.
Patty bateu na lateral do nariz com o dedo indicador. —Ent endo, querida.
Provavelmente lhe disse para nao contar nada a ninguem, na o foi? Como se
alguem por aqui se importasse se ele escreveu um nov o
livro. A unica autora que amarei sera Marian Keyes, agora ha uma mulher
que sabe escrever. Pareço ter tempo para ler as palavras de um louco? Isso e
o que Henry Winter e, se voce me perguntar: todos os
Quando chegou uma carta do agente de Henry no dia seguint e, Robin levou
algumas horas e mais uma garrafa de vinho para t er coragem de abri-la.
Ela queria contar para alguem, mas Oscar, o coelho, nao era muit o bom em
conversar. Ela o renomeou no primeiro dia em que se conheceram, porque
Oscar era um menino coelho, nao uma menina, sem o conhecimento de
Henry. E Robin era o nome dela. Foi a u nica coisa boa que seu pai lhe deu.
Ela estava muito orgulhosa daquele livr o, mas a verdade, dita ou nao, ainda
era impossıvel de ignorar. O melhor
livro de Henry ate entao era realmente dela, mas ainda seria o nome dele na
capa.
Anexada a ela estava uma carta de Adam, datada de varios anos atra s:
Eu sei o quanto você está muito ocupado, mas sempre me pergunt ei se esse
roteiro poderia funcionar como um livro. Acho que essa pode ser minha
melhor chance de conseguir. Ficarei muito grato pela sua opinião. Espero
que você tenha gostado da última adaptação, seu agente disse que sim e disse
que passaria esta carta para mim. Foi uma honra ajudar a dar vida aos seus
personagens na tela. Qualquer conselho que você possa me dar sobre o meu
será recebido com gratidão. Sempre foi meu sonho e gosto de pensar que
alguns sonhos se tornam r ealidade.
Ela icou muito triste por Adam ter con iado a seu pai seu tr abalho mais
querido. Ela sabia que Henry provavelmente nem se deu ao trabalho de le -
lo.
Uma das poucas coisas que Robin levou antes de fugir de sua casa em
Londres foi a caixa de cartas de aniversario que ela escre via secretamente
para Adam todos os anos. Ela ainda sentia falta dele – e de Bob – todos os
dias. Ela releu aquelas cartas naquela noite, junt o com o roteiro de Adam, e
uma nova ideia se formou em sua cabeça. A ideia parecia muito maluca no
inıcio, mas ela percebeu que havia uma maneira de reescrever a historia de
sua propria vida e proporcionar a si mesma um inal mais feliz do que o que a
vida havia escolhido at e enta o.
AÇ O
Palavra do ano :
Prezado Adam ,
aniversário, porque não duramos tanto. Agora mor o em uma casa de palha
na Escócia e você está e m
queria escrever uma carta para você. Guardarei est a para mim, junto com
todas as outras cartas secreta s de aniversário que escrevi ao longo dos anos.
Eu se i que pode parecer loucura, especialmente agora qu e
Em primeiro lugar, queria pedir desculpas pela s mentiras. Todas elas. Cresci
cercada por livros e
espero que você entenda, mas não poderia falar sobr e eles com você .
que pudéssemos nos concentrar nos nossos. Há ano s que não falava com
Henry, liguei para ele e ped i
concebido para ser apenas uma adaptação. Achei qu e isso levaria ao sucesso
com seus próprios roteiro s,
preocupo por ter matado seus sonhos. Henry uso u você como uma forma de
tentar se aproximar d e
mim. Ele não estava nem um pouco interessado e m mim quando eu era
criança. Mas acho que su a
própria mortalidade o fez perceber que eu poderi a ser útil como adulta –
alguém para cuidar de seu s preciosos livros quando ele se fosse. Meu pai se
ficar cego pelas luzes artificiais da cidade, mesm o que elas nunca possam
brilhar tanto quanto a s
coisas são diferentes. E como às vezes as coisas e pessoas que pensamos que
precisamos são aquela s das quais deveríamos ficar longe. Meu cabelo est á
mais grisalho do que loiro ultimamente – não vou a o cabeleireiro desde que
saí de Londres, e ele cresce u muito. Eu uso em tranças para evitar muito s
emaranhados e nós. Sinto falta de nossa casa, d e nós e de Bob, mas acho
que as Terras Altas d a Escócia combinam comigo. E percebi que tenho mai
s em comum com meu pai do que costumava admitir , até mesmo para mim
mesma .
comprou tudo neste vale, juntamente com a antig a igreja e a casa de campo,
antes de eu nascer. O laird escocês de quem Henry comprou o terren o
tinha muitas dívidas de jogo, por acaso, era fã do s livros de Henry, então o
vendeu por uma quanti a
mais próximo alguns anos depois, para poder fechá - lo. Ele só queria paz e
sossego e ficar sozinho .
Completamente sozinho .
usado durante meio século – mas ele o fez mesm o assim. Ele era um homem
que sempre fazia o qu e queria e conseguia o que queria. Quando a
ficar longe o fizesse. Por que ele queria viver um a vida tão solitária,
escondido do mundo em auto -
finalmente entendi .
Não tenho quase nada, mas quase tudo qu e preciso. O amor do meu pai pelo
bom vinh o
falta das nossas palavras do dia e das palavras d o ano. Não como muito bem
– hoje em dia gosto u m
Pode ser difícil sair da sombra dos pais quand o você herda os sonhos deles.
Muitas vezes escrev i
histórias quando criança, mas o lugar de Henr y sempre foi grande demais
para ser preenchido .
