Fichamento - MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos Da Constituição. Abertura. Cooperação. Integração. Curitiba - Juruá, 2013

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Fichamento: MALISKA – Fundamentos da Constituição

Aluno: Luiz Paulo Muller Franqui.

Texto: MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição. Abertura.


Cooperação. Integração. Curitiba: Juruá, 2013.

Aula:

- Conceito de integração (Smend).

- Abertura e cooperação são conceitos pouco explorados no Brasil, muito


embora a CF tenha colocado um marco importante nessa questão,
contemplando esses elementos em vários dispositivos (inclusive nos
fundamentais).

- Abertura e cooperação estão juntos a partir da década de cinquenta no direito


constitucional alemão – integração da Alemanha no sistema europeu (EU,
ONU).

- O conceito de direitos humanos é central para compreender essa questão, a


partir das gerações dos direitos fundamentais.

- Na abertura para dentro, o Direito Constitucional vai dialogar com o problema


do pluralismo social, não mais prevalecendo a ideia de sociedade coesa, típica
da formação dos estados nacionais (elementos de homogeneização).

- A luta por direitos implica na ideia de que as pessoas têm direitos, e que
estes devem ser reconhecidos pela comunidade.

- A CF de 88 vai absolver a universalização de direitos humanos e o


reconhecimento dos direitos das minorias – cuja ebulição se deu com os
movimentos sociais típicos da década de 60.

- A paz é o objetivo desse constitucionalismo pós-guerra. Há uma proliferação


de instituições internacionais que legislam e normatizam.
- pessoa humana dos direitos humanos: a) autonomia [plano de vida e traçar
objetivos]; b) significação [cultura segundo a natureza do homem, no contexto
em que está inserido].

- liberalismo político de Raws coloca o fato de pluralismo como central na


discussão do liberalismo político, que precisa justificar a base comum,
formulando-a e demonstrando a sua aceitabilidade frente a diversidade
existente. O limite é o mínimo do consenso. Para além disso, o liberalismo não
intervêm.

- Essa visão seria insuficiente para trabalhar o liberalismo. Habbermas parte do


pensamento republicano para tratar o cidadão como um agente político
atuante. Autonomia pessoa e política (Forst).

Fichamento:

ABERTURA DA CONSTITUIÇÃO PARA FORA


As constituições em maior ou menor medida possuem dispositivos que
indicam certo grau de abertura. Neste trabalho, essa abertura é considerada
elemento fundamental das Constituições, visto que se pode afirmar com
segurança que não há condições hoje de existência isolada de um Estado,
assentado sobre si mesmo, independente da comunidade internacional: “a
sociedade internacional dos nossos dias é completamente diversa da do século
anterior em virtude de um fator principal: os Estados compreenderam que
existem certos problemas que não podem ser resolvidos por eles sem a
colaboração dos demais membros da sociedade internacional”
Esse tema tradicionalmente remeteu à clássica distinção entre as
teorias monista e dualista que compreendem a relação entre o direito
internacional e o direito interno de cada Estado. Para Kelsen, sustentando a
teoria monista, a maioria das normas de direito internacional “são normas
incompletas que recebem a complementação das normas de Direito nacional.
Assim, a ordem jurídica internacional é significante apenas como parte de uma
ordem jurídica universal que também abrange todas as ordens jurídicas
nacionais”
e faz necessário trabalhar a relação entre Constituição e Democracia,
visto que sendo o estatuto jurídico da ordem política, a Constituição
desempenha papel fundamental de legitimação democrática do sistema
jurídico, seja ele nacional ou internacional: ela é fonte de legitimação
democrática tanto para baixo como para cima. Para Neves, a Constituição
implica uma circulação e contra circulação estrutural básica entre
administração, política, público e povo, sendo que esse último fecha o sistema
político quando o público como pluralidade converte-se em povo, como unidade
procedimental construída constitucionalmente.
A discussão sobre a abertura da ordem constitucional parte do
Princípio da Supremacia da Constituição. Na condição de centro que irradia o
fundamento de legitimidade para a produção normativa compartilhada no plano
externo, a Constituição interage com outras Constituições também
empenhadas em produzirem normas de forma compartilhada ou cooperativa.
Por certo que todas devem possuir certa disponibilidade para aceitar o que vem
de fora, pois, do contrário, a existência de uma ordem normativa internacional
integradora dos Estados constitucionais enquanto Estados constitucionais
cooperativos, não seria possível.
No entanto, é possível se colocar a questão se essa abertura da ordem
constitucional para fora, ou seja, a predisposição da ordem constitucional em
aceitar em seu seio interferências externas, não teria o condão de
desestabilizá-la de tal forma que não se poderia mais falar de uma ordem
constitucional no sentido que esse conceito foi desenvolvido na modernidade?
Haveria uma nova ordem constitucional?
A resposta sobre se há uma nova ordem constitucional pode ser dada
tanto em sentido positivo quanto negativo. Talvez seja mais adequado entender
o fenômeno do que procurar argumentos no sentido de justificar a existência ou
não de uma nova ordem constitucional.
Questão mais complexa é saber se há condições de manutenção de
uma ordem constitucional como tal, tendo a abertura como um de seus
elementos fundamentais. Não se estaria fragilizando a ordem constitucional na
essência ao entender a interferência externa como um elemento intrínseco?
Esse questionamento é central nessa discussão, visto que uma
eventual má compreensão do sentido da abertura pode levar a pré-
compreensões equivocadas da Constituição, o que pode colocar em risco
interpretações do texto constitucional vinculadas ao tema aqui tratado.
Nesse momento de abertura da ordem infraconstitucional um largo
campo de ações se abre, tanto no plano normativo como no material. A ordem
internacional construída pelos Estados modernos, de certa forma, já foi um
indicativo de abertura dos sistemas jurídicos nacionais, pois a disponibilidade
dos Estados em firmarem tratados entre si já implicou a aceitação de algo que
vem de fora.
Num segundo momento, a abertura pode compreender também o texto
da Constituição, o que, de certa forma, pode gerar dúvidas sobre a sua
autopreservação. No entanto, é importante observar que os mecanismos de
defesa da Constituição estão presentes nas chamadas cláusulas pétreas.
A rigor a discussão sobre os riscos da abertura constitucional deve
enfrentar o tema da extensão dessa abertura, pois se encontra no grau de
abertura da ordem constitucional o indicativo de uma maior ou menor
interferência externa.

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


No contexto do papel central que desempenham os direitos humanos
na ordem constitucional, vale ressaltar o caráter humanista do
constitucionalismo, que tem os direitos fundamentais como elemento
estruturante. O constitucionalismo, desde as suas origens, esteve vinculado a
uma visão humanista de organização política, centrada na ideia deque o
Estado deve respeitar os direitos dos cidadãos; a finalidade do Estado é a
garantia dos direitos dos cidadãos. Essa compreensão racional da vida política,
afastada de elementos transcendentais ou tradicionais, coloca o homem no
centro, como fim em si mesmo.
A doutrina constitucionalista confere aos direitos fundamentais a
condição de integrante do assim chamado núcleo essencial da Constituição:
“os direitos fundamentais integram (...) ao lado da definição da forma de
Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do
Estado Constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da
Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material.”
Uma reflexão necessária quanto à chamada abertura da ordem
constitucional para fora visando a proteção dos direitos humanos seria a de
indagar se ainda possui validade a distinção metodológica entre direitos
humanos e direitos fundamentais. Se os direitos humanos integram a ordem
constitucional, eles não estão sujeitos a um regime jurídico diferenciado que
possa ensejar a distinção metodológica referida. Sob o ponto de vista
normativo tanto os direitos humanos como os direitos fundamentais seriam os
direitos básicos integrantes da ordem constitucional.
Um esforço no sentido de dar certo conteúdo aos direitos humanos
definidos nos documentos internos, ainda que não esteja à mercê de críticas
quanto a sua vinculação é encontrado em Brugger, que define pessoa humana
dos direitos humanos como condução de vida autônoma, com significado e
responsabilidade, através da autonomia, significação, responsabilidade,
proteção da vida, e condução de vida.
Para Brugger, a compreensão dos DHs importa entender os cinco
elementos como uma procedência comum. Segundo Heidelberg, há vantagens
e desvantagens em falar da pessoa humana dos direitos humanos.
Pois de um lado o conceito de pessoa humana mostra uma visão
global, resumida em direitos humanos, ao mesmo tempo em que há um perigo
de instrumentalização ideológica de uma das culturas consideradas.
A visão dos direitos humanos por meio das constituições apresenta
uma análise peculiar, pois passam a ser analisados pela cultura local, de forma
que serão postos a prova, no plano internacional, quando houver dissenso
entre as culturas.
Como se deve interpretar o compromisso das Constituições com os
direitos humanos? Esse compromisso é de observar os direitos humanos no
plano interno, ou seja, o país se compromete perante a comunidade
internacional de que em seu território os direitos humanos serão respeitados,
ou esse compromisso internacional com os direitos humanos também autoriza
uma ação externa, de monitoramento do respeito aos direitos humanos para
além das suas fronteiras?
Piovesan identifica três possíveis impactos que os Tratados
Internacionais de direitos humanos podem produzir na ordem jurídica deum
Estado: “a reprodução de disposições de tratados internacionais de direitos
humanos (...) revela a preocupação do legislador em equacionar o Direito
interno, de modo que se ajuste, com harmonia e consonância, às obrigações
internacionalmente assumidas pelo Estado (...). Um segundo impacto jurídico
(...) resulta no alargamento do universo de direitos nacionalmente garantidos.
Com efeito, os tratados internacionais de direitos humanos reforçam a Carta de
Direitos prevista constitucionalmente, inovando-a, integrando-a e completando-
a com a inclusão de novos direi-tos”.43 Como terceiro impacto, a Professora de
São Paulo elenca os eventuais conflitos entre o Direito Internacional dos
direitos humanos e o Direito interno, o que, em síntese, se revela em parte
significativa do núcleo da discussão do presente trabalho.
O compromisso com os direitos humanos deve igualmente pautar as
relações externas do país, de modo a exigir, no campo das negociações
internacionais, a imposição de condições para a realização de tratados ou
acordos. Os direitos humanos de alguma forma passam a ser critérios
constitucionais de referência nas relações internacionais travadas pelo país.
O compromisso com os direitos humanos também se apresenta na
possibilidade de o país intervir nos fóruns internacionais, denunciando a
violação de direitos humanos. O compromisso com os direitos humanos impõe
vigília quanto a sua real observância.

