Ares - Uma Série de Amor É Obsessão - Kely Medina
Ares - Uma Série de Amor É Obsessão - Kely Medina
Ares - Uma Série de Amor É Obsessão - Kely Medina
Redes sociais.
Instagram: @kelyautora
Sumário
Sumário
Nota da autora
Gatilhos
Fetiches
Sinopse
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 01
Isabella
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Ares
Capítulo 07
Isabella
Capítulo 08
Ares.
Capítulo 09
Isabella
Capítulo 10
Ares
Capítulo 11
Capítulo 12
Ares
Isabella
Ares
Capítulo 13
Isabella
Capítulo 14
Ares
Isabella
ARES
Isabella
Capítulo 15
Ares
Ares
Capítulo 16
Isabella
ARES
Ares
Capítulo 17
Isabella.
ARES
Capítulo 18
Isabella
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Ares
Isabella
Capítulo 22
Ares
Capítulo 23
Isabella
Capítulo 24
Ares.
Capítulo 25
Isabella
Ares
Capítulo 26
Isabella
Capítulo 27
Isabella
Capítulo 28
Ares
Capítulo 29
Isabella.
Ares
Capítulo 30
Isabella
Ares
Capítulo 31
Isabella.
Capítulo 32
Isabella
Capítulo 33
Ares
Capítulo 34
Isabella
Ares
Capítulo 35
Capítulo 36
Isabella.
Capítulo 37
Ares
Capítulo 38
Isabella
Capítulo 39
Ares
Capítulo 40
Isabella
Capítulo 41
Isabella.
Ares
Capítulo 42
Isabella.
Capítulo 43
Isabella.
Capítulo 44
Isabella
Capítulo 45
Isabella:
Capítulo 46
Ares
Capítulo 47
Isabella
Capítulo 48
Ares
Isabella
Capítulo 49
Isabella
Capítulo 50
Ares
Capítulo 51
Isabella
Capítulo 52
Isabella
Agradecimentos
Nota da autora
Este livro passou por mudanças, não para atender ao senso crítico,
mas para preservar a saúde mental da autora. Apesar de ser completamente
reescrito, a essência dos personagens foi mantida. Foi criada uma nova
história, visando aprimorar a obra.
Entendo que reescrever um livro pode causar desconforto para
algumas leitoras que se afeiçoaram à história antiga. No entanto, espero que
guardem a primeira versão com carinho em seus corações e se permitam
embarcar comigo nesta nova história, afinal sem vocês isso não seria
possível.
Aviso importante para leitoras não familiarizadas com dark
romance. Se você não está acostumada com temas pesados, este livro pode
não ser para você. Ele contém cenas explícitas de tortura e violência
emocional. Não me responsabilizo por qualquer desconforto ou perturbação
que possa causar. Se você ainda assim deseja continuar, seja bem-vinda ao
caos.
Ares não é um mocinho. Quero deixar isso muito claro desde o
início. Ele é um homem quebrado, sem limites para alcançar seus objetivos.
Apesar de suas ações muitas vezes desumanas, ele é, no fundo, um ser
humano que luta contra seus próprios demônios.
Ares não busca redenção. Ele é um homem cruel, e não faz esforço
algum para esconder isso. Sua lealdade é inegociável, ele sofre de
transtornos de personalidade, explodindo em momentos de fúria que podem
até infligir dor em si como forma de punição. Ares foi moldado pelo
sofrimento e pela dor, tornando-se manipulador e frio.
Isabella, por sua vez, não é a mocinha típica. Embora tenha sido
forçada a aceitar seu destino ao lado de um homem que despreza, ela não se
deixa abater. Ela luta pelos seus direitos e estabelece limites claros.
Ao mesmo tempo, ela deseja ser amada, cuidada e protegida,
mostrando sua vulnerabilidade. Em certos momentos, pode parecer frágil e
desprotegida, mas em outros, se revela forte e destemida. Sua infância
difícil a ensinou a sobreviver, a lidar com o luto e os abusos. Prontos para
começar essa leitura?
Gatilhos
Cenas de sexo com consentimento questionável, violência explícita,
manipulação emocional, traumas profundos, obsessão e comportamento
possessivo, redenção de ações moralmente ambíguas, consumo de álcool,
agressões físicas e psicológicas, tortura, morte, sadismo, relacionamentos
abusivos, abuso de poder, tráfico humano, linguagem inapropriada,
violência doméstica e sequestro.
Fetiches
Asfixiofilia: Prazer derivado da restrição da respiração, seja por
pressão no pescoço ou outro tipo de limitação de ar.
Odaxelagnia: Atração por morder ou ser mordido, associada ao
prazer em atos que envolvem leve dor e entrega física.
Bondage (Amarrar): Atração pela imobilização do parceiro, como
ser amarrado(a) ou prender o outro, criando uma sensação de
vulnerabilidade e entrega.
Exibicionismo e Voyeurismo: Prazer em ser observado ou observar
outras pessoas em momentos íntimos, criando uma sensação de
transgressão e liberdade.
Sadismo e Masoquismo: Estímulo por infligir ou receber dor,
incluindo tapas, arranhões, e outras práticas que trazem prazer por meio de
desconforto físico controlado.
Impact Play: Prazer obtido por meio de golpes controlados, como o
uso de palmatórias, chicotes ou cintos, em locais estratégicos do corpo.
Choking Play (Estrangulamento Controlado): Prática de
pressionar levemente o pescoço, trazendo prazer por meio de uma sensação
de submissão e confiança no parceiro.
Deificação: Atração por tratar o parceiro como uma divindade ou
objeto de adoração extrema, colocando-o em um pedestal e servindo-o
como se fosse superior.
Branding fetish ou escarnofilia: fetiche que envolve a excitação por
deixar marcas no corpo do parceiro, podendo ser temporárias ou
permanentes.
Sinopse
Para todas que querem ser amadas por alguém disposto a queimar o
mundo por elas.
Prólogo
Entre linhas.
Ele tinha olhos profundos, de um brilho sinistro que refletia o fogo
do inferno. A forma como me encarava dava a impressão de que queria
atravessar minha alma, consumindo-a completamente. Seu rosto poderia ter
sido facilmente esculpido pelos deuses, tamanha a perfeição de suas
feições. Seus cabelos negros, como a noite, brilhavam de uma maneira
quase sobrenatural, uma beleza que intimidava.
Isabella
Sinto-me forçada a me casar com um homem que desprezo. Quando
soube que fui dada em casamento pelos meus tios, meu mundo desabou,
tinha tantos planos para mim, talvez alcançar a minha tão sonhada liberdade
quando completasse meus 18 anos, um sonho que agora se torna
impossível.
Vi meu noivo apenas uma vez, ele prometeu que no futuro eu seria
sua esposa, e quatro anos depois estou aqui me tornando sua noiva, ele é um
empresário, viúvo. É assim que os jornais os descrevem, como um
empresário, não um mafioso.
Ele não será fiel aos seus votos, e mesmo indisposta será obrigada a
agradá-lo. Não somos respeitadas, somos o lado mais fraco da corda, e isso
me irrita profundamente.
— O noivo nem se quer chegou ainda, por que se importa com meu
atraso? — alfineto.
Não é novidade que o noivo ainda não tenha chegado à sua própria
festa, e torci para que ele não viesse, mas, infelizmente, ele veio,
acompanhado do seu sottocapo e consigliere. O salão fica silencioso por
alguns segundos enquanto os três homens caminham.
— Ele é Don, claro que está ocupado. — Meu tio me corta, falando
de forma bajuladora.
Analiso como ele é bonito, uma versão ainda mais detalhada de anos
atrás, o mesmo nunca teve interesse em me visitar, passei quatro anos da
minha vida trancada em um internato, onde tudo que eu aprendia, era sobre
como ser uma boa esposa para ele, enquanto ele pode aproveitar a sua vida,
sem se importar que algum dia se casaria.
— Ela será uma excelente esposa, não lhe dará trabalho algum. Ela
tem bons modos, estudou em um dos melhores colégios internos. — De
repente o assunto surgiu.
— Você está mais bonita do que da última vez que a vi. — pisco
meus cílios.
— Isso é bom. Será mais fácil ficar grávida do meu herdeiro. — sua
voz me revela satisfação.
Minha boca seca, e meu coração parece sentir o peso das suas
palavras.
— Herdeiro? — estreito os olhos e questiono pensando talvez ter
ouvido errado.
Não quero me casar com esse homem, tão pouco gerar um filho
dele.
— Você não é ingênua, sabe como fazem os bebês, vai gerar o meu
herdeiro em seu ventre.
Suas intenções com esse casamento são claras, ele quer um herdeiro,
um sucessor.
— O corpo é meu, e não quero gerar seus filhos. — Minha voz sai
completamente alterada.
— Perdi quatro anos da minha vida presa, por uma escolha que eu
não fiz. — contínuo. — Não quero me casar com você nem gerar seus
filhos.
Ainda sinto raiva, mas acato sua ordem, como uma maneira de me
livrar da sua presença, giro em meus calcanhares para dentro da mansão.
— Tia, esses saltos são péssimos para dançar, meus pés estão
doendo. – finjo uma expressão de dor.
— Não seja presunçosa garota, seu noivo está pagando toda a festa,
é sua obrigação dançar com ele. — absorvo suas palavras, minha língua
coçando para rebater.
Meu corpo está colado no dele novamente. Sua mão envolve minha
cintura fortemente, enquanto a minha se apoia em seu ombro. Respiro
fundo tentando me concentrar na melodia e nos passos da música. Sua
expressão é fechada, como se debaixo de toda aquela armadura estivesse
escondendo algo.
Ele não será diferente dos outros homens, serei seu adorno bonito
em casa, um mero enfeite para sua cama. Esse é só mais um dos motivos
pelo qual não devo me casar com esse homem.
Eu sei que todo esse tempo que passei trancada sendo preparada
para ser uma boa esposa, ele esteve com outras mulheres e isso não me
deixa frustrada. Homens são assim, não conseguem segurar o pau dentro da
calça, mas agora neste momento só queria um pouco de decência de sua
parte.
— Mas é para outra que está olhando. — afirmo sem medir o tom de
voz grosseiro.
Tenho dois meses para pensar em como escapar. Poderia voltar para
Milão, tenho muitas amigas lá, pessoas que estudaram comigo. Mas não sei
se alguém estaria disposto a colocar a vida em risco para me ajudar, e
também não sei se seria certo colocar a vida de alguém em risco. Não sou
tão egoísta para tal ponto.
2 meses depois
Não demonstrei insatisfação com o casamento nesses dois meses.
Queria evitar a raiva dos meus tios, então evitei desafiá-los. Para eles,
aceitei ser entregue a um assassino de esposas sem especulações, e finjo tão
bem que até eu mesma estou acreditando nisso.
Faço tudo conforme planejei. Tomo meu café e espero pela equipe
responsável por me arrumar. Não teria como sair do quarto com ele cheio
de pessoas, mas pensei em criar uma boa distração. Coloquei alguns
explosivos em um lugar no jardim onde irá acontecer o casamento, e
conseguirei explodi-los com o controle, que estou escondendo dentro do
sutiã. Quero fugir desse lugar com classe, então deixo que me maquiei e
arrumem meu cabelo. Meu vestido está no mesmo quarto, esperando que o
vista, mas não tenho intenção alguma de fazer isso.
Ouço a porta sendo aberta, e pelo reflexo vejo minha tia adentrar o
quarto.
— Nem acredito que finalmente vou me livrar de você, não foi tão
inútil te criar.
— Controle sua boca e seja uma boa esposa, caso contrário ele vai
te devolver, e desonrada você não terá valor algum, no mínimo você
acabará como a sua mãe, em um bordel qualquer. — Sinto meu coração se
apertar, por ter ciência que a minha mãe era uma mulher da vida, e minha
tia faz questão de humilhar uma mulher morta.
— Você achou mesmo que pode fugir de mim? — Não olho para o
dono da voz, mas sei que ele está colado em minhas costas, sinto o calor de
seu corpo contra o meu.
O aperto em meu pulso se torna ainda mais forte e meus lábios se
contraem em um gemido baixo.
Eu quero chorar, mas não serei fraca a este ponto, ergo minha
cabeça, e me viro de forma que consiga enxergá-lo, meus olhos vão de
encontro aos olhos verdes.
Olho para a figura alta parada no meio do meu quarto, sentindo uma
raiva arder dentro de mim, não quero me casar, não quero viver ao lado de
um homem como ele.
O hálito quente sopra no meu rosto, meu corpo é prensado pelo dele
na parede, sua mão tenta me tocar de toda forma, mas me contorço para me
esquivar. O medo de que agora ele possa me tomar a força me consome,
com as duas mãos empurrou seu peito.
Seus dedos gelados tocam a pele do meu pulso que arde levemente.
Agora ele terá que adiar o casamento, porque não daria tempo de
arrumar um vestido de noiva em cima da hora.
— Logo irão vir arrumar seu vestido. — diz sereno. — Preste bem
atenção. Eu não vou tolerar mais nenhuma gracinha sua, este casamento vai
acontecer. Quer você queira ou não, hoje irá se tornar a minha esposa. —
fala em tom sério.
— Eu serei sua esposa, mas não de bom grado, assim que tocar em
mim irei sentir nojo. — Desdenho entre dentes.
— Não quero ser tocada por um ser tão desprezível quanto você!
Um assassino. — Deixo que as palavras saltaram da minha boca, e quando
percebo falei mais do que deveria.
— Sei que matou a sua primeira esposa, sei das atrocidades que faz,
matou o próprio pai para assumir o lugar dele, você não é só um homem
ruim, e o próprio diabo! — estou totalmente alterada.
Sua mão passa pelos cabelos pretos rapidamente, quero dizer tudo o
que tenho guardado, mas me abstenho e adentro a suíte, fecho a porta atrás
de mim num impacto, e o choro que tentei segurar com tanto apreço me faz
desmoronar.
O soluço baixo escapa dos meus lábios, com o braço tento secar
minhas lágrimas.
Só quero que esse pesadelo acabe. Quero sair desse lugar. Quero
correr daqui. Chorar. Gritar.
Repeti meu mantra. Vai ficar tudo bem, e continuei até meu tio me
entregar ao meu destino.
Meu coração bate depressa, sinto uma ansiedade corroer meu corpo,
apalpo minhas mãos suadas no vestido, meus lábios tremem segurando meu
sorriso frouxo e falso.
Fico frente a frente com meu noivo, ele toma a iniciativa de tocar
minhas mãos, e a cerimônia se inicia, nos costumes da máfia.
— Sim. — Abro minha boca para dizer não. Mas aqueles olhos
verdes parecem me estrangular, para que eu diga um sim. Colocamos as
alianças e cortaram a fita vermelha que as uniam.
— Neste caso, farei questão que você não beba nada alcoólico. — O
meu marido é irônico em suas palavras.
— esta não é uma boa opção para você escolher. — ele rebate.
— Sei que você tem uma fila de mulheres para se deitar, pode
escolher uma delas para te satisfazer. — sugiro descaradamente.
— está tentando fugir das suas obrigações como esposa, não me
casei para você enfeitar minha cama. — Engulo em seco.
Sua mão apalpa minhas coxas acariciando com ternura, seus dedos
traçam caminhos lentos e cuidados sobre minha pele, enviando ondas de
calor pelo meu corpo, uma sensação estranha começa a crescer em meu
ventre, um misto de ansiedade e excitação que ameaça me dominar, fecho
meus olhos com rapidez, os dedos gelados tocam minha bochecha e viro
meu rosto.
Ele não é diferente das outras pessoas, ele também pensa que sou
sem caráter.
Sua mão volta a tocar meu rosto, agora de forma mais rígida. Sinto a
pressão de seus dedos sobre minha pele. Seus olhos me analisam, como se
estivesse reivindicando cada centímetro do meu corpo.
Respiro fundo e volto abrir minhas pernas, Agora com os dedos ele
acaricia a minha região sensível, os movendo minuciosamente até minha
entrada, o ardor e suportável no primeiro momento, comprimo meus lábios
evitando que qualquer som escape. Sua respiração sopra na minha
intimidade, antes da sua língua me chupar. Meu corpo se vê perdido em
algo que me arrisco dizer ser prazer.
Suspiro e passo meus braços pelo seu pescoço buscando que tudo
isso acabe logo, não consigo controlar meu corpo tão pouco minhas
emoções e isso está me fazendo me render a ele, sinto meus olhos
lacrimejarem, é uma lágrima escorrer pelo rosto. Sua boca se afasta da
minha, e com a ponta do polegar, Ele enxuga minha bochecha.
Sei exatamente quais são seus planos, mas não o contrário desta vez,
me levanto da cama, me esquivo do seu corpo, e me tranco da suíte.
— Quero tirar algumas dúvidas íntimas, e não quero falar sobre isso
com um homem. — Respondo.
— Não acho que isso seja necessário, já que nosso casamento é por
conveniência.
— Venha, saia, não me faça ter que derrubar a porta. — Sua voz,
firme e sem paciência, deixa claro que ele não hesitaria em agir conforme
suas palavras.
Com um suspiro de resignação, abro a porta lentamente, saindo para
o corredor com a cabeça baixa. Caminho até a cama, tentando manter o
controle, mas sou interrompida quando ele puxa meu braço com uma força
inesperada.
— Sim.
Sua mão passa pela minha cintura abrindo minhas pernas, e tocando
meu ponto sensível, mal consigo segurar o peso de meu corpo, cansada e
sem forças, ofego com um gemido ao sentir seus movimentos no meu
clitóris, enquanto seu pau me preenche completamente.
— Estou adorando vê-la melar meu pau. — Ele sorri contra minha
pele, intensificando seu ritmo, enquanto me segura com uma força
possessiva.
— Não parece conhecer o marido que você tem, bella mia — sua
voz grossa sussurra, o tom carregado de desdém.
— Você me disse que não sou uma prisioneira, mas por que me trata
como uma? Não posso ir onde quero? — retruco em voz baixa.
— Você não queria ser punida? — sua voz rouca e baixa soa em
meus ouvidos enquanto seus dedos percorrem a lateral da minha calcinha,
arrastando o tecido, aumentando ainda mais a tensão que me consome.
Por mais que eu esteja acostumada com suas palavras sujas, ainda
me vejo desconcertada diante delas.
Recupero meus sentidos e, com uma mão trêmula, aliso meus
cabelos, tentando arrumar a compostura. Movendo os pés com cuidado,
aproximo-me da mesa para pegar minha bolsa, que, em algum momento,
deixei ali sem perceber.
— Vou para o quarto. Preciso descansar um pouco. — Aviso.
Ares
Casar-me de novo nunca esteve nos meus planos. Já havia sido
casado uma vez, não por amor, mas por obrigação. Minha convivência com
Sophie foi bastante conturbada; nós nos conhecíamos desde crianças,
criados para sermos marido e mulher. Ela parecia a escolha certa naquele
momento, especialmente quando assumi o lugar do meu pai, ou melhor,
quando usurpei sua posição. Não me arrependo disso. A forma como ele
morreu foi até generosa, considerando as circunstâncias.
Com mais de 30 anos, pensar em me casar novamente parecia
absurdo. Pior ainda era me imaginar preso a uma jovem garota. Mas, quatro
anos atrás, meus planos mudaram. Escolhi como noiva uma menina que
tinha a idade de uma criança, com a ideia de que um dia seria minha esposa.
Quando a vi pela primeira vez, ela era baixinha, magricela, com cabelos de
fogo e um sorriso triste. Naquele instante, questionei seriamente se deveria
continuar com aquilo.
Mas, admito, lidar com uma jovem de 20 anos tem sido mais
desafiador do que imaginei, especialmente quando ela se recusa a me dar
filhos. A minha frustração cresce a cada dia, e a paciência que pensei ter
parece diminuir diante da sua obstinação.
Estou tentando ser compreensivo. Ela é jovem e passou grande parte
da vida isolada, o que inevitavelmente moldou seu comportamento. Muitas
vezes, ela age por impulso. Fugir do casamento, sabotar a cerimônia ou até
rasgar o vestido de noiva são comportamentos que parecem estar no topo de
sua lista de ações. Mas, devo admitir que essa sagacidade dela, esse espírito
indomável, está começando a me fascinar de uma maneira quase obsessiva.
A indignação se agita dentro de mim novamente, e a imagem dela
defendendo um dos meus homens me deixa puto.
— Bom, cobrei a dívida que você pediu. — Ele responde com uma
serenidade que beira o desinteresse.
Andreas me lança um olhar enigmático antes de se aproximar e
colocar a pasta sobre a minha mesa com um movimento minucioso
Mario Gagliano.
Mario, o Don da La rosa nera. A simples menção ao nome desse
homem já me repugna. Saber que ele está interferindo nos meus negócios é
ainda pior. A família Gagliano é famosa por seu império de drogas e
prostituição um legado que Don Mario carrega com orgulho.
Ele tentou diversas vezes negociar comigo, buscar uma aliança, mas
todas as suas propostas foram recusadas. Não quero misturar meu território
com o daquele velho imundo. Na verdade, meus planos sempre foram mais
ambiciosos: matá-lo, no momento perfeito.
— O que você quer fazer, irmão? — pergunta o sottocapo, ainda
relaxado na poltrona, como se o peso da situação não o afetasse.
— Soube que sua esposa andou meio perdida por aí… — O tom de
Andreas soa um tanto debochado, mas conhecendo meu irmão, sei que ele
não tem intenção de ofender.
— Ela foi até a loja de roupas, mas acabou se desviando para outro
lugar. — comento, omitindo alguns fatos. — Enzo desobedeceu minha
ordem. Se ela conseguiu se afastar, foi porque ele não estava com ela. —
exclamo.
— Não vai fazer nada contra o garoto, vai? — Andreas pergunta,
agora com uma ponta de preocupação.
O único motivo pelo qual aceitei que Enzo trabalhasse para mim foi
porque ele implorou de joelhos por uma chance. Disse que precisava de um
emprego para pagar as contas do hospital da mãe, que daria até a própria
vida se eu o ajudasse. Ele não tinha ligação com a máfia, era só um garoto
desesperado.
Mas, em dois anos, Enzo provou seu valor. Infelizmente, sua mãe
faleceu há alguns meses. O estado dela era crítico, não havia nada que
pudesse ser feito. Mesmo assim, mantive Enzo ao meu lado. Sem família,
ele ficou sozinho no mundo. Durante esse tempo, ele se tornou um soldado
leal, arriscando sua vida inúmeras vezes para salvar a minha.
Eu sempre tive afinidade com aquele garoto, mas ver minha esposa
defendê-lo despertou uma fúria em mim.
— Não vou matá-lo, se é isso que te preocupa. Só vou aplicar um
bom corretivo. — esclareço, tentando dissipar qualquer dúvida.
Buscando algum alívio, pego um cigarro do maço, umedeço-o nos
lábios e o acendo, soltando a fumaça.
— Ela não aceita ordens, e muito menos vai colaborar com algo que
eu proponha. — dou de ombros, desalentado.
— O truque é fazê-la se sentir empoderada entre as outras esposas
da organização. Se ela perceber que tem influência sobre elas, ficará
entusiasmada e fará o que você precisa sem sequer perceber. — explica.
Pondero suas palavras, ainda não totalmente convencido, mas
reconhecendo a lógica em sua abordagem.
— Vou pensar nisso. — murmuro, apagando o cigarro no cinzeiro.
Capítulo 07
Isabella
Após tomar um banho e trocar de roupa, trancou-me no quarto, pego
um dos meus livros para continuar a leitura de onde terminei, passo
algumas horas viajando na minha própria mente, vagando pela leitura até
notar que já é noite, e me levanto para fechar a janela do quarto.
Meus ouvidos captam um barulho vindo da porta do quarto, o som
de uma fechadura sendo destrancada. Meu marido aparece na entrada, com
uma postura séria. Ele ainda usa as mesmas roupas de mais cedo, e seus
cabelos pretos caíam desordenadamente sobre o lado do rosto.
— Descansou? — Pergunta com calma.
Sua sombra cresce ainda mais sobre mim, pude sentir seu cheiro,
uma mistura de cigarro e bebida. Inclinei o rosto para encará-lo; de perto,
sua altura sempre era mais intimidante.
Ares
— Boa noite, senhores. — Me adianto ao entrar na sala.
A sala está repleta de homens do conselho, e alguns caporegimes,
sei que entre eles há um rato, um traidor que entregou nossas rotas a Don
Mario.
— Bem-vindo à minha casa, senhor. — O anfitrião, Francesco, diz,
tentando manter um semblante cordial.
— Obrigado por nos receber, Francesco. — Respondo, enquanto
meus olhos percorrem os rostos na sala, observando cada um deles,
especialmente o de Phelipo. A lembrança de como aquele desgraçado olhou
para minha mulher ainda me enoja. Sinto pena de sua esposa, que tem o
desprazer de dividir a cama com esse porco imundo e desleal.
Dou um passo à frente, minha presença dominando a sala.
— Serei direto. Temos um traidor entre nós. — Minha declaração
imediatamente causa um burburinho nervoso espalhado pelo grupo.
Ninguém quer ser alvo da acusação.
— Já desconfia de alguém, Don? — A pergunta vem de Lucca, que
recentemente assumiu o lugar de seu pai na organização.
Maneio a cabeça em negativo, deixando minha mão trambolhar
sobre a mesa de madeira seca.
— Mas vou deixar um aviso. O que fiz com meu pai será pouco
comparado ao que farei com o rato que está entre nós. — A menção ao
destino de meu pai faz o ambiente cair em um silêncio sepulcral. Se havia
dúvidas sobre a minha responsabilidade na morte de Gutierrez, agora não
restam mais.
Um sorriso cruel se forma em meus lábios, lento e contínuo,
refletindo a ameaça que acabará de fazer.
— Se alguém tiver qualquer informação verídica sobre o traidor,
pode me procurar. Essa pessoa será muito bem recompensada, pois sou um
homem generoso. — vozes começam a fazer suposições e desconfiar entre
si, exatamente como eu pretendia. — Acho que é só por enquanto. — Digo,
dispensando todos após deixar claras minhas intenções.
Quando os homens começam a se dispersar, Francesco hesita por
um momento antes de falar, a ousadia evidente em seu tom.
— Senhor, sei que este não é o momento apropriado e que talvez
não seja da minha conta, mas… sua nova esposa é realmente uma bastarda?
— A pergunta paira na sala.
Meu olhar se crava nele, querendo eliminar a sua existência e das
suas próximas gerações.
— Como você mesmo disse, esse assunto não é da sua conta,
Francesco. Mas já que tocou nele, o nome dela é Isabella Montesi. Ela não é
uma bastarda; ela é a imperatriz de vocês. E vou deixar uma coisa bem
clara: se eu ouvir qualquer murmúrio, qualquer sussurro, seja de quem for,
falando mal da minha mulher, cortarei a língua do infeliz. Avise isso às suas
esposas, especialmente.
— Desculpe pela intromissão. — O homem se aproxima, e pega
minha mão com reverência, antes de inclinar a testa em um gesto de
respeito.
Ao retornar ao grande salão, meus olhos captam imediatamente a
imagem de minha esposa, sentada graciosamente na banqueta do bar, Ela
parece envolvida em uma conversa com Adryel, enquanto eu, ironicamente,
me vejo lutando por um pouco de sua atenção quando quero.
— Nos encontramos no porão? — pergunta meu irmão,
acompanhando meus passos com um tom discreto, mas urgente.
Hoje, enquanto Isabella escolhia um vestido no shopping, meus
homens notaram que estávamos sendo seguidos. Dado o ambiente público,
não podíamos sacar uma arma e resolver a situação ali mesmo, então
permanecemos vigilantes, à espreita. Fiz uma ligação rápida para Andreas,
pedindo que ele investigasse e encontrasse o responsável por essa ousadia.
— Vou deixar Isabella em casa primeiro, depois me junto a vocês.
— respondo.
Me aproximo da cabeleira ruiva, e ao vê-la se virar para mim, sou
imediatamente atingido pelo cheiro de álcool que emana de seu hálito.
— Você deu bebida para ela, Adryel? — Minha voz quase
transborda de raiva contida.
— Ele não me deu, eu que pedi. — Ela, um tanto desinibida, se
agarra à minha gravata, puxando-me para mais perto.
Meu irmão aproveita a oportunidade para sair de fininho, deixando-
nos a sós.
— Quanto você bebeu, coisinha pequena? — Pergunto, segurando
seu rosto delicado entre minhas mãos, tentando avaliar seu estado.
— Por que você me chama assim? — Ela pergunta, meio
desorientada, seus olhos estão dilatados.
— Porque você é pequena. — Respondo com um sorriso suave, mas
ela faz uma careta de descontentamento.
— Não sou pequena, você que é GG. — Levanto uma sobrancelha,
confuso, tentando processar o que ela acabou de dizer.
— O que é GG? — Questiono, ainda sem entender.
— O seu… — Ela começa a responder, mas não a deixo terminar.
Rapidamente, cubro sua boca com a palma da minha mão.
— Você parece ter bebido demais, querida. — deduzo, lembrando
que minha esposa nunca falaria algo assim em público. Ela fica coradinha
só de me ouvir falar putaria, quanto mais de dizê-las. — Vamos para casa.
— murmuro, envolvendo-a em meus braços com firmeza.
Isabella
Lembro-me vagamente de ser carregada até a cama, mas minha
mente luta para juntar os últimos acontecimentos. Bebi algumas doses de
vodca, isso eu sei. Quando despertei, há poucos minutos, a cama estava
vazia. Não que sentisse falta da presença ao meu lado. Despi-me do vestido
da festa, tomei um banho rápido e vesti um pijama, tentando, em vão, voltar
a dormir. O sono escapa, e me pego virando de um lado para o outro,
bagunçando os lençóis enquanto luto contra a insônia.
Quem estou tentando enganar? A verdade é que sinto falta sim.
Sinto falta dos braços fortes ao redor da minha cintura, tanto quanto deveria
desprezá-los. Todos os dias, nesta casa, tento me convencer de que essa
situação é apenas um cômodo. Não tenho mais o desejo de fugir; já não sou
a tola que acreditava na possibilidade de uma vida normal. Estou
conformada, pois não há lugar para mim lá fora. Não tenho ninguém para
procurar, ninguém que sinta minha falta. Nem mesmo meus tios, os únicos
parentes que imaginei se importar comigo, se deram ao trabalho de ligar ou
mandar uma mensagem para saber se estou bem, se me adaptei a essa nova
vida. Mas, o que esperar deles? Afinal, foram eles que negociaram minha
liberdade.
Reviro-me mais uma vez na cama, encarando a parede, quando ouço
alguém entrar no quarto. Meu coração, contra a minha vontade, acelera de
euforia. Rapidamente, me sento no colchão e viro o rosto, ansiosa para ver
meu marido. Mas meus olhos se encontram com uma figura vazia, com um
olhar frio. Suas roupas, manchadas de sangue, acompanham um semblante
cruel.
— Você está ferido. — Minha voz exibe preocupação, enquanto me
levanto da cama, sem hesitar. Mas sua voz grave me para, me detendo antes
que eu possa dar mais do que dois passos em sua direção.
— Fique longe. — Suas palavras fazem meu corpo estremecer.
Procuro seu olhar, mas seus olhos são indecifráveis.
— Está sangrando? — pergunto, sentindo uma pontada de agonia,
uma vontade desesperada de tocá-lo.
Ele solta um suspiro pesado, e um sorriso demoníaco se curva em
seus lábios.
— Esse sangue não é meu, se é isso que te preocupa. Agora, deite-
se. — Sua voz me dá uma ordem, uma que eu me recuso a obedecer.
— Onde esteve? — Minha voz se eleva.
— Pare de fazer perguntas. — Sua resposta é curta e grosseria.
— Sou a mulher que dorme ao seu lado. Não posso saber onde meu
marido esteve? — insisto.
Sua sombra se aproxima de mim, diminuindo a distância até que
posso ver seu rosto limpo, os cabelos negros caem desordenadamente para
o lado, e seus olhos, ainda, são frios. Seus dedos tocam meu pescoço
rapidamente, num gesto que começa sutil, mas que se transforma em algo
promissor e ameaçador.
— Como seria fácil quebrar seu lindo pescocinho. — A ameaça dele
é acompanhada por um aperto mais firme, fazendo com que minhas mãos se
ergam automaticamente para segurar as dele.
Este não é o meu marido. É o corpo dele, tem a voz e os mesmos
olhos lindos, mas não é ele. A criatura diante de mim é a personificação do
lado sombrio que ele esconde. Sinto medo, medo como nunca senti dele.
Me perco no seu olhar frio, e minha mão, trêmula, sobe até seu
rosto, deslizando pela barba áspera e bem feita. Por um momento, ele
parece acordar, e me solta, me empurrando com uma força exagerada sobre
a cama. O impacto é duro, mas rapidamente me apoio nos cotovelos, me
esforçando para ficar de pé de novo.
— Fique longe, por favor. — sua voz soa como uma súplica.
Quando finalmente encontro seus olhos, posso enxergá-lo finalmente.
Ele começa a se afastar, sua presença ameaçando deixar o quarto, e
em seus olhos, posso ver um arrependimento contido.
— Não me deixe sozinha. — peço, mas não é suficiente para deter
seus passos. — Ares… — chamo por ele.
— Não quero te machucar. — Suas palavras são sinceras.
— Você não vai me machucar. — digo numa tentativa de convencer
a mim mesma e a ele.
Ares suspira, balançando a cabeça.
— Eu estava te sufocando… — Ele confessa. — E, porra, eu estava
gostando. Gostando de te ver com medo de mim.
— Eu não estou com medo agora. — tento de qualquer forma
impedir que ele me deixe sozinha.
Seus olhos percorrem seu corpo, fixando-se nas roupas manchadas
de sangue.
— Mas deveria… — sua voz soa firme, dou alguns passos na sua
direção, mas sua voz me detém. — Para! Eu não estou bem. Não quero
machucar você, mas não consigo controlar essa porra. Minha cabeça está
fodida!
— Eu posso te ajudar… — minha resposta é um sussurro, ele me
examina de cima a baixo.
— Você não pode. — Ele balança a cabeça, recusando a
possibilidade.
— Você sente prazer na dor… então, me dê a dor. — avanço
cautelosamente, os pés descalços fazendo contato com o chão frio enquanto
me aproximo dele, determinada.
Ele solta uma respiração trêmula, o peito subindo e descendo de
forma irregular.
— Eu te quebraria de um jeito que você nunca mais seria a mesma.
— As palavras saem ofegantes. — Você é delicada demais para ser
quebrada… Vivemos bem, como casal. Eu não quero que você me odeie. —
Cada palavra dele atinge meu coração como uma lâmina.
Dou um último passo e pressiono meu corpo contra o dele, sentindo
o calor que emana, o cheiro familiar que me envolve, seu tamanho parece
me engolir por completo. Envolvo meus braços ao redor de sua cintura,
buscando conforto.
Sua mão, ainda trêmula, desliza suavemente pelo meu rosto,
acariciando minha bochecha. Ele se inclina para mais perto, afastando
delicadamente uma mecha de cabelo que caía sobre meu olho.
— Eu não mereço você…
Meu peito se aperta, e forço as palavras a saírem.
— também acho que não… mas esse é meu destino.
Ele me encara profundamente, com uma respiração pesada soprando
contra meu rosto.
— E qual é seu destino, bella mia?
— Ser sua. — respondo com esforço, fico na ponta dos pés e
chocando meus lábios nos dele. Uma corrente elétrica percorre meu corpo,
nossos narizes se tocam suavemente, e ao abrir meus olhos, encontro os
dele.
Minhas mãos descem lentamente pela sua camisa, ignorando as
manchas de sangue que se misturam com o tecido. Começo a desabotoar os
primeiros botões, mas de repente sinto o toque firme de seus dedos
envolvendo meu pulso.
— Quero te tocar, me deixe fazer isso. — peço, ele fica apreensivo,
como se lutasse contra um instinto, mas, após um momento de resistência,
ele me solta.
Com delicadeza, minhas mãos retomam o movimento, desnudando
sua camisa o suficiente para revelar as cicatrizes que marcam seu corpo.
Desenho cada uma delas com a ponta dos meus dedos, sentindo a textura da
pele.
— Quem fez isso com você? — Minha voz sai baixa, quase em um
sussurro, embora já tenha feito essa pergunta antes, sem obter resposta.
Ele respira fundo, seu peito subindo e descendo de forma pesada.
— Meu pai. — A resposta vem como um murmúrio carregado de
amargura.
— O seu próprio pai fez isso com você? — Repito, a incredulidade
tingindo minhas palavras.
Sinto o corpo dele se enrijecer sob meu toque, o silêncio entre nós é
pesado. Ele acena com a cabeça, confirmando.
— Ele fez isso com seus irmãos também? — continuo, meus olhos
ainda presos às marcas que cobrem seu peito.
— Cada um foi moldado de um jeito diferente… — Ele responde, e
eu engulo em seco, incapaz de imaginar o que cada um deles tenha sofrido
nas mãos do próprio pai.
Devagar, ele me empurra em direção a uma das paredes do quarto.
Seu olhar, predatório, percorre meu pijama como se pudesse despir-me
apenas com os olhos. Com um movimento ágil, ele me ergue pelos braços, e
eu pressiono minhas mãos contra seu peito. Minhas pernas se entrelaçam
instintivamente ao redor de sua cintura, enquanto ele me segura
firmemente.
— Hoje não vai ser como as outras vezes… Eu preciso aliviar
minha raiva, e quando isso acontece, perco o controle. — Sua confissão é
acompanhada de um olhar penetrante. — Se for demais para você, me diga.
Minha respiração se acelera, e encosto minha testa na dele, tentando
encontrar algum equilíbrio emocional. Passo minha mão por entre os fios de
seus cabelos negros , enquanto as mãos dele apertam minha bunda com uma
força brutal, arrancando um gemido dos meus lábios. Ele caminha comigo
até a cama, onde me deita cuidadosamente.
Ares se afasta em direção ao closet, e quando retorna, meus olhos se
fixam imediatamente no pequeno chicote que ele segura em uma das mãos.
— Ainda quer sentir dor? — pergunta, o olhar expressivo, sondando
minhas reações, procurando por qualquer sinal de medo.
Lembro-me das palmadas que recebi no escritório, da forma como
meu corpo reagiu, e do quanto gostei de ser punida.
— Não sou fraca. — rebato.
— Eu nunca pensei que fosse fraca. — responde — Mas pode ser
que você não goste das mesmas coisas que eu, e eu jamais te obrigaria a
fazer algo só para me agradar.
— Você gosta de provocar dor, mas por que seria errado eu gostar
de senti-la também? — Me ajoelho na cama, buscando o contato com ele,
sentindo a necessidade de me aproximar.
— Você está sabotando o pouco de controle que eu ainda tenho.
O colchão cede sob o peso do meu marido quando ele se aproxima
de mim, e me beija de forma voraz, seus dentes cravando em meu lábio
inferior antes que sua língua invada minha boca, explorando-a com
urgência. Quando ele se afasta ligeiramente, ergue a camiseta do meu
pijama pelos meus braços, deixando meus seios expostos, os mamilos
endurecidos quase roçando em seu peito.
Suas mãos grandes encontram meus seios, apertando-os com uma
força que faz o ar escapar dos meus pulmões em um suspiro entrecortado.
Sua boca volta a se colar à minha, quente e faminta, cada beijo despertando
em mim uma nova onda de delírio. Os gemidos que escapam de meus
lábios são abafados, misturados ao ritmo frenético de nossos beijos.
Sinto o toque frio do chicote deslizando lentamente entre meus
seios, criando um desejo de ansiedade. Meu marido maneja o chicote com
habilidade, aplicando golpes leves, quase delicados, em minha pele. A
ardência que sinto é momentânea, logo substituída por uma vontade
avassaladora de mais.
Ele retira meu short com um movimento ágil, deixando-me apenas
de calcinha. O tecido é fino, mal cobrindo minha intimidade, que começa a
pulsar. Os braços fortes me puxam para a borda da cama, e com um
movimento firme, ele me vira, deixando-me com a bunda para cima. Seus
dentes mordem a carne macia das minhas nádegas, enviando ondas de
prazer por todo o meu corpo. O chicote desliza novamente sobre minha
pele, desta vez ao longo das minhas costas, provocando um arrepio que
percorre minha espinha.
Ares repete o processo, aumentando minha expectativa a cada
segundo. O som seco de sua mão batendo contra minha bunda reverbera
pelas paredes do quarto, e eu aperto os lençóis com força, sentindo a tensão
crescer em meu ventre. O chicote desliza uma última vez por minhas costas
antes de se chocar contra minha pele com um som seco.
