O Colecionador de Almas 3 - Cora Felix - 241121 - 185004
O Colecionador de Almas 3 - Cora Felix - 241121 - 185004
O Colecionador de Almas 3 - Cora Felix - 241121 - 185004
2024
1ª Edição
O COLECIONADOR DE ALMAS
© Todos os direitos reservados a Cora Félix
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
EPÍLOGO
LEIA OUTRAS HISTÓRIAS DE ATMAN!
GOSTA DE MONSTER ROMANCE?
SOBRE A AUTORA
TRILOGIA ATMAN
Esse livro contém cenas que podem gerar gatilhos como violência,
sexo explícito, tortura física e psicológica.
“Estarei bebendo o vinho, comendo a carne e conhecendo o calor da mulher
quando de você não restarem nem os ossos."
A Hora das Bruxas
Anne Rice
Para vocês, que amaram cada parte do mundo Atman como eu amei.
Venha, criança, olhe para mim.
De um sítio a outro, será que é o fim?
Carrega nos ombros o peso da liberdade
Apesar de estar presa, já não sente saudade.
Ao sair para cumprir seu mandato, se mistura à realeza
Com seu poder e paixão, perderá a pureza
De encontro à escuridão, o dourado irá entremear
Para dentro da escuridão, o amor semear
Com isso, a fenda estará aberta
E o futuro do mundo fará parte da oferta
Mas, cuidado, criança, o mal é atento
Por você e sua alma, ele estará sempre sedento
O filho do submundo será um pecado
E enquanto não te tocar, não estará sossegado
Mas o mau, criança, poderá ser domado
Pela força de um ser apaixonado
Então, fique atenta ao mundo das almas
Pois o futuro, criança, estará nas suas palmas
PRÓLOGO
Querida mãe,
Rezo aos deuses que essa carta chegue até você. Sei que a névoa
chegou à Fhár, mas creio que a escuridão não tenha sido misericordiosa
com minha terra.
O Sul está mergulhado em neblina, fome e desespero. As pessoas
estão tentando ser assistidas, mas cada vez mais as vilas são tomadas pelas
criaturas. Os habitantes chegam aos montes, famintos e em luto pelos
amados perdidos, na vila principal de Dhárg. O castelo não comporta mais
pessoas e tentamos distribuir toda a nobreza nos pequenos casarões e
castelos menores.
Nossos soldados merecem medalhas e louros, mas não há um dia que
se passe sem termos baixas. Heth faz o possível para ajudar o próprio
povo, mas as criaturas tomaram as estradas e precisamos de cada vez mais
homens para dispersá-las.
Em meio a tudo isso, sinto que sou egoísta.
Minha preocupação materna me diz que às vezes Adhara passa dos
limites. Ela ainda insiste em acompanhar as comitivas de ajuda. Sinto
orgulho mas, ao mesmo tempo temo pela minha filha, que nasceu pura de
coração e, por isso, parece ser perseguida por essa escuridão que se
alastra pelos reinos.
Nos ajude, mãe. Peço não só como a rainha de Dhárg mas,
principalmente, como filha e esposa, desesperada ao ver o marido perder
as terras de nosso povo, banhadas em sangue.
Carinhosamente,
Liuva
CAPÍTULO 1
Tudo ali era branco. Desde a neve amassada pelos cascos da égua até
as copas das árvores em meio ao céu nublado.
Adhara sentia o ar gelado bater em seu rosto conforme o animal
percorria velozmente àqueles campos que um dia foram mais verdes,
mesmo com a neve predominando sobre as paisagens do Sul. O frio era de
gelar os ossos, mas aquilo nunca a incomodou antes. A baixa temperatura
era parte de estar em casa, onde considerava seu lar… mas atualmente…
Era praticamente insuportável.
Engoliu em seco, sentindo a garganta arranhando. Já estava correndo
há um bom tempo…
E a criatura não desistia.
Olhou para trás, vislumbrando os cabelos castanhos como apenas um
ponto escuro em meio a tanto branco, parecendo chamar a atenção mais do
que devia. Adhara fincou os calcanhares nas costelas de Nyra e fechou os
olhos quando o animal relinchou. Não gostava de exigir tanto da égua, mas
com tamanha quantidade de neve até mesmo os cavalos sulistas, resistentes
ao clima, cansavam-se mais rápido.
Adhara inclinou-se em direção às orelhas de Nyra.
— Prometo que depois dessa empreitada, você descansará até o
inverno passar…
O animal relinchou de novo e a princesa conteve um sorriso. A égua
parecia saber que nunca teria descanso e, mesmo assim, gostava daquela
possibilidade. A princesa e ela entendiam-se em meio aos mais simples
gestos. Afinal, quando cavalgavam, eram uma só.
Adhara puxou a flecha da aljava e virou parcialmente o corpo para
trás. Não tinha tempo para mirar e nem precisava. O olhar acostumado ao
arco seguiu a mancha escura na neve com precisão antes que soltasse a
corda.
A flecha voou e acertou o alvo, sangue escuro manchando a neve. A
criatura mostrou os dentes em revolta e caiu, mas a princesa sabia que teria
de terminar com aquilo. Por isso, cutucou o pescoço da égua, que entendeu
o toque e desacelerou até parar em meio à vastidão branca.
Os olhos verdes de Adhara correram pela neve até alcançar a criatura
caída. A égua fez o caminho de volta, aproximando-se com cuidado, até
chegar perto o suficiente para a princesa descer da sela e verificar.
O monstro estava morto. O sangue fétido e escuro manchava a neve, a
pele esticada e sem pelos já não se movimentava. Só então ela respirou
fundo, o cansaço e um desânimo estranho a tomando.
Ao dar as costas, escutou um rosnado. Virou-se com rapidez para
olhar a criatura que havia derrubado, mas o som não vinha dela, mas sim de
um outro vulto que parecia observá-la, afoito pela carne ofertada.
Adhara engoliu em seco. Odiava aqueles seres bestiais. Não possuíam
olhos, mas pareciam fitá-la com fome interminável, sempre que a princesa
se deparava com elas. Logo veio outro rosnado.
Correu os olhos verdes pela neve, encontrando novos pontos escuros.
— Merda…
Adhara deixou o arco cair e pegou as adagas presas às coxas. Não
sabia se seria prudente tentar fugir. Nyra estava cansada, parecia inquieta e
estressada por causa da presença daqueles monstros. Sacrificá-la ainda mais
estava longe de ser uma opção.
Um grito rasgou o ar. Dois. Adhara se conteve para não jogar as
adagas na neve e tampar os ouvidos. O barulho vindo daquelas bestas lhe
dava arrepios e ânsia de vômito, mas nunca soaram daquela maneira.
Pareciam desesperados… e com medo.
Curvaram-se em outra direção, farejando o ar. Mais daqueles sons
ecoaram de suas bocas. A princesa notou que, por um momento, as criaturas
pareciam relutantes. Depois de um tempo, viraram-se para leste e correram
na direção oposta de onde as vilas ficavam, enfiando-se em meio as árvores
densas das florestas e deixando-a só. Ela ficou quieta, o som da sua
respiração e de Nyra se mesclando aos gritos distantes dos monstros, que
diminuíram até restar o silêncio.
— O que foi isso?!
A égua olhou para um ponto distante e Adhara a acompanhou,
tentando encontrar o que lhe chamou a atenção. Depois de um tempo, um
manto escuro cortou a neblina. A garota precisou semicerrar os olhos para
enxergar melhor quem vinha, o corpo em alerta. Desde que as criaturas
tomaram a região, Dhárg vinha sendo invadida por ladrões. Como estava
longe do perímetro de segurança delimitado pelo pai, precisava ter o dobro
de atenção.
Era um homem. Mesmo que estivesse coberto por um manto escuro,
ela percebeu que andava com uma calma que há muito Adhara não via em
viajantes por aqueles lados. Possuía a postura ereta e uma confiança
incomum para alguém que estava cercado por neve e frio. Ao se aproximar
mais, a princesa percebeu que era mais jovem do que havia suposto. Tinha
o semblante sério e a pele pálida, os lábios e os olhos eram delineados,
como opostos à claridade de onde se encontravam, atentos ao menor
movimento.
Ela sentiu o coração martelar dentro do peito e a pele se arrepiar.
Corra, a mente parecia lhe dizer. Mas não conseguia se mover. Enquanto
isso, o coração agia de forma contrária, acelerando à medida que se
aproximava.
Desde criança, Adhara sentia as pessoas. Não que isso fosse
relevante, mas parecia captar a energia daqueles com quem convivia e,
mesmo que esta fosse densa, acabava por misturar-se a ela, buscando assim
encontrar a bondade em cada parte. Mas a daquele homem era diferente de
tudo o que já havia sentido. Adhara estava com dificuldade em descobrir se
gostava ou queria fugir dela.
O desconhecido parou diante da princesa e esboçou um sorriso de
lado que o deixou ainda mais jovem, com uma covinha aparecendo. Possuía
uma beleza parecida com a dos príncipes dos reinos que ela havia visitado,
na época em que podia viajar e comparecer aos bailes, antes do Declínio.
Mas, ao mesmo tempo, havia algo diferente ali, que o fazia ser único.
Adhara continuou o observando, tentando definir aquilo… Sim, eram
os olhos, que denotavam perigo, mesmo quando o rosto expressava
tranquilidade.
— Está perdida? — A voz aveludada a arrepiou.
Mesmo soterrada pela neve, a princesa conhecia todas as florestas do
Sul como a palma da mão. Nunca precisou de um mapa para achar uma
estrada ou campo. Sabia que estava longe de casa – talvez por isso ele não
tenha a reconhecido, o que podia ser uma vantagem.
— O rei não irá gostar de saber que a herdeira do trono de Dhárg está
andando pelas florestas em tempos como esse.
Ele a conhecia.
— Estava caminhando — respondeu sem pensar. Não precisava dar
satisfação a qualquer um, muito menos a um estranho, tão longe do castelo
principal.
O homem arqueou as sobrancelhas e olhou para a criatura morta ao
lado dela, como se aquela cena reforçasse o perigo que corria. Adhara então
fez uma careta e foi em direção ao corpo, ignorando a presença do rapaz.
Correu os olhos pelo monstro uma última vez antes de pegar a flecha e
puxá-la do cadáver. Enfiou-a na neve para retirar qualquer vestígio de
sangue e depois guardou-a na aljava. Respirou fundo e franziu o nariz.
— Estão por toda parte… — Tentou explicar o que fazia. — Se você
é do Sul, sabe muito bem disso. — Jogou a frase no ar para ver se
respondia, dando-lhe alguma pista de sua origem, mas ele permaneceu
calado. — Apesar de nunca ter visto essas criaturas fugindo de alguém.