Além disso, ele me disse desde cedo que achav a que eu não conseguiria
escrever. Nunca pensei qu e seria capaz de escrever um livro inteiro, mas o s
sonhos só podem se tornar realidade se ousarmo s sonhá-los. Minha
autoconfiança me divorciou muit o
me forçou a viver em sua sombra fui eu. Eu poderi a ter saído quando
quisesse se não tivesse tanto med o
de ser vista .
cantando e observo os morcegos voando e voando alt o no céu, até ficar tão
frio e escuro que tenho qu e
Ainda não consigo acreditar que você deu a ela me u anel de noivado. Ou
que ela gostaria de usar alg o
que já foi da sua mãe e depois meu. Mas rouba r coisas que pertencem a
outras pessoas parece se r
um hábito dela. Ela é o tipo de mulher que esper a algo em troca de nada e
pensa que o mundo te m
uma dívida com ela. Ela estava sempre lendo revista s na hora do almoço –
nunca livros – e gostava d e
recusaria um fim de semana grátis fora. Foi qua se fácil demais fazer você
vir aqui .
matar vocês dois, tentando não pensar nisso. Minh a variedade pessoal de
fúria sempre fo i
notar. Parece bobagem agora, mas nunca percebi ante s como vocês dois são
parecidos. Parece que passei a
Acho que meu novo livro é bom e você está nele . RockPaperScissorstem
tudo a ver com escolha s.
precisará fazer a sua. A única coisa boa de perde r tudo é a liberdade que
advém de não ter mais nad a a perder .
Eu sei como parece. Mas dez anos e muito tempo para se casado, e o deles ja
havia chegado ao im. Eu nao achava que fosse possıvel ser gentil demais – a
gentileza deve ser uma coisa boa –, mas Robin era o tipo de pessoa que
convidava as pessoas a pisarem nela: seus coleg as, seu marido, eu. Na
cabeça dela, ela fez amizade comigo por pena quando comecei a trabalhar
como voluntaria no Battersea Dogs Home. Mas a verdade e que ela
precisava de uma amiga mais do que eu. Nunca conheci uma mulher mais
solita ria.
Desde a primeira vez que conheci meu marido, ele era como uma
coceira que eu nao resisti a coçar. Fiquei muito tempo a mar gem,
Foi o melhor para todos e estavamos felizes... Adam e eu. Ainda estamos.
Talvez nao tao felizes quanto estavamos, mas posso consertar isso. Este im
de semana deveria ter ajudado, mas agora percebo que f oi um grande erro.
Nao importa. Tenho certeza de que lidar com sua e x maluca so vai
aproximar Adam e eu novamente. E ela e louca. Se ant es eu tinha alguma
duvida, agora tenho cert eza.
Digo isso a mim mesma enquanto estamos no topo da es cada, olhando para
a foto do dia do casamento deles na parede. Ambos esta o sorrindo para a
camera. Como sempre, me pergunto o que meu marido ve. Ele ve o rosto de
alguem de quem sente falta? Ou e apenas um borrao que ele nao consegue
reconhecer? Ele acha que ela e linda? Ele olha para a foto e acha que eles
icam bem juntos? Ele gostaria que eles ainda e xistissem?
mim e do meu corpo do que Robin jamais fez... fui a academia e me esforcei
mais com minha aparencia quando tive alguem para icar bonita. Fizemos
isso em todos os comodos da casa que sua ex -mulher havia reformado com
tanto carinho – sempre ideia minha – um exorcismo dos fantasmas do
casamento deles. E, ao contrario de tant os casais, Adam e eu parecıamos
nunca parar de conversar. O mundo dele me fascinou – as viagens a Los
Angeles e as celebridades que ele conheceu nas leituras, tudo parecia tao...
emocionante. Adam gostava de falar sobre si mesmo e sobre seu trabalho
tanto quanto eu gostava de ouvir, entao foi uma boa combinaçao. Nos nos
casamos assim que o divorcio foi inalizado. Foi um evento pequeno e muito
particular. Na o me importei que estivessemos so nos dois no cartorio
naquele dia, na o achei que precisassemos de mais ninguem. Eu ainda nao
sei.
Se Robin realmente esta por tras de tudo isso e esta planejando algum tipo de
vingança, entao estou consideravelmente menos assustada do que antes. Eu
sou mais esperta que ela. Muito mais fort e tambem, tanto mental quanto
isicamente. Se esta for a sua maneira de tentar reconquistar o marido, nao
funcionara. Ninguem quer icar com uma mulher louca, e acho que e seguro
presumir que foi isso que ela se t ornou.
—Tudo bem —responde Adam, sem muita convicçao. E como se ele tivesse
entrado em choque.
Volto para o patamar, mas abro a porta errada por eng ano... estavam todas
trancadas quando chegamos ontem a noite, a torre do sino, o quarto da
criança – e agora vejo o que deve ser o quart o principal – o quarto de Henry.
Ha uma cama grande no meio, como voc e poderia esperar, mas o que eu nao
teria previsto e nunca vi em um
quarto antes, sao todas as vitrines de vidro que cobrem cada uma das paredes
do chao ao teto. Ao contrario de outras partes da casa, essas estantes nao
estao cheias de livros. Em vez disso, eles esta o abarrotados de pequenos
passaros esculpidos em madeira. Quando dou um passo mais perto, percebo
que sao todos tordos. Deve hav er literalmente centenas deles, todos iguais,
mas diferent es.
— Este lugar ica cada vez mais estranho. Vamos — eu digo novament e.
dormimos ontem a noite. Eu gostaria que ele nao tivesse feito isso. A
presença de Robin tambem e claramente visıvel aqui. Ha um quimono de
seda vermelha cuidadosamente arrumado em cima dos lenço is brancos da
cama.
—O que isso quer dizer? —Digo, mas e uma pergunta estu pida,
Ele desvia o olhar e eu sigo seu olhar. Tres palavras foram es critas no
espelho acima da penteadeira, com batom v ermelho:
ROCK PAPER SCISSOR S.
SED A
Palavra do ano :
Prezado Adam ,
Tenho escrito cartas para você no nosso aniversári o desde que nos casamos,
mas esta é a primeira qu e
vou deixar você ler, e sugiro fortemente que você lei a sozinho antes de
compartilhar qualquer conteúdo. A ideia de finalmente ser completamente
honesta é boa . A primeira coisa que quero que você saiba é qu e
que você estivesse morto. E confesso que fiz i sso por um tempo. Você me
machucou muito .
