Ares - Uma Série de Amor É Obsessão - Kely Medina

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Kely Medina – Ares (Herdeira perdida) Série amor e obsessão


Capa: Mariana Melo
Diagramação e preparação do texto: Anne Medeiros
Revisão:
Leitura crítica: Anne Medeiros
Ilustrações: Gabi Nappi
Segunda edição
Todos os direitos reservados,

É expressamente proibido copiar ou plagiar qualquer parte desta obra sem à


devida permissão da autora. Respeite a criatividade e o esforço investidos
na criação deste conteúdo.

Redes sociais.
Instagram: @kelyautora
Sumário

Sumário
Nota da autora
Gatilhos
Fetiches
Sinopse
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 01
Isabella
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Ares
Capítulo 07
Isabella
Capítulo 08
Ares.
Capítulo 09
Isabella
Capítulo 10
Ares
Capítulo 11
Capítulo 12
Ares
Isabella
Ares
Capítulo 13
Isabella
Capítulo 14
Ares
Isabella
ARES
Isabella
Capítulo 15
Ares
Ares
Capítulo 16
Isabella
ARES
Ares
Capítulo 17
Isabella.
ARES
Capítulo 18
Isabella
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Ares
Isabella
Capítulo 22
Ares
Capítulo 23
Isabella
Capítulo 24
Ares.
Capítulo 25
Isabella
Ares
Capítulo 26
Isabella
Capítulo 27
Isabella
Capítulo 28
Ares
Capítulo 29
Isabella.
Ares
Capítulo 30
Isabella
Ares
Capítulo 31
Isabella.
Capítulo 32
Isabella
Capítulo 33
Ares
Capítulo 34
Isabella
Ares
Capítulo 35
Capítulo 36
Isabella.
Capítulo 37
Ares
Capítulo 38
Isabella
Capítulo 39
Ares
Capítulo 40
Isabella
Capítulo 41
Isabella.
Ares
Capítulo 42
Isabella.
Capítulo 43
Isabella.
Capítulo 44
Isabella
Capítulo 45
Isabella:
Capítulo 46
Ares
Capítulo 47
Isabella
Capítulo 48
Ares
Isabella
Capítulo 49
Isabella
Capítulo 50
Ares
Capítulo 51
Isabella
Capítulo 52
Isabella
Agradecimentos
Nota da autora

Este livro passou por mudanças, não para atender ao senso crítico,
mas para preservar a saúde mental da autora. Apesar de ser completamente
reescrito, a essência dos personagens foi mantida. Foi criada uma nova
história, visando aprimorar a obra.
Entendo que reescrever um livro pode causar desconforto para
algumas leitoras que se afeiçoaram à história antiga. No entanto, espero que
guardem a primeira versão com carinho em seus corações e se permitam
embarcar comigo nesta nova história, afinal sem vocês isso não seria
possível.
Aviso importante para leitoras não familiarizadas com dark
romance. Se você não está acostumada com temas pesados, este livro pode
não ser para você. Ele contém cenas explícitas de tortura e violência
emocional. Não me responsabilizo por qualquer desconforto ou perturbação
que possa causar. Se você ainda assim deseja continuar, seja bem-vinda ao
caos.
Ares não é um mocinho. Quero deixar isso muito claro desde o
início. Ele é um homem quebrado, sem limites para alcançar seus objetivos.
Apesar de suas ações muitas vezes desumanas, ele é, no fundo, um ser
humano que luta contra seus próprios demônios.
Ares não busca redenção. Ele é um homem cruel, e não faz esforço
algum para esconder isso. Sua lealdade é inegociável, ele sofre de
transtornos de personalidade, explodindo em momentos de fúria que podem
até infligir dor em si como forma de punição. Ares foi moldado pelo
sofrimento e pela dor, tornando-se manipulador e frio.
Isabella, por sua vez, não é a mocinha típica. Embora tenha sido
forçada a aceitar seu destino ao lado de um homem que despreza, ela não se
deixa abater. Ela luta pelos seus direitos e estabelece limites claros.
Ao mesmo tempo, ela deseja ser amada, cuidada e protegida,
mostrando sua vulnerabilidade. Em certos momentos, pode parecer frágil e
desprotegida, mas em outros, se revela forte e destemida. Sua infância
difícil a ensinou a sobreviver, a lidar com o luto e os abusos. Prontos para
começar essa leitura?

Gatilhos
Cenas de sexo com consentimento questionável, violência explícita,
manipulação emocional, traumas profundos, obsessão e comportamento
possessivo, redenção de ações moralmente ambíguas, consumo de álcool,
agressões físicas e psicológicas, tortura, morte, sadismo, relacionamentos
abusivos, abuso de poder, tráfico humano, linguagem inapropriada,
violência doméstica e sequestro.

Fetiches
Asfixiofilia: Prazer derivado da restrição da respiração, seja por
pressão no pescoço ou outro tipo de limitação de ar.
Odaxelagnia: Atração por morder ou ser mordido, associada ao
prazer em atos que envolvem leve dor e entrega física.
Bondage (Amarrar): Atração pela imobilização do parceiro, como
ser amarrado(a) ou prender o outro, criando uma sensação de
vulnerabilidade e entrega.
Exibicionismo e Voyeurismo: Prazer em ser observado ou observar
outras pessoas em momentos íntimos, criando uma sensação de
transgressão e liberdade.
Sadismo e Masoquismo: Estímulo por infligir ou receber dor,
incluindo tapas, arranhões, e outras práticas que trazem prazer por meio de
desconforto físico controlado.
Impact Play: Prazer obtido por meio de golpes controlados, como o
uso de palmatórias, chicotes ou cintos, em locais estratégicos do corpo.
Choking Play (Estrangulamento Controlado): Prática de
pressionar levemente o pescoço, trazendo prazer por meio de uma sensação
de submissão e confiança no parceiro.
Deificação: Atração por tratar o parceiro como uma divindade ou
objeto de adoração extrema, colocando-o em um pedestal e servindo-o
como se fosse superior.
Branding fetish ou escarnofilia: fetiche que envolve a excitação por
deixar marcas no corpo do parceiro, podendo ser temporárias ou
permanentes.
Sinopse

Um casamento arranjado onde ela foi dada em troca de uma dívida


do tio, mas essa não é a verdadeira verdade.
Isabella tinha 16 anos quando foi prometida a um mafioso, após
passar quatro longos anos em um internato e aprender sobre como deveria
ser uma boa esposa, ela retorna, mas não é a mesma garota acanhada no
canto de uma sala, muito menos tímida. Ela está diferente. Não só seu corpo
mudou, como sua personalidade está mais ousada.
Ares é viúvo, um homem mais velho e frio, usurpou a cadeira do seu
pai quando ainda era um adolescente, e governa onde ele pisa, sua fama se
estende por ser um homem cruel. Ares tem planos com o casamento
arranjado, mas tudo sai do controle quando ele se vê obcecado pela sua
esposa.
Os dois juntos terão que enfrentar muitos segredos, e lutar pelo que
sentem, haverá guerra e distorção da verdade. O relacionamento ficará a
prova diante de muitas situações.
Ele é explosivo
Ela é quente
Ele é controlador
Ela não gosta de ser controlada
Ele é manipulador
Ela aprendeu a jogar
Ele quer vingança
Ela é sua arma
Dedicatória

Para todas que querem ser amadas por alguém disposto a queimar o
mundo por elas.
Prólogo

Entre linhas.
Ele tinha olhos profundos, de um brilho sinistro que refletia o fogo
do inferno. A forma como me encarava dava a impressão de que queria
atravessar minha alma, consumindo-a completamente. Seu rosto poderia ter
sido facilmente esculpido pelos deuses, tamanha a perfeição de suas
feições. Seus cabelos negros, como a noite, brilhavam de uma maneira
quase sobrenatural, uma beleza que intimidava.

Diante de mim, estava o mal personificado, e eu, de alguma forma


inexplicável, estava deslumbrada. Sua aura emanava uma atração
irresistível, misturada a um medo que se enraizava em cada célula do meu
corpo.

Eu conseguia sentir as batidas do meu coração, inicialmente


compassadas, mas que logo se perderam em uma correria desgovernada,
antecipando algo que ainda não sabia o que era.
Minhas mãos suavam como nunca, e eu as esfregava contra a bainha
do meu vestido, em uma tentativa inútil de me acalmar. Meus pés pareciam
grudados no chão, incapazes de se mover, embora eu quisesse fugir.

Engoli o medo e a atração confusa que me preenchia, e levantei a


cabeça para encarar aqueles olhos verdes novamente. Ameaçadores.
Queimando minha pele com o olhar. Ele me observava minuciosamente,
procurando algo, algo que eu também não sabia definir.

Seu sorriso malicioso desenhou-se lentamente em seus lábios


carnudos, e o silêncio na sala parecia absorver toda a atmosfera, estava ali
sozinha. Meu corpo tremia, intimidado pela presença daquele homem, mas,
mesmo assim, estufei o peito, tentando manter uma postura rígida e
inabalável.

Minha voz, porém, me abandonou, evaporando em algum momento


dentro daquela sala. A verdade era que aquele desconhecido exercia um
poder sobre mim, algo que me deixava atordoada, quase anestesiada.
Esqueci meu próprio nome quando ele me fez uma pergunta simples, e tudo
o que consegui foi gaguejar.

O calor da presença dele parecia incendiar o ambiente. Minha


respiração saía rasgada, como se eu estivesse exausta, apesar de não ter me
movido um centímetro desde que entrei naquele lugar. De perto, ele era
imponente. Tão alto que me senti pequena, quase desequilibrada em meus
próprios pés.

Sua sombra me cobria como um manto escuro, desenhando no chão


a silhueta de um predador. Ele era um homem feito, claramente mais velho,
enquanto eu… eu era apenas uma garota, acuada, levada ao covil de um
lobo. O mais estranho de tudo era que, mesmo sem me tocar, me fazia sentir
como se estivesse sendo tocada.

Mas, afinal, o que ele queria de mim?

Ousei perguntar, e ao ouvir minha pergunta seus lábios se curvaram


em um sorriso ainda mais perverso, como se minhas palavras alimentassem
suas emoções. Ele parecia gostar de me ver falar, enquanto tudo o que eu
queria era estar longe dali. Escondida no meu guarda-roupa, lendo um dos
meus livros de romance.

Então, ele pronunciou as palavras que me destruíram, que me


dilaceraram, que sacudiram minha alma. Mais uma vez, fui traída por
aqueles que diziam ser meu sangue. Fui entregue a ele, como pagamento de
uma dívida, jogada às traças, abandonada.

A vontade de chorar era avassaladora, mas eu segurei. Tentei,


desesperadamente, encontrar algum lado positivo naquela situação, mas…
existe algo positivo em ser tratada como moeda de troca?

Finalmente, meus pés ganharam vida, e eu os arrastei do chão.


Respirar tornou-se um desafio, mas eu avancei, com passos vacilantes, em
direção à porta. O desespero tomou conta de mim, e gritei, com a voz de
uma alma perdida, batendo com os punhos fechados na grande porta de
madeira esculpida.

O ouvir pedir para que eu parasse, mas eu não me importava. Não


me comoveria com sua gentileza, mesmo que ele tenha sido educado e
respeitoso até agora. Eu não confiava nele. Eu não o conhecia, no entanto,
achava que conhecia minha família… A mesma família que me colocou
nessa situação terrível.
A porta abriu-se rapidamente, e eu corri através dela, como se
buscasse um túnel invisível para escapar daquela realidade. Queria fugir
para outra dimensão, para um lugar onde eu pudesse ser livre. Só quando já
estava fora deixei que a primeira lágrima escorresse pelo meu rosto. Outras
a seguiram, não poderia conter o meu choro, e não poderia fazer o meu
próprio destino, porque ele já havia sido traçado.
Capítulo 01

Isabella
Sinto-me forçada a me casar com um homem que desprezo. Quando
soube que fui dada em casamento pelos meus tios, meu mundo desabou,
tinha tantos planos para mim, talvez alcançar a minha tão sonhada liberdade
quando completasse meus 18 anos, um sonho que agora se torna
impossível.

Eu sabia que meus tios seriam cruéis ao escolher um marido para


mim, não esperava menos deles, mas Ares Montesi foi o pior destino
traçado para mim.

Me pergunto, entre tantas pretendentes, por que, eu fui a escolhida?


Eu que nem mesmo sou sangue legítimo da máfia. Uma bastarda, criada
para servir, por que teria alguma serventia para um homem tão poderoso?

Deslizo os dedos pelo meu vestido azul, bem-comportado, longo e


de pequenas amarras atrás, foi escolhido pela minha tia, Marise. Nem
mesmo meu vestido do noivado me foi permitido escolher. Minhas mãos
estão suando, o medo tomando conta do meu corpo, medo pelo que pode
acontecer comigo quando eu cruzar a porta do meu quarto.

Vi meu noivo apenas uma vez, ele prometeu que no futuro eu seria
sua esposa, e quatro anos depois estou aqui me tornando sua noiva, ele é um
empresário, viúvo. É assim que os jornais os descrevem, como um
empresário, não um mafioso.

Meu futuro marido e o Don da Cosa Nostra. Sua esposa faleceu


alguns meses depois do casamento, mas segundo boatos, ele mesmo a
matou, e não duvido, Ares é conhecido pela sua crueldade, seus feitos são
medonhos. Até matar o próprio pai para assumir seu posto dentro da máfia,
está na sua lista de atrocidades. Ele não mede esforços para conseguir o que
quer, tem sede de poder, quanto mais tem, mais quer, o que ele não tem, ele
toma, e o que não pode ser dele, não será de ninguém. Ele governa e dita
suas próprias regras.

Fui prometida a ele quando tinha 16 anos. Sabia que teria


obrigações a cumprir: me casar, ser submissa ao meu marido e dar a ele
filhos. Mas isso nunca foi aceito de bom grado por mim. Fui enviada para
fora da Sicília, para estudar e ter aulas de etiqueta, precisava ser moldada,
para ser uma boa esposa para meu marido. Na máfia nós mulheres não
temos voz, nem opinião própria, seu marido será seu dono

Ele não será fiel aos seus votos, e mesmo indisposta será obrigada a
agradá-lo. Não somos respeitadas, somos o lado mais fraco da corda, e isso
me irrita profundamente.

Desço os degraus da escadaria do salão devagar, ponderando voltar


para meu quarto, tento controlar o turbilhão de sentimentos dentro de mim:
o medo, a angústia e a ansiedade. De cabeça erguida, evitando olhares
curiosos, sigo para ficar ao lado dos meus tios, como foi me instruído horas
antes.

— Porque demorou tanto. — Minha tia resmunga, me olhando de


cima a baixo, procurando um mísero defeito para me questionar.

Suspiro, forçando um sorriso.

— O noivo nem se quer chegou ainda, por que se importa com meu
atraso? — alfineto.

Marise torce o nariz, desagradada com a minha resposta.

— Controle sua língua hoje, Isabella. — Meu tio ao lado dela me


repreendeu. — É um dia importante.

Não é novidade que o noivo ainda não tenha chegado à sua própria
festa, e torci para que ele não viesse, mas, infelizmente, ele veio,
acompanhado do seu sottocapo e consigliere. O salão fica silencioso por
alguns segundos enquanto os três homens caminham.

Ares vem ao meu encontro, em passos largos e bem objetivos, seu


terno preto está bem alinhado, em seu rosto uma expressão fechada, os
olhos transmitem uma frieza que faz meu corpo estremecer.

— Boa noite, Meu Don. — Antenor, meu tio é rápido em


cumprimentá-lo.

Os olhos verdes parecem nem piscar enquanto passeiam pelo meu


corpo, retribuo o olhar, sem deixar transparecer meu descontentamento.

— Boa noite. — Sua voz é grossa e exala poder. — Olá, minha


noiva. — se refere a mim, e pega minha mão sem permissão depositando
um beijo, minha pele se arrepia com seu toque.
— Está atrasado. — minha voz soou ríspida. Vejo minha tia me
passar um olhar de repreensão, mas não me importo em continuar. — Mas
provavelmente um homem como o senhor deve estar muito ocupado. — seu
olhar se torna mais penetrante no meu.

— Ele é Don, claro que está ocupado. — Meu tio me corta, falando
de forma bajuladora.

Não consigo captar nenhuma emoção do homem à minha frente,


mas confesso que não era essa a reação que esperava de mim, deslumbrada
com o próprio diabo.

Analiso como ele é bonito, uma versão ainda mais detalhada de anos
atrás, o mesmo nunca teve interesse em me visitar, passei quatro anos da
minha vida trancada em um internato, onde tudo que eu aprendia, era sobre
como ser uma boa esposa para ele, enquanto ele pode aproveitar a sua vida,
sem se importar que algum dia se casaria.

— Ela será uma excelente esposa, não lhe dará trabalho algum. Ela
tem bons modos, estudou em um dos melhores colégios internos. — De
repente o assunto surgiu.

Antenor parece orgulhoso ao dizer ao meu futuro marido sobre as


minhas possíveis qualidades.

— Tenho certeza de que ela não me dará trabalho. — o dono dos


olhos verdes responde.

— O casamento será daqui a um ano, vocês podem aproveitar para


se conhecer nesse tempo. — Antenor propõe.

365 dias, é o tempo que eu ainda tenho para me livrar desse


casamento.
Em um momento de desconforto, pela direção que a conversa estava
tomando, sem me importar com a possível bronca que podia levar, saí do
pequeno círculo, e caminhei para a porta dos fundos que dá acesso ao
jardim, procurando respirar um pouco de ar fresco.

Fiquei perdida em meus pensamentos, encarando o céu estrelado,


tentando desvincular a imagem do homem que acabei de ver da minha
mente, sua aparência é tão perturbadora e, ao mesmo tempo, instigante.

Solto resmungos baixos ao me lembrar das palavras do meu tio.


Quando sinto uma presença ao meu lado, olho em sua direção, vendo o
homem de quase dois metros. É ainda mais alto de perto, me fazendo sentir
pequena diante dele, suas mãos alcançam o bolso da calça social tirando um
maço de cigarro, que posiciona entre os lábios. Com a outra mão o acende,
dando uma boa tragada antes de tombar a cabeça para trás e soprar a
fumaça para cima.

— O que faz aqui? — pergunto intrigada.

— Pelo jeito, você não quer se casar, não é? — não me responde,


rebate com outra pergunta óbvia.

Encaro sua face, olhando dentro de seus olhos.

— Não. — Cruzo os braços na frente do corpo em desafio. — Ainda


mais com o senhor. — o vejo soprar a fumaça do cigarro outra vez, surpresa
com a sua calmaria diante do meu afronte.

— É interessante a sua recusa. — Da de ombros. — Qualquer garota


da sua idade se sentiria prestigiada por ser minha noiva.

— Então o senhor deveria ter escolhido qualquer uma dessas garotas


para ser sua noiva. — rebato de cabeça erguida.
— Elas não teriam 1% do seu atrevimento, bella mia.

— Achei que ser desafiado o desagradasse. — seu semblante


continua calmo e, seu olhar penetrante queima minha pele.

Meu noivo se aproxima de mim como um leão sondando sua caça.


Não me sinto intimidada pela sua presença e forço meus saltos um pouco
mais no chão, nossos olhares agora mais próximos, entregando um pouco
de tensão. Seus dedos tocam meu rosto, o gesto me faz virar o rosto
rapidamente em recusa, mas sua mão agarra meu queixo me obrigando a
encará-lo.

— Você está mais bonita do que da última vez que a vi. — pisco
meus cílios.

Sua mão ainda se mantém em meu queixo, e meu coração começa a


se acelerar de uma forma esquisita, seus dedos passam sobre meus lábios
vagarosamente me fazendo arfar pelo contato de repente, me sinto incapaz
de controlar meu próprio corpo.

— Será melhor você aceitar esse casamento. Esperei 4 anos por


você, e não vou abrir mão. Você já é minha. — decreta com a voz grossa,
me causando um arrepio na espinha.

Não estou reconhecendo as reações que meu corpo insiste em dar na


presença desse homem. Tento me recompor, e ainda olhando dentro dos
seus olhos verdes respondo.

— Sinto muito o decepcionar, mas não sou. — Desdenho com seu


rosto quase colado no meu.

Em seus lábios nasce um sorriso de desaprovação. Me contorço para


me livrar de suas mãos, o que o faz passar o braço pela minha cintura,
chocando meu corpo contra o dele, o perfume amadeirado invade meu
nariz, meu corpo fica imóvel.

— Me solte, ainda não somos casados para tamanha intimidade, sei


que não tem escrúpulos, mas peço que pelo menos me respeite. — exijo
com a voz firme.

Ares me aperta ainda mais contra ele. Me desafiando com o olhar. A


forma agressiva que ele me segura indica que de alguma forma eu o afeto.

— Estou apenas lhe observando de perto, coisinha. — o apelido


idiota me faz arder de raiva.

— Preciso entrar, vão notar minha ausência. — Aviso, com a


tentativa de nos separar.

Por alguns segundos me pego admirando seu rosto, consigo sentir a


maldade no brilho de seus olhos, mas não me vejo com medo dele, me sinto
estranhamente atraída.

— Você toma algum anticoncepcional? — A pergunta repentina e


invasiva, faz meu corpo gelar.

Não deveríamos estar no jardim sozinhos, e não me estranha


ninguém ter procurado por mim, algo me faz pensar que ele planejou me
encontrar aqui.

— Não. — Respondo, e então ele me solta de seus braços.

— Isso é bom. Será mais fácil ficar grávida do meu herdeiro. — sua
voz me revela satisfação.

Minha boca seca, e meu coração parece sentir o peso das suas
palavras.
— Herdeiro? — estreito os olhos e questiono pensando talvez ter
ouvido errado.

Não quero me casar com esse homem, tão pouco gerar um filho
dele.

— Você não é ingênua, sabe como fazem os bebês, vai gerar o meu
herdeiro em seu ventre.

Suas intenções com esse casamento são claras, ele quer um herdeiro,
um sucessor.

— Entendi perfeitamente o que o senhor quis dizer. — A raiva


começa a crescer dentro de mim. — Mas não quero engravidar do seu
herdeiro — desdenho as últimas palavras com pudor.

Ele sorri de forma debochada, o que me causa arrepios.

— Você será minha esposa, e vai ficar grávida do meu herdeiro. —


sua voz é decidida.

O olho com desprezo, medindo-o de cima a baixo. Mais uma vez


alguém está decretando meu destino, não me dando o direito de escolha.

— O corpo é meu, e não quero gerar seus filhos. — Minha voz sai
completamente alterada.

O homem continua calmo, mas seu rosto está coberto de frustração,


como se ele estivesse escondendo sua verdadeira face.

— Acha que tem algum tipo de escolha? — zomba de mim.

— Certamente se algum dia eu pudesse escolher algo na minha vida,


eu não estaria aqui falando com o senhor. — Dou um passo para frente,
ainda de cabeça erguida.
Seus olhos desviam dos meus, e percorrem todo meu corpo.

— Perdi quatro anos da minha vida presa, por uma escolha que eu
não fiz. — contínuo. — Não quero me casar com você nem gerar seus
filhos.

— Então, me diga o que você quer? — sua voz seria combinando


com a sua postura.

— Quero ser livre. — pronunciar essas palavras me deixa aliviada


como nunca me senti antes, mesmo que eu saiba que nunca serei livre.

— A liberdade tem um preço muito caro. — ele diz, dando outra


tragada do cigarro que segura em seus dedos, o observo atentamente.

— Estaria disposta a pagá-lo, se isso me deixasse escolher meu


destino. — respondo, a tensão paira entre nós.

— Eu sou o seu destino, aceite. — o corpo do homem volta a se


aproximar, agora me olhando mais de perto, espalmo minhas mãos suadas
no meu vestido. — Melhor você entrar, minha noiva, está frio aqui fora. —
Me direciona um sorriso sarcástico e convencido.

Ainda sinto raiva, mas acato sua ordem, como uma maneira de me
livrar da sua presença, giro em meus calcanhares para dentro da mansão.

Volto para o salão e me mantenho, como a marionete dos meus tios.

— O que aconteceu com você, garota? Parece ter visto o diabo. —


Minha tia chama minha atenção. Vejo que Ares também voltou, mas está do
outro lado do salão.

— Talvez eu tenha visto — respondo.

O diabo de terno e olhos verdes.


— Está na hora de dançar com o seu noivo. — Marise avisa, como
mais uma de suas ordens.

— Tia, esses saltos são péssimos para dançar, meus pés estão
doendo. – finjo uma expressão de dor.

— Não seja presunçosa garota, seu noivo está pagando toda a festa,
é sua obrigação dançar com ele. — absorvo suas palavras, minha língua
coçando para rebater.

Meu corpo está colado no dele novamente. Sua mão envolve minha
cintura fortemente, enquanto a minha se apoia em seu ombro. Respiro
fundo tentando me concentrar na melodia e nos passos da música. Sua
expressão é fechada, como se debaixo de toda aquela armadura estivesse
escondendo algo.

Me chama atenção, que enquanto ele envolve meu corpo em seus


braços, seus olhos não olham para mim, parecem concentrados em algum
lugar do salão. Acompanho seu olhar, vendo uma moça a poucos metros de
nós, os cabelos pretos e compridos cobre os ombros, ela é bonita e tão
jovem quanto eu, e sorri de forma animada enquanto conversa com outro
homem.

Me incomoda vê-lo trocar olhares com outra enquanto me tem seus


braços. Ele poderia fazer isso pelas minhas costas, mas prefere me humilhar
dessa forma, no nosso noivado na frente de todos.

Respiro fundo, ignorando a possível situação que meu cérebro está


criando, pedindo mentalmente para que tudo isso acabe e que até o final da
noite eu possa estar deitada sobre minha cama. Abaixo minha cabeça
encarando meus próprios passos, me sinto tola, pelo sentimento que começa
a existir dentro de mim.

Ele não será diferente dos outros homens, serei seu adorno bonito
em casa, um mero enfeite para sua cama. Esse é só mais um dos motivos
pelo qual não devo me casar com esse homem.

— Pode pelo menos disfarçar seu interesse em outra enquanto está


comigo? — peço. — Está me envergonhando na frente dessas pessoas. É o
nosso noivado!

— Não estou te envergonhando. É você que estou segurando em


meus braços. — responde friamente, sem nem mesmo olhar em meus
olhos.

Eu sei que todo esse tempo que passei trancada sendo preparada
para ser uma boa esposa, ele esteve com outras mulheres e isso não me
deixa frustrada. Homens são assim, não conseguem segurar o pau dentro da
calça, mas agora neste momento só queria um pouco de decência de sua
parte.

Que pelo menos olhasse em meus olhos enquanto dançamos, não


peço um conto de fadas, nunca me imaginei em um. Quero apenas um
instante de cumplicidade, mesmo que seja até mesmo falso.

Suspiro alto e continuo meus passos.

— Mas é para outra que está olhando. — afirmo sem medir o tom de
voz grosseiro.

— Não precisa sentir ciúmes, bella mia. — a voz sussurra em meu


ouvido.
Viro meu rosto para o lado, me torturando mais um pouco com o seu
cheiro, apesar das circunstâncias. Ele me segura firme contra si, acariciando
meus cabelos sutilmente de forma quase despercebida, não sei como, nem
explicar o porquê, mas estar nos braços desse homem frio e desconhecido
me faz sentir segura.

— Enquanto eu passei 4 anos sendo reprimida do mundo, o senhor


manteve sua cama bem quente. — resmungo com acidez.

Agora tenho atenção do homem que me segura. Seus olhos verdes


me olham de forma penetrante. Um olhar sombrio que é capaz de te
consumir.

— Eu passei 4 anos esperando a minha esposa, e o que fiz neste


tempo é irrelevante agora. — ele não precisava responder, mas mesmo
assim o fez.

Sorri com serenidade para disfarçar um olhar curioso da minha tia


Marise.

— Então admite que esteve com outras mulheres.

— Você era uma criança, e eu um homem feito, obviamente durante


esse tempo estive com outras mulheres. — É sincero.

Começo a sentir um sentimento estranho, em meio a tantos outros


desconhecidos na presença deste homem cruel, talvez ciúme? Não! Seria
demais. Eu mal o conheço.

A música finalmente termina, e me afasto. Deslizo minhas mãos


pelo meu vestido, o alinhando no corpo. Vejo Antenor e Marise se
aproximando, o que indica que agora é aquele fatídico momento em que
recebo meu anel de noivado.
Alguns minutos depois o anel de brilhante desliza sobre meu dedo, e
palmas ressoam por todo o salão, controlo minha vontade de arrancar o
objeto. O anel que brilha em minha mão é o símbolo que indica que agora
eu sou sua noiva, que agora de alguma forma eu estou ligada a ele.

— Sorria. — a voz venenosa da minha tia cochicha em meu ouvido.

Forço meus lábios a se abrirem em um sorriso fingindo, o homem à


minha frente marca minha pele com seu olhar.

— Adiante os preparativos do casamento, iremos nos casar em dois


meses. — Ares diz como uma ordem a meus tios.

O sorriso falso que eu exibo com desgosto se desfaz, meu corpo


gela, não ouço nada ao meu redor. Meu tempo agora diminuiu para 60 dias.

— Estava tudo certo para nos casar daqui a um ano, não há


necessidade de adiantar. — retruco a decisão de meu noivo.

Marise me olha torto, e meu tio me interrompe.

— Tivemos uma conversa, e não queremos mais ficar longe um do


outro, não é minha noiva? — Ares pisca para mim como se quisesse minha
participação naquilo, mas tudo que faço é um bico de raiva.

— Vamos providenciar tudo, em dois meses vocês se casam. —


Antenor não esconde a sua satisfação.

Subo para o meu quarto, cansada, enquanto minha tia me repreendia


pelo meu comportamento. Coloquei na minha cabeça que não iria me casar,
já sou capacho deles, não vou ser daquele homem. Qualquer lugar do
mundo seria melhor do que estar ao lado de um homem como aquele frio e
cruel, Antenor e Marise só estão pensando nos benefícios que esse
casamento trará para eles. Pouco se importam se eu vou sofrer por isso.

Tenho dois meses para pensar em como escapar. Poderia voltar para
Milão, tenho muitas amigas lá, pessoas que estudaram comigo. Mas não sei
se alguém estaria disposto a colocar a vida em risco para me ajudar, e
também não sei se seria certo colocar a vida de alguém em risco. Não sou
tão egoísta para tal ponto.

Pego o porta-retratos em cima da mesa ao lado da cama. Esta é a


única foto que tenho da minha mãe, minha única lembrança, já que minha
tia fez questão de queimar tudo dela, as duas eram irmãs, mas nunca se
deram bem, o único motivo pelo qual Marise me aceitou na sua casa, foi o
dinheiro, sua ambição sempre falou mais alto.
Capítulo 02

2 meses depois
Não demonstrei insatisfação com o casamento nesses dois meses.
Queria evitar a raiva dos meus tios, então evitei desafiá-los. Para eles,
aceitei ser entregue a um assassino de esposas sem especulações, e finjo tão
bem que até eu mesma estou acreditando nisso.

Nos últimos dias, me esforcei ao máximo para procurar uma solução


para que esse casamento não acontecesse. Consegui comprar uma passagem
de avião escondida. Não foi muito difícil sair de casa, apenas inventei que
seria uma esposa da alta sociedade e que precisava de roupas novas. Saí
para comprar, e realmente fiz compras. Voltei com várias sacolas e uma
passagem. Meus tios não desconfiaram de nada.

Faço tudo conforme planejei. Tomo meu café e espero pela equipe
responsável por me arrumar. Não teria como sair do quarto com ele cheio
de pessoas, mas pensei em criar uma boa distração. Coloquei alguns
explosivos em um lugar no jardim onde irá acontecer o casamento, e
conseguirei explodi-los com o controle, que estou escondendo dentro do
sutiã. Quero fugir desse lugar com classe, então deixo que me maquiei e
arrumem meu cabelo. Meu vestido está no mesmo quarto, esperando que o
vista, mas não tenho intenção alguma de fazer isso.

Ouço a porta sendo aberta, e pelo reflexo vejo minha tia adentrar o
quarto.

— Nem acredito que finalmente vou me livrar de você, não foi tão
inútil te criar.

Ah raiva em mim por vê-la falar assim, como se eu tivesse sido um


peso, mas ignoro, preciso seguir com meu plano para ser livre e sair daqui,
esta é minha motivação

— Controle sua boca e seja uma boa esposa, caso contrário ele vai
te devolver, e desonrada você não terá valor algum, no mínimo você
acabará como a sua mãe, em um bordel qualquer. — Sinto meu coração se
apertar, por ter ciência que a minha mãe era uma mulher da vida, e minha
tia faz questão de humilhar uma mulher morta.

— Entendi, tia. — Encaro a mim mesma no espelho procurando


alguma fagulha de alegria, mas vejo apenas tristeza.

Marise suspira, passa a mão pelo vestido e me direciona um olhar,


um que por ver tantas vezes já conheço.

— Não cometa nenhuma burrada, aquele homem poderá te matar


sem pestanejar. — aconselha em tom rígido.

Um desgosto se forma dentro de mim, ela deveria ser minha família,


mas está me empurrando do precipício.

— Soa engraçado esse conselho, já que mesmo sabendo o quanto


ele é perigoso, e sobre a fama maldosa que ele carrega, vocês me
ofereceram a ele.

— Foi uma oportunidade, precisávamos de dinheiro, Isabella. —


ela admite, mais uma vez que sua ambição falou mais alto.

— Me trocou por algumas moedas. — falo com a voz firme. —


Como pode fazer isso com uma criança tia, eu nem mesmo sabia o que
estava acontecendo naquela época.

Marise sorri debochando das minhas palavras.

— Algum dia você irá me agradecer. — desdenha de forma odiosa.

— Devo te agradecer por essa vida miserável que deve estar me


aguardando?— pergunto em ironia.

Vejo o semblante da mulher se transformar, suas mãos agarram o


encosto da minha cadeira, fazendo seu corpo tomba para mais perto de
mim.

— Olhe bem para você, a filhinha bastarda de uma putinha. — sinto


um nó se formar em meu estômago, as unhas vermelhas se cravam em meu
couro cabeludo em um aperto forte para encarar seu rosto no reflexo
distorcido no espelho. — eu te criei, dei meu sobrenome, eu lhe dei comida,
teto, uma cama para dormir, então, sim, garota, você deve me agradecer. —
Marise se afasta, arrumando sua postura, volta a olhar em volta do quarto
percebendo que ela fez aquilo na frente de todos.

— A maquiagem está muito forte, arrumem isso. — comenta minha


tia com um sorriso mesquinho para disfarçar, e se vira saindo pela mesma
porta que entrou.

Engulo minhas lágrimas, suspiro baixo e volto a forçar um sorriso


no rosto, hoje tudo vai mudar e não vou deixar que nada estrague esse dia.
Me levanto pedindo uma pausa para usar o banheiro.

Assim que fecho a porta atrás de mim, procuro pelo controle da


bomba dentro da minha roupa, e um objeto minúsculo que passa batido em
qualquer revista. Aperto o botão com toda minha vontade e quase no
mesmo segundo ouço o estrondo baixo do lado de fora.

Retorno ao quarto com uma cara de espanto, vendo o furor de


pessoas querendo saber o que aconteceu, assustadas, pensando que talvez
tivéssemos sendo atacados por alguma máfia rival, e logo o quarto ficou
vazio, tudo saindo conforme eu planejei.

Ao olhar para o corredor e ver ele vazio começo a caminhar sem


levar nada comigo usando apenas um moletom de capuz, ando devagar e
cabeça baixa evitando olhares, e nem chamar atenção, enquanto todos
correm para o jardim para saber o que aconteceu, eu caminho para fora dos
grandes portões com um sorriso no rosto. Mas um puxão em meu braço me
faz parar quase que caindo no chão.

Ao suspirar aquele perfume masculino, meu corpo se petrifica, meu


coração começa a bater cada vez mais rápido.

— Onde você pensa que está indo coisinha pequena? — A voz


grossa sopra em meus ouvidos me causando arrepios.

Encaro os grandes portões com tristeza, estive tão perto da minha


liberdade, estive tão perto de viver uma vida normal, de ser uma mulher
normal. Como eu pude acreditar que seria tão fácil me livrar de Ares
Montesi?

— Você achou mesmo que pode fugir de mim? — Não olho para o
dono da voz, mas sei que ele está colado em minhas costas, sinto o calor de
seu corpo contra o meu.
O aperto em meu pulso se torna ainda mais forte e meus lábios se
contraem em um gemido baixo.

— Me solta, está me machucando. — puxo meu braço, mas Ares me


impede, e por ser mais forte não consigo lutar contra ele.

— Deveria ter pensando nisso quando tentou fugir de suas


responsabilidades. — Sua mão puxa meu capuz expondo meus cabelos
vermelhos, fecho meus olhos em repulsa.

Eu quero chorar, mas não serei fraca a este ponto, ergo minha
cabeça, e me viro de forma que consiga enxergá-lo, meus olhos vão de
encontro aos olhos verdes.

— O chefe precisa de algo? — Noto a presença de dois homens um


pouco afastados de nós, e julgando como tratou meu noivo são soldados
dele.

Ares me puxa ainda mais contra si se desempenhando em mostrar o


quão vulnerável eu fico ao seu lado.

— Arrumem a bagunça do jardim, preciso me casar logo. — ordena


a seus Homens.

Meu noivo agarra minha cintura e me coloca sobre o ombro de


forma repentina, me pegando de surpresa, como se o meu peso fosse de
uma pena.

— Me coloque no chão. — grito e bato com meus punhos em suas


costas, meus movimentos parecem nem mesmo fazer cócegas.

O corredor que antes eu havia passado e estava vazio, agora está


cheio, aumentando ainda mais meu constrangimento.
— Por favor, me coloque no chão. — peço tentando transmitir uma
voz calma, e talvez convincente, mas Ares continua me carregando até
adentramos o quarto.

Sou jogada sobre os lençóis da minha cama de forma bruta, me ergo


com os cotovelos sobre o colchão me movendo para longe da presença
masculina.

— Não quero me casar com você! — Esbravejo irritada.

Olho para a figura alta parada no meio do meu quarto, sentindo uma
raiva arder dentro de mim, não quero me casar, não quero viver ao lado de
um homem como ele.

— Vai casar, nem que eu tenha que te colocar uma coleira e te


arrastar como uma cadela. — Arregalei os olhos assustada e me levanto da
cama com um sobressalto. Não duvido que ele seja capaz de tamanha
atitude, de um homem como Ares você pode esperar tudo, não há limite
para ele.

Vasculho com o olhar os quatro cantos do meu quarto buscando por


algo para usar em minha defesa, enquanto vejo seu corpo se mover para
perto de mim.

— O que te faz pensar que eu te deixaria sair desta propriedade?


Você me pertence e não há lugar para qual você consiga fugir que não irei te
achar. — ele fala possessivo.

Ouço apenas o som de seus sapatos batendo no chão, ele se


aproxima de mim, me sondando com seu olhar faminto e furioso. Agarro o
abajur da mesinha de canto e ergo o objeto em sua direção.

— Fique longe. — falo em voz alta, erguendo meu queixo.


Em seus lábios ele curva um sorriso sarcástico.

— Está ameaçando seu futuro marido? — percebo a ironia em sua


voz. — Abaixe isso garota. — Ordena, mas dessa vez eu não obedeço.

— Fique longe de mim! Ou eu vou te bater. — Respondo duramente


em ameaça.

Minha fala apenas instiga o inimigo, meu noivo não recua, se


aproxima ainda mais, deixando seu sorriso ainda maior em me desafiar.
Permaneço segurando o objeto, e arremesso o abajur no homem a minha
frente, cumprindo minha promessa, mas me odiando nos segundos
seguintes por errar.

O hálito quente sopra no meu rosto, meu corpo é prensado pelo dele
na parede, sua mão tenta me tocar de toda forma, mas me contorço para me
esquivar. O medo de que agora ele possa me tomar a força me consome,
com as duas mãos empurrou seu peito.

— Sai, me solta. — grito.

Sua mão agarra as minhas prendendo sobre minha cabeça, a posição


me deixa sem forças, me encolho e fecho meus olhos esperando pelo pior.

— Fique quieta, bella mia. — Sussurra com a voz rouca.

Seus dedos gelados tocam a pele do meu pulso que arde levemente.

— Pare de lutar contra mim, tudo isso só torna as coisas ainda


piores para você. Até o momento estou sendo compreensível, mas não
pense que suas atitudes, não terão consequências. — a voz soa ameaçadora
me fazendo sentir um calafrio.

O corpo másculo finalmente se afasta me permitindo respirar


melhor, aproveito o momento em que ele está de costa, arrumando o
smoking no espelho para tentar escapar em uma última tentativa, avançando
contra meu vestido de noiva, minhas mãos puxam o pano com força, e só
paro quando ouço o som do tecido se rasgando, mas não consigo fazer
muito estrago porque sou agarrada novamente.

— Como uma noiva pode se casar sem vestido... está destruído. —


Debocho cruzando meus braços em volta do corpo.

Agora ele terá que adiar o casamento, porque não daria tempo de
arrumar um vestido de noiva em cima da hora.

Ares me olha de cima a baixo, e sorri, não há surpresa em seu


semblante, o que me faz pensar que ele já esperava por isso.

— Está realmente empenhada em não se casar, mas você se esquece


quem sou eu.

Ele é a personificação do mal, tudo o que desprezo.

O observo tirar o celular do bolso da calça e fazer uma ligação, em


seguida volta seu olhar para mim.

— Logo irão vir arrumar seu vestido. — diz sereno. — Preste bem
atenção. Eu não vou tolerar mais nenhuma gracinha sua, este casamento vai
acontecer. Quer você queira ou não, hoje irá se tornar a minha esposa. —
fala em tom sério.

— Eu serei sua esposa, mas não de bom grado, assim que tocar em
mim irei sentir nojo. — Desdenho entre dentes.

O homem calmo a minha frente parece desconcertado, minhas


palavras o afetaram, sempre que estou perto dele percebo que ele se
controla, como se segurasse uma fera em correntes dentro de si.
— Está dizendo que sentirá nojo ao se deitar comigo? — Pergunta
se negando a acreditar.

— Não quero ser tocada por um ser tão desprezível quanto você!
Um assassino. — Deixo que as palavras saltaram da minha boca, e quando
percebo falei mais do que deveria.

Seus punhos se fecham ao lado corpo, demonstrando o quanto está


bravo.

— Sei que matou a sua primeira esposa, sei das atrocidades que faz,
matou o próprio pai para assumir o lugar dele, você não é só um homem
ruim, e o próprio diabo! — estou totalmente alterada.

— Cale a boca! Você não sabe de nada. — Ares rebate com um


olhar furioso.

Sua mão passa pelos cabelos pretos rapidamente, quero dizer tudo o
que tenho guardado, mas me abstenho e adentro a suíte, fecho a porta atrás
de mim num impacto, e o choro que tentei segurar com tanto apreço me faz
desmoronar.

— Abra a porta! — ouço a batida nada sútil do outro lado.

O soluço baixo escapa dos meus lábios, com o braço tento secar
minhas lágrimas.

— Me deixe em paz! Eu vou me casar com você. — Suspiro,


engolindo meu próprio choro.

— Abra! — exige novamente.

— Já disse para me deixar em paz! — grito dentro das quatro


paredes. — Me deixa sozinha inferno, só quero ficar sozinha, já disse que
vou me casar, eu não vou fugir! — Bato duas vezes contra a porta de
madeira, uma forma de aliviar a minha raiva.

Não ouço mais nada, apenas o som de passos e em seguida o


barulho de porta se batendo, como um aviso que ele havia me ouvido e me
deixando.

Olho-me uma última vez no espelho, encaro friamente a mim


mesma. Apesar de estar vestida de noiva, e esse ser o sonho de muitas
mulheres, as lágrimas que acumulam em meus olhos não são de alegria, são
de tristeza e raiva, o vestido que antes parecia um trapo ficou ainda mais
bonito, admito.

— Isabella! — a voz furiosa pertence a minha tia, mas não me


espanto em ouvi-la. — Garota insolente, o que você tem na cabeça para
fugir no próprio casamento. — me acusa, pelo menos ela não sabe das
bombas no jardim.

Suspiro e junto minhas pernas, me equilibrando em cima do salto


enorme.

— Guarde a saliva Marise. — Meu tio aparece em um rompante na


frente da esposa. — ele vai dar um jeito dela, provavelmente ela não dure
nem uma semana. — Suas palavras me acertar como um soco no estômago

Antenor agarra meu braço, me obrigando a seguir seus passos até o


altar. Caminho de cabeça erguida, mostrando a todos que apesar de ser uma
bastarda e filha de quem sou, não irei me diminuir para ser pisoteada por
eles.
Ao passar pelo corredor de bancos onde estavam os convidados, foi
impossível não notar os olhares para mim, ou perceber os cochichos, eu
estou acostumada com esse tipo de situação, então suspiro e continuou
dando passos em direção ao homem dos olhos verdes, seu olhar é
penetrante no meu.

Só quero que esse pesadelo acabe. Quero sair desse lugar. Quero
correr daqui. Chorar. Gritar.

Repeti meu mantra. Vai ficar tudo bem, e continuei até meu tio me
entregar ao meu destino.

Meu coração bate depressa, sinto uma ansiedade corroer meu corpo,
apalpo minhas mãos suadas no vestido, meus lábios tremem segurando meu
sorriso frouxo e falso.

Fico frente a frente com meu noivo, ele toma a iniciativa de tocar
minhas mãos, e a cerimônia se inicia, nos costumes da máfia.

Me pego meio perdida em agonia por saber que em algumas horas


eu terei que me deitar com este homem, um medo me faz arrepiar a espinha.

— Adiante o máximo. — Ares interrompe o padre sem ligar para os


olhares zombeteiros.

É agonizante ficar frente a frente com ele, me olhando como uma


presa que ele caçou. E julgando pelo que aconteceu mais cedo ele realmente
me caçou…

— Ares Montesi, promete a Isabella Bianchi ser fiel, amar, respeitar,


na saúde e na doença, na alegria e na tristeza até que a morte os separe?

— Sim — Ele responde, sem nenhuma hesitação.


— Isabella Bianchi, promete a Ares Montesi ser fiel, amar, respeitar,
na saúde e na doença, na alegria e na tristeza até que a morte os separe?

Por alguns minutos permaneço calada, Ares me lança um olhar de


repressão, consigo ouvir os cochichos zumbindo ao redor.

— Sim. — Abro minha boca para dizer não. Mas aqueles olhos
verdes parecem me estrangular, para que eu diga um sim. Colocamos as
alianças e cortaram a fita vermelha que as uniam.

— Pode beijar a noiva — o padre diz.

Permaneço parada, vendo os olhos do homem que agora é meu


marido ganharem um brilho eminente.

Sua mão me puxa contra seu corpo, me fazendo apoiar


desajeitadamente em seu peito, meu queixo é erguido e nossos lábios se
tocam em um beijo, fechos meus olhos rapidamente com a sensação que
começa a formigar em meu ventre, afasto nossas bocas antes que o beijo se
torne promissor.

Todos aplaudem; e uma chuva de arroz é jogada sobre nós enquanto


saímos do altar.

Estamos no salão da festa. Os convidados estão comendo e bebendo,


e eu estou sentada ao lado do meu marido. Não quis comer nada que me
serviram; só eu sei as lágrimas que estou segurando. Tudo o que eu quero é
me sentar em um cantinho e ficar sozinha. Meu marido é um homem de
poucas palavras. Ele observa tudo e não tem nenhuma expressão em seu
rosto que eu consiga ler.

— Vamos subir. — Ele informa, levantando-se, meu corpo


estremece, engulo minha própria saliva, sinto um tremor em minhas pernas.
— Eu queria beber um pouco. — digo, numa tentativa de atrasar o
inevitável.

— O que quer beber? Irei mandar levar para você.

— preciso de algo que me deixe topada o suficiente para que eu não


me lembre dessa noite. — Respondo áspera.

— Neste caso, farei questão que você não beba nada alcoólico. — O
meu marido é irônico em suas palavras.

Sem alternativas, me ergo da cadeira, e começo a segui-lo até o


quarto designado para a nossa primeira noite.

Adentramos o cômodo no segundo andar da mansão, o barulho da


chave passando na porta me deixa apreensiva, seguro o babado do meu
vestido aflita por não saber o que vai acontecer nos próximos minutos.

Vejo o homem alto na minha frente, me encarando, passando seus


olhos por todo meu corpo, desenhando meu vestido de noiva, dou alguns
passos para trás, me sentindo um pouco tonta.

— O que acontece se eu me recusar a deitar com você? — Murmuro


com a voz trêmula quase presa em minha garganta.

Meu desespero começa a ficar maior, quando ele começa a se


aproximar de mim.

— esta não é uma boa opção para você escolher. — ele rebate.

Suspiro baixo e coloco uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.

— Sei que você tem uma fila de mulheres para se deitar, pode
escolher uma delas para te satisfazer. — sugiro descaradamente.
— está tentando fugir das suas obrigações como esposa, não me
casei para você enfeitar minha cama. — Engulo em seco.

Respiro sentindo meu peito doer em angústia, o olhar dele me deixa


anestesiada, repreendo a vontade que meu corpo sente de me trair. Ares
avança contra mim de forma quase feroz, o cheiro de bebida misturado com
cigarro invade minhas narinas. Sua mão grande toca a alça do meu vestido
em forma de carícias, meu coração gela.

Olho em direção à cama posta com lençóis brancos sem alternativas,


ele está certo, tenho obrigações a cumprir, os lençóis precisam estar
manchados com o meu sangue.

— Me deixe ir ao banheiro, tirar o vestido pelo menos. — Peço.

Um sorriso nasce nos lábios do homem à minha frente, os braços


fortes me empurram sobre a cama obrigando a ficar de barriga para baixo,
sinto algo pontiaguda deslizar sobre minha pele e então meu vestido e
rasgado pela lâmina da sua adaga.

— Acabei de resolver o seu problema. — Sussurra com hálito


quente rente a minha orelha.

Ele me ergueu da cama com firmeza, usando ambos os braços. Meu


vestido desliza suavemente pelas minhas pernas, revelando meu corpo nu,
exceto pela calcinha branca que ainda veste minha intimidade.

Com as mãos trêmulas, tento cobrir meu corpo, sentindo a pele


arrepiar-se de vergonha por estar exposta dessa maneira pela primeira vez
na frente de um homem.

Vejo-o despir-se lentamente à minha frente. Cada peça de roupa que


cai no chão revela mais de seu corpo musculoso. Tento desviar o olhar,
procurando algo no quarto que possa me distrair, mas meus olhos teimam
em voltar para o corpo do meu marido.

Quando sua mão alcança a calça social preta e ele começa a


desafivelar o cinto, sinto minha boca secar instantaneamente. O som
metálico do cinto ecoa no silêncio do quarto, e meu coração acelera,
batendo com força contra meu peito.

Ele me olha intensamente e volta a se aproximar. Agora, com a


pouca luz do quarto, posso ver claramente seu corpo. As sombras suaves
realçam seu abdômen, há várias cicatrizes, marcas de lâminas desenham seu
peito, algo despertou meu interesse em tocá-lo, mas reprimi essa vontade.

Seu corpo próximo ao meu me obriga a deitar e soltar as mãos


envoltas de mim mesma. Aconchego-me nos lençóis macios, sentindo o
calor reconfortante do corpo do meu marido sobre o meu. Há uma atração
palpável entre nós, evidente em cada olhar que trocamos. Mas, preciso me
lembrar, que apesar deste homem ser meu marido, ele não será um bom
homem para mim.

Seguro minha própria respiração, lutando contra as emoções que


meu corpo insiste em sentir. Travo minhas pernas quando sua mão desliza
suavemente até minha coxa, o calor de seu toque espalha um arrepio pela
minha pele. O vejo sorrir de canto, um sorriso que mistura desejo e algo
mais, algo que não consigo decifrar completamente.

— Abra as pernas para o seu marido. — ouço sussurrar saliente


como uma ordem direta.

Sua mão apalpa minhas coxas acariciando com ternura, seus dedos
traçam caminhos lentos e cuidados sobre minha pele, enviando ondas de
calor pelo meu corpo, uma sensação estranha começa a crescer em meu
ventre, um misto de ansiedade e excitação que ameaça me dominar, fecho
meus olhos com rapidez, os dedos gelados tocam minha bochecha e viro
meu rosto.

— Posso tornar isso prazeroso para você. — propõem.

— Eu não vou sentir prazer em me deitar com você. — desdenho


ainda de olhos fechados.

Ofego sentindo a barba do homem roçar em meu pescoço.

— Mentirosa, está negando que seu corpo também me quer. — Meu


corpo está me traindo aos poucos, e não há nada que eu consiga fazer para
parar essa sensação.

— Acabe logo com isso. — Minha voz soa firme, contracenando


para não expor o quanto eu estou vulnerável.

Sinto suas mãos descerem pelo minha barriga, e me encolho um


pouco mais, seu toque é firme em volta da minha cintura me puxando
contra sua ereção, mantenho meus olhos fechados.

— Você se guardou para este momento? — A simples pergunta me


parece uma ofensa.

Ele não é diferente das outras pessoas, ele também pensa que sou
sem caráter.

Suspiro e abro os olhos, encontrando suas íris verdes fixos nos


meus.

— Está me perguntando se sou virgem? — retruco asperamente. —


Essa é a sua preocupação?
— Certamente devo me preocupar — responde, com um tom
sombrio. — eu mataria qualquer um que tivesse te tocado antes de mim. —
sinto meu corpo estremecer.

— Nunca vi um homem nu na minha frente, até hoje — confesso,


em um sussurro. — E nunca beijei ninguém antes do nosso casamento.

Meu marido curva um sorriso malicioso, parece satisfeito em ouvir


minha confissão, os olhos verdes brilhando com uma mistura de
possessividade.

— Isso só torna tudo Melhor. — Sua voz é baixa e rouca. — sou o


único homem que você verá assim. E o único que sentirá seus beijos.

Sua mão volta a tocar meu rosto, agora de forma mais rígida. Sinto a
pressão de seus dedos sobre minha pele. Seus olhos me analisam, como se
estivesse reivindicando cada centímetro do meu corpo.

— Prometo ser gentil. — me força a encará-lo.

Seus lábios se chocaram aos meus de imediato, ele me beija de


forma sutil e controlada, descendo a boca pelos meus seios acariciando o
bico e puxando levemente, distribuindo um caminho de beijos por toda
minha barriga meu marido se posiciona entre minhas pernas, o vejo parar os
movimentos, e suas mãos tocarem a lateral na minha calcinha, exigindo que
eu levante meu quadril permitindo que ele deslize a peça branca pelas
minhas pernas.

Dou um pequeno sobressalto quando sinto sua língua quente na


minha boceta, um contato íntimo inesperado que faz meu corpo estremecer,
aperto os lençóis com força em minhas mãos, e tento fechar minhas pernas.
— Relaxe e abra as pernas para mim, não vou te machucar. —
garante com um sorriso ladino como se soubesse que estou apreensiva.

Respiro fundo e volto abrir minhas pernas, Agora com os dedos ele
acaricia a minha região sensível, os movendo minuciosamente até minha
entrada, o ardor e suportável no primeiro momento, comprimo meus lábios
evitando que qualquer som escape. Sua respiração sopra na minha
intimidade, antes da sua língua me chupar. Meu corpo se vê perdido em
algo que me arrisco dizer ser prazer.

Meu marido se afasta por um instante, deixando-me sentir a falta de


seu toque. A ausência de seu calor é quase insuportável, mas logo ele
retorna, se debruçando sobre mim. Sinto seu membro pressionando contra
minha intimidade, sua presença é ao mesmo tempo, assustadora e excitante.
Atrevo-me a olhar para baixo e vejo-o duro, grande e cheio de veias
pulsantes. Meu coração acelera e um medo primordial se instala dentro de
mim.

Sua mão me força a abrir mais as pernas, e um suspiro baixo escapa


dos meus lábios. Ergo meus olhos e encontro suas írises verdes já me
encarando. Sinto a ponta do seu membro na minha entrada, forçando para
entrar. A sensação é intensamente desconfortável, um desconforto que
supera em muito a de seus dedos. Dói, um ardor que se espalha e pulsa,
fazendo meu corpo tensionar ainda mais.

— Está doendo. — Resmungo baixo, e mordo meus lábios para


calar meus gemidos.

— Vai melhorar se você relaxar. — Responde.

— Não consigo relaxar, você está me rasgando. — Um gemido de


dor me escapa.
Sinto sua respiração soprar em meu rosto.

— Olhe para mim. — Meus olhos buscam o seus com urgência, e


sua boca se encontra com a minha em um beijo.

Seu beijo começa a me acalentar, a medida que se afunda dentro de


mim, sinto meu hímen se romper e a dor se dissipar. Respiro um pouco
depressa, a sensação de ser preenchida é boa, mas ainda, sim, dolorida e
desconfortável.

Suspiro e passo meus braços pelo seu pescoço buscando que tudo
isso acabe logo, não consigo controlar meu corpo tão pouco minhas
emoções e isso está me fazendo me render a ele, sinto meus olhos
lacrimejarem, é uma lágrima escorrer pelo rosto. Sua boca se afasta da
minha, e com a ponta do polegar, Ele enxuga minha bochecha.

— Será melhor nas próximas vezes. — Garante. — Continue


olhando para mim.

Em impulso o sinto mais fundo dentro de mim, um fogo ardente


percorre meu corpo, mantenho meus olhos no dele, enquanto seu corpo
começa a se movimentar em cima do meu. Sua testa se encosta na minha,
nosso olhar se torna cada vez mais penetrante, como se pudéssemos
desvendar o que cada um está sentindo.

O desconforto se torna quase nulo, meu coração se acelera e nossas


respirações se misturam, contenho como posso meus gemidos, não quero
que ele saiba que gosto de estar em baixo dele, sendo tomada. Incapaz de
sustentar nosso olhar, Viro meu rosto, olhando para a parede branca do
quarto, seu corpo se ergue sobre o meu, e suas mãos se posicionam lado a
lado do meu corpo, ele se afunda dentro de mim, um pouco mais rápido,
consigo senti-lo, duro e pulsando.
Suas estocadas mais duras e rápidas me fazem tremer as pernas. A
mão do meu marido desce entre minhas pernas, tocando meu clitóris. Sinto
uma onda de calor se espalhar pelo meu corpo, como se cada célula
estivesse vibrando em resposta ao toque dele. Meus músculos se contraem
involuntariamente, e uma tensão deliciosa começa a se acumular no meu
ventre, crescendo com cada movimento.

Meus gemidos, que eu tentava tanto conter, começam a escapar em


sussurros, misturando-se com a respiração ofegante dele. Como uma
explosão, o orgasmo me atinge.

É uma liberação avassaladora. Grito abafado, incapaz de conter o


som, enquanto ondas de prazer se propagam pelo meu ser. Meu corpo se
arqueia contra o dele, completamente tomado pela euforia do momento,
enquanto ele continua a se mover dentro de mim, buscando mais prazer.

O ritmo dele se torna mais errático. Posso sentir os músculos dele se


contraindo, as estocadas se tornam mais intensas. Suas mãos apertam meus
quadris com uma força quase desesperada, e sei que ele está perto.

A sensação de estar tão intimamente conectada a ele, de sentir cada


movimento, cada pulsação, me enche de uma excitação ainda maior, ele se
enterra profundamente em mim. Posso sentir a liberação dele, a onda de
prazer que o atravessa. Seu rosto se contorce em êxtase, os olhos fechados
enquanto um gemido rouco escapa de seus lábios. Sinto o líquido quente
jorrando dentro de mim, me marcando de dentro para fora.

Quando seu corpo se afasta por completo do meu, volto a realidade,


e percebo o que acabara de acontecer, o lençol antes branco, agora e
manchado com meu sangue, encaro a mim mesma procurando alguma
fagulha de arrependimento que me fizesse odiar o momento íntimo que tive
com o homem ao meu lado.

Me levanto da cama sem nem olhar em sua direção e vou para a


suíte, para lavar qualquer vestígio que sobrara dele em minha pele. Deixo
que a água quente corra sobre meu corpo, esfrego minha parte íntima,
sentido uma ardência incomum. Minhas vistas parecem escurecer por
alguns segundos, me escorro no mármore branco antes de meus olhos se
fecharem por completo.
Capítulo 03

Pisco os olhos e me vejo no mesmo quarto da noite passada. Não há


ninguém ao meu lado, o que me faz respirar menos apreensiva. Me enrolo
na coberta, notando que estou vestida com uma camisola vinho. Os últimos
acontecimentos passam como um borrão pela minha mente; lembro-me de
estar no banheiro e de ter desmaiado.

Ouço a porta da suíte ranger, me obrigando quase que de imediato a


olhar na direção. O corpo quase nu do meu marido surge na porta, ainda
envolto em uma toalha. A água escorre pelo seu abdômen, realçando os
músculos definidos. Seus cabelos estão úmidos, caindo desordenadamente
sobre a testa, e seus olhos encontram os meus com uma intensidade que faz
meu coração acelerar e minha boca secar.

Ele caminha em minha direção, me permitindo enxergá-lo ainda


melhor. A toalha pendurada frouxamente em seus quadris revela a curva de
seus músculos, e a visão faz meu corpo responder instintivamente. O calor
que senti antes parece reaparecer, se espalhando lentamente pelo meu
ventre.
Ele se aproxima da cama com um olhar felino, seus olhos me
analisam de cima a baixo. Sua mão vem em direção ao meu rosto, mas eu o
impeço de me tocar.

— Eu estou dolorida, se curte sexo matinal, procure outra. — Falo


áspera.

O homem à minha frente solta um suspiro alto, e me encara com os


olhos verdes.

— Outra mulher? — ele diz, com um tom de desdém. — Você é


minha esposa, e é seu dever cumprir seu papel.

— Eu disse que estou dolorida, consegue respeitar isso? — Rebato


furiosa.

Ele estreita os olhos, sua expressão fria é implacável.

— Se você está dolorida, então descanse. Mas não se esqueça do seu


dever. Isso não é uma negociação. Quero filhos e espero que você esteja
pronta para cumprir seu papel.

Uma raiva crescente toma conta de mim.

— Dever? — disparo — Eu não sou um depósito de porra. Não vou


gerar filhos só porque você quer. Ainda posso mandar no meu corpo.

Ele mantém a expressão fria e o olhar penetrante.

— Se você não cumprir seu papel, haverá consequências. E não


pense que minhas palavras são apenas ameaças vazias. Se você não me der
filhos, encontrarei outra maneira de conseguir o que quero, e você não vai
gostar de como isso será feito.
— Faça o que quiser — respondo sem tremer a voz. — Mas não
pense que pode me controlar ou me forçar a algo que não quero. Eu não sou
uma ferramenta para realizar seus desejos. E se tentar me dobrar pela força,
estará apenas perdendo o que resta de respeito que eu poderia ter por você.

Um silêncio se instala no quarto, ele me encara com uma fúria


contida, minhas palavras o afetaram.

— Se arrume e pegue o que precisa, iremos embora depois do café,


quero te levar ao médico. — Avisa, e desiste de me importunar por um
momento.

— Porque preciso ir ao médico, eu sou saudável, já fiz o checkup


antes do casamento. — Busco entender.

— Você desmaiou ontem no banheiro. — Constata.

Então ele me vestiu e me carregou para cama, imagino.

— Estou bem, o desmaio foi porque não havia comido nada. —


Afirmo, parecendo confiante na minha resposta.

Ele me observa com uma expressão de ceticismo.

— De qualquer forma, eu a levarei, não quero que sua saúde


comprometa meus planos.

Sei exatamente quais são seus planos, mas não o contrário desta vez,
me levanto da cama, me esquivo do seu corpo, e me tranco da suíte.

Já consigo imaginar a vida sombria que me aguarda enquanto sou


guiada pelo meu marido até o carro, o silêncio entre nós é pesado. Dentro
do carro, meu olhar se perde na paisagem que passa pela janela.

Quando finalmente chegamos à clínica, uma moça loira nos recebe


na entrada, com um sorriso profissional mas também amedrontado, ela nos
conduz até uma sala de espera, onde nos acomodamos em cadeiras de
couro. O ambiente é neutro, quase frio, fazendo minha pele se arrepiar, as
paredes são brancas e com uma decoração mínima para deixar o lugar mais
discreto.

O médico entra na sala, com um olhar de medo, percebo sua


apreensão em tocar em mim para examinar, mas por fim ele finalizou o
exame e disse que eu estava bem.

— Eu queria falar com uma enfermeira. — Peço ao médico, ele olha


para o meu marido, em pé ao lado da minha cadeira, como se pedisse
autorização para me responder.

Ares acena com a cabeça para o médico.

— A senhora precisa de mais alguma coisa? — pergunta o homem


ajeitando seus óculos na frente dos olhos.

— Quero tirar algumas dúvidas íntimas, e não quero falar sobre isso
com um homem. — Respondo.

— Chame alguém. — Ordena meu marido.

Em poucos minutos, uma mulher vestida de branco aparece na porta


da sala.

— Quero falar com ela a sós, são coisas íntimas, conversa de


mulher. — Eu inclino minha cabeça para o lado para que meu marido
entenda e nos deixe a sós.

Assim que estamos sozinhas na sala, ela se pronunciou.


— No que posso ajudar a senhora? — A mulher é uma enfermeira já
idosa, o que me faz sentir uma certa vantagem, acreditando que ela talvez
possa entender.

— Preciso que você me traga anticoncepcionais. — Cochicho baixo,


com medo de que minha voz ultrapasse as paredes.

— Senhora, posso pedir ao médico para te receitar um


anticoncepcional, mas terei que pedir ao seu marido primeiro.

— NÃO! — Minha voz sai mais alta do que eu desejava. — Não


conte ao meu marido, ele não pode saber. — Então, ela se dá conta do que
eu estava pedindo.

— Não podemos ir contra o seu marido, senhora. Ele mataria


qualquer um de nós e eu tenho amor à minha vida. — Ela destaca sua
preocupação.

— Você é mulher, consegue me entender. Se me ajudar, garanto que


ninguém vai saber. — Peço. — Ficarei te devendo algo no futuro e você
poderá me cobrar. — A mulher fica em silêncio por um momento,
hesitando.

— A senhora garante que ele não vai saber se eu te entregar esses


remédios? — Pergunta, meio desconfiada.

— Garanto com a minha vida, ele nunca vai saber. — Afirmo.

— Vou te dar alguns comprimidos, mas recomendo que depois a


senhora passe em um ginecologista. — Informa. — Vou buscar, me espere
aqui. — Diz ela, abrindo a porta e saindo rapidamente.

Passam-se alguns minutos, e então a enfermeira retorna, segurando


discretamente um pequeno envelope.
— Aqui estão. — Ela me entrega o envelope, olhando ao redor
como se estivesse esperando ser pega a qualquer momento. — Lembre-se
do que eu disse, procure um ginecologista assim que puder. — Acrescenta.

— Muito obrigada. — Digo, com a voz carregada de gratidão. — Se


precisar de algo me procure, estarei disposta a te ajudar.

Ela acena com a cabeça, compreensiva, e sai da sala, me deixando


sozinha novamente. Olho para o envelope em minhas mãos, sabendo que o
que fiz foi arriscado, mas necessário. Com cuidado, escondo-o na minha
bolsa, esperando que ninguém perceba.

Adentramos os portões majestosos da Mansão, minha nova casa,


enquanto meus olhos percorrem cada detalhe com curiosidade.

Assim que o carro estaciona suavemente na entrada de


paralelepípedos, um soldado se aproxima e abre minha porta com uma
reverência discreta.

— Bem-vindo de volta chefe. — Anuncia ao meu marido.

Desço do carro, ainda absorvendo a imponência do local. A fachada


da Mansão, com suas colunas elegantes e janelas altas, parece sair de um
conto de fadas.

— Levem as malas para meu quarto. — Informa Ares ao homem.

Me sinto um pouco desconcertada com a suposição de estar no


mesmo quarto que ele dividindo a mesma cama.
— Iremos ficar no mesmo quarto? — Minha pergunta é tão ingênua
que arranca um sorriso fácil dele.

— Sim. — Responde com uma única palavra.

— Não acho que isso seja necessário, já que nosso casamento é por
conveniência.

Seu corpo vira para mim.

— Estamos casados, e você vai cumprir suas obrigações como


esposa. O quarto é grande o suficiente para nós dois, então pare de se
preocupar com trivialidades.

— Eu não quero dividir uma cama com você.

Ele se aproxima um passo, a sombra de um sorriso cruel nos lábios.

— Você parece esquecer quem está no controle. — Ares diz,


gotejando autoridade.

Cruzo os braços, sem me deixar intimidar.

— E você parece esquecer que eu não sou uma marionete para


dançar conforme sua música. — Minha voz é desafiadora.

Ares me encara por um momento, sua expressão fechada.

— Veremos quanto tempo você consegue manter essa atitude antes


de perceber que a resistência é inútil, e que no final do dia estará deitada
sobre a minha cama com as pernas abertas, me esperando para possuir seu
corpo. — Suas palavras me deixam em êxtase.

Meu rosto se aquece com a indignação, Ares mantém seu olhar


impassível, quase divertido.
Sem vontade para continuar a discutir com ele, caminho até a
entrada.

Uma senhora gentil que trabalha na mansão como governanta me


guiou até o quarto do meu marido, onde passei o resto do dia, praticamente
trancada, com medo que a qualquer momento, ele invadisse o quarto e
quisesse arrancar de mim alguma coisa, mas pelo meu alívio soube que ele
estava trabalhando no seu escritório.

Enquanto a noite caía, eu me aproximei da varanda e observei a


paisagem do jardim, que se tornava mais serena com o entardecer. De
repente, um som sutil captou minha atenção: a porta do quarto se movia,
sinalizando que alguém estava entrando.

Corro rapidamente para o banheiro e fecho a porta com um estrondo


abafado. Não sei ao certo por que agi dessa forma; talvez tenha sido um
impulso desesperado. Do outro lado da porta, ouço seus passos se
aproximando e parando bem em frente ao banheiro.

— Está se escondendo de mim, esposa? — Sua voz calma do outro


lado da porta faz meu coração disparar.

— Não — respondo apressadamente, minha voz trêmula.

— Então saia. — A tranquilidade em sua voz contrasta com a


pressão que sinto, sua voz é carregada de autoridade.

— Eu... — Tento encontrar uma desculpa, mas as palavras me


escapam, e minha mente fica em branco diante da situação.

— Venha, saia, não me faça ter que derrubar a porta. — Sua voz,
firme e sem paciência, deixa claro que ele não hesitaria em agir conforme
suas palavras.
Com um suspiro de resignação, abro a porta lentamente, saindo para
o corredor com a cabeça baixa. Caminho até a cama, tentando manter o
controle, mas sou interrompida quando ele puxa meu braço com uma força
inesperada.

— Olhe para mim. — A ordem é direta, e meu queixo é forçado


para cima, fazendo-me encarar seu olhar intenso e dominante. — Você fez
suas refeições?

— Sim.

— Continua dolorida? — engulo em seco.

— Já disse a você que procure outra para te satisfazer. — Respondo


ríspida. — Meu corpo não é um brinquedo para você usar quando você
quer.

— Se sua língua está tão afiada, é sinal de que você já se recuperou.


— Desdenha entre dentes. — Vá se deitar. — Ordena com a voz grossa
habitual.

Um calafrio percorre meu corpo.

— Você vai me forçar a deitar com você? — me atrevo a perguntar.

Ele sorri amargamente e solta um suspiro manejando a cabeça de


um lado para outro.

— Posso não ser um bom homem, mas não machucaria uma


mulher. — Suas palavras me parecem sinceras, mas também me faz lembrar
de algo.

— Mas matou sua primeira esposa, não? — Os olhos do meu


marido se transformam em algo sombrio.
Ele avança em minha direção com uma intensidade feroz, me
empurrando para a cama. Sua mão se fecha em torno do meu pescoço, a
pressão firme, mas não completamente sufocante.

— Não tem medo que aconteça o mesmo com você? — pergunta em


voz baixa acompanhada de um sorriso cruel, sua respiração quente sopra
em meu ouvido.

— Você me provoca muitos sentimentos, Ares, mas nenhum deles é


medo. — Respondo com uma calma desafiadora.

Sua mão lentamente se afasta do meu pescoço, e seu olhar revela


uma expressão de arrependimento inesperado. Ares se afasta, sem
pronunciar uma palavra. O silêncio é rompido pelo som da porta do quarto
batendo com uma força anormal.
Capítulo 04

Movida pela curiosidade e pelo desejo de distrair minha mente


inquieta, decidi explorar os corredores da mansão que agora serviam como
meu novo lar. Ares não retornou ao quarto na noite anterior, e eu passei a
noite sozinha, em um sono tranquilo, mas solitário.
Determinada a assumir meu papel na família como esposa do Don,
resolvo descer para o café da manhã.
— Bom dia. — Digo educadamente, oferecendo um sorriso gentil
sem mostrar os dentes.
No instante em que meus pés cruzam a soleira da sala, sinto o ar se
tornar mais denso, A atmosfera parece pesar, como se minha presença não
fosse bem-vinda.
— Bom dia. — O irmão mais novo, responde, ele e o sottocapo, tem
uma fama bem grande entre as mulheres, difícil encontrar alguma que tenha
escapado de suas garras. — Bem-vinda a família cunhada, infelizmente não
pude comparecer ao casamento, mas pelo que soube, teve até explosão. —
Ele diz com sorriso desenhando o rosto.
Ares, me chama com aceno de cabeça, para que eu ocupe meu lugar
ao seu lado.
— Você não perdeu nada. — Respondo enquanto me sento.
A mulher de cabelos longos e escuros, com olhos profundos, me
olha com indiferença, como se eu fosse algum tipo de doença.
— Não vamos nos apresentados ocasionalmente, meu irmão tinha
medo de que um de nós a roubasse dele. — meu cunhado continua. — Eu
sou Adryel, Ele é Andreas. — Aponta para o irmão ao seu lado, ele é tão
sério quanto meu marido. — E essa é nossa querida mãe. — a senhora dá
de ombros desinteressada.
— Pare de encher a garota, Adryel. — Andreas diz interrompendo.
— Só estou nos apresentando. — Adryel se defende. — Seja bem-
vinda a família. — Dou um meio sorriso para disfarçar o desconforto.
Meu marido permanece em silêncio, apenas ouvindo a conversa.
Seu olhar é impenetrável, sem revelar nenhuma emoção. Para me despertar,
sirvo-me de uma pequena xícara de café.
— Tem alguma biblioteca aqui, ou livros? — pergunto, afastando a
xícara dos lábios suavemente.
— Nós não costumamos ler, então, infelizmente, não tem biblioteca
aqui. — Adryel responde com um tom de divertimento.
Franzo o nariz, ligeiramente desapontada. Queria ler para distrair
minha mente, uma forma de escapar da minha realidade.
Ao terminar meu café, decido ir ao jardim conhecer melhor o lugar.
Talvez este se torne meu novo refúgio na casa. Suspiro profundamente,
sentindo o aroma das flores enquanto caminho entre os canteiros,
maravilhada com a beleza ao meu redor.
De repente, meus ouvidos captam movimentos vindos da estufa. Ao
me virar, vejo meu marido a poucos passos de distância, com as mãos nos
bolsos da calça social. Pergunto-me se ele já estava ali há algum tempo ou
se acabara de chegar.
Aliso meu vestido com a ponta dos dedos, respiro fundo e dou
alguns passos em sua direção, tentando manter a compostura.
— Posso ficar aqui? — pergunto.
— Não precisa me pedir permissão, para estar no jardim. — diz
sereno. — Não é uma prisioneira, esta também é sua casa. — Sua voz e um
tom frio que me deixa impassível.
Paro por um instante para analisá-lo, o terno bonito, combinando
com sua frieza habitual. Algo dentro de mim me corrói com o desejo de
saber onde ele passou a noite. Mas, me forço a abster-me. Se ele passou a
noite fora, não deveria me importar. Tão pouco se ele esteve com outra
mulher. Nada disso deveria ter importância para mim. Este casamento não é
real. Não tenho que me prender a criar qualquer sentimento por este
homem.
— O que você gosta de ler? — A pergunta indica que, apesar de sua
aparente indiferença durante o café da manhã, ele prestava atenção.
— Porque isso o interessaria. — Recuso a responder.
Ele tomba a cabeça para trás, soltando um longo suspiro, tira uma
caixinha de cigarros do bolso e maneia um até os lábios, com a outra mão o
acende, dando uma boa tragada, como se buscasse calma, e fumar aliviasse.
— Me responda. — Exige em voz rouca. — O que gosta de ler? —
insiste.
— Eu gosto de livros de época. — Respondo por fim.
Ele sopra a fumaça do cigarro para cima antes de fazer uma nova
pergunta.
— Por que não trouxe livros com você?
Hesito por um momento antes de responder.
— Meus tios me proibiram de ler livros assim. — sem perceber sou
irônica.
Ares permanece inabalável, mas parece pensativo por um momento.
Ele apaga o cigarro, esmagando-o no chão de pedra, e então se vira para
mim com um olhar que parece mais suave, mas ainda, sim, frio e sem
sentimentos.
— Seus tios não têm poder aqui. — Declara, seus olhos se fixam
nos meus. — Pode ler o que quiser.
Ele dá um passo em minha direção, diminuindo a distância entre
nós. O aroma do cigarro ainda paira no ar, misturado com o cheiro fresco
das flores do jardim.
— Você não é diferente deles. — Suas sobrancelhas se franzem.
— Explique o quer dizer com isso? — Sua voz é calma, mas
autoritária e exigente.
— Você também quer me controlar, ser meu dono, ditar o que devo
fazer. — Dou um passo para trás, balançando a cabeça.
— Você está equivocada, coisinha pequena, não quero te controlar,
apenas zelar por você.
Ares se aproxima de mim, seu corpo se inclina sobre o meu, nossos
rostos quase se tocando. Sua mão se ergue suavemente, deslizando pela
minha bochecha em uma carícia inesperada.
Eu me encolho levemente ao seu toque, mas não me afasto. A
intensidade de seu olhar sobre mim me deixa sem fôlego.
— Está se sentindo melhor? — sua pergunta me deixa tensa.
Não posso fugir dele para sempre. Ele é meu marido, e, de alguma
forma, é minha obrigação compartilhar a cama com ele. Balanço a cabeça
em sinal de, sim, Ele continua a deslizar a mão pelo meu rosto, seus dedos
roçando minha pele.
— Vou sair para trabalhar e provavelmente chegarei tarde. —
Informa, sua voz tingida de um tom pragmático. — Não se esqueça de fazer
suas refeições, não quero que desmaiei quando eu estiver dentro de você.
Sinto um frio na espinha, e a sensação de boca seca, ele percebe o
quanto suas palavras me afetam, e se afasta com um sorriso sedutor nos
lábios.
Antes de sair do jardim, seus olhos percorrem meu corpo uma
última vez por cima dos ombros largos e ele se vai, da mesma forma que
chegou, silencioso.

O silêncio do quarto é profundo, acompanhado da pouca luz que


entra pelas janelas, e faz sombras refletirem nas paredes. Eu me vejo
sentada à beira da cama, movida a impaciência. As minhas mãos, frias e
úmidas, tremem ligeiramente.
Uma tensão avassaladora se espalha pelo meu corpo, intensificando
a sensação angustiante do meu coração, encaro um pouco o relógio na
cabeceira da cama, e enfim ouço alguns passos do lado de fora do quarto,
ressoando pelo corredor.
Aperto minhas mãos fortemente no lençol enquanto vejo a porta se
mover vagarosamente e a presença masculina aparecer, Ele fecha a porta
com cuidado, avançando lentamente na minha direção, com passos
sorrateiros.
— Esperou por mim. — sua voz rouca e cheia de astúcia.
Levanto-me da cama e me coloco frente a frente com ele,
mergulhando no olhar intenso que parece incendiar minha pele. Sua mão se
estende para tocar a alça da minha camisola, começando a deslizá-la ao
longo do meu corpo, mas eu a intercepto, impedindo qualquer tipo de
contato.
— Espere. Tenho algo a pedir. — Minha voz sai firme, apesar do
desconforto que sinto na sua presença.
Ele não se afasta e continua a me observar com um olhar intenso e
predador.
— Não pretende escapar disso, certo? — ele sussurra, com um tom
sagaz.
— Não. — Nego, tentando manter a serenidade. — Não tentarei
fugir.
Ele sorri com um misto de curiosidade e desejo.
— Então me diga, bella mia, o que você quer de mim?
Respiro fundo, e ergo minha cabeça.
— Me deitarei com você e cumprirei com minhas obrigações de
esposa, mas peço que meu corpo seja o único que você toque. — O sorriso
em seu rosto se amplia ainda mais.
— Me lembro de você dizer que eu deveria procurar outras
mulheres. — Rebate com impaciência. — Porque mudou sua opinião.
— Ainda pode procurar outras mulheres, se preferir, mas não
aceitarei que me toque, não tolerarei dividi-lo. — esclareço.
— Está disposta a ceder sem especular? — ousa perguntar, aceno
com a cabeça em sinal de sim. — Bem, não gosto de me limitar a foder em
apenas uma cama; tenho diversos fetiches. Acha que vai conseguir lidar
com isso?
Meu corpo parece travado diante da sua pergunta.
— Desde que respeite a minha condição, não me importo; meu
corpo estará disposto a ceder a você, todas as noites. — Digo.
Sua mão volta a tocar a alça da minha camisola, deslizando o tecido
pelos meus ombros, que escorrega suavemente pelas minhas pernas.
Não me cubro nem sinto vergonha por estar exposta à sua frente.
Meu peito sobe e desce com uma respiração controlada, revelando a rigidez
dos meus seios e a pele toda arrepiada. Nosso olhar se encontra
desesperadamente, como um fogo que queima em desejo.
Uso minhas mãos para me aproximar, e tocar sua camisa social,
desabotoando os botões com leveza, e curiosidade. Vejo as cicatrizes que
desenham seu abdômen, deslizo meus dedos pelos traços que marcam sua
pele.
— Quem te machucou dessa forma… — pergunto baixinho, em um
sussurro.
Sua mão me impede de continuar segurando meu pulso.
— Vá para cama. — Ordena.
Meu corpo obedece, deitando-se sobre os lençois macios da cama.
O colchão cede sob o peso dele quando se posiciona sobre mim, cobrindo-
me completamente com seu corpo. ele usa o cinto da calça para prender
minhas mãos acima da cabeça. Sinto meu corpo se contorcer ligeiramente
sob o dele, mas não ofereço resistência. Sua barba áspera roça contra meu
pescoço, provocando um arrepio que percorre toda a minha espinha.
Seu olhar predatório se fixa no meu, os olhos cheios de intenções
me deixam sem ar. Suas mãos firmes percorrem meu corpo, explorando
cada curva. Ele se inclina, sussurrando em meu ouvido, com sua voz fria e
rouca.
— Não serei tão gentil quanto na nossa primeira noite.
Estremeço, sua boca desce lentamente pelo meu pescoço, deixando
rastros de beijos que queimam minha pele. Sinto suas mãos deslizando
pelas minhas coxas, apertando e acariciando, meu corpo responde a cada
movimento, com excitação e submissão.
Ele se afasta por um momento, seus olhos varrendo meu corpo com
uma apreciação insaciável. Seu olhar faminto se fixa na minha calcinha, e,
em um movimento repentino e decidido, sua mão agarra o tecido a rasgando
com agressividade, me deixando ainda mais exposta e vulnerável a sua
mercê, engulo minha própria saliva, e tento acalmar meu coração.
Em seus lábios cresce um sorriso sádico. os dedos gélidos abrem
minhas pernas o suficiente para tocar a minha intimidade, constando a quão
excitada estou, respiro com dificuldade ao sentir um dedo dentro de mim,
comprimo meus lábios, e fecho os olhos.
— Olhos abertos, bella Mia. — Ele ordena com sua voz fria e
imperiosa.
Abro os olhos lentamente, encontrando os seus. Sinto um segundo
dedo me penetrar, e contraio minhas pernas, ouvindo a sua risada baixa.
Com a boca, ele abocanha um de meus seios, arrancando de mim
um gemido baixo e abafado. Sua língua desliza em círculos lentos e
provocantes, enquanto sua mão livre acaricia meu outro seio, os dedos
beliscando e torcendo suavemente o mamilo.
Seus dedos dentro de mim continuam a mover-se com precisão,
explorando cada centímetro, meu corpo arqueia contra o dele.
— Quero ouvir seus gemidos, e sua respiração falhar, não se
controle. — Sussurra contra minha pele me instigando.
À medida que seus dedos entram e sai dentro de mim, sinto uma
corrente elétrica no meu ventre, começo a rebolar sugestivamente, buscando
um alívio. Sua mão abandona meu seio e desce pela minha barriga até o
meio de minhas pernas para tocar meu clítoris, investindo ainda mais nos
seus movimentos.
— Eu… — meu suspiro é um gemido baixo que escapa de meus
lábios.
Ele aumenta a pressão em meu clítoris, e levanta seu olhar para
observar minha reação.
— Goze nos meus dedos — ele ordena. — Mostre-me o quão
completamente perdida eu te deixo.
Com um gemido prolongado, sinto o clímax me tomar. Meu corpo
amolece sob seus toques, ele intensifica os movimentos, forçando-me a
ceder ainda mais ao prazer.
Antes que eu tenha tempo de me recuperar, ele rapidamente me vira
sobre a cama. Seus braços firmemente me posicionam, levantando minha
bunda para cima enquanto meu rosto afunda nos travesseiros.

Sinto o toque da sua mão acariciando minhas nádegas, a pele quente


e macia sendo pressionada e explorada. A sensação provoca um
formigamento entre minhas pernas. Meu corpo fica apreensivo e se encolhe
um pouco. Seu membro duro e ereto se posiciona na minha entrada, minha
excitação serve como lubrificante para me penetrar, a uma leve ardência
quando começo a senti-lo me invadindo, mas vai se suavizando, e vou me
adaptando com seu tamanho. O desconforto é muito menor comparado a
primeira vez. O prazer ameaça me dominar aos poucos.

Tenho-o fundo dentro de mim, em cada estocada impiedosa que ele


dá, sinto meu corpo tremer, e meu cansaço transparecer em cada respiração
ofegante que eu dou. A cama começa a ranger junto ao barulho de nossos
corpos se batendo. Sua mão me obriga a erguer o corpo em um puxão no
meu cabelo, colo minhas costas em seu abdômen.

— Ah, querida, a sua bocetinha é tão deliciosa e apertadinha. —


Grunhi em meu ouvido com uma respiração quente.

Sinto-me ainda mais excitada ao ouvir suas palavras sujas.

Sua mão passa pela minha cintura abrindo minhas pernas, e tocando
meu ponto sensível, mal consigo segurar o peso de meu corpo, cansada e
sem forças, ofego com um gemido ao sentir seus movimentos no meu
clitóris, enquanto seu pau me preenche completamente.

— Estou adorando vê-la melar meu pau. — Ele sorri contra minha
pele, intensificando seu ritmo, enquanto me segura com uma força
possessiva.

Suas estocadas profundas são sincronizadas com os toques no meu


clitóris, provocando ondas de prazer que me fazem choramingar.

Com um suspiro profundo, ele emite um gemido baixo e rouco.


Sinto o calor do seu sêmen se espalhando por dentro de mim, seu membro
pulsando e tremendo enquanto se esvazia completamente.

Ares me mantém firme contra seu corpo, respirando pesadamente


enquanto nos recuperamos.
Capítulo 05

Caminho lentamente até o andar de baixo da mansão, meus passos


ecoando no corredor silencioso. Já havia se passado mais de uma semana
desde a minha chegada, e eu estava me esforçando para cumprir com tudo
que me foi ensinado. Ao descer os degraus da escada de madeira, uma
gritaria estranha vindo da sala principal quebra o silêncio, e me chama
atenção, acelero um pouco o passo, e me escondo na lateral de umas das
paredes.

— Não deveria ter se casado com ela… — a voz ressoa pelo


corredor.
Mesmo sem ouvir essa voz com frequência, reconheço
imediatamente a quem pertence, a mãe do meu marido. Seu tom é cheio de
desdém e desaprovação. Aproximo-me mais da sala, tentando manter meus
passos silenciosos para não ser notada. Escondida, consigo ver Ares sentado
em sua poltrona, e a mulher a sua frente visivelmente com raiva.
— Quer ter filhos com uma bastarda? Que tipo de linhagem você
terá? Essa sua obsessão está passando dos limites — ela continua com
desprezo.
Ares tem uma postura dura diante da mãe. O vejo respirar fundo.
— Isso não diz respeito a você. — Indaga meu marido.
— São meus netos, Ares. — Ela insiste pisando firme no chão. — Já
chega dessa brincadeira de casinha. Devolva-a para os tios dela. Ainda dá
tempo de anular esse casamento.
Ele balança a cabeça em negativa.
— Não deve interferir em minhas decisões, estamos casados, e
vamos continuar casados.
— Está manchando o nome da nossa família, perderá o respeito
quando souberem que a filha de uma prostituta está casada com o Don. —
Sinto uma pontada de raiva por ouvi-la dizer isso, mas respiro fundo e tento
me acalmar.
— Isso é irrelevante. — Ele dá de ombros, tamborilando os dedos
sobre o braço da poltrona.
— Você só pode ter enlouquecido. — Esbraveja a mulher. — Se
não tomar uma providência, eu vou.
Ares se levanta, com uma postura impotente, arrumando o blazer.
— Não ouse fazer nada contra ela, o único motivo pelo qual você
ainda vive nesta casa e pelos irmãos, mas eu não hesitaria em te colocar
para fora. — A voz do meu marido é grossa e ameaçadora.
Por alguns minutos, fico parada, escondida atrás da parede,
absorvendo o impacto das palavras que acabei de ouvir. Decidi me afastar
aos poucos e retornar ao meu caminho, dirigindo-me ao jardim.

Estou dispersa em meus pensamentos relembrando a conversa que


presenciei há minutos atrás, eu não sou bem-vinda aqui, ter ganhado um
sobrenome não me garantiu ser respeitada.
— Senhora. — a voz de Angelina, a governanta, me chama.
Viro meu rosto para ela oferecendo um sorriso gentil.
— O senhor, seu marido, a chama. — Informa a senhora docilmente.
Aceno com a cabeça.
— Já estou indo. — Maneio a cabeça olhando as flores uma última
vez antes de virar as costas e adentrar a mansão.
— Ele está no escritório, senhora. — Avisa a mulher.
Sabendo o caminho, não me estendo e vou em direção à porta do
escritório do meu marido. Respiro fundo e viro a maçaneta, movendo
delicadamente a porta sem fazer tanto barulho.
Fecho a porta atrás de mim, e vou de encontro a sua mesa, onde vejo
uma pilha de papéis enfileirados, desvio minha atenção para ele por um
instante.
— Queria falar comigo. — Pergunto, mantendo uma boa distância
entre nós.
O homem, com um olhar frio, me analisa de cima a baixo e leva um
copo de bebida à boca, saboreando o líquido. Sobre a mesa, entre as pilhas
de papéis e documentos, repousa um retrato emoldurado que chama minha
atenção. Reconheço imediatamente meu marido na foto, ao lado de uma
mulher loira, que deve ser sua primeira esposa. O fato de ele manter essa
foto sugere que ainda há algum sentimento por ela, ou pelo menos uma
lembrança que ele não tenha esquecido.
Ares, ao perceber onde meu olhar está fixo, baixa a foto com um
gesto brusco, como se tentasse esconder algo. Sinto uma pontada de
inquietação ao considerar que meu marido ainda possa ter algum resquício
de afeto pela sua ex-mulher, mas ela está morta, e isso não deveria me
afetar.
Sua mão alcança uma gaveta, e dentro dela, ele retira três livros,
empilhando-os sobre a mesa.
— São seus. Pegue. — Faz um gesto com a mão, indicando que eu
me aproxime.
Algo em mim se agita com seu gesto, mas percebo rapidamente que
um homem como ele não faz gestos bondosos, a algo a mais nisso.
— Por que está me dando livros? — questiono.
— Achei que quisesse ler. — Dá outro gole na sua bebida.
— Não está tentando comprar minha colaboração com isso? — Ele
curva um sorriso e nega com um aceno.
— Por que eu iria querer sua colaboração? — pergunta.
— Para gerar seus filhos. — Respondo duramente.
A minha fala morre no mesmo instante, seus olhos ganham uma cor
sombria.
— Eu não posso ser comprada. Meu corpo não está à venda. —
Declaro firme. — Eu me deito com você e cumpro meus deveres como sua
esposa, mas não aceito ser forçada a gerar seus filhos.
— Acha que já não pode ter uma semente minha dentro do seu
ventre? Tem se deitado comigo durante toda a semana. — Ele se orgulha,
bebericando mais um pouco da sua bebida.
Um sorriso amargo se forma em meus lábios.
— Já lhe disse, para de lutar contra mim e em vão, no final eu
sempre consigo o que quero. — Minha pele fervilha de uma raiva
momentânea.
— Deveria aceitar o conselho de sua mãe, e anular esse casamento.
— O interrompo.
Ele não mostra surpresa ao saber que ouvi sua conversa com a mãe.
Ares é inabalável, nada consegue desconcertar a frieza que ele tem.
— Porque eu deveria fazer isso, tenho uma esposa bonita, fogosa, e
em breve ela me dará filhos. — Ironiza.
— Por que está tão obcecado por filhos? Porque quer ter filhos
comigo, não tenho sangue nobre. — sem perceber minha voz sai alterada e
impaciente.
O homem sério, se levanta de sua cadeira e caminha até mim, me
sondando com seu olhar fulminante.
— No futuro talvez você entenda. — Sussurra com a voz rouca,
tocando meu rosto com a mão.
Nossos rostos estão próximos, dividindo a mesma respiração. Meu
corpo se sente atraído pelo dele. A cada noite em que ele me toma, parece
que um pedacinho de mim se vai. Fui ensinada a ser uma boa esposa, mas
ninguém me ensinou como não sentir algo pelo marido. Eu deveria odiá-lo,
desprezar seu toque, mas toda vez que ele se aproxima, meu corpo implora
para se fundir ao dele e arder em prazer.
— Os livros são apenas um presente, não estou tentando te comprar
com algo tão insignificante, aceite. — Ele se afasta dando espaço para que
eu pegue os livros.
Com um pouco de receio me aproximo da mesa, e pego os livros em
minhas mãos. Olho para ele antes de me afastar completamente.
Não tenho que agradecê-lo por ter me dado livros, Ele não merece
minha gratidão.
Sem dizer nada, me viro e deixo seu escritório, sentindo seu olhar
queimar em minhas costas a cada passo que eu dou até alcançar a porta.
Vou para o meu quarto e começo a folhear os livros. Percebo que
são edições de luxo, exatamente do gênero que gosto. Não consigo acreditar
que ele se deu ao trabalho de procurar romances contemporâneos para eu
ler.
Escolho um dos livros, me deito na cama, e começo a ler. O tempo
passa sem que eu perceba, até que sou despertada por uma batida na porta.
— Senhora, o jantar está pronto — ouço a voz abafada de Angélica
vinda do corredor.
— Estou indo — respondo.
Guardo o livro na mesa ao lado da cama, arrumo o vestido em frente
ao espelho e sigo para a sala de jantar.
Ocupo meu lugar ao lado do meu marido. A mãe dele não está à
mesa; apenas os três irmãos estão presentes. Eles conversam entre si, sem
se importar com minha presença.
— Foi na nova boate? — Ares pergunta enquanto mexe os talheres,
dirigindo-se ao irmão mais novo.
— Sim — responde o sottocapo, sem hesitar.
— Amanhã, preciso que vá cobrar uma dívida. Pegue as
informações com Andreas — Ares continua.
A conversa não me diz respeito, mas não consigo evitar prestar
atenção.
Os dois irmãos acenam com a cabeça, indicando que entenderam a
ordem de Ares, e continuam a refeição.
No pouco tempo que convivo com eles, percebo que cada um tem
sua própria personalidade: Andreas, o irmão do meio, é mais fechado e
sério, enquanto Adryel é o oposto, E Ares é frio e sem emoções.
— Quero ir até a cidade amanhã, poderia pedir que um de seus
homens me acompanhasse? — peço, direcionando o olhar para meu marido.
— precisa de algo? — pergunta sem ocultar a curiosidade.
— Apenas alguns vestidos novos. — minto tentando parecer
convincente.
— Andreas pode te acompanhar. — meu marido sugere um dos seus
irmãos.
Não, ele não pode!
— Não há necessidade, posso ir com algum de seus homens de
confiança. — balanço a cabeça, e bebo um gole do suco de morango.
— Está sugerindo que eu não sou de confiança cunhada? — a voz
do homem que mal costumo ouvir ressoa na sala de jantar.
Dou um meio sorriso para disfarçar o nervosismo.
— De forma alguma Andreas. — tento formular melhor as palavras
para dizer. — Mas creio que vocês devem ter coisas mais importantes para
fazer do que acompanhar uma mulher para comprar vestidos.
Ares me encara com os olhos esverdeados.
— Ela tem razão. — Adryel sai em minha defesa. — Isso deve ser
entediante.
Ouço a respiração profunda do homem ao meu lado, como se ele
estivesse se decidindo sobre o que dizer.
— Não vou tentar fugir, se essa for sua preocupação. — Dou de
ombros, o sottocapo e consigliere se entreolham.
Ares sorri de forma fria, e percebo sua mão quase entortando o
garfo.
— Você não seria tão tola. — seu tom parece ameaçador. — Me
informe que horas deseja ir que mandarei um de meus homens te
acompanhar. — Diz por fim, desistindo de se opor.
Dou um sorriso ingênuo e volto meus olhos para meu prato de
comida.
Capítulo 06

Ares cumpre sua palavra, permitindo que um de seus homens me


acompanhe até a cidade. Peço que ele estacione o carro perto de uma loja
que já frequentei algumas vezes.
— Pode me esperar no carro. Não vou demorar — asseguro, mas ele
parece hesitante.
— O chefe mandou que eu a acompanhasse, senhora — retruca.
Semicerro os olhos, adotando uma postura desafiadora diante do
soldado do meu marido.
— Qual é o seu nome? — pergunto.
— Enzo, senhora — responde, com as mãos firmes atrás do corpo.
— Enzo, aquela loja é só para mulheres. Não ficaria bem um
homem do seu tamanho comprando vestidos — digo, tentando soar
convincente.
Parece que acertei, pois ele fica visivelmente desconfortável.
— Mesmo assim, devo acompanhá-la. São ordens do meu chefe,
senhora — insiste.
Pelo que parece, meu marido mandou um soldado fiel a sua palavra,
o que torna um pouco difícil dobrá-lo.
Suspiro, irritada.
— Ficaria constrangida com você por perto. Não vou conseguir
comprar nada com você me vigiando — digo, enquanto Enzo me avalia,
parecendo considerar minhas palavras. — É só uma loja de roupas, não vou
tentar fugir. Sei que você tem ordens para me impedir — acrescento,
tentando tranquilizá-lo.
Enzo ainda é muito jovem, com cabelos escuros e olhos claros.
Pergunto-me por que alguém como ele, tão jovem, escolheria dedicar sua
vida a servir meu marido.
— Tudo bem — ele finalmente cede, soltando um suspiro pesado.
— Esperarei no carro.
Entro na loja, começando por analisar algumas peças na vitrine. As
roupas exibidas são elegantes, mas minha mente está focada em outra coisa.
Passo pelo salão principal, e sigo para o fundo da loja. Onde, encontro um
pequeno corredor discreto que leva a uma saída lateral.
Assim que meus pés tocaram a calçada, aceno rapidamente para um
táxi. Ele para quase instantaneamente.
— Me leve até a uma farmácia, a mais distante, por favor. — Peço
ao motorista. Ele apenas acena com a cabeça e acelera.
O caminho é breve, e em cerca de 15 minutos estou diante de um
edifício de fachada branco. Ao entrar, dirijo-me diretamente ao balcão da
recepção. Uma senhora de meia-idade, com um sorriso amável, me atende.
— Eu… Gostaria de uma caixa de anticoncepcionais. — Digo,
tentando disfarçar meu nervosismo.
Para meu alívio ela responde e começa a fazer os registros, a todo
instante senti medo de ser reconhecida, mas disfarcei bem com um sorriso
sem mostrar os dentes.
Pago pelos remédios e os escondo em minha bolsa, agradeço a
senhora que não conheço e saio do estabelecimento da mesma forma que
entrei, como uma sombra.
Olho para o meu relógio de pulso e noto, com uma pontada de
preocupação, que demorei muito mais do que deveria. Agora, o medo de ser
descoberta começa a crescer dentro de mim.
Preciso avisar que estou a caminho, mas quando tento ligar o
celular, a tela permanece apagada. A bateria acabou. Um frio na espinha me
percorre ao imaginar o que pode acontecer se meu marido descobrir onde
eu estive.
Ao retornar para a loja, meu coração acelera ao ver Enzo já me
procurando, acompanhado de mais dois homens que circulam pelo local. A
visão me enche de frustração, especialmente quando percebo que eles estão
armados, intimidando os clientes e criando uma atmosfera de pânico.
— Guardem isso, agora! — Exijo em um tom firme, apressando
meus passos até eles.
Enzo se vira para mim com uma expressão tensa.
— O chefe está muito bravo, senhora. Ele disse que, se não a
encontrássemos, deveríamos acabar com este lugar. — Explica, sem
rodeios.
Minha raiva fervilha.
— O chefe de vocês é um louco! — digo, tentando manter minha
voz baixa, mas não consigo conter o tom ácido.
Os homens se entreolham e, em seguida, se dispersam rapidamente,
sumindo pelas portas da loja até restarem apenas eu e Enzo no meio do caos
que eles criaram.
— Entre no carro, preciso te levar para casa — Enzo avisa, abrindo
a porta do veículo com formalidade.
Observo o carro por um momento, sabendo que essa minha pequena
escapada não passará sem consequências. Dou um suspiro pesado antes de
entrar.

Agora é hora de enfrentar o diabo.

Encho os pulmões com o máximo de ar que consigo, minha mão


trêmula repousa na fria maçaneta da porta do escritório do meu marido.
Respiro fundo uma última vez, tentando acalmar os nervos, e faço uma
contagem mental, como se isso pudesse me dar a coragem necessária. No
momento em que giro a maçaneta, o som agudo da madeira rangendo ecoa
pelo corredor silencioso.

Meus olhos, curiosos, penetram na escuridão da sala, buscando


qualquer indício de sua presença, até que finalmente avisto uma silhueta
imponente ao fundo. Um calafrio percorre minha espinha, e meu coração
começa a bater com força descontrolado, como se quisesse escapar pela
garganta. Instintivamente, meus olhos se encontram com os dele. A
intensidade das írises verdes, agora cheias de fúria, me paralisa. Me sinto
minúscula diante da raiva que emana dele, mas não posso recuar. Com
passos lentos e vacilantes, quase parando, avanço em direção à sua mesa.

— Mandou seus homens armados a uma loja, está enlouquecendo!


— sou a primeira a levantar a voz.

Entre os dedos dele, um cigarro queima lentamente, A camisa social


branca que usa está parcialmente desabotoada, com três botões soltos,
revelando um vislumbre de sua pele. As mangas estão dobradas até os
cotovelos, expondo seus antebraços musculosos.

— Não parece conhecer o marido que você tem, bella mia — sua
voz grossa sussurra, o tom carregado de desdém.

Inspiro profundamente, recusando-me a mostrar qualquer sinal de


fraqueza. Mantenho o queixo erguido e o encaro.

— Aqueles são civis, pessoas inocentes — mostro-me frustrada.


— Você não parecia tão preocupada com a vida deles, quando
decidiu me desafiar. — o tom de sua voz é mesquinho.

Dou mais um passo firme em direção à sua mesa.

— Você mentiu, e isso tem consequências — Ele continua. — Diga,


onde você esteve? — ele exige, enquanto se dirige para o bar no canto da
sala. O som do gelo tilintando no copo confirma que está se servindo de um
whisky. A garrafa é aberta com um estalo seco, e o líquido âmbar é
derramado com um ritmo calmo.

Não tenho resposta para a sua pergunta, e o silêncio se instala entre


nós. Seu corpo se vira bruscamente em busca dos meus olhos e percebe
minha recusa em responder. Ele sorri amargamente e dá um gole generoso
na bebida.

As palavras escapam da minha mente. Se ele souber que fui buscar


remédios para impedir seus planos de me engravidar, provavelmente essa
conversa se tornaria pior.
Meus olhos reagem rapidamente quando ele lança o copo contra a
parede ao meu lado. Sua presença se torna ameaçadora enquanto se
aproxima de mim e me empurra contra a mesa. Sinto a respiração dele
quente e profunda no meu pescoço, enquanto seu corpo pressiona minhas
costas.

— Não vai me dizer onde você esteve?

Engulo em seco, respiro fundo e cravo minhas unhas na mesa de


madeira para me firmar.

— Você me disse que não sou uma prisioneira, mas por que me trata
como uma? Não posso ir onde quero? — retruco em voz baixa.

— Não vou te impedir de sair, mas não tolero mentiras — ele


responde em um tom ameno. — Mandei um de meus homens para te
acompanhar, e ele claramente desobedeceu a minha ordem.

Sinto meu corpo se tensionar.


— Não o machuque. Se precisar punir alguém, puna a mim. Ele não
tem culpa. — Digo com receio que minhas atitudes respinguem em Enzo.

— Como ousa proteger outro homem na minha frente? — Sua raiva


começa a transparecer em sua voz.

Me remexo um pouco, mas sua mão se envolve em minha cintura de


forma agressiva, me juntando ainda mais a ele.

— Se fizer algo contra ele, juro que não me tocará mais. —


Ameaço.

Ouço sua risada baixa contra a pele do meu pescoço.

— Acha que pode me chantagear com sexo? — Sua barba áspera


roça contra a pele nua do meu ombro, provocando um arrepio. — Vou
perguntar uma última vez, onde esteve? Se não me contar, posso descobrir
do meu jeito. — Um suspiro escapa dos meus lábios, enquanto sinto meu
coração apertar dolorosamente.

Eu sei que ele tem o poder de descobrir onde estive em um piscar de


olhos.

— Eu… estive no túmulo de minha mãe. — Minto, sentindo a


respiração quente do homem contra os meus cabelos. — Eu a visitava
sempre antes de ser enviada para o internato, só queria levar flores para ela.
— Completo a mentira, tentando parecer convincente.

Um silêncio pesado paira sobre a sala.

— Pensou que eu fosse proibir você de visitar o túmulo de sua mãe?


— A pergunta é feita com um tom de dúvida, refletindo a confusão diante
das minhas palavras mentirosas.

— Sim. — Minha resposta é breve, beirando a incerteza.

— Não pretendo te proibir de nada. Vá visitá-la sempre que sentir


vontade, mas preciso que vá acompanhada. — Sua voz agora está mais
calma, e meu marido parece ter recobrado a compostura. — Você é minha
esposa, o que faz de você meu ponto fraco, um alvo fácil para meus
inimigos.

Seu corpo se afasta ligeiramente do meu, mas sua mão segura


firmemente minha nuca, forçando-me a deitar sobre a mesa. A outra mão
desliza pela lateral do meu corpo, levantando minha saia até a cintura.

— O que está fazendo? — Minha voz treme.

Sinto-o se aproximar novamente, pressionando seu corpo contra


minha bunda, sua respiração quente fazendo minha orelha arder.

— Você não queria ser punida? — sua voz rouca e baixa soa em
meus ouvidos enquanto seus dedos percorrem a lateral da minha calcinha,
arrastando o tecido, aumentando ainda mais a tensão que me consome.

Ele pressiona o meu corpo contra a superfície fria da mesa, e por um


momento, fico paralisada, então, sem aviso, sua palma pesada desce com
força sobre minha bunda, o estalo ressoa pela sala, como um trovão. A dor é
aguda, uma mistura de choque e prazer, e eu solto um gemido involuntário,
minhas mãos seguram com toda força na lateral da mesa.
Ele me dá um curto momento de descanso, onde puxo o ar
rapidamente, meu corpo nem mesmo se mexe sobre o dele, sua mão se
levanta novamente, o segundo golpe vindo tão rápido quanto o primeiro,
queimando minha pele, me arrancando um suspiro pesado.

A sala parece encolher ao nosso redor, os sons abafados pelas


batidas do meu próprio coração. Ele se inclina mais uma vez, sua barba
roçando contra minha orelha, enquanto seus dedos agora desenham círculos
na minha pele sensível.
— Eu poderia dizer que me desagrada puni-la dessa forma, mas
estaria mentindo. Adoro gravar em sua pele o quanto você me pertence.

Sua mão volta a me castigar, o estalo se misturando aos meus


gemidos, mordo os lábios, tentando não deixar as lágrimas caírem. A dor na
minha bunda pulsa, irradiando por todo o meu corpo, sinto uma parte de
mim se curvando ao seu domínio.
Ele finalmente se afasta, mas não o suficiente para eu me sentir
aliviada. Sua mão percorre lentamente minha cintura até o cós da minha
calcinha, ajustando-a de volta ao lugar, e descendo minha saia.

Viro-me para encará-lo, secando rapidamente as lágrimas nos cantos


dos meus olhos.
— Você sente prazer nisso? — questiono, observando o sorriso lento
que se desenha nos lábios carnudos do meu marido, um sorriso que me
arrepia.

— Não entendi sua pergunta. — Ele responde, mas o brilho cínico


em seus olhos sugere o contrário.
— Você sente prazer em causar dor? — Pergunto em um tom
vacilante.

— Sinto. — Ele admite, sem hesitação, fixando seus olhos nos


meus, como se estivesse apreciando cada reação minha.
— Isso não é prazeroso, é doentio. — Discordo.

Ele se aproxima lentamente, seu corpo quase tocando o meu, o ar se


torna denso, dificultando minha respiração. Com as mãos ainda enterradas
nos bolsos, ele se inclina para mais perto.
— Você parecia estar gostando… — ele murmura, seus olhos
percorrendo minha pele como se pudesse despir meus pensamentos. —
Aposto que se eu deslizar meus dedos dentro da sua calcinha agora,
encontrarei você molhada.

Instintivamente, dou um passo para trás, me nego a acreditar que


meu corpo me trai dessa forma. Me pego admirando o sorriso diabólico que
se desenha no seu rosto.
— Não se preocupe, querida, meus dedos só estarão dentro de você
mais tarde. — Ele sussurra uma promessa.

Por mais que eu esteja acostumada com suas palavras sujas, ainda
me vejo desconcertada diante delas.
Recupero meus sentidos e, com uma mão trêmula, aliso meus
cabelos, tentando arrumar a compostura. Movendo os pés com cuidado,
aproximo-me da mesa para pegar minha bolsa, que, em algum momento,
deixei ali sem perceber.
— Vou para o quarto. Preciso descansar um pouco. — Aviso.

Ele assente contornando a mesa e se sentando em sua poltrona de


couro, de relance, noto que o retrato que vi na mesa há alguns dias
desapareceu. Uma pontada de curiosidade me atravessa, mas sufoco o
sentimento com um suspiro cansado.
Sem dizer mais nada, deixo seu escritório.

Ares
Casar-me de novo nunca esteve nos meus planos. Já havia sido
casado uma vez, não por amor, mas por obrigação. Minha convivência com
Sophie foi bastante conturbada; nós nos conhecíamos desde crianças,
criados para sermos marido e mulher. Ela parecia a escolha certa naquele
momento, especialmente quando assumi o lugar do meu pai, ou melhor,
quando usurpei sua posição. Não me arrependo disso. A forma como ele
morreu foi até generosa, considerando as circunstâncias.
Com mais de 30 anos, pensar em me casar novamente parecia
absurdo. Pior ainda era me imaginar preso a uma jovem garota. Mas, quatro
anos atrás, meus planos mudaram. Escolhi como noiva uma menina que
tinha a idade de uma criança, com a ideia de que um dia seria minha esposa.
Quando a vi pela primeira vez, ela era baixinha, magricela, com cabelos de
fogo e um sorriso triste. Naquele instante, questionei seriamente se deveria
continuar com aquilo.

Não foi difícil que nossos caminhos se cruzassem. Tive a sorte de


descobrir que seu tio era um viciado, afundado em dívidas com nossos
cassinos. Desesperado, ele fez o impensável: entregou a própria sobrinha
para quitar o que devia. É repugnante pensar que venderam a própria
sobrinha, mas foi exatamente o que aconteceu.
Para manter as aparências e garantir sua segurança até que
alcançasse a maioridade, providenciei que ela estudasse longe, em um lugar
onde ninguém jamais suspeitaria que tivesse sobrevivido ao trágico acidente
que tirou a vida de sua mãe. Isso nos deu quatro anos, quatro anos para que
eu pudesse colocar tudo no lugar. Quando ela completasse 20 anos, nos
casaríamos, exatamente como planejei.

Mas, admito, lidar com uma jovem de 20 anos tem sido mais
desafiador do que imaginei, especialmente quando ela se recusa a me dar
filhos. A minha frustração cresce a cada dia, e a paciência que pensei ter
parece diminuir diante da sua obstinação.
Estou tentando ser compreensivo. Ela é jovem e passou grande parte
da vida isolada, o que inevitavelmente moldou seu comportamento. Muitas
vezes, ela age por impulso. Fugir do casamento, sabotar a cerimônia ou até
rasgar o vestido de noiva são comportamentos que parecem estar no topo de
sua lista de ações. Mas, devo admitir que essa sagacidade dela, esse espírito
indomável, está começando a me fascinar de uma maneira quase obsessiva.
A indignação se agita dentro de mim novamente, e a imagem dela
defendendo um dos meus homens me deixa puto.

Com batidas suaves, meus dois irmãos entram no meu escritório. Ao


ver suas expressões tensas, sei que a situação não é boa. Estamos
enfrentando sérios problemas na organização, mercadorias estão
desaparecendo e traidores se infiltrando.
Meus irmãos são as pessoas em quem mais confio neste mundo, e
por isso os nomeei como meu sottocapo e consigliere. Adryel, é um
imponente torturador, ele já fez muitos homens se mijarem apenas com sua
presença intimidante. Andreas, é mais reservado, embora não goste de sujar
as mãos, ele não hesitaria em fazê-lo quando necessário. É um gênio da
informática, um hacker excepcional, e é extremamente competente no que
faz.
O loiro despachado praticamente se atira na cadeira à minha frente,
com a típica despreocupação que sempre exibe. Enquanto isso, Andreas
permanece em pé, segurando uma pequena pasta que, pela aparência, deve
conter algum contrato relacionado à nossa empresa de fachada. Meu irmão
do meio ajeita os óculos com um toque calculado e inclina a cabeça na
direção do canto da sala, onde alguns cacos de vidro ainda repousam no
chão, mas ele opta por não comentar nada sobre, pelo menos não por
enquanto.

— E então, como estão as coisas? — pergunto, massageando


levemente minha têmpora.
Adryel afunda ainda mais na poltrona.

— Bom, cobrei a dívida que você pediu. — Ele responde com uma
serenidade que beira o desinteresse.
Andreas me lança um olhar enigmático antes de se aproximar e
colocar a pasta sobre a minha mesa com um movimento minucioso

— Frederico pagou? — pergunto, referindo-me ao dono do


restaurante que nos devia.
— Ele não ousaria deixar de pagar. — retruca meu irmão mais novo
com um tom que sugere uma certa satisfação. — Dei um bom susto nele.

Solto um suspiro, meus dedos tamborilando sobre a superfície da


mesa, refletindo minha impaciência.
— E quanto ao traidor? — Lanço um olhar significativo para
ambos, esperando por respostas.

— Nada ainda. — Andreas balança a cabeça em negativa. — Mas


descobrimos que o roubo da mercadoria foi obra de Mario.
Ao ouvir o nome do miserável, bato o punho com força na mesa,
sentindo a raiva pulsar nas veias.

Mario Gagliano.
Mario, o Don da La rosa nera. A simples menção ao nome desse
homem já me repugna. Saber que ele está interferindo nos meus negócios é
ainda pior. A família Gagliano é famosa por seu império de drogas e
prostituição um legado que Don Mario carrega com orgulho.

Ele tentou diversas vezes negociar comigo, buscar uma aliança, mas
todas as suas propostas foram recusadas. Não quero misturar meu território
com o daquele velho imundo. Na verdade, meus planos sempre foram mais
ambiciosos: matá-lo, no momento perfeito.
— O que você quer fazer, irmão? — pergunta o sottocapo, ainda
relaxado na poltrona, como se o peso da situação não o afetasse.

— Quero matá-lo e esfolar sua pele. — respondo com dureza,


deixando transparecer todo o desprezo que sinto pelo inimigo.
Andreas caminha até o pequeno bar no canto da sala, enchendo três
copos de uísque com agilidade. Ele nos entrega as bebidas, e se afasta um
pouco degustando.

— O mais sábio agora é fingir que não desconfiamos de nada. —


sugere o consigliere. — Se Mario tem infiltrados em nossa organização,
precisamos identificá-los antes de qualquer outra coisa.
— Está sugerindo que nós façamos de bobo? — Adryel pergunta
indignado.