O sorriso do rapaz aumentou, mandando uma nova onda de arrepios
ao corpo dela, como uma advertência. Afaste-se. Adhara ignorou aquilo,
ainda sem conseguiu sair do lugar, nem mesmo quando ele se aproximou.
— Irei levá-la ao castelo principal. — Foi enfático na mensagem, sem
espaço para recusa.
Ela não conseguiu detectar sequer um sotaque característico nas
palavras dele, ainda intrigada com aquela situação.
— Não será necessário, consigo chegar sozinha.
— Está anoitecendo. — Ele olhou para cima e Adhara observou o
brilho de uma fina corrente sair de dentro do manto. — Em breve esse
campo estará infestado de criaturas.
A princesa não queria admitir, mas o desconhecido tinha razão.
Adhara não queria nem pensar no que seria dela caso as criaturas tivessem
ficado. Nunca daria conta de tantas, além de Nyra estar cansada, incapaz de
correr pelos campos à procura de abrigo.
Ao mesmo tempo, sabia que seria imprudente aceitar a escolta de uma
pessoa desconhecida. Sua mãe a mataria se soubesse daquilo, pisando em
seguida no seu corpo já morto caso soubesse de suas andanças pelas
florestas. Com relutância, ela assentiu.
— Aceito, se me deixar ir sozinha antes de chegar à vila principal.
O homem sorriu e Adhara sentiu o rosto esquentar quando os olhos
dele pareciam percorrerem-na. Ele sabia o motivo do pedido. Uma princesa
chegando no castelo com um homem desconhecido poderia gerar inúmeras
conversas descabidas, inclusive algumas que chegariam facilmente aos
ouvidos da mãe. Caso a rainha descobrisse, as criaturas poderiam ser o
menor dos seus problemas.
— Como quiser, princesa. — Ele fez uma pequena mesura. — Venha,
meu cavalo não está longe.
Adhara então chamou Nyra, que nem precisou de muito incentivo
para começar a seguir sua dona.
Depois de um tempo, a princesa deparou-se com um garanhão de
pelos escuros, parado próximo a uma árvore. Possuía a postura que apenas
um animal bem cuidado e descansado teria. Ela se conteve para não se
aproximar e avaliá-lo melhor. Amava cavalos e sempre que via um com
aquele porte, analisava-o com fascínio.
O desconhecido fez um som com a boca e o cavalo começou a segui-
los. Adhara observou Nyra, avaliando se a égua ficaria confortável com
uma companhia, mas pelo visto ela nem pareceu se incomodar com aquilo.
Provavelmente aguardava pelo descanso merecido após horas de cavalgada.
À medida que andavam, o sol descia no horizonte e a neve ficava
menos densa. O silêncio entre eles parecia sufocá-la, por isso Adhara
resolveu iniciar uma conversa.
— Você é sulista?
— Venho de um reino distante… mas considero o Sul um dos
melhores lugares para morar.
— Gosta daqui? — Adhara achou aquilo peculiar, já que há muito o
Sul não era visto com bons olhos. Havia piorado ainda mais depois do
Declínio. — Por quê?
Ele soltou o ar pela boca, uma nuvem de vapor saindo pelos lábios
carnudos.
— Me sinto em paz quando estou aqui. A neve me acalma, gosto do
frio… E dos desafios por aqui proporcionados. — Os olhos escuros a
fitaram com atenção. — Devo dizer que eles me atiçam.
A garganta dela ficou seca diante do comentário, mas forçou-se a
engoliu em seco para tirar aquela sensação.
— Bom, o que mais há no Sul agora são desafios, principalmente com
essas criaturas correndo por aí. — Ela estremeceu ao lembrar-se de como o
reino de seu pai já havia sido melhor.
— Sim, mas acredito que esteja se saindo muito bem. — Ela o
encarou, confusa por um momento. — Você é boa no arco.
Adhara então se perguntou há quanto tempo aquele homem a
observava, apesar de não ter coragem de questioná-lo em voz alta.
— Foi meu pai quem me ensinou. Desde pequena, gosto de atirar
flechas… — Aquilo soou mais como uma confissão do que resposta.
Ansiava pela volta daqueles tempos, quando seu pai possuía um
coração mais despreocupado e passava mais noites junto dela. Quando
desfrutavam de jantares em família, mesmo sem a necessidade de assuntos
significativos. Quando a mãe exibia um sorriso mais frequente, organizava
bailes e festejos para celebrar os marcos de anos da corte.
— Se me permite dizer, creio que está sendo imprudente em
reaproveitar as flechas. — A voz dele a tirou dos pensamentos nostálgicos.
Ela o fitou, curiosa. — Há veneno no sangue das criaturas.
Adhara abriu a boca para responder, até perceber que nunca sequer
havia levantado aquela hipótese. De qualquer forma, não ficou muito
surpresa em saber daquilo. Perguntou-se como aquele homem tinha aquela
informação, mas achou que a resposta talvez a desagradaria. De qualquer
forma, estavam se aproximando da vila e logo chegaria a hora de se
despedirem.
Adhara subiu o capuz para não ser reconhecida. Assim que o fez,
percebeu o homem sorrir ao seu lado.
— Bom, como prometido, estou deixando-a na vila principal. —
Adhara se virou na sua direção, sem saber como agradecer.
Ficou surpresa quando sentiu o toque repentino dele em sua mão.
Levou-a até os lábios e os encostou ali, num beijo um pouco demorado para
o padrão da corte. Adhara sentiu o lugar tocado ficar quente, mesmo sob a
proteção do couro de sua luva.
— Foi um prazer conhecê-la, princesa Adhara. — Os olhos escuros
pareciam engoli-la. — Espero reencontrá-la um dia.
Ela piscou algumas vezes, mas foi salva por Nyra, que relinchou,
impaciente pela volta para casa. O sorriso dele permaneceu ali, a covinha
aparente ao perceber o embaraço dela.
— Obrigada por me acompanhar…
O estranho fez uma pequena mesura e Adhara se afastou. Sentiu os
olhos sobre ela à medida que se misturava às poucas pessoas que estavam
nas ruas.
Desde o Declínio, os centros comerciais das vilas estavam cada vez
mais vazios. Adhara não sabia se aquilo era bom ou ruim. Por um lado,
seriam menos pessoas a fitando. Por outro, chamaria mais a atenção.
Aproximou-se da pequena estrada que a levaria para o castelo principal e
montou em Nyra outra vez, só então olhando para trás. Mas já não havia
sinal do jovem desconhecido.
Cutucou a égua com os calcanhares e o animal fez uma última corrida
até chegar ao destino. Foi recebida por um cavalariço, que já levou Nyra
para se alimentar e descansar. Adhara agradeceu e em seguida entrou pela
porta velha de madeira que levava até o salão principal, sem fazer alarde.
Acelerou o passo, mas logo se arrependeu assim que se deparou com a mãe,
parada em frente à lareira que ficava próxima às escadas.
Liuva a olhou com atenção, a expressão passando de irritada a
preocupada em pouco tempo. Adhara estava consciente da situação que
suas roupas se encontravam, a sujeira na barra do manto e a provável
palidez devido ao frio da floresta.
— Onde estava? — A mãe parecia disposta a interrogá-la.
— Nos estábulos — mentiu, sem esperar que a mãe acreditasse.
— Adhara… — Liuva suspirou. — Sabe que fico preocupada.
Caminhou até a mãe e lhe beijou o rosto quente.
— Não se preocupe, mãe. Estou em casa. — Liuva a encarou, como
se procurasse por algum machucado, ou respostas verdadeiras nos olhos
verdes tão parecidos com os do marido. — Agora preciso descansar.
Com relutância, Liuva assentiu, afastando-se.
— Não se atrase para o jantar.
A princesa correu agilmente escada acima, quase desabando no chão
assim que se viu sozinha. Nem tinha notado o quanto exausta estava até que
o senso de perigo se dissipou, deixando o corpo entorpecido e o estômago
faminto.
Embora nunca tenha sido cercada pelas criaturas como daquela vez,
havia algo que sempre a inquietava: elas pareciam farejá-la e persegui-la, de
maneira distinta, como se soubessem quem era. Tudo sempre acabava com
Adhara matando algumas delas e se afastando antes que o perigo
aumentasse.
Porém, daquela vez, algo diferente havia ocorrido.
Estremeceu e olhou para aljava, lembrando-se das palavras do
estranho. Se me permite dizer, creio que está sendo imprudente em
reaproveitar as flechas. Há veneno no sangue das criaturas. Adhara não
sabia se aquele homem estava falando a verdade, mas pegou a flecha que
havia retirado do corpo morto e a descartou no fogo da lareira, por
precaução.
A madeira banhada pelo sangue escuro chiou e um cheiro horrível
chegou ao seu nariz. Observou a flecha queimar, levando o fedor e a
maldade daqueles bichos consigo.
Só depois que se lembrou de algo importante: ela não havia sequer
perguntado o nome daquele homem.
CAPÍTULO 4
— Quero tudo perfeito antes da comitiva real chegar aqui. Seu rei está
vindo com a rainha e a princesa Adhara. Que sejam bem recebidos.
Os serviçais fizeram uma pequena mesura e se afastaram, enfiando-se
pelas portas para deixar tudo preparado aos visitantes. Zephyr não os
impediu, pois sabia que havia regras de etiqueta a cumprir e a lista seria
longa.
Ele nunca foi uma referência quanto ao quesito bondade, mas isso não
se aplicava no modo de tratar aos criados. Eras atrás, quando visitava o
mundo corpóreo livremente, percebeu que de nada adiantava ser rude com
os plebeus se quisesse alcançar a corte. Era com eles que conseguia as
informações necessárias, já que se pareciam com um bando de formigas,
tomando os corredores do castelo.
Era aquele povo, muitas vezes considerado invisível, que lhe dizia
quem ia contra suas palavras, quem trepava com quem, qual nobre
precisava de ouro, qual senhor estava endividado. Os criados sabiam o que
fazer para ser bem-sucedido, os pontos fracos dos potenciais inimigos, o
que acontecia dentro dos cômodos quando as portas se fechavam…
Zephyr precisou deles quando tomou aquele castelo e, por ter
colocado a máscara de um senhor tolerante, nunca foi questionado. Mas
mantinha a frieza e a distância para que não se aproximassem demais,
utilizando esse poder contra ele.
Gesticulou para a governanta se aproximar. Ela estava na casa dos
cinquenta anos e Zephyr podia ver as linhas fundas de expressão no rosto
envelhecido. Havia passado muitos anos dedicados aos outros, mas poucos
a si mesma.
Com certeza ela conhecia o funcionamento de um castelo como
ninguém e sabia o que fazer quando necessário. Zephyr nunca recebia
visitas e a presença da família real geraria burburinhos, muitos dos quais ela
conteria em troca de algumas moedas.