Faz exatamente doze anos que nos casamos, e m um ano bissexto, em 2008.
Você já deve saber qu e
por ele: queria que você me amasse pelo que era. E u nunca quis que ele
tivesse qualquer controle sobr e
apenas uma vez, isso me fez sentir em dívida co m aquele monstro de uma
forma que eu nunca, jamai s quis estar. Não espero que você entenda, mas,
po r favor, saiba o quanto eu amei você por fazer isso .
A retrospectiva tende a ser mais cruel do que gentil . Olhando para trás
agora, talvez se você soube sse
escritor de terror, mas na vida real era uma coleçã o de frases inacabadas.
Ele intimidou minha mãe at é
criança levou a uma falta de crença em mim mesm a por toda a vida. Sua
falta de interesse me fe z
falta de amor fez com que eu nunca fosse fluent e em afeto, exceto com
você. Às vezes penso que el e teria me mantido em uma gaiola se pudesse,
com o
seu coelho. E como minha mãe. A Capela Blackwate r era a jaula dela e eu
nunca quis que fosse minha .
Henr y
aniversário e eu tinha apenas nove anos naquele ano . Ele nunca se chamou
de pai, então eu também não .
Nada do que fiz quando criança foi bom o
suficiente. Somos o eco dos nossos pais e às veze s eles não gostam do que
ouvem. Percebi que a únic a maneira de ter vida própria era afastar meu pa i
sendo observada durante toda a minha vida, porqu e estava. Saí de casa aos
dezoito anos, mudei me u
estava morrendo .
Tudo o que fiz desde então por você e por nó s. Escrevi um livro, na verdade
dois, ambos e m
nome de Henry. Ninguém mais sabe que ele est á morto ou precisa saber.
Aqui está a proposta d o último livro :
todos os anos a esposa escreve uma carta ao marid o que nunca o deixa ler.
Um registro secreto de se u
Soa familiar ?
É uma combinação do seu roteiro e das carta s secretas que tenho escrito
para você todos os ano s desde que nos conhecemos. Mudei alguns nomes, é
claro, misturei ficção com fatos, mas acho que voc ê vai gostar do resultado.
Eu gosto. Quando Henr y
Meu plano não é tão louco quanto pode parecer . Pode ser bom para você e
para nós. Sinto falta d e
mais sinto falta. E a versão de nós para a qual e u gostaria que pudéssemos
encontrar o caminho d e
Henry, além de ele ser meu pai. Ele contratou u m investigador particular
durante anos para ficar d e
Um investigador particular que sabia que voc ê estava tendo um caso antes
de mim .
Que sabia coisas que eu não sabia e que voc ê ainda não sabe .
Samuel Smith. Ele ainda acha que meu pai está viv o – assim como o resto
do mundo, mas, tirando aquel a grande falta, ele parece muito bom no que
faz .
e eram ao mesmo tempo fascinantes e tristes de ler . Ele não apenas nos
seguiu, ele seguiu qualque r
que nós um sobre o outro. Pensei muito se deveria o u não compartilhar essa
informação com você. Não m e
traz felicidade causar dor a você, mas como di sse no começo, eu te amo.
Sempre amei, sempre amarei . Sempre sempre, nem quase sempre, com o
costumávamos dizer. É por isso que tenho que lh e contar a verdade. Tudo
isso .
sempre fazia perguntas sobre você. Você sempre fe z parte do plano dela.
Seus caminhos se cruzara m
pergunta que ninguém quer fazer ou responder, ma s até que ponto você
realmente conhece sua esposa ?
Amelia Jones – como era chamada antes de você s se casarem – tem mentido
para você desde o
uma série de lares adotivos enquanto crescia e qua se sempre estava com
problemas. A certa altura, el a
morava no mesmo conjunto habitacional que você. El a até frequentou a
mesma escola por alguns mese s,
quando vocês dois tinham treze anos. Foi quando el a passou de furto em
lojas para passeio. Amelia er a suspeita de roubar sete carros, antes de ser
pre sa sob suspeita de causar morte por direção perigosa . A polícia a
interrogou sobre um atropelamento, ma s
ela era menor de idade e sua mãe adotiva apresento u um álibi – algo que a
mulher mais tarde confesso u
convencer .
de novo. Talvez ela sentisse remorso genuíno pelo qu e havia feito? Talvez
ela se sentisse culpada po r
escapar impune? Talvez seja por isso que ela t e seguiu durante anos, e
elaborou um plano para se aproximar de você, através de mim? Talvez d e
compensar o que fez. Você terá que perguntar a ela . Eu sei que menti para
você sobre meu pai, ma s
pelo menos minhas mentiras foram para proteger voc ê e a nós. Nada do que
você pensa que sabe sobr e
Amelia é verdade. Sua esposa foi a culpada pel a morte de sua mãe quando
você era criança, e ach o que é justo que você saiba disso antes de toma r
dizer a Amelia que você sabe a verdade, mas tom e cuidado, ela não é a
mulher que você pensa que é .
menos de acreditar, mas no fundo, você não senti u sempre que algo não
estava certo com Amelia? A primeira vez que você a conheceu, quando ela
chego u em nossa casa sem ser convidada, alegando ter tid o um encontro
ruim, você a descreveu como uma atriz . Acontece que suas primeiras
impressões estava m
certas. Encontrei o caderno ao lado da cama onde el a anota cada detalhe dos
seus pesadelos. Você já se perguntou por que ela faz isso? Tenho certeza d e
que ela disse que era para tentar ajudá-lo a se lembrar do rosto de quem
matou sua mãe, ma s
talvez fosse para garantir que você nunca o fizesse ? Não é de admirar que
ela precise de comprimido s
para ajudá-la a dormir à noite, a culpa que ela dev e sentir manteria qualquer
um acordado .