A SOLUÇÃO PACÍFICA DOS CONFLITOS


A paz é um dos objetivos mais importantes do direito. A garantia de
direitos tem como consequência a contrariedade de interesses e, por vezes, o
conflito. No entanto, dialeticamente, a tensão decorrente da existência de
interesses contrapostos decorrentes do reconhecimento de direitos não afasta
a superação dessa tensão e a busca da paz social. Uma sociedade
democrática vive em tensão permanente, visto que os direitos são afirmados a
toda hora, e a pacificação social depende de decisões pautadas juridicamente.
A paz, por sua vez, pode ser compreendida tanto em sentido negativo
quanto em sentido positivo. A paz negativa seria aquela situação de ausência
de guerra, que, em geral, caracteriza-se por ser instável e temporária. Ela pode
ser alcançada tanto por meios violentos como pelo direito. Talvez se possa
dizer que essa paz não seja verdadeira, visto que está constantemente sendo
ameaçada. A paz construída exclusivamente como a ausência da guerra é paz
construída sobre alicerces fracos, que não irão perdurar por muito tempo.
Pacificação social é muito mais que ausência de guerra.
A paz positiva, de outro modo, está vinculada à justiça, pois a
pacificação social somente é possível sob o reino da justiça. Nesse momento, o
tema da paz se vincula ao dos direitos humanos, pois, em linhas gerais, a ideia
de justiça hoje está assentada essencialmente na garantia de direitos. Neste
sentido, observa Ricobom que o Conselho de Segurança da ONU tem
considerado, “com mais frequência, como ameaça à paz questões de natureza
civil, humanitária e ecológica, incluindo violação aos direitos humanos,
terrorismo, dentre outras. Importa ressaltar que, em todos esses casos, as
medidas sempre serão realizadas por meio do Conselho, visto que a
intervenção unilateral não é permitida pela Carta das Nações Unidas. Na
verdade, quando o art. 2º, inciso 4 da Carta prevê que os Estados devem evitar
qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas, está
englobando as questões de igualdade dos direitos dos povos, direitos
humanos, liberdades fundamentais e autodeterminação dos povos, além, é
claro, de outros princípios que o Conselho de Segurança possa auferir,
dependendo do caso concreto. No entanto, na Carta das Nações Unidas não
existe nenhum dispositivo explícito e inequívoco que autorize o uso da força
para a proteção dos direitos humanos, ainda que a estimulação destes apareça
como propósito, no artigo primeiro”.
No âmbito da abertura para fora da ordem constitucional, a solução
pacífica dos conflitos implica reconhecer que outras ordens constitucionais
igualmente soberanas possuem os mesmos direitos numa ordem internacional
de Estados constitucionais, e o conflito de interesses deve ser mediado por
formas de resolução de conflitos que impliquem a aceitação de decisões
externas, sejam jurisdicionais ou não jurisdicionais.
No âmbito da política, as relações internacionais desde sempre foram
mediadas por procedimentos diplomáticos sensíveis à necessidade de se evitar
o conflito armado, ou seja, nesse aspecto não há propriamente novidade: os
bons ofícios, a conciliação e a mediação são instrumentos clássicos da
diplomacia.
Em texto clássico sobre a paz nas relações internacionais Kant
apresenta três condições definitivas para a paz perpétua: (i) a necessidade de
toda Constituição burguesa de um Estado ser republicana; (ii) a existência de
um sistema federativo de Estados livres através do direito internacional; (iii) e a
existência de um direito cosmopolita como dever de hospitalidade.
Kant esboça uma verdadeira Teoria do Direito Público, consistente na
compreensão da relação do indivíduo dentro de uma comunidade política; da
relação do Estado no conjunto da comunidade internacional e igualmente da
relação do indivíduo com um Estado estrangeiro. Note-se que o indivíduo
permanece no centro, como referência aos outros planos da construção
jurídica, consistentes na garantia de direitos para além das fronteiras estatais.
Trata-se de uma proposta assentada no Direito, pois “somente por meio do
Direito os cidadãos e os Estados alcançam a paz”.
A atualidade de Kant está presente nas três condições que coloca para
uma paz perpétua. Quanto à primeira, a necessidade de toda Constituição
estatal ser republicana está fortemente vinculada ao caráter intrinsecamente
pacifista da estrutura republicana de poder controlada popularmente e
assentada na existência de direitos e deveres fundamentais. Os cidadãos não
estão dispostos a suportar os custos das guerras, sejam eles financeiros, de
vidas e de sofrimento. Note-se que aqui se fala propriamente de cidadão e não,
de súdito, ou seja, de emancipação da menoridade, de autonomia do sujeito,
que se guia por sua própria razão.
O reconhecimento por Kant de que o republicanismo deve estar na
base da federação de Estados está em sintonia com a ideia de abertura da
ordem constitucional. A abertura da ordem constitucional não implica a negação
da estatalidade ou a sua substituição por outra ordem “superior”. O Estado
constitucional cooperativo ainda é fonte de legitimação democrática da ordem
jurídica enquanto expressão da vontade subjetiva do povo, que tanto vincula as
estruturas políticas para fora, quanto para dentro.
O chamado Estado constitucional cooperativo reconhece o importante
papel que ainda realiza o Estado constitucional como condição da democracia.
Ainda que a ordem constitucional do Estado seja fundamental para que as
conquistas da modernidade sejam garantidas, essa ordem constitucional se
abre para fora e reconhece elementos externos. A rigor, essa abertura é
também uma fonte de legitimidade da ordem constitucional.
Kant também relaciona a ideia de paz com a de justiça. Se o lema
romano era “se você quer a paz, arme-se para a guerra”, Kant a substitui pelo:
“se você quer a paz, cuide da justiça” (“Si vis pacem, para iustitiam”). Por certo
que aqui há que se falar nas circunstâncias da justiça, ou seja, a justiça política
depende de condições para se concretizar.60 A existência de um ambiente de
paz (paz negativa) gera as condições para o estabelecimento da justiça (paz
positiva). Sem aquela, não existe essa; sem essa, aquela não se mantém.
A referência à paz como critério de delimitação da chamada abertura
constitucional para fora acaba por delimitar o tema da paz positiva no contexto
da relação externa da ordem constitucional. Assim, o tema da justiça será
desmembrado em duas partes: uma primeira, referente à ideia da paz positiva
no contexto da abertura para fora da ordem constitucional e do relacionamento
dessa ordem constitucional com outras ordens constitucionais e organizações
internacionais; e uma segunda, vinculada à abertura da ordem constitucional
para dentro: a relação entre igualdade e diversidade em sociedades plurais.
O declínio das grandes guerras internacionais se expressou nas leis e
nos costumes internacionais, pois, se a guerra durante séculos, se não
milênios, foi utilizada pelas sociedades politicamente organizadas para
conquistar territórios, desde o século XX, mais precisamente desde o art. 10 do
Pacto da Liga das Nações, tal mecanismo foi formalmente proibido pelo direito
internacional: “pela primeira vez na história, a integridade territorial e a
independência política – em outras palavras, o direito de não ser conquistado –
dos Estados foram reconhecidas como normas internacionais fundamentais”.
O chamado Estado de bem-estar social de certa forma canalizou as
energias do Estado: “no nível da retórica, a mudança rumo ao Estado de bem-
estar social começou durante a própria guerra. Tanto Churchill quanto
Roosevelt estavam bem conscientes de que seria preciso compensar os
sacrifícios dos trabalhadores pelo Estado; quando assinaram a Carta do
Atlântico no início de 1942, declararam oficialmente que a ‘libertação da
pobreza’ seria um dos principais objetivos dos Aliados”.
Essa busca pela paz por meio do Direito se apresentou igualmente nos
propósitos das organizações internacionais e supranacionais, tanto da
Organização das Nações Unidas, no plano global, como, por exemplo, das
Comunidades Europeias, no plano regional: os objetivos iniciais da união
europeia, da geração dos fundadores Schumann, de Gasperi e Adenauer até a
geração de Helmut Kohl foi o desejo de encontrar um fim definitivo para as
sangrentas guerras na Europa.
A Comunidade Econômica Europeia já apontou para algo mais amplo,
ou seja, a ideia de manutenção da paz não apenas por mecanismos que
evitam a guerra, mas por meios econômicos e sociais de sustentabilidade
duradoura das relações de paz. Os avanços da união apontam nesse sentido,
de uma cada vez maior abertura, cooperação e integração dos Estados
constitucionais. Essa tendência, guardadas as devidas proporções, é
igualmente verificável em outras formas de organização regional de Estados,
como o Mercado Comum do Cone Sul – Mercosul, que surgiu a partir do
entendimento brasileiro-argentino.

ABERTURA DA CONSTITUIÇÃO PARA DENTRO


O conceito de abertura, além de indicar um elemento fundamental da
existência da ordem constitucional no contexto de uma rede de Constituições,
também serve para caracterizar as Constituições de sociedades pluralistas.
Assim, a ordem constitucional se abre para dentro69, para a sua própria
sociedade, no sentido de que, além de garantir o pluralismo, a ordem
constitucional se abre para ele. Para Canotilho, o moderno Estado
constitucional “seguiu o paradigma estatista-constitucional. Existe só uma
Constituição – a do Estado – e apenas um poder criador de Constituições, ou
seja, o poder constituinte”. Para o constitucionalista português, a “função social
da constituição era semelhante à do Estado: ‘integrar’ e ‘unir’ pessoas, credos,
culturas, grupos, etnias, ‘nações’ e ‘povos’ no mesmo território e sob a
soberania do Estado. A função integradora da Constituição carece hoje de uma
profunda revisão originada pelos fenômenos do pluralismo jurídico e do
multiculturalismo social”
Canotilho designa como “pluralismo jurídico a situação em que existe
uma pluralidade heterogênea de direitos dentro do mesmo campo social. O
‘pluralismo de direitos’ pressupõe uma sociedade multicultural formada por
vários grupos culturais que produzem normas e atuam no mesmo espaço
social e interagem com as normas produzidas pelas ‘macroculturas’
dominantes nesse mesmo espaço”.
O pensamento pós-moderno rejeita ideias lineares, como de progresso,
de verdades e valores universais e igualmente de qualquer forma de pensar
que possa levar à definição de pessoas fixas e identidades unitárias ao invés
de compreender a identidade como um processo contínuo de experimentação
e autodefinição na evolução das relações sociais.
Os movimentos sociais foram em geral caracterizados como “novos
movimentos sociais” em oposição aos antigos, tradicionais, que eram
motivados pela ênfase no crescimento e na seguridade social: “os atores
sociais atuam no antigo paradigma como grupos econômicos de interesse; (...)
Os valores básicos são: liberdade e segurança no consumo privado e
progresso material”.
Os novos movimentos sociais que surgem no contexto dessas
sociedades em transformação se apresentaram tanto nas chamadas
sociedades desenvolvidas quanto nas sociedades em desenvolvimento: “se
nos países centrais a enumeração dos novos movimentos sociais inclui
tipicamente os movimentos ecológicos, feministas, pacifistas, antirracistas, de
consumidores e de autoajuda, a enumeração na América Latina (...) é bastante
mais heterogênea”
Assim a afirmação das particularidades ressalta a dimensão social e
cultural, que expande a discussão da luta política por garantia de direitos para
além de uma visão exclusivamente economicista. No contexto do
constitucionalismo brasileiro é possível se afirmar que toda essa agitação
social e cultural, que promoveu a liberação dos costumes, chamou a atenção
para a causa ambiental e que igualmente lutou por melhores condições de vida
dos estratos sociais historicamente explorados da sociedade brasileira, acabou
por influenciar significativamente o processo constituinte brasileiro e, por
conseguinte, a Constituição que foi promulgada em 1988.
Assim, o texto constitucional acabou por contemplar essa ampla gama
de direitos, que passou a exigir do Direito Constitucional, em especial, um
aparelhamento teórico compatível com as necessidades de garantia desses
direitos, bem como de combinação deles com certa unidade política inerente ao
propósito constituinte. A afirmação de que a Constituição garante o pluralismo
implica uma relação complexa, pois se apresenta como uma dificuldade de
grandes proporções à delimitação da extensão desse pluralismo ou, até
mesmo, a possibilidade dessa delimitação. O pluralismo é intrínseco à
dinâmica das sociedades, ou seja, não há uma ordem plural pronta e acabada,
mas sim uma ordem plural em constante mutação, em que novos direitos são
continuamente afirmados.
O tema objeto do presente estudo tem sido debatido no âmbito da
filosofia política. Rawls, revisitando o seu clássico A Theory of Justice,
comunga da ideia de que as sociedades modernas não se caracterizam
apenas por um pluralismo de doutrinas religiosas, filosóficas e morais
abrangentes, como ele se refere, mas por um pluralismo de doutrinas
incompatíveis entre si, porém razoáveis.
O consenso quanto ao mínimo comum tem também promovido um
amplo debate sobre o papel da Constituição em sociedades plurais, se
vinculada à garantia dos procedimentos, ou se atrelada a uma ordem
substantiva. Procurar reduzir a discussão sobre o tema da relação entre
Constituição e pluralismo à distinção entre procedimentalíssimo e
substancialismo pode pouco contribuir para um esclarecimento efetivo do
assunto, além de desviar a discussão para outros campos.
As sociedades modernas em construção, que nunca vivenciaram
plenamente o Estado social sob a perspectiva do Princípio da homogeneidade,
nem mesmo o fenômeno da inclusão pelo consumo, não estão em condições
de participar do debate a partir dos referenciais substancialistas ou
procedimentalistas. Aqui a realidade deve servir de ponto de partida, e as
condições teóricas ideais devem provir das abstrações realizadas nesse
contexto.