— Pense um pouco. Mário não consegue cruzar nosso território sem


ser notado, mas ele pode infiltrar seus homens. Antes de qualquer
movimento, devemos descobrir quem são os traidores entre nós. —
responde Andreas.
Bebo um gole do uísque, sentindo o calor descer pela garganta e se
espalhar pelo peito. Andreas está certo. Embora a ideia de agir
imediatamente e eliminar Mario me tente, a cautela é mais sábia neste
momento.

— E como você sugere que façamos isso? — pergunto, a voz mais


controlada.
Andreas se aproxima novamente, apoiando-se levemente na beirada
da mesa. Seus olhos, sempre atentos, encontram os meus.
— Precisamos testar a lealdade dos nossos homens. Movimentar
pequenas informações e ver onde elas vazam. Um traidor não consegue se
esconder para sempre, e se jogarmos o jogo com paciência, ele se revelará.
Adryel observa, ainda afundado na poltrona, mas agora com uma
expressão mais séria.
— Isso pode demorar. — ele comenta, franzindo o cenho.
— Será necessário tempo. — digo, mais para mim mesmo do que
para eles, o plano começa se formar em minha mente. — Vamos despistá-
lo, fazê-lo acreditar que estamos focados em outra coisa.
Adryel finalmente se endireita na poltrona.
— E quando encontrarmos os traidores? — ele pergunta, a voz baixa
e carregada de ameaça.

Sorrio, sem humor, e encaro os dois.


— Aí, fazemos o que deve ser feito. Sem piedade. — meu sottocapo
se anima com a ideia abrindo um sorriso maligno entre nós lábios.

Passamos mais alguns minutos discutindo possíveis estratégias,


analisando cada detalhe do plano. Finalmente, meu irmão mais novo se
levantou, lançando um olhar rápido para o Rolex em seu pulso.
— Preciso ir. Hoje, vamos receber uma carga de armas significativa,
e quero verificar os detalhes de perto. — Ele diz, ajustando o terno com
desenvoltura antes de esvaziar o copo em um único gole.
Meu sottocapo logo deixa a sala. Andreas, sem perder tempo, se
acomoda na poltrona que Adryel ocupava minutos antes.

— Soube que sua esposa andou meio perdida por aí… — O tom de
Andreas soa um tanto debochado, mas conhecendo meu irmão, sei que ele
não tem intenção de ofender.
— Ela foi até a loja de roupas, mas acabou se desviando para outro
lugar. — comento, omitindo alguns fatos. — Enzo desobedeceu minha
ordem. Se ela conseguiu se afastar, foi porque ele não estava com ela. —
exclamo.
— Não vai fazer nada contra o garoto, vai? — Andreas pergunta,
agora com uma ponta de preocupação.
O único motivo pelo qual aceitei que Enzo trabalhasse para mim foi
porque ele implorou de joelhos por uma chance. Disse que precisava de um
emprego para pagar as contas do hospital da mãe, que daria até a própria
vida se eu o ajudasse. Ele não tinha ligação com a máfia, era só um garoto
desesperado.

Mas, em dois anos, Enzo provou seu valor. Infelizmente, sua mãe
faleceu há alguns meses. O estado dela era crítico, não havia nada que
pudesse ser feito. Mesmo assim, mantive Enzo ao meu lado. Sem família,
ele ficou sozinho no mundo. Durante esse tempo, ele se tornou um soldado
leal, arriscando sua vida inúmeras vezes para salvar a minha.
Eu sempre tive afinidade com aquele garoto, mas ver minha esposa
defendê-lo despertou uma fúria em mim.
— Não vou matá-lo, se é isso que te preocupa. Só vou aplicar um
bom corretivo. — esclareço, tentando dissipar qualquer dúvida.
Buscando algum alívio, pego um cigarro do maço, umedeço-o nos
lábios e o acendo, soltando a fumaça.

— Você não vai conseguir nada dela se tentar usar a força. —


Andreas diz, com a voz calma. — Sua esposa não me parece ser uma
mulher fácil de dobrar, Ares. Ela nem sequer abaixa a cabeça quando fala
com você.
Respiro fundo. Ele está certo, mas admitir isso é mais difícil do que
eu gostaria.
— Ela me desafia, não obedece, não teme as consequências… se
recusa a gerar meus filhos. Isso me tira do sério.
— De um desconto a garota só tem 20 anos… — suspirou.
— Tem idade suficiente para entender que deve respeitar seu
marido.
— Só não a transforme em sua inimiga. Não se esqueça de que, no
futuro, precisaremos dela. — Andreas aconselha, com um olhar perspicaz.
— Aliás, acho que ela pode ser muito útil como nossos olhos e ouvidos.

Eu inclino a cabeça, sem entender completamente.


— O que você quer dizer? — pergunto, impaciente.
— Sua esposa é a matriarca da nossa hierarquia, Ares. Ela tem uma
influência forte entre as mulheres.
— Vá direto ao ponto, porra! — exijo.

— Convença sua esposa a organizar um evento com as mulheres da


organização. Durante essas reuniões, sempre surge alguma informação
valiosa. — Andreas sugere.
Solto a fumaça do cigarro para o alto e me afundo ainda mais no
assento, refletindo sobre a ideia.
— Como você mesmo disse, aquela mulher é impossível de dobrar.
Ela só faz o que quer. — respondo, cético em relação à sua sugestão
— Se você conseguir envolvê-la de maneira que ela sinta que está
agindo por vontade própria… — Andreas insiste com um pouco de
convicção.

— Ela não aceita ordens, e muito menos vai colaborar com algo que
eu proponha. — dou de ombros, desalentado.
— O truque é fazê-la se sentir empoderada entre as outras esposas
da organização. Se ela perceber que tem influência sobre elas, ficará
entusiasmada e fará o que você precisa sem sequer perceber. — explica.
Pondero suas palavras, ainda não totalmente convencido, mas
reconhecendo a lógica em sua abordagem.
— Vou pensar nisso. — murmuro, apagando o cigarro no cinzeiro.
Capítulo 07

Isabella
Após tomar um banho e trocar de roupa, trancou-me no quarto, pego
um dos meus livros para continuar a leitura de onde terminei, passo
algumas horas viajando na minha própria mente, vagando pela leitura até
notar que já é noite, e me levanto para fechar a janela do quarto.
Meus ouvidos captam um barulho vindo da porta do quarto, o som
de uma fechadura sendo destrancada. Meu marido aparece na entrada, com
uma postura séria. Ele ainda usa as mesmas roupas de mais cedo, e seus
cabelos pretos caíam desordenadamente sobre o lado do rosto.
— Descansou? — Pergunta com calma.

Sua sombra cresce ainda mais sobre mim, pude sentir seu cheiro,
uma mistura de cigarro e bebida. Inclinei o rosto para encará-lo; de perto,
sua altura sempre era mais intimidante.

— Sim — respondi, lembrando-me de sua pergunta.

— Ótimo. Então, deite-se e me mostre a bunda — exige


descaradamente.
Balanço a cabeça em negação.
— Não me force a empurrá-la contra esse colchão. Só de pensar
nisso, já fico excitado — sua voz se elevou, fazendo meu corpo estremecer.
— Não quero mostrar a bunda para você — respondi.
Ares soltou um suspiro frustrado, jogando a cabeça para trás.
— Não seja tola. Já vi e beijei cada milímetro do seu corpo.
Dei um passo para trás, relutante, mas fui até a cama e me debrucei
sobre os travesseiros. Logo senti o colchão afundar sob o peso dele, que se
juntava ao meu. Lentamente, sua mão começou a puxar meu vestido para
cima, revelando minha bunda marcada. O banho havia sido doloroso, minha
pele ainda queimava.
Seus dedos desenhavam linhas sobre minha pele, como se ele
estivesse admirando sua própria obra. Tento me mexer, desconfortável com
o toque, mas sua voz me repreende.
— Fique quieta. Vou cuidar da sua bunda. — ele me repreendeu.
— Foi você quem fez isso em mim — protestei.
— E não pode negar que gostou — diz fazendo minha boca secar.
Vejo-o enfiar a mão no bolso e retirar um pequeno tubo de pomada,
que reconheço de imediato. Com a outra mão, ele se aproxima para afastar
minha calcinha. Sinto o contato gelado da pomada sobre minhas feridas, e
um gemido abafado de dor escapa dos meus lábios.
— Arde um pouco, mas logo passa — comenta, enquanto sopra
suavemente sobre minha pele.
Quando termina, ele ajusta minha calcinha de volta no lugar e
abaixa meu vestido. Levanto-me de imediato, mantendo uma distância
segura entre nós.
— Agora que carrega meu sobrenome, você se tornou uma figura
central entre as mulheres da nossa organização. Deve se apresentar
formalmente a elas.
— Sou uma bastarda. Essas mulheres provavelmente me desprezam
— respondi com amargura.
Um sorriso se iluminou em seu rosto.
— Não importa seu sangue; todos te devem respeito — declara com
sua voz grossa.
— Porque sou sua esposa? — ousei perguntar em um desafio.
— Porque você é a minha rainha. — responde sem hesitar.
Aquela pequena frase me atingiu de uma forma inexplicável, me
deixando em um breve transe. Minha rainha. As palavras ecoam na minha
mente. O que ele realmente quer dizer com isso?
Abraço meu corpo.
— De qualquer forma, não conheço muitas mulheres da
organização. Não é como se eu pudesse simplesmente convidá-las para
tomar um chá da tarde comigo — murmurei em um tom de deboche, dando
de ombros, meus olhos vagando para o canto do quarto onde deixei meu
livro.
— Posso cuidar disso. — Oferece com a sua voz tranquila.
Virei-me para ele, surpresa com a facilidade com que propôs algo
tão improvável.
— Está falando sério? — perguntei, ainda tentando entender suas
verdadeiras intenções.
— Por que não? — respondeu, a sombra de um sorriso brincando
em seus lábios. — Todos devem saber que minha esposa é também uma
líder.
Pondero não aceitar, mas penso que talvez eu possa me distrair com
algo.
— Tudo bem, vou pensar no assunto. — aviso sem decidir
exatamente.
Meu marido assente e se afasta indo em direção à suíte.

Deitada confortavelmente sobre a espreguiçadeira, deixo o corpo


relaxar enquanto tento aproveitar os poucos raios de sol da tarde. Fecho os
olhos e sinto o calor suave na pele, embora saiba que, por ser tão branca, é
quase impossível conseguir algum bronzeado.
Minha parte inferior já está melhor depois de três dias sendo cuidada
pelo meu marido, que se dispôs a aplicar pomadas durante a noite para
aliviar o desconforto. Ajusto o laço do biquíni, que parece estar frouxo,
quando vejo dois carros entrando pelos grandes portões da propriedade.
— Senhora, trouxe o suco que me pediu — diz Angélica, a
governanta, ao se aproximar e deixar o copo na mesinha ao lado da
espreguiçadeira.
— Obrigada, Angélica — respondo em um agradecimento, e ela se
retira.
Passo alguns minutos deitada, quando uma sombra grande cobre
completamente minha visão. Retiro os óculos escuros e me inclino para
frente, apenas para encontrar o corpo musculoso do meu marido
bloqueando o sol.
— Com licença, você está na frente do sol — protesto, tentando
ajustar minha posição nos cotovelos.
— Que tipo de roupa é essa que você está usando? — A alteração
no tom de sua voz é evidente.
Olho para mim mesma, confusa.
— É um biquíni.
— Esse pequeno pedaço de pano que mal cobre o bico do seu peito
não pode ser chamado de biquíni — ele responde, claramente irritado.
Percebo que ele deve ter acabado de chegar do trabalho, dado o traje
formal que veste e os carros que vi estacionarem.
— Meus irmãos podem te ver assim — ele diz, com um tom
possessivo.
— E qual é o problema? — Dou de ombros. — Eles não estão
acostumados a ver uma mulher de biquíni?
— Você está pelada, porra! — Seu corpo se inclina sobre a
espreguiçadeira, tão próximo que posso sentir a sua respiração pesada. —
Sua bunda já deve estar melhor para levar mais tapas, não acha? — Ele
ameaça, antes de se afastar.
Alcanço o copo de suco e tomo um gole, a fim de aliviar a secura da
garganta antes de me levantar para entrar em casa. No entanto, sou
imediatamente envolvida pelos braços do meu marido, que me ergue com
firmeza.
— Não vou deixar você andar por aí exibindo essa bunda — diz,
enquanto passo meus braços ao redor de seu pescoço, resignada a ser
carregada. Não há muito o que eu possa contestar, especialmente
considerando que o biquíni que estou usando é realmente pequeno demais.
Ao chegarmos no quarto, ele me deposita suavemente sobre a cama
e começa a tirar a gravata do terno.
— Você trouxe algum vestido de festa nas suas coisas? — pergunta
de repente.
— Não — respondo, confusa com a repentina mudança de assunto.
— Então se arrume. Vamos sair para comprar um — decide, sem
deixar espaço para discussão.
— Qual é a ocasião especial? — Pergunto, intrigada.
— Você vai me acompanhar em uma festa da famiglia — diz. — É
um evento onde todas as famílias importantes se reúnem.
Não faço mais perguntas sobre os detalhes e apenas aceno,
sinalizando que entendi. De qualquer forma, será bom sair um pouco de
casa, mesmo que seja para ser exibida como um troféu do meu marido.

Passeamos por várias lojas no shopping. Eu já tinha encontrado o


vestido perfeito, mas ainda faltava um par de saltos altos que combinasse.
Ares me acompanha, carregando minhas sacolas de compras no braço, ele
está vestido de forma casual, usando uma camisa branca e calças jeans, uma
imagem completamente diferente do homem que geralmente vejo, sempre
impecável em seus ternos caros feitos sob medida.
Não saímos de casa sozinhos. Dois homens nos acompanham
discretamente, mantendo uma distância respeitosa. Afinal, meu marido é o
Don, e a possibilidade de que algo possa acontecer com ele é sempre real.
Ao parar em frente a uma vitrine, meus olhos brilham ao avistar um
par de saltos brancos com detalhes trançados e tiras douradas. De longe, é o
salto mais bonito que já vi. Foi amor à primeira vista.
— Vamos entrar nesta loja — peço a Ares, que apenas acena,
concordando.
Assim que entro, uma atendente se aproxima com um sorriso
profissional.
— Gostaria de experimentar aqueles saltos da vitrine — digo,
apontando para eles.
— Claro, vou pegá-los para a senhora. Fiquem à vontade —
responde gentilmente.
Me acomodo em um dos pufes enquanto espero. Ares se afasta um
pouco para atender uma ligação, e eu o observo de longe.
— Aqui está, senhora — diz a atendente, retornando com o lindo
par de saltos que eu havia pedido, segurando-os com cuidado.
No entanto, meu sorriso logo se desfaz ao perceber que a numeração
não é a minha.
— Tem um número menor? — pergunto, ainda com um fio de
esperança.
A moça sorri, obviamente ansiosa para garantir a venda.
— Sinto muito, senhora, este é o último par disponível.
Seguro meu desapontamento, devolvendo os sapatos com um
suspiro contido.
— Temos outros modelos semelhantes. Gostaria de dar uma olhada?
— ela sugere, mantendo o sorriso.
— Sim, por favor — respondo, tentando manter o entusiasmo.
Ela se retira rapidamente em busca de outros pares. Nesse momento,
Ares retorna, ainda carregando as sacolas das compras. Seus olhos me
analisam atentamente, como se tentasse ler meus pensamentos.
— Não gostou dos sapatos? — ele questiona, os braços cruzados
sobre o corpo me dando a visão de seus músculos bem definidos da camisa
de algodão.
— Gostei, mas não tem no meu número — digo, escondendo
qualquer sinal de decepção.
— Qual é o seu número? — pergunta, inclinando a cabeça.
— 34 — respondo, ele lança um olhar desconfiado para meus pés,
como se não acreditasse.
Antes que ele possa dizer mais alguma coisa, a atendente reaparece,
surpreendendo-nos ao depositar algumas caixas de sapatos ao meu lado.
— Aqui estão alguns modelos parecidos. Vou deixá-la à vontade
para experimentar — diz a moça, antes de se afastar com um sorriso de
expectativa.
Experimento vários pares, um após o outro, mas nenhum deles é
exatamente como o que eu realmente queria. Depois de um tempo, já
cansada de procurar, acabo escolhendo um modelo completamente
diferente: um par de saltos pretos com elegantes amarrações nos tornozelos.
Embora não seja o que eu tinha em mente inicialmente, é um par
bonito, e percebo que combina perfeitamente com o vestido que comprei.

Termino de colocar um par de brincos delicados, adornados com


pequenas pedras azuis que complementam perfeitamente o meu look. Com
cuidado, passo um batom vermelho nos lábios, adicionando um toque de
cor vibrante. Aliso o vestido azul que molda meu corpo, admirando como o
tecido desliza suavemente pela pele. É um modelo elegante, com uma fenda
lateral que se estende um pouco além da coxa, revelando a perna de forma
sutil e provocante. O decote é alto, curvando-se de forma graciosa até o
ombro, onde uma linda flor, na mesma tonalidade do vestido, está
delicadamente aplicada.
— Está pronta? — A voz de Ares ressoa do fundo do quarto, grossa
e moderada, e o perfume inebriante que o acompanha anuncia sua presença
antes mesmo que eu o veja.
Sinto o calor de seu corpo se aproximando por trás, e me viro
lentamente, encontrando seu rosto perigosamente perto do meu. Seus olhos
percorrem meu corpo com uma intensidade que me faz lembrar do olhar
que me lançou em nosso noivado. Meu coração acelera, traindo o
nervosismo que essa proximidade provoca.
Sua mão se ergue para tocar suavemente a lateral do meu rosto, seus
dedos acariciando o contorno do meu queixo antes de afastar uma mecha de
cabelo que caía sobre o meu olho. O silêncio que nos envolve fala mais do
que palavras, enquanto nossos olhares se encontram, mergulhando um no
outro. Ele me trata bem, como sua mulher, e nossas relações são como as de
qualquer outro casal. Mas não há amor entre nós.
Não posso amá-lo. Sei que estaria me condenando se me permitisse
sentir algo por este homem. Para ele, sou apenas uma companhia, alguém
para satisfazer seus desejos e dar à luz seus herdeiros.
Seus dedos se afastam do meu rosto por um momento, apenas para
que ele possa enfiar a mão no bolso e tirar uma pequena caixa preta. Meus
olhos imediatamente se fixam na joia delicada que ele revela: um colar
banhado a ouro com um ponto de luz.
— Vire-se — ele pede, levantando o olhar para captar minha reação.
Obedeço, dando as costas para ele, permitindo que deslize a joia
pelo meu pescoço. Seus dedos frios roçam levemente minhas costas
expostas, onde o tecido do vestido não cobre, enquanto ele move meu
cabelo para o lado, ele se afasta para que eu possa me admirar no espelho.
O colar é deslumbrante, destacando-se com ternura contra minha pele.
Apesar de este casamento ser uma conveniência, um arranjo mais de
mentira do que de verdade, Ares me faz sentir cuidada de uma forma que
nunca fui antes.
— Obrigada — murmuro, pela primeira vez agradecendo por algo
genuinamente.
Ele se aproxima novamente, seu reflexo surgindo ao lado do meu no
espelho, sua presença dominando o espaço.
— Precisamos ir logo, já estamos vinte minutos atrasados — ele diz.
— Vou pegar minha bolsa — respondo, afastando-me enquanto
procuro pelo objeto perdido na bagunça sobre a minha penteadeira.

Seguimos em um carro blindado, escoltados por veículos à frente e atrás. A


segurança reforçada me causa estranhamento, mas decido não perguntar; se
algo estiver acontecendo, prefiro permanecer sem saber.
Ao chegarmos ao local, somos bem recebidos. Há muitos rostos
para decorar, pessoas que nunca vi antes me cumprimentam, e eu apenas
retribuo com um sorriso educado. Mantenho-me agarrada ao braço do meu
marido, como um gato arisco, sentindo-me desconfortável com tanta
atenção. Não vejo nenhum dos meus cunhados até o momento, apenas
rostos desconhecidos.
— Meu Don — uma voz faz Ares parar abruptamente.
Ele se vira para encarar o dono da voz atrás de nós.
— Phelipo Greco. — Ares o cumprimenta com um aperto de mão
frouxo.
O homem aparenta ter mais de 50 anos, seus cabelos já grisalhos.
Ao seu lado, uma mulher loira, que julgo ter minha idade pelos traços do
rosto, chama minha atenção. Seu vestido, curto e bem decotado.
— Senhora Isabella Montesi, suponho — o homem diz, pegando
minha mão e depositando um beijo que me deixa desconfortável, talvez
porque Ares seja o único homem com quem tenho intimidade, e gestos
assim de deixam apreensiva se surgir de outro homem que não seja meu
marido. — Se me permite dizer, Don, sua esposa é muito bonita — ele
elogia, enquanto passa o braço pela cintura da loira, que parece levemente
incomodada. — Esta é Giselle — ele a apresenta.
É impossível conter o olhar julgador que escapa dos meus olhos,
mas ainda tento soar gentil.
— Olá, Giselle — digo, oferecendo um aperto de mão.
— É um prazer conhecê-la — a voz dela soa bajuladora, quase
forçada.
Não acredito que a mulher ao lado de Phelipo seja sua esposa.
Provavelmente, a esposa verdadeira está em casa, cuidando dos filhos,
enquanto ele se diverte na festa com uma amante, que parece se achar
importante o suficiente para ser apresentada. Não consigo odiar a garota;
ela é jovem, assim como eu. Porém, não sei o que a leva a aceitar esse
papel, mas não a julgo completamente.
— Tenho negócios a tratar com você, Don — Phelipo diz, dirigindo-
se ao meu marido.
— Eu adoraria ouvir, Phelipo, mas não posso deixar minha linda
esposa sem companhia — responde Ares. Sem perceber, aperto ainda mais
forte o braço dele. — Mas pode aparecer em meu escritório, e
conversaremos lá.
— Está certo, deve aproveitar a companhia da sua esposa —
concorda Phelipo, sem deixar de me olhar de cima a baixo, como se eu
fosse um pedaço de carne.
Ares encerra a conversa e se afasta do casal, comigo ao seu lado,
acompanhando seus passos.
— Quem é aquele homem? — pergunto, sussurrando.
— Meu caporegime, mas em breve um homem morto — Ares
desdenha entre dentes.
Paramos em frente ao bar, onde o vejo pedir uma bebida.
— Quer beber alguma coisa? — ele pergunta.
Desvio meu olhar para a multidão no salão.
— Sim, um mojito.
O barman logo nos entrega as bebidas. Ares recebe seu habitual
uísque puro, e eu, meu mojito. Pego o copo e dou o primeiro gole.
— Pediu sem álcool — comento, percebendo que o gosto é apenas
limão.
— Sim, não quero que beba nada alcoólico para não prejudicar o
bebê.
Quase cuspo a bebida de nervosismo.
— Não estou grávida. — protesto engolindo minhas próprias
palavras.
Ele umedece os lábios, esboçando um sorriso galanteador.
— Não está ainda — sussurra.
Um calafrio percorre minha espinha, e minhas mãos começam a
suar frio.
— Irmão. — A voz de Adryel interrompe o momento, enquanto ele
dá um leve tapinha nas costas do meu marido.
Os dois estão juntos, o sottocapo e o consigliere, ambos vestidos em
ternos elegantes que exalam poder. Adryel, diferente dos irmãos de cabelos
escuros, é loiro, com olhos verdes vibrantes que combinam perfeitamente
com seu terno azul. Andreas, por sua vez, opta por um tom mais escuro e
acinzentado, seus óculos realçando o rosto mais pálido.
— Oi, cunhada. — O irmão mais novo me cumprimenta com um
beijo na bochecha, um gesto inesperado, mas que não me causa a repulsa
que senti com Phelipo.
— Você está beijando a minha mulher, porra. — Ares ergue uma
sobrancelha, irritado com a atitude do irmão.
— Foi só um beijo na bochecha, ela é minha cunhada. Eu a trato
como uma irmã mais nova, não seja ciumento. — Adryel se defende,
aproximando-se para tomar um gole da bebida do meu marido.
— Olá, Bel. — É o primeiro contato que tenho tão próximo com
Andreas. Ele mal fala comigo durante os jantares em casa, tão calado que
parece uma estátua de rosto bonito.
— Oi, rapazes. — Sorrio, aliviada por ver rostos familiares.
Ares me puxa pela cintura, me forçando a encostar as costas em seu
peito, e obvio seu ciúme de mim com seus irmãos.
— Por que demoraram tanto? — A voz do meu marido soa atrás de
mim.
— Tivemos um pequeno contratempo. — Andreas responde.
Sei que estão se referindo a algo, mas evitam dar detalhes na minha
presença.
Adryel faz um sinal para o barman trazer mais duas bebidas.
— Vou ao toalete. — Tento me desprender do braço possessivo que
envolve minha cintura.
Finalmente consigo me soltar e caminho pelo salão, seguindo as
placas que indicam a direção do banheiro. Ao entrar em uma das cabines,
percebo que já há duas mulheres ali, envolvidas em uma conversa. Elas mal
notam minha presença, e pelo tom informal, parecem ser conhecidas.
— Ela está no evento hoje. — diz uma delas.
— É uma bastarda, sem qualquer iniciação em nossos costumes.
Uma qualquer. — comenta a outra com desdém.
O assunto não deveria me interessar, afinal, elas podem estar
falando de qualquer pessoa. Mas algo na forma como falam me deixa
intrigada. Fico em silêncio na cabine, ouvindo atentamente, tentando
entender mais.
— Como uma bastarda pode se tornar nossa imperatriz, Esma? — a
última frase ecoa no pequeno espaço.
Elas estão falando de mim… Eu sou a imperatriz.
Por um instante, penso em sair da cabine e confrontá-las, mas isso
só me rebaixaria ao nível delas. Respiro fundo, controlando a raiva como
fui ensinada, e espero pacientemente até que as duas saiam do banheiro.
Quando finalmente estou sozinha, deixo a cabine, guardando na memória
cada palavra e o nome mencionado.
Ao retornar ao bar, vejo que os homens estão em uma conversa, mas
minha mente está distante, ainda presa àquelas palavras venenosas que ouvi
no banheiro.
— Fique com ela. — A voz firme de Ares me tira do devaneio. —
Preciso ir para a reunião. Fique perto de Adryel e não saia daqui. — Seu
tom é autoritário, e embora eu sinta a vontade de revidar, não consigo.
Meus pensamentos suprimem qualquer resposta.
— Tudo bem. — Assenti com um suspiro. — Vai demorar para
irmos embora? — pergunto com tom cansado.
— Não. — Ares responde, e seu toque suave nas minhas costas
revela que ele percebe minha inquietação, como se tentasse, de forma sutil,
me confortar.
— Vamos. — Andreas chama meu marido, e os dois se afastam,
caminhando lado a lado em direção a uma sala que imagino ser um espaço
reservado apenas aos homens da organização.
— Quer beber alguma coisa? — Adryel pergunta, assim que os dois
homens se afastam completamente.
— Seu irmão não me deixa beber nada alcoólico, então não. —
Respondo, debruçando-me sobre a bancada com impaciência.
— Meu irmão não está aqui… — cantarola Adryel, com um sorriso
cúmplice.
— Não vai contar para ele? — pergunto, meio desconfiada.
— Não, só não beba muito. — aconselha, com um tom
despreocupado.
Um sorriso surge em meu rosto, animada pela ideia de poder beber,
mesmo que só um pouco.
— Ei, me dê uma dose de vodca. — peço ao barman, que
prontamente atende ao meu pedido.
Engulo o líquido de uma vez, sentindo a ardência que desce pela
minha garganta, trazendo uma sensação estranha de alívio.
— Eu precisava muito disso. — Admito, com a voz mais leve. —
Outra. — grito por cima do ombro, chamando o barman novamente.
Meu cunhado sorri e levanta seu copo na minha direção se
divertindo.
Capítulo 08

Ares
— Boa noite, senhores. — Me adianto ao entrar na sala.
A sala está repleta de homens do conselho, e alguns caporegimes,
sei que entre eles há um rato, um traidor que entregou nossas rotas a Don
Mario.
— Bem-vindo à minha casa, senhor. — O anfitrião, Francesco, diz,
tentando manter um semblante cordial.
— Obrigado por nos receber, Francesco. — Respondo, enquanto
meus olhos percorrem os rostos na sala, observando cada um deles,
especialmente o de Phelipo. A lembrança de como aquele desgraçado olhou
para minha mulher ainda me enoja. Sinto pena de sua esposa, que tem o
desprazer de dividir a cama com esse porco imundo e desleal.
Dou um passo à frente, minha presença dominando a sala.
— Serei direto. Temos um traidor entre nós. — Minha declaração
imediatamente causa um burburinho nervoso espalhado pelo grupo.
Ninguém quer ser alvo da acusação.
— Já desconfia de alguém, Don? — A pergunta vem de Lucca, que
recentemente assumiu o lugar de seu pai na organização.
Maneio a cabeça em negativo, deixando minha mão trambolhar
sobre a mesa de madeira seca.
— Mas vou deixar um aviso. O que fiz com meu pai será pouco
comparado ao que farei com o rato que está entre nós. — A menção ao
destino de meu pai faz o ambiente cair em um silêncio sepulcral. Se havia
dúvidas sobre a minha responsabilidade na morte de Gutierrez, agora não
restam mais.
Um sorriso cruel se forma em meus lábios, lento e contínuo,
refletindo a ameaça que acabará de fazer.
— Se alguém tiver qualquer informação verídica sobre o traidor,
pode me procurar. Essa pessoa será muito bem recompensada, pois sou um
homem generoso. — vozes começam a fazer suposições e desconfiar entre
si, exatamente como eu pretendia. — Acho que é só por enquanto. — Digo,
dispensando todos após deixar claras minhas intenções.
Quando os homens começam a se dispersar, Francesco hesita por
um momento antes de falar, a ousadia evidente em seu tom.
— Senhor, sei que este não é o momento apropriado e que talvez
não seja da minha conta, mas… sua nova esposa é realmente uma bastarda?
— A pergunta paira na sala.
Meu olhar se crava nele, querendo eliminar a sua existência e das
suas próximas gerações.
— Como você mesmo disse, esse assunto não é da sua conta,
Francesco. Mas já que tocou nele, o nome dela é Isabella Montesi. Ela não é
uma bastarda; ela é a imperatriz de vocês. E vou deixar uma coisa bem
clara: se eu ouvir qualquer murmúrio, qualquer sussurro, seja de quem for,
falando mal da minha mulher, cortarei a língua do infeliz. Avise isso às suas
esposas, especialmente.
— Desculpe pela intromissão. — O homem se aproxima, e pega
minha mão com reverência, antes de inclinar a testa em um gesto de
respeito.
Ao retornar ao grande salão, meus olhos captam imediatamente a
imagem de minha esposa, sentada graciosamente na banqueta do bar, Ela
parece envolvida em uma conversa com Adryel, enquanto eu, ironicamente,
me vejo lutando por um pouco de sua atenção quando quero.
— Nos encontramos no porão? — pergunta meu irmão,
acompanhando meus passos com um tom discreto, mas urgente.
Hoje, enquanto Isabella escolhia um vestido no shopping, meus
homens notaram que estávamos sendo seguidos. Dado o ambiente público,
não podíamos sacar uma arma e resolver a situação ali mesmo, então
permanecemos vigilantes, à espreita. Fiz uma ligação rápida para Andreas,
pedindo que ele investigasse e encontrasse o responsável por essa ousadia.
— Vou deixar Isabella em casa primeiro, depois me junto a vocês.
— respondo.
Me aproximo da cabeleira ruiva, e ao vê-la se virar para mim, sou
imediatamente atingido pelo cheiro de álcool que emana de seu hálito.
— Você deu bebida para ela, Adryel? — Minha voz quase
transborda de raiva contida.
— Ele não me deu, eu que pedi. — Ela, um tanto desinibida, se
agarra à minha gravata, puxando-me para mais perto.
Meu irmão aproveita a oportunidade para sair de fininho, deixando-
nos a sós.
— Quanto você bebeu, coisinha pequena? — Pergunto, segurando
seu rosto delicado entre minhas mãos, tentando avaliar seu estado.
— Por que você me chama assim? — Ela pergunta, meio
desorientada, seus olhos estão dilatados.
— Porque você é pequena. — Respondo com um sorriso suave, mas
ela faz uma careta de descontentamento.
— Não sou pequena, você que é GG. — Levanto uma sobrancelha,
confuso, tentando processar o que ela acabou de dizer.
— O que é GG? — Questiono, ainda sem entender.
— O seu… — Ela começa a responder, mas não a deixo terminar.
Rapidamente, cubro sua boca com a palma da minha mão.
— Você parece ter bebido demais, querida. — deduzo, lembrando
que minha esposa nunca falaria algo assim em público. Ela fica coradinha
só de me ouvir falar putaria, quanto mais de dizê-las. — Vamos para casa.
— murmuro, envolvendo-a em meus braços com firmeza.

A carrego para dentro do nosso quarto, meu olhar preso à sua


respiração tranquila. O peso dela em meus braços é leve, insignificante
comparado aos pesos que levanto nos treinos. Seus lábios estão
entreabertos, e seus olhos, fechados com serenidade. O perfume de lavanda
que emana de seus cabelos, e um aroma delicado. Cada detalhe dela me
hipnotiza, desde a forma como sua pele é macia até o ritmo tranquilo de sua
respiração.
— As mulheres no banheiro estavam debochando de mim. — Ela
murmura, de olhos fechados, a cabeça repousando suavemente nos
travesseiros.
— Quem? — pergunto, minha mão deslizando pelos seus cabelos
sedosos, tentando buscar mais informação.
— Elas disseram que sou uma bastarda e que não mereço ser
imperatriz. — murmura novamente com olhos fechados.
A raiva cresce dentro de mim ao saber que alguém ousou perturbá-
la, ainda mais por desrespeitá-la de forma tão cruel, por isso ela estava tensa
quando voltou no banheiro, constato.
— Me diga quem foram essas pessoas e eu trarei a cabeça delas
numa bandeja para você.
O quarto fica em silêncio, a única resposta dela é um suspiro suave,
e percebo que ela pode ter voltado a dormir ou simplesmente não quer me
contar quem foram. Não vou insistir agora; essa é uma conversa que
teremos quando ela estiver sóbria.
Com cuidado, retiro os saltos de seus pés e a ajeito na cama,
cobrindo-a com o cobertor.
Ao deixar minha esposa no quarto, desço para o porão com passos
pesados, a impaciência queimando dentro de mim. Preciso descobrir quem
é o prisioneiro que meus irmãos capturaram. Tudo indica que seja um
homem, de Don Mario. Tenho muitos inimigos, mas nenhum deles ousaria
invadir meu território ou enviar um terceiro para me desafiar. Mario, no
entanto, é uma exceção. Desde a morte do meu pai, ele tem tentado tomar o
controle que conquistei.
As revelações que surgiram após eu ter matado Gutierrez foram
nojentas. Descobri o envolvimento de membros do nosso próprio conselho
em atividades repugnantes, apoiando crimes que jamais imaginei. Por isso,
precisei realizar uma limpeza silenciosa, disfarçada como “acidentes
naturais”, para evitar alarde e permitir que novas gerações assumissem o
controle no conselho.
Passei anos estruturando o conselho e expandindo nossos negócios,
sempre mantendo nossa reputação limpa, longe de qualquer envolvimento
com tráfico de órgãos ou pessoas. Porém, ao descobrir que meu pai estava
envolvido em algo tão abominável, percebi que a nossa família estava em
perigo de ruir. Don Mario deve saber que estou ciente desses segredos
nojentos, assim como também sei que ele e meu pai tinham negociações
juntos.
Mas minha intenção é clara: vou derrubar a organização de Don
Mario, Eu tenho um carta na manga e isso me mantém um passo à frente
dele.
Os gritos de clemência ecoam pelo corredor escuro. Quanto mais me
aproximo da sala de tortura, mais nítido se torna o som abafado de socos
sendo desferidos. Ao entrar, vejo meus irmãos ao redor do prisioneiro, cada
um com um papel distinto na cena. O rosto do homem, agora uma massa
disforme de sangue e carne, é um testemunho da violência de Adryel, que
parece se deleitar com o uso de suas mãos. Ele brinca com a vítima,
enquanto Andreas, de braços cruzados, observa impassível, como se
estivesse assistindo a uma peça de teatro, algo comum entre eles.
Ao notarem minha presença, os olhos opacos do homem tentam me
focar. Ele está amarrado à cadeira, os pés e as mãos firmemente presos por
cordas grossas. Seu corpo está exposto da cintura para cima, Meu irmão dá
dois passos para trás, retirando o soco inglês das mãos ensanguentadas e
jogando-o na mesa, onde repousam facas afiadas, prontas para serem
usadas.
— O que descobriram até agora? — pergunto, enquanto tiro o paletó
e puxo as mangas da camisa até os cotovelos, preparando-me para o que
está por vir.
— Ele não disse nada relevante. — Andreas ajusta os óculos sobre o
nariz, encostado na parede de pedra.
Deixo meu paletó sobre uma cadeira e me aproximo da vítima,
sentindo a expectativa crescer. quando se passa três anos sendo torturado
pelo meu próprio pai, sendo usado em diversos tipos de experimentos. Você
aprende métodos eficazes para arrancar informação de qualquer rato que
cruze meu caminho.
Agarro o homem pelos cabelos, forçando-o a levantar o rosto e a me
encarar. Seus olhos, já sem esperança, tentam desviar, mas não permito.
— Foi Don Mario que mandou você? — pergunto, cravando meu
olhar no dele.
Ele me responde com um sorriso torto, os dentes manchados de
sangue, como se minha pergunta fosse irrelevante
— Acho que não me ouviu direito. — digo, inclinando a cabeça em
direção a Adryel. Ele entende o sinal sem precisar de palavras, um reflexo
de anos de sintonia entre nós. Com um movimento ágil, entrega-me a
furadeira elétrica, o som da máquina zumbindo entre nós, antecipando a
agonia que está por vir.
Seguro firmemente a ferramenta em minhas mãos, avaliando o
corpo do prisioneiro. Escolho com cuidado o ponto exato onde a dor será
intensa o suficiente para quebrá-lo, mas não rápida o bastante para acabar
com sua vida.
Posiciono a broca na coxa do homem, observando-o se contorcer
dentro dos limites das amarras, tentando inutilmente escapar do que está por
vir. Com um movimento rápido e sem hesitação, pego um pano velho e sujo
jogado pelo chão e o empurro à força na boca dele, abafando qualquer som
que tente emitir. Sem perder tempo, ligo a furadeira, e a broca penetra sua
carne, rasgando músculos e veias. O corpo do homem treme violentamente,
mas nenhum grito de dor escapa; seus olhos se apertam.
— Eu sei o que você está sentindo — murmuro. — A carne sendo
triturada, os músculos se contraindo, tentando resistir. Agora, imagine isso
acontecendo mais 30 vezes, abrindo um novo buraco em cada parte do seu
corpo.
Afundo a furadeira ainda mais na perna do homem, sem um pingo
de hesitação. Fui treinado para isso, para que nenhuma emoção me
dominasse. A compaixão é um luxo que não tenho, não quando fui
quebrado inúmeras vezes.
O sangue começa a jorrar da ferida como um rio, escorrendo pelas
suas pernas. Com um movimento brusco, retiro a broca de dentro de sua
carne, o som áspero de metal contra carne reverberando. Sou cuidadoso o
suficiente para pressionar meu sapato contra a ferida aberta.
Retiro o pano da boca do homem, dando-lhe a chance de responder.
— E então, pensou em uma resposta? — pergunto, levantando
novamente o rosto dele, mas desta vez usando a furadeira elétrica apontada
diretamente para sua garganta. — Foi Don Mario que te enviou?
Ele engole em seco, a dor e o medo, misturados em sua voz fraca e
cansada.
— Não conheço esse nome — responde.
Talvez ele pense que sou idiota o bastante para acreditar nisso.
— Se esforce um pouco. — eu digo.
Meus irmãos observam a cena de longe. Normalmente, as torturas
são conduzidas por Adryel, mas hoje, algo em mim exige estar à frente,
liberar a fera que se agita dentro de mim, ansiando por sangue.
— Fui treinado para suportar tortura. Vocês não vão conseguir nada
de mim. — diz o homem, a cabeça caindo de lado.
Um sorriso largo se espalha pelos meus lábios.
— Temos algo em comum — digo, avaliando-o com desprezo. —
Mas tenho certeza de que nenhum treinamento tenha sido o suficiente. Deve
estar familiarizado com mutilação, não é? — Faço um gesto para Adryel,
meu sottocapo, que se aproxima com a faca em mãos. — Posso deixá-lo
escolher qual parte do seu corpo deseja que seja arrancada.
— Sou um homem morto de qualquer forma — Ele responde certo
do seu destino, sua resistência quase me admira.
Adryel se aproxima mais, analisando a ponta afiada da faca contra o
rosto do homem.
— Já escolheu? — pergunta Adryel, a voz tranquila, enquanto a
lâmina acaricia a pele do homem.
Ele apenas balança a cabeça, recusando-se a responder.
— Corte as orelhas. Parece que ele não ouve direito com elas
mesmo. — dou de ombros, minha voz desprovida de qualquer emoção.
Adryel não hesita, e com um movimento preciso, começa a cumprir
minha ordem. Ao contrário de mim, ele gosta de ouvir suas vítimas
gritarem, não se preocupando em abafar os gritos de dor. O som é grotesco,
mas para meu irmão, é uma sinfonia.
Após cumprir minha ordem, meu irmão se afasta, deixando-me
retomar o controle. Seguro a furadeira firme, determinado a continuar o que
comecei. O sangue fresco escorrendo pelo rosto do homem não me
incomoda. Para nós, esse estado é quase nada, considerando que já vimos
outros piores.
Sem hesitar, enfio a broca na carne do homem novamente, repetindo
o ato seis vezes no mesmo lugar, onde a dor se torna maior, cada perfuração
arrancando um grito de dor gutural. Ele é forte, preciso admitir, mas mesmo
os mais resistentes têm um limite. Sei que se continuar assim, ele não vai
durar muito; a morte virá rápido, e eu ainda preciso de informações antes
que isso aconteça.
— Podemos negociar sua morte — digo, com a voz calculada. —
Você está conformado com a morte. Posso continuar, arrancar cada um de
seus dedos, perfurar seu estômago, suas bolas… ou posso te dar uma morte
rápida com um único tiro.
O homem solta um suspiro pesado, exausto, e ergue os olhos para
me encarar.
— Quem me garante que você vai cumprir sua palavra? — sua voz é
fraca, morrendo aos poucos.
— Sou um homem honrado — respondo.
Para minha surpresa, ele ri. Uma risada fraca, mas cheia de
desprezo. Ele ainda tem forças para rir, o desgraçado, mesmo à beira da
morte.
— Estou amarrado e ferido, e devo acreditar que você me dará uma
morte rápida. — zomba.
— Bom, sua escolha tem um preço, uma morte rápida em troca de
uma informação.
O homem pondera em silêncio, mas não lhe dou tempo para refletir
muito. Com um movimento rápido, enfio a broca da furadeira em seu peito.
Sua expressão vazia se transforma instantaneamente em uma máscara de
dor, o corpo tenso pendendo para frente sobre a cadeira, como se o peso da
tortura fosse insuportável.
— Eu falo! — ele grita, sua voz rasgando o ar enquanto a dor o
consome. — Porra! Eu falo.
Nesse momento, afasto a mão, interrompendo o tormento, mas
mantendo a pressão psicológica.
— Então
, quem mandou você? — exijo saber.
— Mário ele me mandou, eu apenas precisava vigiar a mulher. —
ele responde apressadamente, as palavras tropeçando uma na outra
enquanto a dor entrecorta sua fala.
A mulher era Isabella, isso era óbvio.
— Já dei sua informação. Agora deve cumprir com sua palavra — o
homem, com seu sotaque russo, recupera um pouco de coragem, mesmo em
meio à agonia.
Don Mário sabe sobre Isabella, a notícia que me casei deve ter se
espalhado, e não demoraria para ele reconhecê-la.
— Anda logo! Seja homem e honre sua palavra! — O prisioneiro se
agita, a dor e o desespero quebrando sua resistência.
Eu prometi uma morte rápida, e devo cumprir com minha palavra.
Sem hesitação, alcanço a arma presa em meu coldre, puxando-a com
precisão. Aponto para sua cabeça, o cano frio pressionado contra a pele
ensanguentada. Antes que o homem possa dar seu último suspiro, viro o
rosto, evitando que os respingos de sangue me atinjam, e aperto o gatilho.
O som do tiro ecoa pelo pequeno espaço. O corpo do prisioneiro cai,
inerte, e me vejo encarando mais perguntas do que respostas.
Os miolos e o sangue se espalham pela sala em uma cena grotesca,
mas é algo a que já estou mais do que acostumado. Pego um lenço do bolso,
limpo minha arma meticulosamente e a guardo novamente. Minhas mãos
estão sujas, assim como o corpo sem vida à minha frente, mas nada disso
me abala.
— precisamos aumentar a segurança da casa. — falo.
— irei resolver isso. — Andreas se dispõem. — Se Mário sobre ela,
significa que você precisa agilizar seus planos irmão.
— Eu sei disso, mais do que ninguém eu sei — respondo. — Mas
ela não está grávida, é sem filho, não consigo agilizar plano nenhum.
Pressiono meu punho contra a mesa de madeira de forma bruta.
— O conselho vai se devorar tentando descobrir quem é o traidor, e
não vai demorar para que isso chegue aos ouvidos de Don Mario — alerto
meus irmãos. — Ele vai ficar à espreita, então fiquem atentos a qualquer
sinal. Até nossos soldados podem ser traidores; neste momento, não
podemos confiar nem em nossa sombra.
— Falando em soldados, já posso liberar Enzo do castigo? —
Adryel pergunta, aguardando minha resposta.
— Acho que já foi o suficiente — respondo, sem hesitar.
— Não acha que pegou pesado com o garoto, Ares? — Andreas me
lança um olhar de questionamento.
— Seu coração está amolecendo? — pergunto, devolvendo o olhar
com uma pitada de fúria. — Ele desobedeceu a minha ordem. Minha
palavra deve ser lei para meus homens. Se eles não são capazes de seguir,
não são dignos de estar sob meu comando.
Andreas não retruca. Ele sabe que meus métodos são eficazes, ainda
que implacáveis. Como Don, meus irmãos me respeitam e nunca ousam ir
contra mim.
— Chamem a limpeza. — ordeno aos dois, antes de deixar o local.
Ao alcançar a escadaria da sala, noto uma sombra se movendo
entre as cortinas, o que me deixa imediatamente apreensivo. Me aproximo
cautelosamente, atento a qualquer movimento, mas ao chegar mais perto,
vejo minha mãe sentada, as pernas cruzadas, parecendo serena enquanto
encara o vazio através das grandes janelas de vidro.
— Ainda acordada? — pergunto, observando a mulher de quem
herdei os olhos verdes.
Ela não se assusta com minha presença. Continua imóvel, serena,
sem desviar o olhar do que quer que esteja fixando lá fora.
— Não consigo dormir com os gritos vindos do porão — responde,
a voz sem emoção, como se comentasse sobre o tempo.
— A senhora dormia muito bem quando seu filho gritava neste
mesmo porão, lembra? — provoco.
Seu olhar muda sutilmente, e por um instante, vejo um lampejo de
arrependimento em sua expressão. Mas a conheço bem para saber que é
fingimento.
— Eu achava que o pai de vocês estava tornando vocês homens
fortes — argumenta, enfim voltando os olhos para mim, mas sua atenção
logo se fixa no estado das minhas roupas manchadas.
— Ele nos tornou monstros, máquinas de matar, como ele
costumava dizer — desdenho, sem desviar o olhar. — Enquanto seus filhos
sofriam debaixo do mesmo teto que o seu, você chorava o seu luto, mãe.
Observo sua respiração vacilar, sei exatamente onde tocar para
causar dor.
— Você me odiava porque fui o motivo dela morrer, admita —
minhas mãos apertam o couro da poltrona em que ela está sentada, com
uma força quase anormal. — Acha que eu deveria ser punido pelo seu
sofrimento?
— Está se exaltando, Ares — ela tenta manter a compostura.
— Quando fecho os olhos, ainda sou assombrado, assim como você
é assombrada pelo seu luto — sussurro.
Raffaela pode fingir ser uma boa mãe para meus irmãos, mas eu sou
o primogênito, eu lembro. Lembro de como ela nos olhava, de como ela
odiava ter dado à luz a três homens.
— Espero que agora consiga dormir. Os gritos cessaram — digo
friamente, antes de me afastar, retomando meu caminho sem olhar para trás.
Capítulo 09

Isabella
Lembro-me vagamente de ser carregada até a cama, mas minha
mente luta para juntar os últimos acontecimentos. Bebi algumas doses de
vodca, isso eu sei. Quando despertei, há poucos minutos, a cama estava
vazia. Não que sentisse falta da presença ao meu lado. Despi-me do vestido
da festa, tomei um banho rápido e vesti um pijama, tentando, em vão, voltar
a dormir. O sono escapa, e me pego virando de um lado para o outro,
bagunçando os lençóis enquanto luto contra a insônia.
Quem estou tentando enganar? A verdade é que sinto falta sim.
Sinto falta dos braços fortes ao redor da minha cintura, tanto quanto deveria
desprezá-los. Todos os dias, nesta casa, tento me convencer de que essa
situação é apenas um cômodo. Não tenho mais o desejo de fugir; já não sou
a tola que acreditava na possibilidade de uma vida normal. Estou
conformada, pois não há lugar para mim lá fora. Não tenho ninguém para
procurar, ninguém que sinta minha falta. Nem mesmo meus tios, os únicos
parentes que imaginei se importar comigo, se deram ao trabalho de ligar ou
mandar uma mensagem para saber se estou bem, se me adaptei a essa nova
vida. Mas, o que esperar deles? Afinal, foram eles que negociaram minha
liberdade.
Reviro-me mais uma vez na cama, encarando a parede, quando ouço
alguém entrar no quarto. Meu coração, contra a minha vontade, acelera de
euforia. Rapidamente, me sento no colchão e viro o rosto, ansiosa para ver
meu marido. Mas meus olhos se encontram com uma figura vazia, com um
olhar frio. Suas roupas, manchadas de sangue, acompanham um semblante
cruel.
— Você está ferido. — Minha voz exibe preocupação, enquanto me
levanto da cama, sem hesitar. Mas sua voz grave me para, me detendo antes
que eu possa dar mais do que dois passos em sua direção.
— Fique longe. — Suas palavras fazem meu corpo estremecer.
Procuro seu olhar, mas seus olhos são indecifráveis.
— Está sangrando? — pergunto, sentindo uma pontada de agonia,
uma vontade desesperada de tocá-lo.
Ele solta um suspiro pesado, e um sorriso demoníaco se curva em
seus lábios.
— Esse sangue não é meu, se é isso que te preocupa. Agora, deite-
se. — Sua voz me dá uma ordem, uma que eu me recuso a obedecer.
— Onde esteve? — Minha voz se eleva.
— Pare de fazer perguntas. — Sua resposta é curta e grosseria.
— Sou a mulher que dorme ao seu lado. Não posso saber onde meu
marido esteve? — insisto.
Sua sombra se aproxima de mim, diminuindo a distância até que
posso ver seu rosto limpo, os cabelos negros caem desordenadamente para
o lado, e seus olhos, ainda, são frios. Seus dedos tocam meu pescoço
rapidamente, num gesto que começa sutil, mas que se transforma em algo
promissor e ameaçador.
— Como seria fácil quebrar seu lindo pescocinho. — A ameaça dele
é acompanhada por um aperto mais firme, fazendo com que minhas mãos se
ergam automaticamente para segurar as dele.
Este não é o meu marido. É o corpo dele, tem a voz e os mesmos
olhos lindos, mas não é ele. A criatura diante de mim é a personificação do
lado sombrio que ele esconde. Sinto medo, medo como nunca senti dele.
Me perco no seu olhar frio, e minha mão, trêmula, sobe até seu
rosto, deslizando pela barba áspera e bem feita. Por um momento, ele
parece acordar, e me solta, me empurrando com uma força exagerada sobre
a cama. O impacto é duro, mas rapidamente me apoio nos cotovelos, me
esforçando para ficar de pé de novo.
— Fique longe, por favor. — sua voz soa como uma súplica.
Quando finalmente encontro seus olhos, posso enxergá-lo finalmente.
Ele começa a se afastar, sua presença ameaçando deixar o quarto, e
em seus olhos, posso ver um arrependimento contido.
— Não me deixe sozinha. — peço, mas não é suficiente para deter
seus passos. — Ares… — chamo por ele.
— Não quero te machucar. — Suas palavras são sinceras.
— Você não vai me machucar. — digo numa tentativa de convencer
a mim mesma e a ele.
Ares suspira, balançando a cabeça.
— Eu estava te sufocando… — Ele confessa. — E, porra, eu estava
gostando. Gostando de te ver com medo de mim.
— Eu não estou com medo agora. — tento de qualquer forma
impedir que ele me deixe sozinha.
Seus olhos percorrem seu corpo, fixando-se nas roupas manchadas
de sangue.
— Mas deveria… — sua voz soa firme, dou alguns passos na sua
direção, mas sua voz me detém. — Para! Eu não estou bem. Não quero
machucar você, mas não consigo controlar essa porra. Minha cabeça está
fodida!
— Eu posso te ajudar… — minha resposta é um sussurro, ele me
examina de cima a baixo.
— Você não pode. — Ele balança a cabeça, recusando a
possibilidade.
— Você sente prazer na dor… então, me dê a dor. — avanço
cautelosamente, os pés descalços fazendo contato com o chão frio enquanto
me aproximo dele, determinada.
Ele solta uma respiração trêmula, o peito subindo e descendo de
forma irregular.
— Eu te quebraria de um jeito que você nunca mais seria a mesma.
— As palavras saem ofegantes. — Você é delicada demais para ser
quebrada… Vivemos bem, como casal. Eu não quero que você me odeie. —
Cada palavra dele atinge meu coração como uma lâmina.
Dou um último passo e pressiono meu corpo contra o dele, sentindo
o calor que emana, o cheiro familiar que me envolve, seu tamanho parece
me engolir por completo. Envolvo meus braços ao redor de sua cintura,
buscando conforto.
Sua mão, ainda trêmula, desliza suavemente pelo meu rosto,
acariciando minha bochecha. Ele se inclina para mais perto, afastando
delicadamente uma mecha de cabelo que caía sobre meu olho.
— Eu não mereço você…
Meu peito se aperta, e forço as palavras a saírem.
— também acho que não… mas esse é meu destino.
Ele me encara profundamente, com uma respiração pesada soprando
contra meu rosto.
— E qual é seu destino, bella mia?
— Ser sua. — respondo com esforço, fico na ponta dos pés e
chocando meus lábios nos dele. Uma corrente elétrica percorre meu corpo,
nossos narizes se tocam suavemente, e ao abrir meus olhos, encontro os
dele.
Minhas mãos descem lentamente pela sua camisa, ignorando as
manchas de sangue que se misturam com o tecido. Começo a desabotoar os
primeiros botões, mas de repente sinto o toque firme de seus dedos
envolvendo meu pulso.
— Quero te tocar, me deixe fazer isso. — peço, ele fica apreensivo,
como se lutasse contra um instinto, mas, após um momento de resistência,
ele me solta.
Com delicadeza, minhas mãos retomam o movimento, desnudando
sua camisa o suficiente para revelar as cicatrizes que marcam seu corpo.
Desenho cada uma delas com a ponta dos meus dedos, sentindo a textura da
pele.
— Quem fez isso com você? — Minha voz sai baixa, quase em um
sussurro, embora já tenha feito essa pergunta antes, sem obter resposta.
Ele respira fundo, seu peito subindo e descendo de forma pesada.
— Meu pai. — A resposta vem como um murmúrio carregado de
amargura.
— O seu próprio pai fez isso com você? — Repito, a incredulidade
tingindo minhas palavras.
Sinto o corpo dele se enrijecer sob meu toque, o silêncio entre nós é
pesado. Ele acena com a cabeça, confirmando.
— Ele fez isso com seus irmãos também? — continuo, meus olhos
ainda presos às marcas que cobrem seu peito.
— Cada um foi moldado de um jeito diferente… — Ele responde, e
eu engulo em seco, incapaz de imaginar o que cada um deles tenha sofrido
nas mãos do próprio pai.
Devagar, ele me empurra em direção a uma das paredes do quarto.
Seu olhar, predatório, percorre meu pijama como se pudesse despir-me
apenas com os olhos. Com um movimento ágil, ele me ergue pelos braços, e
eu pressiono minhas mãos contra seu peito. Minhas pernas se entrelaçam
instintivamente ao redor de sua cintura, enquanto ele me segura
firmemente.
— Hoje não vai ser como as outras vezes… Eu preciso aliviar
minha raiva, e quando isso acontece, perco o controle. — Sua confissão é
acompanhada de um olhar penetrante. — Se for demais para você, me diga.
Minha respiração se acelera, e encosto minha testa na dele, tentando
encontrar algum equilíbrio emocional. Passo minha mão por entre os fios de
seus cabelos negros , enquanto as mãos dele apertam minha bunda com uma
força brutal, arrancando um gemido dos meus lábios. Ele caminha comigo
até a cama, onde me deita cuidadosamente.
Ares se afasta em direção ao closet, e quando retorna, meus olhos se
fixam imediatamente no pequeno chicote que ele segura em uma das mãos.
— Ainda quer sentir dor? — pergunta, o olhar expressivo, sondando
minhas reações, procurando por qualquer sinal de medo.
Lembro-me das palmadas que recebi no escritório, da forma como
meu corpo reagiu, e do quanto gostei de ser punida.
— Não sou fraca. — rebato.
— Eu nunca pensei que fosse fraca. — responde — Mas pode ser
que você não goste das mesmas coisas que eu, e eu jamais te obrigaria a
fazer algo só para me agradar.
— Você gosta de provocar dor, mas por que seria errado eu gostar
de senti-la também? — Me ajoelho na cama, buscando o contato com ele,
sentindo a necessidade de me aproximar.
— Você está sabotando o pouco de controle que eu ainda tenho.
O colchão cede sob o peso do meu marido quando ele se aproxima
de mim, e me beija de forma voraz, seus dentes cravando em meu lábio
inferior antes que sua língua invada minha boca, explorando-a com
urgência. Quando ele se afasta ligeiramente, ergue a camiseta do meu
pijama pelos meus braços, deixando meus seios expostos, os mamilos
endurecidos quase roçando em seu peito.
Suas mãos grandes encontram meus seios, apertando-os com uma
força que faz o ar escapar dos meus pulmões em um suspiro entrecortado.
Sua boca volta a se colar à minha, quente e faminta, cada beijo despertando
em mim uma nova onda de delírio. Os gemidos que escapam de meus
lábios são abafados, misturados ao ritmo frenético de nossos beijos.
Sinto o toque frio do chicote deslizando lentamente entre meus
seios, criando um desejo de ansiedade. Meu marido maneja o chicote com
habilidade, aplicando golpes leves, quase delicados, em minha pele. A
ardência que sinto é momentânea, logo substituída por uma vontade
avassaladora de mais.
Ele retira meu short com um movimento ágil, deixando-me apenas
de calcinha. O tecido é fino, mal cobrindo minha intimidade, que começa a
pulsar. Os braços fortes me puxam para a borda da cama, e com um
movimento firme, ele me vira, deixando-me com a bunda para cima. Seus
dentes mordem a carne macia das minhas nádegas, enviando ondas de
prazer por todo o meu corpo. O chicote desliza novamente sobre minha
pele, desta vez ao longo das minhas costas, provocando um arrepio que
percorre minha espinha.
Ares repete o processo, aumentando minha expectativa a cada
segundo. O som seco de sua mão batendo contra minha bunda reverbera
pelas paredes do quarto, e eu aperto os lençóis com força, sentindo a tensão
crescer em meu ventre. O chicote desliza uma última vez por minhas costas
antes de se chocar contra minha pele com um som seco.
A dor aguda se mistura com o prazer, fazendo minhas costas se
curvarem involuntariamente enquanto um gemido alto escapa da minha
garganta. A pele recém-marcada arde, e o calor que se espalha por meu
corpo faz minha intimidade pulsar e se molhar ainda mais.
— Quando quiser, me mande parar. Não vou continuar se você não
quiser — murmura em meu ouvido. — Mas confesso que estou gostando de
te deixar toda marcadinha.
Sei que ele está se segurando, que ainda não usou toda a sua força.
As carícias começam, suaves e deliberadas. Sinto o hálito quente dele
soprar próximo à minha coxa, enquanto seus dedos alcançam a lateral da
minha calcinha, movendo-a com cuidado para expor minha intimidade.
— Empine a bunda. — Sua voz é uma ordem que não consigo
desobedecer.
Dois dedos deslizam dentro de mim, apenas para se retirar
rapidamente, deixando-me com uma sensação de vazio. De repente, uma
nova chicotada atinge minhas costas, mais forte que a anterior, e meu corpo
treme, enquanto um grito agudo e incontrolável escapa dos meus lábios.
— Ah, meu Deus… — minha voz é um sussurro de submissão.
Mal consigo recuperar o fôlego da ardência, quando uma terceira
chicotada é desferida contra minha bunda, ainda mais intensa que todas as
anteriores juntas. A dor alastra através de mim como fogo, cada fibra do
meu corpo se contorcendo com a sensação. Antes que eu possa reagir, sinto
a mão pesada dele se enredar nos meus cabelos, puxando-me com força.
Meu corpo é erguido do colchão, obrigando-me a ajoelhar novamente na
cama.
Minha pele queima, e a sensação do chicote agora deslizando pelo
meu pescoço, como uma coleira folgada, apenas intensifica o calor.
Instintivamente, me esfrego contra o corpo nu do meu marido, sentindo a
rigidez da sua ereção pressionando contra minha bunda. Com uma mão
livre, ele posiciona seu membro na minha entrada, e um arquejo escapa dos
meus lábios quando ele me invade com uma investida dura e rápida. O
chicote ao redor do meu pescoço aperta um pouco mais, restringindo minha
respiração, enquanto sua mão se crava em minha cintura, guiando os
movimentos do seu quadril.
Minha respiração começa a ficar mais curta, cada vez mais
superficial, sua mão abandona minha cintura, enredando-se em meus
cabelos novamente, puxando-os em um rabo de cavalo firme, forçando
minha cabeça a se inclinar para frente e meu rosto a se afundar no colchão.
Minha bunda se empina ainda mais, expondo-me completamente a ele. Seu
pau se enterra em mim com uma força incomum, cada estocada fazendo
meu corpo tremer.
O suor começa a escorrer pela minha testa, e meu corpo, agora frágil
e mole, se vê sustentado apenas pelas mãos firmes dele.
— Porra… — Ele rosna baixo, um requinte de prazer em sua voz,
enquanto o chicote ao redor do meu pescoço aperta ainda mais, levando
minha respiração a um ritmo desesperado.
Sinto as paredes da minha intimidade se apertarem, e meu ventre se
contrai de forma incontrolável. Meus olhos se fecham, e sou tomada por um
orgasmo intenso. Gemo alto, mal acreditando que estou gozando enquanto
sou sufocada por ele.
Ares solta meu cabelo, desviando sua atenção para minha bunda,
que ele estapeia repetidamente. Os estalos ecoam nos meus ouvidos, me
deixando à beira da loucura. Com uma estocada final, ele se derrama dentro
de mim, me preenchendo com sua porra.
O aperto em meu pescoço finalmente se desfaz, e eu me desabo
sobre a cama, meus pulmões buscando desesperadamente o ar. Passo as
mãos pela pele sensível do meu pescoço, ainda sentindo o calor do chicote.
Capítulo 10

A água da piscina respinga suavemente em mim enquanto balanço


os pés, tentando aliviar o calor. Preciso do auxílio de uma almofada para me
sentar, pois minha bunda continua dolorida, bem mais do que eu imaginava.
Eu fui ingênua em pensar que não haveria consequências no dia seguinte
após levar aquelas chicotadas.
Enquanto observo a cena ao meu redor, noto alguns homens fazendo
vigia no grande portão da mansão. Os três irmãos estão trancados no
escritório a manhã inteira, e penso que algo realmente ruim está
acontecendo.
Vejo um dos soldados do meu marido passar por mim apressado.
Nenhum deles tem permissão para falar ou sequer olhar para mim, a menos
que isso seja ordenado. Porém, quando vejo as costas daquele homem, um
reconhecimento imediato me faz chamá-lo.
— Enzo. — Minha voz soa mais alta do que pretendia. Ele se vira
lentamente, confirmando que minha intuição estava certa.
Ele faz um gesto de reverência, inclinando a cabeça
respeitosamente. Não consigo evitar lembrar que não o vi desde o dia em
que saí de casa às escondidas. Apesar de eu ter pedido ao meu marido que
poupasse Enzo, temo que ele tenha sido punido.
— Olá, senhora. — Quando ele ergue os olhos para me encarar, vejo
perfeitamente os ferimentos em seu rosto, contusões e cortes que ainda não
cicatrizaram.
— Foi meu marido que fez isso com você? — pergunto, apontando
para seu rosto, sentindo um nó se formar em meu estômago.
Enzo acena com a cabeça, sua expressão séria.
— Sim, eu mereci. Não cumpri com o que me foi designado. — Ele
diz com um orgulho, as mãos firmemente posicionadas atrás do corpo. Sua
obediência cega e a aceitação do castigo me deixam frustrada. Como pode
ele considerar que ter o rosto machucado por minha causa seja algo
merecido.
— Sinto muito por causar isso. — Murmuro, sem parar de balançar
meus pés na água. — Você me parece tão jovem, Enzo, talvez mais novo
que eu. Por que está servindo ao meu marido, em vez de aproveitar a vida
como os adolescentes da sua idade? Se quiser, posso pedir a Ares que te
libere.
— Não sou iniciado na máfia, mas pertenço a ela, senhora. — Ele
responde com seriedade. — Gosto de servir ao seu marido.
Cruzo as mãos sobre o colo e fico pensativa. Ares não é um homem
bondoso, então o que ele fez para conquistar tamanha lealdade de Enzo?
— Ao contrário de você, eu não tenho escolha senão viver aqui. —
Resmungo baixinho.
— A senhora não é uma prisioneira. — Ele constata.
— Talvez não, mas sou a esposa de um mafioso. Não posso ir nem
até a esquina sem ter pelo menos dois homens no meu encalço. — Faço um
gesto com os dedos. Enzo contém o riso.
De repente, vejo a sombra de alguém se estender sobre o chão à
minha frente, e meus olhos logo se erguem para encontrar meu marido,
parado como uma estátua, observando a cena.
— Enzo, Adryel está te esperando. — A voz de Ares é uma
reprimenda. Enzo faz uma reverência imediata.
— Me desculpe, chefe. Estou indo. — Enzo se apressa a sair,
passando por Ares sem sequer se despedir de mim ou lançar outro olhar em
minha direção. Ele parece temer seu chefe.
— Agora vai ficar de conversinhas com meus homens? — A voz
grossa é dirigida a mim, com autoridade.
Eu ergo uma sobrancelha, irritada.
— Vai bater nele também só porque estava falando comigo? —
Pergunto com um tom de deboche. — Enzo me trata com o maior respeito
possível. Até me chama de senhora, o que me faz sentir que tenho cinquenta
anos. Nossa diferença de idade deve ser de apenas alguns anos. —
Respondo, voltando a atenção para a água da piscina.
— Vamos subir. — Ares ordena, ignorando o rumo da conversa.
— Pode ir. Estou tomando sol agora. — Digo com indiferença,
mantendo meu olhar fixo na água azul e balançando os pés, como se ele não
estivesse ali.
— Isabella, vamos agora. — Ele raramente usa meu nome, e quando
o faz, é porque está irritado.
— Tá surdo? Eu disse que pode ir. Não vou com você só porque está
mandando. Não sou um dos seus homens, não recebo ordens suas.
— Quer que eu peça por favor? — A fúria é evidente na voz dele.
— Sim.
— Minha esposa, pode me acompanhar até o nosso quarto, por
favor? — Ele pergunta, carregando cada palavra com sarcasmo.
Solto uma risadinha baixa.
— Posso, sim, depois que eu terminar de tomar sol.
Mal termino de responder, e Ares já me ergue com seus braços
fortes.
— Gosto da sua voracidade, mas quando tenta me fazer de trouxa,
você me deixa puto. — Ele rosna, com o rosto próximo ao meu enquanto
me carrega.
Aproveito a situação e passo os braços pelo seu pescoço, sorrindo
despreocupada.
— Precisamos conversar sobre ontem. — Ele diz com seriedade ao
me colocar de pé no nosso quarto.
Ares ajeita o terno, alinhando o paletó preto com um fundo azul que
contrasta de forma atraente com seu rosto. Ele é um homem atraente, bem
cuidado para a idade, e bonito, muito bonito.
— Vai me punir por eu ter bebido? — Pergunto, lembrando das
doses de vodca que me deixaram zonza no meio da noite.
— Você merece, mas não. Sua bunda já está marcada demais. — Ele
responde. — Ontem, alguém tentou te ofender? — questiona com um olhar
intenso como se já soubesse a resposta. Talvez eu tenha dito algo enquanto
estava bêbada.
— Por que está me perguntando isso? — Retruco.
— Porque qualquer um que tentar te ofender vai ter a língua
arrancada. — A ameaça dele faz meu corpo estremecer. — Então, me diga,
alguém tentou te ofender?
Hesito, pensando em não dizer nada, mas os olhos dele me
pressionam, exigindo uma resposta.
— Ouvi uma conversa no banheiro entre duas mulheres. Elas
disseram que eu era uma bastarda sem iniciação na máfia e que não poderia
ser a imperatriz delas. — Confesso, um pouco envergonhada pela situação.
— Me diga o nome? — pergunta rapidamente, a voz firme, como se
segurasse o mundo em suas mãos.
— Não sei, elas saíram do banheiro muito rápido. — Minto,
temendo que ele cumpra sua ameaça.
— Eu vou descobrir. — Ele declara, com uma certeza implacável.
— Não precisa. Eu mesma vou colocá-las no devido lugar. —
Sorrio, com uma ideia brotando em minha mente. — Acho que está na hora
das mulheres da organização saberem quem eu sou…
Ares coloca as mãos nos bolsos, dando alguns passos em minha
direção.
— Você pode enviar convites para mim? — Pergunto quando ele já
está bem próximo, enrolando uma mecha do meu cabelo que cai sobre o
ombro.
— Convites? — Ele me olha, confuso.
— Quero convidar as mulheres da organização para tomar um chá
comigo. Você disse que me ajudaria. — Digo, olhando-o nos olhos.
— Me lembro. Vou providenciar os convites e enviá-los. Só precisa
me dizer a data e a hora. — Ele concorda.
— Tudo bem. Que tal no sábado à tarde? — Pergunto, mordendo o
lábio, já planejando cada detalhe.
— porque me pergunta, essa casa também é sua… — responde
sério.
A casa também é minha…
— Será sábado, então. Vou pedir à Angélica para preparar alguma
coisa.
— Certo, eu cuido dos convites. E você consegue dar conta do resto,
não é? — Balanço a cabeça em concordância, já planejando mentalmente os
detalhes.
Há uma pausa antes que eu puxe um novo assunto.
— Tem algo que está me incomodando. — murmuro.
— O quê? — Meu marido pergunta.
— Sua mãe não gosta de mim. Desde que cheguei, ela me trata mal.
Vi ela falando com você outro dia sobre nos separar. Ela nem mesmo
participa das refeições em família, e acho que é por minha causa. —
Despejo tudo de uma vez, sentindo o peso das palavras cair sobre nós.
Ares fica tenso, a expressão fechada.
— O problema não é você, minha mãe só é apegada a regras antigas.
— Ele tenta encerrar o assunto rapidamente.
— Ela não aceita que eu seja uma bastarda e tenha me casado com
você, é isso? — insisto, e meu marido acena com a cabeça, confirmando. —
Então por que não se separou de mim? Ou melhor, por que quis esse
casamento
Nossa conversa começa a se estender.
— Não tenho que dar motivos para o porquê escolhi você como
minha esposa. — declara com voz firme soando rude e sem paciência.
— Eu lembro dos motivos pelos quais me levaram até você. — falo
chateada, mas mantenho o olhar fixo no dele. — Eu tinha 16 anos quando
soube que seria sua esposa. Eu odiava a sua existência, pedia a Deus que te
matassem, apenas para que eu não precisasse cumprir com meu dever.
— Isso soa cruel, Bella mia. — ele comenta com um pequeno
sorriso.
— Eu tinha sonhos, Ares. Planejava um dia me ver livre dos meus
tios, fazer algo que realmente gostasse, um casamento nunca fez parte dos
meus sonhos, eu me vi obrigada a essa união.
— Eles maltratavam você? — A pergunta dele traz uma onda de
amargura que eu sinto no fundo do peito, por lembrar de tudo que passei
com Marise e Antenor.
— Meus tios nunca foram pessoas boas comigo, mas não desejo mal
a eles, nem mesmo agora. Afinal, se estou viva, estudei e tive uma boa
educação, é por causa deles. — falo sentindo um pouco de ressentimento.
— É devido ao meu dinheiro. — Ele me corta, de forma direta.
— O quê? — Minha boca fica entreaberta, surpresa.
— Foi o meu dinheiro que pagou seus estudos, sua educação, tudo.
— Ele anuncia como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— O internato foi você. — A incredulidade escapa à minha
pergunta.
— Desde que nossos caminhos se cruzaram você me pertence, o
internato foi um lugar onde você ficaria segura, até que tivesse idade
suficiente para nos casarmos. — Ares explica, com um tom sereno.
— Provavelmente você sempre esteve me vigiando. — Minha voz é
um fio de curiosidade.
— Eu recebia relatórios sobre você toda semana. — Ares responde
calmamente, enquanto acaricia meus cabelos. Mordo minha bochecha,
refletindo.
— Mas ainda não me respondeu: por que quis esperar quatro anos
para se casar comigo, sendo que poderia ter qualquer mulher da Itália? —
Volto a questionar, suas mãos continuam acariciando meus cabelos, até que
ele pausa, e solta um suspiro baixo.
— Já fui casado uma vez. E não queria qualquer mulher da Itália.
Gosto de pensar que o destino nos uniu de alguma forma. — diz
serenamente, evitando responder diretamente à minha pergunta.
Minha língua coça para perguntar sobre sua ex-esposa, se ele
realmente a matou, como dizem os rumores. Mas, ao mesmo tempo, sinto
que posso estar sendo invasiva demais. Estamos desenvolvendo uma boa
relação, e a última coisa que quero é criar uma briga agora.
— Já terminou de ler os livros? — Ares pergunta, seu olhar se
fixando nos livros que ele me deu e que agora estão espalhados sobre a
cama. Eu os deixei ali, pensando em reler algum, afinal, o que uma
imperatriz tem para fazer? O tédio me consome.
— Terminei. Quer de volta? — Respondo, começando a me afastar
para ir até a cama, mas ele estende o braço, me impedindo de me mover.
— Os livros são seus, eu os dei para você. — Meu coração, que até
então estava tranquilo, acelera ao ouvir isso. — Posso comprar outros se
quiser. — Ele sugere, e eu paro para admirar seu rosto. O nariz é esculpido,
os olhos verde-esmeralda, e seus lábios carnudos e rosados formam um
conjunto perfeito. Se ele não fosse um mafioso, poderia facilmente ser
modelo.
— Não precisa. — Respondo, negando com a cabeça. — Depois eu
mesma posso sair e comprar. — Minha voz soa um pouco rude, mas preciso
estabelecer limites.
Somos marido e mulher, mas esta relação não deve ser carinhosa.
Não devo permitir que sentimentos surjam, não deve haver afeto, não posso
me apaixonar. Isso também significa não aceitar presentes.
— Tenho que sair para trabalhar agora. — meu marido avisa,
afastando-se um pouco. — Não se esqueça de fazer suas refeições. À noite,
venho cuidar de você — Um sorriso malicioso curva em seus lábios.
— Por que se preocupa tanto com a minha alimentação? Não pareço
saudável? — Pergunto, tentando esconder a inquietação que cresce dentro
de mim.
— Só quero garantir que esteja bem para gerar meu filho. — A
simples menção de um filho faz meus lábios tremerem.
Pisco várias vezes, tentando engolir o nó que se forma em minha
garganta, Ares ainda insiste nesse assunto, ainda quer me forçar a gerar um
herdeiro.
— Já lhe disse que não estou grávida. — Afirmo, buscando calma
em uma respiração.
O homem me lança um olhar frio, que faz minha pele se arrepiar.
— Eu quero um filho, Isabella, um herdeiro. Não há como você
fugir disso, e você sabe. — Seu tom de voz se altera, para algo quase
ameaçador.
— Assim como você também sabe que não quero gerar seu filho. —
Retruco, movida pela raiva. — Você quer me forçar a fazer algo que eu não
desejo. Se queria um filho, deveria ter se casado com alguém que
concordasse com isso.
Seus olhos brilham com uma raiva. O maxilar se contrai, e seus
punhos se fecham ao lado do corpo.
— Não se trata do que você quer, se trata do que eu preciso. E, neste
momento, preciso que você me dê um filho. — Sinto meu coração encolher
de angústia. — Estou tornando este casamento o mais agradável possível
para nós dois, cedendo às suas vontades. Mas, se preferir, posso tornar isso
um inferno. — Ele ameaça.
Um sorriso de ironia se forma em meu rosto. Envolvo os braços ao
redor do corpo e ergo o queixo em desafio.
— Continue tentando me engravidar. Uma hora você vai cansar e
perceber que não vai conseguir. — Minha voz soa mais convicta do que
deveria.
— Como tem tanta certeza de que não vai engravidar? — Ele me
encara, seus olhos tentando desvendar o segredo que guardo.
— Eu apenas sei, Ares! — Respondo, virando as costas com raiva e
batendo a porta da suíte com força em seguida.
Preciso respirar.

Ares
Conduzo o carro em direção a uma das boates controladas pela
nossa organização, onde marquei um encontro com o chefe de polícia.
Heros me ligou dizendo que precisava falar comigo pessoalmente, tinha
uma informação importante que não podia ser compartilhada por ligação.
Pelo tom, entendi que se tratava de algo ligado à máfia. E nesse caso, sigilo
absoluto é essencial. Heros recebe uma generosa propina para garantir que
nossas atividades permaneçam fora do radar das autoridades e para nos
repassar qualquer informação que nos seja útil.
Quando se tem dinheiro, tudo se torna comprável, polícias, juízes,
até mesmo governadores. Meu pai sabia disso como ninguém. Ninguém
ousava desafiá-lo ou investigar seus negócios, aqueles que tentaram não
chegaram longe. Quem não podia ser comprado pelo velho Gutierrez
acabava numa cova rasa ou, no fundo do mar, servindo de banquete para os
peixes.
Heros não é um homem tolo, ele escolheu se aliar a mim depois da
morte do meu pai, mas, mesmo assim, não confio plenamente nele. Suspeito
que, em algum momento, ele possa me trair. Enquanto ele me for útil, o
manterei por perto, mas não hesitarei em me livrar dele caso se torne um
problema.
Estaciono o carro na vaga exclusiva e entro no local, ignorando as
moças que dançam no palco, provavelmente ensaiando para o show da
noite. Meu olhar não se detém nelas; estou focado em outra coisa e sigo
diretamente para o bar.
— Olá, senhor. — um dos seguranças me cumprimenta fazendo
reverência com a cabeça.
Não costumo frequentar lugares assim, com frequência esse tipo de
trabalho é mais a praia do meu irmão mais novo, que adora uma farra. Dou
uma olhada rápida no crachá do homem e aceno.
— Vou subir para o escritório. Se um homem chamado Heros
chegar, me avise. — Declaro, e o segurança assente com um aceno.
Caminho para o andar de cima e entro na sala, me jogando na
poltrona de couro. Antes, sirvo-me de uma bebida, e recosto no assento. Há
tantas coisas que preciso resolver, uma esposa que se recusa a me dar filhos,
Don Mario interferindo nos meus negócios, e, para piorar, traidores
infiltrados na minha organização.
O toque seco na madeira me desperta de meus pensamentos.
— Pode entrar. — Digo.
A porta se abre e Heros entra, sua expressão séria e impaciente
imediatamente chama minha atenção.
— Pontual. — Comento, indicando com um gesto que ele se sente.
— Quer beber algo? — Ofereço, erguendo meu copo de uísque e tomando
um gole generoso.
— Dispenso, Don. — Ele responde com um tom resignado.
Espero enquanto ele se ajeita na cadeira à minha frente, observando
cada movimento.
— Então, o que é tão importante que não pode ser dito por telefone?
— Pergunto, inclinando a cabeça, esperando pela resposta.
Ele pigarreia, alisando a barba grisalha com um gesto que revela
uma leve hesitação.
— Apreendemos uma mercadoria que talvez seja do seu interesse.
— Heros diz, e eu estreito os olhos, posicionando os cotovelos na mesa e
juntando as mãos à frente do rosto.
— Sem rodeios, Heros. Tenho muita coisa para resolver hoje. —
Respondo com impaciência. — Que mercadoria é essa?
— É uma mercadoria extraviada com destino a Nápoles. — O
território de Don Mario, penso. — Mas não é uma carga de drogas, senhor.
— A voz dele traí um leve tremor. — São crianças. — Um gosto amargo
preenche minha boca.
Meu rosto se contorce de raiva. Fecho os olhos por um momento,
tentando controlar o furor que se forma dentro de mim.
— Estou sob seu comando. O que devo fazer? Devolver? —
Pergunta o homem.
Meu punho se fecha e golpeia a mesa com força.
— Eu não compactuo com esse tipo de coisa. Porra, não vamos
devolver nada. — Minha voz rasga a garganta de tão intensa.
Esfrego a mão no rosto, irritado.
— Onde está essa mercadoria? — Exijo saber.
— No galpão principal. Deixei alguns homens cobrindo para que eu
pudesse vir até aqui. — Ele responde.
Puxo o ar dos pulmões e fixo o olhar em Heros.
— Não espalhe o que sabe. — Declaro com firmeza. — Volte para
lá e me aguarde.
Heros encara minhas palavras como uma ordem e faz um gesto de
reverência antes de se retirar da sala.
Imediatamente, envio uma mensagem para meus dois irmãos,
pedindo que se encontrem comigo no local.

Antes mesmo de parar o carro, percebo que meus irmãos chegaram


antes de mim. Salto do veículo e avanço com passos largos, sem me
preocupar em estacionar direito.
Eu já desconfiava que Don Mario estava envolvido em negócios
repugnantes, mas traficar crianças é além de desprezível, é monstruoso. No
entanto, deveria ter imaginado, se ele está realmente inserido na mesma
rede de negócios que meu pai, não poderia esperar nada diferente.
— O que está acontecendo? — Adryel pergunta assim que me
aproximo.
Andreas me observa com um olhar impassível, e noto que Enzo
também está presente, em silêncio.
Respiro fundo, buscando as palavras certas para explicar a situação,
já que na mensagem eu apenas exigi que eles viessem para cá o mais rápido
possível.
— Heros apreendeu uma mercadoria que estava a caminho da La
rosa nera.
— Seria de Don Mario? — questiona o sottocapo, franzindo o
cenho.
— É bem provável. A mercadoria… são crianças. — solto a
informação, e vejo os três homens à minha frente me lançarem olhares
sombrios. — Heros as trancou dentro do galpão.
— Mas que porra… — Adryel esbraveja, chutando o pneu de seu
próprio carro.
— O que vai fazer com elas, irmão? — Andreas pergunta.
— Ainda não sei… — admito.
A verdade é que nunca enfrentei uma situação como essa.
Dou um passo para trás, passando entre eles, e caminho até a porta
do galpão, sentindo os passos dos meus irmãos logo atrás.
Ao fundo, meus olhos captam os pequenos corpos encolhidos, um
junto ao outro. A cena me atinge como um soco no estômago. O ar pesado e
fétido, impregnado com o cheiro de urina e fezes, mas não é nada que eu já
não tenha suportado. Eles me olham com os olhos arregalados, como
pequenos animais encurralados, o medo estampado em cada rosto choroso.
Meninos e meninas de idades variadas, todos aterrorizados. Quanto mais
me aproximo, mais eles se encolhem, alguns gritando em desespero.
— Não vou machucar vocês. — Tento acalmar, minha voz soando
estranhamente distante até para mim.
Entre eles, um garoto se destaca, ficando à frente dos outros. Seus
cabelos escuros e olhos castanhos estão sem brilho, mas, ao contrário dos
demais, ele não está chorando, nem tremendo de medo. Pequeno, talvez
tenha 8 ou 10 anos.
— Andreas. — Chamo por meu irmão, sem desviar os olhos do
menino à minha frente. — Consiga informações com Heros sobre eles. —
Ordeno.
— Certo. — Ele assente e se afasta rapidamente.
Adryel se aproxima, e a sombra dele se alinha à minha. Ele não
precisa dizer nada; conheço bem o horror que o invade tanto quanto a mim.
Meus olhos permanecem fixos no pequeno rapaz que tenta proteger os
outros, sua determinação estampada no rosto infantil.
Dou mais um passo em direção a eles, mantendo as mãos erguidas,
num gesto de rendição.
— Não quero machucar vocês. — repito novamente.
— Por que deveríamos acreditar em você? — A voz do garoto ecoa
em questionamento.
— Não sou como as pessoas que fizeram mal a vocês. — Respondo
com suavidade. Seus olhos me examinam, desconfiados. — Estão com
fome? — Pergunto, notando a magreza alarmante em muitos deles.
— Sim. — Uma vozinha trêmula surge entre eles, uma menina que
abraça um urso sujo contra o peito. O menino à minha frente, lança um
olhar de advertência para ela. — Ele parece um anjo, Alec, pode nos ajudar.
— A voz da menina continua, doce e cheia de esperança. Ela é mais nova,
frágil.
O garoto que agora sei o nome hesita, mas finalmente admite:
— Estamos com fome.
— Senhor, você vai nos levar de volta para aquelas pessoas ruins?
— Pergunta a menina, os olhos grandes e implorantes, apertando o urso
ainda mais.
— Não. — Respondo, balançando a cabeça. — Não vou.
Dou alguns passos para trás, me afastando dos pequenos.
— Eles estão com fome. Traga algo para eles comerem.
— Vou providenciar, irmão. — Adryel responde, virando-se para
sair, com Enzo logo atrás dele.
Volto meu olhar para o garoto, que permanece parado, com um olhar
felino, atento, como se estivesse pronto para proteger os outros a qualquer
custo.
— Alguém aqui está ferido? — Pergunto, examinando cada uma das
crianças.
— O Alec está machucado na barriga. — A garotinha fala
novamente, recebendo um olhar severo de Alec.
— Fique quieta, Mirela. — Ele a repreende.
Se o garoto está ferido, ele esconde a dor com maestria, porque não
vi nenhuma fraqueza nele até agora.
Andreas aparece de repente atrás de mim, e o som de seus passos
causa um novo burburinho entre as crianças, que recuam com medo. Para
acalmá-las, dou três passos para trás, com meu irmão, e me viro para ele,
cruzando os braços.
— O que descobriu? — Pergunto.
— Eles foram trazidos em um caminhão. O transporte estava sendo
feito por dois homens. Provavelmente usaram a estrada para evitar o
controle no porto. — Andreas responde, ajustando os óculos. — Heros não
tem muitas informações. Precisamos interrogar os homens, ou talvez uma
dessas crianças possa nos ajudar.
— Leve os homens para o porão. — Ordeno com firmeza.
— E quanto a eles? — Andreas pergunta, apontando para as
crianças encolhidas contra a parede fria.
— Já mandei buscar comida. Um deles está ferido; traga nosso
médico. E eles precisam de roupas limpas, veja quem pode providenciar. —
Digo, deixando claro o que precisa ser feito.
— Será que eles têm família? — Andreas me olha, esperando uma
resposta.
— Provavelmente, sim. — Respondo, imaginando o desespero de
serem arrancados de suas famílias. — Vamos conseguir informações aos
poucos.
Andreas assente com a cabeça.
— Vou cuidar do médico e das roupas. — Diz ele, antes de se
afastar rapidamente.
Enfio as mãos nos bolsos e caminho para fora do galpão. Preciso
fumar, e não apenas um cigarro, talvez três.
Capítulo 11

Algumas horas se passaram. As crianças já se alimentaram; parecia


que não comiam há dias, pelo modo como devoraram o simples lanche e as
frutas que Adryel trouxe. Em fila, cada uma tomou banho no pequeno
banheiro no canto do galpão, e, após trocarem de roupa, voltaram a se
aninhar no mesmo lugar, ainda com medo.
— O médico está esperando, Ares. — A voz de Andreas sussurra
em meu ouvido, me lembrando que Alec, o garoto, está machucado.
Dou alguns passos em direção ao grupo e faço um sinal com a mão
para chamá-lo.
— Venha, o médico está aqui para te examinar. — Digo.
Ele me olha desconfiado, mas acaba vindo.
— Mostre onde está machucado.
Alec solta um suspiro ácido e levanta a camisa. Vejo um corte na
barriga, próximo às costelas, não muito profundo, mas claramente doloroso.
O que realmente me choca são os grampos pregados na pele dele, como se
estivessem tentando juntar a carne à força. Não consigo acreditar que
alguém realmente fez isso com uma criança.
Olho para Alec, e ele me encara sem desviar, sem tremer.
O médico pede que ele se deite na maca improvisada e começa a
examinar o ferimento. Alec responde às perguntas com demora, acanhado.
Quando o médico termina, começa a remover os grampos de sua pele.
— Não está infeccionado, apesar de os grampos estarem um pouco
desgastados. — Diz o médico.
Observo atentamente, tentando captar alguma expressão no rosto do
garoto, mas tudo o que vejo em seus olhos é raiva e dor. É como se eu
estivesse me vendo nele; era assim que me sentia cada vez que meu pai
mandava seus homens me baterem.
— Isso vai doer um pouco. — O médico avisa antes de começar a
costurar.
Alec é forte. Apesar da dor evidente em seu rosto, ele não emite
nenhum gemido. Quando o médico termina, Alec se levanta com agilidade.
— Aqueles dois homens que estavam levando vocês, foram eles que
fizeram isso com você? — Pergunto.
— Sim. — Ele responde secamente.
— Você tentou fugir ou algo assim? — Insisto.
— Eles queriam machucar as meninas. — A voz dele carrega um
peso. — Elas são apenas crianças.
— Você também é, não pode enfrentar dois homens de uma vez. —
Rebato.
— Quando se está sozinho há muito tempo, tem que aprender a se
virar, senhor. — Suas palavras me atingem como um soco.
Ele finalmente se volta para as outras crianças e se junta a elas.
Ainda há muitas questões a serem resolvidas: para onde essas
crianças irão, onde vão dormir, se têm família, e como encontrá-las.
Suspiro pesadamente, passando a mão pelos cabelos.
— Tem algum orfanato que fazemos doação que aceitaria essas
crianças? — Pergunto aos meus irmãos.
— Posso verificar. — Diz Andreas.
— Seja cauteloso. Ninguém pode saber que estamos com essas
crianças ou qual será o destino delas. Qualquer informação vazada coloca
suas vidas em risco.
— Tem razão. — Concorda Adryel.
— Depois que terminarmos aqui, nos encontraremos no porão de
casa. — Aviso.

Não posso negar que estou mentalmente exausto. Meu corpo e


mente clamam por algo que alivie, algo que possa dissipar essa adrenalina.
Preciso controlar meus impulsos para não levantar da mesa de jantar e
arrastar minha esposa para o nosso quarto. Primeiro, porque ela continua
dolorida; segundo, porque preciso manter o animal dentro de mim sob
controle.
O único som presente é o barulho dos talheres se chocando. Meus
irmãos estão ocupados com o transporte das crianças para um orfanato que
conseguimos. Lá, elas serão cuidadas, passarão por exames e tentaremos
descobrir se têm família ou de onde vieram. Ao todo, eram doze crianças,
todas entre sete a 10, crianças que já conheceram o pior da vida com tão
pouca idade.
Minha esposa está indiferente comigo, provavelmente devido à
nossa pequena discussão mais cedo. Ela mal tocou na comida; apenas
brinca com o garfo, distraída.
— Por que ainda não comeu? — Minha voz chama sua atenção, mas
não o suficiente para que ela me olhe.
— Estou comendo. — Ela afirma.
— Muito pouco, não acha? — Isabella nem sequer se move ao me
ouvir.
— Vai querer controlar a quantidade de comida que eu como agora?
— Ela resmunga. — Só estou sem muita fome. — Seus lábios se franzem
em um pequeno bico.
— Venha aqui. — Minha voz soa como uma ordem, o que é um
erro, já que Isabella odeia receber ordens.
Ela coloca os talheres ao lado do prato e limpa a boca no
guardanapo com sutileza. Pela primeira vez durante todo o jantar, ela
finalmente me olha.
— Acha que sou um bichinho de estimação que você chama e eu
venho abanando o rabinho? — Há algo encantador em vê-la brava; o nariz
arrebitado, os lábios rosados e delicados, as bochechas levemente coradas.
— Acho que você é minha mulher. — Respondo. — Agora, venha.
Ela se levanta da cadeira com uma postura resiliente, alisando o
vestido florido e de alcinhas. Seus cabelos ruivos caem sobre os ombros em
suaves ondulações. Com um suspiro, começa a caminhar em minha direção,
movendo os quadris com uma naturalidade que só ela possui.
Quando ela está próxima o suficiente, puxo seu braço, forçando-a a
cair sobre mim, prendendo-a em meu colo. Envolvo sua cintura com um
dos braços, impedindo que ela tente se levantar.
— Me largue. — Suas unhas pintadas de rosa cravam-se na pele nua
do meu braço.
— Você sabe que eu gosto disso, não é? — Ela luta para se livrar do
meu aperto, mas é em vão. Sou maior e mais forte, e ela não tem chance. —
Só quero que se alimente. Eu te solto depois. — Seus movimentos cessam.
Minha mão desliza pelas suas coxas pequenas, que ela tenta fechar
instintivamente. Sinto sua tensão e os pelos do seu braço se arrepiam ao
meu toque. Gosto de ver como o corpo dela reage a mim, como se soubesse
que sou o dono.
Aproximo meu prato dela, indicando que coma.
— Essa é a sua comida. — Sua voz é baixa, mais expressiva.
— Eu sei. Pode comer do meu prato. — Sussurro em seu ouvido.
Ela se recosta contra meu peito, as pernas ainda rígidas, travadas.
— Eu quero que me solte. — Ela insiste, forçando-se novamente a
se levantar.
— Eu disse que te soltaria depois que você comesse. Não entendeu?
— Repito.
Ela solta um suspiro pesado.
— Estou sem fome. Você não pode me obrigar a comer. — Esfrego
minha barba rente ao seu pescoço, sentindo o perfume único dela.
— Não posso te obrigar, mas posso te incentivar. — Murmuro
roucamente e levo minhas mãos ao tecido do seu vestido, apertando seus
seios, o que a faz arfar e bater as mãos na mesa, como se estivesse se
segurando. — Vamos, coma. Preciso sair em alguns minutos. — Aviso,
pressionando seus seios com mais firmeza.
— Tire suas mãos de mim agora, Ares. — Sua voz sai alterada, mas
com um toque de desejo.
Sorrio contra sua pele macia.
— Não consigo, Bella mia. — Pego uma de suas mãos e abro seus
dedos, colocando o garfo entre eles. — O que sinto por você não me
permite manter minhas mãos longe. — Deslizo seus cabelos para trás,
expondo ainda mais seu pescoço, onde ainda consigo ver algumas marcas,
poucas e escondidas pelo cabelo.
Como é possível que um ser tão pequeno e frágil possa me dobrar à
sua vontade? Eu, que governo meus soldados com soberania, não consigo
controlar a mim mesmo na presença dela. Como explicar que meu coração
dispara apenas por sentir seu cheiro? Eu queimaria o mundo inteiro por essa
mulher, colocaria todos aos seus pés, seria sua sombra, seu anjo da guarda,
e a veneraria todos os dias da minha vida, até mesmo após a morte.
A mão trêmula da minha esposa segura o garfo, e com uma
respiração contida, ela leva a comida à boca, uma pequena porção,
suficiente apenas para mastigar. Não consigo reprimir meus instintos;
minhas mãos descem pela sua cintura fina, deslizando os dedos pela pele
nua de suas pernas, onde o vestido não cobre. O simples contato é capaz de
me deixar excitado. Ela é a única mulher no mundo inteiro capaz de manter
meu controle e, ao mesmo tempo, tirá-lo completamente.
— Abra as pernas para mim. — Sussurro contra seu ombro.
Ela não cede, é claro que não cederia. É da sua natureza resistir a
mim, lutar contra o que sente. Levanto seu vestido um pouco mais, o
suficiente para que meus olhos captem a cor de sua calcinha, vermelha, com
alças ajustáveis e renda. Seria fácil arrancá-la com um único puxão.
Vejo-a tremer sobre mim, suas unhas arranhando a mesa como uma
gatinha manhosa recebendo carinho.
— Continue comendo. — Ordeno, cortando o ar.
O silêncio da sala de jantar me permite ouvir a respiração pesada da
minha esposa, e, mais uma vez, sua mão se firma no garfo, levando-o à
boca.
Deslizo a ponta dos dedos pela sua calcinha, sentindo o tecido
úmido e suas pernas se apertarem instintivamente uma contra a outra.
— Abra as pernas para o seu homem. — Peço novamente, agora
com um tom rouco e autoritário.
Ela parece amolecer ao som da minha voz, e, com dificuldade,
mastiga a comida, levando outra pequena garfada à boca. Aproveito a
brecha que preciso, usando minhas mãos para separar suas pernas,
posicionando-as abertas, uma de cada lado. Com o caminho livre, deslizo
minha mão para dentro da sua calcinha, encontrando sua boceta quente,
molhada e excitada.
Um gemido escapa dos lindos lábios da minha esposa, e não poderia
me sentir mais sortudo por ser o único a ouvi-lo. Eu mataria qualquer um
que ousasse sequer imaginar estar no meu lugar.
Suas unhas, que antes arranhavam a mesa, agora se cravam em meu
braço, com uma força que nem imaginei que ela tivesse. Exploro sua boceta
com meus dedos até enfiar dois deles dentro dela. Um novo gemido,
acompanhado de um pequeno sobressalto, faz seu corpo tremer no meu
colo, mas a mantenho firme contra mim, impedindo que ela se levante. Ela
não tem permissão para isso.
Começo a movimentar meus dedos lentamente, sentindo-a ficar
ainda mais molhada. Sua cabeça tomba para trás, colidindo com meu peito,
enquanto seus dentes mordem os lábios, tentando conter os sons que
ameaçam escapar. Seu peito sobe e desce rapidamente, quase como se
estivesse correndo e exausta.
Aumento o ritmo, indo mais fundo, e o corpo pequeno da minha
esposa se contorce sobre o meu.
— Coma, eu vou me ocupar aqui. — Murmuro, passando minha
barba pelo seu rosto. Ela balança a cabeça, obedecendo à minha ordem, e
volta a atenção para o prato de comida.
Uso o polegar para estimular seu clitóris, intensificando ainda mais
seu prazer. Sinto as paredes da sua boceta pulsando e se apertando em torno
dos meus dedos. As unhas dela se cravam ainda mais fundo em minha pele,
tão profundamente que podem até sangrar, mas a dor é insignificante.
Seus gemidos são abafados e ofegantes. Quando percebo que ela
está prestes a atingir o clímax, aumento a pressão no seu clitóris, fazendo-a
se desmanchar e gozar em meus dedos.
Meu braço, envolto na sua cintura, sustenta seu corpo exausto. Mas,
ao olhar para o prato sobre a mesa, percebo que ainda está cheio.
— Você ainda não terminou. Vamos de novo. — Digo, beijando a
pele do seu ombro enquanto meus dedos ainda dentro dela espalham sua
lubrificação.
— Eu… estou cansada. — Ela ofega, o perfume dos seus cabelos
enchendo o ar.
— Enquanto você não terminar, não vou deixar que se levante. —
Reforço, apertando sua cintura com mais firmeza.
Sua resposta é se esfregar em um movimento de cavalgada nos meus
dedos, me instigando. Sorrio, satisfeito, e volto minha atenção para sua
intimidade.
Não faço nenhuma pausa enquanto enterro meus dedos na pequena e
apertada boceta, deixando um rastro de beijos em suas costas, expostas pelo
vestido.
— Me desculpe por isso, mas não consigo resistir à tentação de
marcar você. — murmuro contra a pele do seu pescoço, mordendo
suavemente a região sensível. Não uso muita força, apenas o suficiente para
deixar a marca dos meus dentes, para que, quando ela se olhar no espelho,
se lembre que, mais uma vez, se entregou de bom grado a mim.
Minha esposa empurra o prato de porcelana para longe ao terminar
sua refeição, limpando a boca com o guardanapo. Posso ver sua pele
irradiando calor novamente, tremendo sob o efeito de outro orgasmo, mais
forte que o primeiro.
— Ares… Por favor. — Choraminga, meu nome escapando de seus
lábios como um pedido, tornando tudo ainda mais delicioso.
— Diga meu nome de novo. — Rosno, prendendo seu pescoço com
a mão frouxa. — Diga que quer gozar. — Sussurro.
Ela ofega, voltando a apertar meu braço com as unhas.
— Eu quero… — As palavras saem com dificuldade. — Ares, eu
quero gozar. — Vejo suas bochechas pálidas ganharem um tom rosado, e
suas pupilas dilatam.
Ela não sabe, mas tudo o que ela me pedir com essa voz eu darei.
Seu corpo se deita completamente no meu peito, abrindo ainda mais
as pernas, se permitindo o orgasmo. Seus olhos se fecham, me impedindo
de vê-los se revirar de prazer. Retiro meus dedos da sua calcinha,
colocando-a de volta no lugar, e levo os dedos à boca, sugando o líquido,
degustando-o.
Deposito um beijo na bochecha da minha esposa e a levanto do meu
colo. O tom rosado das suas bochechas ainda não desapareceu, e seus olhos
evitam os meus, como se estivesse envergonhada pelo que acabamos de
fazer.
Alcanço seu queixo, acariciando-o com o polegar.
— Mais tarde, eu lhe darei mais. Descanse.
Ela tenta recuperar a postura, alisando o vestido.
— Não pense que vou ficar esperando por você.
Balanço a cabeça em negação, emitindo um som de desaprovação
com a língua.
— É bom me esperar, de preferência acordada. — Dou um último
olhar pelo rosto e corpo da minha esposa, ansiando por possuí-la no final da
noite.
Sem dizer mais nada, viro-me e saio da sala de jantar.

Posso ouvir os ecos dos gritos que um dia soltei dentro dessas
paredes. Eu era apenas um garoto, clamando por misericórdia. Agora, sou
eu quem faz os demônios implorarem por piedade.
A sala escura revela os dois corpos pendurados como animais
prestes a serem empalhados, como pedaços de carne aguardando para serem
desossados. As correntes os seguram pelos pés, de cabeça para baixo. Já
estive nessa posição antes, e sei o quão desconfortável é. Mas imagine
passar três dias assim.
Eu suportei quinze. E pode ficar bem pior, especialmente se você
tentar se balançar para se soltar, a corrente só aperta ainda mais. Aproximo-
me da mesa de utensílios, procurando algo que desperte minha curiosidade
para testar. É difícil escolher, pois acho que já usei de tudo.
— Vocês não começaram sem mim, não é? — pergunto aos meus
irmãos, que não estão muito longe.
— Eu passo. — Andreas responde quase de imediato.
Viro-me abruptamente para os dois e arqueio uma sobrancelha para
meu Sottocapo.
— Como são dois, um para cada. — Meu irmão sorri de lado,
animado com a ideia. — Eu fico com o da direita. — proponho, voltando a
escolher minha ferramenta de tortura.
Minha mão alcança um alicate, grande e específico para arrancar
unhas e dentes.
— Não vai escolher? — pergunto a Adryel.
— Já escolhi. — ele responde, tirando sua faca prateada da bainha.
Acho que nunca o vi sem ela. Nenhum de nós três é mais letal do que
Adryel com aquela faca.
Solto um longo suspiro, fechando os olhos por um instante, sentindo
o ambiente ao meu redor enquanto dou espaço para o demônio dentro de
mim assumir o controle.
Com alguns passos, me aproximo da minha presa. O homem parece
ter a minha idade, talvez um pouco mais. Seus olhos se arregalaram ao ver
o objeto em minhas mãos, mas ele não emite nenhum som; sua boca está
selada por camadas de fita adesiva.
— Soltem as correntes. — Ordeno, e logo o homem desaba no chão
como um saco de batatas, nojento e desprezível.
Abaixo-me o suficiente para agarrar a gola de sua camisa,
arrastando seu corpo até a cadeira de tortura. Ele tenta resistir, mas dois
socos no estômago o fazem gemer de dor. Mal sabe ele que este é apenas o
primeiro dos muitos gritos que dará hoje.
Lanço-o na cadeira, prendendo seus punhos e tornozelos com as
algemas de ferro, impedindo qualquer tentativa de fuga. Meu Sottocapo
apenas me observa, alisando a ponta de sua faca com os dedos, aguardando
o momento certo para usá-la contra o outro rato que sobrou.
Seguro o alicate firmemente, meus olhos fixos no homem agora
preso. Nunca perguntamos seus nomes ou quem são; apenas sabemos que,
se vieram parar aqui, é porque merecem sofrer sem misericórdia.
— Bem, você já sabe por que está aqui. Ninguém que se senta nesta
cadeira se levanta com vida, mas eu sempre dou algumas opções: você
responde o que eu quero saber, e eu lhe dou uma morte rápida, ou você
sofre lentamente. Isso pode durar noites, talvez muitos dias, dependendo de
quanto seu corpo aguenta. — Seus olhos frios e aterrorizados me encaram.
— Vou fazer uma demonstração.
Posiciono o alicate na ponta de seu dedo, apertando a unha. Sem
aviso, puxo de uma só vez, arrancando-a. O homem se debate na cadeira,
mas é inútil; ela foi projetada para isso, quanto mais você se mexe, mais ela
aperta seus músculos. O sangue escorre, mas é pouco comparado ao quanto
eu pretendo fazer esse desgraçado sangrar.
— Agora que já entendeu, podemos conversar. — Tiro minha faca e
passo-a sobre a fita que cobre sua boca, sem cerimônia. O homem cospe e
murmura uma maldição.
— Filho da puta. — ele xinga.
Minha língua estala em uma risada.
— Isso vai ser divertido. — Posiciono o alicate em outra unha e
puxo com brutalidade. O homem grita, se debatendo em agonia. — Para
onde vocês iriam levar aquelas crianças? — pergunto, sentindo a raiva
queimar em meu peito.
— V.A.I S.E F.O.D.E.R. — ele cospe, desafiadoramente.
— Resposta errada. — Sem aviso, arranco mais uma unha, e o som
do seu grito me faz gargalhar. — Você não tem muitos dedos sobrando,
então seria melhor falar. — Aconselho.
O sangue começa a pingar no chão, o som estimula o meu lado mais
monstruoso.
— Está só me acariciando. — a voz dele soa debochada,
acompanhada de um sorriso cínico.
Meu sangue ferve, e antes que perceba, fecho o punho e acerto seu
rosto.
— É fácil bater em um homem que nem pode se defender, não acha?
— ele zomba, rindo.
Seguro a gola de sua blusa, aproximando nossos rostos.
— Não pense que vou cair no seu joguinho. No máximo, vou
arrancar sua pele enquanto você continua vivo. — Ameaço. — Alguém me
traz a porra do meu uísque! — grito para um dos meus irmãos.
Arrasto uma cadeira de madeira do canto da sala para a frente do
prisioneiro e me sento. Procuro o maço de cigarros no bolso do meu paletó,
destacando um e o colocando nos lábios. Acendo-o com o isqueiro, dando
uma longa tragada antes de soltar a fumaça na direção do homem. Ele está à
beira da dor insuportável, mas ainda tenta manter a compostura.
— Vou perguntar mais uma vez: para onde vocês levariam aquelas
crianças? — encaro seus olhos profundos, esperando uma resposta.
Ele permanece em silêncio, me arrancando um suspiro de
impaciência. Com um gesto, sinalizo para que meu irmão comece a
“brincar” com o outro prisioneiro.
Andreas me entrega um copo de uísque, e eu tomo um gole
generoso, sentindo o líquido queimar minha garganta. Observo enquanto
meu irmão inicia sua tortura. Sua faca começa a marcar o rosto do homem
com um corte profundo. Libertado da fita que cobria sua boca, o homem
geme em tormento, mas o pior ainda está por vir. A faca prateada do meu
sottocapo rasga a camisa do prisioneiro ao meio, revelando seu peito nu.
— Para quem vocês levariam aquelas crianças? — pergunto,
soprando a fumaça do cigarro para o alto.
— Não vou responder. — o homem sentado à minha frente diz.
Minha mandíbula se trava, e eu defiro um soco em seu rosto, mais forte do
que o primeiro.
— Não está levando a sério quando digo que vou arrancar sua pele
enquanto você ainda estiver vivo, não é, seu filho da puta? — Apago o
cigarro na pele nojenta dele e pego minha faca, rasgo sua camisa,
começando a cortar em torno de uma tatuagem em seu peito, preparando-
me para removê-la.
— Tire as mãos de mim, seu italiano desgraçado! — ele rosna, e
balança o corpo, fazendo a cadeira apertar seus braços e pernas.
— Achei que gostasse de carinho. — provoco, abrindo um pequeno
corte entre a carne e a pele. O homem geme de dor.
— Para, seu filho da puta! — Ele grita, e eu franzo o cenho,
sorrindo de lado.
— Mal começamos. — ignoro seus pedidos e continuo enfiando a
faca em sua carne.
— Eu falo… Merda tira essa faca. — me afasto um pouco,
observando sua súplica.
— Está disposto a cooperar só porque vou arrancar sua tatuagem
pareceu fácil demais? — minha pergunta o faz tremer. Dou mais um gole no
meu uísque, degustando enquanto pondero.
— As crianças… Para onde as levariam? — pergunto novamente.
— Para o laboratório. — ele sussurra com a voz cansada.
— Laboratório? — repito, balançando o líquido no copo com
impaciência.
— É onde os órgãos são extraídos e separados para os compradores.
— minha boca seca, e um silêncio pesado envolve a sala.
Aquelas crianças não seriam apenas vendidas; seriam assassinadas,
e seus órgãos removidos. As doze crianças… Aquilo me atinge como um
soco, e a imagem do menino tentando proteger os outros me vem à mente.
— Está dizendo que iria arrancar os órgãos daquelas crianças
inocentes? — Minha voz sai alta, movida pela raiva. — Seu filho da puta!
— meu punho se fecha e acerto seu maxilar, em seguida, seu olho. Não
consigo me controlar, não sei onde meus socos estão acertando. Continuo
golpeando sem parar, mesmo quando ouço meus irmãos me chamando.
Suas vozes parecem distantes demais para serem ouvidas.
Sinto alguém tocar meu ombro, mas ainda assim continuo
golpeando o rosto do desgraçado, até que o sangue respinga no meu rosto, e
percebo que estou esmagando o cérebro dele com minhas mãos.
— Irmão, ele já está morto. — a voz de Andreas rompe finalmente a
névoa na minha mente.
Pisco, vendo o que minha falta de controle causou, o que minhas
mãos fizeram… Não é a primeira vez que isso acontece. Quando a raiva
toma conta, eu fico cego, e quando volto a mim, o estrago já está feito.
Não me arrependo, afinal, o miserável mereceu. Mas eu ainda tinha
muitas perguntas para fazer. Meus olhos encontram os de meus irmãos, e
eles sabem que cheguei ao meu limite. Eles já me viram assim vezes demais
para não perceberem.
— Eu posso dizer o que quiserem, desde que me deem uma morte
rápida. — o outro homem, implora, temendo que sua cabeça tenha o mesmo
destino que a do parceiro.
— Podemos terminar por aqui e te atualizar amanhã. — Adryel
sugere, percebendo meu estado.
Respiro fundo e olho para minhas próprias mãos. Sei que tudo está
sob controle; meus irmãos são as pessoas em quem mais confio no mundo.
— Certo. — é a única palavra que consigo formular antes de sair da
sala.
Paro diante da porta do quarto onde sei que minha esposa está.
Minha mão para no ar, segurando a maçaneta. Penso em como preciso
beijá-la e sentir seu corpo junto ao meu, mas hesito, temendo machucá-la.
Não quero ver aquela expressão de medo em seu rosto.
Decido dormir no quarto de hóspedes. Não seria a primeira vez.
Quando eu era casado com Sophie, dividimos raramente a mesma cama, eu
tinha medo de ter surtos na frente dela. Preferia que dormíssemos em
quartos separados. Mas agora, casado com Isabella, algo mudou. Desde que
nos casamos, dormimos juntos todas as noites.
Capítulo 12

Ares
— Ele continua vivo e pode nos ser útil com mais informações —
disse meu sottocapo, referindo-se ao homem preso em nosso porão, ou ao
que sobrou dele.

A atmosfera no escritório está tensa. O que sabíamos até agora era


perturbador: as crianças resgatadas estavam de fato destinadas a passar pelo
território de Don Mário, e pior, teriam seus órgãos traficados.

Volto minha atenção para Andreas, meu irmão do meio, que está
absorto no laptop à nossa frente.

— Porque está com o computador do nosso pai, Andreas? Algo


relevante para nossa investigação? — pergunto.
Ele pigarreou, os olhos fixos na tela, e virou o laptop para mim.

— Nosso pai não era do tipo que deixava pontas soltas, mas como
ele e Mario tinham negócios juntos, eu supus que talvez encontraria algo no
seu computador. — ele explica. — e eu tinha razão, encontrei algo que vai
te interessar. — disse, enquanto meu sottocapo se aproximava,
posicionando-se atrás da minha poltrona.
— Estes são os extratos de transações entre nosso pai e Don Mário
— aponta Andreas. — Além disso, há também transações feitas para
Adriano Rucci, o antigo contador do nosso pai.

Adriano… ele fugiu da Sicília assim que soube da morte do nosso


pai. Ele sabia que eu iria atrás dele, então se escondeu como um rato. A
última notícia que tivemos dele foi que ele foi visto em Nova York, está
condenado à morte se pisar na Sicília novamente.

Adryel, que estava recostado na parede atrás de mim, intervém.

— Acho que essa é uma boa oportunidade para caçarmos Adriano.


Já sabemos onde ele está, e com a ajuda de nossos aliados, não será difícil
encontrá-lo.

— Concordo com Adryel. Adriano sabe muito sobre os podres de


nosso pai, e se quisermos descobrir algo sobre Mario, precisamos dele —
Andreas acrescenta.

Refletindo sobre as possibilidades, pressionei as mãos contra o


rosto, ponderando.

— Como você sugeriu a ideia, Adryel, você irá até Nova York atrás
dele — propus, observando o sorriso que se forma no rosto do meu irmão.

— Certo, quando posso ir? — Ele pergunta com uma animação


evidente.

— Hoje à noite. Leve alguns homens de confiança — instrui, e ele


assente.— Andreas, quero que descubra o mais rápido possível quem são as
famílias daquelas crianças.

— Isso pode demorar um pouco. Nosso prisioneiro disse que elas


vieram de diversos lugares — Andreas coçou a nuca, preocupado.

— Sei que você conseguirá. Quanto àquelas que não tiverem


família, providencie documentos para poderem ser adotadas — instruo.

— E quanto aos traidores da organização? — pergunta meu irmão


mais novo, esse ainda é um problema.
— Ainda não temos nada concreto. Todos estão à espreita — digo
pensativo. — A propósito, Andreas, arrume alguns convites para as
mulheres da nossa organização. Isabella pretende fazer um evento com elas
no sábado.

— Então você a convenceu a jogar do nosso lado? — Andreas me


observa com um olhar curioso.

— Ainda não falei com ela sobre isso — confesso, inclinando a


cabeça para trás.

— Acha que ela já está grávida? — ouço o murmúrio de Adryel.

Balanço a cabeça, frustrado.

— Não há nenhum sintoma aparente, e não é por falta de tentativas.


Estamos casados há pouco tempo, uma gravidez pode demorar um pouco,
mas estou começando a ficar impaciente — suspirei com exasperação.

— Espere por alguns meses. — aconselha Andreas. — como você


mesmo disse, ainda são casados há pouco tempo.

— Esse é o problema, não tenho tempo, não posso esperar mais


quatro anos… — solto um suspiro em desânimo.

Os dois se entreolham e entendem o que eu quis dizer, desde que


decidi que Isabella seria minha esposa, o destino dela foi traçado junto ao
meu, a um motivo pelo qual ela deve engravidar de um filho meu.

Isabella
Ao rolar meu braço na cama, percebo que estou sozinha. Um vazio
profundo invade meu peito com a certeza de que passei a noite só. Esperei
por ele, mas ele não veio… Isso deveria ser normal, algo para o qual eu já
deveria estar preparada. Nem todas as noites ele vai estar comigo; essa foi
apenas a primeira de muitas.