A dor aguda se mistura com o prazer, fazendo minhas costas se
curvarem involuntariamente enquanto um gemido alto escapa da minha
garganta. A pele recém-marcada arde, e o calor que se espalha por meu
corpo faz minha intimidade pulsar e se molhar ainda mais.
— Quando quiser, me mande parar. Não vou continuar se você não
quiser — murmura em meu ouvido. — Mas confesso que estou gostando de
te deixar toda marcadinha.
Sei que ele está se segurando, que ainda não usou toda a sua força.
As carícias começam, suaves e deliberadas. Sinto o hálito quente dele
soprar próximo à minha coxa, enquanto seus dedos alcançam a lateral da
minha calcinha, movendo-a com cuidado para expor minha intimidade.
— Empine a bunda. — Sua voz é uma ordem que não consigo
desobedecer.
Dois dedos deslizam dentro de mim, apenas para se retirar
rapidamente, deixando-me com uma sensação de vazio. De repente, uma
nova chicotada atinge minhas costas, mais forte que a anterior, e meu corpo
treme, enquanto um grito agudo e incontrolável escapa dos meus lábios.
— Ah, meu Deus… — minha voz é um sussurro de submissão.
Mal consigo recuperar o fôlego da ardência, quando uma terceira
chicotada é desferida contra minha bunda, ainda mais intensa que todas as
anteriores juntas. A dor alastra através de mim como fogo, cada fibra do
meu corpo se contorcendo com a sensação. Antes que eu possa reagir, sinto
a mão pesada dele se enredar nos meus cabelos, puxando-me com força.
Meu corpo é erguido do colchão, obrigando-me a ajoelhar novamente na
cama.
Minha pele queima, e a sensação do chicote agora deslizando pelo
meu pescoço, como uma coleira folgada, apenas intensifica o calor.
Instintivamente, me esfrego contra o corpo nu do meu marido, sentindo a
rigidez da sua ereção pressionando contra minha bunda. Com uma mão
livre, ele posiciona seu membro na minha entrada, e um arquejo escapa dos
meus lábios quando ele me invade com uma investida dura e rápida. O
chicote ao redor do meu pescoço aperta um pouco mais, restringindo minha
respiração, enquanto sua mão se crava em minha cintura, guiando os
movimentos do seu quadril.
Minha respiração começa a ficar mais curta, cada vez mais
superficial, sua mão abandona minha cintura, enredando-se em meus
cabelos novamente, puxando-os em um rabo de cavalo firme, forçando
minha cabeça a se inclinar para frente e meu rosto a se afundar no colchão.
Minha bunda se empina ainda mais, expondo-me completamente a ele. Seu
pau se enterra em mim com uma força incomum, cada estocada fazendo
meu corpo tremer.
O suor começa a escorrer pela minha testa, e meu corpo, agora frágil
e mole, se vê sustentado apenas pelas mãos firmes dele.
— Porra… — Ele rosna baixo, um requinte de prazer em sua voz,
enquanto o chicote ao redor do meu pescoço aperta ainda mais, levando
minha respiração a um ritmo desesperado.
Sinto as paredes da minha intimidade se apertarem, e meu ventre se
contrai de forma incontrolável. Meus olhos se fecham, e sou tomada por um
orgasmo intenso. Gemo alto, mal acreditando que estou gozando enquanto
sou sufocada por ele.
Ares solta meu cabelo, desviando sua atenção para minha bunda,
que ele estapeia repetidamente. Os estalos ecoam nos meus ouvidos, me
deixando à beira da loucura. Com uma estocada final, ele se derrama dentro
de mim, me preenchendo com sua porra.
O aperto em meu pescoço finalmente se desfaz, e eu me desabo
sobre a cama, meus pulmões buscando desesperadamente o ar. Passo as
mãos pela pele sensível do meu pescoço, ainda sentindo o calor do chicote.
Capítulo 10
Ares
Conduzo o carro em direção a uma das boates controladas pela
nossa organização, onde marquei um encontro com o chefe de polícia.
Heros me ligou dizendo que precisava falar comigo pessoalmente, tinha
uma informação importante que não podia ser compartilhada por ligação.
Pelo tom, entendi que se tratava de algo ligado à máfia. E nesse caso, sigilo
absoluto é essencial. Heros recebe uma generosa propina para garantir que
nossas atividades permaneçam fora do radar das autoridades e para nos
repassar qualquer informação que nos seja útil.
Quando se tem dinheiro, tudo se torna comprável, polícias, juízes,
até mesmo governadores. Meu pai sabia disso como ninguém. Ninguém
ousava desafiá-lo ou investigar seus negócios, aqueles que tentaram não
chegaram longe. Quem não podia ser comprado pelo velho Gutierrez
acabava numa cova rasa ou, no fundo do mar, servindo de banquete para os
peixes.
Heros não é um homem tolo, ele escolheu se aliar a mim depois da
morte do meu pai, mas, mesmo assim, não confio plenamente nele. Suspeito
que, em algum momento, ele possa me trair. Enquanto ele me for útil, o
manterei por perto, mas não hesitarei em me livrar dele caso se torne um
problema.
Estaciono o carro na vaga exclusiva e entro no local, ignorando as
moças que dançam no palco, provavelmente ensaiando para o show da
noite. Meu olhar não se detém nelas; estou focado em outra coisa e sigo
diretamente para o bar.
— Olá, senhor. — um dos seguranças me cumprimenta fazendo
reverência com a cabeça.
Não costumo frequentar lugares assim, com frequência esse tipo de
trabalho é mais a praia do meu irmão mais novo, que adora uma farra. Dou
uma olhada rápida no crachá do homem e aceno.
— Vou subir para o escritório. Se um homem chamado Heros
chegar, me avise. — Declaro, e o segurança assente com um aceno.
Caminho para o andar de cima e entro na sala, me jogando na
poltrona de couro. Antes, sirvo-me de uma bebida, e recosto no assento. Há
tantas coisas que preciso resolver, uma esposa que se recusa a me dar filhos,
Don Mario interferindo nos meus negócios, e, para piorar, traidores
infiltrados na minha organização.
O toque seco na madeira me desperta de meus pensamentos.
— Pode entrar. — Digo.
A porta se abre e Heros entra, sua expressão séria e impaciente
imediatamente chama minha atenção.
— Pontual. — Comento, indicando com um gesto que ele se sente.
— Quer beber algo? — Ofereço, erguendo meu copo de uísque e tomando
um gole generoso.
— Dispenso, Don. — Ele responde com um tom resignado.
Espero enquanto ele se ajeita na cadeira à minha frente, observando
cada movimento.
— Então, o que é tão importante que não pode ser dito por telefone?
— Pergunto, inclinando a cabeça, esperando pela resposta.
Ele pigarreia, alisando a barba grisalha com um gesto que revela
uma leve hesitação.
— Apreendemos uma mercadoria que talvez seja do seu interesse.
— Heros diz, e eu estreito os olhos, posicionando os cotovelos na mesa e
juntando as mãos à frente do rosto.
— Sem rodeios, Heros. Tenho muita coisa para resolver hoje. —
Respondo com impaciência. — Que mercadoria é essa?
— É uma mercadoria extraviada com destino a Nápoles. — O
território de Don Mario, penso. — Mas não é uma carga de drogas, senhor.
— A voz dele traí um leve tremor. — São crianças. — Um gosto amargo
preenche minha boca.
Meu rosto se contorce de raiva. Fecho os olhos por um momento,
tentando controlar o furor que se forma dentro de mim.
— Estou sob seu comando. O que devo fazer? Devolver? —
Pergunta o homem.
Meu punho se fecha e golpeia a mesa com força.
— Eu não compactuo com esse tipo de coisa. Porra, não vamos
devolver nada. — Minha voz rasga a garganta de tão intensa.
Esfrego a mão no rosto, irritado.
— Onde está essa mercadoria? — Exijo saber.
— No galpão principal. Deixei alguns homens cobrindo para que eu
pudesse vir até aqui. — Ele responde.
Puxo o ar dos pulmões e fixo o olhar em Heros.
— Não espalhe o que sabe. — Declaro com firmeza. — Volte para
lá e me aguarde.
Heros encara minhas palavras como uma ordem e faz um gesto de
reverência antes de se retirar da sala.
Imediatamente, envio uma mensagem para meus dois irmãos,
pedindo que se encontrem comigo no local.
Posso ouvir os ecos dos gritos que um dia soltei dentro dessas
paredes. Eu era apenas um garoto, clamando por misericórdia. Agora, sou
eu quem faz os demônios implorarem por piedade.
A sala escura revela os dois corpos pendurados como animais
prestes a serem empalhados, como pedaços de carne aguardando para serem
desossados. As correntes os seguram pelos pés, de cabeça para baixo. Já
estive nessa posição antes, e sei o quão desconfortável é. Mas imagine
passar três dias assim.
Eu suportei quinze. E pode ficar bem pior, especialmente se você
tentar se balançar para se soltar, a corrente só aperta ainda mais. Aproximo-
me da mesa de utensílios, procurando algo que desperte minha curiosidade
para testar. É difícil escolher, pois acho que já usei de tudo.
— Vocês não começaram sem mim, não é? — pergunto aos meus
irmãos, que não estão muito longe.
— Eu passo. — Andreas responde quase de imediato.
Viro-me abruptamente para os dois e arqueio uma sobrancelha para
meu Sottocapo.
— Como são dois, um para cada. — Meu irmão sorri de lado,
animado com a ideia. — Eu fico com o da direita. — proponho, voltando a
escolher minha ferramenta de tortura.
Minha mão alcança um alicate, grande e específico para arrancar
unhas e dentes.
— Não vai escolher? — pergunto a Adryel.
— Já escolhi. — ele responde, tirando sua faca prateada da bainha.
Acho que nunca o vi sem ela. Nenhum de nós três é mais letal do que
Adryel com aquela faca.
Solto um longo suspiro, fechando os olhos por um instante, sentindo
o ambiente ao meu redor enquanto dou espaço para o demônio dentro de
mim assumir o controle.
Com alguns passos, me aproximo da minha presa. O homem parece
ter a minha idade, talvez um pouco mais. Seus olhos se arregalaram ao ver
o objeto em minhas mãos, mas ele não emite nenhum som; sua boca está
selada por camadas de fita adesiva.
— Soltem as correntes. — Ordeno, e logo o homem desaba no chão
como um saco de batatas, nojento e desprezível.
Abaixo-me o suficiente para agarrar a gola de sua camisa,
arrastando seu corpo até a cadeira de tortura. Ele tenta resistir, mas dois
socos no estômago o fazem gemer de dor. Mal sabe ele que este é apenas o
primeiro dos muitos gritos que dará hoje.
Lanço-o na cadeira, prendendo seus punhos e tornozelos com as
algemas de ferro, impedindo qualquer tentativa de fuga. Meu Sottocapo
apenas me observa, alisando a ponta de sua faca com os dedos, aguardando
o momento certo para usá-la contra o outro rato que sobrou.
Seguro o alicate firmemente, meus olhos fixos no homem agora
preso. Nunca perguntamos seus nomes ou quem são; apenas sabemos que,
se vieram parar aqui, é porque merecem sofrer sem misericórdia.
— Bem, você já sabe por que está aqui. Ninguém que se senta nesta
cadeira se levanta com vida, mas eu sempre dou algumas opções: você
responde o que eu quero saber, e eu lhe dou uma morte rápida, ou você
sofre lentamente. Isso pode durar noites, talvez muitos dias, dependendo de
quanto seu corpo aguenta. — Seus olhos frios e aterrorizados me encaram.
— Vou fazer uma demonstração.
Posiciono o alicate na ponta de seu dedo, apertando a unha. Sem
aviso, puxo de uma só vez, arrancando-a. O homem se debate na cadeira,
mas é inútil; ela foi projetada para isso, quanto mais você se mexe, mais ela
aperta seus músculos. O sangue escorre, mas é pouco comparado ao quanto
eu pretendo fazer esse desgraçado sangrar.
— Agora que já entendeu, podemos conversar. — Tiro minha faca e
passo-a sobre a fita que cobre sua boca, sem cerimônia. O homem cospe e
murmura uma maldição.
— Filho da puta. — ele xinga.
Minha língua estala em uma risada.
— Isso vai ser divertido. — Posiciono o alicate em outra unha e
puxo com brutalidade. O homem grita, se debatendo em agonia. — Para
onde vocês iriam levar aquelas crianças? — pergunto, sentindo a raiva
queimar em meu peito.
— V.A.I S.E F.O.D.E.R. — ele cospe, desafiadoramente.
— Resposta errada. — Sem aviso, arranco mais uma unha, e o som
do seu grito me faz gargalhar. — Você não tem muitos dedos sobrando,
então seria melhor falar. — Aconselho.
O sangue começa a pingar no chão, o som estimula o meu lado mais
monstruoso.
— Está só me acariciando. — a voz dele soa debochada,
acompanhada de um sorriso cínico.
Meu sangue ferve, e antes que perceba, fecho o punho e acerto seu
rosto.
— É fácil bater em um homem que nem pode se defender, não acha?
— ele zomba, rindo.
Seguro a gola de sua blusa, aproximando nossos rostos.
— Não pense que vou cair no seu joguinho. No máximo, vou
arrancar sua pele enquanto você continua vivo. — Ameaço. — Alguém me
traz a porra do meu uísque! — grito para um dos meus irmãos.
Arrasto uma cadeira de madeira do canto da sala para a frente do
prisioneiro e me sento. Procuro o maço de cigarros no bolso do meu paletó,
destacando um e o colocando nos lábios. Acendo-o com o isqueiro, dando
uma longa tragada antes de soltar a fumaça na direção do homem. Ele está à
beira da dor insuportável, mas ainda tenta manter a compostura.
— Vou perguntar mais uma vez: para onde vocês levariam aquelas
crianças? — encaro seus olhos profundos, esperando uma resposta.
Ele permanece em silêncio, me arrancando um suspiro de
impaciência. Com um gesto, sinalizo para que meu irmão comece a
“brincar” com o outro prisioneiro.
Andreas me entrega um copo de uísque, e eu tomo um gole
generoso, sentindo o líquido queimar minha garganta. Observo enquanto
meu irmão inicia sua tortura. Sua faca começa a marcar o rosto do homem
com um corte profundo. Libertado da fita que cobria sua boca, o homem
geme em tormento, mas o pior ainda está por vir. A faca prateada do meu
sottocapo rasga a camisa do prisioneiro ao meio, revelando seu peito nu.
— Para quem vocês levariam aquelas crianças? — pergunto,
soprando a fumaça do cigarro para o alto.
— Não vou responder. — o homem sentado à minha frente diz.
Minha mandíbula se trava, e eu defiro um soco em seu rosto, mais forte do
que o primeiro.
— Não está levando a sério quando digo que vou arrancar sua pele
enquanto você ainda estiver vivo, não é, seu filho da puta? — Apago o
cigarro na pele nojenta dele e pego minha faca, rasgo sua camisa,
começando a cortar em torno de uma tatuagem em seu peito, preparando-
me para removê-la.
— Tire as mãos de mim, seu italiano desgraçado! — ele rosna, e
balança o corpo, fazendo a cadeira apertar seus braços e pernas.
— Achei que gostasse de carinho. — provoco, abrindo um pequeno
corte entre a carne e a pele. O homem geme de dor.
— Para, seu filho da puta! — Ele grita, e eu franzo o cenho,
sorrindo de lado.
— Mal começamos. — ignoro seus pedidos e continuo enfiando a
faca em sua carne.
— Eu falo… Merda tira essa faca. — me afasto um pouco,
observando sua súplica.
— Está disposto a cooperar só porque vou arrancar sua tatuagem
pareceu fácil demais? — minha pergunta o faz tremer. Dou mais um gole no
meu uísque, degustando enquanto pondero.
— As crianças… Para onde as levariam? — pergunto novamente.
— Para o laboratório. — ele sussurra com a voz cansada.
— Laboratório? — repito, balançando o líquido no copo com
impaciência.
— É onde os órgãos são extraídos e separados para os compradores.
— minha boca seca, e um silêncio pesado envolve a sala.
Aquelas crianças não seriam apenas vendidas; seriam assassinadas,
e seus órgãos removidos. As doze crianças… Aquilo me atinge como um
soco, e a imagem do menino tentando proteger os outros me vem à mente.
— Está dizendo que iria arrancar os órgãos daquelas crianças
inocentes? — Minha voz sai alta, movida pela raiva. — Seu filho da puta!
— meu punho se fecha e acerto seu maxilar, em seguida, seu olho. Não
consigo me controlar, não sei onde meus socos estão acertando. Continuo
golpeando sem parar, mesmo quando ouço meus irmãos me chamando.
Suas vozes parecem distantes demais para serem ouvidas.
Sinto alguém tocar meu ombro, mas ainda assim continuo
golpeando o rosto do desgraçado, até que o sangue respinga no meu rosto, e
percebo que estou esmagando o cérebro dele com minhas mãos.
— Irmão, ele já está morto. — a voz de Andreas rompe finalmente a
névoa na minha mente.
Pisco, vendo o que minha falta de controle causou, o que minhas
mãos fizeram… Não é a primeira vez que isso acontece. Quando a raiva
toma conta, eu fico cego, e quando volto a mim, o estrago já está feito.
Não me arrependo, afinal, o miserável mereceu. Mas eu ainda tinha
muitas perguntas para fazer. Meus olhos encontram os de meus irmãos, e
eles sabem que cheguei ao meu limite. Eles já me viram assim vezes demais
para não perceberem.
— Eu posso dizer o que quiserem, desde que me deem uma morte
rápida. — o outro homem, implora, temendo que sua cabeça tenha o mesmo
destino que a do parceiro.
— Podemos terminar por aqui e te atualizar amanhã. — Adryel
sugere, percebendo meu estado.
Respiro fundo e olho para minhas próprias mãos. Sei que tudo está
sob controle; meus irmãos são as pessoas em quem mais confio no mundo.
— Certo. — é a única palavra que consigo formular antes de sair da
sala.
Paro diante da porta do quarto onde sei que minha esposa está.
Minha mão para no ar, segurando a maçaneta. Penso em como preciso
beijá-la e sentir seu corpo junto ao meu, mas hesito, temendo machucá-la.
Não quero ver aquela expressão de medo em seu rosto.
Decido dormir no quarto de hóspedes. Não seria a primeira vez.
Quando eu era casado com Sophie, dividimos raramente a mesma cama, eu
tinha medo de ter surtos na frente dela. Preferia que dormíssemos em
quartos separados. Mas agora, casado com Isabella, algo mudou. Desde que
nos casamos, dormimos juntos todas as noites.
Capítulo 12
Ares
— Ele continua vivo e pode nos ser útil com mais informações —
disse meu sottocapo, referindo-se ao homem preso em nosso porão, ou ao
que sobrou dele.
Volto minha atenção para Andreas, meu irmão do meio, que está
absorto no laptop à nossa frente.
— Nosso pai não era do tipo que deixava pontas soltas, mas como
ele e Mario tinham negócios juntos, eu supus que talvez encontraria algo no
seu computador. — ele explica. — e eu tinha razão, encontrei algo que vai
te interessar. — disse, enquanto meu sottocapo se aproximava,
posicionando-se atrás da minha poltrona.
— Estes são os extratos de transações entre nosso pai e Don Mário
— aponta Andreas. — Além disso, há também transações feitas para
Adriano Rucci, o antigo contador do nosso pai.
— Como você sugeriu a ideia, Adryel, você irá até Nova York atrás
dele — propus, observando o sorriso que se forma no rosto do meu irmão.
Isabella
Ao rolar meu braço na cama, percebo que estou sozinha. Um vazio
profundo invade meu peito com a certeza de que passei a noite só. Esperei
por ele, mas ele não veio… Isso deveria ser normal, algo para o qual eu já
deveria estar preparada. Nem todas as noites ele vai estar comigo; essa foi
apenas a primeira de muitas.
— Claro, senhora.
Assim que Angélica se retira, volto minha atenção para o café, mas
a tranquilidade da manhã é interrompida pela visão de uma figura alta se
aproximando. De longe, posso ver seus cabelos escuros e as íris verdes que
se destacam, mesmo à distância.
— Eu dormi, não esperei por você. Não se gabe por isso — Retruco,
mantendo o olhar fixo no dele, recusando-se a ceder à provocação.
— Tudo bem, posso fazer isso — concordo, vejo seu rosto suavizar.
Ares se levanta, mas antes que possa se afastar, eu o interrompo.
— Também tenho algo a pedir — seus olhos percorrem meu corpo,
antes dele se inclinar em minha direção.
— Diga.
— Posso ir visitar o túmulo de minha mãe hoje?
Ares
Meu celular vibra sobre a mesa, arrancando minha atenção da pilha
de papéis à minha frente. Um número desconhecido pisca na tela, mas, sem
hesitar, atendo.
Isabella
Ajeito o vestido com a ponta dos dedos, observando minha imagem
no espelho. Os cabelos caem suavemente sobre os ombros, presos em um
penteado elegante. Escolhi um vestido vinho, quase preto, discreto e
sofisticado, perfeito para uma matriarca. A cor realça minha pele branca, e
o corte delineia minhas coxas sem exageros. Arrumo a postura, os ombros
retos, e um olhar decidido.
— Mas minha tia vai dizer que estou sendo mal-educada. — Ela
sussurra, seus olhos brilhando com um toque de preocupação.
— Não ligue para essas velhas sujas, a senhora é melhor que elas.
— Mia afirma rapidamente, me fazendo rir.
— Sim, minha tia Sierra está naquela mesa ali. — Ela aponta com o
pequeno dedo discretamente.
As três mulheres não ousam dizer mais nada, e posso ver a tensão
em seus ombros, o desconforto evidente em seus olhares. Satisfeita, deixo
que um sorriso controlado curve meus lábios antes de me afastar.
— Não ouvi nada que pudesse te interessar, se é isso que quer saber.
— Respondi, tentando manter o tom despreocupado. — Não é como se elas
fossem burras o suficiente para sair por aí confessando que seus maridos
são traidores, esse tipo de coisa ninguém sai dizendo. — Dei de ombros.
Ele desliza os dedos pelo meu rosto até alcançar meu queixo,
forçando-me a encarar seus olhos.
— Agora você pode não entender, mas um dia vai perceber que eu
não estou interessado em fazer filhos, mas sim em engravidar você — seu
hálito quente sopra em meu rosto.
Seu rosto se inclina sobre o meu, quase colando nossos lábios e ele
sussurra.
Sua mão desliza sobre meus seios, parando no meio deles. Com a
palma firmemente posicionada, ele sente meu coração disparar, e é nesse
momento que me sinto traída pelos meus próprios sentimentos.
Ares
— Alguma notícia sobre Adryel? — pergunto distraído.
Já fazia alguns dias que meu irmão havia saído em busca de
informações sobre Adriano, o antigo contador do nosso pai. No entanto, ele
ainda não havia dado notícias, e a falta de informação estava me deixando
nervoso.
A ligação que recebi de Don Mário foi rastreada, mas, como
Andreas havia previsto, o sinal foi interferido e redirecionado para algum
lugar na Itália apenas para nos distrair. Apesar de os negócios estarem indo
bem, sempre devo esperar o pior, pois tenho traidores entre nós.
— Ainda não há nada relevante. Nossos aliados estão tentando nos
ajudar, mas sabemos que encontrar Adriano não será fácil. Ele está há
muitos anos escondido. — Andreas responde, recostando a cabeça na
parede ao lado da janela.
— Conseguiu devolver as crianças para suas famílias? — pergunto,
movendo meu copo de uísque para mais perto de mim.
— Sim, a maioria foi buscada pelos pais. Outras viviam nas ruas,
então consegui providenciar para que fossem adotadas. — Ele faz uma
pausa antes de continuar. — Trouxe alguns papéis da empresa que precisam
ser assinados. Já li tudo, então é só assinar. — Meus olhos se dirigem à
pequena pasta deixada sobre minha mesa. — Ivan Baranovskiy oferecendo
a mão da filha dele em troca de uma aliança. — meu irmão diz como se
tivesse acabado de lembrar.
— O que você acha disso? — pergunto, ajeitando-me na poltrona
para ouvir melhor.
— Seria uma boa aliança, considerando que os Baranovskiy são
muito influentes dentro da Bratva.
Levo um gole de uísque à boca, sentindo a bebida queimar minha
garganta.
— Bom, eu já sou casado, mas vocês dois ainda precisam de uma
esposa. — comento, ponderando a ideia.
Meu irmão limpa a garganta.
— A moça não me interessa. — responde com um tom de ofensa. —
E também não acredito que nosso irmão queira se casar, você o conhece.
E eu conheço. Adryel não é o tipo de homem que se compromete
com uma só mulher.
— Faça uma ficha sobre a garota e me entregue. Se for uma boa
opção, eu encontrarei uma maneira de convencer nosso irmão a aceitar.
Andreas assente e me deixa sozinho na sala. Procuro uma caneta
para assinar os papeis que me foram entregues, quando a tela do meu
celular acende, exibindo o nome de uma mulher. Era a quinta vez que ela
ligava, e sua insistência começava a me irritar.
Serena continuava a me procurar insistentemente, mesmo após eu
ter deixado claro que nosso caso havia terminado. O sexo com ela era bom;
ela me permitia fazer o que quisesse, aceitava meu lado bruto e nunca se
importou com a forma como eu a tratava na cama. Mas sempre avisei que
era apenas sexo, uma diversão temporária.
Tentando evitar mais estresse, desbloqueio meu celular com um
movimento automático. Navego até a lista de chamadas e, com um suspiro
resignado, bloqueio o número de Serena.
Algumas horas se passaram até que minha secretária bate à porta,
anunciando sua entrada. Ela é uma mulher com mais de quarenta anos, que
trabalha na empresa desde que nos a fundamos. Conhece a organização e
não se opôs a trabalhar para nós.
Com um gesto, ela ajusta os óculos redondos sobre o nariz e estende
um pequeno papel que, pelo formato e detalhes, parece ser um convite.
— Isso chegou para o senhor na portaria — informa, colocando o
convite cuidadosamente sobre à minha mesa.
— Quem o deixou na portaria? — pergunto, um tanto confuso.
— Não sei, senhor — responde, com um tom de desculpas. — Com
licença.
Ela se retira, seguindo o mesmo caminho que fez ao entrar na sala.
Sem conseguir conter a curiosidade, desdobro o convite de uma vez
só e vejo o nome do remetente Giovane Santinni um convite para uma festa
em um de seus clubes.
Não posso evitar um sorriso de surpresa diante da audácia de
Giovane. Embora já tenhamos sido muito amigos, a relação mudou após a
morte de Sophie. Giovane desenvolveu um ódio por mim, acreditando que
sou responsável pela morte de sua irmã. Esse sentimento é recíproco e não
me esforço para provar o contrário.
Hesito por um momento se devo ir ou não, mas penso que seria
muita desfeita deixar meu ex-cunhado decepcionado.
Isabella
Estou distraída regando algumas flores no jardim, um canteiro de
orquídeas que plantei há poucos dias. Conversar com as plantas pode
parecer estranho para alguns, mas para mim, é uma forma de terapia.
— Senhora. — A voz gentil da governanta ressoa atrás de mim. —
Chegou algo para você. — Olho por cima do ombro e vejo a mulher parada
na porta da estufa, a poucos passos de distância.
Não me lembro de ter feito nenhuma encomenda recentemente.
Sacudo rapidamente meu vestido e retiro as luvas de jardinagem.
— Já vou. — Aviso, passando por ela com um pouco de pressa.
Assim que entro na sala, avisto a caixa vermelha sobre a mesa de
centro. Seu tamanho médio não diminui minha curiosidade. Pego-a com
cuidado e subo com ela para o quarto. Percebo que meu nome e sobrenome,
está escrito na embalagem.
Sento-me na cama e, com uma mistura de ansiedade e expectativa,
abro o pequeno bilhete pregado na tampa da caixa.
“Espero que eu tenha acertado no tamanho. Esteja pronta às sete.
Preciso que me acompanhe a uma festa.”
Ares M.
A assinatura do meu marido encerra a mensagem. Meu coração
acelera ao pensar nele, traído pela emoção.
Respiro fundo e coloco o bilhete de lado. Desfaço o laço da caixa e,
ao abri-la, revelo um vestido preto. A parte superior é um decote em
formato de corpete, coberto de brilhos, e uma enorme fenda na lateral. O
vestido é simplesmente perfeito, com um ajuste que parece feito sob medida
para mim. Me pego pensando como um homem poderia escolher um
vestido tão bem.
Mordo o lábio, dando uma volta com o tecido colado ao corpo
diante do espelho, admirando o resultado.
—
Estou sentada na beira da cama, tentando colocar um dos saltos
altos. Ouço a porta do quarto se abrindo e, sem desviar o olhar, levanto os
olhos para ver quem entra. Ares para na entrada, e nossos olhares se
encontram. Por um instante, parece que o mundo ao nosso redor se dissolve,
deixando apenas o silêncio entre nós.
— Estou quase acabando — digo, voltando a me concentrar no
salto. O vestido longo torna o processo um pouco difícil, mas continuo
tentando, ignorando sua presença.
— Quer ajuda? — ele pergunta, movendo-se em minha direção.
— Não, eu consigo — respondo, mas ele se aproxima e, com um
gesto, tira o salto da minha mão.
Solto um suspiro, mas não protesto. Com calma, ele coloca meu pé
no chão e desliza o salto, ajustando-o com cuidado. Repete o processo no
outro pé e, ao terminar, se levanta, colocando as mãos nos bolsos e me
observando atentamente.
Levanto-me da cama, tentando me equilibrar em meus pés, e ajusto
o vestido na minha cintura.
— Ficou perfeito. — comenta, satisfeito ao ver que o vestido
escolhido se ajusta em meu corpo, deixando minhas curvas acentuadas.
— Sim — respondo, dando um passo para trás. Decidi que, se quero
evitar me apaixonar por ele, preciso manter uma distância emocional,
mesmo que não possa evitar o contato físico.
— Você ainda precisa se arrumar. Vou esperar por você na sala —
digo, girando sobre os calcanhares para sair. No entanto, uma mão firme me
impede, pressionando minha pele com seus dedos.
— Seu cabelo… — ele murmura, enquanto sua mão alcança o
grampo que usei para prender meu cabelo em um coque. — Não gosto que
use ele preso.
Sinto um leve aperto no peito e mordo o lábio, lançando um olhar
irritado para ele.
— Eu tive trabalho para fazer isso… — falo frustrada. Sacudo a
cabeça, permitindo que os fios soltos caiam suavemente sobre meus
ombros.
— Prefiro assim — diz, com um tom de possessividade, sinto sua
aproximação nas minhas costas, o calor de seu corpo próximo ao meu. Seu
rosto se inclina entre meu pescoço e meus cabelos. Sua respiração quente
acaricia minha pele. — Gosto de como ele é volumoso, perfeito para que eu
possa puxar — ele faz uma pausa, seus lábios tocando minha pele em um
beijo sutil que faz meu corpo se incendiar, aperto minhas mãos ao vestido.
Imóvel. — Gosto de como ele é Vermelho como o fogo, e principalmente,
gosto do seu cheiro. — sua respiração quente sopra sobre meu pescoço,
antes que sua língua trace um caminho pelo meu pescoço beijando minha
nuca. — não vou demorar. — avisa dando um espaço entre nós e segue para
a suíte.
Ares
Com impaciência, vasculho o bolso do paletó até encontrar o maço
de cigarros. Assim que encontro, puxo um cigarro, coloco-o entre os lábios
e o acendo com a outra mão. Sopro a fumaça para o alto, descontando
minha raiva em um chute no ar.
Isabella agora acredita que estou tendo um caso com Serena e isso
me deixa mais irritado do que deveria!
— Sua esposa foi embora tão cedo… — A voz sarcástica de
Giovane rompe o silêncio, e quando ergo a cabeça, vejo-o parado a alguns
metros de distância.
Queria não pensar que ele tem um dedo sujo em toda essa confusão.
Por que mais ele convidaria Serena para este evento, senão para provocar?
Solto mais uma baforada de fumaça e respiro fundo, tentando
manter a calma.
— Não use minha esposa nos seus jogos comigo. Ela não tem nada
a ver com isso. — Finalmente me pronuncio, observando Giovane se
aproximar. — Isso tudo já faz muito tempo. Deveria esquecer o que
aconteceu.
— Como posso esquecer que você matou minha irmã? — A
acusação vem coberta de uma raiva palpável.
— Todos esses anos, você realmente acreditou que fui eu quem
matou Sophie? — pergunto, com incredulidade. — Nunca faria mal a uma
mulher sob minha proteção.
— Minha irmã amava viver. Ela jamais tiraria a própria vida! —
Giovane retruca.
Eu e Sophie éramos casados, e não posso simplesmente anular o
fato de que ela morreu.
— É fácil acusar o vilão quando ele já carrega crimes suficientes
para ser condenado, não é? — estreito os olhos, encarando-o. — Já disse e
vou repetir: eu nunca machucaria uma mulher sob minha proteção. O que
aconteceu com Sophie foi uma tragédia, mas eu não tive culpa.
Giovanni solta um suspiro, balançando a cabeça em negação.
— Não teve culpa? Que tipo de marido você era para não perceber
que ela precisava de ajuda?
— E você, Giovane? Um bom exemplo, não? Ficou anos fora,
estudando, e quando voltou foi apenas para ver sua “querida irmã” em um
caixão. — Sou sarcástico. — Não jogue toda essa responsabilidade em
mim.
A raiva de Giovane é evidente, seus olhos traindo o descontrole que
ele tenta esconder.
Sinto uma mão pesada sobre meu ombro e viro meu rosto para
encarar meu irmão ao meu lado.
Ele cumprimenta Giovanni com um aceno de cabeça, e volta a olhar
para mim.
— Ela já foi embora.
Não era difícil saber onde Serena morava, afinal eu frequentava seu
apartamento com frequência há meses atrás, peço que meu irmão me espere
no carro, e sigo para o corredor do elevador, em poucos minutos estou
enfrente a porta do apartamento, com uma única batida ela abre a porta, sua
roupa já não é um vestido de festa, foi substituído por uma lingerie, que não
me importo de ficar olhando os detalhes.
— Então você veio me procurar. — Ela sorri e abre um espaço entre
mim e a porta, no primeiro momento não quero deixá-la assustada, então
aceito e entro.
Meus passos são largos, dando uma olhada em volta da decoração.
— Vamos para o quarto. — ela oferece ao passar na minha frente.
— O que tenho para dizer a você é breve Serena. — instigo vendo o
rosto da mulher mudar a expressão. — Quanto Giovane te pagou para ir até
aquela festa?
— Não sei do que está falando, não fui paga para nada. —
resmunga, como se estivesse ofendida, mas sei que é fingimento.
Coloco as mãos no bolso e suspiro.
— Vamos, Diga logo quanto recebeu? — pergunto novamente
engrossando o tom, vendo os olhos de Serena arregalarem.
— Já disse, não sei do que está falando. — ela se mantém no seu
personagem.
Dou a volta por ela, indo até a pequena cozinha, achando a gaveta
exata onde ela guarda os utensílios de cozinha, encontro uma pequena faca
e sorrio para Serena que já sabe das minhas intenções.
— Eu não gosto de perder tempo, Serena, abre logo a maldita boca!
— falo alto.
— Ele não me pagou, só disse que eu deveria ir porque você estaria
lá, eu queria te encontrar e fui. — confessa em voz baixa, e desanimada. —
Você me chutou depois de tudo o que vivemos.
Abandono a faca e fecho a gaveta de forma bruta, não tinha intenção
de usar aquela faca, só queria que ela falasse.
— Defina tudo o que vivemos? Apenas trepávamos e você era muito
bem paga para isso. Não seja idiota.
— Você não pode me tratar assim Ares.
— Realmente eu deveria lhe dar um tratamento melhor, cortar seus
dedos por tocar na minha mulher, o que acha? — A mulher dá alguns
passos até a sala e eu a sigo com um olhar, a vendo trazer um envelope
branco.
Ela se posiciona na minha frente, como se estivesse segurando o
mundo naquele papel, e ergue para mim com serenidade, acompanhando
um sorriso extravagante.
— Não pode fazer nada comigo, porque estou grávida, e você é o
pai.
Pisco os olhos.
— Você está usando droga ou algo assim, eu não sou pai de nenhum
filho seu! — esbravejo, mas seu sorriso de cinismo fica maior.
Eu queria um filho, mas não com ela.
— Pegue e veja. — ela insiste em colocar o envelope sobre meu
peito.
Eu amasso o papel com a mão.
— Sabe que não está grávida de um filho meu, Serena, sempre usei
camisinha quando fodemos, se estiver grávida não é meu! — Respondo
com desgosto.
— Camisinhas estouram. — responde com plenitude. — Estou
grávida e você é o único na minha cama, pelas minhas contas batem com a
última vez que ficamos.
Balanço a cabeça passando meus dedos entre minha têmpora.
— isso tem mais de cinco meses. — meus olhos se atraem para sua
barriga, notando que ali nem se quer tem uma barriga de grávida.
Ela realmente acha que posso ser trouxa a esse ponto, de acreditar
que ela está grávida de um filho meu?
— Eu quero que suma da Sicília, se quer dinheiro para tirar esse
feto, posso lhe dar, mas quero que vá embora, não quero que volte a cruzar
meu caminho outra vez.
— Você está me mandando tirar o seu filho? — ela usa vitimismo, e
isso é ridículo. Serena tem 26 anos, é uma mulher vivida, deveria ter noção
da gravidade que tudo isso é. — que tipo de monstro é você!
— Esse filho não é meu, porra! — grito e bato com o punho na
parede ao meu lado. — a única mulher que vai carregar um filho meu, é
minha esposa. Estou te oferecendo uma boa opção, sei que é uma
interesseira, com uma boa quantia você pode reconstruir sua vida longe
daqui.
— Você tem que assumir o que fez! Seja homem!
— Não tenho problema em assumir um filho, mas sei que esse filho
que você diz estar esperando, não é meu. — Dou um passo à frente. — você
tem até amanhã pra sair da cidade, não me importo se nós conhecemos há
anos, tão pouco se está grávida, se entrar no meu caminho de novo, eu
acabo com você.
Abro meu palito retirando um cheque, com uma boa quantia.
— Você sabe que cumpro com as minhas promessas, então não me
teste. — a loira me olha cabisbaixa.
— Vai se arrepender disso. — ela desdenha quando dou as costas e
sigo para sair do apartamento.
Respiro um pouco desnorteado ao dar passos para o elevador.
Quando chego na garagem apenas entro no banco de passageiro, e
espero que meu irmão assuma o lugar de motorista.
— Fique de olhos nela nas próximas horas. Ela precisa sumir da
Sicília o mais rápido possível. — digo. Minha mão vai a gravata e afrouxo
o aperto.
— Mandou ela embora? — Andreas pergunta se concentrando no
volante.
— Ela agora inventou uma gravidez, não posso deixar que essa
merda se espalhe. — minha cabeça se apoia ao banco tombando para trás
em frustração.
— Ela está grávida? — A voz de meu irmão é de surpresa e com
questionamento.
— Se estiver, não é meu. — respondo ligeiramente.
— Ela te mostrou alguma prova?
— Um teste que nem fiz questão de olhar, pode ter sido forjado, e
não me importo se ela está grávida, não é meu, ponto final! — corto o
assunto. — Vamos para academia. — ordeno sobre a nosso caminho.
— Certo. — ele assente com uma única palavra.
Isabella:
Se Ares achava que tinha se casado com uma mulher que ele
poderia manipular, ele estava completamente enganado. Não vou permitir
que ele me humilhe e saia ileso. Se ele pode ser cruel e impiedoso, eu posso
me tornar seu pior pesadelo.
Nunca mostre a uma mulher o quanto ela pode ser cruel.
Escolhi meu melhor vestido, como se estivesse me preparando para
um evento de extrema importância e, de fato, este é. Sei que ele está em
casa; vi seu carro chegando alguns minutos atrás. Com passos decididos,
desço até a garagem da mansão. Não entendo de carros, por isso trouxe
Enzo comigo, mesmo ele estando confuso sobre o motivo de eu ter
praticamente o arrastado do posto de vigia até aqui.
— Qual é o carro mais caro dele? — pergunto, observando Enzo,
que mantém as mãos atrás do corpo e hesita, como se não tivesse
processado a pergunta.
— Não entendi, senhora. Está perguntando qual carro é mais caro?
— ele responde, visivelmente confuso. Eu estreito os olhos e cruzo os
braços, impaciente.
— Diga logo, Enzo. Qual o carro mais caro nesta garagem? —
exijo, elevando a voz de uma forma que nunca havia feito antes.
— Um Aston Martin. — Ele finalmente aponta para um veículo no
fundo da garagem.