IGUALDADE E DIVERSIDADE
A relação entre Constituição e pluralismo talvez possa ser
compreendida na relação entre igualdade e diversidade. Se a Constituição
afirma a igualdade dos cidadãos, o pluralismo reconhece as particularidades e
clama para que o princípio da igualdade seja interpretado no contexto da
diversidade.
A experiência democrática moderna esteve assentada em maior ou
menor medida no princípio da homogeneidade, ou seja, se diluiu a tensão entre
os diferentes por processos de assimilação e negação do outro. O chamado
Estado nacional foi construído a partir de um grupo hegemônico que imprimiu
seu modo de vida para o conjunto daqueles que vivam naquele território, ou
seja, o Estado nacional foi moldado a partir de uma visão de mundo não
necessariamente comungada por todos que estavam sob aquele domínio
estatal.
Ao contrário do processo de formação europeu, o Estado brasileiro
tratou de construir a imagem do brasileiro “logo após a independência política
de 1822, investiu-se muito no cerimonial da realeza brasileira e no
estabelecimento de determinadas memórias. O novo império não só dialoga
com a tradição, mas introduz elementos da cultura local.
O Estado constitucional cooperativo reconhece as diferenças e afirma o
Princípio da Igualdade como objetivo de sua existência. As Constituições ao
reconhecerem o pluralismo rompem com o princípio da homogeneidade, pois
reconhecem as diferenças e legitimam políticas públicas que buscam a
igualdade de oportunidades com respeito à diversidade.
Segundo Neves só pode haver igualdade se houver desigualdade e
que o pressuposto do Estado moderno é justamente o de reconhecer a
diversidade e a heterogeneidade social para afirmar a igualdade, não deve
desconsiderar a necessidade de certo consenso social para se afirmar a ordem
constitucional, ou seja, há limites ao pluralismo.
Assim a chamada relação entre pluralismo e Constituição deve ser
pautada pela mediação de que não há pluralismo sem Constituição.95A tensão
constante entre o “singular” e o “plural”96 se apresenta aqui na relação entre
Constituição e pluralismo. A existência da unidade, do singular, no entanto,
implica um mínimo comum, capaz de promover o vínculo com o plural.
Sociedades com maior grau de homogeneidade possuíram melhores
condições para encontrar esse consenso e maior facilidade para estabelecer
princípios de justiça social para o conjunto da sociedade.
No entanto, vive-se atualmente em sociedades que se afastam dessas
características. Nas palavras de Habermas, nem “assimilação” e nem
“coexistência” são modelos adequados, mas sim, a construção de uma
“Solidariedade entre Diferentes”, uma “Nação de Cidadãos” que não se
confunda com a origem comum de seus membros. Para Forst, uma sociedade
somente consegue manter-se no longo prazo segundo critérios de justiça, se,
além de reconhecer a igualdade de todos os cidadãos, ela também consiga se
orientar para o bem comum e a solidariedade, à pertença comum de todos os
cidadãos.
Tentando encontrar um meio-termo entre essas posições, Forst
sustenta que a comunidade política não deve ser apreendida nem como um
bem puramente subjetivo e nem objetivo, mas, como um bem intersubjetivo, no
sentido de uma comunidade de cidadãos politicamente autônomos que a
percebe como um “bem” à medida que ela lhes oferece os pressupostos
institucionais e materiais para todos poderem se compreender como membros
dignos de valor.
A comunidade política é menos do que uma ética, mas é mais do que
uma cujo fim é proteger os direitos subjetivos. Ao invés de se apoiar em valores
éticos comuns, a solidariedade entre os cidadãos consiste no reconhecimento
recíproco como concidadãos com o direito realmente efetivo à pertença plena,
isto é, à proteção da exclusão jurídica, política e social.
Para Forst, uma teoria do reconhecimento político como (a) pessoa
ética “diferente”, (b) pessoa de direito com igualdade de direitos, (c) “coautor”
do direito e (d) concidadão com o direito ao “valor” da autonomia pessoal e
política é uma resposta ao dilema da “substância sem substância” de não
vincular a cidadania a determinações e elementos ético-culturais (étnicas,
religiosas etc.) comuns e, contudo, ainda poder explicar a integração política e
a solidariedade social “substantivas”.
Os princípios de justiça são aqueles que são justificados de modo
universal e imparcial na medida em que correspondem aos interesses,
necessidades e valores concretos. Garantir o tratamento isonômico no campo
da diversidade é, por certo, estabelecer novas formas de repartição do
exercício do poder, não mais exclusivamente segundo a fórmula tradicional da
liberdade negativa, em que as forças “naturais” da sociedade delimitam o lugar
que cada um irá ocupar, mas por meio de intervenções que buscam corrigir as
desigualdades.
Uma sociedade democrática não se sustenta com a definição a priori
de papéis sociais. A liberdade moderna deve ser compreendida como a
igualdade no ponto de partida, para que cada um busque a sua felicidade. A
igualdade no ponto de partida, por sua vez, em uma sociedade plural, somente
é possível com a precisa intervenção na ordem “natural” das coisas. A
dimensão cultural da vida social, construída historicamente pelos próprios
sujeitos, consolidou em nome da manutenção da ordem, divisões sociais
hierarquizadas que efetivamente uma Constituição comprometida com o
pluralismo não legitima.
Rawls defende que a estrutura básica é o objeto primário da justiça
porque seus efeitos são profundos e estão presentes desde o começo.
Segundo ele, essa estrutura básica é marcada por expectativas de vida
diferentes, que promovem desigualdades profundas, que não podem ser
justificadas mediante um apelo às noções de mérito e valor.
Quanto à distribuição de talentos naturais como um bem comum, Forst
sustenta que Rawls, com essa argumentação, não quer dizer que as
qualidades naturais sejam “contingentes” no sentido de que elas não
pertencem à identidade do sujeito, mas sim no de que são contingentes de um
ponto de vista normativo, no sentido de que do fato legítimo das desigualdades
naturais não se pode deduzir a legitimidade de uma desigualdade social.
A justiça constitucional, enquanto unidade política de uma comunidade,
deve atentar para a igualdade de oportunidades em termos de condições
sociais mínimas disponíveis a todos. Por outro lado, essa disponibilidade não
deve ser tratada como uma obrigatoriedade para com um modo de vida em
particular, visto que, em uma sociedade plural, as visões do que seja boa vida
variam conforme as perspectivas culturais e sociais nas quais o sujeito está
inserido.
Rawls consciente das críticas a sua teoria da posição original marcada
por um véu de ignorância no qual não se levaria em conta as concepções de
bem, posição social, talentos, capacidades e preferências individuais, revisitou
seus argumentos considerando o grave problema do pluralismo razoável o qual
demonstra a ideia irrealista de sociedade bem-ordenada da justiça como
equidade.