— A princesa Adhara gosta de cavalgar e da arte do arco e flecha. —
Aquela informação parecia ter pegado a governanta de surpresa, já que
estava acostumada com princesas chegando com diversos baús, cheios de
seda e veludo. — Arrume um quarto para ela com tudo o que está
acostumada.
— Mas senhor…
— Se ela quiser um arco novo, consiga. Se desejar penas vermelhas
para colocar nas flechas, traga. — Os olhos de Zephyr eram frios e a voz
firme. — Se pedir um maldito cavalo malhado para dar uma volta no
castelo, obedeça.
A governanta entendeu o recado e fez uma pequena mesura,
afastando-se dele. Teria que lidar com uma nova energia vinda da
criadagem, já murmurando pelos cantos. Eles adoravam visitas e tudo o que
poderiam receber desse encontro, como histórias, informações e um pouco
da quebra de rotina.
Permaneceu atento ao movimento de todos aqueles que o cercavam.
Caso precisasse, trancaria alguns deles nas masmorras para que não
falassem coisas indevidas.
CAPÍTULO 9
Adhara sempre teve uma relação aberta com a mãe. Quando cresceu e
soube que ser uma princesa não era apenas comparecer a jantares suntuosos
e comprar os melhores cavalos, procurou a mãe para conselhos, e encontrou
nela a melhor amiga. Liuva nunca havia ocultado nada de Adhara, além de
todos os processos diplomáticos, o autêntico encargo de uma princesa era
perpetuar o legado do pai, e para tal Adhara precisaria se unir em
matrimônio com um nobre e formar uma família, além de governar o Sul.
Para isso, Adhara desde criança foi preparada para ocupar o seu cargo.
Estudou todos os reinos maiores e menores do mapa, independente se
fossem de Dhárg ou de Fhár, bem como os mais longínquos. Conhecia
ainda boa parte das árvores genealógicas das famílias mais importantes e,
acima de tudo, interessava-se pelo que o povo sulista pensava. O que
achavam do pai? Para eles, Heth era um bom rei? Quais eram as
principais dores e inquietações deles? Ao se interessar pelos plebeus,
Adhara passou a ser estimada e amada pelo povo.
Buscou também conhecer a história, analisando como seus
antepassados lidaram com as dificuldades.
Por isso, assim que a mãe lhe chamou para conversar, ficou calada,
apesar de saber o que aconteceria. Esperou atenta que Liuva tomasse a
iniciativa.
— Adhara, sabe que a sua segurança está acima de qualquer outra
preocupação?
— Sei disso… — murmurou enquanto passava o dedo na saia de
veludo do vestido, fazendo desenhos aleatórios com as mudanças de tons do
tecido.
— As criaturas estão cada vez mais próximas do castelo principal. —
A rainha deixou a notícia no ar. — Heth teme que em breve comecem a
tentar subir as montanhas.
Adhara lembrou-se da conversa que havia tido com Zephyr algumas
noites atrás e como ele quase predestinou aquilo. Engoliu em seco.
— Não acredito que consigam atravessá-las. — Ela colocou a própria
opinião em voz alta, a mesma que havia falado a Zephyr. — O castelo
principal é o lugar mais seguro de Dhárg.
Liuva pousou a mão em cima da dela, obrigando Adhara a encará-la.
— O lugar mais seguro do nosso reino é aqui, minha filha. — A
princesa percebeu o quanto custou para sua mãe falar aquilo. Diante do seu
silêncio, Liuva continuou. — Você viu como as terras dele são. Não há
criaturas, parece que estamos em um ponto tão distante do mapa que às
vezes me esqueço do som que aquelas bestas fazem.
Adhara sentiu a mão da rainha estremecer sobre a dela, incomodada
com a lembrança. Apertou-a, a fim de transmitir conforto. Liuva odiava os
gritos que as criaturas davam e, mesmo que o castelo principal estivesse
acima de qualquer vila, tinham a sensação de que aqueles sons ecoavam
com o vento.
A princesa pensou se seria prudente dizer a mãe que havia conhecido
Zephyr algum tempo atrás, que ele rondava as vilas principais, mas logo
rechaçou a ideia. A rainha ia querer saber em quais circunstâncias Adhara o
viu e, para isso, teria de contar sobre suas rondas escondidas para matar as
bestas, além do fato de ter sido salva por ele ao se deparar com uma
emboscada. Se ouvisse aquilo, Liuva a trancaria numa jaula pelo resto dos
seus dias.
Você é a princesa do Sul. Possui um alvo nas costas.
A voz dele invadiu os pensamentos dela, fazendo-a morder o lábio.
Não queria admitir a si mesma, mas desde que confrontou as criaturas de
perto, percebeu que elas reagiam à sua presença de uma forma diferente.
Mais, digamos, afoita. Aquilo também ocorreu com a besta presa na
masmorra, a que o homem misterioso cortou facilmente.
Lembrar daquilo a fez tomar uma decisão. Adhara olhou para a mãe.
— Sei o que vai me perguntar. — Ao ver o rosto de Liuva ser coberto
por expectativa, acrescentou. — Eu fico.
O rosto da mãe passou de surpreso para incrédulo em pouco tempo.
Adhara nem conseguiu conter o sorriso.
— Adhara... eu mesma demorei para tomar essa decisão. Para mim,
não tê-la por perto será um conflito que terei de lidar diariamente… confiar
sua segurança a um nobre que mal conheço… — Ela parecia travar uma
batalha interna, mas depois voltou a olhar para sua filha. — Por que sinto
que está escondendo algo de mim quando toma essa decisão de forma tão
imediata?
Adhara desviou os olhos da mãe, observando as chamas da lareira.
Respirou fundo.
— Desde o início do Declínio, vejo você andando pelos corredores do
castelo principal com medo. Escuto seus passos pelos corredores de
madrugada e sei que está próxima ao meu quarto para saber se estou bem.
— Voltou a fitá-la. — Eu cansei, mãe. Quero que consiga dormir bem,
sabendo que estou em segurança… que meu pai deixe de se preocupar com
isso e lide com as necessidades de seu povo no Sul. São elas que estão
sofrendo mais com essa carnificina que tomou nosso reino.
Os olhos de Liuva marejaram e a rainha abraçou a filha. Adhara ficou
aninhada ali por minutos, sentindo o cheiro da mãe, sabendo que não teria
aquele carinho tão cedo depois daquela decisão tomada. Podia ter sido
precipitada, mas havia algo em Zephyr que fugia do comum. Era a mesma
sensação sentida quando viu o homem misterioso nas masmorras. A chave
para toda aquela escuridão estava na energia turva que dançava neles, como
um convite.
As duas permaneceram abraçadas por muito tempo. Adhara
questionando-se sobre a acurácia de sua decisão, Liuva acreditando que
renunciar à filha havia sido a escolha mais sensata, sem a mínima noção de
que, ao priorizar a segurança da filha em relação às criaturas, tinha confiado
ela a um monstro muito mais terrível.
Adhara nunca foi de ficar quieta. Acatava sempre as ordens dos pais
apenas por ter sido criada com educação, conhecendo todas as regras das
boas maneiras na corte. Mas, sempre quando podia, questionava o que não
entendia ou o que lhe incomodava.
Essa personalidade havia enfiado a rainha em diversas situações
desconfortáveis, mas ela sempre resolvia com um sorriso para as vítimas do
ocorrido e, posteriormente, em conversas sinceras com a filha. Por isso,
desde pequena a princesa aprendeu que havia hora até mesmo para fazer
perguntas, e que precisava ficar calada quando a situação pedia. Contudo,
isso não a fazia parar de pensar e procurar por respostas.
Os anos se passaram e ela cresceu, mas a astúcia e curiosidade nunca
deram espaço para que se tornasse uma princesa comedida. Adhara
continuou curiosa e pronta para ter suas respostas a qualquer preço.
Naquele momento, parecia um lobo enjaulado. Andava de um lado
para o outro da biblioteca, segurando um livro e, mesmo que tentasse
disfarçar, não fazia ideia do conteúdo daquelas páginas, já que sequer
conseguia entender uma frase mínima de seu conteúdo.
Desistiu então de se enganar e sentou-se no sofá, jogando o volume
para o lado, frustrada por não conseguir as informações que desejava. O
cansaço começou a tomar o corpo dela, mas Adhara lutou contra aquilo, o
instinto lhe dizendo que tinha de lutar contra o sono e a moleza que
dominavam o próprio corpo.
Sempre que ele se aproxima, sua energia se esvai. Aquilo era um fato
para Adhara, apesar de ainda não conseguir determinar o motivo que a
levava àquilo. Levantou-se do sofá então e foi para a janela da biblioteca.
De onde estava, conseguia ver o jardim peculiar de flores escuras, o lugar
que Zephyr visitava todas as noites antes de sumir em meio à neblina da
floresta. Por que aquele homem sempre se afastava do castelo durante a
noite? Quais outros mistérios ele ocultava dela?
O crepúsculo se aproximava, diminuindo a temperatura… Adhara
podia sentir quando tocava o vidro da janela e o sentia gelar. Para piorar,
ainda nevaria intensamente naquela noite, dificultando a visão. Mas aquilo
não a impediu de se afastar e pegar o manto que havia jogado no sofá para
sair dali, ignorando o livro aberto e inacabado.
Assim que deixou a biblioteca, Gaut lhe aguardava, a postos. Quando
ia começar a segui-la, a princesa direcionou ao guarda um olhar firme que
dispensava explicações.
— Princesa Adhara… — ele tentou contornar aquela determinação.
— A noite está se aproximando.
— Eu preciso ficar sozinha. — Olhou como se pedisse desculpas, mas
sem pensar em recuar. — Irei apenas até o jardim. Descanse, Gaut. Amanhã
pretendo visitar mais vilarejos.
Depois de um tempo, viu o guarda assentir. Conhecia a princesa o
suficiente para não a contrariar quando queria algo. Ela agradeceu-o por
aquilo, pois sabia o quanto lhe incomodava ir contra as ordens do seu rei.
Adhara saiu do castelo tempos depois sem pegar Nyra daquela vez.
Andou por um tempo e, quando se deu conta, chegava no jardim peculiar de
Zephyr. Parou por um momento, observando as flores escuras imaculadas,
mesmo com o frio incansável do Sul. As pétalas pareciam feitas do veludo
mais caro de Dhárg e não se incomodavam com os pequenos flocos que
começavam a cair.
Adhara permaneceu ali, observando como as flores se tornavam ainda
mais belas salpicadas pelo branco. Não percebeu o céu escurecer, o tom
alaranjado do inverno dando espaço para o arroxeado e, depois, ao azul
escuro. Esfregou as mãos e se sentiu tola em ter saído sem suas luvas.