Olho para o carro, avaliando-o cuidadosamente. A cor é um verde
reluzente, bonito, mas o que realmente me interessa é o valor.
— Ele é caro, tipo quanto? — pergunto, já imaginando o que farei
com aquele carro.
— Custa mais de um milhão, senhora. É um carro de colecionador.
— Um sorriso cresce em meus lábios.
Colecionador… Isso significa que é um modelo raro e difícil de
encontrar.
— Perfeito. Me dê a chave. — Estendo a mão de lado, exigindo.
— Desculpe, mas acho melhor pedir ao chefe. — Enzo responde,
hesitante.
Faço uma careta de desagrado e me viro completamente para ele.
— Ele é seu chefe, e eu sou a mulher dele, posso dar ordens tanto
quanto ele. Traga a maldita chave agora. — falo grosseiramente.
Enzo me olha cabisbaixo, claramente relutante.
— Tudo bem. — Ele finalmente se rende.
Ele desaparece por alguns minutos, mas logo retorna segurando as
chaves do carro.
— Você está dispensado. — Digo, sem desviar os olhos do carro,
sentindo uma onda de entusiasmo.
O homem não contesta e se retira.
Quando percebo que estou completamente sozinha, começo a
procurar por algo que me ajude a executar meu plano. Com tantos carros
aqui, seria impossível não encontrar um galão de gasolina. Não demoro
muito para encontrar um, guardado em um dos armários.
Caminho em direção ao carro, carregando o galão de gasolina. Dou
uma última olhada no retrovisor, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da
orelha, suspiro e coloco as mãos no volante. O toque é macio, e imagino
que seja fácil de dirigir, como qualquer outro carro convencional.
Giro a chave e começo a retirar o veículo da garagem, até o
estacionar de qualquer jeito no meio do pátio. Salto dele com o galão em
mãos, pronta para o próximo passo.
Dou uma boa olhada ao redor, certificando-me de que estou sozinha,
e começo a despejar o líquido inflamável por todo o carro. A sensação de
fazer aquilo é estranhamente agradável; sinto-me perfeitamente em paz,
sem um pingo de culpa ou arrependimento. Ele merece, merece cada
pedaço da destruição que estou prestes a causar.
O líquido escorre pelo interior e exterior do veículo, encharcando os
bancos e o metal.
— Senhora, o que está fazendo? — A voz de Enzo atrás de mim
tenta me parar, mas é inútil.
— Não está vendo? Estou destruindo o carro do meu marido. —
respondo, sem me virar.
— Não pode fazer isso… Ele… — Enzo começa a falar, mas eu o
interrompo, ainda concentrada em meu trabalho.
— Enzo, se não quiser explodir com este carro, é melhor sair daqui.
— advirto, sem levantar a voz.
— Meu Deus, o chefe vai me matar. — Ele murmura preocupado.
Ao derramar a última gota de gasolina, procuro o isqueiro que
peguei na cozinha. Tomo uma boa distância e, com um gesto preciso,
acendo a chama e arremesso o isqueiro. No primeiro momento, o carro
apenas começa a pegar fogo, então me afasto mais. Em questão de minutos,
as chamas se espalham, e vejo Enzo ameaçar apagar o incêndio, mas eu o
impeço.
— Não ouse, ou quem vai matar você serei eu. — rosno, furiosa.
Coloco as mãos nos ouvidos, antecipando o estrondo que está por
vir.
Eu estava vingada.
Ares
Andreas entra no meu escritório de forma abrupta, seu rosto pálido e
uma expressão de puro espanto.
— Sua mulher está explodindo um dos seus carros. — Ele anuncia,
quase sem fôlego, como se tivesse corrido uma maratona.
Eu não precisava que ele me dissesse. Eu já sabia.
— Eu vi. — Respondi, mantendo meu tom calmo.
Vi cada detalhe. Vi quando ela tirou o carro da garagem, estacionou
no meio do pátio e, então, o vi explodir, tudo isso de camarote/meu
escritório. Dei um leve sorriso, refletindo sobre a cena.
Acho que me enganei ao pensar que Isabella fosse ingênua.
Andreas fica em silêncio por um momento, ainda tentando processar
o que havia visto.
— E não vai fazer nada? — pergunta, a descrença evidente em sua
voz.
— Não. — Continuei saboreando meu uísque, o líquido âmbar
descendo pela garganta, enquanto meus olhos permaneciam fixos na janela,
admirando o estrago que a pequena diabinha havia feito. A fumaça ainda se
erguia do carro carbonizado.
Andreas, no entanto, estava longe de compartilhar do meu
entusiasmo.
— Lembra que ele é um carro de colecionador? — meu irmão ainda
parecia incrédulo com a minha aparente indiferença.
— Eu sei. — Dei de ombros, minimizando a perda enquanto
observava o pátio pela janela. — Ela está furiosa por ontem. — Esclareci.
Andreas se deixou cair numa poltrona, exasperado.
— Você deveria ter explicado que não tem nada com a Serena. Ela
teria deixado seu carro inteiro se soubesse. — Ele argumentou.
— Acha que eu não tentei? — Suspirei, levando o copo de uísque
novamente aos lábios. A bebida queima.
Andreas solta um resmungo irritado.
— Que droga, Ares! No próximo ano aquele carro seria meu. — Um
riso baixo escapou de mim, sua frustração era quase cômica.
— Pode escolher outro. — Ofereci.
— Aquele era um Aston! — Andreas exclama.
— Pare de resmungar. — Retruquei, com um tom de sarcasmo. —
Você deveria pegar o contato do fornecedor das bombas dela. Não são
boas? — A lembrança do incidente no nosso casamento me veio à mente,
me fazendo sorrir involuntariamente enquanto observava a fumaça densa
que ainda emanava do carro destruído.
O sorriso em meu rosto era quase estranho, uma satisfação que não
conseguia explicar.
Perdi um carro e estou feliz? O que há de errado comigo?
— Ela usou gasolina desta vez. — Andreas murmura.
Esperta. Estou orgulhoso.
— Aquela mulher com uma arma seria um perigo. — Andreas
continuou a resmungar. — Ainda bem que ela não sabe atirar.
Não sabe ainda…
A imagem de Isabella com uma arma em mãos me fez imaginar o
que ela poderia fazer. Sim, seria uma perfeição.
Fui até o lado de fora da casa, onde ela estava sentada sobre a
grama, completamente tranquila, como se não tivesse acabado de explodir
um carro que valia mais de um milhão de reais. Ela sequer notou minha
presença, tão concentrada no fogo devorando o veículo à nossa frente. Um
sorriso diabólico de satisfação curvou seus lábios, irradiando uma beleza
perversa que a tornava ainda mais fascinante aos meus olhos. Perfeita.
— Vai precisar de muito mais do que explodir um carro para me
irritar — disse, posicionando-me ao lado dela, ainda de pé, com as mãos
enfiadas nos bolsos da calça social.
— Não queria te irritar — respondeu, sem tirar os olhos do carro em
chamas. — Estava entediada e precisava fazer alguma coisa.
— E resolveu explodir meu carro para sair do tédio? — perguntei,
ainda incrédulo.
— Pensei em explodir você, na verdade. Mas me contentei com o
carro — ela se levantou, ajeitando o vestido florido no corpo, e voltou a me
encarar com aquele olhar de falsa ingenuidade misturado a uma malícia
inegável.
— Sabe quanto esse carro custava, certo? — questionei, já
conhecendo a resposta.
Ela sorriu, confirmando, é claro que ela sabia.
— Pense pelo lado positivo, marido. Eu poderia ter estragado todos
os seus carros, mas escolhi apenas um — seu pequeno corpo se aproximou,
e o aroma floral de seus cabelos me envolve, despertando em mim uma
fascinação de querer estar perto.
Que se dane o carro, eu compraria outro se ela quisesse repetir o feito.
— Não seja uma garota má, porque eu adoro punir — murmurei,
agarrando seu braço e puxando-a bruscamente, fazendo-a colidir contra
meu peito. Minha mão segurou firme sua cintura, impedindo qualquer
tentativa de fuga.
— Me solta! — Ela começou a socar meu peito com as duas mãos,
mas os golpes eram tão fracos que me fizeram sorrir diante da sua fútil
tentativa de se libertar. — Tire essas mãos de mim, seu maldito! — ralhou
como uma gata-borralheira, cravando as unhas em meu braço.
— Estou ficando excitado com isso — provoquei, observando como
ela parou de se debater e soltou um suspiro frustrado contra meu peito.
— Ares, por favor, me solte — sua voz, embora calma, ainda tinha
uma leve irritação. — Não quero que toque em mim.
Balancei a cabeça, negando seu pedido.
— Está agindo assim por ontem? — perguntei sem afrouxar o
aperto.
— Você me compra vestidos caros para me enfeitar e exibir como
um troféu, mas não honra seu compromisso comigo.
— Quantas vezes terei que dizer que eu e aquela mulher não temos
nada? — retruquei, deixando que meu corpo a encobrisse, sentindo sua
respiração pesada. — Eu sou apenas seu, Bella mia — ergui seu queixo
para que nossos olhares se encontrassem.— Você não é um troféu que quero
exibir, você é minha esposa, e eu quero que esteja sempre ao meu lado.
Fui sincero, mas minhas palavras não parecem convencer minha
pequena ruiva enfurecida.
— Você é manipulador, Ares. Não confio em você — murmurou,
desviando o olhar e livrando-se da minha mão em seu rosto.
Nesse momento, Andreas surge à minha frente, com um semblante
sombrio. Relutantemente, afastei-me de Isabella, assumindo uma postura
séria.
— Ainda vamos terminar essa conversa — avisei a ela, dando
alguns passos para longe, mas antes de me afastar completamente, nossos
olhares se encontraram novamente.
Faço um sinal para que Enzo se aproxime.
— Senhor, eu não… — meu soldado tentou se justificar.
— Ainda bem que você não a impediu — o interrompi. — Limpe
essa bagunça.
Enzo acenou e seguiu para cumprir a ordem. Quando olhei para trás,
Isabella já havia desaparecido. Ainda tínhamos uma conversa inacabada, eu
aceitei dormir longe dela na noite passada, mas isso não se prolongaria por
mais uma noite.
— O que aconteceu? — voltei minha atenção para Andreas.
— Fomos atacados — respondeu ele. — Mataram nossos homens e
levaram uma carga.
— Caralho! — xinguei, esfregando a mão no rosto em frustração. —
Quantos? — pergunto, tentando manter a calma.
— Dez — Andreas responde, com a raiva evidente em seu rosto,
refletindo a minha.
— Como isso aconteceu? — questiono. — Vamos, quero ver o
estrago.
O armazém, era um ponto de transporte de mercadorias, pouco
utilizado por ser um pouco longe do Porto. Agora o local se encontrava
detonado, o cheiro pungente de sangue fresco impregnava o ar, e os corpos,
já estavam cobertos por sacos pretos, havia várias balas no chão, o que
indica que eles foram pegos de surpresa sem tempo para reagir ao ataque.
Fiquei alguns minutos encarando uma das paredes, relutante a
acreditar que perdi dez dos meus melhores soldados.
— Precisamos liberar os corpos, para serem entregues às famílias.
— A voz grave do meu irmão me traz de volta a realidade.
Eu solto um suspiro pesado.
— Eles morreram em uma emboscada. — Minha voz sai rouca. —
Dez homens mortos. — Jogo a cabeça para trás. — Precisamos encontrar o
rato que está entre nós, ou vamos perder mais homens.
De repente, meu celular vibra no bolso. Instintivamente, o puxo para
atender, mas o número desconhecido na tela faz meu corpo ficar em alarme.
Um pressentimento me diz que seria Don Mário. Viro a tela rapidamente
para meu irmão, que me observa com os olhos estreitos, atento.
Atendo a ligação.
— Recebeu meu aviso? — A voz asquerosa e familiar de Mário
invade a linha, fazendo meu sangue ferver.
Lancei um olhar para meu irmão, que retribui com um aceno
discreto.
— O que você quer, Don Mário? Estou ocupado demais para as suas
brincadeiras.
Ele solta uma risada seca.
— Sei que está ocupado. Minhas condolências às famílias dos seus
homens, realmente foi uma perda repentina. — A zombaria em sua voz é
clara.
A raiva pulsa em minhas veias. Esse filho da puta organizou a
emboscada. Ele matou meus homens e agora se deleita com isso.
— Desgraçado! — Rosno entre dentes, a ira invade meu peito.
— Eu te avisei para devolver a minha mercadoria, Ares. Isso não se
trata apenas de mim. Há pessoas muito mais influentes do que eu nessa
pirâmide, e elas não gostam de sair no prejuízo. — Sua voz é uma ameaça.
Estalo a língua.
— Você poderia ser homem e parar de mandar recadinhos. Por que
não vem falar pessoalmente o que acha? — Provoco, sabendo que ele é
covarde demais para isso.
— Não preciso me arriscar tanto, afinal, iremos nos encontrar em
breve. Você tem algo que me pertence, e estou esperando ansiosamente para
tomar de você. — Sua voz transborda confiança.
Meu punho se fecha com tanta força que sinto os nós dos dedos
estalarem.
— Veremos, Don Mário. — o subestimo
Ele solta uma última risada, antes de desligar abruptamente.
Permaneço com o celular ainda na mão, fazendo uma força contra o
aparelho.
Meu irmão, que esteve quieto ao meu lado durante toda a ligação, se
pronuncia.
— Ele está blefando? — pergunta desconfiado.
Solto um longo suspiro.
— Não acho. — Respondo, levando a mão à têmpora. — Ele está
confiante demais.
— Vou reforçar a segurança ao redor das nossas operações. — Meu
irmão diz prontamente.
— Marque uma reunião com o conselho. — lhe direciono uma
ordem.
Andreas assente, já pegando o celular para fazer as ligações
necessárias. Sei que o conselho não ficará satisfeito em ser convocado de
última hora, mas a gravidade da situação exige uma reunião.
— O que mais precisamos fazer?
Penso por um momento.
— Precisamos rastrear as últimas movimentações de Mário. —
Digo, virando-me para encará-lo. — Qualquer encontro, qualquer
transação, quero saber onde ele esteve e com quem falou. E certifique-se de
que nossos informantes estejam atentos. Qualquer sussurro que o mencionar
deve chegar até nós imediatamente. Não podemos deixar que aquele velho
continue ditando as regras. — Meu irmão concorda. — Pode liberar os
corpos para as famílias, faça um enterro decente para cada um deles como
homens honrados. — aviso.
— Farei como pediu irmão. — Seus olhos desviam para o aparelho
celular em sua mão, e percebo que ele recebe uma mensagem. — Adryel
acabou de pousar na Sicília. — ele informa respondendo à mensagem no
aparelho.
— Mande Enzo buscá-lo. Prepare tudo para a reunião. Eu estarei lá
em breve. — Ordeno.
Isabella
Cantarolo uma música suave enquanto tomo banho, deixando que a
água morna leve consigo as espumas de sabão que cobrem meu corpo. Ao
terminar, apoio-me no vidro do boxe, alcançando uma toalha que enrolo ao
redor do corpo. Saio da suíte em passos tranquilos, sentindo a brisa leve do
ar-condicionado acariciar minha pele úmida. No entanto, ao cruzar o meio
do quarto, meu corpo dá um pequeno salto de surpresa ao perceber uma
figura relaxada na poltrona, me observando com uma presença imponente.
Era claro que uma porta trancada não o impediria de entrar. Suspiro
com uma indiferença forçada, fingindo que sua presença não me afeta, e
continuo em direção ao closet.
— Não me ignore. — Sua voz grave e autoritária congela meus
passos. Viro-me lentamente para ele, que se coloca de pé com aquela
postura dominadora que sempre exala. Seus olhos verdes percorrem meu
corpo ainda envolto na toalha, parando no meu rosto com um olhar intenso.
— Não pode ficar fugindo das suas obrigações.
Solto um suspiro de incredulidade, e cruzo os braços na frente do
meu corpo, sorrindo em desgosto
— Você fala sobre minhas obrigações, e que tenho que lhe dar um
filho, mas não é capaz de manter o pau dentro das calças. — Seguro firme a
toalha sobre meu corpo.
Observo o homem se aproximar, mas mantenho minha postura
inabalável. Ares balança a cabeça e estala a língua com uma confiança
inquietante.
— Vamos deixar algo bem claro: você é a única mulher onde o meu
pau entra. — Ele continua a caminhar em minha direção, com passos
cautelosos. — Quando coloquei essa aliança no seu dedo, me tornei seu
homem. E meus olhos, minha atenção, são exclusivamente para você.
Com um último passo, ele se posiciona diante de mim, sua estatura
imponente me envolve. Seu olhar, faminto, devora o meu, e minha
respiração torna-se irregular. Sua mão se estende, tentando me tocar, mas eu
recuo, não permitindo.
— Preciso me vestir, estou nua. — Intervenho, como se minhas
palavras pudessem conter suas intenções.
— Prefiro que fique assim. — Ele murmura, sem perder a
oportunidade de me tocar novamente. Sua mão grande desliza pelo meu
ombro nu, me afasto, escapando do seu toque.
Desprezo o sentimento que arde em meu peito, que me faz perder o
controle do meu próprio corpo. Queria poder arrancar meu coração com as
próprias mãos toda vez que ele dispara na presença desse homem.
Dou um passo em falso para trás, e ele me segura pelos ombros, mas
logo me solto do seu agarre.
— Não vou aceitar que continue me tocando enquanto se diverte
com outras mulheres por aí. — Ergo o queixo, encontrando seus olhos
verdes, buscando proteger o que resta da minha dignidade.
Ares curva os lábios em um sorriso malicioso, claramente se
divertindo com minha resistência. Minhas palavras parecem apenas
alimentar sua arrogância.
— O que mais você quer de mim? Já disse que sou apenas seu. —
Ele murmura, voltando a acariciar a ponta do meu cabelo.
— Não acredito que não esteve com aquela mulher ontem, Ares. Eu
senti o perfume dela em você. — A lembrança do perfume nas suas roupas
invade minha mente, reacendendo minha raiva instantaneamente.
Ele nem sequer demonstra ressentimento ao me ouvir; sua frieza me
faz sentir patética. O silêncio que se instala entre nós deveria confirmar que
meus instintos estavam certos. Com toda a frustração acumulada, empurro
seu corpo, mas ele nem se move. Passo por ele e me dirijo ao closet.
Queria poder conseguir odiá-lo, para que essa maldita dor no peito
finalmente cessasse.
— Estamos conversando, Isabella. Não vire as costas para mim. —
Sua voz chega até mim distante e insignificante.
Ignoro suas palavras e continuo caminhando pelo cômodo cheio de
armários.
Sou humana, não posso evitar que meus sentimentos me afetem.
Uma lágrima solitária escorre pelo canto dos meus olhos, mas eu a enxugo
rapidamente com as costas da mão. Respiro fundo e começo a procurar algo
para vestir.
Ouço o som dos passos pelo cômodo.
— Me deixe em paz. Já conversamos o suficiente. — Minha voz
treme.
Sinto o calor do seu corpo se aproximando, e meus dedos se
agarram com força à superfície de um dos armários.
— Não tenho contato com ela desde que ficamos noivos; a dispensei
há meses. Ela só foi ao evento para tentar me confrontar, por ter sido
rejeitada. — Parte de mim se sente aliviada e quer acreditar, mas a outra…
está cansada de ser descartada pelas pessoas que confio.
Respiro fundo e, ainda de costas para ele, rebato.
— Ela disse que você era casado e que vocês ainda tinham um
envolvimento, e que agora não seria diferente.
O toque repentino em minhas costas me deixa tensa.
— As pessoas sempre tentarão causar intrigas entre nós, e você
precisa aprender a lidar com isso. — Mordo o lábio inferior, sentindo sua
mão possessiva deslizar pelo meu pescoço.
— Está me dizendo que ela mentiu? — Questiono.
Seu corpo se encosta ao meu, pressionando a toalha. Estou presa
entre ele e o armário, sem escape.
— Estou afirmando que jamais trairia você. Não pelo nosso acordo,
mas porque sou completamente obcecado por você. — Sua voz sussurra
rente ao meu pescoço, enviando um arrepio pela minha pele.
Ofego, tentando recuperar o fôlego.
— E isso deveria ser o suficiente para eu acreditar na sua
fidelidade? — Pergunto, ainda lutando para aceitar suas palavras.
O aperto em minha cintura se intensifica, tornando-se quase
doloroso.
— Você pode escolher acreditar ou não, mas isso não mudará o fato
de que vou te possuir aqui e agora. — Sua voz é um comando inescapável.
Antes que eu consiga responder, ele puxa a toalha de meu corpo, e o
tecido de algodão cai aos meus pés. Suas mãos firmes repousam sobre as
minhas, pressionando-as contra a superfície de madeira, me prendendo no
lugar.
Não há mais nada que eu possa esconder dele. Ares já conhece cada
detalhe do meu corpo, já me possuiu de todas as maneiras possíveis, me fez
sentir uma puta e gostar disso, marcou cada milímetro da minha pele.
— Eu espero que esteja falando a verdade — murmuro anestesiada
pelo calor de nossos corpos,
Sinto um fogo intenso queimando, consumindo e uma sensação
conhecida entre minhas pernas. Sua barba roça no meu pescoço. Aperto
minhas pernas, sentindo um frio na barriga. Seus lábios tocam levemente a
pele do meu ombro.
— você sabe que precisa ser punida, não é? — ele sussurra rente a
minha pele depositando beijos, respiro engolindo minha própria saliva.
Acabei com o carro dele, agora ele vai acabar comigo.
Ele dá um puxão firme em meus braços, forçando-os para trás, me
imobiliza com facilidade. Sem aviso, Ares passa o braço por entre as roupas
empilhadas na prateleira do armário, varrendo-as para o chão em um único
movimento brusco.
Em um instante, ele me empurra contra a prateleira, obrigando-me a
deitar de bruços sobre a superfície fria e dura. O choque do contato gélido
com minha pele nua me faz ofegar, ele empurra minha cabeça para frente,
forçando-a a mergulhar fundo dentro do armário. Estou completamente à
sua mercê, presa entre o peso de seu corpo e a solidez do móvel.
— Essa é a parte que eu mais gosto na reconciliação — murmura
maliciosamente, ao morder minhas costas. Gemo baixinho. — Quando
posso descontar na sua boceta toda a raiva que me fez passar por dormir
longe.
— Achei que essa punição fosse pelo seu carro. — questiono em
voz baixa e mordendo o lábio inferior.
— Posso comprar muitos carros para você destruir.
Sua mão desce lentamente pela minha bunda, explorando-a com
possessividade. Com um movimento, ele abre minhas pernas, me expondo
completamente. Ouço o som do seu cinto sendo desafivelado, aumentando
minha ansiedade e acelerando meu coração. Minhas unhas se cravam na
superfície de madeira, procurando algum tipo de apoio enquanto uma das
minhas pernas é erguida no ar.
Sinto o calor do seu membro endurecido contra minha intimidade, e
o contato provoca um arrepio que percorre todo o meu corpo. Com um
suspiro de entrega, ele me penetra de forma dura e direta, sem preliminares,
a minha excitação servindo como lubrificante suficiente para que ele me
invada.
Queria poder afirmar que não aprecio a forma suja com que ele me
trata, mas a verdade é que, de certa forma, eu amo isso. Adoro ser punida.
Ares
Acordo com a sensação de um corpo se remexendo junto ao meu.
Meus olhos continuam pesados de sono, mas esfrego-os enquanto me sento
na cama, tentando clarear a mente. É então que percebo a inquietação da
mulher ao meu lado. Suas mãos apertam os lençóis com força, como se
estivesse tentando agarrar algo. A testa está coberta de suor, e os cabelos
caem desordenadamente pelos lados do rosto, que está mais pálido do que o
normal. Imagino que ela esteja tendo um pesadelo.
Fico imóvel por um momento, incerto se devo intervir. Mas
confesso que fico agoniado por vê-la assim, estendo a mão, tocando seu
rosto com carícias leves. Sinto a pele fria contra meus dedos ao tocar sua
bochecha, e, aos poucos, vejo suas feições se suavizando. Os olhos dela, se
abrem, piscando em confusão ao me reconhecer. Ela parece assustada, a
respiração entrecortada e rápida. Com um movimento brusco, ela se senta
na cama, ainda ofegante.
— Que horas são? — pergunta com uma voz baixa e trêmula.
Procuro pelo relógio que fica na cabeceira da nossa cama, os
ponteiros marcando duas da manhã.
— Duas. — digo a ela, voltando meu olhar para seu rosto. — Estava
tendo um pesadelo? — pergunto.
Ela balança a cabeça em sinal de afirmação, e sem dizer nada, se
levanta rapidamente, caminhando até o banheiro. Provavelmente vai jogar
água no rosto. Permaneço na cama, esperando que ela retorne.
Alguns minutos se passam antes que ela reapareça. O rosto mais
corado agora, e seus olhos, mais vividos.
— Você está bem? — questiono, observando-a enquanto ela volta a
se deitar ao meu lado.
— Sim. — a resposta é curta, mas não soa verdadeira.
— Qual era o pesadelo? — insisto, curioso.
— Porque vai querer saber disso… — murmura.
Solto um suspiro, e a lanço um olhar de repreensão. Ela revira os
olhos castanhos e deixa os ombros caírem.
— Não sei se era um pesadelo… parecia mais uma lembrança, como
se eu já tivesse vivido aquilo. — ela faz uma pausa e continua. — Eu era
criança, e vi minha mãe… e outro homem. Esse homem estava batendo
nela, mas eu não conseguia ver o rosto dele. — sua respiração aos poucos
parece voltar ao normal.
Com um instinto protetor que não consigo controlar, a puxo para
meu colo, fazendo com que seu corpo se deite sobre meu peito. Começo a
acariciar seus cabelos, tentando confortá-la.
— Já teve pesadelos assim? — pergunto.
— Não. — nega. — E a primeira vez, é estranho… porque não me
lembro de nada depois do acidente, e isso faz tanto tempo.
— Você não se lembra de nada da sua infância? — tento manter o
tom casual, embora já soubesse, Antenor me havia informado sobre a perda
de memória que ela sofreu no acidente.
— Não — ela murmura pequena e vulnerável. — Eu queria poder
me lembrar de alguma coisa, mas tudo o que sei sobre mim mesma é o que
meus tios me contaram.
Continuo a passar a mão pelos seus cabelos. A memória dela não
pode voltar agora…
— E o que seus tios te contaram? — pergunto, para sondar mais.
Isabella fica em silêncio por um instante, mas responde.
— Minha tia disse que minha mãe era… uma mulher da vida. Fui
criada como bastarda, sem pai nem mãe. — ela suspira contra meu peito nu.
Parece que fizeram uma verdadeira lavagem cerebral nela.
— Vamos voltar a dormir — sugiro, cortando o assunto.
Isabella assente silenciosamente e se deita novamente. Faço o
mesmo, mas não consigo evitar passar o braço pela cintura dela, puxando
seu corpo pequeno para perto do meu. Não me lembro de já ter sido
carinhoso com alguma mulher antes, mas quando se trata dela, não consigo
controlar essa maldita necessidade de protegê-la.
— Eu acho… — ela murmura, sua voz embargada pelo sono,
soltando um bocejo que quase me faz sorrir. — Acho que eu…
A frase morre em seus lábios, e logo a ouço respirar profundamente,
já adormecida de novo. Fico ali, acordado, admirando como seu corpo se
encaixa perfeitamente em meus braços, como se fosse feito para mim.
Passado
4 anos antes:
Ares
— Eu posso pagar… — o homem murmura com dificuldade, junto
com a um gemido de dor, Seu rosto se contorce em uma careta de
sofrimento logo após receber mais um golpe do soco-inglês.
Permaneço sentado em uma poltrona de couro macio, observando a
cena com um ar de indiferença. Uma perna cruzada sobre a outra. Faço um
leve aceno de cabeça para meu sottocapo, indicando que ele pode continuar.
— Por favor. — implora — eu posso dar a minha sobrinha como
pagamento — a voz do homem volta a soar, levanto os olhos, demonstrando
um traço de interesse. Ali, no chão, ele se encontra jogado como um trapo,
o rosto sujo de sangue, as roupas amassadas e sujas, refletindo o estado
deplorável em que se encontra.
Antenor me deve uma fortuna, uma quantia que, mesmo que
vendesse sua própria casa, não seria suficiente para cobrir. Ele é um
viciado, um escravo dos cassinos, e seu vício o trouxe até esse ponto. A
situação é quase patética, mas não sinto nenhuma compaixão. Levanto a
mão, sinalizando para meu irmão que pare momentaneamente.
Apoio os braços nos descansos da poltrona, inclinando-me
levemente para frente. Meus olhos fixam-se nos dele, frios e avaliadores,
enquanto analiso sua oferta.
— Quantos anos tem a sua sobrinha? — pergunto.
— Dezesseis anos… — ele responde, a voz falha, enquanto tenta
erguer a cabeça. Ele se esforça para manter a compostura, embora esteja
visivelmente abatido.
Arqueio uma sobrancelha, meu interesse rapidamente se
transformando em desprezo.
— O que você acha que eu iria querer com uma criança, Antenor?
— Minha voz sai rasgada de raiva.
Ele se contorce, cuspindo sangue no chão e tenta se ajoelhar, mas
suas forças parecem abandoná-lo.
— Ela é nova, mas… mas tenho certeza de que pode ter algum valor
para você. Ela tem o sangue da La rosa nera… — o tom de voz é
suplicante.
Minha expressão não trai nenhuma emoção, mas a proposta desperta
meu interesse novamente. Sangue da La rosa nera…
— Você provavelmente já ouviu a história sobre a filha perdida da
La rosa nera… — Antenor arrisca cuspindo sangue no chão e limpando o
canto da boca com as costas da mão.
Meus olhos estreitam-se em impaciência.
— Vá direto ao ponto… quem é essa garota? — interrompo
grosseiramente.
Ele engole em seco, e força a voz.
— A minha sobrinha… ela é a filha perdida da La rosa nera, Don.
— Finalmente, algo digno de atenção.
A filha de Don Mário… muitas histórias circulavam sobre ela.
Alguns afirmavam que ela havia morrido ainda criança, outros diziam que a
mãe fugiu com ela, e havia quem duvidasse de sua existência. Mas, jamais
imaginei que ela pudesse estar crescendo, bem aqui, no meu território.
— Como posso ter certeza de que você está falando a verdade? —
pergunto, com um tom de descrença.
— Você pode vê-la com seus próprios olhos e tirar suas conclusões.
— Ele tosse em um som rouco. — Ela perdeu a memória, não lembra de
quem realmente é… sofreu um acidente, a mãe dela morreu, e nós ficamos
com a guarda da garota. — Ele se esforça para explicar.
Mesmo que a história seja verdadeira, eu preciso de uma prova
concreta, algo que me garanta que essa garota tem, de fato, o sangue da La
rosa nera correndo em suas veias.
— Se ela realmente é quem você diz, Porque a La rosa nera nunca
procurou por ela. — pergunto ponderando.
Antenor está fraco e desabafa no chão, Adryel se aproxima dele o
erguendo com a gola da blusa.
— Todos acham que ela morreu com a mãe, e a La rosa nera não
entra no seu território. — murmura o homem se equilibrando nos joelhos
novamente.
— E o que me garante que não é só mais uma invenção sua,
Antenor? — pergunto — Você está desesperado, venderia até a própria
alma para salvar sua pele.
Ele levanta a cabeça com dificuldade.
— Don, se quiser, pode acabar comigo agora mesmo. Mas estou
falando a verdade. A menina não sabe de nada. Ela é valiosa, mas só nas
mãos certas. E eu… eu não tenho mais nada a perder. — coloco uma mão
no queixo analisando a situação.
Eu poderia usar a garota para chantagear Don Mário, se ela
realmente for tão valiosa quanto Antenor alega. Preciso vê-la com meus
próprios olhos, avaliar seu valor pessoalmente. Se Antenor estiver
mentindo, sua punição será severa e exemplar.
— Adryel, mande buscar a garota — ordeno ao sottocapo, sem
desviar o olhar de Antenor.
— Eu posso buscá-la — Antenor intervém. — Alguém
desconhecido pode assustá-la. Deixe-me ir.
Ele tem um ponto, a garota poderia ficar aterrorizada ao ser
abordada por estranhos, principalmente se eles tentassem levá-la para
algum lugar que ela desconhece.
— Se você desaparecer, não haverá lugar no mundo onde possa se
esconder de mim — advirto, a ameaça soando bem clara. — Você vai
buscá-la, mas Adryel e outros dois homens irão com você.
— Obrigado, meu Don — o homem murmura, com um tom de
bajulação perceptível.
— Leve-o — respondo, acenando levemente com a cabeça para meu
irmão. Ele assente brevemente, sem precisar de mais instruções.
Ela era a filha do meu inimigo, mas, ao mesmo tempo, tinha uma
aparência de anjo.
Meus olhos fixam-se nos dela, um par de orbes castanhos, profundos e
assombrados. Seu rosto, de uma palidez quase etérea, contrasta com o rubor
avermelhado de seus cabelos, que parecia capaz de queimar qualquer um
que ousasse tocá-los. Sua figura franzina, baixa e delicada a faz parecer
ainda mais bela. Suas mãos pequenas estavam entrelaçadas à frente do
corpo. Eu podia ver em seu olhar o quanto ela estava assustada com toda
aquela atenção.
— Quero todos fora daqui agora. Me deixem a sós com a garota. —
Ordenei não deixando espaço para contestação.
— Mas, isso não é certo, ela é… — Antenor tentou protestar, mas
não lhe dei a chance de continuar.
— Está questionando minha honra? — Rebati. — Não está em
direito de dizer nada. — Completo, minha expressão dura ao voltar meu
olhar para a pequena obra de arte que estava diante de mim.
— Me desculpe, não tive essa intenção. — Antenor gaguejou, ciente
de seu erro.
Meu irmão, sempre atento, agarrou Antenor pelo braço e o puxou
para fora, fechando a porta atrás de si com um clique definitivo
A garota baixou o rosto imediatamente, como se o peso do meu
olhar fosse demais para ela suportar. Eu podia sentir o medo emanando dela
como um perfume amargo.
— Levante o rosto — ordenei em um tom firme, mas sem elevação
de voz.
Seus dedos trêmulos se entrelaçam no tecido da saia. Por um
momento, pensei que ela não obedeceria. Mas, lentamente, ela ergueu a
cabeça.
— Qual é o seu nome? — perguntei, mantendo meu olhar fixo nela,
analisando cada reação.
— Isabella — sua voz saiu tão baixa que tive que me esforçar para
ouvir.
Me aproximo, vagarosamente. Ela se encolhe, instintivamente.
— Não tenho intenção de machucá-la. — Falei devagar, escolhendo
as palavras com cuidado para ganhar sua confiança. — Você sabe porque
está aqui? — pergunto.
Ela morde o lábio inferior e balança finalmente a cabeça em
negação.
— Não.
Naquele instante, eu havia esquecido brevemente que ela carregava
o sangue do inimigo em suas veias. Me vi enfeitiçado por seus olhos
castanhos.
— O que o senhor quer comigo? — sua voz soa um pouco mais
firme, menos amedrontada.
— Você realmente não sabe por que seu tio a trouxe aqui? —
perguntei, observando seu olhar confuso.
— Eu não sou uma coisa para ser barganhada! — sua voz se eleva e
ela não demonstra mais ser a garota acanhada que entrou pela minha sala
apalpando o vestido. — Meu tio pode encontrar outra forma de te pagar. —
Um sorriso se formou em meus lábios.
— Seu tio me deve muito.
— o que quer dizer com isso? — sua voz dócil começa a falhar.
— Vão pensar que estou fazendo algo com você. Pare com isso,
garota! — eu tento chamar sua atenção.
Me aproximo deles.
Isabella
Aproveito o dia ensolarado para nadar na piscina, sentindo a água
fresca deslizar sobre minha pele. Enquanto flutuo, meus olhos são atraídos
por um carro desconhecido que adentra os portões da mansão. A placa é
diferente, não é uma que eu reconheça. O veículo elegante e preto,
estaciona em uma das vagas reservadas. Pouco depois, a porta se abre, e
vejo uma mulher sair, seguida por uma criança pequena. Mesmo à distância,
reconheço os cabelos loiros, reluzindo no sol, que só vi uma única vez.
Aquelas são Mia e sua tia, Sierra.
Saio da piscina, deixando a água escorrer pelo meu corpo e me
envolvo em um roupão branco, cobrindo o biquíni. Observo Sierra, que
entra imediatamente na casa com passos apressados, sem sequer olhar para
trás. A menina, no entanto, permanece do lado de fora, suas pequenas mãos
escondidas atrás do corpo, como se estivesse acanhada. Seus olhos
percorrem o jardim, e parece estar ponderando sobre o que fazer. Imagino
que a tia tenha lhe dito para ficar esperando no carro.
Não demora muito para que seus olhos pequenos e curiosos, me
encontre à distância, noto um sorriso tímido surgir em seu rosto. Aceno com
a cabeça, convidando-a a se aproximar, mas Mia hesita, lançando um olhar
para a casa, como se esperasse ser repreendida a qualquer momento. De
repente, a menina corre em minha direção com passinhos rápidos. Quando
finalmente chega perto, para ofegante, apoiando as mãos nos joelhos,
tentando recuperar o fôlego. Eu a observo, dando-lhe tempo para se
recompor.
Ela se endireita e, de uma maneira que acho encantadora para uma
criança, faz uma pequena reverência, inclinando a cabeça em minha
direção, o que me arranca um sorriso.
— Olá, criança — cumprimento, e toco suavemente a ponta de sua
cabeça, alisando seus cabelos loiros e brilhantes. A garotinha tem aparência
de um anjo.
— Oi — ela responde, abrindo um sorriso que ilumina seu rosto.
Eu a examino mais de perto. Mia está vestida com um moletom
rosa, seus cabelos dourados e cacheados caindo sobre os ombros. O sol está
quente demais para usar moletom, mas decido não comentar sobre a escolha
de roupa da menina.
— O que faz aqui, querida? — pergunto, curiosa.
— Minha tia veio conversar com a senhora Rafaela — responde
educadamente, sem perder a postura. Seus olhos azuis, quase cristalinos,
fixam-se em meu roupão com uma expressão de curiosidade infantil.
— A senhora estava nadando? — pergunta, movendo os braços até a
cintura.
— Estava sim — respondo, sorrindo enquanto abro o roupão para
mostrar meu biquíni. Desta vez, escolhi um modelo mais comportado.
Percebo que, apesar de seu esforço para esconder, há um traço de
tristeza no olhar de Mia. Parece que algo está pesando em seu
coraçãozinho, algo que ela tenta esconder durante nossa conversa.
— Eu não sei nadar — sussurra, como se revelasse um segredo. —
Queria poder aprender.
Sorrio para ela, tocando suavemente seus ombros.
— Posso te ensinar — sugiro, tentando animá-la. — Basta pedir à
sua tia para trazê-la aqui depois.
A pequena solta um suspiro, seus ombros caindo um pouco.
— Ela não deixaria — fala com desânimo.
— Vou falar com ela depois — insisto.
A curiosidade sobre o motivo da visita de Sierra à minha sogra,
Rafaela, ainda era presente na minha mente, mas pelo menos sei que as
duas têm algo em comum para fofocar, já que nenhuma das duas gosta de
mim.
— Acho que é melhor eu voltar para perto do carro… Minha tia vai
brigar comigo se me encontrar aqui — Mia murmura chamando minha
atenção, com uma preocupação em seu rosto angelical.
Ela parece temer absurdamente a tia. E isso não passa despercebido
por mim.
— O sol está quente lá, por que não fica aqui comigo na piscina? —
sugiro, tentando convencê-la a me fazer companhia, já que passo a maioria
do tempo sozinha.
Mia morde o lábio, pensativa. Então, resolvo fazer uma oferta que
sei que será irresistível.
— Posso pedir para Angélica trazer algo para comer… e refrescos.
— Ao ouvir isso, seus olhos azuis brilham, vejo-a passar a língua pelos
lábios.
— Tem aqueles salgadinhos gostosos que comi aquele dia? —
Mia pergunta, oscilando entre a vontade de aceitar minha oferta e a
obediência à tia.
Faço um bico e toco o queixo, enquanto um sorriso brinca nos meus
lábios.
— Hum, acho que não… — respondo, prolongando o suspense. —
Mas tem bolo de chocolate.
A reação dela é imediata. Mia dá um pequeno pulo sobre o
mármore, seus olhos brilhando com uma alegria infantil.
— Eu amo bolo de chocolate! — exclama, com um sorriso.