DESAFIOS DE UMA SOCIEDADE PLURALISTA


A constituição sozinha não resolve tudo. Há uma crítica que sustenta
que a Constituição e seus intérpretes privilegiados procuram realizar aquilo que
não existe como demanda social. Para essa crítica, ao invés de ter a
sensibilidade para perceber e se manifestar sobre as demandas sociais, o
intelectual estaria procurando dar um conteúdo, impor uma visão à Constituição
de um mundo particular, tomando uma decisão e depois procurando apoio para
ela.
Independente da pertinência ou não dessa crítica, a Constituição por
vezes se adianta em termos de possibilidades normativas de novos direitos. Na
condição de existir no campo do Sollen e não no do Sein, outra não seria a sua
posição senão que prospectiva. Uma interpretação culturalista da Constituição,
ainda que esteja no âmago do movimento constitucional que surgiu após a
Segunda Guerra Mundial, teve seu desenvolvimento pautado em grande
medida, como já abordado, pelos novos movimentos sociais, que reivindicaram
uma sociedade livre, pois, se o mundo até aquele momento tinha vivenciado a
revolução econômica, a sociedade burguesa ainda marcada por ares
aristocráticos, opunha resistência à revolução cultural.
A positivação do texto não completa todas as possibilidades e alcances
normativos, visto que a concretização de princípios constitucionais passa pelo
campo da discussão pública em que as inúmeras possibilidades são avaliadas.
Essa discussão depende de muitos fatores, que são dados pelo tempo da
política. É no contexto dos arranjos internos e internacionais, em especial no
campo dos direitos humanos, que os chamados novos direitos vão surgindo e
se afirmando. A concretização da Constituição é resultado dessas ações.
No contexto do pluralismo garantido pela Constituição é possível se
afirmar a existência de pluralismos. Além do pluralismo político, decorrente da
legitimidade das diversas formas de pensar a política; do pluralismo religioso,
no qual se garante a fé como um elemento subjetivo do sujeito e o direito das
diversas congregações religiosas de se organizarem socialmente; do
pluralismo de ideias e de concepções filosóficas, que retrata a liberdade de
opinião e expressão; tem-se como síntese dessa variedade de pluralismos o
pluralismo social ou multiculturalismo social, que, em alguns casos, pode levar
ao pluralismo jurídico, conceito que alarga a compreensão do direito para além
da lei positivada pelo Estado.
Esse pluralismo decorre do reconhecimento constitucional da
existência de direitos legítimos ao lado do direito regulado pelo Estado, direitos
que são expressão de direitos assegurados constitucionalmente. A
Constituição, em determinados momentos, ao se abrir ao pluralismo,
reconhece os direitos inerentes à expressão desse pluralismo.
Quanto ao pluralismo social ou multiculturalismo social, uma questão
que merece reflexão diz respeito à liberdade individual em face do grupo social
a que pertence. Bauman, comentando a tentativa de Will Kymlicka em procurar
uma aproximação entre liberais e comunitários a partir do alargamento do
direito liberal à diferença até abarcar o tipo de diferença que os comunitários
apoiam, escreve que a diferença entre as duas correntes está no caráter
externo da diferença dos liberais, no sentido de escolha entre diversas
maneiras de ser humano e de viver a vida e no caráter interno da diferença dos
comunitários, ou seja, a recusa ou incapacidade de considerar outras formas
de vida como opções – estar determinado ou fadado a permanecer o que se é,
a se manter dessa maneira aconteça o que acontecer, e resistir a toda tentação
para o contrário.
No contexto da ordem constitucional a garantia do pluralismo não tem o
condão de afastar a liberdade individual no sentido do direito subjetivo do
cidadão de tanto se engajar em prol do grupo como de abster-se de qualquer
participação.
A situação de exclusão independe da postura que toma o indivíduo,
seja ela em prol do grupo ou de não participação. A rigor não é sob esse
aspecto que se legitima a intervenção estatal, mas sob o aspecto da
constatação da ausência de cidadania, traduzida, basicamente, na ausência
das condições materiais vitais para o exercício dos direitos.
Em um segundo aspecto, em que as condições para o exercício da
liberdade individual estão presentes, deve-se respeitar a decisão pessoal, pois
em um Estado constitucional a tomada de partido para determinada causa não
deve se apresentar como obrigação. Ainda que se possa falar em exercício de
direito, a pessoa deve ter a prerrogativa de não o exercer.
A relação entre Constituição e pluralismo deve considerar que em uma
ordem constitucional, o respeito à diferença implica a aceitação de que
nenhuma das ordens legitimadas pela Constituição possui caráter absoluto, ou
seja, de que o pluralismo deve ter como premissa básica o direito de um não
negar o direito de outro. A ordem constitucional necessita compatibilizar os
diversos interesses em jogo, e os atores sociais devem compreender essa
condição. O entendimento de que não é possível o plural sem o singular, ou
seja, que o pluralismo é garantido pela Constituição, traz implícita essa ideia.

COOPERAÇÃO NO PLANO NORMATIVO

Se a primeira parte do presente texto procurou, de alguma forma,


analisar o fenômeno da abertura sob as perspectivas interna e externa, essa
segunda parte analisará o conceito “cooperação” sob o ponto de vista
normativo e material. Em síntese, apresenta-se o conceito de cooperação
como elemento fundamental da ordem constitucional em decorrência da
constatação da não exclusividade da vida política no Estado, ou seja, há tanto
um espaço político para além do Estado (abertura para fora), como no interior
do Estado (abertura para dentro) que implicam tanto produção normativa
cooperativa, quanto cooperação material.
O conceito de abertura propicia a cooperação, que tanto pode dar-se
no plano normativo, como no material, tanto no plano externo, como interno. A
cooperação normativa, objeto do presente tópico, quando vista sob o ponto de
vista externo, traz em si a discussão sobre a compatibilidade desse
compartilhamento em face do Princípio da Supremacia da Constituição.
Igualmente há que se questionar a legitimidade democrática dessa
normatização, visto que, inserida em um ambiente distante do controle popular.
Nunca é demais lembrar que as estruturas políticas supranacionais e
internacionais decorrem de vontades estatais enquanto sujeitos de direito, o
que, por certo, traz o questionamento da sintonia entre a vontade popular e as
decisões tomadas nessas instâncias.
É possível se falar de uma dupla função legislativa do Estado
Constitucional, ou seja, a cooperação normativa agrega novos elementos ao
processo de produção legislativa estatal, visto que o Estado, ao lado da
produção normativa que realiza de modo exclusivo no plano interno, coopera
com outras ordens constitucionais na produção normativa externa, cujo
resultado apresenta uma síntese das vontades de diversas ordens soberanas.
A cooperação normativa no plano interno, se dá por meio de
concessões voluntárias do poder público estatal quanto à necessidade de
critérios outros de normatização que não aqueles exclusivamente vinculados à
autoridade estatal. Assim, a cooperação normativa se dá tanto na participação
propriamente junto ao processo legislativo estatal, quanto no reconhecimento
de um pluralismo jurídico inerente à ordem jurídica constitucional.
A abertura da ordem constitucional para dentro, se apresenta no
reconhecimento da complexidade das questões constitucionais hoje existentes
e igualmente na constatação de que os direitos fundamentais também devem
ser garantidos nas relações entre os particulares.

A PRODUÇÃO NORMATIVA COMPARTILHADA E O PRINCÍPIO DA


SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
As normas constitucionais se caracterizam por possuírem um processo
diferenciado de alteração, por vincularem o poder público, bem como por
possuírem supremacia em relação às demais normas, em especial às leis. A
Constituição expressa o conteúdo e o significado da ordem política,
caracterizando o estado político e cultural da comunidade.
A Constituição é considerada na condição de norma das demais
normas. A conformidade constitucional do ordenamento jurídico é condição
fundamental para a preservação das características da Constituição, nos
termos como o constitucionalismo moderno as definiu.
Sobre o Princípio da Supremacia da Constituição e a Soberania do
Parlamento, um estudo comparativo entre o modelo continental europeu e o
modelo inglês, Limbach observa que fundamentalmente se entende por
Supremacia da Constituição a submissão da lei e do legislador à Constituição.
Este não é sinônimo de democracia, mas é importante para a compreensão da
democracia como expressão da vontade popular por meio de seus
representantes, e da vinculação dos poderes aos valores fundamentais da
ordem constitucional.
Sob o ponto de vista normativo, as implicações da cooperação
internacional para o direito constitucional se resumem na necessidade de
distinção entre (i) produção normativa exclusiva, no plano interno e (ii)
produção normativa compartilhada (ou cooperativa), no plano externo
(internacional).
A cooperação internacional no âmbito normativo relativiza o princípio
da Supremacia da Constituição, não o subordinando às normas internacionais,
mas compreendendo-o como uma estrutura aberta. Isso implica dizer, sob o
ponto de vista do controle de constitucionalidade, que se faz necessário
demonstrar as condições de abertura do texto constitucional à cooperação
internacional, em especial nas hipóteses de possível incompatibilidade entre o
texto da Constituição e a redação de um ato normativo internacional.
O Princípio da Supremacia da Constituição tem apenas nas normas
internacionais com status infraconstitucional, que estariam sujeitas ao princípio
geral de ratificação para a sua internalização, observação irrestrita, visto que
haverá a análise da constitucionalidade dessas normas, bem como, na grande
maioria dos casos, a possibilidade de reserva quanto a partes do texto que
porventura sejam inconstitucionais. Quanto às normas comunitárias, elas, a
rigor, estão sujeitas ao Princípio da Supremacia da Constituição. Nos demais
casos o Princípio da Supremacia da Constituição deve ser observado no
contexto da abertura da ordem constitucional.
Quanto às normas de direitos humanos e às normas objeto de acordos
de paz, a Constituição previamente prevê em seu texto que tais normas não
devem ser interpretadas mediante confrontação do dispositivo normativo
possivelmente apontado como inconstitucional e a norma constitucional
possivelmente violada, mas entre a possível norma constitucional violada e o
dispositivo que promove a abertura constitucional.
A adequação da constitucionalidade de uma norma produzida de forma
cooperativa no plano externo não deve se dar pelo confronto direto entre essa
norma e a Constituição. Desta forma, quando de conflito entre o texto da norma
internacional e o texto da Constituição no campo dos direitos humanos e do
Princípio da Solução Pacífica dos conflitos, a resposta do Direito Constitucional
para esse dilema deve se dar mediante a distinção entre competência
legislativa exclusiva, que se dá no plano interno, e competência legislativa
compartilhada (ou cooperativa), que se dá no plano internacional. O acordo
internacional é resultado de várias vontades soberanas e, portanto, merece ser
analisado de forma diferenciada. Uma possível não compatibilização com a
Constituição nacional deve ser ponderada tendo em vista os critérios de
abertura do texto.
LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA PRODUÇÃO NORMATIVA
COMPARTILHADA
A produção normativa compartilhada envolve a importante discussão
sobre a sua legitimidade democrática. Fruto de acordos internacionais que são
em grande medida liderados e coordenados pela burocracia diplomática, ela
necessita de ampla legitimidade democrática. Por se tratar de legislação
standard, é razoável e até desejável que tais normativas reduzam as
possibilidades de reserva, visto que tal mecanismo, ordinário no trato dos
acordos internacionais, poderia enfraquecer o texto e deixá-lo à parte do seu
real objetivo, consistente em estabelecer critérios comuns para a proteção dos
direitos humanos e para a manutenção da paz.
Fundamentos da Constituição 652.1.2 Legitimidade Democrática da
Produção Normativa Compartilhada A produção normativa compartilhada
envolve a importante discussão sobre a sua legitimidade democrática. Fruto de
acordos internacionais que são em grande medida liderados e coordenados
pela burocracia diplomática, ela necessita de ampla legitimidade democrática.
Por se tratar de legislação standard, é razoável e até desejável que tais
normativas reduzam as possibilidades de reserva, visto que tal mecanismo,
ordinário no trato dos acordos internacionais, poderia enfraquecer o texto e
deixá-lo à parte do seu real objetivo, consistente em estabelecer critérios
comuns para a proteção dos direitos humanos e para a manutenção da paz.
Não menos importante é a questão do direito das minorias no contexto da
legislação compartilhada. Sob o ponto de vista do direito público internacional
tradicional, essa questão sempre foi resolvida mediante a possibilidade de o
Estado, no momento da ratificação, operar reservas quanto ao texto a ser
aprovado pelo Parlamento nacional. Decerta forma, esse mecanismo resolvia o
impasse decorrente da não prevalência da vontade estatal individual em face
do texto internacional ao final aprovado entre os Estados. No entanto, essa
solução no contexto dos processos atuais de cooperação e integração
internacional assentados nos direitos humanos e na solução pacífica das
controvérsias não se apresenta de grande valia em razão de que, como
afirmado, por se tratar de legislação standard, as possibilidades de reserva são
significativamente restringidas, senão, propriamente, excluídas.
O Estado nacional é uma organização política assentada no Princípio
da Soberania popular. Dele é que emana a legitimidade democrática para os
demais ajustes no tocante à cada vez maior cooperação e integração no plano
internacional. Esses outros planos de decisão – internacionais, carecem da
vinculação popular em razão até mesmo de que os Estados são a fonte de
legitimação das decisões.
O conceito de produção normativa compartilhada deve ser explorado
nesse contexto para possibilitar outras formas de atuação parlamentar. Ainda
que presentes nos modelos de organizações regionais, em que a cooperação
entre parlamentos é algo mais corrente, mecanismos de cooperação nas
diversas formas de produção normativa realizadas no plano externo devem
intensificar a participação dos parlamentos nacionais, de modo a ampliar a
participação popular na tomada de decisões, ou seja, se faz necessário forjar
procedimentos de tomada de decisões em que a condução das negociações
não esteja exclusivamente a cargo das representações diplomáticas, mas que
também possa contemplar fóruns de discussões e deliberações que integrem
os parlamentos nacionais.
as reflexões nos mostram que a produção normativa compartilhada
combina os dualismos referidos, pois a reivindicação da participação dos
parlamentos nacionais na tomada de decisão da legislação compartilhada não
exclui a igual participação de órgãos e autoridades estatais desvinculadas
diretamente da legitimidade eleitoral. A produção normativa compartilhada é
expressão do caráter complexo da democracia, que, forjada no ambiente da
nação, necessita interagir com o externo.