Foi quando escutou o som de passos e se virou. Havia alguém se
aproximando. Não queria conversar com ninguém, nem mesmo explicar o
porquê estava ali, solitária e quieta. Apenas afastou-se do jardim e enfiou-se
entre duas árvores com troncos próximos. Aguardou, achando que era um
dos criados ou até mesmo Gaut vindo atrás dela, mas ficou surpresa em ver
Zephyr atravessando o jardim.
Ele parou próximo de onde a princesa estava, olhando para o céu. A
neve caía em seu cabelo, molhando as pequenas ondas e formando gotículas
nos fios escuros. Nuvens densas saíam dos lábios dele, mas ele nem parecia
incomodado com o frio. Estava sério, de uma maneira que Adhara nunca
havia visto. Aquela expressão era muito diferente da mostrada a ela quando
queria se aproximar.
Darei isso a você…
Saberá o que quero quando chegar a hora.
As palavras daquele homem lhe invadiram a mente como se estivesse
pronunciando-as em seu ouvido. Um arrepio desconfortável percorreu o
corpo da princesa, fazendo-a se lembrar da promessa que ele havia feito.
Tudo o que Adhara queria era segurança para o seu povo, e sabia que o
preço a pagar nunca seria barato.
Depois de um tempo, ele afastou-se do jardim e caminhou em direção
às florestas próximas, sumindo na neblina. Adhara permaneceu onde estava,
aguardando para ver se ele voltava. Quando percebeu que estava só por
tempo demais, decidiu segui-lo.
Sem pensar duas vezes, cortou o jardim e enfiou-se na floresta.
Zephyr não acreditou quando o gelo abriu sob os pés da princesa e ela
sumiu no lago. As criaturas guincharam e se afastaram ao vê-lo. Ele lidaria
com aqueles demônios depois, mesmo sabendo que estavam ali a mando de
alguém.
Correu para o lugar onde ela havia caído, os olhos buscando por
qualquer sinal de Adhara. A neve ainda caía, insistente e impiedosa,
deixando tudo ainda mais difícil. Zephyr se aproximou do buraco e nem
pensou duas vezes antes de tirar o manto e o gibão que usava para pular na
água. Tinha de encontrá-la.
O frio bateu em seu corpo de repente e Zephyr sentiu um pequeno
desconforto. Mesmo em sua forma humana, não sentia a fraqueza que vinha
com a espécie, mas sabia que com Adhara era diferente. Lutava contra o
tempo.
Nadou para o fundo, os olhos buscando por ela. Um sentimento de
desespero invadia-o de repente, fazendo com que se sentisse confuso. Não
conseguia discernir se aquilo vinha da possibilidade de perder uma alma tão
singular ou seria aquilo que eles chamam de luto, devido a possibilidade
daquela morte.
Ele desceu. Como não conseguia enxergar, percebeu que seria inútil
procurar o corpo da garota daquela maneira. Então decidiu se guiar pela
energia. Fechou os olhos e se concentrou. Vamos, Adhara, me leve até você.
Silêncio.
Sentiu a água sobre o peito aquecer e, depois de um tempo, o relicário
brilhou, iluminando a imensidão escura. Fechou os olhos diante da luz
forte, mas depois acostumou-se àquilo. Procurou por ela mas, num primeiro
momento, encontrou apenas o corpo da besta que a havia perseguido. Logo
abaixo, enfim, encontrou a garota inerte.
Nadou até Adhara. Estava tão fraca… Até mesmo a energia que fluía
dela parecia estar se apagando. O braço forte enlaçou-a pela cintura e enfiou
a mão dentro da bota, retirando uma adaga. Cortou o laço do manto e a
libertou daquele peso. A princesa começou a subir e ele a empurrou para
cima.
Emergiu logo depois, olhando-a em seguida. O rosto estava pálido, os
lábios arroxeados. Zephyr a retirou da água e escutou o som das bestas se
aproximando.
Sem dar atenção aos demônios, levou os lábios até os dela e soprou.
Uma, duas, três vezes. Adhara por fim cuspiu a água suja do lago e se
engasgou, mas o corpo amoleceu logo em seguida, a cabeça tombando para
o lado. Ele tocou o colo dela, sentindo que subia e descia.
Estava viva.
Rosnados o tiraram daquele estado de alerta e ele finalmente olhou
para trás. Aquilo era uma armadilha. Não só para ela, mas para ele também.
Adhara morreria se não tomasse uma atitude, mas para espantar os
demônios e salvá-la teria que libertar parte do próprio poder, arriscando que
descobrissem seu paradeiro.
Zephyr não pensou duas vezes antes de pegá-la no colo e, reunindo
parte da energia que havia enterrado quando desceu de Atman, libertou-a na
direção dos inimigos. Os demônios caíram assustados com aquilo e
guincharam, afastando-se.
— Sumam daqui. — A voz era impiedosa. — Diga a seu mestre que
irei atrás dele em breve.
As criaturas correram por entre as árvores e Zephyr começou a andar,
o peso da princesa lhe dizendo que teria de ser rápido. Por sorte, conhecia o
perímetro, e sabia que além dos lagos, havia uma caverna próxima, que ele
usava quando ainda era um peregrino e estudava o verdadeiro senhor
daquelas terras.
O lugar era fundo, o que ajudaria a barrar o frio e o vento. Depois de
descer até uma parte seca e de temperatura mais amena, colocou a princesa
no chão rochoso e fitou-a com atenção. A pele estava ainda mais pálida e a
respiração fraca, o peito mal se movimentando.
Rapidamente, Zephyr cortou o vestido que a garota usava com a
adaga, expondo a roupa de baixo de linho, colada ao corpo. Desfez-se dessa
também e deixou-a nua. Retirou as botas molhadas e os meiões. Sem pensar
duas vezes, retirou a própria roupa e cobriu o corpo feminino com o seu. A
pele dela estava gelada e, apesar do desconforto, Zephyr não se afastou em
momento algum.
Apesar de ter mergulhado no lago para salvá-la, o corpo dele era mais
resistente. Fechou os olhos e acomodou o corpo dela ao seu, sentindo as
curvas da garota, a pele macia e gelada. Ela tremia, o frio parecia consumi-
la, mas ele o expurgaria de qualquer forma. Aquele não seria o dia da morte
de Adhara.
— Não ouse me deixar… — Zephyr pegou-se dizendo. Olhou para
ela, ainda desacordada e com os lábios arroxeados. — Ainda tenho planos
para você, princesa.
Zephyr não soube dizer quanto tempo ficou ali, abraçado à princesa,
mas surpreendeu-se quando enfim sentiu Adhara se mexer, mesmo que
minimamente, debaixo de seu corpo. Afastou-se então para observá-la,
reparando que a cor finalmente havia voltado aos lábios dela.
Os olhos da princesa começaram a se remexer debaixo das pálpebras.
Era como se estivesse tendo um pesadelo, a mente ainda mergulhada no
lago, tentando salvar-se.
Acorde, ele pensou, preciso que você acorde.
Depois de um tempo, ela abriu os olhos com lentidão. Só então o
corpo de Zephyr relaxou, quando os orbes verdes correram pelas formações
rochosas da caverna acima, finalmente fixando-se nele depois. Adhara não
parecia entender o que havia acontecido, mas sua atenção foi para o corpo
nu de Zephyr sobre ela e, depois, para as linhas negras em sua pele.
— O-o-que é isso? — O queixo dela batia e ele a abraçou ainda mais,
parte para tentar conter o frio, parte para desviar sua atenção.
Ela nada mais disse, relaxando nos braços dele. Pareceu se sentir
confortável ali… ou talvez estivesse exausta demais para buscar por
respostas. Após algum tempo, desmaiou outra vez.
CAPÍTULO 16
Adhara estava exausta. Sentia todo o corpo doer por ter dormido em
cima de um tronco, atenta a qualquer barulho estranho que surgia. Não
podia se dar o prazer de cair no sono completamente e abaixar a guarda.
Desde que resolveu subir para o Norte, usava as árvores mais altas
para passar a noite. Sabia que as criaturas preferiam a escuridão para caçar,
portanto sentia-se mais segura quando viajava de dia, mesmo que a
claridade fosse uma ilusão, devido a densa neblina.
De qualquer forma, Adhara teve sorte até a quarta noite, mas precisou
fugir de duas bestas no anoitecer seguinte. Para piorar, pisou em falso
quando seu pé encontrou um buraco coberto de folhas mortas e terra úmida.
Com isso, parte de um tronco afiado rasgou o couro da calça e conseguiu
atingir-lhe a pele, abrindo um machucado feio demais para conseguir olhar
por um tempo, além de extremamente doloroso.
Acabou jogando neve no machucado para tentar limpá-lo e rasgado
parte da blusa de algodão para enfaixá-lo. A neve ajudou quanto a dor, mas
não o suficiente para ignorar o corte por muito tempo. Ele voltou a sangrar,
fazendo-a diminuir as passadas, trocando o curativo de tempos em tempos.
Olhou para baixo e jogou um galho fino no chão, aguardando para ver
se um dos monstros aparecia, atraído pelo movimento. Ela não era ingênua
a ponto de achar que estava sozinha. Podia sentir o cheiro metálico do
próprio ferimento, tornando-a assim um alvo em evidência naquela floresta.
O galho alcançou o chão, mas nenhum animal se aproximou. Isso não
era surpresa, já que naquela altura as criaturas deveriam ter devorado todos
os seres vivos dali.
Precisava se apressar, pois ainda estava longe demais da fronteira de
Fhár.
Espreguiçou-se, sentindo certo incômodo nas costas após mais uma
noite na árvore. Saltou para o chão, causando um barulho alto na neve.
Sentiu dor no ferimento ao alcançar o solo, mas aguentou firme.
Primeiro verificou se estava mesmo só. Após isso, verificou a faixa de
algodão que cobria o corte. Notou um novo sangramento. Sabia que
precisava de repouso, mas naquele momento não podia se dar àquele luxo.
Colocou mais neve no corte para aliviar a dor e cobriu-o com algodão
novamente. Agasalhou-se e retomou a caminhada.
Tentou contar as noites desde que resolveu fugir, mas a lua mudava
no céu escuro constantemente, de forma que ela já não sabia há quanto
tempo estava ali, em meio àquela paisagem fechada.
Respirou fundo e continuou andando. Tinha que ter o dobro de
cuidado, pois sabia que viajar a pé daquele jeito era algo arriscado. Zephyr
com certeza teria mandado os guardas atrás dela. Se eles estivessem a
cavalo, conseguiriam cortar boa parte do terreno antes que a princesa
conseguisse se afastar demais.
Observou a fonte de luz caminhar para o crepúsculo no decorrer do
tempo, as poucas folhas que estavam banhadas pela claridade jaziam na
sombra, os troncos iluminados de forma difusa pelo outro lado, narrando
assim o passar do dia.