Deslizo meus dedos pelo travesseiro ao meu lado, ainda impregnado


com seu cheiro familiar. Resisto à tentação de prolongar o momento e me
forço a levantar. Caminho até a suíte, onde faço minha higiene pessoal.
Troco de roupa, optando por um macaquinho azul com amarrações nas
costas, soltinho e fresco, perfeito para o verão. Desço para o café da manhã,
mas peço a Angélica que me sirva no jardim.

Tomando ar fresco, observo o céu azul da manhã enquanto rolo o


feed de notícias no celular. A governanta logo chega, depositando a bandeja
de café na mesinha ao meu lado.

— Angélica. — chamo seu nome antes que ela possa se afastar


novamente.

— Sim. — responde de imediato. Ela é uma senhora de meia-idade


com cabelos arrumados em um coque apertado e vestida com seu uniforme
preto impecável. Desde que cheguei, ela sempre me tratou muito bem.
Talvez seja apenas por respeito, por eu ser a mulher do seu chefe, bem
diferente da minha sogra, que mal faz questão de olhar na minha cara.

— Você pode preparar alguns petiscos para mim no sábado? Vou


receber as mulheres da organização e quero que tudo saia perfeito. — Digo,
levando a xícara de porcelana à boca.

Ela acena com a cabeça e sorri gentilmente.

— Claro, senhora.

— Obrigada. — agradeço, retribuindo o sorriso.

Assim que Angélica se retira, volto minha atenção para o café, mas
a tranquilidade da manhã é interrompida pela visão de uma figura alta se
aproximando. De longe, posso ver seus cabelos escuros e as íris verdes que
se destacam, mesmo à distância.

Seus olhos me devoram com aquele olhar intenso e penetrante, mas


eu rapidamente desvio o olhar para minhas próprias mãos, agora unidas
sobre o colo. Não quero falar com ele; não quero ouvir que ele quebrou
nosso acordo. Ele para por um momento, observando-me, como se tentasse
decifrar cada movimento meu. Está vestido com elegância, o perfume
masculino que exala dele é inconfundível, mesmo estando ainda a alguns
passos de distância. Seus cabelos caem sobre a testa, dando-lhe um ar
provocante que sempre me desarma.

Ele se aproxima, e meu coração acelera, embora eu lute para manter


a calma. Sua sombra para ao meu lado, mantendo uma postura imponente,
com as mãos relaxadamente enfiadas nos bolsos.
— Onde você dormiu? — A pergunta escapa dos meus lábios antes
que eu pudesse me conter, a curiosidade e a mágoa se misturando em minha
voz.

Viro-me para encará-lo, buscando qualquer pista nos olhos dele.


— Esperou por mim? — embora saiba muito bem a resposta, ele
quer me ver admitir.
Umedeço meus lábios e aperto as mãos contra o tecido do macacão.

— Fizemos um trato, caso não se lembre. — O lembro, mesmo com


o frio na barriga.

O silêncio nos envolve e sinto a necessidade de me levantar, de sair


dali antes que o desconforto se torne ainda maior, mas quando tento me
erguer, ele agarra meu pulso. O toque envia um pequeno choque pelo meu
corpo, a eletricidade da pele dele contra a minha.
— Honro todos os meus acordos, e não falharia com o nosso — Sua
voz é grave.
— Então, onde esteve essa noite? — Insisto, determinada a obter
uma resposta.
Estamos próximos, tão próximos que posso sentir sua respiração
quente contra meu rosto, e o perfume dele envolve meus sentidos.
— Eu tive que lidar com alguns problemas — Sua resposta é curta,
quase fria, mas por ora, decido me contentar com ela. Sua mão se move até
meu rosto, tocando-o com carinho, um gesto que se tornou habitual entre
nós. — Mas fico feliz que tenha me esperado. — Ele sorri, um sorriso
malicioso que conheço bem.

— Eu dormi, não esperei por você. Não se gabe por isso — Retruco,
mantendo o olhar fixo no dele, recusando-se a ceder à provocação.

Ele retira a mão, e a ausência do toque me deixa com uma sensação


de vazio. Volto a me sentar, e ele puxa uma cadeira ao lado para fazer o
mesmo, sua presença ainda imponente.

— Queria contar com sua colaboração em algo — fala, estreitando


os olhos, mas eu mantenho minha curiosidade sob controle.

— O que seria? — Pergunto, segurando a xícara de café entre meus


dedos.

— Quero que me conte qualquer coisa que você achar estranho


durante o evento com as mulheres. — Ajusto minha postura, deixando a
xícara suavemente sobre à mesa.

— O que exatamente você quer de mim, marido? — Questiono, com


uma pitada de ironia na voz, enquanto encaro seu rosto.

Ares inclina o corpo para mais perto, aproximando-se entre a mesa e


eu, a cabeça levemente inclinada para o lado.

— Quero sua lealdade, que não esconda nada de mim — diz


olhando fixamente dentro dos meus olhos, minha mão se apoia no queixo,
absorvendo suas palavras.

— Se quer que eu te ajude com algo, deve me contar o que está


acontecendo. Acho justo — exijo, observando seus olhos revelarem uma
impaciência crescente.

— Estamos com alguns traidores dentro da nossa organização, que


estão entregando nossas rotas para um inimigo, e precisamos descobrir
quem são essas pessoas. Consegue me compreender? — Ele explica.
Aceno com a cabeça. Sei bem o que ele quer dizer com “traidores”;
são aqueles que desonram o código, que juraram servir à Cosa Nostra com a
própria vida e agora escolheram trair.

— O que vai fazer quando descobrir quem são esses traidores? —


Pergunto.

Um meio sorriso surge em seus lábios, acompanhado por um olhar


enigmático.

— Quando alguém trai a organização, deve pagar com a própria


vida, bella mia. Essas são as regras — declara. — O que quero é que você
fique atenta a qualquer informação que possa ser útil para mim — seus
olhos procuram os meus.
Respiro fundo, deixando que o ar entre em meus pulmões enquanto
puxo a xícara de café novamente entre os dedos, tomando um gole para
tentar acalmar os nervos.

— Tudo bem, posso fazer isso — concordo, vejo seu rosto suavizar.
Ares se levanta, mas antes que possa se afastar, eu o interrompo.
— Também tenho algo a pedir — seus olhos percorrem meu corpo,
antes dele se inclinar em minha direção.

— Diga.
— Posso ir visitar o túmulo de minha mãe hoje?

Ele permanece em silêncio por um breve instante, como se


ponderasse minha solicitação, seus olhos buscando algum sinal de incerteza
no meu rosto. Mas logo assentiu.
— Enzo vai acompanhá-la — afirmou, retomando sua postura rígida
e autoritária. Não era uma sugestão; era uma ordem, eu poderia sair de casa,
mas seria acompanhada por um de seus homens.

— E também gostaria de ir a uma livraria — acrescentei


rapidamente, antes que ele pudesse se afastar.
— Pode ir — com um gesto meticuloso levou a mão ao bolso
interno do paletó, retirando uma carteira, e de dentro dela puxa um cartão.
— Use o cartão. — Ele me estende para mim, os dedos roçando os meus de
forma breve, mas o suficiente para que eu sentisse a frieza em seu toque.

Eu aceito sem hesitar, afinal, eu realmente preciso. Observo o cartão


com seu nome gravado em dourado.
— Quanto posso gastar? — pergunto de forma ingênua.

Ele apenas dá de ombros, como se a resposta fosse óbvia e sem


importância.
— Quanto achar necessário.

— Certo, obrigada. — agradeço, oferecendo um sorriso gentil, ainda


com os dedos correndo sobre o cartão. — Depois eu te devolvo.
— Não precisa. O cartão é seu para usar com seus gastos. E se
precisar de outro, me avise.

Precisar de outro? Quantos cartões black esse homem tem.


— Nos vemos no jantar — ele se distancia um pouco, A simples
menção do jantar me fez reviver os eventos da noite passada. Senti o calor
subir rapidamente ao meu rosto, minhas bochechas ardendo de vergonha.

— Sim — foi tudo o que consegui murmurar, meus olhos desviando


para o chão enquanto ele se afasta, caminhando em direção ao carro que o
aguardava.

Dou um passo atrás do outro, sentindo o vento brincar com meus


cabelos. Quando sofri aquele acidente, não perdi apenas a minha mãe, mas
também todas as memórias que tive com ela. Queria tanto poder recordar
como ela era, nem mesmo uma única foto eu tenho. Tudo o que sei foram
meus tios que me contaram. Tudo o que vivi antes do acidente foi apagado
da minha memória, não me lembro, por mais que eu me esforce.
— Enzo, pode me esperar aqui — aviso ao soldado do meu marido,
responsável pela minha segurança.
— Minhas ordens são para não deixá-la sozinha — ele responde
prontamente.

Eu devia me acostumar a ter alguém me seguindo por todo canto


que vou, para me manter segura, mas não posso deixar de sentir o quanto
isso me incomoda.
— É um cemitério, não vou sair voando — dou de ombros enquanto
os passos do homem soam atrás de mim.

— Não tenho nada contra a senhora, apenas estou fazendo o meu


trabalho — diz o homem.
Paro meus passos e viro rapidamente para ele, cruzando os braços.

— Quero que pare de me chamar de senhora, me chame apenas pelo


nome.
— Mas…

— Mais nada. Quando me chama de senhora, me sinto uma idosa.


— Sei que ele quer rir da situação, mas se esforça para manter uma postura
séria.
Avisto o juazeiro com o nome da minha mãe e acelero o passo,
deixando Enzo para trás. Seguro o buquê de flores e me agacho para
colocá-las sobre a pedra.

— Oi, mãe. — murmuro baixinho.


Enzo fica a uma distância respeitável, e agradeço por isso. Não
quero que ninguém me veja chorar. Meus olhos se enchem de lágrimas, e é
impossível segurar que algumas escorram pelo meu rosto. Abraço meus
ombros como se pudesse me consolar. A falta que sinto dela é maior do que
a raiva por ter me deixado sozinha neste mundo. Tive que aprender tantas
coisas, vi as coisas como realmente são, apenas um mundo cruel, com
pessoas cruéis.
Não sei quanto tempo fico ali agachada, encarando o nome na
lápide, mas me assusto com um toque no meu ombro e vejo Enzo bem
próximo de mim. Tento secar meu rosto com a ponta dos dedos, para não
demonstrar fragilidade.
— É melhor irmos, está começando a chover. — ele avisa,
estendendo um lenço para mim. Não sei exatamente como reagir, então
apenas aceito.

Ao entrar no carro, fico em um breve silêncio até que me


recomponha.
— Vamos passar na livraria antes de ir para casa, preciso comprar
livros novos — digo.

Enzo assente, passando um olhar pelo retrovisor. Em poucos


minutos, paramos em frente a uma loja com uma grande placa de indicações
na entrada. Enzo me acompanha sem dizer uma palavra, parecendo tão
quieto que quase não parece estar me seguindo.
Quando escolho o que preciso, uso o cartão que meu marido me deu
e faço o pagamento. Voltamos a entrar no carro em um silêncio profundo,
enquanto a chuva lá fora começa a aumentar.

Ares
Meu celular vibra sobre a mesa, arrancando minha atenção da pilha
de papéis à minha frente. Um número desconhecido pisca na tela, mas, sem
hesitar, atendo.

— Alô? — falo, levando o aparelho ao lado do rosto.


Do outro lado, uma risada seca e carregada de cinismo soa,
imediatamente fazendo meus sentidos aguçarem.
— Como vai? — eu imediatamente reconheci, A voz asquerosa de
Don Mario.

Não perco tempo.


— Se ligou para pedir a devolução da sua mercadoria, está perdendo
seu tempo. Não vou devolvê-la — disparo, ríspido, cortando qualquer
tentativa de cordialidade.

Há um breve silêncio, antes que ele responda, mais cauteloso.


— Liguei para negociar. Você tem algo que me pertence, e eu tenho
algo que peguei de você. — sua insinuação faz meu sangue ferver, e meu
punho se fecha com força sobre a mesa.
— Não tenho interesse em fazer negócio com um verme como você.

Ouço sua risada atravessando a linha, cruel e cheia de malícia.


— Não se trata apenas de mim. Pessoas muito mais influentes estão
esperando por essa mercadoria, Ares. Estou disposto a fazer uma troca:
devolvo suas armas se me devolver as crianças — ele insiste.

— Vá para o inferno, Mario! Não vou deixar que toque em um


único fio de cabelo daquelas crianças! — minha voz explode de raiva, a
visão turva de ódio.
— Seu pai era mais flexível… e menos idiota — ele murmura.

— Meu pai deve estar gritando no inferno agora… o mesmo lugar


para onde você vai. — respondo com uma promessa ameaçadora.
— Está mesmo me ameaçando? — pergunta com desdém.

— Apenas revelando o seu destino, Mario.


— Soube que você se casou novamente. Meus parabéns. Já contou a
ela sobre mim… — ele zomba, e o sangue gela em minhas veias.

— Eu juro que vou caçar você, seu miserável. Nem pense em se


aproximar da minha esposa! — rosno.
Ele ri novamente.

— Cuidado, Ares… ao contrário de você, eu sei cada passo que


você dá — ele insinua, referindo-se ao traidor em nossa organização e
encerra a ligação.
Mal tenho tempo para respirar antes de me mover. Dou alguns
passos rápidos pela minha sala, e me dirijo à sala de Andreas. Nós dois
temos escritórios próprios dentro da empresa, e como viemos juntos esta
manhã, sei exatamente onde o encontrar.

Sem hesitar, abro a porta de forma abrupta, invadindo, meu irmão


sequer tem chance de dizer algo. Com um movimento brusco, jogo meu
celular sobre a mesa dele.
— Mario acabou de me ligar. Tente rastrear o sinal — ordeno com
certa urgência.

Andreas me encara por um momento, perplexo.


— O que ele queria?

Passo a mão pelos cabelos, tentando processar os últimos minutos


da conversa.
— Ele quer negociar… — começo. — Ofereceu uma troca pela
mercadoria que roubou de nós.

Os olhos de Andreas estreitam, sua expressão fica séria.


— E o que você disse? — A pergunta dele é cautelosa, mas já
conhece minha resposta.

— Recusei qualquer tipo de negociação. Eu não vou entregar


aquelas crianças, Andreas! — minha voz sai dura e com convicção. — Ele
mencionou que pessoas influentes estão envolvidas nessa merda toda.
Andreas franze a testa, ponderando.

— Deputados? Presidentes? — Ele sugere.


Dou de ombros.

— Não sei, mas vamos descobrir.


Minha atenção volta para o celular sobre a mesa.

— Consegue fazer o que pedi? — Andreas pega o celular,


examinando-o com cuidado.
— Considerando que ele provavelmente usou algum hacker para
desviar o sinal para outro lugar, vai ser complicado, mas vou tentar.

— faça o mais rápido possível. — Meu irmão assente e retorno pelo


mesmo lugar que entrei.
Capítulo 13

Isabella
Ajeito o vestido com a ponta dos dedos, observando minha imagem
no espelho. Os cabelos caem suavemente sobre os ombros, presos em um
penteado elegante. Escolhi um vestido vinho, quase preto, discreto e
sofisticado, perfeito para uma matriarca. A cor realça minha pele branca, e
o corte delineia minhas coxas sem exageros. Arrumo a postura, os ombros
retos, e um olhar decidido.

Com um suspiro contido e um sorriso meticulosamente ensaiado,


saio do quarto, caminhando em direção ao jardim. Estou nervosa, não posso
negar, mas não há espaço para pensar nisso. As primeiras visitas estão a
caminho, e preciso estar à altura do papel que me foi imposto.

Enquanto cruzo a sala, encontro um dos meus cunhados e meu


marido conversando. Sei que Adryel está fora, resolvendo algum problema
da organização, embora Ares não tenha mencionado detalhes. Andreas,
sempre reservado, me cumprimenta com um aceno de cabeça, mantendo a
distância habitual.

— Oi, Bel. — diz, sua voz desprovida de emoção.

— Oi. — Respondo com um leve sorriso, que não alcança os olhos.

Andreas logo se afasta, seguindo para o caminho do escritório. É


então que sinto a presença de Ares se aproximando.

— Está linda. — Ele comenta, seus olhos me analisando de cima a


baixo.

— Obrigada. — agradeço sem demonstrar muita satisfação.

Pela nossa diferença de altura é preciso erguer a cabeça para encará-


lo. Há uma mistura de orgulho e possessividade em seu olhar. Ele então
fixa o olhar na minha barriga, não preciso de muito para entender o que se
passa em sua mente.

Ainda não estou grávida.

— Quero que me avise se alguma delas não te respeitar como deve.


— diz.

Entrelaço as mãos à frente do corpo, tentando dissipar o nervosismo.

— Não vou deixar que elas me intimidem, Ares. Eu sei me defender.


— respondo.

Ele sorri, um sorriso de satisfação. Sua mão grande se aproxima do


meu rosto, repetindo o gesto que conheço tão bem, acariciando minha
bochecha com uma ternura inesperada. Meus pés permanecem firmes no
chão, mas o perfume masculino que ele exala ameaça embriagar meus
sentidos.
— É melhor que eu vá logo. — Murmuro, tentando me afastar do
contato que, por mais que me confunda, também me atrai. — Tenho que ver
alguns detalhes com Angélica. — Sinto o suor frio nas palmas das mãos.

Caminho até o jardim, observando cada detalhe ao meu redor. De


longe, avisto a silhueta de uma mulher de cabelos escuros. Quando nossos
olhares se encontram, vejo a raiva ardendo em seus olhos verdes. Ela não
disfarça o desprezo que sente por mim, e eu, por minha vez, não me permito
recuar. Mantenho o queixo erguido, devolvendo seu olhar com firmeza.

Seus saltos finos ressoam contra o mármore ao redor da piscina, os


passos calculados, como se preparasse um ataque. Não me dou ao trabalho
de cumprimentá-la, apenas ignoro sua presença e sigo meu caminho para
receber as convidadas.

Elas chegam aos poucos. Não conheço nenhuma daquelas mulheres,


nem sequer seus nomes, mas mantenho a fachada receptiva. Cadeiras e
mesas estão dispostas no jardim, como havia solicitado, e faço o possível
para me enturmar, não por vontade própria, mas para extrair qualquer
informação que possa ser útil ao meu marido. Cada sorriso é forçado, cada
palavra é medida. Sei que muitas delas não me aceitam, e hoje pretendo
acabar com essa resistência.

— Oi. — Uma garotinha loira se aproxima, curvando-se levemente


em um gesto educado. O vestido delicado que ela usa realça a pele clara, e
seus olhos azuis brilham com inocência.

— Oi. — Respondo, embora meu olhar se perca nos sussurros ao


redor.
— Você também está entediada? — A garotinha me pergunta com
uma honestidade desconcertante, e eu paro para observá-la. Os cabelos
loiros caem até os ombros, e ela veste um adorável vestido azul Parece um
anjo, julgo que tenha cerca de sete anos.

— Um pouco. — Admito, sorrindo pela simplicidade de sua


pergunta.

— Eu não gosto de vir a esses eventos chatos, só venho pela


comida. — Ela confessa, levantando as sobrancelhas, arrancando de mim
uma risada sincera, mas que logo contenho.

— Qual o seu nome, querida? — Pergunto, impressionada com sua


esperteza.

— Mia Greco. — responde, o nome ecoa na minha mente, trazendo


uma vaga lembrança de tê-lo ouvido em algum lugar.

— O que acha de comer alguma coisa? — Sugiro, vendo o rosto da


menina se iluminar, para logo depois murchar.

— Mas minha tia vai dizer que estou sendo mal-educada. — Ela
sussurra, seus olhos brilhando com um toque de preocupação.

Balanço a cabeça, tentando tranquilizá-la.

— Você não está sendo mal-educada. — Asseguro. — Se está com


fome, pode ir. — Indico a grande mesa posta que Angélica preparou.

Mia não hesita, caminhando até a mesa e servindo-se de um pouco


de tudo. Em seguida, ela se senta em uma mesa desocupada, e eu a
acompanho.

— A senhora é muito bonita. — Ela comenta com sinceridade de


criança, enquanto devora os petiscos despreocupadamente. Noto uma
pequena marca em seu braço, uma marca que reconheço como um beliscão.
Sei bem o que são, pois já ganhei muitas.

— Obrigada, querida. — Respondo.

Desvio o olhar por um momento para algumas mulheres que


conversam ao longe e solto um suspiro frustrado.

— Não ligue para essas velhas sujas, a senhora é melhor que elas.
— Mia afirma rapidamente, me fazendo rir.

— Por que pensa isso? Elas disseram algo? — Pergunto, tentando


disfarçar o interesse.

Ela me observa, inclinando-se levemente.

— Esma e Marta passam horas na minha casa falando com minha


tia. Eu acabo ouvindo uma coisa ou outra, mas por favor, não conte a
ninguém que eu disse. — Sussurra, e eu escuto cada palavra com atenção.

O nome Esma acende um alerta em minha mente. Ela é a mulher


que ouvi no banheiro falando de mim para outra.

— Seu segredo está seguro comigo. — Digo, para ganhar a


confiança da garota. Afinal, ela pode me ser muito útil.

— Mia, você poderia me dizer qual daquelas mulheres é sua tia? —


Pergunto, tentando não parecer demasiado interessada.

— Sim, minha tia Sierra está naquela mesa ali. — Ela aponta com o
pequeno dedo discretamente.

Assenti e me levanto, caminhando até a mesa que Mia indicou. Há


três mulheres sentadas ali, e não é difícil imaginar que sejam as mesmas
cobras que cochichavam sobre mim no banheiro.
— Olá, senhoras. — Cumprimento-as com a educação e elegância
que me foi ensinada. — Estão sendo bem servidas? — Pergunto, sorrindo
com uma ironia sutil que não passa despercebida.

— Está tudo ótimo. — Responde uma delas, uma mulher de coque


impecável no topo da cabeça.

— Bom, aprendi a organizar um evento muito bem, como podem


ver. — Provoco.

Passo os olhos pelas três com o queixo erguido, mostrando firmeza e


controle.

— Nunca duvidamos disso. — A tia de Mia responde, tentando


sorrir, mas o sorriso é frouxo, forçado. — Ficamos muito empolgadas
quando recebemos o convite. — Completa.

Sorrio com desenvoltura, sem perder a postura.

— Organizei este encontro porque ouvi alguns boatos de pessoas


questionando minha posição ao lado do meu marido. — Comento, pegando
uma taça de champanhe assim que o garçom passa perto da mesa. — Quero
colocar essas pessoas em seus devidos lugares. — Ergo a taça e tomo um
gole, sem desviar o olhar das três, que não escondem o espanto.

— Mas o que dizem sobre você não é mentira. — A voz afiada de


uma das mulheres, com o cabelo puxado em um coque rígido, corta o ar,
carregada de veneno. — Afinal, você é uma bastarda da máfia, sem
iniciação. Não pode esperar que te respeite como se fosse uma de nós.

Sinto um calor subindo pelo meu pescoço, mas mantenho o rosto


impassível. A raiva borbulha dentro de mim, mas me recuso a dar o gosto
de verem minha reação. Em vez disso, me aproximo mais, sustentando o
olhar dela com frieza.

— Engraçado como as pessoas gostam de falar quando se sentem


ameaçadas. — vejo a mulher piscar, surpresa com minha tranquilidade. —
Mas vou esclarecer algo para vocês. — Dou um passo à frente, me
posicionando de maneira que minhas palavras atinjam a todas na mesa. —
Minha posição ao lado do meu marido não se deve ao meu sobrenome ou à
minha linhagem. Ela foi conquistada, e eu não preciso de aprovação de
ninguém, muito menos de quem se esconde atrás de fofocas e cochichos.

As duas outras mulheres trocam olhares, claramente


desconfortáveis, enquanto a tia de Mia se remexe na cadeira.

— Se há uma coisa que aprendi nesse mundo, é que respeito se


conquista, mas medo… medo se impõe. — Meu olhar se estreita, minha voz
baixa o suficiente para que só elas ouçam. — E se alguma de vocês ousar
questionar minha posição novamente, eu garanto que vão aprender a
diferença entre os dois.

A mulher que antes me desafiava se inclina levemente para frente,


sem desviar o olhar de mim. Um sorriso sutil e quase condescendente curva
seus lábios.

— Peço desculpas se minha intenção foi mal interpretada ou se, de


alguma forma, a desrespeitei. — Sua voz soa suave, quase conciliadora,
mas há uma ponta de astúcia em suas palavras. — Eu apenas quis
compartilhar fatos, nada mais.

— Entendo, não vou levar em consideração. — digo

As três mulheres não ousam dizer mais nada, e posso ver a tensão
em seus ombros, o desconforto evidente em seus olhares. Satisfeita, deixo
que um sorriso controlado curve meus lábios antes de me afastar.

— Aproveitem o evento, senhoras. — despeço.

Caminho com elegância até o outro lado do jardim, onde algumas


convidadas conversam perto das mesas de aperitivos. Solto um suspiro
quando já estou longe, aliviada.

Depois de alguns minutos, faço um breve discurso de agradecimento


por aceitarem o convite e vindo à minha casa. Digo a elas que podem contar
comigo para o que precisarem. À medida que o relógio se aproxima das seis
horas, as mulheres começam a se levantar para se despedir. Percebo que
alguns olhares mudaram; já não são de julgamento, mas talvez de uma nova
forma de respeito ou, pelo menos, de cautela. Recebo cada uma delas com
um sorriso sereno, e atenta a qualquer coisa.

Após um longo banho de banheira, coloquei um pijama confortável


e me preparei para deitar. Enquanto retornava do closet, meus passos
desaceleraram ao avistar uma figura grande parada junto ao parapeito da
janela. Reconheci imediatamente quem estava ali, mas continuei
caminhando em direção à cama.

Ele se virou rapidamente ao perceber minha presença. A camisa


com os três primeiros botões abertos revelando um pedaço da sua tatuagem
com pequenas ondas e as mangas arregaçadas até os cotovelos. Seu rosto
não exibia qualquer traço de emoção, e em seus olhos tão verdes quanto
esmeraldas, não consegui ver nada além de frieza.

— E então, como foi? — perguntou meu marido, fixando seu olhar


penetrante em mim.
— Correu tudo bem. — respondi, tentando soar casual, embora me
sentisse um pouco dispersa, estou exausta.

Ouço seus sapatos tocando o chão pelo quarto, enquanto ele se


aproxima. Permaneci sentada na cama, olhando para ele ao se postar diante
de mim.

— Descreva o que significa ‘tudo bem’. — Sua voz é baixa, seus


olhos me analisam como se procurassem qualquer indício de falsidade.

Ergui minha cabeça, mantendo o olhar com o dele.

— Não ouvi nada que pudesse te interessar, se é isso que quer saber.
— Respondi, tentando manter o tom despreocupado. — Não é como se elas
fossem burras o suficiente para sair por aí confessando que seus maridos
são traidores, esse tipo de coisa ninguém sai dizendo. — Dei de ombros.

Seu corpo se inclina sutilmente sobre mim, me forçando a deitar na


cama. Ele me cobre por completo, seu tamanho me imobiliza. O cheiro de
bebida misturado ao seu perfume masculino invade meus sentidos, e sua
respiração se funde à minha.

Ele encosta a cabeça em meu pescoço e inspira profundamente,


como um lobo marcando sua fêmea. Meu peito sobe e desce em um ritmo
irregular, tomado pelo nervosismo.

Todas as noites em que fui sua são suficientes para me lembrar do


quanto meu corpo anseia pelo dele. Cada centímetro da minha pele traz sua
marca, reivindicada por ele.

O contato de sua barba na minha pele me provoca um arrepio que


percorre minha espinha, despertando um frio na barriga. Fico imóvel,
apenas observando enquanto seus dedos desenham traços delicados sobre o
meu ombro.

— Se vai me foder, faça logo. Não tente transformar isso em algo


carinhoso. Eu sei que sou apenas uma barriga de aluguel para você —
murmuro, deixando a raiva transparecer na minha voz.

Ele para por um instante. Seus olhos se estreitam, e o calor de seu


corpo parece intensificar a tensão sufocante entre nós.

— Se fosse só isso, por que eu me casaria com você? Por que te


daria meu sobrenome e o respeito ao meu lado?

Eu não respondo, minha garganta apertada pelo ressentimento que


arde em meu peito.

Ele desliza os dedos pelo meu rosto até alcançar meu queixo,
forçando-me a encarar seus olhos.

— Agora você pode não entender, mas um dia vai perceber que eu
não estou interessado em fazer filhos, mas sim em engravidar você — seu
hálito quente sopra em meu rosto.

— É o mesmo — respondo áspera, tentando manter a dureza na voz.

— Te garanto que não é o mesmo, bella mia — ele sorri, um sorriso


sedutor. — Mas se prefere que seja rápido e sem significado, posso te dar
isso. — Seus dedos apertam meu queixo com um pouco mais de força,
forçando-me a encarar seu olhar. — Só não finja que não gosta de estar em
meus braços.

Sua confiança me enfurece, mas também me desarma. O jeito como


ele me olha, como se me desafiasse a negar o que ele já sabe, mexe comigo
mais do que eu gostaria de admitir.
— E se eu disser que não sinto nada? Que para mim, isso não passa
de uma obrigação? — Tento manter o tom firme, mas a dúvida me trai.

Seu rosto se inclina sobre o meu, quase colando nossos lábios e ele
sussurra.

— Você estaria mentindo, e eu te puniria por isso.

Sinto meu coração acelerar, uma mistura de raiva e desejo tomando


conta de mim. Tento desviar o olhar, mas ele não permite, segurando meu
queixo com firmeza.

— Talvez esteja apaixonada.

— Eu não estou apaixonada por você! — rebato rapidamente, minha


voz sai alta, sinto meu coração descompassar a cada batida maldita.

Ele se aproxima ainda mais, uma de suas pernas se encaixando entre


as minhas, me deixando sem saída. Ares sorri, aquele sorriso predador que
me faz estremecer, mordendo os lábios em provocação.

Sua mão desliza sobre meus seios, parando no meio deles. Com a
palma firmemente posicionada, ele sente meu coração disparar, e é nesse
momento que me sinto traída pelos meus próprios sentimentos.

— Não minta. — ele murmura, os olhos verdes fixos nos meus.

Ofego ao sentir sua mão deslizar entre minhas pernas. Eu poderia


dizer que desprezo estar embaixo dele, sentindo o calor da sua pele contra a
minha, mas estaria mentindo.

Seus lábios encontram os meus em um beijo devorador, quente e


cheio de desejo.
Capítulo 14

Ares
— Alguma notícia sobre Adryel? — pergunto distraído.
Já fazia alguns dias que meu irmão havia saído em busca de
informações sobre Adriano, o antigo contador do nosso pai. No entanto, ele
ainda não havia dado notícias, e a falta de informação estava me deixando
nervoso.
A ligação que recebi de Don Mário foi rastreada, mas, como
Andreas havia previsto, o sinal foi interferido e redirecionado para algum
lugar na Itália apenas para nos distrair. Apesar de os negócios estarem indo
bem, sempre devo esperar o pior, pois tenho traidores entre nós.
— Ainda não há nada relevante. Nossos aliados estão tentando nos
ajudar, mas sabemos que encontrar Adriano não será fácil. Ele está há
muitos anos escondido. — Andreas responde, recostando a cabeça na
parede ao lado da janela.
— Conseguiu devolver as crianças para suas famílias? — pergunto,
movendo meu copo de uísque para mais perto de mim.
— Sim, a maioria foi buscada pelos pais. Outras viviam nas ruas,
então consegui providenciar para que fossem adotadas. — Ele faz uma
pausa antes de continuar. — Trouxe alguns papéis da empresa que precisam
ser assinados. Já li tudo, então é só assinar. — Meus olhos se dirigem à
pequena pasta deixada sobre minha mesa. — Ivan Baranovskiy oferecendo
a mão da filha dele em troca de uma aliança. — meu irmão diz como se
tivesse acabado de lembrar.
— O que você acha disso? — pergunto, ajeitando-me na poltrona
para ouvir melhor.
— Seria uma boa aliança, considerando que os Baranovskiy são
muito influentes dentro da Bratva.
Levo um gole de uísque à boca, sentindo a bebida queimar minha
garganta.
— Bom, eu já sou casado, mas vocês dois ainda precisam de uma
esposa. — comento, ponderando a ideia.
Meu irmão limpa a garganta.
— A moça não me interessa. — responde com um tom de ofensa. —
E também não acredito que nosso irmão queira se casar, você o conhece.
E eu conheço. Adryel não é o tipo de homem que se compromete
com uma só mulher.
— Faça uma ficha sobre a garota e me entregue. Se for uma boa
opção, eu encontrarei uma maneira de convencer nosso irmão a aceitar.
Andreas assente e me deixa sozinho na sala. Procuro uma caneta
para assinar os papeis que me foram entregues, quando a tela do meu
celular acende, exibindo o nome de uma mulher. Era a quinta vez que ela
ligava, e sua insistência começava a me irritar.
Serena continuava a me procurar insistentemente, mesmo após eu
ter deixado claro que nosso caso havia terminado. O sexo com ela era bom;
ela me permitia fazer o que quisesse, aceitava meu lado bruto e nunca se
importou com a forma como eu a tratava na cama. Mas sempre avisei que
era apenas sexo, uma diversão temporária.
Tentando evitar mais estresse, desbloqueio meu celular com um
movimento automático. Navego até a lista de chamadas e, com um suspiro
resignado, bloqueio o número de Serena.
Algumas horas se passaram até que minha secretária bate à porta,
anunciando sua entrada. Ela é uma mulher com mais de quarenta anos, que
trabalha na empresa desde que nos a fundamos. Conhece a organização e
não se opôs a trabalhar para nós.
Com um gesto, ela ajusta os óculos redondos sobre o nariz e estende
um pequeno papel que, pelo formato e detalhes, parece ser um convite.
— Isso chegou para o senhor na portaria — informa, colocando o
convite cuidadosamente sobre à minha mesa.
— Quem o deixou na portaria? — pergunto, um tanto confuso.
— Não sei, senhor — responde, com um tom de desculpas. — Com
licença.
Ela se retira, seguindo o mesmo caminho que fez ao entrar na sala.
Sem conseguir conter a curiosidade, desdobro o convite de uma vez
só e vejo o nome do remetente Giovane Santinni um convite para uma festa
em um de seus clubes.
Não posso evitar um sorriso de surpresa diante da audácia de
Giovane. Embora já tenhamos sido muito amigos, a relação mudou após a
morte de Sophie. Giovane desenvolveu um ódio por mim, acreditando que
sou responsável pela morte de sua irmã. Esse sentimento é recíproco e não
me esforço para provar o contrário.
Hesito por um momento se devo ir ou não, mas penso que seria
muita desfeita deixar meu ex-cunhado decepcionado.

Isabella
Estou distraída regando algumas flores no jardim, um canteiro de
orquídeas que plantei há poucos dias. Conversar com as plantas pode
parecer estranho para alguns, mas para mim, é uma forma de terapia.
— Senhora. — A voz gentil da governanta ressoa atrás de mim. —
Chegou algo para você. — Olho por cima do ombro e vejo a mulher parada
na porta da estufa, a poucos passos de distância.
Não me lembro de ter feito nenhuma encomenda recentemente.
Sacudo rapidamente meu vestido e retiro as luvas de jardinagem.
— Já vou. — Aviso, passando por ela com um pouco de pressa.
Assim que entro na sala, avisto a caixa vermelha sobre a mesa de
centro. Seu tamanho médio não diminui minha curiosidade. Pego-a com
cuidado e subo com ela para o quarto. Percebo que meu nome e sobrenome,
está escrito na embalagem.
Sento-me na cama e, com uma mistura de ansiedade e expectativa,
abro o pequeno bilhete pregado na tampa da caixa.
“Espero que eu tenha acertado no tamanho. Esteja pronta às sete.
Preciso que me acompanhe a uma festa.”
Ares M.
A assinatura do meu marido encerra a mensagem. Meu coração
acelera ao pensar nele, traído pela emoção.
Respiro fundo e coloco o bilhete de lado. Desfaço o laço da caixa e,
ao abri-la, revelo um vestido preto. A parte superior é um decote em
formato de corpete, coberto de brilhos, e uma enorme fenda na lateral. O
vestido é simplesmente perfeito, com um ajuste que parece feito sob medida
para mim. Me pego pensando como um homem poderia escolher um
vestido tão bem.
Mordo o lábio, dando uma volta com o tecido colado ao corpo
diante do espelho, admirando o resultado.

Estou sentada na beira da cama, tentando colocar um dos saltos
altos. Ouço a porta do quarto se abrindo e, sem desviar o olhar, levanto os
olhos para ver quem entra. Ares para na entrada, e nossos olhares se
encontram. Por um instante, parece que o mundo ao nosso redor se dissolve,
deixando apenas o silêncio entre nós.
— Estou quase acabando — digo, voltando a me concentrar no
salto. O vestido longo torna o processo um pouco difícil, mas continuo
tentando, ignorando sua presença.
— Quer ajuda? — ele pergunta, movendo-se em minha direção.
— Não, eu consigo — respondo, mas ele se aproxima e, com um
gesto, tira o salto da minha mão.
Solto um suspiro, mas não protesto. Com calma, ele coloca meu pé
no chão e desliza o salto, ajustando-o com cuidado. Repete o processo no
outro pé e, ao terminar, se levanta, colocando as mãos nos bolsos e me
observando atentamente.
Levanto-me da cama, tentando me equilibrar em meus pés, e ajusto
o vestido na minha cintura.
— Ficou perfeito. — comenta, satisfeito ao ver que o vestido
escolhido se ajusta em meu corpo, deixando minhas curvas acentuadas.
— Sim — respondo, dando um passo para trás. Decidi que, se quero
evitar me apaixonar por ele, preciso manter uma distância emocional,
mesmo que não possa evitar o contato físico.
— Você ainda precisa se arrumar. Vou esperar por você na sala —
digo, girando sobre os calcanhares para sair. No entanto, uma mão firme me
impede, pressionando minha pele com seus dedos.
— Seu cabelo… — ele murmura, enquanto sua mão alcança o
grampo que usei para prender meu cabelo em um coque. — Não gosto que
use ele preso.
Sinto um leve aperto no peito e mordo o lábio, lançando um olhar
irritado para ele.
— Eu tive trabalho para fazer isso… — falo frustrada. Sacudo a
cabeça, permitindo que os fios soltos caiam suavemente sobre meus
ombros.
— Prefiro assim — diz, com um tom de possessividade, sinto sua
aproximação nas minhas costas, o calor de seu corpo próximo ao meu. Seu
rosto se inclina entre meu pescoço e meus cabelos. Sua respiração quente
acaricia minha pele. — Gosto de como ele é volumoso, perfeito para que eu
possa puxar — ele faz uma pausa, seus lábios tocando minha pele em um
beijo sutil que faz meu corpo se incendiar, aperto minhas mãos ao vestido.
Imóvel. — Gosto de como ele é Vermelho como o fogo, e principalmente,
gosto do seu cheiro. — sua respiração quente sopra sobre meu pescoço,
antes que sua língua trace um caminho pelo meu pescoço beijando minha
nuca. — não vou demorar. — avisa dando um espaço entre nós e segue para
a suíte.

Enquanto entrávamos naquele lugar, percebi os olhares fixos em


nós, e me perguntei por quê. Não parecia ser um evento da máfia, apesar da
formalidade do ambiente. Por mais curiosa que estivesse, decidi me manter
em silêncio e continuei caminhando com o braço entrelaçado ao de Ares.
Andreas e Enzo nos seguiam de perto, enquanto mais dois
seguranças permaneciam do lado de fora. Fomos levados a uma área VIP,
de onde podíamos ver todo o espaço ao nosso redor.
— Ares. — uma voz desconhecida chamou por ele atrás de nós.
Ao me virar, me deparei com um homem bem-vestido, de olhos
castanhos e cabelos loiros. Ele não parecia velho, talvez tivesse a mesma
idade de Ares. Evitei encará-lo diretamente, mas senti seu olhar sobre mim.
— Não esperava que viesse. — o homem comentou, se
aproximando.
Ares respondeu com um tom ácido, sem se importar em disfarçar:
— Você me convidou, não seria educado recusar.
O desconhecido então desviou o olhar de Ares para mim novamente,
me examinando minuciosamente, me deixando um pouco desconfortável
— Esta é sua esposa? — perguntou, sem desviar o olhar.
— Sim, mas não sinto necessidade de apresentá-la. — Ares
respondeu, cortando-o com frieza.
Fiquei sem saber como reagir ou o que dizer. O loiro soltou um
suspiro e sorriu de forma contida para meu marido.
— Sendo assim, eu me apresento. Sou Giovane, ex-cunhado de
Ares. — diz ao revelar uma informação que me deixou surpresa. Ele era o
irmão da falecida esposa de Ares. Antes que eu pudesse processar
completamente, ele continua — E você deve ser Isabella. Prazer em
conhecê-la.
— Ah... Oi! — respondi, totalmente sem jeito diante da situação.
Outro homem se aproximou de Giovane, cochichou algo em seu
ouvido, e logo se afastou. Giovane nos deu um último olhar antes de falar
novamente.
— Espero que se divirtam. Lamento não poder dar mais atenção,
tenho algo a resolver. — diz, fixando os olhos em Ares. O ódio no olhar de
ambos era palpável.
Percebi que, apesar das formalidades, havia algo mal resolvido entre
eles.
Ainda tento processar a informação que acabei de receber, e sinto
um frio gelado na minha barriga.
— Quer beber alguma coisa, cunhada? — Andreas pergunta,
tocando meu ombro.
— Apenas água, por favor. — respondo, e ele assente, se afastando
para providenciar.
De repente, uma mulher surge praticamente do nada à nossa frente,
segurando uma câmera. Pelo crachá pendurado em seu pescoço, deduzo que
deve ser uma colunista de algum jornal.
— Posso tirar uma foto? — ela pergunta com um sorriso
entusiasmado.
Ares balança a cabeça em concordância, e a mulher se aproxima.
Ela parece jovem, talvez um pouco mais velha que eu, o que não me deixa
cogitar, que se eu não fosse esposa de um mafioso, poderia ser uma mulher
normal assim como ela.
— Podem se juntar um pouco mais? — pede ela, ajustando a
câmera.
Antes que eu possa reagir, sinto a mão possessiva de Ares ao redor
da minha cintura, puxando-me firmemente contra ele. Meu corpo é
praticamente arrastado para a frente dele, de modo que meu rosto fica
alinhado com o seu peito. Sou forçada a inalar seu perfume, sorrio
discretamente, sem mostrar os dentes, enquanto mantenho o queixo erguido
e coloco uma das mãos no smoking impecável do meu marido.
O som do clique da câmera indica que a foto foi tirada. A colunista
agradece brevemente e desaparece na multidão tão rapidamente quanto
apareceu.
Pouco depois, Andreas retorna, me entregando uma taça de água
com algumas pedras de gelo e limão. Dou um gole, sentindo o líquido frio
acalmar meu nervosismo.
De longe, vejo uma mulher se aproximando de nós. Seu vestido é
provocante e exagerado, com um decote profundo que destaca seus seios
volumosos. Cada passo que ela dá é calculado, não posso deixar de
perceber seus olhos fixos, no homem ao meu lado, meu marido.
— Boa noite. — ela diz, com uma voz insinuante. — Oi, querido.
Pisco meus olhos, incrédula. Será que escutei direito?
Ela realmente chamou o meu marido de “querido”?
A maneira íntima e desinibida com que ela o cumprimenta me deixa
irritada. Sinto meu coração apertar dolorosamente no peito.
— Sou Serena. — a mulher se apresenta, cheia de autoconfiança.
Não sou ingênua. O modo como ela está vestida, o olhar lascivo que
lança em direção a Ares, tudo indica que há algo entre eles.
— Uma velha amiga de Ares. — Ela completa com uma
tranquilidade que beira a provocação.
Procuro nos olhos do meu marido algum sinal, qualquer coisa que
desminta o que meus instintos estão gritando. Mas o que vejo é o
desconforto com a presença da mulher loira de olhos azuis piscina.
— O que você está fazendo aqui, Serena? — Ares pergunta, a voz
cheia de irritação. Tento me afastar, mas sua mão me segura com firmeza,
me puxando de volta para junto dele.
— Fui convidada por Giovane. — Ela responde com um sorriso
debochado que me dá enjoo.
Eu não posso mais suportar isso. Não quero ser a tola que fica
parada enquanto seu marido conversa com uma amante bem na sua frente.
Como ele pode fazer isso comigo? Quebrar a promessa que me fez, me
humilhar dessa forma?
Sinto meu coração se apertar até parecer que vai explodir, mas faço
um esforço para manter a compostura. Dou um suspiro rápido e encaro a
mulher, tentando não deixar transparecer o que estou sentindo, raiva.
— Preciso ir ao toalete. — digo, puxando meu braço da mão de
Ares com firmeza. — Com licença. — Levanto a cabeça, mantendo minha
dignidade, e caminho com passos firmes até o banheiro.
Entro no espaço indicado como feminino, não para chorar ele não
merece me ver assim, mas para me recompor. Coloco as mãos sobre o
mármore frio da pia, deixando que minha cabeça caia para frente enquanto
encaro o chão por alguns minutos. Respiro fundo, repetidamente, até sentir
meu coração se acalmar e bater num ritmo mais normal. Quando sinto que
recuperei o controle, levanto a cabeça e vejo meu reflexo no espelho. Jogo
um pouco de água na nuca para aliviar o calor e, em seguida, pego um
batom da bolsa para retocar.
Meus ouvidos captam o som da porta se abrindo, mas continuo
focada no espelho, sem me deixar distrair. Porém, quando vejo a figura
familiar da mulher de minutos atrás parada atrás de mim, não consigo evitar
que minha raiva volte. Mesmo de salto, não sou alta como ela. Meu corpo é
pequeno e esguio, é ela, e uma mulher com presença de modelo, peitos
grandes e uma sensualidade.
Não demonstro estar incomodada com sua presença e continuo a
passar o batom com calma, sem desviar o olhar.
— Então você é a bonequinha de luxo que ele escolheu? — Ela diz,
e levanto o olhar para encarar seu rosto através do reflexo no espelho.
— E você deve ser a piranha não assumida, presumo. — Respondo,
virando-me para ela e examinando-a de cima a baixo com um olhar de
desprezo.
— Sou o tipo de piranha que ele gosta de comer — ela retruca com
tanto orgulho que quase me faz rir.
— Que seja. — Dou de ombros, fingindo desinteresse. Começo a
me afastar, arrastando os pés em direção à porta do banheiro, mas a mulher
avança com rapidez e segura meu braço com força.
Meus olhos caem sobre a mão dela, seguem o contorno do braço até
alcançar seu rosto. Mal posso acreditar que essa mulher teve a audácia de
me tocar, cravando suas unhas na minha pele como se tivesse algum direito.
Com um movimento brusco, puxo meu braço de volta, aproximando
meu rosto do dela, apenas para que eu pudesse alcançar sua nuca e puxar
seu cabelo, ela geme e tenta se soltar, mas permaneço segurando firme,
sorrio sem deixar transparecer o menor vestígio de medo ou intimidação.
Eu sou a imperatriz, e ela? Ela não passa de um lanchinho mal comido.
— Se me tocar de novo, eu vou descolar os dentes da sua boca, sua
puta. — Declaro com tom de ameaça, e solto seus cabelos com impulso.
— Tem uma boca suja demais para uma imperatriz. — Ela zomba,
os lábios curvados em um sorriso presunçoso.
Meu autocontrole começa a se esvair. Tudo nela me irrita, o jeito
vulgar de se vestir, sua postura insolente, e, principalmente, o perfume
enjoativo que me dá náuseas.
— Acha que você é suficiente para ele, querida? — Ela continua,
com a voz venenosa. — É tão jovem e inexperiente. Você realmente acha
que consegue satisfazer os desejos dele na cama? Sabe que ele gosta de
bater e de te comer por trás? — Ela diz com uma tranquilidade que me faz
sentir pena do seu desespero em me atingir.
Sorrio ainda mais, achando cômico sua fala.
— Não que isso te interesse, mas nossa vida sexual é bastante ativa.
Eu conheço muito bem as preferências do meu marido.
Por dentro, posso estar em pedaços, mas jamais deixaria essa mulher
se divertir às minhas custas.
— Ele já foi casado antes de você, e me procurava. Não se iluda.
Você não é diferente da outra. — suas palavras e uma verdade amarga,
mas me recuso a ser atingida por elas.
— Talvez você esteja certa. — Concordo, com uma suavidade que a
desarma por um instante. — Mas ainda serei eu a única mulher a carregar
seu sobrenome. — Inclino-me ligeiramente em sua direção, mantendo meu
olhar fixo no dela. — É você vai continuar sendo lanchinho, de um homem
casado, sem valor para a sociedade, ou prestígio.
Vejo sua expressão mudar, seus olhos se estreitam, tomados por uma
raiva silenciosa. Viro-me para sair para não prolongar a conversa, mas antes
de dar o primeiro passo, paro e me viro novamente para ela, segurando um
sorriso provocativo nos lábios.
— Ah, e nunca mais ouse chamar meu marido de “querido” na
minha frente. — Deixo as palavras morrerem no ar e sigo em frente, saindo
do banheiro com a cabeça erguida.
Ares
Deveria ter imaginado que o convite inesperado de Giovane viria
com uma surpresa.
Observo as costas da minha esposa enquanto ela se afasta até
desaparecer de vista. Engulo em seco e rolo os olhos para a mulher à minha
frente. Sem sutilezas, puxo-a para um canto escuro e pouco iluminado.
— Você está me machucando. — Serena reclama, mas eu estou
pouco me importando, empurrando-a contra a parede. Ela se esforça para se
equilibrar nos saltos altos.
— O que você está fazendo aqui, porra? — Pergunto, irritado.
— Você não atende minhas ligações. Eu queria te ver. — Sua mão
tenta me tocar, mas eu me esquivo com um movimento brusco.
— Ver? Serena, não temos nada, caralho. Se não atendi suas
ligações, foi porque eu não quis. — Respondo, tentando ser o mais claro
possível.
— E por causa dela? — A pergunta é óbvia, mas ainda assim
respondo.
— Claro que é por causa dela, sou casado agora! — esbravejo.
— E por que isso mudaria algo? Você já foi casado antes e
continuamos nos encontrando. — insiste.
— Era diferente, Serena. Eu nem tocava em Sophie. Nosso
relacionamento era apenas uma fachada. Não devia nem estar explicando
isso a você. Não lhe devo satisfação alguma. — busco calma.
— Estou com saudades… — Ela murmura, aproximando-se
novamente e sua mão tenta tocar meu cinto.
— Não me toque, porra! — Minha voz soa alto o suficiente para que
ela se afaste.
— Ela não está aqui agora. Sei que também sente minha falta, sente
falta da minha boca te acariciando. — a voz da mulher e de alguém
desesperada.
— Não sinto falta de nada relacionado a você. — Respondo com
frieza, me afastando dela.
— Não pode me ignorar assim, como se eu não fosse nada! Nós nos
conhecemos há anos! — Ela tenta se aproximar novamente. — O que essa
bastarda tem de tão especial? Duvido que ela consiga te dar uma boa foda.
— desdenha entre dentes.
Meus olhos se enchem de raiva. Avanço sobre Serena, apertando seu
pescoço com força suficiente para tirar-lhe o ar. Assisto seus olhos se
encherem de lágrimas enquanto suas mãos desesperadas tentam soltar a
minha. Um sorriso de desprezo se forma em meus lábios. Aproximo meu
rosto do dela, sentindo sua respiração curta e ofegante contra a minha pele.
— Você é patética, Serena. Acha mesmo que esse corpo barato tem
algum valor para mim? — Solto seu pescoço abruptamente, e ela desaba no
chão, ofegante. — Nunca ouse tentar comparar a minha esposa.
Ela leva a mão ao pescoço, ainda em busca de ar. Seus cabelos
loiros caem em desalinho ao redor do rosto, e ela ergue o olhar para mim
com uma expressão maquiavélica, mas antes que nosso diálogo consiga
prosseguir ouço a voz de Andreas atrás de mim.
— Adryel ligou… — Ele fala em um tom baixo.
Aceno que entendi do que se trata, e sem nem mesmo olhar para a
serena última vez dou as costas.
Quando já estávamos no meio do salão, assinto para que eu fale.
— Adryel descobriu que Adriano não está mais em Nova York. —
arqueio uma sobrancelha, e ele continua. — Adriano está sob proteção da
Bratva irmão.
Não consigo evitar um pequeno sorriso de satisfação.
— Isso significa que será muito fácil pegá-lo. — declaro. — Vamos
ter um noivado muito em breve Andreas, preciso da ficha daquela garota
Baranovskiy.
Que mal tem fazer uma aliança, uma boa troca, e ainda arranjar um
bom casamento para um de meus irmãos.
— Vai aceitar a proposta de casamento de Ivan, para entregarem
Adriano. — questiona meu consegliere. — Adryel vai recusar isso.
Solto um suspiro.
— É bom ele aceitar, do contrário, a garota será sua. — rebato,
sentindo a expressão do meu irmão endurecer. — Mande ele voltar, preciso
dele aqui. — Andreas não contesta novamente.
Meus olhos se encontram aos de Isabella, ela caminha na minha
direção, sou bom em ler rostos, mas não consigo ler nada no rosto angelical
da minha esposa, além de uma raiva contida que parece transparecer de seus
olhos.
— Quero ir embora, mande Enzo me levar. — Isabella me lança um
olhar fulminante.
Nego maneando a cabeça.
— Você veio comigo, e vai voltar comigo.
A mulher solta um suspiro resignado, emoldurando um sorriso falso
ao rosto.
— Não quero ficar nem mais um minuto perto de você. — o queixo
erguido sempre erguido em desafio.
Andreas me olha de soslaio, mas não diz nada.
A pegou pela mão, guiando até o espaço perto da piscina o mais
reservado possível.
Isabella
puxo meu braço do seu agarre, de forma imediata, Ele não tem
direito de me tocar. Ares me olha perplexo, e antes que ele começasse a
dizer algo eu rompo o silêncio.
— Acha que eu sou alguma idiota, como tem coragem, me trazer
para um ambiente com sua amante. — Minha voz não deixa transparecer
abalo, suas iris verdes se fixam em mim.
— Não tenho nada com Serena. — justifica como se eu pudesse
acreditar na sua palavra. — está tirando conclusões à base de nada.
Solto um suspiro, desacreditada.
— Posso parecer ingênua, mas eu percebo as coisas. Vi como vocês
se olhavam. — Minha voz sai amarga. Ares me encara impassível, como se
minhas palavras não tivessem qualquer efeito sobre ele.
Ele dá um passo em minha direção, seu corpo grande, se
aproximando, e seus olhos me sondam.
— Já disse que eu e aquela mulher não temos nada. — fala com a
voz cheia de convicção, mas não posso deixar de notar um leve tremor de
raiva.
Ele continua se aproximando, até que posso sentir o calor que
emana dele, mas, um aroma enjoativo de perfume feminino invade minhas
narinas, me fazendo dar dois passos para trás. Em algum momento dessa
noite, eles estiveram próximos, próximos o suficiente para que o cheiro dela
impregnasse sua roupa. A raiva cresce dentro de mim, queimando meu
peito.
Inspiro profundamente.
— Já cumpri meu papel aqui. Quero ir embora. — digo friamente,
enquanto passo a mão pelos cabelos, afastando uma mecha rebelde que caiu
sobre meus olhos. Estou prestes a me virar quando sinto a mão de Ares
apertar meu pulso com força, segurando-me no lugar.
— Quem fez isso com você? — Sua voz baixa me provoca um
calafrio. Tento puxar meu braço, mas o aperto dele é firme, sua expressão
fechada, com a mandíbula travada em uma linha dura de contenção.
— Não reconhece as garras da sua amante? — Zombo, deixando a
ironia escorrer pelas minhas palavras enquanto tento, mais uma vez, libertar
meu braço do seu aperto.
Ele analisa meu braço, onde tem uma pequena, quase inexistente
marca de unhas.
— Serena fez isso com você? Quando? — Ele parece não acreditar,
mas também preocupado ao tocar a marca com a ponta dos dedos.
— Ela tentou me encurralar no banheiro. — Respondo. — Agora
me solte e mande Enzo me levar embora! — Minha voz sobe de tom,
carregada de raiva.
Seu aperto em meu braço enfraquece gradualmente, até se desfazer
por completo. Ares retoma uma postura formal. Em silêncio, ele tira o
celular do bolso e disca um número. Embora não diga nada, sei que está
ligando para meu segurança pessoal, sua expressão fria e controlada não
deixa dúvidas.
Em menos de dois minutos, Enzo chega.
— Leve-a para casa — Ares ordena com uma voz autoritária.
Não troco olhares com ele, e as palavras que queimam em minha
língua ficam presas. Sigo em direção ao carro, sentindo seu olhar frio em
minhas costas.
Capítulo 15

Ares
Com impaciência, vasculho o bolso do paletó até encontrar o maço
de cigarros. Assim que encontro, puxo um cigarro, coloco-o entre os lábios
e o acendo com a outra mão. Sopro a fumaça para o alto, descontando
minha raiva em um chute no ar.
Isabella agora acredita que estou tendo um caso com Serena e isso
me deixa mais irritado do que deveria!
— Sua esposa foi embora tão cedo… — A voz sarcástica de
Giovane rompe o silêncio, e quando ergo a cabeça, vejo-o parado a alguns
metros de distância.
Queria não pensar que ele tem um dedo sujo em toda essa confusão.
Por que mais ele convidaria Serena para este evento, senão para provocar?
Solto mais uma baforada de fumaça e respiro fundo, tentando
manter a calma.
— Não use minha esposa nos seus jogos comigo. Ela não tem nada
a ver com isso. — Finalmente me pronuncio, observando Giovane se
aproximar. — Isso tudo já faz muito tempo. Deveria esquecer o que
aconteceu.
— Como posso esquecer que você matou minha irmã? — A
acusação vem coberta de uma raiva palpável.
— Todos esses anos, você realmente acreditou que fui eu quem
matou Sophie? — pergunto, com incredulidade. — Nunca faria mal a uma
mulher sob minha proteção.
— Minha irmã amava viver. Ela jamais tiraria a própria vida! —
Giovane retruca.
Eu e Sophie éramos casados, e não posso simplesmente anular o
fato de que ela morreu.
— É fácil acusar o vilão quando ele já carrega crimes suficientes
para ser condenado, não é? — estreito os olhos, encarando-o. — Já disse e
vou repetir: eu nunca machucaria uma mulher sob minha proteção. O que
aconteceu com Sophie foi uma tragédia, mas eu não tive culpa.
Giovanni solta um suspiro, balançando a cabeça em negação.
— Não teve culpa? Que tipo de marido você era para não perceber
que ela precisava de ajuda?
— E você, Giovane? Um bom exemplo, não? Ficou anos fora,
estudando, e quando voltou foi apenas para ver sua “querida irmã” em um
caixão. — Sou sarcástico. — Não jogue toda essa responsabilidade em
mim.
A raiva de Giovane é evidente, seus olhos traindo o descontrole que
ele tenta esconder.
Sinto uma mão pesada sobre meu ombro e viro meu rosto para
encarar meu irmão ao meu lado.
Ele cumprimenta Giovanni com um aceno de cabeça, e volta a olhar
para mim.
— Ela já foi embora.
Não era difícil saber onde Serena morava, afinal eu frequentava seu
apartamento com frequência há meses atrás, peço que meu irmão me espere
no carro, e sigo para o corredor do elevador, em poucos minutos estou
enfrente a porta do apartamento, com uma única batida ela abre a porta, sua
roupa já não é um vestido de festa, foi substituído por uma lingerie, que não
me importo de ficar olhando os detalhes.
— Então você veio me procurar. — Ela sorri e abre um espaço entre
mim e a porta, no primeiro momento não quero deixá-la assustada, então
aceito e entro.
Meus passos são largos, dando uma olhada em volta da decoração.
— Vamos para o quarto. — ela oferece ao passar na minha frente.
— O que tenho para dizer a você é breve Serena. — instigo vendo o
rosto da mulher mudar a expressão. — Quanto Giovane te pagou para ir até
aquela festa?
— Não sei do que está falando, não fui paga para nada. —
resmunga, como se estivesse ofendida, mas sei que é fingimento.
Coloco as mãos no bolso e suspiro.
— Vamos, Diga logo quanto recebeu? — pergunto novamente
engrossando o tom, vendo os olhos de Serena arregalarem.
— Já disse, não sei do que está falando. — ela se mantém no seu
personagem.
Dou a volta por ela, indo até a pequena cozinha, achando a gaveta
exata onde ela guarda os utensílios de cozinha, encontro uma pequena faca
e sorrio para Serena que já sabe das minhas intenções.
— Eu não gosto de perder tempo, Serena, abre logo a maldita boca!
— falo alto.
— Ele não me pagou, só disse que eu deveria ir porque você estaria
lá, eu queria te encontrar e fui. — confessa em voz baixa, e desanimada. —
Você me chutou depois de tudo o que vivemos.
Abandono a faca e fecho a gaveta de forma bruta, não tinha intenção
de usar aquela faca, só queria que ela falasse.
— Defina tudo o que vivemos? Apenas trepávamos e você era muito
bem paga para isso. Não seja idiota.
— Você não pode me tratar assim Ares.
— Realmente eu deveria lhe dar um tratamento melhor, cortar seus
dedos por tocar na minha mulher, o que acha? — A mulher dá alguns
passos até a sala e eu a sigo com um olhar, a vendo trazer um envelope
branco.
Ela se posiciona na minha frente, como se estivesse segurando o
mundo naquele papel, e ergue para mim com serenidade, acompanhando
um sorriso extravagante.
— Não pode fazer nada comigo, porque estou grávida, e você é o
pai.
Pisco os olhos.
— Você está usando droga ou algo assim, eu não sou pai de nenhum
filho seu! — esbravejo, mas seu sorriso de cinismo fica maior.
Eu queria um filho, mas não com ela.
— Pegue e veja. — ela insiste em colocar o envelope sobre meu
peito.
Eu amasso o papel com a mão.
— Sabe que não está grávida de um filho meu, Serena, sempre usei
camisinha quando fodemos, se estiver grávida não é meu! — Respondo
com desgosto.
— Camisinhas estouram. — responde com plenitude. — Estou
grávida e você é o único na minha cama, pelas minhas contas batem com a
última vez que ficamos.
Balanço a cabeça passando meus dedos entre minha têmpora.
— isso tem mais de cinco meses. — meus olhos se atraem para sua
barriga, notando que ali nem se quer tem uma barriga de grávida.
Ela realmente acha que posso ser trouxa a esse ponto, de acreditar
que ela está grávida de um filho meu?
— Eu quero que suma da Sicília, se quer dinheiro para tirar esse
feto, posso lhe dar, mas quero que vá embora, não quero que volte a cruzar
meu caminho outra vez.
— Você está me mandando tirar o seu filho? — ela usa vitimismo, e
isso é ridículo. Serena tem 26 anos, é uma mulher vivida, deveria ter noção
da gravidade que tudo isso é. — que tipo de monstro é você!
— Esse filho não é meu, porra! — grito e bato com o punho na
parede ao meu lado. — a única mulher que vai carregar um filho meu, é
minha esposa. Estou te oferecendo uma boa opção, sei que é uma
interesseira, com uma boa quantia você pode reconstruir sua vida longe
daqui.
— Você tem que assumir o que fez! Seja homem!
— Não tenho problema em assumir um filho, mas sei que esse filho
que você diz estar esperando, não é meu. — Dou um passo à frente. — você
tem até amanhã pra sair da cidade, não me importo se nós conhecemos há
anos, tão pouco se está grávida, se entrar no meu caminho de novo, eu
acabo com você.
Abro meu palito retirando um cheque, com uma boa quantia.
— Você sabe que cumpro com as minhas promessas, então não me
teste. — a loira me olha cabisbaixa.
— Vai se arrepender disso. — ela desdenha quando dou as costas e
sigo para sair do apartamento.
Respiro um pouco desnorteado ao dar passos para o elevador.
Quando chego na garagem apenas entro no banco de passageiro, e
espero que meu irmão assuma o lugar de motorista.
— Fique de olhos nela nas próximas horas. Ela precisa sumir da
Sicília o mais rápido possível. — digo. Minha mão vai a gravata e afrouxo
o aperto.
— Mandou ela embora? — Andreas pergunta se concentrando no
volante.
— Ela agora inventou uma gravidez, não posso deixar que essa
merda se espalhe. — minha cabeça se apoia ao banco tombando para trás
em frustração.
— Ela está grávida? — A voz de meu irmão é de surpresa e com
questionamento.
— Se estiver, não é meu. — respondo ligeiramente.
— Ela te mostrou alguma prova?
— Um teste que nem fiz questão de olhar, pode ter sido forjado, e
não me importo se ela está grávida, não é meu, ponto final! — corto o
assunto. — Vamos para academia. — ordeno sobre a nosso caminho.
— Certo. — ele assente com uma única palavra.
Isabella:
Se Ares achava que tinha se casado com uma mulher que ele
poderia manipular, ele estava completamente enganado. Não vou permitir
que ele me humilhe e saia ileso. Se ele pode ser cruel e impiedoso, eu posso
me tornar seu pior pesadelo.
Nunca mostre a uma mulher o quanto ela pode ser cruel.
Escolhi meu melhor vestido, como se estivesse me preparando para
um evento de extrema importância e, de fato, este é. Sei que ele está em
casa; vi seu carro chegando alguns minutos atrás. Com passos decididos,
desço até a garagem da mansão. Não entendo de carros, por isso trouxe
Enzo comigo, mesmo ele estando confuso sobre o motivo de eu ter
praticamente o arrastado do posto de vigia até aqui.
— Qual é o carro mais caro dele? — pergunto, observando Enzo,
que mantém as mãos atrás do corpo e hesita, como se não tivesse
processado a pergunta.
— Não entendi, senhora. Está perguntando qual carro é mais caro?
— ele responde, visivelmente confuso. Eu estreito os olhos e cruzo os
braços, impaciente.
— Diga logo, Enzo. Qual o carro mais caro nesta garagem? —
exijo, elevando a voz de uma forma que nunca havia feito antes.
— Um Aston Martin. — Ele finalmente aponta para um veículo no
fundo da garagem.
Olho para o carro, avaliando-o cuidadosamente. A cor é um verde
reluzente, bonito, mas o que realmente me interessa é o valor.
— Ele é caro, tipo quanto? — pergunto, já imaginando o que farei
com aquele carro.
— Custa mais de um milhão, senhora. É um carro de colecionador.
— Um sorriso cresce em meus lábios.
Colecionador… Isso significa que é um modelo raro e difícil de
encontrar.
— Perfeito. Me dê a chave. — Estendo a mão de lado, exigindo.
— Desculpe, mas acho melhor pedir ao chefe. — Enzo responde,
hesitante.
Faço uma careta de desagrado e me viro completamente para ele.
— Ele é seu chefe, e eu sou a mulher dele, posso dar ordens tanto
quanto ele. Traga a maldita chave agora. — falo grosseiramente.
Enzo me olha cabisbaixo, claramente relutante.
— Tudo bem. — Ele finalmente se rende.
Ele desaparece por alguns minutos, mas logo retorna segurando as
chaves do carro.
— Você está dispensado. — Digo, sem desviar os olhos do carro,
sentindo uma onda de entusiasmo.
O homem não contesta e se retira.
Quando percebo que estou completamente sozinha, começo a
procurar por algo que me ajude a executar meu plano. Com tantos carros
aqui, seria impossível não encontrar um galão de gasolina. Não demoro
muito para encontrar um, guardado em um dos armários.
Caminho em direção ao carro, carregando o galão de gasolina. Dou
uma última olhada no retrovisor, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da
orelha, suspiro e coloco as mãos no volante. O toque é macio, e imagino
que seja fácil de dirigir, como qualquer outro carro convencional.
Giro a chave e começo a retirar o veículo da garagem, até o
estacionar de qualquer jeito no meio do pátio. Salto dele com o galão em
mãos, pronta para o próximo passo.
Dou uma boa olhada ao redor, certificando-me de que estou sozinha,
e começo a despejar o líquido inflamável por todo o carro. A sensação de
fazer aquilo é estranhamente agradável; sinto-me perfeitamente em paz,
sem um pingo de culpa ou arrependimento. Ele merece, merece cada
pedaço da destruição que estou prestes a causar.
O líquido escorre pelo interior e exterior do veículo, encharcando os
bancos e o metal.
— Senhora, o que está fazendo? — A voz de Enzo atrás de mim
tenta me parar, mas é inútil.
— Não está vendo? Estou destruindo o carro do meu marido. —
respondo, sem me virar.
— Não pode fazer isso… Ele… — Enzo começa a falar, mas eu o
interrompo, ainda concentrada em meu trabalho.
— Enzo, se não quiser explodir com este carro, é melhor sair daqui.
— advirto, sem levantar a voz.
— Meu Deus, o chefe vai me matar. — Ele murmura preocupado.
Ao derramar a última gota de gasolina, procuro o isqueiro que
peguei na cozinha. Tomo uma boa distância e, com um gesto preciso,
acendo a chama e arremesso o isqueiro. No primeiro momento, o carro
apenas começa a pegar fogo, então me afasto mais. Em questão de minutos,
as chamas se espalham, e vejo Enzo ameaçar apagar o incêndio, mas eu o
impeço.
— Não ouse, ou quem vai matar você serei eu. — rosno, furiosa.
Coloco as mãos nos ouvidos, antecipando o estrondo que está por
vir.
Eu estava vingada.

Ares
Andreas entra no meu escritório de forma abrupta, seu rosto pálido e
uma expressão de puro espanto.
— Sua mulher está explodindo um dos seus carros. — Ele anuncia,
quase sem fôlego, como se tivesse corrido uma maratona.
Eu não precisava que ele me dissesse. Eu já sabia.
— Eu vi. — Respondi, mantendo meu tom calmo.
Vi cada detalhe. Vi quando ela tirou o carro da garagem, estacionou
no meio do pátio e, então, o vi explodir, tudo isso de camarote/meu
escritório. Dei um leve sorriso, refletindo sobre a cena.
Acho que me enganei ao pensar que Isabella fosse ingênua.
Andreas fica em silêncio por um momento, ainda tentando processar
o que havia visto.
— E não vai fazer nada? — pergunta, a descrença evidente em sua
voz.
— Não. — Continuei saboreando meu uísque, o líquido âmbar
descendo pela garganta, enquanto meus olhos permaneciam fixos na janela,
admirando o estrago que a pequena diabinha havia feito. A fumaça ainda se
erguia do carro carbonizado.
Andreas, no entanto, estava longe de compartilhar do meu
entusiasmo.
— Lembra que ele é um carro de colecionador? — meu irmão ainda
parecia incrédulo com a minha aparente indiferença.
— Eu sei. — Dei de ombros, minimizando a perda enquanto
observava o pátio pela janela. — Ela está furiosa por ontem. — Esclareci.
Andreas se deixou cair numa poltrona, exasperado.
— Você deveria ter explicado que não tem nada com a Serena. Ela
teria deixado seu carro inteiro se soubesse. — Ele argumentou.
— Acha que eu não tentei? — Suspirei, levando o copo de uísque
novamente aos lábios. A bebida queima.
Andreas solta um resmungo irritado.
— Que droga, Ares! No próximo ano aquele carro seria meu. — Um
riso baixo escapou de mim, sua frustração era quase cômica.
— Pode escolher outro. — Ofereci.
— Aquele era um Aston! — Andreas exclama.
— Pare de resmungar. — Retruquei, com um tom de sarcasmo. —
Você deveria pegar o contato do fornecedor das bombas dela. Não são
boas? — A lembrança do incidente no nosso casamento me veio à mente,
me fazendo sorrir involuntariamente enquanto observava a fumaça densa
que ainda emanava do carro destruído.
O sorriso em meu rosto era quase estranho, uma satisfação que não
conseguia explicar.
Perdi um carro e estou feliz? O que há de errado comigo?
— Ela usou gasolina desta vez. — Andreas murmura.
Esperta. Estou orgulhoso.
— Aquela mulher com uma arma seria um perigo. — Andreas
continuou a resmungar. — Ainda bem que ela não sabe atirar.
Não sabe ainda…
A imagem de Isabella com uma arma em mãos me fez imaginar o
que ela poderia fazer. Sim, seria uma perfeição.
Fui até o lado de fora da casa, onde ela estava sentada sobre a
grama, completamente tranquila, como se não tivesse acabado de explodir
um carro que valia mais de um milhão de reais. Ela sequer notou minha
presença, tão concentrada no fogo devorando o veículo à nossa frente. Um
sorriso diabólico de satisfação curvou seus lábios, irradiando uma beleza
perversa que a tornava ainda mais fascinante aos meus olhos. Perfeita.
— Vai precisar de muito mais do que explodir um carro para me
irritar — disse, posicionando-me ao lado dela, ainda de pé, com as mãos
enfiadas nos bolsos da calça social.
— Não queria te irritar — respondeu, sem tirar os olhos do carro em
chamas. — Estava entediada e precisava fazer alguma coisa.
— E resolveu explodir meu carro para sair do tédio? — perguntei,
ainda incrédulo.
— Pensei em explodir você, na verdade. Mas me contentei com o
carro — ela se levantou, ajeitando o vestido florido no corpo, e voltou a me
encarar com aquele olhar de falsa ingenuidade misturado a uma malícia
inegável.
— Sabe quanto esse carro custava, certo? — questionei, já
conhecendo a resposta.
Ela sorriu, confirmando, é claro que ela sabia.
— Pense pelo lado positivo, marido. Eu poderia ter estragado todos
os seus carros, mas escolhi apenas um — seu pequeno corpo se aproximou,
e o aroma floral de seus cabelos me envolve, despertando em mim uma
fascinação de querer estar perto.
Que se dane o carro, eu compraria outro se ela quisesse repetir o feito.
— Não seja uma garota má, porque eu adoro punir — murmurei,
agarrando seu braço e puxando-a bruscamente, fazendo-a colidir contra
meu peito. Minha mão segurou firme sua cintura, impedindo qualquer
tentativa de fuga.
— Me solta! — Ela começou a socar meu peito com as duas mãos,
mas os golpes eram tão fracos que me fizeram sorrir diante da sua fútil
tentativa de se libertar. — Tire essas mãos de mim, seu maldito! — ralhou
como uma gata-borralheira, cravando as unhas em meu braço.
— Estou ficando excitado com isso — provoquei, observando como
ela parou de se debater e soltou um suspiro frustrado contra meu peito.
— Ares, por favor, me solte — sua voz, embora calma, ainda tinha
uma leve irritação. — Não quero que toque em mim.
Balancei a cabeça, negando seu pedido.
— Está agindo assim por ontem? — perguntei sem afrouxar o
aperto.
— Você me compra vestidos caros para me enfeitar e exibir como
um troféu, mas não honra seu compromisso comigo.
— Quantas vezes terei que dizer que eu e aquela mulher não temos
nada? — retruquei, deixando que meu corpo a encobrisse, sentindo sua
respiração pesada. — Eu sou apenas seu, Bella mia — ergui seu queixo
para que nossos olhares se encontrassem.— Você não é um troféu que quero
exibir, você é minha esposa, e eu quero que esteja sempre ao meu lado.
Fui sincero, mas minhas palavras não parecem convencer minha
pequena ruiva enfurecida.
— Você é manipulador, Ares. Não confio em você — murmurou,
desviando o olhar e livrando-se da minha mão em seu rosto.
Nesse momento, Andreas surge à minha frente, com um semblante
sombrio. Relutantemente, afastei-me de Isabella, assumindo uma postura
séria.
— Ainda vamos terminar essa conversa — avisei a ela, dando
alguns passos para longe, mas antes de me afastar completamente, nossos
olhares se encontraram novamente.
Faço um sinal para que Enzo se aproxime.
— Senhor, eu não… — meu soldado tentou se justificar.
— Ainda bem que você não a impediu — o interrompi. — Limpe
essa bagunça.
Enzo acenou e seguiu para cumprir a ordem. Quando olhei para trás,
Isabella já havia desaparecido. Ainda tínhamos uma conversa inacabada, eu
aceitei dormir longe dela na noite passada, mas isso não se prolongaria por
mais uma noite.
— O que aconteceu? — voltei minha atenção para Andreas.
— Fomos atacados — respondeu ele. — Mataram nossos homens e
levaram uma carga.
— Caralho! — xinguei, esfregando a mão no rosto em frustração. —
Quantos? — pergunto, tentando manter a calma.
— Dez — Andreas responde, com a raiva evidente em seu rosto,
refletindo a minha.
— Como isso aconteceu? — questiono. — Vamos, quero ver o
estrago.
O armazém, era um ponto de transporte de mercadorias, pouco
utilizado por ser um pouco longe do Porto. Agora o local se encontrava
detonado, o cheiro pungente de sangue fresco impregnava o ar, e os corpos,
já estavam cobertos por sacos pretos, havia várias balas no chão, o que
indica que eles foram pegos de surpresa sem tempo para reagir ao ataque.
Fiquei alguns minutos encarando uma das paredes, relutante a
acreditar que perdi dez dos meus melhores soldados.
— Precisamos liberar os corpos, para serem entregues às famílias.
— A voz grave do meu irmão me traz de volta a realidade.
Eu solto um suspiro pesado.
— Eles morreram em uma emboscada. — Minha voz sai rouca. —
Dez homens mortos. — Jogo a cabeça para trás. — Precisamos encontrar o
rato que está entre nós, ou vamos perder mais homens.
De repente, meu celular vibra no bolso. Instintivamente, o puxo para
atender, mas o número desconhecido na tela faz meu corpo ficar em alarme.
Um pressentimento me diz que seria Don Mário. Viro a tela rapidamente
para meu irmão, que me observa com os olhos estreitos, atento.
Atendo a ligação.
— Recebeu meu aviso? — A voz asquerosa e familiar de Mário
invade a linha, fazendo meu sangue ferver.
Lancei um olhar para meu irmão, que retribui com um aceno
discreto.
— O que você quer, Don Mário? Estou ocupado demais para as suas
brincadeiras.
Ele solta uma risada seca.
— Sei que está ocupado. Minhas condolências às famílias dos seus
homens, realmente foi uma perda repentina. — A zombaria em sua voz é
clara.
A raiva pulsa em minhas veias. Esse filho da puta organizou a
emboscada. Ele matou meus homens e agora se deleita com isso.
— Desgraçado! — Rosno entre dentes, a ira invade meu peito.
— Eu te avisei para devolver a minha mercadoria, Ares. Isso não se
trata apenas de mim. Há pessoas muito mais influentes do que eu nessa
pirâmide, e elas não gostam de sair no prejuízo. — Sua voz é uma ameaça.
Estalo a língua.
— Você poderia ser homem e parar de mandar recadinhos. Por que
não vem falar pessoalmente o que acha? — Provoco, sabendo que ele é
covarde demais para isso.
— Não preciso me arriscar tanto, afinal, iremos nos encontrar em
breve. Você tem algo que me pertence, e estou esperando ansiosamente para
tomar de você. — Sua voz transborda confiança.
Meu punho se fecha com tanta força que sinto os nós dos dedos
estalarem.
— Veremos, Don Mário. — o subestimo
Ele solta uma última risada, antes de desligar abruptamente.
Permaneço com o celular ainda na mão, fazendo uma força contra o
aparelho.
Meu irmão, que esteve quieto ao meu lado durante toda a ligação, se
pronuncia.
— Ele está blefando? — pergunta desconfiado.
Solto um longo suspiro.
— Não acho. — Respondo, levando a mão à têmpora. — Ele está
confiante demais.
— Vou reforçar a segurança ao redor das nossas operações. — Meu
irmão diz prontamente.
— Marque uma reunião com o conselho. — lhe direciono uma
ordem.
Andreas assente, já pegando o celular para fazer as ligações
necessárias. Sei que o conselho não ficará satisfeito em ser convocado de
última hora, mas a gravidade da situação exige uma reunião.
— O que mais precisamos fazer?
Penso por um momento.
— Precisamos rastrear as últimas movimentações de Mário. —
Digo, virando-me para encará-lo. — Qualquer encontro, qualquer
transação, quero saber onde ele esteve e com quem falou. E certifique-se de
que nossos informantes estejam atentos. Qualquer sussurro que o mencionar
deve chegar até nós imediatamente. Não podemos deixar que aquele velho
continue ditando as regras. — Meu irmão concorda. — Pode liberar os
corpos para as famílias, faça um enterro decente para cada um deles como
homens honrados. — aviso.
— Farei como pediu irmão. — Seus olhos desviam para o aparelho
celular em sua mão, e percebo que ele recebe uma mensagem. — Adryel
acabou de pousar na Sicília. — ele informa respondendo à mensagem no
aparelho.
— Mande Enzo buscá-lo. Prepare tudo para a reunião. Eu estarei lá
em breve. — Ordeno.

A reunião havia sido concluída, e eu já estava de volta à empresa,


aguardando a chegada de Adryel. Precisava urgentemente colocar em
prática meu plano para capturar Adriano. Ele é uma peça-chave para
desvendar exatamente que tipo de negócios meu pai e Mário tinham juntos.
Enquanto reviso mentalmente os próximos passos, um toque suave
na porta me faz levantar os olhos. Minha secretária está parada na entrada,
hesitante.
— Senhor, aquele policial está aqui e quer falar com o senhor. — ela
informa, com um leve tom de apreensão, esperando a autorização para
liberar a entrada de Heros.
A chegada dele me intriga. Geralmente, qualquer informação
relevante é passada para Andreas primeiro, então algo fora do comum deve
ter acontecido.
— Mande-o entrar. — ordeno, acenando para que ela siga com a
instrução. Em seguida, a mulher se retira silenciosamente.
Não demora muito para que Heros apareça na minha sala. Ele entra
com uma postura rígida, o que não é incomum, mas sua expressão de
descontentamento é. Sem perder tempo, gesticulo para que ele se sente,
enquanto coloco as mãos sobre a mesa, entrelaçando os dedos em um
triângulo, a frente ao rosto demonstrando controle.
— O que o traz aqui, Heros? — pergunto diretamente, dispensando
formalidades.
Ele, com um gesto rápido, retira um papel de dentro do colete,
deslizando-o pela mesa até mim.
— Recebi isso dos meus superiores. — diz, sem desviar o olhar.
Pego o papel e começo a ler as primeiras linhas. As palavras “Busca
e Apreensão” destacam-se imediatamente.
Levanto o olhar, confuso, sem entender de imediato o que estava
acontecendo. Por que isso agora?
— Você é muito bem pago para garantir que coisas como essa não
aconteçam. — falo irritado e arremesso o papel de volta na direção dele.
Heros mantém a compostura, e tenta se justificar.
— Não tenho controle sobre isso. — explica. — Foi enviada uma
denúncia específica para revistar sua empresa. Vim te avisar assim que
soube, para que se livre de qualquer coisa que possa incriminá-lo.
— E quem exatamente fez essa denúncia? — pergunto.
— Isso não foi informado. Apenas recebi a ordem diretamente de
cima, e você sabe que eu sou o último a ser informado sobre essas coisas
quando é algo tão grave.
— Não há nada para se preocupar, Heros. Porque nada ilegal
acontece nesta empresa. — dou de ombros. — Mas quero que Andreas
saiba dessa situação imediatamente. E você vai garantir que essa busca não
aconteça.
— Farei o que for possível.
Respiro fundo, considerando as opções. Heros é esperto o suficiente
para saber que o valor da sua lealdade está diretamente ligado à sua
utilidade.
— quero que você descubra quem está por trás dessa denúncia. Não
importa como, descubra. Andreas vai cuidar da parte prática, mas quero
saber quem está tentando nos atingir. — o direciono um olhar cerrado. —
Não me decepcione, Heros.
Assim que a porta se fecha, pego meu telefone e ligo diretamente
para Andreas.

— Não! — Adryel grita beirando a desespero. — Posso ter a mulher


que eu quiser! Por que diabos eu me sujeitaria a me prender a um rabo de
saia?
A ideia de casamento o enerva profundamente. Eu já esperava essa
reação dele, conheço meu irmão o suficiente para saber que ele nunca
aceitaria uma imposição dessas de bom grado.
— É necessário! — retruco, cruzando os braços.
— Eu não quero me casar, eu não preciso me casar, porra! —
Adryel rebate bravo.
— Em algum momento, você vai ter que se casar de qualquer forma,
Adryel. Só estou adiantando o processo. — falo em um tom controlado. —
Não estou te perguntando se você quer ou não a moça. Ela será sua! Ivan
ofereceu a mão da única filha dele a nós, e precisamos dessa aliança se
quisermos pegar Adriano. É uma troca justa.
Adryel soca a mesa com força, passando a mão pelos cabelos loiros
em um gesto agitado, sua frustração atingindo o ápice.
— Caralho! — ele berra, olhando para mim como se esperasse que
eu tivesse uma alternativa. — Não tem outro jeito? Podemos invadir.
— Não sou idiota para iniciar uma guerra com a Bratva! — recuso
categoricamente. — Quero eles do nosso lado. Precisamos dessa aliança.
Seja positivo, a filha dos Baranovskiy é bonita. — completo, jogando o
envelope com o relatório que Andreas havia preparado sobre a garota na
direção dele.
Adryel olha para o envelope como se fosse algo contagioso.
— Ela tem 19 anos, um ano mais nova que Isabella. É uma garota
bonita, bem-educada, não será difícil gostar dela. — digo, buscando
suavizar a situação. Sei que meu irmão detesta a ideia de ser amarrado a
uma mulher por obrigação, mas ele também deve entende a importância
estratégica desse casamento.
Adryel solta um suspiro longo, passando a mão pelo rosto em um
gesto cansado. Ele abre o envelope e puxa a foto da garota. Seus olhos
percorrem a imagem, analisando cada detalhe com ceticismo.
— Ela é… bonita. — admite, quase relutante. — Mas isso não
significa que quero me casar com ela.
— Você não precisa amar essa garota. — digo enquanto me
aproximo dele, a mão pousando em seu ombro. — O que precisamos é da
confiança do pai dela. Espero que aceite o que estou propondo, ou do
contrário, não terei outra escolha a não ser retirar seu cargo.
Me afasto dele, e caminho até o pequeno bar no canto da sala. Me
sirvo de uma bebida, o som do líquido caindo no copo sendo o único ruído
na sala.
— Está me zoando, Ares? — a descrença na sua voz se mistura com
a raiva, ele parece não acreditar que eu estou o ameaçando dessa forma. —
Não pode me tirar do meu cargo, porra!
Eu me viro para encará-lo, segurando o copo de uísque com uma
mão, enquanto a outra repousa casualmente no balcão do bar. Meu olhar é
firme, sem espaço para dúvidas.
— Posso. — respondo calmamente, tomando um gole da bebida.
Minha expressão é séria, sem nenhum traço de hesitação.
— Ares, você é meu irmão. — ele explode, transbordado em raiva.
— Como pode me colocar contra a parede assim?
Depósito o copo sobre o balcão com um estalo, endireitando-me e
cruzando os braços.
— Justamente por sermos irmãos, Adryel, que estou fazendo isso.
— falo, com convicção. — Se não estivermos todos na mesma linha, nosso
império desmorona. Não há espaço para vaidades ou caprichos pessoais
quando estamos lidando com inimigos. Preciso de você, mas preciso de
você no controle, não reagindo como um garoto mimado que não quer fazer
o dever de casa.
Ele me encara, seus olhos fervendo de raiva, mas sei que minhas
palavras estão começando a fazer efeito. A lealdade à família sempre foi
uma linha guia para ele.
— Merda… — murmura, balançando a cabeça. — Tudo bem, eu me
caso.
Eu sorrio satisfeito, e sento na minha poltrona, para começar um
novo assunto.
— E então soube de alguma coisa enquanto esteve em Nova York?
Capítulo 16

Isabella
Cantarolo uma música suave enquanto tomo banho, deixando que a
água morna leve consigo as espumas de sabão que cobrem meu corpo. Ao
terminar, apoio-me no vidro do boxe, alcançando uma toalha que enrolo ao
redor do corpo. Saio da suíte em passos tranquilos, sentindo a brisa leve do
ar-condicionado acariciar minha pele úmida. No entanto, ao cruzar o meio
do quarto, meu corpo dá um pequeno salto de surpresa ao perceber uma
figura relaxada na poltrona, me observando com uma presença imponente.
Era claro que uma porta trancada não o impediria de entrar. Suspiro
com uma indiferença forçada, fingindo que sua presença não me afeta, e
continuo em direção ao closet.
— Não me ignore. — Sua voz grave e autoritária congela meus
passos. Viro-me lentamente para ele, que se coloca de pé com aquela
postura dominadora que sempre exala. Seus olhos verdes percorrem meu
corpo ainda envolto na toalha, parando no meu rosto com um olhar intenso.
— Não pode ficar fugindo das suas obrigações.
Solto um suspiro de incredulidade, e cruzo os braços na frente do
meu corpo, sorrindo em desgosto
— Você fala sobre minhas obrigações, e que tenho que lhe dar um
filho, mas não é capaz de manter o pau dentro das calças. — Seguro firme a
toalha sobre meu corpo.
Observo o homem se aproximar, mas mantenho minha postura
inabalável. Ares balança a cabeça e estala a língua com uma confiança
inquietante.
— Vamos deixar algo bem claro: você é a única mulher onde o meu
pau entra. — Ele continua a caminhar em minha direção, com passos
cautelosos. — Quando coloquei essa aliança no seu dedo, me tornei seu
homem. E meus olhos, minha atenção, são exclusivamente para você.
Com um último passo, ele se posiciona diante de mim, sua estatura
imponente me envolve. Seu olhar, faminto, devora o meu, e minha
respiração torna-se irregular. Sua mão se estende, tentando me tocar, mas eu
recuo, não permitindo.
— Preciso me vestir, estou nua. — Intervenho, como se minhas
palavras pudessem conter suas intenções.
— Prefiro que fique assim. — Ele murmura, sem perder a
oportunidade de me tocar novamente. Sua mão grande desliza pelo meu
ombro nu, me afasto, escapando do seu toque.
Desprezo o sentimento que arde em meu peito, que me faz perder o
controle do meu próprio corpo. Queria poder arrancar meu coração com as
próprias mãos toda vez que ele dispara na presença desse homem.
Dou um passo em falso para trás, e ele me segura pelos ombros, mas
logo me solto do seu agarre.
— Não vou aceitar que continue me tocando enquanto se diverte
com outras mulheres por aí. — Ergo o queixo, encontrando seus olhos
verdes, buscando proteger o que resta da minha dignidade.
Ares curva os lábios em um sorriso malicioso, claramente se
divertindo com minha resistência. Minhas palavras parecem apenas
alimentar sua arrogância.
— O que mais você quer de mim? Já disse que sou apenas seu. —
Ele murmura, voltando a acariciar a ponta do meu cabelo.
— Não acredito que não esteve com aquela mulher ontem, Ares. Eu
senti o perfume dela em você. — A lembrança do perfume nas suas roupas
invade minha mente, reacendendo minha raiva instantaneamente.
Ele nem sequer demonstra ressentimento ao me ouvir; sua frieza me
faz sentir patética. O silêncio que se instala entre nós deveria confirmar que
meus instintos estavam certos. Com toda a frustração acumulada, empurro
seu corpo, mas ele nem se move. Passo por ele e me dirijo ao closet.
Queria poder conseguir odiá-lo, para que essa maldita dor no peito
finalmente cessasse.
— Estamos conversando, Isabella. Não vire as costas para mim. —
Sua voz chega até mim distante e insignificante.
Ignoro suas palavras e continuo caminhando pelo cômodo cheio de
armários.
Sou humana, não posso evitar que meus sentimentos me afetem.
Uma lágrima solitária escorre pelo canto dos meus olhos, mas eu a enxugo
rapidamente com as costas da mão. Respiro fundo e começo a procurar algo
para vestir.
Ouço o som dos passos pelo cômodo.
— Me deixe em paz. Já conversamos o suficiente. — Minha voz
treme.
Sinto o calor do seu corpo se aproximando, e meus dedos se
agarram com força à superfície de um dos armários.
— Não tenho contato com ela desde que ficamos noivos; a dispensei
há meses. Ela só foi ao evento para tentar me confrontar, por ter sido
rejeitada. — Parte de mim se sente aliviada e quer acreditar, mas a outra…
está cansada de ser descartada pelas pessoas que confio.
Respiro fundo e, ainda de costas para ele, rebato.
— Ela disse que você era casado e que vocês ainda tinham um
envolvimento, e que agora não seria diferente.
O toque repentino em minhas costas me deixa tensa.
— As pessoas sempre tentarão causar intrigas entre nós, e você
precisa aprender a lidar com isso. — Mordo o lábio inferior, sentindo sua
mão possessiva deslizar pelo meu pescoço.
— Está me dizendo que ela mentiu? — Questiono.
Seu corpo se encosta ao meu, pressionando a toalha. Estou presa
entre ele e o armário, sem escape.
— Estou afirmando que jamais trairia você. Não pelo nosso acordo,
mas porque sou completamente obcecado por você. — Sua voz sussurra
rente ao meu pescoço, enviando um arrepio pela minha pele.
Ofego, tentando recuperar o fôlego.
— E isso deveria ser o suficiente para eu acreditar na sua
fidelidade? — Pergunto, ainda lutando para aceitar suas palavras.
O aperto em minha cintura se intensifica, tornando-se quase
doloroso.
— Você pode escolher acreditar ou não, mas isso não mudará o fato
de que vou te possuir aqui e agora. — Sua voz é um comando inescapável.
Antes que eu consiga responder, ele puxa a toalha de meu corpo, e o
tecido de algodão cai aos meus pés. Suas mãos firmes repousam sobre as
minhas, pressionando-as contra a superfície de madeira, me prendendo no
lugar.
Não há mais nada que eu possa esconder dele. Ares já conhece cada
detalhe do meu corpo, já me possuiu de todas as maneiras possíveis, me fez
sentir uma puta e gostar disso, marcou cada milímetro da minha pele.
— Eu espero que esteja falando a verdade — murmuro anestesiada
pelo calor de nossos corpos,
Sinto um fogo intenso queimando, consumindo e uma sensação
conhecida entre minhas pernas. Sua barba roça no meu pescoço. Aperto
minhas pernas, sentindo um frio na barriga. Seus lábios tocam levemente a
pele do meu ombro.
— você sabe que precisa ser punida, não é? — ele sussurra rente a
minha pele depositando beijos, respiro engolindo minha própria saliva.
Acabei com o carro dele, agora ele vai acabar comigo.
Ele dá um puxão firme em meus braços, forçando-os para trás, me
imobiliza com facilidade. Sem aviso, Ares passa o braço por entre as roupas
empilhadas na prateleira do armário, varrendo-as para o chão em um único
movimento brusco.
Em um instante, ele me empurra contra a prateleira, obrigando-me a
deitar de bruços sobre a superfície fria e dura. O choque do contato gélido
com minha pele nua me faz ofegar, ele empurra minha cabeça para frente,
forçando-a a mergulhar fundo dentro do armário. Estou completamente à
sua mercê, presa entre o peso de seu corpo e a solidez do móvel.
— Essa é a parte que eu mais gosto na reconciliação — murmura
maliciosamente, ao morder minhas costas. Gemo baixinho. — Quando
posso descontar na sua boceta toda a raiva que me fez passar por dormir
longe.
— Achei que essa punição fosse pelo seu carro. — questiono em
voz baixa e mordendo o lábio inferior.
— Posso comprar muitos carros para você destruir.
Sua mão desce lentamente pela minha bunda, explorando-a com
possessividade. Com um movimento, ele abre minhas pernas, me expondo
completamente. Ouço o som do seu cinto sendo desafivelado, aumentando
minha ansiedade e acelerando meu coração. Minhas unhas se cravam na
superfície de madeira, procurando algum tipo de apoio enquanto uma das
minhas pernas é erguida no ar.
Sinto o calor do seu membro endurecido contra minha intimidade, e
o contato provoca um arrepio que percorre todo o meu corpo. Com um
suspiro de entrega, ele me penetra de forma dura e direta, sem preliminares,
a minha excitação servindo como lubrificante suficiente para que ele me
invada.
Queria poder afirmar que não aprecio a forma suja com que ele me
trata, mas a verdade é que, de certa forma, eu amo isso. Adoro ser punida.

Ares
Acordo com a sensação de um corpo se remexendo junto ao meu.
Meus olhos continuam pesados de sono, mas esfrego-os enquanto me sento
na cama, tentando clarear a mente. É então que percebo a inquietação da
mulher ao meu lado. Suas mãos apertam os lençóis com força, como se
estivesse tentando agarrar algo. A testa está coberta de suor, e os cabelos
caem desordenadamente pelos lados do rosto, que está mais pálido do que o
normal. Imagino que ela esteja tendo um pesadelo.
Fico imóvel por um momento, incerto se devo intervir. Mas
confesso que fico agoniado por vê-la assim, estendo a mão, tocando seu
rosto com carícias leves. Sinto a pele fria contra meus dedos ao tocar sua
bochecha, e, aos poucos, vejo suas feições se suavizando. Os olhos dela, se
abrem, piscando em confusão ao me reconhecer. Ela parece assustada, a
respiração entrecortada e rápida. Com um movimento brusco, ela se senta
na cama, ainda ofegante.
— Que horas são? — pergunta com uma voz baixa e trêmula.
Procuro pelo relógio que fica na cabeceira da nossa cama, os
ponteiros marcando duas da manhã.
— Duas. — digo a ela, voltando meu olhar para seu rosto. — Estava
tendo um pesadelo? — pergunto.
Ela balança a cabeça em sinal de afirmação, e sem dizer nada, se
levanta rapidamente, caminhando até o banheiro. Provavelmente vai jogar
água no rosto. Permaneço na cama, esperando que ela retorne.
Alguns minutos se passam antes que ela reapareça. O rosto mais
corado agora, e seus olhos, mais vividos.
— Você está bem? — questiono, observando-a enquanto ela volta a
se deitar ao meu lado.
— Sim. — a resposta é curta, mas não soa verdadeira.
— Qual era o pesadelo? — insisto, curioso.
— Porque vai querer saber disso… — murmura.
Solto um suspiro, e a lanço um olhar de repreensão. Ela revira os
olhos castanhos e deixa os ombros caírem.
— Não sei se era um pesadelo… parecia mais uma lembrança, como
se eu já tivesse vivido aquilo. — ela faz uma pausa e continua. — Eu era
criança, e vi minha mãe… e outro homem. Esse homem estava batendo
nela, mas eu não conseguia ver o rosto dele. — sua respiração aos poucos
parece voltar ao normal.
Com um instinto protetor que não consigo controlar, a puxo para
meu colo, fazendo com que seu corpo se deite sobre meu peito. Começo a
acariciar seus cabelos, tentando confortá-la.
— Já teve pesadelos assim? — pergunto.
— Não. — nega. — E a primeira vez, é estranho… porque não me
lembro de nada depois do acidente, e isso faz tanto tempo.
— Você não se lembra de nada da sua infância? — tento manter o
tom casual, embora já soubesse, Antenor me havia informado sobre a perda
de memória que ela sofreu no acidente.
— Não — ela murmura pequena e vulnerável. — Eu queria poder
me lembrar de alguma coisa, mas tudo o que sei sobre mim mesma é o que
meus tios me contaram.
Continuo a passar a mão pelos seus cabelos. A memória dela não
pode voltar agora…
— E o que seus tios te contaram? — pergunto, para sondar mais.
Isabella fica em silêncio por um instante, mas responde.
— Minha tia disse que minha mãe era… uma mulher da vida. Fui
criada como bastarda, sem pai nem mãe. — ela suspira contra meu peito nu.
Parece que fizeram uma verdadeira lavagem cerebral nela.
— Vamos voltar a dormir — sugiro, cortando o assunto.
Isabella assente silenciosamente e se deita novamente. Faço o
mesmo, mas não consigo evitar passar o braço pela cintura dela, puxando
seu corpo pequeno para perto do meu. Não me lembro de já ter sido
carinhoso com alguma mulher antes, mas quando se trata dela, não consigo
controlar essa maldita necessidade de protegê-la.
— Eu acho… — ela murmura, sua voz embargada pelo sono,
soltando um bocejo que quase me faz sorrir. — Acho que eu…
A frase morre em seus lábios, e logo a ouço respirar profundamente,
já adormecida de novo. Fico ali, acordado, admirando como seu corpo se
encaixa perfeitamente em meus braços, como se fosse feito para mim.

Passado
4 anos antes:

Ares
— Eu posso pagar… — o homem murmura com dificuldade, junto
com a um gemido de dor, Seu rosto se contorce em uma careta de
sofrimento logo após receber mais um golpe do soco-inglês.
Permaneço sentado em uma poltrona de couro macio, observando a
cena com um ar de indiferença. Uma perna cruzada sobre a outra. Faço um
leve aceno de cabeça para meu sottocapo, indicando que ele pode continuar.
— Por favor. — implora — eu posso dar a minha sobrinha como
pagamento — a voz do homem volta a soar, levanto os olhos, demonstrando
um traço de interesse. Ali, no chão, ele se encontra jogado como um trapo,
o rosto sujo de sangue, as roupas amassadas e sujas, refletindo o estado
deplorável em que se encontra.
Antenor me deve uma fortuna, uma quantia que, mesmo que
vendesse sua própria casa, não seria suficiente para cobrir. Ele é um
viciado, um escravo dos cassinos, e seu vício o trouxe até esse ponto. A
situação é quase patética, mas não sinto nenhuma compaixão. Levanto a
mão, sinalizando para meu irmão que pare momentaneamente.
Apoio os braços nos descansos da poltrona, inclinando-me
levemente para frente. Meus olhos fixam-se nos dele, frios e avaliadores,
enquanto analiso sua oferta.
— Quantos anos tem a sua sobrinha? — pergunto.
— Dezesseis anos… — ele responde, a voz falha, enquanto tenta
erguer a cabeça. Ele se esforça para manter a compostura, embora esteja
visivelmente abatido.
Arqueio uma sobrancelha, meu interesse rapidamente se
transformando em desprezo.
— O que você acha que eu iria querer com uma criança, Antenor?
— Minha voz sai rasgada de raiva.
Ele se contorce, cuspindo sangue no chão e tenta se ajoelhar, mas
suas forças parecem abandoná-lo.
— Ela é nova, mas… mas tenho certeza de que pode ter algum valor
para você. Ela tem o sangue da La rosa nera… — o tom de voz é
suplicante.
Minha expressão não trai nenhuma emoção, mas a proposta desperta
meu interesse novamente. Sangue da La rosa nera…
— Você provavelmente já ouviu a história sobre a filha perdida da
La rosa nera… — Antenor arrisca cuspindo sangue no chão e limpando o
canto da boca com as costas da mão.
Meus olhos estreitam-se em impaciência.
— Vá direto ao ponto… quem é essa garota? — interrompo
grosseiramente.
Ele engole em seco, e força a voz.
— A minha sobrinha… ela é a filha perdida da La rosa nera, Don.
— Finalmente, algo digno de atenção.
A filha de Don Mário… muitas histórias circulavam sobre ela.
Alguns afirmavam que ela havia morrido ainda criança, outros diziam que a
mãe fugiu com ela, e havia quem duvidasse de sua existência. Mas, jamais
imaginei que ela pudesse estar crescendo, bem aqui, no meu território.
— Como posso ter certeza de que você está falando a verdade? —
pergunto, com um tom de descrença.
— Você pode vê-la com seus próprios olhos e tirar suas conclusões.
— Ele tosse em um som rouco. — Ela perdeu a memória, não lembra de
quem realmente é… sofreu um acidente, a mãe dela morreu, e nós ficamos
com a guarda da garota. — Ele se esforça para explicar.
Mesmo que a história seja verdadeira, eu preciso de uma prova
concreta, algo que me garanta que essa garota tem, de fato, o sangue da La
rosa nera correndo em suas veias.
— Se ela realmente é quem você diz, Porque a La rosa nera nunca
procurou por ela. — pergunto ponderando.
Antenor está fraco e desabafa no chão, Adryel se aproxima dele o
erguendo com a gola da blusa.
— Todos acham que ela morreu com a mãe, e a La rosa nera não
entra no seu território. — murmura o homem se equilibrando nos joelhos
novamente.
— E o que me garante que não é só mais uma invenção sua,
Antenor? — pergunto — Você está desesperado, venderia até a própria
alma para salvar sua pele.
Ele levanta a cabeça com dificuldade.
— Don, se quiser, pode acabar comigo agora mesmo. Mas estou
falando a verdade. A menina não sabe de nada. Ela é valiosa, mas só nas
mãos certas. E eu… eu não tenho mais nada a perder. — coloco uma mão
no queixo analisando a situação.
Eu poderia usar a garota para chantagear Don Mário, se ela
realmente for tão valiosa quanto Antenor alega. Preciso vê-la com meus
próprios olhos, avaliar seu valor pessoalmente. Se Antenor estiver
mentindo, sua punição será severa e exemplar.
— Adryel, mande buscar a garota — ordeno ao sottocapo, sem
desviar o olhar de Antenor.
— Eu posso buscá-la — Antenor intervém. — Alguém
desconhecido pode assustá-la. Deixe-me ir.
Ele tem um ponto, a garota poderia ficar aterrorizada ao ser
abordada por estranhos, principalmente se eles tentassem levá-la para
algum lugar que ela desconhece.
— Se você desaparecer, não haverá lugar no mundo onde possa se
esconder de mim — advirto, a ameaça soando bem clara. — Você vai
buscá-la, mas Adryel e outros dois homens irão com você.
— Obrigado, meu Don — o homem murmura, com um tom de
bajulação perceptível.
— Leve-o — respondo, acenando levemente com a cabeça para meu
irmão. Ele assente brevemente, sem precisar de mais instruções.

Ela era a filha do meu inimigo, mas, ao mesmo tempo, tinha uma
aparência de anjo.
Meus olhos fixam-se nos dela, um par de orbes castanhos, profundos e
assombrados. Seu rosto, de uma palidez quase etérea, contrasta com o rubor
avermelhado de seus cabelos, que parecia capaz de queimar qualquer um
que ousasse tocá-los. Sua figura franzina, baixa e delicada a faz parecer
ainda mais bela. Suas mãos pequenas estavam entrelaçadas à frente do
corpo. Eu podia ver em seu olhar o quanto ela estava assustada com toda
aquela atenção.
— Quero todos fora daqui agora. Me deixem a sós com a garota. —
Ordenei não deixando espaço para contestação.
— Mas, isso não é certo, ela é… — Antenor tentou protestar, mas
não lhe dei a chance de continuar.
— Está questionando minha honra? — Rebati. — Não está em
direito de dizer nada. — Completo, minha expressão dura ao voltar meu
olhar para a pequena obra de arte que estava diante de mim.
— Me desculpe, não tive essa intenção. — Antenor gaguejou, ciente
de seu erro.
Meu irmão, sempre atento, agarrou Antenor pelo braço e o puxou
para fora, fechando a porta atrás de si com um clique definitivo
A garota baixou o rosto imediatamente, como se o peso do meu
olhar fosse demais para ela suportar. Eu podia sentir o medo emanando dela
como um perfume amargo.
— Levante o rosto — ordenei em um tom firme, mas sem elevação
de voz.
Seus dedos trêmulos se entrelaçam no tecido da saia. Por um
momento, pensei que ela não obedeceria. Mas, lentamente, ela ergueu a
cabeça.
— Qual é o seu nome? — perguntei, mantendo meu olhar fixo nela,
analisando cada reação.
— Isabella — sua voz saiu tão baixa que tive que me esforçar para
ouvir.
Me aproximo, vagarosamente. Ela se encolhe, instintivamente.
— Não tenho intenção de machucá-la. — Falei devagar, escolhendo
as palavras com cuidado para ganhar sua confiança. — Você sabe porque
está aqui? — pergunto.
Ela morde o lábio inferior e balança finalmente a cabeça em
negação.
— Não.
Naquele instante, eu havia esquecido brevemente que ela carregava
o sangue do inimigo em suas veias. Me vi enfeitiçado por seus olhos
castanhos.
— O que o senhor quer comigo? — sua voz soa um pouco mais
firme, menos amedrontada.

Afastei-me dela e me recostei na mesa, cruzando os braços.

— Você realmente não sabe por que seu tio a trouxe aqui? —
perguntei, observando seu olhar confuso.

— Eu… eu deveria saber?

— Seu tio quer me dar você como pagamento de uma dívida.

Ela arregalou os pequenos olhos.

— Como… como ele pode fazer isso? — Ela balbuciou, dando um


passo para trás, como se a distância pudesse lhe oferecer algum tipo
proteção contra mim.

— você estará sob minha proteção de agora em diante. — respondi


firme sem desviar minha atenção por nenhum segundo dela.

— Eu não sou uma coisa para ser barganhada! — sua voz se eleva e
ela não demonstra mais ser a garota acanhada que entrou pela minha sala
apalpando o vestido. — Meu tio pode encontrar outra forma de te pagar. —
Um sorriso se formou em meus lábios.
— Seu tio me deve muito.

Ela suspira, os ombros caindo enquanto encara os próprios pés.

— Eu tenho só 16 anos, senhor. Não tenho serventia alguma para


você. — Isabella é uma garota esperta, e apela pela razão que acha que
possuo.

— De fato, você é muito nova. — Um sorriso preguiçoso surge nos


meus lábios, jogo a cabeça para trás. — Mas daqui a quatro anos, terá idade
suficiente para se casar.

A pequena figura feminina, engole em seco, dando outro passo para


trás.

— o que quer dizer com isso? — sua voz dócil começa a falhar.

— É bem simples, querida. Dentro de quatro anos, você será minha


esposa. — O rosto da garota, já pálido, se torna quase translúcido, e seu
olhar se enche de descrença.

A menina se vira para a porta e corre em direção a ela, batendo com


os punhos cerrados e usando toda a sua força.

— Vão pensar que estou fazendo algo com você. Pare com isso,
garota! — eu tento chamar sua atenção.

— Socorro! Alguém me ajude! — ela grita, desesperada.

— Não grite. — abstenho.

— Quero sair daqui. — A porta se abre com um estrondo, e meus


irmãos aparecem um do lado do outro, Andreas e Adryel, eles olham para a
garota, depois para mim.

— Ouvimos ela gritar e… — Adryel é o primeiro a se explicar.


Solto um suspiro, sentindo o estresse latejar nas têmporas. Mal
percebo quando a garota desaparece pela porta.

— Não me olhem assim, porra! Como se não me conhecessem —


resmungo, irritado com o silêncio acusador que paira na sala.

Eu não faria nada a garota, e cogitar isso já soa nojento.

Andreas dá um passo hesitante para dentro da sala, enquanto Adryel


permanece à porta, observando em silêncio.

— Devo ir atrás dela? — pergunta meu sottocapo. Faço um gesto


com a cabeça, negando.

— Deixe-a. Ela precisa se acostumar com a ideia.

Adryel fecha a porta com um clique e segue Andreas para dentro da


sala.

— Podemos saber que ideia é essa? — Andreas pergunta.

Sem responder de imediato, me viro para o bar e pego uma garrafa


de uísque. Derramo o conteúdo em três copos, concentrado.

— Ela será minha esposa — digo despreocupadamente. Minha


atenção continua nos copos, não neles.

— Mas ela ainda é só uma garota… — murmura Adryel.

— Daqui a quatro anos, ela terá idade suficiente — respondo, dando


de ombros enquanto entrego um copo para cada um e tomo um gole do
meu, sentindo o calor do álcool descer pela garganta.

Bato o copo na mesa, o som seco ressoa na sala.


— Se ela é mesmo a filha perdida de Don Mario, sei exatamente
como o destruir.

— Casando com a filha dele? — Adryel deduz.

Me aproximo deles.

— O que eu planejo é muito maior — digo, um sorriso frio que se


forma em meus lábios. — Andreas, quero que faça Antenor e a mulher
assinarem um contrato de silêncio sobre o que sabem. Mande a garota para
longe por um tempo, para um lugar onde ela possa estar segura.

— Tem certeza de que não está se precipitando? — Andreas


resmunga, franzindo o cenho. — Você acabou de conhecer a garota, nem
mesmo sabe se ela é filha de Don Mário. Antenor não é alguém em quem se
pode confiar, Ares.

Sirvo-me de mais uma dose, tomando um gole generoso antes de


responder.

— Enquanto ela estiver fora, podemos investigar mais — digo. —


Já fui casado uma vez. Sei exatamente onde estou me metendo.

Andreas leva a mão à nuca, pensativo.

— Então perdoamos a dívida de Antenor? — Adryel questiona, seu


olhar um pouco confuso.

— Até sabermos que a garota é realmente da La rosa nera ele ainda


nos deve, deixe ele ciente disso. — aviso.
Capítulo 17

Isabella
Aproveito o dia ensolarado para nadar na piscina, sentindo a água
fresca deslizar sobre minha pele. Enquanto flutuo, meus olhos são atraídos
por um carro desconhecido que adentra os portões da mansão. A placa é
diferente, não é uma que eu reconheça. O veículo elegante e preto,
estaciona em uma das vagas reservadas. Pouco depois, a porta se abre, e
vejo uma mulher sair, seguida por uma criança pequena. Mesmo à distância,
reconheço os cabelos loiros, reluzindo no sol, que só vi uma única vez.
Aquelas são Mia e sua tia, Sierra.
Saio da piscina, deixando a água escorrer pelo meu corpo e me
envolvo em um roupão branco, cobrindo o biquíni. Observo Sierra, que
entra imediatamente na casa com passos apressados, sem sequer olhar para
trás. A menina, no entanto, permanece do lado de fora, suas pequenas mãos
escondidas atrás do corpo, como se estivesse acanhada. Seus olhos
percorrem o jardim, e parece estar ponderando sobre o que fazer. Imagino
que a tia tenha lhe dito para ficar esperando no carro.
Não demora muito para que seus olhos pequenos e curiosos, me
encontre à distância, noto um sorriso tímido surgir em seu rosto. Aceno com
a cabeça, convidando-a a se aproximar, mas Mia hesita, lançando um olhar
para a casa, como se esperasse ser repreendida a qualquer momento. De
repente, a menina corre em minha direção com passinhos rápidos. Quando
finalmente chega perto, para ofegante, apoiando as mãos nos joelhos,
tentando recuperar o fôlego. Eu a observo, dando-lhe tempo para se
recompor.
Ela se endireita e, de uma maneira que acho encantadora para uma
criança, faz uma pequena reverência, inclinando a cabeça em minha
direção, o que me arranca um sorriso.
— Olá, criança — cumprimento, e toco suavemente a ponta de sua
cabeça, alisando seus cabelos loiros e brilhantes. A garotinha tem aparência
de um anjo.
— Oi — ela responde, abrindo um sorriso que ilumina seu rosto.
Eu a examino mais de perto. Mia está vestida com um moletom
rosa, seus cabelos dourados e cacheados caindo sobre os ombros. O sol está
quente demais para usar moletom, mas decido não comentar sobre a escolha
de roupa da menina.
— O que faz aqui, querida? — pergunto, curiosa.
— Minha tia veio conversar com a senhora Rafaela — responde
educadamente, sem perder a postura. Seus olhos azuis, quase cristalinos,
fixam-se em meu roupão com uma expressão de curiosidade infantil.
— A senhora estava nadando? — pergunta, movendo os braços até a
cintura.
— Estava sim — respondo, sorrindo enquanto abro o roupão para
mostrar meu biquíni. Desta vez, escolhi um modelo mais comportado.
Percebo que, apesar de seu esforço para esconder, há um traço de
tristeza no olhar de Mia. Parece que algo está pesando em seu
coraçãozinho, algo que ela tenta esconder durante nossa conversa.
— Eu não sei nadar — sussurra, como se revelasse um segredo. —
Queria poder aprender.
Sorrio para ela, tocando suavemente seus ombros.
— Posso te ensinar — sugiro, tentando animá-la. — Basta pedir à
sua tia para trazê-la aqui depois.
A pequena solta um suspiro, seus ombros caindo um pouco.
— Ela não deixaria — fala com desânimo.
— Vou falar com ela depois — insisto.
A curiosidade sobre o motivo da visita de Sierra à minha sogra,
Rafaela, ainda era presente na minha mente, mas pelo menos sei que as
duas têm algo em comum para fofocar, já que nenhuma das duas gosta de
mim.
— Acho que é melhor eu voltar para perto do carro… Minha tia vai
brigar comigo se me encontrar aqui — Mia murmura chamando minha
atenção, com uma preocupação em seu rosto angelical.
Ela parece temer absurdamente a tia. E isso não passa despercebido
por mim.
— O sol está quente lá, por que não fica aqui comigo na piscina? —
sugiro, tentando convencê-la a me fazer companhia, já que passo a maioria
do tempo sozinha.
Mia morde o lábio, pensativa. Então, resolvo fazer uma oferta que
sei que será irresistível.
— Posso pedir para Angélica trazer algo para comer… e refrescos.
— Ao ouvir isso, seus olhos azuis brilham, vejo-a passar a língua pelos
lábios.
— Tem aqueles salgadinhos gostosos que comi aquele dia? —
Mia pergunta, oscilando entre a vontade de aceitar minha oferta e a
obediência à tia.
Faço um bico e toco o queixo, enquanto um sorriso brinca nos meus
lábios.
— Hum, acho que não… — respondo, prolongando o suspense. —
Mas tem bolo de chocolate.
A reação dela é imediata. Mia dá um pequeno pulo sobre o
mármore, seus olhos brilhando com uma alegria infantil.
— Eu amo bolo de chocolate! — exclama, com um sorriso.
— Eu também — respondo, compartilhando de seu entusiasmo. —
É minha sobremesa preferida.
— Então, toca aqui quem ama bolo de chocolate! — ela estende a
palma da mão na minha direção.
Não consigo evitar soltar uma risada. Me agacho ao lado dela,
nivelando com sua altura, e bato suavemente em sua mão.
— Vamos sentar na beira da piscina — sugiro, apontando para a
água. Ela assente animada.
Sentamos lado a lado, após Mia se livrar do par de sandálias lilás,
deixando seus pés livres para balançar na água da piscina. Minha atenção se
desvia por um momento para dentro da mansão. Minha mente vaga,
imaginando o que Sierra e Rafaela poderiam estar conversando.