POSSIBILIDADES DA COOPERAÇÃO NORMATIVA NO PLANO INTERNO


A cooperação normativa no plano interno pode ser compreendida tanto
na abertura do processo legislativo estatal à cooperação com a sociedade civil,
quanto no reconhecimento de um pluralismo jurídico inerente à ordem jurídica
constitucional. O chamado Estado cooperativo pode assumir diversos
significados. Em um primeiro momento, ele pode ser identificado com o
Federalismo cooperativo, conceito que caracteriza o modelo federal que deu
respostas aos desafios do Estado social.
Voigt ao tratar do Estado cooperativo igualmente parte do pressuposto
da interação entre Estado e Sociedade, chegando a afirmar que essa premissa
encontra sua expressão no conceito de “pluralismo político”, no qual os partidos
possuem um papel significativo, e no conceito de “pluralismo social”, que
ressalta o significado dos representantes dos interesses sociais organizados.
Becker define o Estado cooperativo como aquele que se contrapõe ao
conceito de Estado caracterizado pela soberania, unidade e autonomia: o
elemento de definição do conceito jurídico de Estado, qual seja de disposição
sobre os meios de Poder unilateral e superior, principalmente em face da
economia, tem sido abolido por meio do Princípio da Cooperação. O autor
sustenta a possibilidade de se firmarem contratos de natureza constitucional
para a participação privada na atividade legislativa estatal: por contrato de
legislação se entende o acordo entre uma pessoa de direito público e uma
pessoa de direito privado no qual o conteúdo se reporta à função do sujeito
privado como participante do processo parlamentar legislativo e à busca do
objetivo da cooperação, impondo-se direitos e obrigações.
O Estado cooperativo também pode ser igualmente compreendido
como decorrente de uma sociedade aberta, que possibilita, no marco da ordem
constitucional, que, ao lado da autoridade estatal, outras formas de produção
normativa sejam possíveis. A não exclusividade estatal em matéria de
produção legislativa não implica desprestígio ou desconsideração da
autoridade estatal, mas a constatação de que a complexidade social faz com
que o Estado passe a ser o agente social mais importante, mas não o
exclusivo.
Não há que se confundir aqui o papel do Estado como de mero agente
de legitimação procedimental, no sentido de que a relação entre Constituição e
pluralismo está vinculada ao entendimento de que a Constituição está
completamente esvaziada de conteúdo; pelo contrário, a possibilidade do
pluralismo por meio da Constituição implica uma vinculação aos valores
positivados no texto constitucional que constituem aquilo que se coloca como
marco constitucional. O pluralismo de formas de vida e visões de mundo não
legitima ações que estejam fora desse marco delimitado pela Constituição.
Sendo a Constituição uma ordem da comunidade e não somente do
Estado, bem como que os direitos fundamentais estão inseridos na
comunidade e dela exigem respeito aos seus preceitos, a chamada eficácia
horizontal não seria mais do que um desdobramento dos direitos fundamentais,
pois estes não são apenas dirigidos ao Estado, mas também à comunidade
como um todo.
pode se identificar a produção legislativa não estatal nas diversas
formas de expressão jurídica do pluralismo social e político das sociedades
modernas. Os diversos grupos sociais que formam a sociedade produzem
direito para os seus membros que, uma vez estando em sintonia com a ordem
constitucional, deve ser reconhecido como direito válido perante a Constituição.
Um questionamento a ser levantado nessa situação seria o da
exclusividade da legislação penal estatal em face de um direito alternativo.
Tome-se o exemplo do infanticídio indígena. Ainda que a criminalização
específica de uma conduta que tem amparo cultural protegido
constitucionalmente não esteja em sintonia com a Constituição, ou seja, não
seria o caso de se criar um tipo penal específico para o infanticídio indígena, a
conduta em si é passível de ser apurada em nome da universalidade da
legislação estatal, visto que o infanticídio, como igualmente o homicídio estão
previstos na legislação penal.
Outra possibilidade de debate pode ser extraída da experiência
histórica. Trata-se do caso Holzdiebstahlsgesetz, publicado por Karl Marx
através de diversos artigos no Rheinischen Zeitung, no qual se discutiu uma lei
do Parlamento renano que disciplinou como roubo o fato de pessoas colherem
pedaços de madeiras caídas nas florestas à beira do Reno, atribuindo aos
infratores a pena de multa ou trabalhos forçados prestados ao dono da floresta.
Essa lei contrariou o costume estabelecido de recolher os galhos caídos no
chão para fazer fogo, absolutamente necessário à sobrevivência de um
camponês na Alemanha.
A situação acima descrita encontra-se hoje ainda presente no conflito
entre comunidades tradicionais e interesses econômicos, que, em nome do
chamado progresso, imprimem mudanças significativas no ambiente de vida de
diversos grupos humanos. Há um efetivo conflito de interesses que se traduz
de um lado na garantia do meio ambiente e nesse sentido da existência dessas
comunidades, e de outro, igualmente, no direito de exploração econômica. A
ordem constitucional deve ponderar esses interesses em conflito.
COOPERAÇÃO NO PLANO MATERIAL
A cooperação material compreende a pré-condição inerente ao
exercício dos direitos fundamentais: a existência de uma sociedade baseada
na cidadania, ou seja, cidadãos autônomos conscientes, que reivindicam seus
direitos e compreendem os deveres inerentes à condição de cidadão de uma
república.
A cooperação material tanto no plano internacional quanto interno
implica a constatação dessa realidade e a busca de sua superação. Seu
objetivo é criar as condições para que a cidadania possa ser exercida. Aspecto
importante dessa realidade é a identificação das causas sociais e culturais que
promovem a desigualdade, ou seja, as formas de dominação e exclusão
determinadas por critérios outros que não apenas o econômico: desigualdade
social oriunda das formas de relações sociais que se estabelecem no seio
dessa sociedade.
A identificação das causas sociais e culturais que determinam formas
pré-modernas de relacionamento social por si só não resolve o problema, pelo
contrário, provoca a conscientização do enorme desafio que se tem pela frente.
trata-se da combinação entre cooperação econômica material e um intenso
trabalho de conscientização das condições políticas, sociais e culturais que
bloqueiam formas de vida cidadãs. Note-se que a linha que divide formas
legítimas e ilegítimas desse bloqueio é tênue.

SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL E COMPROMISSO COM O


DESENVOLVIMENTO DO OUTRO
Os sentidos da abertura, cooperação e integração da ordem
constitucional estão vinculados à constatação de que tão legítimo quanto o
desenvolvimento de um é o desenvolvimento do outro. Analisando o conceito
de solidariedade, Riemer identifica quatro elementos estruturais em termos
gerais: (i) comunidade; (ii) deveres mútuos; (iii) estrutura organizacional; (iv)
redistribuição. O ponto central do conceito de solidariedade é a comunidade.
Solidariedade representa uma regra de relacionamento e uma fórmula
estrutural para a vida em comunidade.
a estrutura organizacional pode ser compreendida sob a perspectiva de
uma ordem objetiva, por meio do Princípio da Subsidiariedade e pela
participação. como último elemento estrutural do conceito de solidariedade
tem-se a redistribuição, visto que a característica histórica do conceito se
assenta na ideia de justiça social. O conteúdo principal do conceito de
solidariedade está na equalização dos grupos sociais, tanto sob o ponto de
vista da formação intelectual e de participação política (direito à educação, ao
voto, participação, igualdade perante a lei), como da igualdade das condições
materiais (bens e valores). A redistribuição de bens e oportunidades apoia os
membros desfavorecidos da comunidade os trazendo para os objetivos da
comunidade.
A vinculação jurídica do princípio da solidariedade internacional pode
ser analisada sob dois aspectos. De um lado, sob o ponto de vista do direito
interno do Estado, a norma constitucional que dispõe sobre formas de
cooperação e solidariedade internacional deve pautar as relações externas do
país, tanto no sentido das medidas de cunho político, como das medidas que
possam exigir esforço financeiro-orçamentário. Nesse sentido reside a sua
força normativa essencial, de imposição da vontade do poder constituinte na
ação externa do país.
No entanto, a solidariedade internacional pode ser também analisada
sob o ponto de vista do direito ao desenvolvimento. Nessa direção a análise
toma duas perspectivas. De um lado, o tema remete a discussão da
fundamentação jurídica para o campo do direito internacional, o que poderia
ensejar o questionamento da existência de um direito do Estado ao
desenvolvimento. De outro lado, a solidariedade internacional sob o ponto de
vista do direito ao desenvolvimento pode ensejar a discussão sobre a chamada
terceira geração de direitos fundamentais.
A divisão do mundo entre países centrais e países dependentes é vista
como estrutural da ordem econômica capitalista. A internacionalização do
capitalismo, com a expansão das indústrias multinacionais, indicou um novo
padrão de dependência, a rigor, uma situação de interdependência das
economias nacionais como um todo.
O tema da ajuda ao desenvolvimento no contexto da nova ordem
mundial que surgiu após a Segunda Guerra Mundial foi objeto de reflexão de
Carl Schmitt. Escrevendo sobre a situação do mundo após a Segunda Guerra
Mundial, mais precisamente sobre a realidade do início dos anos 60. Segundo
ainda o autor, o mundo após a segunda guerra viveu três estágios de evolução
política. Um primeiro, que pode ser considerado monista, no qual se teve a
pretensão de uma efetiva convergência de ações entre os dois grandes
vencedores da segunda guerra mundial, pretensão que, tendo em vista as
profundas divergências entre os envolvidos, não se apresentou como possível.
A cooperação no campo da economia se intensificou nos últimos anos
em razão da globalização econômica. A visibilidade das desigualdades de certa
forma imprime um conjunto de ações e iniciativas que visam enfrentar a
questão. A cooperação no campo da transferência de tecnologia coloca em
discussão o tema da propriedade intelectual. Se, por um lado, a proteção da
propriedade intelectual é um direito legítimo, de outro, formas de cooperação e
solidariedade material igualmente encontram espaço nos ordenamentos
jurídicos.