Ela começou a sentir sede, mas não se permitiu beber da água que
havia no cantil. Ainda não tinha achado um rio ou qualquer fonte de água
natural por ali. Adhara não se arriscaria a pegar a neve com tantas bestas
andando pelas florestas. Continuou adiante, ignorando o barulho do
estômago, faminto por algo mais substancial que pão endurecido. A carne
seca ainda estava intocada, já que preferia comer o que lhe traria mais
energia quando o cansaço começasse a vencer caminho sobre seu corpo.
Adhara sentiu um frio na espinha quando a claridade por fim abaixou
e uma neblina estranha tomou as árvores da floresta. Engoliu em seco, pois
conhecia aquela sensação. Com cuidado, puxou uma flecha da aljava e
deslizou-a pela corda do arco. Aguardou, alerta a cada movimento, mas
tinha dificuldade para enxergar.
Percebeu tarde demais que a noite estava próxima, quando um grito
estridente cortou o silêncio da floresta. A reação foi rápida: soltou a corda
antes mesmo da criatura se aproximar, acertando-a. O monstro guinchou, as
narinas inflando à medida que tentava se libertar da flecha fincada em seu
flanco, a promessa de carne fresca se sobressaindo à dor.
Em nenhum momento Adhara desviou os olhos da criatura, mas já
sabia que o seu machucado havia voltado a sangrar, podia sentia a faixa de
algodão molhada. Seria tolice se tentasse correr. Com a mão firme, puxou
mais uma flecha da aljava e encaixou na corda, fazendo a flecha voar até a
criatura com precisão, enfiando no pescoço e perfurando a carne.
Sangue escuro e fétido jorrou do ferimento e daquela vez a criatura
gritou. Adhara estremeceu diante daquele lamento, lembrando-se de que
havia criaturas piores andando por ali.
A mente foi preenchida por lembranças sombrias. Gritos humanos de
desespero saindo de uma boca coberta de dentes afiados, um lago
congelado e depois a escuridão. Suas mãos estremeceram, fazendo-a agarrar
o arco com força, observando a criatura já morta aos seus pés, silenciosa na
neve.
Adhara aguardou, mas o monstro não voltou a se mexer. Andou até
ela e puxou as flechas do corpo grotesco. Limpou as setas como pôde, o
sangue escuro manchando a neve. Lembrou-se do aviso de Zephyr sobre o
veneno que carregavam, mas não podia se dar ao luxo de desperdiçar
flechas antes de chegar em Fhár.
Um barulho de um galho se quebrando fez Adhara pular, agarrando o
arco. Uma sombra se moveu entre as árvores e ela soltou a corda de modo
instintivo. A flecha voou, mas a sombra desviou com uma velocidade
incomum. Adhara ia pegar outra seta no chão quando uma voz grave
chegou aos seus ouvidos.
— Uma dessas não vai me matar, garota.
Isso não a impediu de encaixar a segunda flecha na corda e puxá-la.
Ficou parada, esperando a sombra se aproximar, após desviar-se
novamente. Depois do que pareceu uma eternidade, um homem alto e
musculoso apareceu por entre os troncos e Adhara abaixou o arco.
Ela o conhecia. Inclusive havia o procurado por luas após vê-lo nas
masmorras do castelo do pai. Os olhos dele a observavam com cuidado e
Adhara estremeceu ao perceber que aquele olho cego nunca o impediria de
parecer letal.
— Você… — Ele continuou a se aproximar e Adhara percebeu que o
homem não estava sozinho. Outro estava próximo, com cabelos castanhos,
pele pálida e uma beleza incomum para alguém sério demais. Ela voltou a
puxar a corda. — Quem são vocês? E por que estão sempre no meu
caminho?
— Abaixe esse arco e poderemos conversar. — A voz do outro estava
firme, mas o mais alto deles a fitou, como se a deixasse de sobreaviso.
— Meu nome é Videric. Sou o comandante dos vampiros. — O rosto
dela ficou pálido e uma ruga de desconfiança apareceu. — Estou aqui em
nome de Domenico, meu mestre. — O nome que ela tanto buscava lhe fez
abaixar o arco. — Estamos com as filhas de Atman e viemos para protegê-
la.
Adhara esqueceu todo o resto naquele momento. Filhas de Atman.
Aelua havia falado sobre as bruxas daquele mundo e onde Adhara teria de
procurá-las. Não sabia se podia confiar naqueles homens, já que sentia uma
energia estranha vindo deles, uma mistura de algo bom com um toque
mais… vil.
Vampiros? Aquilo existia?
O homem atrás deles se aproximou, seu olhar varrendo o corpo de
Adhara até parar no ferimento. A princesa engoliu em seco e soube, na
mesma hora, que ele tinha percebido o medo nos olhos dela, quando
gesticulou com as mãos.
— Não precisa temer a nossa sede. Somos controlados. Mas seu
machucado não vai parar de sangrar se nada fizermos para tratá-lo.
Adhara não sabia o que dizer, nem como agir. Precisava confiar neles,
era sua única saída. Machucada e sem montaria, seria alvo fácil para as
criaturas que surgissem. Portanto, abaixou a guarda e assentiu. Viu certo
alívio na expressão do mais alto deles, o tal de Videric.
— Pegue os cavalos, Gavin. Ela não pode andar e temos que
continuar subindo. — O outro se enfiou por entre as árvores, deixando-os
sozinhos. O vampiro então entregou a ela um pote de vidro, com uma pasta
âmbar dentro. — Sei que não nos deixará tocá-la, mas vou te orientar como
fazer.
A jovem pegou o pote, desconfiada. Sentou-se em um tronco caído
próximo. O machucado latejava e ela retirou o tecido do ferimento. Videric
agachou em frente a ela, observou a ferida revelada. Não parecia surpreso
com a profundidade do machucado, provavelmente já tinha visto piores.
— Como se machucou?
— Tropecei em um buraco na floresta e um galho me rasgou a pele.
Os olhos dele a observavam com atenção. Adhara tentava não encarar
a cicatriz que cortava o rosto taciturno.
— Não foi um demônio?
— De-demônio?
— Uma das criaturas.
— Oh… não. Elas estão me seguindo desde que me afastei do castelo
de… Bom, desde que comecei a viajar. Mas consigo matá-las antes que me
alcancem.
— Posso imaginar. — Entregou para ela um cantil largo, além de
duas tiras de pano limpas. — Lave-o com água limpa. A neve só vai
infeccionar o machucado.
— Ela amortece a dor.
O vampiro assentiu, apontando para o frasco que estava nas mãos
dela.
— Isso vai ajudar.
Adhara fez o que foi mandado. Limpou o machucado com a água e
uma tira de pano. Ficou levemente tonta quando viu como estava profundo.
Ignorou a dor latente, já que não queria demonstrar fraqueza diante do
outro.
Sabia que estava sendo tola. Qualquer um pareceria fraco ao lado
daquele homem.
Videric retirou o pano manchado de sangue com delicadeza das mãos
dela e continuou observando, enquanto Adhara passava um pouco do
unguento no ferimento, sentindo alívio instantaneamente.
— Impressionante… — sussurrou enquanto o unguento fazia efeito.
Um sorriso orgulhoso nasceu no rosto dele.
— Foi minha companheira quem fez. — Os olhos de Videric a
encararam. — Posso enfaixá-la? — Quando Adhara assentiu, ele circulou o
machucado com a outra faixa de tecido, ainda mais larga e macia. As mãos
dele eram firmes e cuidadosas. — Minha companheira é uma filha de
Atman. Nyana a acompanha desde antes de você nascer… É uma oráculo.
— Uma oráculo?
— Sim… tipo uma sacerdotisa, bruxa…
— Vampiros e bruxas convivem pacificamente?
Videric sorriu e Adhara percebeu certa malícia nos olhos dele.
— Normalmente não.
Ela sabia que aquilo era inapropriado, mas sua curiosidade a levou a
fazer mais perguntas. Estavam conversando quando o outro vampiro chegou
com as três rédeas nas mãos. Adhara quase não acreditou quando ele
entregou duas delas para Videric, olhando para ela em seguida de forma
firme.
— Meu nome é Gavin. Sou o braço direito de Domenico. Está
pronta?
A perna já não latejava como antes. Adhara assentiu e Videric ajudou-
a a se levantar e montar no cavalo. O animal estava inquieto, os olhos
escuros observando o corpo da criatura morta, tão próxima deles. Mas
depois que Adhara se aproximou, o cavalo pareceu sentir a energia da
garota, acalmando-se.
A princesa olhou por um momento para o corpo da criatura, em
seguida para os vampiros.
— Não é melhor acharmos um lugar para ficar?
Videric montou no cavalo com uma graciosidade surpreendente,
encarando-a.
— Viajaremos de noite. Nós não podemos com a luz do sol. —
Adhara ficou sem saber o que responder. Ele pareceu notar a preocupação
no rosto dela. — Fique tranquila, não deixaremos os demônios se
aproximarem de você.
Adhara lembrou-se de como ele cortou a criatura na masmorra com
rapidez, sem fazer esforço.
Havia achado que sua jornada seria solitária, mas tinha se enganado.
Naquele momento, via-se protegida e conduzida pelos vampiros de
Domenico, um nome cujo dono ainda era um mistério, tinha procurado por
todos os livros de Dhárg. Estava bem melhor com os vampiros como
guardiões.
Lymena não queria admitir mas, para ela, descer até o Sul era como
encontrar a própria escuridão. Sabia da situação de Dhárg, havia relatos de
algumas bruxas que viviam no reino, bem como as cartas que Emelia lhe
mandava… mas nada a preparou para o que viu.
Durante o trajeto, não usaram as estradas comuns. A Coroa Vermelha
preferia ter a floresta como proteção, mais dos olhares humanos curiosos do
que dos demônios em si. Ela permanecia atenta, seu poder latente naquela
manhã, pronto para ser usado em sua força mais brutal caso fosse
necessário. Porém, precisavam ser discretas para que Damiana ou qualquer
outro inimigo não sentissem a sua aproximação.
A rainha bruxa não era tola a ponto de acreditar que estavam
invisíveis aos olhos dos demônios que proliferavam no mapa de Dhárg.
Qualquer um deles poderia transformá-los em um alvo num piscar de olhos.
Sentia a inquietação do companheiro atrás dela. Arsene estava calado
desde que atravessaram as fronteiras, os olhos vermelhos atentos a cada
movimento, farejando o ar como um animal em busca de qualquer cheiro
desconhecido. Havia pedido para montar o mesmo cavalo que ela e, mesmo
Lymena descartando a possibilidade na primeira vez, decidiu ceder para
deixá-lo mais calmo. Por isso, precisaram fazer mais paradas para que sua
égua não se cansasse demais.