— Está muito gostoso. — Mia elogia, levando outra colherada de


bolo à boca.
— Que bom que gostou. — comento, surpresa com a rapidez com
que ela devorou duas fatias enormes de bolo.
Mia sorri, seus lábios e bochechas sujos de calda de chocolate, o que
a deixa ainda mais adorável.
— Você está comendo bolo até pelos olhos, Mia. — murmuro, rindo
enquanto observo a sujeira.
Pego um guardanapo e, com um sorriso carinhoso, tento limpar
perto do seu olho esquerdo. Mas, ao me inclinar, meu braço esbarra no copo
de refrigerante, derramando-o sobre o moletom da garota. Mia dá um
pequeno sobressalto, seu rosto perdendo imediatamente a cor enquanto ela
tenta sacudir a roupa.
— Me desculpe, querida. — falo apressada, levantando-me e me
colocando ao lado dela.
Mia olha para o moletom encharcado, mostrando estar preocupada.
— Vamos resolver isso rapidinho. — digo com suavidade, pegando
uma toalha sobre a mesa e começando a enxugar o líquido com cuidado.
Conforme limpo, percebo que o tecido continua manchado, e sei que
a única solução é tirar o moletom para lavar.
— Mia, acho que seria melhor você tirar o moletom. — sugiro com
um tom gentil.
De repente, Mia dá um salto da cadeira e quase grita em resposta.
— Não! — olho para a garota confusa com seu comportamento.
— Precisamos limpar sua roupa, querida. Posso pedir à Angélica
que deixe seu moletom limpinho em um instante. — uso um tom
persuasivo, tentando convencer a menina de olhos azuis.
— Não precisa. — ela nega com um aceno firme, movendo a cabeça
de um lado para o outro.
Algo em mim desperta um alerta. É apenas um moletom… por que
ela não quer tirar?
— Minha tia Sierra disse que eu não poderia tirar. — Ela diz
olhando para mim. — Não quero que ela brigue com você.
Sua preocupação comigo é quase cômica, por que ela acharia que
aquela megera faria algo a mim? Então, uma suspeita começa a se formar
na minha mente.
— Anjinho, sua tia não tem motivo para brigar comigo, e mesmo
que quisesse, não poderia. — digo com firmeza. — Agora, vamos lá, tire
esse moletom sujo.
Me aproximo, levando as mãos à sua cintura, pronta para retirar a
peça de roupa, mas Mia imediatamente me detém.
— Não, é melhor não. — sua recusa me surpreende, e levanto uma
sobrancelha, encarando-a com uma expressão confusa.
— Por que não quer tirar o moletom, Mia? — minha postura
endurece, coloco as mãos na cintura e fico diante dela, esperando uma
resposta.
Mia me olha como um gatinho acuado, piscando rapidamente os
grandes cílios, seus olhos evitam os meus.
— Tia Sierra disse que eu não poderia tirar o moletom… e nem
mostrar meus braços. — ela murmura, com a cabeça baixa, olhando para os
próprios pés.
Suas palavras me deixam confusa. Algo está errado, muito errado.
— Por que sua tia não quer que você mostre seus braços Mia? —
questiono intrigada a garota.
Ela não responde de imediato. Em vez disso, Mia aperta o tecido do
moletom com os pequenos dedos.
Ajoelho-me na frente dela, ficando na sua altura, e toco seu rosto.
— Mia, você pode me mostrar os braços, por favor? — peço com
gentileza.
Mia levanta o olhar, encontrando finalmente o meu. Seus olhos
azuis estão marejados, então, muito lentamente, ela começa a puxar a
manga do moletom para cima. Quando o tecido finalmente revela a pele de
seu braço, meu coração quase para.
Há marcas. Marcas roxas e escuras, algumas já desbotadas, outras
ainda parecem recentes. São marcas de dedos, de alguém que a segurou
com força demais, de forma cruel.
Sinto um nó se formar na minha garganta.
— Mia… — sussurro, horrorizada, enquanto meus olhos percorrem
cada uma das marcas. — Quem fez isso com você?
Ela não precisa responder. Eu já sei. Mia abaixa a cabeça
novamente, como se quisesse desaparecer.
Uma raiva fria começa a se espalhar pelo meu corpo. É óbvio quem
fez isso com Mia, sua tia, Sierra. O medo que ela tem dessa mulher é tão
profundo que sequer queria me mostrar.
O som da porta da frente se abrindo interrompe meus pensamentos.
Viro a cabeça a tempo de vê Sierra saindo de dentro da mansão, e descer a
pequena calçada de escadaria. A mulher, parece impaciente, seus olhos,
varrem o jardim rapidamente até encontrarem Mia ao meu lado. O rosto da
garota se contrai, e em um reflexo quase desesperado, ela puxa a manga do
moletom para baixo, tentando esconder as marcas antes que sua tia as veja.
— Vamos embora, Mia. Ande logo. — a voz de Sierra chama a
garota.
Mia se encolhe, mas obedece à ordem.
Eu observo a cena, o coração pesado de indignação. Meu olhar se
fixa em Sierra, analisando cada detalhe de sua postura, seu olhar
impassível.
— Mia, não precisa se apressar. — digo, mantendo minha voz firme,
mas gentil com a garota.
Sierra lança um olhar afiado na minha direção, claramente
desconfortável com a minha interferência.
— Mia, eu disse para andarmos logo. — Sua voz agora está tingida
de impaciência.
Começo a caminhar atrás de Mia, seguindo seus pequenos passos.
— Sierra — digo calmamente, ao me aproximar bem da mulher. —
Precisamos conversar.
Sierra tenta forçar um sorriso para mim, mas o gesto parece tão
artificial que mal disfarça o desprezo que emana de sua expressão.
— Sobre o que seria? — pergunta, sua voz e um tom mesquinho que
mal consigo suportar.
Devolvo um sorriso igualmente forçado.
— Eu vi as marcas nos braços de Mia. — Vou direto ao ponto,
mantendo a garota ao meu lado com um gesto protetor.
Sierra parece levar um soco no estômago, sua expressão fica vazia.
— Não entendi. Que marcas? — pergunta ela, sua farsa de
desentendimento sendo nitidamente ridícula.
— As marcas que você instruiu Mia a esconder. — digo incisiva. —
Não tente se fazer de desentendida, Sierra.
A mulher solta um suspiro exasperado, os saltos altos batendo com
um som seco e irritante no chão de pedra.
— Me desculpe, mas não vejo como isso é da sua conta. — Sierra
rebate mostrando as garras.
— Se ela está sendo ferida, isso me concerne profundamente.
Sierra cruza os braços, seu rosto revelando arrogância.
— Essas marcas são fruto de disciplina, não de abuso. — Ela tenta
justificar. — Mia precisa aprender a se comportar.
— Disciplina? — Repito com incredulidade. — Ela é uma criança.
Sierra balança a cabeça, como se estivesse tentando se recompor, e
então força um sorriso frio.
— Você acha que tem o direito de interferir na criação da minha
sobrinha? — Sua voz é cheia de desdém. — Mia é minha responsabilidade,
e eu a educo da maneira que julgo necessária.
— Não estou querendo interferir em como criar Mia, mas existem
outros métodos para educar. — Rebato.
Sierra estufa o peito, seu rosto ruborizado pela indignação.
— Mia está sendo muito bem-educada. Se você acha que tem o
direito de julgar, está se intrometendo onde não foi chamada — responde,
ofendida. Em seguida, ela chama a menina. — Vamos, Mia, precisamos ir
embora.
Sem dar espaço para contestação, ela segura o braço de Mia e a
puxa para junto de si. A garota lança um olhar apreensivo em minha
direção, como se sentisse culpa por toda aquela situação.
Sem se despedir, as duas entram no carro e deixam a propriedade.

Ares
— Minha vez! — gritou meu irmão mais novo, com um entusiasmo
macabro.
Tínhamos chegado há cerca de duas horas, e estávamos entretidos
com um jogo de acertar o alvo, só que, em vez de dardos, usávamos facas, e
o alvo não era um simples círculo de madeira, mas sim um homem. Era
uma brincadeira divertida pra nós. A regra é simples: mirar em pontos que
prolongasse o sofrimento, mas evitassem a morte imediata. Meu método de
tortura favorito, posso dizer.
Cruzei os braços, observando meu irmão enquanto ele se preparava
para lançar sua faca. Sua concentração estava longe de ser perfeita, e
quando ele errou o alvo, arqueei uma sobrancelha, intrigado.
— Fez de propósito? — perguntei.
Ele deu de ombros, caminhando lentamente ao redor da mesa, passa
a mão pelos cabelos loiros que caem sobre o rosto, se mostrando frustrado.
— Minha cabeça não está muito legal com essa ideia de casamento.
— murmura.
Andreas, está sentado ao lado, fumando um cigarro, a menção ao
casamento atraiu sua atenção.
— Então deveria aproveitar e comer o resto das bocetas que ainda
não devorou na Sicília, porque depois que casar terá que se contentar com
apenas uma. — fala com tom de divertimento.
— Não enche meu saco, Andreas. — Adryel rebate, impaciente.
Deixei os dois trocando provocações, e volto minha atenção para o
prisioneiro. Ele está amarrado, com as mãos presas acima da cabeça, o peito
nu revelando a tatuagem de cruz. Seu corpo, antes robusto, agora está
magro, esquelético, resultado das longas semanas de tortura. Ele já era
praticamente um homem morto; só o mantínhamos vivo porque ainda havia
informações que precisávamos arrancar dele.
Escolhi uma das facas, sentindo a ponta afiada deslizar por entre
meus dedos. À medida que me aproximo, o odor pútrido de carne em
decomposição se fortalecido. O homem nem tinha mais voz, seus gritos
iniciais haviam se transformado em sussurros roucos.
Eu estava acostumado a esse jogo, minha mira era excepcional. Sem
hesitar, lancei a faca, que se cravou profundamente em uma das coxas do
homem. Ele solta um grito abafado, quase inaudível, e ergueu os olhos para
mim, suplicantes.
— Por favor… me mate logo… já disse tudo o que sabia —
implorou, sua voz tremendo de medo e dor.
Fiquei diante dele, observando a miséria em seu rosto. Com um
movimento brusco, puxei a faca de volta, arrancando outro gemido de dor
dele.
— Ainda não é seu momento — murmuro, esboçando um sorriso
cruel antes de me virar para voltar até meus irmãos.
Sem cerimônia, joguei a faca sobre a mesa e me recostei, cruzando
os braços, observando-os.
— Levem ele de volta para a jaula — ordenei a um dos soldados,
um pouco distante de nós. Em seguida, volte-me para Andreas. — Alguma
informação sobre quem fez a denúncia contra nossa empresa?
Andreas deu uma última tragada no cigarro, exalando a fumaça,
como se ponderasse sobre a resposta.
— Acho que vai gostar de saber que seu ex-cunhado está tentando
nos ferrar — respondeu sério.
Senti uma pontada de raiva atravessar meu peito, mas mantive
minha expressão impassível. Meu ex-cunhado, Giovani, estava se metendo
onde não devia.
— Esse desgraçado tem mais coragem do que eu imaginava. —
respondo.
Andreas apagou o cigarro no cinzeiro à sua frente.
— Ele tem informações suficientes para nos causar problemas
sérios. Pelo que consegui descobrir, ele está em contato com gente
poderosa.
Suspiro, e olhos para ambos.
— Vou resolver isso — declaro.
Giovanni precisa superar essa merda e aceitar a realidade: eu não
matei a maldita irmã dele. Ela morreu, sim, mas não pelas minhas mãos.
Adryel interrompe ao puxar outro assunto.
— Ainda estamos na estaca zero sobre o envolvimento de nosso pai
com aquelas crianças que foram sequestradas…— Ele fez uma pausa, seu
olhar se estreita —
A menção ao nosso pai trouxe um silêncio pesado à sala, o tipo de
silêncio que carrega consigo anos de ressentimento e rancor.
— Precisamos marcar logo um encontro com Ivan Baranovskiy e
fazer nossa proposta — disse, já traçando o plano na minha mente. — Se
ele nos entregar Adriano, daríamos um grande passo.
— Vou providenciar isso. Quando? — Andreas pergunta
interessado.
— Sexta parece um bom dia para irmos à Rússia. O que acha,
Adryel? Ansioso para conhecer seu futuro sogro? — zombei com um
sorriso ladino.
Adryel me lança um olhar de desdém.
— Não vejo a hora — ele responde, irônico no seu tom de voz.
— Mas o que faremos se ele não aceitar a proposta? — Andreas
questiona.
— Se ele não aceitar… — faço uma pausa, calculando as palavras.
— Então precisaremos usar outros métodos de persuasão. Mas ele aceitará
Andreas, afinal foi ele mesmo que ofereceu a mão da filha a nós,
claramente ele também está interessado em se unir.
— Você realmente vai levar esse acordo adiante depois que
conseguir o que quer, irmão? — Adryel pergunta, com uma curiosidade que
eu sabia ser mais do que genuína. Entre nós, a confiança era absoluta, e não
havia razão para esconder minhas ambições.
Dei um sorriso tranquilo, sabendo que não precisava medir minhas
palavras.
— Vocês me conhecem — respondi, confiante. — Sou um homem
de honra. Mas devo admitir que tenho grandes planos para esse acordo.
Capítulo 18

Isabella
Passei o restante da tarde remoendo as marcas que vi no braço de
Mia e a breve discussão que tive com a tia dela. Sei bem que não devemos
nos intrometer na educação das crianças dentro de suas próprias casas, fui
ensinado isso desde cedo. Mas, como posso simplesmente fechar os olhos e
fingir que não vi?
A dor silenciosa nos olhos de Mia mexeu profundamente comigo.
Eu sabia exatamente como ela se sentia, já passei por algo semelhante.
Quando eu era criança, não tinha ninguém que intercedesse por mim,
ninguém para me proteger. E agora, diante dessa situação, sinto uma
obrigação de fazer algo por ela.
Paro meus passos diante da porta do escritório do meu marido, sinto
a madeira fria e polida sob meus dedos ao tocar na superfície. Após o aviso
discreto da minha chegada, girei a maçaneta e a porta se abriu com um sutil
rangido.
Coloquei um pé atrás do outro e entrei na sala, meus passos são
firmes e decididos sobre o tapete macio. À medida que me aproximo, meu
olhar encontra o dele. A expressão em seu rosto muda para uma mistura de
surpresa e curiosidade ao me ver.
— Gostaria de conversar com você sobre algo — comecei,
observando Ares sentado em sua cadeira de couro, uma das mangas da
camisa social arregaçada até o cotovelo.
Meu marido empurra a tela do seu notebook até a fechar
completamente, direcionando toda a sua atenção para mim. Seus olhos,
intensos e perscrutadores, percorrem meu corpo.
— Diga. — murmurou, apoiando as mãos sob o queixo e travando a
mandíbula.
— Sierra esteve aqui hoje… — sou imediatamente interrompida ele
— Sierra esteve aqui? — pergunta, como se precisasse confirmar
algo que eu já havia afirmado.
Balançando a cabeça em concordância, mantendo as mãos ao lado
do corpo, e continuo
— Sim, ela esteve aqui. Você a conhece?
— Ela é esposa de Phelipo — explica.
Automaticamente, minha mente fez a conexão com o nome Phelipo,
o homem que vi apenas uma vez, em um evento da organização que
acompanhei com meu marido. Lembro-me de que a mulher que estava com
ele na ocasião não era Sierra, mas sim uma amante. Embora isso tivesse me
incomodado naquele momento, deixo de lado, pois meu interesse em falar
com Ares era de outro.
— Ela veio falar com a sua mãe — informo. — Mas o motivo
principal pelo qual vim aqui é que, enquanto Sierra estava aqui, eu vi
marcas no braço de sua sobrinha, Mia.
— Que tipo de marcas você viu? — Meu marido pergunta, seus
olhos fixos nos meus.
— Marcas de agressão — respondo, a indignação transparecendo na
minha voz. — Ela fez a garota vestir um casaco para esconder os braços
machucados.
— Marcas de agressão? — repete ele, como se não acreditasse no
que acabara de ouvir. — Você está dizendo que a garota está sendo
maltratada?
— Sim, foi isso que vi. Tentei conversar com Sierra sobre outras
formas de educar a garota, mas ela não quis me ouvir.
Meu marido suspira profundamente antes de me responder.
— Mesmo que o assunto seja delicado, não podemos nos intrometer
na educação das crianças dentro de suas casas, Bella mia. — Ares diz.
— Eu entendo isso. — Asseguro. — Mas a menina tem apenas 8
anos. Ela é tão pequena e vulnerável.
— Quer que eu mude uma regra que foi estabelecida há décadas
para proteger uma menina dos próprios tios? — Ares pergunta. Ele me
observa com um olhar de ceticismo e curiosidade.
Eu respiro fundo, meu olhar governando o dele.
— Você mesmo não teria problema em quebrar regras, já quebrou
uma ao se casar comigo — retruco.
— Não é a mesma coisa — ele rebate com exasperação. — O
casamento com você foi uma escolha pessoal. Mudar uma regra antiga é
uma questão que envolve muito mais do que simplesmente desconsiderar
tradições.
Meu marido parece irredutível.
— O que estou pedindo é que você use sua influência para ajudar
uma criança que está sofrendo. Não estou pedindo para mudar tudo, apenas
para considerar uma exceção.
O homem à minha frente me passa um olhar de compreensão, e
depois de alguns minutos me responde.
— Posso conversar com Phelipo. — Ares propõem, com um sorriso
de admiração. — Adoro ver esse seu lado voraz, determinado.
Eu o encaro com um olhar firme.
— Fui educada para ser assim. Não se deve esperar menos de mim,
querido. — murmuro provocativa.
Apesar de não querer, acabei por aprender muito durante os quatro
anos que passei presa naquele internato. Havia regras rígidas que
precisavam ser seguidas à risca. Aulas intermináveis de etiqueta sobre os
costumes da máfia. Ensinavam como uma mulher deve se portar diante de
seu marido, sempre submissa, sempre à sombra dele. Era essa a parte que
eu mais detestava. Não concordava e ainda não concordo com a ideia de
que uma mulher deva se anular para viver à sombra de um homem.
Meus olhos se movem, quase sem querer, pela mesa dele. Algo ali
captura meu interesse, um quadro novo. Aquele certamente não era o
mesmo que eu havia visto outro dia, o retrato dele com a ex-esposa. Meu
coração deu um salto, mas fiz um esforço para não demonstrar surpresa. O
antigo quadro fora substituído por uma fotografia nossa, minha e dele. Era a
foto que a jornalista havia tirado. Ares conseguiu a foto e a emoldurou, mas
eu não conseguia decifrar o significado desse gesto.
Dentro de mim, uma dúvida persistente ainda cresce, mesmo quando
eu tento arrancá-la pela raiz. Ela sempre volta: O que realmente aconteceu
com a sua ex esposa? As histórias que circulam dizem que ele a matou, mas
quando entrávamos nesse assunto ele nunca me esclarecia nada. E sempre
que essa lembrança surge, me esforço para lembrar que Ares é um homem
perigoso, cuja reputação está manchada pela violência. E se, houvesse um
coração dentro dele, estaria tomado por raiva, porque é apenas isso que meu
marido feito, de ódio.
— Era só isso que eu precisava dizer. — murmurei, sentindo a
necessidade urgente de reafirmar minha consciência, como um lembrete de
que eu estava no covil de um lobo. — Com licença. — ameacei sair da sala,
desejando desesperadamente me afastar de sua presença.
— Espere. — A voz dele, grossa e autoritária, impede meus passos.
Meu corpo recebe ordens de um homem mesmo quando eu me nego
a isso.
Viro o rosto lentamente em sua direção, meus olhos buscando o
motivo que justificasse sua interferência em minha saída.
— Vou precisar viajar esta semana para tratar de um acordo, e vou
levar Adryel comigo. — ele diz, me sondando com o verde dos seus olhos.
— Posso confiar que você não vai tentar fugir enquanto eu estiver fora?
Por um instante, senti a vontade de perguntar quanto tempo ele
ficaria fora, mas engoli as palavras. Perguntar isso daria a impressão de que
me importo com ele, ou pior, que sentiria sua falta.
— Não vou tentar fugir. — respondi, tranquila. — Já desisti desse
sonho de liberdade há algum tempo. Você mesmo disse que não adiantaria
eu lutar. Eu te pertenço, não é? — acrescentei com uma pitada de amargura
na voz.
Ares se levanta e começa a caminhar em minha direção. A simples
proximidade dele me faz sentir um frio na barriga, Instintivamente,
coloquei as mãos atrás do corpo, tentando recompor minha postura, como
se isso pudesse me proteger da força que ele exerce sobre mim, mesmo sem
me tocar.
— Não fale como se você fosse minha prisioneira. — fala quase que
ofendido.
— Mas é exatamente isso que eu sou. — respondo.
— Está acorrentada a correntes invisíveis? — ele questiona, com um
toque de sarcasmo na voz, arqueando uma sobrancelha ao me olhar de cima
a baixo.
Respiro fundo, o perfume dele começa a invadir meus sentidos,
embaralhando meus pensamentos.
— Se eu saísse por aqueles portões agora, você colocaria todos os
seus homens atrás de mim e me arrastaria de volta. — seguro o olhar firme
em seus olhos escuros. — Sou sua prisioneira, Ares, e não preciso usar
correntes para provar isso.
Ele me observa por um momento, seu rosto esculpido por uma
frieza inconfundível e um sorriso ligeiramente arrogante curva seus lábios.
— Você é uma coisinha pequena e muito petulante, nunca colocaria
nenhum homem atrás de você, eu mesmo iria caçá-la. — ele zomba. —
Não entende que tudo o que faço é para um propósito maior?
Sinto um sorriso sarcástico se formar em meu rosto.
— Eu sou só uma peça do seu tabuleiro. — Respondo com um
toque de ironia, cruzando os braços.
Ares nos aproxima mais, rodando a mão sobre minha cintura, me
segurando firme contra seu corpo, robusto e muito maior que o meu, eu
solto um ofego trêmulo.
— Você é a peça mais importante do meu tabuleiro, — diz a voz
masculina. — A minha rainha.
— E o que acontece quando a rainha não deseja ficar ao lado do rei.
— Sussurro em desafio.
Sua mão livre alcança meu rosto, e irradia toda minha pele com um
simples toque.
— Então ele a faz lembrar do que é capaz de fazer por ela.
Meu coração martela no peito, Ele inclina a cabeça, e seus lábios
capturam os meus em um beijo. É um beijo que reivindica, que marca, e
que deixa claro que, eu pertenço a ele.
Nossos beijos têm se tornado mais intensos e calorosos ao passar da
nossa convivência. A conexão entre nós é profunda, e a maneira como
nossas bocas se encaixam é perfeita.
Quando ele finalmente se afasta, seu rosto está tão próximo que
posso sentir sua respiração quente contra meus lábios. Sua mão ainda está
firmemente plantada em minha cintura. Seus dedos grossos tocam meus
lábios, como se ele apreciasse a minha boca.
— O gosto da sua boca, é viciante. — murmura. — eu me imagino
dentro dela, indo até o fundo. — sua mão segura meu queixo forçando
encarar seus olhos. — vendo seus lindos olhos lacrimejando. — engulo em
seco, sem saber como reagir.
Como eu iria colocá-lo na boca, mal consigo aguentá-lo entre
minhas pernas, é tão grande, grosso e cheio de veias… é medonho.
Depositando um beijo casto na minha bochecha como se não
houvesse poluído meus ouvidos com suas insanidades, meu marido se
afasta, rodando sua mesa, pegando seu paletó, e o vestindo.
— Preciso sair… — comenta e passa por mim, deixando que o seu
perfume se infeste no ar, ao bater com a porta do seu escritório em um aviso
de que ele me deixou sozinha.
Aproveito o momento, e retorno à sua mesa, apenas para olhar
aquela fotografia uma última vez.

Ares
Toquei a campainha uma única vez e esperei apenas alguns
segundos até que a porta se entreabriu, revelando uma mulher idosa que
olha para mim com uma evidente preocupação. Seus olhos vacilam em
surpresa.
— Senhor… — a voz trêmula sussurra.
Permiti-me dar um sorriso leve.
— Não precisa de cerimônia comigo, Marli. Nós nos conhecemos
desde que eu era um garoto — respondi, observando-a passar a mão pelos
cabelos brancos e bagunçados no coque, um reflexo de nervosismo.
Não me lembrava exatamente quando havia sido a última vez que a
vi. Dez anos, talvez um pouco mais.
— Com licença, Marli — pedi, mas minha voz já indicava que eu
não esperava por permissão. Empurrei a porta com o pé e entrei.
O casarão continuava igual eu me lembrava…
— Senhor, é melhor ir embora. Meu patrão não está… — A voz
dela é baixa e amedrontada por uma tentativa frágil de ocultar a verdade.
Balancei a cabeça lentamente, negando a afirmação.
— Ele pediu para você dizer isso? — questionei, notando como suas
mãos inquietas apertavam o uniforme preto e branco.
Agora eu entendi. O medo dela não era apenas de mim, mas das
mentiras que Giovanni provavelmente andou espalhando a meu respeito.
Pude ver sua estrutura óssea tremer diante de mim.
— Não… — ela responde. — Mas, se você está aqui, sei que vão
brigar. — constata.
— Não vim brigar com seu patrão, Marli. Só preciso saber onde ele
está — digo, tentando tranquilizá-la.
Os passos firmes no corredor me fizeram virar o pescoço, justo no
momento em que Giovane apareceu na sala. Sua presença é imponente, e
ele mantém uma postura tranquila, quase desinteressada, sem demonstrar a
menor preocupação por eu entrar em sua casa sem permissão, passando
pelos seus homens como se não fossem soldadinhos de papel.
Enzo está ocupado cuidando disso, certamente.
— Então o que quer aqui? — pergunta o homem sem formalidades.
Coloquei as mãos nos bolsos da calça social e encarei Giovane,
mantendo a calma que me caracteriza.
— Marli, será que pode me trazer aquele uísque irlandês? — pedi
gentilmente à governanta, que tinha um rosto pálido.
— Como ousa entrar na minha casa e ainda dar ordens aos meus
funcionários? — Giovane interferiu irritado.
Mas eu mantive minha serenidade, especialmente quando sabia
quais cartas estavam na minha mão.
— Deveria tratar melhor suas visitas — zombei, deixando escapar
um riso presunçoso.
Aproximo de uma das poltronas de couro escuro, sentindo o
material firme e frio sob minhas mãos antes de me sentar. A governadora
sai da sala silenciosamente, como uma sombra que se esvai.
Inclinei a cabeça para trás, fechando os olhos por um momento
enquanto soltava um suspiro profundo.
— Soube que tem se ocupado, tentando derrubar a minha empresa
— comento casualmente. — Tenho que admitir que, durante todos esses
anos, jamais imaginei que fosse capaz de ir tão longe.
Giovane permaneceu em pé, seu olhar fixo em mim, transbordando
um desprezo mal disfarçado.
— Se está aqui para me ameaçar, economize seu fôlego — ele
indaga.
— Marli está demorando com o meu uísque — resmungo, dando de
ombros e ignorando o comentário de Giovanni.
Ele mantém a postura rígida antes de se acomodar na poltrona em
frente à minha, o couro range sob seu peso.
— Por que não diz logo o que quer, Ares? — Giovanni se ajeitou,
cruzando uma perna sobre a outra. — Já sabe que tive influência na
investigação da sua empresa, então vamos ser breves.
Passei a mão pela barba, sentindo os fios ásperos enquanto um
sorriso divertido se formava em meus lábios.
— Não sabia que você era tão influente — murmuro em
provocação, então avisto a governanta retornando com uma bandeja de
prata, equilibrando o uísque que eu havia pedido e dois copos cristalinos.
Esperei pacientemente enquanto ela enchia os copos, entregando um
a cada um de nós, e se retirar em silêncio. Levei o copo aos lábios,
apreciando o calor do líquido descendo pela garganta em um gole generoso.
— O tempo que fiquei fora me serviu para algo — Giovane rebate
continuando o assunto.
— Eu trouxe algo para você, como uma forma de retribuir sua
gentileza e entusiasmo em me ajudar com meus negócios — menciono,
notando como seus olhos se estreitaram ao perceber o meu tom de voz
ácido.
Deposito o copo na mesinha ao lado. Abri meu paletó, revelando um
envelope guardado no bolso interno, e o arremessei na direção de Giovane.
Ele o pegou no ar com agilidade.
— O que é isso? — pergunta.
Voltei a pegar o copo de uísque, girando o líquido âmbar em seu
interior antes de responder com um tom desinteressado.
— São exames da sua irmã, comprovando seu estado mental… Ah,
e tem umas cartas de amor para você aí também. Não vai me dizer que não
sabia que a sua irmã era louca por você.
Observei com satisfação, o rosto do meu ex cunhado se contorcer de
raiva e choque.
— Mas meu palpite é que você já sabia. Por isso foi embora e nunca
mais quis saber dela — levantei meu copo em um gesto irônico de brinde.
O silêncio parece sufocá-lo, sua mão aperta o envelope com tanta
força que os nós dos seus dedos ficam aparentemente brancos.
— Sophia parecia bem quando nos casamos, mas com o passar dos
meses, ela não conseguia mais responder por si. Estava descontrolada... As
cartas, eu só descobri quando ela faleceu. Talvez seu sofrimento tenha sido
causado pela rejeição, mas não consigo interpretar isso... vocês eram
irmãos. Como ela poderia sentir um amor platônico por você?
Giovanni levanta abruptamente.
— Sabe a merda que você está falando? Ela era minha irmã! — Seu
tom de voz e de indignação.
— Foram criados como irmãos, mas não tinham o mesmo sangue.
Isso não os impediria de ter algum envolvimento amoroso. E isso soa tão
nojento — respondo, observando cada detalhe em seu rosto. A mandíbula
travada, os lábios comprimidos, e os olhos ardendo de fúria. — Fico me
perguntando se você era amante da própria irmã enquanto ela era casada
comigo.
Ele avançou, agarrando minha camisa com força, os músculos
retesados pela raiva. Um sorriso se espalhou pelo meu rosto.
— Nunca toquei nela — Giovanni murmura entre dentes. — Eu a
respeitava.
Meu sorriso fica ainda mais largo. Com um movimento, segurei suas
mãos, obrigando-o a me soltar. Ajustei minha postura, alisando a camisa
amassada e reposicionando a gravata no lugar, mantendo o olhar fixo em
seu rosto.
Giovane recua alguns passos, as mãos cerradas em punhos ao lado
do corpo, a respiração pesada revelando a raiva e o descontrole.
— Há quanto tempo você sabe disso? — Sua voz sai como um
rosnado.
— Eu não sabia. — Respondo, balançando a cabeça lentamente,
alcançando o copo de bebida novamente. — Desconfiava… mas agora você
acabou de me confirmar.
— Você é sempre assim, manipulador. — Giovanni vocifera como
um insulto.
Manipulador não é a palavra certa; sou apenas um jogador
habilidoso.
Ele dá um passo à frente, ajeitando os cabelos com um movimento
brusco. Seu olhar, inicialmente endurecido, começa a suavizar enquanto
tenta recompor-se.
— Se eu fosse você, escolheria as próximas palavras com mais
cuidado. — aviso em voz baixa. — Ainda temos muito a discutir… e você
muito a perder.
— Ainda não entendi o que quer aqui, me confrontando… não vou
me submeter às suas ameaças. — sua relutância me deixa realmente
admirado.
— Eu quero que você pare de se meter nos meus assuntos. Esse
ódio todo que você nutre por mim, acreditando que fui eu quem matou sua
irmã, está começando a se desgastar. Uma das cartas que ela escreveu,
revela suas condições mentais. — digo
Giovanni enfia as mãos nos bolsos, jogando a cabeça para trás em
um gesto rápido, e sorri frustrado.
— Está me dizendo que minha irmã se matou por que estava louca?
— Ele pergunta.
— Em outras palavras, sim. Já lhe dei todas as provas. Você conhece
a caligrafia dela. Tire suas próprias conclusões. — Respondo, deixando a
verdade pairar no ar entre nós.
Ele me encara por um longo momento, até levantar a voz.
— E por que motivo resolveu provar sua inocência só agora, Ares?
Seguimos em guerra há muitos anos… — pergunta desconfiado.
— A influência que você tem pode me ser útil.
Giovanni dá uma risada amarga desacreditado.
— Deve estar louco se pensa que eu o ajudaria com algo. Nós nunca
seremos aliados. — Afirma com uma certa convicção.
Umedeço os lábios e balanço a cabeça.
— Às vezes, interesses comuns podem criar parcerias improváveis.
— Dou de ombros.
Meu ex cunhado estreita os olhos, tentando decifrar o que eu estava
querendo dizer.
— Não estou interessado em jogar seus jogos, Ares. O que
realmente quer de mim?
Dou um passo em sua direção, diminuindo a distância entre nós.
— Não é o que eu quero de você — começo. — Mas o que posso
oferecer em troca do seu apoio. — Pauso por um momento, observando sua
reação. — Soube que seu pai foi assassinado pela La rosa nera há alguns
anos. E também sei que você busca vingança.
Seus olhos finalmente foram traídos por uma faísca de interesse.
Eu toquei na ferida certa.
— Posso te dar o que precisa para encerrar essa questão — deixo
claro que minha oferta não é uma simples barganha.
— Por que eu me aliaria a um inimigo para derrubar outro? — há
uma desconfiança em sua voz.
— Sou o tipo de inimigo que você vai querer manter por perto,
acredite. Os dias do Don Mário estão contados. — Um sorriso frio surge em
meu rosto.
Ele me encara surpreso.
— Você está me dizendo que planeja matar o Don da La rosa nera?
— Não apenas o matar — murmuro. — Mas também tomar o
controle da La rosa nera.
Ele sorri de uma forma cínica.
— Isso seria absurdamente impossível, Ares… — diz.
Inclino a cabeça ligeiramente.
— Está me subestimando. — respondo, com uma calma
ameaçadora. — fui capaz de matar meu pai, meu próprio pai. Don Mário?
Um mero nada para mim. Eu não tenho limites quando se trata de alcançar
meus objetivos.
— Se está tão determinado, por que ainda não o matou? — Ele
pergunta, levantando uma sobrancelha.
Poderia dizer que estou esperando há mais de quatro anos
planejando isso, mas prefiro uma resposta mais estratégica.
— Ele se esconde bem — respondo. — E é exatamente por isso que
ainda não o alcancei. E é nisso que sua influência me ajudaria. — explico.
— Como pensa que meus contatos poderiam encontrá-lo? Acha que
já não tentei isso quando meu pai morreu? Ele é um homem velho e sabe
muito bem como se esconder. É um estrategista hábil.
— Não estou interessado apenas na sua influência, Giovane, Preciso
dos nomes dessas pessoas influentes. Mário está envolvido em algo
extremamente sujo, e essas pessoas podem me estar na lista.
Ele franze a testa, sua expressão se tornando mais séria.
— Que tipo de sujeira você está mencionando?
Pondero se devo dizer ou não, ainda não é certo se Giovane vai
jogar do meu lado.
— Há alguns dias, recebi uma mercadoria em meu território. Eram
crianças que seriam enviadas para um laboratório, onde teriam seus órgãos
removidos e vendidos. Estavam a caminho da La rosa nera. — Faço uma
pausa para garantir que ele entenda a gravidade.
— Isso é desprezível
— Então, posso contar com a sua colaboração como aliado? —
pergunto.
— Não pretendo me aliar a você, Ares — ele responde. — Mas, se
você puder me entregar a cabeça de Don Mário, podemos fazer uma trégua
temporária. No entanto, quando isso acabar, ainda vou querer vê-lo morto.
Suspiro, achando sua fala um tanto equivocada.
— Então, entre na fila — digo, com um tom frio e decidido.
Capítulo 19

Após dispensar Enzo e guardar o carro na garagem, me preparo para


entrar em casa. Mas um som de água correndo desperta meus sentidos. Viro
o rosto em direção à piscina. À primeira vista, nada parece fora do comum,
exceto pela grande cabeleira ruiva brilhando sob a luz da noite. Ela está
sentada na beira da piscina, os pés descalços mergulhados na água, e as
mãos apoiadas no mármore atrás do corpo. Parece perdida em seus
pensamentos, os olhos fixos no azul da piscina.
Aproximo-me lentamente, com passos silenciosos, sem dar qualquer
indício de minha presença. No entanto, como se pudesse sentir minha
aproximação, ela se vira suavemente, lançando-me um olhar sobre o ombro,
logo ela desvia o olhar, voltando sua atenção para a água.
Permaneço de pé, a alguns metros de distância, observando suas
costas, e os cabelos ondulados caídos sobre os ombros.
— Deveria estar dormindo — digo, quebrando o silêncio.
— Queria tomar um ar fresco — a voz feminina responde, sem se
mover. O som de seus pés batendo levemente contra a água faz com que eu
me aproxime, até que fico ao seu lado, observando-a mais de perto.
Ela mantém o olhar fixo na piscina.
— Não quer entrar? — pergunto, inclinando-me um pouco, tentando
decifrar seus pensamentos.
— A água está gelada — murmura, virando o rosto para mim, os
olhos castanhos encontram os meus.
Sem responder, começo a afrouxar a gravata e, em seguida,
desabotoo lentamente a camisa, deixando que a peça deslize pelos meus
ombros e caia no chão. Sinto o olhar de minha esposa cravar em mim,
analisando cada movimento enquanto me dispo na sua frente.
— O que está fazendo? — ela pergunta, mordendo
despercebidamente os lábios rosados.
— Vou entrar na água — respondo, lançando-lhe um olhar
provocador.
Apenas de cueca, mergulho na piscina com um salto rápido. A água
fria envolve meu corpo de imediato, um choque que desperta meus
sentidos, mas não me incomoda, Ao emergir, sacudo a cabeça, jogando para
trás o excesso de água enquanto passo as mãos pelos cabelos.
— Não é corajosa o suficiente para enfrentar a água fria? —
estímulo provocativo com um sorriso propício.
Ela solta um suspiro, pressionando as mãos nos joelhos, enquanto
me observa de cima.
— Nem estou vestida para isso, Ares.
— Não me importo que fique nua — afirmo, sem vacilar.
Isabella esboça um sorriso, divertido e tentador, e inclina a cabeça
para o lado.
— Você briga comigo quando coloco um biquíni, mas nadar nua não
é um problema? — seus olhos ganham um brilho.
— Apenas eu estarei vendo — digo, abrindo um sorriso audacioso.
— Então não tem problema nenhum em ver minha mulher nua.
Ela ri baixinho, balançando a cabeça.
— Isso seria loucura. E se alguém aparecer aqui? — Murmura
apreensiva.
Ela mal percebe quando já estou perto o suficiente para tocar sua
coxa exposta. Sinto seu corpo dar um pequeno sobressalto pelo susto
enquanto me posiciono entre suas pernas, minhas mãos firmes na sua
cintura.
— Ninguém vai aparecer — asseguro, num impulso, puxo-a para
dentro da água. Seu corpo se afunda rapidamente, e suas mãos se apoiam no
meu peito em reflexo. Ela ofega, surpresa pela temperatura fria da piscina.
— Minha roupa! — ela exclama, piscando os olhos enquanto a água
gelada escorre dos seus cabelos ruivos. Então, me empurra com força. —
Que droga, Ares!
Eu apenas sorrio, achando sua reação adorável. A raiva em seus
olhos, as bochechas coradas e as sobrancelhas franzidas a deixam ainda
mais irresistível.
Ela tenta se afastar, nadando em direção à borda da piscina, mas sou
mais rápido. Em poucos segundos, a encurralo, posicionando meus braços
de cada lado de sua cabeça, deixando-a presa contra a parede, seu corpo
entre o meu e a beira da piscina.
— Você não precisa de roupa quando estamos juntos, Bella mia —
murmuro em voz baixa.
Isabella ergue o olhar, os lábios franzidos ainda brava.
— Em algum momento você pensa em fazer algo comigo que não
seja sexo? — sua pergunta tem uma pitada de frustração.
Encaro seus olhos castanhos.
— Preciso te engravidar, é por isso que só penso em sexo — Com a
ponta dos dedos, toco suavemente seu queixo, inclinando seu rosto para
mim.
Noto sua blusa começando a flutuar, se erguendo levemente sobre a
água. Sem hesitar, puxo o tecido, e Isabella levanta os braços com uma
facilidade que me surpreende. Meu olhar permanece fixo nela, na minha
ruivinha.
Suas pequenas mãos cobrem os seios, envergonhada, revelando que
estava sem sutiã.
— Tire as mãos. — digo ronronando
Ela engole em seco, mas obedece.
Minha recompensa é a visão perfeita de seus seios nus, a pele pálida
marcada por mordidas e chupões, evidências das nossas noites anteriores.
Meus lábios traçam caminho pelo seu pescoço enquanto minhas
mãos descem, lentamente, até seu short. Com um gesto, o deslizo pelas suas
pernas, deixando-a vestida apenas com a calcinha.
— Você me faz sentir como um maldito adolescente desesperado
para foder. — sussurro, mordendo o lóbulo da sua orelha.
Seu corpo se contorce sob o meu.
— Vai parar de me procurar quando eu estiver grávida? — a
pergunta sai com um gemido baixo, quase suplicante.
Sorrio contra a pele macia do seu pescoço.
— Ver você gravida só vai me deixar com mais tensão. Não existe a
menor chance de eu abandonar a sua bocetinha querida.
A coloco de costas para mim, pressionando sua bunda contra o meu
corpo.
— Coloque a calcinha de lado para mim. — Peço, alisando os
cabelos ruivos molhados para o lado.
Ela se segura no mármore da borda da piscina, e, com mãos
delicadas, arrasta o tecido da calcinha para o lado, conforme instruído.
Desço minha cueca, liberando meu pau, e abro suas pernas um
pouco mais. Dou uma mordida lenta nas suas costas, sentindo seu corpo
tenso.
— Relaxe, não vai doer. — Tento tranquilizá-la.
Isabella suspira e me lança um olhar por cima do ombro.
— Eu estou dolorida, vá devagar, por favor. — Pede com uma voz
manhosa.
— Vou tentar. — Ofereço um meio sorriso e com um impulso, entro
por inteiro.
Me controlo com dificuldade para não ir rápido ou com demasiada
força, ajustando meu ritmo apenas ao suficiente que sei que ela pode
suportar. Levanto uma de suas pernas, ajustando sua posição para maior
conforto. A água ao redor cria um som molhado e rítmico à medida que
nossos corpos se encontram e se afastam.
Isabella mantém as mãos segurando firmemente a borda da piscina,
suas unhas cravadas no mármore, enquanto eu desço uma mão entre suas
pernas. Deslizo meus dedos até seu clítoris, explorando com movimentos
circulares.
Seus gemidos são abafados, uma série de murmúrios baixos que
aumentam minha excitação. Adoro ver a entrega dela, e meu objetivo é
fazê-la atingir o clímax antes de mim.
Quando percebo que ela está prestes a chegar ao orgasmo,
intensifico os movimentos, aumentando gradualmente a velocidade. Não
consigo evitar acelerar o ritmo, e ela solta um pequeno grito de prazer, sua
cabeça pendendo para frente e sua respiração se torna descontrolada. Seu
corpo relaxa e se amolece sobre o meu, e eu sinto a pressão dela esmagando
meu pau enquanto goza.
Deixo que ela descanse por um momento, permanecendo dentro
dela, antes de começar a me mover novamente. Seguro seu quadril firme e
retomo o ritmo, agora lento e deliberado. Sinto sua boceta quente e apertada
ao meu redor, tentando se ajustar e receber-me ainda mais fundo. Meu pau
desliza com facilidade, entrando e saindo de sua entrada, enquanto ela luta
para me acomodar.
No auge do prazer, explodo dentro dela, jorrando meu líquido
quente. Seguro sua cintura com força, sentindo sua boceta contra o meu
pau, sugando cada gota da minha porra.
Me encosto nas suas costas, cheirando seu cabelo como um animal
cheirando sua fêmea.
Meu coração bate descontroladamente, e sinto um calor intenso
arder no meu peito. Esse sentimento, eu não reconheço. Conheço o ódio, a
dor, o desprezo, a raiva, até mesmo o medo. Mas o amor? Nunca o senti. E
me apaixonar pela filha do inimigo era algo impensável, mas é exatamente
o que está acontecendo. Estou permitindo que ela me enfeitice.
Ela só precisava me dar um filho. Não deveria importar se ela se
alimenta bem, quais livros ela gosta de ler, ou o tamanho das roupas que
veste. Não havia motivo para eu querer colocar um quadro nosso no meu
escritório, apenas para ver um sorriso em seu rosto. Eu não precisava me
importar tanto com essa mulher… mas, de alguma forma, eu me importo.
Ao contrário dos outros sentimentos, o amor não apenas te
enfraquece, ele te torna vulnerável e tem o poder de te destruir, te faz sentir
traído. E eu não posso permitir que essa maldita fraqueza fale mais alto do
que minhas ambições.
Recupero meus sentidos e me afasto. Apoio os braços nas bordas da
piscina, saindo sem olhar para trás enquanto começo a me vestir.
— Saia logo daí e se vista. — ordeno com um tom rude.
Espero que ela retruque, que demonstre o atrevimento de sempre.
Mas tudo que ouço é o som da água escorrendo de seu corpo.
Isabella se veste em silêncio, sem sequer me lançar um olhar. Com
gestos controlados, ela torce o cabelo e adota uma postura séria, como se
nada tivesse acontecido entre nós minutos atrás. Ela parece mais
conformada com o que somos do que eu, e isso me assusta.
— Vamos. — diz, com um leve aceno de cabeça, erguendo o queixo
e caminhando à frente, segura.
Agora, sou eu quem parece um cachorro abandonado.
Jogo a camisa sobre o ombro e a sigo, sem outra escolha além de
caminhar em sua direção.
Ao atravessarmos a sala, meus olhos captam a silhueta parada perto
da grande janela. Eu sabia muito bem quem era, mas continuei seguindo
Isabella em direção ao nosso quarto. Estava decidido a ignorar, até ouvir a
voz me chamar.
— Ares, filho, preciso falar com você. — A voz dela faz Isabella
parar, e eu também.
— Podemos conversar amanhã. — Corto, seco.
— Não posso esperar até amanhã. É importante. Me escute. — ela
insiste.
Faço um gesto para que Isabella continue subindo, e me movo
lentamente em direção à sala, sem me importar com meu estado. Me jogo
em um dos sofás com desdém.
— O que pode ser tão importante assim? — pergunto, inclinando a
cabeça para trás, fixando meu olhar no teto.
— Sierra me ligou. Disse que sua esposa questionou a forma como
ela está educando a sobrinha. — Suspiro, irritado.
— Isso não é da sua conta, Rafaela. E muito menos algo digno de
discussão. Isabella só queria ajudar uma criança, nada mais. — Minha voz
sai fria.
— Sierra jamais faria mal a uma criança, Ares. Eu a conheço há
anos. Ainda mais se essa criança é sua sobrinha. Você precisa fazer aquela
bastarda pedir desculpas. Não é papel dela se intrometer na criação de filhos
em casas que não são a dela. — As palavras de minha mãe saem cobertas
de veneno.
Mordo o lábio para conter a raiva.
— Chame minha esposa de bastarda de novo, e eu juro que será a
última vez que você falará com essa língua. — Ameaço, Ela me encara,
sem palavras, e eu continuo: — Conheço as regras, e Isabella não fez nada
de imprudente. E você não tem direito nenhum de falar sobre criação.
Os olhos verdes me fulminam com ódio, mas isso não me atinge.
Ela pode manipular meus irmãos, mas não a mim. Conheço muito bem suas
artimanhas, afinal, além dos olhos, herdei sua malícia.
— Você está realmente me ameaçando por causa dela? Eu sou sua
mãe, Ares. — Ela tenta recorrer ao sentimentalismo, algo que nunca
funcionou comigo.
— Não é a primeira vez. — dou de ombros, impassível. — E da
próxima, não será uma ameaça. Irei cumprir, sabe muito bem que não
machuco mulheres, mas tenho outras maneiras de te atingir.
Ela engole em seco, e por um momento vejo o medo atravessar seu
olhar.
— Será que nunca vai me perdoar? Eu estava doente, Ares…
— Nunca vou entender como uma mãe pode deixar seu filho nas
mãos de um maníaco e não mover um dedo para ajudar. — Um sorriso
amargo se forma em meus lábios.
Antes que ela pudesse responder, o som de uma porta batendo com
força ecoa pela sala. Olho em direção ao barulho e vejo Adryel, a poucos
metros de distância. Não preciso me aproximar para saber que ele passou a
noite em alguma boate, exalando o cheiro inconfundível de sexo e álcool,
levando a sério demais os conselhos de Andreas.
Essa é a minha deixa, para me retirar da sala.
— Boa noite. — Cumprimento meu irmão dando um toque no seu
ombro, e subo as escadas.
Capítulo 20

Passaram exatamente uma hora e quarenta minutos desde que


pousamos em território russo. Sim, eu contei.
É a primeira vez que fico tão longe da minha esposa, e essa
sensação de vazio no peito está me consumindo.
Que merda é essa… saudade?
Além do meu irmão, trouxe mais três homens de confiança comigo.
Optei por deixar Enzo, porque sei que Isabella tem mais afinidade com ele.
Caso ela precise de algo, terá a quem recorrer. Ainda assim, a simples ideia
de que ela possa depender de outro homem já me irrita profundamente.
Andreas ficou responsável por cuidar de tudo enquanto estou fora
neste fim de semana. Devemos estar atentos, já que a qualquer momento
Don Mário pode voltar a atacar. Ele é imprevisível.
— Nosso compromisso é daqui a algumas horas… — Comento
disperso ao meu irmão.
Ele está claramente mais inquieto. Não sei se o nervosismo é por
estar prestes a se amarrar a alguém ou pelo fato de que vai conhecer o pai
da sua futura noiva.
— Como você se sente barganhando seu próprio irmão? — ele
debocha, soltando uma risada irônica.
Estávamos hospedados em um quarto de hotel com uma excelente
vista da cidade, e agora observávamos a paisagem da sacada.
— Você sabe que isso são apenas negócios. Não queria te empurrar
para um casamento dessa forma, mas é necessário — admito, embora sem
muito remorso.
— É estranho casar com alguém que você mal conhece. Como vou
saber se ela é boa de cama? — seu comentário me arranca uma risada.
— A ideia do casamento nos nossos costumes é que a noiva se case
virgem. Se ela é boa de cama ou não, você vai ter que descobrir depois —
digo. — Além disso, a garota tem 19 anos. Você pode se casar com ela
quando ela fizer 20. Nesse meio-tempo, vocês terão a chance de se
conhecer melhor. — proponho. — O importante é manter sua palavra a
Ivan.
Ele solta um suspiro pesado, os ombros levemente caídos enquanto
revira os bolsos da calça em busca do maço de cigarros.
— E você? Já conseguiu engravidar sua esposa? — A voz de Adryel
é de curiosidade, mas também contém um pouco de provocação.
Respiro fundo, tentando disfarçar o desconforto que a pergunta
provoca. Minhas mãos afundam nos bolsos da calça.
— Ainda nada — respondo sentindo a garganta seca.
Ele acende um cigarro, o clique do isqueiro quebrando o breve
silêncio. Ele inspira profundamente, soltando uma nuvem de fumaça.
— Já pensou na possibilidade de ela não poder te dar filhos? Ser
infértil — ele solta a frase com naturalidade.
O impacto das palavras me atinge como um soco no estômago. A
raiva sobe rápido, queimando dentro de mim. Mesmo que fosse uma
possibilidade, era uma possibilidade que eu odiava considerar.
— Ainda é cedo para tirar conclusões. — retruco, tentando controlar
o tom da minha voz. — Ela fez exames antes do casamento e todos estão
com bons resultados.
Meu irmão pigarreia, virando o rosto rapidamente para me encarar.
— Fico me perguntando… quando chegar a hora, você vai
realmente usá-la para o seu interesse, irmão? — ele provoca deixando um
questionamento.
— Por que eu desistiria de algo que passei anos planejando? —
retruco, Ele sabe o quanto isso é importante para mim.
Adryel solta um suspiro, balançando a cabeça.
— Talvez porque goste dela — ele diz com um tom sério. — Vamos
ser francos, ok? Você poderia ter deixado que eu ou Andreas se casasse com
ela, não afetaria seus planos. Mas você determinou que ela seria sua. Tem
noção de que você esperou por uma mulher, quando poderia ter qualquer
outra que quisesse? Isso não tem a ver com o pai dela, e você sabe disso.
Tem a ver com você.
Por um momento, sinto o coração apertar no peito.
— Isso não muda nada — mostro desinteresse. — Os planos
continuam os mesmos. Sempre faço o que preciso para atingir meus
objetivos.
Adryel esboça um sorriso cínico e inclina-se ligeiramente sobre o
mármore.
— Claro… — murmura. —
Isabella pode parecer ingênua, mas é astuta. Se suas memórias
voltarem, não demorará para que as peças se encaixem, e ela descubra que
nosso casamento não passa de uma bela farsa. E que eu a escolhi com um
propósito bem definido.
Marcamos um encontro formal na mansão dos Baranovskiy, onde os
interesses de ambos os lados seriam colocados à mesa. Ivan queria casar sua
única filha, enquanto eu desejava a cabeça de um traidor. Seria uma
negociação vantajosa se eu conseguisse sua cooperação, afinal, Ivan era o
braço direito do Don da Bravta.
Ao chegarmos, fomos recebidos com cordialidade e conduzidos até
o escritório por uma das funcionárias da casa. A mulher, vestida em seu
uniforme azul, abriu uma porta de madeira pesada e nos indicou que
entrássemos. Meu irmão, sempre indiscreto, lançou um sorriso para a moça,
que corou levemente. Lhe dei um olhar de advertência, não era o momento
para paqueras ou distrações.
— Bem-vindos à minha casa — Ivan nos saúda assim que
atravessamos a soleira, estendendo a mão em um gesto firme de
cumprimento. — Agradeço por aceitarem meu convite.
Ivan, já é um homem de idade, aproximava-se dos 60 anos, mas sua
aparência denotava cuidado. Os cabelos grisalhos penteados para trás, e o
terno, feito sob medida, transmitia poder e autoridade.
— O prazer é todo nosso — Adryel comenta em um tom irônico.
— Nós que agradecemos pela hospitalidade — interrompi antes que
o sarcasmo de meu irmão o levasse a dizer algo inadequado.
— Fiquem à vontade — Ivan indicou as poltronas de couro em
frente à sua mesa robusta. — Aceitam alguma bebida? — ele oferece.
Recusei com um aceno de cabeça, mas Adryel, sempre mais
impulsivo, pediu um uísque.
Observei o líquido âmbar servido com cuidado. Ivan, sem perder
tempo, iniciou a conversa:
— Não vamos nos alongar, certo?
— Direto ao ponto — concordei, cruzando os braços enquanto meu
irmão levava o copo à boca, tentando mascarar seu nervosismo com um
gole da bebida.
Ivan relaxa na poltrona, um sorriso discreto de satisfação se
formando em seus lábios.
— Como já devem saber, ofereci a mão da minha filha em
casamento para sua família — ele parou por um momento, tossindo
levemente antes de continuar. — Proponho uma união entre nossas famílias
e, com ela, uma aliança.
— A ideia me agrada, Ivan — comentei com um tom firme,
gesticulando na direção de Adryel. — Inclusive, trouxe meu irmão para
conhecer sua filha.
— Isso é excelente — Ivan parece entusiasmo pelo tom de voz.
— No entanto — inclinei-me um pouco para frente, fitando seus
olhos. —. tenho uma exigência.
Adryel permaneceu ao meu lado, em silêncio, atento.
— Pode falar — Ivan diz, a curiosidade estampada em seu rosto.
— Sei que Adriano Rucci está sob a proteção da Bravta, mas para
nós, ele não passa de um rato traidor. Se vamos formar uma aliança, quero
Adriano. — falo sem rodeios.
O semblante de Ivan se fecha imediatamente, endurecendo com a
gravidade do pedido.
— Não posso entregar um homem que está sob a proteção da
Bravta, Ares — ele responde com um tom frio e duro.
Sacudi a cabeça, reprovando sua resposta.
— Você é o braço direito de Aron, o chefe da Bravta. Pode pedir
isso a ele — rebati.
— A Bravta não funciona assim. Traidor ou não, Adriano é
intocável enquanto estiver sob nossa proteção. Romper com isso seria um
ato que colocaria em risco todo o código de confiança que mantemos —
fala Ivan com um tom mais sério, quase paternalista. — Eu não posso
simplesmente pedir a cabeça dele. Isso traria problemas.
Adryel olhou para mim de canto de olho, visivelmente
desconfortável com o rumo da conversa. Eu por outro lado, não pretendia
recuar. Eu tenho as cartas certas, eu sempre tenho…
— Um casamento, faria uma aliança entre nossas famílias. Mas essa
aliança precisa começar com confiança. E eu não confio em uma
organização que protege ratos. — Desdenho. — Se você quer esse
casamento, quero Adriano. Sem ele, não temos mais nada para conversar.
— faço uma pressão maior.
Ivan me encara por alguns segundos. Finalmente, ele solta um
suspiro pesado, os ombros caindo um pouco.
— Vou falar com Aron, mas não posso garantir nada. Quando
damos a proteção a alguém, é necessária uma votação, e o mesmo
procedimento se aplica para revogá-la
— Creio que você vai conseguir. — afirmei, dando um leve sorriso,
frio e calculado. — Afinal, essa aliança é do interesse de todos, não é?

Deixamos a casa de Ivan algumas horas depois. Ele não é um


homem tolo; sabe usar sua influência a seu favor, e tenho certeza de que vai
conseguir me entregar Adriano, então fico despreocupado quando isso.
Me jogo em uma das poltronas do grande quarto, ainda indeciso
sobre ligar ou não para Isabella. Enzo já me informou todos os seus passos
ao longo do dia, mas isso não é suficiente para acalmar meus nervos. Há
algo em mim que anseia, quase desesperadamente, por ouvir sua voz, como
se isso fosse a única coisa capaz de trazer algum tipo de calma.
A conversa que tive com Adryel mais cedo não sai da minha cabeça.
E se ele for infértil? Poderia ser esse o motivo pelo qual ainda não
engravidou? Balanço a cabeça como se pudesse afastar esses pensamentos.
Rolo a lista de contatos até encontrar o número dela. Oscilo entre
ligar ou não, mas acabo por apertar o botão de chamada.
Quando estou prestes a desistir, ela atende
— Oi. — Sua voz é baixa, doce, imediatamente sinto um sorriso
involuntário se formar no meu rosto.
Seguro o celular ao lado do rosto, pendendo a cabeça para trás na
poltrona.
— Oi. — respondo soando casual sem muita empolgação. — Está
indo dormir? — pergunto.
— Sim.
— Você fez suas refeições hoje? — encaro o teto esperando sua
resposta.
— Achei que você recebesse relatórios sobre isso... — responde com
uma ponta de ironia, a voz ligeiramente afiada, me arrancando um riso
contido.
— E recebo. — admito, o riso ainda dançando em meus lábios. —
Mas prefiro ouvir de você.
Há um breve silêncio do outro lado da linha, e eu quase consigo
imaginá-la mordendo o lábio, e fazendo um bico de raiva.
— Fiz todas as refeições. — responde por fim. — Ares… você vai
demorar para voltar? — a pergunta inflama meu ego, por pensar que ela
esteja sentindo minha falta.
— Não sei quando eu volto. — respondo. — Tenho uma questão
importante para resolver ainda.
Posso sentir a rigidez em sua respiração, sei que minha resposta não
foi o que ela queria ouvir.
— Estou um pouco cansada, acho que vou dormir. — corta, a fim de
terminar nossa conversa
Com poucos meses de casados já a conheço, quando ela reage
assim, sei que está incomodada, mas é orgulhosa demais para deixar
transparecer qualquer requisito.
— Espera… — interrompo, antes que ela tenha a chance de desligar.
— Eu quero uma coisa.
— O quê? — A voz feminina se mostra curiosa.
Sorrio de leve.
— Uma foto. — digo com uma intenção clara. — Quero ver como
você está deitada na nossa cama.
Do outro lado da linha, o silêncio se prolonga, a ponto de eu quase
acreditar que ela desligou sem se despedir. Estou prestes a conferir quando
uma notificação surge na tela, me fazendo afastar o aparelho do ouvido. Um
pequeno sorriso curva meus lábios ao ver o que aparece na barra de
notificações.
Uma foto dela, deitada na nossa cama, vestindo uma camisola de
cetim vinho. As alças escorregam pelos ombros, revelando seus seios
pequenos, expostos de um jeito que me faz perder o fôlego por um instante.
Ela tirou a foto de um ângulo cuidadosamente planejado, provocante,
sabendo exatamente o efeito que causaria em mim.
— Você recebeu? — A voz dela, doce e baixa, me arrasta para a
realidade, mas meus olhos continuam fixos na imagem.
— Sim. — respondo em um tom rouco.
Eu seria um desgraçado por me imaginar no meio daqueles
pequenos e lindos seios? Sim, eu seria. Mas a verdade é que não consigo
evitar.
Volto a colocar o celular no ouvido, afastando a tela da visão.
— Vou deixar que descanse. Boa noite, Bella mia.
— Boa noite, marido. — diz suavemente antes da linha ficar muda.
Ainda com o celular na mão, abro novamente a conversa, meus
olhos famintos voltando para a foto. A visão de Isabella, deitada na nossa
cama, é um convite para o pecado. Analiso cada detalhe como se fosse uma
obra de arte, o que de fato é, aquela mulher é uma obra de arte linda do
caralho, e ela é minha.
Capítulo 21

Ares
Estranho a forma como meu celular começa a tocar incessantemente
enquanto estou no banho. Enrolo rapidamente uma toalha na cintura, e
passo a mão pelos cabelos para remover o excesso de água. Pego o aparelho
que está no balcão da pia e vejo o nome de Andreas na tela. Limpo o
espelho à minha frente com o braço enquanto levo o celular ao ouvido.
— Aconteceu alguma coisa? — sou o primeiro a perguntar, com um
pressentimento inquietante.
Do outro lado da linha, ouço um suspiro profundo e meu irmão
começa a falar.
— Isabella sofreu um acidente.
Fico imóvel, tentando processar o que acabei de ouvir. A minha
esposa está ferida.
— Como assim, acidente, porra? — exijo, minha voz se exalta.
— Eu não sei… parece que foi na escada. Os médicos já estão aqui.
— tenta explicar meu irmão.
— É algo grave? — Pergunto sem esconder a minha preocupação
que algo tenha acontecido com ela, mal percebo que já estou fora do
banheiro e caminhando de um lado para o outro dentro quarto.
— Estão avaliando ainda — responde ele.
Não preciso pensar muito sobre o que tenho que fazer.
— Vou voltar para casa imediatamente. — digo sem espaço para
contestações.
— E Ivan?
Eu não poderia esquecer que havia um motivo pelo qual eu estava
na Rússia, precisava levar Adriano, insípido esfrego a têmpora com a ponta
dos dedos.
— Adryel cuida disso. Ivan vai ser o sogro dele. — o nervosismo
começa a transparecer na minha voz.
— Está bem, farei isso — responde Andreas com um tom tenso. —
Eu te atualizo assim que tiver mais informações.

O jatinho demorou cinco horas para pousar, e mais uma hora até que
Enzo chegasse para me buscar. Quando o carro mal estacionou, eu já abri a
porta com impaciência, partindo em direção à mansão sem esperar. Ao
cruzar a sala, a primeira pessoa que vejo é Andreas, Antes mesmo que eu
pudesse perguntar, ele já me adianta o que eu precisava saber:
— Ela está lá em cima, no quarto.
Subo as escadas com uma rapidez que nunca tive. Ao chegar no
quarto, abro a porta de forma brusca. Assim que coloco os pés na soleira,
meu olhar se fixa na figura encolhida sobre a cama, coberta por uma fina
coberta, deixando à mostra apenas as pontas dos seus cabelos ruivos. Ela
parecia tão pequena, escondida, como se quisesse desaparecer.
Me aproximo lentamente, o colchão afunda sob meu peso. Tento ser
cuidadoso, mas a preocupação me corrói por dentro.
— Sou eu, me deixa ver você — murmuro já perto dela.
— Não… — Sua voz é frágil, trêmula, quase inaudível, e demora a
responder. Algo dentro de mim se acende, uma sensação incômoda, como
um alerta de que algo estava muito errado. Com calma, começo a puxar a
coberta que a cobre, mas ela se encolhe mais, resistindo, puxando de volta
com desespero, como se temesse ser vista.
— Preciso ver como você está… — insisto menos paciente. Desta
vez, puxo o cobertor com firmeza, sem espaço para resistência. Ela se
encolhe ainda mais, as mãos protegem o rosto junto aos cabelos ruivos que
caem desordenados.
Começo a afastar o cabelo que lhe cobre o rosto, mecha por mecha,
com cuidado. Seguro suas mãos sem muita força para não machucá-la. Mas
Isabella não cede, permanece rígida.
— Por que você não me deixa ver você? — Minha voz se eleva sem
que eu perceba, e ela se assusta com a intensidade. Puxo-a com mais força
para perto, obrigando-a a soltar as mãos do rosto.
— Tudo dói… meu corpo dói… — Sua voz sai embargada,
misturada com soluços. Ela está chorando? Meus olhos piscam, tentando
processar o que vejo. Paro por um momento, atordoado. O tempo parece
congelar.
A raiva ferve dentro de mim. Sinto meus olhos faiscarem com a ira
que ameaça me dominar.
— Quem fez isso com você? — pergunto, mais para mim do que
para ela, puxando-a para o meu colo. Seu rosto, e braços revelam
hematomas, o lábio cortado.
Seu olhar triste parece me consumir, enquanto as lágrimas lavam seu
rosto. Essa é a segunda vez que a vejo chorar, a primeira, foi na noite em
que consumamos nosso casamento. E vê-la assim está me dilacerando por
dentro, quero que ela pare.
— Não chore… — digo, quase suplicando. Tento, em vão, conter os
soluços que sacodem seu corpo.
Recosto sua cabeça contra meu peito, sentindo suas lágrimas
quentes molharem minha camisa. Sua respiração é errática, descontrolada,
com suspiros de angústia. Minha mão desliza lentamente pelos seus
cabelos, fazendo carícias suaves, tentando trazer algum alívio, alguma
calma, enquanto ela se dissolve em mim.
Quando percebo que o choro finalmente cessou, afasto-a um pouco,
meus olhos percorrem seu corpo, examinando com cuidado cada marca e
hematoma. Preciso saber até onde vão os ferimentos, se há algo mais grave
que ainda não percebi. Meus dedos tocam sua pele com gentileza, afastando
os cabelos de seu rosto, e, com a ponta do dedo, seco as lágrimas que ainda
mancham suas bochechas.
Seguro seu rosto delicado entre minhas mãos, firme o suficiente
para mantê-la centrada, mas com cuidado, como se temesse machucá-la
ainda mais. Meus polegares traçam uma linha suave ao longo de suas
bochechas, inclino seu queixo levemente para cima, forçando seus olhos
inchados e marejados a encontrarem os meus. As lágrimas ainda escorrem,
traçando caminhos em sua pele pálida, e seus lábios tremem.
— Consegue me dizer como isso aconteceu? — pergunto firme,
observando Isabella se recompor.
Ela enxuga o rosto com a manga do moletom, o olhar baixo,
evitando encontrar o meu.
— Eu me desequilibrei no degrau… e a sua mãe. — Ela faz uma
pausa, e vejo o conflito estampado em seus olhos.
O silêncio pesa entre nós. Meu subconsciente já começa a encaixar
as peças, formando a conclusão, então eu me obrigo a perguntar.
— Ela te empurrou? — Meus olhos buscam os dela, ansiosos por
uma explicação.
Isabella engole em seco, seus ombros tensionam, e o fôlego sai de
seus lábios como um suspiro de dor.
— Sim… — A palavra mal escapa de sua boca. Ela inspira com
dificuldade, como se o ar tivesse se tornado pesado demais para os
pulmões.
Meus músculos se retesam. Dentro da minha própria casa. Alguém
ousou machucá-la em minha ausência.

Isabella
Horas antes

Começo a rolar o feed de notícias no meu tablet, um pouco distraída


enquanto estou sentada em um dos bancos do jardim. Nunca fui do tipo que
se interessa pelos problemas do mundo, mas ocasionalmente leio algumas
manchetes, só para me sentir um pouco mais conectada. Enzo, parece um
poste imutável a alguns metros de distância, me observando com olhos de
águia. Ele me segue por toda parte, às ordens do chefe dele, claro. Ares
teme que eu fuja, como se eu já não tivesse deixado claro que não tenho a
intenção de ir embora.
— Você não cansa de ficar aí parado, não? — pergunto, chamando a
atenção do meu segurança.
Enzo apenas balança a cabeça em negação, impassível como
sempre.
Fecho o tablet com um gesto brusco.
— Só uma dúvida: meu marido mandou você me vigiar porque tem
medo que eu fuja, ou porque acha que eu vou estragar outro carro dele? —
a pergunta atrevida sai acompanhada de um olhar desafiador.
— Não sei, senhora. — Ele responde com uma postura séria.
— Não precisa me seguir por todo canto, eu não vou fazer nada. —
asseguro, cruzando os braços.
— Só estou seguindo ordens.
Suspiro, levantando-me de uma vez, dando alguns passos para
adentrar a mansão, mas vejo uma sombra atrás de mim. Paro e me viro,
apontando o dedo para Enzo com um toque de impaciência.
— Não precisa me seguir.
Enzo me encara inexpressivo, mas se afasta como se respeitasse a
minha ordem.
Solto alguns resmungos enquanto atravesso o corredor, subindo a
grande escada. A casa era vasta e bem dividida, o que me permitia evitar
encontros indesejados, especialmente com a mãe de Ares. Mas o universo
parecia conspirar contra mim, pois, no exato momento em que alcanço o
topo da escada, lá estava ela. Segurando o corrimão com desdém, seus
olhos me percorrem de cima a baixo como se eu fosse uma doença. Não me
deixo intimidar; sustento seu olhar frio e continuo em frente, ignorando sua
presença, como já fiz tantas vezes na mesa de jantar.
Mas, antes que eu consiga passar, sinto seu aperto firme no meu
braço, me obrigando a parar. Puxo o braço com força, surpresa pelo toque
inesperado.
— Sei que está fazendo a cabeça de Ares querendo mudar as regras
da nossa organização. — ela diz com desprezo.
Solto um suspiro e ergo o queixo, determinada a não me deixar
abalar.
— Não quero mudar regra nenhuma. — afirmo, apesar do
nervosismo estar crescendo dentro de mim.
— Você está se achando demais para querer se meter na educação
das crianças em suas casas. Como elas são educadas ou não, não é da sua
conta. — Ela rebate com veneno nos olhos. — Você é uma bastarda. Saiba
o seu lugar.
A palavra "bastarda" já não me fere como antes. Meus próprios tios
a jogavam na minha cara muitas vezes, então me acostumei. Mas o que
realmente me enfurece é vê-la defender Sierra por agredir fisicamente Mia.
Respiro fundo serena.
— Eu sei muito bem onde é meu lugar, e é ao lado do meu marido.
— Embora eu esteja fervendo de raiva por dentro, me controlo — E,
sinceramente, não dou a mínima para o que você pensa de mim.
Ela solta uma risada amarga, quase sombria.
— Acha que é uma de nós só porque carrega nosso sobrenome? Só
porque ganhou um título e veste roupas caras? — Seus lábios se curvam em
um sorriso cruel. — Querida, eu não sei o que meu filho viu em você para
te achar especial, mas vou te garantir uma coisa: esse seu conto de fadas
não vai durar. Ares quer um filho, e o seu sangue de bastarda não é nobre o
suficiente para isso.
— Se alguém ouvir você falando assim, vai parecer que você está
enciumada — murmuro com um toque de ironia.
A mulher avança um passo, parando bem na minha frente, sua
feição mistura surpresa e indignação.
— Como você se atreve a fazer uma insinuação dessas?
— Não. — nego balançando a cabeça. — não fiz nenhuma
insinuação, mas talvez a senhora tenha se sentido ofendida.
A mulher agarra um dos meus ombros com uma força inesperada.
Como estou de costas para a escada, o impulso me faz perder o equilíbrio.
Tento me estabilizar, forçando os braços para frente para me apoiar, mas
antes que eu consiga, sinto um empurrão de Rafaela.
Consigo discernir sua expressão enquanto sou praticamente atirada
escada abaixo. Meus ossos sentem o impacto dos degraus enquanto rolo,
tento me segurar em algo, mas tudo acontece tão rápido que meu coração
descompassa. Meus olhos se fecham bem antes de meu corpo atingir o
último degrau.
Capítulo 22

Ares
Rafaela havia passado de todos os limites. Minhas advertências e
ameaças não a afetam, como se ela estivesse convencida de que minhas
palavras não tinham peso. Ela acha que sinto qualquer ressentimento em
cumprir o que digo, mas para mim, o sangue que nos une não passa de uma
praga.
Deixo Isabella, sob os cuidados do médico, no quarto. Ele diz que é
necessário fazer alguns exames, apesar de aparentemente ela não ter
quebrado nada. No entanto, é preciso ter certeza. O olhar dela, machucada e
vulnerável, despertou algo em mim. Um lado meu que mantenho enterrado,
aquele que só libero quando desço ao porão.
Ela é minha esposa, minha responsabilidade. Quem a ofende, ofende
a mim. Quem a machuca, fere a minha carne.
Desço as escadas devagar, calculando meus passos, o eco dos meus
sapatos reverberando pela casa como um prenúncio do que está por vir.
Meu irmão está no mesmo lugar, de costas para a janela, os braços cruzados
sobre o peito. Ele me encara por um segundo, como se já soubesse o que
aconteceu, como se já antecipasse o que virá em seguida.
— Onde está Rafaela? — pergunto, a fúria pulsa em minhas veias.
Nunca me referi a ela como mãe. Ela nunca desempenhou esse
papel para mim, essa palavra soa vazia e inútil.
— Ela está no jardim. — meu irmão responde. — O que você vai
fazer com ela? — Se refere a nossa mãe.
Eu sorrio. Um sorriso lento, cruel, algo que brota das profundezas
do meu ser.
— Prepare uma das casas de aluguel. Eu quero que ela saia daqui
ainda hoje.
Meu irmão me lança um olhar pesado. Sei que ele tem afeto por
aquela mulher, mas ele também respeita minhas ordens, e não contesta.
— Certo. — Ele assente com um breve movimento de cabeça,
aceitando a ordem mesmo que não concorde.
Sem mais uma palavra, sigo em direção à porta dos fundos.

Ao entrar na estufa, o silêncio toma conta do ambiente. Caminho


com passos firmes, até que, ao girar o pescoço para observar os canteiros à
minha direita, a vejo. Está de costas para mim, imóvel, como se estivesse
esperando que eu chegasse. Seus cabelos escuros, e longos, balançam
levemente, mas é seu corpo rígido que revela que ela sabia que eu viria.
Quando ela finalmente percebe minha presença, vira o rosto
lentamente em minha direção. Nossos olhares se encontram por um breve
segundo. O dela é vazio, e frio, enquanto o meu é apenas raiva. De todos
os quatro filhos que ela teve, sou o único que nunca se curvou diante de sua
manipulação. Nunca fui dobrado por sua vontade ou por suas tentativas de
controle emocional. Desde muito jovem, aprendi a lidar com sua
indiferença.
Não fui um filho desejado, e isso sempre foi óbvio. Nenhum de nós
fomos, na verdade. Exceto por ela, a menina. Aquela que Rafaela deu à luz
e que meu pai, brutal e impiedoso, matou.
Gutierrez era um homem cruel, era narcisista, talvez até com traços
de esquizofrenia, incapaz de demonstrar qualquer traço de compaixão. Para
ele, o conceito de uma filha mulher era uma afronta. Ele desprezava a ideia
de ter uma menina como herdeira e exigia saber o sexo de cada bebê que
Rafaela carregava no ventre. Pois se ele descobrisse que ela estava grávida
de uma menina, a punição era impiedosa, Ele a espancava até resultar em
aborto.
Rafaela conhecia muito bem as consequências de esconder uma
gravidez de Gutierrez, mas, ainda assim, decidiu arriscar. Ela mentiu sobre
o sexo do bebê, convencida de que, ao ver sua filha, uma pequena menina
enrolada em uma manta rosa, meu pai iria amolecer. Ela estava
terrivelmente enganada. O bebê deu seu primeiro e último suspiro antes de
meu pai passar a lâmina pelo seu pequeno pescoço.
Dias depois, ela foi violentada, e nove meses depois eu nasci.
Meus irmãos vieram logo após, com diferença de alguns anos após o outro.
Meu pai me contava essa mesma história repetidas vezes enquanto eu era
torturado, ele queria gravar em mim, a origem na minha existência, e me
alimentar de ódio, assim eu seria uma arma letal, se eu conhecesse somente
a crueldade, era apenas isso que saberia fazer.
Rafaela me deixou à mercê do meu pai. Ela nunca se importou em
saber por que eu vivia coberto de hematomas, com cortes nas mãos. Talvez,
no fundo, isso a agradasse. Eu via o desprezo e a raiva em seus olhos. Eu
era a personificação de todo o seu sofrimento.
Dou um passo à frente, encurtando a distância que nos separa, mas
mantendo um espaço seguro para ela. Reconheço que meu estado não é dos
melhores.
— Eu lhe dei um aviso, e você não foi capaz de segui-lo —
murmuro impaciente.
Consigo ver seu nervosismo evidente no olhar. As mãos dela se
juntam atrás do corpo enquanto a mesma assume uma postura formal e
defensiva.
— Filho, eu… — ela começa, mas a interrompo com frieza.
— Não me chame assim — minha voz e alta e aguda, coberta de
irritação. — Não quero perder tempo com você. Pegue suas coisas e saia
desta casa. Não é mais bem-vinda aqui.
A mulher desvia o olhar para o chão e depois o ergue novamente,
seus olhos agora mostrando uma mistura de desespero.
— Você não pode me colocar para fora, Ares — a voz é trêmula, e
eu a vejo ser sacudida pelo desespero.
— O que achou que ia acontecer? Que eu ia admitir que machuque
minha esposa e ainda deixaria você continuar vivendo sob o mesmo teto?
— Ela me olha, incrédula.
— Ela me provocou, ela é a culpada — tenta me persuadir a voz
beira a aflição.
Isabella não é fácil de lidar; seu temperamento é fora do comum. No
entanto, não consigo acreditar que ela tenha culpa nessa situação,
especialmente quando vejo o estado em que ela se encontra, toda
machucada.
— Você não tem voz aqui. Já está decidido: você vai embora. Com
uma mão na frente e outra atrás, sem cartões, dinheiro, e nem mesmo o
sobrenome da nossa família poderá ter.
— Como você quer que eu viva? Como consegue ser tão cruel
comigo? Eu sou sua mãe, meu sangue corre nas suas veias. — mas uma vez
ela tenta tocar meu emocional.
Solto um suspiro pesado e balanço a cabeça, exasperado.
— Sangue… Francamente, você realmente acha que isso me
impediria de te escorraçar daqui? — faço uma pausa, mas logo continuo. —
continuo sendo bondoso em deixar você morando em uma das casas de
nossa família.
A mulher morde a própria língua, os punhos cerrados ao lado do
corpo, tentando conter a raiva que emana de sua voz.
— O que ela tem de tão especial para que você a defenda dessa
forma? Não me diga que é só porque vocês são casados. Você e Sophia
também eram, e você nunca moveu um dedo por ela! — A voz de Rafaela
sai furiosa, seu rosto tingido de um vermelho intenso que reflete sua
indignação.
Ela está completamente fora de si.
— Não que isso seja da sua conta agora — respondo, observando
cada detalhe de sua expressão antes de prosseguir. — Mas Isabella é filha
de Don Mário. Ela é a herdeira da La rosa nera.
Rafaela empalidece instantaneamente, sua postura rígida vacila
enquanto o choque a atinge.
— Mas como… — ela balbucia incrédula — Esse tempo todo…
você tinha tudo planejado.
Faço um gesto afirmativo com a cabeça e me aproximo devagar,
cercando-a como um predador ao redor de sua presa. Coloco-me atrás dela,
sua fissura óssea dá indícios que está tremendo.
— Percebe a diferença entre nós? — murmuro atrás dela. — Você é
manipulável. Eu sou o manipulador.
Em um movimento brusco, agarro um punhado de seu cabelo, puxo
sua cabeça para trás com força. Rafaela arfa, surpresa, suas mãos se
debatendo no ar, em busca de apoio, mas não encontra nada. Ela não
esperava por isso. Facilmente a imobilizo. Saco uma tesoura do meu bolso,
uma que encontrei no banheiro.
— O que você está fazendo? — Ela pergunta, desesperada, tentando
inutilmente se libertar.
Quando a tesoura faz contato com seus fios negros, o som de corte
de inicia, as mecha cortadas caem lentamente na grama.
— Você… você está cortando meu cabelo… — ela leva as mãos à
cabeça vendo os tufos caírem.
— Estou apenas lhe dando um corte novo. — explico ironicamente.
Puxo seu cabelo com mais força, forçando-a a ficar quieta enquanto
continuo meu trabalho sem qualquer piedade.
Na máfia, o cabelo das mulheres é muito mais que um adorno; ele se
assemelha a um véu, um manto com um significado. É um símbolo de nossa
fé e devoção, um reflexo das tradições que seguimos há gerações. E eu sei o
quanto Rafaela acha essas tradições importantes.
Eu não poderia permitir que ela machucasse minha esposa e saísse
impune. Ela não poderia sair ilesa. Para toda ação, há consequências.
— Por favor, pare — sua voz, ainda que rude, carrega um fio de
desespero.
Ela tenta puxar a cabeça para frente, como se quisesse escapar do
meu domínio. Decido soltá-la dessa vez. Rafaela, leva as mãos trêmulas ao
que sobrou de seus cabelos no topo da cabeça, os dedos percorrendo os fios
mutilados. Seu olhar encontra o chão, onde mechas de seu cabelo jazem
espalhadas.
Ela me encara, boquiaberta, os olhos arregalados e dilatados,
varrendo o cenário à sua volta. A magnitude da humilhação a atinge como
um golpe, e seus joelhos fraquejam. Praticamente caindo ao chão, catando
os fios de cabelo.
— Vai crescer de novo — afirmo como um deboche, girando a
tesoura entre meus dedos com indiferença.
Rafaela me encara com um olhar de derrota, os lábios tremendo ao
formar suas próximas palavras.
— Quando eu era casada com seu pai, achava que jamais
encontraria um homem mais cruel que ele… mas ele moldou você para ser
ainda pior… — ela murmura, a voz impregnada de humilhação e amargura.
— Devo quem eu sou a você.
Resolvo não continuar perdendo meu tempo e me viro para deixar o
lugar.
Após encerrar a ligação com Adryel, detalhando tudo o que ele
deveria fazer em minha ausência, volto minha atenção para um envelope
sobre minha mesa. A data indicava que havia chegado dois dias antes. O
remetente tinha meu nome, e sem demora, rasgo o papel. Mas, ao ver o
conteúdo, sinto a raiva incendiar meu peito.
Dentro do envelope, havia uma foto de Isabella e eu, tirada no dia
do nosso casamento, alguns meses atrás. No verso da fotografia, um recado
sucinto e ameaçador:
“Espero que esteja cuidando bem da minha filha. Logo eu irei
buscá-la.”
Mário G.
Meu estômago revira. Ele virá atrás dela, tentará tirá-la de mim, e só
de pensar nessa possibilidade, um calafrio percorre minha espinha.
Com um movimento brusco, despejo o líquido âmbar da garrafa de
uísque no copo à minha frente. Engulo um gole na tentativa de amenizar a
raiva.
Um toque na porta interrompe meus pensamentos. Alguém avisa
sobre sua chegada. Antes que eu possa responder, Andreas entra em minha
sala, ele se senta à minha frente, com uma postura séria, como todas as
outras vezes.
— Sabe quem deixou isso aqui? — pergunto, erguendo o envelope e
acenando com a cabeça.
— Angélica recebeu e eu coloquei na sua mesa. — ele responde
com a mesma frieza casual.
Em movimento rápido, jogo o envelope em sua direção, esperando
que meu irmão tenha a mesma surpresa que tive ao abri-lo.
— Acha que consegue rastrear de onde isso veio? — pergunto.
— Sim. — Andreas responde de maneira breve. Só então seus olhos
caem sobre a fotografia que agora segura. Ele a observa por alguns
segundos, virando o verso com cuidado. Após ler silenciosamente o que
está escrito ali, ele ergue o olhar para mim, sua expressão impenetrável. —
ele vem atrás dela… — murmura, confirmando aquilo que eu já sabia.
Respiro fundo, inclinando minha cabeça para trás, sentindo a
pressão aumentar em meus ombros.
— Isso só significa que eu preciso acelerar meus planos.
Andreas coloca a foto de volta no envelope, e deixa os ombros
caírem.
— Mas Isabella não está grávida. E sem um filho com o sangue da
La rosa nera, mesmo que você mate Mario, outro tomará o lugar dele.
Isabella pode ser a herdeira da cadeira do seu pai, mas ela é uma mulher.
Eles nunca deixariam a La rosa nera nas mãos de uma mulher. — A dureza
em suas palavras não esconde a verdade que eu já conhecia, era exatamente
por isso que eu precisaria de um filho, assim eu governaria até ele tivesse
idade suficiente para exercer seu dever.
— Eu sei disso. — afirmo, embora as palavras pareçam presas na
ponta da minha língua. — Mas o que você sugere que eu faça?
Andreas me encara por um momento, ponderando sobre o que dizer.
— Talvez vocês devessem passar mais tempo juntos.
Eu solto uma risada amarga.
— Estamos casados há meses, o que mais fazemos é passar tempo
juntos… enquanto eu tento engravidá-la. — rebato.
— Quero dizer, um tempo longe de tudo isso. — ele insiste, mas sua
sugestão me parece quase cômica.
— Não posso abandonar meu território agora… estamos com um
traidor entre nós — Minha voz se torna mais áspera.
Ele suspira profundamente.
— Conheço você, irmão. Sei o quanto está preocupado. Mas não
pode controlar tudo. Precisa entender que uma boa relação com sua esposa
agora é essencial. Você precisa de um herdeiro, e precisa disso logo. — ele
diz calmo fazendo uma pausa, mas logo continua. — E, considerando que
Mario vem atrás dela, sugiro que você seja honesto e conte a verdade. Vai
ser mais fácil se ela acreditar que não está sendo manipulada ou usada —
aconselha
— Você está sugerindo que eu conte a ela que a única razão pela
qual me casei, esperei por ela e agora quero engravidá-la é para poder matar
o seu pai? — rio acido. — Como vou saber que ela não vai se revoltar
contra mim? Isabella é filha dele, Andreas.
Ele me encara com a mesma calma imperturbável.
— Você realmente está dormindo com uma mulher em quem não
confia? — questiona, com um sorriso brincando entre os lábios. — Ela não
conhece o pai, mas conhece você, precisa ganhar a confiança dela.
— Essa não é a questão. — tento desviar. — Você sabe que Isabella
nunca quis esse casamento. Eu estaria dando a ela ainda mais motivos para
querer fugir, e eu nunca iria permitir que ela saísse do meu lado.
Andreas suspira, ajeitando o blazer enquanto avalia a situação com
seu olhar calculista. Ele sempre foi mais frio, mais pragmático. Eu sou
impulsivo, ele sempre medido.
— Você está apaixonado. — declara de repente, com a naturalidade
de quem está comentando algo trivial, como se fosse comum dizer isso a
um homem como eu.
— O quê? — minha resposta sai automaticamente, mas ele
continua.
— Você está apaixonado por ela e tem medo de que ela te abandone
quando descobrir a verdade. — repete, sem sequer piscar, como se fosse
óbvio. E como se dizer isso uma vez não fosse suficiente, ele reforça: — É
disso que se trata, não é? O medo de perdê-la.
— Ela é filha do meu inimigo, Andreas. Por que diabos eu sentiria
qualquer coisa por ela? — rebato, irritado com a insinuação.
— Não negue, irmão. — Andreas retruca com calma. — Esse seu
instinto de proteção significa algo, mesmo que você não queira admitir. Não
seja cego ao ponto de ignorar o que está diante de você. Acho difícil
acreditar que, em algum momento, você tenha realmente pensado em usá-la
apenas para seus próprios fins. Sempre foi mais do que isso, e você sabe.
Ele está errado. Ele tem que estar errado. Isabella é apenas parte de
um plano maior, eu a protejo porque devo, não deve haver sentimento nisso.
— Está errado, esse casamento é apenas uma obrigação. —
Respondo.
Andreas dá um sorriso de canto, sem humor. E se inclina para frente.
— Eu vejo o jeito que você olha para ela, o jeito que reage quando
alguém menciona o nome dela ou a machuca. Isso vai além de estratégia.
Você está tentando protegê-la, e não é só porque ela é essencial para o seu
plano. É porque, de alguma forma, ela se tornou especial para você. —
afirma, tentando de toda forma me fazer admitir, que tudo isso é uma
obsessão que tenho por aquela mulher de cabelos vermelhos.
No fundo, sei que há uma verdade que estou evitando. E essa
verdade pode ser minha ruína.
Capítulo 23

Isabella
Sinto meu corpo dolorido enquanto me viro mais uma vez sobre os
lençóis, tentando encontrar uma posição confortável. Depois de muitas
tentativas frustradas, acabo me sentando, apoiando as costas em dois
travesseiros.
O quarto está tão silencioso que consigo ouvir o som do vento
soprando nas cortinas da janela. Não sei quantas horas se passaram desde
que fui empurrada daquela escada. Apaguei ao bater a cabeça e, quando
acordei, estava aqui, deitada, com uma enfermeira e um médico me
examinando.
A dor veio logo em seguida, intensa, como se eu tivesse realmente
quebrado algo. Mesmo agora, medicada, a dor persiste mais fraca. Meu
corpo está coberto de marcas, meu olho esquerdo parece ter sido arrastado
em um dos degraus, resultando em um corte logo acima. Minhas pernas e
braços também sofreram impactos, e estão com algumas manchas roxas e
azuladas.
O som da porta rangendo me chama a atenção. Olho rapidamente na
direção e vejo Ares entrar. Meu coração acelera, e uma onda de ansiedade
me invade. Ele está aqui, de novo. Meus olhos buscam os dele, suas íris
verdes me encaram com ressentimento enquanto ele se aproxima. Seus
cabelos estão bagunçados, e a roupa ainda é a mesma de antes. Ele parece
exausto.
— Você está melhor? — ele pergunta, parado ao lado da cama.
Inspiro profundamente, sentindo o ar raspar ao sair dos meus
pulmões.
— Uhum. — murmuro em resposta.
Vejo suas mãos mergulharem nos bolsos, de onde ele tira uma
tesoura, que joga displicentemente sobre a mesinha. Em seguida, ele
remove a arma do coldre, desarma-a e coloca as balas ao lado da arma na
mesma mesa, perto da cama. Observo atentamente cada um de seus
movimentos. Suas mãos começam a desabotoar os primeiros botões da
camisa social azul.
Engulo em seco.
Será que ele vai… Eu não estou em condições de suportar nada
agora.
— Os exames confirmaram que você não quebrou nada. Só precisa
descansar e tomar os medicamentos. — ele comenta, e ergue os olhos para
mim.
Seu corpo se inclina sobre a cama, e seus braços erguem meu corpo.
O susto me faz apertar seus ombros com força. Seu perfume invade minhas
narinas, é familiar e agradável. O contato da minha pele com a dele provoca
arrepios em mim. Quero contestar qualquer coisa, mas minha voz
desapareceu da minha garganta em algum momento. Ele me segura firme,
enquanto me revigora com seu olhar intenso.
Comigo em seus braços, ele caminha pelo pequeno espaço do quarto
até o banheiro e me coloca, delicadamente, dentro da banheira. Isso soa até
estranho, porque ele dificilmente é delicado; é bruto, um selvagem, um
animal. No início, fico apreensiva.
— Meu corpo está doendo. Não vou conseguir satisfazê-lo. —
minha mão pousa sobre a sua quando ele tenta tirar minha roupa.
Espero que ele diga que é minha obrigação, que não posso escapar
disso, mas Ares apenas faz um gesto suave com a mão, afastando um fio de
cabelo do meu rosto.
— Eu quero cuidar da minha mulher. Deixe-me fazer isso.
Ele volta a tirar minha roupa com cuidado, como se cada
movimento fosse pensado para não causar dor. Eu respiro fundo, tentando
relaxar, enquanto ele ajusta a temperatura da água, garantindo que esteja
morna e confortável.
Meu marido se ajoelha ao lado da banheira e derrama uma boa
quantidade de sabão líquido na bucha. Com cuidado, ele começa a deslizar
o objeto sobre meu corpo, começando pelos braços e seguindo para as
pernas. Seus movimentos são lentos e deliberados, e ele parece aproveitar a
visão do meu corpo nu e exposto, envolto pela água.
Eu realmente me sentia cuidada, e não sabia se isso tinha um preço
para mim.
Suas mãos massageiam generosamente meu pescoço e costas, ele
lava meus cabelos, enfiando os dedos nos fios para desembaraçá-los. Ele
me dá banho em completo silêncio, e quando termina, me enrola em uma
toalha, e me leva para o quarto, ele é atencioso em perguntar o que eu
gostaria de vestir, e se dar ao trabalho de colocar a roupa em mim, sua
forma de agir parece completamente diferente do que costuma ser.
Ele também toma um banho e se veste com roupas limpas. Uma
hora depois, no closet, aparece arrastando duas malas grandes.
— Você vai viajar de novo? — pergunto com uma inocência
genuína. Durante nossa conversa por ligação há alguns dias, ele mencionou
que demoraria a voltar e que tinha compromissos importantes. Então,
penso que ele estava prestes a retornar.
— Vou. — Sua resposta é direta, mas não alivia o sentimento de
abandono que me invade. — Mas você vai comigo. — ele completa,
surpreendendo-me com a adição.
— Está me levando com você porque sente pena do meu estado. —
digo, passando os olhos por mim mesma, por um instante.
Ele deixa as malas de lado no meio do quarto e se aproxima de mim.
Estou sentada na ponta da cama, e seu corpo se inclina sobre o meu. Sua
mão toca meu queixo, erguendo-o.
— Não sinto pena, sinto impotência por ter te deixado aqui sozinha
— ele responde firme.
Reviro os olhos, insípida, e afasto meu rosto de seu toque.
— Não me trate como se eu fosse fraca e precisasse de proteção —
retruquei.
Ele curvou os lábios em um sorriso.
— Não te protejo por achar que não pode se cuidar. Eu te protejo
porque é minha mulher — declara, com convicção. — E aquela mulher
nunca mais vai respirar o mesmo ar que você.
Engoli em seco. Ele seria capaz de machucar a própria mãe… Sim,
Ares não conhece limites.
— O que fez com ela? — pergunto, apreensiva.
— A mandei para bem longe — responde, sem um fio de
ressentimento.
— Mas… Ela é sua mãe… — murmuro, incrédula. — Você não
pode simplesmente mandá-la embora assim.
Seu olhar se estreitou, perigoso.
— Ela nunca foi minha mãe — Ares retruca quase que de imediato,
com um tom frio e de rancor. — Uma mãe protege, cuida… ela não vira as
costas para os próprios filhos, muito menos os entrega ao diabo que era meu
pai.
Senti um arrepio percorrer minha espinha.
— Não há laços de sangue que me obrigue a manter alguém como
ela por perto. — ele continua. — o que aconteceu foi o estopim para
mandá-la embora.
Ares se afasta, voltando a uma postura rígida, séria e fria.
— Já peguei suas roupas. Se precisar de mais alguma coisa, pegue
agora, porque sairemos em poucos minutos. — Ele declara, sem deixar
espaço para objeções.
— Certo, me espere lá embaixo.
— Não vai precisar de ajuda? — ele pergunta me avaliando de cima
a baixo com um olhar desconfiado.
Levanto meus olhos.
— Não estou inválida.
Odeio ser tratada assim, como se fosse frágil ou prestes a quebrar.
Eu não sou uma flor delicada. Sou o fogo do inferno, e eu queimo.
Espero até que a porta do quarto se bata, e ele me deixe sozinha,
para procurar o que preciso, itens de higiene, e algo importante, meus
remédios.

Com um pouco de maquiagem, consegui cobrir parcialmente os


hematomas em meu rosto. Não queria atrair atenção, afinal, imagine o que
as pessoas pensariam ao me ver assim? As suposições seriam muitas, e
prefiro evitar olhares curiosos. Já fazia algum tempo desde que havíamos
pousado, Era madrugada, e estávamos em território russo. Ares, ocupado
em uma ligação com seu irmão, mencionou que Adryel viria nos buscar e
nos levaria a um apartamento. Embora ele não tenha me dado muitos
detalhes, sei que não estamos aqui para férias, Ares veio a trabalho.
Os minutos pareciam se arrastar até que finalmente Adryel chega.
Como de costume, ele me cumprimentou com um beijo leve na bochecha.
Em pouco tempo, já estávamos a caminho do edifício. O lugar era elegante,
com uma fachada que indicava luxo, mas eu mal conseguia prestar atenção
aos detalhes. Ares fez rapidamente o check-in, e logo fomos direcionados
ao elevador que nos levaria ao nosso andar.
Quando chegamos ao apartamento, observei enquanto meu marido
digitava a senha na porta, abrindo espaço para que eu entrasse. Sem hesitar,
passei por ele. Meu corpo ainda estava dolorido, mesmo viajando em
primeira classe, o voo havia sido tudo menos confortável. Não me demorei
em observar o lugar. Tudo o que eu queria era um banho e uma cama para
descansar.
Fiz um rápido esforço para tomar um banho, a água quente ajudou a
aliviar um pouco. Logo me deitei, não me importei se meu marido se
juntaria a mim, os medicamentos me deixaram dopada, e o sono me
derruba.

Pisquei os olhos lentamente, sentindo os flashes de luz entrarem


pela grande janela do quarto. Virei para o lado, mas a cama estava vazia.
Não deveria estar surpresa; estava sozinha novamente. Forcei-me a
espreguiçar e sair da cama. Peguei o celular na mesa de cabeceira, e me
espantei ao ver que já eram duas da tarde. Tinha dormido muito mais do
que o normal.
Deixei o conforto da cama para tomar um banho, na tentativa de
espantar a preguiça. Vesti uma roupa confortável e refiz o pequeno curativo
perto do meu olho. Em alguns dias, não haveria mais sinal da marca. Só
então comecei a explorar o apartamento. O quarto e o banheiro eram
espaçosos, a sala bem decorada, com uma varanda com vista para a rua, e a
cozinha completamente planejada. Meus olhos logo captaram um bilhete
sobre a bancada, escrito à mão:
“A despensa está cheia, procure algo para comer. Volto antes do
anoitecer.”
Soltei um suspiro e passei os dedos pela caligrafia. Meus olhos
percorreram a cozinha até encontrar os armários, onde achei torradas. Na
geladeira, encontrei suco e requeijão, o suficiente para mim.
Após terminar o que mal poderia chamar de café ou almoço, liguei a
TV e comecei a assistir a um filme qualquer, apenas para passar o tempo.
Quando o relógio marcava mais de seis horas, meu estômago
começou a roncar novamente, e me vi de volta à cozinha procurando algo
para comer. Uma ideia surgiu em minha mente: E se eu fizesse o jantar
para nós?
Eu sabia cozinhar. Tive aulas no internato, e seria um bom momento
para colocar minhas habilidades culinárias em prática. Ainda estava em
dúvida sobre o que preparar, mas, no fim, decidi fazer ravioli, rezando para
que encontrasse os ingredientes necessários entre tantos alimentos.
Cantarolava uma música enquanto cozinhava. Estava lavando a
louça quando ouvi uma das portas se abrir. Um sentimento de alegria
invadiu meu peito, e em poucos minutos o vi parado na porta da cozinha,
segurando uma caixa grande.
— Já comeu? — perguntou o dono dos olhos verdes, observando a
bagunça na cozinha.
Ok, eu sabia cozinhar, mas fazia uma bagunça.
— Ainda não, estou preparando o jantar para nós — declaro, de
costas, continuando minha tarefa.
— O cheiro está ótimo — ouvi-o dizer em tom de elogio, e não
consegui conter o sorriso que iluminou meu rosto. — Trouxe o bolo que
você gosta.
Bolo de chocolate.
Larguei a louça quase imediatamente e roubei a caixa de suas mãos.
Abri a embalagem, revelando um bolo decorado com brigadeiros e
cobertura de chocolate.
— Vou guardar para depois do jantar — digo, sorridente.
Parecia uma criança ganhando um presente.
— Vou tomar um banho e volto para jantarmos — ele avisa,
deixando a cozinha.

O cheiro masculino volta a dominar o ambiente quando Ares


reaparece, agora vestindo roupas casuais. Sem o habitual terno ou as roupas
sociais que o fazem parecer tão inacessível, ele se transformava em um
homem comum, mas não deixava de ser incrivelmente atraente. A camiseta
cinza de algodão se ajustava perfeitamente ao seu peito, e a calça de
moletom conferia um ar de descontração que raramente via nele. Seus
cabelos escuros, ainda molhados, estavam penteados para trás, e a barba,
cuidadosamente aparada, destacava suas feições.
A mesa já estava posta, e eu aguardava ansiosa sua chegada para
começarmos a refeição. Assim que nos sentamos, servi o jantar. Era a
primeira vez que preparava uma refeição para nós dois, e, no fundo, havia
uma esperança secreta de impressioná-lo. Eu queria agradá-lo, talvez até o
surpreender.
Fiquei observando, ansiosa, enquanto ele levava a primeira garfada
à boca. Meu olhar estava fixo nele, tentando decifrar sua reação, mas seu
rosto se fechou em uma expressão indecifrável. Meu coração deu um salto.
Eu jurava que a comida estava boa…
— Está ruim? — pergunto, mordendo meu lábio inferior com
nervosismo.
Ares limpou os cantos da boca com o guardanapo, erguendo os
olhos para me encarar.
— Está ótimo. — Sua voz era calma, mas algo no seu tom me
incomodava.
Decidi provar a comida por mim mesma, para me certificar. O sabor
era delicioso, exatamente como eu tinha imaginado. Então, o problema não
estava na refeição. Mas em quê, então?
Eu o observei colocar o garfo de lado, juntar as mãos sobre a mesa e
respirar fundo antes de falar
— Você me perguntou uma vez qual seria o motivo pelo qual eu
escolhi você para casar…
A pergunta me pega de surpresa. Era um assunto que eu já havia
tentado abordar, mas ele nunca me deu uma resposta clara.
— E você não me respondeu. — retruquei, curiosa com a repentina
mudança de tópico.
Ele baixou os olhos, como se estivesse ponderando suas próximas
palavras. Quando voltou a falar, sua voz era mais grave, mais pesada.
— Eu tenho um motivo. — Seus olhos fixaram-se nos meus com
uma intensidade que me fez estremecer. — Você não é uma bastarda, como
todos dizem. E sua mãe… ela nunca foi uma mulher da vida.
Engoli seco. Suas palavras ecoaram na minha mente, desfazendo em
segundos a história que me contaram durante toda a vida. Como ele poderia
saber disso? Como ele poderia afirmar com tanta certeza que eu não era a
filha de uma qualquer?
Apertei os talheres com mais força e alcancei o copo de suco para
tentar aliviar o nó que se forma na minha garganta.
— Não estou entendendo… — murmuro, tentando encontrar algum
sentido no que ele dizia.
Ares sustentou meu olhar, seus olhos se estreitaram como se
estivesse avaliando minha reação.
— Nunca se perguntou quem é o seu pai? — sondou, sua voz
carregada de um tom frio.
A pergunta ficou pendurada no ar por alguns segundos. O olhar
gélido e calculado que ele lançava sobre mim indicava que a resposta era
muito mais complicada do que eu podia imaginar. Mas, mesmo assim,
balancei a cabeça.
— Não — respondi, jogando meus ombros para trás.
Ele solta um longo suspiro. Seu rosto coberto por uma máscara de
impassibilidade.
— Seu pai é o Don da La rosa nera, Isabella. E ele é meu inimigo.
Minhas mãos começaram a tremer. Minha cabeça gira ao tentar
processar o que ele acabara de dizer. A comida em meu prato perdeu
subitamente o sabor, e qualquer traço de fome que eu sentia se esvaiu por
completo. Eu não era tola; entendia perfeitamente o que isso significava. Se
meu pai era, de fato, o Don da La rosa nera, e Ares sabia disso desde o
início, havia apenas uma razão para nosso casamento.
— Nosso casamento só aconteceu porque você é filha dele. — ele
confessa, me jogando um balde invisível de água fria.
Fico alguns minutos calada.
— Então você está dizendo que meu pai é o Don da La rosa nera…
e que ele é seu inimigo? — Minha voz sai atropelada. — E o motivo pelo
qual esse casamento existe é porque você pretende me usar em contra ele?
— deduzi, parecendo algo tão óbvio.
As palavras saem amargas da minha boca, minha garganta se fecha
como se tivesse sendo enrolada com arame farpado, e a ficha finalmente
cai, O carinho, os presentes, as promessas… tudo uma farsa. O plano dele
sempre foi me usar como uma peça de seu jogo. Até a ideia de me
engravidar agora fazia sentido. Minha cabeça começou a latejar, e eu senti
um vazio se espalhando pelo meu corpo.
Minhas pernas estavam dormentes, e minhas mãos, trêmulas,
apertam meus joelhos com tanta força que podia sentir minhas unhas se
cravando através do tecido.
O pior de tudo era que eu não precisava de nenhuma palavra dele
para confirmar. Eu sabia que estava certa, conseguia ver dentro dos seus
olhos.
— Então esse era o seu plano o tempo todo — desdenhei com
desprezo. — Você queria me engravidar para garantir um herdeiro, para
usar em algum tipo de vingança?
Ares mantém a expressão séria.
— Com a morte do seu pai, um herdeiro assumiria o lugar dele. Um
filho nosso, séria o sucessor natural da La rosa nera.
Uma parte de mim sempre soube que isso poderia acontecer, mas a
outra parte… estava quebrada demais para suportar. Era informação demais
para processar, uma traição que eu não conseguia digerir. Apoiei as mãos
trêmulas nas bordas da mesa, tentando encontrar forças para me levantar.
— Isabella… — Ares pronuncia meu nome com uma voz rouca,
uma súplica, tentando me impedir.
Mas eu já estava em movimento, meus pés se arrastando pela
cozinha até a sala, enquanto todo o meu corpo tremia. Minhas mãos
suavam, e minha estrutura óssea parecia prestes a desmoronar. A respiração
saía entrecortada, raspando em meus pulmões, como se o ar estivesse
pesado demais para ser inalado.
— Não vire as costas para mim. Você sabe que eu não gosto disso.
Senti sua presença se aproximando por trás, sua mão quente tocando
meu ombro, mas meu instinto de autopreservação foi mais rápido. Puxei o
braço com tanta força que quase me desequilibrei.
— Não me toque! — grito. — Como espera que eu reaja? Como
quer que eu me sinta? — Minhas palavras são ofegantes, enquanto eu tento
conter o turbilhão de emoções que ameaçava me sufocar.
Eu podia sentir o calor subindo pelo meu rosto, o gosto amargo da
raiva tomando conta de mim. Respirei fundo, mas cada suspiro parecia me
engasgar mais.
— Vivi a vida toda sem saber quem era meu pai. E agora… agora
descubro que ele existe. — Minha voz se quebrou ao final, as palavras
amargas me escapavam dos lábios. — Será que em algum momento ele
tentou me procurar? Será que ele ao menos pensou em mim?
Ares balançou a cabeça lentamente, o rosto agora endurecido. Seu
olhar escureceu com uma raiva controlada, como uma tempestade prestes a
explodir, mas ainda contida.
— Não pense, nem por um segundo, que eu deixarei ele se
aproximar de você! — Sua voz, embora baixa, estava impregnada de uma
ira velada. — Seu pai não é um homem melhor do que eu, Isabella. Você
não o conhece. Não faz ideia do quão cruel e maldoso ele pode ser.
Uma risada amarga escapou dos meus lábios. Um riso seco, sem
qualquer traço de humor. Era o som de alguém que já não sabia em quem
acreditar.
— E o que te faz melhor do que ele? — rebati, meu peito arde a
cada lufada de ar. — O que te torna menos cruel, Ares?
Ele se aproximou um passo, e por um instante achei que ele diria
algo, uma defesa, uma justificativa, qualquer coisa. Mas ele permaneceu em
silêncio, os olhos presos nos meus, como se estivesse procurando algo que
não conseguia alcançar.
— Eu nunca quis te machucar, Bella mia. — As palavras saem com
um tom de sinceridade que quase me fez acreditar, mas eu não podia ceder.
— Tudo que fiz foi para te proteger.
— Proteger? — A palavra escapa da minha boca com sarcasmo. —
Você está tentando me proteger… ou me controlar? — Pergunto, com as
mãos trêmulas, agora fechadas em punhos.
Ele deu outro passo em minha direção, mas dessa vez não recuei.
Meus olhos o desafiam, as emoções ameaçando me dominar.
— Seu pai, Isabella… ele não tem escrúpulos.
— E você é um homem melhor, eu presumo? — Eu me aproximei
mais um passo, a distância entre nós, quase inexistente. — Você me obrigou
a casar com você, por interesse. Fingiu se importar, fingiu que havia algo
além das suas ambições! — A frustração na minha voz me fez perder o
controle, mas continuo. — O que resta de mim, então? O que eu sou para
você, senão uma ferramenta?
Ele não respondeu de imediato, o silêncio entre nós tornou-se
insuportável, seus ombros caíram um pouco, como se ele estivesse lutando
contra algo dentro de si.
— Não é só isso… — Sua voz era quase um sussurro. — Nunca foi
só isso.
— Não? — Minha risada foi amarga. — Então me diga, o que mais
foi, Ares? Porque tudo o que vejo é manipulação, controle, e um plano bem
elaborado que nunca incluía o meu consentimento. Você queria um
herdeiro. E eu? Eu sequer fui parte dessa decisão.
Pela primeira vez, vi a máscara de frieza que ele carregava começar
a se desfazer.
— Um filho não seria apenas para usurpar o lugar do seu pai,
Isabella — Ares com tom de voz grave. — Seria a garantia que te manteria
comigo.
Um filho… uma corrente que me manteria presa a ele.
— Que tipo de psicopata você é para achar que um filho me
prenderia a você? — Minha voz saiu num grito sufocado de raiva, antes
que eu percebesse, meus punhos se cerraram e começaram a bater contra o
peito dele, repetidamente. Apesar dos meus golpes desesperados, Ares
sequer se mexe. Era como se ele não sentisse nada, nem dor, nem
desconforto.
As lágrimas brotaram de meus olhos sem controle, escorrendo
quentes pelas minhas bochechas. A raiva me consume, sacudindo meu
corpo com uma intensidade que eu mal podia controlar. Não era apenas por
ser enganada, manipulada. Não era apenas por ele planejar me usar contra
meu pai, que nem mesmo conheço, O que me destruía, o que fazia cada
lágrima queimar ainda mais, era o fato de que, apesar de tudo, eu não
conseguia odiá-lo tanto quanto deveria.
Eu o amava.
Em algum momento, sem perceber, me apaixonei pelo homem que
ele era, eu amava o pior dele, e isso me fazia sentir uma idiota completa.
Uma estúpida.
Meus punhos continuavam a golpear o peito dele, mas logo cedem,
fracos, rendidos à exaustão. A dor emocional era muito maior do que a
física, e eu sabia que nada do que eu fizesse o abalaria. Ele permanecia ali,
imperturbável, como uma estátua, olhando para mim com aqueles olhos
frios e predadores.
— Não chore. — Sua voz é baixa, um sussurro, sua mão se move na
direção do meu rosto, tentando enxugar minhas lágrimas. Mas antes que ele
possa me tocar, eu dou um passo para trás, em uma repulsa instantânea.
Com a parte de trás da mão, limpo meu rosto apressadamente,
evitando qualquer contato com ele. Não lhe dou a chance de dizer mais
nada. Em silêncio, desvio do seu corpo impotente, seguindo direto para o
quarto. Minhas pernas mal sustentam o peso da minha própria indignação.
Assim que entro, fecho a porta com tanta força que o som reverbera pelas
paredes.
Por um instante, tudo fica quieto. Minhas mãos tremem, e minha
respiração está entrecortada, encosto as costas na porta, tentando encontrar
algum resquício de alívio. Mas ele não vem. O som de seus passos ecoa no
corredor, até que param exatamente do outro lado da porta.
Ele não bate. Não grita. Não exige que eu abra. Fica ali, em silêncio.
Posso ver sua sombra projetada no chão pela fresta sob a porta, a presença
dele é tão opressiva quanto se estivesse aqui dentro.
— Estarei esperando você quando estiver pronta para conversar. —
Sua voz atravessa a porta. — Eu sou um homem ruim, Isabella, Um
crápula, um demônio, como você me chamou no dia em que nos casamos.
Suas palavras me fazem reviver aquele momento, o dia em que
prometi nunca me render a ele. Mais uma de minhas promessas que
quebrei.
— Mas — ele continua, com um tom mais sombrio — eu nunca vou
permitir que você me deixe. Esse quarto não será sua fortaleza. Eu posso
entrar quando quiser, mas eu prefiro que você venha até mim, por sua
própria vontade.
Fecho os olhos, e mais uma lágrima escorre pela minha bochecha.
Capítulo 24

Ares
Passei a madrugada inteira sem pregar os olhos. Cada vez que meu
olhar recaía sobre a porta fechada do quarto, a vontade de arrombá-la me
consumia. Mas eu sabia que não podia. Tinha que lhe dar espaço, ser
racional, mesmo quando tudo em mim queria resolver aquilo à força. Ela
precisava de tempo, e eu também precisava ser paciente. Isabella foi criada
pelos tios, vivendo sob as mentiras que eles a contaram. Não poderia
esperar que ela aceitasse a verdade tão facilmente, não esperava uma reação
diferente dela, afinal e Isabella, ela odeia ser pressionada, e mais ainda, a
ideia de estar sendo manipulada.
Com esses pensamentos, começo a preparar um café forte. A
cozinha está em silêncio, exceto pelo som do líquido quente caindo na
xícara. Então, ouvi passos. Virei-me a tempo de vê-la surgir no corredor.
Ela estava ali, vestindo um moletom que parecia grande demais para
seu corpo. Os cabelos vermelhos estavam presos em um coque frouxo, com
alguns fios rebeldes caindo sobre sua testa. Mesmo com os olhos
marejados, ela não deixava nenhuma lágrima cair. Ela era forte. Forte de
uma maneira que sempre me fascinou. E mesmo naquele estado, com a
expressão abatida, ela ainda estava linda aos meus olhos.
O pequeno corpo feminino para na minha frente, sem ousar me
encarar por mais do que um segundo.
— Quero saber tudo — sua voz corta o silêncio. — Me conte tudo o
que você sabe. — exige.
Seus olhos evitam os meus. Ela não queria que eu visse a
vulnerabilidade por trás daquela pergunta.
— O que exatamente você quer saber? — Devolvo com outra
pergunta, tento me aproximar. Isabella, recua como uma gata arisca,
mantendo distância.
— A verdade… — responde, com um olhar duro. — Me conte
desde o início.
Dou um gole no café, mergulhando as mãos nos bolsos da calça de
moletom. Inclino a cabeça para o lado, tentando encontrar novamente seus
olhos castanhos, aqueles que sempre brilham quando me olham. Mas agora,
só os vejo vazio.
Limpo minha garganta e começo.
— O acidente que você sofreu quando era criança… — observo
suas expressões — foi porque sua mãe estava fugindo do seu pai, sua
guarda foi passada para seus tios. — Faço uma pausa, mas ela permanece
indiferente. — Seu tio se meteu em uma dívida grande em um dos meus
cassinos e não tinha como pagar. Foi aí que ele me ofereceu você. Essa
parte você já conhece, não é?
Ela balança a cabeça em confirmação.
— Você era só uma criança, sem nenhum interesse para mim. Mas
seu tio insistiu, dizendo que você tinha o sangue da La rosa nera, que era
filha do meu inimigo, uma herdeira perdida.
Isabella suspira, cruzando os braços na frente do corpo.
— Então, você aceitou porque queria me usar para algum tipo de
vingança? — sua voz transborda de raiva.
Balanço a cabeça em concordância, soltando um suspiro profundo.
— Não posso negar, esse era o meu plano desde o início. Eu te
mantive distante e segura enquanto ainda não éramos casados, apenas
esperando o momento certo para que você se tornasse minha esposa.
Quando chegasse a hora… — explico.
Meus olhos recaem sobre suas mãos delicadas, e noto a aliança
ainda firme em seu dedo.
— Antes de eu assumir o lugar do meu pai, ele tinha negócios com o
seu — continuo. — Negócios sujos, coisas que fariam seu estômago
revirar… — tento controlar a raiva que borbulha dentro de mim ao lembrar
do homem que meu pai foi. — Quando eu matei e tomei o controle da
organização, o Don da La rosa nera queria continuar esses negócios
comigo. Mas eu recusei.
Olho novamente em seus olhos, mais sério desta vez.
— Ele não aceitou bem a minha resposta, e decretou guerra, nunca
consegui vencê-lo completamente, porque ele é um covarde, que se
esconde. — Minha mandíbula se tenciona. — Mas com você… — paro e a
encaro. — Com você, eu posso finalmente encontrá-lo.
Ela me olha com ceticismo, franzindo a testa.
— Por que você acha que ele se importaria comigo? Ele nem me
conhece — sua voz sai um pouco trêmula.
Sorrio sem humor e respiro fundo.
— Ele já sabe sobre você, sabe que é minha esposa.
Minha resposta a faz estremecer levemente.
— Vai me entregar a ele? — ela questiona com um sussurro baixo.
Seu olhar atravessa o meu peito como uma lâmina fria. Ela
realmente pensa que eu seria capaz de entregá-la a ele? Que abriria mão
dela tão facilmente?
— Eu nunca te entregaria a ele. — Minha voz sai como um rosnado
contido. Dou um passo à frente, fechando a distância entre nós.
Minha mão se levanta até pousar em seu rosto, que ainda possui
machucados leves, ela não me impede ou se afasta dessa vez, está
anestesiada pela minha presença. Meus dedos deslizam até o queixo dela,
forçando-a a me encarar.
— Eu mataria qualquer um que tentasse te tirar de mim.
Ela pisca em êxtase.
— Então… o que você quer realmente de mim Ares? — Sua voz
está trêmula junto a respiração entre-cortada
Eu quero tudo.
Sua entrega.
Sua lealdade.
Seu corpo.
Sua alma.
Quero que ela seja minha, inteiramente e para sempre.
Eu respiro fundo outra vez, meus olhos cravados nos dela, captando
as íris castanhas.
— Preciso que fique do meu lado — minha voz preenche o espaço
entre nós — e, juntos, assumiremos a La rosa nera.
Sinto o corpo dela enrijecer.
— Eu devo me aliar a você para matar o meu possível pai? — Ela
pergunta em voz baixa.
— Isso não é uma escolha, Isabella — respondo, a frieza se
infiltrando em minhas palavras. — Eu vou matá-lo de qualquer forma.
Aquele homem é sujo, hipócrita, sem caráter.
Ela me encara, confusa e abalada.
— Não entendo por que você o odeia tanto…
Contendo a raiva que ameaça me controlar. A última coisa que
quero é ouvir ela tentando defender aquele homem, mesmo que
inconscientemente. Me afasto abruptamente, dando a volta na ilha da
cozinha. Meu sangue ferve, e não consigo mais segurar.
— Quer saber qual é o tipo de negócio sujo que seu pai faz? —
Minha voz sobe um tom.
Pego o tablet sobre o balcão e procuro rapidamente por uma foto
específica. Quando a encontro, giro o aparelho para que ela veja a imagem.
Isabella observa a tela visivelmente confusa.
— O que são essas crianças?
— Esses são os “negócios” do seu pai — disparo, em voz gélida. —
Ele sequestra crianças inocentes, arranca seus órgãos para vendê-los. Esse é
o tipo de homem que você carrega o sangue.
A cor some de seu rosto instantaneamente. Ela já é pálida, mas
agora parece quase translúcida, como se a revelação tivesse drenado toda a
vida de seu corpo.
— É por isso que ele precisa morrer. Não há redenção para um
homem assim. — desdenho entre dentes.
Isabella pisca os cílios de forma rápida e desordenada, e eu vejo sua
mão, sem forças, deixando o tablet escorregar e ameaçar cair no chão. Seus
joelhos cedem, e ela começa a desmoronar. Reajo com rapidez, estendo os
braços e consigo aparar seu corpo antes que ela atinja o chão.
Seus olhos se fecham lentamente, e, com um suspiro involuntário,
ela desmaia. Ontem, durante o jantar, ela não comeu nada, e hoje, já
passava das 10h da manhã, ela ainda não tomou café. A falta de
alimentação e a conversa que tivemos devem ter feito sua pressão
despencar.
Com cuidado mantenho minhas mãos firmemente envoltas do seu
corpo, a levo para dentro do quarto, ao depositá-la na cama, volto até a
cozinha procurando por gelo para passar no seu pulso e acordá-la.
Assim que o gelo faz contato com sua pele, ela desperta, assustada
ao me reconhecer.
— Você precisa se alimentar, fiz café, e nos armários deve ter algo
que você goste. Vamos continuar essa conversa depois, preciso sair para
resolver algumas coisas. — digo, passando a mão pelos seus cabelos.
Isabella ainda parece se recuperar no que aconteceu na cozinha, sua
boca não emite nenhum som, ela apenas acena com a cabeça. Me afasto da
cama, indo até o banheiro, eu precisava tomar um banho e me encontrar
com Ivan.