Opção dois - PAPEL: Você sai de lá sozinho e vem me encontrar com Bob
na cabana. Estamo s
esperando por você e não quero nada mais do qu e estarmos todos juntos
novamente. Voltarei par a
finalmente conseguirá fazer seu próprio roteiro. Voc ê não precisará mais
adaptar o trabalho de ninguém e poderá passar o resto da vida escrevendo
sua s
próprias história s.
A escolha é sua. Eu sei que o que estou pedind o para você decidir parece
difícil. Mas é realmente tã o fácil quanto uma pedra, papel e tesoura, se você
se lembrar de como jogar .
Sua Robi n
xx
Estamos no quarto que foi feito para se parecer com o que dividimos em
casa, aquele que redecorei quando Robin se mudou. S o que agora as coisas
estao ainda mais estranhas do que eram antes. Na o era assim que eu
esperava que este im de semana fosse. Eu ja tinha decidido terminar o
casamento se a viagem nao corresse bem... f alei com um advogado e um
consultor inanceiro, que sugeriram que uma apolice de seguro de vida
poderia ajudar-me a conseguir o que mer ecia num acordo de divorcio. Eu
queria dar uma ultima chance as coisas, mas estou começando a desejar ter
acabado de sair. Ja encontrei um
esperava que nao chegasse a esse ponto. Eu esperava que este im de semana
pudesse nos consertar. O corretor de imoveis esta guardando o apartamento
para mim ate a semana que vem, diz que posso me mudar imediatamente se
quiser, entao sempre soube que apenas um de no s poderia voltar para a casa
que sempre foi a casa deles.
Sempre fui assombrada pela morte dos meus pais porque a culpa foi minha.
Se minha mae nao estivesse gravida de mim, ela nao estaria no carro e meu
pai nao a estaria levando para o hospital quando um caminhao bateu neles.
Se Adam nao tivesse me conhecido, sua vida tambem teria sido muito
diferente. Temos muito em comum, mas nos sentimos mais distantes do que
nunca. Observei Adam por anos. Seu sucesso – e a internet – tornaram isso
facil. Tentei ser uma boa esposa para ele, mas ele ainda parece me ver como
a pessoa ruim e ela como a sortuda. Eu tentei faze-lo feliz. Ha muito tempo
que venho t entando reparar coisas que aconteceram no passado. Tornei-me
tantas verso es diferentes de mim mesma tentando agradar outras pessoas,
que nao sei mais quem sou. Preciso me concentrar no futuro agora. Meu. A
expiaça o
realmente encontr a.
— Por que Robin escreveria “pedra, papel e tesoura” com bat om vermelho
no espelho? —Eu pergunto, me perguntando se a ex de A dam tem um
historico de problemas de saude mental dos quais eu nao t enho
conhecimento. Observo enquanto ele começa a andar pelo quart o,
parecendo um pouco perturbado. — Por que ela nos enganaria par a virmos
para a Escocia? Por que ela manteria a identidade do pai em segredo por dez
anos e depois nao contaria a ninguem quando ele morresse? E por que ela
roubaria nosso cachorr o...
— Bem, imagino que voltar para casa mais cedo no nosso aniversario e
encontrar o marido na cama com a melhor amig a provavelmente foi muito
perturbador .
— Pelo que parece, acho que o navio partiu. Voce pode quer er icar por aqui
relembrando sua adoravel primeira esposa, mas quem quer que Robin tenha
sido, parece bastante claro para mim que ela agora e uma psicopata em
tempo integral. Acho que podemos pr esumir com segurança que foi o rosto
dela que vi olhando pela janela ontem a noite. Ela devia estar por tras de
todas as coisas estranhas que aconteceram desde que chegamos, tentando
nos assustar. Ela provavelmente desligou deliberadamente o gerador
tambem, t entando nos congelar ate a mort e...
Suas palavras nao fazem sentido a princıpio, como se ele estiv esse falando
em lı nguas.
—O que ?
— Voce percebe que Robin provavelmente e quem voce viu na casa de palha
na mesma rua? Aposto que ela ainda esta la agora, e acho
que e hora de conversarmos com ela. Voce pode estar com medo da sua ex-
mulher, mas eu na o.
—Estou com medo —diz ele, e isso e a menor atraçao que ja senti por meu
marido. Uma pequena parte de mim acha que eu dev eria deixa-los
sozinhos... eles se mer ecem.
—E Robin, lembra? Sua doce primeira esposa que nao conseguia matar uma
ar anha?
— Mas se ela tem vivido aqui sozinha nos ultimos dois anos… as pessoas
podem mudar .
Antes que ele possa responder, isso acontece novamente, o som de batidas
tao alto que e como se houvesse um gigante tentando entr ar naquelas
grandes portas goticas da igreja. A expressao de medo no rosto de Adam
transforma a minha em raiva. Eu nao tenho medo de la.
meu marido pode ser infantil. A maneira como ele volta a versa o
infantil de si mesmo sempre que a vida ica muito barulhenta costumava ser
cativante. Isso me fez querer protege-lo. Minhas impressoes digitais estao
em todo o seu sofrimento, eu queria limpa -lo e começar de novo. Agora, eu
so queria que ele fosse homem.
Estou enlouquecendo.
Hesito antes de tentar a maçaneta da porta e sinto uma peq uena sensaçao de
alıvio quando ela esta tr ancada.
Bato na porta quando ela nao responde, entao perco a paciencia e a chamo
de todos os nomes pelos quais ela merece ser chamada.
Robin nao diz uma palavra, mas sei que ela ainda esta la. Sua sombra nao se
mov e.
Levanto a carta mais alta, para que ela nao possa ve -la.
Não foi por acaso que Amelia começou a trabalhar em Batt ersea… Quando
chego a segunda pagina, meus dedos começam a tremer . Seus caminhos se
cruzaram quase trinta anos antes, mas você não
Sinto-me doent e.
E difıcil nao reagir quando voce le algo assim sobre a mulher com quem
voce e casado. Amelia parece sentir que algo esta muito err ado.
levanto e vou ate um dos vitrais. Nao consigo olhar para o rosto de Amelia
agora. Estou com medo do que posso ver .