As anciãs não estavam presentes, garantindo a proteção das Florestas
Brancas com os próprios poderes. Srala, inclusive, estava em contato direto
com Atman, caso tudo fugisse do controle.
Lymena sentia os braços de Arsene em sua volta, uma mão segurando
a rédea da égua com delicadeza, sem precisar realmente guiá-la, a outra lhe
acariciando a coxa por cima da calça de montaria. O aroma de canela e
especiarias a acalmava. De qualquer forma, ela precisaria de todo o seu
autocontrole para não se deitar no peito dele e fechar os olhos,
demonstrando assim sua fragilidade.
Podia fingir que estavam nas Florestas Brancas, sendo banhados por
uma Lua de Sangue, onde apenas o toque dele seria importante. O corpo
dela estremeceu e Arsene parou de acariciar a perna dela de repente.
— O que foi? — sussurrou em seu ouvido, um pouco tenso. Ela
apenas sorriu, tratando de acalmá-lo.
— Estou me lembrando de uma das noites que me tocou…
— Qual delas? — A voz dele possuía um leve traço de diversão, algo
raro ultimamente.
— Na Lua de Sangue. — Lymena franziu o cenho, virando um pouco
o rosto.
Arsene se aproximou e mordiscou a orelha dela, fazendo um leve
arrepio percorrer o corpo da rainha das bruxas.
— Experimentei-a com a língua antes. — A risada dele fez Lymena
ter vontade de estapeá-lo. Algumas bruxas viravam para trás e os olharam,
curiosas. — Adoro quando você cora, consigo sentir melhor o aroma do seu
sangue.
Lymena não disse nada. Apenas respirou fundo e se controlou para
não revidar. Aquela brincadeira boba acabou fazendo com que a viagem
ficasse mais leve, mesmo que ainda fria. O toque dele a surpreendeu,
descendo a mão pelo braço da Coroa Vermelha e entrelaçando os dedos aos
dela, apertando-os.
— Tenho medo de perdê-la. — Arsene confessou em voz baixa.
Talvez não o fizesse se a encarasse. Ela era grata pela coragem do
companheiro de se expor assim. — Você é minha vida, Lymena.
O coração dela saltou. Conseguia sentir o amor de Arsene em seus
toques, olhares, nas palavras sussurradas, até mesmo quando ele falava
besteiras no seu ouvido. Conseguia sentir os sentimentos daquele vampiro
quando a acompanhava em cada decisão, sofrendo ao vê-la carregar o peso
da coroa.
Ela apertou a mão dele.
— E você é a minha — ela sussurrou. — Sou grata por tê-lo ao meu
lado.
Arsene a abraçou mais forte. Ele estava taciturno e calado desde o
incidente com Zephyr. Lymena sabia que o vampiro discordava de muitas
das decisões tomadas pela Coroa Vermelha, mas parte disso era movida
pelo medo de ter que abdicar em algum momento do que lhe era mais
precioso. Estar próximo a ela significava que nunca a deixaria só, nem
mesmo nos instantes mais sombrios do seu reinado.
Lymena fitou o céu. Não era possível ver muito, pois a neblina
piorava à medida que avançavam. Precisariam parar em breve para
descansar e se alimentar. Mesmo com o seu poder, ela tinha que contar com
fortes aliados para os momentos de escuridão. Os vampiros de Domenico
eram os que faziam a ronda e circulavam no pequeno acampamento para as
bruxas descansarem.
A Coroa Vermelha seria eternamente grata ao mestre dos vampiros.
Até mesmo ela precisava de descanso, às vezes, e ver seu Coven protegido
lhe dava a tranquilidade para fazê-lo.
Voltou a apertar a mão do companheiro. Era grata por tudo. Pelas suas
bruxas. Pelos vampiros. E por Arsene, seu eterno guardião.
Ele não queria matar bruxas, mas assim que pediu para seus vampiros
atacarem, sentiu o poder de Damiana engoli-los.
Não era tão forte quanto o de Atman, mas ainda assim amedrontador.
Alguns vampiros tiveram dificuldade em enfiar-se nas árvores, com as
lâminas sendo arremessadas pelo ar, acertando vez ou outra um braço ou
uma perna… Mas isso nunca os fez parar.
Os vampiros de Domenico eram treinados para caçar, com apenas um
objetivo em mente. E não era aquelas bruxas.
O cheiro de sangue ficou mais forte. Ele deu um passo adiante, até
sentir ao seu redor uma nova fonte de energia, oposta à de Damiana, que
cobriu o campo e fez as bruxas caídas se curvarem.
Lymena.
Começou a se enfiar na floresta na busca do vampiro traidor, nem um
pouco surpreso em ver as bruxas recuarem. Tiveram que lidar com muito
desde a quebra de fenda, por isso nunca se sacrificariam por Taran.
Ele podia senti-lo. Aquele maldito!
Os vampiros avançaram sem as bruxas de Damiana para impedi-los.
Logo encontraram alguns do clã Garcas. Domenico odiava perder vampiros,
bons até, mas todos escolheram estar ao lado de Taran e abandonar o
próprio território. Por isso, pagariam por aquilo.
Caíram aos poucos, sem o treinamento necessário para lidar com o clã
de Domenico, ainda mais com Videric ali, disposto a rasgar os vampiros
enquanto procurava por um.
Assim que Domenico avistou Taran se afastando das árvores, sabia
que havia chegado a hora de destruí-lo. Isso só se confirmou quando notou
que o bastardo estava fugindo, deixando o próprio clã sozinho como apenas
um covarde faria.
— Está indo para algum lugar? — Domenico sussurrou em meio
àquela carnificina, sabendo que seria o suficiente para que o outro ouvisse.
O vampiro parou de andar e olhou assustado para onde Domenico
estava, tentando entender como tinha caído naquela armadilha. Ao fugir de
Videric e sua sede de sangue, havia esbarrado em alguém pior.
— Domenico…
Ele estava ao lado de Taran antes que o maldito pudesse dizer
qualquer palavra, os dedos circulando o pescoço do outro puro-sangue. Um
aviso. Taran entendeu o recado e parou, os olhos vislumbrando a raiva
estampada no rosto do mestre dos vampiros, sempre controlado.
— Eu disse a você para conter os demônios. — A voz dele era quase
polida, fazendo com que Taran sentisse ainda mais medo. — E você não me
ouviu…
— Demônios não atacam vampiros. Por que eu iria contê-los? —
Taran tentou provocá-lo, mas parou quando os dedos de Domenico
apertaram ainda mais o seu pescoço.
— Seu idiota. Agora tenho um problema muito maior para resolver
porque você não honrou o sangue que tem e a posição que ocupa no nosso
mundo. — Taran tentou sair do aperto, mas a força de Domenico era maior.
— O que farei com você?
— Você não tem permissão dos mestres do Conselho Vermelho para
me matar.
Um sorriso estranho percorreu o rosto de Domenico e Taran percebeu
que ele havia ameaçado o vampiro errado.
— Sabe qual a vantagem de ser o sangue-puro mais poderoso do
mundo corpóreo, Taran?
O vampiro não viu. A mão de Domenico foi rápida quando ele
golpeou, partindo ossos e chegando ao coração do outro. Ele fechou os
dedos no órgão e, com um puxão, o arrancou do peito do outro, ainda
quente e pegajoso. Jogou-o na neve para que virasse comida dos demônios
que Taran tanto subestimava.
— Não preciso da permissão de nenhum vampiro para fazer o que
quero.
O corpo de Taran caiu, os olhos arregalados como se tivessem visto o
fim rápido que teria. Domenico retirou um lenço branco do bolso do gibão e
começou a limpar o sangue das mãos. O campo agora estava mais
silencioso, indicando o fim do pequeno conflito, ele escutou Videric se
aproximar e aguardou seu comandante.
Videric olhou para o corpo de Taran e fez uma careta quando viu o
coração do vampiro jogado na neve. Depois, parou em frente a Domenico e
apontou para a floresta atrás.
— Sobraram poucos, ainda fiéis a Taran. — Ele voltou a olhar para o
coração. — Não creio que saibam que o mestre deles está morto. Lymena
recuou para procurar Adhara. — Voltou a olhar para Domenico, aguardando
ordens. — O que fazemos?
Domenico estava observando a floresta, mas voltou a atenção para
Videric. O vampiro estava com pouco sangue no corpo, sempre ficava
surpreso em como ele conseguia matar sem se sujar.
— Matem todos. O clã Garcas está extinto. — Depois, olhou para a
floresta. — Iremos com Lymena. Quero Adhara protegida.
Videric assentiu e se enfiou por entre as árvores. Domenico jogou o
lenço fora e olhou uma última vez o corpo de Taran. Em breve os demônios
infestariam aquela parte do mapa e o vampiro enfim veria que as criaturas
do submundo não faziam distinção de carne quando o assunto era ter um
excelente banquete.
Adhara puxou mais uma vez a corda, mas sentiu dois braços fortes em
volta do seu corpo. Zephyr a arrastou para trás, na tentativa de se afastarem
da clareira, deixando-a imobilizada. Ela se debateu, mas o aperto dele era
forte.
— Me solta! — gritou com raiva.
Ela não queria ver, mas à medida que os demônios tomavam os
campos, mais bruxas caíam, mesmo que muitas criaturas também
morressem no processo. A neve que cobria a clareira estava vermelha,
numa mistura de sangue sagrado e escuro. As mulheres morriam, mas
algumas conseguiam rasgar um número surpreendente de demônios junto.
Ao longe, homens pareciam lidar com uma batalha diferente, onde
demônios maiores tentavam avançar, mas pereciam sob suas lâminas.
Adhara reconheceu Videric em meio àquele banho de sangue, o
vampiro coberto do líquido escuro, os olhos vidrados enquanto cortava o
maior número de monstros que conseguia.
Lymena a olhava, mas precisou desviar a atenção quando sentiu os
Altos se aproximarem. A princesa sentiu a energia da bruxa e um poder
incalculável voltou a varrer a clareira, fazendo monstros caírem e os Altos
pararem de avançar. Ela conhecia aquilo, foi o mesmo poder que barrou a
entrada de Zephyr nas Florestas Brancas.
A Coroa Vermelha detinha boa parte da energia de Atman dentro de
si, mas usá-la tinha um preço e Adhara sabia o que aconteceria em seguida.
Viu Lymena fechar os olhos e os Altos recuarem um pouco, como se
uma barreira invisível tivesse sido levantada. Notou a preocupação do
companheiro dela enquanto a rainha perdia a cor, um filete de sangue
descendo pelo nariz e escorrendo pelo queixo. Os olhos vermelhos de
Arsene desviaram dela por um breve momento para encarar Adhara, ainda
contida por Zephyr.