— Você contou tudo a ela? — meu irmão pergunta, o motor do carro


rugi enquanto atravessamos os portões da mansão Baranovskiy.
— Contei apenas sobre o pai dela. Já foi muita informação de uma
vez, e acho que ela está sobrecarregada. — murmuro, evitando olhar
diretamente para ele.
— Ela descobriu que tem um pai, e agora sabe que o marido quer o
matar. Quem ficaria bem com uma notícia dessas? — rebate Adryel.
Descemos do carro que estacionamos em uma das vagas. Os
soldados na porta não nos impedem de entrar, afinal, já sabiam que
viríamos. Ivan nos recebe calorosamente à porta de sua casa, mas para mim,
sua hospitalidade soa falsa. Até que ele me entregue o que quero e o
casamento se concretize, vou tolerar suas bajulações. Não confio na Bravta,
assim como não confio em Ivan.
— Bem-vindos — ele nos cumprimenta com um sorriso.
No canto da sala, noto uma garota parada, nos observando como se
fôssemos fantasmas. Seus olhos estão fixos no meu irmão, e reconheço que
ela é a filha de Ivan, pois já recebi um relatório sobre ela. Seria estranho
não a reconhecer. O olhar do meu irmão ganha um brilho astuto, ele
claramente se agradou da garota , mas ela, por outro lado, parece assustada.
Uma mulher se aproxima e coloca a mão sobre o ombro da jovem,
trazendo-a de volta à realidade. Sua roupa chama a atenção por ser
inusitada: calças e uma blusa larga, mais parecendo um traje masculino do
que feminino.
— Ah… esta é minha filha, Yelena — apresenta Ivan, fazendo um
gesto para que ela se aproxime. A expressão da garota é de desagrado, mas,
mesmo assim, ela obedece ao pai. — Ela será sua futura noiva — ele
acrescenta, batendo de leve no ombro de Adryel com um sorriso que não
chega aos olhos.
Não é preciso ser especialista em leitura corporal para perceber que
Yelena não está nem um pouco feliz com a ideia do casamento.
Sem perder tempo, meu irmão a cumprimenta com um beijo casto
em sua mão. Eu o conheço bem e sei quando está interessado em alguém.
Mas ela? Ela sequer esboça um sorriso enquanto puxa a mão de volta.
— Pai, estou atrasada para a aula, preciso ir — avisa, erguendo os
olhos para Ivan, esperando sua permissão.
Ele assente com a cabeça, e Yelena beija sua mão, inclinando a testa
em um gesto de respeito antes de se retirar.
— Vamos conversar no meu escritório? — sugere Ivan.
Balanço a cabeça em concordância e sigo com meu irmão.
Nos acomodamos, e não perco tempo. Preciso resolver meus
negócios, mas também tenho que voltar para minha esposa.
— Então, Ivan, vai me entregar Adriano? — pergunto.
O homem tosse, a idade já pesa sobre ele.
— Consegui, mas Aron pediu que não o envolvesse nisso. O
conselho não aprovou, e você precisa fazer parecer um acidente — Ivan,
sendo um homem astuto, não iria me decepcionar.
— Ótimo. Agora só falta me dar a localização de onde ele está —
deixo um sorriso sarcástico escapar.
Ivan se ajeita na cadeira.
— Mas antes, qual é a garantia de que vocês vão realmente cumprir
o acordo? Estou fazendo minha parte — ele questiona.
— Está ofendendo nossa honra, Ivan. Se demos nossa palavra,
vamos cumpri-la.
— Quero uma garantia de que esse casamento vai acontecer.
— Se está tão ansioso para casar sua filha, podemos fazer isso
amanhã — meu irmão, que estava calado até então, se manifesta. Sua
prontidão me surpreende, já que ele nunca quis essa união.
Ivan ri.
— Não tenho pressa, mas acredito que um casamento deve ser bem-
planejado. Falo por experiência, me casei duas vezes, a primeira com a mãe
de Yelena e depois com Daria. Um casamento exige preparação, mas
podemos oficializar o noivado. O que acham?
Meu irmão me lança um olhar, incentivando-me a aceitar.
— Tudo bem, faremos a cerimônia daqui a alguns meses — adverti.

— Para mim, parece perfeito — Ivan concorda, com um leve sorriso


amarelo.

Meus olhos acompanham quando ele abre uma gaveta ao lado e


retira um pedaço de papel, que ele desliza pela mesa em minha direção.

— Esse é o endereço onde Adriano Rucci está — ele diz, mantendo


a voz baixa.

Pego o papel entre os dedos, verificando rapidamente o endereço


rabiscado em letras apressadas. Sem demora, passo-o para meu irmão, que
o estuda com atenção.
— Você se mostrou mais eficiente do que imaginei, Ivan — elogio,
meus lábios se curvando em um sorriso que carrega um tom de ironia.

Ivan recosta-se em sua cadeira, uma expressão de falsa modéstia se


formando em seu rosto envelhecido.

— Estou à disposição, agora somos todos da família — responde.

Deixamos a casa de Ivan em poucos minutos, cientes de que a tarde


prometia diversão. A expectativa de derramar sangue já fervilhava em
minhas veias. Eu ansiava por uma distração, algo que alimentasse o lado
sombrio que se delicia em provocar dor. E, depois de todos esses anos
imaginando a queda de Adriano, essa era a oportunidade perfeita.

Estávamos em território inimigo, longe de nossa zona de conforto, o


que exigia cautela. Não podíamos nos dar ao luxo de chamar atenção.
Deixei os poucos homens que trouxe conosco fazendo guarda no hotel onde
estávamos hospedados. Apenas eu e meu irmão iríamos ao encontro de
Adriano. Ele não fazia ideia de que seria surpreendido, e não teria tempo
para reagir.

Quando paramos em frente ao endereço, um local simples e


decadente, o cenário não me surpreendeu. Era apropriado que um rato como
Adriano se escondesse em um lugar assim, como um boeiro. Estacionamos
o carro um pouco distante e cobrimos nossos rostos com máscaras para
evitar sermos reconhecidos. Meu irmão carregava uma maleta com nossas
ferramentas prontas para o uso.

Nos aproximamos da casa e batemos na porta. Um silêncio tenso


preencheu o ar, mas por meio de uma fresta da porta entreaberta, imaginei
que Adriano já tivesse nos visto. Não esperávamos mais. Com um chute
firme, arrombamos a porta, fazendo-a ceder com um rangido seco.
Assim que entramos, avistei Adriano, parado à nossa frente. Sua
pele enrugada e os cabelos grisalhos eram provas vivas de como os anos o
haviam desgastado. Seus olhos se estreitaram quando me viram dar o
primeiro passo dentro da casa. Meu irmão seguiu logo atrás.

Com um movimento rápido, puxo a máscara do meu rosto,


revelando minha identidade.

— Quanto tempo… — murmurei, saboreando o momento.

O desespero atravessou o olhar de Adriano. Ele mal teve tempo de


reagir, sua tentativa de escapar foi patética.

— Que merda vocês estão fazendo aqui?! — branda , a voz cheia de


pânico enquanto seus olhos varrem o lugar procurando desesperadamente
uma saída.

Eu sou um predador. Gosto da caçada, do prazer de ver minha presa


correr, mesmo sabendo que não tem escapatória. Esse momento é sempre o
mais divertido.

Adryel agiu avançando e imobilizando Adriano com uma gravata


em torno do pescoço. O desgraçado mal teve tempo de processar o que
estava acontecendo.

— Leve ele para a cozinha — ordenei.

Adryel arrasta Adriano pelo chão sem a menor delicadeza, seu corpo
envelhecido e frágil, incapaz de resistir à força vil do meu irmão. O som
abafado dos sapatos raspando o piso me diverte. Era como ouvir a última
sinfonia de um homem condenado.

Seguimos para a cozinha, um ambiente modesto, Adryel joga


Adriano contra uma das cadeiras, forçando-o a sentar. O velho arfa, os
olhos arregalados, já ciente de que sua vida estava por um fio.

Apoiei as mãos no encosto da outra cadeira, encarando Adriano com


um meio sorriso.

— Você não deveria estar surpreso. — digo calmamente, circulando


ao redor dele como um predador rondando sua presa. — Você sabia que isso
aconteceria, mais cedo ou mais tarde. — Inclinei-me sobre ele, colocando o
rosto perto o suficiente para encará-lo frente a frente. — Você sabia que
esse dia chegaria. Sabia que, eu viria buscar o que me deve.

Adryel se mantém ocupado, abrindo a maleta e retirando as


ferramentas, alicates, facas, lâminas, todos os instrumentos de dor que
usávamos para obter o que queríamos. O som metálico de cada ferramenta
pousando sobre a mesa soava como uma contagem regressiva para o
inferno.

Adriano começa a se debater na cadeira, mas as mãos de meu irmão


firmou seus ombros com força, o mantendo preso no lugar, em seguida uma
corda é passada entre suas pernas e braços, o amarrando.

O suor descia pela testa de Adriano, misturando-se com o terror que


emanava de seus olhos. Ele nunca foi um homem que honrava as calças, um
medroso com medo até da própria sombra.

— Eu farei perguntas simples e quero que me responda, entendeu?


— passo de leve a lâmina de uma das facas contra sua bochecha, apenas o
bastante para deixar uma linha fina de sangue escorrer.

Ele assente com a cabeça.

— Ótimo — murmurei, satisfeito. A faca desliza para longe de sua


pele, mas ainda estava ali, ameaçadora, pronta para mais. — Vamos
começar com algo fácil… você sabia dos negócios que meu pai tinha com
Don Mário.

Adriano tremeu, seus lábios entreabrindo-se para falar, mas


nenhuma palavra saiu. O terror estava claro em seus olhos, a dor já
corroendo suas últimas defesas. Esperei, paciente, enquanto ele tentava
reunir a coragem necessária para responder.

— Eu… eu não sabia de nada… — sua voz com medo o deixando


patético.

Balancei a cabeça devagar, desapontado. A lâmina voltou a sua


bochecha, desta vez com mais força, traçando uma linha mais profunda que
fez o sangue jorrar em gotas rubras.

— Essa não é a resposta que eu quero ouvir, Adriano. — Minha voz


soa ameaçadora — Não minta para mim.

Adryel ao meu lado, levantou o alicate, suas mãos firmes, prontas


para continuar o que havíamos começado. Ele pegou a segunda mão de
Adriano, esticando seus dedos com uma precisão cirúrgica.

— Se mentir mais uma vez, Adryel vai arrancar cada uma dessas
unhas. Uma por uma — acrescentei, dando um passo para trás e cruzando
os braços, Adriano tenta inutilmente encolher seus dedos. — E acredite,
vou gostar de assistir isso.

Seus ombros tremem em desespero, e ele engole a própria saliva.

— Eu sabia… mas não me envolvia…eu só cuidava dos lucros. —


ele gaguejou.

Um sorriso lento se formou em meus lábios. Adryel olhou para


mim, esperando minha próxima ordem, mas fiz um sinal para ele aguardar.
— Viu como é fácil? Você responde, e tudo acaba mais rápido. —
Dei-lhe um tapinha leve no rosto, como um prêmio por sua cooperação. —
Agora me diga… quais os negócios que meu pai tinha com Mario?

O homem fecha os olhos brevemente, sua testa iluminada por suor, e


seu corpo tremendo junto a cadeira de madeira.

— Como eu disse, só cuidava dos lucros. — torço o nariz


insatisfeito pela sua resposta.

Estalo a língua, e dou um soco forte contra seu rosto, o baque quase
o faz virar a cadeira. Adriano cospe um pouco de sangue e me olha com
clemência.

— Diga logo o que sabe, eu mal comecei com você, e arrancar suas
unhas ou um corte no rosto, está muito longe do que eu realmente pretendo
fazer com você.

Ele engole em seco.

— eles tinham vários negócios juntos. — ele responde.

— Você parece um papagaio de estimação, é só pressionar que


começa a abrir a boca. — zombo. — Algum desses negócios envolvia
sequestro de crianças? — pergunto com a ponta da faca rente a sua
bochecha.

— O que sei é que seu pai tinha contado com pessoas importantes,
que o pagavam para fazer o transporte, é a única coisa que sei… — o
homem murmura.

— Quem mais está envolvido? Se me der nomes, talvez eu seja


misericordioso e acabe com sua miséria agora.
— Não sei… eu era apenas um contador que multiplicava dinheiro,
nunca me interessei em saber como o dinheiro chegava até mim.

— Um contador? — repeti com ironia. — Apenas um contador… E


você realmente espera que eu acredite nisso? Eu sei que você fazia muito
mais do que isso. Agora, me dê os nomes, ou juro que vai implorar para
falar.

Ele está suando frio, e nervoso, posso ver a veia de seu pescoço
pulsando.

— Seu pai tinha alguém dentro da organização que o ajudava. — ele


finalmente deixa escapar algo útil.

— Quem?— exijo, apontando com um simples gesto para que


Adryel avance com o alicate em suas mãos.

O grito do homem rasga o silêncio assim que a primeira unha é


arrancada. Ele se contorce.

— Minha paciência está ficando cada vez mais curta Adriano. —


ameaço

— Phelipo Greco! — grita e com dor.

Eu e Adryel trocamos olhares. Então esse era o miserável rato


infiltrado em nossa organização. Achei que na reforma que fiz no conselho,
tinha me livrado de todos que iriam contra mim.

— Phelipo Greco? — repito em voz baixa, processando a


informação.

— Ele ajudava seu pai com os negócios com Don Mário. —


continua o homem.
Faço um sinal com a mão, e Adryel recua por um instante, deixando
o homem recuperar o fôlego.

— O que você acha que devo fazer com você, agora que me deu um
nome? — digo, erguendo o queixo do homem com a ponta afiada da minha
faca que eu ainda mantinha em mãos.

Seus olhos saltam entre mim e Adryel.

— Eu… eu fiz o que você pediu… — ele balbucia.

— Sim — respondo. — Mas ainda é um traidor miserável, é


péssimo saber que com tudo o que você roubou não tenha lhe
proporcionado uma vida boa, afinal olha o lugar onde você está.

Antes que ele tenha tempo de reagir, faço outro sinal para Adryel,
que retoma o que começou, arrancando outra unha.

O grito ressoa pelas paredes da cozinha velha.

— Tenho uma ideia bem clara do que podemos fazer com você, —
murmuro, deixando um sorriso predatório se espalhar pelo rosto — Tire a
camisa dele, — ordeno friamente a meu irmão. O som do tecido sendo
rasgado me enche de entusiasmo, revelando o peito nu do homem.

Ele começa a tremer, sua respiração acelerada, o peito subindo e


descendo rapidamente. O desespero o consome, mas ainda assim tenta
argumentar, mesmo sabendo que suas palavras são inúteis.

— O que vocês vão fazer? — a voz dele é entrecortada, carregada


de pânico. — Eu já disse… eu não sei de mais nada! Eu dei o nome que
vocês queriam… Por favor… — os olhos dele suplicam, fitando-me como
se pudesse despertar alguma fagulha de misericórdia que nunca esteve lá.
— Se… se vai me matar, faça isso logo!
Eu paro bem diante dele, inclinando-me, permitindo que ele sinta a
intensidade do meu olhar, a frieza da minha presença.

— Matar você? — uma risada me escapa. — Isso seria um alívio


que você não merece. Nós ainda nem começamos. A dor que você sentiu
até agora… não é nada comparada ao que está por vir.

Meu lado sombrio se alimenta da dor, é um vazio insaciável que


encontra satisfação apenas ao ver o sofrimento gravado na carne. Provocar
dor não é só um ato, é uma necessidade, uma fome que nunca cessa dentro
de mim.

Meus olhos brilham com uma malícia fria enquanto posiciono a faca
no centro do peito de Adriano. Com um movimento único, arrasto a lâmina
por sua pele, abrindo um corte preciso que faz o sangue jorrar
imediatamente. Seus gritos são desesperados, suplicantes e altos, mas não
me incomoda, há um prazer silencioso que sinto em cada gota de dor que
ele experimenta, um sorriso de curva em meus lábios.

A pele do seu peito se divide ao meio, expondo carne e sangue. O


corte, embora não muito profundo, é uma promessa de algo muito pior. O
próximo golpe, eu sei, será fatal. Adriano tenta gritar ainda mais, mas sua
voz se esvai. Seus olhos, estão vidrados, perdidos em algum lugar entre o
medo e o nada. É como se sua alma já tivesse abandonado o corpo,
aguardando por ele no inferno.

Com a faca ainda firme em minhas mãos, me sinto vivido, O sangue


de Adriano escorre, manchando o chão de cerâmica amarelado, criando
uma poça vermelha.

Eu me inclino sobre seu corpo ensanguentado, seu rosto pálido, os


olhos caídos em desespero, e sussurro as últimas palavras que ele ouvirá.
— Mande lembranças ao meu pai.

Sem hesitar, finalizo o trabalho com um golpe rápido e preciso. A


lâmina penetra fundo em sua carne, deslizando entre seus órgãos com uma
facilidade macabra. O som abafado de sua última respiração, um suspiro
pesado e sofrido, antes que seu corpo finalmente ceda, tornando-se apenas
uma casca vazia.

Me afasto deixando a faca ainda gravada em seu corpo.

— Pegue gasolina. Vamos queimar tudo. — digo a meu irmão, que


logo se retira para buscar o que pedi.

Abandono o corpo no meio da cozinha, indo até a pia. A água fria


escorre por minhas mãos, levando consigo o sangue que tinge o ralo de
vermelho. Conforme o líquido desaparece, sinto meus sentidos voltarem à
normalidade.

Com dois galões de gasolina, meu irmão e eu nos movemos pela


casa, espalhando o combustível pelos móveis, nas cortinas, e
principalmente sobre o cadáver inerte. Utilizado a mesma faca que usei para
tirar a vida de Adriano, corto a mangueira que faz com o botijão de gás.
Preparamos o cenário que deve parecer um acidente.

Ao final, com tudo pronto, saco o isqueiro do bolso, acendo a chama


com um clique seco e o arremesso por uma das janelas. Já do lado de fora.
Entramos no carro, e enquanto nos afastamos, as chamas de fogo dançam
no retrovisor.

— Agora temos um nome — meu irmão comenta mantendo o olhar


fixo na estrada. — Sabemos quem possivelmente está passando nossas
rotas… o que pretende fazer com ele, irmão?
Sua pergunta, acompanha um sorriso de canto.

— Vou matá-lo na frente de todo o conselho. Será um espetáculo.


Capítulo 25

Isabella
Saio do banho com o corpo envolto em uma toalha macia, A água
quente havia lavado meu corpo, mas não conseguia limpar a confusão que
turvava minha mente. A passos lentos, caminho pelo quarto silencioso, as
gotas de água escorrem pelos dos meus cabelos caindo sobre meus ombros.

Eu tinha forçado a mim mesma a comer algo mais cedo. Sentei-me à


mesa, encarei o prato, e empurrei a comida para dentro sem realmente sentir
o gosto de nada. Meu apetite, assim como meu espírito, estava destruído.
As últimas 24 horas tinham deixado um gosto amargo em minha boca, algo
que nem a água ou o alimento conseguiam dissipar.

Primeiro, descobri que tenho um pai. Uma revelação que


despedaçou o que eu acreditava ser a verdade sobre minha própria vida.
Toda minha existência havia sido construída sobre mentiras, será que meus
tios, realmente eram meus tios?
Como se isso não fosse suficiente, descobri que meu marido, o
homem com quem compartilho uma cama, quer me usar como uma arma
contra esse homem que pode ser meu pai.

Esse homem, esse pai que eu nunca conheci, e um ser humano


desprezível, a foto daquelas crianças que vi no tablet mais cedo me vem à
mente, meu estômago se revira querendo colocar para fora o pouco que
comi, só de pensar nisso. Não é de se espantar que Ares queira vê-lo morto.
O problema é que ele não apenas quer matá-lo, ele quer minha ajuda para
isso.

O som estrondoso da porta se abrindo me faz estremecer, e minhas


mãos apertam firmemente a toalha ao redor do meu corpo, Meu coração
dispara, mas, ao reconhecer a silhueta masculina familiar na entrada, ele
gradualmente se acalma. Meus olhos percorrem suas roupas, demorando-se
no tom avermelhado que as mancha. Sangue. Eu sabia, pelo cheiro ferroso
que agora permeia o ambiente.

Nossos olhares se encontram, e vejo algo predatório em seus olhos,


um instinto bruto que faz meu corpo estremecer pela sua presença. Sua
sombra cresce no chão, cada vez mais próxima de mim, até que suas mãos
grandes alcançam as laterais da toalha que me envolve. Não tínhamos feito
sexo há uma semana, e eu sabia que, em algum momento, ele exigiria isso
de mim. Mas hoje… hoje não seria um bom dia.

— Estava com saudades do seu cheiro — ele rosna contra meu


pescoço, sua respiração quente entrelaçando-se com meus cabelos
molhados.

— Ares… eu não estou me sentindo bem — murmuro, tentando


encontrar seu olhar.
Vejo o controle sobre sua respiração e sinto seus dedos acariciando a
pele nua do meu ombro.

— Eu preciso de você… Por favor, eu posso ir devagar, serei gentil.


— ele pede, sua voz suave e sedutora enviando uma corrente de arrepios
pela minha espinha.

Respiro fundo.

— Estou sangrando — confesso baixinho, meu marido ergue uma


sobrancelha, aparentemente confuso. — Estou menstruada — revelo.

Espero que ele se afaste e que alguma expressão de compreensão


apareça em seu rosto, mas Ares mantém suas mãos onde estão, e um sorriso
sádico se forma em seus lábios.

— Isso deveria ser um problema para eu não possuir seu lindo


corpo? — ele diz

Acho que sim.

Junto meus pés, sentindo uma onda de constrangimento.

— Banheiro. Agora — ele ordena com um rosnado rouco.

Ele me libera, dando espaço, esperando que eu o obedeça. Mais uma


vez meu corpo está deixando ser controlado por um homem, pelo meu
homem.

Estou parada em frente ao box, a toalha envolvendo meu corpo


como uma armadura. Sinto sua presença atrás de mim e vejo, pela sombra
projetada na parede, que ele começa a se despir, suas roupas caem no chão
de porcelana. Seus braços fortes se envolvem ao meu redor por trás, e seus
lábios tocam meus ombros. A barba áspera provoca um arrepio em minha
pele, enquanto sua mão acaricia meu pescoço junto ao seu anel dourado.
Minha respiração se torna ofegante e entrecortada, seu toque me
deixa completamente desorientada. A toalha se desenrola do meu corpo e
cai ao chão. Com apenas um braço em minha cintura, ele me levanta e me
coloca debaixo do chuveiro.

O contato da água quente com minha pele só aumenta minha


excitação. Apoio minhas mãos no mármore da parede, sentindo o corpo
grande e musculoso dele atrás de mim, com seu membro rígido
pressionando contra minha bunda. As mãos do meu marido são ágeis e
começam a massagear meus mamilos, puxando-os de forma que provoca
uma dor aguda. Cada vez que ele aperta meus seios contra a palma de sua
mão, eu solto um gemido involuntário e baixo.

Cada célula do meu corpo grita que eu sou dele, completamente,


irrevogavelmente dele. A posse que ele exerce sobre mim parece cravar-se
em minha alma. Sua mão desceu com determinação, abrindo espaço entre
minhas pernas, e uma onda de apreensão tomou conta de mim, o receio
momentâneo me paralisando. Ele pareceu perceber a tensão no meu corpo.

— Abra as pernas, Bella mia — sua voz grossa e baixa sussurrou


contra os meus cabelos, beijando meu pescoço.

Hesitante, eu lentamente afasto minhas pernas. Sua mão desliza até


os meus lábios vaginais com uma gentileza inesperada, seus dedos se
misturando ao meu sangue. O toque é quente, quase eletrizante.

Enquanto uma de suas mãos aperta meu seio, a outra foca em meu
clitóris, movendo-se com precisão. Antes que eu possa me ajustar ao prazer
crescente, ele me vira bruscamente. Meu corpo choca-se contra o dele, o
peito nu e molhado pressionando o meu.
Ele me envolve em um abraço firme, mantendo seus toques
incessantes na minha boceta. Sua boca encontra a minha com uma urgência
feroz, sem gentileza, o beijo é cheio de vício e desejo. A água escorre por
nossos corpos, e ele bagunça meus cabelos, puxando-os pela nuca,
intensificando a conexão entre nós.

O domínio de Ares é total, seus toques, seus beijos, cada movimento


me deixa sem fôlego, sem espaço para qualquer outra coisa além da
sensação avassaladora de pertencer a ele.

Meu corpo treme, respondendo de forma instintiva, quase


desesperada.

— Você sente isso? — sua voz é um rosnado rouco, entremeado


pelo som da água. — sente o quanto essa bocetinha quer gozar.

Minhas pernas ameaçam ceder, o prazer me enfraquecendo de uma


forma que nunca experimentei antes. É muito intenso. Seus dedos não
param.

Minhas unhas se cravam na pele de seu ombro tão forte que é capaz
de deixar marcas, fecho os olhos, incapaz de mantê-los abertos, mas Ares
preciosa meu queixo me obrigando a abri-los de novo.

— Olhos abertos! — ele murmura, puxando meu cabelo para trás


com mais força, me obrigando a olhar em seus olhos. — quero ver seus
lindos olhos revirarem.

Estou à mercê dele, do prazer que ele manipula com tanta maestria,
e neste momento, não consigo querer outra coisa a não ser gozar em seus
dedos.
E quando finalmente o clímax me atinge, não há como fugir do
olhar dele, que me devora com pura veneração enquanto meus olhos, como
ele previu, se reviram em êxtase absoluto.

Agarro-me ao corpo dele, desesperada por apoio, enquanto ofego


em busca de ar, como se meus pulmões tivessem esquecido como respirar.
Ares me ergue pelas pernas, prendendo-me contra sua cintura. Meu corpo
está mole e exausto, mas ele não me dá trégua. Ele inclina o rosto sobre
meu seio, abocanhando-o com força, e sinto seus dentes cravarem na pele
sensível, fazendo minha intimidade pulsar novamente.

Seguro-me firmemente em sua cintura com as pernas e movo meus


braços ao redor de seu pescoço, tomando a iniciativa de beijá-lo desta vez.
Minhas mãos deslizam sobre sua barba, descem por seu pescoço e peito,
sentindo as cicatrizes que marcam seu corpo, criando pequenas ondulações
sob meus dedos. Ele fecha o registro do chuveiro, e seu membro roça minha
entrada. Dou um pequeno salto em seu colo; essa posição é nova, e ele
ainda parece grande demais para mim. Acho que nunca vou me acostumar.

Olho para ele, vendo o sorriso que se desenha em seus lábios.

— Relaxe, você está bem lubrificada. Não vai doer — ele murmura,
tentando suavizar minha apreensão.

Respiro fundo, pressionando minha testa contra a dele, enquanto


guio o pau dele até a minha entrada, onde o sangue e o gozo se misturam.
Lentamente, sinto meu corpo o engolir, e comprimo os lábios para conter
um gemido, mas logo sou devorada por sua boca.

— Apertadinha. — ele rosna contra meus lábios, começando as


estocadas, primeiro lentas, depois aumentando gradualmente.
O som de nossos corpos se chocando ecoa no banheiro, misturado
ao estalo eletrizante da conexão entre nós, nossos olhares presos um no
outro.

— Essa bocetinha é minha — ele afirma com uma investida


profunda que me faz arregalar os olhos.

— É sua — murmuro junto a um gemido.

Minhas costas raspam contra a parede com a intensidade das


estocadas.

— Diga de novo — ele ordena.

Uma de suas mãos aperta minha bunda, enquanto a outra sobe por
meus seios e para em minha garganta. Ele tinha algum fetiche em me
enforcar, e eu, em silêncio, admitia que gostava.

— Ela é sua — digo, quase sem voz.

— Diga a quem sua bocetinha pertence — ele exige, apertando


ainda mais meu pescoço.

Ele está tão duro dentro de mim que sinto meus olhos lacrimejarem.

— Ela pertence a você — sussurro, e, com isso, o aperto em minha


garganta diminui. Sua boca devora a minha como um animal faminto, nos
consumindo em uma explosão de prazer primal.

Ele continua, mais forte e insaciável, movendo-se com uma


intensidade que faz meu corpo querer se fundir ao dele, como se
pudéssemos nos tornar apenas um. Ares me força a olhar em seus olhos no
exato momento em que atinge o clímax, enterrando-se fundo dentro de
mim. Seu gozo se mistura ao meu sangue. Sua mão desliza até minha
barriga, pousando em meu clitóris, unindo nossos corpos ainda mais
naquele ritmo impiedoso.

Seu membro sai por completo apenas para se afundar de novo, com
mais força, com mais profundidade.

Ele entra e sai.

Fundo.

Duro.

Mais forte.

Eu grito, perdida no prazer avassalador que toma conta de mim.

Nossas respirações se misturam, e ele acaricia meus cabelos


suavemente. Com a cabeça repousada em seu peito, posso ouvir seu coração
bater, tão acelerado quanto o meu. Uma lágrima escapa dos meus olhos,
mas eu tento segurá-la. Quando acordei esta manhã, tudo o que eu queria
era odiá-lo. Agora, em seus braços, desejava apenas amá-lo um pouco mais.

Ele tem o meu coração, mas eu não tenho o dele. E isso só reforça o
quão tola eu sou, por amar alguém que só me vê como uma peça em seu
jogo.

Tomamos banho em silêncio, ele me lavou, cuidou dos meus cabelos


e me enrolou em uma toalha, me expulsando do banheiro logo em seguida.

Ares
Os armários estão cheios de comida, o que só constata o quanto
Isabella tem se descuidado com a própria alimentação. Fui à farmácia
comprar alguns remédios que ela pediu para aliviar as cólicas, e agora ela
dorme profundamente.

Liguei para Andreas, atualizando-o sobre tudo, especialmente, sobre


a descoberta do traidor entre nós. Mas pedi que ele não agisse ainda; quero
pegá-lo de surpresa. Também pedi que Adryel voltasse para a Sicília, e
decidi seguir o conselho de Andreas: tirar alguns dias para ficar com minha
esposa. Isabella precisa desse tempo, e confio plenamente que meus irmãos
manterão tudo sob controle. Eles sempre lidaram bem com crises como
esta, e confio neles.

Mas o que realmente me inquieta é saber que Mário, sabe sobre


Isabella. De um lado, ele vai sair de seu esconderijo para procurar a filha.
Por outro, detesto a ideia de que ele possa vir atrás dela. Isabella é minha, e
ninguém vai tirá-la de mim. Cabe a mim protegê-la, cuidar dela e venerá-la.

Do corredor, ouço um grito abafado vindo do quarto. Meu corpo


reage antes que eu possa pensar, e corro apressado, entrando no quarto para
me deparar com Isabella se debatendo no colchão. Ela murmura palavras
incoerentes, os punhos cerrados com força. Aproximo-me, notando o suor
escorrendo por seu rosto, e ao tocar sua testa, sinto o calor da febre. Ela está
presa em um pesadelo, e não é o primeiro que presencio. Com delicadeza,
toco suas bochechas, tentando trazê-la de volta.

— Para, por favor… — ela grita, e algo dentro de mim se aperta ao


vê-la assim.

— Querida, acorda — sussurro em seu ouvido, aproximando-me


ainda mais.
Ela continua a se agitar, gritando em desespero

— Para com isso, você não é meu pai.

É possível que aquele infeliz esteja perturbando o sono da minha


mulher?

Mil ideias passam pela minha cabeça sobre o que fazer, mas a
primeira que me ocorre é beijá-la. Nossas bocas se unem em um beijo
suave, tentando despertá-la do tormento. Aos poucos, seus olhos castanhos
se abrem, sua respiração pesada. Eu me afasto, observando o susto em seu
olhar, enquanto suas mãos tateiam os lençóis, ainda desorientada.

— Você teve um pesadelo? — murmuro, tocando sua testa


novamente. — Você está com febre… Acho que precisamos de um médico.

Preocupação e medo se misturam dentro de mim. Isabella é a única


mulher capaz de me fazer sentir vulnerável desse jeito.

Ela pisca várias vezes, como se tentasse se situar Seus olhos


continuam confusos, as sobrancelhas franzidas em uma expressão de
desconcerto. Ela respira fundo, e aos poucos sua agitação diminui.

— Estou bem… — Ela sussurra. — Foi só um pesadelo.

— Você não está bem. — digo. — Está com febre.

Ela balança a cabeça.

— Não preciso de um médico. Só… só preciso de um pouco de


água. — Ela insiste.

Relutante, eu me levanto da beirada da cama e vou até a cozinha,


enchendo um copo com água. Quando volto, ela já está sentada na cama, os
ombros caídos, o olhar perdido.
— Aqui — digo, entregando o copo. Ela toma um gole pequeno,
como se até isso fosse um esforço.

Sento ao seu lado novamente, passando a mão pelas mechas úmidas


de seu cabelo.

— Ele tinha me levado embora, foi… foi horrível. — ela não


precisava dizer o nome para que eu soubesse de quem se tratava e vê-la, tão
vulnerável, me atinge de um jeito inesperado.

— Foi só um pesadelo, você tem descoberto muita coisa em pouco


tempo, sua mente pode estar criando situações. — digo. Ela baixa os olhos,
evitando o meu olhar, puxo seu corpo para perto do meu, a enrolando em
meus braços. — Eu vou chamar um médico, você precisa ser examinada,
está com febre, não diga que não quer, você mal anda comendo, precisa se
alimentar.

— Porque isso vai interferir nos seus planos? — indaga com voz
baixa e sensível.

— Sim. — respondo. Isso atrapalha tudo, não consigo me


concentrar em nada se eu estiver preocupado com você.
Capítulo 26

Isabella
A médica mede minha pressão e faz algumas perguntas, às quais
respondo normalmente.

— Será que você pode levantar a blusa um pouco? — ela pede.

Embora ache a solicitação estranha, aceno com a cabeça e levanto a


blusa de moletom pelos braços. Afinal, ela é uma médica e sabe o que está
fazendo.

— Minha nossa… — ela murmura ao examinar meus braços. —


Essas marcas… você está sofrendo abuso.

Algumas das marcas visíveis são resultantes da queda que tive. As


da barriga e das pernas ainda são mais evidentes, enquanto as dos braços e
do rosto estão mais claras e estão desaparecendo com o passar dos dias.

— Não — tento tranquilizá-la. — Foi só um acidente.


A médica, loira com olhos castanhos, olha ao redor do quarto antes
de voltar sua atenção para mim.

— Você pode confiar em mim. Se está sofrendo abusos. Eu posso


ajudar você.

Minha boca seca.

Se ela soubesse quem é meu marido, será que ela ainda me diria
isso?

— Senhora, você está equivocada. Meu marido não me bate —


afirmo, e me esforço para manter a calma.

Não da maneira como ela está insinuando.

Ela não toca minha pele, mantendo uma distância respeitosa.

— Eu entendo que você esteja com medo, mas realmente posso


ajudar. Ele nunca mais encostará a mão em você — insiste novamente, o
que começa a me irritar.

A raiva começa a subir pelo meu rosto.

— Senhora, estou dizendo claramente que não estou sofrendo abuso.


Não preciso de ajuda. Sou muito bem tratada — afirmo, enquanto me visto
novamente.

— Todas dizem isso por medo. Se você estiver sendo coagida,


apenas me dê diga — ela diz.

Nesse momento, ouço um pigarro.

— A minha mulher disse que está sendo bem tratada. Ela foi clara o
bastante, não acha? — levanto os olhos e vejo meu marido parado na porta,
com os braços cruzados sobre o peito e um olhar frio. — Amor, ela está lhe
incomodando? — ele pergunta.

Amor era uma palavra nova, ouvir Ares me chamar de amor era
novo, era estranho.

— Não, está tudo bem — respondo, tentando suavizar a situação. —


Então, o que eu tenho? — pergunto à médica.

Ela está visivelmente pálida, e sua expressão demonstra um pouco


de medo , estou acostumada com as feições cruéis de Ares, mas a médica
parece genuinamente assustada. Ela folheia os papéis e me entrega uma
receita.

— Aparentemente, não é nada grave. A febre pode ser emocional ou


começo de resfriado, possivelmente causado pelo tempo. — explica
calmamente. — Prescrevi um remédio para reduzir a febre.

Meu marido permanece parado na porta, com a mesma expressão.

— Se já terminou, pode ir embora — Ares diz de forma ignorante.


Penso em repreender sua falta de educação, mas percebo que ele está
irritado devido às insinuações feitas pela própria. Até eu me sinto
desconfortável com a situação.

A médica acena com a cabeça.

— Vou acompanhá-la até a porta — ofereço, abrindo caminho entre


meu marido e a porta do quarto.

Conduzo-a pelo corredor e digito a senha da porta para que ela


possa sair.

— Desculpe a grosseria do meu marido — digo com um tom gentil.


— Entendo que muitas mulheres enfrentam violência doméstica, mas esse
não é o meu caso.

A médica suspira, e suas feições começam a relaxar.

— Tudo bem, somos todas mulheres e devemos apoiar umas às


outras — diz ela, embora ainda pareça um pouco cética. — Desejo
melhoras para você.

Com um último aceno de cabeça, ela se despede e sai.

Sinto o aroma de comida vindo da cozinha, um cheiro


deliciosamente tentador. Sigo o aroma até a ilha que divide a sala da
cozinha e franzo a testa, tentando entender a cena diante de mim.

Ares está cozinhando…

Parece que eu ainda estou dormindo.

— O que você está fazendo? — pergunto, curiosa.

Ele está mexendo uma panela, com um pano de prato sobre o


ombro, e está sem camisa. Não sei se isso foi planejado, mas é uma visão de
tirar o fôlego.

— Estou preparando uma sopa para você — responde, com um tom


casual.

Mordo o lábio, tentando conter um sorriso. Vejo Ares apagar o fogo


e deixar o pano de prato em um canto do armário. Ele se aproxima da ilha e
coloca um prato de sopa à minha frente.

— Coma — ordena.
Pego a colher com relutância. Embora o cheiro esteja maravilhoso,
meu apetite ainda não voltou totalmente.

— Ainda temos uma conversa a terminar — digo, levantando os


olhos para encarar suas íris verdes.

Ares suspira e se inclina um pouco para frente, os olhos verdes fixos


nos meus.

— Eu sei — diz ele, com um tom que mistura resignação e


sinceridade. — Mas você precisa se alimentar primeiro. Podemos conversar
depois.

Ele parece genuinamente preocupado. Tento não me deixar levar


pelo gesto, mas é difícil ignorar a forma como ele está se esforçando para
cuidar de mim nos últimos dias.

— Está bem — concordo, começo a comer a sopa, levo uma


quantidade pequena a boca, saboreio lentamente o gosto.

Ares se encosta na bancada, observando-me enquanto termino.


Quando empurro o prato para longe, ele sorri satisfeito e pega o prato para
lavar.

— Ainda tem bolo? — pergunto, lembrando-me do bolo de


chocolate que ele comprou para mim.

— Está inteiro — ele responde. — , você quer? — ele inclina a


cabeça para ouvir minha resposta.

— Quero.

Ele me serve uma generosa fatia de bolo, como se soubesse


exatamente o quanto eu ansiava por isso. Meu apetite parece ter ressurgido.
— Isso está uma delícia — murmuro, saboreando o bolo enquanto
ele derrete na minha boca.

Sinto um toque suave no canto da minha boca e vejo seu dedo


deslizar sobre meus lábios, limpando as migalhas de bolo. Pego um
guardanapo e seco a boca com um sorriso discreto.

— Agora podemos começar nossa conversa — eu empurro o prato


da sobremesa para longe.

Tenho muitas perguntas, e ele é o único que pode respondê-las.

— Não sei se quero envolver você nisso, Isabella — ele diz com
frieza. — O mundo é cruel demais e pode acabar com você.

Reviro meus olhos.

— Você já me envolveu quando decidiu se casar comigo. — falo


firme, de queixo erguido. — Conheço o mundo e sei o que há de ruim nele.
Não sou frágil nem doce.

Meu marido sorri, seus lábios se curvam com satisfação. Seu olhar é
intenso, como se estivesse diante de algo que finalmente conquistou.

— Mas eu preciso saber… vai ficar ao meu lado? — A pergunta


escapa de sua boca com um toque de ironia, como se ele estivesse
provocando, testando minha lealdade. Soa quase engraçado, se não fosse
pela seriedade em seus olhos.

Escolha. Nunca tive escolha na minha vida, e agora ele, o homem


que controla tudo ao seu redor, está me dando uma? Meus lábios se
apertam.

— Existe algum outro lugar que eu deveria estar? — pergunto,


sustentando seu olhar com o mesmo desafio.
— Não, Bella mia, não existe. — a resposta vem possessiva, e seu
olhar ganha uma ferocidade que me arrepia. — Mas você tem o sangue dele
correndo em suas veias, preciso saber se, em algum momento, irá me trair?

A pergunta queima entre nós. Minha respiração trava por um


segundo, mas logo me recomponho.

Ele não confia em mim?

— Você realmente acredita que eu faria isso? — questiono, movida


a mágoa.

Ele não responde de imediato, apenas me observa, o silêncio pesa


sobre nós, confirmando que sim ele não confia em mim, e isso me dói, me
dilacera, rompe todos os pedaços do meu coração.

— Se pensa que posso trair você, então por que quer que eu fique ao
seu lado, Ares?

Ele se endireita, voltando à sua postura dominante.

— Acredito que você não conhece o verdadeiro homem que é seu


pai — diz com uma amargura subjacente. — E temo que, em busca dos
momentos que nunca teve com ele, você se perca e acabe escolhendo o lado
errado.

Suas palavras me atingem como um soco no estômago, e por um


momento, fico sem resposta. A ideia de que ele pense que sou tão
vulnerável, tão influenciável, me fere mais do que qualquer acusação direta.

— Não sou manipulada por emoções. — Minha voz queima


enquanto sai da minha garganta.

Ele me encara, os olhos frios.


— É a natureza humana. As pessoas fazem coisas irracionais
quando querem preencher os buracos que outros deixaram. Eu só… não
quero que você seja uma delas.

— Eu não tenho buracos emocionais para preencher, muito menos


algum tipo de dívida fraternal. Aquele homem foi uma desgraça para minha
mãe. Se não fosse, ela não teria fugido dele. Não há nenhuma chance de que
eu me alie a ele. — suspiro com calma e contínuo. — Eu sou sua esposa, e
de qualquer forma, também estou presa a você.

Sua mão se estende além da bancada, movendo-se lentamente na


minha direção, até tocar meu rosto com uma carícia.

— Eu quero que você esteja comigo por sua própria escolha.


Embora eu não esteja disposto a renunciar a você.

Eu rio sem perceber.

— Eu escolho você, escolho fazer parte do seu plano. — digo com


uma certeza voraz.

Seus dedos traçam um caminho suave sobre meus lábios, passando o


polegar com delicadeza.

— Isso é bom… — murmura, seus lábios se curvam em um sorriso


sedutor e atraente.

Seu rosto se inclina sobre o meu, e ele me rouba um beijo


inesperado. O ar escapa dos meus pulmões como se eu estivesse correndo.

O que temos é algo além de química ou desejo carnal. Meu corpo e


minha alma parecem ser drenados enquanto sua boca devora a minha. É um
beijo quente e diferente dos outros, apaixonado e lento, cheio de ternura e
obsceno e intenso, nossos lábios se encaixam perfeitamente e como um ímã
feito para ser unido.

Sua mão se acomoda na minha nuca, puxando meu cabelo de forma


possessiva e aprofundando ainda mais o beijo. Arfo entre seus lábios ao
sentir a mordida lenta que ele deixa no canto da minha boca. Se não
houvesse a bancada entre nós, provavelmente já estaríamos nus, com a
cozinha impregnada de sexo.

Seu cheiro é irresistível, exalando o quanto ele tem poder sobre


mim. Ele é o dominador, e eu sou submissa. Sua barba áspera roça minha
pele, causando arrepios que percorrem meu corpo. Aperto meus dedos
contra a bancada, tentando manter o pouco de controle que ainda sinto ter.

Finalmente, seu rosto se afasta depois de me deixar sem fôlego.


Sinto meus lábios inchados e doloridos, e passo a língua sobre eles,
saboreando o resquício do beijo delicioso que ele me deu.

Aperto minhas pernas e levanto a cabeça para encontrar seus olhos


verdes imperial. Minhas bochechas coram, tentando esconder o quanto
aquele beijo havia me afetado.

— Se estamos do mesmo lado, exijo que me conte tudo o que


envolve esse homem. Nada de esconder informações, principalmente o
verdadeiro motivo de você estar aqui. Não tente me enganar, sei que tem a
ver com meu pai… você não é tão discreto quanto pensa, e eu ouço suas
ligações com Andreas. — falo seria, preciso que ele entenda que não sou
mais uma peça passiva nesse jogo.

Ele arqueia uma sobrancelha, intrigado com minha atitude. Não sei
se esperava essa ousadia de mim, seu peito nu sobe e desce em um suspiro
áspero.
— Estou aqui porque precisava encontrar o antigo contador do meu
pai. — Ele faz uma pausa, observando minha reação antes de continuar. —
Ele estava sob a proteção da Bratva.

Bratva, organização russa.

— Se ele estava sob proteção… isso significa que você já o


encontrou, não é? — minha mente corre para entender o que isso realmente
significa.

Ele assente com calma, apoiando os braços sobre o mármore da


bancada.

— Sim, fechei um acordo com Ivan. Ele é conselheiro do chefe da


Bratva. Em troca de me entregar o contador, um de meus irmãos vai se
casar com a filha dele. — explica.

Eu pisco meus olhos lentamente, e absorvo a informação que ele


acabara de me dar. Um casamento arranjado, a filha desse homem que nem
conheço, mas já sinto pena, estará com um destino amarrado a um de meus
cunhados.

— Qual dos seus irmãos vai se casar com a pobre moça? —


pergunto, sem esconder minha curiosidade.

— Adryel. Ele concordou e, para ser honesto, acho que até gostou
dela. Não vai fazer mal à garota — comenta, como se quisesse me
tranquilizar.

— Isso não muda o fato de que ela deve estar sendo forçada a esse
casamento — rebato.

— Casamentos na máfia são assim, ou as moças são prometidas


desde que ainda são bebês, ou crescem para serem dadas em casamento a
outras famílias influentes. São arranjos, troca de interesses

Solto um suspiro e concordo com um aceno, Ares tinha razão, essa


era mais uma de tantas tradições da máfia.

— Se encontrou esse homem, o contador de seu pai, ele deve ter lhe
dado alguma informação importante não? — volto ao assunto que devemos
discutir.

— Ele me deu um nome. Lembra que te falei sobre o traidor na


nossa organização? — balancei a cabeça, confirmando. — Agora,
finalmente, sei quem é.

— Quem é?

— Phelipo Greco — seu rosto se contorceu ao pronunciar o nome


do homem.

O tio de Mia. Meu coração aperta.

— Você vai matá-lo? — Minha pergunta soa ingênua, porque eu já


sabia a resposta.

Na máfia, quando você trai o código de honra da omertà, você e sua


família pagam com a vida. Era uma regra cruel…

— Sim — Ares responde com tranquilidade. — Desconfio que ele


seja aliado de seu pai, e esteja dando informações de nossas rotas.

Engoli em seco

— Poupe a vida de Mia. Ela é apenas uma criança. — peço em um


sussurro.

A mandíbula do seu maxilar trava, e seu olhar endurece. Ares não


tem misericórdia de ninguém, ele sequer sabe o que significa essa palavra,
mas eu quero acreditar que ele consiga ser racional.

— Posso considerar poupá-la apenas porque você está me pedindo,


mas não se iluda pensando que estou sendo bondoso. Eu não hesitaria em
eliminar uma família de traidores. — sua voz ressoa dentro de mim.

— Eu sei, sei que você não tem piedade de ninguém.

Ares sorriu de forma astuta.

— Fui moldado para não permitir que sentimentos influenciem


minhas decisões, Isabella. Estar no posto que ocupo exige isso. Se eu fosse
fraco, outro estaria no meu lugar.

Ele é um homem com uma armadura, onde nada parece atingi-lo.


Ele tem um coração, eu já o vi bater, mas não há sentimentos nele.

Meu marido se move, dando a volta na ilha da cozinha até chegar


até mim, e colocar a mão sobre minha testa.

— Sua febre baixou. É melhor você descansar; vai precisar de


disposição para amanhã — ele comenta, ao verificar minha temperatura.

Sem contestar, levantei-me da banqueta e sigo pelo corredor em


direção ao quarto, nesses últimos dias, sinto meu corpo mais pesado e
cansado do que normal, e as cólicas só tornam tudo ainda pior.
Capítulo 27

Isabella
Acho que essa é a primeira vez que acordo sem estar sozinha. Sinto
o calor de sua respiração no meu pescoço, seu corpo pressionado contra o
meu, o braço pesado descansando sobre minha cintura, enquanto sua mão
possessiva se infiltra por dentro da minha roupa. Para minha surpresa, me
sinto estranhamente confortável envolvida em seu corpo.

Mantenho os olhos fechados, querendo prolongar o momento. Não


quero levantar da cama agora. Mexo lentamente os quadris, como se
estivesse apenas tentando me acomodar melhor entre ele.

— Está fingindo dormir para que eu não te faça revirar os olhinhos


— sua voz rouca sussurra em meu ouvido, e imediatamente sinto um frio na
barriga.

Não respondo, mas sua mão desliza para dentro da minha blusa,
explorando lentamente até alcançar meus seios nus, e uma onda de calor
percorre meu corpo. Um gemido involuntário escapa de meus lábios, o que
parece ser o sinal que ele aguardava. Em um movimento rápido, ele gira
meu corpo, posicionando-se praticamente sobre mim.

Meus olhos se arregalam de surpresa, e eu dou um gritinho baixo e


eufórico.

Ele sorri de forma satisfeita, enquanto tento empurrá-lo com as


mãos. É inútil; seu corpo robusto é como uma parede, imóvel sob meu
esforço.

— Sai de cima de mim — resmungo, tentando soar irritada, mas a


raiva que demonstro é claramente fingida.

Ares arqueia uma sobrancelha, ainda sorrindo, ignorando minha


tentativa de resistência. Seu olhar passeia pelo meu rosto, como se me
desafiasse a continuar lutando.

— Está pedindo para que eu saia, mas seu corpo diz outra coisa —
ele murmura, a voz rouca com uma provocação que me hesita.

Sinto meu rosto queimar.

— Você é insuportável. — Minhas palavras saem entrecortadas pela


respiração acelerada, mas o tom perde força quando suas mãos começam a
explorar novamente minha pele, dessa vez de forma mais agressiva.

Seu rosto inclina sobre o meu, seus lábios roçando levemente minha
orelha, posso sentir sua respiração, e meu corpo estremece embaixo do dele.

— Só vou deixar escapar porque precisamos sair. — ele corta o


nosso pequeno transe com uma ordem. — Levante e vá se arrumar. Vou te
levar a um lugar.
Franzo o cenho, ainda tentando processar a mudança repentina de
tom. Um segundo atrás, ele estava me provocando, e agora, quer que eu me
levante como se nada tivesse acontecido.

— Que lugar?

Ele sorri de canto, me dando uma piscadela.

— Você vai ver. Não estrague a surpresa.

— Você não é um homem que faz surpresas. — questiono.

— Para você eu faço.

Merda…

Meu coração dispara em instinto, me levanto da cama quase


tropeçando em meus pés, ao correr para a suíte, e fechar a porta atrás de
mim.

Paramos em frente a um grande edifício, eu ainda não entendia do


que se tratava aquela surpresa muito menos o motivo dela, Ares segura
firme na minha mão enquanto me ajuda a descer do carro até calçada, eu
não estava acostumava com o frio desse lugar, dentro do apartamento tudo
era quentinho por causa do ar condicionado, mas fora dele, era tudo gelado,
sentia meus ossos doerem de frio.

Caminhamos em direção ao edifício, e assim que meus pés cruzaram


a soleira, sou imediatamente impactada pela visão das estantes. Eram
imensas, repletas de livros que se estendiam até o teto. Nunca tinha estado
em uma biblioteca tão grande, meus olhos vasculham o lugar sem fôlego.

— Ai, meu Deus… — foi o que consegui dizer, ao levar minhas


mãos à boca de empolgação.

— Gostou? — o homem ao meu lado cruza os braços e me olha.

Ele sabe que sim…

— Sim, é lindo. — Meus pés se desgrudam do chão, e caminho


entre as prateleiras, o lugar parece uma casa abandonada só que com livros,
não tem ninguém nos corredores, além da atendente em um dos caixas.

Ele me acompanha um pouco atrás como se quisesse me deixar à


vontade, passei-o entre as prateleiras com fascinação e nervosismo. Meus
dedos deslizam pelas lombadas dos livros, Ares permanece quieto,
observando cada um dos meus movimentos.

— Porque me trouxe aqui? — pergunto baixinho, ainda com os


olhos presos nas estantes, mas sentindo a presença dele atrás de mim.

— Eu presto atenção em você. — a voz dele sussurra rouca atrás de


mim. — Sei que gosta de ler, sei que seu bolo favorito é de chocolate, sei
que você costuma falar sozinha quando está cuidando das flores, e também
sei que sua cor é vermelho.

Eu sorrio, e giro meu corpo lentamente, sentindo o ar mudar quando


nossos olhares se encontram.

— Pelo visto você sabe muito sobre mim… — comento surpresa.

— Sou um bom observador, querida. — ele pisca em minha direção.

— Porque não tem mais ninguém aqui? — pergunto curiosa.


Ele dá um passo para mais perto, diminuindo o espaço entre nós.

— Eu quis que fosse assim. Reservei o lugar só para você. Pensei


que gostaria de explorar… sem interrupções.

Meu sorriso se torna mais radiante, largo e feliz, mas ainda tenho
dúvidas sobre suas verdadeiras intenções

— Não entendo porque está tentando me agradar, isso ainda é


sobre você querer que eu coopere e lhe dê um herdeiro. — soou ríspida.

Ele suspira pesado, me lançando um olhar, como se meu


questionado o tivesse afetado.

Ainda não havíamos falado sobre isso, mas tenho certeza que seus
planos não mudaram, ele ainda quer me engravidar.

— Você continua pensando que tudo que eu faço tem segundas


intenções — ele responde, passando a mão pelos cabelos escuros. — Eu
não posso querer te agradar simplesmente porque quero te ver feliz?

Mordo o lábio deixando um sorriso debochado escapar junto a


minhas covinhas da bochecha.

— Estou acostumada a desconfiar de tudo. — Viro as costas e


continuo a explorar o lugar.

Ares era um enigma. Eu nunca conseguia decifrar suas intenções,


nunca sabia ao certo o que ele realmente esperava quando me oferecia algo.
Sempre tive a sensação de que estar ao lado de um homem como ele teria
um preço alto a pagar.

Paro em frente a uma estante. Os livros não são de romance, nada do


que estou acostumada a ler agora. São livros infantis. Pego um deles, a capa
vermelha com letras douradas chamando minha atenção, meus dedos
passeiam pela superfície da capa.

— Quando eu era criança, tinha um livro que eu gostava muito —


murmuro, mais para mim mesma do que para ele. — Eu escondia entre as
roupas do guarda-roupa e, quando queria ler, me escondia junto e lia. Mas
um dia, minha tia encontrou o livro… — Minha voz sussurra, e por um
instante penso que ele nem me ouviu.

— O que aconteceu… — Sua voz me surpreende, suave e atenta.

— Minha tia me obrigou a queimá-lo — respondo, apertando o livro


contra o peito. — Minha tia não gosta da minha mãe, e odiava o fato de me
criar, e muitas vezes descontava toda essa frustração em mim.

Puxo o ar dos meus pulmões, e tento devolver o livro para a


prateleira, ficando na ponta dos pés, mas sinto sua presença atrás de mim,
sua mão na minha cintura, e o toque de seus dedos nos meus, me ajudando
a empurra o livro para o vão da prateleira.

— Será… — começo, mas sinto receio de continuar a frase. — Será


que eles são mesmo meus tios? — questiono, essa dúvida vem me
corroendo.

— São — ele responde ainda com o braço envolta de minha cintura.

— Então por que mentiram para mim? Por que inventaram todas
aquelas histórias sobre minha mãe? — minha voz sai trêmula, as palavras
rasgando minha garganta. — Me fizeram carregar o peso de cada
julgamento da sociedade. E depois que nos casamos? Nenhuma palavra,
nenhuma mensagem, nada. Eles simplesmente esqueceram que eu existo.
A indignação lateja em meu peito, mas antes que eu possa dizer
mais, ele me puxa pela cintura, me fazendo encostar as costas em seu peito.

— Você não precisa deles — sua voz sussurra contra meus cabelos.
— Você tem a mim, e o suficiente.

— Mas você também me enganou… — minha voz vacila com


mágoa. — Quis me usar como uma peça no seu plano. Mesmo sabendo de
tudo agora, e até concordando com algumas coisas, ainda carrego o peso
disso. Em nenhum momento você esteve realmente interessado em mim ou
só no que eu poderia te agregar.

Seus braços me apertam com mais força, como se pudesse me


segurar para não escapar.

— Não posso dizer que me arrependo. Você sempre fez parte dos
meus planos. Mas não pense que não enxerguei quem você realmente é.
Você é destemida, desafiadora, forte e inteligente, uma mulher que eu
realmente quero.

— Quando você fala assim faz parecer que nosso casamento é de


verdade

Ouço sua risada baixa.

— Pensa que nosso casamento é de mentira? — ele questiona. — o


motivo talvez não tenha sido os melhores, mas esse casamento não é de
mentira, muito menos os meus votos.

— Se nos casamos apenas porque você queria destruir meu pai, por
que está dizendo o contrário?

— Não precisávamos ter nos casado, Isabella. Eu poderia ter te


sequestrado, feito qualquer coisa, mas escolhi o caminho mais difícil. Eu
quis esperar por você, quis que fosse minha, que tivesse meu sobrenome,
porque assim ele nunca poderia te tirar de mim. Não percebe que sou louco
por você?

Engulo em seco, sentindo meu corpo fraquejar.

— Eu não sei o que você quer de mim. Você diz que quer que eu
fique ao seu lado, mas ainda não consigo entender o que isso significa. —
sussurro. — eu estou confusa. — confesso, sentindo um alívio momentâneo
em compartilhar com ele o que vem me afligindo.

Em um movimento inesperado, ele me solta e vira meu corpo para


ele. Minhas costas batem contra as prateleiras, e ele me pressiona contra
elas, posicionando um braço de cada lado da minha cabeça. Nossos olhos se
encontram, minha boca seca, e o tempo parece se congelar ao nosso redor.
Seu rosto se aproxima do meu, e minhas mãos pressionam seu peito, quase
em um gesto de autodefesa.

— Eu não sei se consigo confiar em você. — Admito. — Tenho


medo de que tudo isso seja uma farsa, que você esteja apenas me usando.
Não é isso que tem feito esse tempo todo? Me usando para seus planos? E
depois… quando tudo isso acabar, o que eu vou ser para você?

Sua mão toca meu queixo erguendo para cima.

— Você vai continuar sendo minha esposa, minha mulher, minha


rainha, minha religião. Vai continuar sendo minha, porque foi para isso que
você foi feita, para ser minha. E quando tudo isso acabar, eu ainda vou
desejar cada pedacinho do seu corpo, e te adorar. Confie em mim, eu te
quero muito além de qualquer vingança.

Meu coração gela de uma forma estranha.


— Seria capaz de me amar, ou o que você sente é só uma obsessão?
— Minha pergunta o atinge como uma bala. Perguntar se Ares poderia me
amar é como perguntar a uma pedra se ela pode boiar sobre a água; a
resposta é óbvia, mas ainda assim, me agarro a essa esperança.

Sinto algo dentro de mim se quebrar ainda mais com o silêncio que
se instala entre nós. Ele não consegue me encarar, nem me dar uma
resposta. Sua voz permanece muda, e sua respiração, antes tão próxima,
agora parece se distanciando.

— Como um homem como eu saberia amar? Eu só conheço a dor e


o ódio, e é só isso que eu sei oferecer, sou um homem quebrado.

Ergo minha mão, deixando meus dedos deslizarem suavemente por


sua barba áspera.

— Eu o amo assim… — A confissão escapa dos meus lábios antes


que eu consiga controlar, sincera e crua, como se cada palavra tivesse vida
própria.

Apoio minhas mãos em seu peito, usando-o como suporte enquanto


me levanto na ponta das minhas botas. Nossos lábios se encontram em um
choque intenso, um beijo quente e apaixonado, feroz e hesitante ao mesmo
tempo. Ele me pressiona contra a prateleira, seu corpo duro e dominante.

Ares aprofunda o beijo com uma fome que beira o desespero, suas
mãos deslizando pela minha cintura como se quisesse me prender ali para
sempre. Ele puxa meu lábio inferior entre os dentes, um toque de dor
misturado com prazer, e eu solto um gemido abafado contra sua boca.
Minhas mãos sobem, agarrando seus cabelos, puxando-o para mais perto,
recusando qualquer distância que possa se impor entre nós.
— O que você está fazendo comigo, coisinha pequena? Você está
me desmontando por dentro… — ele sussurra contra meus lábios, a
respiração quente e descompassada se misturando com a minha, nossas
testas se recostam, enquanto trocamos um olhar.

Após terminarmos nossa visita à biblioteca, comprei alguns livros, e


Ares me levou para almoçar em um restaurante. Em seguida, voltamos ao
apartamento, ele passou um tempo grudado ao celular, conversando com
meus cunhados, e pelo seu estado de raiva sei que não era boa coisa, mas
resolvi não perguntar, pelo menos não naquele momento.

Preparei o jantar e arrumei a mesa. Quando tudo estava pronto,


chamei-o para comer. Ares demorou alguns minutos para aparecer na
soleira da porta da cozinha, com a expressão que eu conhecia, ele estava
preocupado.

— Pode se sentar, vou servir — digo, colocando a travessa sobre a


mesa.

Servi uma boa quantidade de comida nos pratos e observei enquanto


ele experimentava. Após um breve silêncio, limpo a garganta e resolvo
puxar assunto.

— Está tudo bem? — pergunto, mexendo nos talheres.

Ares assentiu, mas seus olhos deixavam clara a mentira.

— Precisaremos voltar amanhã — ele diz desviando da conversa.

— Eu pedi para não me esconder nada, e é exatamente isso que você


está fazendo — murmurei. — Seus irmãos ligaram, e você passou um bom
tempo na varanda gritando e xingando. Sei que algo aconteceu, então seja
honesto e me diga o que está acontecendo.
Ele solta um longo suspiro, afundando-se na cadeira.

— Um dos nossos armazéns pegou fogo esta noite — confessa,


deixando os ombros caírem.

— Alguém se machucou? — pergunto, o horror estampado no meu


rosto.

— Não, estava vazio. Mas perdemos uma quantidade considerável


de mercadorias.

— Tem ideia de quem fez isso?

— Tenho — Ele responde, os olhos mudam para uma expressão


sombria. — O mesmo homem que me atormenta há anos.

A resposta estava na ponta da minha língua: meu pai.

— Por que ele fez isso?

— Ele não precisa de motivo para querer foder meus negócios,


Isabella — Ares responde irritado. — Mas acho que tem a ver com as
crianças que resgatei há alguns meses.

Engoli em seco, e meu apetite sumiu.

— As crianças que você me mostrou? — meu marido assente.

Limpo a boca com o guardanapo e levanto a cabeça, encarando suas


íris verdes.

— O que iria acontecer com elas? — Eu precisava saber tudo sobre


aquele homem, mas quanto mais descobria sobre esse possível pai, mais me
horrorizava.

— Não vamos falar disso durante nossa refeição. — ele contesta.


Limpo minha boca no guardanapo, e empurro o prato para o lado.

— Já estou sem apetite de qualquer forma. — ele suspira e me lança


um olhar.

— Elas são sequestradas e levadas para algum tipo de laboratório


para ter seus órgãos retirados — Meu estômago embrulha inevitavelmente.

— Isso é desumano! Me diga que você devolveu essas crianças para


suas famílias… — Eu exijo uma resposta.

— Aquelas que tinham família foram devolvidas, mas aquelas que


não tinham ninguém, ficaram abrigadas em um dos lares para crianças, que
nossa organização ajuda.

— Você salvou elas… — murmuro.

— Isso não me faz um herói, Isabella, é com o que descobrimos


esses sequestros vem acontecendo há muito tempo.

— você precisa fazer algo. — minha voz resmunga alto.

Eu não consigo disfarçar a mistura de horror e raiva que cresce


dentro de mim.

— Uma coisa de cada vez. — ele diz.

Minutos depois eu deixo a mesa, a dona sumiu subitamente e minha


mente precisava de descanso, logo estaríamos voltando para casa.
Capítulo 28

Sentada no banco de couro, observo pela janela a paisagem. Apesar


de ter passado quatro anos no internato em Milão, a Sicília sempre foi o
lugar que eu sentia ser meu lar. O carro balança levemente ao entrar na
estrada de terra que leva até a mansão, afastada da cidade, quase isolada no
meio do nada, cercada por uma floresta.
A segurança era pesada: guardas armados nos portões, sensores de
movimento e câmeras por toda parte, transformando o lugar em uma
verdadeira fortaleza, ninguém dava um passo se quer ali sem que Ares
soubesse.
O carro para em uma das vagas ao atravessar os portões de ferro, e
um soldado prontamente abre a porta, fazendo uma reverência para mim e
para meu marido. A cena é comum, Ares é como um verdadeiro rei,
soberano de sua própria monarquia.
Avisto Enzo parado a uma certa distância. Lanço um sorriso discreto
para cumprimentá-lo.
— Vou subir e descansar, estou enjoada da viagem — aviso. Ares
não se opõe, apenas acena em concordância.
A mansão está em um silêncio profundo, e o som dos meus saltos
ecoa pelo piso de porcelana, enquanto subo as escadas em direção ao
quarto. Assim que chego, percebo que esqueci meu celular no carro.
Dou meia-volta e desço novamente, mas minha movimentação é
interrompida de repente. Paro no meio do caminho ao avistar, no centro da
sala, uma mulher ao lado do meu marido.
Pisco os olhos, confusa, tentando acreditar que minha mente está me
pregando uma peça. Mas ela continua ali, ao lado dele, tão real quanto o
chão sob meus pés. Como não percebi sua presença quando entrei? Talvez
estivesse simplesmente cansada demais para notar.
Meus saltos parecem grudados ao chão. As vozes deles são baixas,
sussurros. A mulher tem uma aparência jovem, cabelos longos, negros e
ondulados que caem sobre os ombros, sua roupa é elegante e recatada, sem
excessos. Algo nela me desperta curiosidade, e quando finalmente consigo
ver seu rosto, o reconhecimento é imediato.
Meu coração dá um salto. Aquela mulher esteve no nosso noivado;
lembro-me dela perfeitamente. Era para ela que Ares olhava enquanto
dançava valsa comigo. Era ela quem capturava sua atenção naquele dia.
O choque me atravessa como um soco no estômago. Como ele
poderia ter a ousadia de trazer uma amante para debaixo do nosso teto? Ou
pior, como ele pode estar ali, conversando com ela na minha presença?
As lembranças de todas às vezes em que me senti especial ao lado
dele desmoronam como um castelo de cartas. Todas aquelas promessas,
tudo o que ele disse… e eu… eu disse que o amava.
Um frio esmagador invade meu peito, minhas mãos começam a
tremer, e minha respiração sai arranhando meus pulmões. Me sinto tola de
todas as formas possíveis, eu acreditei nele…
Meu olhar permanece fixo nos dois, incapaz de desviar, Ares
continua de costas para mim, A mulher sorri e gesticula com as mãos, eles
parecem estar discutindo algo, mas pela distância não consigo entender.
Eu deveria me virar e subir para meu quarto, ignorar essa cena, me
manter digna, mas meus pés não me obedecem. Me aproximo um pouco
mais cuidadosa com meus passos.
— Você precisa ir embora. — Ares diz — Diga quanto quer, e eu
assino um cheque.
Ouço cada palavra atentamente, levo a mão em meu coração
sentindo as batidas apressadas contra minha palma.
— Não quero dinheiro, muito menos ir embora. — a desconhecida
rebate irritada e cruza os braços diante do corpo. — Já passei tempo demais
longe.
Ouço passos se aproximando do outro lado do corredor e, num
instante de pânico, percebo que fui descoberta. Meus olhos encontram os
deles, e o choque de suas expressões me atinge como um golpe. Não sei
como reagir, ou o que dizer, nesse mesmo momento, meus cunhados
aparecem no meio da sala, juntando-se a mulher como se sua presença fosse
a coisa mais natural do mundo. Nenhum deles parece incomodado ou
surpreso com a situação, o que indica que ela não é uma desconhecida para
eles.
Sinto um calor avassalador subir pelo meu corpo, uma fúria queima
dentro de mim. Lanço um olhar de puro desprezo para meu marido, sem
conseguir controlar a raiva, viro nos calcanhares e subo as escadas
apressadamente, esquecendo completamente o motivo que me trouxe até
ali. Minha cabeça lateja, à beira de explodir.
Tranco a porta apressadamente e começo a andar de um lado para o
outro dentro do quarto, tomada pelas minhas emoções, raiva, frustração e
decepção. Em um momento de descontrole derrubo tudo o que encontro nas
prateleiras decorativas, espalhando objetos pelo chão sem pensar nas
consequências.
Não demora muito para que eu escute alguém tentando forçar a
porta. A maçaneta gira freneticamente para os dois lados, mas a tentativa de
entrada falha e o som cessa por um instante. A trégua é breve; logo uma
chave é inserida na fechadura, e a porta se escancara com violência,
batendo contra a parede com um estrondo que ecoa pelo quarto.
Em qualquer outro momento, meu coração estaria pulando de
alegria ao vê-lo entrar por aquela porta, mas agora, tudo o que eu quero é
socá-lo com toda a raiva que ferve dentro de mim.
— O que está acontecendo? — A voz dele só aumenta a minha ira.
Seus olhos varrem o quarto, examinando o caos que causei, antes de se
fixarem em mim, buscando uma resposta, mas ele não tinha direito de me
exigir nada.
Solto um suspiro exasperado e deixo um sorriso frio tomar conta dos
meus lábios.
— A pergunta deveria ser minha. Agora você traz mulheres para
dentro da nossa casa, sem um pingo de respeito por mim? — Minhas mãos
se fecham em torno do primeiro objeto ao meu alcance, um vaso, que lanço
contra ele com toda a força.
Ele desvia, o reflexo rápido, mas isso me deixa ainda mais brava.
Agarro outro vaso e o arremesso, seguido das almofadas da cama.
— Pare com isso, Isabella! — Ele me repreende, usando meu nome
com autoridade. — Você está descontrolada!
Ele se move na minha direção, mas eu dou a volta, subindo na cama
para manter distância.
— Fique longe de mim! — grito, minha voz e embargada de raiva.
— Não é o que você está pensando. — Ares tenta minimizar a
situação, mas suas palavras soam vazias, sem nenhum valor para mim.
Meus punhos se fecham ao lado do corpo enquanto respiro com
dificuldade; a raiva me impede de chorar, mas meus olhos ardem.
— Como não? Você pensa que sou tola? Eu me lembro dela, lembro
que ela estava no nosso noivado. E lembro de como você olhava para ela
enquanto me segurava nos seus braços. — Minha voz treme, e eu mordo o
lábio, tentando conter meu nervosismo. — Tem mais alguma amante que eu
deva saber, Ares?
Ele enfia as mãos nos bolsos, tombando a cabeça para trás.
— Então você acha que eu e a Alice temos um caso? — Ele se vira
para mim com um sorriso presunçoso que faz meu sangue ferver ainda
mais.
Alice. Esse era o nome dela.
Ares dá mais um passo em minha direção, mas eu rapidamente pulo
da cama, mantendo a distância, determinada a não o deixar me tocar.
— E o que mais eu deveria pensar? — retruco, minha voz falha sob
o peso do ciúme. — E o mais óbvio, porque ela estaria dentro dessa casa,
tão íntima de você, ao ponto de lhe tocar.
— Não é o que você está pensando. Alice e eu não temos nenhum
tipo de relação amorosa.
Dou uma risada amarga.
— Não é? Porque não existe nenhuma explicação para você trazer
uma mulher para a nossa casa. — cuspo as palavras, incapaz de controlar o
rancor.
Ares pigarreia, seguido por um estalo da língua contra o céu da
boca.
— Essa mulher, por quem você está se corroendo de ciúmes, é
minha irmã. — Ele dispara de uma só vez.
O impacto é tão grande que minhas pernas falham, e eu desabo na
cama, atônita.
— Irmã? — repito, tentando processar o que ele acabou de dizer,
enquanto um riso nervoso escapa dos meus lábios. — Os Montesi sempre
foram três irmãos.
Eu o encaro, cada célula do meu corpo rejeitando aquela explicação.
— Essa é a desculpa que você tem para me dar? — disparo,
lançando-lhe um olhar cheio de desprezo.
— Somos quatro irmãos — ele começa. — Alice é bastarda, por
isso nunca foi mencionada em nada. — ele faz uma pausa, mas continua. —
Meu pai não era um homem fiel, então já se pode imaginar o que aconteceu.
— conclui.
Bastarda. Irmã. Ultimamente está sendo difícil acompanhar o ritmo
da minha própria vida, muitas informações em poucos dias.
— E você achou que era uma boa ideia trazê-la aqui, sem me dizer
nada? Me deixando pensar o pior!
Ele passa a mão pelos cabelos frustrado.
— Eu também não sabia! Acabamos de chegar, como você acha que
eu poderia saber? — a voz dele soa impaciente — Mas ela já vai embora,
não a quero aqui.
Um lampejo se ascende na minha cabeça ao compreender o porquê
de ele ter oferecido dinheiro a ela.
— Por que você vai mandá-la embora? — pergunto, mais calma
mediante a situação.
— É simples. Não quero mais problemas para lidar — ele resmunga.
Respiro fundo, buscando racionalizar sobre. Se ela realmente for sua
irmã, expulsá-la seria injusto.
— Deixe que ela fique — sugiro, tentando persuadi-lo de alguma
forma. — Seria bom ter companhia feminina por aqui. Eu e sua mãe não
nos demos muito bem, mas talvez com ela seja diferente. — insisto.
— Até minutos atrás você estava arremessando coisas e dizendo que
ela era minha amante, por que agora quer que ela fique?
Umedeço os lábios, e solto um suspiro. Eu agi por impulso, fui
errada, mas não irei admitir isso para encher seu ego.
— Eu a julguei errado mediante a situação, mas se ela for sua irmã
quero conhecê-la.
Ele solta um suspiro pesado, olhando para o chão e depois para
mim.
— Você realmente acha que ela seria uma boa companhia? — Ares
pergunta, sua expressão revelando ceticismo.
Aceno com a cabeça
— Sim. — falo firme e com convicção, e me levanto.
Não percebo quando ele contorna a cama e se aproxima de mim, seu
olhar me sonda como um predador e ele curva um sorriso debochado nos
lábios.
— Sabe, eu realmente não entendo de onde você tira essa ideia de
que eu vou te trair. Eu já disse que sou apenas seu — ele murmura, e leva a
mão para tocar meus cabelos.
Dou um passo para trás em defensiva.
— Você acha isso engraçado? — resmungo, minha raiva ameaça vir
a tona.
— Não, na verdade, eu acho você sexy com ciúmes — ele responde,
com um sorriso provocante brincando em seus lábios.
Reviro os olhos e dou de ombros.
— Preciso ir buscar meu celular; ficou no carro.
Ele enfia a mão no bolso da calça e puxa algo que meus olhos
identificam com meu celular.
— Eu peguei para você — diz, exibindo-o.
Dou um passo à frente para alcançar o aparelho em suas mãos, mas
ele o ergue, sabendo que sou baixa demais para alcançá-lo. Suas mãos ágeis
se aproveitam da situação, puxando-me para mais perto de seu corpo. É
impossível não me sentir envolvida pelo seu cheiro.
— Você sempre arruma um jeito de me agarrar, não é? — murmuro
contra seu peito.
Sinto sua respiração em meu cabelo.
— É impossível resistir a você — ele murmura, em voz baixa e
sedutora.
Ares inclina a cabeça, seus lábios quase tocando minha orelha. O
calor que emana dele me faz sentir um arrepio na espinha.
— Agora, você vai ter que se esforçar um pouco para conseguir isso
— provoca, com um sorriso travesso, ainda com o celular em mãos no topo
da minha cabeça.

Ares
— Nenhum de vocês pensou em me contar que nossa querida irmã
estava de volta? — pergunto, encarando meus dois irmãos, que se
entreolham, trocando olhares furtivos.
Adryel está largado na poltrona de couro à minha frente, Andreas,
mantém-se encostado na parede perto da janela
Ver Alice de novo definitivamente não fazia parte dos meus planos
ao voltar para casa. Ela sempre foi diferente de nós. Enquanto crescíamos
sendo moldados pela violência do nosso pai, Alice era a garota de ouro, a
exceção. Era estranho que ele, um homem que desprezava a ideia de ter
uma filha mulher, a valorizasse tanto. Quando nosso pai morreu, resolvi que
seria melhor mantê-la longe de nossas vidas, Para ela, Gutierrez era um pai
perfeito, amoroso e presente. Para mim e para meus irmãos, ele foi um
pesadelo, uma desgraça.
O retorno de Alice me gera desconfiança. Apesar da aparência
ingênua, ela não é tão inocente quanto parece. E eu, mais do que ninguém,
sei disso.
— Ela chegou ontem — Andreas explica, cruzando os braços. —
Íamos te contar, mas com o incidente do armazém, achamos que era mais
urgente.
Inspiro profundamente, levando o cigarro aos lábios e soltando a
fumaça devagar, como se cada tragada pudesse ajudar a aliviar a minha
irritação.
— Vai mandá-la embora? — Adryel pergunta, com um tom de
indiferença.
— Não. Isabella quer que ela fique — respondo, claramente
insatisfeito com a ideia.
Adryel solta uma risada sarcástica, seus olhos brilham com malícia.
— Pelo jeito, esse tempo junto foi bom. A cunhada já até manda em
você agora.
O repreendo com um olhar e seu riso morre nos lábios.
Desvio meus olhos para a mesa à minha frente, cheia de papéis da
empresa que precisam da minha assinatura. Ficar quase uma semana fora
acumula mais trabalho do que o normal, e a última coisa de que preciso é de
provocações.
— Então, podem me atualizar sobre o que aconteceu enquanto eu
estava fora? — pergunto, focando nos negócios.
— O armazém pegou fogo. Perdemos muito — Andreas relata,
franzindo a testa. — Já informei todos os compradores que vamos atrasar
nas entregas, mas o prejuízo é grande.
— Já sabemos quem está por trás disso. — comento.
Don Mário pensa que nossa guerra está quase ganha, atacando sem
resposta, achando que estamos enfraquecidos, mas agora vejo que preciso
reafirmar minha autoridade.
— Ele matou dez dos nossos e incendiou um armazém. Temos que
reagir, não dá para ficar parados — Adryel diz.
Me ajeito na poltrona, apagando o cigarro no cinzeiro de prata,
deixando a fumaça dispersar pelo escritório.
— E não vamos ficar parados — afirmo, atraindo a atenção deles
para mim. — Se ele encontrou nosso armazém, é porque alguém de dentro
deu a localização para ele.
— Phelipo? — Andreas sugere, franzindo o cenho.
— Exato — confirmo, apertando os punhos.
Andreas se aproxima da minha mesa.
— Enquanto você estava fora. Contratei um detetive particular para
seguir Phelipo e consegui algumas fotos — Andreas informa, com um leve
sorriso de satisfação.
Fico impressionado com a eficiência dele, meu irmão desliza a mão
para dentro do bolso interno do terno, retirando um papel que rapidamente
reconheço como uma fotografia. Andreas se posiciona diante do painel
onde organizamos nossas evidências e prende a foto ao lado das outras
informações
A imagem mostra Phelipo ao lado de um homem desconhecido. Não
reconheço o sujeito, mas faço um gesto para que Andreas explique.
— Esse é Franco Alberti — meu irmão aponta para a foto. — Mais
conhecido pelo apelido Judas, Capanga de Don Mário. Ele é Phelipo se
encontraram em um restaurante na periferia da cidade, um lugar discreto,
longe dos olhares curiosos. Parece que Phelipo está vendendo informações
para o inimigo, e não é de hoje.
Eu me levanto da poltrona para observar mais de perto.
— Ele não está apenas vendendo informações; está nos sabotando
de dentro — vocifero com desdém. — Quero provas sólidas, algo que ligue
Phelipo diretamente aos últimos ataques. Quando tivermos o suficiente, ele
não só vai pagar com a vida, mas também servir de exemplo para quem
pensar em trair a famiglia. E sobre o armazém… — giro lentamente na
direção de Adryel, ainda esparramado na poltrona de couro.
— Acha que consegue levar alguns homens até Nápoles sem serem
notados? — pergunto
— Claro, o que pretende fazer?
— Vamos devolver na mesma moeda — afirmo com um tom frio.
Adryel se inclina para frente, e um sorriso sombrio cresce em seu
rosto.
— Tenho contatos com gente que ainda me deve favores. Posso
fazer com que uma mensagem clara chegue a Don Mário. Um incêndio
aqui, uma explosão ali…
— Ótimo. Quero que ele saiba que cada movimento contra nós vai
custar caro a ele também. Escolha homens de confiança, e bons de combate
para ir com você.
Adryel assente. Ele é impiedoso, exatamente como preciso que seja.
Nenhum homem que cruzou seu caminho saiu ileso; seu nome carrega uma
reputação perigosa. Nas lutas de gaiola em que já competiu, o combate é até
a morte, e Adryel nunca conheceu a derrota. Ele é um predador nato, um
lutador implacável que não hesita em acabar com qualquer adversário. É
essa ferocidade que o torna um dos meus maiores triunfos.
O equilíbrio do poder está prestes a mudar, e desta vez, quem vai
incendiar o território inimigo somos nós.
Capítulo 29

Isabella
O céu está cinzento e sombrio, O ar é úmido e frio, o som de nossos
passos faz eco pela floresta. Minhas botas esmagam galhos secos e folhas
úmidas, quebrando o silêncio com estalos.
— O que estamos fazendo aqui mesmo? — pergunto, respirando
fundo.
Meu marido não responde, apenas leva um dedo aos lábios,
exigindo silêncio. Ele gesticula para que eu me aproxime, sem tirar os olhos
de algo adiante. Acompanho seu olhar através das folhas verdes e secas, até
avistar um coelho imóvel, quase invisível na vegetação.
Ares se posiciona atrás de mim, a proximidade do seu corpo irradia
minha pele, Sinto o calor de sua respiração em minha orelha quando ele
sussurra
— Segure.
Antes que eu possa reagir, sinto o peso frio e metálico da espingarda
em minhas mãos. Ele confia em mim com uma espingarda no meio do mato
às quatro da manhã como se fosse a coisa mais natural do mundo. Por um
momento, penso que ele só pode estar louco.
Uma de suas mãos se envolve na minha cintura, firme, mas não
agressiva, enquanto a outra ajusta meus dedos ao redor da coronha da arma.
Seu toque é hábil, guiando meus movimentos com precisão, corrigindo a
posição dos meus braços, e alinhando a espingarda ao meu ombro.
Ele inclina a cabeça, encostando a lateral do rosto no meu, a barba
dele roçando levemente minha pele.
— Viemos caçar, querida — sussurra sua voz contra meu rosto,
suave e envolvente. — Segure firme e mire.
Eu já havia segurado uma arma antes; meu tio tinha um revólver
guardado, e eu costumava pegá-lo às escondidas, alimentando minha
curiosidade. Mas usar uma arma de verdade, atirar com ela, era uma
experiência completamente nova para mim. Minhas mãos envolvem o
objeto com firmeza. A adrenalina percorre meu corpo.
— Quando você estiver pronta, aperte o gatilho devagar. — ele
orienta, seu hálito quente e respiração controlada quase me fazem perder o
foco.
Por um momento, o peso da espingarda parece desaparecer, meu
dedo está sobre o gatilho, e o coelho imóvel.
Aperto os lábios e tento me concentrar, sinto seu olhar em cada
movimento meu, mas ele não me pressiona, me deixa à vontade para que eu
consiga fazer tudo no meu momento. A espingarda, se encaixa melhor nas
minhas mãos. Com um suspiro profundo, fecho um olho e miro.
O som do disparo rasga o ar, um estrondo que reverbera na floresta,
ecoando por entre as árvores. O coelho se desfaz na confusão de folhas, e o
cheiro de pólvora se mistura ao ar úmido da manhã. Eu recuo um passo,
surpreendida pela força do tiro, mas Ares me segura firme, as mãos
envolvem minha cintura com força, me impedindo de perder o equilíbrio.
Consigo ver o sorriso brotar de seus lábios, um sorriso satisfeito que
ilumina seu rosto bonito.
— Isso foi divertido — digo, retribuindo com um sorriso tímido.
— Eu não sabia que você era tão boa no tiro — ele comenta com
admiração. Nem eu sabia… — Acha que consegue repetir? — pergunta.
Confesso que a ideia me instiga, mas a perspectiva de tirar a vida de
animais que não podem sequer se defender parece-me cruel.
— Qual a graça em matar criaturas indefesas? — pergunto
expressando minha indignação. — Eu quero matar alguém que realmente
mereça ser morto.
Ares se afasta um pouco, sua postura se altera para dominante. Ele
passa a espingarda sobre o braço, a arma inclina para suas costas.
— Matar pessoas não é tão simples quanto caçar — ele diz com uma
voz grave e séria. — Você precisa ter um psicológico forte para lidar com o
que vem depois. Ressentimento, culpa e arrependimento.
Sinto um frio na barriga.
— Como você se sentiu quando matou pela primeira vez? —
pergunto com curiosidade.
O homem à minha frente hesita, sua cabeça baixa, fixando-se no
chão de terra, em seguida ele volta a olhar para mim.
— Que não tinha escolha. — Ele balança a cabeça levemente. — Eu
tinha 10 anos quando meu pai me obrigou a matar um homem.
Engulo em seco.
— Você era só uma criança... — murmuro.
Ares pende a cabeça para trás como se eu houvesse falado alguma
coisa que não deveria.
— Minha iniciação começou quando eu tinha 8 anos. Apanhava dia
e noite. Muitas vezes, eu tinha ossos fraturados, mas eu precisava ser forte.
Qualquer fraqueza e o castigo aumentava, eu pensava em tudo menos em
como era ser uma criança. — sua voz demonstra amargura, mágoa e raiva.
Ares é um homem assombrado pelos próprios traumas. Ele é um
homem quebrado. Torcido. Estilhaçado. Mas ainda é meu homem.
— E sua mãe? Ela nunca tentou te proteger? — pergunto, em um
sussurro frágil.
Dou alguns passos para chegar mais perto dele. Ares suspira, como
se estivesse sustentando o peso do mundo. Seu olhar encontra o meu, vazio
e frio.
— Minha mãe nunca se importou comigo, Isabella. — Ele diz, com
a voz embargada. — Acho que ela se sentia até aliviada ao me ver apanhar.
Eu era o culpado pela dor que ela sentia.
Meu coração aperta, e instintivamente minha mão toca seu peito,
coberto pela jaqueta de couro. Sinto as batidas do seu coração, rápidas e
desesperadas, pulsando contra minha palma.
— Eu não entendo... Que culpa você poderia ter? — Ergo o rosto
para ele, buscando os olhos que parecem fugir dos meus.
Ares umedece os lábios, e pela primeira vez, vejo suas defesas se
desfazerem. Comigo, ele não precisa ser forte ou frio. Ele não precisa
esconder suas cicatrizes.
— Minha mãe queria uma filha, mas meu pai nunca aceitaria uma
mulher como herdeira. — A voz dele falha. — Quando ela teve uma
menina, ele a matou.
Minha respiração para, um nó se forma em minha garganta. É
crueldade demais para compreender, e meu coração dói por ele.
— Ele abusou dela, e eu... eu sou o fruto disso. — meu marido luta
para continuar, o olhar suplicando para que eu entenda, para que eu não o
julgue, para que eu não o despreze por saber do seu segredo. — Rafaela
nunca me viu como filho.
Minha mão continua em seu peito, sentindo o peso de cada batida do
seu coração. Sou mulher, consigo entender a dor e a revolta que ela deve ter
sentido, mas abandonar o próprio filho, uma criança inocente que não tinha
culpa de nada... É desumano, ela deveria protegê-lo.
— E mesmo com tudo isso você ainda permitiu que ela ficasse por
perto. — indago.
— Ela foi mãe para meus irmãos, e eu não queria tirar isso deles,
mas quando ela te empurrou da escada, chegou no meu limite, eu não iria
permitir que ela ficasse debaixo do mesmo teto que você, ninguém tem
direito de te machucar. — Seus dedos deslizam suavemente pela minha
pele. — Quer tentar atirar de novo? — ele pergunta, mudando de assunto de
forma repentina.
Solto um suspiro profundo.
— Você realmente confia em colocar uma arma nas minhas mãos
pela segunda vez? — provoco sorrindo.
— Não deveria, Bella mia? — ele rebate com um sorriso desafiador,
seus olhos fixos nos meus.
— Eu serei uma mulher muito perigosa com uma arma nas mãos —
respondo.
Ares balança a cabeça, e num gesto possessivo, aperta minha cintura
com força, fazendo-me soltar um pequeno gemido de surpresa.
— Eu ficaria ainda mais obcecado. — ele sussurra, e antes que eu
possa reagir, seus lábios encontram os meus, selando nossas bocas.

— Quanto tempo pretende ficar? — pergunto, enquanto tomava sol
ao lado da nova integrante da família. Ela se parecia com os irmãos, algo
que eu só percebi agora, após ter deixado o ciúme me cegar.
— Não sei… Sou residente em um hospital e logo preciso voltar ao
trabalho — Alice responde com um sorriso contido.
Ela é médica, recém-formada, e prefere viver sem o peso do
sobrenome Montesi. Uma mulher comum, levando uma vida comum.
Houve um tempo em que eu teria invejado essa liberdade, a possibilidade
de sair pelos portões desta mansão e viver sem as correntes que a máfia
impõe. Mas agora, resignada, encontro um estranho consolo na minha vida
e no lugar que conquistei ao lado do meu marido.
— Você não pensa em voltar a morar na Sicília algum dia? —
insisto, curiosa.
Ela ajeita os óculos de sol, e por um momento o sorriso se desfez em
seus lábios.
— Não. Não tenho boas lembranças daqui. Vim porque senti falta
dos meus irmãos, mas morar aqui de novo? Não. — Sua voz é calma, mas
com pesar. — Esse é o mundo da máfia, e pessoas como eu nunca teria
lugar aqui.
Eu entendo o que ela quer dizer. Eu também sei como é ser uma
bastarda, sentir-se desprezada e desvalorizada. Passei anos enganada sobre
quem eu realmente era, ouvindo mentiras, e vivendo nas sombras.
— Eu sempre me senti… deslocada. Era como se eu tivesse nascido
na família errada. — ela confessa.
Minha infância não foi diferente. Cresci sem entender por que era
tão malvista, porque meus sorrisos eram recebidos com olhares de desprezo
e por que, mesmo rodeada de pessoas, a solidão era minha única companhia
fiel.
— Você tem sorte de poder escolher, de poder sair daqui e viver
uma vida normal. Eu nunca tive essa opção. — murmuro.
Alice me lança um olhar de lado, analisando minhas expressões com
atenção.
— Não gosta de ser casada com meu irmão? — pergunta sem
esconder sua curiosidade genuína.
Eu não precisei pensar na resposta. As palavras estavam prontas na
ponta da língua.
— Gosto, sim. Mas, no começo, foi difícil. Eu não queria aceitar
meu futuro. Tinha medo de que ele fosse um marido ruim para mim,
principalmente devido aos boatos sobre a ex-esposa dele. — Confesso.
Alice ajeitou os óculos de sol no topo da cabeça e cruzou as pernas
em uma postura relaxada.
— Eu sei o que dizem, mas Ares não matou aquela perturbada. —
Ela diz.
— Perturbada? — Pisquei, surpresa, ao levantar uma sobrancelha.
— Sim — Alice confirma. — Sophia tinha problemas mentais. Para
ser mais precisa, ela era… louca. No começo do casamento, ela parecia
bem, mas, com o tempo, as coisas mudaram. Ela começou a agir de forma
estranha, cada dia mais fora de si, até perder completamente a sanidade, eu
morava nessa casa na época.
As imagens de Sophia, a mulher do retrato, na mesa do escritório de
Ares, se desfazem.
— A verdade é que ela se suicidou. — Alice solta as palavras no ar.
Senti um baque no peito, como se o ar tivesse sido arrancado dos
meus pulmões. Meus olhos perderam o brilho.
Ele não a matou, e mesmo assim, eu o acusei tantas vezes. Ele
nunca negou, nunca se defendeu ou tentou provar o contrário. Era como se
ele quisesse que eu acreditasse na pior versão dele, que eu o visse como um
monstro.
Antes que eu e Alice pudéssemos continuar nossa conversa sobre
Sophia, Angélica, a governanta, surgiu discretamente entre as duas
espreguiçadeiras, sua postura é impecável e seu olhar atento.
— Senhora — ela se dirigiu a mim com a formalidade de sempre.
— Há uma visita esperando por você.
Visita? Eu não me lembrava de ter marcado nada para hoje, mas me
levantei rapidamente, ajeitando o roupão ao redor do corpo. Alice me
lançou um olhar compreensivo, e eu apenas assenti, seguindo para dentro da
mansão.
Caminho pelo piso de mármore até cruzar a soleira da sala de estar.
Meus olhos se fixaram na figura feminina que aguardava de pé, observando
cada detalhe ao redor. Havia algo dolorosamente familiar nela, e eu constato
ser apenas uma pessoa, Marise, minha tia.
Aproximei-me com passos firmes sobre o tapete preto.
— Tia? — Minha voz corta o silêncio da sala.
Marise se vira de repente, seus lábios se curvam em um sorriso frio,
pintados de vermelho intenso, uma cor chamativa.
— Vejo que está vivendo bem por aqui — diz ela, sem se preocupar
em me cumprimentar. Sua voz transborda sarcasmo, e o sorriso se alarga em
seu rosto. Ela varreu a sala com o olhar, como se estivesse avaliando o
espaço — Eu te avisei, não foi? Um dia você iria me agradecer por esse
casamento. Agora, olha para você: alguém importante.
Senti uma onda de irritação dentro de mim.
— Agradecer? — repliquei, tentando controlar o tom da minha voz,
e não me exaltar. — Não sei se é bem assim que eu me sinto.
Ela soltou uma risada baixa, quase desdenhosa.
— Você continua sendo uma insolente e ingrata, Isabella.
Suspirei, endireitando a postura e encarando-a com desdém.
— Eu já sei de tudo… Sei das mentiras que você e Antenor
contaram sobre minha mãe. Ela nunca foi uma mulher da vida que você
tanto se esforçou para me fazer acreditar, apenas para me humilhar. — jogo
a verdade no ar
Seus olhos não demonstram surpresa, mas divertimento.
— Você precisava de uma história triste, querida — diz ela, com um
tom debochado. — E nós a oferecemos. Sua mãe também não era uma
santa.
— Quem ela era de verdade? — pergunto, a irritação transparecendo
na minha voz.
— Você não disse que sabia de tudo? Então deve conhecer quem sua
mãe foi — ela dá de ombros, como se a resposta fosse óbvia.
— O que sei é que vocês me enganaram…
— Nós cuidamos de você. Oferecemos um lar, uma oportunidade de
ter uma vida boa. Olhe ao seu redor: você tem um sobrenome, conforto,
uma vida de rainha. Não deveria reclamar. Deveria ser grata a nós.
Meus punhos se fecham ao lado do corpo, mas respiro fundo e
mantenho a calma.
— Diga logo o que quer aqui. Nós duas sabemos que você não veio
para me ver.
A mulher avança alguns passos na minha direção.
— Você é uma garota esperta — diz, gesticulando com a mão,
deixando as garras pintadas de preto deslizar pelo vestido longo. —
Estamos com problemas. — Ela olha ao redor, certificando-se de que
ninguém está ouvindo. — Seu tio está afundado em dívidas. Perdeu uma
aposta; se não pagarmos, perderemos a casa. — Antenor é um viciado em
jogos, sempre apostando tudo o que tem e perdendo. Não é novidade. É por
causa dele que fui tratada como mercadoria, e forçada a um casamento,
então não devo ter misericórdia da situação em que o mesmo se meteu.
— O que eu tenho a ver com isso? — respondo, cruzando os braços
na frente do corpo.
— Agora você é alguém influente e com dinheiro. Pode ajudar seus
tios, que cuidaram de você. — sua voz me dá fisgas.
Um lado meu desejava acreditar que meus tios poderiam me
procurar porque se importavam, que queriam saber como eu estava. Mas
esse lado morreu no dia em que percebi que, para eles, eu era apenas um
fardo. Eles nunca tiveram filhos, mas eu também nunca fui tratada como
uma por eles. Não houve afeto, nem carinho.
— Infelizmente, não posso ajudar — murmuro de forma fria.
Seus olhos castanhos se enchem de fúria.
— Não seja ingrata, Isabella. Somos uma família.
— Eu pertenço à família do meu marido — digo, levantando o dedo
para mostrar a aliança reluzente. — Vocês não são e nunca foram minha
família. Me empurraram para um casamento apenas para se beneficiarem!
Você é uma oportunista descarada, e Antenor é um porco bêbado. Não sou
mais aquela garota tola e você não vai conseguir me dobrar.
— Você acha que é melhor do que nós? — sua voz transborda
indignação enquanto sua mão se ergue sobre mim, pronta para me atingir,
como tantas vezes ela já fez. Mas, antes que consiga, sua mão para no ar.
Meus olhos se movem rapidamente em direção à sombra atrás de
mim, e logo encontro os olhos do meu marido. Ele está de terno, o que
indica que acabou de voltar do trabalho. Não sei há quanto tempo ele estava
ali ou se ouviu toda a conversa, mas posso sentir a raiva pulsando em suas
íris verdes.
— Se ousar fazer isso de novo, você ficará sem as mãos — Ares diz,
apertando o pulso da mulher com tanta força que ela geme de dor, puxando
o braço.
— Perdão, senhor — minha tia responde, com a voz agora mansa.
— É que minha sobrinha…
Ares a interrompe com autoridade.
— Vá embora. — Com um movimento brusco, ele a solta, e ela se
afasta, ruborizada e assustada. — Não volte a perturbar minha mulher.
Quando a entregaram a mim, ela deixou de ser sua sobrinha; agora ela
pertence apenas a mim.
A expressão da minha tia empalidece, a cor desaparecendo de seu
rosto. Seus olhos se enchem de lágrimas, revelando sua vulnerabilidade.
Marise perde a voz e, com um movimento apressado, pega a bolsa sobre o
sofá. Ela dá as costas e sai da sala em silêncio, sem pronunciar mais uma
única palavra.
— Você está bem? — a voz masculina pergunta, noto que sua raiva
se transforma em uma preocupação genuína. Suas mãos buscam as minhas
em um contato.
— Estou — respondo, acenando com a cabeça para confirmar. —
Você chegou cedo… — murmuro, tentando desviar o olhar.
— Preciso conversar com meus irmãos — ele informa, a seriedade
voltando ao seu tom.
Sinto um impulso de questionar sobre sua ex-esposa, mas me
contenho; talvez seja melhor deixar isso para depois.
— Vou voltar para a piscina. Alice deve estar me esperando — digo,
buscando escapar da sua presença.
Ares estala a língua, colocando as mãos na cintura.
— Tome cuidado com essa aproximação com Alice. Ela não é quem
parece ser — ele avisa, um fio de desaprovação.
— Ela é sua irmã.
— Uma bastarda — ele desdenha.
— Eu também era, e nós casamos. Não entendo por que você está
implicando com sua própria irmã. — rebato.
— Não estou implicando. Pelo contrário, estou dizendo que as
pessoas não são o que aparentam, e você deve ficar atenta — ele insiste.
Balanço a cabeça, é giro nos calcanhares para voltar para a área de
lazer.

Ares
Caminho pelo escuro do corredor em direção ao porão. Há duas
entradas: uma pela casa e outra por um túnel discreto, que desemboca em
uma estrada de terra batida. É por esse caminho que os prisioneiros entram,
sem serem notados ou causarem alvoroço.
Assim que recebi a mensagem de Andreas informando que havia
capturado o homem de recado de Don Mário, vim imediatamente. Esse
homem se achava esperto o suficiente para circular pelo meu território sem
qualquer precaução, e agora pagaria caro por sua arrogância.

Sigo o som dos choques e gritos abafados que ecoam de uma das
salas. Ao entrar, me deparo com o homem pendurado pelas mãos, nu,
enrolado em fios elétricos que vibram com cada descarga. Meus irmãos já
se divertem com a tortura, Andreas observa atentamente, enquanto Adryel,
com um sorriso sádico, libera a corrente de choques. Quando notam minha
presença, interrompem o que estão fazendo.

— Ele disse algo? — pergunto, arregaçando as mangas da camisa


até os cotovelos.

— Ainda não. — respondem em uníssono, quase decepcionados


pela resistência do prisioneiro.

— Soltem as cordas — ordeno. Adryel obedece sem hesitar,


deixando o prisioneiro despencar no chão com um baque surdo. O homem
cai de joelhos, seu rosto está coberto de sangue, e os olhos, quase fechados.

O homem tenta se apoiar nos braços, mas suas forças o traem.


Aproximo-me lentamente, meus passos vibram no concreto frio do porão.
Me abaixo, ficando à altura de seu rosto, e o seguro pelo queixo, forçando-o
a me encarar.

— Acha que vale a pena continuar bancando o durão? — murmuro,


analisando cada contusão em seu rosto. — Sei que trabalha para Don
Mário, e sei que você sabe de coisas que podem me interessar.

Ele tenta cuspir uma resposta, mas o sangue que preenche sua boca
o impede.
— Você acha que vai sair daqui vivo se continuar com esse
joguinho? — provoco, apertando mais o queixo até sentir os ossos cederem
sob meus dedos. — Posso fazer isso durar a noite toda. Ou você fala agora,
e torna as coisas um pouco menos… dolorosas. — proponho.

Andreas se aproxima com um maçarico na mão, acendendo a chama


com um clique alto e ameaçador. Adryel observa de braços cruzados,
ansioso pela próxima etapa. O prisioneiro estremece ao ver a chama laranja
bruxuleante, e eu percebo um lampejo de pavor em seus olhos.

— Essa é sua última chance — digo, soltando seu rosto com um


empurrão. — Fale agora, ou vai descobrir que o inferno pode te queimar
ainda vivo.

O homem hesita, os olhos alternando entre o maçarico e meu rosto.

— Eu sou apenas um mensageiro — a voz dele é rouca e quebrada.

Puxo uma cadeira e me sento ao contrário, apoiando o peito no


encosto de madeira e descansando os braços cruzados sob o queixo, sem
tirar os olhos do prisioneiro.

— Qual a sua relação com esse homem? — pergunto, puxando uma


foto do bolso e segurando-a diante dele. A imagem mostra ele em uma
conversa com Phelipo, claramente íntimos.

Seus olhos se desviam para baixo, evitando a foto, mas eu seguro


sua nuca com força, empurrando o rosto do desgraçado contra a foto como
se pudesse fazê-lo engolir o pedaço de papel.

— Responda, porra! Qual a sua relação com esse homem? —


reforço a pergunta, apertando com mais força, o suficiente para arrancar um
gemido de dor.
— Ele… Ele manda informações para Mário. — a confissão sai em
meio a uma respiração cansada

— Que tipo de informações? — continuo.

— Localizações, rotas… e sobre a mulher. — Meu aperto se


intensifica ao ouvir as últimas palavras.

— Que mulher? — minha voz sai rasgando minha garganta de raiva.

— A filha dele. — ele sussurra, num fio de voz.

Isabella.

Solto a cabeça do homem com um movimento brusco, fazendo-o


colidir com a cadeira. O impacto é seco, e o estalo do nariz quebrando ecoa
pela sala. Sangue escorre imediatamente, manchando seu rosto enquanto ele
grita de dor, levando as mãos amarradas instintivamente ao local, na
tentativa inútil de amenizar o sofrimento.

A raiva queima em minhas entranhas, consumindo cada fibra do


meu ser. Minha racionalidade evapora, e a fúria toma o controle, deixando-
me à beira do descontrole, agarro a cadeira e a arremesso ao chão com
força, repetidas vezes, até que a madeira se despedace. Estou tomado pelo
meu lado mais sombrio, o que anseia por sangue, consigo sentir as correntes
da minha mente serem arrastadas.

— Irmão, se quiser podemos continuar no seu lugar. — ouço a voz


de Adryel, meu rosto vira de imediato para ele.

— Não — Nego. — Ainda não terminei com ele.

Adryel dá um passo para trás, respeitando minha decisão. Ele sabe o


que significa quando perco o controle assim. Não há volta. Andreas apaga o
maçarico com um movimento rápido, mas não solta o objeto, observando-
me em silêncio, aguardando ordens.

Caminho até o prisioneiro, que se encolhe no chão como um animal


ferido. O sangue continua a escorrer pelo seu rosto, pingando no concreto, e
cada gota parece alimentar meu outro lado. Seguro seu cabelo com força,
levantando seu rosto inchado para que ele me encare.

— Fale mais sobre a mulher — rosno, sem paciência para rodeios.


— O que Mário quer com ela?

— Eu não sei… — sua voz vacila miseravelmente.

Defiro um soco direto em seu olho esquerdo. O impacto é brutal, e


ele cai ao chão, atordoado.

— Pensei que você fosse mais esperto — digo, me agachando para


ficar ao seu nível. — é melhor falar antes que eu decida que você não
merece mais viver.

O homem se esforça para recuperar o fôlego.

— Mario… — ele começa, mas lhe falta voz. — Ele pretende casá-
la com outro.

Pressiono meu joelho contra seu peito, forçando-o a olhar para mim.

— E tudo que sei… — ele implora, sua voz quebrando aos poucos

Minhas entranhas se reviram. Esse filho da puta está pensando em


casar minha mulher com outro? Meu rosto vira imediatamente para meus
irmãos, os dois já entendem o que eu quero dizer com um único olhar.

O que faz meus ossos doerem de raiva e a possibilidade de que


minha esposa seja de outro. Recentemente, Don Mario nem sabia que ela
estava viva, e agora planeja um novo futuro para ela. Mas eu não vou
permitir isso. Ela é minha, e ninguém pode tirá-la de mim.

— Phelipo vai morrer logo — anúncio. — Avise a todos do


conselho que teremos uma reunião, é importante que todos compareçam.

— O que faremos com ele? — meu irmão mais novo pergunta


apontando com a cabeça para o homem caído em meus pés, ansioso por
alguma diversão.

— Dê um tratamento VIP e, depois, coloque-o na sela — digo,


batendo levemente o rosto do infeliz abaixo de mim.

Adryel faz um sinal de aprovação com a cabeça.

— Ele vai implorar para que amanhã chegue logo. — declara.

Capítulo 30
Isabella
Visitar Mia era algo que eu ansiava fazer desde que voltei de
viagem. A pequena tinha me cativado de uma forma que eu não esperava,
um afeto silencioso que nasceu em nossos poucos encontros.

Quando Ares sugeriu que o acompanhasse até a casa dos Greco,


aceitei sem hesitar. Seria uma oportunidade para rever Mia e, talvez, falar
com a tia dela novamente, sobre as marcas em seu braço.

A campainha soa duas vezes, e logo a porta se abre, revelando


Sierra. Sua maquiagem está impecável, mas seus olhos traem uma tristeza
profunda, apesar do sorriso fraco e forçado.

— Boa noite. — Ela cumprimenta com uma reverência quase


automática.

— Boa noite, Sierra. Seu marido está? — Ares indaga frio e sem
requinte de gentileza.

Sierra, em um terninho azul que lhe confere uma aparência elegante,


assente e abre espaço para entrarmos.

— Ele está no escritório. Posso chamá-lo — oferece, mas Ares a


interrompe com um gesto.

— Não é necessário. Vou até ele. O que tenho a tratar é... breve —
diz, com uma calma que beira a indiferença.

Logo, nos vemos apenas eu e Sierra na sala ampla.

— Aceita algo para beber? — pergunta ela, numa gentileza abrupta


que me parece forçada.

— Obrigada, Sierra. Estou bem — respondo. — Mia está por aqui?


— No quarto — responde, como quem diz algo sem importância,
com um tom displicente.

Sinto um aperto nos lábios, e minhas mãos se encontram à frente do


corpo.

— Sobre nosso último encontro... — começo, procurando as


palavras certas. — Espero que esteja cuidando bem de Mia.

Ela me lança um olhar fugaz, quase desafiante.

— Tudo o que faço é cuidar de Mia, desde que a mãe dela se foi.

— Imagino, Sierra. Também fui criada por minha tia — digo, em


um tom leve, mas distante. — Embora ela não tenha sido exatamente...
maternal. — suspiro e continuou. — Eu não estou aqui para acusá-la —
afirmo. — Só quero ter certeza de que Mia está sendo cuidada.

— Você acha que sabe o que é melhor para ela? — questiona Sierra,
com uma ironia ácida. — Mia é minha responsabilidade. Você não tem o
direito de questionar como eu a educo.

Enquanto ela fala, passa a mão pela testa para afastar uma mecha de
cabelo que caiu sobre o rosto. É nesse movimento rápido que noto a marca
roxa em seu braço, parcialmente oculta pela manga. Sierra percebe meu
olhar e, num gesto quase brusco, ajusta a postura, tentando disfarçar.

Decido não insistir no assunto agora e esboço um sorriso educado,


mas forçado.

— Tudo bem, Sierra. Não tocarei mais no assunto. — digo. —


Mas… posso ao menos vê-la?

Ela pondera, mas acena com a cabeça, como se baixasse


momentaneamente a guarda.
— Suba as escadas. O quarto dela é o último no corredor —
responde.

Aceno com a cabeça para mostrar que entendi e começo a subir a


escadaria. Sigo pelo corredor, exatamente como fui instruída, e paro diante
de uma das portas. Bato e espero que Mia apareça.

Quando a dona dos cabelos loiros e enrolados surge, um sorriso me


escapa sem que eu perceba. Seus olhos têm um brilho, e ela retribui o
sorriso.

— Tia Isa! — ser chamada assim me surpreende, mas de um jeito


doce. Ela corre para mim e envolve minhas pernas com um abraço
apertado.

— Oi, querida. — Minha mão desliza pelos fios sebosos de seus


cabelos, que ainda têm o cheiro leve de perfume infantil.

Ela se afasta um pouco, abrindo espaço para que eu entre em seu


quarto. O cômodo é pequeno, com paredes pintadas de rosa, decorado como
um quarto infantil cheio de bonecas e ursinhos de pelúcia.

— Eu estava fazendo minha lição de casa — explica, sem que eu


tenha perguntado.

— Parece uma menina bem estudiosa. — Elogio, e vejo o sorriso de


Mia se iluminar.

— Minha tia me obriga a estudar. Eu só faço porque preciso, não


porque gosto — ela resmunga e se joga na cama, coberta com lençóis
também cor de rosa.

Observo Mia com cuidado: o vestido azul de alcinhas permite que


eu veja bem seus braços. Não há marcas. Isso me dá um certo alívio —
talvez algo tenha, afinal, mudado.

— Por que você está aqui, tia Isa? Veio brigar com a minha tia de
novo? — Mia pergunta, sempre curiosa.