Eu sabia que esse caso era um erro desde o inıcio, mas as v ezes pequenos
erros levam a erros maiores. Robin nao era apenas minha esposa, ela era o
amor da minha vida e minha melhor amiga. Eu na o apenas quebrei o
coraçao dela quando a traı, eu quebrei o meu pro prio. Os erros de
julgamento se alinharam como dominos depois disso, cada um derrubando o
seguinte. Quando as pessoas falam em se apaixonar , acho que tem razao, e
como cair e as vezes quando caımos podemos nos machucar muito. Nunca
foi realmente amor com Amelia. Foi um simples caso de luxuria nas roupas
do amor. Ate que tornei as coisas ainda piores do que ja estavam, ao me
casar com uma mulher com quem nao tinha nada em comum.
Talvez tenha sido uma crise de meia idade? Lembro-me de me sentir tao
deprimido com meu trabalho. Minha carreira estav a estagnada, eu nao
conseguia escrever e me sentia... vazio. Minha esposa parecia tao
decepcionada comigo quanto eu comigo mesmo. Mas essa linda nova
estranha agiu como se o sol brilhasse na minha bunda de meia-idade, e eu
caı nessa. Ela veio ate mim e eu iquei muito lisonjeado
e patetico para dizer nao. Meu ego teve um caso e minha mente estav a
confusa demais para saber que nunca deveria ter sido nada mais do que isso.
Isso nunca deveria ter acont ecido.
Ela encontrou o anel de noivado que Robin havia deixado par a tras e deu
inumeras dicas sobre o quanto ela queria usa-lo, mesmo que nunca fosse
perfeito para seu dedo. Sempre muito apertado. Ela me intimidou para que
assinasse os papeis do divorcio assim que eles chegaram e reservou o
cartorio – o mesmo onde Robin e eu nos casamos – para um casamento
rapido, sem sequer me avisar primeir o. A mulher fez chantagem emocional
como um carteiro zeloso. Um segundo casamento foi o resgate que eu nunca
deveria ter pago.
Algo parecia errado desde o inıcio, mas pensei que estava faz endo o que era
melhor para todos os envolvidos: cortar os velhos ios solt os que podem
causar o desmoronamento de um novo relacionamento. E u era muito
estupido ou vaidoso para prestar atençao aos alarmes que soavam dentro da
minha cabeça. Aqueles que todos ouvimos quando estamos prestes a
cometer um erro, mas as vezes ingimos que na o.
opçoes caso quisesse deixar Amelia. Mas esta carta. A ideia de que ela
estava no carro que matou minha mae e depois passou todos esses anos nos
espionando, tentando se aproximar de mim... isso nao pode ser r eal.
Certamente Amelia nao e capaz disso?
Ainda nao consigo olhar para Amelia. Minha mente esta muit o ocupada
preenchendo os espaços em branco que suas palavras na o pr eenchem.
—Voce costumava roubar carros? —Pergunto a ela, com uma v oz que nao
parece a minha.
Amelia nao responde, mas sua respiraçao esta icando mais alta
atras de mim. Eu ouço ela respirar fundo enquanto ela se levanta e começa a
se aproximar. Eu gostaria que ela nao izesse isso, mas me viro para encara -
la.
—Voce foi presa por morte por direçao perigosa quando nos dois tınhamos
treze anos?
— Acho que voce precisa se acalmar — ela resmunga, girando o anel da
minha mae no dedo. Um tique nervoso. Uma dica. Olho para a sa ira,
brilhando na penumbra, como se quisesse me provocar. Uma pequena mas
bela rocha azul. Esse anel nunca deveria estar na mao de Amelia.
—Voce foi dar um passeio na chuva uma noite? —Eu pergunt o. —Nos dois
precisamos icar calmos e... conversar .
dela.
—Adam, eu...
Eu olho para cima e olho para o rosto de Amelia. Pela primeir a vez, parece
familiar para mim. Ela tira o inalador do bolso e começa a entrar em panico
ao perceber que esta v azio.
— Voce era a pessoa que estava no carro na noite em que m inha mae foi
morta? — Eu pergunto, lutando contra as lagrimas em meus olhos.
—Eu te amo.
— Foi voce? — Amelia balança a cabeça e começa a chor ar tambem. —
Como voce pode esconder algo assim de mim? Por que voc e nao me contou
quem voce era? Isso e... doentio. Você é doente. Nao h a outra palavra para
isso. Tudo sobre voce, nos, e... mentir a.
Ela nao consegue respirar. Eu ico olhando para ela, sem saber mais o que
fazer, ou dizer, ou como reagir. Parece um dos meus pesadelos: nao pode ser
real. Apesar de tudo, meu instinto e ajuda -la. Mas entao ela fala de novo, e
eu so quero fazer uma coisa: calar a boca. Dela. A cima.
—Eu... nao sou a unica que... mentiu. —Nao sei o que meu rost o faz quando
Amelia diz isso, mas ela da um passo para tras. — Desculpe. Eu sempre...
quis fazer voce... feliz —ela sussurra, com falta de ar .
—Bem, voce nao fez isso. Eu nunca fui realmente feliz com voce .
Entao vejo claramente o rosto de Amelia pela primeira vez. E assim que faço
isso, tudo muda, escurece e se transforma em algo feio e desconhecido. Seus
olhos icam subitamente arregalados e selv agens enquanto eles percorrem a
cozinha. Tudo acontece tao rapido. Muit o rapido. Sua mao deixa cair o
inalador, em vez disso, alcança o bloco da faca. Ela esta vindo para mim
com uma lamina brilhante. Mas enta o outro rosto aparece atras da minha
esposa, e vejo outro brilho de metal, desta vez e uma tesoura extremamente a
iada.
TESOUR A
Palavra do ano :
pessoa .