AJUDA HUMANITÁRIA E ASILO POLÍTICO


No âmbito da cooperação material internacional a ajuda humanitária e
a concessão de asilo político são de extrema importância. A ajuda humanitária
reveste-se de medida pragmática de amplo alcance sob o ponto de vista
daqueles que são atingidos por catástrofes naturais e eventos políticos
causadores de demandas por ajuda material.
As formas de ajuda são variadas, podendo ensejar auxílio econômico
ou material, como disponibilização de recursos humanos, doação de
equipamentos etc. Podem ser atores da ajuda humanitária internacional toda
forma de organização da sociedade civil – associações, fundações,
organizações não governamentais etc. –, Estados, organizações internacionais
e empresas.
No tocante aos conflitos armados o direito internacional humanitário se
constitui em ramo do direito que tem por finalidade “limitar os meios e métodos
passíveis de serem utilizados em uma situação de enfrentamento armado,
estabelecendo desde os armamentos dos quais as partes conflitantes podem
valer-se até o tratamento que deve ser dado àqueles indivíduos, combatentes
ou não, que estejam nela direta ou indiretamente envolvidos”
No âmbito da ajuda humanitária enquanto forma de cooperação
material no plano internacional a disponibilidade para a cooperação
internacional visando à atuação em situações de crises decorrentes de conflito
armado se constitui em aspecto importante dos fundamentos do Estado
constitucional comprometido com a cooperação internacional.
Quanto ao asilo político tem-se a situação na qual um indivíduo,
perseguido por suas opiniões políticas, convicções religiosas ou condição racial
em seu país de origem, requer a proteção de outro Estado. O asilo político não
se confunde com o direito dos refugiados, pois enquanto o primeiro refere-se a
indivíduos e é tratado caso a caso, o segundo trata dos grandes fluxos de
populações deslocadas.
A obrigação geral para com a promoção da paz implicaria a garantia de
um autêntico direito de asilo, o que para Winkler, no contexto da obra de Kant,
seria encontrado no Weltbürgerrecht, pois com ele se fecha a lacuna entre o
Direito do Estado como direito que regula a relação entre o indivíduo e o
Estado, e o Direito Internacional, que regula a simples coexistência dos
Estados. O Weltbürgerrecht transcenderia os limites do Estado conferindo ao
cidadão o status de membro não de apenas uma comunidade política
específica, mas de uma comunidade humana mundial.

POSSIBILIDADES DA COOPERAÇÃO MATERIAL NO PLANO INTERNO


As possibilidades da cooperação material no plano interno são muitas e
de variado tipo. A moderna teoria dos direitos fundamentais desenvolveu o
conceito de participação nos procedimentos de organização e realização dos
direitos fundamentais de prestação.
Nas palavras do próprio Häberle, a democracia não se desenvolve
apenas no contexto da delegação de responsabilidade formal do Povo para os
órgãos estatais, mas também mediante a controvérsia sobre as alternativas,
sobre as possibilidades e sobre as necessidades da realidade.
Assim, a atualização do status ativo de Jelinek por meio de uma
fórmula que concebe o cidadão não mais na posição de agente passivo, alheio
aos destinos de sua comunidade, mas como sujeito atuante e participante do
processo de formação de uma vida política movida pela pluralidade de ideias e
de concepções acerca do mundo, é parte da compreensão da cooperação
material como fundamento da Constituição. A cooperação material no plano
interno envolve o exercício de direitos e deveres fundamentais, resgata a ideia
de cidadania como dever cívico de participação nos destinos da comunidade.
A cooperação material no plano interno compreende todas as formas
de parcerias entre o poder público e a sociedade visando atingir uma finalidade
de interesse público. Ela reflete tanto o engajamento pessoal quanto
institucional na participação da organização e da realização de direitos
fundamentais prestacionais.
Ainda que aqui não se esteja tratando propriamente de cooperação
entre o poder público e a sociedade, mas entre os diferentes níveis de governo
do poder público, sob o conceito de federalismo cooperativo é possível se
visualizar um conjunto de políticas econômicas e sociais com o fim de se
buscar a equalização das condições de vida em todo o território do Estado, ou
seja, a busca da superação das desigualdades sociais e regionais por meio de
mecanismos de cooperação e integração política, econômica e social.
O federalismo cooperativo apresentou-se, de certa forma, como a
resposta do federalismo aos desafios do Estado social. Enquanto o chamado
federalismo dual era identificado com o Estado liberal, o federalismo
cooperativo em sintonia com o constitucionalismo social do século XX buscou
desencadear mecanismos de cooperação regional visando à superação das
desigualdades espaciais.
Além da dimensão espacial inerente ao conceito de cooperação
material, é possível perquirir outro aspecto de cooperação material, relativo à
necessidade do Estado constitucional de buscar parcerias com o setor privado
para a realização de políticas públicas. As parcerias do Estado com o setor
privado para a realização de políticas públicas é um tema amplamente
estudado no campo do Direito Administrativo e se apresenta de diversas
formas.
As formas de cooperação material do poder público com a sociedade
podem decorrer tanto diretamente da lei, quanto de acordos pactuados entre as
partes. Outro exemplo de cooperação material decorrente diretamente da lei
encontra-se nas chamadas autarquias profissionais. A entidade paraestatal ou
serviço social autônomo se constitui também em exemplo de cooperação
material decorrente diretamente da lei, pois essas entidades possuem
personalidade jurídica de direito privado, são criadas por lei para atuarem sem
submissão à Administração Pública na promoção do atendimento de
necessidades assistenciais e educacionais de certas atividades ou categorias
profissionais, que arcam com sua manutenção mediante contribuições
compulsórias.
Aqui podem ser identificadas aquelas instituições que a doutrina
administrativista tem chamado de terceiro setor. Tem sido utilizada a expressão
‘terceiro setor’ para indicar o segmento de entidades não estatais exercentes
de atividades administrativa, de modo “a diferenciá-lo do Estado propriamente
dito (primeiro setor) e da iniciativa privada voltada à exploração econômica
lucrativa (segundo setor). O terceiro setor é integrado por sujeitos e
organizações privadas que se comprometem com a realização de interesses
coletivos e a proteção de valores supraindividuais”.
No âmbito da legislação brasileira Organização social “é uma
Associação civil sem fim lucrativo ou Fundação que, em virtude do
preenchimento de certos requisitos legais, é submetida a um regime jurídico
especial, que contempla benefícios especiais do Estado para execução de
determinadas atividades de interesse coletivo”.
A cooperação material do poder público com a sociedade sob a forma
de acordos também está presente quando o Estado concede, permite ou
autoriza serviços públicos. Nas palavras de Justen Filho: “uma tendência
marcante da atualidade consiste na conjugação de esforços e recursos entre
as entidades estatais e a iniciativa privada, visando a ampliar a eficácia na
utilização dos recursos econômicos e gerar serviços públicos mais eficientes,
dotados de maior qualidade e com menor custo”.

INTEGRAÇÃO POLÍTICA E SOBERANIA

A integração política é um pressuposto da ideia de unidade


constitucional. A existência de uma Constituição, inclusive de uma Constituição
com as características de abertura, cooperação e integração somente é
possível no contexto de uma unidade política. Trabalhando os pressupostos de
uma Teoria da Constituição, Smend desenvolveu a chamada Teoria da
Integração, consistente na compreensão da Teoria do Estado não a partir de
uma perspectiva normativista dedutiva, mas com fundamento no conhecimento
sociológico e do espírito.
Smend compreende o conceito de integração em três tipos. A
integração pessoal é aquela decorrente da posição pessoal de liderança: “não
há vida espiritual sem liderança”. Um segundo tipo encontra-se na integração
funcional, em todo tipo de funções ou procedimentos integrativos, de coletivas
formas de vida. O terceiro e último tipo encontra-se na integração fática, a qual
consiste na integração através de valores comuns que se incorporam por meio
de símbolos políticos, como a bandeira e o brasão, cerimônias políticas e
festas nacionais.
Não há uma forma em que o conceito de integração aparece de
maneira pura. Os três tipos se inter-relacionam, “não há liderança que não seja
movimento de grupo, liderança em nome de um conteúdo fático ou de um fim
fático. Não há nenhum movimento formado de grupos, que não seja ativo, que
contenha participantes ativos e passivos, e sem uma finalidade fática ou
objetivo”.
A teoria de Smend auxilia a compreensão das condições necessárias
para a integração política no contexto da abertura e da cooperação
constitucional. Os três tipos de integração são instrumentos ainda válidos para
se pensar em que medida e de que maneira é possível se alcançar os níveis
necessários de integração política, mantidas as diferenças sociais e culturais
que marcam as sociedades pluralistas. Em certo sentido a integração política
necessita de substância social, não pode resultar apenas de um vínculo formal.
No entanto, essa substância social, não pode se caracterizar como algo tão
forte capaz de eliminar as diferenças sociais e culturais.
A integração política aqui em análise possui um duplo significado. De
um lado, ela se identifica com a função tradicional já desempenhada pela
Constituição, qual seja: a de promover a integração política interna, estender a
cidadania democrática a todos aqueles que estão sob a sua jurisdição bem
como promover a equalização das condições de vida no espaço do território
nacional. De outro lado, integração significa também a disponibilização da
Constituição para a integração política em outros níveis, decorrente da abertura
da ordem constitucional. Essa dupla função é claramente percebida e
apresenta-se como um desafio de grandes proporções aos chamados países
em desenvolvimento, que se veem diante da integração política em níveis
superiores (internacional) ao mesmo tempo em que necessitam fomentar a
integração política interna em razão das desigualdades sociais e regionais
muito presentes. Note-se que para se falar em integração política para além
das fronteiras nacionais igualmente há que se falar em co-titularidade e
igualdade de direitos, solidariedade, respeito e reconhecimento.
A Constituição enquanto unidade somente é possível com integração
política. Essa integração política, por sua vez, não se confunde com
fechamento estrutural ou, nas palavras de Verdú, a abertura constitucional
evidencia que a Constituição não está sozinha. Não se pode falar de solidão da
Constituição e considerá-la como um universo fechado e excludente.
Segundo Preuss, o sentido moderno de solidariedade, ao menos o
sentido de solidariedade do Estado de bem-estar social, se afasta da ideia que
procura vincular a solidariedade à comunidade, ou seja, às especificidades
particularistas culturais e comunitárias em prejuízo de uma visão universalista.
A solidariedade do Estado social é uma solidariedade para com o estranho; ela
não cria vínculos pessoais, não tem sua raiz na comunidade, mas é um
elemento inerente da sociedade. É uma solidariedade que provém das
instituições e dos valores do constitucionalismo: a comunidade política do
Estado moderno se corporifica por meio do caráter constitucional da união dos
cidadãos.