— Não, querida. Meu marido veio falar com seu tio, e eu aproveitei
para visitá-la. — respondo.

Sua expressão angelical logo se transforma em um misto de


apreensão, e seu sorriso se apaga em seu rosto.

— Não quero brigar com sua tia, a menos que ela esteja lhe tratando
mal. — Acrescento. — Fiquei muito brava quando vi seu braço machucado
da última vez. Você é uma criança doce, Mia. Não merece ser maltratada.

Ela une os pés enquanto se senta na ponta da cama.

— Minha tia não me bate. Ela é como se fosse minha mãe… —


Seus cílios piscam, aflitos. — Por favor, não brigue com ela.

Fico confusa diante daquela pequena figura.

— Então, como você tinha aqueles machucados, Mia? — pergunto.


Se ela foi coagida a mentir, eu vou descobrir.

— Não foi minha tia. — Ela balança a cabeça negativamente.

— Então, quem foi? — insisto, sem rodeios.

Mia fica em silêncio, evitando meu olhar. Abaixo-me para ficar à


sua altura e tento encontrar alguma resposta nos olhos dela, mas o medo
parece dominá-la.

— Mia, você pode confiar em mim.

— Ele vai querer bater em você também…


A palavra “ele” acende um alerta em minha mente.

Phelipo. Quem mais poderia ser? A princípio, pelo medo que Mia
parecia sentir da tia, pensei que ela fosse a culpada. Mas o silêncio de Mia
agora diz mais do que qualquer palavra.

— Quem fez aquilo com você mora aqui? — pergunto para ter uma
confirmação.

Ela acena que sim.

Solto um suspiro, sentindo a raiva crescer.

— Preciso que confie em mim, querida. — Ela permanece quieta,


encarando suas sapatilhas rosas. — Pode se abrir, Ele não pode fazer nada
comigo, nem se quisesse. — Tento convencê-la, mas ela não cede.

De repente, lembro da marca roxa que notei no braço de Sierra


quando subi até o quarto de Mia.

— Ele bate na sua tia? — pergunto, cautelosa.

— Sim… — sua voz infantil finalmente se faz ouvir. — Ele… —


ela para, como se desistisse do que queria falar.

— Pode continuar. Estou aqui para ouvir.

Mia suspira profundamente.

— Ele bateu nela ontem — confessa, como se tirasse um peso do


coração.

Não me surpreende saber que Phelipo é um crápula, mas machucar a


própria esposa ultrapassa qualquer limite. Isso só acrescenta uma conta que
ele terá de acertar antes de ir para o inferno.
— Ela só pediu para ele parar de beber, e então eles começaram a
brigar — Mia continua, com a voz quase chorosa, partindo meu coração. —
Sempre é assim quando ele bebe…

Com apenas oito anos, Mia já tem seus traumas.

— Mia, eu posso fazer com que ele nunca mais toque em vocês.
Mas, para isso, preciso da sua ajuda. — tento novamente persuadi-la.

Ela pisca os grandes cílios para mim.

— Ele nunca mais vai bater na minha tia?

— Não querida. — eu garanto.

Ares
O escritório de Phelipo e modesto, quase claustrofóbico, e o fato de
estarmos sozinhos neste pequeno espaço só tornava mais irresistível a ideia
de envolver meus dedos ao redor de seu pescoço e apertar até seus olhos
saltarem. Uma imagem formidável, confesso.

Sento-me na poltrona à sua frente, cauteloso, observando cada


movimento dele. Phelipo, por sua vez, se acomoda com uma tranquilidade
irritante, deixando transparecer um sorriso presunçoso.

— A que devo a honra de sua visita, Meu Don? — A voz dele é


melíflua, carregada de uma deferência falsa.

Eu apenas lanço um sorriso breve, sem mostrar os dentes. Limpo a


garganta, ajusto o paletó com calma, permitindo que o silêncio pese sobre
nós, antes de responder.

— Como alguém antigo na organização, você sabe que, desde a


morte do meu pai, estamos em guerra com a La rosa nera. — Vejo seu
sorriso desaparecer.

Ele inclina a cabeça levemente, como um cão farejando uma ameaça


distante, mas logo recobra a compostura.

— Claro que sei… — responde Phelipo.

Eu o encaro com um olhar penetrante.

— Nos últimos meses, sofremos inúmeros ataques, perdi alguns


homens e, no último incidente, uma quantidade considerável de mercadoria.

— Sinto muito pelas perdas, Meu Don… — ele diz, escolhendo as


palavras com cautela. — Mas esses riscos sempre fizeram parte do negócio,
não é?

Aceno com a cabeça em concordância.

— Parte do negócio, sim. Mas a quantidade e a precisão desses


ataques são algo novo, não acha? — minha voz soa perigosa. — Como se
alguém de dentro estivesse fornecendo informações… orientando nossos
inimigos.

Phelipo se esforça para manter a calma, mas sou bom em ler


expressões; vejo o suor brotar em sua testa e o rubor que começa a tomar
seu rosto, denunciando o nervosismo.

— Temos um traidor entre nós, e isso todos na organização sabem


— digo, inclinando-me levemente para frente, deixando os ombros caírem
em um gesto relaxado, porém ameaçador. — E, pelas investigações, estou
muito perto de encontrá-lo.
Solto as últimas palavras como quem deixa uma faca no ar,
observando o escurecer súbito em seus olhos.

— Precisa de ajuda com algo? Posso ser útil. — sua fala quase me
faz rir.

Dou um sorriso frio, lento, mantendo o olhar fixo no dele.

— Apenas o seu apoio, Phelipo. Afinal, você é um dos mais antigos


aqui e sabe como lidamos com traição. Mas eu quero que fique claro:
quando eu encontrar o culpado, não haverá espaço para clemência. — Dou
uma pausa, deixando o peso das palavras penetrar em sua mente. — Seja
ele quem for.

— Claro… você tem meu total apoio, Meu Don. Sabe que pode
contar comigo. Sempre pôde.

— Espero que sim — replico.

Ele apenas assente, com um sorriso falso, e sei que plantei o que
precisava.

— Há outro assunto que preciso discutir com você.

O homem endireita-se na cadeira, cruzando as mãos sobre o colo,


atento.

— Pode falar. Sou todo ouvidos.

— É sobre sua sobrinha… Minha esposa notou recentemente


algumas marcas de agressão no braço da menina. Não pretendo me
intrometer em sua forma de educá-la, mas talvez existam outras maneiras
de discipliná-la.

Seu rosto toma um rubor de vergonha.


— Deve haver algum mal-entendido — ele começa. — Sempre
cuidamos dela com zelo… — explica

— Minha esposa não é uma mentirosa, Phelipo. — eu protesto.

— Eu… entendo a preocupação de sua esposa, mas… — Ele respira


fundo, buscando recompor-se. — A garota é rebelde. Às vezes, medidas
mais firmes são necessárias.

— A rebeldia de uma criança não justifica agressões. — Rebato


diretamente.

Ele engole em seco.

— Talvez minha sobrinha tenha exagerado, contado uma história


para chamar atenção. Crianças podem ser dramáticas.

— Acha que minha esposa não sabe distinguir a verdade de um


capricho infantil? — altero meu tom. — ou você está insinuando que ela
também está equivocada?

— Não! Claro que não — ele se apressa em responder. — Mas…

Eu o interrompo, lutando contra o impulso de me inclinar sobre a


mesa e arrancar a língua suja de sua boca.

— Foi o que imaginei… — digo, pausadamente. — Sua sobrinha


está sob sua responsabilidade. Ela é parte da sua família e, como tal, deve
ser cuidada com o devido zelo.

Levantando-me da poltrona, decido que é hora de encerrar a


conversa.

— Preciso ir, tenho assuntos a resolver. Te encontro na reunião do


conselho? — pergunto, mantendo um tom aparentemente casual.
Phelipo sorri.

— Claro.

Ele não faz ideia do quanto estou ansioso para separar sua cabeça do
corpo.

Phelipo me acompanha até sua sala de visitas, onde encontro


Isabella, Sierra e a pequena Mia. Assim que a garotinha me vê, salta do
sofá, visivelmente assustada.

— Já podemos ir? — pergunto à minha esposa, que balança a


cabeça em concordância.

— Sim.

Saímos da casa de Phelipo e mando o motorista nos levar para casa.


Preciso garantir que Isabella esteja segura antes de ir para a empresa me
encontrar com meus irmãos.

No entanto, percebo que a expressão dela mudou assim que entrou


no carro; ela parece brava e incomodada. Pelo que conheço dela, sei que
não vai demorar para que ela comece a falar. Mas decido antecipar a
conversa, mesmo que isso signifique ser um bom marido apenas por
instinto.

— Quer me contar alguma coisa? — pergunto, desviando meu olhar


da estrada para ela.

Ela desvia os olhos âmbar da paisagem pela janela e se volta para


mim.

— Mia me contou algumas coisas que me deixaram um pouco


irritada — responde, cruzando as mãos sobre o colo.
— Que coisas? — levanto uma sobrancelha, curioso.

— Eu pensei que as marcas no braço dela eram causadas por Sierra,


mas… — ela murmura. — É muito pior. Phelipo bate em Sierra, e Mia
ganhou aquelas marcas porque estava defendendo a tia. — Um suspiro
frustrado escapa de seus lábios.

— É isso que te chateia, Bella mia?

— Sim! — Ela balança a cabeça, a indignação evidente em seu tom.


— Não aceito que nós, mulheres, sejamos coagidas dentro de nossos lares.
Isso não está certo!

— Phelipo é um homem com sentença de morte, logo ele não


poderá mais tocar nas duas.

— O que você quer dizer com isso? — ela pergunta com seu tom
habitual de curiosidade.

— Teremos uma reunião no conselho, onde todos descobrirão quem


está traindo nossa organização. Phelipo será executado na frente de todos,
para servir de exemplo — explico.

Isabella parece mais aliviada.

— Vou comprar um vestido deslumbrante para essa ocasião tão


importante — declara, e percebo que sua frustração agora foi substituída
por algo que parece ser entusiasmo.
Capítulo 31

Isabella
O vestido vermelho molda-se perfeitamente ao meu corpo,
acentuando minhas curvas. O tecido desliza suavemente sobre a minha pele,
deixando à mostra uma provocante fenda que sobe pela lateral da minha
coxa, revelando um vislumbre sedutor de pele. Meus lábios estão pintados
com um batom carmesim intenso, que contrasta de forma impecável com a
leveza da maquiagem nos meus olhos.
O vermelho não é apenas uma cor; é um símbolo. A cor do sangue,
pulsando com vida e violência. A cor do fogo, que consome e queima. A
cor do caos, desafiador e irresistível. Vermelho é a minha cor. Ela não
apenas combina comigo, ela se funde a mim.

Ouço os passos firmes e decididos ressoa atrás de mim. Ao olhar por


cima do ombro, meu coração acelera. Eu o vejo, imponente, inegavelmente
bonito, com traços esculpidos como os de um anjo, mas com olhos que
queimam como os de um demônio. Seus cabelos, estão meticulosamente
penteados com gel, e o terno preto, impecavelmente ajustado ao corpo, tudo
nele exala poder e controle, uma força que faz meu coração gritar em
silêncio, apenas para mim: ele é meu, assim como eu sou dele.
Me aproximo o suficiente para finalmente notar o que ele segura em
suas mãos, uma pequena caixa. A curiosidade me consome, e ele percebe.
O sorriso que se desenha em seus lábios é de puro divertimento.

— O que é isso? — pergunto, tentando disfarçar.

Suas mãos deslizam suavemente pelos fios do meu cabelo recém


modelados, e seu rosto se inclina em direção ao meu, até que sinto sua
respiração quente em meu ouvido antes de ele sussurrar

— É um presente.

Ele estende a pequena caixa para mim, e eu a pego com antecipação.


Desfaço com cuidado o laço preto que envolve a caixa retangular branca
Ansiosa, quase eufórica, abro-a e, ao ver o que está dentro, um sorriso
involuntário surge em meus lábios.

— Onde você encontrou? Disseram que tinha saído de linha e que


não fabricavam mais — digo, admirada. É ainda mais lindo do que eu me
lembrava.

Puxo o par de saltos de dentro da caixa, encantada. Lembro-me da


vez em que os experimentei no shopping, mas o tamanho era grande demais
para mim. Afasto-me um pouco e me sento na cama, pronta para colocá-los.

— Foi simples. Mandei fabricar no seu número, um par exclusivo só


para você — ele responde tranquilo, imagino a fortuna que isso deve ter
custado. Instintivamente ele toma os saltos de minhas mãos.

Com um gesto minucioso, sua mão puxa minha perna e a apoia em


seu peito, seus olhos fixos nos meus enquanto ele desliza o salto pelo meu
pé. As cordas douradas serpenteiam pela minha pele, brilhantes, Apoio as
mãos no colchão, observando-o com fascinação enquanto ele prende o salto
ao meu pé, e repete o processo no outro.

— É lindo, obrigada — murmuro, com os olhos fixos nos meus


próprios pés, admirando cada detalhe.

Sua mão se estende para mim, um convite silencioso para que eu me


levante. Aceito, mas, antes que possa reagir, sou puxada bruscamente pela
cintura contra o corpo dele, de forma possessiva.

— Se preferir, não precisa participar disso — ele murmura


roucamente contra meus ouvidos.

— Eu escolhi estar ao seu lado. Se você vai matá-lo, estarei com


você — respondo com firmeza e solto uma respiração instável.

Sua mão toca minha bochecha em um gesto de carinho, e eu não


resisto: esfrego meu rosto contra seus dedos, com um ronronar suave.
Inspiro profundamente seu perfume amadeirado, ele cheira a algo maligno,
mas não me deixa com medo. Sua outra mão desliza para dentro do paletó,
e meus olhos captam o brilho afiado de uma lâmina, uma adaga, e eu a
reconheço de imediato. O cabo da adaga é dourado, brilhante como ouro,
adornado com pequenas e elegantes esmeraldas incrustadas.

— Ela é sua — ele diz, entregando-me o objeto.

Sinto o peso da adaga, perfeitamente equilibrada, moldando-se à


minha palma como se tivesse sido feita para mim. Meus dedos deslizam
curiosos pela lâmina, e um sorriso de satisfação surge em meus lábios.

Ergo a adaga em sua direção, e ele sorri despreocupado, como se


não houvesse risco algum. Não planejo atacá-lo com a lâmina, mas com os
lábios. Os saltos me elevam o suficiente para que eu me jogue em seus
braços e o beije. Nossos lábios se encontram em um gesto que diz mais do
que palavras, selando minha lealdade; mente e corpo que se entregam a ele.

Acomodo meu braço sobre o de Ares, sentindo o tecido do meu


vestido se arrastar pelo chão. Embora o lugar seja uma boate, apenas o bar
está em funcionamento, sugerindo que aquele ambiente foi reservado
exclusivamente para a reunião com o conselho. Enquanto estávamos no
carro, Ares me explicou alguns detalhes, garantindo que eu não estava à
margem da situação.

Sabia que naquela noite sangue seria derramado, sem piedade ou


misericórdia. Pedi clemência por Mia e sua tia. Meu marido não
compartilha da minha opinião, mas respeita minha vontade. Ele se
compromete a manter Mia e sua tia em segurança, enquanto Phelipo, por
outro lado, enfrentará uma morte severa e humilhante.

Subimos para o andar superior da boate e adentramos uma das salas.


Adryel e Andreas já haviam chegado e são os primeiros que avisto na ponta
da mesa. Doze cadeiras estão ocupadas por homens, e eu sou a única
mulher entre eles. A forma como seus olhares se fixam em mim revela o
desconforto que minha presença causa, mas não me deixo intimidar.
Erguendo o queixo, devolvo um olhar de poder.

Ares me puxa pela cintura, guiando-me até seu lugar na ponta da


mesa. Andreas está à sua direita e Adryel à sua esquerda. Ele cumprimenta
os homens com um “boa noite”, mas sinto seu olhar se fixar em Phelipo.

— Primeiro queria agradecer pela presença de todos. — meu marido


diz e me acomoda sobre uma de suas pernas. Me sinto como uma rainha em
seu trono. — como vocês sabem há algum tempo, descobrimos um traidor
entre nós. — Ares continua, e o silêncio é quebrado pelo burburinho de
vozes.

Um pigarreio é ouvido entre os homens e uma voz sugue abafada.

— Desculpe Don, mas o que uma mulher faz no meio de nós para
discutir assuntos sobre nossa máfia. — o homem sentado a duas cadeiras a
frente questiona. Percebo a tensão do corpo do meu marido quando ele solta
um suspiro pesado.

Ares se inclina para frente, e observo ele derramar bebida em um


copo vazio.

— Essa mulher é minha esposa — sua voz ruge pelas quatro


paredes. — Sugiro que você tenha cuidado ao se referir a ela, Dominic.
Ninguém nesta sala a subestimará.

O homem engole em seco, claramente intimidado, enquanto Ares dá


um gole na bebida, virando-se de uma só vez. Ele bate o copo de vidro na
mesa de madeira pesada com um estrondo.

Deslizo um dos braços pelo pescoço do meu marido, um meio


sorriso de satisfação brincando em meus lábios. Ares me defende como um
leão defendendo sua fêmea.

— Não precisam se incomodar com minha presença, senhores —


digo com uma calma afiada. — Sou apenas uma mulher inofensiva. — friso
bem a última palavra.

Meu olhar percorre cada um deles, pousando finalmente em Phelipo.


Ele me encara com desconfiança, os olhos inquietos, mas mesmo que
desejasse fugir, sabe que não há escapatória.
Ares lança um olhar firme para seu consigliere, e, em resposta
imediata, Andreas se levanta, e começa a distribuir um envelope para cada
um dos doze homens sentados à mesa.

Assim que os homens começam a abrir os envelopes, as expressões


em seus rostos se transformam. Phelipo, em particular, fica mortalmente
pálido, como se o sangue tivesse sido drenado de seu corpo.

— O que significa isso, meu Don? — pergunta um dos homens, cuja


face me é desconhecida, levantando os olhos, claramente desconcertado.

Ares sorri, mas é um sorriso cruel, cheio de vitória e ausência de


piedade.

— Esse é o traidor que se esconde entre nós. — Sua voz ressoa pela
sala.

Imediatamente, todos os olhares se voltam para Phelipo, o homem


parece ter perdido a voz, seus lábios tremem, e sua mão pressiona os papéis
em sua mão com força.

— Não estou entendendo, sempre fui fiel à nossa organização. —


Phelipo tenta se defender.

Ares ri, uma risada fria e zombeteira.

— Fiel? Você não consegue ser leal nem à sua própria esposa, que
divide a cama com você todas as noites. Por que seria com a nossa
organização? — Ares o provoca entre dentes.

— Eu… eu não sou um traidor! — Phelipo insiste, agora


desesperado. Mas o destino já está selado, o fim da linha havia chegado
para ele.

Ares se inclina para frente.


— Todos aqui estão vendo o seu rosto nessas fotos, Phelipo. — A
voz de Ares, grave e autoritária, domina o ambiente. — Tenho provas mais
do que suficientes aqui, nesta mesa. Você entregou informações sobre
nossas organização ara Don Mário. — Ele ergue o queixo, seus olhos
faiscando de ódio. — E a localização do armazém que pegou fogo? Foi
você quem entregou. Dez dos meus homens morreram por sua causa. Você
é um traidor miserável.

— Traidores devem morrer! — grita com voz rouca um homem


idoso, de cabelos grisalhos.

— Concordo. — Dominic se manifesta logo em seguida, e um coro


de concordância se espalha entre os demais homens ao redor da mesa.

O olhar de Phelipo salta nervosamente de um lado para o outro,


procurando uma saída, Ele se levanta de maneira abrupta.

— Isso é uma armação! Todos aqui sabem o quanto sou antigo nesta
organização! — sua voz falha, e ele se torna patético.

Antes que pudesse dar mais um passo, Adryel, meu cunhado e o


sottocapo de Ares, avança até ele, e agarra seu colarinho, arrastando-o para
frente como se ele fosse um boneco de trapo.

Phelipo tenta resistir, mas é inútil. Adryel não lhe dá a menor


chance, ele é mais alto, mais forte.

— isso é para você aprender a honrar as calças que veste. — Adryel


soca o estômago do homem com toda sua força, ele arfa, e busca ar.

— Sei muito bem que você estava envolvido nos negócios sujos do
meu pai. Quando ele morreu, você temeu pelo seu destino, então decidiu
trair nossa organização, comendo pelas beiradas e se aliando ao inimigo. —
Ares declara.

Com um movimento, Ares me ergue de seu colo, tirando o paletó,


arregaçando as mangas de sua blusa, revelando o coldre, em um instante,
ele já está no lugar de Adryel. Sem hesitar, desfere um chute brutal na
barriga de Phelipo, que se curva com a força do impacto. O som abafado do
golpe ecoa pelas quatro paredes, e os homens ao redor ficam boquiabertos,
mas eu, não. Eu sabia o que estava por vir.

— Você servirá de exemplo, para aqueles que se acham espertos. —


Ares diz com frieza, enquanto se prepara para o próximo ataque. O punho
dele encontra o rosto de Phelipo com um estalo surdo, deixando-o sem ar,
tossindo e engasgando.

Phelipo mal consegue se recompor antes de receber outro soco,


ainda mais forte, seu corpo colapsando aos poucos. Ele cai de joelhos,
tremendo, ensanguentado e humilhado.

— Eu… eu posso ser útil… tenho contatos… me dê uma chance,


por favor… — ele implora e declara sua sentença ao admitir sua face
traidora, suas palavras são desesperadas para salva sua própria vida.

E mesmo nesse estado deplorável, ele não pensa em sua esposa ou


sua sobrinha. Ele não clama por clemência para elas, não demonstra o
menor resquício de compaixão. Só quer salvar a si. Um verme egoísta.

Meu marido o encara com desprezo absoluto, como se Phelipo já


fosse um cadáver. O brilho nos olhos dele é de puro ódio, mas também de
uma satisfação sádica. Ele poderia acabar com tudo agora, mas a ideia de
prolongar o sofrimento é mais tentadora.
— Você não me serve para nada… — Ares murmura, antes de se
preparar para um novo golpe. — Hoje vocês vão presenciar o preço da
deslealdade. — ele saúda aos homens sentados à mesa, que apenas
observam tudo, sem questionar.

Ares força Phelipo a se equilibrar nos joelhos, ele o posiciona no


centro da sala, como se preparasse o palco para o ato final. Seus olhos
encontram os meus, e nesse olhar há uma ordem silenciosa. Sem dizer uma
palavra, eu sei o que ele quer de mim.

Me levanto de sua poltrona com elegância. Cada passo que dou


parece esmagar o chão com meus saltos. Sinto os olhares em mim,
avaliando, esperando algo.

Quando estou perto o suficiente, Ares inclina a cabeça e seus lábios


encontram a pele do meu pescoço, murmurando em meu ouvido com uma
voz rouca e sedutora que faz meu corpo se esquentar em resposta.

— Você queria alguém que merecesse a morte? Eis aqui a minha


oferenda. Mate-o, e me prove que você realmente quer estar do meu lado.

Eu estremeço com suas palavras. De alguma forma é como se um


fogo tivesse entrado em combustão em minhas veias. As palavras
ricocheteiam em meu crânio, duras e sem condolências. Preciso provar a ele
que sou a sua rainha impiedosa, e eu farei isso, mostrarei minha lealdade.

Penso em Mia e Sierra que hoje estariam livres das mãos desse
homem.

Deslizo minha mão pela fenda do vestido, e puxo minha adaga


afiada, seguro o objeto firme em minhas mãos.
Ares dá um passo para trás, me concedendo espaço, me oferecendo
o poder. Suas mãos seguram a cabeça de Phelipo para trás, forçando-o a
expor o pescoço, seus braços e pernas também estão mobilizados.

Todos na sala observam, esperando ver uma mulher frágil, uma


donzela indefesa. Mas eu não sou uma donzela, não preciso ser salva por
heróis. Não. Eu quero ser a abstinência do vilão, Quero ser tão fatal quanto
um tiro, tão incinerante quanto o fogo. Quero que cada grito de clemência
reverbere nas paredes, mas que saibam, que sou eu a responsável por eles.

— Desejo que você queimei no inferno, seu desgraçado. — digo


alto.

Seguro o cabo dourado da adaga firme em volta dos meus dedos,


meus olhos capturam a face de Phelipo uma última vez, ele está suando,
tremendo, vulnerável, seus ossos ameaçam ceder de medo e suas súplicas
não serão ouvidas, não tenho nenhum requinte de misericórdia por esse
homem ajoelhado diante de mim, fazemos escolhas e devemos arcar com as
consequências delas, ele traiu sua família, sua organização e seu povo, ele
merece ser punido, não hesito é minha adaga desliza abruptamente pelo
pescoço delgado de Phelipo.

A lâmina corta a pele com perfeição, dividindo a carne como se


fosse manteiga, o homem se remexe e grita, mas além de preso, ele também
está agonizando para chegar ao inferno, logo o sangue jorra, espirrando em
um arco rubro que mancha o chão.

Os olhos que um dia me olharam com cobiça estão arregalados em


horror, a vida rapidamente escapa do seu corpo, seu rosto perde a cor e se
transforma em uma máscara mórbida, essas mãos sujas não vão machucar
mais ninguém, O corpo inerte desaba no chão. Um burburinho em “Ooo”,
escapa dos homens à minha volta, agora eu não sou uma bastarda, agora
não me olham com pena, e sim com medo.

Ares me observa com um orgulho que, à primeira vista, parece


genuíno. Mas, há algo em seu olhar que revela sua outra face, aquela que
provoca calafrios em minha espinha. É a mesma face que, em um momento
de descontrole, apertou minha garganta com prazer sádico, revelando sua
natureza controversa, depravada e desprovida de escrúpulos.

Seus olhos, profundos e intensos, brilham com uma crueldade


inquietante que me faz questionar se aquele era mesmo o meu homem ou
apenas a versão infernal dele.

Meus olhos captam em seguida algo mais sangrento e tenebroso,


fazendo o estômago revirar e as entranhas gritarem. A cabeça, então, é
separada do corpo e erguida como um troféu macabro.

Ele se senta em sua poltrona, puxando-me para perto. Um de meus


braços envolve a adaga ensanguentada que repousa sobre seu pescoço,
enquanto o outro descansa em meu colo. Ele me mantém contra si com uma
obsessão perturbadora, segurando a cabeça que exibe a todos como um
aviso sombrio sobre o destino de quem ousa traí-lo.

— Quero uma bebida.

Minha respiração está tranquila, mas dentro de mim a um turbilhão


de emoções, não me arrependo de ter matado, não, ele merecia, mas agora,
depois que meu sangue esfriou, eu me sinto nervosa.

Ares me lança um olhar de repreensão.


— Você pode estar… — Eu o corto seca.

— Grávida . — Mas não estou afirmo mentalmente apenas para


mim.

— Eu preciso tomar algo, acabei de matar um homem, como você


quer eu lide com isso. — desdenho furiosa.

Ele bufa, deixando seus ombros caírem, mas acaba cedendo, me


servindo um uísque, e uma dose pequena, eu engulo a bebida sentindo
rasgar minha garganta.

— Está arrependida? — a voz rouca acaricia meus ouvidos.

Maneio minha cabeça negando.

— Ele era um monstro, mereceu ser morto. — declaro, meu peito


sente alívio.

A sala está vazia, o corpo foi arrastado por uma equipe chamada
“limpeza” todos os homens presentes nesta noite, saíram por essa sala
horrorizados, mas com avisos cravados em suas mentes, meus cunhados
também se retiraram a certa de 10 minutos, sobrou apenas eu ele e uma
garrafa de uísque.

Estou sentada em seu colo, sentindo o perfume dele, nossos


pensamentos se fundindo, nossos corpos unidos. Sua mão, grande e forte,
repousa sobre a minha, cobrindo-a por completo.

Brinco com a aliança dourada em seu dedo, o símbolo da nossa


união. Tornamo-nos mais próximos, mais íntimos, e isso me agrada. Mas
algo do seu passado sempre perturba minha mente, e depois do que Alice
me contou na piscina, não consigo parar de pensar nisso.
— O que foi, minha coisinha pequena? — Sua outra mão ergue meu
queixo suavemente, forçando-me a encará-lo.

Luto para encontrar ar nos pulmões, mas ele parece me escapar.

— Por que você nunca me contou a verdade sobre sua ex-esposa?


— pergunto. Sua sobrancelha se ergue, surpreso. — Você não a matou…
Mas todas às vezes que eu te acusei ou confrontei, você nunca negou. Por
que me fez pensar que você era uma pessoa ruim?

— Porque eu sou uma pessoa ruim — ele responde.

— Mas você não matou sua companheira — insisto.

— Não, eu não a matei — admite com um suspiro exasperado.

De repente, ele junta minhas pernas no seu colo em um movimento


inesperado, me aproximando ainda mais.

— O que aconteceu com ela?

— Ela foi diagnosticada com transtorno de identidade… e tirou a


própria vida — ele diz com pesar. A confirmação das palavras de Alice
acerta minha mente como um martelo.

Mordo o lado interno da minha bochecha, impaciente.

— Você a amava? — Minha pergunta sai angustiada, temendo a


resposta. A simples ideia de alguém ter ocupado seu coração antes de mim
me dilacerar, me consome de ciúmes. Seu coração deveria ser só meu.

— Não — ele nega prontamente. — ela era apaixonada por outro


homem. — confessa.

Sem perceber, suspiro aliviada. Busco seus olhos e vejo um homem


quebrado, alguém que precisa desesperadamente ser amado. E eu quero
amá-lo. Quero amar cada pedaço rompido dele, cada imperfeição, cada
cicatriz.

Com mãos ágeis, desabotoou os primeiros botões da sua camisa,


sem que ele me impeça. Ele apenas observa, enquanto sua respiração se
mantém controlada, seus músculos tensos. Quando finalmente libero seus
bíceps do tecido, deixo meus dedos percorrerem sua pele. Suas cicatrizes
são muitas, mas não me assustam. Elas são parte dele, do que o fez ser
quem é.

— Como foram feitas? — pergunto em um sussurro, enquanto meus


dedos continuam acariciando as marcas em seu corpo.

Sinto o batimento acelerado do seu coração sob minha palma. Ele


me afeta tanto quanto eu o afeto, e isso nos une ainda mais.

— Fogo, lâminas, arames… Tudo o que pudesse causar dor — ele


responde, o hálito frio soprando em meu rosto.

— Por quê? Por que ele fazia isso com você? — Minha voz é
urgente, buscando uma explicação.

Ares passa a mão pelos meus cabelos, os puxando para trás,


enquanto sua expressão endurece.

— Ele queria que eu me tornasse uma arma. Que eu não tivesse


sentimentos, que conhecesse apenas a dor e soubesse como usá-la. E eu me
tornei exatamente o que ele queria… Até que ganhei sua confiança e o
enviei para o inferno.

Seus olhos fulminam de raiva. Nós dois temos pais miseráveis, mas
o dele já passou pelos portões do inferno.
Continuo acariciando sua pele, até descansar minha cabeça em seu
peito. O som do seu coração batendo é como se fosse minha música
favorita. Suas mãos também acariciam meus cabelos, e, como sempre faz,
ele enfia o nariz entre meus fios vermelhos, inalando meu cheiro.

— Pegamos alguém que trabalha para seu pai. Ele confessou… foi
ele que confirmou a traição de Phelipo. Mas ele também disse algo mais:
seu pai quer saber informações sobre você — Ares faz uma pausa, escuto
seu coração acelerando ainda mais. — Ele planeja casar você com outro
homem.

Engulo em seco.

— Isso não vai acontecer, vai? — minha voz é um fio, frágil.

Ainda recostada em seu peito, eu descobri sobre sua paternidade


recentemente, mas já o desprezo. Ele não merece respirar.

— Não, ninguém vai tirar você de mim — Ares afirma com uma
convicção que faz meu corpo estremecer em resposta.

Ele cuida de mim.

Ele me defende.

Ele me protege.

— Sei que você não quer, mas eu preciso de um filho, Isabella. Esse
é meu único trunfo contra seu pai — ele diz, quebrando o momento. O
contato entre nós se dissolve imediatamente quando me levanto do seu
peito, ainda sentada em seu colo.

Eu não estou pronta para isso. Não consigo confiar nele a esse
ponto. Como posso saber que ele não usaria esse filho da mesma forma que
seu pai o usou?
— Você não precisa de um herdeiro para assumir o poder da La rosa
nera. Eu sou do sangue dele. Ao se casar comigo, você se torna o dono de
tudo o que é meu. Quando meu pai morrer, você governará tudo — insisto,
esperando que ele entenda, que desista dessa ideia.

Mas Ares balança a cabeça e, com a voz mais dura, responde

— Você realmente não entende, não é? Eu não quero governar a La


rosa nera. Quero que meu herdeiro faça isso.

E, eu não o entendo.

Duas coisas você nunca ganha de Ares: uma guerra e uma


discussão. Mas você pode adiá-las.

— Me dê um tempo para pensar. — peço.

Seus olhos revelam sua frustração.

— Já esperei o suficiente. Isso não é negociável. Estamos casados


há um tempo e você não tem mostrado sintomas de gravidez. Talvez seja
hora de consultar um médico — ele finaliza, segurando meu olhar.

O motivo pelo qual eu não estou grávida não é infertilidade, e eu sei


disso, ando me prevenindo escondida com anticoncepcionais, sai todos os
meses para comprar, e fazer uma nova consulta com uma ginecologista, mas
Ares não sabe disso.

— Tudo bem. — me dou por vencida por um breve momento. —


podemos ir ao médico.

Ele sorri aceitando minha resposta.

Incentivada, derramo mais um pouco de uísque no copo sobre a


mesa e tomo um gole. A bebida é forte, quente, e queima ao descer pela
minha garganta , mas ainda me sinto sóbria. Volto meu olhar para meu
marido. Ele está me observando, com uma mão sob o queixo e um dedo
pousado quase de forma preguiçosa sobre os lábios. Esse olhar é
inconfundível; significa que ele me quer, e eu também o quero. Preciso dele
agora, para aliviar meu corpo e minha mente.

O uísque começa a fazer efeito, e minha ousadia aumenta. Coloco as


mãos em sua calça, sentindo o volume que me preenche todas as noites. Eu
salivo, passando a língua pelos lábios, em um gesto instintivamente sensual.

Com mãos firmes, começo a desfivelar seu cinto. Ele não me


impede; ao contrário, me dá passe livre. Esse controle que tenho sobre ele,
assim como ele tem sobre mim, me excita profundamente, quase me
levando à loucura. Quando minhas mãos envolvem seu membro, sinto-o
grosso e pulsante entre meus dedos. Deslizo do seu colo, caindo de joelhos
à sua frente.

Sua respiração descontrolada me diz tudo. Deslizo minha mão em


um vai e vem lento, me acostumo com a sensação, explorando cada reação.
É a primeira vez que faço isso, e não consigo imaginar visão mais
gratificante do que seus olhos fixos nos meus e os rosnados baixos que
escapam de sua garganta.

— Ah, querida, eu sonhei com isso… — murmura, e eu sorrio


timidamente.

O álcool me fez corajosa, mas ainda não sei como colocar todo
aquele volume em minha boca. Ele é grande, e a ideia de engasgar me faz
hesitar por um segundo, mas logo deixo o desejo me dominar.

Com uma mão, continuo a tocá-lo, enquanto a outra desliza por seu
abdômen, saboreando cada contração. Me inclino para frente e deixo minha
língua brincar com a ponta rosada, sugando o pré-sêmen como se fosse um
néctar viciante.

— Hum… — ronrono, como uma gatinha saboreando seu primeiro


gole de leite.

Desço as calças dele até o chão, abrindo espaço entre suas pernas
para me acomodar perfeitamente. Busco seus olhos uma última vez antes de
abocanhar suas bolas, incerta se era o que ele queria, mas o gemido que ele
solta me assegura que estou no caminho certo.

Mantenho minha boca ali, sugando suavemente enquanto minha


mão continua a massageá-lo. Sua mão se fecha em meus cabelos, buscando
algo para se agarrar.

Pode se agarrar em mim, querido, serei sua âncora.

Afasto o rosto por um momento, posso imaginar meu batom


borrado, mas isso não me impede de continuar. Minha língua volta a
deslizar pela cabeça do seu pau, provocando-o lentamente. Seus olhos se
fecham e sua cabeça tomba para trás no assento. Meus lábios se abrem,
acolhendo cada centímetro lentamente. A sensação de estar tão cheia me
tira o fôlego, mas não foi tudo.

Eu realmente aguento tudo isso entre minhas pernas, certo?

Quando o tiro da boca, volto a chupá-lo, meus lábios se curvando


em uma sucção firme. Aos poucos, levo-o até o fundo da minha garganta, a
sensação é intensa, quase me fazendo engasgar, mas me seguro.

— você está indo bem — ele sussurra, seus dedos acariciando


minha bochecha antes de mover os quadris, forçando um pequeno
movimento dentro da minha boca. Ele junta meu cabelo em um rabo de
cavalo frouxo, controlando minha cabeça.

— Olhos abertos — ele ordena, com uma voz grave. — Agora vou
foder sua boca, e quero ver você engolir cada gota da minha porra.

A confirmação silenciosa que dou, com a boca ainda cheia, recebe


como resposta um tapa leve na minha bochecha, que me deixa ainda mais
molhada. Minha calcinha está encharcada, pressionada contra minha boceta
pulsando. Esfrego minhas pernas uma na outra, buscando algum alívio.

Volto a chupá-lo, sem pressa, mas com intensidade. Ele assume o


controle, movendo seus quadris em investidas rápidas e precisas. A saliva
escorre de meus lábios, e eu luto para manter os olhos abertos. Ele sabe até
onde eu posso suportar e aproveita cada segundo.

— Essa boquinha é quente e deliciosa — ele murmura roucamente,


suas palavras enviando ondas de calor direto ao meu ventre. O som da
sucção ecoa na sala, seu pau batendo fundo em minha garganta. Ele repete o
movimento, e meus joelhos quase cedem.

Minhas unhas cravam-se em suas coxas, buscando apoio. Continuo


com os olhos fixos nos dele, minha boca trabalha, minha mão livre ajuda a
conduzir o ritmo. Ele geme rouco, como um animal prestes a ser liberto.

— Isso… — outro tapa atinge minha bochecha, fazendo seu pau


chacoalhar em meus lábios. — Me leva até o fundo.

Ele puxa meu cabelo com firmeza, forçando-me a olhar para ele no
momento exato em que se liberta. Seu gozo invade minha boca, e eu sugo,
engolindo cada pulsação, cada gota.
Seus olhos estão dilatados, o peito nu subindo e descendo em
respirações rápidas e pesadas. Quando finalmente o tiro da boca, lambo
cada resquício, certificando-me de que nada foi desperdiçado.

— Você foi perfeita — ele ronrona, ainda imerso no êxtase.

Me levanto, os joelhos doloridos e arranhados, mas


satisfatoriamente submissa ao prazer que provoquei.

Seus olhos me arrancam um suspiro profundo. Quando ele se


levanta, seu corpo me cobre por inteiro, e sou empurrada contra a mesa com
voracidade. Nos beijamos com intensidade, e entrego a ele o sabor que
permanece na minha língua. Ele suga meus lábios com desejo, sua mão
firme encontra meu pescoço, e seus dedos pressionam minha pele. O aperto,
queima e me marca, não com força, mas como um aviso do que está por vir.
Minhas pernas se enrolam ao redor de sua cintura, sentindo-o duro através
do tecido do meu vestido, pressionado contra minha intimidade.

— Preciso de você — murmuro, enquanto sua língua desliza pelo


meu pescoço, arrancando um gemido baixo de mim.

Ares me coloca sentada na mesa, e em questão de segundos, meu


vestido está no chão. Estou nua diante dele, mas não há vergonha, não, eu
me sinto reivindicada. Meus seios estão rígidos e sensíveis, e quando seus
dentes passam sobre eles, meu corpo salta, fazendo-o sorrir de maneira
safada. Eu derreto em sua boca, e a sensação me faz latejar, me deixando
dormente e deliciosamente satisfeita.

Sua boca continua descendo pela minha barriga, beijando e sugando,


até chegar à minha intimidade. Sinto sua respiração quente contra mim, e a
barba roçando minhas coxas faz todo meu corpo tremer. Tentar me manter
sentada na mesa parece impossível. Quando ele morde o tecido da minha
calcinha, um gemido escapa de mim. Só consigo pedir que essa tortura
termine.

— Tão cheirosa… tão molhada… e tão minha.

Sem aviso, ele rasga minha calcinha, arrancando-a com um puxão.


O tecido de renda não é mais necessário, não quando estou pingando de
excitação. Ares fecha os olhos por um momento, inalando o aroma da
minha calcinha, antes de esmagar a renda em sua mão e me encarar. Ele me
obriga a me deitar sobre a mesa e levanta minhas pernas, depositando beijos
quentes em cada uma.

— Quero você completamente aberta.

Sua voz é uma ordem que mal consigo processar. Minhas pernas são
erguidas e abertas, com cada uma posicionada de lado, perto da minha
cabeça. A posição é desconfortável, me expondo de uma maneira que só ele
poderia querer. Minha intimidade reluz com minha excitação, inchada e
sensível. Se ele me pedisse para implorar por um orgasmo, eu faria sem
hesitar.

Ele admira a cena por um momento, os olhos brilhando de tesão, e


quando seu rosto finalmente se aproxima da minha intimidade, acho que
estou no paraíso.

Sua língua encontra meu clitóris, e o gemido que escapa de mim é


tão alto que minha garganta arde. Minhas unhas cravam na madeira da
mesa, e seguro minhas pernas, dando-lhe ainda mais acesso. Ele me chupa
enquanto me encara, e eu mal consigo controlar os espasmos que tomam
conta de mim. Seu polegar roça minha bunda, mas eu sequer fico tensa, sua
língua me faz esquecer de tudo.
Choramingo, mexendo o quadril, implorando por mais. Eu quero
tudo que ele tenha a oferecer.

Seu rosto se afasta por um segundo, e antes que eu possa sentir sua
falta, um tapa atinge minha boceta.

— Ah, meu Deus! — grito.

O choque da dor com o prazer me faz estremecer. E sem tempo para


que eu possa me recuperar, outro tapa é dado.

— Mete logo o pau, porra! — gemo, completamente entregue.

Ele sorri, divertido.

— Aqui, você é minha submissa. E eu vou te comer quando achar


que você merece — diz, apertando meu queixo enquanto sua boca devora a
minha. Outro tapa, mais forte dessa vez, me faz implorar.

— Por favor… — choramingo, mas ele não me dá o que peço.

Ofego quando sua mão pressiona meu pescoço, roubando o ar que


me resta. Sua língua retorna à minha intimidade, me fazendo balançar e me
esfregar contra ele. Meu ventre formiga, e sinto que estou quase lá. Seu
polegar massageia meu clitóris, e então, sou atingida por uma onda
avassaladora de prazer. Minha boca se abre em um grito silencioso,
enquanto ele suga meu gozo, saboreando-o como se fosse um manjar dos
deuses.

Tenho pouco tempo para me recompor. Meu corpo ainda está mole,
mas ele me ergue com força, puxando meus cabelos, e me domina com
mais um beijo feroz. Suas mãos separam minhas pernas, e meus olhos
baixam no exato momento em que seu pau roça minha entrada. Envolvo
meus braços ao redor de seu pescoço, recostando-me em seu peito.
Nossas respirações se misturam. Com um único movimento, ele me
invade, deslizando facilmente dentro de mim, graças à minha excitação. As
primeiras estocadas são lentas, mas logo se tornam mais intensas. A mesa
range, balança sob o peso de nossos corpos.

Por um instante, meus olhos se desviam para o chão, onde vejo uma
grande mancha de sangue. Alguém morreu aqui, nesta mesma sala. E agora,
estamos profanando este lugar.

Ele me encara, e me sinto perdida na profundidade de seus olhos


verdes. É como se eu pudesse ver através da sua alma. Suas mãos apertam
minhas nádegas, colando meu corpo ao dele.

Ele rosna baixo no meu ouvido, sua expressão se endurecendo.


Posso perceber o quanto ele está se contendo, o quanto ainda não usou toda
sua força contra mim. Estou totalmente preenchida, minha boceta o engole
com avidez, ansiosa por mais. Nossos gemidos são sussurrados, abafados
pela intensidade do momento.

Sua boca desce para o meu seio, e ele morde com força, deixando os
dentes marcados na minha pele avermelhada. Em resposta, minhas unhas
arranham seu abdômen, minhas marcas se misturando com suas cicatrizes.
Sinto minhas paredes internas se contraírem ao redor dele. Minhas pernas
se enlaçam em sua cintura, trancando-o em mim, sem permitir que ele saia
ou mude de posição.

Um de seus braços envolve minha cintura, e minha cabeça cai para


trás enquanto meu ventre se contrai com força. Quando o orgasmo me
atinge, meu corpo vibra de forma incontrolável, cada estocada dele se
encontrando com as batidas frenéticas do meu prazer.
Ele agarra meu pescoço, puxando-o para cima, obrigando-me a
encará-lo. Sempre assim: quando gozo, devo olhar para ele. É uma regra
entre nós. Olho no olho.

Ares me surpreende ao me erguer de novo, sem dar espaço para que


eu sequer conseguisse controlar minha respiração depois do orgasmo, ele
não me dá descanso. Suas mãos firmes seguram minha cintura enquanto me
retira de seu membro, solto gemidos de desapontamento, seu corpo senta-se
na poltrona com uma graça predatória. Sua mão puxa meu quadril, me
guiando para cima dele com uma ordem silenciosa.

Sem perder tempo, eu me coloco sobre ele, sentindo o peso de seu


olhar ardente enquanto me posiciono para montá-lo. Minhas pernas se
ajustam em cada lado de seu corpo, meus joelhos afundando no estofado da
poltrona. Sinto seu pau duro contra minha entrada, pulsando, e eu me
abaixo, o engolindo inteiro de uma só vez, o calor inunda meu ventre, ele
preenche cada parte de mim. O prazer é bruto, esmagador, e me faz ofegar.

Suas mãos agarram meus quadris, guiando meus movimentos


quando começo a cavalgar sobre ele. Eu controlo o ritmo, subindo e
descendo lentamente no início, saboreando a sensação de poder, antes de
aumentar a velocidade, minhas unhas cravam-se em seus ombros, nosso
suor escorre pelos nossos corpos.

Seus olhos permanecem nos meus, acompanhando cada movimento,


cada tremor do meu corpo. Ele rosna baixo, com as mãos apertando minhas
coxas, os dedos cavando na minha pele.

— Linda. — ele sussurra. — senta sem dó. — Sua voz é um


comando, e eu obedeço, movendo-me com dureza, sentindo a fricção
deliciosa em cada parte sensível.
A poltrona balança sob nós, o ritmo ficando mais frenético. Meus
seios roçam seu peito, eu me inclino para frente, mordendo levemente meu
lábio inferior. Suas mãos então deslizam pelas minhas costas, até que uma
delas puxa meu cabelo, forçando minha cabeça levemente para trás, sua
boca captura o meu pescoço, mordendo e chupando com uma necessidade
primitiva. Eu estremeço, sentindo cada onda de prazer me atravessar.

— Segure-se em mim. — Ele sussurra contra minha pele.

Obedeço, cravando as unhas em seus ombros para me apoiar. Ares


assume o controle por completo, suas mãos firmes agarrando minha cintura.
Em um movimento brusco, ele me toma com mais força e velocidade, seus
quadris batendo contra mim com estocadas rápidas e profundas. O som das
suas bolas batendo nas minhas nádegas me exita, o sexo entre nós se torna
selvagem. Meus seios balançam ao ritmo do sobe e desce, meu corpo
inteiro tremendo de prazer, minhas pernas permanecem firmemente presas
ao redor dele.

Meus gemidos saem entrecortados.

— Não para… — imploro, a voz falhando.

Ele Continua me invadindo com vigor, cada estocada mais intensa


que a anterior. Até que, com um grunhido primal, ele explode primeiro, seu
calor pulsa preenchendo minha boceta, marcando-me com seu sêmen
quente. O sentimento de ser preenchida me leva à beira do êxtase, e logo o
acompanho, estremecendo violentamente enquanto meu orgasmo se funde
ao dele.

Seus movimentos, antes desenfreados, começam a diminuir,


tornando-se mais lentos, ritmados, até que ambos nos encontramos
ofegantes, os corpos ainda colados um ao outro, com o suor escorrendo.
Minhas pernas tremem, completamente moles, mas permaneço montada
sobre ele, sem conseguir me mover. Os vestígios do nosso orgasmo
escorrem lentamente entre minhas coxas, enquanto o encaro, exausta. Ele,
por outro lado, parece bem. Seus lábios se curvam em um sorriso satisfeito,
e ele deposita um beijo suave em minha testa.
Capítulo 32

Isabella
Toco a campainha uma vez, passo os dedos pela blusa branca,
alisando o tecido, e seguro a caixa com firmeza entre as mãos. Estava
prestes a tocar novamente quando a porta se abriu, revelando uma mulher
de aparência gentil. Seu uniforme azul com detalhes em branco indicava
que era uma empregada.
— Bom dia — ela diz, ainda segurando a maçaneta. — Em que
posso ajudar?
Antes que pudesse terminar a frase, um grito surge atrás da mulher.
— Tia Isa! — A voz da pequena preencheu o ambiente,
simplesmente abro os braços para recebê-la. Abaixei-me e a envolvi num
abraço apertado, equilibrando a caixa em uma das mãos.
— Oi, querida — murmurei, beijando sua bochecha rosada. — Sua
tia está? — perguntei enquanto tirava alguns fios de cabelo do seu rosto.
A mulher continua na porta, observando a cena em silêncio.
— Sim! — respondeu à menina, com a inocência de quem ainda não
sabe sobre a morte do tio. Mas tudo bem, ela não precisa se preocupar com
isso. Ele já está no inferno, e nunca mais tocara nela. — Deixe-a entrar,
Elsa. — Mia diz, me puxando para dentro de sua casa.
A mulher ajeita seu o uniforme e sorri para mim. Aceno levemente
com a cabeça, seguindo Mia.
— Trouxe um pedaço de bolo para você, o seu favorito. — ofereci a
caixa, e seus olhos se iluminam com alegria. Ela solta um gritinho e pula de
felicidade.
— Obrigada! — Seus bracinhos envolveram minha cintura, e eu
aproveitei para acariciar seus cachinhos dourados.
Olhando para Mia, me pego pensando que, no fundo, eu até gostaria
de ser mãe… mas nas circunstâncias certas.
Um som de saltos nos interrompe, e, por sobre o ombro, vejo a tia
de Mia, Sierra, se aproximando. Estudo suas expressões: não há sinal de
tristeza, e me pergunto se ela já soube da morte do marido. Antes que ela
chegue mais perto, dispenso Mia com um sorriso.
— Vá comer seu bolo, querida. Preciso conversar com sua tia.
A menina acena e sai correndo, segurando a caixa com entusiasmo.
Sierra limpa a garganta e me encara. Sua maquiagem está
impecável, intocada, até posso dizer que consigo ver um brilho diferente no
seu rosto.
— Sente-se — ela gesticula para o sofá, mas recuso com um leve
movimento de cabeça.
— Estou bem, Sierra. — Dou uma olhada ao redor antes de voltar
minha atenção para ela. — Já soube o que aconteceu com seu marido? —
pergunto tentando não soar indelicada.
Ela cruza as mãos à frente do corpo, relaxada.
— Sim. — responde com uma calma perturbadora. — Se veio aqui
para me avisar sobre o que vai acontecer comigo também, estou preparada.
Sierra se deixa cair no sofá de couro preto.
— Não estou aqui para isso. — explico. — Vim para lhe oferecer
uma saída da Sicília. Você e Mia podem recomeçar a vida longe daqui.
Vejo uma faísca de surpresa em seus olhos.
— Por que você me ajudaria?
— Você também foi vítima do seu marido. Ele nunca foi um bom
homem para você, e tenho certeza de que sabe que ele te traia, levando
outras mulheres a eventos como se fossem troféus. Mia me contou o que ele
fazia com vocês. Não precisa ser forte comigo.

Seus olhos se arregalam, e agora ela não parece mais uma mulher
protegida por uma armadura, mas sim coberta de espinhos.

— O que eu poderia fazer? Somos prisioneiras dos nossos


casamentos. Não é permitido o divórcio — sua voz revela amargura. Uma
mulher deveria suportar ser agredida e desrespeitada diariamente e ainda
assim manter-se casada? Não! Isso está errado. Não somos objetos. Uma
mulher não deve ser maltratada, mas sim cuidada. — Busquei ajuda. No dia
em que estive na sua casa, fui para conversar com Rafaela, mas ela me
aconselhou a não abandonar meu lar… nem meu marido. — e claro que ela
diria isso, não deve se esperar menos de uma mulher que me empurrou de
uma escada.

— Ela sabia sobre as agressões? — questiono ainda em pé.

— Não, tive vergonha de contar. — Sierra confessa.

— Aquilo nos braços de Mia… não foi você, não é? Foi ele.

Sierra baixa o olhar, incapaz de encarar.

— Mia é minha sobrinha. Posso ser exigente, mas jamais a


machucaria. — declara.
Suas mãos cobrem o rosto, e ela deixa a cabeça pender em
desespero.

— Agora você está livre dele — afirmo, meus saltos rangem no


chão quando me movo e alcanço seu ombro fazendo um pequeno consolo a
ela.

— eu disse coisas sobre você… — ela murmura e parece


envergonhada.

— isso é passado, eu nem mesmo me lembro disso. — asseguro,


talvez antes de saber sobre quem era verdadeiramente Sierra eu tinha rancor
dela, mas agora vejo que ela é só uma mulher machucada.

Deslizo a alça da minha bolsa para o lado e arranco um envelope


com uma boa quantidade de notas, estendo para a mulher.

— Tome. — Entrego em suas mãos.

A mulher ergue os olhos, e faz um sinal negativo com a cabeça.

— Não… Não precisa, Phelipo tinha dinheiro guardado. — ela diz

— Você vai precisar de muito para começar uma nova vida. —


insisto e deixo o envelope em suas mãos.

Sierra passa as costas da mão no rosto tentando limpar a imagem de


mulher fragilizada.

— eu a julguei mal, e sinto muito por isso… — percebo seu olhar


recair para o chão novamente.

— Está tudo bem Sierra. — tento tranquilizá-la. — Cuide de Mia,


vocês são livres. — é tudo que consigo dizer.
Sou surpreendida quando os braços de Sierra passam em volta de
mim, ela me abraça como se estivesse realmente grata, e eu retribuo.

Minutos depois, deixo a casa de Mia, com o coração em paz,


sabendo que ela e a tia nunca mais sofrerão nas mãos imundas de Phelipo.

Já dentro do carro, com Enzo dirigindo para casa, ouço meu celular
vibrar na bolsa. Procuro o aparelho e, sem dar muita importância a quem
estava ligando, atendo.

— Alô? — digo, distraída.

— Já está voltando? — A voz, inconfundível, faz tudo dentro de


mim estremecer.

— Sim. — Respondo, desviando o olhar para a janela.

— Passe o celular para o Enzo. — Ares ordena, e algo dentro de


mim diz que há alguma coisa errada.

Estendo o aparelho para o meu segurança, que o pega enquanto


mantém uma das mãos no volante.

— Chefe? — Enzo pronuncia.

Observo Enzo enquanto ele ouve as instruções do outro lado da


linha. Seu rosto se contrai, e ele responde em tom firme

— Sim, senhor. Vou o mais rápido que conseguir.

Fico tensa, mas quando Enzo me devolve o celular, a ligação já


havia sido encerrada.

— O que ele disse? — Pergunto, curiosa.

Enzo olha pelo retrovisor, cauteloso.


— Nada, senhora.

Dou um suspiro desconfiada, e Antes que pudesse retrucar, sinto um


impacto violento atingir uma das portas do carro. A batida é tão forte que
somos arremessados para a beira da estrada. Entro em pânico. Enzo tenta
recuperar o controle do carro, mas já era tarde. Estávamos cercados por seis
veículos de todos os lados. Ele se vê obrigado a parar, e noto um filete de
suor escorrer de sua testa.

Mesmo que Enzo tentasse pegar sua arma, não teríamos chances,
Nem sequer sabíamos quantos homens tinha dentro daqueles carros

Os segundos se arrastam até que nossas portas são abertas


bruscamente. Um homem surge, apontando uma MP40 para o rosto de
Enzo. Do meu lado, uma figura que me revira o estômago: reconheço
aqueles traços, os olhos que achei que herdei da minha mãe, o sorriso
forçado mostrando dentes grandes. A imagem que eu só me lembrava de ter
visto quando criança, meu pai.

Escorrego no banco, sacudindo a maçaneta, tentando sair.

— Não está feliz em ver seu pai, querida? — Sua voz provoca um
nó de náusea em meu estômago.

A barba desgrenhada com fios grisalhos, os cabelos bem cortados,


porém já grisalhos também. Ele franze as sobrancelhas e tenta tocar meu
rosto, mas me afasto o máximo que posso.

— Você não é meu pai. — Respondo, afiada, quase cuspindo as


palavras.

— Claro que sou, e você sabe disso. — Ele ri, erguendo os olhos
para Enzo, que escondia uma mão atrás das costas, tentando pegar uma
arma. — Diga a ele para não fazer nada, ou eu explodo os miolos dele. —
Ele acena para o atirador, que já tinha o cano praticamente encostado na
cabeça de Enzo.

Olho para Enzo, sinalizando para que ele não faça nada. Relutante,
ele deixa a arma cair no chão do carro.

— Procurei por você por tanto tempo. — meu pai murmura ao meu
lado. — Nunca imaginei que estivesse casada com meu inimigo. — Ele
desdenha.

Seus dedos estão cheios de anéis de ouro, combinando com o dente


dourado que brilha quando ele sorri presunçosamente

Suspiro, comprimindo os lábios. Ele pode ser meu pai, um homem


perigoso, mas uma coisa é clara: se quisesse me matar, não estaria aqui, tão
relaxado no banco do carro, falando comigo.

— O que você quer, afinal? — Encaro-o de queixo erguido.

— Você é esperta, minha filha. Fico admirado por crescer assim. —


Ele sorri novamente, e meu desejo é socar aquele sorriso pela sua garganta.

— Não me chame de filha. — Reprimo, com as palavras saindo


esmagadas. — Não sou sua filha.

Ele limpa a garganta, seus olhos passam pelo meu rosto, e minhas
entranhas queimam de raiva. O que ele queria de mim? Veio me sequestrar?

— Pode negar, mas você é minha filha, Isabella. Minha herdeira.


Tem meu sangue correndo em suas veias. Somos iguais.

Solto uma risada seca, quase um escárnio.


— Um laço sanguíneo não nos torna iguais. Eu sinto nojo de você,
repulsa pelo homem que você é, pelos negócios sujos que faz.

— Seu marido encheu sua cabeça de mentiras. — Ele rebate com


tom de ofensa falso.

Não consigo me conter. Meus instintos falam mais alto, e eu cuspo


em seu rosto.

— Você sequestra crianças, tira-as de suas famílias… Você é um


monstro.

Sem se incomodar, ele puxa um lenço do paletó e limpa o cuspe.

— Você está vendo as coisas pelo ângulo errado, minha filha. —


Diz, sereno. — Eu não sou o vilão da história.

“Filha.” Cada vez que ele repete essa palavra, minha raiva cresce
ainda mais. Minha boca fica amarga.

— Você precisa saber quem é seu marido de verdade. Talvez, ao ver


com seus próprios olhos, perceba que está enganada sobre tudo que ele lhe
disse… — Não entendo do que ele está falando, até que minha porta é
aberta e ele praticamente me puxa para fora.

Meus olhos piscam inúmeras vezes, mas a figura feminina continua


à minha frente. Serena. Meu olhar desce e para em sua barriga. Ela está
grávida, e a barriga já está grande. Falta-me o ar, o chão. Perco o equilíbrio.
Meus saltos mal conseguem se firmar sem tremer.

Minha própria mente começa a me sabotar, criando imagens dela e


Ares juntos. Quero destruí-las, esmagá-las com minhas mãos, mas, no
fundo, sei que não é possível.
Ficamos alguns segundos assim, nos encarando. Serena parece feliz,
o sorriso que curva seus lábios é soberbo, mas tudo o que consigo pensar é
que ela carrega um bebê. Um bebê que poderia ser do meu marido.

Engulo em seco.

— Finalmente nos encontramos de novo. — Ela diz, passando a


mão pela barriga, desenhando círculos sobre o vestido florido.

Olho para Enzo em busca de ajuda, mas ele continua preso no carro,
com uma arma apontada para a cabeça.

— Esta é a amante do seu marido, minha filha. A mulher com quem


ele a trai. A mulher que está grávida dele. — A voz venenosa do meu pai
sussurra em meu ouvido. Não posso esconder o quanto meus olhos doem,
ardem querendo chorar, mas não permito. Não sou fraca.

Estamos afastados da estrada, cercados pelos carros, e quando olho


para frente de novo, Serena ainda está ali, grávida.

— Como posso saber se isso é verdade? — Cruzo os braços,


tentando manter a postura firme, embora em meu coração exista uma
rachadura.

Meu pai me entrega um pedaço de papel, um exame. Ali está escrito


sobre a paternidade, com o nome de Ares em destaque e “positivo” logo
abaixo. Meu mundo começa a ruir. Meu coração bate tão devagar que
parece parar. Eu tremo, minhas mãos, minhas pernas, tudo treme.

— Eu contei a ele que estava grávida. Ele mandou tirar o bebê, até
me deu dinheiro para ir embora. — Serena se faz de vítima, o tom dela
beira o fingimento.

— Isso é mentira. — Esmago o papel em minhas mãos.


Nesse mesmo instante, meu celular toca. Ele não está comigo, mas
nas mãos de meu pai.

— Olá, genro. — Ele diz, rindo, e coloca o telefone no viva-voz.

— Droga. — Ouço Ares do outro lado da linha. — Onde está minha


mulher? Se fizer mal a ela eu te mato desgraçado. — Sua voz ecoa com um
estrondo, como se tivesse batido com força em algo.

— Nunca faria mal a minha própria filha. Não se preocupe, ela está
bem. Está conhecendo sua amante. — Don Mário debocha.

— O quê?! — Ares grita.

— Não sabia que ela estava grávida? — Meu pai continua.

Estou paralisada, apenas ouvindo.

— Serena? — A confirmação veio, como uma maldita dor rasgando


meu peito. Ele sabia que era Serena, senão, por que perguntaria por ela? —
É mentira! — A voz dele soa furiosa.

Meu pai encerra a ligação e devolve o celular.

— Agora que sabe que está casada com um mentiroso, pode tirar
suas próprias conclusões. E quando perceber a verdade, estarei esperando
por você, filha. De braços abertos, porque seu lugar é ao meu lado. Sempre
foi.

Poderia cair de joelhos no asfalto, mas permaneço em pé, como uma


estátua.

— Hora de ir… — Ele avisa aos seus homens, e Serena segue com
ele para um dos carros. Mal vejo tudo desaparecer até que Enzo toca em
meu ombro.
— A senhora está bem? — Eu deveria ser a pessoa a perguntar isso
a ele, afinal, foi ele quem teve uma arma apontada para a cabeça.

— Estou bem, só quero ir para casa — murmuro, com os lábios


tremendo.

— Os pneus estão furados. Vou ligar pedindo ajuda — ele diz,


enquanto já começa a telefonar para alguém.

Não sei quanto tempo os carros demoram para chegar, mas eu ainda
estava ali, parada no mesmo lugar. O vento balançava meu cabelo e
acariciava meu rosto, enquanto eu me sentia oca e vazia, traída e quebrada,
magoada e cheia de raiva.

Quando o vi caminhar em minha direção, não senti vontade de


correr para seus braços, não quis abraçá-lo, nem sentir seu cheiro ou encarar
seus olhos. Eu não estava preparada para isso. Ver uma mulher grávida do
homem que dorme ao seu lado todas as noites. Isso me machuca, esmaga
meu coração, fere tudo que pensei que ele fosse.

— Você… você está bem? Eu posso explicar. — sua voz não


provoca em mim nada além de desprezo.

Passo por ele com dificuldade, quase perdendo o equilíbrio, e


empurro o exame contra seu peito, um papel amassado e encharcado das
minhas lágrimas.

— Não quero falar sobre isso.


Capítulo 33

Ares
Aqueles olhos bonitos, cor de avelã, que sempre tinham um brilho,
estavam apagados. Ela estava sentada no banco de trás enquanto eu dirigia,
e meu peito ardia. Eu queria gritar... Porra, eu não sabia o que o pai dela
havia dito, mas sabia que Serena não carregava um filho meu.

Ele veio para Sicília e assim que soube, pedi para que Enzo a
levasse para casa imediatamente, para que ela estivesse segura. Sabia que
ele tinha vindo atrás dela, mas era tarde, ele já estava a caminho. Se ele não
a levou quando teve a chance, é porque está planejando algo.

Eu queria poder abraçá-la e repetir o que já disse tantas vezes: "Eu


sou seu", "Eu nunca te trairia." Mas o que posso usar em minha defesa
quando, provavelmente, ela viu uma mulher grávida? Porra, estou tão
fodido! Deveria ter me certificado de que Serena estava grávida naquela
época, mas não acreditei em uma palavra que ela disse. Achei que só queria
me manipular emocionalmente. Aperto minhas mãos no volante, capaz de
arrancá-lo se quisesse.

Respiro fundo e continuo o caminho para casa. Pelo menos ela


estava comigo. Ele não a tirou de mim, e isso já me basta. Posso lidar com a
raiva dela, com seu ódio, se ela desejar me odiar. Só não posso lidar com
sua ausência, com o fato de perdê-la.

O carro segue em um silêncio miserável. Quando atravessamos os


portões, Isabella nem espera alguém abrir a porta; ela mesma salta do carro
como uma onça enfurecida. Tento ir atrás dela, exigir que me escute, mas
sou impedido pelo meu irmão.

— Ela precisa de espaço, e você precisa pegar o pai dela — Andreas


murmura, com a mão em meu ombro.

Bato as mãos contra o rosto duas vezes, como se isso pudesse me


despertar.

Preparo-me para uma reunião de emergência com meus irmãos e


com Enzo no porão.

— Desculpe, chefe, eu tentei impedi-los — Enzo argumenta de


cabeça baixa, olhando para os próprios pés.

Eu respiro, e dou um tapinha nas suas costas.

— Não foi sua culpa. Eu não previ isso — tento tranquilizá-lo. Ele é
um homem leal e sei que fez o melhor. — Está liberado, pode ir. — O
dispenso.

Andreas começa a falar, assim que a porta se bate.

— O que sabemos é que o jatinho pousou hoje pela manhã, e que,


em algum momento, ele vai voltar para Nápoles.
— Talvez ele não volte — contesto. — Se veio até Isabella e não a
levou, é porque pretende vê-la novamente.

Andreas está sentado teclando no computador, Adryel amolando


uma faca em silêncio.

— Achei — declarou meu irmão do meio, gritando. — Porra, não


acredito que passei dois meses trabalhando nisso.

Levanto uma sobrancelha, intrigado.

— Achou o quê? — questiono, os olhares se voltam para ele.

— Você me pediu para ficar de olho em qualquer transação que


ocorresse entre Don Mário e outra pessoa, lembra? — balanço a cabeça
afirmativamente. — Achei uma transação entre ele e um homem, a
mercadoria está sendo transportada neste exato momento.

Ele vira o computador para nós, mas tudo o que vejo são números.
Não consigo me concentrar nisso quando tenho uma mulher furiosa lá em
cima.

— Essa mercadoria... pode ser mais crianças? — Adryel abandona a


faca e volta sua atenção para nós.

— Possivelmente. Sabemos como aquele homem é sujo — eu


intervenho.

— Vai fazer algo a respeito? — Adryel questiona.

Esfrego minha têmpora pensativo.

— Qual seria a rota? — puxo uma cadeira para me sentar.

— Não passará pelo nosso território. É uma rota desconhecida, seria


quase impossível intervir, para ser sincero. — explica Andreas ajeitando
óculos entre os olhos.

— Vamos pensar nisso... — encerro o assunto por ora. — No


momento, quero saber onde Don Mário está. E Serena... eu quero esmagar
essa mulher com minhas próprias mãos — minha raiva transparece na voz
como um rosnado.

— Vou tentar verificar as câmeras de segurança próximas, hotéis


onde possam estar hospedados. Se ele estiver em nosso território, será
muito mais fácil pegá-lo — Andreas afirma, e eu concordo.

Ter meu sogro em meu território tem suas vantagens. Aqui, ele não
poderá se esconder de mim como um rato; aqui, eu poderei caçá-lo, é isso
ativa meu gatilho.

— Acha que vai demorar muito para encontrar algo? — pergunto.

— Está subestimando meu trabalho — Andreas resmunga dando de


ombros.

Levo uma mão ao fundo do bolso da minha calça, retirando um


papel amassado.

— Esse é um teste de paternidade de Serena. Obviamente ele é


falso, quero que me prove que ele é falso. — Minha testa lateja.

Ainda posso ouvir a voz daquele miserável zumbindo em meus


ouvidos, gargalhando e desdenhando. Mas algo me intriga, por que Serena
está se envolvendo com Mário? Talvez já tivesse contato com ele há muito
tempo e eu não percebi, de qualquer forma ela acaba de assinar sua
sentença de morte, eu não terei misericórdia de ninguém que fez a minha
mulher derramar uma lágrima, e ela verá isso, ela saberá o preço da sua
petulância.
— Posso fazer isso, mas vai demorar um pouco. — Andreas me
tranquiliza.

— Não demore, não quero ficar dormindo no quarto de hóspedes


Andreas. — resmungo.

— Só posso te desejar boa sorte. — Meu irmão ri da minha


desgraça.

Um som quase irritante começa a vibrar no meu bolso, e puxo o


celular, respirando fundo ao ver o nome de Giovane na tela. Meus irmãos
me observam, e mostro o aparelho para eles.

— Espero que tenha algo bom para me dizer, Giovane. — Atendo


com um suspiro.

— Tenho a lista de nomes que você pediu. — Uma boa notícia, pelo
menos.

— Ótimo, me mande agora. — Respondo.

— Já está a caminho. — ele diz, e posso ouvir o barulho de teclas


sendo pressionadas ao fundo.

Afasto o aparelho para conferir o conteúdo em minhas mensagens,


um PDF, uma lista com vários nomes de pessoas influentes, ricas e de
grande poder tanto dentro quanto fora da Sicília, era uma lista imensa.

— Recebi. — aviso, desligo a ligação e encaro meus irmãos. Adryel


solta um assobio baixo, enquanto Andreas apenas balança a cabeça com
uma expressão séria.

— Giovane me mandou uma lista de pessoas com grande influência


que podem estar envolvidos com a sujeira de Don Mario.
Andreas tomba a cabeça para trás e resmunga.

— Isso significa mais trabalho para mim.

— Vou te enviar a lista. — balancei meu celular entre os dedos.

Deixo meus irmãos no porão, e sigo para fazer uma visita. A algo
que eu tinha que resolver, fiquei extremamente curioso para entender como
Mario descobriu sobre a existência de Isabella tão rapidamente. Eu a
escondi por exatamente quatro anos e me certifiquei de que qualquer rastro
daquele acidente fosse apagado.

Para todos os efeitos, Isabella teria morrido com a mãe; foi isso que
fiz a polícia acreditar, e com uma boa quantia em suborno, o caso foi
esquecido. Isso me leva a crer que alguém entrou em contato com Mario
para avisar sobre a existência dela, e todas as pistas apontam para os tios de
Isabella.

Conheço suas ambições e sei o quanto o dinheiro enche os olhos


daqueles dois. Foi o dinheiro que os manteve calados por quatro anos, mas,
depois que Isabella se tornou minha esposa, eles não receberam mais nada.
Imagino o quanto devem estar afundados em dívidas, se o que a tia de
Isabella disse for verdade.

Mando que Enzo me espere no carro e toco a campainha da casa.


Marise atende, incapaz de esconder o pavor ao me ver. A última vez que
nos encontramos não foi em uma situação agradável. Ela fica imóvel como
uma folha seca caída no chão. Eu poderia puni-la pelo que fez, mas sei que
Isabella ainda se importa com a tia.

— Onde está seu marido? — pergunto.

Ela mal consegue formular uma frase sem se enrolar.


— Ele… eu não… ele está…

Sem paciência, empurro a porta e entro. Para minha surpresa,


encontro Antenor sentado em uma poltrona na sala, fumando charutos e
parecendo um porco bêbado.

Antenor levanta os olhos, visivelmente confuso e tonto, assim que


me reconhece, ele arregala os olhos e quase derruba o charuto que segura
entre os dedos. O rosto se transforma em uma expressão de pânico, e vejo o
suor começar a escorrer pela sua testa.

— Antenor…. — pronuncio seu nome de forma fria. — acho que


precisamos ter uma conversa.

Ele se remexe na poltrona, tentando se ajeitar, mas o cheiro forte de


álcool revela sua condição deplorável. Me coloco em frente ao homem que
ousou trair minha confiança.

— Você sabe por que estou aqui, não sabe? — pergunto, abaixando-
me um pouco, de forma que nossos olhos fiquem no mesmo nível.

Antenor tenta sorrir, um sorriso amarelo que se desfaz rapidamente.


Ele engole em seco, e posso ver o medo nos seus olhos. A mão trêmula leva
o charuto de volta à boca, mas ele mal consegue tragar.

— Não, não sei o motivo de sua visita, Don. — ele balbucia.

— Recentemente, sua esposa esteve na minha casa. E tentou agredir


a minha mulher. — digo, dando um passo para trás, meus olhos vagando
pelo charuto na pequena mesa de centro. Pego um e o coloco entre os
lábios, acendendo-o com uma mão e dando uma boa tragada.

— Marise foi inconsequente. Garanto que isso não se repetirá — ele


responde, a voz ainda arrastada pela embriaguez.
Dou uma risada seca, soltando a fumaça lentamente.

— É bom que não aconteça mesmo. — Trago o charuto mais uma


vez, mantendo meu olhar fixo em Antenor. — Mas o motivo da minha
visita é outro. Talvez você possa me explicar como Mário descobriu sobre a
existência de sua filha. — levanto uma sobrancelha, deixando a pergunta
paira no ar.

Ele engasga com o charuto, tossindo violentamente. Seu nervosismo


já me confirma o que eu suspeitava.

— Ele… ele sabe sobre ela? Isso é impossível! — Antenor tenta


fingir surpresa, mas seus olhos entregam o pânico.

Balanço a cabeça, fazendo um estalo com a língua, e dou um passo


mais próximo. Ele realmente acha que eu acreditaria nessa encenação
patética?

— Eu também pensei que fosse impossível, já que as únicas pessoas


que sabiam que Isabella não era uma bastarda nem filha de uma prostituta
eram vocês. Essa foi a história que contaram a ela, não sou eu quem está
inventando.

Apago o charuto no cinzeiro, meus olhos voltando para Antenor,


analisando-o de cima a baixo, seus cabelos grisalhos, a postura decadente, o
suor frio que escorre pelas têmporas.

— O que quero dizer, Antenor, é que estou ciente de que você pode
muito bem ter aberto a boca em troca de dinheiro.

— Não! — ele vocifera, tentando parecer ofendido. — Está me


insultando se pensa que sou um homem que faria qualquer coisa por
dinheiro!
Eu gargalho, incapaz de conter o sarcasmo.

— Ah, Antenor, você esqueceu que foi você quem entregou sua
própria sobrinha para pagar dívidas de jogo? Se um homem é capaz de fazer
isso, então dele se espera qualquer coisa. — falo com desdém.

Sua máscara cai aos seus pés, e ele se vê sem saída.

— Há alguns meses, um homem veio aqui. Ele fez várias perguntas.


Eu não queria dizer nada, eu juro — a voz dele treme. — Mas é difícil
resistir ao ter uma arma apontada para a cabeça. — Ele finalmente confessa,
seus olhos agora sem qualquer traço de resistência, apenas medo.

— E você achou que isso não seria do meu interesse? — questiono


em um tom gélido e incisivo.

O homem solta um suspiro exasperado, os ombros caindo em


derrota.

— Conhecendo você, se soubesse que falei alguma coisa, estaria


morto — ele murmura.

— Considerando os fatos, talvez eu devesse acabar com você agora


mesmo — ameaço. — Mas, por enquanto, há outras coisas que requerem
minha atenção.

Antenor solta um suspiro de alívio, relaxando por um breve instante.

— Sua esposa mencionou que estão enfrentando dívidas… — digo


enquanto arrumo meu paletó, abotoando os três últimos botões.

— Sim — ele responde, meio desajeitado. — Vão tomar a casa em


alguns meses.
— Muito bem, eu pagarei a dívida — afirmo, e vejo um vislumbre
de esperança surgir em seu rosto. — Mas vocês vão esquecer que Isabella é
sobrinha de vocês. Não vão mais a procurar, nem entrar em contato para
pedir coisa alguma.

— Mas… eu e Marise praticamente criamos essa menina depois que


a mãe dela morreu — ele protesta.

Dou um passo à frente, diminuindo ainda mais a distância entre nós.

— Não finja que vocês se importam com ela — retruco com um tom
de voz perigoso. — Ela esperou que fossem a visitar, e quando sua esposa
finalmente apareceu, foi para pedir dinheiro. Não vou aceitar que se
aproximem dela novamente. Isabella não merece tios como vocês. Isso
também inclui que não de informações sobre ela a ninguém. Você me
entendeu? — pergunto rudemente.

Antenor engole em seco, suas mãos tremem sobre o assento da


poltrona.

— Sim, eu entendi — ele responde.

— Ótimo — digo.

Antenor apenas acena, seus olhos vidrados no chão, incapaz de me


encarar. A presença de um homem como ele, fraco e covarde, me revolta.
Penso em Isabella, no quanto ela merecia uma família que realmente
cuidasse dela. Mas, no fim, tudo o que ela recebeu foram pessoas
interesseiras e gananciosas.

— E mais uma coisa — digo, antes de me virar para sair. — Eu


pagarei a dívida porque Isabella não deve mais nada a vocês. Mas isso é a
última coisa que terão de mim ou dela. A partir de agora, vocês estão por
conta própria.

Antenor me lança um olhar de súplica, mas não ousa dizer nada.


Dou as costas, saindo da sala sem olhar para trás.
Capítulo 34

Isabella
Minha cabeça dói, o sangue queima nas veias ao ponto de fazer
minha pele coçar. Sinto meu coração pequeno e apertado, e há um rastro de
lágrimas secas em meu rosto. Tento me distrair cuidando das flores, mas
não consigo afastar a imagem de Serena grávida. Seu sorriso vitorioso, a
mão acariciando a barriga por cima do vestido, e a palavra “amante”
ecoando na minha mente sem cessar.

Acabo me distraindo e me corto com a tesoura, um pequeno


ferimento em um dos dedos. Solto um gemido, seguido de um xingamento
baixo.

— Isabella? — a voz feminina de Alice me chama. — Está tudo


bem?

Eu me viro, tentando transformar a expressão triste em meu rosto


em algo sereno.
— Ah, estou bem, só me cortei um pouco com a tesoura de
jardinagem — explico.

Ela sorri, contornando um dos canteiros onde estou trabalhando.

— Você gosta muito de flores, não é? — pergunta.

— Gosto, elas me trazem lembranças da minha mãe. Fazer isso me


faz lembrar dela — comento.

Ficamos em silêncio por um momento. Volto minha atenção para as


flores enquanto Alice cruza os braços, me observando.

— Você tem certeza de que está bem? — insiste, como se não


tivesse se convencido da minha resposta.

— Sim, estou bem — respondo suavemente, arrancando um sorriso


do fundo do poço para mostrar.

Eu era boa em fingir, aprendi isso ainda criança.

Um barulho vindo do portão da estufa interrompe o silêncio. Meus


olhos encontram os olhos verdes daquele homem, e a pequena pá de metal
cai de minhas mãos, o som estridente preenchendo o ar. Não percebo o
quanto minhas mãos estão tremendo. Não poderia me esconder dele para
sempre; em algum momento, teria que vestir minha armadura e enfrentá-lo.

— Alice, pode nos dar licença, por favor? — Ares pede à irmã.

Desvio o olhar, evitando qualquer tipo de contato. Ficar aqui


sozinha com ele faz minha raiva voltar. Aceno para minha cunhada em um
gesto que tenta dizer “está tudo bem.” Quando, na verdade não está, estou
completamente destroçada.
Assim que Alice deixa a estufa, o ar entre nós se torna pesado. Não
sei qual de nós vai começar essa conversa. Na verdade, não quero falar
sobre isso, não quero falar sobre a amante do meu marido, muito menos
sobre o fato de ela estar grávida dele. Ele disse tantas vezes que queria um
filho…

Respiro fundo, solto as tiras do avental e o deixo sobre a bancada.


Posso ignorá-lo, mesmo que seu olhar queime minha pele e arrepie todos os
pelos do meu corpo.

Ouço seus passos se aproximando. Sinto sua presença, posso aspirar


seu perfume, o calor do seu corpo invade o espaço ao meu redor. Engulo em
seco.

— Não ouse me tocar. Não depois do que vi. — minha voz queima
ao sair da garganta.

Sua respiração se torna profunda. Estou de costas para ele, o que é


melhor para mim.

— O que exatamente você viu? — ele pergunta.

Ele não se lembra de sua amante?

Aperto minhas mãos contra o balcão de madeira, tentando conter a


raiva. Um sorriso odioso se forma em meus lábios.

— Eu vi Serena grávida. Grávida de um filho seu — as palavras


grudam no céu da minha boca, amargas e dolorosas.

— Se ela está grávida, o filho não é meu, não tenho contato com
aquela há muito tempo, Isabella. — ele nega prontamente.

— Não foi o que aquele pequeno pedaço de papel parecia dizer —


murmuro, ríspida e debochada.
— Vire-se para mim. Não gosto de falar com você de costas, gosto
de olhar nos seus olhos! — sua exigência não me comove; ele sabe que não
sou boa em receber ordens, e por mais que meu corpo o obedeça, dessa vez
não o faço.

— Você não é digno disso. Não é digno que eu olhe em seus olhos
— meus olhos baixam, encaro meus próprios pés. Todo aquele sentimento
de decepção voltou. Sinto meus olhos arderem, mas permaneço firme. —
Não era isso que você queria? Um filho? Agora poderá ter um

Um chute seguido pelo som de um vaso quebrado me faz


estremecer.

— A única mulher que vai carregar um filho meu será você — sem
aviso, sinto o puxão em meus cabelos. Sua postura inabalável se rende ao
lado selvagem, minha cabeça se apoia em seu peito, e minhas unhas
continuam cravadas na madeira.

Eu fecho os olhos, tentando manter o controle sobre a minha


respiração, mas a nossa aproximação e a força com que ele me segura me
fazem estremecer. Ele inclina a cabeça, sua boca próxima ao meu ouvido.

— Você é a única que eu quero. Você é a única que eu quero que


carregue um filho meu. Eu nunca desejei outra mulher para isso.

Minha garganta aperta, e eu inspiro com dificuldade. Tento me


soltar, mas ele me mantém firmemente presa contra seu corpo. O calor dele
é sufocante, e a raiva que sinto fervilha dentro de mim.

— Eu não consigo acreditar em você.

Ele me vira abruptamente, obrigando-me a encará-lo. Nossos rostos


estão tão próximos que posso sentir seu hálito quente.
— Eu nunca te trai, tem que acreditar em mim, aquele exame é
falso. — ele diz com os dentes cerrados.

Eu rio sem humor, um som amargo que escapa de meus lábios antes
que eu possa controlar.

— Ela está grávida… grávida de um filho seu, porra! — explodo


apontando o dedo no seu peito em riste. Eu fecho os olhos, deixando as
lágrimas escorrerem por meu rosto. — como você acha que eu me senti?
Estou machucada demais para cogitar acreditar em um homem que nem
mesmo consegue me amar.

Ele solta um grunhido, um som de frustração que reverbera entre


nós. Seus dedos afrouxam um pouco meus cabelos, mas ele não me solta
completamente. Seus olhos escurecem, a linha entre as sobrancelhas se
aprofunda.

Um de seus dedos alcança minha bochecha, aparando a lágrima que


escorre. Num impulso, empurro seus ombros e me afasto, passando o braço
pelos olhos para conter o choro.

— Se você mentiu sobre ela, pode ter mentido sobre todas as outras
coisas… sobre mim, sobre meu passado, sobre tudo — murmuro.

— Não… — ele balança a cabeça, a mandíbula travada. — Você


acha que inventei tudo sobre seu pai? Acha mesmo, Isabella? — A forma
como pronuncia meu nome deixa claro o quanto está zangado. — Porra! Ele
está colocando você contra mim — ele conclui, os dedos passando pelos
cabelos de forma agitada, enquanto anda de um lado para o outro.

— Esse não é quem você é? Um manipulador — disparo, a mágoa


se derramando em cada uma das minhas palavras.
Ele para de andar, os olhos se voltando para mim, intensos, como se
eu tivesse o atingido fisicamente. Ares se aproxima novamente, mas
mantenho minha postura, sem recuar.

— Vou te provar que aquele exame e falso, e quando isso acontecer,


terei ainda mais vontade de arrancar a cabeça do seu pai com minhas
próprias mãos — ele rosna entre dentes, desdenhoso. — Você sabe que sou
bom em cumprir minhas promessas.

Engulo em seco enquanto ele se afasta, lançando um olhar cheio de


fúria sobre mim antes de virar as costas e sair da estufa, batendo o portão de
madeira com força excessiva.

Pressiono meus olhos e tento focar no que estou fazendo.

Ares
Não me dou ao trabalho de pegar um copo. Em vez disso, agarro a
garrafa inteira de uísque e começo a beber direto dela, sentindo o calor do
álcool queimar minha garganta.

O ranger da porta se abrindo me tira do meu devaneio. Uma mecha


de cabelos longos e pretos surge pela pequena fresta.

— Podemos conversar?

Pela voz eu reconheço, Alice. Suspiro, esfregando as têmporas em


uma tentativa inútil de aliviar a tensão.

— Não, agora não é um bom momento — corto-a, ríspido.


— Por favor, você me evita desde que cheguei — ela insiste,
ignorando minha recusa.

Ela realmente não entende quando digo que não é um bom


momento.

— O que você quer? Quer dinheiro para ir embora? Um carro, um


apartamento novo? — minha voz é fria, cheia de sarcasmo.

A porta se abre completamente, e ela entra, fechando-a atrás de si.


Seu olhar passeia por todo o escritório até parar em mim.

— Você me julga tão mal, irmão. Eu não sou uma interesseira — ela
murmura, ofendida.

Dou uma risada amarga.

— Eu acreditaria nisso, se não te conhecesse — rebato, deixando


claro meu ceticismo. — Alice, eu realmente não estou em condições de
conversar com você agora.

— Isso ainda é rancor pelo nosso pai? — sua pergunta traz à tona
lembranças que prefiro esquecer, mas que nunca ficam realmente
enterradas.

— Não, só não confio em você — digo, encarando-a. — Essa sua


pose de boa moça, que veio até aqui porque sentiu saudades dos irmãos, não
funciona comigo. Suas contas bancárias estão vazias, e seu estágio de
medicina está parado há um bom tempo. Não tente me enganar, Alice.
Afinal, temos o mesmo sangue, a mesma raça ruim.

Um sorriso insidioso se forma nos lábios dela.

— Andou investigando a minha vida? — ela pergunta, enrolando


uma ponta do cabelo nos dedos, o tom de voz quase divertido.
— Não poderia deixar que você voltasse para nossas vidas sem uma
ficha completa — dou de ombros, levando a garrafa de uísque novamente
aos lábios e tomando um longo gole.

— Você tem razão — ela admite, sem perder o sorriso, como se


minha desconfiança fosse um elogio. — Larguei o estágio porque não
queria mais ser médica, e o dinheiro… um dia ele tem que acabar, não é? E
o motivo pelo qual estou aqui… eu também sou uma herdeira, também sou
uma Montesi.

O cinismo dela é quase admirável.

— Ser uma Montesi não te garante nada, Alice — aviso. — Aqui, o


sangue não compra confiança.

— Eu concordo — ela acena com a cabeça, mantendo a compostura.


— Mas nunca lhe dei motivos para não confiar em mim.

— Ser a filha preferida do nosso pai já é motivo suficiente para eu


não confiar em você — rebato com tom frio.

— Ele era um bom pai para mim! — a voz dela se eleva em defesa.

— Mas não foi para mim, nem para os meus irmãos. Você nunca
conheceu o verdadeiro Gutierrez, Alice. O homem que matou sua própria
filha logo após ela dar o primeiro suspiro. Esse era o Gutierrez. Um homem
que usava chicotes em seus filhos para moldá-los como armas, você não
conheceu esse homem.

Alice fica em silêncio, seus olhos procurando alguma justificativa,


algo que ela pudesse usar para defender nosso pai.

— Você acha que conhece o legado que nosso pai deixou, mas tudo
o que você viu foi uma máscara — eu continuo. — Ele te deu privilégios, te
poupou do que era realmente ser um Montesi sob o comando dele. Mas nós
conhecemos o inferno que ele era.

— Eu não sabia… — ela murmura.

— Não saber não muda nada. Não apaga o que ele fez. E não faz
com que eu confie em você. — digo. — se já terminou, melhor sair. — eu
aponto para a porta.

Vejo em seus olhos que ela sente vontade de rebater. Mas optar por
deixar meu escritório.
Capítulo 35

Passei a manhã em uma das academias, socando um saco de areia


normalmente, Andreas estaria comigo, mas hoje ele estava ocupado demais.
Eu precisava aliviar toda a raiva que me consumia e, talvez mais do que
isso, afastar Isabella dos meus pensamentos. Era inútil negar: eu estava
começando a admitir que estava completamente obcecado. Não havia outro
motivo para justificar esse desejo insano de querer dar o mundo a alguém
que já é seu mundo. Não faz sentido?
Eu sabia que Serena não estava grávida de um filho meu, mas
minhas palavras nunca seriam suficientes para convencer Isabella. Claro
que Mário sabia disso; era exatamente o que ele queria, afastá-la de mim
para que ela escolhesse o lado dele. Era irônico como ele jogava tão bem,
mas eu não tinha outra escolha a não ser esperar. Aprendi a ser paciente,
mas parece que toda minha paciência vai para o inferno quando se trata
dela.
Antes de deixar a academia, verifico meu celular mais uma vez, na
esperança de alguma mensagem de Andreas dizendo que conseguiu o que
eu preciso. Nada. Meu peito se enche de frustração, e dirijo de volta para
casa, cada vez mais impaciente e tomado pela raiva.
Assim que estaciono o carro em casa, algo me surpreende: à
distância, vejo a silhueta feminina perto da piscina. Pisquei, sem acreditar, e
então avancei a passos largos em sua direção.
O cabelo dela está preso em um rabo de cavalo alto, e ela usa um
top rosa e uma calça legging preta que delineia perfeitamente as curvas de
seu corpo. Isabella se abaixa e sobe, fazendo algum tipo de exercício, seus
movimentos são provocativos quanto deliberados. Era óbvio que ela estava
fazendo isso de propósito, para me provocar. Ela era uma filha da puta
quando queria.
Coloco as mãos na cintura e paro diante dela, esperando algum tipo
de reação, mas ela não se deu ao trabalho de olhar para mim.
— O que você está fazendo, Isabella? — pergunto, analisando a
calça legging transparente que ela usa, sentindo a raiva subir.
Ela respira tranquilamente, enquanto eu estava à beira de entrar em
colapso. Quem tinha visto ela vestida assim? Deus, eu arrancaria os olhos
de qualquer um que tivesse visto sua calcinha através dessa maldita legging.
— Estou fazendo pilates — responde, apontando para o tapete no
chão.
— Desde quando? — Ergui a sobrancelha, ainda sem desviar o
olhar. Ela não parecia se importar, continuando seu exercício, sua bunda
roça sutilmente na minha calça de moletom, o movimento foi o suficiente
para meu corpo reagir imediatamente, e eu ficar duro.
— Isso não é da sua conta — disse, os lábios se curvando em um
bico. — Agora, dá licença, você está atrapalhando minha gravação.
Eu umedeci os lábios, sem conseguir controlar minha irritação.
Segurei seus braços, puxando-a para perto, esmagando seu corpo pequeno
contra o meu.
— Você está gravando essa porra? — Minha voz sai como um
rugido rente ao seu ouvido.
— Já disse para não me tocar — ela responde, me dando uma
cotovelada nas costelas que me fez gemer. — E sim, estou gravando.
— Você deve ter esquecido que eu sou ciumento e não gosto que
ninguém além de mim, admire seu corpo. — indago.
Ela puxa os braços de meu alcance, mas não consegui evitar e
agarro sua cintura com um dos braços, nessa posição com suas costas
colada na minha camisa suada, me faz sentir seu cheiro, por mais que ela
tente se soltar, seu corpo já está rendido a mim, e adora estar em meus
braços, é nítido como sua pele se arrepia como sua respiração se acelera
como suas pernas se apertam.
— Estou gravando um vídeo de treino. — sua voz sai baixa e
agonizada. — Agora, me solta. — exige.
— Eu não vou te soltar — retorqui. — Você está se exibindo de
propósito, não está? Quer que eu veja, está me punindo.
— Eu não estou me exibindo. Estou apenas tentando me manter em
forma — sua voz tenta soar firme.
— Você não precisa disso, seu corpo é lindo. — digo.
Ela se remexe contra minha ereção, e, com um movimento ágil, me
dá outra cotovelada, desta vez ainda mais forte, conseguindo se soltar.
Meus olhos percorrem rapidamente o ambiente em busca do celular
onde ela provavelmente estava se gravando. Encontro o aparelho no chão,
apoiado em um tripé. Pela duração da gravação, percebo que ela não havia
começado há muito tempo e decido apagar o vídeo.
— Você não tem esse direito! — ela rosna, avançando em minha
direção. Eu ergo o celular para longe dela. — Me dá meu celular! — ela
grita, saltando para tentar alcançá-lo. Atraído pela sua determinação, a
abraço pela cintura. — Seu psicopata maluco! — ela xinga, claramente fora
de si.
Não consigo evitar um sorriso arrogante no rosto.
— Isso é meu! Você não pode simplesmente tomar as coisas assim
— ela resmunga. Sua mão soca meu peito.
— Ah, querida, eu posso, porque você me pertence, cada milímetro
do seu corpo, e ele só deve ser mostrado a mim.
Eu abaixo o celular, mas não entrego a ela, e sim coloco dentro do
meu bolso, Isabella solta um suspiro exasperado. Devagar minhas mãos a
liberam, e a gata-borralheira me lança um olhar furioso, mas se deixa ser
vencida, dando passadas largas para dentro da mansão.
Isso… corre, porque quando eu te pegar vou descontar toda a raiva
que você está me fazendo passar.
Ainda observando a pequena figura desaparecer ao longe, sinto meu
celular vibrar no bolso. Rapidamente o pego, e vejo na tela a mensagem que
esperei quase o dia inteiro. Sem pensar duas vezes, começo a caminhar pelo
mesmo caminho que Isabella seguiu.

Avanço até a porta do quarto, mas sou impedido de entrar quando


minha mão alcança a maçaneta e ela não abre. Eu poderia voltar ao
escritório e procurar a cópia da chave, ou poderia arrombar a porta, mas
minha mente busca algo que não me faça perder mais tempo.
Respiro fundo e dou duas batidas suaves contra a madeira.
— Isabella, me deixa entrar — chamo, sem obter resposta. — Eu
prometo que não vou tocar em você, só quero te mostrar uma coisa. —
Encosto a testa contra a madeira fria, tentando manter a calma. Estou
realmente implorando para entrar no meu próprio quarto?
Alguns minutos se passam, e estou quase desistindo, preparado para
recorrer a uma das outras opções, mas ouço o clique da fechadura seguido
pelo rangido da porta se abrindo.
Logo, os cabelos ruivos aparecem, agora soltos sobre o rosto. Ela
ainda veste a mesma legging, e a ideia de rasgá-la cruza minha mente.
Assim ela nunca mais a usará.
— Se tentar alguma coisa, juro, Ares, que vou acabar com você —
ela ameaça, como se tivesse força suficiente para me deter. — Enquanto
você não provar que o filho de Serena não é seu, não toque em mim.
Eu a escuto com atenção e aceno afirmativamente. Isabella dá um
passo para o lado, abrindo espaço para que eu entre, e então fecha a porta
atrás de si, girando a chave na fechadura.
— Já te disse que o filho de Serena não é meu… — começo,
observando-a parar à minha frente, firme, olhos atentos. Ela realmente
consegue fingir bem, mas não para mim. Sei que passou a noite chorando
por causa dessa merda. Sem mais delongas, estendo um envelope para ela.
Isabella alterna o olhar entre mim e o papel.
— O que é isso? — ela pergunta, cruzando os braços, o decote do
top acentuando seus pequenos seios.
— A prova que aquele teste é falso. — explico.
— Quer tentar me convencer com isso? — ela questiona, é claro que
faria isso.
— Andreas conseguiu confirmar que o teste foi manipulado. — Dou
um passo à frente. — Não quero mentiras entre nós, Isabella.
Ela suspira, claramente insatisfeita.
— Você sabia que ela estava grávida, e omitiu isso de mim. —
insiste com um tom de desconfiança.
Eu fecho os olhos por um instante, revivendo aquela noite.
— Quando ela me procurou naquela festa, eu realmente a mandei
embora. Ela mencionou estar grávida, sim, mas eu não dei importância,
Isabella. Era impossível… não tínhamos contato algum há meses. E agora
ela voltou, junto com o seu pai, trazendo a mesma história, uma mentira!
— Ares, eu vi com meus próprios olhos. Ela estava grávida.
— Ela pode estar grávida, mas eu não sou o pai, Isabella. Não faz
sentido algum. Precisa entender isso! Tenho minha consciência limpa;
jamais trairia você. Nem com ela, nem com qualquer outra.
Ela toma o papel das minhas mãos, e posso ver a ansiedade em seus
gestos enquanto rasga o envelope com pressa. Observo cada detalhe de sua
expressão: as sobrancelhas franzidas, os olhos percorrendo cada linha. Meu
coração também acelera, e sinto um frio percorrer todo o meu corpo.
Quando Isabella ergue finalmente os olhos para mim, suas mãos rasgam o
papel em pedacinhos, deixando-os cair como poeira no chão.
— Por que eu deveria acreditar em você? Pode muito bem está me
manipulando, como sempre faz, me usando nos seus jogos contra meu pai.
— eu a olho perplexo
— Você precisa confiar em mim. Desde que voltamos de viagem,
tenho sido sincero com você.
— Eu quero confiar em você, mas… — Eu a interrompo.
— Ou você confia em mim, ou nosso relacionamento nunca vai
funcionar.
Dou um passo à frente, diminuindo a distância entre nós. Minha
mão toca seu rosto sutilmente, levantando seu queixo para que ela me olhe
nos olhos.
— Quero ser alguém em quem você possa confiar. Pode tentar
confiar em mim?
Ela solta um suspiro trêmulo, os olhos ligeiramente marejados, e
balança a cabeça.
— Preciso de tempo — murmura.
Dou um último passo à frente e seguro sua cintura.
— Agora posso tocar em você, certo? — pergunto, apalpando uma
de suas nádegas. Ela arfa ao sentir meu toque.
— Sim — sua voz sai contida e trêmula.
Minha ereção cresce novamente. Com ela em meus braços, a
empurro sobre a cama, fazendo-a deitar de barriga para baixo, com a bunda
cima.
— Você sabe que não vai poder usar mais essa legging, não é? —
pergunto, enquanto Isabella apoia os cotovelos sobre a cama e me olha por
cima do ombro. Sorrio, passando a língua pelos lábios.
— O que você…? — suas palavras são interrompidas quando puxo
a legging com força, rasgando o tecido ao meio, pela linha da costura. —
Você é um animal… Essa legging era nova — ela resmunga, mas não lhe
dou tempo de reclamar. Com um tapa firme, faço a palma da minha mão se
chocar contra sua pele.
Meus dedos deixam marcas na pele branca. Acaricio a área recém-
marcada e dou outro tapa, ainda mais forte. Ela merece isso, merece ser
punida. Não me deixou tocá-la antes, e agora que posso, vai ficar tão
marcada que nenhuma roupa poderá esconder minhas marcas.
Ela geme baixo, a mão sobre a boca tentando abafar o som.
— Hum… Mais…
— Diga o quanto você quer apanhar — sussurro, enquanto termino
de rasgar o restante do tecido, libertando seu quadril e suas coxas.
— Muito — Ela rebola em minha direção.
Aperto uma de suas nádegas e inclino meu rosto sobre a outra,
dando uma mordida. Isabella grita, agarrando os lençóis da cama. Arrasto
sua calcinha minúscula para o lado para ter uma visão melhor, obrigando-a
a ficar de joelhos. Sua excitação já escorre pelos lábios macios, e eu uso os
dedos para espalhar sua lubrificação até a bunda. Quando pressiono um
dedo na região sensível, ela dá um pequeno sobressalto.
— Não… — ela murmura, com a cabeça apoiada no colchão.
— Está me negando isso? — sem aviso, enfio um dedo em seu
Bunda.
— Isso… Ah, isso dói — ela geme.
Beijo suas costas e volto a acariciar seu clitóris.
— Não vou te possuir assim hoje, querida. Mas quando isso
acontecer, não haverá dor, só prazer — prometo.
Retiro o celular do bolso, ligo a câmera e a posiciono na mesa ao
lado da cabeceira.
— Você vai filmar? — a pergunta vem acompanhada de um sorriso
desconfiado.
— Não era você que estava se gravando mais cedo? Agora sou eu
quem vai filmar você, para se lembrar que sou o único com permissão para
isso. — Dou outro tapa na sua bunda, e ela arqueia as costas. — Agora, seja
obediente e empine. — Ela obedece.
Não posso esperar mais. Arranco a blusa pela cabeça e abaixo a
calça; meu pau dói de tão duro. Coloco-me atrás dela, agarro um punhado
de seu cabelo e puxo seu couro cabeludo.
Com a mão, guio meu pau até sua entrada. Saber que sou o único
homem que já esteve dentro dela já me faz querer gozar. Dou pinceladas,
entrando e saindo devagar, fazendo-a choramingar, até finalmente me
acomodar inteiro na sua boceta.
Começo com movimentos lentos, mas logo acelero, indo fundo e
com força. Uso a mão para bater levemente na pele macia da sua bunda,
apenas o suficiente para estimular o prazer.
Seguro seus pulsos, puxando seus braços para trás e ganhando mais
apoio. O quarto se preenche com o som dos nossos corpos se chocando
cada vez mais rápido. Vejo-a morder os lençóis da cama, e um sorriso
escapa de meus lábios. Nessa posição, ela está totalmente inclinada para
mim; sua respiração falha, seu fôlego se entrecorta, seu corpo se remexe, e
sua boceta pulsa, apertando-me. O orgasmo ameaça tomá-la, mas paro os
movimentos e retiro-me.
— Por que parou? — Ela vira o rosto para mim, por cima do ombro.
Lanço-lhe um olhar safado.
— Não sei se você merece gozar… Você tem sido uma mulher
muito má com seu marido. — Seus olhos se enchem de frustração e desejo.
Faço um movimento rápido com o quadril, entrando e saindo, e
Isabella arfa, afundando a cabeça para baixo.
— Eu mereço… — ela gagueja. — Eu mereço, inferno…
Rio baixo, me divertindo. Seguro seus calcanhares e a viro de
repente, pegando-a de surpresa. Subo sobre ela, apoiando um braço de cada
lado de sua barriga, e em seguida deslizo a língua pelo seu umbigo, parando
entre suas pernas. Ergo os olhos apenas para ver a expressão em seu rosto;
ela morde o lábio e enfia as mãos no meu cabelo.
Capítulo 36

Isabella
Estamos os dois caídos sobre a cama, exaustos após tantos
orgasmos. A respiração ainda ofegante preenche o quarto silencioso,
enquanto nossos corpos permanecem colados. Sinto o calor reconfortante
do seu corpo, e meu peito se acalma com o som de seus batimentos.
Rolando para seus braços, fecho os olhos, permitindo que os últimos
resquícios de prazer dominem meu corpo.
Ele se inclina e sinto seu rosto sobre meus cabelos, inspirando
profundamente meu cheiro. Sua mão grande, pousa ao lado da minha
bochecha, e então ele se ergue sobre mim. Sua barba áspera roça contra a
pele dos meus seios, deixando uma sensação leve de ardor e despedida
antes de se afastar.
— Preciso trabalhar, por mais que ficar deitado com você seja muito
tentador. — diz, já de costas, caminhando em direção à suíte.
Permaneço deitada, meus olhos vagando pela bagunça do quarto,
fixando-se nos papéis que cortei e que agora cobrem o chão. Meu coração
se sente aliviado. Enrolo-me no lençol, tentando prolongar meus minutos na
cama, mas minha mente não coopera. Um pensamento surge, me enrolo no
lençol, coloco meus pés descalços no chão frio, praticamente tropeçando
enquanto caminho em direção ao banheiro.
Foi um pensamento tardio. Antes que eu pudesse alcançar a porta,
Ares a abre. Fico paralisada ao vê-lo. Ele está com uma toalha enrolada na
cintura, os cabelos ainda bagunçados, mas o que realmente prende minha
atenção é o que ele segura nas mãos.
Meu coração quase para ao reconhecer a cartela de comprimidos.
Meus anticoncepcionais. O segredo que mantive por tantos meses agora
está escancarado em suas mãos. Meu estômago se revira, o ar parece
escapar dos meus pulmões. Ares não é um homem fácil de enganar, e agora
seus olhos me atravessam, como se pudessem despedaçar minha alma
apenas com um olhar. Aqueles olhos que há minutos estavam cheios de
desejo e carinho agora são duros e frios, como gelo afiado.
Quero dizer algo, mas minha respiração falha, o ar parece cortar
minha garganta a cada tentativa de falar. Sinto um aperto no peito, e as
palavras simplesmente não saem. Vejo seus lábios se moverem, e o som de
sua voz soa como um trovão ameaçador.
— Então é por isso que você ainda não está grávida… — Sua voz é
elevada, um tom tão cheio de raiva que estremeço. Não consigo sequer
formular uma resposta diante de sua acusação. — Esse tempo todo,
fodemos como coelhos… — Ele faz uma pausa, e um sorriso cruel curva
seus lábios, o desprezo claro em seu rosto enquanto balança a cabeça. —
Onde você conseguiu essas porcarias? — Ele aperta a cartela de
comprimidos em sua mão, a raiva transborda de seus olhos. Ares dá um
passo em minha direção, e instintivamente recuo.
Seguro o lençol firmemente contra meu corpo, como se pudesse me
proteger de seu julgamento. Respiro fundo, tentando encontrar minha
própria voz.
— Não pode me culpar por querer me prevenir. Eu te disse inúmeras
vezes que não queria um filho. — Tento manter meu tom firme. Ares solta
um suspiro exasperado.
— Eu não me importo com o que você quer, essa escolha nunca foi
sua. — Sua voz é um rosnado, e ele dá mais um passo em minha direção.
Meu corpo recua, minhas costas quase tocando a parede fria atrás de mim.
— O corpo é meu, então, sim, essa escolha é minha. — Rebato de
cabeça erguida.
Vejo seu rosto se contorcer de raiva. Sua mandíbula se fecha, os
músculos se contraem, e seus olhos, agora me olham com algo que parece
ódio. Não consigo reagir quando ele pressiona seu corpo contra o meu. Ele
é maior, e a vantagem física é inegável. Seus dedos se fecham ao redor do
meu pescoço, e a pressão é imediata. Não há prazer desta vez, apenas a dor
que começa a crescer enquanto o ar se torna escasso.
— Sua maldita desgraçada… Este corpo deixou de pertencer a você
há muito tempo. — Sua voz é um sussurro rouco com uma raiva contida
que me faz tremer. Viro o rosto, tentando me soltar, mas seus dedos apertam
ainda mais meu queixo. Preciso puxar todo o ar que consigo reunir para
respirar. — Você não deveria ter feito isso. Não deveria ter me enganado
dessa forma… — o aperto se intensifica.
Esse não é o homem que há pouco tempo estava em meus braços. O
homem à minha frente é uma sombra, vazio e desprovido de qualquer
sentimento.
— A verdade é que eu não quero trazer um filho ao mundo apenas
para que ele se torne alguém como você… — murmuro quase sem voz —
Não quero que meu filho seja obrigado a liderar uma máfia ou que o pai o
molde para se tornar um monstro.
Os olhos de Ares se escurecem, e seu aperto se afrouxa, mas seu
corpo ainda está colado ao meu, suas mãos repousam de cada lado da minha
cabeça, eu busco ar, respirando mais rápido que consigo para me recuperar.
— Eu nunca faria meu filho passar pelo que passei… você não sabe
o que está falando — ele rosna.
O calor da sua respiração em meu rosto faz meu coração disparar.
— Quer que ele governe uma máfia, mas e se ele não quiser? Você o
punirá? Eu sei que sim, não me diga o contrário. E ele vai te odiar por isso.
— Esse é o destino dele. — Declara.
— Esse é o destino que você quer traçar para ele. — Rebato com
olhar firme.
Seu punho se fecha e bate contra a parede ao lado do meu rosto. Eu
permaneço parada, observando enquanto ele descarrega sua raiva. Não me
encolho, não sinto medo.
Ele me encara, e eu coloco minhas mãos suavemente em seu rosto,
colando nossas testas. Sinto a tensão em seus músculos aos poucos se
dissipar, suas mãos relaxam. Então, algo muda em seu olhar.
— Você quer me punir por isso, não é? Eu sei que quer. Então vá em
frente… me use, me faça pagar por te enganar. Desconte em mim cada gota
da sua frustração, sem piedade.
Ares ergue o queixo, sem desviar o olhar.
— Essa punição não será nada prazerosa para você, Isabella.
Solto uma risada amarga.
— Acha que estou com medo? — murmuro. — Mostre-me seu lado
perverso.
Num movimento rápido, ele me vira, pressionando-me contra a
parede, meu rosto é praticamente amassado pela sua mão, arrancando o
lençol do meu corpo com agressividade. A toalha que ele tinha na cintura
segue o mesmo caminho no chão, eu engulo em seco.
— Você queria ver meu lado sombrio, não é? — Sua voz é grave,
ameaçadora, e sinto um arrepio percorrer minha espinha. — Então não
espere gentileza.
Tento respirar fundo, mas ele me pressiona ainda mais, como se
quisesse esmagar qualquer vestígio de resistência que ainda carrego. Ares
desliza as mãos ao longo do meu corpo, com uma força que me faz ofegar.
— Isso é o que você merece por tentar me manipular — sussurra.
Mesmo sob o domínio dele, não me permito recuar. Meus dedos se
agarram à parede, enquanto minha voz sai pela minha garganta entre
cortada.
— Faça logo o que você quer fazer comigo! — o desafio.
— Eu vou engravidar você, e isso que vou fazer! — vocifera
impiedoso fazendo minha estrutura óssea tremer, um puxão no meu cabelo
faz meu couro cabeludo arder, eu fecho meus olhos, com o rosto ainda
pressionando contra a parede, e em um impulso ele entra duro dentro de
mim, eu me seguro na parede. Eu sequer posso me mexer debaixo dele,
apenas abro mais as pernas e recebê-lo.
— Isso é tudo que você tem? — provoco.
Ele envolve os fios do meu cabelo com mais força, e puxa meu
corpo para perto dele, ainda dentro de mim me inclina sobre o chão.
Meus joelhos se chocam na porcelana fria e rangem, ele mais parece
um lobo em cima na sua presa, a forma como suas mãos me apertam dói, e
me faz pulsar mais envolta do seu pau, ele me penetra fundo e duro, rápido
e sem pausa.
Meus cotovelos e joelhos se arrastam pelo chão a cada estocada que
ele dá, meus olhos começam a marejar, ele continua em cima de mim, duro
e áspero. Mas eu não peço para que ele pare, eu não impeço que ele me
castigue, eu me inclino mais sobre o chão e deixo que ele faça o que precisa
se isso for acalmá-lo.
Seu pau pulsa ao meu redor e ele aumenta os movimentos, Ares
solta um rosnado rouco quando goza, e eu estava mais uma vez cheia da sua
porra. E quando ele termina, ele me deixa no chão, destruída, quebrada,
magoada. Eu ainda fico lá quando ele toma banho, quando ele se veste para
trabalhar, e permaneço lá quando ele se abaixa e me segura pelo queixo, eu
queria sentir ele estava arrependido pelo que fez, mas ele não estavam.
Seus olhos tinham o mesmo tom frio de quando nós vimos a
primeira vez, aquela personificação do mal que vi quando tinha 16 anos, eu
estou vendo agora, parado diante de mim, não reconhecer o homem que eu
amo me corrói lentamente.
— você não vai mais tomar esses remédios, se eu descobrir que
você está tomando isso, não vai acabar bem. — ele reforça e se levanta
arrumando o terno.
Eu rio amarga, banhada em minha tristeza.
— Você não tem o mínimo respeito por mim, eu já disse que não
quero um filho, por que está fazendo isso comigo?
— Eu estava disposto a lhe dar tudo, mas você quis atrapalhar meus
planos. — sua voz se eleva. — sabe o quanto isso é importante para mim
Isabella, sabe que o motivo de tudo isso… — ele gesticula e vai até meus
livros, os que eu guardo em cima da cabeceira da cama, e arremessa todos
no chão depois os chuta. — foi para te agradar, para que você fizesse o seu
papel, mas do que adianta de encher de presente e promessas se você… não
faz porra do seu papel. — as veias do seu pescoço estão quase saltando. —
Você só tinha que me dar um filho.
— Você é um hipócrita egoísta! — digo, me levantando do chão,
ainda envolta no lençol. — Desde o momento em que me casei com você,
só fiz o meu papel, deitei nesta cama vezes incontáveis, permiti que me
usasse como uma vagabunda. Porque é exatamente assim que você me faz
sentir… uma puta suja, sem valor. Fiz tudo o que você pediu, obedeci cada
ordem, me submeti, mesmo após prometer a mim mesma que jamais me
renderia a homem algum! — minha voz se rompe em meio aos soluços.
Respiro fundo, tentando manter o controle, e dou um passo à frente. — Eu
até aceitei ser um peão no seu jogo… — aponto o dedo trêmulo contra o
peito dele, pressionando o tecido impecável da camisa branca. — Mas você
não quer um filho, quer apenas mais uma peça para manipular à sua
vontade.
Ele me olha com um misto de frieza.
— Você não tinha o direito de me tirar isso… — murmura com voz
rouca, mas controlada. Ele afasta o corpo, as mãos passando nervosamente
pelos cabelos ainda úmidos. — Eu esperei quatro anos… você não pode
simplesmente tirar um filho de mim, porra!
Solto uma risada amarga.
— Se quer tanto um filho, talvez devesse perguntar à Serena se o
dela precisa de um padrasto. — Minha voz transborda deboche, mas não
dou a ele tempo para retrucar. — Ah, é verdade… você quer um filho com
meu sangue, não é? — dou uma risadinha cruel, a língua estalando contra o
céu da boca.
— Não me provoque, Isabella — ele rosna.
Dou um passo à frente, sem recuar, meus olhos cravados nos dele.
— Ou vai me jogar no chão e terminar de me quebrar? — minhas
palavras acertam sua face, sem nem mesmo tocá-lo. — Pode tentar… mas
eu não tenho medo do que você pode fazer comigo. Nunca tive.
— Deveria. Você não faz ideia do que sou capaz — ele responde,
com um olhar que queima a minha pele. — Eu quero um herdeiro, Isabella,
e você vai me dar. Grave bem minhas palavras: você vai carregar meu filho
no seu ventre.
Ele avança para perto.
— Mais uma de suas promessas vazias? — rebato, desafiando-o
Ares se inclina sobre mim, roçando o nariz contra o meu.
Permaneço imóvel, mantendo o controle, sem dar o menor indício de
fraqueza.
— Pare de resistir. Você é minha esposa, foi criada para esse
momento. Deveria ceder.
Inspiro fundo, deixando que minha postura se erga ainda mais firme.
— E o que eu seria se me entregasse aos caprichos de um homem?
Seu capacho? Uma folha seca ao vento? — estreito o olhar. — Não há nada
que você possa dizer que me fará dobrar, eu não quero ter um filho seu, não
quero gerar uma cópia sua. — eu fixo meus olhos nos dele. — Olhe para
você… é vazio, oco por dentro. Não tem coração, nenhuma empatia.
Alguma vez sentiu algo que não fosse ódio, dor ou raiva?
Ele sorri, mostrando os dentes brancos e alinhados, mas há algo
sombrio em seus olhos.
— Esse é seu medo? Que nosso filho se torne alguém como eu? —
sinto sua respiração quente e acelerada contra meu rosto.
— Você nunca será um bom pai. — Lanço as palavras e o impacto
delas o destrói. Seus olhos perdem o foco, depois se enchem de uma fúria
que consome todo o seu rosto. Ele se afasta, incapaz de me enfrentar, e se
volta para a prateleira, derrubando tudo que encontra. Objetos caem, vidros
se quebram, espalhando pedaços por todos os cantos.
Ele está descontrolado, como uma fera fora de sua jaula, mas,
mesmo quando termina, ainda vejo a raiva pulsando dentro dele. Ele me
encara, os ombros largos e caídos, o peito subindo e descendo em
respirações pesadas.
— O que você quer de mim? — sua voz parece rasgar sua garganta.
— Me responda, Isabella… o que você quer de mim? O que mais preciso
fazer para você me dar o que eu quero?
— Eu não quero nada de você. Não pode me comprar, nenhum dos
seus presentes foi capaz de mudar isso. — Viro-me para deixar aquele caos
e ir para a suíte, então me lembro de algo e paro. — Quando eu disse que
você deveria ter escolhido outra, deveria ter me ouvido. Deveria ter se
casado com alguém disposta a dar o que você quer. — Enfatizo essas
últimas palavras, lançando-as sobre o ombro.
Capítulo 37

Ares
Encaro a silhueta desenhada sob a pouca luz do quarto, de frente
para a janela, enquanto o vento sopra o roupão de cetim e seus cabelos
sobre os ombros.
Sinto-me horrível pelo que fiz, e poucas vezes na vida me arrependi
de algo, mas eu não posso controlar a versão sombria dentro de mim. Eu
surtei quando vi os remédios. Ela tinha tanta certeza de que nunca ficaria
grávida, e mesmo agora, depois que estávamos tão próximos, íntimos,
dividindo segredos, ela ousou tirar isso de mim… Ela decidiu sozinha que
não teria um filho meu. E essa não era uma decisão apenas dela; não
dependia apenas dela.
O futuro de um filho meu está designado à máfia, é um trato de
sangue, feito no nascimento. Você é filho de um Don, vai crescer e se tornar
um. Nascemos para isso, servimos para isso. Mesmo que o peso sob os
ombros seja demais para suportar, você deve puxar as cordas e continuar.
Com meu filho não seria diferente: ele governaria. Meu sangue prevaleceria
e continuaria por mais gerações. Eu sou um manipulador, mas dessa vez foi
ela quem me manipulou com seus sorrisos e olhos. Isabella me fez acreditar
que não retaliaria minha decisão, mas agiu pelas minhas costas. E, mesmo
que parte de mim quisesse puni-la por uma vida inteira, a outra parte queria
pegá-la nos meus braços e dizer o quanto ela merecia minha devoção.
O barulho das janelas se fechando ecoa pelo quarto, o som agudo e
impactante. Observo-a, ainda de costas, desamarrar o roupão do corpo. O
tecido de cetim cai, revelando que ela está nua, sem nada, as costas e a
bunda cobertas de marcas.
O vermelho dos meus dedos continua presente na pele branca das
suas nádegas. Seu rosto se vira lentamente, mostrando ainda mais do seu
corpo exposto, e mais marcas aparecem: mordidas, arranhões, chupões. Eu
tinha fascínio por marcar seu corpo. Ela poderia me sentir na pele por um
dia inteiro, e era isso que eu queria.
— Se veio para me punir mais uma vez, aqui está meu corpo. Onde
devo me deitar? Na cama ou no chão? — Sua voz soa tão amarga, e sinto
uma bala no peito.
Eu a machuquei.
— Não vou tocar em você hoje — falo, segurando minhas próprias
mãos.
Isabella sorri amargamente, pega o roupão do chão e se enrola nele
novamente, com facilidade.
— Não pense que isso apaga o que fez — diz, apertando firmemente
o cetim na cintura. Mas meus olhos já gravaram cada pedaço do seu corpo;
eu sei o que ela esconde por baixo. — Eu posso amar você, mas há coisas
às quais não vou me submeter. — Vejo a fúria estampada em seu rosto
angelical
— Não use o vitimismo comigo, querida. Você foi uma mulher
cruel.
— Cruel? Cruel porque não quero ter um filho seu? — Sua voz
reverbera pelas quatro paredes do quarto. Eu queria sentir sua pele no toque
dos meus dedos, mas me contenho. Se eu me aproximar, agirei como um
animal depravado, e ela não merece mais isso.
— Cruel por tirar um filho de mim, cruel por mentir, cruel por me
fazer te punir. Você foi cruel como Lilith — digo, cerrando os punhos com
força.
Ela solta um sorriso sínico, e cruza os braços sobre o peito, seus
olhos cobertos de desdém.
— Sabe, Ares, eu pensei que você me visse como sua parceira,
alguém ao seu lado, mas parece que você só quer uma marionete que
cumpra o seu papel e carregue o seu sangue, sem questionar, sem pensar por
si mesma. — Ela balança a cabeça.
Engulo em seco, porque, em parte, sei que ela está certa.
— Isabella, você não entende — começo, mas ela ergue a mão,
interrompendo-me.
— Não, você é quem não entende. Não quero trazer ao mundo uma
criança que já nasceria condenada a um fardo que não pediu. — Sua voz
falha, e seus olhos se enchem de lágrimas.
— Você me julga um monstro, não é?
— Monstros têm redenção, e talvez você não tenha — ela retruca,
me atingindo mais uma vez. — Eu já me acostumei com seu lado sombrio,
com a sua outra face contorcida, mas não quero que meu filho passe por
isso.
Deixo um sorriso curvar meus lábios, era irônico.
— Eu não farei apenas um filho em você, farei muitos...
— Se fizer isso estará me forçando.
— Nem você se convence disso. Seu corpo já é meu, e ele não trai
seu dono.
Isabella balança os ombros, e limpa o próprio rosto.
— quando tudo isso acabar, quando você conseguir matar meu pai e
tomar seu lugar, eu tenho um único pedido a lhe fazer. — seus lábios se
pressionam um no outro.
— O que você quer? — pergunto incomodado com o fato de que ela
tenha um pedido que eu ainda não atendi.
Ela encara seus pés, as paredes do quarto e a cama, e só depois volta
a olhar para mim como se estivesse escolhendo uma verdade nua e crua
para atirar em meu peito.
— Eu quero que quando tudo isso acabar, você me deixe ir embora.
Esfrego meus olhos com as mãos, e balanço negativamente a
cabeça.
— Achei que já estivesse conformada com seu destino. — digo.
— E a minha decisão, quero ir embora, ficar longe de você. — cada
palavra que sua boca pronuncia quebra alguma coisa dentro de mim, já sou
um homem quebrado, mas ela faz os cacos virarem pó.
— estaria abandonado seu papel. — Não reconheço minha própria
voz quando sai da minha garganta.
— Eu estaria abandonado você. — responde tão cheia de si.
— Você não pode!
— Se tem algum resquício de empatia por mim, deveria me deixar
ir. Nós não pertencemos ao mesmo mundo. — A voz dela falha levemente,
mas seu olhar permanece no meu.
Dou uma risada baixa, inclinando a cabeça para trás enquanto tento
controlar o crescente nervosismo. Aquilo não podia ser sério, ela realmente
acreditava que poderia me deixar.
— Esqueça essa ideia absurda. Eu e você somos para sempre —
respondo com um sorriso frio. — Separação? Essa palavra não existe para
nós.
Vejo o rosto dela se contorcer.
— Em algum momento, essa sua obsessão doentia vai acabar.
Nenhum homem pode me querer como você… deseja. Isso é insano, é…
obsceno. — Ela rebate.
Sinto uma excitação fria subindo pela espinha. Umedeço os lábios,
esboçando um meio sorriso que sei que a desestabiliza.
— Obsceno? — murmuro. — Obsceno seria eu te deixar partir,
sabendo que pertencemos um ao outro.
Ela desvia o olhar, apertando os lábios.
— Fomos feitos para nos destruir, para consumir um ao outro até
não sobrar nada. — sua voz soa baixa. — Mas eu já estou quebrada demais,
Ares. Tantas vezes tentei me moldar aos seus pedaços, tentei me encaixar…
mas agora estou no meu limite. Não sobrou mais nada de mim para dar.
Amar você me casou, e tudo que me sobrou para me agarrar foi o ódio.
— Eu posso lidar com seu ódio. — eu suspiro com um aperto no
peito. — Eu posso lidar com qualquer coisa, menos que me deixe, isso está
fora de cogitação.
Isabella não se dá por vencida; seu olhar é voraz.
— Eu não estou presa em um castelo. Você não vai me manter aqui
— diz, com uma calma soberba. — E quando eu decidir ir embora, não vou
nem olhar para trás.
Ver ela falar assim me atinge como uma faca cravada no peito.
— Eu te encontraria e te traria de volta. — Dou uma passada longa e
estou diante dela, seu rosto roçando contra o meu, nada me impediria de
tomá-la aqui agora, exceto a raiva que sinto por ela, por querer me deixar.
— Eu queria nunca ter te conhecido, nunca ter me casado com você!
Eu te odeio! — sua voz se eleva, carregada de dor e raiva, enquanto sua
mão acerta meu peito com força, como se pudesse, de alguma forma,
arrancar o que sente.
Eu a abalo, vejo como seu peito sobe e desce tentando controlar uma
respiração fajuta, e seu lábios, ela os morde sem perceber, e suas pernas não
aparentar estar firmes.
Puxo seu queixo entre meus dedos, e inspiro seu perfume, uma
mistura de lavanda com shampoo de baunilha.
— Não minta para si mesma — sussurro de volta, meus dedos
apertando levemente seu queixo enquanto nossos rostos permanecem
próximos. — Você sente isso, não sente? Esse fogo que te consome, a
necessidade de ser dominada, de ser minha e apenas minha.
— Eu não quero ser nada seu, Ares. Não quando você acha que
pode me esmagar sob seus pés, não quando sua ganância por poder é mais
importante que eu. Não quero ser nada para você se isso significa aceitar
que você faça de mim uma boneca com uma corda para manipular e usar
para suas vontades.
— Você é uma mulher tão difícil de agradar, querida. — continuo
segurando seu queixo entre meus dedos. — Não vê tudo que faço por você?
Isabella consegue puxar o ar e exibe um sorriso provocante, seus
lábios carnudos se curvando para revelar os dentes brancos.
— Tudo que você faz por mim? Me colocou em um internato, me
privou de uma vida normal, me forçou a me casar com você, me enganou,
me usou, e agora quer me engravidar a todo custo, apenas para alimentar
seu ego, como se isso fosse prova de que pode ter tudo neste mundo. —
Seus olhos âmbar estão fixos nos meus, desafiadores. — Você pode ser um
Deus, um rei, pode conquistar tudo o que deseja, mas não poderá roubar de
mim o que resta da minha dignidade.
— Onde esteve a sua dignidade quando estava deitada sobre aquela
cama comigo por cima de você? — Ela estreita os olhos, e penso que ela
não vai rebater que vai se dar por vencida, mas Isabella nunca perde em
seus argumentos.
— Estava sendo iludida pelo homem que pensei conhecer. — Ela
vira o rosto parcialmente para o lado, se desvinculando do meu aperto. —
E, depois, foi quebrada por ele.
Respiro fundo e desvio o olhar para o chão.
— Chega de discutir. Hoje já foi um dia muito difícil.
— Aonde você vai? — Sorrio sem olhar para trás.
— Achei que quisesse ficar longe de mim. — Viro o pescoço em
sua direção, tentando captar suas expressões. — Eu preciso esvaziar a
cabeça; caso contrário, este quarto vai começar a parecer pequeno demais
para nós dois.
Ela não retruca, não me impede, não pede que eu fique, e não me
olha. Não tenho sua atenção, e a cada instante, sinto que talvez nunca mais
receba nada dela.
Meus pés seguem em direção à porta, e quando a atravesso, sinto
um peso nos ombros e uma angústia crescer no peito.