— Eu também — respondo, compartilhando de seu entusiasmo. —
É minha sobremesa preferida.
— Então, toca aqui quem ama bolo de chocolate! — ela estende a
palma da mão na minha direção.
Não consigo evitar soltar uma risada. Me agacho ao lado dela,
nivelando com sua altura, e bato suavemente em sua mão.
— Vamos sentar na beira da piscina — sugiro, apontando para a
água. Ela assente animada.
Sentamos lado a lado, após Mia se livrar do par de sandálias lilás,
deixando seus pés livres para balançar na água da piscina. Minha atenção se
desvia por um momento para dentro da mansão. Minha mente vaga,
imaginando o que Sierra e Rafaela poderiam estar conversando.
Ares
— Minha vez! — gritou meu irmão mais novo, com um entusiasmo
macabro.
Tínhamos chegado há cerca de duas horas, e estávamos entretidos
com um jogo de acertar o alvo, só que, em vez de dardos, usávamos facas, e
o alvo não era um simples círculo de madeira, mas sim um homem. Era
uma brincadeira divertida pra nós. A regra é simples: mirar em pontos que
prolongasse o sofrimento, mas evitassem a morte imediata. Meu método de
tortura favorito, posso dizer.
Cruzei os braços, observando meu irmão enquanto ele se preparava
para lançar sua faca. Sua concentração estava longe de ser perfeita, e
quando ele errou o alvo, arqueei uma sobrancelha, intrigado.
— Fez de propósito? — perguntei.
Ele deu de ombros, caminhando lentamente ao redor da mesa, passa
a mão pelos cabelos loiros que caem sobre o rosto, se mostrando frustrado.
— Minha cabeça não está muito legal com essa ideia de casamento.
— murmura.
Andreas, está sentado ao lado, fumando um cigarro, a menção ao
casamento atraiu sua atenção.
— Então deveria aproveitar e comer o resto das bocetas que ainda
não devorou na Sicília, porque depois que casar terá que se contentar com
apenas uma. — fala com tom de divertimento.
— Não enche meu saco, Andreas. — Adryel rebate, impaciente.
Deixei os dois trocando provocações, e volto minha atenção para o
prisioneiro. Ele está amarrado, com as mãos presas acima da cabeça, o peito
nu revelando a tatuagem de cruz. Seu corpo, antes robusto, agora está
magro, esquelético, resultado das longas semanas de tortura. Ele já era
praticamente um homem morto; só o mantínhamos vivo porque ainda havia
informações que precisávamos arrancar dele.
Escolhi uma das facas, sentindo a ponta afiada deslizar por entre
meus dedos. À medida que me aproximo, o odor pútrido de carne em
decomposição se fortalecido. O homem nem tinha mais voz, seus gritos
iniciais haviam se transformado em sussurros roucos.
Eu estava acostumado a esse jogo, minha mira era excepcional. Sem
hesitar, lancei a faca, que se cravou profundamente em uma das coxas do
homem. Ele solta um grito abafado, quase inaudível, e ergueu os olhos para
mim, suplicantes.
— Por favor… me mate logo… já disse tudo o que sabia —
implorou, sua voz tremendo de medo e dor.
Fiquei diante dele, observando a miséria em seu rosto. Com um
movimento brusco, puxei a faca de volta, arrancando outro gemido de dor
dele.
— Ainda não é seu momento — murmuro, esboçando um sorriso
cruel antes de me virar para voltar até meus irmãos.
Sem cerimônia, joguei a faca sobre a mesa e me recostei, cruzando
os braços, observando-os.
— Levem ele de volta para a jaula — ordenei a um dos soldados,
um pouco distante de nós. Em seguida, volte-me para Andreas. — Alguma
informação sobre quem fez a denúncia contra nossa empresa?
Andreas deu uma última tragada no cigarro, exalando a fumaça,
como se ponderasse sobre a resposta.
— Acho que vai gostar de saber que seu ex-cunhado está tentando
nos ferrar — respondeu sério.
Senti uma pontada de raiva atravessar meu peito, mas mantive
minha expressão impassível. Meu ex-cunhado, Giovani, estava se metendo
onde não devia.
— Esse desgraçado tem mais coragem do que eu imaginava. —
respondo.
Andreas apagou o cigarro no cinzeiro à sua frente.
— Ele tem informações suficientes para nos causar problemas
sérios. Pelo que consegui descobrir, ele está em contato com gente
poderosa.
Suspiro, e olhos para ambos.
— Vou resolver isso — declaro.
Giovanni precisa superar essa merda e aceitar a realidade: eu não
matei a maldita irmã dele. Ela morreu, sim, mas não pelas minhas mãos.
Adryel interrompe ao puxar outro assunto.
— Ainda estamos na estaca zero sobre o envolvimento de nosso pai
com aquelas crianças que foram sequestradas…— Ele fez uma pausa, seu
olhar se estreita —
A menção ao nosso pai trouxe um silêncio pesado à sala, o tipo de
silêncio que carrega consigo anos de ressentimento e rancor.
— Precisamos marcar logo um encontro com Ivan Baranovskiy e
fazer nossa proposta — disse, já traçando o plano na minha mente. — Se
ele nos entregar Adriano, daríamos um grande passo.
— Vou providenciar isso. Quando? — Andreas pergunta
interessado.
— Sexta parece um bom dia para irmos à Rússia. O que acha,
Adryel? Ansioso para conhecer seu futuro sogro? — zombei com um
sorriso ladino.
Adryel me lança um olhar de desdém.
— Não vejo a hora — ele responde, irônico no seu tom de voz.
— Mas o que faremos se ele não aceitar a proposta? — Andreas
questiona.
— Se ele não aceitar… — faço uma pausa, calculando as palavras.
— Então precisaremos usar outros métodos de persuasão. Mas ele aceitará
Andreas, afinal foi ele mesmo que ofereceu a mão da filha a nós,
claramente ele também está interessado em se unir.
— Você realmente vai levar esse acordo adiante depois que
conseguir o que quer, irmão? — Adryel pergunta, com uma curiosidade que
eu sabia ser mais do que genuína. Entre nós, a confiança era absoluta, e não
havia razão para esconder minhas ambições.
Dei um sorriso tranquilo, sabendo que não precisava medir minhas
palavras.
— Vocês me conhecem — respondi, confiante. — Sou um homem
de honra. Mas devo admitir que tenho grandes planos para esse acordo.
Capítulo 18
Isabella
Passei o restante da tarde remoendo as marcas que vi no braço de
Mia e a breve discussão que tive com a tia dela. Sei bem que não devemos
nos intrometer na educação das crianças dentro de suas próprias casas, fui
ensinado isso desde cedo. Mas, como posso simplesmente fechar os olhos e
fingir que não vi?
A dor silenciosa nos olhos de Mia mexeu profundamente comigo.
Eu sabia exatamente como ela se sentia, já passei por algo semelhante.
Quando eu era criança, não tinha ninguém que intercedesse por mim,
ninguém para me proteger. E agora, diante dessa situação, sinto uma
obrigação de fazer algo por ela.
Paro meus passos diante da porta do escritório do meu marido, sinto
a madeira fria e polida sob meus dedos ao tocar na superfície. Após o aviso
discreto da minha chegada, girei a maçaneta e a porta se abriu com um sutil
rangido.
Coloquei um pé atrás do outro e entrei na sala, meus passos são
firmes e decididos sobre o tapete macio. À medida que me aproximo, meu
olhar encontra o dele. A expressão em seu rosto muda para uma mistura de
surpresa e curiosidade ao me ver.
— Gostaria de conversar com você sobre algo — comecei,
observando Ares sentado em sua cadeira de couro, uma das mangas da
camisa social arregaçada até o cotovelo.
Meu marido empurra a tela do seu notebook até a fechar
completamente, direcionando toda a sua atenção para mim. Seus olhos,
intensos e perscrutadores, percorrem meu corpo.
— Diga. — murmurou, apoiando as mãos sob o queixo e travando a
mandíbula.
— Sierra esteve aqui hoje… — sou imediatamente interrompida ele
— Sierra esteve aqui? — pergunta, como se precisasse confirmar
algo que eu já havia afirmado.
Balançando a cabeça em concordância, mantendo as mãos ao lado
do corpo, e continuo
— Sim, ela esteve aqui. Você a conhece?
— Ela é esposa de Phelipo — explica.
Automaticamente, minha mente fez a conexão com o nome Phelipo,
o homem que vi apenas uma vez, em um evento da organização que
acompanhei com meu marido. Lembro-me de que a mulher que estava com
ele na ocasião não era Sierra, mas sim uma amante. Embora isso tivesse me
incomodado naquele momento, deixo de lado, pois meu interesse em falar
com Ares era de outro.
— Ela veio falar com a sua mãe — informo. — Mas o motivo
principal pelo qual vim aqui é que, enquanto Sierra estava aqui, eu vi
marcas no braço de sua sobrinha, Mia.
— Que tipo de marcas você viu? — Meu marido pergunta, seus
olhos fixos nos meus.
— Marcas de agressão — respondo, a indignação transparecendo na
minha voz. — Ela fez a garota vestir um casaco para esconder os braços
machucados.
— Marcas de agressão? — repete ele, como se não acreditasse no
que acabara de ouvir. — Você está dizendo que a garota está sendo
maltratada?
— Sim, foi isso que vi. Tentei conversar com Sierra sobre outras
formas de educar a garota, mas ela não quis me ouvir.
Meu marido suspira profundamente antes de me responder.
— Mesmo que o assunto seja delicado, não podemos nos intrometer
na educação das crianças dentro de suas casas, Bella mia. — Ares diz.
— Eu entendo isso. — Asseguro. — Mas a menina tem apenas 8
anos. Ela é tão pequena e vulnerável.
— Quer que eu mude uma regra que foi estabelecida há décadas
para proteger uma menina dos próprios tios? — Ares pergunta. Ele me
observa com um olhar de ceticismo e curiosidade.
Eu respiro fundo, meu olhar governando o dele.
— Você mesmo não teria problema em quebrar regras, já quebrou
uma ao se casar comigo — retruco.
— Não é a mesma coisa — ele rebate com exasperação. — O
casamento com você foi uma escolha pessoal. Mudar uma regra antiga é
uma questão que envolve muito mais do que simplesmente desconsiderar
tradições.
Meu marido parece irredutível.
— O que estou pedindo é que você use sua influência para ajudar
uma criança que está sofrendo. Não estou pedindo para mudar tudo, apenas
para considerar uma exceção.
O homem à minha frente me passa um olhar de compreensão, e
depois de alguns minutos me responde.
— Posso conversar com Phelipo. — Ares propõem, com um sorriso
de admiração. — Adoro ver esse seu lado voraz, determinado.
Eu o encaro com um olhar firme.
— Fui educada para ser assim. Não se deve esperar menos de mim,
querido. — murmuro provocativa.
Apesar de não querer, acabei por aprender muito durante os quatro
anos que passei presa naquele internato. Havia regras rígidas que
precisavam ser seguidas à risca. Aulas intermináveis de etiqueta sobre os
costumes da máfia. Ensinavam como uma mulher deve se portar diante de
seu marido, sempre submissa, sempre à sombra dele. Era essa a parte que
eu mais detestava. Não concordava e ainda não concordo com a ideia de
que uma mulher deva se anular para viver à sombra de um homem.
Meus olhos se movem, quase sem querer, pela mesa dele. Algo ali
captura meu interesse, um quadro novo. Aquele certamente não era o
mesmo que eu havia visto outro dia, o retrato dele com a ex-esposa. Meu
coração deu um salto, mas fiz um esforço para não demonstrar surpresa. O
antigo quadro fora substituído por uma fotografia nossa, minha e dele. Era a
foto que a jornalista havia tirado. Ares conseguiu a foto e a emoldurou, mas
eu não conseguia decifrar o significado desse gesto.
Dentro de mim, uma dúvida persistente ainda cresce, mesmo quando
eu tento arrancá-la pela raiz. Ela sempre volta: O que realmente aconteceu
com a sua ex esposa? As histórias que circulam dizem que ele a matou, mas
quando entrávamos nesse assunto ele nunca me esclarecia nada. E sempre
que essa lembrança surge, me esforço para lembrar que Ares é um homem
perigoso, cuja reputação está manchada pela violência. E se, houvesse um
coração dentro dele, estaria tomado por raiva, porque é apenas isso que meu
marido feito, de ódio.
— Era só isso que eu precisava dizer. — murmurei, sentindo a
necessidade urgente de reafirmar minha consciência, como um lembrete de
que eu estava no covil de um lobo. — Com licença. — ameacei sair da sala,
desejando desesperadamente me afastar de sua presença.
— Espere. — A voz dele, grossa e autoritária, impede meus passos.
Meu corpo recebe ordens de um homem mesmo quando eu me nego
a isso.
Viro o rosto lentamente em sua direção, meus olhos buscando o
motivo que justificasse sua interferência em minha saída.
— Vou precisar viajar esta semana para tratar de um acordo, e vou
levar Adryel comigo. — ele diz, me sondando com o verde dos seus olhos.
— Posso confiar que você não vai tentar fugir enquanto eu estiver fora?
Por um instante, senti a vontade de perguntar quanto tempo ele
ficaria fora, mas engoli as palavras. Perguntar isso daria a impressão de que
me importo com ele, ou pior, que sentiria sua falta.
— Não vou tentar fugir. — respondi, tranquila. — Já desisti desse
sonho de liberdade há algum tempo. Você mesmo disse que não adiantaria
eu lutar. Eu te pertenço, não é? — acrescentei com uma pitada de amargura
na voz.
Ares se levanta e começa a caminhar em minha direção. A simples
proximidade dele me faz sentir um frio na barriga, Instintivamente,
coloquei as mãos atrás do corpo, tentando recompor minha postura, como
se isso pudesse me proteger da força que ele exerce sobre mim, mesmo sem
me tocar.
— Não fale como se você fosse minha prisioneira. — fala quase que
ofendido.
— Mas é exatamente isso que eu sou. — respondo.
— Está acorrentada a correntes invisíveis? — ele questiona, com um
toque de sarcasmo na voz, arqueando uma sobrancelha ao me olhar de cima
a baixo.
Respiro fundo, o perfume dele começa a invadir meus sentidos,
embaralhando meus pensamentos.
— Se eu saísse por aqueles portões agora, você colocaria todos os
seus homens atrás de mim e me arrastaria de volta. — seguro o olhar firme
em seus olhos escuros. — Sou sua prisioneira, Ares, e não preciso usar
correntes para provar isso.
Ele me observa por um momento, seu rosto esculpido por uma
frieza inconfundível e um sorriso ligeiramente arrogante curva seus lábios.
— Você é uma coisinha pequena e muito petulante, nunca colocaria
nenhum homem atrás de você, eu mesmo iria caçá-la. — ele zomba. —
Não entende que tudo o que faço é para um propósito maior?
Sinto um sorriso sarcástico se formar em meu rosto.
— Eu sou só uma peça do seu tabuleiro. — Respondo com um
toque de ironia, cruzando os braços.
Ares nos aproxima mais, rodando a mão sobre minha cintura, me
segurando firme contra seu corpo, robusto e muito maior que o meu, eu
solto um ofego trêmulo.
— Você é a peça mais importante do meu tabuleiro, — diz a voz
masculina. — A minha rainha.
— E o que acontece quando a rainha não deseja ficar ao lado do rei.
— Sussurro em desafio.
Sua mão livre alcança meu rosto, e irradia toda minha pele com um
simples toque.
— Então ele a faz lembrar do que é capaz de fazer por ela.
Meu coração martela no peito, Ele inclina a cabeça, e seus lábios
capturam os meus em um beijo. É um beijo que reivindica, que marca, e
que deixa claro que, eu pertenço a ele.
Nossos beijos têm se tornado mais intensos e calorosos ao passar da
nossa convivência. A conexão entre nós é profunda, e a maneira como
nossas bocas se encaixam é perfeita.
Quando ele finalmente se afasta, seu rosto está tão próximo que
posso sentir sua respiração quente contra meus lábios. Sua mão ainda está
firmemente plantada em minha cintura. Seus dedos grossos tocam meus
lábios, como se ele apreciasse a minha boca.
— O gosto da sua boca, é viciante. — murmura. — eu me imagino
dentro dela, indo até o fundo. — sua mão segura meu queixo forçando
encarar seus olhos. — vendo seus lindos olhos lacrimejando. — engulo em
seco, sem saber como reagir.
Como eu iria colocá-lo na boca, mal consigo aguentá-lo entre
minhas pernas, é tão grande, grosso e cheio de veias… é medonho.
Depositando um beijo casto na minha bochecha como se não
houvesse poluído meus ouvidos com suas insanidades, meu marido se
afasta, rodando sua mesa, pegando seu paletó, e o vestindo.
— Preciso sair… — comenta e passa por mim, deixando que o seu
perfume se infeste no ar, ao bater com a porta do seu escritório em um aviso
de que ele me deixou sozinha.
Aproveito o momento, e retorno à sua mesa, apenas para olhar
aquela fotografia uma última vez.
Ares
Toquei a campainha uma única vez e esperei apenas alguns
segundos até que a porta se entreabriu, revelando uma mulher idosa que
olha para mim com uma evidente preocupação. Seus olhos vacilam em
surpresa.
— Senhor… — a voz trêmula sussurra.
Permiti-me dar um sorriso leve.
— Não precisa de cerimônia comigo, Marli. Nós nos conhecemos
desde que eu era um garoto — respondi, observando-a passar a mão pelos
cabelos brancos e bagunçados no coque, um reflexo de nervosismo.
Não me lembrava exatamente quando havia sido a última vez que a
vi. Dez anos, talvez um pouco mais.
— Com licença, Marli — pedi, mas minha voz já indicava que eu
não esperava por permissão. Empurrei a porta com o pé e entrei.
O casarão continuava igual eu me lembrava…
— Senhor, é melhor ir embora. Meu patrão não está… — A voz
dela é baixa e amedrontada por uma tentativa frágil de ocultar a verdade.
Balancei a cabeça lentamente, negando a afirmação.
— Ele pediu para você dizer isso? — questionei, notando como suas
mãos inquietas apertavam o uniforme preto e branco.
Agora eu entendi. O medo dela não era apenas de mim, mas das
mentiras que Giovanni provavelmente andou espalhando a meu respeito.
Pude ver sua estrutura óssea tremer diante de mim.
— Não… — ela responde. — Mas, se você está aqui, sei que vão
brigar. — constata.
— Não vim brigar com seu patrão, Marli. Só preciso saber onde ele
está — digo, tentando tranquilizá-la.
Os passos firmes no corredor me fizeram virar o pescoço, justo no
momento em que Giovane apareceu na sala. Sua presença é imponente, e
ele mantém uma postura tranquila, quase desinteressada, sem demonstrar a
menor preocupação por eu entrar em sua casa sem permissão, passando
pelos seus homens como se não fossem soldadinhos de papel.
Enzo está ocupado cuidando disso, certamente.
— Então o que quer aqui? — pergunta o homem sem formalidades.
Coloquei as mãos nos bolsos da calça social e encarei Giovane,
mantendo a calma que me caracteriza.
— Marli, será que pode me trazer aquele uísque irlandês? — pedi
gentilmente à governanta, que tinha um rosto pálido.
— Como ousa entrar na minha casa e ainda dar ordens aos meus
funcionários? — Giovane interferiu irritado.
Mas eu mantive minha serenidade, especialmente quando sabia
quais cartas estavam na minha mão.
— Deveria tratar melhor suas visitas — zombei, deixando escapar
um riso presunçoso.
Aproximo de uma das poltronas de couro escuro, sentindo o
material firme e frio sob minhas mãos antes de me sentar. A governadora
sai da sala silenciosamente, como uma sombra que se esvai.
Inclinei a cabeça para trás, fechando os olhos por um momento
enquanto soltava um suspiro profundo.
— Soube que tem se ocupado, tentando derrubar a minha empresa
— comento casualmente. — Tenho que admitir que, durante todos esses
anos, jamais imaginei que fosse capaz de ir tão longe.
Giovane permaneceu em pé, seu olhar fixo em mim, transbordando
um desprezo mal disfarçado.
— Se está aqui para me ameaçar, economize seu fôlego — ele
indaga.
— Marli está demorando com o meu uísque — resmungo, dando de
ombros e ignorando o comentário de Giovanni.
Ele mantém a postura rígida antes de se acomodar na poltrona em
frente à minha, o couro range sob seu peso.
— Por que não diz logo o que quer, Ares? — Giovanni se ajeitou,
cruzando uma perna sobre a outra. — Já sabe que tive influência na
investigação da sua empresa, então vamos ser breves.
Passei a mão pela barba, sentindo os fios ásperos enquanto um
sorriso divertido se formava em meus lábios.
— Não sabia que você era tão influente — murmuro em
provocação, então avisto a governanta retornando com uma bandeja de
prata, equilibrando o uísque que eu havia pedido e dois copos cristalinos.
Esperei pacientemente enquanto ela enchia os copos, entregando um
a cada um de nós, e se retirar em silêncio. Levei o copo aos lábios,
apreciando o calor do líquido descendo pela garganta em um gole generoso.
— O tempo que fiquei fora me serviu para algo — Giovane rebate
continuando o assunto.
— Eu trouxe algo para você, como uma forma de retribuir sua
gentileza e entusiasmo em me ajudar com meus negócios — menciono,
notando como seus olhos se estreitaram ao perceber o meu tom de voz
ácido.
Deposito o copo na mesinha ao lado. Abri meu paletó, revelando um
envelope guardado no bolso interno, e o arremessei na direção de Giovane.
Ele o pegou no ar com agilidade.
— O que é isso? — pergunta.
Voltei a pegar o copo de uísque, girando o líquido âmbar em seu
interior antes de responder com um tom desinteressado.
— São exames da sua irmã, comprovando seu estado mental… Ah,
e tem umas cartas de amor para você aí também. Não vai me dizer que não
sabia que a sua irmã era louca por você.
Observei com satisfação, o rosto do meu ex cunhado se contorcer de
raiva e choque.
— Mas meu palpite é que você já sabia. Por isso foi embora e nunca
mais quis saber dela — levantei meu copo em um gesto irônico de brinde.
O silêncio parece sufocá-lo, sua mão aperta o envelope com tanta
força que os nós dos seus dedos ficam aparentemente brancos.
— Sophia parecia bem quando nos casamos, mas com o passar dos
meses, ela não conseguia mais responder por si. Estava descontrolada... As
cartas, eu só descobri quando ela faleceu. Talvez seu sofrimento tenha sido
causado pela rejeição, mas não consigo interpretar isso... vocês eram
irmãos. Como ela poderia sentir um amor platônico por você?
Giovanni levanta abruptamente.
— Sabe a merda que você está falando? Ela era minha irmã! — Seu
tom de voz e de indignação.
— Foram criados como irmãos, mas não tinham o mesmo sangue.
Isso não os impediria de ter algum envolvimento amoroso. E isso soa tão
nojento — respondo, observando cada detalhe em seu rosto. A mandíbula
travada, os lábios comprimidos, e os olhos ardendo de fúria. — Fico me
perguntando se você era amante da própria irmã enquanto ela era casada
comigo.
Ele avançou, agarrando minha camisa com força, os músculos
retesados pela raiva. Um sorriso se espalhou pelo meu rosto.
— Nunca toquei nela — Giovanni murmura entre dentes. — Eu a
respeitava.
Meu sorriso fica ainda mais largo. Com um movimento, segurei suas
mãos, obrigando-o a me soltar. Ajustei minha postura, alisando a camisa
amassada e reposicionando a gravata no lugar, mantendo o olhar fixo em
seu rosto.
Giovane recua alguns passos, as mãos cerradas em punhos ao lado
do corpo, a respiração pesada revelando a raiva e o descontrole.
— Há quanto tempo você sabe disso? — Sua voz sai como um
rosnado.
— Eu não sabia. — Respondo, balançando a cabeça lentamente,
alcançando o copo de bebida novamente. — Desconfiava… mas agora você
acabou de me confirmar.
— Você é sempre assim, manipulador. — Giovanni vocifera como
um insulto.
Manipulador não é a palavra certa; sou apenas um jogador
habilidoso.
Ele dá um passo à frente, ajeitando os cabelos com um movimento
brusco. Seu olhar, inicialmente endurecido, começa a suavizar enquanto
tenta recompor-se.
— Se eu fosse você, escolheria as próximas palavras com mais
cuidado. — aviso em voz baixa. — Ainda temos muito a discutir… e você
muito a perder.
— Ainda não entendi o que quer aqui, me confrontando… não vou
me submeter às suas ameaças. — sua relutância me deixa realmente
admirado.
— Eu quero que você pare de se meter nos meus assuntos. Esse
ódio todo que você nutre por mim, acreditando que fui eu quem matou sua
irmã, está começando a se desgastar. Uma das cartas que ela escreveu,
revela suas condições mentais. — digo
Giovanni enfia as mãos nos bolsos, jogando a cabeça para trás em
um gesto rápido, e sorri frustrado.
— Está me dizendo que minha irmã se matou por que estava louca?
— Ele pergunta.
— Em outras palavras, sim. Já lhe dei todas as provas. Você conhece
a caligrafia dela. Tire suas próprias conclusões. — Respondo, deixando a
verdade pairar no ar entre nós.
Ele me encara por um longo momento, até levantar a voz.
— E por que motivo resolveu provar sua inocência só agora, Ares?
Seguimos em guerra há muitos anos… — pergunta desconfiado.
— A influência que você tem pode me ser útil.
Giovanni dá uma risada amarga desacreditado.
— Deve estar louco se pensa que eu o ajudaria com algo. Nós nunca
seremos aliados. — Afirma com uma certa convicção.
Umedeço os lábios e balanço a cabeça.
— Às vezes, interesses comuns podem criar parcerias improváveis.
— Dou de ombros.
Meu ex cunhado estreita os olhos, tentando decifrar o que eu estava
querendo dizer.
— Não estou interessado em jogar seus jogos, Ares. O que
realmente quer de mim?
Dou um passo em sua direção, diminuindo a distância entre nós.
— Não é o que eu quero de você — começo. — Mas o que posso
oferecer em troca do seu apoio. — Pauso por um momento, observando sua
reação. — Soube que seu pai foi assassinado pela La rosa nera há alguns
anos. E também sei que você busca vingança.
Seus olhos finalmente foram traídos por uma faísca de interesse.
Eu toquei na ferida certa.
— Posso te dar o que precisa para encerrar essa questão — deixo
claro que minha oferta não é uma simples barganha.
— Por que eu me aliaria a um inimigo para derrubar outro? — há
uma desconfiança em sua voz.
— Sou o tipo de inimigo que você vai querer manter por perto,
acredite. Os dias do Don Mário estão contados. — Um sorriso frio surge em
meu rosto.
Ele me encara surpreso.
— Você está me dizendo que planeja matar o Don da La rosa nera?
— Não apenas o matar — murmuro. — Mas também tomar o
controle da La rosa nera.
Ele sorri de uma forma cínica.
— Isso seria absurdamente impossível, Ares… — diz.
Inclino a cabeça ligeiramente.
— Está me subestimando. — respondo, com uma calma
ameaçadora. — fui capaz de matar meu pai, meu próprio pai. Don Mário?
Um mero nada para mim. Eu não tenho limites quando se trata de alcançar
meus objetivos.
— Se está tão determinado, por que ainda não o matou? — Ele
pergunta, levantando uma sobrancelha.
Poderia dizer que estou esperando há mais de quatro anos
planejando isso, mas prefiro uma resposta mais estratégica.
— Ele se esconde bem — respondo. — E é exatamente por isso que
ainda não o alcancei. E é nisso que sua influência me ajudaria. — explico.
— Como pensa que meus contatos poderiam encontrá-lo? Acha que
já não tentei isso quando meu pai morreu? Ele é um homem velho e sabe
muito bem como se esconder. É um estrategista hábil.
— Não estou interessado apenas na sua influência, Giovane, Preciso
dos nomes dessas pessoas influentes. Mário está envolvido em algo
extremamente sujo, e essas pessoas podem me estar na lista.
Ele franze a testa, sua expressão se tornando mais séria.
— Que tipo de sujeira você está mencionando?
Pondero se devo dizer ou não, ainda não é certo se Giovane vai
jogar do meu lado.
— Há alguns dias, recebi uma mercadoria em meu território. Eram
crianças que seriam enviadas para um laboratório, onde teriam seus órgãos
removidos e vendidos. Estavam a caminho da La rosa nera. — Faço uma
pausa para garantir que ele entenda a gravidade.
— Isso é desprezível
— Então, posso contar com a sua colaboração como aliado? —
pergunto.
— Não pretendo me aliar a você, Ares — ele responde. — Mas, se
você puder me entregar a cabeça de Don Mário, podemos fazer uma trégua
temporária. No entanto, quando isso acabar, ainda vou querer vê-lo morto.
Suspiro, achando sua fala um tanto equivocada.
— Então, entre na fila — digo, com um tom frio e decidido.
Capítulo 19
Ares
Estranho a forma como meu celular começa a tocar incessantemente
enquanto estou no banho. Enrolo rapidamente uma toalha na cintura, e
passo a mão pelos cabelos para remover o excesso de água. Pego o aparelho
que está no balcão da pia e vejo o nome de Andreas na tela. Limpo o
espelho à minha frente com o braço enquanto levo o celular ao ouvido.
— Aconteceu alguma coisa? — sou o primeiro a perguntar, com um
pressentimento inquietante.
Do outro lado da linha, ouço um suspiro profundo e meu irmão
começa a falar.
— Isabella sofreu um acidente.
Fico imóvel, tentando processar o que acabei de ouvir. A minha
esposa está ferida.
— Como assim, acidente, porra? — exijo, minha voz se exalta.
— Eu não sei… parece que foi na escada. Os médicos já estão aqui.
— tenta explicar meu irmão.
— É algo grave? — Pergunto sem esconder a minha preocupação
que algo tenha acontecido com ela, mal percebo que já estou fora do
banheiro e caminhando de um lado para o outro dentro quarto.
— Estão avaliando ainda — responde ele.
Não preciso pensar muito sobre o que tenho que fazer.
— Vou voltar para casa imediatamente. — digo sem espaço para
contestações.
— E Ivan?
Eu não poderia esquecer que havia um motivo pelo qual eu estava
na Rússia, precisava levar Adriano, insípido esfrego a têmpora com a ponta
dos dedos.
— Adryel cuida disso. Ivan vai ser o sogro dele. — o nervosismo
começa a transparecer na minha voz.
— Está bem, farei isso — responde Andreas com um tom tenso. —
Eu te atualizo assim que tiver mais informações.
O jatinho demorou cinco horas para pousar, e mais uma hora até que
Enzo chegasse para me buscar. Quando o carro mal estacionou, eu já abri a
porta com impaciência, partindo em direção à mansão sem esperar. Ao
cruzar a sala, a primeira pessoa que vejo é Andreas, Antes mesmo que eu
pudesse perguntar, ele já me adianta o que eu precisava saber:
— Ela está lá em cima, no quarto.
Subo as escadas com uma rapidez que nunca tive. Ao chegar no
quarto, abro a porta de forma brusca. Assim que coloco os pés na soleira,
meu olhar se fixa na figura encolhida sobre a cama, coberta por uma fina
coberta, deixando à mostra apenas as pontas dos seus cabelos ruivos. Ela
parecia tão pequena, escondida, como se quisesse desaparecer.
Me aproximo lentamente, o colchão afunda sob meu peso. Tento ser
cuidadoso, mas a preocupação me corrói por dentro.
— Sou eu, me deixa ver você — murmuro já perto dela.
— Não… — Sua voz é frágil, trêmula, quase inaudível, e demora a
responder. Algo dentro de mim se acende, uma sensação incômoda, como
um alerta de que algo estava muito errado. Com calma, começo a puxar a
coberta que a cobre, mas ela se encolhe mais, resistindo, puxando de volta
com desespero, como se temesse ser vista.
— Preciso ver como você está… — insisto menos paciente. Desta
vez, puxo o cobertor com firmeza, sem espaço para resistência. Ela se
encolhe ainda mais, as mãos protegem o rosto junto aos cabelos ruivos que
caem desordenados.
Começo a afastar o cabelo que lhe cobre o rosto, mecha por mecha,
com cuidado. Seguro suas mãos sem muita força para não machucá-la. Mas
Isabella não cede, permanece rígida.
— Por que você não me deixa ver você? — Minha voz se eleva sem
que eu perceba, e ela se assusta com a intensidade. Puxo-a com mais força
para perto, obrigando-a a soltar as mãos do rosto.
— Tudo dói… meu corpo dói… — Sua voz sai embargada,
misturada com soluços. Ela está chorando? Meus olhos piscam, tentando
processar o que vejo. Paro por um momento, atordoado. O tempo parece
congelar.
A raiva ferve dentro de mim. Sinto meus olhos faiscarem com a ira
que ameaça me dominar.
— Quem fez isso com você? — pergunto, mais para mim do que
para ela, puxando-a para o meu colo. Seu rosto, e braços revelam
hematomas, o lábio cortado.
Seu olhar triste parece me consumir, enquanto as lágrimas lavam seu
rosto. Essa é a segunda vez que a vejo chorar, a primeira, foi na noite em
que consumamos nosso casamento. E vê-la assim está me dilacerando por
dentro, quero que ela pare.
— Não chore… — digo, quase suplicando. Tento, em vão, conter os
soluços que sacodem seu corpo.
Recosto sua cabeça contra meu peito, sentindo suas lágrimas
quentes molharem minha camisa. Sua respiração é errática, descontrolada,
com suspiros de angústia. Minha mão desliza lentamente pelos seus
cabelos, fazendo carícias suaves, tentando trazer algum alívio, alguma
calma, enquanto ela se dissolve em mim.
Quando percebo que o choro finalmente cessou, afasto-a um pouco,
meus olhos percorrem seu corpo, examinando com cuidado cada marca e
hematoma. Preciso saber até onde vão os ferimentos, se há algo mais grave
que ainda não percebi. Meus dedos tocam sua pele com gentileza, afastando
os cabelos de seu rosto, e, com a ponta do dedo, seco as lágrimas que ainda
mancham suas bochechas.
Seguro seu rosto delicado entre minhas mãos, firme o suficiente
para mantê-la centrada, mas com cuidado, como se temesse machucá-la
ainda mais. Meus polegares traçam uma linha suave ao longo de suas
bochechas, inclino seu queixo levemente para cima, forçando seus olhos
inchados e marejados a encontrarem os meus. As lágrimas ainda escorrem,
traçando caminhos em sua pele pálida, e seus lábios tremem.
— Consegue me dizer como isso aconteceu? — pergunto firme,
observando Isabella se recompor.
Ela enxuga o rosto com a manga do moletom, o olhar baixo,
evitando encontrar o meu.
— Eu me desequilibrei no degrau… e a sua mãe. — Ela faz uma
pausa, e vejo o conflito estampado em seus olhos.
O silêncio pesa entre nós. Meu subconsciente já começa a encaixar
as peças, formando a conclusão, então eu me obrigo a perguntar.
— Ela te empurrou? — Meus olhos buscam os dela, ansiosos por
uma explicação.
Isabella engole em seco, seus ombros tensionam, e o fôlego sai de
seus lábios como um suspiro de dor.
— Sim… — A palavra mal escapa de sua boca. Ela inspira com
dificuldade, como se o ar tivesse se tornado pesado demais para os
pulmões.
Meus músculos se retesam. Dentro da minha própria casa. Alguém
ousou machucá-la em minha ausência.
Isabella
Horas antes
Ares
Rafaela havia passado de todos os limites. Minhas advertências e
ameaças não a afetam, como se ela estivesse convencida de que minhas
palavras não tinham peso. Ela acha que sinto qualquer ressentimento em
cumprir o que digo, mas para mim, o sangue que nos une não passa de uma
praga.
Deixo Isabella, sob os cuidados do médico, no quarto. Ele diz que é
necessário fazer alguns exames, apesar de aparentemente ela não ter
quebrado nada. No entanto, é preciso ter certeza. O olhar dela, machucada e
vulnerável, despertou algo em mim. Um lado meu que mantenho enterrado,
aquele que só libero quando desço ao porão.
Ela é minha esposa, minha responsabilidade. Quem a ofende, ofende
a mim. Quem a machuca, fere a minha carne.
Desço as escadas devagar, calculando meus passos, o eco dos meus
sapatos reverberando pela casa como um prenúncio do que está por vir.
Meu irmão está no mesmo lugar, de costas para a janela, os braços cruzados
sobre o peito. Ele me encara por um segundo, como se já soubesse o que
aconteceu, como se já antecipasse o que virá em seguida.
— Onde está Rafaela? — pergunto, a fúria pulsa em minhas veias.
Nunca me referi a ela como mãe. Ela nunca desempenhou esse
papel para mim, essa palavra soa vazia e inútil.
— Ela está no jardim. — meu irmão responde. — O que você vai
fazer com ela? — Se refere a nossa mãe.
Eu sorrio. Um sorriso lento, cruel, algo que brota das profundezas
do meu ser.
— Prepare uma das casas de aluguel. Eu quero que ela saia daqui
ainda hoje.
Meu irmão me lança um olhar pesado. Sei que ele tem afeto por
aquela mulher, mas ele também respeita minhas ordens, e não contesta.
— Certo. — Ele assente com um breve movimento de cabeça,
aceitando a ordem mesmo que não concorde.
Sem mais uma palavra, sigo em direção à porta dos fundos.
Isabella
Sinto meu corpo dolorido enquanto me viro mais uma vez sobre os
lençóis, tentando encontrar uma posição confortável. Depois de muitas
tentativas frustradas, acabo me sentando, apoiando as costas em dois
travesseiros.
O quarto está tão silencioso que consigo ouvir o som do vento
soprando nas cortinas da janela. Não sei quantas horas se passaram desde
que fui empurrada daquela escada. Apaguei ao bater a cabeça e, quando
acordei, estava aqui, deitada, com uma enfermeira e um médico me
examinando.
A dor veio logo em seguida, intensa, como se eu tivesse realmente
quebrado algo. Mesmo agora, medicada, a dor persiste mais fraca. Meu
corpo está coberto de marcas, meu olho esquerdo parece ter sido arrastado
em um dos degraus, resultando em um corte logo acima. Minhas pernas e
braços também sofreram impactos, e estão com algumas manchas roxas e
azuladas.
O som da porta rangendo me chama a atenção. Olho rapidamente na
direção e vejo Ares entrar. Meu coração acelera, e uma onda de ansiedade
me invade. Ele está aqui, de novo. Meus olhos buscam os dele, suas íris
verdes me encaram com ressentimento enquanto ele se aproxima. Seus
cabelos estão bagunçados, e a roupa ainda é a mesma de antes. Ele parece
exausto.
— Você está melhor? — ele pergunta, parado ao lado da cama.
Inspiro profundamente, sentindo o ar raspar ao sair dos meus
pulmões.
— Uhum. — murmuro em resposta.
Vejo suas mãos mergulharem nos bolsos, de onde ele tira uma
tesoura, que joga displicentemente sobre a mesinha. Em seguida, ele
remove a arma do coldre, desarma-a e coloca as balas ao lado da arma na
mesma mesa, perto da cama. Observo atentamente cada um de seus
movimentos. Suas mãos começam a desabotoar os primeiros botões da
camisa social azul.
Engulo em seco.
Será que ele vai… Eu não estou em condições de suportar nada
agora.
— Os exames confirmaram que você não quebrou nada. Só precisa
descansar e tomar os medicamentos. — ele comenta, e ergue os olhos para
mim.
Seu corpo se inclina sobre a cama, e seus braços erguem meu corpo.
O susto me faz apertar seus ombros com força. Seu perfume invade minhas
narinas, é familiar e agradável. O contato da minha pele com a dele provoca
arrepios em mim. Quero contestar qualquer coisa, mas minha voz
desapareceu da minha garganta em algum momento. Ele me segura firme,
enquanto me revigora com seu olhar intenso.
Comigo em seus braços, ele caminha pelo pequeno espaço do quarto
até o banheiro e me coloca, delicadamente, dentro da banheira. Isso soa até
estranho, porque ele dificilmente é delicado; é bruto, um selvagem, um
animal. No início, fico apreensiva.
— Meu corpo está doendo. Não vou conseguir satisfazê-lo. —
minha mão pousa sobre a sua quando ele tenta tirar minha roupa.
Espero que ele diga que é minha obrigação, que não posso escapar
disso, mas Ares apenas faz um gesto suave com a mão, afastando um fio de
cabelo do meu rosto.
— Eu quero cuidar da minha mulher. Deixe-me fazer isso.