16 de setembro de 202 0
Prezado Adam ,
Conseguimos deixar o passado para trás e voltamo s a ser uma família: você,
eu, Bob e Oscar, o coelh o da casa. Às vezes, quando você liberta algo, el e
No início foi difícil para nós dois, ao retornar a Londres, encontrar tantos
vestígios dela em no ssa
eu preferiria esquecer – mas tudo bem, agora tenh o um novo emprego: sou
escritora em tempo integral .
nome na capa, mas é meu livro, e é difícil não fica r ansiosa com a
possibilidade de as pessoas o lerem . Grande parte de nossas vidas reais foi
dedicada a este livro. Os direitos de exibição já foram vendido s
ensinam a ter medo, mas se você quer muito algum a coisa, você tem que dar
o salto .
desde criança, minha mãe comprou dois pares – u m para mim e outro para
ela. Elas eram quase tud o
vinte traduções até agora. Não me importa quem é o nome que está na capa,
sabemos que é a no ssa
Ainda me chateia que ela tenha sido sua esposa . Fiquei muito feliz quando
você tirou sua aliança d e
de safira da sua mãe da mão sem vida da Ameli a antes de partirmos. Não
porque eu o quisesse d e
saía do dedo dela, não importa o quanto eu tenta sse torcer ou puxar aquela
maldita coisa, e isso m e
Não estou dizendo que tudo é perfeito, não exist e isso. O casamento às
vezes é um trabalho árduo .
Também pode ser doloroso e triste, mas vale a pen a lutar por qualquer
relacionamento que valha a pen a
Ainda temos segredos, mas não um do outro . Sempre acho que é melhor
olhar para frente ,
já sei o que vou te dar. Embora seja eu quem usar á um vestido de noiva
novo, será para você. Tudo o
Sua Robi n
xx
Os livros podem ser espelhos para quem os seguram e nem sempre as
pessoas gostam do que v eem.
digam – baseado no livro de Henry Winter –, posso viver com isso. Lidar
com autores difıceis e muito mais facil quando eles estao mort os. Acontece
que minha esposa e tao boa em escrever historias de terr or emocionantes
quanto seu pai. Talvez nao seja surpreendente. As casas mal-assombradas
mais assustadoras sao sempre aquelas em que voce e o f antasma.
Acho que chega um ponto na vida de todo mundo em que voce s o precisa
fazer o que quer. Perseguir o sonho torna-se involuntario, e preciso, porque
todos sabemos que o tempo nao e in inito. E eu v enho perseguindo isso ha
tanto tempo, eu nao merecia alcançar meus sonhos eventualmente? Gosto de
pensar assim. Tenho o melhor emprego do mundo, mas escrever e uma
maneira difıcil de ganhar a vida com facilidade. Se eu achasse que poderia
ser feliz fazendo qualquer outr a coisa, com certeza faria isso.
Ainda penso na minha mae e na maneira como ela morreu t odos os dias. E
embora os pesadelos tenham parado, a culpa nunca desapareceu. A culpa foi
minha e nada vai mudar isso. Se eu mesmo tivesse levado o cachorro para
passear – como minha mae me pediu – ela nao estaria na rua naquela noite e
o carro nao a teria atr opelado. Mas eu, aos treze anos, iquei com raiva
porque ele viu minha ma e arrumar o cabelo, borrifar perfume, pintar o rosto
e se embrulhar no quimono vermelho como um presente gratis. Ela so o
usava quando um homem vinha passar a noite na nossa casa. Ela disse que
eles er am amigos, mas o apartamento tinha paredes inas como papel e nenh
um dos meus amigos fazia barulho assim.
Homens diferentes icavam muito. Eu. Nao. Gostava. Disso. Enta o, quando o
amigo daquela noite bateu na porta – outro rosto que eu na o reconheci, mas
tinha certeza de nunca ter visto antes –, saı furioso. E u, aos treze anos,
conheci uma garota no parque naquela noite, atras do predio onde eu
morava. Sentamos nos balanços quebrados e compartilhamos uma garrafa
grande de cidra quente. Foi a primeira v ez que bebi alcool, a primeira vez
que fumei um cigarro e a primeira v ez que beijei uma garota. Eu nao estava
com pressa de voltar para casa. Isso me fez pensar em quantas primeiras
vezes uma pessoa pode t er antes que a vida lhe ofereça apenas segundos.
A garota tinha gosto de fumaça e chiclete, ela disse que eu poderia fazer
mais do que apenas beija-la se encontrassemos um lugar par a fazer isso. Ela
me ensinou como roubar um carro – ela claramente j a havia feito isso antes
– e depois me ensinou como dirigir atras de um armazem abandonado. Ela
me ensinou a fazer outras coisas pela primeira vez tambem no banco de tras,
fazıamos nossos pro prios barulhos e eu, adolescente, pensava que ela estava
apaix onada.
Foi por isso que iz o que ela disse quando me disse para dar uma volta pela
propriedade. Lembro-me do som de sua risada e da chuv a batendo no para-
brisa tornando quase impossıvel ver. — Mais ra pido —ela disse, ligando o
radio do carro. —Mais rapido! —Ela colocou a mao na minha virilha e eu
olhei para baixo. Virei a curva rapido demais e começamos a girar. Quando
olhei para cima, vi minha ma e.
E ela me viu.
Tudo aconteceu tao rapido: o barulho dos freios freando, o carr o subindo na
calçada, o quimono vermelho da minha mae voando no ar, o barulho quando
o corpo dela bateu no para-brisa e o baque das r odas rolando sobre o
cachorro. Depois o sile ncio.
Como nao respondi, ela me empurrou para fora do carro, sent ou- se no
banco do motorista e foi embora. Alguns vizinhos saıram pouco depois e me
encontraram debruçado sobre minha mae, chorando e coberto de sangue.
Todos presumiram que eu estava passeando com o cachorro com ela quando
isso acont eceu.
Achei que nunca mais a veria, entao foi um choque descobrir que eramos
casados.
Na o.