Ela tentou sair do aperto do Elemental, mas não conseguiu. Era
injusto… Aquilo tudo era injusto demais. Estava inalcançável para cada
criatura inimiga daquela clareira, por estar ao lado de Zephyr, mas seus
aliados estavam sendo mortos por isso… sem contar os sulistas, que já
haviam virado carne podre.
— Adhara… — Ela escutou uma voz maliciosa. — Não está satisfeita
com a quantidade de sangue que tem nas mãos?
Gritou. De raiva, desespero e tristeza. Sentiu a dor do seu povo no
corpo, bem como a das bruxas que caíam. Sentiu o ódio dos vampiros e o
poder de Lymena que se entregava ao máximo. Sentiu o amor de Arsene
por aquela bruxa, assim como a tristeza da mãe que alcançava o Norte.
Seu corpo tombou, mas foi contido pelo caído, que a levantou. Uma
mão fria foi até seu pescoço e a obrigou a olhar aquilo tudo.
— Está vendo? — A voz cruel de Zephyr chegou aos seus ouvidos e
lágrimas desceram pelo rosto dela. Tinha acreditado que ele fosse fazer algo
para mudar aquela batalha. Quanta ilusão… — Eu posso ajudá-la, Adhara.
Você só precisa dizer as palavras.
Mais bruxas tombaram, o sangue manchando a neve. A princesa já
não suportava mais ver a neve tingida de vermelho, os vilarejos destruídos.
Ela estava exausta com choros de crianças e sofria com a fome do seu povo.
Fechando os olhos, sentiu as lágrimas deslizarem pelo rosto e disse as
palavras que Zephyr tanto queria ouvir, que a tornavam fraca, mas
salvariam o seu povo.
— Sim… — A mão dele afrouxou no pescoço dela. — Você tem meu
consentimento para pegar Aelua. — Ele a deixou e Adhara caiu ajoelhada
na neve, as lágrimas agora livres. — Minha alma é sua.
O clarão não a deixou enxergar mais nada.
CAPÍTULO 28
Adhara ainda não acreditou que estava fazendo aquilo. Seus pés
tocavam as pedras frias dos corredores do castelo com delicadeza, enquanto
ela respirava vagarosamente, como se a qualquer momento Gaut ou outro
guarda fosse cruzar o seu caminho e impedi-la de chegar aonde queria.
Conhecia aquele castelo tanto quanto a palma de sua mão.
Como as tochas não proporcionavam uma iluminação adequada para
o caminho, a princesa podia se mover pelos corredores de forma furtiva.
Isso foi o que pensou, até esbarrar no primeiro móvel de madeira,
provocando um som que ecoou pelos corredores.
Parou, aguardando a aparição de alguém, mas ao perceber que
continuava sozinha, alcançou a porta desejada. Com delicadeza, abriu-a e
adentrou o local.
Achou que o encontraria acordado, mas se surpreendeu ao vê-lo ainda
na cama. Adhara pensou em jogar algo nele ou fazer um barulho alto para
que Zephyr percebesse sua presença, mas decidiu se aproximar para
observá-lo melhor.
Ele estava nu.
Os cobertores escuros estavam jogados em parte da coxa, mas além
disso, toda a pele estava exposta. Adhara podia ler cada nuance daquele
corpo, acompanhando as linhas negras que tomavam os braços, parte das
coxas e se condensavam no peito largo, subindo para o pescoço. O relicário
já não existia, mas Adhara podia jurar que ainda sentia aquelas linhas
dançando no corpo dele. Por que ainda as tinha?
— Apreciando o que vê, princesa Adhara?
Ela pulou de susto, mas perdeu o equilíbrio quando a mão de Zephyr
a puxou na direção da cama, fazendo-a cair nos cobertores macios. O
Elemental subiu no corpo dela, os olhos escuros a fitando com certa
diversão, mesmo que ainda conseguisse ver a malícia presente ali.
Um sorriso de lado percorreu os lábios cheios e o humor dela piorou
muito quando percebeu que havia sido feita de tola.
— Você estava acordado esse tempo todo?
— Em minha defesa, estava dormindo… mas acordei quando abriu
minha porta. — Mexeu-se em cima dela e Adhara se conteve para não abrir
logo as pernas e recebê-lo. — Você é muito barulhenta.
Ela se remexeu e percebeu como estava excitado.
— Saia de cima de mim!
Apesar de estar ciente de que detestaria aquela situação, ele atendeu
ao pedido e se afastou, permitindo que ela se levantasse da cama,
estabelecendo uma distância entre os dois.
Zephyr era uma figura perigosa, cujos movimentos exigiam cautela,
algo que Adhara ainda estava aprendendo a lidar. Mesmo considerando o
fato de que era seu noivo.
A princesa não se lembrava muito da viagem até o castelo principal.
Estava cansada demais para abrir os olhos e a vertigem demorou a passar,
como se estar ao lado de tantas criaturas do submundo tivesse sugado toda a
sua energia.
Ela se lembrava de dormir no peito dele diversas vezes, protegida
pelos braços fortes e embalada pelos passos calmos do cavalo. Assim como
recordava de ter sido cuidada, quando água lhe era ofertada e cobertores
jogados sobre ela assim que paravam. Durante a viagem, o manto dele a
aquecia, junto ao corpo que há pouco observava.
A volta dela para o castelo fez com que Heth quase entregasse a coroa
para Zephyr e, mesmo que o pai ainda vivesse desconfiado de todos desde a
traição de seu conselheiro, deixou que Zephyr se aproximasse. Aquele foi o
pior erro que o rei de Dhárg podia ter cometido…
Adhara percebeu que assim como ela, todos se acostumaram com a
presença de Zephyr. Mesmo que não ficasse próximo, dando o espaço
necessário para entender todo o ocorrido.
Com o tempo, os ataques estavam ficando mais raros e as criaturas
deixavam de ser vistas em Dhárg, dando assim esperança ao povo sulista.
Quando Zephyr se ausentou por luas, alegando que viajaria para acabar de
vez com as criaturas, a princesa exasperou-se com a sua ausência, só
ficando aliviada quando ele retornou sem ter sequer um ferimento.
Era uma tolice temer por ele, já que os demônios nunca conseguiriam
alcançá-lo. Zephyr havia feito um extermínio naquele período, fácil e
prático.
Até aquele instante ela conseguiu esconder bem o que sentia… pelo
menos até o pai chamá-la para uma conversa em particular. Sem hesitar,
comunicou que lorde Zephyr havia pedido a mão dela e ele havia aceitado.
Primeiro, a jovem achou que era uma brincadeira de muito mau gosto. Sua
reação, na verdade, não foi nem um pouco condizente com o que pensava.
Percebeu que havia aceitado fácil demais, ficando um pouco ansiosa com a
possibilidade de ter Zephyr para si.
Aquilo só a deixou furiosa.
Isso foi antes de quase tê-lo acertado com uma flecha ao confrontá-
lo…
— Você não tinha o direito de fazer isso sem me consultar! — O arco
estava perigosamente voltado para ele e, mesmo que a seta tivesse passado
rente ao ombro, o sorriso prepotente dele fez com que Adhara puxasse a
corda mais uma vez.
— Isso é um sim? — Ela disparou como resposta, mas o miserável
era rápido, um dos inúmeros dons de ser uma divindade do mundo
sobrenatural. — Acredito que seja.
Por isso, ao encará-lo naquele momento, trancada no quarto com
Zephyr, não sabia o motivo de ter aceitado aquela loucura.
— Por que veio aqui? — Ele interrompeu seus pensamentos.
Adhara abriu a boca para responder, mas percebeu que não tinha
resposta.
— Eu… queria te ver.
A expressão de Zephyr desanuviou e ele aguardou o que a jovem
tinha a dizer.
— Você pode colocar uma roupa? — Ela soltou, querendo se
concentrar.
— Por quê? Existe algo aqui que já não tenha visto?
— Zephyr!
— Ninguém vai me escutar, pode ficar tranquila. — O sorriso
malicioso voltou ao seu rosto. — Seus pais ainda acreditam que é pura
como a primeira neve do inverno de Dhárg.
Adhara passou a mão no rosto para ver se realmente estava pegando
fogo. Respirou fundo.
— Não consigo pensar com você assim.
Depois dessa declaração ela sentiu aquele perigo adormecido que
Zephyr carregava em si escapando a sua volta. O fogo da lareira diminuiu,
mergulhando o quarto em uma semiescuridão. A energia dele começou a
brigar com a dela, como garras perversas a deslizarem pelo seu corpo,
acariciando-a até que Adhara se abrisse e o aceitasse.
— Pare com isso… Sei o que está fazendo.
Zephyr cortou a distância entre eles e parou o rosto centímetros do
dela. Foi quando a princesa lembrou quem realmente ele era. Não um lorde,
um homem adestrado que pedia a mão da princesa em casamento e
esperava para conseguir o desejado, mas sim uma divindade corrompida por
uma perversão incomum, que tomava o que desejava. Quando a encarava
daquela maneira, Adhara se transformava na presa que Zephyr sempre
caçava.
Ele se ajoelhou diante dela, as mãos indo até os tornozelos cobertos
por um vestido de veludo pesado.
— Parar com o quê, exatamente? — As mãos deles subiram e,
quando Adhara não fez nada para impedi-lo, chegaram até a parte de trás
dos seus joelhos. — Sabe quanto tempo não a tenho? Nem sinto o seu
corpo?
As mãos subiram um pouco mais e pararam nas coxas. Adhara
engoliu em seco.
— Quanto? — perguntou de forma tola.
— O suficiente para ter o direito de possui-la agora. — Deu então o
comando. — Tire isso, quero ver você.
Adhara levou algum tempo, mas ao perceber a crescente impaciência
dele, começou a desfazer as fitas do corpete apertado. Zephyr observava
cada movimento do tecido se alargando em torno da cintura dela, os dedos
deslizando pelas fitas, uma após a outra, até que a parte superior se abriu e
os seios se libertaram.
A princesa começou a erguer o vestido pelo corpo e ficou surpresa
com o controle que ele mantinha. Adhara podia sentir o olhar de Zephyr
passeando por cada pedaço de pele que era revelada e, quando ela deixou o
tecido finalmente escorregar, um sorriso triunfante brotou nos lábios do
Elemental.
— Ora… a princesa do Sul não gosta de usar nada por debaixo do
vestido, ou fez isso sabendo que viria propositalmente me ver?
Adhara não respondeu, olhando-o de cima e dando de ombros.
— Você pediu para que eu o tirasse…
Zephyr adorava aquela petulância nela. Os olhos verdes o olhavam de
cima, corajosos e desafiadores, fazendo com que seu pau começasse a
latejar. Ela não tinha noção do perigo e, por ser assim, aquilo a tornava
ainda mais saborosa.