Deslizo a faca até meu abdômen, a lâmina fria roça contra a minha
pele antes de afundar. Puxo-a uma única vez, sem emitir qualquer som. Não
há dor física, nenhuma sensação além do metal, cortando a carne, mas
talvez eu preferisse que houvesse. Preferia a dor da lâmina rasgando meu
corpo, pois seria um alívio à maldita angústia no meu peito.
O sangue começa a escorrer lentamente, banhando as cicatrizes
antigas, e eu me ajoelho, Sinto-me derrotado pela primeira vez, e o mais
irônico é que nem sequer houve uma luta. Perdi sem que a guerra fosse
travada. Perdi tudo no momento em que decidi que era uma boa ideia casar-
me com a filha do meu inimigo.
Deveria ter previsto que me apaixonaria por ela? Talvez. Um bom
estrategista avalia todas as possibilidades, mas eu falhei. Agora, estou aqui,
lamentando a perda de minhas ambições. Ainda quero matar o pai dela,
ainda quero tomar tudo dele, quero ser um rei… mas quero ela acima de
tudo isso. Quero-a mais do que tudo isso.
Tento limpar o sangue em vão, mas ele continua escorrendo,
manchando minha camisa. Atravesso o corredor do quarto, alcançando a
maçaneta e girando-a com cuidado e tarde e não quero incomoda-la. Tento
não fazer barulho, apenas chegar ao banheiro, mas antes de dar mais um
passo, meus olhos encontram os dela, parada diante da janela. Será que me
esperou todo esse tempo, ou simplesmente não conseguiu dormir?
Abaixo a cabeça, tentando ignorá-la, e sigo para o banheiro. Quero
não olhar para trás, mas uma mão pequena repousa sobre meu ombro e me
faz parar. Ela está ali, diante de mim, tão delicada quanto um anjo
esculpido, com os olhos castanhos brilhando e os lábios levemente
franzidos em preocupação.
Quase não percebo quando seus dedos tocam minha ferida, mas,
nesse instante, sinto a dor — talvez não física, mas a dor da preocupação
dela, da afeição que não mereço. Imediatamente, retiro sua mão da ferida.
— O que aconteceu? — ela pergunta. Não deveria se importar, mas
ela se importa.
— Vá dormir — murmuro, afastando-me.
— Você está ferido, olhe para você, tem sangue nas suas roupas.
— Eu sei. — Respondo, balançando a cabeça. — Fui eu quem o
causei, agora vá dormir. — admito, minha soa um pouco rude.
— Você se machucou de propósito? — Ela ergue as sobrancelhas, o
rosto pálido adquirindo um tom rosado. — Por que fez isso? — Seus dedos
pequenos começam a desabotoar minha camisa, mas seguro seu pulso,
impedindo-a de continuar.
— Eu precisava de disso. — respondo, sem emoção.
— Poderia ter feito isso em mim, como sempre faz.
Ela está tão perto, e a dor nos olhos dela me fere mais
profundamente do que a lâmina jamais poderia.
— Eu disse que não tocaria em você hoje. — murmuro.
— E alguma vez você realmente conseguiu ficar sem me tocar?
Solto um suspiro pesado.
— Não me toque, eu não quero te machucar. — Tento afastá-la a
qualquer custo.
— Não precisa me proteger de si. — ela sussurra e sua mão puxa a
minha até o banheiro, me deixo ser guiado atrás dela.
Ela me para em frente ao espelho e começa a tirar minha camisa.
Em silêncio, abre a gaveta e retira o kit médico, cuidando do ferimento com
uma dedicação que me desarma. Eu queria dizer que não precisava, impedir
que ela cuidasse de mim, não queria me sentir tão patético diante dela. Mas,
naquele momento, eu necessitava de seu toque mais do que qualquer coisa.
Pela manhã, talvez tivéssemos outra discussão, mas agora, eu era apenas
um homem cuidado por sua esposa, e isso bastava.
Capítulo 38

Isabella
É cedo quando saio de casa com Alice. Ela me pediu para
acompanhá-la em algumas compras, e eu aceitei, foi uma forma de me
arrastar do quarto e do estado lastimável em que eu me encontrava, porque
fisicamente eu poderia parecer bem, sorrir nunca foi difícil, mas por dentro
eu tinha um turbilhão de sentimentos para controlar. Fomos escoltadas por
dois carros, e Enzo estava como nosso segurança dentro do shopping.
Sentada em uma poltrona, me sirvo de uma xícara de cappuccino enquanto
espero minha cunhada experimentar os vestidos.
— Que tal este? — sua voz soa com um timbre animado de dentro
da cabine do provador, enquanto exibe um bonito vestido azul com amarras.
— Ficou lindo, eu levaria — respondo com um sorriso, levando a
xícara à boca.
Alice retorna ao provador para experimentar o próximo vestido, e eu
continuo aguardando, distraída pelas pessoas que passam pela loja.
De repente, sinto meu celular vibrar dentro da bolsa. Imaginando
que possa ser meu marido, procuro-o para atender. No entanto, ao ver o
número desconhecido na tela, hesito.
— Oi — atendo, levando o aparelho ao lado do rosto um pouco
desconfiada.
— Querida — a voz do outro lado faz meu estômago revirar, o
gosto doce do cappuccino subitamente se torna amargo. Meu instinto é
desligar imediatamente, fingir que não ouvi aquela voz, mas ele parece
prever meus pensamentos. — Não desligue, por favor — ele pede, com um
tom que me deixa inquieta.
— O que você quer? — olho ao redor, verificando se estou sozinha.
— Quero ver você, minha filha.
— Já disse, não sou sua filha! — meu tom é seco, ressentido. —
Ares vai rastrear essa ligação e vai encontrar você.
— Ele pode tentar, mas com certeza só encontrará uma localização
fantasma — ele ironiza com desdém. — Pelo visto, ele deve ter sido
bastante convincente ao contar a história sobre como engravidou outra
mulher?
Sinto o sangue do meu corpo fervilhar e queimar minha pele.
— Aquele exame é falso. Serena não está grávida dele — justifico,
tentando manter a calma, mas do outro lado da linha ouço apenas uma
risada desdenhosa.
— isso foi suficiente para acreditar na fidelidade do seu marido,
minha filha?
— Está tentando envenenar minha mente contra ele. — retruco.
— Você está escolhendo um péssimo lado, minha filha. Eu sou seu
pai, seu sangue. Você me deve lealdade.
Engulo em seco, e meu coração acelera.
— Acha mesmo que serei leal a você? — minha voz falha
levemente, cheia de desprezo. — Você é um homem sem escrúpulos, um ser
desprezível e nojento.
— Novamente, sua cabeça está cheia de mentiras. — ele insiste,
mas suas palavras não me atingem mais da mesma forma quando me
confrontou no meio da estrada, estou convicta de que ele merece ser morto.
— Não me ligue mais, não me procure mais. — digo ríspida, com
um movimento firme, aperto o botão e deslizo a ligação.
Meus dedos tremem ao segurar o celular. A adrenalina percorre meu
corpo enquanto tento acalmar minha respiração. Olho ao redor e volto a me
recompor
Alice sai do provador alguns minutos depois com um novo vestido, ela
franze a testa quando me vê.
— Está tudo bem? — ela pergunta, aproximando-se, seus olhos
atentos ao meu.
Tento sorrir, forçando os lábios a se curvarem, mas sei que o sorriso
não alcança meus olhos.
— Sim, só um telefonema indesejado — murmuro, guardando o
celular na bolsa, tentando afastar o peso daquela conversa. — Ah, eu gostei
tanto desse — volto minha atenção para seu vestido, e o elogio mudando de
assunto.
Alice sorri, e dá uma voltinha com o vestido no seu corpo.
— eu levaria todos os vestidos dessa loja, mas seria egoísmo, não
tenho espaço na mala para tanta roupa. — ela dá de ombros. — Vou me
trocar, pagar a conta e podemos ir almoçar, o que acha?
— É uma ótima ideia.
Quando Alice termina, saímos da loja, e Enzo nos acompanha em
silêncio, mantendo uma distância discreta. Vamos em direção à praça de
alimentação, onde Alice escolhe uma mesa perto das janelas grandes que
dão vista para avenida movimentada de carros.
Após chegar na mansão, optei descansar um pouco. Não sei se foi a
comida, mas algo me causou um mal-estar estranho. Normalmente, quando
me sinto tonta, é devido à pressão baixa, mas tenho me alimentado bem,
então não vejo motivo para minhas pernas estarem tão fracas e meu
estômago dolorido. Pensei que, após dormir um pouco, eu melhoraria, mas
ainda sinto meu corpo pesado e cansado. Resolvi tomar um banho de água
fria, na esperança de revigorar um pouco minhas energias.
Após o banho, fui até a janela e vi o carro de Ares chegando. Decidi
ir ao seu escritório. A porta estava entreaberta, então entrei sem bater. Ele
acabara de chegar e estava tirando o terno. Suas costas largas se viraram
quase de imediato para mim, e pude ver sua camisa social azul marcada por
uma mancha escura — sangue, eu identifiquei. Apesar do curativo que fiz
mais cedo, não pareceu ser o suficiente para parar o sangue. Ainda me custa
acreditar que ele foi capaz de se ferir intencionalmente, apenas para se
sentir melhor.
Fechei a porta atrás de mim e dei alguns passos em sua direção.
Quando estávamos próximos o suficiente para que eu ouvisse sua
respiração, coloquei minha mão sobre os botões da sua camisa para
desabotoá-los.
— Não precisa fazer isso. Já passei por coisas muito piores… — ele
me interrompeu, com voz rouca.
Imagino que sim. Provavelmente seu corpo já travou muitas
batalhas e pode até estar adormecido para a dor, mas isso não tranquiliza
meu coração idiota.
Empurrei levemente seu peito com uma das mãos e continuei
desabotoando a camisa.
— Esse é um dos meus papéis como esposa, e enquanto eu estiver
aqui, devo continuar os fazendo. — disse, como se tentasse convencer a nós
dois de que meu gesto não tinha nada a ver com o fato de que eu o amava, e
que o ver ferido me feria igualmente. — Você tem um kit médico aqui? Se
não tiver, posso buscar no quarto…
Ares apontou para uma gaveta em resposta. Afastei-me um pouco e
me abaixei para alcançá-la. Encontrei o kit e peguei tudo de que precisava
para fazer um novo curativo. Me viro para ele novamente o encontrando em
sua poltrona. Para ficar numa posição mais confortável e alcançar o
ferimento, acabei me sentando em seu colo.
— Saiu com Alice? — ele pergunta, puxando assunto. Já sabia a
resposta, mas parecia querer manter uma conversa comigo.
— Sim. — Respondi com simplicidade, enquanto trocava o
curativo. Ele não demonstra sentir dor alguma. Após terminar, levantei-me
de seu colo e ajeitei minhas roupas, colocando as mãos à frente do corpo.
Ele permaneceu sentado, com a camisa aberta, e eu contive a
vontade de continuar o tocando, eu não deveria sentir nada por ele, mais
ainda sim meu corpo me traia, fraquejava por querer consertar um homem
que não pode ser consertado.
— Bom… — limpei a garganta e o encarei. — Meu pai me ligou
hoje.
Imediatamente, a expressão dele se altera. Sua mandíbula trava, e
seu rosto se enche de raiva. A simples menção ao meu pai parecia dobrá-lo
de fúria.
— Ele disse que queria me ver — continuei.
— O que você disse? — Ares pergunta rapidamente, seus olhos
verdes fixam em mim procurando uma resposta.
— Para não me ligar novamente. — Respondo. — Se quiser posso
pegar meu celular e você manda Andreas rastrear de onde veio. — ofereço,
o que mais quero e que tudo isso acabe logo.
— Ele me ligou algumas vezes para fazer ameaças. Mas, é perda de
tempo tentar rastrear essas ligações, não chega a lugar nenhum — Ares
responde, ainda visivelmente irritado. — Ele ainda deve estar na cidade, se
quer te ver… talvez você devesse ir vê-lo.
Arregalei os olhos, surpresa.
— Você quer que eu vá vê-lo? — Cruzo meus braços sobre o corpo.
Seus olhos abandonam os meus por curto segundo.
— Não exatamente. — Meu cérebro sugeriu automaticamente o que
Ares estava tentando dizer.
— Planeja fazer uma armadilha para ele? — questiono, tentando ler
a expressão em seu rosto. Ares ergueu os olhos para mim novamente, e
pude ver o brilho frio em seu olhar. Ele sorriu de ladino.
— Exatamente. — confirma com um aceno de cabeça. — Se ele
quer tanto um encontro, podemos proporcionar isso a ele. Mas do meu jeito.
Suspiro pensativa.
— E se ele descobrir que é uma armadilha? Ele não seria idiota de
correr riscos. — contesto.
Ares se levantou da poltrona, pegando a camisa aberta pelos ombros
e a puxando lentamente para tirá-la por completo.
— Se ele perceber, lidaremos com isso. Estamos no nosso território,
temos a maior vantagem de todas. — ele afirma, mas não me deixo ser
completamente convencida.
— O que vai fazer se o pegar? — não sinto ressentimento pelo que
vai acontecer ao meu pai, por mais cruel que seja seu destino, ele procurou
por isso.
— Matá-lo, e você sabe disso.
Minha garganta fica seca
— Eu sei, e não vou me opor. Afinal, depois que meu pai morrer,
você terá tudo o que almejou. — murmuro.
Ele se aproxima em seus passos firmes e decididos até que seu
corpo esteja a poucos centímetros do meu. Meu olhar desce
involuntariamente para o peito dele, admirando seu abdômen, e quando
finalmente levanto meus olhos para seu rosto, sua expressão é sombria.
— Nem tudo — ele sussurra roucamente. — Você ainda não me deu
um filho.
Meu coração dispara, batendo rápido demais para que eu o
acompanhasse. Engoli em seco, tentando de forma inútil esconder o quanto
o assunto me afeta.
— Você deveria encontrar outro jeito de fazer herdeiros. —
respondo com um tom frio e afiado.
Ele deu um passo à frente, mas perto, sua presença preenchendo
todo o espaço entre nós. Seus olhos desenhando as curvas do meu corpo.
— Não tem outro jeito, E essa também é uma de suas obrigações. —
Meu corpo estremece sob a força de suas palavras. — Parou de tomar os
remédios, certo? — pergunta ao arquear uma sobrancelha.
Encarei-o, levantando o queixo num ato de ironia.
— Você os jogou fora, ou já esqueceu? — rebato amarga, sinto o
nervosismo apertar meu peito.
Ele sorriu de forma lenta e doentia, seus dedos subindo para tocar
meu queixo. O toque é leve, mas seu controle sobre mim é claro.
— Sei que você é esperta. Onde conseguiu aqueles, pode conseguir
mais — ele diz, a pressão em meu queixo aumenta o suficiente para me
lembrar de ele esta me tocando, mas não o suficiente para me causar dor. —
Mas saiba de uma coisa, Isabella, se eu descobrir que você continua
tomando esses remédios, posso acabar com essa união ‘agradável’ entre
nós. Eu te amarraria em uma cama e te foderia todos os dias até que você
estivesse cheia de mim… até que estivesse grávida. — ele solta uma
ameaça velada.
— Você seria tão misericordioso assim? — pergunto com um sorriso
frio, mordo meu lábio inferior levemente em uma provocação.
— Não há nada de misericordioso em estragar você, mas poderia
ser… divertido — ele murmura, seus lábios roçando os meus, mas sem se
entregarem ao beijo. — Não me teste, Isabella. Você só viu uma pequena
amostra do meu pior lado. Eu posso ser perverso o suficiente para te levar à
loucura.
— Me pressionar não vai adiantar. Acha que vou ceder às ameaças?
Se quiser algo de mim, vai ter que ser à força. E, pelo que já vimos, não
seria um problema para você me debruçar no chão e me tomar como um
animal, seria? — ele rosna contra meu pescoço, seu nariz roça minha
clavícula e preciso ter muito autocontrole para me manter com os pés no
chão.
Minha garganta seca, e uma onda de calor sobe pelo meu corpo. Era
errado. Eu sabia que era errado, mas, contra toda a razão, o desejo rastejava
por mim, e eu estava excitada.
Ele se aproxima ainda mais, até que nossas testas se toquem, nossos
narizes roçam um no outro, e a proximidade fez o ar entre nós, quase
desaparecer.
— É um pouco contraditório, não acha? — ele debocha, um sorriso
cruel dançando em seus lábios. — Me acusa desse jeito, mas é você quem
está molhada e louca para me ter entre suas pernas.
Meu rosto arde de vergonha, e dou um passo para trás
instintivamente, tentando fugir de sua presença. Mas antes que eu consiga
me afastar, seu braço envolve minha cintura com força, possessiva, e me
puxa de volta. Meu corpo se choca contra o dele, e minha mão acaba
repousando sobre o curativo recém-feito em seu peito, como se buscasse
um ponto de equilíbrio.
— Estou ficando cansado da sua rebeldia.
Minhas pernas, traidoras, se esfregam uma na outra, o atrito
delicioso me arrancando um gemido involuntário. Estou prestes a me perder
novamente. Eu sei que ceder a ele é uma traição, mais uma traição contra
mim mesma.
Sua mão desliza lentamente pela minha coxa, traçando um caminho
perigoso, subindo duas vezes antes de se enfiar por baixo da minha saia. Ele
está a prestes a expor o que tento esconder. Fecho os olhos, fazendo uma
súplica silenciosa, mas quando os abro, sinto tudo ao meu redor girar. Uma
tontura súbita me invade, e aperto seu braço em busca de apoio.
Ares, como se soubesse o que estava por vir, me pega no colo com
firmeza. Minhas pálpebras piscam algumas vezes, e seu rosto começa a se
desvanecer diante de mim, como se fosse a única coisa sólida que restava
no mundo. Meu corpo se transforma em algo mole e inerte, e, antes de tudo
escurecer, ainda ouço sua voz distante, chamando meu nome. Então, o
silêncio toma conta.
Capítulo 39

Ares
Seu rosto está pálido, e com ela em meus braços, atravesso o
corredor até o quarto.
— O que houve? — Alice pergunta atrás de mim. Não faço ideia de
onde ela surgiu, mas isso pouco importa agora.
— Ela desmaiou — respondo de forma seca e curta. Ouço os passos
dela logo atrás de mim, apressados. — Vocês passaram o dia juntas. Sabe se
ela se alimentou direito? — pergunto, sem desviar o olhar do corpo mole de
Isabella nos meus braços.
— Sim, almoçamos no shopping — Alice responde, apressando-se
para abrir a porta do quarto à minha frente.
Depósito Isabella delicadamente sobre à cama.
— Vou chamar um médico para examiná-la — digo, já pegando o
celular, mas Alice franze a testa, me olhando como se eu tivesse dito a coisa
mais absurda.
— Eu sou médica, Ares. Esqueceu disso? — ela diz, com um toque
de sarcasmo, mas sem perder a seriedade.
— Você não exerce sua profissão há bastante tempo. — retruco,
irritado. Não gosto da ideia de confiar nela.
Alice apenas dá de ombros, ignorando meu comentário, e começa a
verificar a pulsação de Isabella.
— Ela costuma desmaiar quando a pressão cai — comento, tentando
entender o que está acontecendo.
Alice se levanta da cama e vai até o banheiro, retornando com uma
toalha embebida em algo que não reconheço de imediato. Quando ela se
inclina para colocar a toalha no nariz de Isabella, algo em mim desperta, e
meu instinto assume o controle. Seguro seu pulso firme.
— O que você está fazendo? — questiono com um olhar duro.
— Ares, pelo amor de Deus! — ela resmunga, puxando o braço para
se soltar. — Isso é álcool, só estou tentando acordá-la.
Alice volta a aproximar a toalha embebida em álcool do rosto de
Isabella, enquanto eu fico ali, sem tirar os olhos dela, observando cada
movimento.
— Ela está reagindo — Alice comenta. A testa da minha esposa se
franze levemente.
Os cílios de Isabella tremulam. Então, lentamente, seus olhos
começam a se abrir. Sua respiração se torna mais regular, e eu solto um
suspiro aliviado. Seu olhar é confuso, ela leva as mãos à cabeça afastando
os cabelos, e se senta na cama.
— Você está bem? — me aproximo, preocupado, e toco seu rosto
suavemente.
— Foi só uma queda de pressão. — ela responde meio zonza.
— Pode até ser que foi só a pressão, mas desmaiar assim não é
normal, Isabella. — Alice diz. — Talvez você esteja sobrecarregada. Acho
melhor descansar um pouco. — Seu tom é gentil, mas não consegue me
passar confiança.
Ela caminha em direção à porta, pronta para sair, mas antes de
cruzá-la, se vira uma última vez.
— Se ela precisar de alguma coisa, é só me chamar. Ou, se preferir,
chama um médico, Ares. — Sua voz tem um toque de ironia que me
incomoda.
Faço um gesto afirmativo em resposta, deixando claro que entendi, e
então volto minha atenção para Isabella.
— Tem certeza de que está bem? Talvez fosse melhor fazer alguns
exames. — Examino o rosto da minha esposa, aliviado ao ver que a cor
começa a voltar à sua pele.
— Não tem necessidade. — ela insiste. — Eu estou bem. — sua voz
me dizia algo, mas a expressão no seu rosto era contraditória.
Respiro fundo, me levantando da cama. Só então percebo que
continuo sem camisa. Caminho até o closet para pegar uma, enquanto ela
permanece na cama. Visto-me rapidamente e volto para o quarto.
— Vou sair por algumas horas — aviso, sem rodeios. — Se precisar
de algo, é só ligar. Eu volto.
Ela solta um suspiro irritado.
— Não precisa fingir que se preocupa comigo.
É impressionante a sua petulância.
— Acha que estou fingindo me importar com você?
Ela revira os olhos, com um sorriso amargo nos lábios.
— Talvez se importe, sim, mas sabemos bem o porquê. Afinal, meu
corpo precisa estar saudável… para gerar seu filho.
As palavras dela, cheias de desgosto, me atingem como uma onda
fria.
— Você precisa parar de enxergar isso como um fardo.
— Como quer que eu enxergue tudo isso? Como se fosse parte de
algum sonho perfeito que eu compartilho com você?
— Cada vez que me trata como se eu tivesse forçado você, só
dificulta ainda mais.
— Mas não é exatamente isso que está fazendo? Me forçando a ter
um filho com você. — ela vocifera.
Solto um suspiro pesado, passando a mão pela têmpora.
— Talvez, se me desse o que eu quero, eu considerasse deixar você
ir — murmuro, medindo as palavras.
Ela ergue a voz em um tom afiado, a incredulidade estampada em
seu rosto.
— Está sugerindo que eu tenha um filho e depois o abandone com
você?
Em um movimento rápido, ela se levanta da cama e se aproxima de
mim, os olhos faiscando com raiva.
— Se é tão insuportável para você me dar um filho e continuar ao
meu lado, talvez essa seja mesmo a melhor solução.
Antes que eu tenha tempo de reagir, sua mão pequena se choca
contra meu rosto em um estalo seco. O impacto é rápido, mas o ardor fica.
Um sorriso escapa, quase involuntário, enquanto levo a mão ao rosto,
absorvendo a sensação.
— Eu nunca abandonaria um filho com você, entendeu? — ela grita.
Eu realmente deveria esperar outra reação dela? Não, claro que não.
— Você é formidável — Sorrio, incapaz de evitar.
Acabei de levar o primeiro tapa da minha vida e aqui estou, sorrindo
como um idiota.
— Tudo isso é sobre o que você quer, sobre o que é importante para
você, sobre sua ganância, sobre a porra do seu ego. Você já não tem poder
suficiente?
— É melhor você se deitar. — digo, tentando envolver sua cintura
para levá-la de volta à cama. — Você precisa descansar.
— Já disse que estou bem! — Ela se desvencilha do meu toque.
Respiro fundo, mantendo o meu tom firme.
— Apenas descanse, Isabella. Esse assunto já está encerrado. Não
quero mais discutir — digo. — Você vai gerar meu filho, quer você queira
ou não.
— Sabe o que é mais irônico? — ela diz com um rancor contido. —
Você quer tanto esse filho, que está disposto a esmagar tudo o que resta de
mim para consegui-lo.
Ela se afasta, indo até a janela e abraçando a si mesma, como se
estivesse tentando se proteger do que quer que restasse entre nós. Eu estava
a destruindo e eu sabia disso, sei que em minha ânsia por mais um pouco de
poder, eu estou a perdendo aos poucos, colocando barreiras entre nós dois.
Mas por que é tão difícil para ela me dar um filho? Para mim, não parece
um sacrifício tão grande…
Fico parado, observando-a de costas.
— Tudo o que eu queria era que não tivéssemos que estar em lados
opostos.
Dou um passo em direção à porta, para deixar o quarto, sem olhar
para trás.

Andreas havia finalmente conseguido rastrear uma transação de Don
Mário. Dessa vez, ele usou um laranja, para negociar. Eram outras crianças,
um grupo que, conforme nossos contatos indicaram, estava destinado a
algum comprador fora de nosso território. Ainda assim, não pretendíamos
permitir que esse caminhão escapasse.
Para interceptá-lo, posicionamos um dos nossos como infiltrado.
Sua missão é simples, desviar a rota do caminhão e direcioná-lo até o ponto
onde nossa equipe já estava preparada, para realizar o resgate.
Enquanto isso, eu esperava no orfanato, o lugar planejado para ser o
novo lar daquelas crianças. O local era modesto, um abrigo temporário ou
permanente. Algumas das primeiras crianças resgatadas haviam tido a sorte
de reencontrar suas famílias, mas muitas não puderam ser reunidas aos seus
lares: ou porque suas famílias jamais foram encontradas ou porque, essas
crianças recusaram-se a voltar, preferindo o abrigo do orfanato.
Um longo momento se passa depois que recebi uma mensagem de
Adryel confirmando que havia conseguido e estavam a caminho.
Quando o caminhão estacionou e as portas foram abertas, tive a
mesma sensação da primeira vez. As crianças estavam em um estado
deplorável. Muitas estavam sem roupas adequadas, outras com marcas
visíveis de negligência.
O cheiro de sujeira e fome impregnava o ar. Elas pareciam pequenos
animais apavorados, amontoados no baú do caminhão, os olhos arregalados
de medo e desconfiança. Mas, dessa vez, eu trouxe alguém que poderia
ajudá-las a se acalmar.
— Alec venha cá. — chamei, e o garoto apareceu logo atrás de
mim. Ele era uma visão completamente diferente do menino desnutrido que
resgatei meses atrás. Agora, sua pele tinha um tom saudável, seus cabelos
estavam bem penteados, e suas roupas limpas, impecáveis. Apesar disso,
Alec ainda era distante, frio como gelo. Falava pouco, e se mantinha
reservado. Convencê-lo a ajudar não foi fácil, ele só aceitou após eu insistir
que aquelas crianças precisavam de ajuda, assim como ele precisou um dia.
O garoto deu alguns passos à frente, seus olhos percorrendo o grupo
assustado de crianças.
— Eles não são pessoas ruins, vão ajudar vocês. — Sua voz é calma
e paciente. — Eu também fui sequestrado, e eles me ajudaram. —
continuou.
Uma das crianças, uma menina magra com o cabelo desgrenhado,
deu um pequeno passo à frente, ainda desconfiada. Ela segurava o braço de
um garoto menor, que tremia, provavelmente seu irmão mais novo. Alec
notou o movimento e fez um gesto leve com a cabeça, encorajando-os.
Eu já havia visto muita coisa, muita crueldade, mas isso… sempre
atingia um ponto sensível para mim. Resgatá-las não aliviava meus
pecados, eu continuo sendo um homem ruim, e perverso, e eu estava ciente
disso.
Alec continuava falando com os pequenos, e, finalmente, os mais
tímidos e assustados começaram a sair da traseira do caminhão.
Adryel se aproxima, observando a cena ao meu lado, com os braços
cruzados.
— O que vai fazer com elas?
Olho para ele por um momento, considerando as opções. Não havia
muitas. Elas precisariam de cuidados médicos, de comida, de um lugar
seguro, e, acima de tudo, de tempo. Tempo para superar o que passaram.
— Primeiro, vamos alimentá-los e cuidar de seus ferimentos.
Precisamos de médicos aqui. — respondi, passando a mão pelos cabelos —
Depois, veremos o que pode ser feito. Algumas vão voltar para suas
famílias, outras… bem, podem viver aqui como as outras.
Meu irmão assentiu, sem discutir.
Depois que todas as crianças estavam sendo cuidadas, eu saí para o
lado de fora, sentindo a necessidade de esfriar a cabeça. Fumar um cigarro
era um hábito que eu costumava recorrer quando estava nervoso.
Peguei um cigarro entre os dedos e o levei aos lábios, procurando o
isqueiro no bolso. Acendi com um clique rápido e dei uma tragada
profunda, o gosto amargo do tabaco acalma temporariamente meus
pensamentos agitados.
Ao longe, vi uma sombra embaixo de uma árvore. Mesmo na
penumbra, o cabelo e a postura rígida me deixaram saber de imediato que
era Alec. Caminhei na direção dele, com passos lentos, sem querer invadir
seu espaço de maneira abrupta.
— Porque não voltou para a sua família? — pergunto em tom baixo.
Ele sabia que eu estava ali, sua sombra se movia levemente no chão, mas
ele não se virou. Ficou imóvel, como se ponderasse a resposta ou decidisse
se queria falar.
Sua voz surgiu, disfarçada de indiferença.
— Não tenho família. Quando fui sequestrado eu morava na rua, E
sinceramente, aqui é bem melhor do que dormir em um pedaço de papelão.
Afastei o cigarro dos lábios, soprando a fumaça com calma,
enquanto digeria o que ele havia dito.
— Sabia para onde seriam levados? — Tento sondar, esperando que
ele possa ter alguma informação.
— Eles não falavam muito na nossa frente. Mas o que você acha
que fariam sequestrando crianças? Com certeza não seria nada de bom. —
Ele fala, dando de ombros. — Mas você já deve saber disso, não é? Afinal,
está à frente de tudo agora. — Alec é esperto demais para sua idade, algo
raro.
— Sei… Mas é melhor você não saber. — Concluo, encerrando o
assunto antes que ele vá mais fundo.
— Já ouvi bastante sobre o que acontece com crianças sequestradas.
— Sua sinceridade me pega de surpresa, como se já estivesse acostumado a
esse tipo de realidade.
— Tudo o que você ouviu é verdade, e pode até ser pior. —
Respondo.
Alec fica em silêncio por um momento, seu olhar vagando pelo
horizonte.
— Você vai pegar essas pessoas, não vai?
Eu suspiro, sentindo o peso da pergunta. Ele quer acreditar que
alguém pode trazer justiça a tudo isso.
— Eu não sou um herói, Alec. Só porque salvei vocês, não significa
que eu seja uma boa pessoa. — Minha confissão sai mais dura do que
pretendia, mas era a verdade.
— Eu sei. Só os homens maus conseguem fazer o que precisa ser
feito. — Ele responde com uma sabedoria crua.
Me pergunto, naquele instante, quanto da inocência dele foi
sacrificada para sobreviver nesse mundo.
Capítulo 40

Isabella
— Então esse é o plano? Forjar um encontro e pegá-lo? Não sei,
parece fácil demais. — Adryel resmunga, afundado em uma das poltronas.
Estávamos no porão. Eu precisava fazer uma ligação para meu pai e
marcar um encontro com ele. Tinha que demonstrar arrependimento,
mostrar que estava do lado dele e disposta a cooperar. Eu seria capaz de
fazer isso, não seria? Passei boa parte da vida sendo a garota obediente, me
reprimindo em tudo. Talvez eu conseguisse me sair bem nessa encenação.
— Eu sei, mas é uma boa oportunidade. Pense que ele estará no
nosso território, temos a vantagem. Mário sai raramente de seus
esconderijos, ele é mestre em se ocultar. Não teremos outra chance tão boa
assim. — Ares explica aos irmãos.
— Concordo, mas precisamos elaborar um plano sólido.
Obviamente, ele vai escolher um local que lhe dê alguma vantagem sobre
nós. — Andreas comenta. Ele era a mente estrategista do grupo, sempre
calculando os movimentos. Apesar de não gostar de violência, sua astúcia
era mortal.
— Agora é com você, Isabella. — Ares dirigiu-se a mim, sentado
à ponta da mesa. — Sabe o que precisa fazer, certo?
Assenti em silêncio, esticando a mão em direção ao celular sobre a
mesa. O aparelho estava tão frio quanto meus dedos.
Soltei um suspiro profundo e rolei a tela até encontrar o número
desconhecido. Havia uma pequena chance de que a ligação não fosse
atendida, mas decidi tentar. Olhei para os três homens na sala e apertei o
botão de chamar.
Foram necessários alguns toques até que uma voz grotesca surgisse
do outro lado.
— Querida? — A maneira como ele tentava me bajular era
repulsiva. Fiquei muda, incapaz de dizer qualquer coisa. Tudo que havia
ensaiado simplesmente desapareceu da minha mente.
Limpei a garganta, trocando um olhar com Ares, buscando algum
tipo de apoio.
— Oi, pai. — Chamá-lo de “pai” parecia uma humilhação, mas era
necessário. Eu precisava ser convincente. — Eu… eu preciso falar com
você. Eu errei. — Minha garganta se aperta. Ares fez um sinal, levando o
dedo aos lábios para que todos fizessem silêncio enquanto eu respirava. —
Meu marido não é quem eu pensei que fosse… — As palavras saíram com
dificuldade.
Do outro lado da linha, o silêncio se prolongou, como se ele
estivesse refletindo sobre o que eu acabara de dizer.
— O que ele fez para você mudar de ideia? Até pouco tempo, você o
defendia. Deveria desconfiar agora, não? — A pergunta me fez respirar
fundo, mas até isso havia sido ensaiado.
Mantive o controle do meu coração acelerado e continuei.
— Não posso falar por muito tempo, ou ele vai perceber. Mas posso
te contar tudo pessoalmente. — Digo em um sussurro, como se estivesse
realmente me escondendo.
Aprendi que uma mentira não basta ser contada, ela precisa ser
encenada. Então comecei a fingir um choro que nem eu sabia ser capaz de
produzir.
— Você vai voltar comigo para a La rosa nera? — Meu coração
gelou. Vi Ares ao meu lado esboçar um momento de raiva, mas o acalmei
com um olhar.
— Vou. — Respondi com firmeza.
— Fico feliz que esteja escolhendo o lado certo, minha filha. —
Engoli em seco. — Você consegue sair de casa?
— Sim. — respondo de imediato.
— Vou te passar um endereço, mas não anote. Apenas memorize,
vamos nos encontrar amanhã.
Tudo estava saindo como planejado.
— Ok — Respondo.
Nos segundos seguintes, anotei o endereço exatamente como ele
pediu para não fazer. Encerramos a ligação às pressas, como se alguém
estivesse prestes a chegar e eu precisasse desligar.
Entreguei o pedaço de papel a Ares. Minha parte estava feita.
— Acha que ele acreditou? — Adryel foi o primeiro a se pronunciar.
— Nossa cunhada é uma ótima atriz. — Andreas elogiou. — Agora,
posso elaborar um bom plano.
— Isabella conseguiu fazê-lo acreditar que está desesperada. Ele
gosta de se sentir no controle, de pensar que a filha finalmente se deu conta
de quem realmente precisa. — Ares deu um leve sorriso sarcástico.
Meu marido se aproxima, seus olhos verdes fixos nos meus. Pela
primeira vez, sinto que estou sendo útil da forma que ele sempre quis: como
uma arma contra meu pai. E aqui estou, traindo meu próprio sangue para
entregar o poder a ele.
Umedeço os lábios, tentando mudar de assunto.
— Vocês fizeram um resgate ontem? — pergunto, antes de chegar
eu ouvi eles falando sobre o assunto, e fiquei curiosa.
— Sim. — Andreas responde.
— Eram… — minha língua está presa. — Criança?
Ares balança a cabeça em resposta positivamente. Eu engulo em
seco.
— Essa organização que sequestra crianças não está ligada apenas
ao seu pai. Ele parece ser apenas um peão. Embora as crianças sejam
levadas para o território dele, há mais pessoas envolvidas, pessoas da alta
sociedade. — Ares diz.
Franzo a testa. “Pessoas da alta sociedade” significa gente com
poder e dinheiro.
— Temos uma lista de suspeitos. Estamos investigando. — Andreas
explica.
— Enquanto isso, mais crianças são raptadas… — murmuro,
sentindo um nó no estômago.
— Infelizmente, não temos controle sobre isso. Salvamos vidas
ontem, mas eles continuam operando. Pelo que sabemos, essas atrocidades
acontecem desde o tempo do nosso pai. — Andreas continua. — Mas só
recentemente conseguimos descobrir.
Meu coração aperta.
— Vocês precisam acabar com isso. — atraio a atenção deles para
mim.
— Não somos mocinhos, Isabella. Nossas almas estão tão
condenadas quanto as deles. — Ares retruca com um tom frio.
— Sei que vocês não são bons homens, mais do que ninguém eu sei
disso. Mas, já que estão envolvidos, por que não continuar? — Olho para
cada um deles. — Vocês vão simplesmente matar meu pai e deixar o resto
impune?
Eles trocam olhares silenciosos, como se eu estivesse propondo algo
impensável.
— O plano sempre foi esse. — Ares responde, com a mesma
expressão inexpressiva. — O que aconteceu para chegarmos aqui foi um
contratempo. Mesmo que consigamos encontrar todos os culpados, seria
arriscado sair por aí eliminando governadores e presidentes. Não sabemos
quem está envolvido, Isabella.
— Mas vão descobrir. Não finja que você segue regras, porque você
não segue. — Minha voz se eleva, e só então percebo que estou o
confrontando na frente dos irmãos. — Você pode matar quem quiser. —
Minhas mãos batem contra a mesa em um gesto frustrado.
Vejo um sorriso surgir nos lábios do meu marido enquanto ele cruza
os braços. Andreas e Adryel me olham como se eu tivesse perdido a cabeça.
— Não é tão simples quanto parece. — Ares responde, com a calma
que só ele consegue manter.
— Ele tem razão, Bel. Matar pessoas do nosso meio é uma coisa,
mas pessoas da alta sociedade são outra história. Há investigações,
manchetes nos jornais. Não podemos arriscar envolver a máfia nisso. —
Andreas defende o irmão.
— Vocês falam como se já não comprassem a polícia, o governo…
como se já não tivessem o mundo nas mãos. Vocês podem fazer qualquer
coisa, apenas não querem se envolver. — Retruco, irritada. — Essa causa
não é de vocês, claro, não são seus filhos sendo raptados. Mas e se fossem?
Não estou pedindo que sejam heróis e salvem o mundo, só que acabem com
esse ciclo de merda.
— Eu concordo com ela. — Adryel se manifesta ao meu favor.
— Claro que concorda. Qualquer coisa que envolva matar, você
apoia, idiota. — Andreas reprime o irmão, e Adryel apenas revira os olhos,
dando de ombros.
— Primeiro, pegamos seu pai. Depois decidimos o que fazer com os
nomes que temos. — Ares declara, encerrando a discussão.

A porta range ao ser fechada, e tudo fica imerso em escuridão. Um
grito baixo e suplicante ecoa no ambiente, pedindo ajuda. Fico
momentaneamente confusa, mas, quando as luzes se acendem, a cena se
revela com clareza, um homem está amarrado a uma cadeira, com sangue
escorrendo pelo rosto e corpo. Seus olhos estão inchados, quase saltando
das órbitas, e parte de suas orelhas e dedos foi arrancada. Meu estômago
ameaça se revirar, mas me esforço para me manter firme. Preciso ser forte.
O cheiro pútrido enche o ambiente, mas tento ignorá-lo, focando apenas no
que devo fazer.
— Escolha uma arma. — A voz masculina atrás de mim soa
vibrante, autoritária e fria, fazendo meu corpo reagir de imediato.
Evito olhar para frente e arrasto os pés até a grande parede onde as
armas estão dispostas. Há várias opções, mas meus dedos deslizam por elas
até se fixarem em um revólver com cabo de madeira e uma roleta para as
balas.
A adaga que ganhei antes sempre me pareceu eficiente, mas, desta
vez, quero algo mais letal à distância. Ares tem me treinado desde aquele
dia na floresta. Eu poderia ter acertado um alvo por sorte ou por teimosia,
mas agora a situação é diferente. Não estou mirando em um coelho ou em
um alvo pintado de vermelho. Estou prestes a atirar em um homem — ou
no que restou dele.
— Posso escolher essa? — pergunto, olhando por cima do ombro e
apontando para o revólver.
Ares faz um leve aceno de cabeça. Pego a arma e a entrego a ele,
que a recarrega antes de me devolver.
— Quem ele é? — questiono, mesmo sabendo que a identidade da
minha vítima não mudará o resultado.
— Ele estava transportando as primeiras crianças que encontramos.
O outro morreu no primeiro dia, mas esse serviu como brinquedo para
Adryel. Como você pode ver, ele é um tanto psicopata.
— Ele mutila corpos, você arranca cabeças. Vocês são muito
diferentes. — corrigi com sarcasmo.
Volto meus olhos para o homem amarrado à minha frente, seu corpo
ensanguentado e desfigurado.
— Não precisa fazer isso se não quiser. Sua mira já é boa sem
precisar matar. — Ares diz.
— Já matei um homem com minhas mãos. Usar uma arma não torna
isso mais difícil, Ares. E, de qualquer forma, isso parece mais real do que
aqueles bonecos horríveis em que você me faz treinar. — Respondo ríspida.
Ele ri suavemente e dá um passo para ficar ao meu lado. Mirar na
cabeça deformada daquele homem é horrível, ainda mais com seus olhos
saltados, fixos em mim. Sua respiração é fraca, irregular, cada vez que seu
peito sobe e desce. Ele quase não tem forças para falar, a voz arranhando
sua garganta enquanto implora por clemência. Quantas vidas ele já
destruiu? Imaginar o número é aterrador, e é isso que penso antes de
levantar a arma e mirar em sua testa.
Ares se posiciona atrás de mim, ajustando levemente o revólver em
minhas mãos. Seu toque é firme, mas, ao mesmo tempo oferece algum tipo
de apoio silencioso. Respiro profundamente e aperto o gatilho. Nada
acontece. Apenas o som seco de um clique ecoa pelo porão.
— Só havia uma bala. — Ares explica com um sorriso cruel.
Ele queria prolongar o sofrimento da vítima, amplificando sua
agonia antes do golpe final. Tento mais uma vez, e novamente nada. O suor
escorre pela minha testa, mas não por nervosismo. O cheiro de carne em
decomposição está fazendo meu estômago embrulhar.
Na terceira tentativa, ainda não há cheiro de pólvora.
— Só mais uma vez. — A voz soa atrás de mim como a própria
morte.
Puxo todo o ar que consigo dos pulmões e aperto o gatilho
novamente. Desta vez, o tiro finalmente sai. Vejo em câmera lenta a bala
atravessando o ar até atingir o homem. Seu corpo se sacode com o impacto,
mas as cordas que o prendem impedem que ele desmorone
A sensação de ter gostado daquilo me fazia questionar se eu
realmente era, como Ares dizia, uma mulher cruel, uma Lilith, um demônio
que se alimentava do caos. Quando matei pela primeira vez, senti como se
algo sombrio e ancestral dentro de mim finalmente encontrasse sustento,
saciando a fome da minha alma. E agora, ao fazer isso pela segunda vez, a
satisfação que me invade é ainda mais intensa, quase como se eu estivesse
preenchendo uma parte de mim que nunca soube existir.
— Ele está morto. — As palavras escapam dos meus lábios de
forma automática, como se estivesse falando de algo trivial, uma tarefa
completada com sucesso.
— Está. — Ares confirma, com um tom que mistura aprovação e
admiração. — Foi um bom tiro.
Ele elogia, e eu sorrio.
Deixo o porão incapaz de suportar o cheiro por mais tempo. Subo as
escadas quase correndo, tropeçando nos próprios pés. No banheiro, me
debruço sobre a privada e vomito com tanta força que parece que estou
queimando por dentro. Meu estômago dói a cada espasmo, e me sinto
miserável e nojenta.
Quando finalmente me recupero, escoro-me na parede e fico parada
por alguns minutos.
Queria saber o que aconteceu comigo mesma, com a garota que eu
era há meses atrás, me questiono quando me transformei nessa pessoa, que
agora vejo no reflexo. Estou destruída, isso é claro para mim, uma versão
de mim mesma remendada às pressas, com os cacos colados de qualquer
jeito, mal encaixados. E, apesar de tudo, não sinto falta da garota que eu
era.
Capítulo 41

Isabella
No banho, com o barulho da água abafando os sons ao redor, penso
ter ouvido um ruído na porta do quarto. Talvez seja só minha imaginação, já
que o som da água não me deixa escutar claramente. Ignoro meus instintos
e continuo o banho, tentando racionalizar. A única pessoa que entraria no
quarto seria Ares, mas ele saiu para encontrar meu pai hoje pela manhã,
então não fazia sentido.
Após terminar, procuro algo para vestir no closet. Escolho um
vestido com amarras nos ombros, me visto e vou até a varanda do quarto,
onde começo a ler um de meus novos livros, um tempo depois vejo um
carro entrando pelos portões. Um alívio involuntário me invade. Saio do
quarto em direção às escadas da sala.
A porta da frente se abre com um estrondo bruto. Meu corpo
imediatamente percebe que algo está errado. O sorriso de alívio desaparece
do meu rosto assim que vejo Ares entrar. Seu rosto carrega uma expressão
que conheço bem, fria e impiedosa. Antes que eu consiga dizer qualquer
coisa, ele avança com passos rápidos e, sem aviso, agarra meu cabelo com
força, curvando minha cabeça de dor.
— Sua maldita traidora. — As palavras dele cortam o ar, atingindo-
me como um golpe.
— Do que você está falando? — pergunto, forçando-me a manter o
olhar nele, tentando decifrar o motivo por trás de tanta agressividade.
— Você me traiu. — A afirmação sai em um rosnado, os dentes
cerrados, como se as palavras fossem difíceis de conter.
— Não seja louco, me solte. Não faço a menor ideia do que você
está falando. — protesto, mas a resposta apenas parece alimentar sua fúria.
Ele me solta com uma brusquidão que me faz cambalear, e é preciso
buscar equilíbrio para não cair. Meu couro cabeludo arde onde ele segurou,
e uma leve tontura me toma.
— Você avisou a ele que eu iria!
Engulo em seco e encaro o verde intenso de seus olhos, procurando
uma faísca de razão, uma explicação, mas só encontro o reflexo da sua
raiva.
— Você está agindo como um louco, eu sequer sei do que está
falando! — esbravejo, batendo meus pés no chão de porcelana, tentando
afirmar minha própria indignação.
Ele ri, mas é um riso amargo, cheio de desprezo, e a frieza em sua
expressão deixa claro que seu lado mais sombrio assumiu o controle. Sem
dar qualquer explicação, Ares agarra meu braço e começa a me arrastar para
as escadas, ignorando meus protestos.
— Para de me puxar! — tento soltar meu braço, mas seu aperto é
firme, intransigente.
— Cale a boca! — ele explode com uma violência que me faz
encolher, mesmo contra minha vontade.
Quando chegamos ao quarto que dividimos, ele me empurra para
dentro e me joga na cama com um descaso que me tira o fôlego.
— Onde está o seu celular? — Ele exige, abruptamente, os olhos
percorrendo o quarto como se pudessem encontrar o que procura pelo puro
desejo. — Onde porra? — A voz dele descontrolada faz cada célula do meu
corpo estremecer.
A raiva distorce suas feições, as veias do pescoço pulsando, os olhos
perfurando os meus.
— Na cômoda. — Minha voz sai num sussurro, tudo que consigo
dizer.
Ele se move em um instante, avançando como uma fera, agarrando o
celular. Sem perder tempo, desbloqueia o aparelho e começa a mexer
freneticamente, seus dedos deslizam pela tela com precisão.
— Falou com o seu pai hoje? — A pergunta vem com um tom
gélido, mas carregado de expectativa, como se já soubesse a resposta.
— Não. — nego, ajeitando-me melhor na cama, para manter a
postura firme. — A última vez que falei com ele, você estava presente.
Ares para de mexer no celular, e, por um momento, tudo no quarto
parece congelar. Sua mandíbula se contrai, os olhos escurecem como uma
tempestade escura, tudo fica em silêncio, e o peso desse silêncio é opressor,
me congelando por dentro.
— Você é uma desgraçada mentirosa, Isabella! — ouço seu
grunhido ameaçador.
Ele exibe a tela do celular para mim. Meus olhos piscam algumas
vezes, o choque me atingindo em ondas, enquanto tento processar o que
vejo ali, buscando uma explicação para todas aquelas mensagens. Aquele
era o meu celular, mas aquelas mensagens não eram minhas, eu não havia
mandando aquilo.
— Eu… — Minha voz falha ao sair, ardendo pela garganta. — Ares,
eu não mandei essas mensagens. — Levanto-me da cama.
Ele avança, encurtando a distância entre nós, tão próximo que
consigo sentir seu cheiro.
— Como pude ser tão tolo a ponto de acreditar que você realmente
ficaria ao meu lado? Como consegui ser cegado por esses olhos que agora
vejo como traiçoeiros? — Ele inclina o rosto sobre o meu, a respiração
quente batendo em meu rosto. — Você me apunhalou pelas costas!
— Eu não o trai. Não contei a ele seu plano, nunca faria isso.—
Tento manter a calma, mas minha voz está tremendo,
Ele ri, mas é um riso amargo, sem alegria, e as veias em seu pescoço
pulsam com a intensidade da sua raiva.
— Nunca faria? E essas mensagens? O que mais você esconde de
mim Isabella? — Meu coração acelera diante de sua acusação.
— Você precisa acreditar em mim! — insisto.
— Como posso acreditar em você, quando as provas estão bem na
minha frente? — Ele ergue o celular, o visor brilhando com as mensagens
que eu nunca enviei.
— Alguém pode ter acessado o meu celular, Hackeado, não sei…
Eu não mandei essas mensagens.
— Pare de me mentir! — Ares grita, seus olhos se fechando
rapidamente, como se estivesse tentando controlar sua raiva. — Enzo está
morto por sua culpa.
As palavras dele me atingem, e um vazio profundo se instala em
meu peito. Abro a boca para protestar, mas nenhum som sai; meu corpo fica
petrificado, sem reação.
— Você está brincando, não está? — pergunto, incrédula.
— Como consegue ser tão falsa? — Ares me observa com desprezo,
sua mão segura meu rosto entre os dedos. O aperto é forte, mas não chega a
ser doloroso. Sinto o chão sumir sob meus pés, meu coração dispara e
minha garganta seca.
— Você é filha dele, e tem sangue daquele merda… em algum
momento isso iria acontecer… você iria me mostrar sua verdadeira face. —
ele ri ironicamente e pressiona com mais força meu rosto.
— Eu já disse que não fiz nada! — grito de volta.
— Não abra mais essa boca! — ele rosna.
Sua expressão endurece novamente, e ele me joga de volta na cama
com força. Eu caio, ofegante, com a garganta em chamas, tentando
recuperar o fôlego.
— Há quanto tempo você anda passando informações para ele? —
eu o encaro um pouco tonta.
— Porque eu deveria responder. — digo, entre suspiros pesados. —
Você já decidiu no que quer acreditar, então o que a minha palavra valeria
para você?
Eu sinto tudo dentro de mim se desmontando, caindo aos pedaços.
Eu sei que meu marido ainda está diante de mim, mesmo que agora não
consiga reconhecê-lo. Não adianta o que eu fale, o que eu tente argumentar
ou provar, ele está cego de raiva.
Espero pela sua resposta, mas ela não vem, Sua mão passa pelos
cabelos negros e ele larga um suspiro, com alguns passos Ares deixa o
quarto, a porta se fecha com um estrondo, ele me deixa sozinha, sufocada
pelas acusações e pelo vazio que ele deixou para trás, mas o que me
surpreende é o barulho da chave da porta sendo trancada, eu imediatamente
bato meus punhos contra a madeira, mas eu não ouço nada do outro lado,
exceto o som de passos de sapato se afastando aos poucos.

Ares
Horas antes
Todos estavam em seus devidos lugares, cada movimento
meticulosamente planejado. Mário havia escolhido um ponto com pouca
movimentação, mas isso não nos dava garantias. Precisávamos ser rápidos e
precisos, ainda mais com dois atiradores posicionados estrategicamente e
soldados disfarçados rondando o perímetro. Eu aguardava no local
combinado. Foi quando meu celular vibrou.
— Olá, querido genro — a voz zombeteira me fez congelar no lugar.
Meus punhos se fecham instantaneamente. — Desculpe não poder
comparecer ao nosso encontro. Minha filha me avisou que você viria no
lugar dela, mas deixei uma lembrancinha no seu carro.
O sangue ferve nas minhas veias.
— Que merda você fez, seu desgraçado? — exijo, mas ele apenas ri,
um riso debochado, antes de encerrar a ligação.
Corro até meus irmãos, que estavam um pouco distantes.
— Tem alguma coisa no meu carro! — Soltei as palavras com
urgência.
Adryel, vira-se para mim.
— Como assim?
— Don Mário me ligou. Ele sabia que nós viríamos. — eu respondo.
— ele colocou alguma coisa no meu carro.
— Merda! — Andreas murmura tombando a cabeça para trás em
frustração. — Será que tem uma bomba no seu carro? — meu irmão faz
uma suposição.
Deslizo os dedos pela tela do meu celular até encontrar o número de
Enzo. Ele atendeu no primeiro toque, sempre atento, sempre leal, como um
bom soldado.
— Afaste-se do carro! — grito, emitindo uma ordem firme. — Pode
haver uma bomba aí!
Enzo solta um suspiro.
— Eu vou verificar — responde com um tom tão calmo que parece
não entender a gravidade da situação.
— Não quero que você verifique nada! Apenas saia do carro, isso é
uma ordem! — falo, com impaciência.
Um minuto se passa e eu ainda não ouço nada do outro lado da
linha.
— Está me ouvindo, Enzo? SAIA DA PORRA DO CARRO! —
reforço com urgência.
— Está embaixo do carro, chefe. — ele informa, sua voz ainda
incrivelmente despreocupada.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Dois minutos — sua resposta é rápida.
Dois minutos? Não daria para fazer nada, além de assistir.
— Saia de perto desse veículo agora! Eu não vou repetir! — ordeno,
tentando manter a calma, mas a urgência me trai.
— Tem outros carros aqui, tem civis… — ele responde.
A raiva e o desespero começam a me tomar aos poucos.
— Grite para eles saírem daí, inferno! — ordeno.
— Elas não teriam tempo — ele responde com um suspiro tranquilo.
— Eu vou tirar o carro daqui.
Ouço o som do motor do carro rugindo.
— O que você vai fazer? — pergunto, já conhecendo a resposta,
mas me recusando a aceitá-la.
O celular fica em silêncio. Ele desligou.
Corro o mais rápido que posso, mas parece que minhas pernas não
conseguiam ir mais depressa.
Então, eu ouço o som da explosão. Enzo acelerou o carro, jogando-o
da ponte antes que pudesse explodir por completo. O veículo explodiu no
ar, uma bola de fogo e metal retorcido, e quando caiu na água, foi engolido,
afundando com tudo.
Fiquei paralisado sem reação. Enzo tinha se sacrificado. Ele sabia
que não havia outra opção, sabia que, se ficasse, mais pessoas iriam morrer.
E, tomou a decisão que eu nunca teria coragem de ordenar a ele.
Senti uma onda de culpa me invadir. Aquela armadilha era para
mim, aquele destino era meu.
Adryel se aproxima sem fôlego, também deve ter corrido para
chegar até aqui, sua expressão não é melhor que a minha, choque e raiva se
misturam, Andreas veio logo seu rosto está pálido.
— Ele sabia — eu murmuro ainda encarando o local onde o carro
havia desaparecido. — Mário sabia de tudo. — Passo a mão pela testa
impaciente, fui criado para que sentimentos não me afetassem, mas era
impossível evitar querer sangue em minhas mãos agora.
— Mas como ele soube? — Andreas pergunta limpando a garganta.
O peso da verdade caiu sobre mim, as palavras que eu não queria
dizer, mas que já estavam claras demais para serem ignoradas.
— Isabella… foi ela quem contou. — Meu peito dói ao admitir
aquilo, o que eu mais temia aconteceu, a mulher que ganhou minha
confiança com uma adaga, me apunhalou com a mesma.
Andreas me encarou junto a Adryel, ambos surpresos com a minha
revelação.
Respiro fundo e assumo o controle da situação.
— Verifiquem os carros, o perímetro, qualquer movimentação
suspeita. Eu vou voltar para casa. Preciso de respostas, tentem tirar o carro
da água, Enzo merece ser enterrado com dignidade. — Maneio a cabeça
para a água, fazendo uma referência, que ele sempre me fazia.
Capítulo 42

Isabella
Enquanto a noite cai, aproximei-me da varanda e observei o jardim,
que parecia mais sereno com o entardecer. De repente, um som suave
chamou minha atenção: a porta do quarto se movia, sinal de que alguém
estava entrando. Meu marido.
Dou alguns passos para dentro do quarto, e o vejo, sua raiva ainda
está ali, estampada no seu rosto, suas roupas estão amarrotadas, e o cheiro
de embriaguez rapidamente vem até mim, seus cabelos tão bagunçados, e
seus olhos sem nenhum brilho, cruzo meus braços por cima do peito, e o
encaro.
— O que você quer de mim agora? Veio se deitar com uma traidora?
— provoquei, erguendo o queixo e sustentando seu olhar.
Ares se aproxima, e me puxa pela cintura, seus dedos me apertam
tão forte que poderiam deixar marcas através do tecido de minha camisola.
— Infelizmente, meu pau não tem ressentimentos, querida esposa.
— Engoli em seco sua resposta.
O tecido preto e fino da minha camisola roça contra o peito dele.
Estar em seus braços sempre me deixa à beira da insanidade, mas eu me
forçava a resistir aos desejos. Seu corpo se afastou, e por um momento
pensei que ele tivesse desistido, mas ele se virou novamente, pegando-me
pela cintura e me jogando sobre o ombro sem qualquer gentileza. Sacudi-
me em protesto, chutando na tentativa de me soltar.
— É melhor ficar quietinha. — Um tapa. Sua mão acertou minha
bunda com força, mesmo através do tecido fino.
Obedeci, por instinto, por submissão, porque meu corpo respondia
às suas ordens.
Deixei-me ser levada. Descemos ao porão, o cheiro metálico de
sangue enche o ar. O enjoo e a posição desconfortável pioraram a situação.
Respirei fundo várias vezes enquanto ele caminhava em direção a uma
porta e, ao abri-la, me soltou no chão frio. Abracei meu corpo, mais por
vergonha do que pela exposição, sentindo-me molhada e humilhada diante
da situação.
Ouvi o som da chave girando na fechadura, e o tilintar dela sendo
guardada no bolso dele. Observei seus movimentos, atenta.
— Tira sua roupa. — Sua voz permaneceu calma, mas o que me
assustava de verdade era seu olhar: frio, cruel, com um sorriso que me
arrepiava. Recuo para o canto da sala.
— Se queria me usar, não precisava me tirar do quarto — murmurei,
e só então percebi o ambiente ao meu redor. Pouca luz, a sala quente, mas o
que mais chamou minha atenção foi a lareira acesa, e um pequeno objeto
repousando entre as chamas. A curiosidade me fez dar um passo à frente.
Um calafrio tomou meu corpo. Era um ferrete prateado, com suas
iniciais. Ele iria usar aquilo em mim?
Virei-me para encará-lo, buscando decifrar sua expressão, mas ele
era vazio, frio, impenetrável.
— Você não vai… — Minha boca seca, minha voz sumiu. O
silêncio vindo dele era ensurdecedor. Eu queria que ele negasse, mas seu
olhar me dava todas as respostas. — Se acha que sou uma traidora, por que
não me mata e acaba logo com isso? — minha voz saiu fraca, desesperada.
Ele se aproximou lentamente, sua sombra parecia engolir o espaço
ao meu redor, seu tamanho me esmagava.
— Porque você fodeu a minha cabeça. Não suportaria te perder…
mas preciso te punir. — Sua voz reverberou em cada célula do meu corpo.
Ares estava tão próximo que eu podia sentir o calor emanando de
seu corpo, mas era o frio de suas palavras que me paralisava. Sua presença
era avassaladora, dominadora.
— Está me punindo por ser filha do seu inimigo ou por acreditar que
te traí? — Minhas mãos deslizam lentamente pela sua camisa, sentindo
cada linha do tecido enquanto tento quebrar a distância entre nós.
Ele me encara profundamente, como se procurasse respostas dentro
de mim, respostas que talvez nem eu saiba.
— Eu acho que você tem razão. — suas palavras saem amargas,
mais para si do que para mim. Ele suspira, e sinto o calor de sua respiração
contra meus cabelos. — Não deveria ter me casado com você — Ele
sussurra, cruel, rente ao meu ouvido.
Me pergunto o quanto ele bebeu… provavelmente muito.
— Pena você ter percebido isso tão tarde, não é, Ares? — Zombo
mesmo que minhas emoções estejam à beira do colapso. — Não vou
implorar pelo seu perdão, nem me ajoelhar. Você sabe que eu jamais me
rebaixaria a qualquer homem, nem mesmo a você.
Minha respiração se acelera, mas me mantenho imóvel, olhos fixos
nos dele, seu corpo me joga sobre a parede enquanto ele me aperta contra
seu corpo, duro e ríspido.
— Tire logo essa maldita camisola, ou eu mesmo farei isso. — Sua
voz roça meu rosto, os olhos fixos em mim, cruéis e impiedosos.
Esse não é o homem que conheço. Não pode ser. Ele era o meu
cuidador, meu amor, o homem que dizia me proteger. Agora, a outra face se
revela: um demônio sem chifres ou cauda, um monstro que se alimenta de
dor e medo. Um devorador de almas e pecados. Mas eu não sinto mais
medo dele, não como da primeira vez que ele apertou minha garganta, me
roubando o ar. Não temo o que ele possa fazer comigo agora. Não vou lutar.
Não porque não posso, mas porque sei o que vem depois: ele rastejando por
perdão, destruído pela culpa.
— Você vai se odiar por isso. — Minha voz sai baixa, embargada,
cheia de tristeza.
— Você sabe que tem que ser assim. — Sua voz é diferente desta
vez, rouca, animalesca, quase como se ele estivesse se alimentando do meu
desespero. — Você precisa lidar com as consequências da sua traição. —
Um sorriso cruel e triunfante se espalha em seu rosto. Seus olhos brilham
com malícia.
Um dedo desliza sobre meus lábios. Ele é meu marido, e, ao mesmo
tempo não é…
— Vai me punir de novo?
— Sabe que sim… e você gosta de cada uma das minhas punições.
Ser enforcada com um cinto não está entre seus fetiches, minha adorável
esposa? — Um arrepio percorre minha espinha. — E agora vou ter que te
punir de novo… vou marcar a sua pele de um jeito que nunca poderá me
arrancar de você.
Suas mãos agarram minha camisola, rasgando-a com uma
brutalidade que me arranca um grito. O contato de suas mãos nos meus
seios é dolorido, e eu faço uma careta. Faz três dias que ele não me toca, e
mesmo assim, aqui estou, sentindo desejo, um desejo que me envergonha.
Ele me puxa com força, me colocando de joelhos diante da lareira.
Estou nua, exposta, vulnerável. Sua língua desliza sobre a borda da minha
calcinha, e minhas mãos se apoiam no chão frio, minhas unhas arranhando
o piso enquanto meu corpo traidor responde. Minha pele formiga, meus
seios endurecem e minha carne pulsa, quente e necessitada. Algo em mim
deseja o que ele vai fazer. É errado, mas também fascinante, cruel e, ao
mesmo tempo sedutor.
— Como você pode estar excitada sabendo o que eu farei com você,
sua putinha suja? — Suas palavras me atingem como um chicote, e meus
dedos dos pés se curvam, meus joelhos se afastam no chão duro, queimando
e doendo.
Minha respiração se acelera. Suas mãos forçam meu quadril para
cima, me deixando em uma posição humilhante, enquanto meu corpo,
traidor, continua desejando cada toque, cada migalha que ele possa me dar.
Sinto sua respiração quente entre minhas nádegas, seu nariz roçando
contra minha pele exposta, explorando cada centímetro vulnerável de mim.
— Vou tomar tudo de você. — Sua voz é um sussurro áspero junto a
uma promessa. — você vai gritar, e eu vou adorar ouvir.
De repente, uma mordida. Seus dentes se cravam em minha carne
como os de um predador faminto, arrancando de mim um arrepio que
sacode meu corpo por completo, misturando dor e prazer.
— Termine logo com isso. Tome o que quer, me leve a loucura, me
faça perder a sanidade. — Minha voz é um desafio velado, uma
provocação.
Outra mordida, mais forte, quase brutal. Sinto os dentes dele fundo,
rasgando minha pele, e a dor pulsa junto a minha boceta. Ele está gostando,
assim como eu. Mas, ao contrário dele, não posso admitir essa verdade: que
talvez eu deseje essa violência, essa punição.
O calor do seu corpo se afasta por um momento, e continuo de
quatro, cotovelos e joelhos firmes contra o chão frio. Ouço o som pesado de
correntes se arrastando, cada elo metálico batendo no chão reverbera dentro
de mim, como um aviso sombrio.
Meus instintos se acendem. Em um movimento rápido, ele surge
diante de mim. Meus olhos caem sobre suas mãos — uma coleira de couro
negro, com uma corrente enrolada firmemente em seu punho. Ela não tem
meu nome, mas sei que me pertence.
Ele abre a coleira e a prende em meu pescoço. Não está apertada.
Não é essa a intenção. Pelo sorriso sádico que brinca em seus lábios, sei que
ele está apenas começando.
Respiro fundo, tentando encher meus pulmões, mas logo sinto o
puxão forte na corrente, me obrigando a erguer o corpo. Seus olhos, escuros
e cruéis, me encaram como os de um demônio que acaba de abrir as portas
do inferno. Por um instante, sua mão acaricia meu rosto com uma suavidade
inesperada, quase terna. Mas quando viro o rosto em um gesto desafiador, o
toque desaparece.
Ouço o zíper de sua calça sendo aberto lentamente. Meus olhos
seguem o movimento, até que seu membro duro e pulsante salta da cueca, a
ponta já brilhando de excitação.
— Abra a boca. — Sua ordem é curta, direta.
Obedeço, abrindo os lábios. Ele entra de forma bruta, preenchendo
minha boca com tanta força que me falta o ar. Minhas mãos, trêmulas,
buscam apoio e se agarram aos seus joelhos.
Ele queria que eu fosse submissa, uma “boa esposa”. Mas ele se
casou com a mulher errada. Cravo meus dentes em sua pele sensível,
sentindo-o estremecer. O rosnado que escapa de seus lábios é um misto de
dor e prazer, enquanto seu corpo tensiona em resposta, Seu punho aperta a
corrente com força, e o puxão na coleira me faz levantar o rosto. No
instante em que meus olhos encontram os dele, capto a fúria ardente em seu
olhar.
Ele se inclina sobre mim, e a palma da sua mãe bate contra minha
bochecha, não de uma forma forte, mais para que me lembre que eu devo
obedecer.
— Você gosta de testar os limites, não é? — minha boca continua
preenchida de mais para conseguir dizer qualquer coisa, e num impulso ele
se empurra mais fundo na minha garganta ao ponto de me engasgar, e fazer
vomito, meus olhos lacrimejam, e seu polegar os enxuga em seguida leva a
seus lábios.
Empurro seu corpo com as mãos, afastando-o completamente da
minha boca. Inclino-me para frente, apoiando as mãos nos joelhos, tentando
forçar o vômito. Mas nada sai, apenas o gosto amargo de desgosto em
minha garganta.
— Você é um psicopata doente. — Minha voz é baixa, envenenada
de rancor.
— Isso não me ofende querida.
Quando olho para ele, não vejo mais o homem que me comprava
livros ou mandou fazer um sapato exclusivo para mim. O homem que
dorme ao meu lado desapareceu. Agora, só vejo uma criatura tomada pelo
ódio, raiva e ódio. Seu pai o moldou para ser assim — uma besta enjaulada,
incapaz de compaixão. O que realmente me corrói, no entanto, é que eu não
consigo mais o enxergar como antes.
Ele puxa a corrente novamente, forçando-me a segui-lo para mais
perto da lareira. O calor do fogo torna-se mais intenso, e eu vejo o ferrete
com suas iniciais ali, incandescente. Sei o que ele pretende. Parte de mim
pondera sobre a dor que virá, imaginando o quanto vai me consumir. A
outra parte, mais sombria, anseia por essa dor, esperando que ela me
transforme.
Ares retira o ferrete do fogo, o som do metal arranhando o chão
ecoa pela sala, a fumaça se misturando ao brilho laranja do ferro em brasa.
O que me surpreende é quando ele me puxa pela coleira para um canto
escuro da sala, longe das chamas.
Mesmo com a pouca luz, consigo ver a cadeira de madeira no
centro. Ele desabotoa lentamente a camisa, deixando a cair no chão antes de
se sentar. Sua calça continua aberta, o membro semi-ereto à mostra,
enquanto seus olhos não saem de mim.
Com um puxão firme na corrente, ele me força para o seu colo. Seu
punho controla a corrente, apertando-a com autoridade, enquanto a outra
mão segura o ferrete ainda quente. O calor irradia do metal, e eu não sei o
que ele faz em seguida. Mas minha pele formiga, e uma curiosidade
perversa cresce em mim, desejando o que está por vir.
Quero que ele me queime e me sinto suja, uma vagabunda imunda.
Uma de suas mãos solta a corrente, deslizando lentamente pelas
minhas costas até chegar à minha bunda, puxando a calcinha para o lado
com facilidade. O tecido fino não oferece resistência, e logo sinto seu pau
forçando entrada. A umidade da minha intimidade facilita, e quando ele me
preenche por completo, fecho os olhos, absorvendo o calor da sensação que
se espalha por mim. Minhas mãos deslizam sobre seu peito firme, nossos
corpos se encaixam, cada um pulsando no ritmo do outro. Minha boceta
lateja, faminta, ansiando por mais.
Ele retoma a corrente com um aperto firme, impiedoso, enquanto
seu corpo se ajusta na cadeira. A força do puxão me faz mover com ele, e
por um momento, uso o pouco de discernimento que me resta para desviar
os olhos até sua cintura, tentando verificar se ele está armado.
Com a ponta dos dedos, sinto a lâmina da faca na lateral esquerda de
sua cintura, e é nesse instante que ele se move dentro de mim. A mesma
mão que segura a corrente me obriga a subir e descer sobre ele, forçando-
me a seguir seu ritmo. Na posição em que estou, com ele por baixo, posso
senti-lo tão fundo que a sensação é quase de ser rasgada, invadida,
dominada. O puxão em meu cabelo é feroz, arrancando-me um gemido
involuntário. Estou me controlando, tentando esconder o quanto estou
gostando de ser sua “puta”.
Nossos corpos se chocam, gerando um som obsceno, e o suor
escorre pela minha testa. Enquanto ele me domina, tento alcançar a faca, em
busca de alguma vantagem, um resquício de controle.
— Isso querida, cavalga no meu pau forte. — Sua voz quente e cruel
sussurra no meu ouvido, incendiando-me por dentro.
Estou à beira do êxtase, meu ventre se contraindo, o calor subindo
como uma maré avassaladora, e minha boceta apertando seu pau com força.
Ele percebe que estou perto, e os gemidos que tentei conter escapam de
mim, traindo o prazer que ele me provoca. Meus movimentos ficam mais
intensos, meus quadris se esforçando para subir e descer sobre ele, enquanto
minhas unhas cravam-se em seus ombros, com raiva.
É então que sinto o ferro quente tocar minha pele. O grito que
escapa da minha garganta é visceral, uma mistura de dor e choque, minha
mente quase se apagando enquanto o fogo marca minhas costas. A linha
entre prazer e dor se dissolve completamente; minha boceta se contrai em
um orgasmo violento enquanto meu ombro queima com a marca recém-
feita. Estou tonta, sem voz, sem ar, sentindo-me reduzida a algo menos do
que humana — marcada como um animal, como se eu fosse sua
propriedade.
Minha mente grita que eu não sou um brinquedo. Tento me
convencer disso enquanto luto para me recompor. Meus lábios estão
ensanguentados de tanto morder para conter o grito, e sinto o sangue quente
escorrendo pelas costas, onde a pele está frágil e ferida. Quando abro os
olhos, vejo sua face demoníaca ainda sobre mim, ainda me possuindo.
Não posso esperar mais.
Com um movimento rápido e desesperado, arranco a faca de sua
cintura. Mesmo exausta, sem forças, eu a deslizo pelo seu pescoço,
pressionando-a contra sua pele com tudo o que me resta.
— Você não tinha o direito de fazer isso… — digo com um tom de
voz quebrada.
A corrente ao redor do meu pescoço se aperta ainda mais, um aviso
claro de que ele continua no controle. Sinto seu pau ainda dentro de mim
enquanto tento resistir, mas a raiva me consome.
A dor no meu ombro se mistura a dor ainda mais profunda em meu
coração. Ele realmente me machucou, me puniu por algo que eu não fiz. E
eu… eu sou tão culpada quanto ele, porque não o parei antes.
— Você precisava ser punida. — sua voz rouca soa traiçoeira, cheia
de uma maldade.
Um filete de sangue escorre por sua pele, e percebo que estou
aplicando mais força do que deveria. Não quero feri-lo de verdade, mesmo
que ele mereça. Meu corpo treme, dividido entre o desejo de vingança e o
medo do que isso poderia significar.
— No fundo, você sabe que está errado. Sabe que eu não te traí —
retruco, meus olhos confusos e embaralhados de raiva e mágoa. — Seria
melhor que me matasse do que viver sendo acusada assim.
Uma lágrima escapa do meu rosto enquanto sua mão forte segura
meu queixo, forçando-me a encará-lo. Ele observa minha dor com uma
calma assustadora.
— Preciso de você.
— Você não precisa de mim! — grito, exasperada, pressionando a
lâmina ainda mais contra sua carne. Ares nem se mexe, não geme, não
demonstra dor, como se estivesse acima disso. A faca começa a perfurar sua
pele, e sei que, se quiser, posso ir mais fundo cortar sua garganta.
— Meus demônios precisam de você. — Sua voz carrega uma
verdade sombria.
Também preciso dos seus demônios, eles de alguma forma se
tornaram os meus. Mas não digo. Não posso admitir que minha alma se
prendeu à dele desde o primeiro instante em que o vi, desde o momento em
que ele disse que eu seria sua esposa, estamos ligados por algo mais
doentio.
Ele é tão louco por mim quanto eu sou por ele. O ódio que
compartilhamos é uma obsessão, e isso me apavora. Assusta-me o quanto
desejo ser dele, me render completamente. Porque é errado. É errado querer
estar com um homem que te machuca. Mas os demônios dele se tornaram
minha obsessão, e, de algum modo, eu os amo tanto quanto ele.
Meu corpo está fraco, meus olhos piscam duas vezes antes de se
fechar completamente, eu ainda sinto seu aperto na cintura antes de tudo se
apagar e eu desmaiar sobre ele.
Capítulo 43

Isabella.
O primeiro pensamento antes de abrir os olhos foi uma dúvida que
me rasgou por dentro: por que estava deitada em lençóis macios e não
jogada numa prisão qualquer naquele porão?
Minha cabeça lateja, mas a dor é irrelevante comparada ao peso que
sinto no ombro. Ao abrir os olhos, vi que estava enfaixado. Meus dedos
tocaram a superfície do curativo, quase sem acreditar no que havia
acontecido.
Ele realmente marcou minha pele? E… eu gostei disso? As
respostas estavam na ponta da minha língua, e um sentimento de vergonha
me invadiu. Senti-me imunda por sequer cogitar que esse ato profano não
havia ultrapassado meus limites — mas ultrapassou. Meu corpo já havia
sido moldado por suas mãos de tantas formas, ele já havia me mostrado o
quanto exigia de mim. Mas nada do que vivemos poderia me preparar para
isso, para ser marcada como um animal.
E por quê? Por puro egoísmo. Eu nunca o traí, jamais ousaria. Mas
depois de ontem, percebi que aquele homem, a quem entreguei meu
coração, só se importa com o próprio ego. O que mais ele planeja fazer
comigo? O que mais terei de suportar por causa desse ódio sem
fundamento? Antes, pensei ter aceitado meu lugar ao lado dele; agora, não
sei exatamente onde é meu lugar.
Perdida nos meus pensamentos, quase não noto a mulher parada ao
lado da cama. Ela está quieta, mas atenta, e quando meus olhos piscam,
desfocados, ela coloca a mão na minha barriga, forçando-me a deitar de
novo.
— É melhor vocês descansarem — disse com uma voz gentil, mas
sem esconder um leve desconforto.
Apenas eu estava na cama, então por que ela usou “vocês”? Minha
testa se franziu de confusão.
— Vocês? — repeti, sem entender.
A mulher, que agora notei ser médica pelo jaleco branco, ignorou
minha pergunta enquanto mexia em sua maleta. Eu respirei fundo, tentando
convencer a mim mesma que ela havia se enganado, talvez eu tivesse
ouvido errado.
— Você e o seu bebê — ela diz finalmente.
Minha reação foi rir, baixo, sarcástico, mas ela continuou me
encarando, séria.
— Está dizendo que estou grávida? Isso é impossível. Eu tomava
anticoncepcional e parei há menos de duas semanas — tentei explicar.
— Você estava desacordada há mais de 24 horas. Seu marido pediu
vários exames. A medicina raramente erra, e anticoncepcionais não são
infalíveis. — Senti uma onda de raiva me consumir. Tomei aquelas pílulas
religiosamente, todos os dias, para o destino pregar essa peça agora? —
Não percebeu que seu corpo mudou? — ela continua. — Seus seios estão
inchados, e quando foi sua última menstruação? — pergunta.
Eu não lembro. E com essa constatação, o chão pareceu se abrir sob
meus pés. Como não percebi isso antes? Deveria ter notado. Um frio
insuportável percorreu minha espinha.
— Ele sabe? — gaguejei, trêmula. — Você contou a ele? — exijo
saber.
A médica negou com a cabeça.
— Seria melhor você mesma contar quando acordasse. — ela diz
Soltei um suspiro de alívio sem nem perceber.
— Tem certeza? — ainda luto para aceitar a ideia de que dentro de
mim cresce um pedacinho meu e dele.
— O ideal seria fazer um ultrassom para ter total certeza —
respondeu.
Minha mente começa a rodar, lembrando dos sintomas: cansaço,
desmaios, enjoo. Fazia sentido. Mas ainda assim, esse não era um bom
momento. Talvez nunca houvesse um bom momento. O que Ares fará
quando descobrir? Sempre foi parte de seu plano me engravidar, mas agora,
aos olhos dele, sou uma traidora. Perdi meu valor, minha lealdade. Essa
criança, como eu, seria apenas um peso para ele.
Forcei o sorriso mais falso que já dei em toda a minha vida. Aquela
médica, apesar da idade, não parecia ingênua. Se estava aqui, é porque Ares
confiava nela. Precisava ser cuidadosa.
— Eu… — as palavras grudaram na minha boca como algodão-
doce. — Preciso ter certeza antes de contar a ele. Não quero alarmes falsos.
Podemos manter isso entre nós?
Ela me olhou com uma leve confusão, mas assentiu.
— Não contei antes, mas confesso que não é bom esconder coisas
do seu marido.
Balancei a cabeça.
— Sei disso melhor do que ninguém. Ele é meu marido, o conheço.
Mas imagine se eu der uma notícia falsa… ele não ficaria muito feliz. Você
entende, não? Pessoas podem ser punidas por um erro. — Meu tom é
ameaçador.
— Tem razão. Melhor ter certeza primeiro — concordou. — Agora,
vou medir sua pressão.
Obedeci mecanicamente, estendendo o braço. Quando ela terminou,
disse que tudo estava normal, mencionou o curativo no meu ombro, sem dar
muita importância a como ele havia sido feito. Assenti, esperando que ela
saísse logo. Queria ficar sozinha, precisava processar tudo isso sem
derramar lágrimas na frente de ninguém.
Estaria mesmo grávida? Carregaria em meu ventre o filho do
homem que amo e que nesse momento me despreza? Mas se for verdade, o
que será de nós? Não posso permitir que ele machuque meu bebê. Não
posso.
O som da porta se fechando e como um aviso: estou sozinha. Sem
pensar muito, me desvencilho das cobertas e salto da cama, os pés
descalços encontrando o chão frio. Paro diante do espelho e, sem hesitar,
levanto a camisola até os seios, expondo minha barriga. O fato de estar sem
calcinha sequer me incomoda.
Fico alguns minutos ali, encarando meu reflexo, tentando
compreender como poderia estar carregando um filho dele. Minhas mãos
deslizam pela pele lisa de uma barriga ainda inexistente. Se estou grávida,
não há sinal visível. Mesmo assim, gosto de imaginar que estou acariciando
meu ventre, como se pudesse sentir a vida crescendo ali dentro. Uma
lágrima escapa, seguida por outra.
Olho para mim mesma e vejo uma mulher quebrada. A mulher que
entrou por aqueles portões pela primeira vez se perdeu em cada noite que
passei ao lado dele. Eu tinha regras, princípios… mas quebrei todos por ele,
para estar do lado dele, mas tudo isso para quê? Para ser acusada de traição?
A mulher no espelho não é dócil como um anjo, nem frágil como
uma rosa. Meu corpo carrega marcas de dedos e chupões. Quando viro o
quadril, vejo as mordidas nas minhas nádegas, mais um lembrete daquela
noite que se gravou em mim. E acima, nas minhas costas, o curativo recém-
colocado. A curiosidade me consome, então mordo os lábios ao puxar as
ataduras, sentindo a leve dor da pele sensível.
A visão me atinge como um soco. Suas iniciais estão ali, gravadas
em minha pele, um grito silencioso de posse. Ao redor, a pomada aplicada
começa a fazer efeito, e a cicatrização já avançou. Não sangra, a dor é
suportável, mas a marca continua ali, me lembrando a quem pertenço.
Um ruído vindo da porta do quarto me faz sobressaltar.
Rapidamente abaixo a camisola e limpo as lâminas com o braço. Respiro
fundo antes de olhar na direção da soleira, mas o cheiro que invade o
ambiente é inconfundível. Eu o reconheceria à distância. Um suspiro triste
me escapa, porque em outros tempos, sua presença traria alívio. Agora,
sinto apenas desprezo.
Seus passos ecoam no quarto, e sinto sua sombra se aproximando.
Pelo espelho, desvio do reflexo, evitando sua imagem.
— Você deveria estar deitada — sua voz ruge, fazendo meu corpo
estremecer e meu coração bater descompassado.
Dou dois passos para o lado, criando uma distância segura entre nós.
Só então crio coragem para encará-lo. Ele está de volta. A fúria psicótica
parece ter desaparecido, mas por quanto tempo? Meus olhos descem até a
pequena cicatriz em seu pescoço, escondida sob a barba. Eu a fiz. Talvez, se
tivesse pressionado a lâmina um pouco mais, teria o matado. Mas não era
isso que eu queria. Nunca quis matá-lo. Seus olhos, agora, parecem
arrependidos, mas sua expressão é fria, impenetrável. Ele segura flores,
uma ironia que quase me faz rir. Flores, como se pudessem apagar tudo.
Como se elas fossem me fazer perdoá-lo.
Quando ele dá mais um passo, recuo instintivamente. Meu corpo
reage antes que eu possa impedir, e vejo como isso o atinge. Ele havia
conseguido. Eu nunca tive medo dele… até agora. E não por mim, mas pelo
bebê que talvez esteja crescendo dentro de mim.
— Não chegue perto de mim — minha voz soa alta, forte. Ele me
encara, impaciente, mas aperta as flores contra o peito. — Eu juro, se você
me tocar de novo, ficara viúvo de novo. Não vou ser tratada como um
animal outra vez.
Vejo o golpe certeiro nas suas feições: os olhos perdem o brilho, a
pele empalidece.
— Não diga isso — ele grita, sua voz explode no ar. Mas não me
mexo. Continuo parada, encarando-o. — Você não foi feita para a morte.
Foi feita para mim.
— Mas ainda, sim, me julga uma traidora. Me puniu com base em
suposições que nem você consegue sustentar — respondo com frieza,
engolindo a vontade de desmoronar diante dele. Não darei esse prazer a ele.
— Não seja hipócrita. Você gostou de cada minuto que esteve
naquele porão — ele me acusa, veneno pingando de suas palavras.
Sinto meus dentes rangerem de raiva.
— Não há prazer algum em ser humilhada, Ares. Não depois de
tudo o que fez. Há uma marca no meu corpo que nunca irá desaparecer.
Toda vez que eu olhar para ela, vou lembrar de como fui quebrada em um
momento de fraqueza. — Sinto o ódio ferver em mim. — O que vai fazer
da próxima vez? Enfiar minha cabeça na água e me foder enquanto me
afogo? Ou amarrar arame na minha garganta e me usar até eu desfalecer?
Ele esboça um sorriso debochado, venenoso.
— São boas ideias, confesso. Mas prefiro que você viva, meu amor.
— Sua ironia é como uma faca, cortante e cruel.
Ele estala a língua, e seus olhos me atravessam, mesmo a distância.
É como se seu olhar perfurasse minha camisola, expondo minha alma.
— A culpa de tudo isso é sua. Se não tivesse me enganado, eu teria
matado seu pai e tomado o controle da máfia dele. Mas você escolheu me
trair.
— Esta será a última vez que vou dizer isso: eu não te traí. Se não
acreditar… vai me perder para sempre.
Na minha mente, completo: você perderá a mim e ao seu filho.
— Não vou deixar que entre na minha cabeça novamente. — seu
tom gélido retorna, sufocando qualquer emoção que ele possa ter deixado
escapar. Ele sempre foi assim. Esconde tudo atrás de uma máscara de frieza.
Com movimentos calculados, ele caminha até a cama e deposita as
flores, mantendo uma distância deliberada entre nós.
— Se isso for para mim, as leve embora.
— Se não as quer, jogue fora. — Ele responde, enquanto ajeita o
paletó com uma postura rígida, quase mecânica. — Suas refeições serão
trazidas aqui, e não será permitido que saia deste quarto sem a minha
autorização.
Fico boquiaberta, incrédula.
— Se vou ser tratada como uma prisioneira, talvez fosse mais
adequado me trancar em uma jaula, com grades, não acha? — Dou de
ombros irritada, eu não posso controlar minha indignação.
Ele inclina a cabeça levemente e esboça um sorriso amargo,
revelando os dentes perfeitos.
— Você ainda é minha esposa, Isabella. Isso significa que ainda
viveremos sob o mesmo teto.
— Esse é o seu plano? Me manter trancada neste quarto?
— Sim. — Ele se vira de costas, e a raiva em mim ferve. A vontade
de jogar algo em sua direção é insuportável, mas eu me contenho. — E
agradeça porque estou sendo bondoso, e não estou amarrando você na
cama.
— Quando foi que você se tornou alguém tão desprezível?
— Eu sempre fui assim — ele responde. — Você só escolheu me ver
com bons olhos.
Sinto a raiva pulsar, e mordo meu lábio inferior, meus punhos
cerrados ao lado do corpo.
— Estou cansada, Ares. — Minha voz sai em um sussurro exausto.
— Cansada de viver assim, de lutar contra você, contra essa sua versão…
perturbadora. Não sei se tenho mais forças para isso. Não percebe? —
continuo com voz trêmula pela emoção reprimida. — Você destruiu tudo o
que havia de bom entre nós. Tudo.
— Se está cansada, deveria ceder e aceitar seu lugar. — ele diz sem
qualquer traço de emoção.
Eu o encaro com o peito apertado.
— Como posso ficar ao lado de um homem que acredita que eu o
traí? Como posso estar ao seu lado quando tudo que você faz é me ferir, me
reduzir a nada?
Seus olhos me olham com pena.
— Não use sentimentalismo comigo. Você mesma disse que não
tenho um coração.
Um sorriso amargo surge em meus lábios enquanto me viro,
esperando que ele saia do quarto e me deixe em paz. Apenas encarar sua
presença já me exige um esforço monumental. Ouço seu suspiro pesado e o
som de seus passos se aproximando da porta. Quando ela se fecha, é
trancada de novo.
Capítulo 44

Isabella
Entro no banheiro e começo a revirar as gavetas. A lembrança dos
primeiros meses de casados me invade – Ares me fazia realizar testes de
gravidez com frequência. Mas como o resultado era sempre negativo, ele
eventualmente desistiu. Revirando cada canto, finalmente encontro um teste
escondido no fundo, de uma das gavetas. Já estava acostumada ao processo,
então tranco a porta por precaução e faço o que sempre fiz: urino no teste e
espero.
Meus nervos estão à flor da pele. Aperto as unhas contra os joelhos,
tentando conter o desespero. Meu coração bate tão rápido que parece querer
saltar do peito, enquanto a ansiedade corrói cada fibra do meu corpo.
O tempo parece se arrastar, mas quando meus olhos encontram os
dois sinais vermelhos no teste, sinto o chão desaparecer sob meus pés de
novo, estou tremendo, caio de joelhos no frio porcelanato. Abraço meu
corpo numa posição fetal, os soluços abafados explodindo silenciosamente
dentro de mim. Soco a tampa da privada, impotente.
Não era assim que eu imaginava trazer uma vida ao mundo. Não
nessas circunstâncias, agora eu preciso proteger alguém que depende de
mim.
O peso da notícia mal tinha se acomodado em minha mente quando
o mal-estar tomou conta de mim. Seguro meus cabelos, e faço força para
vomitar, mas nada sai. Minha última refeição havia sido há mais de vinte
quatro horas, e meu estômago estava vazio. Tento me recompor.
Respiro fundo, forçando o nariz para cima na esperança de dissipar
a ânsia por alguns minutos, o suficiente para me manter estável. Ares não
pode me ver assim. Isso levantaria suspeitas.
Lentamente, me levanto, apoiando-me nas paredes, e entro no
chuveiro. Deixo a água quente lavar meus cabelos, meu corpo, limpar o
caos na minha mente. Enrolo-me numa toalha e caminho até o closet, onde
encontro um vestido, leve e familiar. Algo confortável para vestir, algo que
me faz sentir menos vulnerável.
Mas havia outro problema. Sem celular, trancada no quarto, e sem
saber quando Ares iria me libertar, a fome começava a tomar conta. Tento
forçar a porta, mas é inútil. Ela está firmemente trancada. Puxo um grampo
do cabelo – nos filmes isso sempre funciona, mas na realidade…? Mesmo
assim, sem outras opções, tento. Quando estou prestes a desistir, ouço o
trinco se mexer. A maçaneta gira. Espio pelo corredor, certificando-me de
que não há ninguém por perto, e saio em silêncio, caminhando pelo
corredor em direção ao andar de baixo.
No entanto, algo me chama a atenção. Ao passar pela porta
entreaberta do escritório, escuto vozes. Não deveria, mas algo me puxa para
mais perto. Pela pequena fresta, vejo Ares e Andreas. Estão conversando,
mas não consigo ouvir claramente. Aproximo-me da porta, colando o
ouvido contra a madeira, para ouvir.
— Ela perdeu o valor quando decidiu me trair, Andreas — Ouço a
voz fria de Ares, e sinto um aperto no coração.
— E você tem tanta certeza disso só por causa de mensagens no
celular? — Andreas parece me defender.
— Que prova maior eu preciso? Enzo está morto por causa dela! —
Ares rebate.
— Também sinto muito pela perda dele — Andreas diz. — Ele era
um soldado leal, mas ela é sua esposa, Ares. Não é um objeto que você
pode descartar. Se ela fez isso, deve haver uma razão.
Ouço Ares gargalhar, uma risada amarga, sombria, que me arrepia
até os ossos.
— Não acredito que está defendendo-a!
— Não estou defendendo-a. Estou sendo sensato.
Independentemente do que ela fez, não merece ser tratada dessa forma.
— Sensato? — meu marido está frustrado. — Sensatez é o que nos
trouxe até aqui? Se eu tivesse sido mais firme, talvez Enzo ainda estivesse
vivo.
— Se culpar pelo que aconteceu não vai adiantar nada. — Andreas
suspira. — Não concordo com sua decisão, mas vou respeitar como sempre
fiz, apesar de ser meu irmão eu o sirvo, você é meu Don.
Me afasto da porta, as lágrimas ardendo em meus olhos, mas forço-
me a não cair de novo no choro. Tenho que ser forte. O que quer que
aconteça a partir de agora, eu preciso pensar no que vem a seguir, não
apenas para mim, mas para a vida que carrego. Sem saber como, meus pés
me levam de volta pelo corredor, descendo as escadas até a cozinha.
Pego uma maçã da fruteira e a mordo, sentindo meu estômago
agradecer quase instantaneamente. Enquanto mastigo, meus pensamentos
voltam para a conversa que acabei de ouvir. Preciso sair desta casa, sair o
quanto antes. Aqui já não é mais seguro para mim.
Deixo a cozinha, passando pelos cômodos vazios. Dou sorte de não
encontrar ninguém. Todos estão, provavelmente, ocupados tentando rastrear
meu pai. Ao retornar ao corredor, dou uma última olhada pela fresta da
porta do escritório. Está vazio agora. Respiro fundo e empurro a maçaneta,
que range suavemente, me arrancando um xingamento sussurrado. Meus
olhos varrem a sala rapidamente, procurando o local onde Ares guarda sua
espingarda. Eu sei que está aqui.
Minhas mãos encontram a caixa de madeira, e ao abri-la, vejo a
espingarda. Sem hesitar, a lanço sobre o ombro e desapareço do escritório o
mais rápido que posso. Desço as escadas apressada, mas sem levantar
suspeitas. Ao passar pela cozinha, sigo para a porta dos fundos.
A casa é repleta de câmeras e guardas, mas depois de tanto tempo
vivendo aqui, conheço os pontos cegos. Sei que próximo à piscina não há
câmeras, e os soldados ficam mais concentrados no jardim. Tomo uma
última respiração profunda antes de sair para o ar fresco da noite. A brisa
suave sacode meus cabelos úmidos que caem sobre os ombros, e como
previsto, nenhum soldado vigia o local.
Corro em direção à floresta. Fugir pelos portões seria impossível
sem ser notada. Então, uma voz grave e autoritária chama atrás de mim,
fazendo meus pés se cravarem no chão. Meu corpo congela, e o medo
atravessa minha espinha. Mesmo sem querer, olho por cima do ombro, e o
vejo, a alguns metros de mim.
— Onde pensa que vai? — a pergunta me arranca do torpor.
Deveria dizer que estou fugindo dele? Claro que não. Ele me encara
como no dia do nosso casamento, quando tentei fugir e ele me arrastou para
o altar. Agora, nada mudou — continuo fugindo. Ele dá um passo à frente,
as mãos afundadas nos bolsos, um sorriso cruel e frio estampado no rosto.
Num impulso, puxo a espingarda do ombro e a aponto em sua direção.
— Não se aproxime, ou eu vou atirar! — grito, mas ele ri. Ri da
minha ameaça, como se fosse vazia, como se eu não tivesse coragem de
puxar o gatilho. Mas ele não sabe o suficiente sobre mim. Ele mesmo me
ensinou a segurar essa arma, e se necessário, não hesitarei em usá-la.
— Vai atirar no homem que ama? — ele zomba, desdenhando dos
meus sentimentos e, principalmente, da minha capacidade de realmente
atingi-lo. Ele não me conhece o suficiente para saber que, mesmo amando-
o, eu apertaria o gatilho? — Solte isso, Isabella — sua voz rouca comanda,
mas meu corpo não obedece. Ele avança mais um passo.
Minha garganta seca, e meu coração parece querer explodir dentro
do peito. Eu só tenho uma bala, e a única forma de pará-lo é atirando.
— Estou avisando, vou atirar! — grito, desta vez com toda a força
que tenho.
Ares me ignora e se aproxima mais uma vez. Fecho os olhos, e meu
dedo escorrega pelo gatilho. O estampido da pólvora corta o ar, e quando
abro os olhos, ele ainda está de pé. Sua camisa está manchada de sangue no
ponto onde o atingi. Eu… realmente atirei nele. Uma parte de mim quer
correr até ele, estancar o sangue, dizer que não queria fazer isso. Mas a
outra parte… a parte que quer sobreviver… não permite.
Ele toca o peito, o sangue escorrendo por entre seus dedos, e o
sorriso sádico que surge em seus lábios me gela por dentro. Não parece
acreditar que realmente atirei. Com o barulho do disparo, os soldados logo
aparecerão. Eu não tenho muito tempo. Viro-me, pronta para correr. Eles
viriam atrás de mim.
Ouço Ares gritar com seus homens, ordenando que não venham
atrás de mim, mas não ouso olhar para trás. Meus pés disparam, apesar do
fôlego já curto e da garganta seca. Corro com toda a força que minhas
pernas ainda têm, embora fracas. O som dos galhos secos e folhas
quebrando sob meus pés se mistura ao vento frio da noite que atravessa a
floresta, tornando tudo mais sombrio. Ouço os murmúrios dos animais, o
piar da coruja, o sibilar distante de uma cobra, mas nada disso me detém.
Nem mesmo quando minha roupa se rasga em um arbusto, e minha pele se
arranha nos galhos das árvores.
Seguro a espingarda firme contra o peito e continuo, forçando cada
passo, cada respiração, sinto a sensação de estar sendo seguida,
independentemente de quanto eu corra. Sinto sua presença se aproximando,
quase posso ouvir seus passos pesados esmagando o solo atrás de mim. O
som de seu assobio me chamando.
Minhas pernas estão cansadas e meu estômago reclama de fome, a
maçã não foi suficiente, paro por um segundo, ofegante, para recuperar o
fôlego, meus olhos desesperados varrendo ao meu redor. Só vejo mato,
árvores e sombra, não há caminho seguro, e a verdade me atinge se ele não
me alcançar, dificilmente eu vou conseguir sair daqui.
Puxo o ar lentamente, inclinada, com as mãos apoiadas nas coxas,
tentando recuperar o fôlego. Mas logo volto a correr, sem direção, sem um
destino claro. O cansaço pesa nas minhas pernas, e aos poucos percebo que
estou dando voltas, parando no mesmo lugar sem nem perceber. Meu corpo
está à beira da exaustão quando, de repente, sinto uma mão forte agarrar
meu pescoço. O choque me faz gritar e saltar, instintivamente tentando usar
a espingarda contra quem está atrás de mim.
Então o cheiro dele invade minhas narinas. Reconheço
imediatamente.
Ele me achou.
Meu coração, que batia descontroladamente, começa a desacelerar,
mas não por completo, sinto o corpo dele pressionado contra minhas costas,
sua respiração quente nos meus cabelos.
— Achei você, querida esposa — sua voz soa próxima aos meus
ouvidos, me causando arrepios.
A espingarda ainda está em minhas mãos, mas sua utilidade evapora
com o calor do corpo de Ares pressionado contra o meu, A deixo cair sobre
meus pés.
— Já se cansou de correr? — ele murmura. A ponta de seus dedos
roçam minha pele. — Acho que esqueci de te acorrentar na cama.
Eu luto desesperadamente para me soltar, meus punhos batem contra
seu rosto, seu peito, até tento chutar entre suas pernas, mas tudo é inútil. Ele
é muito mais forte do que eu, e mesmo ferido, ainda tem uma vantagem
esmagadora sobre mim.
— Me solte! — exijo com a voz desesperada.
Ouço sua risada baixa e grotesca contra o meu pescoço.
— Não deveria fazer exigências após atirar no seu marido — ele
provoca com sarcasmo.
Sinto o calor subir pelo meu rosto, meus olhos se apertam enquanto
as pernas começam a formigar. A mão possessiva dele continua no meu
pescoço, e a outra envolve minha cintura, me imobilizando completamente.
— Quanto tempo mais vai me torturar até me matar? — eu levanto a
voz. — Não tenho mais serventia para você. — pronuncio suas próprias
palavras.
Seu corpo se junta ainda mais no meu.
— Você é tola se pensa que eu mataria a mulher que carrega o meu
filho. — A declaração me revira do avesso
Ele sabe.
Meu corpo estremece, e, sem pensar, levo a mão à barriga. Quero
negar, dizer que ele está errado, mas minha voz falha, assim como minha
respiração.
— Eu vi o teste. — Sua mão solta meu pescoço apenas para deslizar
pelos meus cabelos, num toque que deveria ser gentil, mas que me provoca
um arrepio de terror. — Você está grávida do nosso bebê.
Minha boca amarga com as palavras.
— Ele não é seu. — Grito.
Ares me vira bruscamente. Nossos olhos se encontram, e vejo o
impacto do tiro no seu corpo, mas ele não parece se importar. Sua dor física
não diminui sua determinação. Seus olhos descem até minha barriga. Não
há ainda qualquer sinal de gravidez visível, mas o olhar dele é possessivo,
como se já reivindicasse o que ainda nem se formou.
— Não vai transformar meu filho em uma versão psicopata sua! —
Eu cuspo as palavras com tanta raiva que meus dentes rangem. — Ele é
meu, só meu!
— Não, querida. Ele é nosso. Um pedaço de mim está crescendo
dentro de você, então ele é meu também. — Sua mão se move em direção à
minha barriga, mas eu a seguro antes que possa me tocar. Vejo a decepção
passar por seus olhos, sua cabeça cai para trás e ele respira fundo, tentando
conter a frustração. — Quer voltar andando ou prefere que eu a carregue?
— Não quero que me toque! — grito, ele abre um espaço pequeno,
como se me desse a chance de andar por conta própria, mas a verdade é que
nem sei para onde ir. Minhas pernas estão fracas demais para me sustentar.
Sem eu perceber, ele me envolve nos braços, me levantando com
facilidade. Estou presa no seu colo, perto demais do seu rosto, sentindo o
cheiro dele invadir meus sentidos. O sangue da sua camisa suja meu
vestido, mas não tenho forças para protestar. Mesmo o odiando com todas
as fibras do meu ser, sei que minhas pernas não suportariam mais um passo.
O esforço da fuga me esgotou.
Capítulo 45

Isabella:
Voltei ao quarto, trancada. Dois dias se passaram, e continuo presa
aqui. Ares não vem me ver, mas sei que ele aparece durante a noite. Mesmo
sonolenta, ouço seus passos pesados pelo quarto. Quero desesperadamente
fugir desta casa, mas, a menos que eu consiga me teleportar, é impossível.
Passo meus dias na varanda, lendo, quando não estou debruçada
sobre o vaso, vomitando. O teste de gravidez que deixei na pia foi o
suficiente para ele descobrir, e desde então, não sei o que Ares está
planejando, mas sei que algo está em andamento. Há homens se
movimentando no jardim o tempo todo.
Estou concentrada em mais um dos meus livros quando o som da
chave girando na porta me chama a atenção. Imagino que seja Ares, mas o
som de saltos me confunde. Alice aparece à porta, com um sorriso gentil.
Trancada aqui, pensei que ela tivesse ido embora, mas vê-la ali me traz uma
pequena sensação de alívio.
— O que está fazendo aqui? — pergunto, enquanto a vejo fechar a
porta atrás de si e caminhar em minha direção.
Sento-me na ponta da cama, e minha cunhada faz o mesmo ao se
aproximar.
— Eu sei o que está acontecendo, sinto muito — ela lamenta.
— Pensei que já tivesse ido embora…— murmuro, olhando para
meus próprios pés.
— Eu vou mais antes vim te ajudar a sair daqui.
Ela segura minhas mãos, um gesto que me transmite cumplicidade.
— Isso é impossível, Alice. Não precisa se colocar em risco por
mim, estou bem — tento argumentar, ainda incerta de suas intenções.
Alice balança a cabeça, decidida.
— Eu cresci aqui, conheço alguns truques. Posso tirar você daqui,
mas não tenho muito tempo.
Ela é irmã do meu marido. Deveria confiar nela? Sei que a relação
entre os dois é complicada, e ela só ficou aqui porque eu pedi. Talvez ela
realmente queira me ajudar, mas o risco é enorme.
— Não precisa fazer isso — insisto. — Ares não é piedoso. Se
descobrir que você me ajudou, ele vai te punir.
— Quando ele souber, eu já estarei longe — ela diz, com uma
confiança que não consigo compartilhar.
Mordo o interior da minha bochecha, indecisa.
— Qual é o seu plano? — pergunto.
— Agora todos estão ocupados. Os soldados vigiam o jardim e os
portões, e meus irmãos não estão em casa. Existe uma saída pelo porão. Só
precisamos chegar lá. — Sua explicação vem rápida e precisa, como se já
tivesse tudo preparado.
Eu já estive no porão, mas nunca soube dessa saída secreta.
— Se formos agora, ninguém vai nos ver — ela finaliza, esperando
pela minha decisão.
Eu preciso proteger meu bebê do próprio pai, e se eu precisar fugir
para fazer isso, eu farei.
— certo, eu irei com você. — eu respondo decidida sem espaço para
retroceder.

Alice arrasta meu braço até o porão não tenho boas lembranças do
lugar, a última vez que estive aqui fui marcada como animal, caminhamos
pelo corredor, onde eu já tinha familiaridade, estava escuro e silencioso,
minha cunhada parecia conhecer bem o caminho por onde me guiava,
atravessamos duas portas até chegar a um portão de ferro, era pesado e nós
duas precisamos empurrá-lo para deslizar para o lado, e quando
conseguimos eu pude ver o sol brilhar na estrada de terra, dei dois passos
para fora, quando senti uma pancada atingir minha cabeça, foi forte o
suficiente para me fazer cair no chão inconsistente.