Ele volta a tirar minha roupa com cuidado, como se cada
movimento fosse pensado para não causar dor. Eu respiro fundo, tentando
relaxar, enquanto ele ajusta a temperatura da água, garantindo que esteja
morna e confortável.
Meu marido se ajoelha ao lado da banheira e derrama uma boa
quantidade de sabão líquido na bucha. Com cuidado, ele começa a deslizar
o objeto sobre meu corpo, começando pelos braços e seguindo para as
pernas. Seus movimentos são lentos e deliberados, e ele parece aproveitar a
visão do meu corpo nu e exposto, envolto pela água.
Eu realmente me sentia cuidada, e não sabia se isso tinha um preço
para mim.
Suas mãos massageiam generosamente meu pescoço e costas, ele
lava meus cabelos, enfiando os dedos nos fios para desembaraçá-los. Ele
me dá banho em completo silêncio, e quando termina, me enrola em uma
toalha, e me leva para o quarto, ele é atencioso em perguntar o que eu
gostaria de vestir, e se dar ao trabalho de colocar a roupa em mim, sua
forma de agir parece completamente diferente do que costuma ser.
Ele também toma um banho e se veste com roupas limpas. Uma
hora depois, no closet, aparece arrastando duas malas grandes.
— Você vai viajar de novo? — pergunto com uma inocência
genuína. Durante nossa conversa por ligação há alguns dias, ele mencionou
que demoraria a voltar e que tinha compromissos importantes. Então,
penso que ele estava prestes a retornar.
— Vou. — Sua resposta é direta, mas não alivia o sentimento de
abandono que me invade. — Mas você vai comigo. — ele completa,
surpreendendo-me com a adição.
— Está me levando com você porque sente pena do meu estado. —
digo, passando os olhos por mim mesma, por um instante.
Ele deixa as malas de lado no meio do quarto e se aproxima de mim.
Estou sentada na ponta da cama, e seu corpo se inclina sobre o meu. Sua
mão toca meu queixo, erguendo-o.
— Não sinto pena, sinto impotência por ter te deixado aqui sozinha
— ele responde firme.
Reviro os olhos, insípida, e afasto meu rosto de seu toque.
— Não me trate como se eu fosse fraca e precisasse de proteção —
retruquei.
Ele curvou os lábios em um sorriso.
— Não te protejo por achar que não pode se cuidar. Eu te protejo
porque é minha mulher — declara, com convicção. — E aquela mulher
nunca mais vai respirar o mesmo ar que você.
Engoli em seco. Ele seria capaz de machucar a própria mãe… Sim,
Ares não conhece limites.
— O que fez com ela? — pergunto, apreensiva.
— A mandei para bem longe — responde, sem um fio de
ressentimento.
— Mas… Ela é sua mãe… — murmuro, incrédula. — Você não
pode simplesmente mandá-la embora assim.
Seu olhar se estreitou, perigoso.
— Ela nunca foi minha mãe — Ares retruca quase que de imediato,
com um tom frio e de rancor. — Uma mãe protege, cuida… ela não vira as
costas para os próprios filhos, muito menos os entrega ao diabo que era meu
pai.
Senti um arrepio percorrer minha espinha.
— Não há laços de sangue que me obrigue a manter alguém como
ela por perto. — ele continua. — o que aconteceu foi o estopim para
mandá-la embora.
Ares se afasta, voltando a uma postura rígida, séria e fria.
— Já peguei suas roupas. Se precisar de mais alguma coisa, pegue
agora, porque sairemos em poucos minutos. — Ele declara, sem deixar
espaço para objeções.
— Certo, me espere lá embaixo.
— Não vai precisar de ajuda? — ele pergunta me avaliando de cima
a baixo com um olhar desconfiado.
Levanto meus olhos.
— Não estou inválida.
Odeio ser tratada assim, como se fosse frágil ou prestes a quebrar.
Eu não sou uma flor delicada. Sou o fogo do inferno, e eu queimo.
Espero até que a porta do quarto se bata, e ele me deixe sozinha,
para procurar o que preciso, itens de higiene, e algo importante, meus
remédios.
Ares
Passei a madrugada inteira sem pregar os olhos. Cada vez que meu
olhar recaía sobre a porta fechada do quarto, a vontade de arrombá-la me
consumia. Mas eu sabia que não podia. Tinha que lhe dar espaço, ser
racional, mesmo quando tudo em mim queria resolver aquilo à força. Ela
precisava de tempo, e eu também precisava ser paciente. Isabella foi criada
pelos tios, vivendo sob as mentiras que eles a contaram. Não poderia
esperar que ela aceitasse a verdade tão facilmente, não esperava uma reação
diferente dela, afinal e Isabella, ela odeia ser pressionada, e mais ainda, a
ideia de estar sendo manipulada.
Com esses pensamentos, começo a preparar um café forte. A
cozinha está em silêncio, exceto pelo som do líquido quente caindo na
xícara. Então, ouvi passos. Virei-me a tempo de vê-la surgir no corredor.
Ela estava ali, vestindo um moletom que parecia grande demais para
seu corpo. Os cabelos vermelhos estavam presos em um coque frouxo, com
alguns fios rebeldes caindo sobre sua testa. Mesmo com os olhos
marejados, ela não deixava nenhuma lágrima cair. Ela era forte. Forte de
uma maneira que sempre me fascinou. E mesmo naquele estado, com a
expressão abatida, ela ainda estava linda aos meus olhos.
O pequeno corpo feminino para na minha frente, sem ousar me
encarar por mais do que um segundo.
— Quero saber tudo — sua voz corta o silêncio. — Me conte tudo o
que você sabe. — exige.
Seus olhos evitam os meus. Ela não queria que eu visse a
vulnerabilidade por trás daquela pergunta.
— O que exatamente você quer saber? — Devolvo com outra
pergunta, tento me aproximar. Isabella, recua como uma gata arisca,
mantendo distância.
— A verdade… — responde, com um olhar duro. — Me conte
desde o início.
Dou um gole no café, mergulhando as mãos nos bolsos da calça de
moletom. Inclino a cabeça para o lado, tentando encontrar novamente seus
olhos castanhos, aqueles que sempre brilham quando me olham. Mas agora,
só os vejo vazio.
Limpo minha garganta e começo.
— O acidente que você sofreu quando era criança… — observo
suas expressões — foi porque sua mãe estava fugindo do seu pai, sua
guarda foi passada para seus tios. — Faço uma pausa, mas ela permanece
indiferente. — Seu tio se meteu em uma dívida grande em um dos meus
cassinos e não tinha como pagar. Foi aí que ele me ofereceu você. Essa
parte você já conhece, não é?
Ela balança a cabeça em confirmação.
— Você era só uma criança, sem nenhum interesse para mim. Mas
seu tio insistiu, dizendo que você tinha o sangue da La rosa nera, que era
filha do meu inimigo, uma herdeira perdida.
Isabella suspira, cruzando os braços na frente do corpo.
— Então, você aceitou porque queria me usar para algum tipo de
vingança? — sua voz transborda de raiva.
Balanço a cabeça em concordância, soltando um suspiro profundo.
— Não posso negar, esse era o meu plano desde o início. Eu te
mantive distante e segura enquanto ainda não éramos casados, apenas
esperando o momento certo para que você se tornasse minha esposa.
Quando chegasse a hora… — explico.
Meus olhos recaem sobre suas mãos delicadas, e noto a aliança
ainda firme em seu dedo.
— Antes de eu assumir o lugar do meu pai, ele tinha negócios com o
seu — continuo. — Negócios sujos, coisas que fariam seu estômago
revirar… — tento controlar a raiva que borbulha dentro de mim ao lembrar
do homem que meu pai foi. — Quando eu matei e tomei o controle da
organização, o Don da La rosa nera queria continuar esses negócios
comigo. Mas eu recusei.
Olho novamente em seus olhos, mais sério desta vez.
— Ele não aceitou bem a minha resposta, e decretou guerra, nunca
consegui vencê-lo completamente, porque ele é um covarde, que se
esconde. — Minha mandíbula se tenciona. — Mas com você… — paro e a
encaro. — Com você, eu posso finalmente encontrá-lo.
Ela me olha com ceticismo, franzindo a testa.
— Por que você acha que ele se importaria comigo? Ele nem me
conhece — sua voz sai um pouco trêmula.
Sorrio sem humor e respiro fundo.
— Ele já sabe sobre você, sabe que é minha esposa.
Minha resposta a faz estremecer levemente.
— Vai me entregar a ele? — ela questiona com um sussurro baixo.
Seu olhar atravessa o meu peito como uma lâmina fria. Ela
realmente pensa que eu seria capaz de entregá-la a ele? Que abriria mão
dela tão facilmente?
— Eu nunca te entregaria a ele. — Minha voz sai como um rosnado
contido. Dou um passo à frente, fechando a distância entre nós.
Minha mão se levanta até pousar em seu rosto, que ainda possui
machucados leves, ela não me impede ou se afasta dessa vez, está
anestesiada pela minha presença. Meus dedos deslizam até o queixo dela,
forçando-a a me encarar.
— Eu mataria qualquer um que tentasse te tirar de mim.
Ela pisca em êxtase.
— Então… o que você quer realmente de mim Ares? — Sua voz
está trêmula junto a respiração entre-cortada
Eu quero tudo.
Sua entrega.
Sua lealdade.
Seu corpo.
Sua alma.
Quero que ela seja minha, inteiramente e para sempre.
Eu respiro fundo outra vez, meus olhos cravados nos dela, captando
as íris castanhas.
— Preciso que fique do meu lado — minha voz preenche o espaço
entre nós — e, juntos, assumiremos a La rosa nera.
Sinto o corpo dela enrijecer.
— Eu devo me aliar a você para matar o meu possível pai? — Ela
pergunta em voz baixa.
— Isso não é uma escolha, Isabella — respondo, a frieza se
infiltrando em minhas palavras. — Eu vou matá-lo de qualquer forma.
Aquele homem é sujo, hipócrita, sem caráter.
Ela me encara, confusa e abalada.
— Não entendo por que você o odeia tanto…
Contendo a raiva que ameaça me controlar. A última coisa que
quero é ouvir ela tentando defender aquele homem, mesmo que
inconscientemente. Me afasto abruptamente, dando a volta na ilha da
cozinha. Meu sangue ferve, e não consigo mais segurar.
— Quer saber qual é o tipo de negócio sujo que seu pai faz? —
Minha voz sobe um tom.
Pego o tablet sobre o balcão e procuro rapidamente por uma foto
específica. Quando a encontro, giro o aparelho para que ela veja a imagem.
Isabella observa a tela visivelmente confusa.
— O que são essas crianças?
— Esses são os “negócios” do seu pai — disparo, em voz gélida. —
Ele sequestra crianças inocentes, arranca seus órgãos para vendê-los. Esse é
o tipo de homem que você carrega o sangue.
A cor some de seu rosto instantaneamente. Ela já é pálida, mas
agora parece quase translúcida, como se a revelação tivesse drenado toda a
vida de seu corpo.
— É por isso que ele precisa morrer. Não há redenção para um
homem assim. — desdenho entre dentes.
Isabella pisca os cílios de forma rápida e desordenada, e eu vejo sua
mão, sem forças, deixando o tablet escorregar e ameaçar cair no chão. Seus
joelhos cedem, e ela começa a desmoronar. Reajo com rapidez, estendo os
braços e consigo aparar seu corpo antes que ela atinja o chão.
Seus olhos se fecham lentamente, e, com um suspiro involuntário,
ela desmaia. Ontem, durante o jantar, ela não comeu nada, e hoje, já
passava das 10h da manhã, ela ainda não tomou café. A falta de
alimentação e a conversa que tivemos devem ter feito sua pressão
despencar.
Com cuidado mantenho minhas mãos firmemente envoltas do seu
corpo, a levo para dentro do quarto, ao depositá-la na cama, volto até a
cozinha procurando por gelo para passar no seu pulso e acordá-la.
Assim que o gelo faz contato com sua pele, ela desperta, assustada
ao me reconhecer.
— Você precisa se alimentar, fiz café, e nos armários deve ter algo
que você goste. Vamos continuar essa conversa depois, preciso sair para
resolver algumas coisas. — digo, passando a mão pelos seus cabelos.
Isabella ainda parece se recuperar no que aconteceu na cozinha, sua
boca não emite nenhum som, ela apenas acena com a cabeça. Me afasto da
cama, indo até o banheiro, eu precisava tomar um banho e me encontrar
com Ivan.
Adryel arrasta Adriano pelo chão sem a menor delicadeza, seu corpo
envelhecido e frágil, incapaz de resistir à força vil do meu irmão. O som
abafado dos sapatos raspando o piso me diverte. Era como ouvir a última
sinfonia de um homem condenado.
— Se mentir mais uma vez, Adryel vai arrancar cada uma dessas
unhas. Uma por uma — acrescentei, dando um passo para trás e cruzando
os braços, Adriano tenta inutilmente encolher seus dedos. — E acredite,
vou gostar de assistir isso.
Estalo a língua, e dou um soco forte contra seu rosto, o baque quase
o faz virar a cadeira. Adriano cospe um pouco de sangue e me olha com
clemência.
— Diga logo o que sabe, eu mal comecei com você, e arrancar suas
unhas ou um corte no rosto, está muito longe do que eu realmente pretendo
fazer com você.
— O que sei é que seu pai tinha contado com pessoas importantes,
que o pagavam para fazer o transporte, é a única coisa que sei… — o
homem murmura.
Ele está suando frio, e nervoso, posso ver a veia de seu pescoço
pulsando.
— O que você acha que devo fazer com você, agora que me deu um
nome? — digo, erguendo o queixo do homem com a ponta afiada da minha
faca que eu ainda mantinha em mãos.
Antes que ele tenha tempo de reagir, faço outro sinal para Adryel,
que retoma o que começou, arrancando outra unha.
— Tenho uma ideia bem clara do que podemos fazer com você, —
murmuro, deixando um sorriso predatório se espalhar pelo rosto — Tire a
camisa dele, — ordeno friamente a meu irmão. O som do tecido sendo
rasgado me enche de entusiasmo, revelando o peito nu do homem.
Meus olhos brilham com uma malícia fria enquanto posiciono a faca
no centro do peito de Adriano. Com um movimento único, arrasto a lâmina
por sua pele, abrindo um corte preciso que faz o sangue jorrar
imediatamente. Seus gritos são desesperados, suplicantes e altos, mas não
me incomoda, há um prazer silencioso que sinto em cada gota de dor que
ele experimenta, um sorriso de curva em meus lábios.
Isabella
Saio do banho com o corpo envolto em uma toalha macia, A água
quente havia lavado meu corpo, mas não conseguia limpar a confusão que
turvava minha mente. A passos lentos, caminho pelo quarto silencioso, as
gotas de água escorrem pelos dos meus cabelos caindo sobre meus ombros.
Respiro fundo.
Enquanto uma de suas mãos aperta meu seio, a outra foca em meu
clitóris, movendo-se com precisão. Antes que eu possa me ajustar ao prazer
crescente, ele me vira bruscamente. Meu corpo choca-se contra o dele, o
peito nu e molhado pressionando o meu.
Ele me envolve em um abraço firme, mantendo seus toques
incessantes na minha boceta. Sua boca encontra a minha com uma urgência
feroz, sem gentileza, o beijo é cheio de vício e desejo. A água escorre por
nossos corpos, e ele bagunça meus cabelos, puxando-os pela nuca,
intensificando a conexão entre nós.
Minhas unhas se cravam na pele de seu ombro tão forte que é capaz
de deixar marcas, fecho os olhos, incapaz de mantê-los abertos, mas Ares
preciosa meu queixo me obrigando a abri-los de novo.
Estou à mercê dele, do prazer que ele manipula com tanta maestria,
e neste momento, não consigo querer outra coisa a não ser gozar em seus
dedos.
E quando finalmente o clímax me atinge, não há como fugir do
olhar dele, que me devora com pura veneração enquanto meus olhos, como
ele previu, se reviram em êxtase absoluto.
— Relaxe, você está bem lubrificada. Não vai doer — ele murmura,
tentando suavizar minha apreensão.
Uma de suas mãos aperta minha bunda, enquanto a outra sobe por
meus seios e para em minha garganta. Ele tinha algum fetiche em me
enforcar, e eu, em silêncio, admitia que gostava.
Ele está tão duro dentro de mim que sinto meus olhos lacrimejarem.
Seu membro sai por completo apenas para se afundar de novo, com
mais força, com mais profundidade.
Fundo.
Duro.
Mais forte.
Ele tem o meu coração, mas eu não tenho o dele. E isso só reforça o
quão tola eu sou, por amar alguém que só me vê como uma peça em seu
jogo.
Ares
Os armários estão cheios de comida, o que só constata o quanto
Isabella tem se descuidado com a própria alimentação. Fui à farmácia
comprar alguns remédios que ela pediu para aliviar as cólicas, e agora ela
dorme profundamente.
Mil ideias passam pela minha cabeça sobre o que fazer, mas a
primeira que me ocorre é beijá-la. Nossas bocas se unem em um beijo
suave, tentando despertá-la do tormento. Aos poucos, seus olhos castanhos
se abrem, sua respiração pesada. Eu me afasto, observando o susto em seu
olhar, enquanto suas mãos tateiam os lençóis, ainda desorientada.
— Porque isso vai interferir nos seus planos? — indaga com voz
baixa e sensível.
Isabella
A médica mede minha pressão e faz algumas perguntas, às quais
respondo normalmente.
Se ela soubesse quem é meu marido, será que ela ainda me diria
isso?
— A minha mulher disse que está sendo bem tratada. Ela foi clara o
bastante, não acha? — levanto os olhos e vejo meu marido parado na porta,
com os braços cruzados sobre o peito e um olhar frio. — Amor, ela está lhe
incomodando? — ele pergunta.
Amor era uma palavra nova, ouvir Ares me chamar de amor era
novo, era estranho.
— Coma — ordena.
Pego a colher com relutância. Embora o cheiro esteja maravilhoso,
meu apetite ainda não voltou totalmente.
— Quero.
— Não sei se quero envolver você nisso, Isabella — ele diz com
frieza. — O mundo é cruel demais e pode acabar com você.
Meu marido sorri, seus lábios se curvam com satisfação. Seu olhar é
intenso, como se estivesse diante de algo que finalmente conquistou.
— Se pensa que posso trair você, então por que quer que eu fique ao
seu lado, Ares?
Ele arqueia uma sobrancelha, intrigado com minha atitude. Não sei
se esperava essa ousadia de mim, seu peito nu sobe e desce em um suspiro
áspero.
— Estou aqui porque precisava encontrar o antigo contador do meu
pai. — Ele faz uma pausa, observando minha reação antes de continuar. —
Ele estava sob a proteção da Bratva.
— Adryel. Ele concordou e, para ser honesto, acho que até gostou
dela. Não vai fazer mal à garota — comenta, como se quisesse me
tranquilizar.
— Isso não muda o fato de que ela deve estar sendo forçada a esse
casamento — rebato.
— Se encontrou esse homem, o contador de seu pai, ele deve ter lhe
dado alguma informação importante não? — volto ao assunto que devemos
discutir.
— Quem é?
Engoli em seco
Isabella
Acho que essa é a primeira vez que acordo sem estar sozinha. Sinto
o calor de sua respiração no meu pescoço, seu corpo pressionado contra o
meu, o braço pesado descansando sobre minha cintura, enquanto sua mão
possessiva se infiltra por dentro da minha roupa. Para minha surpresa, me
sinto estranhamente confortável envolvida em seu corpo.
Não respondo, mas sua mão desliza para dentro da minha blusa,
explorando lentamente até alcançar meus seios nus, e uma onda de calor
percorre meu corpo. Um gemido involuntário escapa de meus lábios, o que
parece ser o sinal que ele aguardava. Em um movimento rápido, ele gira
meu corpo, posicionando-se praticamente sobre mim.
— Está pedindo para que eu saia, mas seu corpo diz outra coisa —
ele murmura, a voz rouca com uma provocação que me hesita.
Seu rosto inclina sobre o meu, seus lábios roçando levemente minha
orelha, posso sentir sua respiração, e meu corpo estremece embaixo do dele.
— Que lugar?
Merda…
Meu sorriso se torna mais radiante, largo e feliz, mas ainda tenho
dúvidas sobre suas verdadeiras intenções
Ainda não havíamos falado sobre isso, mas tenho certeza que seus
planos não mudaram, ele ainda quer me engravidar.
— Então por que mentiram para mim? Por que inventaram todas
aquelas histórias sobre minha mãe? — minha voz sai trêmula, as palavras
rasgando minha garganta. — Me fizeram carregar o peso de cada
julgamento da sociedade. E depois que nos casamos? Nenhuma palavra,
nenhuma mensagem, nada. Eles simplesmente esqueceram que eu existo.
A indignação lateja em meu peito, mas antes que eu possa dizer
mais, ele me puxa pela cintura, me fazendo encostar as costas em seu peito.
— Você não precisa deles — sua voz sussurra contra meus cabelos.
— Você tem a mim, e o suficiente.
— Não posso dizer que me arrependo. Você sempre fez parte dos
meus planos. Mas não pense que não enxerguei quem você realmente é.
Você é destemida, desafiadora, forte e inteligente, uma mulher que eu
realmente quero.
— Se nos casamos apenas porque você queria destruir meu pai, por
que está dizendo o contrário?
— Eu não sei o que você quer de mim. Você diz que quer que eu
fique ao seu lado, mas ainda não consigo entender o que isso significa. —
sussurro. — eu estou confusa. — confesso, sentindo um alívio momentâneo
em compartilhar com ele o que vem me afligindo.
Sinto algo dentro de mim se quebrar ainda mais com o silêncio que
se instala entre nós. Ele não consegue me encarar, nem me dar uma
resposta. Sua voz permanece muda, e sua respiração, antes tão próxima,
agora parece se distanciando.
Ares aprofunda o beijo com uma fome que beira o desespero, suas
mãos deslizando pela minha cintura como se quisesse me prender ali para
sempre. Ele puxa meu lábio inferior entre os dentes, um toque de dor
misturado com prazer, e eu solto um gemido abafado contra sua boca.
Minhas mãos sobem, agarrando seus cabelos, puxando-o para mais perto,
recusando qualquer distância que possa se impor entre nós.
— O que você está fazendo comigo, coisinha pequena? Você está
me desmontando por dentro… — ele sussurra contra meus lábios, a
respiração quente e descompassada se misturando com a minha, nossas
testas se recostam, enquanto trocamos um olhar.
Ares
— Nenhum de vocês pensou em me contar que nossa querida irmã
estava de volta? — pergunto, encarando meus dois irmãos, que se
entreolham, trocando olhares furtivos.
Adryel está largado na poltrona de couro à minha frente, Andreas,
mantém-se encostado na parede perto da janela
Ver Alice de novo definitivamente não fazia parte dos meus planos
ao voltar para casa. Ela sempre foi diferente de nós. Enquanto crescíamos
sendo moldados pela violência do nosso pai, Alice era a garota de ouro, a
exceção. Era estranho que ele, um homem que desprezava a ideia de ter
uma filha mulher, a valorizasse tanto. Quando nosso pai morreu, resolvi que
seria melhor mantê-la longe de nossas vidas, Para ela, Gutierrez era um pai
perfeito, amoroso e presente. Para mim e para meus irmãos, ele foi um
pesadelo, uma desgraça.
O retorno de Alice me gera desconfiança. Apesar da aparência
ingênua, ela não é tão inocente quanto parece. E eu, mais do que ninguém,
sei disso.
— Ela chegou ontem — Andreas explica, cruzando os braços. —
Íamos te contar, mas com o incidente do armazém, achamos que era mais
urgente.
Inspiro profundamente, levando o cigarro aos lábios e soltando a
fumaça devagar, como se cada tragada pudesse ajudar a aliviar a minha
irritação.
— Vai mandá-la embora? — Adryel pergunta, com um tom de
indiferença.
— Não. Isabella quer que ela fique — respondo, claramente
insatisfeito com a ideia.
Adryel solta uma risada sarcástica, seus olhos brilham com malícia.
— Pelo jeito, esse tempo junto foi bom. A cunhada já até manda em
você agora.
O repreendo com um olhar e seu riso morre nos lábios.
Desvio meus olhos para a mesa à minha frente, cheia de papéis da
empresa que precisam da minha assinatura. Ficar quase uma semana fora
acumula mais trabalho do que o normal, e a última coisa de que preciso é de
provocações.
— Então, podem me atualizar sobre o que aconteceu enquanto eu
estava fora? — pergunto, focando nos negócios.
— O armazém pegou fogo. Perdemos muito — Andreas relata,
franzindo a testa. — Já informei todos os compradores que vamos atrasar
nas entregas, mas o prejuízo é grande.
— Já sabemos quem está por trás disso. — comento.
Don Mário pensa que nossa guerra está quase ganha, atacando sem
resposta, achando que estamos enfraquecidos, mas agora vejo que preciso
reafirmar minha autoridade.
— Ele matou dez dos nossos e incendiou um armazém. Temos que
reagir, não dá para ficar parados — Adryel diz.
Me ajeito na poltrona, apagando o cigarro no cinzeiro de prata,
deixando a fumaça dispersar pelo escritório.
— E não vamos ficar parados — afirmo, atraindo a atenção deles
para mim. — Se ele encontrou nosso armazém, é porque alguém de dentro
deu a localização para ele.
— Phelipo? — Andreas sugere, franzindo o cenho.
— Exato — confirmo, apertando os punhos.
Andreas se aproxima da minha mesa.
— Enquanto você estava fora. Contratei um detetive particular para
seguir Phelipo e consegui algumas fotos — Andreas informa, com um leve
sorriso de satisfação.
Fico impressionado com a eficiência dele, meu irmão desliza a mão
para dentro do bolso interno do terno, retirando um papel que rapidamente
reconheço como uma fotografia. Andreas se posiciona diante do painel
onde organizamos nossas evidências e prende a foto ao lado das outras
informações
A imagem mostra Phelipo ao lado de um homem desconhecido. Não
reconheço o sujeito, mas faço um gesto para que Andreas explique.
— Esse é Franco Alberti — meu irmão aponta para a foto. — Mais
conhecido pelo apelido Judas, Capanga de Don Mário. Ele é Phelipo se
encontraram em um restaurante na periferia da cidade, um lugar discreto,
longe dos olhares curiosos. Parece que Phelipo está vendendo informações
para o inimigo, e não é de hoje.
Eu me levanto da poltrona para observar mais de perto.
— Ele não está apenas vendendo informações; está nos sabotando
de dentro — vocifero com desdém. — Quero provas sólidas, algo que ligue
Phelipo diretamente aos últimos ataques. Quando tivermos o suficiente, ele
não só vai pagar com a vida, mas também servir de exemplo para quem
pensar em trair a famiglia. E sobre o armazém… — giro lentamente na
direção de Adryel, ainda esparramado na poltrona de couro.
— Acha que consegue levar alguns homens até Nápoles sem serem
notados? — pergunto
— Claro, o que pretende fazer?
— Vamos devolver na mesma moeda — afirmo com um tom frio.
Adryel se inclina para frente, e um sorriso sombrio cresce em seu
rosto.
— Tenho contatos com gente que ainda me deve favores. Posso
fazer com que uma mensagem clara chegue a Don Mário. Um incêndio
aqui, uma explosão ali…
— Ótimo. Quero que ele saiba que cada movimento contra nós vai
custar caro a ele também. Escolha homens de confiança, e bons de combate
para ir com você.
Adryel assente. Ele é impiedoso, exatamente como preciso que seja.
Nenhum homem que cruzou seu caminho saiu ileso; seu nome carrega uma
reputação perigosa. Nas lutas de gaiola em que já competiu, o combate é até
a morte, e Adryel nunca conheceu a derrota. Ele é um predador nato, um
lutador implacável que não hesita em acabar com qualquer adversário. É
essa ferocidade que o torna um dos meus maiores triunfos.
O equilíbrio do poder está prestes a mudar, e desta vez, quem vai
incendiar o território inimigo somos nós.
Capítulo 29
Isabella
O céu está cinzento e sombrio, O ar é úmido e frio, o som de nossos
passos faz eco pela floresta. Minhas botas esmagam galhos secos e folhas
úmidas, quebrando o silêncio com estalos.
— O que estamos fazendo aqui mesmo? — pergunto, respirando
fundo.
Meu marido não responde, apenas leva um dedo aos lábios,
exigindo silêncio. Ele gesticula para que eu me aproxime, sem tirar os olhos
de algo adiante. Acompanho seu olhar através das folhas verdes e secas, até
avistar um coelho imóvel, quase invisível na vegetação.
Ares se posiciona atrás de mim, a proximidade do seu corpo irradia
minha pele, Sinto o calor de sua respiração em minha orelha quando ele
sussurra
— Segure.
Antes que eu possa reagir, sinto o peso frio e metálico da espingarda
em minhas mãos. Ele confia em mim com uma espingarda no meio do mato
às quatro da manhã como se fosse a coisa mais natural do mundo. Por um
momento, penso que ele só pode estar louco.
Uma de suas mãos se envolve na minha cintura, firme, mas não
agressiva, enquanto a outra ajusta meus dedos ao redor da coronha da arma.
Seu toque é hábil, guiando meus movimentos com precisão, corrigindo a
posição dos meus braços, e alinhando a espingarda ao meu ombro.
Ele inclina a cabeça, encostando a lateral do rosto no meu, a barba
dele roçando levemente minha pele.
— Viemos caçar, querida — sussurra sua voz contra meu rosto,
suave e envolvente. — Segure firme e mire.
Eu já havia segurado uma arma antes; meu tio tinha um revólver
guardado, e eu costumava pegá-lo às escondidas, alimentando minha
curiosidade. Mas usar uma arma de verdade, atirar com ela, era uma
experiência completamente nova para mim. Minhas mãos envolvem o
objeto com firmeza. A adrenalina percorre meu corpo.
— Quando você estiver pronta, aperte o gatilho devagar. — ele
orienta, seu hálito quente e respiração controlada quase me fazem perder o
foco.
Por um momento, o peso da espingarda parece desaparecer, meu
dedo está sobre o gatilho, e o coelho imóvel.
Aperto os lábios e tento me concentrar, sinto seu olhar em cada
movimento meu, mas ele não me pressiona, me deixa à vontade para que eu
consiga fazer tudo no meu momento. A espingarda, se encaixa melhor nas
minhas mãos. Com um suspiro profundo, fecho um olho e miro.
O som do disparo rasga o ar, um estrondo que reverbera na floresta,
ecoando por entre as árvores. O coelho se desfaz na confusão de folhas, e o
cheiro de pólvora se mistura ao ar úmido da manhã. Eu recuo um passo,
surpreendida pela força do tiro, mas Ares me segura firme, as mãos
envolvem minha cintura com força, me impedindo de perder o equilíbrio.
Consigo ver o sorriso brotar de seus lábios, um sorriso satisfeito que
ilumina seu rosto bonito.
— Isso foi divertido — digo, retribuindo com um sorriso tímido.
— Eu não sabia que você era tão boa no tiro — ele comenta com
admiração. Nem eu sabia… — Acha que consegue repetir? — pergunta.
Confesso que a ideia me instiga, mas a perspectiva de tirar a vida de
animais que não podem sequer se defender parece-me cruel.
— Qual a graça em matar criaturas indefesas? — pergunto
expressando minha indignação. — Eu quero matar alguém que realmente
mereça ser morto.
Ares se afasta um pouco, sua postura se altera para dominante. Ele
passa a espingarda sobre o braço, a arma inclina para suas costas.
— Matar pessoas não é tão simples quanto caçar — ele diz com uma
voz grave e séria. — Você precisa ter um psicológico forte para lidar com o
que vem depois. Ressentimento, culpa e arrependimento.
Sinto um frio na barriga.
— Como você se sentiu quando matou pela primeira vez? —
pergunto com curiosidade.
O homem à minha frente hesita, sua cabeça baixa, fixando-se no
chão de terra, em seguida ele volta a olhar para mim.
— Que não tinha escolha. — Ele balança a cabeça levemente. — Eu
tinha 10 anos quando meu pai me obrigou a matar um homem.
Engulo em seco.
— Você era só uma criança... — murmuro.
Ares pende a cabeça para trás como se eu houvesse falado alguma
coisa que não deveria.
— Minha iniciação começou quando eu tinha 8 anos. Apanhava dia
e noite. Muitas vezes, eu tinha ossos fraturados, mas eu precisava ser forte.
Qualquer fraqueza e o castigo aumentava, eu pensava em tudo menos em
como era ser uma criança. — sua voz demonstra amargura, mágoa e raiva.
Ares é um homem assombrado pelos próprios traumas. Ele é um
homem quebrado. Torcido. Estilhaçado. Mas ainda é meu homem.
— E sua mãe? Ela nunca tentou te proteger? — pergunto, em um
sussurro frágil.
Dou alguns passos para chegar mais perto dele. Ares suspira, como
se estivesse sustentando o peso do mundo. Seu olhar encontra o meu, vazio
e frio.
— Minha mãe nunca se importou comigo, Isabella. — Ele diz, com
a voz embargada. — Acho que ela se sentia até aliviada ao me ver apanhar.
Eu era o culpado pela dor que ela sentia.
Meu coração aperta, e instintivamente minha mão toca seu peito,
coberto pela jaqueta de couro. Sinto as batidas do seu coração, rápidas e
desesperadas, pulsando contra minha palma.
— Eu não entendo... Que culpa você poderia ter? — Ergo o rosto
para ele, buscando os olhos que parecem fugir dos meus.
Ares umedece os lábios, e pela primeira vez, vejo suas defesas se
desfazerem. Comigo, ele não precisa ser forte ou frio. Ele não precisa
esconder suas cicatrizes.
— Minha mãe queria uma filha, mas meu pai nunca aceitaria uma
mulher como herdeira. — A voz dele falha. — Quando ela teve uma
menina, ele a matou.
Minha respiração para, um nó se forma em minha garganta. É
crueldade demais para compreender, e meu coração dói por ele.
— Ele abusou dela, e eu... eu sou o fruto disso. — meu marido luta
para continuar, o olhar suplicando para que eu entenda, para que eu não o
julgue, para que eu não o despreze por saber do seu segredo. — Rafaela
nunca me viu como filho.
Minha mão continua em seu peito, sentindo o peso de cada batida do
seu coração. Sou mulher, consigo entender a dor e a revolta que ela deve ter
sentido, mas abandonar o próprio filho, uma criança inocente que não tinha
culpa de nada... É desumano, ela deveria protegê-lo.
— E mesmo com tudo isso você ainda permitiu que ela ficasse por
perto. — indago.
— Ela foi mãe para meus irmãos, e eu não queria tirar isso deles,
mas quando ela te empurrou da escada, chegou no meu limite, eu não iria
permitir que ela ficasse debaixo do mesmo teto que você, ninguém tem
direito de te machucar. — Seus dedos deslizam suavemente pela minha
pele. — Quer tentar atirar de novo? — ele pergunta, mudando de assunto de
forma repentina.
Solto um suspiro profundo.
— Você realmente confia em colocar uma arma nas minhas mãos
pela segunda vez? — provoco sorrindo.
— Não deveria, Bella mia? — ele rebate com um sorriso desafiador,
seus olhos fixos nos meus.
— Eu serei uma mulher muito perigosa com uma arma nas mãos —
respondo.
Ares balança a cabeça, e num gesto possessivo, aperta minha cintura
com força, fazendo-me soltar um pequeno gemido de surpresa.
— Eu ficaria ainda mais obcecado. — ele sussurra, e antes que eu
possa reagir, seus lábios encontram os meus, selando nossas bocas.
—
— Quanto tempo pretende ficar? — pergunto, enquanto tomava sol
ao lado da nova integrante da família. Ela se parecia com os irmãos, algo
que eu só percebi agora, após ter deixado o ciúme me cegar.
— Não sei… Sou residente em um hospital e logo preciso voltar ao
trabalho — Alice responde com um sorriso contido.
Ela é médica, recém-formada, e prefere viver sem o peso do
sobrenome Montesi. Uma mulher comum, levando uma vida comum.
Houve um tempo em que eu teria invejado essa liberdade, a possibilidade
de sair pelos portões desta mansão e viver sem as correntes que a máfia
impõe. Mas agora, resignada, encontro um estranho consolo na minha vida
e no lugar que conquistei ao lado do meu marido.
— Você não pensa em voltar a morar na Sicília algum dia? —
insisto, curiosa.
Ela ajeita os óculos de sol, e por um momento o sorriso se desfez em
seus lábios.
— Não. Não tenho boas lembranças daqui. Vim porque senti falta
dos meus irmãos, mas morar aqui de novo? Não. — Sua voz é calma, mas
com pesar. — Esse é o mundo da máfia, e pessoas como eu nunca teria
lugar aqui.
Eu entendo o que ela quer dizer. Eu também sei como é ser uma
bastarda, sentir-se desprezada e desvalorizada. Passei anos enganada sobre
quem eu realmente era, ouvindo mentiras, e vivendo nas sombras.
— Eu sempre me senti… deslocada. Era como se eu tivesse nascido
na família errada. — ela confessa.
Minha infância não foi diferente. Cresci sem entender por que era
tão malvista, porque meus sorrisos eram recebidos com olhares de desprezo
e por que, mesmo rodeada de pessoas, a solidão era minha única companhia
fiel.
— Você tem sorte de poder escolher, de poder sair daqui e viver
uma vida normal. Eu nunca tive essa opção. — murmuro.
Alice me lança um olhar de lado, analisando minhas expressões com
atenção.
— Não gosta de ser casada com meu irmão? — pergunta sem
esconder sua curiosidade genuína.
Eu não precisei pensar na resposta. As palavras estavam prontas na
ponta da língua.
— Gosto, sim. Mas, no começo, foi difícil. Eu não queria aceitar
meu futuro. Tinha medo de que ele fosse um marido ruim para mim,
principalmente devido aos boatos sobre a ex-esposa dele. — Confesso.
Alice ajeitou os óculos de sol no topo da cabeça e cruzou as pernas
em uma postura relaxada.
— Eu sei o que dizem, mas Ares não matou aquela perturbada. —
Ela diz.
— Perturbada? — Pisquei, surpresa, ao levantar uma sobrancelha.
— Sim — Alice confirma. — Sophia tinha problemas mentais. Para
ser mais precisa, ela era… louca. No começo do casamento, ela parecia
bem, mas, com o tempo, as coisas mudaram. Ela começou a agir de forma
estranha, cada dia mais fora de si, até perder completamente a sanidade, eu
morava nessa casa na época.
As imagens de Sophia, a mulher do retrato, na mesa do escritório de
Ares, se desfazem.
— A verdade é que ela se suicidou. — Alice solta as palavras no ar.
Senti um baque no peito, como se o ar tivesse sido arrancado dos
meus pulmões. Meus olhos perderam o brilho.
Ele não a matou, e mesmo assim, eu o acusei tantas vezes. Ele
nunca negou, nunca se defendeu ou tentou provar o contrário. Era como se
ele quisesse que eu acreditasse na pior versão dele, que eu o visse como um
monstro.
Antes que eu e Alice pudéssemos continuar nossa conversa sobre
Sophia, Angélica, a governanta, surgiu discretamente entre as duas
espreguiçadeiras, sua postura é impecável e seu olhar atento.
— Senhora — ela se dirigiu a mim com a formalidade de sempre.
— Há uma visita esperando por você.
Visita? Eu não me lembrava de ter marcado nada para hoje, mas me
levantei rapidamente, ajeitando o roupão ao redor do corpo. Alice me
lançou um olhar compreensivo, e eu apenas assenti, seguindo para dentro da
mansão.
Caminho pelo piso de mármore até cruzar a soleira da sala de estar.
Meus olhos se fixaram na figura feminina que aguardava de pé, observando
cada detalhe ao redor. Havia algo dolorosamente familiar nela, e eu constato
ser apenas uma pessoa, Marise, minha tia.
Aproximei-me com passos firmes sobre o tapete preto.
— Tia? — Minha voz corta o silêncio da sala.
Marise se vira de repente, seus lábios se curvam em um sorriso frio,
pintados de vermelho intenso, uma cor chamativa.
— Vejo que está vivendo bem por aqui — diz ela, sem se preocupar
em me cumprimentar. Sua voz transborda sarcasmo, e o sorriso se alarga em
seu rosto. Ela varreu a sala com o olhar, como se estivesse avaliando o
espaço — Eu te avisei, não foi? Um dia você iria me agradecer por esse
casamento. Agora, olha para você: alguém importante.
Senti uma onda de irritação dentro de mim.
— Agradecer? — repliquei, tentando controlar o tom da minha voz,
e não me exaltar. — Não sei se é bem assim que eu me sinto.
Ela soltou uma risada baixa, quase desdenhosa.