IDENTIDADE NACIONAL E INTEGRAÇÃO POLÍTICA INTER E


SUPRANACIONAL
Ao se trabalhar com a referência do constitucionalismo moderno
inevitavelmente se busca a compatibilização entre o modelo constitucional que
foi construído nos últimos duzentos anos e os desafios que as sociedades do
século XXI estão enfrentando em termos de novas formas de organização
política. Essa busca de uma compatibilização se dá em razão de que o modelo
constitucional assentado nos Estados nacionais em certa medida se identifica
com a democracia moderna.
Os Estados nacionais modernos, fundados na racionalização do poder,
na liberdade e na democracia podem ser analisados a partir das ideias de dois
grandes autores: Jean Jacques Rousseau e Emmanuel Joseph Sieyès. Para
Rousseau, pela mesma razão que a soberania não pode ser alienada, ela não
pode ser representada. A soberania consiste na vontade geral, e a vontade não
é representada, é a mesma, ou é outra, não há meio-termo.
A ideia da representação é moderna, pois nas antigas repúblicas e
mesmo nas monarquias o povo jamais foi representado. Conforme sua famosa
frase, “o povo inglês pensa ser livre, mas engana-se grandemente; só o é
durante a eleição dos membros do parlamento: assim que estes são eleitos, é
escravo, nada é.
Hoje se tem claro que a democracia vai além da existência de um
parlamento formado pelos representantes da sociedade. A democracia social
exige uma sociedade civil participativa, que promova a democratização dos
diversos espaços sociais.
A democracia dos Estados nacionais exigiu certa homogeneização das
condições de vida, ou seja, a nivelação das oportunidades econômicas da
sociedade mediante a oferta universal de serviços públicos de qualidade, o que
acabou por operar uma significativa redistribuição equitativa da renda nacional.
O constitucionalismo das sociedades multiculturais irá exigir essa equalização
econômica sob outro viés, o do respeito às particularidades. A cidadania
política é um pressuposto da ordem constitucional e do pluralismo. Assim,
ainda que mediados por uma estrutura social pluralista, a existência de uma
Constituição vincula os cidadãos a ela sob os diversos aspectos que essa
vinculação implica.
O fenômeno da integração internacional e supranacional está nos
marcos da modernidade enquanto desenvolvimento de suas instituições
políticas. A modernidade nacional foi um estágio necessário nesse processo e,
diga-se, de alto custo, pois com ela vieram as experiências do fascismo e dos
autoritarismos nacionalistas de diversos tipos. Se a Constituição de certa forma
é avalizada externamente, ela igualmente é fonte de legitimação democrática
dos processos de integração para cima.

ESPAÇOS SOBERANOS NO TERRITÓRIO NACIONAL?


A equivocada relativização do papel da Constituição enquanto
instrumento de garantia da democracia pode levar à existência de um
pluralismo em sentido negativo, que, longe de expressar aquilo que está
garantido no próprio texto constitucional, pode consistir justamente no
contrário, na ausência de qualquer garantia.
A tensão entre soberania estatal e garantia jurídica da liberdade é
imanente ao Estado constitucional. Assim essa afirmação e ao mesmo tempo
contestação da soberania estatal é parte integrante da tradição constitucional,
ou seja, os espaços de liberdade afirmam e contestam o poder estatal. Esses
espaços, no entanto, devem estar dentro de um quadro de razoabilidade, que
não coloque em risco a autoridade da soberania estatal.
Quanto a um poder estatal negador desses espaços livres, Bast
identifica o nacional-socialismo alemão como exemplo. Segundo o autor, o
nazismo na condição de um não Estado de Direito (Un-Rechtsstaat) e de um
capitalismo monopolizado totalitário eliminou todo e qualquer direito racional e
com isso, a esfera de liberdade da sociedade. A ordem jurídica foi substituída
por um sistema de comunicação não jurídico, o que propiciou a extinção da
tensão entre soberania estatal e liberdade jurídica: o nacional-socialismo seria
a substituição do Princípio da Liberdade através do domínio totalitário e
igualmente, a substituição do Princípio da Soberania pela institucionalização da
anarquia.
Para Agamben, a exceção é uma espécie de exclusão. Ela é um caso
singular, que é excluído da norma geral. Mas o que caracteriza a exceção é
que “aquilo que é excluído não está, por causa disto, absolutamente fora de
relação com a norma; ao contrário, está se mantém em relação com aquela na
forma da suspensão. A norma se aplica à exceção desaplicando-se, retirando-
se desta”
A reflexão de Agamben talvez possa auxiliar na compreensão do
fenômeno dos poderes paralelos existentes sob a égide da ordem
constitucional. Trata-se do problema dos espaços livres decorrentes da
ausência do Estado, verdadeira omissão estatal ao não se fazer presente em
todos os espaços do seu território. A garantia constitucional do pluralismo não
implica a aceitação de espaços dessa natureza. Na perspectiva de Agamben,
poderia se dizer que a suspensão informal da ordem constitucional para
determinados espaços do território nacional se caracterizaria como verdadeiro
ato de exceção, feito à margem do direito por um ato de poder.
A possibilidade da existência de um pluralismo sem uma unidade
implicaria o reconhecimento formal da exceção e o enfraquecimento
generalizado da ordem constitucional. Desta forma, há limites para o
pluralismo, consistente na existência de um standard comum a todos que estão
sob a ordem constitucional. Ainda que se possa falar em abertura da ordem
constitucional, ou seja, de interação da ordem constitucional com outras ordens
legitimadas pela Constituição, essa abertura não pode consistir na negação da
própria Constituição.

INTEGRAÇÃO ECONÔMICA
A economia teve, tem e sempre terá um papel fundamental nas formas
de organização política. Por meio dela se regula à vontade humana por bens
materiais, dimensionando as possibilidades de oferta e procura, administrando
a escassez, enfim, tornando o acesso aos bens materiais possível no contexto
de condições limitadoras.
O desenvolvimento da técnica, que possibilitou a superação das
barreiras de tempo e de espaço, coloca enormes desafios às organizações
políticas. A economia, acompanhando as novas tecnologias, rapidamente
rompeu com os limites dos Estados estruturando-se em termos globais. A
integração econômica, antes de apenas significar o livre mercado global, se
constitui em uma tentativa de politização dos espaços econômicos por meio de
mecanismos de regulação.
A integração econômica pode ser classificada segundo três critérios.
Inicialmente tem-se o critério econômico, no qual se divide a integração
econômica em integração setorial, quando abrange apenas setores delimitados
da atividade econômica e integração geral, quando é abrangida a generalidade
dos setores econômicos. Em um segundo momento, tem-se o critério político-
geográfico, segundo o qual, a integração econômica pode se dar no âmbito
nacional, global e internacional. Quanto ao terceiro e último critério de
classificação da integração econômica, tem-se o critério do método de
integração, ou seja, a distinção entre integração negativa e integração positiva.

INTEGRAÇÃO ECONÔMICA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS NACIONAIS


Para se falar em integração econômica, deve-se igualmente falar em
escala de integração, pois o conceito em si não apresenta um conteúdo
predeterminado. Como primeiro estágio da escala se pode indicar a
possibilidade da livres-trocas de mercadorias, que se costuma chamar de
integração comercial. Um segundo estágio encontra-se na livre circulação dos
fatores de produção, ou seja, capital e mão de obra – integração dos fatores.
Como terceiro nível tem-se a integração de medidas político-econômicas,
também chamada de integração positiva, em contraste com a dimensão
negativa dos dois primeiros níveis os quais buscam a remoção das restrições
existentes. Por fim, como quarto estágio, pode-se indicar a integração total sob
a égide política.
A integração comercial hoje bastante em voga, tem sim, uma enorme
repercussão no sentido da Constituição, pois a vida econômica é significativa
para a existência da vida cidadã. Igualmente os outros níveis de integração
produzem considerável efeito sobre a Constituição, principalmente quando o
país está vinculado juridicamente às organizações internacionais com relativa
autonomia em face dos Estados-membros.
A integração econômica dos países em organizações internacionais é
uma realidade do século XX. O processo de integração econômica de certa
forma se confunde com os processos de integração em geral nos quais as
instituições internacionais foram pensadas e estruturadas. Foram necessários
dois conflitos bélicos mundiais para que a questão das organizações
internacionais encontrasse um ambiente favorável para o seu fortalecimento.
A integração econômica nacional à economia global representa um dos
sentidos da abertura da ordem constitucional. Uma questão que merece
reflexão diz respeito à extensão dessa abertura. Em que medida essa abertura
é compatível com os princípios da ordem econômica constitucional?
A investigação dessa questão leva à discussão do papel de orientação
da Constituição ao processo de integração econômica internacional. Princípios
da ordem econômica nacional como, por exemplo, o da redução das
desigualdades regionais e sociais e o do tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte, constantes da Constituição brasileira, podem
eventualmente estar em contradição com normas e acordos internacionais em
matéria comercial.
Para Guimarães a integração econômica entre Brasil e Argentina no
âmbito do Mercosul apresenta-se como um caminho preparatório de
cooperação política mais ampla e duradoura. Por outro lado, as condições
políticas também condicionam o sucesso das medidas econômicas. Para o
autor, os processos de integração econômica como o Mercosul têm aspectos
políticos, sociais e culturais significativos: “A integração econômica é o
processo pelo qual se eliminam os obstáculos à circulação de bens, capitais e
pessoas entre territórios econômicos que se encontram sujeitos a soberanias
distintas e, portanto, a legislações específicas, elaboradas e implementadas
por Estados distintos, refletindo os interesses de classes ou setores
hegemônicos diferentes, que podem ou não ter, mas em princípio tem, um
passado mais ou menos remoto de rivalidade, antagonismo e luta”
Guimarães observa que, ao se iniciar o processo de cooperação e
integração econômica entre Brasil e Argentina, em 1985, havia nos governos
brasileiro e argentino a clareza de que se tratava de um processo político e de
uma iniciativa necessária à defesa dos interesses econômicos e políticos dos
dois países em um sistema internacional cada vez mais competitivo, agressivo
e concentrador em todos os seus aspectos. Nesse contexto, os princípios
fundamentais do processo integracionista foram definidos como: gradualismo,
equilíbrio, flexibilidade e participação social.
Guimarães sintetiza dizendo que ao Brasil e à Argentina continua a
interessar a constituição de um bloco econômico, político e militar que,
fortalecendo sua estrutura econômica, permita a participação a médio prazo
dos dois países no sistema internacional em grau de igualdade com Estados de
semelhante potencial econômico, demográfico e territorial. Para o autor, “este
objetivo somente poderá ser atingido restaurando a ideia-força do
desenvolvimento econômico com base no mercado interno (agora do
Mercosul), isto é, no pleno emprego dos fatores nacionais e regionais de
produção e na geração e absorção de tecnologias adequadas à constelação de
fatores dos dois países e do Cone Sul, sem obviamente excluir o esforço
indispensável de transformar as relações econômicas com os parceiros
tradicionais e abrir novos mercados externos”.
no plano político em sentido estrito, estariam a condição de membro do
Conselho de Segurança das Nações Unidas e a competência do Conselho.
Quanto à alteração na composição do Conselho na direção de sua
democratização, Guimarães é cético. No entanto, poderá vir a ser aberto um
espaço para acomodar os pedidos de Alemanha e Japão, bem como de
inclusão da Índia, segundo país mais populoso da terra, além de
representantes da África e América Latina. Quanto à competência do Conselho,
a mesma poderá ser expandida com a inclusão de temas de grande interesse
para Brasil, Argentina e o Mercosul, como meio ambiente, drogas, terrorismo,
regimes políticos, pobreza.