Ele sorriu e correu as mãos pelos quadris largos, aproximou o rosto
entre as pernas dela e mordiscou a parte interna das coxas. Escutou-a
respirar fundo, mas sabia que ela estava despreparada para o que viria a
seguir. A língua mergulhou no sexo dela de uma vez, sentindo o gosto único
que possuía, invadindo-a sem pedir permissão, pegando tudo o que tinha
direito, sua excitação e essência.
Adhara gemeu e abriu as coxas para senti-lo melhor. Zephyr colocou
uma delas sobre o ombro, abrindo-a ainda mais, devorando tudo o que tinha
direito, tudo aquilo o que Adhara lhe ofertava. Enfiou então um dedo nos
lábios molhados e sentiu-a apertá-lo.
— Merda, Adhara. — Ele praticamente rosnou. — Eu poderia viver
entre suas pernas.
Zephyr percebeu o tremor e decidiu cessar a agonia. Levantou-se e a
acolheu em seus braços, enquanto Adhara o abraçava pela cintura. Sentiu a
intimidade dela, umedecida e pegajosa. Com um gesto ágil, a acomodou na
cama e se posicionou acima dela, como um predador após um longo
período de abstinência.
Ela o acolheu, pronta para tê-lo dentro de si. O Elemental pensou em
prolongar o momento, mas ao ver o sexo úmido dela, percebeu que não
conseguiria manter a sanidade caso prorrogasse mais um instante que fosse
para possuí-la.
Com apenas um movimento no quadril, ele a tomou, invadindo-a e se
afastando para fazer de novo, antes que ela pudesse se acostumar. Adhara
gemeu e tentou puxá-lo com as pernas, o que Zephyr permitiu por um
momento, antes de invadi-la novamente. Os movimentos tornaram-se quase
urgentes, enquanto ela correspondia a cada investida dele, as dobras
molhadas apertando o pau.
Ele enfiou o nariz nos cabelos ondulados, sentindo o aroma adocicado
de peônias. Depois, correu a língua pelo pescoço dela, o gosto de Adhara
era melhor do que qualquer alma que um dia desejou aprisionar. Tê-la ali
fazia com que o seu sabor se tornasse ainda mais intenso.
O que Atman diria ao saber que profanava um corpo tão puro em
busca do gozo? Zephyr havia experimentado incontáveis prazeres desde que
desceu ao mundo corpóreo, a fim de descobrir o melhor que aquele lugar
tinha a oferecer.
Fazer sexo com Adhara, naquele caso, era ainda mais prazeroso que
apertar o pescoço de um inimigo e ver o brilho sumindo de seus olhos,
melhor que sentir o lamento de uma alma quando o seu humano desistia de
lutar pela vida, mais excitante que sentir o poder de Asteria em suas veias.
Ele sentiu as unhas dela lhe arranharem as costas quando Adhara
arqueou o corpo em sua direção. O prazer a envolveu por completo,
preparando-a para gritar, mas ele a silenciou com uma mão enquanto a fodia
como um animal.
Zephyr mordeu um dos seios dela e sentiu o sexo pulsar, apertando-o
no processo. Depois, enterrou o rosto na curva do pescoço da jovem,
pensando que poderia perder a sanidade quando seu próprio prazer lhe
dominou. Mordeu o pescoço dela sem se importar se poderia deixar uma
marca, movendo o quadril algumas vezes depois que alcançou o clímax
dentro dela, diminuindo por fim o ritmo para recuperar o fôlego. Relutante,
ele retirou a mão da boca dela e afastou o rosto, observando-a.
Adhara estava corada e Zephyr sabia que teria em breve manchas
roxas pelo corpo, onde ele a mordeu e a apertou. Os vestidos sulistas fariam
um belo trabalho para escondê-las.
— Se gritasse meu nome, todo o castelo escutaria.
— Quem disse que eu o faria?
Ele soltou uma risada e mordeu o seio dela de novo, fazendo-a gemer.
— Desculpe por isso. — Os dedos acariciavam onde a havia marcado,
deslizando pelos mamilos endurecidos e fazendo o corpo dela responder
àquele toque. — Mas não consigo resistir quando os vejo.
— Você não consegue resistir a nada.
Ele sorriu, mas não respondeu à provocação. Sentia o pau pulsar
dentro do sexo dela e sabia que, se não se afastasse, não a deixaria sair
daquela cama. Continuou acariciando-a nos seios, subiu a mão pelo colo. O
toque foi para o pescoço, subindo mais um pouco, deslizando pelos lábios
cheios e rosados. Os mesmos de Aelua.
— Sua alma é igual a você — ele deixou escapar.
Ela não pareceu surpresa. Zephyr sabia que a princesa havia a
conhecido através dos sonhos. Foi a partir desse encontro que ela decidiu
fugir dele pela primeira vez. Esperava que não o fizesse de novo, apesar da
ideia de caçá-la ser extremamente excitante.
— Por que a deixou livre, Zephyr? — Adhara nunca o havia
questionado sobre aquilo. — Por que renunciou a todas as almas?
Ele demorou a responder, ainda acariciando o rosto dela quando o fez.
— Fiz o que foi preciso para tê-la de volta. Porque a amo. — Os seios
dela pararam de subir por um instante, como se ela perdesse o ar, mas
depois a acompanharam numa respiração acelerada. — Eu sonhei com
você… A conheci antes mesmo de descer para o mundo corpóreo. — Ele
fitou-a com atenção. — Soube que era minha desde que senti sua pele sobre
mim.
Adhara piscou algumas vezes.
— Você não pode me dizer isso enquanto está entre minhas coxas.
— Direi todos os dias da sua vida.
Ela se remexeu debaixo do Elemental, o pau dele começando a
acordar com aquele movimento.
— Vou dizer isso até que pare de ter medo … — Ele a impediu de
retrucar com um dedo sobre o lábio dela, pois sabia que negaria aquilo. A
questão era que podia sentir o medo de Adhara sempre que se aproximava.
Era um sentimento que qualquer outro humano teria ao confrontar o seu
poder, mas não sua princesa. Adhara precisaria aprender a lidar com aquilo,
aprender a amá-lo como era. — Até que pare de ter medo e compartilhe
desse amor.
Ele a observou, ficando surpreso em ver como o sentimento mais
puro fluía pelos olhos verdes da jovem.
— Eu já o amo, Zephyr.
Lágrimas rolavam pelo rosto de Adhara e ele delicadamente as
pegava com os lábios, saboreando cada uma. Até mesmo elas eram doces…
Zephyr sabia que se dedicaria inteiramente a ela, ansiando por sua
felicidade. Sonhava em vê-la percorrendo o Sul, testemunhando a
recuperação de seu povo. Almejava lhe ouvir a risada, observar a neve
acumulando em seus cabelos enquanto cavalgava. Ansiava por sentir a pele
dela estremecendo quando, na floresta, ele a desnudasse. Queria degustar de
cada emoção humana, não através da dor de uma alma aprisionada em um
relicário, mas através de cada nuance de vida que Adhara lhe revelaria.
E quando a morte humana a abraçasse, Zephyr voltaria para Asteria
para acompanhar Aelua até sua casa, a alma da mulher que amaria pelo
resto da sua existência imortal.
EPÍLOGO
Merik possuía os olhos mais negros que Alys um dia tinha visto em
um rosto humano. O cabelo era levemente ondulado e estava penteado para
trás em fios arrumados, o que deixava o rosto sem defeitos à mostra. Vestia-
se todo de preto e a palidez da pele ficava mais acentuada por causa das
cores escolhidas. O couro do gibão possuía um pequeno broche prateado,
com uma insígnia que ela não reconheceu, o único tom claro além da pele e
do anel que usava
Por mais que Alys já tivesse visitado vários lugares por todo o reino
— até mesmo na corte, acompanhada da tia —, aquele homem era bem
diferente dos que ela estava acostumada a ver. Era muito belo, mas gritava a
ela que representava o perigo do qual Alys fugia quando entrou naquela
taberna.
QUERO LER
Sibyl se lembrou da sensação que a engolfou quando pisou no chão
de mármore escuro. Nem mesmo enquanto dançava conseguiu esquecer o
suposto perigo que a rondava, a ameaça silenciosa que circulava por aquele
baile. Ao observá-lo, percebeu que a ameaça ainda estava presente e vinha
dele, de forma mais sutil, refinada e convidativa. Sibyl queria abraçá-la,
tocá-la como uma amante.
QUERO LER
Quando Domenico colocou os olhos sobre ela, percebeu que estava,
definitivamente, perdido. O aroma do sangue dela o atingiu como um soco
e fez suas presas descerem como há séculos não desciam. Gwendolyn
possuía uma beleza selvagem, indômita e perigosa. Com uma pele escura e
acetinada que parecia ser acariciada pela Lua, havia herdado o mesmo
cabelo cheio e encaracolado da mãe. No entanto, onde Eliphas tinha
escuridão nas orbes, os de Gwendolyn eram banhados em prata, o mesmo
tom dos fios.
A história da rainha que conquistou todos em "O Domador de
Bruxas" e como ela fez um vampiro puro-sangue cair de joelhos.
QUERO LER
OUTRAS HISTÓRIAS
QUERO LER
Século XXV. O mundo é comandado por dois polos igualmente
dominantes: a Fé, com bispos famintos por poder, que se aproveitam de
uma religião distorcida, e a Ciência, na qual pesquisadores da robótica
injetam a inteligência em novas criações e precisam de limites. Um passo
grande e irresponsável é dado e a linha tênue que separa a união delicada
dos dois polos é quebrada. Nesse mundo, Annelise Mitchell é chamada
para voltar a trabalhar na Ciência e fazer o que faz de melhor, mas acaba
sendo convidada a participar de uma investigação extraoficial, que pode
envolver a segurança dela e das pessoas que estima. Além disso, depara-se
com uma criatura que faz todas as suas certezas entrarem em conflito:
Annie estava surpresa ao ver como os androides criados pela Ciência eram
belos, mas havia algo naquele que a intrigava e não era nada relacionado ao
timbre mecânico quando ele falava, que sumia à medida que conversavam...
QUERO LER
SOBRE A AUTORA
CORA FÉLIX
Ilustradora, escritora e pesquisadora de criaturas fantásticas, Cora
Félix iniciou sua vida literária por meio das fanfictions (histórias de fãs), até
começar a produzir livros autorais. Estabeleceu carreira no campo erótico,
mas, por ser apaixonada por vilões, passou a se dedicar à escrita de ficção
fantástica — hoje, com foco exclusivo na construção de livros fantásticos e
sobrenaturais. Autora da trilogia Atman, O Domador de Bruxas marcou sua
estreia na fantasia adulta e foi recorde de vendas na Bienal do Livro de
2022. Cora também já foi listada entre as autoras mais vendidas da
Amazon, chegando à 5ª posição.
Acompanhe as novidades e lançamentos da autora nas suas redes!