— Você continua sendo uma insolente e ingrata, Isabella.
Suspirei, endireitando a postura e encarando-a com desdém.
— Eu já sei de tudo… Sei das mentiras que você e Antenor
contaram sobre minha mãe. Ela nunca foi uma mulher da vida que você
tanto se esforçou para me fazer acreditar, apenas para me humilhar. — jogo
a verdade no ar
Seus olhos não demonstram surpresa, mas divertimento.
— Você precisava de uma história triste, querida — diz ela, com um
tom debochado. — E nós a oferecemos. Sua mãe também não era uma
santa.
— Quem ela era de verdade? — pergunto, a irritação transparecendo
na minha voz.
— Você não disse que sabia de tudo? Então deve conhecer quem sua
mãe foi — ela dá de ombros, como se a resposta fosse óbvia.
— O que sei é que vocês me enganaram…
— Nós cuidamos de você. Oferecemos um lar, uma oportunidade de
ter uma vida boa. Olhe ao seu redor: você tem um sobrenome, conforto,
uma vida de rainha. Não deveria reclamar. Deveria ser grata a nós.
Meus punhos se fecham ao lado do corpo, mas respiro fundo e
mantenho a calma.
— Diga logo o que quer aqui. Nós duas sabemos que você não veio
para me ver.
A mulher avança alguns passos na minha direção.
— Você é uma garota esperta — diz, gesticulando com a mão,
deixando as garras pintadas de preto deslizar pelo vestido longo. —
Estamos com problemas. — Ela olha ao redor, certificando-se de que
ninguém está ouvindo. — Seu tio está afundado em dívidas. Perdeu uma
aposta; se não pagarmos, perderemos a casa. — Antenor é um viciado em
jogos, sempre apostando tudo o que tem e perdendo. Não é novidade. É por
causa dele que fui tratada como mercadoria, e forçada a um casamento,
então não devo ter misericórdia da situação em que o mesmo se meteu.
— O que eu tenho a ver com isso? — respondo, cruzando os braços
na frente do corpo.
— Agora você é alguém influente e com dinheiro. Pode ajudar seus
tios, que cuidaram de você. — sua voz me dá fisgas.
Um lado meu desejava acreditar que meus tios poderiam me
procurar porque se importavam, que queriam saber como eu estava. Mas
esse lado morreu no dia em que percebi que, para eles, eu era apenas um
fardo. Eles nunca tiveram filhos, mas eu também nunca fui tratada como
uma por eles. Não houve afeto, nem carinho.
— Infelizmente, não posso ajudar — murmuro de forma fria.
Seus olhos castanhos se enchem de fúria.
— Não seja ingrata, Isabella. Somos uma família.
— Eu pertenço à família do meu marido — digo, levantando o dedo
para mostrar a aliança reluzente. — Vocês não são e nunca foram minha
família. Me empurraram para um casamento apenas para se beneficiarem!
Você é uma oportunista descarada, e Antenor é um porco bêbado. Não sou
mais aquela garota tola e você não vai conseguir me dobrar.
— Você acha que é melhor do que nós? — sua voz transborda
indignação enquanto sua mão se ergue sobre mim, pronta para me atingir,
como tantas vezes ela já fez. Mas, antes que consiga, sua mão para no ar.
Meus olhos se movem rapidamente em direção à sombra atrás de
mim, e logo encontro os olhos do meu marido. Ele está de terno, o que
indica que acabou de voltar do trabalho. Não sei há quanto tempo ele estava
ali ou se ouviu toda a conversa, mas posso sentir a raiva pulsando em suas
íris verdes.
— Se ousar fazer isso de novo, você ficará sem as mãos — Ares diz,
apertando o pulso da mulher com tanta força que ela geme de dor, puxando
o braço.
— Perdão, senhor — minha tia responde, com a voz agora mansa.
— É que minha sobrinha…
Ares a interrompe com autoridade.
— Vá embora. — Com um movimento brusco, ele a solta, e ela se
afasta, ruborizada e assustada. — Não volte a perturbar minha mulher.
Quando a entregaram a mim, ela deixou de ser sua sobrinha; agora ela
pertence apenas a mim.
A expressão da minha tia empalidece, a cor desaparecendo de seu
rosto. Seus olhos se enchem de lágrimas, revelando sua vulnerabilidade.
Marise perde a voz e, com um movimento apressado, pega a bolsa sobre o
sofá. Ela dá as costas e sai da sala em silêncio, sem pronunciar mais uma
única palavra.
— Você está bem? — a voz masculina pergunta, noto que sua raiva
se transforma em uma preocupação genuína. Suas mãos buscam as minhas
em um contato.
— Estou — respondo, acenando com a cabeça para confirmar. —
Você chegou cedo… — murmuro, tentando desviar o olhar.
— Preciso conversar com meus irmãos — ele informa, a seriedade
voltando ao seu tom.
Sinto um impulso de questionar sobre sua ex-esposa, mas me
contenho; talvez seja melhor deixar isso para depois.
— Vou voltar para a piscina. Alice deve estar me esperando — digo,
buscando escapar da sua presença.
Ares estala a língua, colocando as mãos na cintura.
— Tome cuidado com essa aproximação com Alice. Ela não é quem
parece ser — ele avisa, um fio de desaprovação.
— Ela é sua irmã.
— Uma bastarda — ele desdenha.
— Eu também era, e nós casamos. Não entendo por que você está
implicando com sua própria irmã. — rebato.
— Não estou implicando. Pelo contrário, estou dizendo que as
pessoas não são o que aparentam, e você deve ficar atenta — ele insiste.
Balanço a cabeça, é giro nos calcanhares para voltar para a área de
lazer.
Ares
Caminho pelo escuro do corredor em direção ao porão. Há duas
entradas: uma pela casa e outra por um túnel discreto, que desemboca em
uma estrada de terra batida. É por esse caminho que os prisioneiros entram,
sem serem notados ou causarem alvoroço.
Assim que recebi a mensagem de Andreas informando que havia
capturado o homem de recado de Don Mário, vim imediatamente. Esse
homem se achava esperto o suficiente para circular pelo meu território sem
qualquer precaução, e agora pagaria caro por sua arrogância.
Sigo o som dos choques e gritos abafados que ecoam de uma das
salas. Ao entrar, me deparo com o homem pendurado pelas mãos, nu,
enrolado em fios elétricos que vibram com cada descarga. Meus irmãos já
se divertem com a tortura, Andreas observa atentamente, enquanto Adryel,
com um sorriso sádico, libera a corrente de choques. Quando notam minha
presença, interrompem o que estão fazendo.
Ele tenta cuspir uma resposta, mas o sangue que preenche sua boca
o impede.
— Você acha que vai sair daqui vivo se continuar com esse
joguinho? — provoco, apertando mais o queixo até sentir os ossos cederem
sob meus dedos. — Posso fazer isso durar a noite toda. Ou você fala agora,
e torna as coisas um pouco menos… dolorosas. — proponho.
Isabella.
— Mario… — ele começa, mas lhe falta voz. — Ele pretende casá-
la com outro.
Pressiono meu joelho contra seu peito, forçando-o a olhar para mim.
— E tudo que sei… — ele implora, sua voz quebrando aos poucos
Capítulo 30
Isabella
Visitar Mia era algo que eu ansiava fazer desde que voltei de
viagem. A pequena tinha me cativado de uma forma que eu não esperava,
um afeto silencioso que nasceu em nossos poucos encontros.
— Boa noite, Sierra. Seu marido está? — Ares indaga frio e sem
requinte de gentileza.
— Não é necessário. Vou até ele. O que tenho a tratar é... breve —
diz, com uma calma que beira a indiferença.
— Tudo o que faço é cuidar de Mia, desde que a mãe dela se foi.
— Você acha que sabe o que é melhor para ela? — questiona Sierra,
com uma ironia ácida. — Mia é minha responsabilidade. Você não tem o
direito de questionar como eu a educo.
Enquanto ela fala, passa a mão pela testa para afastar uma mecha de
cabelo que caiu sobre o rosto. É nesse movimento rápido que noto a marca
roxa em seu braço, parcialmente oculta pela manga. Sierra percebe meu
olhar e, num gesto quase brusco, ajusta a postura, tentando disfarçar.
— Por que você está aqui, tia Isa? Veio brigar com a minha tia de
novo? — Mia pergunta, sempre curiosa.
— Não, querida. Meu marido veio falar com seu tio, e eu aproveitei
para visitá-la. — respondo.
— Não quero brigar com sua tia, a menos que ela esteja lhe tratando
mal. — Acrescento. — Fiquei muito brava quando vi seu braço machucado
da última vez. Você é uma criança doce, Mia. Não merece ser maltratada.
Phelipo. Quem mais poderia ser? A princípio, pelo medo que Mia
parecia sentir da tia, pensei que ela fosse a culpada. Mas o silêncio de Mia
agora diz mais do que qualquer palavra.
— Quem fez aquilo com você mora aqui? — pergunto para ter uma
confirmação.
— Mia, eu posso fazer com que ele nunca mais toque em vocês.
Mas, para isso, preciso da sua ajuda. — tento novamente persuadi-la.
Ares
O escritório de Phelipo e modesto, quase claustrofóbico, e o fato de
estarmos sozinhos neste pequeno espaço só tornava mais irresistível a ideia
de envolver meus dedos ao redor de seu pescoço e apertar até seus olhos
saltarem. Uma imagem formidável, confesso.
— Precisa de ajuda com algo? Posso ser útil. — sua fala quase me
faz rir.
— Claro… você tem meu total apoio, Meu Don. Sabe que pode
contar comigo. Sempre pôde.
Ele apenas assente, com um sorriso falso, e sei que plantei o que
precisava.
— Claro.
Ele não faz ideia do quanto estou ansioso para separar sua cabeça do
corpo.
— Sim.
— O que você quer dizer com isso? — ela pergunta com seu tom
habitual de curiosidade.
Isabella
O vestido vermelho molda-se perfeitamente ao meu corpo,
acentuando minhas curvas. O tecido desliza suavemente sobre a minha pele,
deixando à mostra uma provocante fenda que sobe pela lateral da minha
coxa, revelando um vislumbre sedutor de pele. Meus lábios estão pintados
com um batom carmesim intenso, que contrasta de forma impecável com a
leveza da maquiagem nos meus olhos.
O vermelho não é apenas uma cor; é um símbolo. A cor do sangue,
pulsando com vida e violência. A cor do fogo, que consome e queima. A
cor do caos, desafiador e irresistível. Vermelho é a minha cor. Ela não
apenas combina comigo, ela se funde a mim.
— É um presente.
— Desculpe Don, mas o que uma mulher faz no meio de nós para
discutir assuntos sobre nossa máfia. — o homem sentado a duas cadeiras a
frente questiona. Percebo a tensão do corpo do meu marido quando ele solta
um suspiro pesado.
— Esse é o traidor que se esconde entre nós. — Sua voz ressoa pela
sala.
— Fiel? Você não consegue ser leal nem à sua própria esposa, que
divide a cama com você todas as noites. Por que seria com a nossa
organização? — Ares o provoca entre dentes.
— Isso é uma armação! Todos aqui sabem o quanto sou antigo nesta
organização! — sua voz falha, e ele se torna patético.
— Sei muito bem que você estava envolvido nos negócios sujos do
meu pai. Quando ele morreu, você temeu pelo seu destino, então decidiu
trair nossa organização, comendo pelas beiradas e se aliando ao inimigo. —
Ares declara.
Penso em Mia e Sierra que hoje estariam livres das mãos desse
homem.
A sala está vazia, o corpo foi arrastado por uma equipe chamada
“limpeza” todos os homens presentes nesta noite, saíram por essa sala
horrorizados, mas com avisos cravados em suas mentes, meus cunhados
também se retiraram a certa de 10 minutos, sobrou apenas eu ele e uma
garrafa de uísque.
— Por quê? Por que ele fazia isso com você? — Minha voz é
urgente, buscando uma explicação.
Seus olhos fulminam de raiva. Nós dois temos pais miseráveis, mas
o dele já passou pelos portões do inferno.
Continuo acariciando sua pele, até descansar minha cabeça em seu
peito. O som do seu coração batendo é como se fosse minha música
favorita. Suas mãos também acariciam meus cabelos, e, como sempre faz,
ele enfia o nariz entre meus fios vermelhos, inalando meu cheiro.
— Pegamos alguém que trabalha para seu pai. Ele confessou… foi
ele que confirmou a traição de Phelipo. Mas ele também disse algo mais:
seu pai quer saber informações sobre você — Ares faz uma pausa, escuto
seu coração acelerando ainda mais. — Ele planeja casar você com outro
homem.
Engulo em seco.
— Não, ninguém vai tirar você de mim — Ares afirma com uma
convicção que faz meu corpo estremecer em resposta.
Ele me defende.
Ele me protege.
— Sei que você não quer, mas eu preciso de um filho, Isabella. Esse
é meu único trunfo contra seu pai — ele diz, quebrando o momento. O
contato entre nós se dissolve imediatamente quando me levanto do seu
peito, ainda sentada em seu colo.
Eu não estou pronta para isso. Não consigo confiar nele a esse
ponto. Como posso saber que ele não usaria esse filho da mesma forma que
seu pai o usou?
— Você não precisa de um herdeiro para assumir o poder da La rosa
nera. Eu sou do sangue dele. Ao se casar comigo, você se torna o dono de
tudo o que é meu. Quando meu pai morrer, você governará tudo — insisto,
esperando que ele entenda, que desista dessa ideia.
E, eu não o entendo.
O álcool me fez corajosa, mas ainda não sei como colocar todo
aquele volume em minha boca. Ele é grande, e a ideia de engasgar me faz
hesitar por um segundo, mas logo deixo o desejo me dominar.
Com uma mão, continuo a tocá-lo, enquanto a outra desliza por seu
abdômen, saboreando cada contração. Me inclino para frente e deixo minha
língua brincar com a ponta rosada, sugando o pré-sêmen como se fosse um
néctar viciante.
Desço as calças dele até o chão, abrindo espaço entre suas pernas
para me acomodar perfeitamente. Busco seus olhos uma última vez antes de
abocanhar suas bolas, incerta se era o que ele queria, mas o gemido que ele
solta me assegura que estou no caminho certo.
— Olhos abertos — ele ordena, com uma voz grave. — Agora vou
foder sua boca, e quero ver você engolir cada gota da minha porra.
Ele puxa meu cabelo com firmeza, forçando-me a olhar para ele no
momento exato em que se liberta. Seu gozo invade minha boca, e eu sugo,
engolindo cada pulsação, cada gota.
Seus olhos estão dilatados, o peito nu subindo e descendo em
respirações rápidas e pesadas. Quando finalmente o tiro da boca, lambo
cada resquício, certificando-me de que nada foi desperdiçado.
Sua voz é uma ordem que mal consigo processar. Minhas pernas são
erguidas e abertas, com cada uma posicionada de lado, perto da minha
cabeça. A posição é desconfortável, me expondo de uma maneira que só ele
poderia querer. Minha intimidade reluz com minha excitação, inchada e
sensível. Se ele me pedisse para implorar por um orgasmo, eu faria sem
hesitar.
Seu rosto se afasta por um segundo, e antes que eu possa sentir sua
falta, um tapa atinge minha boceta.
Tenho pouco tempo para me recompor. Meu corpo ainda está mole,
mas ele me ergue com força, puxando meus cabelos, e me domina com
mais um beijo feroz. Suas mãos separam minhas pernas, e meus olhos
baixam no exato momento em que seu pau roça minha entrada. Envolvo
meus braços ao redor de seu pescoço, recostando-me em seu peito.
Nossas respirações se misturam. Com um único movimento, ele me
invade, deslizando facilmente dentro de mim, graças à minha excitação. As
primeiras estocadas são lentas, mas logo se tornam mais intensas. A mesa
range, balança sob o peso de nossos corpos.
Por um instante, meus olhos se desviam para o chão, onde vejo uma
grande mancha de sangue. Alguém morreu aqui, nesta mesma sala. E agora,
estamos profanando este lugar.
Sua boca desce para o meu seio, e ele morde com força, deixando os
dentes marcados na minha pele avermelhada. Em resposta, minhas unhas
arranham seu abdômen, minhas marcas se misturando com suas cicatrizes.
Sinto minhas paredes internas se contraírem ao redor dele. Minhas pernas
se enlaçam em sua cintura, trancando-o em mim, sem permitir que ele saia
ou mude de posição.
Isabella
Toco a campainha uma vez, passo os dedos pela blusa branca,
alisando o tecido, e seguro a caixa com firmeza entre as mãos. Estava
prestes a tocar novamente quando a porta se abriu, revelando uma mulher
de aparência gentil. Seu uniforme azul com detalhes em branco indicava
que era uma empregada.
— Bom dia — ela diz, ainda segurando a maçaneta. — Em que
posso ajudar?
Antes que pudesse terminar a frase, um grito surge atrás da mulher.
— Tia Isa! — A voz da pequena preencheu o ambiente,
simplesmente abro os braços para recebê-la. Abaixei-me e a envolvi num
abraço apertado, equilibrando a caixa em uma das mãos.
— Oi, querida — murmurei, beijando sua bochecha rosada. — Sua
tia está? — perguntei enquanto tirava alguns fios de cabelo do seu rosto.
A mulher continua na porta, observando a cena em silêncio.
— Sim! — respondeu à menina, com a inocência de quem ainda não
sabe sobre a morte do tio. Mas tudo bem, ela não precisa se preocupar com
isso. Ele já está no inferno, e nunca mais tocara nela. — Deixe-a entrar,
Elsa. — Mia diz, me puxando para dentro de sua casa.
A mulher ajeita seu o uniforme e sorri para mim. Aceno levemente
com a cabeça, seguindo Mia.
— Trouxe um pedaço de bolo para você, o seu favorito. — ofereci a
caixa, e seus olhos se iluminam com alegria. Ela solta um gritinho e pula de
felicidade.
— Obrigada! — Seus bracinhos envolveram minha cintura, e eu
aproveitei para acariciar seus cachinhos dourados.
Olhando para Mia, me pego pensando que, no fundo, eu até gostaria
de ser mãe… mas nas circunstâncias certas.
Um som de saltos nos interrompe, e, por sobre o ombro, vejo a tia
de Mia, Sierra, se aproximando. Estudo suas expressões: não há sinal de
tristeza, e me pergunto se ela já soube da morte do marido. Antes que ela
chegue mais perto, dispenso Mia com um sorriso.
— Vá comer seu bolo, querida. Preciso conversar com sua tia.
A menina acena e sai correndo, segurando a caixa com entusiasmo.
Sierra limpa a garganta e me encara. Sua maquiagem está
impecável, intocada, até posso dizer que consigo ver um brilho diferente no
seu rosto.
— Sente-se — ela gesticula para o sofá, mas recuso com um leve
movimento de cabeça.
— Estou bem, Sierra. — Dou uma olhada ao redor antes de voltar
minha atenção para ela. — Já soube o que aconteceu com seu marido? —
pergunto tentando não soar indelicada.
Ela cruza as mãos à frente do corpo, relaxada.
— Sim. — responde com uma calma perturbadora. — Se veio aqui
para me avisar sobre o que vai acontecer comigo também, estou preparada.
Sierra se deixa cair no sofá de couro preto.
— Não estou aqui para isso. — explico. — Vim para lhe oferecer
uma saída da Sicília. Você e Mia podem recomeçar a vida longe daqui.
Vejo uma faísca de surpresa em seus olhos.
— Por que você me ajudaria?
— Você também foi vítima do seu marido. Ele nunca foi um bom
homem para você, e tenho certeza de que sabe que ele te traia, levando
outras mulheres a eventos como se fossem troféus. Mia me contou o que ele
fazia com vocês. Não precisa ser forte comigo.
Seus olhos se arregalam, e agora ela não parece mais uma mulher
protegida por uma armadura, mas sim coberta de espinhos.
— Aquilo nos braços de Mia… não foi você, não é? Foi ele.
Já dentro do carro, com Enzo dirigindo para casa, ouço meu celular
vibrar na bolsa. Procuro o aparelho e, sem dar muita importância a quem
estava ligando, atendo.
Mesmo que Enzo tentasse pegar sua arma, não teríamos chances,
Nem sequer sabíamos quantos homens tinha dentro daqueles carros
— Não está feliz em ver seu pai, querida? — Sua voz provoca um
nó de náusea em meu estômago.
— Claro que sou, e você sabe disso. — Ele ri, erguendo os olhos
para Enzo, que escondia uma mão atrás das costas, tentando pegar uma
arma. — Diga a ele para não fazer nada, ou eu explodo os miolos dele. —
Ele acena para o atirador, que já tinha o cano praticamente encostado na
cabeça de Enzo.
Olho para Enzo, sinalizando para que ele não faça nada. Relutante,
ele deixa a arma cair no chão do carro.
— Procurei por você por tanto tempo. — meu pai murmura ao meu
lado. — Nunca imaginei que estivesse casada com meu inimigo. — Ele
desdenha.
Ele limpa a garganta, seus olhos passam pelo meu rosto, e minhas
entranhas queimam de raiva. O que ele queria de mim? Veio me sequestrar?
“Filha.” Cada vez que ele repete essa palavra, minha raiva cresce
ainda mais. Minha boca fica amarga.
Engulo em seco.
Olho para Enzo em busca de ajuda, mas ele continua preso no carro,
com uma arma apontada para a cabeça.
— Eu contei a ele que estava grávida. Ele mandou tirar o bebê, até
me deu dinheiro para ir embora. — Serena se faz de vítima, o tom dela
beira o fingimento.
— Nunca faria mal a minha própria filha. Não se preocupe, ela está
bem. Está conhecendo sua amante. — Don Mário debocha.
— Agora que sabe que está casada com um mentiroso, pode tirar
suas próprias conclusões. E quando perceber a verdade, estarei esperando
por você, filha. De braços abertos, porque seu lugar é ao meu lado. Sempre
foi.
— Hora de ir… — Ele avisa aos seus homens, e Serena segue com
ele para um dos carros. Mal vejo tudo desaparecer até que Enzo toca em
meu ombro.
— A senhora está bem? — Eu deveria ser a pessoa a perguntar isso
a ele, afinal, foi ele quem teve uma arma apontada para a cabeça.
Não sei quanto tempo os carros demoram para chegar, mas eu ainda
estava ali, parada no mesmo lugar. O vento balançava meu cabelo e
acariciava meu rosto, enquanto eu me sentia oca e vazia, traída e quebrada,
magoada e cheia de raiva.
Ares
Aqueles olhos bonitos, cor de avelã, que sempre tinham um brilho,
estavam apagados. Ela estava sentada no banco de trás enquanto eu dirigia,
e meu peito ardia. Eu queria gritar... Porra, eu não sabia o que o pai dela
havia dito, mas sabia que Serena não carregava um filho meu.
Ele veio para Sicília e assim que soube, pedi para que Enzo a
levasse para casa imediatamente, para que ela estivesse segura. Sabia que
ele tinha vindo atrás dela, mas era tarde, ele já estava a caminho. Se ele não
a levou quando teve a chance, é porque está planejando algo.
— Não foi sua culpa. Eu não previ isso — tento tranquilizá-lo. Ele é
um homem leal e sei que fez o melhor. — Está liberado, pode ir. — O
dispenso.
Ele vira o computador para nós, mas tudo o que vejo são números.
Não consigo me concentrar nisso quando tenho uma mulher furiosa lá em
cima.
Ter meu sogro em meu território tem suas vantagens. Aqui, ele não
poderá se esconder de mim como um rato; aqui, eu poderei caçá-lo, é isso
ativa meu gatilho.
— Tenho a lista de nomes que você pediu. — Uma boa notícia, pelo
menos.
Deixo meus irmãos no porão, e sigo para fazer uma visita. A algo
que eu tinha que resolver, fiquei extremamente curioso para entender como
Mario descobriu sobre a existência de Isabella tão rapidamente. Eu a
escondi por exatamente quatro anos e me certifiquei de que qualquer rastro
daquele acidente fosse apagado.
Para todos os efeitos, Isabella teria morrido com a mãe; foi isso que
fiz a polícia acreditar, e com uma boa quantia em suborno, o caso foi
esquecido. Isso me leva a crer que alguém entrou em contato com Mario
para avisar sobre a existência dela, e todas as pistas apontam para os tios de
Isabella.
— Você sabe por que estou aqui, não sabe? — pergunto, abaixando-
me um pouco, de forma que nossos olhos fiquem no mesmo nível.
— O que quero dizer, Antenor, é que estou ciente de que você pode
muito bem ter aberto a boca em troca de dinheiro.
— Ah, Antenor, você esqueceu que foi você quem entregou sua
própria sobrinha para pagar dívidas de jogo? Se um homem é capaz de fazer
isso, então dele se espera qualquer coisa. — falo com desdém.
— Não finja que vocês se importam com ela — retruco com um tom
de voz perigoso. — Ela esperou que fossem a visitar, e quando sua esposa
finalmente apareceu, foi para pedir dinheiro. Não vou aceitar que se
aproximem dela novamente. Isabella não merece tios como vocês. Isso
também inclui que não de informações sobre ela a ninguém. Você me
entendeu? — pergunto rudemente.
— Ótimo — digo.
Isabella
Minha cabeça dói, o sangue queima nas veias ao ponto de fazer
minha pele coçar. Sinto meu coração pequeno e apertado, e há um rastro de
lágrimas secas em meu rosto. Tento me distrair cuidando das flores, mas
não consigo afastar a imagem de Serena grávida. Seu sorriso vitorioso, a
mão acariciando a barriga por cima do vestido, e a palavra “amante”
ecoando na minha mente sem cessar.
— Alice, pode nos dar licença, por favor? — Ares pede à irmã.
— Não ouse me tocar. Não depois do que vi. — minha voz queima
ao sair da garganta.
— Se ela está grávida, o filho não é meu, não tenho contato com
aquela há muito tempo, Isabella. — ele nega prontamente.
— Você não é digno disso. Não é digno que eu olhe em seus olhos
— meus olhos baixam, encaro meus próprios pés. Todo aquele sentimento
de decepção voltou. Sinto meus olhos arderem, mas permaneço firme. —
Não era isso que você queria? Um filho? Agora poderá ter um
— A única mulher que vai carregar um filho meu será você — sem
aviso, sinto o puxão em meus cabelos. Sua postura inabalável se rende ao
lado selvagem, minha cabeça se apoia em seu peito, e minhas unhas
continuam cravadas na madeira.
Eu rio sem humor, um som amargo que escapa de meus lábios antes
que eu possa controlar.
— Se você mentiu sobre ela, pode ter mentido sobre todas as outras
coisas… sobre mim, sobre meu passado, sobre tudo — murmuro.
Ares
Não me dou ao trabalho de pegar um copo. Em vez disso, agarro a
garrafa inteira de uísque e começo a beber direto dela, sentindo o calor do
álcool queimar minha garganta.
— Podemos conversar?
— Você me julga tão mal, irmão. Eu não sou uma interesseira — ela
murmura, ofendida.
— Isso ainda é rancor pelo nosso pai? — sua pergunta traz à tona
lembranças que prefiro esquecer, mas que nunca ficam realmente
enterradas.
— Ele era um bom pai para mim! — a voz dela se eleva em defesa.
— Mas não foi para mim, nem para os meus irmãos. Você nunca
conheceu o verdadeiro Gutierrez, Alice. O homem que matou sua própria
filha logo após ela dar o primeiro suspiro. Esse era o Gutierrez. Um homem
que usava chicotes em seus filhos para moldá-los como armas, você não
conheceu esse homem.
— Você acha que conhece o legado que nosso pai deixou, mas tudo
o que você viu foi uma máscara — eu continuo. — Ele te deu privilégios, te
poupou do que era realmente ser um Montesi sob o comando dele. Mas nós
conhecemos o inferno que ele era.
— Não saber não muda nada. Não apaga o que ele fez. E não faz
com que eu confie em você. — digo. — se já terminou, melhor sair. — eu
aponto para a porta.
Vejo em seus olhos que ela sente vontade de rebater. Mas optar por
deixar meu escritório.
Capítulo 35
Isabella
Estamos os dois caídos sobre a cama, exaustos após tantos
orgasmos. A respiração ainda ofegante preenche o quarto silencioso,
enquanto nossos corpos permanecem colados. Sinto o calor reconfortante
do seu corpo, e meu peito se acalma com o som de seus batimentos.
Rolando para seus braços, fecho os olhos, permitindo que os últimos
resquícios de prazer dominem meu corpo.
Ele se inclina e sinto seu rosto sobre meus cabelos, inspirando
profundamente meu cheiro. Sua mão grande, pousa ao lado da minha
bochecha, e então ele se ergue sobre mim. Sua barba áspera roça contra a
pele dos meus seios, deixando uma sensação leve de ardor e despedida
antes de se afastar.
— Preciso trabalhar, por mais que ficar deitado com você seja muito
tentador. — diz, já de costas, caminhando em direção à suíte.
Permaneço deitada, meus olhos vagando pela bagunça do quarto,
fixando-se nos papéis que cortei e que agora cobrem o chão. Meu coração
se sente aliviado. Enrolo-me no lençol, tentando prolongar meus minutos na
cama, mas minha mente não coopera. Um pensamento surge, me enrolo no
lençol, coloco meus pés descalços no chão frio, praticamente tropeçando
enquanto caminho em direção ao banheiro.
Foi um pensamento tardio. Antes que eu pudesse alcançar a porta,
Ares a abre. Fico paralisada ao vê-lo. Ele está com uma toalha enrolada na
cintura, os cabelos ainda bagunçados, mas o que realmente prende minha
atenção é o que ele segura nas mãos.
Meu coração quase para ao reconhecer a cartela de comprimidos.
Meus anticoncepcionais. O segredo que mantive por tantos meses agora
está escancarado em suas mãos. Meu estômago se revira, o ar parece
escapar dos meus pulmões. Ares não é um homem fácil de enganar, e agora
seus olhos me atravessam, como se pudessem despedaçar minha alma
apenas com um olhar. Aqueles olhos que há minutos estavam cheios de
desejo e carinho agora são duros e frios, como gelo afiado.
Quero dizer algo, mas minha respiração falha, o ar parece cortar
minha garganta a cada tentativa de falar. Sinto um aperto no peito, e as
palavras simplesmente não saem. Vejo seus lábios se moverem, e o som de
sua voz soa como um trovão ameaçador.
— Então é por isso que você ainda não está grávida… — Sua voz é
elevada, um tom tão cheio de raiva que estremeço. Não consigo sequer
formular uma resposta diante de sua acusação. — Esse tempo todo,
fodemos como coelhos… — Ele faz uma pausa, e um sorriso cruel curva
seus lábios, o desprezo claro em seu rosto enquanto balança a cabeça. —
Onde você conseguiu essas porcarias? — Ele aperta a cartela de
comprimidos em sua mão, a raiva transborda de seus olhos. Ares dá um
passo em minha direção, e instintivamente recuo.
Seguro o lençol firmemente contra meu corpo, como se pudesse me
proteger de seu julgamento. Respiro fundo, tentando encontrar minha
própria voz.
— Não pode me culpar por querer me prevenir. Eu te disse inúmeras
vezes que não queria um filho. — Tento manter meu tom firme. Ares solta
um suspiro exasperado.
— Eu não me importo com o que você quer, essa escolha nunca foi
sua. — Sua voz é um rosnado, e ele dá mais um passo em minha direção.
Meu corpo recua, minhas costas quase tocando a parede fria atrás de mim.
— O corpo é meu, então, sim, essa escolha é minha. — Rebato de
cabeça erguida.
Vejo seu rosto se contorcer de raiva. Sua mandíbula se fecha, os
músculos se contraem, e seus olhos, agora me olham com algo que parece
ódio. Não consigo reagir quando ele pressiona seu corpo contra o meu. Ele
é maior, e a vantagem física é inegável. Seus dedos se fecham ao redor do
meu pescoço, e a pressão é imediata. Não há prazer desta vez, apenas a dor
que começa a crescer enquanto o ar se torna escasso.
— Sua maldita desgraçada… Este corpo deixou de pertencer a você
há muito tempo. — Sua voz é um sussurro rouco com uma raiva contida
que me faz tremer. Viro o rosto, tentando me soltar, mas seus dedos apertam
ainda mais meu queixo. Preciso puxar todo o ar que consigo reunir para
respirar. — Você não deveria ter feito isso. Não deveria ter me enganado
dessa forma… — o aperto se intensifica.
Esse não é o homem que há pouco tempo estava em meus braços. O
homem à minha frente é uma sombra, vazio e desprovido de qualquer
sentimento.
— A verdade é que eu não quero trazer um filho ao mundo apenas
para que ele se torne alguém como você… — murmuro quase sem voz —
Não quero que meu filho seja obrigado a liderar uma máfia ou que o pai o
molde para se tornar um monstro.
Os olhos de Ares se escurecem, e seu aperto se afrouxa, mas seu
corpo ainda está colado ao meu, suas mãos repousam de cada lado da minha
cabeça, eu busco ar, respirando mais rápido que consigo para me recuperar.
— Eu nunca faria meu filho passar pelo que passei… você não sabe
o que está falando — ele rosna.
O calor da sua respiração em meu rosto faz meu coração disparar.
— Quer que ele governe uma máfia, mas e se ele não quiser? Você o
punirá? Eu sei que sim, não me diga o contrário. E ele vai te odiar por isso.
— Esse é o destino dele. — Declara.
— Esse é o destino que você quer traçar para ele. — Rebato com
olhar firme.
Seu punho se fecha e bate contra a parede ao lado do meu rosto. Eu
permaneço parada, observando enquanto ele descarrega sua raiva. Não me
encolho, não sinto medo.
Ele me encara, e eu coloco minhas mãos suavemente em seu rosto,
colando nossas testas. Sinto a tensão em seus músculos aos poucos se
dissipar, suas mãos relaxam. Então, algo muda em seu olhar.
— Você quer me punir por isso, não é? Eu sei que quer. Então vá em
frente… me use, me faça pagar por te enganar. Desconte em mim cada gota
da sua frustração, sem piedade.
Ares ergue o queixo, sem desviar o olhar.
— Essa punição não será nada prazerosa para você, Isabella.
Solto uma risada amarga.
— Acha que estou com medo? — murmuro. — Mostre-me seu lado
perverso.
Num movimento rápido, ele me vira, pressionando-me contra a
parede, meu rosto é praticamente amassado pela sua mão, arrancando o
lençol do meu corpo com agressividade. A toalha que ele tinha na cintura
segue o mesmo caminho no chão, eu engulo em seco.
— Você queria ver meu lado sombrio, não é? — Sua voz é grave,
ameaçadora, e sinto um arrepio percorrer minha espinha. — Então não
espere gentileza.
Tento respirar fundo, mas ele me pressiona ainda mais, como se
quisesse esmagar qualquer vestígio de resistência que ainda carrego. Ares
desliza as mãos ao longo do meu corpo, com uma força que me faz ofegar.
— Isso é o que você merece por tentar me manipular — sussurra.
Mesmo sob o domínio dele, não me permito recuar. Meus dedos se
agarram à parede, enquanto minha voz sai pela minha garganta entre
cortada.
— Faça logo o que você quer fazer comigo! — o desafio.
— Eu vou engravidar você, e isso que vou fazer! — vocifera
impiedoso fazendo minha estrutura óssea tremer, um puxão no meu cabelo
faz meu couro cabeludo arder, eu fecho meus olhos, com o rosto ainda
pressionando contra a parede, e em um impulso ele entra duro dentro de
mim, eu me seguro na parede. Eu sequer posso me mexer debaixo dele,
apenas abro mais as pernas e recebê-lo.
— Isso é tudo que você tem? — provoco.
Ele envolve os fios do meu cabelo com mais força, e puxa meu
corpo para perto dele, ainda dentro de mim me inclina sobre o chão.
Meus joelhos se chocam na porcelana fria e rangem, ele mais parece
um lobo em cima na sua presa, a forma como suas mãos me apertam dói, e
me faz pulsar mais envolta do seu pau, ele me penetra fundo e duro, rápido
e sem pausa.
Meus cotovelos e joelhos se arrastam pelo chão a cada estocada que
ele dá, meus olhos começam a marejar, ele continua em cima de mim, duro
e áspero. Mas eu não peço para que ele pare, eu não impeço que ele me
castigue, eu me inclino mais sobre o chão e deixo que ele faça o que precisa
se isso for acalmá-lo.
Seu pau pulsa ao meu redor e ele aumenta os movimentos, Ares
solta um rosnado rouco quando goza, e eu estava mais uma vez cheia da sua
porra. E quando ele termina, ele me deixa no chão, destruída, quebrada,
magoada. Eu ainda fico lá quando ele toma banho, quando ele se veste para
trabalhar, e permaneço lá quando ele se abaixa e me segura pelo queixo, eu
queria sentir ele estava arrependido pelo que fez, mas ele não estavam.
Seus olhos tinham o mesmo tom frio de quando nós vimos a
primeira vez, aquela personificação do mal que vi quando tinha 16 anos, eu
estou vendo agora, parado diante de mim, não reconhecer o homem que eu
amo me corrói lentamente.
— você não vai mais tomar esses remédios, se eu descobrir que
você está tomando isso, não vai acabar bem. — ele reforça e se levanta
arrumando o terno.
Eu rio amarga, banhada em minha tristeza.
— Você não tem o mínimo respeito por mim, eu já disse que não
quero um filho, por que está fazendo isso comigo?
— Eu estava disposto a lhe dar tudo, mas você quis atrapalhar meus
planos. — sua voz se eleva. — sabe o quanto isso é importante para mim
Isabella, sabe que o motivo de tudo isso… — ele gesticula e vai até meus
livros, os que eu guardo em cima da cabeceira da cama, e arremessa todos
no chão depois os chuta. — foi para te agradar, para que você fizesse o seu
papel, mas do que adianta de encher de presente e promessas se você… não
faz porra do seu papel. — as veias do seu pescoço estão quase saltando. —
Você só tinha que me dar um filho.
— Você é um hipócrita egoísta! — digo, me levantando do chão,
ainda envolta no lençol. — Desde o momento em que me casei com você,
só fiz o meu papel, deitei nesta cama vezes incontáveis, permiti que me
usasse como uma vagabunda. Porque é exatamente assim que você me faz
sentir… uma puta suja, sem valor. Fiz tudo o que você pediu, obedeci cada
ordem, me submeti, mesmo após prometer a mim mesma que jamais me
renderia a homem algum! — minha voz se rompe em meio aos soluços.
Respiro fundo, tentando manter o controle, e dou um passo à frente. — Eu
até aceitei ser um peão no seu jogo… — aponto o dedo trêmulo contra o
peito dele, pressionando o tecido impecável da camisa branca. — Mas você
não quer um filho, quer apenas mais uma peça para manipular à sua
vontade.
Ele me olha com um misto de frieza.
— Você não tinha o direito de me tirar isso… — murmura com voz
rouca, mas controlada. Ele afasta o corpo, as mãos passando nervosamente
pelos cabelos ainda úmidos. — Eu esperei quatro anos… você não pode
simplesmente tirar um filho de mim, porra!
Solto uma risada amarga.
— Se quer tanto um filho, talvez devesse perguntar à Serena se o
dela precisa de um padrasto. — Minha voz transborda deboche, mas não
dou a ele tempo para retrucar. — Ah, é verdade… você quer um filho com
meu sangue, não é? — dou uma risadinha cruel, a língua estalando contra o
céu da boca.
— Não me provoque, Isabella — ele rosna.
Dou um passo à frente, sem recuar, meus olhos cravados nos dele.
— Ou vai me jogar no chão e terminar de me quebrar? — minhas
palavras acertam sua face, sem nem mesmo tocá-lo. — Pode tentar… mas
eu não tenho medo do que você pode fazer comigo. Nunca tive.
— Deveria. Você não faz ideia do que sou capaz — ele responde,
com um olhar que queima a minha pele. — Eu quero um herdeiro, Isabella,
e você vai me dar. Grave bem minhas palavras: você vai carregar meu filho
no seu ventre.
Ele avança para perto.
— Mais uma de suas promessas vazias? — rebato, desafiando-o
Ares se inclina sobre mim, roçando o nariz contra o meu.
Permaneço imóvel, mantendo o controle, sem dar o menor indício de
fraqueza.
— Pare de resistir. Você é minha esposa, foi criada para esse
momento. Deveria ceder.
Inspiro fundo, deixando que minha postura se erga ainda mais firme.
— E o que eu seria se me entregasse aos caprichos de um homem?
Seu capacho? Uma folha seca ao vento? — estreito o olhar. — Não há nada
que você possa dizer que me fará dobrar, eu não quero ter um filho seu, não
quero gerar uma cópia sua. — eu fixo meus olhos nos dele. — Olhe para
você… é vazio, oco por dentro. Não tem coração, nenhuma empatia.