Infelizmente, pessoas morrem todos os dias, mesmo as boas. E ela nao era
uma delas. Nenhum de nos sabe quando vamos fazer o check - out, a vida
nao e esse tipo de hotel. Eu estou feliz agora. Mais feliz do que pensei que
poderia ser novamente. Eu so quero deixar tudo par a tras e agora inalmente
posso. As vezes, uma mentira e a verdade mais gentil que voce pode contar a
uma pessoa, inclusive a voce mesmo.
Quando menino, ele era obcecado por livros de terror e policiais. Ele
devorava livros de Stephen King e Agatha Christie e sonhava um dia ser
detetive. Tornar-se um investigador particular foi o mais pro ximo que ele
chegou. Quando Sam comemorou seu quadragesimo aniversa rio sozinho,
bebendo cerveja quente e comendo pizza fria em seu apartamento em
Londres, ele fez uma con issao para si mesmo: isso nao era viver o sonho.
Mas no dia seguinte – quando Sam estava se sentindo um p ouco pior – um
homem idoso telefonou. Ele pediu a ajuda pro issional de Sam para icar de
olho em sua ilha distante. A princıpio, o velho relut ou em lhe dizer seu
nome, mas ser detetive particular era um trabalho que exigia fatos, entao
Sam teve que insistir. Eventualmente, quem ligou confessou que era Henry
Winter, e a decepcionante carreira de Sam de repente se tornou muito mais
interessant e.
Ele pensou que devia ser uma piada, talvez uma comemoraça o atrasada do
aniversario de um amigo, mas depois lembrou que na o tinha nenhum. Ler
livros era a forma como Sam passava a maior part e das noites. Seus
favoritos eram os mais assustadores, e Henry Wint er
era o rei do horror aos olhos de Sam. Ele lia as historias do autor desde a
adolescencia. Depois de veri icar alguns fatos e ter certeza de que er a o
verdadeiro Henry Winter quem estava pedindo sua ajuda, Sam icaria feliz
em fazer o trabalho de gr aça.
Nao era como se o autor idoso estivesse com falta de um ou dois centavos:
muito pelo contrario. Mas Sam ainda começou a se sentir mal com o quanto
estava cobrando dele. Seguir a ilha de Henry e icar de olho no marido era
dinheiro fa cil.
Sam gosta de pensar que ele e Henry se tornaram amigos ao longo dos anos
que se seguiram, e de certa forma isso aconteceu. Sam at e conseguiu
convencer o velho a comprar um laptop, para que pudessem enviar e-mails
de vez em quando. Ele acompanhava Robin ou o marido dela duas vezes por
semana, mais ou menos – quando eles passeav am com o cachorro, ou a
caminho do trabalho, ou as vezes ele simplesmente icava sentado do lado de
fora da casa deles em Hampstead Village – so para acompanhar as coisas.
Depois ele enviav a um relatorio mensal para Henry. Mas suas trocas nao
eram t odas relacionadas ao trabalho. Eles frequentemente conversavam sobr
e livros ou polıtica, em vez de Robin e Adam. Sam tinha muito orgulho do
fato de Henry con iar nele e acreditar nele, embora nunca tivessem se
conhecido.
Eles se falavam pelo menos uma vez por mes, entao, quando ele nao teve
notıcias de Henry por um tempo, Sam começou a icar um pouco preocupado.
Primeiro, os telefonemas pararam e nunca for am atendidos ou retornados,
mas naquela epoca Henry ainda respondia e- mails ocasionalmente. De
repente, ele icou surpreendentement e ansioso para ver fotos do cachorro e
queria saber todos os detalhes quando a casa de sua ilha fosse redecorada
depois que ela se mudasse. A camera de lente longa de Sam foi muito util
nessas ocasioes. Mas o autor nunca usou o mesmo tom amigavel de antes, e
entao toda a comunicaçao chegou a um im abrupto, juntamente com seus
pagamentos regular es.
Sam estava de olho na ilha de Henry ha mais de dez anos e icou triste
quando seu relacionamento com o autor t erminou repentinamente e sem
explicaçao. Ele bebeu mais cerveja, comeu mais pizza e so comprou o
ultimo livro de Henry Winter no dia seguinte ao seu lançamento, em
protesto. Sam era uma parte silenciosa da famı lia desde que Robin se casou
com Adam. Ele estava la quando o marido dela começou a ter um caso e
tambem se sentiu um pouco deprimido quando se divorciaram. Cavar na
sujeira do casamento deles foi um trabalho facil, mas essa nao foi a unica
razao pela qual ele fez isso por tanto tempo. Eles eram um casal interessante
para acompanhar: ele com sua escrita, ela com um pai famoso e um passado
secreto. Sam at e se apegou bastante ao cachorro deles, pois observava Bob
desde que ele era ilhotinho. Entao ele icou genuinamente triste quando as
coisas deram errado para o Sr. e a Sra. Wright .
Entrevistas em jornais com Henry Winter eram raras, mas Sam guardava
uma de alguns anos atras. Era sobre onde o autor gostava de escrever e
mostrava uma foto de Henry em seu escritorio, sentado a uma escrivaninha
antiga que pertenceu a Agatha Christie. Nao demor ou muito para Sam
descobrir de qual casa de leiloes veio a mesa. Ou subornar um entregador
para que lhe de o endereço para onde f oi en viado.
O refugio escoces de Henry era ainda mais difıcil de encontrar do que Sam
poderia imaginar. A viagem de Londres foi dolorosament e longa e lenta,
sem instruçoes, o codigo postal que lhe foi f ornecido revelou-se quase
inutil. Depois de dirigir em cırculos em busca da misteriosa – possivelmente
inexistente – Capela Blackwater, e passar por interminaveis montanhas e
lagos que começavam a parecer iguais,
Sam voltou sozinho para Hollowgrove, a unica cidade que vira em quilometr
os.
Havia apenas uma loja, estava escurecendo, Sam avistou a mulher colocando
uma placa de FECHADO na vitrine assim que o viu saindo do carro. Ele
bateu de qualquer maneira, e ela fez uma careta ainda mais desagradavel do
que a que ela estava fazendo ant es.