OS DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA NO PLANO INTERNO

Ao se tratar de integração econômica no plano interno, tem- -se um


campo de investigação bastante amplo, pois, principalmente no contexto do
fortalecimento dos Estados nacionais ao longo do século XIX na Europa, a
identidade política nacional prescindiu da identidade econômica promovida pela
integração. Nesse sentido, um exemplo histórico ímpar se tem na pioneira
união alfandegária alemã do século XIX
Atualmente, ainda que os desafios da integração econômica sejam
muito maiores nos chamados países em desenvolvimento, tem-se igualmente
que o tema se encontra na agenda política e econômica dos países
desenvolvidos.
No caso brasileiro, que tem como princípio fundamental da
Constituição Federal a superação das desigualdades regionais, a política de
integração econômica interna é bastante significativa, pois com ela se tem
inúmeras ações a serem realizadas, como a formulação e condução da política
nacional de desenvolvimento regional, a formulação dos planos e programas
regionais de desenvolvimento, o estabelecimento de estratégias de integração
das economias regionais, o estabelecimento de normas para cumprimento dos
programas de financiamento dos fundos constitucionais e das programações
orçamentárias dos fundos de investimentos regionais, as obras contra as secas
e de infraestrutura hídrica, a formulação e condução da política nacional de
irrigação, a ordenação territorial e as obras públicas em faixas de fronteiras,
visto que todas essas ações remetem à necessidade de fortalecimento do
espaço econômico nacional, da distribuição de renda, da integração econômica
e social das regiões menos favorecidas.

INTEGRAÇÃO SOCIAL E CULTURAL

A integração social e cultural possui uma dupla dimensão, tanto na


integração sociocultural interna, quanto na busca de elementos comuns para
além das fronteiras nacionais.
A análise da integração social e cultural tanto no plano interno quanto
no plano externo é pautada por uma reflexão similar, consistente na ideia de
que integração social e cultural não significa assimilação, mas reconhecimento
da diferença. Reconhecer para integrar e respeitar. Assim, uma sociedade
pluralista festeja seus elementos de identidade comuns, mas também em igual
medida convive com as diferenças dos diversos grupos que a formam.
Tolerância, palavra-chave para equilibrar a unidade e a diversidade, integra a
ordem constitucional democrática.
Sob o ponto de vista do direito constitucional o aspecto fundamental do
conceito de tolerância encontra-se na identificação dos seus limites. Cardoso
compreende os limites da tolerância vinculando-a à dimensão social de
desigualdade entre indivíduos, grupos e povos: “a conquista plena da tolerância
está condicionada à busca de alternativas de desenvolvimento socioeconômico
aos modelos que produzem e reproduzem a desigualdade social pela
exploração e dominação entre indivíduos, grupos e povos”
No contexto específico de algumas grandes cidades alemãs que estão
se deparando há algum tempo com o fenômeno da diversidade social e cultural
de suas populações, Terkessidis sustenta o conceito Interkultur para um novo
trato do assunto. Segundo ele, é impressionante como as pessoas na
Alemanha se preocupam com o passado. Com as grandes cidades contando
com um terço de sua população formada por moradores que não possuem
origem alemã, as crianças de até seis anos, integrantes de famílias de
imigrantes, sendo já a maioria, já é tempo de se falar sobre a configuração do
futuro.
A força transformadora do interculturalismo enquanto possibilidade de
reflexão de novos referenciais sociais, políticos e culturais, pode ser testada,
por exemplo, no caso das pessoas portadoras de necessidades especiais. Em
outra oportunidade analisou-se um caso submetido a julgamento perante a
Justiça do Trabalho. Tratou-se de relação de trabalho na qual o reclamante,
deficiente auditivo, queixava-se de ter sido contratado para atender à lei
nacional de quotas para deficientes e que era maltratado. Alegou, em síntese,
que atuou em diversos setores da empresa sem treinamento ou qualificação,
isolando-se a ponto de não aguentar mais a situação e deixar de comparecer
ao trabalho. O trabalhador foi enfático ao informar que tomou a iniciativa de dar
por findo o contrato de trabalho por não aguentar mais a situação e sentir-se
humilhado. O representante da empresa informou que nunca houve um
intérprete de Libras para treinamento do reclamante e que as instruções de
trabalho eram passadas de modo bastante informal, com comunicação mista
de sinais e alas, numa espécie de “mímica”.
A conclusão da investigação sobre o caso analisado apontou que,
mesmo havendo a previsão de tutela dos trabalhadores deficientes na
legislação internacional (OIT) e nacional, através de uma Lei criada com base
em preceitos da Constituição brasileira de 1988, isso não se mostra sufi- ciente
para a efetivação dos direitos fundamentais por elas tutelados, cabendo à
sociedade e em especial às empresas buscarem, na prática, modos de
correção dessa distorção normativa. Garantir direitos às minorias é inicialmente
compreendê-las na sua condição, o que no caso dos deficientes auditivos é
tomar consciência que eles entendem o mundo de uma maneira bem diferente,
por referências completamente diversas, que não os colocam nem acima e
nem abaixo das outras pessoas. Esse deslocar de perspectiva, que nos afasta
da cômoda situação de ver tudo a partir do nosso ponto de vista, é que se
apresenta como o grande desafio da inclusão. Essa pluralidade de
perspectivas, defendida pela Constituição, deve se tornar realidade para os
deficientes auditivos no mercado de trabalho.

SENTIDOS DO ESTADO-NAÇÃO

O fortalecimento dos Estados nacionais ao longo do século XIX e na


primeira metade do século XX, imprimiu uma forte identidade social e cultural
nacional, bases sobre as quais se estruturou a democracia moderna. Sob esse
ponto de vista, o Estado nacional eliminou as diferenças por meio de processos
de assimilação ao padrão social e cultural dominante.
A tradicional distinção entre povo e nação se caracteriza pelo emprego
do conceito “povo” em um sentido jurídico político, e o conceito de “nação” em
um sentido sociológico, como comunidades culturais representantes de
culturas constitucionais, ou seja, a nação política dos que querem viver sob
uma Constituição comum. Sob o ponto de vista da legitimação da unidade
política a maioria das Constituições utiliza a expressão povo ao invés de nação.
O povo no Estado nacional não se constitui simplesmente como a
soma de todos aqueles que pertencem ao Estado, mas ele se constitui como
unidade da nação, a qual se vê não apenas como unidade cultural, mas
também como comunidade política. O povo aspira a se desenvolver e se
realizar no Estado; no Estado nacional o povo é livre para se autogovernar e é
livre de todo domínio estrangeiro.
A distinção entre cidadania e nacionalidade assume papel significativo,
pois, enquanto a cidadania trata da relação entre uma pessoa natural e um
Estado, a nacionalidade trata da relação entre uma pessoa natural e um povo,
no qual ela se identifica pessoalmente com o grande grupo e mantém as
tradições culturais.
Na modernidade povo e nação se vincularam ao Estado e formaram o
Estado nacional que moldou a democracia moderna. A Constituição
democrática, fruto da vontade soberana do povo, existe no contexto da
formação da vontade democrática do povo. Essa história marca a existência
das Constituições modernas, ainda que hoje elas estejam vivenciando outro
momento histórico, no qual novas exigências sociais, políticas e culturais são
apresentadas.
A dimensão culturalista da Constituição, que tanto pode ser
compreendida como garantia da cultura, ou seja, a previsão de normas
constitucionais de conteúdo cultural, quanto como cultura em si, ou seja, ela
própria caracterizada em seus fundamentos pela cristalização cultural, resgata
outras dimensões com vistas a pluralizar os enfoques sobre a condição
humana. Assim, a ordem constitucional, enquanto garantia da existência de
diversas culturas, se apresenta ela própria como cultura, como algo que se
integra nos elementos culturais de base da sociedade.
A bandeira nacional e o hino nacional estão presentes em diversas
esferas da vida política, social e mesmo pessoal e familiar. Pense-se no
esporte, fóruns, manifestações oficiais em sentido amplo, como visitas de
chefes estrangeiros, protocolos, paradas em dias de feriado nacional, Dia da
Independência, dia de fundação da ordem política vigente.
Para além da identificação cultural, que em certa medida significa o
substrato social e cultural da Constituição enquanto unidade política, a mesma
Constituição, ao se abrir ao pluralismo e, nesse sentido, enquanto expressão
de formas culturais e sociais plurais, reforça a abertura do conceito de cultura
como um dos seus fundamentos.
Talvez aqui se possa distinguir no campo de um direito constitucional
da cultura, tanto normas constitucionais com conteúdo cultural, como normas
constitucionais que se abrem para conteúdos culturais outros. Em certo sentido
a abertura da ordem constitucional ao pluralismo está dentro da compreensão
lançada por Häberle tanto no sentido de um direito constitucional da cultura
quanto de uma teoria constitucional como cultura. A ampla dimensão, como
demonstra Häberle, que uma visão culturalista do direito constitucional pode
trazer possibilita essa vinculação.
No contexto da abertura para fora da ordem constitucional, a identidade
sociocultural da Constituição se relaciona igualmente com elementos externos
a ela. A ordem constitucional nacional passa a ser parte de uma ordem maior,
que contempla outras ordens constitucionais que, com o mesmo propósito,
interagem nesse ambiente de integração sociocultural. Nesse aspecto,
pluralismo é uma categoria que retrata tanto a diversidade interna no âmbito da
ordem constitucional nacional, como a diversidade externa, consistente na
inserção da ordem constitucional nacional num ambiente maior de convívio
com outras ordens constitucionais.

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