Alguma vez sentiu algo que não fosse ódio, dor ou raiva?
Ele sorri, mostrando os dentes brancos e alinhados, mas há algo
sombrio em seus olhos.
— Esse é seu medo? Que nosso filho se torne alguém como eu? —
sinto sua respiração quente e acelerada contra meu rosto.
— Você nunca será um bom pai. — Lanço as palavras e o impacto
delas o destrói. Seus olhos perdem o foco, depois se enchem de uma fúria
que consome todo o seu rosto. Ele se afasta, incapaz de me enfrentar, e se
volta para a prateleira, derrubando tudo que encontra. Objetos caem, vidros
se quebram, espalhando pedaços por todos os cantos.
Ele está descontrolado, como uma fera fora de sua jaula, mas,
mesmo quando termina, ainda vejo a raiva pulsando dentro dele. Ele me
encara, os ombros largos e caídos, o peito subindo e descendo em
respirações pesadas.
— O que você quer de mim? — sua voz parece rasgar sua garganta.
— Me responda, Isabella… o que você quer de mim? O que mais preciso
fazer para você me dar o que eu quero?
— Eu não quero nada de você. Não pode me comprar, nenhum dos
seus presentes foi capaz de mudar isso. — Viro-me para deixar aquele caos
e ir para a suíte, então me lembro de algo e paro. — Quando eu disse que
você deveria ter escolhido outra, deveria ter me ouvido. Deveria ter se
casado com alguém disposta a dar o que você quer. — Enfatizo essas
últimas palavras, lançando-as sobre o ombro.
Capítulo 37
Ares
Encaro a silhueta desenhada sob a pouca luz do quarto, de frente
para a janela, enquanto o vento sopra o roupão de cetim e seus cabelos
sobre os ombros.
Sinto-me horrível pelo que fiz, e poucas vezes na vida me arrependi
de algo, mas eu não posso controlar a versão sombria dentro de mim. Eu
surtei quando vi os remédios. Ela tinha tanta certeza de que nunca ficaria
grávida, e mesmo agora, depois que estávamos tão próximos, íntimos,
dividindo segredos, ela ousou tirar isso de mim… Ela decidiu sozinha que
não teria um filho meu. E essa não era uma decisão apenas dela; não
dependia apenas dela.
O futuro de um filho meu está designado à máfia, é um trato de
sangue, feito no nascimento. Você é filho de um Don, vai crescer e se tornar
um. Nascemos para isso, servimos para isso. Mesmo que o peso sob os
ombros seja demais para suportar, você deve puxar as cordas e continuar.
Com meu filho não seria diferente: ele governaria. Meu sangue prevaleceria
e continuaria por mais gerações. Eu sou um manipulador, mas dessa vez foi
ela quem me manipulou com seus sorrisos e olhos. Isabella me fez acreditar
que não retaliaria minha decisão, mas agiu pelas minhas costas. E, mesmo
que parte de mim quisesse puni-la por uma vida inteira, a outra parte queria
pegá-la nos meus braços e dizer o quanto ela merecia minha devoção.
O barulho das janelas se fechando ecoa pelo quarto, o som agudo e
impactante. Observo-a, ainda de costas, desamarrar o roupão do corpo. O
tecido de cetim cai, revelando que ela está nua, sem nada, as costas e a
bunda cobertas de marcas.
O vermelho dos meus dedos continua presente na pele branca das
suas nádegas. Seu rosto se vira lentamente, mostrando ainda mais do seu
corpo exposto, e mais marcas aparecem: mordidas, arranhões, chupões. Eu
tinha fascínio por marcar seu corpo. Ela poderia me sentir na pele por um
dia inteiro, e era isso que eu queria.
— Se veio para me punir mais uma vez, aqui está meu corpo. Onde
devo me deitar? Na cama ou no chão? — Sua voz soa tão amarga, e sinto
uma bala no peito.
Eu a machuquei.
— Não vou tocar em você hoje — falo, segurando minhas próprias
mãos.
Isabella sorri amargamente, pega o roupão do chão e se enrola nele
novamente, com facilidade.
— Não pense que isso apaga o que fez — diz, apertando firmemente
o cetim na cintura. Mas meus olhos já gravaram cada pedaço do seu corpo;
eu sei o que ela esconde por baixo. — Eu posso amar você, mas há coisas
às quais não vou me submeter. — Vejo a fúria estampada em seu rosto
angelical
— Não use o vitimismo comigo, querida. Você foi uma mulher
cruel.
— Cruel? Cruel porque não quero ter um filho seu? — Sua voz
reverbera pelas quatro paredes do quarto. Eu queria sentir sua pele no toque
dos meus dedos, mas me contenho. Se eu me aproximar, agirei como um
animal depravado, e ela não merece mais isso.
— Cruel por tirar um filho de mim, cruel por mentir, cruel por me
fazer te punir. Você foi cruel como Lilith — digo, cerrando os punhos com
força.
Ela solta um sorriso sínico, e cruza os braços sobre o peito, seus
olhos cobertos de desdém.
— Sabe, Ares, eu pensei que você me visse como sua parceira,
alguém ao seu lado, mas parece que você só quer uma marionete que
cumpra o seu papel e carregue o seu sangue, sem questionar, sem pensar por
si mesma. — Ela balança a cabeça.
Engulo em seco, porque, em parte, sei que ela está certa.
— Isabella, você não entende — começo, mas ela ergue a mão,
interrompendo-me.
— Não, você é quem não entende. Não quero trazer ao mundo uma
criança que já nasceria condenada a um fardo que não pediu. — Sua voz
falha, e seus olhos se enchem de lágrimas.
— Você me julga um monstro, não é?
— Monstros têm redenção, e talvez você não tenha — ela retruca,
me atingindo mais uma vez. — Eu já me acostumei com seu lado sombrio,
com a sua outra face contorcida, mas não quero que meu filho passe por
isso.
Deixo um sorriso curvar meus lábios, era irônico.
— Eu não farei apenas um filho em você, farei muitos...
— Se fizer isso estará me forçando.
— Nem você se convence disso. Seu corpo já é meu, e ele não trai
seu dono.
Isabella balança os ombros, e limpa o próprio rosto.
— quando tudo isso acabar, quando você conseguir matar meu pai e
tomar seu lugar, eu tenho um único pedido a lhe fazer. — seus lábios se
pressionam um no outro.
— O que você quer? — pergunto incomodado com o fato de que ela
tenha um pedido que eu ainda não atendi.
Ela encara seus pés, as paredes do quarto e a cama, e só depois volta
a olhar para mim como se estivesse escolhendo uma verdade nua e crua
para atirar em meu peito.
— Eu quero que quando tudo isso acabar, você me deixe ir embora.
Esfrego meus olhos com as mãos, e balanço negativamente a
cabeça.
— Achei que já estivesse conformada com seu destino. — digo.
— E a minha decisão, quero ir embora, ficar longe de você. — cada
palavra que sua boca pronuncia quebra alguma coisa dentro de mim, já sou
um homem quebrado, mas ela faz os cacos virarem pó.
— estaria abandonado seu papel. — Não reconheço minha própria
voz quando sai da minha garganta.
— Eu estaria abandonado você. — responde tão cheia de si.
— Você não pode!
— Se tem algum resquício de empatia por mim, deveria me deixar
ir. Nós não pertencemos ao mesmo mundo. — A voz dela falha levemente,
mas seu olhar permanece no meu.
Dou uma risada baixa, inclinando a cabeça para trás enquanto tento
controlar o crescente nervosismo. Aquilo não podia ser sério, ela realmente
acreditava que poderia me deixar.
— Esqueça essa ideia absurda. Eu e você somos para sempre —
respondo com um sorriso frio. — Separação? Essa palavra não existe para
nós.
Vejo o rosto dela se contorcer.
— Em algum momento, essa sua obsessão doentia vai acabar.
Nenhum homem pode me querer como você… deseja. Isso é insano, é…
obsceno. — Ela rebate.
Sinto uma excitação fria subindo pela espinha. Umedeço os lábios,
esboçando um meio sorriso que sei que a desestabiliza.
— Obsceno? — murmuro. — Obsceno seria eu te deixar partir,
sabendo que pertencemos um ao outro.
Ela desvia o olhar, apertando os lábios.
— Fomos feitos para nos destruir, para consumir um ao outro até
não sobrar nada. — sua voz soa baixa. — Mas eu já estou quebrada demais,
Ares. Tantas vezes tentei me moldar aos seus pedaços, tentei me encaixar…
mas agora estou no meu limite. Não sobrou mais nada de mim para dar.
Amar você me casou, e tudo que me sobrou para me agarrar foi o ódio.
— Eu posso lidar com seu ódio. — eu suspiro com um aperto no
peito. — Eu posso lidar com qualquer coisa, menos que me deixe, isso está
fora de cogitação.
Isabella não se dá por vencida; seu olhar é voraz.
— Eu não estou presa em um castelo. Você não vai me manter aqui
— diz, com uma calma soberba. — E quando eu decidir ir embora, não vou
nem olhar para trás.
Ver ela falar assim me atinge como uma faca cravada no peito.
— Eu te encontraria e te traria de volta. — Dou uma passada longa e
estou diante dela, seu rosto roçando contra o meu, nada me impediria de
tomá-la aqui agora, exceto a raiva que sinto por ela, por querer me deixar.
— Eu queria nunca ter te conhecido, nunca ter me casado com você!
Eu te odeio! — sua voz se eleva, carregada de dor e raiva, enquanto sua
mão acerta meu peito com força, como se pudesse, de alguma forma,
arrancar o que sente.
Eu a abalo, vejo como seu peito sobe e desce tentando controlar uma
respiração fajuta, e seu lábios, ela os morde sem perceber, e suas pernas não
aparentar estar firmes.
Puxo seu queixo entre meus dedos, e inspiro seu perfume, uma
mistura de lavanda com shampoo de baunilha.
— Não minta para si mesma — sussurro de volta, meus dedos
apertando levemente seu queixo enquanto nossos rostos permanecem
próximos. — Você sente isso, não sente? Esse fogo que te consome, a
necessidade de ser dominada, de ser minha e apenas minha.
— Eu não quero ser nada seu, Ares. Não quando você acha que
pode me esmagar sob seus pés, não quando sua ganância por poder é mais
importante que eu. Não quero ser nada para você se isso significa aceitar
que você faça de mim uma boneca com uma corda para manipular e usar
para suas vontades.
— Você é uma mulher tão difícil de agradar, querida. — continuo
segurando seu queixo entre meus dedos. — Não vê tudo que faço por você?
Isabella consegue puxar o ar e exibe um sorriso provocante, seus
lábios carnudos se curvando para revelar os dentes brancos.
— Tudo que você faz por mim? Me colocou em um internato, me
privou de uma vida normal, me forçou a me casar com você, me enganou,
me usou, e agora quer me engravidar a todo custo, apenas para alimentar
seu ego, como se isso fosse prova de que pode ter tudo neste mundo. —
Seus olhos âmbar estão fixos nos meus, desafiadores. — Você pode ser um
Deus, um rei, pode conquistar tudo o que deseja, mas não poderá roubar de
mim o que resta da minha dignidade.
— Onde esteve a sua dignidade quando estava deitada sobre aquela
cama comigo por cima de você? — Ela estreita os olhos, e penso que ela
não vai rebater que vai se dar por vencida, mas Isabella nunca perde em
seus argumentos.
— Estava sendo iludida pelo homem que pensei conhecer. — Ela
vira o rosto parcialmente para o lado, se desvinculando do meu aperto. —
E, depois, foi quebrada por ele.
Respiro fundo e desvio o olhar para o chão.
— Chega de discutir. Hoje já foi um dia muito difícil.
— Aonde você vai? — Sorrio sem olhar para trás.
— Achei que quisesse ficar longe de mim. — Viro o pescoço em
sua direção, tentando captar suas expressões. — Eu preciso esvaziar a
cabeça; caso contrário, este quarto vai começar a parecer pequeno demais
para nós dois.
Ela não retruca, não me impede, não pede que eu fique, e não me
olha. Não tenho sua atenção, e a cada instante, sinto que talvez nunca mais
receba nada dela.
Meus pés seguem em direção à porta, e quando a atravesso, sinto
um peso nos ombros e uma angústia crescer no peito.
Deslizo a faca até meu abdômen, a lâmina fria roça contra a minha
pele antes de afundar. Puxo-a uma única vez, sem emitir qualquer som. Não
há dor física, nenhuma sensação além do metal, cortando a carne, mas
talvez eu preferisse que houvesse. Preferia a dor da lâmina rasgando meu
corpo, pois seria um alívio à maldita angústia no meu peito.
O sangue começa a escorrer lentamente, banhando as cicatrizes
antigas, e eu me ajoelho, Sinto-me derrotado pela primeira vez, e o mais
irônico é que nem sequer houve uma luta. Perdi sem que a guerra fosse
travada. Perdi tudo no momento em que decidi que era uma boa ideia casar-
me com a filha do meu inimigo.
Deveria ter previsto que me apaixonaria por ela? Talvez. Um bom
estrategista avalia todas as possibilidades, mas eu falhei. Agora, estou aqui,
lamentando a perda de minhas ambições. Ainda quero matar o pai dela,
ainda quero tomar tudo dele, quero ser um rei… mas quero ela acima de
tudo isso. Quero-a mais do que tudo isso.
Tento limpar o sangue em vão, mas ele continua escorrendo,
manchando minha camisa. Atravesso o corredor do quarto, alcançando a
maçaneta e girando-a com cuidado e tarde e não quero incomoda-la. Tento
não fazer barulho, apenas chegar ao banheiro, mas antes de dar mais um
passo, meus olhos encontram os dela, parada diante da janela. Será que me
esperou todo esse tempo, ou simplesmente não conseguiu dormir?
Abaixo a cabeça, tentando ignorá-la, e sigo para o banheiro. Quero
não olhar para trás, mas uma mão pequena repousa sobre meu ombro e me
faz parar. Ela está ali, diante de mim, tão delicada quanto um anjo
esculpido, com os olhos castanhos brilhando e os lábios levemente
franzidos em preocupação.
Quase não percebo quando seus dedos tocam minha ferida, mas,
nesse instante, sinto a dor — talvez não física, mas a dor da preocupação
dela, da afeição que não mereço. Imediatamente, retiro sua mão da ferida.
— O que aconteceu? — ela pergunta. Não deveria se importar, mas
ela se importa.
— Vá dormir — murmuro, afastando-me.
— Você está ferido, olhe para você, tem sangue nas suas roupas.
— Eu sei. — Respondo, balançando a cabeça. — Fui eu quem o
causei, agora vá dormir. — admito, minha soa um pouco rude.
— Você se machucou de propósito? — Ela ergue as sobrancelhas, o
rosto pálido adquirindo um tom rosado. — Por que fez isso? — Seus dedos
pequenos começam a desabotoar minha camisa, mas seguro seu pulso,
impedindo-a de continuar.
— Eu precisava de disso. — respondo, sem emoção.
— Poderia ter feito isso em mim, como sempre faz.
Ela está tão perto, e a dor nos olhos dela me fere mais
profundamente do que a lâmina jamais poderia.
— Eu disse que não tocaria em você hoje. — murmuro.
— E alguma vez você realmente conseguiu ficar sem me tocar?
Solto um suspiro pesado.
— Não me toque, eu não quero te machucar. — Tento afastá-la a
qualquer custo.
— Não precisa me proteger de si. — ela sussurra e sua mão puxa a
minha até o banheiro, me deixo ser guiado atrás dela.
Ela me para em frente ao espelho e começa a tirar minha camisa.
Em silêncio, abre a gaveta e retira o kit médico, cuidando do ferimento com
uma dedicação que me desarma. Eu queria dizer que não precisava, impedir
que ela cuidasse de mim, não queria me sentir tão patético diante dela. Mas,
naquele momento, eu necessitava de seu toque mais do que qualquer coisa.
Pela manhã, talvez tivéssemos outra discussão, mas agora, eu era apenas
um homem cuidado por sua esposa, e isso bastava.
Capítulo 38
Isabella
É cedo quando saio de casa com Alice. Ela me pediu para
acompanhá-la em algumas compras, e eu aceitei, foi uma forma de me
arrastar do quarto e do estado lastimável em que eu me encontrava, porque
fisicamente eu poderia parecer bem, sorrir nunca foi difícil, mas por dentro
eu tinha um turbilhão de sentimentos para controlar. Fomos escoltadas por
dois carros, e Enzo estava como nosso segurança dentro do shopping.
Sentada em uma poltrona, me sirvo de uma xícara de cappuccino enquanto
espero minha cunhada experimentar os vestidos.
— Que tal este? — sua voz soa com um timbre animado de dentro
da cabine do provador, enquanto exibe um bonito vestido azul com amarras.
— Ficou lindo, eu levaria — respondo com um sorriso, levando a
xícara à boca.
Alice retorna ao provador para experimentar o próximo vestido, e eu
continuo aguardando, distraída pelas pessoas que passam pela loja.
De repente, sinto meu celular vibrar dentro da bolsa. Imaginando
que possa ser meu marido, procuro-o para atender. No entanto, ao ver o
número desconhecido na tela, hesito.
— Oi — atendo, levando o aparelho ao lado do rosto um pouco
desconfiada.
— Querida — a voz do outro lado faz meu estômago revirar, o
gosto doce do cappuccino subitamente se torna amargo. Meu instinto é
desligar imediatamente, fingir que não ouvi aquela voz, mas ele parece
prever meus pensamentos. — Não desligue, por favor — ele pede, com um
tom que me deixa inquieta.
— O que você quer? — olho ao redor, verificando se estou sozinha.
— Quero ver você, minha filha.
— Já disse, não sou sua filha! — meu tom é seco, ressentido. —
Ares vai rastrear essa ligação e vai encontrar você.
— Ele pode tentar, mas com certeza só encontrará uma localização
fantasma — ele ironiza com desdém. — Pelo visto, ele deve ter sido
bastante convincente ao contar a história sobre como engravidou outra
mulher?
Sinto o sangue do meu corpo fervilhar e queimar minha pele.
— Aquele exame é falso. Serena não está grávida dele — justifico,
tentando manter a calma, mas do outro lado da linha ouço apenas uma
risada desdenhosa.
— isso foi suficiente para acreditar na fidelidade do seu marido,
minha filha?
— Está tentando envenenar minha mente contra ele. — retruco.
— Você está escolhendo um péssimo lado, minha filha. Eu sou seu
pai, seu sangue. Você me deve lealdade.
Engulo em seco, e meu coração acelera.
— Acha mesmo que serei leal a você? — minha voz falha
levemente, cheia de desprezo. — Você é um homem sem escrúpulos, um ser
desprezível e nojento.
— Novamente, sua cabeça está cheia de mentiras. — ele insiste,
mas suas palavras não me atingem mais da mesma forma quando me
confrontou no meio da estrada, estou convicta de que ele merece ser morto.
— Não me ligue mais, não me procure mais. — digo ríspida, com
um movimento firme, aperto o botão e deslizo a ligação.
Meus dedos tremem ao segurar o celular. A adrenalina percorre meu
corpo enquanto tento acalmar minha respiração. Olho ao redor e volto a me
recompor
Alice sai do provador alguns minutos depois com um novo vestido, ela
franze a testa quando me vê.
— Está tudo bem? — ela pergunta, aproximando-se, seus olhos
atentos ao meu.
Tento sorrir, forçando os lábios a se curvarem, mas sei que o sorriso
não alcança meus olhos.
— Sim, só um telefonema indesejado — murmuro, guardando o
celular na bolsa, tentando afastar o peso daquela conversa. — Ah, eu gostei
tanto desse — volto minha atenção para seu vestido, e o elogio mudando de
assunto.
Alice sorri, e dá uma voltinha com o vestido no seu corpo.
— eu levaria todos os vestidos dessa loja, mas seria egoísmo, não
tenho espaço na mala para tanta roupa. — ela dá de ombros. — Vou me
trocar, pagar a conta e podemos ir almoçar, o que acha?
— É uma ótima ideia.
Quando Alice termina, saímos da loja, e Enzo nos acompanha em
silêncio, mantendo uma distância discreta. Vamos em direção à praça de
alimentação, onde Alice escolhe uma mesa perto das janelas grandes que
dão vista para avenida movimentada de carros.
Após chegar na mansão, optei descansar um pouco. Não sei se foi a
comida, mas algo me causou um mal-estar estranho. Normalmente, quando
me sinto tonta, é devido à pressão baixa, mas tenho me alimentado bem,
então não vejo motivo para minhas pernas estarem tão fracas e meu
estômago dolorido. Pensei que, após dormir um pouco, eu melhoraria, mas
ainda sinto meu corpo pesado e cansado. Resolvi tomar um banho de água
fria, na esperança de revigorar um pouco minhas energias.
Após o banho, fui até a janela e vi o carro de Ares chegando. Decidi
ir ao seu escritório. A porta estava entreaberta, então entrei sem bater. Ele
acabara de chegar e estava tirando o terno. Suas costas largas se viraram
quase de imediato para mim, e pude ver sua camisa social azul marcada por
uma mancha escura — sangue, eu identifiquei. Apesar do curativo que fiz
mais cedo, não pareceu ser o suficiente para parar o sangue. Ainda me custa
acreditar que ele foi capaz de se ferir intencionalmente, apenas para se
sentir melhor.
Fechei a porta atrás de mim e dei alguns passos em sua direção.
Quando estávamos próximos o suficiente para que eu ouvisse sua
respiração, coloquei minha mão sobre os botões da sua camisa para
desabotoá-los.
— Não precisa fazer isso. Já passei por coisas muito piores… — ele
me interrompeu, com voz rouca.
Imagino que sim. Provavelmente seu corpo já travou muitas
batalhas e pode até estar adormecido para a dor, mas isso não tranquiliza
meu coração idiota.
Empurrei levemente seu peito com uma das mãos e continuei
desabotoando a camisa.
— Esse é um dos meus papéis como esposa, e enquanto eu estiver
aqui, devo continuar os fazendo. — disse, como se tentasse convencer a nós
dois de que meu gesto não tinha nada a ver com o fato de que eu o amava, e
que o ver ferido me feria igualmente. — Você tem um kit médico aqui? Se
não tiver, posso buscar no quarto…
Ares apontou para uma gaveta em resposta. Afastei-me um pouco e
me abaixei para alcançá-la. Encontrei o kit e peguei tudo de que precisava
para fazer um novo curativo. Me viro para ele novamente o encontrando em
sua poltrona. Para ficar numa posição mais confortável e alcançar o
ferimento, acabei me sentando em seu colo.
— Saiu com Alice? — ele pergunta, puxando assunto. Já sabia a
resposta, mas parecia querer manter uma conversa comigo.
— Sim. — Respondi com simplicidade, enquanto trocava o
curativo. Ele não demonstra sentir dor alguma. Após terminar, levantei-me
de seu colo e ajeitei minhas roupas, colocando as mãos à frente do corpo.
Ele permaneceu sentado, com a camisa aberta, e eu contive a
vontade de continuar o tocando, eu não deveria sentir nada por ele, mais
ainda sim meu corpo me traia, fraquejava por querer consertar um homem
que não pode ser consertado.
— Bom… — limpei a garganta e o encarei. — Meu pai me ligou
hoje.
Imediatamente, a expressão dele se altera. Sua mandíbula trava, e
seu rosto se enche de raiva. A simples menção ao meu pai parecia dobrá-lo
de fúria.
— Ele disse que queria me ver — continuei.
— O que você disse? — Ares pergunta rapidamente, seus olhos
verdes fixam em mim procurando uma resposta.
— Para não me ligar novamente. — Respondo. — Se quiser posso
pegar meu celular e você manda Andreas rastrear de onde veio. — ofereço,
o que mais quero e que tudo isso acabe logo.
— Ele me ligou algumas vezes para fazer ameaças. Mas, é perda de
tempo tentar rastrear essas ligações, não chega a lugar nenhum — Ares
responde, ainda visivelmente irritado. — Ele ainda deve estar na cidade, se
quer te ver… talvez você devesse ir vê-lo.
Arregalei os olhos, surpresa.
— Você quer que eu vá vê-lo? — Cruzo meus braços sobre o corpo.
Seus olhos abandonam os meus por curto segundo.
— Não exatamente. — Meu cérebro sugeriu automaticamente o que
Ares estava tentando dizer.
— Planeja fazer uma armadilha para ele? — questiono, tentando ler
a expressão em seu rosto. Ares ergueu os olhos para mim novamente, e
pude ver o brilho frio em seu olhar. Ele sorriu de ladino.
— Exatamente. — confirma com um aceno de cabeça. — Se ele
quer tanto um encontro, podemos proporcionar isso a ele. Mas do meu jeito.
Suspiro pensativa.
— E se ele descobrir que é uma armadilha? Ele não seria idiota de
correr riscos. — contesto.
Ares se levantou da poltrona, pegando a camisa aberta pelos ombros
e a puxando lentamente para tirá-la por completo.
— Se ele perceber, lidaremos com isso. Estamos no nosso território,
temos a maior vantagem de todas. — ele afirma, mas não me deixo ser
completamente convencida.
— O que vai fazer se o pegar? — não sinto ressentimento pelo que
vai acontecer ao meu pai, por mais cruel que seja seu destino, ele procurou
por isso.
— Matá-lo, e você sabe disso.
Minha garganta fica seca
— Eu sei, e não vou me opor. Afinal, depois que meu pai morrer,
você terá tudo o que almejou. — murmuro.
Ele se aproxima em seus passos firmes e decididos até que seu
corpo esteja a poucos centímetros do meu. Meu olhar desce
involuntariamente para o peito dele, admirando seu abdômen, e quando
finalmente levanto meus olhos para seu rosto, sua expressão é sombria.
— Nem tudo — ele sussurra roucamente. — Você ainda não me deu
um filho.
Meu coração dispara, batendo rápido demais para que eu o
acompanhasse. Engoli em seco, tentando de forma inútil esconder o quanto
o assunto me afeta.
— Você deveria encontrar outro jeito de fazer herdeiros. —
respondo com um tom frio e afiado.
Ele deu um passo à frente, mas perto, sua presença preenchendo
todo o espaço entre nós. Seus olhos desenhando as curvas do meu corpo.
— Não tem outro jeito, E essa também é uma de suas obrigações. —
Meu corpo estremece sob a força de suas palavras. — Parou de tomar os
remédios, certo? — pergunta ao arquear uma sobrancelha.
Encarei-o, levantando o queixo num ato de ironia.
— Você os jogou fora, ou já esqueceu? — rebato amarga, sinto o
nervosismo apertar meu peito.
Ele sorriu de forma lenta e doentia, seus dedos subindo para tocar
meu queixo. O toque é leve, mas seu controle sobre mim é claro.
— Sei que você é esperta. Onde conseguiu aqueles, pode conseguir
mais — ele diz, a pressão em meu queixo aumenta o suficiente para me
lembrar de ele esta me tocando, mas não o suficiente para me causar dor. —
Mas saiba de uma coisa, Isabella, se eu descobrir que você continua
tomando esses remédios, posso acabar com essa união ‘agradável’ entre
nós. Eu te amarraria em uma cama e te foderia todos os dias até que você
estivesse cheia de mim… até que estivesse grávida. — ele solta uma
ameaça velada.
— Você seria tão misericordioso assim? — pergunto com um sorriso
frio, mordo meu lábio inferior levemente em uma provocação.
— Não há nada de misericordioso em estragar você, mas poderia
ser… divertido — ele murmura, seus lábios roçando os meus, mas sem se
entregarem ao beijo. — Não me teste, Isabella. Você só viu uma pequena
amostra do meu pior lado. Eu posso ser perverso o suficiente para te levar à
loucura.
— Me pressionar não vai adiantar. Acha que vou ceder às ameaças?
Se quiser algo de mim, vai ter que ser à força. E, pelo que já vimos, não
seria um problema para você me debruçar no chão e me tomar como um
animal, seria? — ele rosna contra meu pescoço, seu nariz roça minha
clavícula e preciso ter muito autocontrole para me manter com os pés no
chão.
Minha garganta seca, e uma onda de calor sobe pelo meu corpo. Era
errado. Eu sabia que era errado, mas, contra toda a razão, o desejo rastejava
por mim, e eu estava excitada.
Ele se aproxima ainda mais, até que nossas testas se toquem, nossos
narizes roçam um no outro, e a proximidade fez o ar entre nós, quase
desaparecer.
— É um pouco contraditório, não acha? — ele debocha, um sorriso
cruel dançando em seus lábios. — Me acusa desse jeito, mas é você quem
está molhada e louca para me ter entre suas pernas.
Meu rosto arde de vergonha, e dou um passo para trás
instintivamente, tentando fugir de sua presença. Mas antes que eu consiga
me afastar, seu braço envolve minha cintura com força, possessiva, e me
puxa de volta. Meu corpo se choca contra o dele, e minha mão acaba
repousando sobre o curativo recém-feito em seu peito, como se buscasse
um ponto de equilíbrio.
— Estou ficando cansado da sua rebeldia.
Minhas pernas, traidoras, se esfregam uma na outra, o atrito
delicioso me arrancando um gemido involuntário. Estou prestes a me perder
novamente. Eu sei que ceder a ele é uma traição, mais uma traição contra
mim mesma.
Sua mão desliza lentamente pela minha coxa, traçando um caminho
perigoso, subindo duas vezes antes de se enfiar por baixo da minha saia. Ele
está a prestes a expor o que tento esconder. Fecho os olhos, fazendo uma
súplica silenciosa, mas quando os abro, sinto tudo ao meu redor girar. Uma
tontura súbita me invade, e aperto seu braço em busca de apoio.
Ares, como se soubesse o que estava por vir, me pega no colo com
firmeza. Minhas pálpebras piscam algumas vezes, e seu rosto começa a se
desvanecer diante de mim, como se fosse a única coisa sólida que restava
no mundo. Meu corpo se transforma em algo mole e inerte, e, antes de tudo
escurecer, ainda ouço sua voz distante, chamando meu nome. Então, o
silêncio toma conta.
Capítulo 39
Ares
Seu rosto está pálido, e com ela em meus braços, atravesso o
corredor até o quarto.
— O que houve? — Alice pergunta atrás de mim. Não faço ideia de
onde ela surgiu, mas isso pouco importa agora.
— Ela desmaiou — respondo de forma seca e curta. Ouço os passos
dela logo atrás de mim, apressados. — Vocês passaram o dia juntas. Sabe se
ela se alimentou direito? — pergunto, sem desviar o olhar do corpo mole de
Isabella nos meus braços.
— Sim, almoçamos no shopping — Alice responde, apressando-se
para abrir a porta do quarto à minha frente.
Depósito Isabella delicadamente sobre à cama.
— Vou chamar um médico para examiná-la — digo, já pegando o
celular, mas Alice franze a testa, me olhando como se eu tivesse dito a coisa
mais absurda.
— Eu sou médica, Ares. Esqueceu disso? — ela diz, com um toque
de sarcasmo, mas sem perder a seriedade.
— Você não exerce sua profissão há bastante tempo. — retruco,
irritado. Não gosto da ideia de confiar nela.
Alice apenas dá de ombros, ignorando meu comentário, e começa a
verificar a pulsação de Isabella.
— Ela costuma desmaiar quando a pressão cai — comento, tentando
entender o que está acontecendo.
Alice se levanta da cama e vai até o banheiro, retornando com uma
toalha embebida em algo que não reconheço de imediato. Quando ela se
inclina para colocar a toalha no nariz de Isabella, algo em mim desperta, e
meu instinto assume o controle. Seguro seu pulso firme.
— O que você está fazendo? — questiono com um olhar duro.
— Ares, pelo amor de Deus! — ela resmunga, puxando o braço para
se soltar. — Isso é álcool, só estou tentando acordá-la.
Alice volta a aproximar a toalha embebida em álcool do rosto de
Isabella, enquanto eu fico ali, sem tirar os olhos dela, observando cada
movimento.
— Ela está reagindo — Alice comenta. A testa da minha esposa se
franze levemente.
Os cílios de Isabella tremulam. Então, lentamente, seus olhos
começam a se abrir. Sua respiração se torna mais regular, e eu solto um
suspiro aliviado. Seu olhar é confuso, ela leva as mãos à cabeça afastando
os cabelos, e se senta na cama.
— Você está bem? — me aproximo, preocupado, e toco seu rosto
suavemente.
— Foi só uma queda de pressão. — ela responde meio zonza.
— Pode até ser que foi só a pressão, mas desmaiar assim não é
normal, Isabella. — Alice diz. — Talvez você esteja sobrecarregada. Acho
melhor descansar um pouco. — Seu tom é gentil, mas não consegue me
passar confiança.
Ela caminha em direção à porta, pronta para sair, mas antes de
cruzá-la, se vira uma última vez.
— Se ela precisar de alguma coisa, é só me chamar. Ou, se preferir,
chama um médico, Ares. — Sua voz tem um toque de ironia que me
incomoda.
Faço um gesto afirmativo em resposta, deixando claro que entendi, e
então volto minha atenção para Isabella.
— Tem certeza de que está bem? Talvez fosse melhor fazer alguns
exames. — Examino o rosto da minha esposa, aliviado ao ver que a cor
começa a voltar à sua pele.
— Não tem necessidade. — ela insiste. — Eu estou bem. — sua voz
me dizia algo, mas a expressão no seu rosto era contraditória.
Respiro fundo, me levantando da cama. Só então percebo que
continuo sem camisa. Caminho até o closet para pegar uma, enquanto ela
permanece na cama. Visto-me rapidamente e volto para o quarto.
— Vou sair por algumas horas — aviso, sem rodeios. — Se precisar
de algo, é só ligar. Eu volto.
Ela solta um suspiro irritado.
— Não precisa fingir que se preocupa comigo.
É impressionante a sua petulância.
— Acha que estou fingindo me importar com você?
Ela revira os olhos, com um sorriso amargo nos lábios.
— Talvez se importe, sim, mas sabemos bem o porquê. Afinal, meu
corpo precisa estar saudável… para gerar seu filho.
As palavras dela, cheias de desgosto, me atingem como uma onda
fria.
— Você precisa parar de enxergar isso como um fardo.
— Como quer que eu enxergue tudo isso? Como se fosse parte de
algum sonho perfeito que eu compartilho com você?
— Cada vez que me trata como se eu tivesse forçado você, só
dificulta ainda mais.
— Mas não é exatamente isso que está fazendo? Me forçando a ter
um filho com você. — ela vocifera.
Solto um suspiro pesado, passando a mão pela têmpora.
— Talvez, se me desse o que eu quero, eu considerasse deixar você
ir — murmuro, medindo as palavras.
Ela ergue a voz em um tom afiado, a incredulidade estampada em
seu rosto.
— Está sugerindo que eu tenha um filho e depois o abandone com
você?
Em um movimento rápido, ela se levanta da cama e se aproxima de
mim, os olhos faiscando com raiva.
— Se é tão insuportável para você me dar um filho e continuar ao
meu lado, talvez essa seja mesmo a melhor solução.
Antes que eu tenha tempo de reagir, sua mão pequena se choca
contra meu rosto em um estalo seco. O impacto é rápido, mas o ardor fica.
Um sorriso escapa, quase involuntário, enquanto levo a mão ao rosto,
absorvendo a sensação.
— Eu nunca abandonaria um filho com você, entendeu? — ela grita.
Eu realmente deveria esperar outra reação dela? Não, claro que não.
— Você é formidável — Sorrio, incapaz de evitar.
Acabei de levar o primeiro tapa da minha vida e aqui estou, sorrindo
como um idiota.
— Tudo isso é sobre o que você quer, sobre o que é importante para
você, sobre sua ganância, sobre a porra do seu ego. Você já não tem poder
suficiente?
— É melhor você se deitar. — digo, tentando envolver sua cintura
para levá-la de volta à cama. — Você precisa descansar.
— Já disse que estou bem! — Ela se desvencilha do meu toque.
Respiro fundo, mantendo o meu tom firme.
— Apenas descanse, Isabella. Esse assunto já está encerrado. Não
quero mais discutir — digo. — Você vai gerar meu filho, quer você queira
ou não.
— Sabe o que é mais irônico? — ela diz com um rancor contido. —
Você quer tanto esse filho, que está disposto a esmagar tudo o que resta de
mim para consegui-lo.
Ela se afasta, indo até a janela e abraçando a si mesma, como se
estivesse tentando se proteger do que quer que restasse entre nós. Eu estava
a destruindo e eu sabia disso, sei que em minha ânsia por mais um pouco de
poder, eu estou a perdendo aos poucos, colocando barreiras entre nós dois.
Mas por que é tão difícil para ela me dar um filho? Para mim, não parece
um sacrifício tão grande…
Fico parado, observando-a de costas.
— Tudo o que eu queria era que não tivéssemos que estar em lados
opostos.
Dou um passo em direção à porta, para deixar o quarto, sem olhar
para trás.
—
Andreas havia finalmente conseguido rastrear uma transação de Don
Mário. Dessa vez, ele usou um laranja, para negociar. Eram outras crianças,
um grupo que, conforme nossos contatos indicaram, estava destinado a
algum comprador fora de nosso território. Ainda assim, não pretendíamos
permitir que esse caminhão escapasse.
Para interceptá-lo, posicionamos um dos nossos como infiltrado.
Sua missão é simples, desviar a rota do caminhão e direcioná-lo até o ponto
onde nossa equipe já estava preparada, para realizar o resgate.
Enquanto isso, eu esperava no orfanato, o lugar planejado para ser o
novo lar daquelas crianças. O local era modesto, um abrigo temporário ou
permanente. Algumas das primeiras crianças resgatadas haviam tido a sorte
de reencontrar suas famílias, mas muitas não puderam ser reunidas aos seus
lares: ou porque suas famílias jamais foram encontradas ou porque, essas
crianças recusaram-se a voltar, preferindo o abrigo do orfanato.
Um longo momento se passa depois que recebi uma mensagem de
Adryel confirmando que havia conseguido e estavam a caminho.
Quando o caminhão estacionou e as portas foram abertas, tive a
mesma sensação da primeira vez. As crianças estavam em um estado
deplorável. Muitas estavam sem roupas adequadas, outras com marcas
visíveis de negligência.
O cheiro de sujeira e fome impregnava o ar. Elas pareciam pequenos
animais apavorados, amontoados no baú do caminhão, os olhos arregalados
de medo e desconfiança. Mas, dessa vez, eu trouxe alguém que poderia
ajudá-las a se acalmar.
— Alec venha cá. — chamei, e o garoto apareceu logo atrás de
mim. Ele era uma visão completamente diferente do menino desnutrido que
resgatei meses atrás. Agora, sua pele tinha um tom saudável, seus cabelos
estavam bem penteados, e suas roupas limpas, impecáveis. Apesar disso,
Alec ainda era distante, frio como gelo. Falava pouco, e se mantinha
reservado. Convencê-lo a ajudar não foi fácil, ele só aceitou após eu insistir
que aquelas crianças precisavam de ajuda, assim como ele precisou um dia.
O garoto deu alguns passos à frente, seus olhos percorrendo o grupo
assustado de crianças.
— Eles não são pessoas ruins, vão ajudar vocês. — Sua voz é calma
e paciente. — Eu também fui sequestrado, e eles me ajudaram. —
continuou.
Uma das crianças, uma menina magra com o cabelo desgrenhado,
deu um pequeno passo à frente, ainda desconfiada. Ela segurava o braço de
um garoto menor, que tremia, provavelmente seu irmão mais novo. Alec
notou o movimento e fez um gesto leve com a cabeça, encorajando-os.
Eu já havia visto muita coisa, muita crueldade, mas isso… sempre
atingia um ponto sensível para mim. Resgatá-las não aliviava meus
pecados, eu continuo sendo um homem ruim, e perverso, e eu estava ciente
disso.
Alec continuava falando com os pequenos, e, finalmente, os mais
tímidos e assustados começaram a sair da traseira do caminhão.
Adryel se aproxima, observando a cena ao meu lado, com os braços
cruzados.
— O que vai fazer com elas?
Olho para ele por um momento, considerando as opções. Não havia
muitas. Elas precisariam de cuidados médicos, de comida, de um lugar
seguro, e, acima de tudo, de tempo. Tempo para superar o que passaram.
— Primeiro, vamos alimentá-los e cuidar de seus ferimentos.
Precisamos de médicos aqui. — respondi, passando a mão pelos cabelos —
Depois, veremos o que pode ser feito. Algumas vão voltar para suas
famílias, outras… bem, podem viver aqui como as outras.
Meu irmão assentiu, sem discutir.