Ela tinha um rosto de carpa e era tao vermelho quanto seu avental. Seus
olhos redondos brilharam e ela gritou a palavra “o que ” para ele com cuspe
venenoso. Ela era claramente uma mulher boa em fazer as pessoas se
sentirem mal. Sam resistiu ao impulso de ofer ecer
Sam comprou uma garrafa de uısque caro demais – ele nao q ueria encontrar
o amigo de maos vazias – e o velho corvo lhe deu instruço es de qualquer
maneira. Quando Sam lhe deu uma nota de dez libras par a agradecer, ela
desenhou um mapa para ele.
unica pessoa sobre quem Henry realmente queria falar era sua ilha, Robin. O
distanciamento deles ainda incomodava Sam, por que claramente deixava o
velho autor muito trist e.
Robin era uma criança difıcil. Sua mae – uma romancista que Henry
conheceu em um festival literario naquela epoca – morr eu quando a menina
tinha apenas oito anos. Ela se afogou na banheir a. Robin tinha dois autores
como pais, entao provavelmente nao dev eria ser uma surpresa que ela
lutasse para separar o fato da icçao. Henry disse que ela estava sempre
inventando historias, e isso a colocava em apuros tanto no internato quanto
em casa. Ela foi suspensa uma v ez, por contar as meninas em seu dormitorio
historias sobre bruxas que sussurravam tres vezes os nomes de suas vıtimas
antes de mata -las. Tudo era apenas resultado de uma imaginaçao hiperativa
– que para ser justo, ela herdou – mas quando Henry tentou disciplina-la,
Robin cort ou o proprio cabelo uma noite com uma tesoura, deixando duas
long as tranças louras para ele encontrar em seu travesseir o.
Henry culpou a dor e a si mesmo, mas nada do que fez para t entar ajudar a
criança funcionou. Ela fugiu da Capela Blackwater muitas vezes para que ele
pudesse contar, quando tinha dezoito anos, fugiu para sempre. Durante anos,
Henry nao sabia onde ela estava, ate que Robin entrou em contato pedindo-
lhe que ajudasse seu marido. Henry gostou de Adam desde o inıcio. Ele
sempre parecia estar sorrindo quando falava sobre o homem com quem
Robin se casou. Ele na o gostou das adaptaçoes de seus livros para as telas,
mas o fato de continuar concordando com elas era uma prova do quanto ele
gostav a de Adam. Era obvio que ele passou a pensar no genro secreto como
o ilho que nunca teve. Ele achava que Adam tinha sido uma boa in luencia
na vida de sua ilha, enquanto ela estivesse feliz, ele icaria feliz em icar de
fora disso. Isso era tudo o que ele queria saber quando pediu a Sam que os
seguisse.
tambem um adeus. Ela disse que a unica coisa que ele lhe deu e que ela
realmente amou foi seu nome. A mae dela insistiu que a batizassem de
Alexandra, mas Henry nunca gostou disso, entao sempre usava o nome do
meio da criança, aquele que ele havia escolhido: Robin. Ele disse que ela
gostou muito porque a fazia se sentir como um passaro, os passar os sempre
podem voar para longe. Quando Robin voou, ela nunca mais volt ou.
Sam icou de olho nas estradas sinuosas das Terras Altas – que eram bastante
difıceis de navegar mesmo antes de escurecer. Ele tambem icava olhando
para o mapa desenhado a mao que a mulher da loja lhe dera, tentando
entende-lo. Ele notou que Patty tambem ha via anotado seu numero de
telefone. Sam estremeceu. Apesar de estar muito tempo perdido no deserto
quando se tratava de mulheres, ele preferia morrer de sede a beber daquele
poço. Quando ele saiu da estrada principal, viu que havia uma placa para
Blackwater Loch o tempo todo. Ele ja havia passado por la varias vezes
porque, pelo que parecia, a placa estava cortada. Possivelmente com um
machado. Est e era claramente um lugar que alguem nao queria que as
pessoas encontr assem.
Ele dirigiu por uma pequena trilha, evitou por pouco atr opelar algumas
ovelhas e passou por uma pequena cabana de palha a dir eita. Parecia
abandonada. Sam estava prestes a desistir, decidiu talvez t entar encontrar
um hotel para passar a noite, mas entao seus faro is iluminaram a forma de
uma velha capela branca ao longe.
foi dar uma volta pela capela. Ele esperava encontrar outra maneira de
entrar, mas, apesar dos interminaveis vitrais, nao havia outras portas. Ele
tropeçou em varias estatuas de madeira no escuro. Os coelhos e corujas de
aparencia misteriosa esculpidos em tocos de arvores antig as estavam tao
bem escondidos pelas sombras que Sam entrou direto no primeiro e
automaticamente se desculpou antes de dar um passo par a tras. Seus olhos
macabros e arrancados o izeram estremecer. Mas entao ele sentiu uma
estranha onda de alıvio – Henry havia conv ersado com ele sobre o quanto
ele adorava esculpir madeira, ele achava isso calmante depois de um longo
dia conspirando para matar pessoas – e Sam sabia que pelo menos estava no
lugar cert o.
Havia uma caixinha de vidro sobre o túmulo, do tipo que algué m guardaria
bugigangas dentro. Sam apontou a lanterna para ela e hesitou antes de se
abaixar para olhar mais de perto. Quando o fez, viu que a caixa continha três
itens. Um anel de sa ira, um grou de papel e uma pequena tesoura vintage
projetada para parecer uma cegonha. Foi o anel que chamou sua atenção, não
apenas por causa da pedra azul brilhante, mas porque ainda estava preso ao
que parecia ser um dedo humano. O vento aumentou e Sam pensou ter
ouvido alguém sussurrar seu nome novamente, três vezes. Ele não acreditava
em fantasmas, mas correu para o carro o mais rápido que pôde e não olhou
para trá s.
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Sapo no buraco é um prato tradicional inglês que consiste em salsichas em
massa de pudim Yorkhir e.
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Estar presente em algum lugar com outras duas pessoas que estão querendo
ficar so zinhas.
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