Meus olhos se abrem, sinto a dor insuportável latejar em minha


cabeça, fruto do golpe que levei. Uma tontura pesada me invade, o
estômago revirado. Tento me mexer, mas a posição em que estou torna isso
impossível minhas mãos e pernas amarradas, presas. O ambiente ao meu
redor é um grande vazio, uma sala que parece infinitamente escura. Tento
forçar minha memória, mas tudo vem em flashes distorcidos: Alice me
ajudando a escapar, e depois Tudo se apagou.
Ouço passos ao longe, saltos batendo no chão, o som vai ficando
mais nítido, até que finalmente estão quase ao meu lado.
— Olha quem finalmente acordou… — Viro a cabeça lentamente,
tentando focar na origem daquela voz. — Acredite, Bel, eu realmente não
queria fazer isso com você… mas não me restou outra escolha.
— O que… — minha voz desaparece quando meus olhos finalmente
focam no rosto familiar à minha frente.
— Seria complicado trazer você consciente até aqui, não acha? —
ela inclina a cabeça de um lado para o outro, puxando uma cadeira para se
sentar diante de mim.
— O que está acontecendo? Por que estou amarrada a esta cadeira?
— pergunto, e me debato novamente. As cordas apenas se apertam mais.
Ela cruza as pernas com um gesto calmo, alisando o tecido do
vestido sobre suas coxas.
— Vamos começar do início, sim? Talvez assim você entenda
melhor o porquê de tudo isso… — ela murmura. — Sabia que somos
parentes? — um sorriso psicótico se forma em seus lábios, enviando um
arrepio pela minha espinha. — Minha mãe era da La rosa nera… assim
como a sua.
— Está dizendo que… compartilhamos o mesmo sangue? — minha
voz é um sussurro.
— Não exatamente. Minha mãe não era da “nobreza”, mas, de
alguma forma, também fazia parte da La rosa nera.
— Onde você quer chegar com isso? — questiono.
Ela sorri, inclinando-se levemente para a frente.
— Há algum tempo, seu pai me procurou. Ele queria você de volta,
e pediu minha ajuda para isso… E eu aceitei o acordo. Em troca, pedi a
cabeça do meu querido irmão. Foi fácil me infiltrar na sua casa, fingir ser a
irmã arrependida, gentil e boazinha. Também foi fácil plantar provas contra
você. Sabia que, se parecesse traí-lo, meu irmão nunca mais confiaria em
você.
— As mensagens… — sussurro com meus olhos arregalados —
Foram você… você que enviou aquelas mensagens!
Ela inclina a cabeça, satisfeita.
— Está começando a juntar as peças, não é? — Alice responde com
orgulho perverso.
Eu fecho os olhos e respiro fundo, tentando me convencer a manter
a calma, apesar dos nós apertando meus braços e pernas.
— Onde estamos? — Pergunto imitando sua calma e soberba.
— Ainda estamos na fronteira, não se preocupe. — Ela responde
com um sorriso frio.
— Então, vai me entregar para o meu pai? — pergunto, sondando.
— Exatamente. — O sorriso dela se mantém. — Meu irmão me
tirou o que era meu por direito, e eu acho mais do que justo tomar de volta.
Olho para Alice e, de repente, entendo por que Ares nunca se deu
bem com ela. Eu, tola, achava que era porque ela era bastarda. Como fui
ingênua. O desespero não me deixou ver as coisas claramente. Eu estava
prestes a fugir do meu marido, mas para onde? Aceitei a primeira
oportunidade que apareceu para me afastar dele e agora me encontro em
uma situação ainda pior.
— Ares é o primogênito. Se ele está no comando, é por direito. —
Minha resposta sai afiada
Alice descruza as pernas.
— Ele destruiu tudo o que meu pai construiu. Não seguiu
nada do que foi ensinado. — As palavras dela quase me fazem rir,
mas me seguro.
— Você sabia o tipo de negócio que seu pai?
— Negócios são negócios, não me importa como são feitos. — ela
diz um tanto orgulhosa — Todos temos um preço, Isabella. Alguns são mais
caros que outros, mas no fim, aceitamos o suficiente para fingir que não
vemos, que não ouvimos, você também tem o seu. — Ela me encara, com
os olhos frios.
Como pude ser tão idiota ao acreditar nessa cobra? Acreditei na
história da garota rejeitada…
— Acha que posso ser comprada para aceitar esse tipo de coisa?
Como você pode achar normal sequestrar crianças… — meu estômago
embrulha ao pronunciar essas palavras.
Nesse momento, outra mulher surge, discreta, e sussurra algo no
ouvido de Alice. Quando se afasta, fico pálida.
— Angélica? — Minha voz mal sai.
— Ah, desculpe por não mencionar antes. — Alice sorri. — Esta é
minha tia… mas, vocês já se conhecem.
O golpe que levei na cabeça parece ter sido forte demais… Isso não
pode acontecer.
— Tem mais alguma coisa que você esqueceu de me contar? —
pergunto com ironia
Alice morde o lábio, fingindo refletir.
— Bom… seu pai está a caminho, e meu irmão também deve estar
vindo atrás de você em breve.
— A menos que ligue para Ares e diga que fui sequestrada, ele
nunca vai saber onde estou. E mesmo que soubesse, duvido que se
arriscaria a vir me buscar. Para ele, agora sou uma traidora.
Alice se levanta lentamente e caminha até ficar atrás de mim. Ela se
inclina e sussurra com veneno:
— Talvez você tenha razão. Talvez ele não venha por você. Mas virá
pelo bebê que está na sua barriga.
Engulo em seco, meu corpo treme de dentro para fora. O frio se
espalha pelo meu estômago, e ela percebe. O sorriso triunfante dela é uma
faca.
— Eu preciso ficar com isso. — Ela arranca minha aliança, sem me
dar chance de protestar.
— O que vai acontecer comigo agora? — tento perguntar antes que
ela se afaste.
— Não sou vidente, Bel. Mas provavelmente seu pai vai te levar de
volta. E, com sorte, depois de tirar esse feto, você encontrará outro marido.
Meu coração dispara, a respiração acelera. Eles vão tirar meu bebê?
A porta se abre de repente com um estrondo, e o som de passos
fortes preenche a sala. Meus olhos mal conseguem acreditar na figura que
surge no batente.
O homem se aproxima com sua bengala, os cabelos grisalhos
penteados para o lado, e um sorriso repulsivo já estampado no rosto antes
mesmo de chegar perto. Meu estômago se revira mais a cada passo que ele
dá. Mas o que realmente me golpeia é ver Serena ao seu lado, a barriga dela
ainda maior, como se estivesse exibindo um troféu. Sinto-me acuada e
sufocada.
Quando ele está a poucos centímetros, sua boca grotescamente
saliva, e eu já sei o que virá.
— Minha querida filha, lamento que estejamos nos encontrando
assim. — O beijo que ele deposita no topo da minha cabeça me faz querer
vomitar.
— Saia de perto de mim, seu velho nojento! — cuspo em seu rosto.
Ele abre um sorriso amarelo.
— Não foi essa a educação que eu esperava que tivesse recebido. —
Com uma mão, ele tira um lenço do bolso do paletó e, com uma calma
exasperante, limpa o rosto.
Meus olhos, cheios de ódio, se voltam para Serena. O rancor que
sinto ao ver sua barriga é insuportável, embora eu saiba que o bebê não tem
culpa. Não consigo controlar a onda de sentimentos que sua presença me
provoca, misturados com o caos hormonal que me consome.
— Eu quero que me soltem. Essas cordas estão me machucando! —
exijo, me debatendo com mais força.
Ele estala a língua e balança a cabeça, como se estivesse lidando
com uma criança teimosa.
— Ainda não é o momento. — Ele se volta para Alice. — Fez um
excelente trabalho.
Alice, sorri com entusiasmo diante do elogio. Ele então volta sua
atenção para mim, e seus lábios se abrem em um sorriso calculado.
— Hoje é um dia importante. Você ficará viúva.
Eu solto um riso amargo, desdenhoso.
— Vocês realmente acham que podem matar Ares? — minha voz
goteja ironia. — Achei que o senhor fosse mais esperto, papai. Saber se
esconder não é o mesmo que ser sábio.
— Existem coisas que matam um homem muito antes de uma bala
atingi-lo, querida. E você carrega algo pelo qual ele morreria. — Seus olhos
deslizam até minha barriga, e não preciso pensar muito para entender do
que ele está falando.
Com um gesto rápido, ele tira o paletó e o entrega a Serena. Alice
lhe entrega um celular, e ele desliza os dedos pela tela, estabelecendo uma
chamada. Em poucos segundos, a voz do outro lado confirma meus piores
temores. É Ares.
— Seu filho da puta! Onde está minha mulher? — A voz dele
explode com desespero e raiva, uma sequência de xingamentos vem em
seguida. Meu pai solta uma gargalhada fria antes de responder.
— Ela e o seu bastardo estão bem. — Ele gira o celular, mostrando a
câmera frontal na minha direção. Consigo ver o rosto de Ares na tela,
desesperado. Ele está no escritório, e atrás dele, vejo seus irmãos.
— Se você tocar um dedo neles, eu vou cortar você em pedacinhos.
— Ares rosna, batendo a mão na mesa de madeira com força.
— Ele quer matar você! Não faça o que ele mandar! — grito,
desesperada, esperando que Ares me ouça e que, nesse momento, ele já
saiba que eu nunca o trai.
Meu pai puxa o celular de volta, limpando a garganta.
— Eu jamais machucaria minha filha… já o feto que ela carrega…
— Ele lança um olhar cruel na minha direção, para ter certeza de que suas
palavras atingiram o alvo.
— Você não vai fazer nada com o meu bebê! — grito e me sacudo
na cadeira.
— O que você quer, Mário? — Ares pergunta a meu pai.
— É bem simples. — Meu pai se senta na cadeira que Alice
ocupava minutos antes, completamente à vontade. — Sua vida pela do seu
filho. — Ele sorri, seguro de si. — A aliança da minha filha tem um
rastreador, então você vai nos encontrar fácil. Venha sozinho. Você tem uma
hora. Depois disso, minha oferta expira.
Com uma última risada, ele encerra a chamada.
Capítulo 46

— Sabe, querida, eu gostava da sua mãe. Eu realmente a amava,


mas ela não conseguia viver no meu mundo… — sua voz sussurra, rouca e
carregada de uma falsa melancolia.
Estamos só nós dois na sala. Eu ainda estou amarrada, incapaz de
me mover, enquanto ele, de pé, fuma um cigarro tossindo, soltando a
fumaça em direção às janelas.
— Você se parece tanto com ela… Ela não tinha malícia, era gentil.
Mas um dia decidiu que não queria mais estar ao meu lado e fugiu. Fugiu
com você, pequena, nos braços. Eu procurei por vocês… — eu o
interrompo desinteressa em ouvi-lo.
— Não ache que pode me contar histórias e que eu vou acreditar. —
Minha voz é fria, desprovida de qualquer coisa que possa me comover.
— Achei que quisesse saber sobre o seu passado.
‘ — Nada do passado me interessa. Vivi 20 anos sem saber quem era
meu pai, e agora, saber quem você é não muda absolutamente nada. Não
sinto nada por você, a não ser desprezo. E as coisas que você faz… me
enojam.
Ele se vira lentamente, os sapatos rangendo no chão como um
prelúdio.
— Vamos voltar a isso? — pergunta, irritado, mas com um sorriso
nos lábios.
— Como consegue dormir à noite? Você sequestra crianças para
vender seus órgãos! — minha voz treme de fúria contida.
— Eu não as sequestro — ele encolhe os ombros com indiferença,
como se fosse uma pequena correção em um erro sem importância. — Eu
só as recebo.
— Essa é sua justificativa para aliviar a culpa?
— O que fazem com elas não é problema meu. — Ele apaga o
cigarro no peitoril da janela, observando a fumaça se esvair. Seus olhos
castanhos voltam a me fitar.
— E acha que isso te absolve? Que, de alguma forma, você está
limpo porque não suja as mãos diretamente? — protesto.
— Absolvição, querida? — ele murmura — Isso é para os fracos.
Eu nunca precisei ser absolvido de nada. O mundo é o que é. Ou você o
controla, ou ele te destrói. Sua mãe não entendeu isso. Mas você… — ele
inclina a cabeça, me estudando — Você tem potencial. Você pode entender.
Eu sinto uma onda de raiva me percorrer. Eu puxo as amarras com
força, mesmo sabendo que não vão ceder.
— Eu nunca serei como você, nunca serei parte disso. — Minhas
palavras saem num sussurro raivoso.
— O sangue sempre fala mais alto, Isabella.
— O sangue não significa nada. — cuspo de volta. — E eu
preferiria morrer a me juntar a você.
— Cuidado com o que deseja. — Sua voz agora é um murmúrio
sombrio. — Você não é minha única herdeira. — ele desvia os olhos de
mim para seu relógio no pulso. — E pelo visto, o bastardo que você carrega
na barriga não tem tanta importância assim. Acho que medidas mais
drásticas serão necessárias agora.
Um arrepio percorre minha espinha, o medo invadindo cada parte do
meu corpo. Sinto minhas entranhas se apertarem de pavor.
— Por favor, não machuque meu bebê. — Imploro com um fio de
esperança de que talvez, só talvez, ele ainda tenha alguma faísca de
humanidade.
Meu pai levanta o olhar de seu relógio e me encara, um sorriso
brincando em seus lábios finos.
— Está tentando proteger o filho do homem que te acusou de ser
uma traidora? — é uma pergunta coberta de sarcasmo.
Somos abruptamente interrompidos quando a porta da sala se abre,
revelando dois soldados. Nada poderia me preparar para o que vejo ao olhar
na direção deles. Meu coração para por alguns segundos, o ar se recusa a
entrar nos meus pulmões, e sinto como se meus pés perdessem o contato
com o chão.
Ele veio.
Mesmo naquela situação, uma parte de mim se ilumina ao vê-lo.
Ares está sendo arrastado pelos dois homens, O rosto dele já tem
hematomas, indicando que ele relutou para ser capturado. Seus olhos
encontram os meus, e naquele instante, não precisamos dizer nada.
Seus braços estão amarrados atrás do corpo, e ele é jogado de
joelhos à minha frente, forçado a baixar a cabeça, mas mesmo assim, ele se
mantém altivo. Sinto um nó na garganta, meu coração dividido entre alívio
e medo.
— Que honra ter você aqui, meu genro… — a voz do meu pai corta
o silêncio. Ele se aproxima de Ares com passos deliberados, o som de sua
bengala batendo no piso e alto. Ares, com o rosto sujo de sangue, levanta o
olhar e sorri, cheio de ódio. Em um gesto de desprezo, cospe sangue aos pés
de meu pai.
— Eu vou arrancar sua cabeça, seu filho da puta — Ares rosna com
uma fúria, Antes que ele pudesse continuar, um dos soldados desfere um
soco violento em seu rosto, mas Ares não se move. Ele não geme, não
demonstra dor, apenas mantém seu olhar fixo no de meu pai. — Já estou
aqui. Agora solte minha esposa e meu filho — ele diz, mesmo de joelhos,
sua presença é imensa, inabalável.
Meu pai apenas ri, um riso baixo, cheio de crueldade. Ele segura sua
bengala com força, os nós dos dedos brancos, e dá um passo mais perto.
— Seu bastardo ainda estará no ventre para presenciar sua morte,
Ares. Não se iluda — diz, com um tom frio, e sem aviso, ele ergue a
bengala e golpeia o estômago de Ares com uma força bruta.
Meu marido se encolhe levemente, o ar escapando de seus pulmões,
mas ele não grita. Mesmo vulnerável, amarrado, de joelhos e sem chance de
se defender, ele mantém os olhos fixos no meu pai, sem medo, sem
fraqueza, mesmo que esteja sentindo algo, não demonstra nada.
Meu pai não para. Ele ergue a bengala novamente e golpeia com
violência, uma vez, duas vezes, e eu sinto cada impacto como se fosse em
mim. O som surdo dos golpes e o único barulho na sala, se misturado ao
som do meu coração batendo freneticamente.
— Pare! — grito, a voz rasga minha garganta. — Para por favor. —
eu imploro com a voz quase chorando.
Me sacudo na cadeira, tentando me libertar, mesmo com meus
braços e pernas doloridos pelas amarras. As cordas queimam minha pele,
mas a dor física é insignificante comparada ao que vejo diante de mim.
— Você demonstra piedade por esse homem ? O mesmo homem que
te usou e arruinou sua vida. — Seus olhos frios deslizam até minha barriga.
— E ele conseguiu, não é? Você está grávida de um filho dele.
Engulo em seco.
— Não era a mim que você queria. Estou aqui. Pode me levar
embora, me casar com outro se é isso que deseja. — Cada palavra é um
sacrifício, uma imploração pela vida do homem que amo. Estou disposta a
engolir todo o meu orgulho, a me submeter a qualquer coisa, se isso
significar salvar Ares.
— Minha querida filha… — ele começa, o tom de voz soando até
paternal. — Você realmente acredita que eu seria tão tolo a ponto de libertar
esse homem? Se não quiser assistir, você pode fechar os olhos. — meu pai
diz como se meu pedido fosse nada.
Eu olho para Ares com lágrimas escorrendo dos meus olhos, se eu
não quisesse fugir dele, nada disso estaria acontecendo, me sinto culpada.
— Vai ficar tudo bem, Bella mia. — ouço sua voz sussurrar para
mim, ele está machucado, sangrando, e não posso fazer nada.
Ares está tranquilo. Eu deveria esperar alguma coisa dele, meu
marido é imprevisível.
Um som abafado e tiros são ouvidos do lado de fora, interrompendo
o silêncio. Em questão de segundos, Alice e Angélica — agora reveladas
como parentes — entram às pressas na sala
— Estamos sendo atacados — Alice anuncia. Ao ouvir isso, Ares
sorri, os dentes brancos manchados de sangue.
— Isso é formidável, não? — ele debocha, o olhar cintilando com
ironia. — Vocês não previram isso?
Ele recebe outra pancada violenta no estômago. O som do golpe é
alto, mas Ares não demonstra dor. Seus músculos se contraem por um
instante, mas seus olhos permanecem frios.
— Ele não é afetado por dor física, mas pode sentir isso… — Alice
diz com um sorriso de cinismo. Sem aviso, ela dá um passo à frente,
posicionando-se entre mim e Ares. Não tenho sequer tempo para reagir, sua
mão se fecha em um punho firme e cruel, pressionando com força minha
barriga.
Um grito de dor escapa dos meus lábios, fico sem fôlego. Meu
corpo se curva instintivamente, tentando proteger o pequeno ser dentro de
mim.
E ela bate de novo, me encolho como posso, incapaz de contar
quantas vezes ela me acerta.
— Sua vadia! — Ouço Ares grunhir com uma fúria animalesca. Ele
tenta se levantar, movido pelo desespero e pelo ódio, mas um dos homens o
chuta violentamente nas costas, forçando-o a cair de joelhos novamente.
Eu uso toda força que tenho em meus joelhos para empurrar a
maldita de perto de mim, mas as pernas amarradas me impedem.
Mais tiros são ouvidos do lado de fora
— Temos que recuar, não vamos conseguir segurá-los por muito
mais tempo, vamos ficar encurralados. — meu pai diz.
— E deixar tudo isso para trás? — Alice ergue os braços.
— Se ficarmos, seremos mortos. — meu pai afirma.
Eu me sinto tonta e atordoada pelas pancadas, mas tento me manter
de olhos abertos.
— então melhor acabar com isso de uma única vez. — Alice puxa
uma arma de um dos soldados, e mira na cabeça de Ares. — eu sonhei fazer
isso tantas vezes… — ela engatilha a arma e sinto meu coração na boca.
Em um movimento rápido e inesperado, Ares se levanta, usando as
duas mãos para empurrar o chão e se erguer com força. Em algum momento
durante a surra que levava, ele conseguiu se livrar das amarras sem que
ninguém percebesse. Num piscar de olhos, ele imobiliza um dos homens
pelo pescoço, usando o corpo como escudo humano. Com precisão letal, ele
puxa a arma da cintura do soldado imobilizado e, sem hesitar, atira no
homem ao lado de Alice. Tudo acontece em questão de segundos, tão
rápido que mal consigo registrar os eventos.
O impacto do tiro ecoa pela sala, e em um instante, meu pai também
saca uma arma, apontando diretamente para Ares. Angélica segue o
exemplo, sua arma também fixada no meu marido. Mas Alice, astuta e
sempre disposta a ir além, se move rapidamente. Ela se posiciona atrás da
minha cadeira, pressionando o cano da arma contra a lateral da minha
cabeça. O cano da arma bate contra minha nuca e sinto medo e impotência.
— Ela é minha filha, Alice! Isso não estava nos planos! — Meu pai
grita, como se a situação tivesse saído completamente do seu controle.
— Cale a boca, seu velho! — Alice retruca com desprezo, sem
sequer desviar o olhar de Ares.
Um barulho de tiro me assusta. Um tiro certeiro. O corpo do meu
pai despenca no chão, como um boneco sem vida, com um buraco no meio
da testa. Alice acabou de matá-lo, sem hesitação.
— Eu esperei anos por esse dia, Ares. O dia em que eu tomaria tudo
de você, assim como você tomou de mim.
Ares mantém o corpo do soldado como escudo, seus olhos fixos em
Alice, enquanto Angélica ainda mantém sua arma apontada para ele, meu
coração está acelerado. Se ao menos minhas mãos estivessem livres, eu
poderia alcançar a adaga escondida na minha bota… mas nessa posição,
estou indefesa.
Meu marido desvia os olhos da irmã para mim, como se quisesse me
passar alguma mensagem.
— Faça uma escolha Ares ou você morre agora, ou ela. — Alice
bate o cano frio da arma em minha cabeça.
Os tiros estão aumentando e ficando ainda mais próximos.
— Você não sairá daqui viva, Alice. Posso lhe oferecer uma saída —
Ares responde.
— Saída? Você tem noção do inferno que vivi nesses últimos anos?
— ela reponde sarcástica — Você me tomou tudo que eu tinha direito! Eu
deveria estar naquela cadeira, no comando, não você!
A porta da sala é arrombada, e janelas se estouram em uma chuva de
vidro. Homens encapuzados aparecem de todos os lados, e a situação se
transforma em um verdadeiro campo de batalha. Ares, percebendo a
distração, aproveita a oportunidade. Ele saca sua arma com agilidade e atira
contra Alice em um instante, gotas de sangue respingam em meu rosto,
quente e visceral.
Angélica reage, apontando sua arma em direção a Ares, mas o tiro
dela acerta o corpo que ele está usando como escudo, um erro fatal. No
meio do tumulto, um dos homens de preto dispara contra ela.
Meus olhos percorrem a sala, absorvendo os corpos caídos no chão
junto ao sangue. Ares se apressa em minha direção, suas mãos desatam as
cordas que prendem meus braços e pernas. No instante em que me vejo
livre, minha única reação é me atirar em seus braços. Eu o abraço com toda
a força que me resta, enterrando meu rosto em seu peito, inalando o cheiro
dele. Minhas unhas se cravam em sua camisa, e eu me recuso a soltá-lo.
Meu corpo continua em choque, mas segurá-lo contra mim é como um
âncora que me deixa estável.
— Sua barriga… você… — ele começa a falar, mas não consegue
encontrar as palavras.
Eu o interrompo suavemente, tentando acalmá-lo.
— Acho que está tudo bem. Nosso filho é forte — digo, confiando
nas minhas próprias palavras, quase como uma prece. — Eu tive tanto
medo… — Minha voz treme.
Ele me aperta ainda mais contra ele.
Tínhamos tanta coisa para falar, tanto o que discutir, mas naquele
momento tudo o que importava era nós dois, ou nós três.
Seu corpo se afasta do meu e eu me apoio nele para levantar, me
recomponho e limpo as lágrimas do meu rosto com a palma da mão, os
homens ao redor vão evacuando a sala, eu vejo o corpo do meu pai se
arrastar mesmo com uma bala na cabeça, e me pergunto como isso é
possível, a bala não acertou seu cérebro, o cheiro de sangue e enjoativo, eu
me abaixo e pego a adaga dentro da minha bota, e a mesma que ganhei de
Ares, a mesma que usei para cortar o pescoço de Phelipo e a mesma que
vou usar para acabar com a agonia de meu pai.
Ares me observa sem me impedir, eu me aproximo o suficiente do
corpo no chão e em seguida me inclino sobre seu rosto, ele não tem voz,
mas me olha de forma espantosa.
— Espero que se divertia no inferno. — com uma última fala, eu
deslizo a adaga sobre sua garganta, seus olhos se fecham e sua respiração
para.
Limpo a lâmina, e a seguro em meu punho, aos poucos vou me
afastando do corpo.
— Ele seria mais útil vivo, assim você poderia saber quem mais está
envolvido no sequestro daquelas crianças… — eu digo ao me aproximar do
meu marido.
— Enquanto você tentava fugir de mim, eu andei descobrindo
algumas coisas, seu pai vivo ou morto não teria serventia para mim. — Ares
diz convicto.
Meus cunhados aparecem, junto a um homem que vi uma única vez,
mas que me lembro de seu nome, Giovanni, irmão da falecida esposa de
Ares.
— Você está bem cunhada? — Adryel pergunta, a essa altura todos
já sabem sobre a gravidez e sei que a pergunta não é apenas para mim, seus
olhos não saem da minha barriga.
— Estou… — respondo.
Segundos depois, Ares arranca a cabeça de meu pai, de forma bruta
como havia prometido que faria, ele a joga sobre Giovanni como se fosse
uma bola, o homem a segura firme debaixo do braço como um troféu.
— Serena estava aqui… — me lembro momentaneamente que ela é
a única que não está presente nesta sala.
— Ela conseguiu fugir. — Andreas é quem responde.
Por mais que eu quisesse que ela estivesse entre esses corpos
mortos, penso que essa foi uma segunda chance para ela, para conseguir
criar seu filho.
— trouxeram o que eu pedi? — Ares pergunta aos irmãos.
— Está no carro, eu vou pegar. — Adryel diz dando as costas.
Tudo havia acabado. Aquela guerra por poder havia chegado ao fim,
e Ares havia finalmente conquistado tudo o que sempre quis, mas uma
batalha diferente começou a se formar dentro de mim.
Eu era sua esposa, mas o vínculo entre nós estava profundamente
ferido. Ares tinha me machucado de maneiras que palavras não poderiam
consertar. O amor que eu sentia por ele ainda queimava, mas agora,
misturado com medo e desconfiança. Ele havia se tornado um enigma para
mim, alguém com quem eu não sabia mais como me sentir segura.
Eu o queria, desejava sentir o conforto de sua presença, mas, ao
mesmo tempo, temia o que significaria permanecer ao seu lado. A ferida
que ele abriu em mim ainda sangrava, e eu não sabia quando — ou se —
voltaria a confiar nele novamente.

Ares
Isabella estava tão desesperada para fugir de mim que acabou
caindo diretamente na toca do lobo. Não a culpo, não poderia. Não tenho
esse direito. Eu falhei com ela, falhei como marido, destruí a confiança que
ela depositou em mim. E quem é o culpado? Eu, somente eu.
A puni injustamente, ceguei-me ao ponto de não acreditar em suas
palavras. Fui um crápula, obcecado pela vingança, e usei essa sede como
desculpa para saciar minhas próprias necessidades. Agora, o
arrependimento me fustiga como um chicote impiedoso. Isabella nem
sequer quer me encarar. Sinto que a perdi de uma forma tão profunda que os
pedaços que restaram dela já não podem ser tocados pelas minhas mãos. A
quebrei de um jeito que talvez nem o tempo consiga consertar.
Abro a porta do carro para que entre, e, mais uma vez, ela
permanece em um silêncio que me despedaça. O rosto está marcado por
rastros de lágrimas e um pesar que não desaparece. Deixo-a no banco de
trás, fecho a porta e volto para meus irmãos. Precisava avisar que voltaria
para casa e que eles deveriam cuidar de tudo.
Rastrear Isabella até aqui não foi difícil. Mario sabia: a aliança que
ela usava tinha um rastreador. Era uma precaução para situações como essa.
Mas estavam fora do território siciliano, na fronteira. Para chegar até aqui
com os meus homens, precisei da ajuda de Giovanni. Eu já lhe havia
prometido a cabeça de Mario, e sua cooperação, apesar de movida por
conveniência, foi decisiva.
Alice nunca me enganou com aquela pose de boa moça. Sempre
soube que não se podia confiar nela, mas confesso que fiquei surpreso ao
descobrir seu envolvimento com Mario. E até Angélica, que trabalhou em
nossa casa por tantos anos, conseguiu me surpreender. Como eu poderia
imaginar que as duas eram parentes?
Render-me foi uma estratégia calculada, uma maneira de ganhar
tempo para que meus irmãos pudessem planejar o ataque com cuidado. Não
tínhamos ideia de quantos homens Mario tinha ao seu lado, e eu não podia
arriscar perder meu filho. Muito menos minha esposa.
Quando Isabella desapareceu, começamos a revisar as câmeras de
segurança da casa, tanto as internas quanto as externas. Foi por elas que
descobri que Alice a havia levado pelo porão. E, por meio delas, percebi
que Isabella não havia me traído. As imagens mostravam claramente que,
naquele dia, Alice entrou e saiu do quarto em questão de minutos. Só
precisei juntar os fatos para entender:
Alice usou provavelmente o celular de Isabella para enviar aquelas
mensagens. Mas, em vez de investigar a fundo, cedi à interpretação mais
conveniente, mais fácil. Por alguma razão insensata, não pensei em verificar
as câmeras.
Solto um suspiro resignado e caminho até meus irmãos.
— Você levou uma surra do caralho, irmão. — Adryel ri, soltando a
fumaça do cigarro.
Reviro os olhos e lanço-lhe um olhar de advertência, sem muito
humor para piadas. A dor que ignorei no calor do momento agora começa a
cutucar com pontadas agudas; suspeito que duas costelas minhas possam
estar quebradas.
— Podem colocar fogo em tudo. — ordeno. — Vou voltar para casa.
Isabella precisa ser examinada, ela levou pancadas na barriga.
— Tudo bem, cuidaremos de tudo aqui. — Andreas responde,
acenando. — Vou mandar preparar o jatinho.
Assinto com um aceno. Olho ao redor, estranhando uma ausência.
— Giovanni já foi embora? — pergunto.
— Sim. Disse que tinha assuntos a resolver. — Andreas dá de
ombros, sem tirar os olhos do prédio.
— Ainda não acredito que Alice nos traiu…— Adryel murmura
pensativo.
— Ela nunca foi realmente uma de nós. Isso sempre esteve claro. —
respondo, firme
— E Angélica? Ela trabalha para a família desde que éramos
crianças. — meus irmãos continua balançando a cabeça em perplexidade.
Dou-lhe um tapinha no ombro.
— Nisso até eu fui pego de surpresa.
Capítulo 47

Isabella
Sentada na ponta da cama, a médica me examina com gestos
precisos e profissionais. Ela mede minha pressão e, em seguida, pede que
eu me deite de barriga para cima. Suas mãos apertam levemente meu
abdômen, procurando sinais de dor. Eu balanço a cabeça de um lado para o
outro, indicando que não sinto nada, mas minha mente está distante.
Meus olhos se voltam para Ares, sentado a poucos metros de
distância. Ele parece diferente, inquieto, algo que raramente vejo. Talvez
pela primeira vez, percebo uma preocupação genuína em seu semblante. Ele
observa cada movimento da médica em silêncio.
— Sem sinais de sangramento, então acredito que seu bebê está
bem. — informa a médica.
É a mesma que me examinou dias atrás. Suspiro, um pouco aliviada.
— Mas você precisa fazer um ultrassom. É importante para
verificarmos melhor a saúde do bebê — acrescenta, com um tom sério. —
As tonturas e os desmaios podem ser causados por anemia — a médica
acrescenta.
— Anemia? — Ares pergunta com um tom preocupado.
— Precisamos fazer exames para confirmar — ela responde
suavemente. — Mas não é grave, desde que ela se cuide e siga uma dieta
adequada. Tudo voltará ao normal. — Ela faz uma pausa, lançando um
olhar tranquilizador em nossa direção. — Mas ela precisa evitar o estresse.
A gravidez ainda está no início e há risco de perda se ela não se cuidar. Vou
prescrever algumas vitaminas e recomendo que vocês façam um ultrassom
com urgência, logo começaremos o pré-natal.
Eu aceno com a cabeça, absorvendo as palavras da médica. Assim
que ela sai, o silêncio paira no quarto, deixando apenas nós dois. A
conversa que estou prestes a iniciar pesa em meu peito, mas sei que é
inevitável. Respiro fundo, apoiando meus pés no chão e me levantando,
sentindo uma onda de determinação me percorrer.
— Eu aceitei voltar com você, Ares, mas tenho algumas exigências.
— Minha voz é firme, mesmo que por dentro eu esteja aos pedaços.
Ele me encara, confuso, a testa franzida.
— Você já fez exigências quando nos casamos, Isabella — ele
responde, com aquele tom frio e manipulador que conheço tão bem.
— Não quero mais dividir o quarto com você, e, principalmente,
não quero que me obrigue a qualquer tipo de ato sexual — digo, e percebo
um leve estremecimento em seu rosto. — Podemos continuar como um
casal, se for isso que deseja, mas não quero que me toque novamente.
Ares pisca os olhos um pouco aflito.
— Não vou ficar longe de você, nem do meu filho. — Ele balança a
cabeça em negação.
Sinto meu coração apertar, mas continuo
— Quer continuar me machucando desse jeito? — minha voz falha
por um segundo, mas recupero o controle. — Toda vez que olho para esse
quarto, me lembro do que você fez, de como me tomou. Quando vejo
minhas costas no espelho, só enxergo as marcas que ficaram, e essa não é a
relação que eu quero ter. Pode ser que, de alguma forma, eu tenha me
acostumado com o seu jeito sádico, que parte de mim tenha aprendido a
suportar… mas isso não faz com que seja certo. E eu me convenço disso
todos os dias. Não posso permitir que me trate assim.
Ele dá alguns passos para frente.
— Não pode me afastar… — murmura, quase desesperado. — Eu
preciso de você.
— Precisa de mim? — repito, soando mais amarga do que eu
pretendia. — Você precisa me controlar, Ares. Isso não é amor, e nós dois
sabemos disso. O que você sente é posse, é a necessidade de me dominar,
de me fazer ficar ao seu lado, mesmo que isso me destrua no processo.
Ele solta um suspiro pesado, como se estivesse prestes a reagir de
forma impulsiva, mas se controla. Os olhos verdes fixos em mim.
— Eu nunca quis te machucar. — Sua voz sai rouca.
— Não quis? Você é tão mesquinho, Ares. Me ferrou como se eu
fosse um dos seus cavalos. Não pensou, nem por um segundo, que isso iria
me ferir? Você me machucou, e vai continuar machucando, a menos que
perceba que não sou um objeto seu.
Ele dá mais um passo na minha direção, mas eu levanto a mão, um
gesto que o faz parar imediatamente. Minha respiração está pesada, meu
coração acelerado.
— Eu só quero… consertar isso. — murmura baixo.
— Não há conserto, Ares. Não desse jeito. Se você quer que isso
funcione, se quer que eu fique, então terá que respeitar minhas exigências,
não tente passar por cima delas. Nosso filho não é uma garantia de que vou
ficar aqui, e você não pode me prender com isso.
Seus punhos se fecharam ao lado do corpo.
— Você me pediu para confiar em você, mas foi você que não
confiou em mim. Me julgou, me humilhou, e pisoteou meus sentimentos.
Nem sequer tentou acreditar em mim.
— O que você quer que eu faça? Que eu me ajoelhe, que diga que
sinto muito, que confesse que errei? Que fui um louco? Que eu implore que
me perdoe? — Sua voz, rouca de emoção, me atinge.
— Perdão… não é algo que se pede, como se fosse um favor —
respondo. — Perdão se conquista. Com o tempo, com ações. E você… —
engulo em seco. — você quebrou muita coisa dentro de mim. Não posso
simplesmente apagar isso. Talvez o que eu precise, e mais do que palavras,
mais do que promessas… seja paz.
Ele desvia o olhar e encara o chão.
— Você quer que tenhamos um casamento onde eu não possa nem te
tocar? É isso? — Ele pergunta, com um olhar triste e vazio.
— Pense que estamos fazendo isso pelo nosso filho.
Ares balança a cabeça frustrado.
— Você não pode estar falando sério…
— Não temos mais vínculo, Ares. Você me usava apenas para gerar
um filho, e agora que conseguiu isso… não precisamos dividir uma cama.
— eu busco ar em meus pulmões para continuar. — Também não vou
impedir que fique com outras mulheres; sei que você tem seus desejos. —
Pronunciar essas palavras me destruiu por dentro. Estava abrindo mão dele
de todas as maneiras possíveis, apenas para não sofrer mais, apenas para
que pudéssemos viver bem e criar nosso filho, mesmo que a ideia de vê-lo
com outra mulher me machucasse profundamente.
Seus olhos vagam o quarto, sua mão passa pelos cabelos negros em
gestos rápidos.
— Eu não vou suportar ficar longe de você… Vou viver um inferno
todos os dias, mas se essa for a única maneira de mantê-la nesta casa, eu me
afastarei. Preciso resolver algumas questões da La rosa nera e ficarei fora
por algum tempo. — Seus ombros caem enquanto ele solta um suspiro
cansado. — Viajo ainda esta noite.
Meu peito se contrai angustiado, mas penso que talvez seja melhor
assim, precisamos ficar longe um do outro.
— Andreas ficará por aqui. Se precisar de algo, fale com ele — Ares
diz.
Assenti com leve aceno.
— Tem algo que eu gostaria de pedir… Enzo era um amigo para
mim e gostaria de prestar alguma homenagem a ele. — Ares suspira, antes
de balançar a cabeça lentamente.
— Tudo bem. Andreas pode te ajudar com isso. — Ele concorda,
mas percebo seu olhar descer para minha barriga. Sei que ele deseja me
tocar.
— Você vai ficar bem? Vai se alimentar e… — Ele para, as palavras
saem da sua boca com preocupação
— Sim, eu vou. — asseguro.
— Posso, pelo menos, sentir seu cheiro uma última vez? — Ele
pede com um sussurro calmo.
Mordo o lábio, lutando contra a vontade de ceder, mas balançando a
cabeça negativamente. Eu também queria sentir seu cheiro uma última vez.
Mas para quê? Para me torturar? Para provar a mim mesma o quanto sou
fraca e vulnerável diante dele? Não. Eu não posso ceder.
— Me avise quando fizer o ultrassom, quero saber se meu filho está
bem. — são suas últimas palavras
Ele se vira silenciosamente em direção ao closet, e mesmo sem
olhar, sei exatamente o que está fazendo: arrumando suas malas. A
confirmação vem alguns minutos depois, quando ele sai do quarto com uma
única mala em mãos. Uma parte de mim quer acreditar que isso significa
que ele não ficará fora por muito tempo, mas outra parte teme pelas minhas
expectativas.
Ares atravessa a porta sem dizer uma única palavra, e eu sigo seus
passos com o olhar até ele desaparecer.
Andreas me leva até o local onde Enzo foi enterrado. O jazigo fica
perto do de sua mãe, e há uma foto dele junto ao nome gravado na lápide,
com uma frase de despedida. Ele era jovem demais para a morte, mas,
mesmo assim, a vida o levou. As lágrimas começam a cair sem que eu
possa contê-las, quentes e silenciosas.
Coloco as flores que colhi no jardim sobre o túmulo e faço uma
breve oração. Não sou religiosa, mas sempre senti Deus em meu coração,
especialmente nos momentos de luto.
— Sinto muito ter demorado tanto para vir te ver — murmuro, como
se ele pudesse me ouvir, o vento sopra meu cabelo sobre o rosto. — Os dias
têm sido corridos.
Meus dedos deslizam suavemente pela fria superfície da lápide, e
depois me ergo. Enzo morreu de forma nobre. Disseram que ele salvou
civis, que deu a própria vida para salvar outras. Isso não me surpreende.
Apesar de toda a pose de durão, ele era um homem de coração bondoso. Eu
sempre soube disso.
Caminho de volta até o carro com Andreas ao meu lado. Ele sempre
foi calado, fechado, mas, apesar disso, sinto uma profunda admiração por
ele. Foi o único que acreditou em mim, mesmo sem ter me ouvido.
— Por que você nunca achou que eu fosse uma traidora? — A
pergunta escapa de meus lábios sem que eu possa me conter.
— Você é uma doida descontrolada, mas traidora não. E meu irmão
gosta de você, mesmo que ele não diga. Sei que isso não justifica o que ele
fez, mas… se serve de consolo, ele ficou muito preocupado quando você foi
sequestrada — confessa de forma inesperada.
— Ele estava preocupado com o bebê — retruco, com uma
amargura que não consigo esconder.
Andreas suspira e me lança um sorriso quase imperceptível.
— Você realmente acredita nessa merda de que ele só se casou com
você para te engravidar? — A espontaneidade na voz dele me faz rir de
uma forma que eu nem lembrava ser possível.
— No que mais eu acreditaria? Desde o início, tudo foi planejado: o
casamento, e até esse filho.
— No começo, talvez sim. Quando ele te conheceu, esse era o
plano. Mas, depois… alguma coisa mudou.
— Você é irmão dele, vai defendê-lo de qualquer jeito — rebato.
— Você tem razão nisso — ele diz, abrindo a porta do carro para
mim. Mas antes de fechá-la, ele me olha com uma expressão enigmática. —
Ares me pediu para te levar em um lugar.

No início, fico confusa com todas aquelas crianças correndo de um


lado para o outro, brincando, rindo, sendo felizes. Mas, depois de observá-
las por um tempo, algo em mim desperta. Talvez eu já saiba quem elas são.
— São as crianças que vocês resgataram? — pergunto, sentindo um
nó na garganta. Ultimamente, a gravidez tem me deixado tão sensível. Na
semana passada, falei disso com minha médica. Ela recomendou banhos
quentes e chás, mas nada parece realmente ajudar.
— Sim. Nem todas tinham famílias, e nem todas quiseram voltar. —
Ele responde com um tom distante.
Meus olhos se fixam em uma criança diferente das outras. No meio
de toda aquela agitação, vejo um menino que não corre, não brinca. Está
sentado sozinho em uma mesa, alheio a tudo ao seu redor. Algo dentro de
mim se conecta a ele de forma instantânea, como se já o conhecesse. Sem
pensar, dou alguns passos, deixando Andreas para trás, e me aproximo do
garoto. Seus cabelos são escuros, seus olhos castanhos, e sua pele é tão
pálida que parece de um anjo. Quando ele me vê se aproximando, encolhe-
se, assustado, como se estivesse pronto para fugir. Seu corpo pequeno
parece prestes a saltar da cadeira e correr.
Andreas aparece atrás de mim e faz um leve aceno para o garoto.
Ele entende isso como um sinal e, relutantemente, volta a se sentar.
— Desculpa, eu não queria te assustar — digo suavemente. Ele me
olha como se eu fosse uma ameaça, alguém de quem deve manter distância.
— Posso me sentar aqui com você? — pergunto, tentando não parecer
intrusiva.
Ele hesita, mas acena com a cabeça.
Ao me sentar, noto o desenho que ele segura com suas pequenas
mãos, e minha curiosidade cresce.
— Posso ver? — pergunto, e ele novamente acena, sem dizer
nenhuma palavra.
Ele me entrega o desenho, e ao pegá-lo, vejo traços infantis, mas
encantadores. É o retrato de uma linda garota, com olhos azuis e um rosto
angelical.
— Ela era sua amiga? — tento soar gentil. Ele balança a cabeça,
confirmando. — Ela está aqui também? — Minha pergunta é delicada, mas
temo estar sendo insistente. No entanto, sou surpreendida quando ele fala
pela primeira vez.
— Não, ela voltou para a família dela. — Sua voz é suave, quase
musical, e me pega desprevenida.
Enquanto continuamos a conversar, descubro seu nome e sua idade.
Ele não fala muito, mas consigo arrancar algumas poucas palavras. Prometi
que voltaria a vê-lo, e passamos o resto da tarde juntos. Quanto mais
conversávamos, mais eu percebia o quão pesado era o fardo que ele
carregava para uma criança. Ele já tinha visto o pior da vida, já viveu nas
ruas sequestrado, e mesmo após ser resgatado, uma família que o adotou o
devolveu por conta de seu temperamento difícil.
Mas algo me diz que ele cruzou meu caminho por um motivo.
Talvez o destino o tenha colocado aqui porque sabia que eu o queria. Sinto
uma responsabilidade crescer dentro de mim, como se eu estivesse
destinada a cuidar dele.
Capítulo 48

Ares
Dois meses.
Conseguir tudo o que eu queria não me trouxe a satisfação que eu
esperava. Apesar de ter alcançado poder e agora comandar duas máfias, o
vazio no meu peito continuava crescendo. Eu tinha um sucessor a caminho,
estava prestes a concretizar o que planejei durante quatro longos anos, mas
nada disso parecia suficiente sem a mulher que eu realmente desejava ao
meu lado.
As semanas, desde que cheguei, passaram rapidamente, ocupadas
com trabalho e a reforma nos negócios do meu falecido sogro. Como era de
se esperar, alguns se rebelaram contra mim, mas tudo foi resolvido da forma
mais simples: com uma lâmina afiada e uma cabeça rolando. Isabella era
herdeira legítima da La rosa nera, e o nosso filho também. Ninguém ousaria
contestar esses fatos.
Não pretendo permanecer aqui para sempre. Meu irmão mais novo
ainda não sabe, mas, após o casamento, ele virá para cá. Será meus olhos e
ouvidos. É claro que sentirei sua falta, ele e Andreas são as únicas pessoas
em quem confio plenamente. Justamente por isso, estou confiando a ele
esse cargo.
Andreas me mantém atualizado quase todos os dias sobre Isabella.
Ver as fotos dela distraída só aumenta a saudade que corrói meu peito.
Tento lidar com isso à minha maneira. Sei que estamos afastados por minha
culpa. A parte doentia de mim arruinou tudo. Eu me odeio da forma como
ela disse que eu me odiaria. Odeio-me por machucá-la, por duvidar da sua
lealdade, por destruir seu coração, por ser um marido terrível. Odeio-me por
acreditar que ela deveria ser forçada a suportar o inferno que criei.
Fui péssimo. Eu rastejaria aos seus pés, se ela me permitisse. Sim,
porque ela é a única que me faz cair de joelhos. Faria qualquer coisa por
aquela mulher.
— Você está me ouvindo? — A voz de Adryel me puxa de volta dos
meus devaneios.
— Sim — respondo, ainda com a mente distante. — Você disse que
ele é um ex-sacerdote que virou político. — repito por algo o que penso ter
escutado.
— Eu disse mais que isso. — meu irmão revira os olhos,
impaciente. — Está nervoso porque vamos voltar para casa?
Eu deveria admitir que sim, que estou nervoso. Não sei se ela vai me
deixar tocar sua barriga, ou sequer se permitirá que eu beije seus lábios.
Mas, em vez disso, apenas balanço a cabeça e tento focar no que importa.
— Estou tranquilo quanto a isso. Em algum momento, terei que
voltar. — Me ajeito na poltrona que foi do meu falecido sogro. É
confortável, mas ainda prefiro a minha. — Quanto ao falso profeta, faça
como sempre fazemos. Faça parecer um acidente e depois queime tudo,
para não deixar vestígios.
Meu irmão caminha até o minibar no canto da sala e se serve com
um uísque.
— Será que essa lista vai acabar algum dia? — Ele se refere à
pirâmide de sequestro de crianças. Nos arquivos de Mário, encontramos
nomes que nos levaram a uma rede maior, envolvendo famílias ricas não só
da Itália, mas de outros países. Hospitais, igrejas e até figuras do governo
estão envolvidos. E aquelas crianças não são as únicas. Muitas outras estão
sendo sequestradas ao redor do mundo.
— Sendo sincero, não sei. — Respiro fundo antes de continuar. —
Acho que essa merda nunca vai acabar. Mesmo que matemos dez, ainda há
muitos mais envolvidos.
Adryel gira o copo de uísque em sua mão, observando o líquido
âmbar girar.
— Quando voltarmos para casa, o que vai fazer a respeito do seu
casamento? — de volta ao assunto.
Inclino a cabeça para trás, desejando que ele engula o copo de
uísque. Não quero falar sobre isso. Passei todo esse tempo tentando não
pensar nela, mas ainda me pego relendo a última mensagem que recebi. Foi
enviada um dia depois que cheguei e continha o ultrassom do nosso filho.
Depois disso, não recebi mais nada. Cheguei a pensar em mandar uma
mensagem, mas tinha quase certeza de que ela não responderia. Então,
prefiro aceitar que estamos distantes, porque é o que precisa ser.
— Vou conceder o divórcio a ela.
Deixo minha cabeça cair para trás na poltrona.
— Vai desistir do seu casamento assim, tão fácil?
— E o que mais posso fazer? Ela me odeia. Não quer que eu a
toque, e chegou a dizer que eu deveria ficar com outras mulheres. — Meu
peito aperta, como se uma corda invisível estivesse sendo amarrada ao
redor do meu pescoço, sufocando lentamente. — Se eu a obrigar a ficar
comigo, só vou fazê-la sofrer ainda mais. Só quero poder conviver com
meu filho, e isso para mim já basta.
— E você? — ele pergunta. — Não vai sofrer com isso também?
— Já estou sofrendo. Cada dia que passo sem ela… — Respiro
fundo. — Mas acredito que um dia isso vai passar. Sentimentos são
temporários. — Tento convencer a mim mesmo disso todas as noites,
quando encosto a cabeça no travesseiro e luto para arrancar esse maldito
sentimento do meu coração. — E você, está preparado para ficar noivo e
estar comprometido com alguém? — mudo de assunto
Seu corpo fica tenso imediatamente.
— Não, mas é necessário. — Adryel toma um gole da bebida antes
de continuar. — Com você se separando, eu serei o único casado, e
sinceramente… não vejo vantagem nenhuma nisso.
Eu não deveria, mas acabo rindo.
— Você vai se acostumar, acredite.
— Acostumar? A ter apenas uma única mulher? — Ele fecha os
olhos, visivelmente aborrecido.
— Se ela for a mulher certa, você não vai querer mais nenhuma
outra. — digo.
Meu irmão coloca o copo de bebida sobre a mesa e se espreguiça na
poltrona à frente.
— Nossa mãe me ligou. — Ele me observa, esperando uma reação.
— O que ela queria?
— Está doente. Disse que é algo grave.
— E como saber se não está blefando? Não tenho tempo para lidar
com isso, Adryel. Aquela mulher não significa nada para mim. Se você, e
Andreas, ainda se importa com ela, eu respeito, mas não quero ser
envolvido.
— Eu sei… você passou por tantas coisas quando criança e nunca
nos colocou contra ela.
— Eu senti falta de uma mãe e não queria que vocês passassem pelo
mesmo. Mas a verdade é que ela não merece nenhum tipo de afeto, nem o
meu, nem o de ninguém.
Quando penso no meu filho, desejo ser para ele o que eu nunca tive.
Quero ser bom pra ele.
Isabella
Ainda não me acostumei a acordar sozinha. Eu durmo abraçada a
uma das camisas dele, apenas para sentir seu cheiro e facilitar o sono. Essa
se tornou uma mania minha. Nos primeiros dias, eu chorava
incessantemente: chorava porque ele era o responsável pela nossa
separação, chorava porque queria perdoá-lo, chorava porque desejava ligar
e pedir que voltasse para ficar comigo e com nosso filho.
Chorava porque sentia sua falta, porque queria que ele visse que
agora tenho uma pequena barriga e que nosso filho está crescendo. Eu
chorava porque o amava e estava me despedindo do que um dia chegamos a
ser.
Nas semanas seguintes, me empenhei em me alimentar melhor, fazer
exercícios e me desligar da internet, tentando não esperar por uma
mensagem simples dele. Com a intenção de ocupar minha mente, acabei
lendo mais de quinze livros. Cuidava do jardim, tomava banhos de piscina e
participava de reuniões com as mulheres da organização. Embora muitas
vezes fosse entediante, fiz de tudo para que os dias passassem mais rápido.
Com um mês, meu coração já não doía tanto e comecei a me sentir
um pouco melhor. Não me lamentava nem ficava triste; esforçava-me para
que nada do que eu sentisse afetasse meu bebê. Com quatro meses de
gestação, minha barriga não é muito grande, mas, considerando que sempre
fui muito magra, isso já é um avanço.
Ganhei um pouco de peso, apesar de não conseguir comer muito por
causa dos enjoos que tenho com mais frequência, meus seios estão
doloridos e inchados, e meus pés começaram a ficar um pouco
edemaciados. Na última consulta, a médica me explicou que todos esses
sintomas são normais na gravidez e que eu deveria repouso.
Dois meses se passaram desde que ele viajou e não tive notícias
dele. No entanto, sei que ele sabe de mim; Andreas, não perde a
oportunidade de me fotografar e enviar para o irmão. Às vezes, sentia
curiosidade e pensava em perguntar a Andreas quando Ares voltaria, mas
acabava me abstendo. O que eu sentia por Ares era uma dependência
emocional, e eu estava tentando lidar com isso nas sessões com a psicóloga.
Queria me tratar do que quer que fosse esse sentimento; acreditava que o
amor também pode ser curado. Passava horas imaginando como seria seu
retorno, martelando na mente a ideia de quantas mulheres poderiam ter
aquecido sua cama, e se ele fazia com elas todas aquelas coisas que fazia
comigo.
Eu estava bem, mas ainda sentia que algo estava faltando. Talvez
fosse minha liberdade. Ser livre sempre foi um sonho, mesmo que tenha se
apagado quando me casei. Contudo, esse desejo nunca desapareceu
completamente. Talvez fosse isso que me faltava: a oportunidade de viver
uma vida comum, normal. Era isso que eu realmente queria, não era?
Aliso a barriga sobre o vestido enquanto balanço na rede do jardim
com um livro em uma das mãos. Olho para o céu azul, admirando a beleza
de um lindo fim de tarde.
Capítulo 49

Isabella
Ouço a porta do quarto ranger lentamente, seguida de passos que
ecoam pelo chão. Por um momento, acreditei estar sonhando, como tantas
outras noites, mas algo em meu corpo avisa que é diferente. Consigo sentir
o colchão afundando, e um leve toque em meus cabelos, carícias.
Meu coração dispara, e eu abro os olhos, com as mãos rapidamente
apoiadas no colchão. Sento-me na cama, ofegante. A palma das minhas
mãos está suando, meus lábios tremem e minha garganta parece apertada.
Faço um esforço para piscar, para ter certeza de que realmente estou vendo-
o.
Ele está tão próximo que sinto minha pele se arrepiar.
— Desculpe, não queria te acordar. — Sua voz, depois de tanto
tempo, me desconcerta; eu senti falta dela.
Seus olhos penetram os meus, e uma vontade intensa surge de tocar
seu rosto, de sentir a textura da sua barba entre meus dedos. Inspiro seu
perfume.
Minha voz desaparece na garganta, e não consigo encontrar palavras
para dizer. Ensaiei tantas vezes como seria nosso reencontro, mas agora me
esqueci de tudo.
— Você… Quando chegou? — murmuro e me esquivo do seu
corpo.
O verde intenso de seus olhos é tão deslumbrante que me perco por
alguns segundos, hipnotizada.
— Acabei de chegar. Vou pegar uma roupa e sair. — Ele se levanta
rapidamente, afastando-se como se tivesse percebido que invadiu meu
espaço.
Levanto-me rapidamente, e quando ele retorna, o choque é imediato.
Seus olhos se fixam em meu ventre, e eu instintivamente tento escondê-lo,
sem entender o motivo desse impulso.
— Você já pegou o que precisa? — pergunto, tentando desviar sua
atenção, mas ele continua com o olhar preso à minha barriga.
— O que eu preciso fazer pra você deixar eu tocar? — sua pergunta
quebra o silêncio.
Desejei tanto que ele acariciasse minha barriga, mas agora me
pergunto se devo permitir isso. Já consigo perdoá-lo? Sou capaz de
estabelecer limites entre nós? Se ele me tocar, será que meu corpo não vai
queimar de desejo?
Fico em silêncio, sem lhe dar resposta alguma.
— Você não acha que já me castigou o suficiente? Eu só quero tocar
no meu filho… por favor… — Ele implora. Ares implora para tocar na
minha barriga.
Respiro fundo, sentindo minha resistência desmoronar.
— Tudo bem… mas só um pouco.
Ele se aproxima, e a sombra do seu corpo envolve o meu. Com uma
calcinha de renda e uma blusa fina, sinto a vulnerabilidade em cada
centímetro exposto do meu corpo. Engulo em seco enquanto ele reduz a
distância entre nós, está difícil até mesmo respirar o mesmo ar que esse
homem.
Vejo-o se ajoelhar lentamente diante de mim, entregando-se aos
meus pés. Seus olhos são de uma devoção crua, e sua mão começa a se
aproximar da minha cintura, sinto o coração acelerado em antecipação.
Quando seus dedos finalmente deslizam pela curva suave da minha barriga,
levemente arredondada, sinto uma corrente elétrica percorrer meu corpo,
fazendo cada célula despertar ao toque dele.
Fecho os olhos por alguns momentos, deixando-me envolver pelo
toque. Quando os abro novamente, encontro o rosto dele próximo à minha
pele, seus dedos acariciando-me com ternura. Há um brilho em seus olhos,
que me deixa até emocionada.
Ele beija minha barriga enquanto ainda faz carinho, sua barba roça
minha pele, e sinto meus dedos dos pés formigarem.
Por quanto tempo mais vou conseguir resistir a isso? Preciso dele,
dos lábios pressionados contra os meus, do calor que só ele desperta em
mim. Preciso senti-lo dentro de mim fundo, preciso queimar junto com ele.
— Você esteve com outras mulheres? — A pergunta escapa dos
meus lábios antes que eu possa contê-la. Eu sei que não deveria questioná-
lo, que a resposta pode me ferir, mas se realmente quero seguir em frente
com isso, preciso ter certeza de que ele ainda é só meu.
— Não, eu ainda sou apenas seu, mesmo que você me rejeite. — A
aliança brilha em sua mão, descansando sobre minha barriga, e não consigo
desviar o olhar dela.
Passo a língua pelos lábios, e mordo minha bochecha indecisa.
— Você… Você quer fazer sexo comigo? — fecho os olhos no
instante em que faço a pergunta, sentindo a vergonha subir pelo meu rosto
por me atrever a sugerir algo assim, especialmente quando sei que preciso
me afastar dele.
Ares se levanta, olhando para mim como se eu tivesse cometido um
erro.
— Não quero te machucar… Não quero fazer isso de novo.
— Você não sente mais desejo por mim? — indago, a insegurança
transparecendo na minha voz.
— Eu te desejo de uma forma que chega a doer, Isabella. Mas não
quero que você me odeie ainda mais.
— Podemos fazer isso só mais uma vez. Eu sinto tanto a sua falta —
admito em um sussurro.
— Você acha que eu não sinto? Eu me segurei todos os dias para
não voltar para casa, porque queria te dar espaço. Não queria ter que ver o
medo nos seus olhos quando olhasse para mim. — ele diz olhando no fundo
dos meus olhos.
— Eu não estou com medo agora.
— Isso vai mudar assim que eu tocar em você. Vou querer te revirar
do avesso, bagunçar você, vou querer deixar sua pele marcada, vou te
sufocar e te fazer gritar, eu vou ser um depravado. — ele dá um passo para
trás como se isso fosse capaz de nos afastar.
Engulo em seco suas palavras.
— Eu quero que você faça tudo isso comigo. — minhas pernas se
esfregam uma na outra. — Quer que eu implore para você me foder? Se é
isso que você quer, eu estou implorando. Por favor, me jogue nesta cama e
me transforme em uma puta suja. Eu preciso disso, preciso me sentir assim,
pelo menos uma última vez.
Tomo a iniciativa e me aproximo dele, dando alguns passos até que
finalmente estamos próximos. Me inclino na ponta dos pés para alcançá-lo,
capturando sua boca em um beijo que me tira do chão.
Sua mão se agarra à minha cintura, e ele deixa de resistir; seu corpo
também me deseja, chamando por mim em silêncio. Sua boca devora a
minha em um beijo de saudade, quase violento. Sinto os músculos do meu
corpo sendo envolvidos pelos braços dele, e me sinto maravilhosamente
esmagada contra ele, como se fôssemos capazes de nos fundir, de nos tornar
um só.
Minhas mãos deslizam pela sua camisa, buscando desesperadamente
os botões para desabotoá-la. Mas, quando vejo mais marcas em seu
abdômen, paro. As cicatrizes parecem recentes, e me afasto um pouco para
observar melhor.
Quando minhas mãos exploram suas costas, sinto pequenas
ondulações sob os meus dedos. Ao olhar para sua pele exposta, fico
boquiaberta: marcas de chicote. Quantas vezes ele se feriu até alcançar a
carne e sangrar?
— Por que você fez isso? — questiono, tocando suas feridas com
raiva, incapaz de entender por que ele se machucou. — Me diga por quê! —
exijo.
Ares suspira e me observa como se quisesse me acalmar, mas sinto
meus olhos arderem. As lágrimas começam a escorregar pelo meu rosto,
quentes e incontroláveis.
— Porque não suporto viver sabendo que você me odeia. Preciso me
punir de alguma forma, querida, até que meu corpo não suporte mais. —
Ele sussurra com um tom rouco e seca minhas lágrimas com a ponta de seus
dedos.
— Você não precisa fazer isso por minha causa. — tento acalmar
meu choro. — Eu te perdoo, mas não se machuque mais, por favor. — eu
imploro.
Sua mão acaricia meus cabelos.
— Não precisa me dar o seu perdão por pena — responde. — Eu
não quero que você sinta compaixão por mim.
Solto um suspiro profundo que parece rasgar minha garganta.
— Estou te perdoando porque, quando você se machuca, você
também me fere. — Passo a mão pela sua barba. — Eu não te odeio. Minha
boca pode ter dito isso, mas não é o que realmente sinto. Não consigo te
odiar.
Novamente, o beijo acontece sem que eu dê espaço para nos
separarmos. Ele me agarra e me leva para a cama, e eu enrosco minhas
pernas em sua cintura, prendendo-o contra mim, enquanto rolamos nos
lençóis.
— Eu senti tanta falta de te beijar — ele sussurra contra meus
lábios, e um sorriso se forma em meu rosto.
— Eu também.
Sua barba provoca cócegas no meu pescoço enquanto ele desce
entre meus braços, puxando minha blusa. Eu me ergo para tirar a peça. Sua
boca encontra um dos meus seios, e meu corpo parece prestes a entrar em
combustão. A forma como ele belisca, suga e morde me leva à beira da
loucura. Mal consigo lembrar que eles estão doloridos; tudo o que faço é
empurrar mais meu corpo em direção ao seu rosto, pedindo que ele chupe
mais forte.
Meus dedos se entrelaçam em seus cabelos, enquanto meu corpo se
inclina, minha boceta lateja de excitação.
Ares responde com um gemido rouco, como se estivesse sofrendo
tanto quanto eu, por aqueles dias que passamos separados onde eu só
desejei um toque dele.
— Eu quero te sentir inteira. Deixe-me lembrar como é estar dentro
de você.
Minha respiração está descompassada, e eu balanço a cabeça.
— Sim… sim, por favor. — peço, ofegante.
Meu corpo já responde, trêmulo e rendido.
Sua boca desliza pela minha barriga, depositando beijos ardentes a
cada centímetro, e, quando ele se aproxima do meu monte de Vênus, ele
exala um suspiro profundo, como se estivesse absorvendo meu cheiro, cada
detalhe do meu corpo. Sua testa repousa contra a minha calcinha, e suas
mãos fortes se prendem à minha cintura, me mantendo firmemente em seu
domínio.
Espero ansiosa, desejando que ele me devore como sempre faz, que
arranque de mim um grito selvagem, que rasgue minha calcinha sem
hesitação, que deixe suas marcas em minha pele, impressas de forma tão
intensa que nem mesmo a roupa poderá esconder. Eu quero tudo o que ele
pode me dar, com uma urgência desesperada, temendo que talvez essa seja
a última vez. A última vez que vou senti-lo, que seus beijos pertencem
apenas a mim.
Suas mãos deslizam lentamente, arrastando minha calcinha pelas
minhas coxas e pernas, até que eu esteja totalmente exposta, revelando o
quanto estou excitada.
Quantas vezes imaginei esse momento? Quantas vezes sonhei que
ele me tomaria assim? Mas por que ainda preciso tanto dele, apesar de todo
o sofrimento que ele causou? Será covardia amar alguém que me feriu tão
profundamente?
Ele começa a me acariciar, seus dedos correm lentamente pela
minha pele exposta, e um arrepio percorre minha espinha. Cada toque, por
menor que seja, me arranca suspiros, gemidos abafados que mal consigo
conter. Quando sua língua finalmente desliza entre meus lábios vaginais,
um gemido mais intenso escapa de mim, e minhas mãos se agarram aos
lençóis, desesperadas por algum tipo de apoio. Meu corpo se contorce sob o
toque dele, e a sensação de sua língua quente me deixa cada vez mais
molhada e excitada.
Minhas pernas começam a tremer, e meu coração bate tão acelerado
que sinto como se fosse sair pela minha boca. Instintivamente, eu me abro
ainda mais, oferecendo-me completamente, inclinando minha cintura em
direção ao seu rosto. Minhas mãos se entrelaçam em seus cabelos, puxando-
os levemente, implorando em silêncio para que ele me leve à loucura, para
que me faça gozar em sua língua.
Ele me encara enquanto me domina, seus olhos escuros e vorazes,
absorvendo cada reação que ele provoca em mim, conscientes do poder
absoluto que têm sobre meu corpo e minha vontade.
Ares aprofunda sua língua, e um gemido alto me escapa. Meu corpo
cede, entregando-se sem reservas, e a pressão que se acumula em meu
ventre explode, me deixando tonta, entregue, completamente dominada.
Minhas mãos se enredam mais forte nos seus cabelos enquanto meu corpo
inteiro se contrai e relaxa, um misto de prazer e libertação.
Quando o êxtase começa a diminuir, ele sobe devagar por cima de
mim, seus olhos brilhando com um desejo insaciável. Suas mãos percorrem
meu corpo, como se estivessem memorizando cada linha, cada curva minha.
— Você é tão minha. — Ele sussurra, sua voz quente contra meu
pescoço.
Sou.
Sou toda dele.
Apenas dele.
E para sempre serei dele.
Seus lábios encontram os meus novamente, compartilhando meu
gosto em um beijo quente e apaixonado. Sinto a vibração do seu corpo
junto ao meu, e o que existe entre nós é inegável. Temos algo poderoso,
uma atração fatal, uma conexão que parece ultrapassar os limites dessa
vida.
Eu toco seu rosto, exploro seus braços, e deslizo a ponta dos meus
dedos pelo seu corpo, desenhando cada contorno e curva como se fosse uma
obra de arte.
Sinto-o se afastar para se despir, e quando ele retorna, seu corpo nu
se une ao meu. Um sorriso surge nos meus lábios ao perceber sua rigidez,
seu membro duro está sob minha barriga.
— Abra as pernas para mim. — Ele pede, e eu obedeço,
acomodando-me em baixo dele, pronta para recebê-lo. Mesmo ciente de
que pode doer, mesmo sabendo que, ao senti-lo dentro de mim, não haverá
volta, e a sensação que tentei evitar retornará com força.
Ele me encara no fundo dos meus olhos enquanto seu pau tenta me
penetrar, seu corpo pressiona contra o meu. A ansiedade me consome, e
quando sinto a ponta dele se infiltrando, um suspiro alto escapa dos meus
lábios e meu corpo se contrai, dando um sobressalto na cama. E como se
fosse a primeira vez, mas desta vez não haverá sangue nos lençóis ao final.
Entrelaço meus braços em seu pescoço, puxando-o para perto, e em
um impulso ele entra inteiro, penetrando fundo.
Sinto seu corpo se mover lentamente, e cada centímetro dele que se
insere em mim provoca uma mistura de prazer e dor. Ele se ajusta ao meu
corpo, sendo paciente, indo devagar, sem pressa, como se estivesse fazendo
sexo carinhoso comigo pela primeira vez. As lembranças do que fomos se
misturam em minha mente, e lágrimas escorrem pelo meu rosto, molhando
minhas bochechas.
— Merda! Eu tô te machucado não é? — ele pergunta com um
toque de decepção em sua voz, seu corpo começa a se afastar. Mas eu o
agarro, segurando-o firmemente, impedindo que ele se afaste de mim.
— Não ouse sair de mim — intervenho.
Por que ele tem que ser a minha âncora? Por que amar esse homem
é tão doloroso? Por que meu coração não consegue expulsá-lo? Meu corpo
anseia por pertencer a ele, mesmo sabendo que, embora tenhamos nascido
um para o outro, não somos perfeitos para nos encaixar.
— Você está chorando… — ele murmura, e seus lábios tocam
minhas lágrimas salgadas.
— Eu não consigo… — sussurro com a voz embargada. — Não
consigo entender por que isso é tão difícil.
Ele levanta meu queixo, forçando-me a encará-lo nos olhos.
— Por que amar você dói tanto? — pergunto, as lágrimas
escorrendo pelo meu rosto, deixando um rastro em minha pele.
— Eu não sei, querida. Eu queria que essa dor fosse só minha. —
Seus dedos deslizam suavemente pelos meus cabelos, afastando-os do meu
rosto e os colocando atrás da minha orelha, como um gesto de cuidado,
depois deposita um beijo na minha testa. — Essa é a última vez que vai
doer. Eu prometo. — Ele diz com convicção.
Ares retoma os movimentos, intensificando a pressão, enquanto
mergulho em seus olhos verdes. Neles, consigo ver a nós dois refletidos,
mas não sou capaz de alcançá-lo. Os momentos que vivemos juntos se
desenrolam em câmera lenta, todos os beijos e confissões, todas às vezes
que fui tomada por ele, até mesmo as explosões de raiva.
Recordo os momentos em que conheci seu pior lado, e mesmo
assim, escolhi ficar. Ele era meu lar, me cuidou à sua maneira e me fez
sentir amada. Seus gestos tinham um significado, ele era tudo o que eu
tinha. Mas tudo isso se dissipou. Essas lembranças se tornaram dolorosas
recordações do que fomos. Agora, nem eu, nem ele sabemos o que somos:
amantes? Inimigos? Ou apenas estranhos? Eu não o conheço mais como
antes, mas ainda vejo o homem que amo. Ele está ali, implorando
silenciosamente para que eu fique, mas já não sei se sou capaz de cuidar
dele sem que isso me machuque.
Eu abro ainda mais as pernas e faço um pequeno pedido, sussurrado.
— Vá mais forte, por favor.
— Mas… — coloco um dedo sobre seus lábios, interrompendo-o.
— Quero me lembrar de como é ser fodida pelo meu homem, então
vá forte, duro e rápido.
Ele suspira e inclina o rosto em meus cabelos, atendendo a cada um
dos meus pedidos. Ares me possui com uma intensidade raivosa, suas mãos
exploram meu corpo, beliscando meus seios enquanto eu choramingo,
anestesiada pelo prazer e pela dor.
— Deixa eu te comer por trás, amor. — sua voz sussurra quente em
meus ouvidos.
Amor?
Sim.
Sim, por favor.
Mil vezes sim.
Tome tudo de mim, até não sobrar nada.
Balanço a cabeça com um sorriso contido, e seus lábios se
encontram com os meus. Em um movimento ágil, sou virada de lado,
posicionada contra o colchão de uma maneira que conheço tão bem. Meus
joelhos afundam nos lençóis, a bunda ergue-se para cima e a cabeça se
inclina para frente. Suas mãos me forçam a abrir as pernas, enquanto seus
dedos exploram minha excitação e a arrastam até a minha bunda. Ele não
hesita em usar a língua, o que me pega desprevenida e acabo gemendo
abafado.
Sinto um de seus dedos pressionando para entrar, e me agarro aos
lençóis.
— Relaxe. Se você ficar tranquila, não vai doer — Ares assegura.
Confio nele e me esforço para relaxar o máximo possível, tentando
me convencer de que ter um dedo na minha bunda não é incômodo.
Seus dentes se cravam na pele suave das minhas nádegas, e não
consigo evitar um sorriso, pois até isso eu sentia falta.
Eu o encaro por cima do ombro, tentando repreendê-lo.
— Eu não consigo evitar.
Outro dedo se aprofunda dentro de mim, e eu afundo as unhas no
colchão com mais força.
Respiro fundo para me acalmar, e lentamente a dor se transforma em
uma sensação nova e prazerosa. Mas, não tenho tempo para saborear essa
mudança, pois logo sinto a ponta do seu membro duro pressionando contra
minha bunda. Mordo os lábios, antecipando a intensidade que está por vir.
Mesmo lubrificada, sei que vai doer; ele é enorme, e dois dedos não se
comparam ao tamanho do seu pau.
Com uma mão, ele se guia para dentro de mim, enquanto a outra
segura minha cintura com firmeza, mantendo-me na posição. Permaneço
quieta, sentindo seu comprimento me invadir lentamente. A sinto, uma
mistura de dor e ardor, um aperto intenso que me faz sentir cada centímetro
dele.
— Dói… — eu choramingo. — Meu Deus, está doendo muito.
— Calma, tente relaxar. Eu já estou dentro; só preciso me mover um
pouco.
Fecho os olhos e sinto sua mão descer entre minhas pernas, tocando
meu clítoris. Ele começa a se mover devagar, entrando e saindo, e eu não
consigo conter os choramingos que escapam toda vez que ele se afunda
novamente.
Um desejo avassalador começa a subir pelo meu ventre, fazendo
minha intimidade pulsar lentamente. Luto com todas as minhas forças para
manter as pernas abertas.
Ele intensifica seus movimentos, sendo mais rápidos e fundos, as
duas mãos seguram minha cintura, dando a ele oportunidade de puxar meu
quadril para mais perto. Ares rosna enquanto estapeia minha bunda sem dó
nem piedade. Gritos de prazer escandalosos escapam dos meus lábios, e ele
direciona sua atenção novamente para o meu clítoris. Sinto seu membro
pulsar, percebendo que ele está chegando ao seu limite. Consigo ver seu
lado perverso se libertando das correntes.
Ele goza, preenchendo minha bunda com seu orgasmo, o excesso
começa a escorrer entre minhas pernas, meu marido não para; continua a
me penetrar minha bunda, marcando minha pele com a palma da mão.
Permaneço inerte quando dois de seus dedos se afundam em minha boceta.
Arqueio as costas, sentindo que não consigo mais me segurar, que o
orgasmo está prestes a me dominar. Quando ele finalmente chega, sou
tomada por uma onda de prazer arrebatadora, deixando-me trêmula, exausta
e, talvez, sem voz de tanto gritar.
Capítulo 50

Ares
Vejo a imagem borrada na tela, meu coração bate acelerado,
enquanto o nervosismo toma conta de mim. Estive longe tempo suficiente
para perder momentos importantes do crescimento do meu filho. Isabella
exibe uma barriga linda, pequena, mas perfeitamente arredondada, eu insisti
para vir ao não queria perder mais nada do meu filho, quero ser um pai
que eu não tive para ele.
— É uma menina — informa a médica.
O sorriso radiante de Isabella se apaga de repente, e eu sei
exatamente o motivo.
— Menina? — repito, tentando processar a informação.
— Sim, vocês serão papais de uma menina — afirma a médica.
Notei seus olhos castanhos perderem o brilho, injetados de medo.
Medo de mim. Ela nunca conseguirá confiar em mim novamente, e eu
preciso aceitar isso. O vínculo que compartilhamos foi quebrado, e mesmo
que eu tente reconquistá-la, parece impossível. Ela é minha, mas não posso
segurá-la em meus braços.
Após sairmos do consultório, Isabella não me dirigiu uma única
palavra, nem mesmo um olhar. Eu poderia tentar dizer algo, mas isso não
mudaria minha decisão. Assim, resolvi apenas dirigir para casa, sufocando a
vontade de me abrir com ela.
Ao chegarmos em casa, nada mudou. Ela se trancou no quarto e me
ignorou por um dia inteiro. Mais uma vez, respeitei seu espaço e tentei me
concentrar no trabalho; afinal, havia ficado muito tempo fora e precisava
organizar várias coisas na empresa.
Mas à noite, percebi que não poderia evitar mais entrar naquele
quarto, muito menos a conversa que precisaremos ter. Uma porta não
poderia ficar entre nós. Usei a chave reserva para entrar, segurando uma
pasta em minhas mãos
Eu a encontro deitada com um livro na mão, mas assim que nossos
olhares se cruzam, ela fecha rapidamente o livro e o coloca na mesa ao lado
da cama.
— Ainda não me sinto confortável para dividirmos uma cama
completamente — ela se apressa em dizer, como se eu estivesse ali apenas
para usar seu corpo. Isabella se levanta, tomando uma posição defensiva.
— Não vim para isso — respondo, analisando seu rosto.
Isabella leva a mão à barriga, como se estivesse apreensiva ou
tentando se proteger, e isso parece quase cômico, considerando que
estivemos neste mesmo quarto ontem, trocando carícias.
Dou um passo em sua direção, mas ela recua, afastando-se de mim.
Sorrio, mas é um sorriso vazio, com ironia. Essa rejeição está me
corroendo por dentro.
— Não sei o que você está planejando, mas você não vai tirar a
minha bebê — ela diz rapidamente.
— Eu nunca faria mal a nosso filho — argumento, mas ela não
parece convencida.
— É uma menina, Ares. Ela não serve para ser seu sucessor, e eu
não vou deixar que você repita o que seu pai fez — sua voz, carregada de
emoção, me corta em pedaços.
Não, eu não faria o que meu pai fez. Não mataria meu próprio
sangue; não faria mal à minha filha.
— Você acha que eu seria capaz disso? — pergunto, mas ela apenas
me observa, em silêncio.
O silêncio dela diz tudo. Ela realmente acredita que sou um monstro
capaz de matar o próprio filho.
O que eu fiz com você, querida? Fui tão cruel e perverso que você
se vê incapaz de confiar até mesmo nas minhas palavras.
— Ela é minha filha, e nunca vou feri-la ou machucá-la.
Independentemente do que aconteça, ela é minha herdeira.
— Não consigo enxergar verdade em suas palavras. Você fez de
tudo para assumir o controle da máfia do meu pai e queria um filho para ser
seu sucessor, Ares. Não me engane; não me encha com essas mentiras. Não
me faça acreditar que ainda há um pouco de humanidade dentro de você. —
Eu fico em silêncio enquanto ela despeja tudo sobre mim. — O que
aconteceu ontem não apaga tudo o que houve entre nós — ela diz, fria.
— Eu sei, você só precisava matar sua vontade, certo? — respondo
com um sorriso irônico, tentando esconder a dor que sinto. — Espero que
tenha ficado saciada.
Ela me lança um olhar duro, sem se abalar.
— Não seja egoísta, Ares, e não jogue esse momento de fraqueza na
minha cara.
— Então é isso que foi pra você? Um momento de fraqueza? —
Questiono.
— O que você achou que isso seria? Que só porque transamos tudo
estaria resolvido? Que eu esqueceria quem você realmente é? Que tudo o
que fez seria varrido para debaixo do tapete?
Eu fecho os olhos e abro rapidamente tentando controlar minha
raiva.
— A única coisa boa que restou de nós dois é esse bebê. E eu juro,
Ares, se você fizer alguma coisa contra ela, vai me perder para sempre.
Absorvo suas palavras em silêncio.
Eu já perdi…
Ela me observa com uma expressão de frieza.
— Não sei o que mais você quer de mim, Isabella… — digo com
um tom rouco. — Eu estou cansado. Cansado de magoar você… — Minha
garganta se fecha, cada palavra querendo sufocar antes de sair, mas preciso
continuar. — Vou te conceder o divórcio. Assim que assinar, estará livre.
Vamos deixar de ser marido e mulher — digo, forçando a voz para parecer
firme, embora tudo dentro de mim esteja em ruínas. — Minha única
responsabilidade será com nossa filha. Você não vai precisar permanecer ao
meu lado… poderá ter a vida normal que sempre quis, estou abrindo mão
de você.
Ela me encara, inexpressiva, e eu abaixo o rosto, tentando esconder
o quanto essa situação me destrói. Não quero parecer um completo idiota
por me afetar tanto.
— Já trouxe os papéis, só precisa pegar uma caneta. — Minha voz
sai num sussurro enquanto ergo os olhos para ela, esperando, implorando
que diga algo, qualquer coisa. Mas tudo o que ela faz é caminhar até a
cômoda, procurando o que suponho ser a caneta.
Quando seus dedos encontram finalmente a caneta — a arma que
arrancará meu coração do peito — ela se vira para mim com olhar decidido.
— Onde devo assinar? — pergunta.
Engulo em seco, sentindo um nó se formar na garganta. Com as
mãos suando, coloco a pasta sobre a cômoda e folheio os papeis que a
transformarão em uma mulher livre e me condenarão a um vazio profundo.
Ela terá sua liberdade, enquanto eu me tornarei apenas um homem
arruinado.
— Não quer ler? — não reconheço o tom da minha voz quando sai
da minha garganta.
Isabella apenas balança a cabeça em silêncio e se inclina, pronta
para assinar.
E então, dentro de mim, eu começo a implorar desesperadamente.
Por favor, não assine.
Por favor, não me deixe.
Por favor, não me abandone.
Por favor, não use essa caneta para me destruir.
Por favor, mil vezes, é tudo o que te peço.
Eu suplico, mesmo sabendo que se essa for a sua decisão, eu preciso
respeitá-la. Mas como poderei viver sabendo que ela pertencerá a outro? O
que será de mim sem algo que eu possa adorar? O que restará de mim
quando seu nome não carregar mais o meu sobrenome?
Eu observo em câmera lenta enquanto ela assina cada página,
assistindo minha mulher renunciar à nossa união. Vejo-a fazer isso sem
demonstrar nenhum sinal de arrependimento, e meu coração ameaça parar,
gritando silenciosamente para que ela pare.
Não terei mais direito aos seus beijos, não poderei me aconchegar
em seus braços, nem sentir o perfume dos seus cabelos ou acariciar seu
rosto. Ela não estará mais aqui quando eu voltar para este quarto, e as brigas
que costumávamos ter não existirão mais. Já não consigo me lembrar como
era minha vida sem ela… seria vazia?
Se essa dor que estou sentindo vai me matar, eu peço que seja breve.
— Está feito. — com duas palavras ela coloca um ponto final em
nós dois.
Sinto-me tonto e desorientado, mas me esforço para manter a
aparência de serenidade, mesmo sufocando por dentro.
— Você terá uma casa, e eu vou te enviar dinheiro todo mês. Quero
fazer parte da vida da minha filha; ela pertence a esta família. — Essas são
as únicas palavras que consigo articular. Minha filha terá obrigações a
cumprir quando crescer, mas não mencionei isso; não quero iniciar outra
batalha impossível com Isabella. — Leve tudo o que é seu, não deixe nada
para trás. — Não me faça lembrar de você.
Eu encaro os papéis à minha frente, incapaz de acreditar que não
pertencemos mais um ao outro. Ao me virar para ela, nossos olhares se
cruzam pela última vez, e, aproveitando que estamos tão próximos, suspiro
profundamente, absorvendo o seu cheiro, me seguro para não tocá-la, e me
afasto, não quero estar aqui quando ela atravessar essa porta, porque sei que
não vai voltar.
— Quando poderei ir? — ouço sua voz.
Sem me virar para encará-la, preferindo evitar o contato com seus
olhos, eu respondo:
— Quando você quiser, Isabella. Andreas vai te ajudar com o que
precisar.
Sinto que preciso arrastar meus pés para sair do quarto. Assim que
estou no corredor, a realidade me atinge com força.
Atravesso a porta do meu escritório e a fecho com força, como se
isso pudesse aliviar a raiva que sinto de mim mesmo. Se eu tivesse sido um
marido melhor, ela teria escolhido ficar. Se eu não fosse o demônio que meu
pai fez de mim, ela me escolheria. Se eu não estivesse tão quebrado, ela
ainda estaria ao meu lado.
Tento me servir de uma bebida, mas, pela primeira vez, percebo
minhas mãos tremendo. A impaciência me toma, e arremesso a garrafa
contra a parede. Respiro fundo, buscando algum equilíbrio, mas é em vão.
Em um acesso de raiva, arrasto tudo da mesa para o chão, e seguro uma
cadeira, quebrando-a em pedaços ao arremessá-la repetidamente. Mas, nada
disso alivia a fúria que me consome.
Por fim, procuro um cigarro em um dos meus bolsos e me deixo cair
no chão. Enquanto fumo, sopro a fumaça e bato a nuca contra a parede,
como um louco.
Capítulo 51

Isabella
Era isso que eu realmente queria, não? Ser livre, ter a liberdade de
ser alguém normal, viver uma vida comum. Mas enquanto faço as malas,
algo dentro de mim sussurra que estou cometendo um erro. Assinar aqueles
papeis parecia tão fácil na hora, mas agora a verdade pesa sobre meus
ombros.
Ares não aparece em casa há dias. Andreas até me levou para
conhecer minha nova casa, meu novo lar. É uma casa pequena, mas
aconchegante, perfeita para mim e minha filha, com um lindo jardim nos
fundos. Tenho certeza de que ele Ares escolheu sabendo que eu iria gostar.
Sinto uma angústia em meu coração, será que realmente quero
desistir dele? E se ele já desistiu de nós, por que eu deveria insistir? Por que
deveria tentar curá-lo com meu amor quando ainda estou tão machucada? A
resposta vem rápida e clara: porque ele só tem a mim. Eu sou a única que
suportaria seu lado cruel e cuidaria das suas cicatrizes.
Levanto-me do chão e sacudo meu vestido, equilibrando-me nos
sapatos antes de sair quase correndo pelas escadas. Encontro meus
cunhados na sala de estar, um domingo à tarde que, em qualquer outra
situação, não seria normal vê-los em casa.
— Alguém sabe onde meu marido está? — pergunto, cruzando os
braços e esperando uma resposta.
Os dois se entreolham, trocando expressões.
— Ele ficando em um apartamento. — diz Andreas.
— Qual de vocês vai me levar até lá? — pergunto em um tom
calmo, mesmo que por dentro eu estivesse eufórica.
— Estou ocupado — Adryel levanta, saindo de fininho.
— Eu te levo, Bel — Andreas oferece como se tivesse algum tipo de
escolha.

Meu cunhado consegue minha entrada com a recepcionista, e, ao


subir no elevador, me sinto nervosa. Com a mão, acaricio levemente minha
barriga, um gesto que me conforta enquanto as portas se abrem no andar
desejado. Saio correndo como uma criança, até parar em frente à porta que
será meu destino. Bato com tanta força que sinto meus dedos doerem com o
contato da superfície de madeira.
Meus pés estão inquietos, as mãos suando, e a garganta seca.
Espero, ansiosa, que ele apareça, que abra a porta para mim. A demora me
deixa irritada. Quando estou prestes a bater novamente, a porta se abre,
revelando um corpo musculoso.
Nossos olhares se conectam e, sem pensar duas vezes, respiro
rápido. Não dou espaço para que ele diga nada. Me lanço em seus braços,
beijo sua boca e ele retribuiu o beijo. Ares fecha a porta e me empurra
contra ela.
— Como você chegou aqui? — ele pergunta, segurando meu queixo
de maneira possessiva.
— Andreas me trouxe, — respondo, ainda sem fôlego, desejando
desesperadamente beijá-lo novamente.
— Você não deveria estar aqui, Isabella. — Seu olhar se intensifica,
agora focado na minha barriga. — Não somos mais casados.
A raiva ferve dentro de mim; quero socar seu rosto, porque a culpa
de tudo isso é dele e apenas dele.
— Isso é baseado em quê? Em um pedaço de papel? — provoco.
Ele solta um suspiro próximo à minha boca e me puxa para mais
perto.
— Não entendo o que você está fazendo aqui… Você queria ser
livre. Agora que é livre, veio até aqui para zombar de mim? Para me fazer
perder a cabeça? Para que eu mate seu desejo e depois você diga o quanto
ainda me despreza?
Reviro os olhos e, com um toque firme, acaricio seu peito nu.
— Eu vim para te levar de volta para nossa casa. — Ele arqueia uma
sobrancelha. — Eu ainda estou machucada. Existem feridas que não se
curam apenas com um pedido de desculpas. Mas… estou disposta a tentar
confiar em você novamente. Quero abrir meu coração para você, permitir
que se torne o dono dos meus sonhos mais impuros, Quero que meu corpo
seja seu todas as noites, e ao acordar, não quero estar sozinha. Desejo você
como meu primeiro e único homem, quero que você seja somente meu,
assim como sou inteiramente sua. Quero te dar uma chance, mas não me
quebre de novo.
Suas mãos me elevam, fazendo com que minhas pernas se
entrelacem em sua cintura.
— Eu não posso te prometer isso, nunca amei ninguém como eu te
amo, e não sei como cuidar de você, meu amor. A última coisa que desejo é
te machucar novamente.
Engulo em seco.
— Você… você disse que me ama? — pergunto, e seus lábios se
curvam em um sorriso.
— Disse, sou apaixonado por você, mas não sou um bom marido,
Isabella. — seus olhos desvendam os meus.
— Você é um bom marido quando me dá presentes, quando presta
atenção nas coisas que eu gosto. Você é bom para mim quando me defende,
quando me dá carinho. Você é um bom marido quando não tenta me
manipular a sua vontade. — Digo. — Também não sou uma esposa perfeita,
também tenho falhas, mas eu quero ficar com você.
Ares acaricia minha bochecha, e eu inclino o rosto ao seu toque.
— Você tem certeza disso? Porque não vou te dar o divórcio de
novo. — Ele diz soltando um suspiro pesado.
— Eu e você somos para sempre. — Declaro, usando suas próprias
palavras contra ele e rindo.
Ele pressiona minhas costas contra a porta novamente, inclinando-se
perto da minha boca, quase me beijando.
— Isso não é engraçado. — Mordo o lábio de forma provocativa. —
Ainda bem que não entreguei os papeis do divórcio para serem
homologados . — Encaro perplexa.
— Não acredito que você ainda não fez isso… — o questiono.
— No fundo, eu tinha esperanças que você poderia voltar na sua
decisão.
— Você me deixaria realmente ir embora? — pergunto.
— Se essa fosse sua decisão, eu iria respeitar. — ele explica.
— Duvido muito, provavelmente você colocaria alguém pra me
vigiar vinte e quatro horas.
— Eu precisaria manter vocês seguras — justifica.
— Não sei o que faço com você. — reviro os olhos
— Eu sei de muitas coisas para fazermos juntos.
No instante seguinte, nossos lábios se encontram novamente, e ele
me guia pelo corredor até um quarto. Ares me deita sobre a cama,
deixando-me nos lençóis enquanto me observa de uma distância que me faz
sentir desejada.
Ele puxa uma cadeira do canto do quarto e se senta.
— Você se tocou alguma vez… pensando em mim? — ele pergunta,
e sinto meu rosto esquentar imediatamente.
— N-não… — minha resposta sai engasgada, o que só faz um
sorriso malicioso surgir em seus lábios.
— Sim. — Ares afirma.
— Não imagine coisas. Não fiz nada pensando em você. — minto.
A verdade é que me toquei tantas vezes pensando nele que meus próprios
dedos davam cãibra.
— Quantas vezes, querida? — provoca.
Desvio o olhar.
— Muitas… — admito baixinho, logo corrigindo — Quer dizer,
nenhuma.
Ele ri, uma risada baixa e envolvente que faz o calor subir entre
minhas pernas.
— Então mostra pra mim… como você faz. — sua voz é um pedido
rouco. Balanço a cabeça, envergonhada, mas ele continua. — Não precisa
ficar tímida. Só me deixa assistir um pouquinho.
Pressiono os lábios indecisa.
— Você só vai assistir, sem me tocar. — declaro.
Ares ergue uma sobrancelha e deixa um sorriso surgir no canto dos
lábios.
— Essa é a sua regra? Só assistir, sem tocar?
— Sim. — confirmo.
— Então comece, amor. — ele diz, a voz baixa e carregada de
desejo.
“Amor.”
Ainda estou me acostumando a ouvi-lo me chamar assim.
Respiro fundo e deslizo a calcinha por minhas pernas, me
aconchego melhor no colchão, mas a timidez me toma.
— Abra as pernas e puxe o vestido para cima. — Sua voz é um
comando, impossível de ignorar. Meu corpo reage automaticamente,
obedecendo sem relutar.
Apoio uma das mãos no colchão, enquanto a outra desliza
lentamente pela minha barriga, até tocar a pele exposta. Meus dedos estão
frios, contrastando com o calor entre minhas pernas, onde minha boceta
pulsa pedido por um orgasmo. Respiro fundo e começo mergulho dois
dedos dentro de mim, sentindo a pressão, o prazer e o desejo se
acumulando.
Meus olhos se fecham por um momento, e um suspiro escapa dos
meus lábios, mas logo os abro novamente, encontrando o olhar de Ares fixo
em mim. Movo meus dedos lentamente, explorando meu próprio corpo com
uma urgência contida, enquanto ele permanece imóvel, eu vejo seu maxilar
se contrair, a respiração ficar pesada. Um gemido provocador escapa de
mim, eu sinto ele ser afetado por mim aos poucos e Isso me impulsiona a
continuar, movendo os dedos em um ritmo que me aproxima do êxtase.
Ele se inclina ligeiramente para frente, os olhos famintos, e sussurra:
— Coloque mais um dedo, eu sei que você aguenta. — sinto um
arrepio percorrer meu corpo. Solto um suspiro baixo e ofegante, mordisco
meus lábios, e obedeço.
Coloco mais um dedo dentro da minha boceta e novamente eu
gemo, seus olhos fixos em mim e como se pudessem me tocar. Os
movimentos dos meus dedos se intensificam, e a pressão aumenta até se
tornar quase insuportável. Sinto minha respiração acelerar, meus gemidos
ficam mais audíveis, e o desejo dentro de mim se aproxima do limite
Ares se inclina ainda mais:
— Agora, olhe para mim enquanto se toca. — ele exige com voz
rouca.
Levanto os olhos, prendendo meu olhar ao dele. Meus dedos
continuam em um ritmo que aumenta a cada segundo, entrando e saindo de
mim.
— Imagine que sou eu — ele sussurra, quase como uma carícia em
minha pele. — Que sou eu preenchendo você, que sou eu te fazendo gemer
assim.
Aquelas palavras enviam uma onda de calor pelo meu corpo, e, sem
perceber, meu ritmo se torna mais frenético. Meus olhos querem fechar,
mas sua voz impede.
— Olhe para mim e não desvie o olhar.
Minha intimidade pulsa, envolvendo meus dedos enquanto me
entrego ao prazer. Eu o vejo sorrir, e seus olhos são famintos.
— Faz de novo. — Ares ordena, sem me dar tempo nem para
recuperar o fôlego.
Começo tudo de novo, insiro meus dedos fundo na minha boceta
enquanto massageio meu clítoris, dando pequenas tapas na pele sensível.
— Você está me torturando assim… — meu marido murmura
passando a mão pelos fios negros do seu cabelo bagunçado.
Dou um meio sorriso sedutor.
Eu me arrasto para a beirada do colchão, abrindo-me ainda mais,
deixando minha excitação exposta e reluzindo sob o seu olhar.
Seu corpo abandona a cadeira, enquanto dá pequenos passos em
minha direção.
— Você quer me tocar? — Minha voz sai entrecortada.
Ele umedece os lábios com a língua.
— Quero. — Admite.
— Você quer muito? — Estímulo mais meu clitóris, e gemo
baixinho.
Ares balança a cabeça.
— Porra! Eu estou louco para tocar você.
Puxo meus dedos da minha boceta e os levo à boca, deslizando a
língua para saborear a doçura da excitação.
— Fique de joelhos e implore. — Agora sou eu quem dá as ordens.
Ele solta um suspiro, seguido de uma risada, e se aproxima,
ajoelhando-se diante de mim.
— Por favor, me deixe comer você, amor? — sua voz transmite
excitação.
Volto a tocar minha boceta desejando que fosse ele a me foder.
— Peça de novo. — Sorrio, desafiando-o.
Seus olhos descem para minha intimidade, enquanto ele saliva,
atraído pelo que vê.
— Você é uma maldita, sabia? — Seu corpo se inclina levemente.
— Me deixe te comer, por favor… eu preciso muito gozar dentro de você
amor.
Gosto de sentir que também tenho poder sobre ele; isso alimenta
meu ego, e eu admito. Sou boa nisso, de ser a provocação que o instiga.
— Venha. — eu o chamo. — Pegue o que é seu.
Ele se aproxima, tão voraz e faminto, que me apoio nos cotovelos.
Seu peito nu roça contra mim, e, embora eu ainda esteja vestida, logo ele
puxa o tecido que me cobre, me expondo por completo. Suas mãos seguram
meus braços acima da cabeça enquanto ele beija meu pescoço, sussurrando
indecências sobre o que fará comigo. Fecho os olhos, pressionando as
pernas, ansiosa por cada uma das promessas que ele faz.

A água quente cai sobre nós, lavando todos os vestígios de sexo.


Sinto suas mãos massageando meu couro cabeludo enquanto ele me lava, e
eu faço o mesmo com ele. Seu corpo, está marcado por mais cicatrizes do
que antes, continua a ser bonito. Ele treina pra isso; noto uma marca de bala
bem ao lado do seu peito e, sem pensar muito, recordo que fui eu quem
atirou nele naquele dia em que fugi pela floresta. Faço um círculo delicado
na cicatriz com meus dedos e ergo os olhos para ele.
— Eu poderia ter te matado.
Sua mão desliza sobre meu queixo, envolvendo meu pescoço.
— Essa suposição me fascina.
— Você foi quase morto e acha isso fascinante? — ironizo.
— Eu pensei que você seria uma mulher que teria medo até da
própria sombra, Isabella. Mas fiquei completamente impressionado ao vê-la
correr para escapar do nosso casamento. Quando você destruiu meu carro,
achei aquilo icônico. E ter atirado em mim, de longe, foi a coisa mais
normal que eu poderia esperar de você… — Um sorriso brinca nos meus
lábios. — Gosto de como você parece ingênua ao se deixar enganar, mas é
ambiciosa demais para ficar submissa a qualquer um. — ele suspira
próximo a meu rosto.
— Eu acho que você deve odiar quando eu te confronto. —
comento.
Ares faz um leve aceno.
— Na verdade, você é a única que realmente se opõe a mim. Nem
mesmo meus irmãos têm coragem de me desafiar, só você.
— E… acho que sou um pouco atrevida — digo, esboçando um leve
sorriso.
— Espero que nossa filha não herde a sua personalidade, ou eu vou
estar realmente fodido, pra vencer de duas mulheres. — ele ri, e eu não
consigo conter a gargalhada.
— Minha barriga é tão pequena que acho que nossa filha deve ser
minúscula…
— Mas você é pequena, então provavelmente ela não vai crescer
muito — Responde e dou um leve tapa no seu peito.
— Eu não sou tão pequena assim… — resmungo.
— Você calça trinta e quatro e mede um metro e cinquenta seis.
Querida, você é pequena. Muito pequena.
Fungo com raiva, mas me deixo envolver pelos braços dele.
— Eu disse que você não seria um bom pai, e lamento por isso —
admito.
Sinto o beijo suave sobre meu ombro.
— Eu não sei como ser um pai. Não tenho nenhuma estrutura
familiar, mas quero me esforçar para ser um bom pai para nossos filhos. —
Fico em silêncio, achando que ouvi errado, então me viro para ele.
— Filhos?
— Eu te fiz uma promessa. Assim que nossa bebê nascer, vou te
engravidar novamente.
— Isso é algum tipo de brincadeira, Ares? Se for, não tem graça.
Meus pés estão inchados, estou vomitando o tempo todo e meu corpo está
mudando, não vou passar por isso de novo — reclamo.
— Só mais cinco vezes. — diz.
— Não! — grito.
— Sim — afirma. — Não tente lutar comigo, porque eu sempre
venço.
— Não vai acontecer, pode esquecer essa ideia. — abstenho mais
ele apenas ri.
Pego uma toalha e me enrolo nela enquanto saio do banheiro,
irritada. O que ele pensa que eu sou, uma máquina de fazer bebês? Idiota!
Coloco uma de suas camisas para caminhar pelo apartamento onde
ele está hospedado, procurando algo para comer. Depois de alguns minutos,
ele surge atrás de mim, vestindo uma calça de moletom, mas eu finjo não o
ver, e o ignoro.
— Você vai ficar brava comigo? Acabamos de nos reconciliar —
Ares tenta chamar minha atenção. — Se for o caso, vamos resolver isso
logo e voltar para o quarto.
— Eu não estou brava, apenas acho que você não pensa em mim
nem em como me sinto — retruco.
— Tudo bem, me desculpe — ele diz, aproximando-se mais. —
Essa é uma discussão para outro momento; ainda falta muito para nossa
filha nascer.
— Quando ela nascer, minha resposta ainda será a mesma — digo,
dando de ombros.
— Que mulher teimosa — ele responde, inclinando a cabeça para
trás.
Ares desiste de continuar o assunto e começa a preparar algo para eu
comer. Meu estômago agradece, e nossa filha também. Devoro um
sanduíche de frango e tomo suco de uva.
— Enquanto você está aqui na Sílica, quem vai cuidar da La rosa
nera? — pergunto, curiosa. Ele não pode estar em dois lugares ao mesmo
tempo.
— Adryel vai se casar em breve, então vou deixá-lo cuidando da La
rosa nera, mas ele ainda não sabe — meu marido explica.
— Você descobriu algo sobre as crianças que meu pai transportava?
— Nada que já não saibamos. Seu pai era apenas um peão.
Conseguimos uma lista com os nomes de muitas pessoas, mas quanto mais
matamos, mais delas surgem.
— Eu visito o orfanato quase todo fim de semana. — comento.
— Andreas me disse. — Ares responde.
— Você acharia louco se eu quisesse adotar uma daquelas crianças?
— pergunto, vendo meu marido me olhar surpreso.
— Adotar? — ele questiona.
— E Ares adotar, fazer dele nosso filho mesmo não tendo nosso
sangue.
Ele fica em silêncio, como se estivesse ponderando a ideia.
— Não precisa se você não aceitar a ideia. Afinal, quero adotar uma
criança para que ela se sinta amada. Mas, confesso que você me faria muito
feliz se aceitar.
Ares suspira e deixa os ombros caírem.
— Já tem alguma criança em mente?
Eu sorrio e balanço a cabeça, confirmando.
— Alec é o nome dele.
Ares esboça um sorriso.
— Entre tantas opções, você escolheu justo esse?
— O que há de errado com ele?
— Alec não é um garoto convencional; ele tem um temperamento
difícil.
— E por isso eu deveria desistir dele?
— Não, mas considere que ele pode já estar sofrendo. Se decidirmos
adotá-lo e você não conseguir lidar com o temperamento dele, você vai
devolvê-lo?
Nego com a cabeça.
— Eu não desisti de você, e não vou desistir dele.
Ele bufa, jogando a cabeça para trás.
— Vamos pensar nisso com calma — sugere.
Ares vai ceder, eu sei que vai.
Capítulo 52

Isabella
Seguro uma taça de água entre os dedos, observando o ambiente ao
meu redor. Estou um pouco afastada, precisava de um momento para
respirar. O vento frio sopra, fazendo meus cabelos balançarem, e passo as
mãos pelos braços na tentativa de espantar o frio, porém, logo, volto ao
salão principal. Procuro por meu marido e meus cunhados e os encontro ao
fundo, sentados em uma mesa. Eles conversam sobre negócios, assuntos
que para mim pouco importam. Ares segura minha mão por cima da minha
coxa, sem perder o foco na conversa com os irmãos, enquanto meu olhar
vaga entre os rostos presentes.
Estamos aqui porque Ares quis que todos soubessem quem eu sou,
que sou a herdeira do meu falecido pai e que não sou um mito, como muitos
costumam dizer. A maioria pensa que morri no acidente com minha mãe, e
hoje é uma espécie de apresentação. Em meio aos rostos desconhecidos,
algo, ou melhor, alguém chama minha atenção. O corte de cabelo pode ter
mudado, mas eu reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar. A barriga de
grávida desapareceu completamente, mas não resta dúvida: é Serena. Ela
ousou aparecer em um evento como este… Ela sabe que a vi e não esconde
o olhar ambicioso em direção ao homem ao meu lado. Não entendo essa
obsessão pelo meu marido. Serena não deveria estar aqui. Ela foi poupada
da morte, mas ainda assim tem a audácia de se infiltrar em nossas vidas
novamente.
Eu a observo discretamente, vendo-a fazer um breve aceno para as
pessoas ao seu redor antes de sair em direção ao toalete. Sem pensar muito,
levanto-me rapidamente e vou atrás dela.
— Aonde você vai? — pergunta meu marido, desconfiado.
— Ao banheiro — respondo, deixando um leve sorriso surgir nos
lábios. Ele assente, e continuo meu caminho.
Assim que atravesso a porta do banheiro, vejo Serena retocando um
batom vermelho chamativo, que lhe dá um ar vulgar. Não estamos sozinhas;
duas outras mulheres estão no banheiro.
— Com licença, será que poderiam nos dar um momento? — peço
gentilmente. Elas me reconhecem e, sem questionar, se retiram. Tranco a
porta, garantindo que Serena não escape.
— O que faz aqui? — Ela pergunta, desinteressada, ainda
concentrada no retoque do batom.
Posiciono-me atrás dela, firmando meus saltos no chão.
— Eu é que deveria fazer essa pergunta. — Sorrio, e ela finalmente
para de retocar o batom para me encarar pelo espelho.
Ela gira lentamente, fechando a tampa do batom e colocando-o de
volta na bolsa com uma tranquilidade irritante.
— Não sabia que você seria tão territorial. — comenta, com um
sorriso falso. — Achei que já tivesse superado essa insegurança.
Cruzo os braços, sem desviar o olhar dela.
— Você teve a chance de ir embora, de viver sua vida longe daqui.
Porque voltou? — digo seria.
Serena dá um passo para trás, encostando-se à pia com um ar de
desdém.
— O motivo da minha volta é bem simples: vim exigir o que me
pertence… — Ela declara com um sorriso frio.
Dou uma risada curta, sem conseguir conter o sarcasmo.
— Do que exatamente você está falando? — pergunto.
Serena ergue o queixo, com um olhar gélido.
— Meu filho — ela responde. — Ele tem tanto direito quanto você.
Ele também carrega o sangue da La rosa nera.
Automaticamente, minha mente conecta tudo a algo que meu pai me
disse: “Você não é minha única herdeira.” Então, o filho de Serena sempre
foi parte do plano dele. Ele manipulou tudo, usando artimanha para me
colocar contra Ares. Deveria me sentir surpresa, mas não sinto.
— Que direito seu filho poderia ter. Serena? Mesmo que ele seja
filho do meu pai e carregue o sangue da La rosa nera, no fim das contas, ele
continua sendo um bastardo, uma mancha de desonra.
Serena estreita os olhos.
— Bastardo ou não, ele é meu filho e tem o direito de ser
reconhecido — ela retruca.
Era cômico o fato dela querer fazer exigências.
— Bastardos não são bem-vistos na máfia, e você deveria saber
disso, Serena — contesto. — Não que você mereça, mas se posso lhe dar
um conselho: leve seu filho para bem longe. Eu posso começar a vê-lo
como uma ameaça, e não posso garantir que terei piedade uma segunda vez.
Seus olhos se enchem de fúria.
— Você está ameaçando meu filho? — ela pergunta, com tom de
indignação.
— Apenas deixando claro que, se você continuar a insistir nisso, as
coisas podem se tornar muito complicadas. — Serena avança em minha
direção, mas eu não recuo. — O que você pensou que aconteceria? Que
chegaria aqui exigindo os direitos do seu filho bastardo e eu simplesmente
aceitaria? — ergo o queixo, sem me deixar intimidar. — Você não passa de
uma qualquer, Serena, sem valor para a sociedade. Saiba qual é o seu lugar:
pessoas como você se curvam quando eu passo, em respeito.
Seus olhos descem até minha barriga e ela solta uma risada irônica.
— Não tenho medo das suas ameaças, e você não me ofende ao me
chamar de qualquer uma. Afinal, seu marido sempre gostou das coisas que
eu fazia com ele na cama. — Serena se inclina, soltando suas palavras com
veneno.
Eu não me sinto insegura, pois sei que tudo o que eles tiveram foi
antes de mim. Ele nunca me traiu ou me desrespeitou com ela.
— Suas provocações não me afetam, afinal, sou eu quem está
casada com ele e esperando seu filho.
— Você é apenas um brinquedinho para ele. É nova e bonita, mas
com o tempo ele vai procurar outra para satisfazer suas vontades, não a
você, ou a mim, mas a outra, porque um homem nunca se contenta com
apenas uma mulher — ela enfatiza. — Eu conheço bem a mente dos
homens, e Ares não é diferente.
Ela está claramente determinada a me fazer perder o controle. Se eu
não estivesse grávida, provavelmente arrancaria ela dali pelos cabelos. No
entanto, reconheço que sou uma mulher de princípios e não devo me
rebaixar ao nível dela.
— É melhor você ir embora, Serena, e não voltar a aparecer. Não
quero ter o desprazer de vê-la novamente. Se isso acontecer, saiba que não
vou me importar em fazer seu filho ficar órfão.
— Olha só… ela sabe mostrar as garrinhas. — ela debocha.
Eu juro que estava me controlando, mas Serena está pedindo. Desço
as mãos pela lateral do vestido, sentindo a textura do tecido até encontrar a
pequena arma que escondi na coxa. A ganhei recentemente, e Serena seria a
primeira em que irei testá-la.
Pego a arma com firmeza e coloco meu dedo no gatilho, sem dar a
ela a menor chance de reagir. Atiro em sua perna; o disparo não faz barulho,
pois é uma arma com silenciador.
A mulher despenca no chão imediatamente.
— Sua louca! — ela grita, enquanto a dor faz o sangue escorrer. Não
a deixei paraplégica nem a matei, então ela deveria agradecer.
— Agora você sabe que minhas ameaças não são apenas palavras.
— Inclino-me levemente sobre ela, com dificuldade devido à minha
barriga. — Serena, eu passei uma lâmina pelo pescoço do meu pai enquanto
ele definhava. Você realmente acha que eu teria coragem de acabar com
você?
A expressão de Serena muda rapidamente, de arrogância para dor e
medo.
— Você é uma psicopata! — Ela tenta se levantar, mas a dor a
impede, e ela se arrasta para trás, como se tentasse escapar de mim. — Você
vai se arrepender disso!
— A única coisa que lamento é não ter feito isso antes. — Coloco a
arma de volta em seu lugar e me encaro no espelho, ajustando o vestido
branco que se molda ao meu corpo, acariciando minha pequena barriga.
Ignoro os xingamentos que ela lança atrás de mim e abro a porta,
saindo tranquilamente. Ao final do corredor, avisto um segurança e aceno
para ele.
— Tem uma mulher ferida no banheiro feminino. Imagino que
vocês tenham que chamar alguém para ajudá-la. — Ele me olha com
confusão.
Retorno à minha mesa, oferecendo um pequeno sorriso ao me sentar
novamente ao lado do meu marido.
— Você demorou… — Ares sussurra em meu ouvido.
— Tive que resolver um pequeno problema. — respondo, piscando
para ele.
— Você aprontou alguma coisa… — ele diz, e a verdade é que ele
me conhece muito bem.
Mordo o lábio e apoio a mão sob o queixo, tentando parecer
inocente.
— Não, marido. — finjo desinteresse. — Eu só queria ir embora; nossa
filha está me deixando cansada e com sono.

Sinto o toque suave em meus cabelos e a respiração pesada em meu


pescoço. Inclino-me um pouco para trás, aconchegando-me ainda mais em
seus braços. O perfume dele invade meus sentidos, enquanto seus braços
me envolvem com firmeza, trazendo uma sensação de segurança e carinho.
Sinto sua mão deslizar sobre minha barriga, e nunca imaginei que
chegaríamos a viver isso um dia, que eu realmente estaria grávida dele.
Mas, no fundo, eu deveria saber, Ares sempre consegue o que deseja.
— Comprei uma nova aliança para você — ouço sua voz sussurrar
ao meu ouvido.
Sua barba áspera roça contra meu pescoço, provocando calafrios
que percorrem minha espinha.
— Não quero outra aliança — respondo, apenas para provocá-lo. —
Já me acostumei a ficar sem.
Durante o sequestro, minha aliança desapareceu, e passei um bom
tempo sem nada no dedo anelar.
Sinto seu abraço se apertar ao meu redor, e não consigo evitar uma
risadinha.
— Então, você escolhe amor, uma aliança no seu dedo ou uma
coleira no seu pescoço — sua voz sussurra contra meus ouvidos, quente e
maliciosa.
— Você é muito possessivo — resmungo, virando-me para o lado e
deixando meu rosto encostar no dele. — Onde está a aliança? — A
curiosidade me leva a perguntar.
Ele se afasta levemente, levantando o braço para alcançar algo em
cima da cômoda no canto da cama. Suas mãos revelam uma caixinha preta
de veludo, e quando ele a abre, meus olhos se iluminam ao ver uma linda
aliança com um anel solitário.
Com delicadeza, ele desliza a aliança pelo meu dedo, seguida do anel
solitário, que possui uma pequena pedra vermelha cintilante. É lindo e
combina perfeitamente comigo; ele sempre acerta quando se trata de me
presentear.
— É perfeita! — exclamo como um elogio.
Viro-me de costas sobre a cama e me deixo ser abraçada por ele,
sentindo seus beijos suaves desenhando trilhas pelas minhas costas. Seus
dedos desenham sua marca, formando as iniciais em minha pele. Ele para, e
consigo perceber sua respiração profunda contra meu corpo.
— Você me odeia por isso? — Posso sentir seu corpo tenso.
— Não — respondo com sinceridade.
— Não minta… Eu fui um animal com você.
Suspiro, pesando as palavras.
— Foi, mas eu também permiti. Não te impedi, não coloquei limites.
Somos culpados os dois. E, embora sinta vergonha de admitir, eu gostei.
Gostei de ser marcada dessa forma, e isso me faz sentir suja.
Ele se afasta levemente, como se as minhas palavras o atingissem, e
eu sinto falta do seu toque.
— Você não deveria se sentir assim — ele murmura. — Você não é
suja, eu que te faço sentir assim.
Volto a me virar, fitando seus olhos profundos, posso ver o quanto
ele está arrependido. Não queria que ele se sentisse corroído por isso, mas
essa é uma realidade que sempre vai cair sobre nós dois.
— Eu poderia ter confiado em você; não deveria deixar minha raiva
me consumir — ele lamenta.
— Acho que talvez você precise de ajuda… e eu posso te ajudar.
— Não vamos começar com isso de novo. Você não é obrigada a
suportar isso! — Ares contesta.
— Você não precisa guardar tudo para si. Sei que tem muitos
traumas e pode compartilhá-los comigo. Devemos dividir mais do que
apenas uma cama. — Toco seu rosto suavemente com carícias. — Você
precisa me permitir entrar no seu coração e curar essa dor que te consome.
— E se eu me machucar de novo?
— Preciso que se esforce pra não deixar isso acontecer. — Entrelaço
meus dedos nos dele. — Nossa filha precisa de um pai que a cuide e a
proteja. Ela precisa de você.
Ele esboça um sorriso e acaricia minha bochecha.
— E eu preciso de vocês.
Eu o beijo como se pudesse curá-lo de si, como se minha vida
dependesse disso. Beijo-o como se fosse nossa primeira vez, porque o amo
demais para deixá-lo.

Fim.
Agradecimentos

Reescrever este livro foi uma jornada intensa, e eu jamais teria


chegado ao final sem o apoio e o incentivo de tantas pessoas especiais.
Cada uma delas, de diferentes formas, me ajudou a reconstruir essa nova
história.

Primeiramente, tenho que agradecer a Deus por me permitir estar


publicando mais um livro, esse é meu sonho de adolescente se tornando
realidade.

Aos meus leitores, vocês que acompanham cada post, que enviam
mensagens e comentários, meu mais profundo agradecimento. É para vocês
que escrevo com toda minha alma.

Às minhas amigas Larissy Melo e Michelliny Santos, que


aguentaram minhas intermináveis conversas sobre personagens e enredos, e
que sempre me incentivaram a seguir meu coração. Vocês são autoras
incríveis! Obrigado pelo apoio.

Meu sincero agradecimento à Ane Medeiros, uma pessoa incrível


que a vida trouxe para o meu caminho recentemente. Mesmo em pouco
tempo, ela foi fundamental ao me ajudar a resolver várias pontas soltas.
Com paciência, dedicação e uma generosidade imensa, Anne fez tudo o que
pôde para que este livro fosse publicado na data prevista. Sou
profundamente grata pelo seu apoio e profissionalismo.

E, por fim, agradeço a mim mesma por ter mantido minha força e
equilíbrio, mesmo diante de tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Por não ter permitido que os desafios abalassem meu psicológico e por
seguir firme até o fim deste projeto.

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