Depois que todas as crianças estavam sendo cuidadas, eu saí para o
lado de fora, sentindo a necessidade de esfriar a cabeça. Fumar um cigarro
era um hábito que eu costumava recorrer quando estava nervoso.
Peguei um cigarro entre os dedos e o levei aos lábios, procurando o
isqueiro no bolso. Acendi com um clique rápido e dei uma tragada
profunda, o gosto amargo do tabaco acalma temporariamente meus
pensamentos agitados.
Ao longe, vi uma sombra embaixo de uma árvore. Mesmo na
penumbra, o cabelo e a postura rígida me deixaram saber de imediato que
era Alec. Caminhei na direção dele, com passos lentos, sem querer invadir
seu espaço de maneira abrupta.
— Porque não voltou para a sua família? — pergunto em tom baixo.
Ele sabia que eu estava ali, sua sombra se movia levemente no chão, mas
ele não se virou. Ficou imóvel, como se ponderasse a resposta ou decidisse
se queria falar.
Sua voz surgiu, disfarçada de indiferença.
— Não tenho família. Quando fui sequestrado eu morava na rua, E
sinceramente, aqui é bem melhor do que dormir em um pedaço de papelão.
Afastei o cigarro dos lábios, soprando a fumaça com calma,
enquanto digeria o que ele havia dito.
— Sabia para onde seriam levados? — Tento sondar, esperando que
ele possa ter alguma informação.
— Eles não falavam muito na nossa frente. Mas o que você acha
que fariam sequestrando crianças? Com certeza não seria nada de bom. —
Ele fala, dando de ombros. — Mas você já deve saber disso, não é? Afinal,
está à frente de tudo agora. — Alec é esperto demais para sua idade, algo
raro.
— Sei… Mas é melhor você não saber. — Concluo, encerrando o
assunto antes que ele vá mais fundo.
— Já ouvi bastante sobre o que acontece com crianças sequestradas.
— Sua sinceridade me pega de surpresa, como se já estivesse acostumado a
esse tipo de realidade.
— Tudo o que você ouviu é verdade, e pode até ser pior. —
Respondo.
Alec fica em silêncio por um momento, seu olhar vagando pelo
horizonte.
— Você vai pegar essas pessoas, não vai?
Eu suspiro, sentindo o peso da pergunta. Ele quer acreditar que
alguém pode trazer justiça a tudo isso.
— Eu não sou um herói, Alec. Só porque salvei vocês, não significa
que eu seja uma boa pessoa. — Minha confissão sai mais dura do que
pretendia, mas era a verdade.
— Eu sei. Só os homens maus conseguem fazer o que precisa ser
feito. — Ele responde com uma sabedoria crua.
Me pergunto, naquele instante, quanto da inocência dele foi
sacrificada para sobreviver nesse mundo.
Capítulo 40
Isabella
— Então esse é o plano? Forjar um encontro e pegá-lo? Não sei,
parece fácil demais. — Adryel resmunga, afundado em uma das poltronas.
Estávamos no porão. Eu precisava fazer uma ligação para meu pai e
marcar um encontro com ele. Tinha que demonstrar arrependimento,
mostrar que estava do lado dele e disposta a cooperar. Eu seria capaz de
fazer isso, não seria? Passei boa parte da vida sendo a garota obediente, me
reprimindo em tudo. Talvez eu conseguisse me sair bem nessa encenação.
— Eu sei, mas é uma boa oportunidade. Pense que ele estará no
nosso território, temos a vantagem. Mário sai raramente de seus
esconderijos, ele é mestre em se ocultar. Não teremos outra chance tão boa
assim. — Ares explica aos irmãos.
— Concordo, mas precisamos elaborar um plano sólido.
Obviamente, ele vai escolher um local que lhe dê alguma vantagem sobre
nós. — Andreas comenta. Ele era a mente estrategista do grupo, sempre
calculando os movimentos. Apesar de não gostar de violência, sua astúcia
era mortal.
— Agora é com você, Isabella. — Ares dirigiu-se a mim, sentado
à ponta da mesa. — Sabe o que precisa fazer, certo?
Assenti em silêncio, esticando a mão em direção ao celular sobre a
mesa. O aparelho estava tão frio quanto meus dedos.
Soltei um suspiro profundo e rolei a tela até encontrar o número
desconhecido. Havia uma pequena chance de que a ligação não fosse
atendida, mas decidi tentar. Olhei para os três homens na sala e apertei o
botão de chamar.
Foram necessários alguns toques até que uma voz grotesca surgisse
do outro lado.
— Querida? — A maneira como ele tentava me bajular era
repulsiva. Fiquei muda, incapaz de dizer qualquer coisa. Tudo que havia
ensaiado simplesmente desapareceu da minha mente.
Limpei a garganta, trocando um olhar com Ares, buscando algum
tipo de apoio.
— Oi, pai. — Chamá-lo de “pai” parecia uma humilhação, mas era
necessário. Eu precisava ser convincente. — Eu… eu preciso falar com
você. Eu errei. — Minha garganta se aperta. Ares fez um sinal, levando o
dedo aos lábios para que todos fizessem silêncio enquanto eu respirava. —
Meu marido não é quem eu pensei que fosse… — As palavras saíram com
dificuldade.
Do outro lado da linha, o silêncio se prolongou, como se ele
estivesse refletindo sobre o que eu acabara de dizer.
— O que ele fez para você mudar de ideia? Até pouco tempo, você o
defendia. Deveria desconfiar agora, não? — A pergunta me fez respirar
fundo, mas até isso havia sido ensaiado.
Mantive o controle do meu coração acelerado e continuei.
— Não posso falar por muito tempo, ou ele vai perceber. Mas posso
te contar tudo pessoalmente. — Digo em um sussurro, como se estivesse
realmente me escondendo.
Aprendi que uma mentira não basta ser contada, ela precisa ser
encenada. Então comecei a fingir um choro que nem eu sabia ser capaz de
produzir.
— Você vai voltar comigo para a La rosa nera? — Meu coração
gelou. Vi Ares ao meu lado esboçar um momento de raiva, mas o acalmei
com um olhar.
— Vou. — Respondi com firmeza.
— Fico feliz que esteja escolhendo o lado certo, minha filha. —
Engoli em seco. — Você consegue sair de casa?
— Sim. — respondo de imediato.
— Vou te passar um endereço, mas não anote. Apenas memorize,
vamos nos encontrar amanhã.
Tudo estava saindo como planejado.
— Ok — Respondo.
Nos segundos seguintes, anotei o endereço exatamente como ele
pediu para não fazer. Encerramos a ligação às pressas, como se alguém
estivesse prestes a chegar e eu precisasse desligar.
Entreguei o pedaço de papel a Ares. Minha parte estava feita.
— Acha que ele acreditou? — Adryel foi o primeiro a se pronunciar.
— Nossa cunhada é uma ótima atriz. — Andreas elogiou. — Agora,
posso elaborar um bom plano.
— Isabella conseguiu fazê-lo acreditar que está desesperada. Ele
gosta de se sentir no controle, de pensar que a filha finalmente se deu conta
de quem realmente precisa. — Ares deu um leve sorriso sarcástico.
Meu marido se aproxima, seus olhos verdes fixos nos meus. Pela
primeira vez, sinto que estou sendo útil da forma que ele sempre quis: como
uma arma contra meu pai. E aqui estou, traindo meu próprio sangue para
entregar o poder a ele.
Umedeço os lábios, tentando mudar de assunto.
— Vocês fizeram um resgate ontem? — pergunto, antes de chegar
eu ouvi eles falando sobre o assunto, e fiquei curiosa.
— Sim. — Andreas responde.
— Eram… — minha língua está presa. — Criança?
Ares balança a cabeça em resposta positivamente. Eu engulo em
seco.
— Essa organização que sequestra crianças não está ligada apenas
ao seu pai. Ele parece ser apenas um peão. Embora as crianças sejam
levadas para o território dele, há mais pessoas envolvidas, pessoas da alta
sociedade. — Ares diz.
Franzo a testa. “Pessoas da alta sociedade” significa gente com
poder e dinheiro.
— Temos uma lista de suspeitos. Estamos investigando. — Andreas
explica.
— Enquanto isso, mais crianças são raptadas… — murmuro,
sentindo um nó no estômago.
— Infelizmente, não temos controle sobre isso. Salvamos vidas
ontem, mas eles continuam operando. Pelo que sabemos, essas atrocidades
acontecem desde o tempo do nosso pai. — Andreas continua. — Mas só
recentemente conseguimos descobrir.
Meu coração aperta.
— Vocês precisam acabar com isso. — atraio a atenção deles para
mim.
— Não somos mocinhos, Isabella. Nossas almas estão tão
condenadas quanto as deles. — Ares retruca com um tom frio.
— Sei que vocês não são bons homens, mais do que ninguém eu sei
disso. Mas, já que estão envolvidos, por que não continuar? — Olho para
cada um deles. — Vocês vão simplesmente matar meu pai e deixar o resto
impune?
Eles trocam olhares silenciosos, como se eu estivesse propondo algo
impensável.
— O plano sempre foi esse. — Ares responde, com a mesma
expressão inexpressiva. — O que aconteceu para chegarmos aqui foi um
contratempo. Mesmo que consigamos encontrar todos os culpados, seria
arriscado sair por aí eliminando governadores e presidentes. Não sabemos
quem está envolvido, Isabella.
— Mas vão descobrir. Não finja que você segue regras, porque você
não segue. — Minha voz se eleva, e só então percebo que estou o
confrontando na frente dos irmãos. — Você pode matar quem quiser. —
Minhas mãos batem contra a mesa em um gesto frustrado.
Vejo um sorriso surgir nos lábios do meu marido enquanto ele cruza
os braços. Andreas e Adryel me olham como se eu tivesse perdido a cabeça.
— Não é tão simples quanto parece. — Ares responde, com a calma
que só ele consegue manter.
— Ele tem razão, Bel. Matar pessoas do nosso meio é uma coisa,
mas pessoas da alta sociedade são outra história. Há investigações,
manchetes nos jornais. Não podemos arriscar envolver a máfia nisso. —
Andreas defende o irmão.
— Vocês falam como se já não comprassem a polícia, o governo…
como se já não tivessem o mundo nas mãos. Vocês podem fazer qualquer
coisa, apenas não querem se envolver. — Retruco, irritada. — Essa causa
não é de vocês, claro, não são seus filhos sendo raptados. Mas e se fossem?
Não estou pedindo que sejam heróis e salvem o mundo, só que acabem com
esse ciclo de merda.
— Eu concordo com ela. — Adryel se manifesta ao meu favor.
— Claro que concorda. Qualquer coisa que envolva matar, você
apoia, idiota. — Andreas reprime o irmão, e Adryel apenas revira os olhos,
dando de ombros.
— Primeiro, pegamos seu pai. Depois decidimos o que fazer com os
nomes que temos. — Ares declara, encerrando a discussão.
—
A porta range ao ser fechada, e tudo fica imerso em escuridão. Um
grito baixo e suplicante ecoa no ambiente, pedindo ajuda. Fico
momentaneamente confusa, mas, quando as luzes se acendem, a cena se
revela com clareza, um homem está amarrado a uma cadeira, com sangue
escorrendo pelo rosto e corpo. Seus olhos estão inchados, quase saltando
das órbitas, e parte de suas orelhas e dedos foi arrancada. Meu estômago
ameaça se revirar, mas me esforço para me manter firme. Preciso ser forte.
O cheiro pútrido enche o ambiente, mas tento ignorá-lo, focando apenas no
que devo fazer.
— Escolha uma arma. — A voz masculina atrás de mim soa
vibrante, autoritária e fria, fazendo meu corpo reagir de imediato.
Evito olhar para frente e arrasto os pés até a grande parede onde as
armas estão dispostas. Há várias opções, mas meus dedos deslizam por elas
até se fixarem em um revólver com cabo de madeira e uma roleta para as
balas.
A adaga que ganhei antes sempre me pareceu eficiente, mas, desta
vez, quero algo mais letal à distância. Ares tem me treinado desde aquele
dia na floresta. Eu poderia ter acertado um alvo por sorte ou por teimosia,
mas agora a situação é diferente. Não estou mirando em um coelho ou em
um alvo pintado de vermelho. Estou prestes a atirar em um homem — ou
no que restou dele.
— Posso escolher essa? — pergunto, olhando por cima do ombro e
apontando para o revólver.
Ares faz um leve aceno de cabeça. Pego a arma e a entrego a ele,
que a recarrega antes de me devolver.
— Quem ele é? — questiono, mesmo sabendo que a identidade da
minha vítima não mudará o resultado.
— Ele estava transportando as primeiras crianças que encontramos.
O outro morreu no primeiro dia, mas esse serviu como brinquedo para
Adryel. Como você pode ver, ele é um tanto psicopata.
— Ele mutila corpos, você arranca cabeças. Vocês são muito
diferentes. — corrigi com sarcasmo.
Volto meus olhos para o homem amarrado à minha frente, seu corpo
ensanguentado e desfigurado.
— Não precisa fazer isso se não quiser. Sua mira já é boa sem
precisar matar. — Ares diz.
— Já matei um homem com minhas mãos. Usar uma arma não torna
isso mais difícil, Ares. E, de qualquer forma, isso parece mais real do que
aqueles bonecos horríveis em que você me faz treinar. — Respondo ríspida.
Ele ri suavemente e dá um passo para ficar ao meu lado. Mirar na
cabeça deformada daquele homem é horrível, ainda mais com seus olhos
saltados, fixos em mim. Sua respiração é fraca, irregular, cada vez que seu
peito sobe e desce. Ele quase não tem forças para falar, a voz arranhando
sua garganta enquanto implora por clemência. Quantas vidas ele já
destruiu? Imaginar o número é aterrador, e é isso que penso antes de
levantar a arma e mirar em sua testa.
Ares se posiciona atrás de mim, ajustando levemente o revólver em
minhas mãos. Seu toque é firme, mas, ao mesmo tempo oferece algum tipo
de apoio silencioso. Respiro profundamente e aperto o gatilho. Nada
acontece. Apenas o som seco de um clique ecoa pelo porão.
— Só havia uma bala. — Ares explica com um sorriso cruel.
Ele queria prolongar o sofrimento da vítima, amplificando sua
agonia antes do golpe final. Tento mais uma vez, e novamente nada. O suor
escorre pela minha testa, mas não por nervosismo. O cheiro de carne em
decomposição está fazendo meu estômago embrulhar.
Na terceira tentativa, ainda não há cheiro de pólvora.
— Só mais uma vez. — A voz soa atrás de mim como a própria
morte.
Puxo todo o ar que consigo dos pulmões e aperto o gatilho
novamente. Desta vez, o tiro finalmente sai. Vejo em câmera lenta a bala
atravessando o ar até atingir o homem. Seu corpo se sacode com o impacto,
mas as cordas que o prendem impedem que ele desmorone
A sensação de ter gostado daquilo me fazia questionar se eu
realmente era, como Ares dizia, uma mulher cruel, uma Lilith, um demônio
que se alimentava do caos. Quando matei pela primeira vez, senti como se
algo sombrio e ancestral dentro de mim finalmente encontrasse sustento,
saciando a fome da minha alma. E agora, ao fazer isso pela segunda vez, a
satisfação que me invade é ainda mais intensa, quase como se eu estivesse
preenchendo uma parte de mim que nunca soube existir.
— Ele está morto. — As palavras escapam dos meus lábios de
forma automática, como se estivesse falando de algo trivial, uma tarefa
completada com sucesso.
— Está. — Ares confirma, com um tom que mistura aprovação e
admiração. — Foi um bom tiro.
Ele elogia, e eu sorrio.
Deixo o porão incapaz de suportar o cheiro por mais tempo. Subo as
escadas quase correndo, tropeçando nos próprios pés. No banheiro, me
debruço sobre a privada e vomito com tanta força que parece que estou
queimando por dentro. Meu estômago dói a cada espasmo, e me sinto
miserável e nojenta.
Quando finalmente me recupero, escoro-me na parede e fico parada
por alguns minutos.
Queria saber o que aconteceu comigo mesma, com a garota que eu
era há meses atrás, me questiono quando me transformei nessa pessoa, que
agora vejo no reflexo. Estou destruída, isso é claro para mim, uma versão
de mim mesma remendada às pressas, com os cacos colados de qualquer
jeito, mal encaixados. E, apesar de tudo, não sinto falta da garota que eu
era.
Capítulo 41
Isabella
No banho, com o barulho da água abafando os sons ao redor, penso
ter ouvido um ruído na porta do quarto. Talvez seja só minha imaginação, já
que o som da água não me deixa escutar claramente. Ignoro meus instintos
e continuo o banho, tentando racionalizar. A única pessoa que entraria no
quarto seria Ares, mas ele saiu para encontrar meu pai hoje pela manhã,
então não fazia sentido.
Após terminar, procuro algo para vestir no closet. Escolho um
vestido com amarras nos ombros, me visto e vou até a varanda do quarto,
onde começo a ler um de meus novos livros, um tempo depois vejo um
carro entrando pelos portões. Um alívio involuntário me invade. Saio do
quarto em direção às escadas da sala.
A porta da frente se abre com um estrondo bruto. Meu corpo
imediatamente percebe que algo está errado. O sorriso de alívio desaparece
do meu rosto assim que vejo Ares entrar. Seu rosto carrega uma expressão
que conheço bem, fria e impiedosa. Antes que eu consiga dizer qualquer
coisa, ele avança com passos rápidos e, sem aviso, agarra meu cabelo com
força, curvando minha cabeça de dor.
— Sua maldita traidora. — As palavras dele cortam o ar, atingindo-
me como um golpe.
— Do que você está falando? — pergunto, forçando-me a manter o
olhar nele, tentando decifrar o motivo por trás de tanta agressividade.
— Você me traiu. — A afirmação sai em um rosnado, os dentes
cerrados, como se as palavras fossem difíceis de conter.
— Não seja louco, me solte. Não faço a menor ideia do que você
está falando. — protesto, mas a resposta apenas parece alimentar sua fúria.
Ele me solta com uma brusquidão que me faz cambalear, e é preciso
buscar equilíbrio para não cair. Meu couro cabeludo arde onde ele segurou,
e uma leve tontura me toma.
— Você avisou a ele que eu iria!
Engulo em seco e encaro o verde intenso de seus olhos, procurando
uma faísca de razão, uma explicação, mas só encontro o reflexo da sua
raiva.
— Você está agindo como um louco, eu sequer sei do que está
falando! — esbravejo, batendo meus pés no chão de porcelana, tentando
afirmar minha própria indignação.
Ele ri, mas é um riso amargo, cheio de desprezo, e a frieza em sua
expressão deixa claro que seu lado mais sombrio assumiu o controle. Sem
dar qualquer explicação, Ares agarra meu braço e começa a me arrastar para
as escadas, ignorando meus protestos.
— Para de me puxar! — tento soltar meu braço, mas seu aperto é
firme, intransigente.
— Cale a boca! — ele explode com uma violência que me faz
encolher, mesmo contra minha vontade.
Quando chegamos ao quarto que dividimos, ele me empurra para
dentro e me joga na cama com um descaso que me tira o fôlego.
— Onde está o seu celular? — Ele exige, abruptamente, os olhos
percorrendo o quarto como se pudessem encontrar o que procura pelo puro
desejo. — Onde porra? — A voz dele descontrolada faz cada célula do meu
corpo estremecer.
A raiva distorce suas feições, as veias do pescoço pulsando, os olhos
perfurando os meus.
— Na cômoda. — Minha voz sai num sussurro, tudo que consigo
dizer.
Ele se move em um instante, avançando como uma fera, agarrando o
celular. Sem perder tempo, desbloqueia o aparelho e começa a mexer
freneticamente, seus dedos deslizam pela tela com precisão.
— Falou com o seu pai hoje? — A pergunta vem com um tom
gélido, mas carregado de expectativa, como se já soubesse a resposta.
— Não. — nego, ajeitando-me melhor na cama, para manter a
postura firme. — A última vez que falei com ele, você estava presente.
Ares para de mexer no celular, e, por um momento, tudo no quarto
parece congelar. Sua mandíbula se contrai, os olhos escurecem como uma
tempestade escura, tudo fica em silêncio, e o peso desse silêncio é opressor,
me congelando por dentro.
— Você é uma desgraçada mentirosa, Isabella! — ouço seu
grunhido ameaçador.
Ele exibe a tela do celular para mim. Meus olhos piscam algumas
vezes, o choque me atingindo em ondas, enquanto tento processar o que
vejo ali, buscando uma explicação para todas aquelas mensagens. Aquele
era o meu celular, mas aquelas mensagens não eram minhas, eu não havia
mandando aquilo.
— Eu… — Minha voz falha ao sair, ardendo pela garganta. — Ares,
eu não mandei essas mensagens. — Levanto-me da cama.
Ele avança, encurtando a distância entre nós, tão próximo que
consigo sentir seu cheiro.
— Como pude ser tão tolo a ponto de acreditar que você realmente
ficaria ao meu lado? Como consegui ser cegado por esses olhos que agora
vejo como traiçoeiros? — Ele inclina o rosto sobre o meu, a respiração
quente batendo em meu rosto. — Você me apunhalou pelas costas!
— Eu não o trai. Não contei a ele seu plano, nunca faria isso.—
Tento manter a calma, mas minha voz está tremendo,
Ele ri, mas é um riso amargo, sem alegria, e as veias em seu pescoço
pulsam com a intensidade da sua raiva.
— Nunca faria? E essas mensagens? O que mais você esconde de
mim Isabella? — Meu coração acelera diante de sua acusação.
— Você precisa acreditar em mim! — insisto.
— Como posso acreditar em você, quando as provas estão bem na
minha frente? — Ele ergue o celular, o visor brilhando com as mensagens
que eu nunca enviei.
— Alguém pode ter acessado o meu celular, Hackeado, não sei…
Eu não mandei essas mensagens.
— Pare de me mentir! — Ares grita, seus olhos se fechando
rapidamente, como se estivesse tentando controlar sua raiva. — Enzo está
morto por sua culpa.
As palavras dele me atingem, e um vazio profundo se instala em
meu peito. Abro a boca para protestar, mas nenhum som sai; meu corpo fica
petrificado, sem reação.
— Você está brincando, não está? — pergunto, incrédula.
— Como consegue ser tão falsa? — Ares me observa com desprezo,
sua mão segura meu rosto entre os dedos. O aperto é forte, mas não chega a
ser doloroso. Sinto o chão sumir sob meus pés, meu coração dispara e
minha garganta seca.
— Você é filha dele, e tem sangue daquele merda… em algum
momento isso iria acontecer… você iria me mostrar sua verdadeira face. —
ele ri ironicamente e pressiona com mais força meu rosto.
— Eu já disse que não fiz nada! — grito de volta.
— Não abra mais essa boca! — ele rosna.
Sua expressão endurece novamente, e ele me joga de volta na cama
com força. Eu caio, ofegante, com a garganta em chamas, tentando
recuperar o fôlego.
— Há quanto tempo você anda passando informações para ele? —
eu o encaro um pouco tonta.
— Porque eu deveria responder. — digo, entre suspiros pesados. —
Você já decidiu no que quer acreditar, então o que a minha palavra valeria
para você?
Eu sinto tudo dentro de mim se desmontando, caindo aos pedaços.
Eu sei que meu marido ainda está diante de mim, mesmo que agora não
consiga reconhecê-lo. Não adianta o que eu fale, o que eu tente argumentar
ou provar, ele está cego de raiva.
Espero pela sua resposta, mas ela não vem, Sua mão passa pelos
cabelos negros e ele larga um suspiro, com alguns passos Ares deixa o
quarto, a porta se fecha com um estrondo, ele me deixa sozinha, sufocada
pelas acusações e pelo vazio que ele deixou para trás, mas o que me
surpreende é o barulho da chave da porta sendo trancada, eu imediatamente
bato meus punhos contra a madeira, mas eu não ouço nada do outro lado,
exceto o som de passos de sapato se afastando aos poucos.
Ares
Horas antes
Todos estavam em seus devidos lugares, cada movimento
meticulosamente planejado. Mário havia escolhido um ponto com pouca
movimentação, mas isso não nos dava garantias. Precisávamos ser rápidos e
precisos, ainda mais com dois atiradores posicionados estrategicamente e
soldados disfarçados rondando o perímetro. Eu aguardava no local
combinado. Foi quando meu celular vibrou.
— Olá, querido genro — a voz zombeteira me fez congelar no lugar.
Meus punhos se fecham instantaneamente. — Desculpe não poder
comparecer ao nosso encontro. Minha filha me avisou que você viria no
lugar dela, mas deixei uma lembrancinha no seu carro.
O sangue ferve nas minhas veias.
— Que merda você fez, seu desgraçado? — exijo, mas ele apenas ri,
um riso debochado, antes de encerrar a ligação.
Corro até meus irmãos, que estavam um pouco distantes.
— Tem alguma coisa no meu carro! — Soltei as palavras com
urgência.
Adryel, vira-se para mim.
— Como assim?
— Don Mário me ligou. Ele sabia que nós viríamos. — eu respondo.
— ele colocou alguma coisa no meu carro.
— Merda! — Andreas murmura tombando a cabeça para trás em
frustração. — Será que tem uma bomba no seu carro? — meu irmão faz
uma suposição.
Deslizo os dedos pela tela do meu celular até encontrar o número de
Enzo. Ele atendeu no primeiro toque, sempre atento, sempre leal, como um
bom soldado.
— Afaste-se do carro! — grito, emitindo uma ordem firme. — Pode
haver uma bomba aí!
Enzo solta um suspiro.
— Eu vou verificar — responde com um tom tão calmo que parece
não entender a gravidade da situação.
— Não quero que você verifique nada! Apenas saia do carro, isso é
uma ordem! — falo, com impaciência.
Um minuto se passa e eu ainda não ouço nada do outro lado da
linha.
— Está me ouvindo, Enzo? SAIA DA PORRA DO CARRO! —
reforço com urgência.
— Está embaixo do carro, chefe. — ele informa, sua voz ainda
incrivelmente despreocupada.
— Quanto tempo? — pergunto.
— Dois minutos — sua resposta é rápida.
Dois minutos? Não daria para fazer nada, além de assistir.
— Saia de perto desse veículo agora! Eu não vou repetir! — ordeno,
tentando manter a calma, mas a urgência me trai.
— Tem outros carros aqui, tem civis… — ele responde.
A raiva e o desespero começam a me tomar aos poucos.
— Grite para eles saírem daí, inferno! — ordeno.
— Elas não teriam tempo — ele responde com um suspiro tranquilo.
— Eu vou tirar o carro daqui.
Ouço o som do motor do carro rugindo.
— O que você vai fazer? — pergunto, já conhecendo a resposta,
mas me recusando a aceitá-la.
O celular fica em silêncio. Ele desligou.
Corro o mais rápido que posso, mas parece que minhas pernas não
conseguiam ir mais depressa.
Então, eu ouço o som da explosão. Enzo acelerou o carro, jogando-o
da ponte antes que pudesse explodir por completo. O veículo explodiu no
ar, uma bola de fogo e metal retorcido, e quando caiu na água, foi engolido,
afundando com tudo.
Fiquei paralisado sem reação. Enzo tinha se sacrificado. Ele sabia
que não havia outra opção, sabia que, se ficasse, mais pessoas iriam morrer.
E, tomou a decisão que eu nunca teria coragem de ordenar a ele.
Senti uma onda de culpa me invadir. Aquela armadilha era para
mim, aquele destino era meu.
Adryel se aproxima sem fôlego, também deve ter corrido para
chegar até aqui, sua expressão não é melhor que a minha, choque e raiva se
misturam, Andreas veio logo seu rosto está pálido.
— Ele sabia — eu murmuro ainda encarando o local onde o carro
havia desaparecido. — Mário sabia de tudo. — Passo a mão pela testa
impaciente, fui criado para que sentimentos não me afetassem, mas era
impossível evitar querer sangue em minhas mãos agora.
— Mas como ele soube? — Andreas pergunta limpando a garganta.
O peso da verdade caiu sobre mim, as palavras que eu não queria
dizer, mas que já estavam claras demais para serem ignoradas.
— Isabella… foi ela quem contou. — Meu peito dói ao admitir
aquilo, o que eu mais temia aconteceu, a mulher que ganhou minha
confiança com uma adaga, me apunhalou com a mesma.
Andreas me encarou junto a Adryel, ambos surpresos com a minha
revelação.
Respiro fundo e assumo o controle da situação.
— Verifiquem os carros, o perímetro, qualquer movimentação
suspeita. Eu vou voltar para casa. Preciso de respostas, tentem tirar o carro
da água, Enzo merece ser enterrado com dignidade. — Maneio a cabeça
para a água, fazendo uma referência, que ele sempre me fazia.
Capítulo 42
Isabella
Enquanto a noite cai, aproximei-me da varanda e observei o jardim,
que parecia mais sereno com o entardecer. De repente, um som suave
chamou minha atenção: a porta do quarto se movia, sinal de que alguém
estava entrando. Meu marido.
Dou alguns passos para dentro do quarto, e o vejo, sua raiva ainda
está ali, estampada no seu rosto, suas roupas estão amarrotadas, e o cheiro
de embriaguez rapidamente vem até mim, seus cabelos tão bagunçados, e
seus olhos sem nenhum brilho, cruzo meus braços por cima do peito, e o
encaro.
— O que você quer de mim agora? Veio se deitar com uma traidora?
— provoquei, erguendo o queixo e sustentando seu olhar.
Ares se aproxima, e me puxa pela cintura, seus dedos me apertam
tão forte que poderiam deixar marcas através do tecido de minha camisola.
— Infelizmente, meu pau não tem ressentimentos, querida esposa.
— Engoli em seco sua resposta.
O tecido preto e fino da minha camisola roça contra o peito dele.
Estar em seus braços sempre me deixa à beira da insanidade, mas eu me
forçava a resistir aos desejos. Seu corpo se afastou, e por um momento
pensei que ele tivesse desistido, mas ele se virou novamente, pegando-me
pela cintura e me jogando sobre o ombro sem qualquer gentileza. Sacudi-
me em protesto, chutando na tentativa de me soltar.
— É melhor ficar quietinha. — Um tapa. Sua mão acertou minha
bunda com força, mesmo através do tecido fino.
Obedeci, por instinto, por submissão, porque meu corpo respondia
às suas ordens.
Deixei-me ser levada. Descemos ao porão, o cheiro metálico de
sangue enche o ar. O enjoo e a posição desconfortável pioraram a situação.
Respirei fundo várias vezes enquanto ele caminhava em direção a uma
porta e, ao abri-la, me soltou no chão frio. Abracei meu corpo, mais por
vergonha do que pela exposição, sentindo-me molhada e humilhada diante
da situação.
Ouvi o som da chave girando na fechadura, e o tilintar dela sendo
guardada no bolso dele. Observei seus movimentos, atenta.
— Tira sua roupa. — Sua voz permaneceu calma, mas o que me
assustava de verdade era seu olhar: frio, cruel, com um sorriso que me
arrepiava. Recuo para o canto da sala.
— Se queria me usar, não precisava me tirar do quarto — murmurei,
e só então percebi o ambiente ao meu redor. Pouca luz, a sala quente, mas o
que mais chamou minha atenção foi a lareira acesa, e um pequeno objeto
repousando entre as chamas. A curiosidade me fez dar um passo à frente.
Um calafrio tomou meu corpo. Era um ferrete prateado, com suas
iniciais. Ele iria usar aquilo em mim?
Virei-me para encará-lo, buscando decifrar sua expressão, mas ele
era vazio, frio, impenetrável.
— Você não vai… — Minha boca seca, minha voz sumiu. O
silêncio vindo dele era ensurdecedor. Eu queria que ele negasse, mas seu
olhar me dava todas as respostas. — Se acha que sou uma traidora, por que
não me mata e acaba logo com isso? — minha voz saiu fraca, desesperada.
Ele se aproximou lentamente, sua sombra parecia engolir o espaço
ao meu redor, seu tamanho me esmagava.
— Porque você fodeu a minha cabeça. Não suportaria te perder…
mas preciso te punir. — Sua voz reverberou em cada célula do meu corpo.
Ares estava tão próximo que eu podia sentir o calor emanando de
seu corpo, mas era o frio de suas palavras que me paralisava. Sua presença
era avassaladora, dominadora.
— Está me punindo por ser filha do seu inimigo ou por acreditar que
te traí? — Minhas mãos deslizam lentamente pela sua camisa, sentindo
cada linha do tecido enquanto tento quebrar a distância entre nós.
Ele me encara profundamente, como se procurasse respostas dentro
de mim, respostas que talvez nem eu saiba.
— Eu acho que você tem razão. — suas palavras saem amargas,
mais para si do que para mim. Ele suspira, e sinto o calor de sua respiração
contra meus cabelos. — Não deveria ter me casado com você — Ele
sussurra, cruel, rente ao meu ouvido.
Me pergunto o quanto ele bebeu… provavelmente muito.
— Pena você ter percebido isso tão tarde, não é, Ares? — Zombo
mesmo que minhas emoções estejam à beira do colapso. — Não vou
implorar pelo seu perdão, nem me ajoelhar. Você sabe que eu jamais me
rebaixaria a qualquer homem, nem mesmo a você.
Minha respiração se acelera, mas me mantenho imóvel, olhos fixos
nos dele, seu corpo me joga sobre a parede enquanto ele me aperta contra
seu corpo, duro e ríspido.
— Tire logo essa maldita camisola, ou eu mesmo farei isso. — Sua
voz roça meu rosto, os olhos fixos em mim, cruéis e impiedosos.
Esse não é o homem que conheço. Não pode ser. Ele era o meu
cuidador, meu amor, o homem que dizia me proteger. Agora, a outra face se
revela: um demônio sem chifres ou cauda, um monstro que se alimenta de
dor e medo. Um devorador de almas e pecados. Mas eu não sinto mais
medo dele, não como da primeira vez que ele apertou minha garganta, me
roubando o ar. Não temo o que ele possa fazer comigo agora. Não vou lutar.
Não porque não posso, mas porque sei o que vem depois: ele rastejando por
perdão, destruído pela culpa.
— Você vai se odiar por isso. — Minha voz sai baixa, embargada,
cheia de tristeza.
— Você sabe que tem que ser assim. — Sua voz é diferente desta
vez, rouca, animalesca, quase como se ele estivesse se alimentando do meu
desespero. — Você precisa lidar com as consequências da sua traição. —
Um sorriso cruel e triunfante se espalha em seu rosto. Seus olhos brilham
com malícia.
Um dedo desliza sobre meus lábios. Ele é meu marido, e, ao mesmo
tempo não é…
— Vai me punir de novo?
— Sabe que sim… e você gosta de cada uma das minhas punições.
Ser enforcada com um cinto não está entre seus fetiches, minha adorável
esposa? — Um arrepio percorre minha espinha. — E agora vou ter que te
punir de novo… vou marcar a sua pele de um jeito que nunca poderá me
arrancar de você.
Suas mãos agarram minha camisola, rasgando-a com uma
brutalidade que me arranca um grito. O contato de suas mãos nos meus
seios é dolorido, e eu faço uma careta. Faz três dias que ele não me toca, e
mesmo assim, aqui estou, sentindo desejo, um desejo que me envergonha.
Ele me puxa com força, me colocando de joelhos diante da lareira.
Estou nua, exposta, vulnerável. Sua língua desliza sobre a borda da minha
calcinha, e minhas mãos se apoiam no chão frio, minhas unhas arranhando
o piso enquanto meu corpo traidor responde. Minha pele formiga, meus
seios endurecem e minha carne pulsa, quente e necessitada. Algo em mim
deseja o que ele vai fazer. É errado, mas também fascinante, cruel e, ao
mesmo tempo sedutor.
— Como você pode estar excitada sabendo o que eu farei com você,
sua putinha suja? — Suas palavras me atingem como um chicote, e meus
dedos dos pés se curvam, meus joelhos se afastam no chão duro, queimando
e doendo.
Minha respiração se acelera. Suas mãos forçam meu quadril para
cima, me deixando em uma posição humilhante, enquanto meu corpo,
traidor, continua desejando cada toque, cada migalha que ele possa me dar.
Sinto sua respiração quente entre minhas nádegas, seu nariz roçando
contra minha pele exposta, explorando cada centímetro vulnerável de mim.
— Vou tomar tudo de você. — Sua voz é um sussurro áspero junto a
uma promessa. — você vai gritar, e eu vou adorar ouvir.
De repente, uma mordida. Seus dentes se cravam em minha carne
como os de um predador faminto, arrancando de mim um arrepio que
sacode meu corpo por completo, misturando dor e prazer.
— Termine logo com isso. Tome o que quer, me leve a loucura, me
faça perder a sanidade. — Minha voz é um desafio velado, uma
provocação.
Outra mordida, mais forte, quase brutal. Sinto os dentes dele fundo,
rasgando minha pele, e a dor pulsa junto a minha boceta. Ele está gostando,
assim como eu. Mas, ao contrário dele, não posso admitir essa verdade: que
talvez eu deseje essa violência, essa punição.
O calor do seu corpo se afasta por um momento, e continuo de
quatro, cotovelos e joelhos firmes contra o chão frio. Ouço o som pesado de
correntes se arrastando, cada elo metálico batendo no chão reverbera dentro
de mim, como um aviso sombrio.
Meus instintos se acendem. Em um movimento rápido, ele surge
diante de mim. Meus olhos caem sobre suas mãos — uma coleira de couro
negro, com uma corrente enrolada firmemente em seu punho. Ela não tem
meu nome, mas sei que me pertence.
Ele abre a coleira e a prende em meu pescoço. Não está apertada.
Não é essa a intenção. Pelo sorriso sádico que brinca em seus lábios, sei que
ele está apenas começando.
Respiro fundo, tentando encher meus pulmões, mas logo sinto o
puxão forte na corrente, me obrigando a erguer o corpo. Seus olhos, escuros
e cruéis, me encaram como os de um demônio que acaba de abrir as portas
do inferno. Por um instante, sua mão acaricia meu rosto com uma suavidade
inesperada, quase terna. Mas quando viro o rosto em um gesto desafiador, o
toque desaparece.
Ouço o zíper de sua calça sendo aberto lentamente. Meus olhos
seguem o movimento, até que seu membro duro e pulsante salta da cueca, a
ponta já brilhando de excitação.
— Abra a boca. — Sua ordem é curta, direta.
Obedeço, abrindo os lábios. Ele entra de forma bruta, preenchendo
minha boca com tanta força que me falta o ar. Minhas mãos, trêmulas,
buscam apoio e se agarram aos seus joelhos.
Ele queria que eu fosse submissa, uma “boa esposa”. Mas ele se
casou com a mulher errada. Cravo meus dentes em sua pele sensível,
sentindo-o estremecer. O rosnado que escapa de seus lábios é um misto de
dor e prazer, enquanto seu corpo tensiona em resposta, Seu punho aperta a
corrente com força, e o puxão na coleira me faz levantar o rosto. No
instante em que meus olhos encontram os dele, capto a fúria ardente em seu
olhar.
Ele se inclina sobre mim, e a palma da sua mãe bate contra minha
bochecha, não de uma forma forte, mais para que me lembre que eu devo
obedecer.
— Você gosta de testar os limites, não é? — minha boca continua
preenchida de mais para conseguir dizer qualquer coisa, e num impulso ele
se empurra mais fundo na minha garganta ao ponto de me engasgar, e fazer
vomito, meus olhos lacrimejam, e seu polegar os enxuga em seguida leva a
seus lábios.
Empurro seu corpo com as mãos, afastando-o completamente da
minha boca. Inclino-me para frente, apoiando as mãos nos joelhos, tentando
forçar o vômito. Mas nada sai, apenas o gosto amargo de desgosto em
minha garganta.
— Você é um psicopata doente. — Minha voz é baixa, envenenada
de rancor.
— Isso não me ofende querida.
Quando olho para ele, não vejo mais o homem que me comprava
livros ou mandou fazer um sapato exclusivo para mim. O homem que
dorme ao meu lado desapareceu. Agora, só vejo uma criatura tomada pelo
ódio, raiva e ódio. Seu pai o moldou para ser assim — uma besta enjaulada,
incapaz de compaixão. O que realmente me corrói, no entanto, é que eu não
consigo mais o enxergar como antes.
Ele puxa a corrente novamente, forçando-me a segui-lo para mais
perto da lareira. O calor do fogo torna-se mais intenso, e eu vejo o ferrete
com suas iniciais ali, incandescente. Sei o que ele pretende. Parte de mim
pondera sobre a dor que virá, imaginando o quanto vai me consumir. A
outra parte, mais sombria, anseia por essa dor, esperando que ela me
transforme.
Ares retira o ferrete do fogo, o som do metal arranhando o chão
ecoa pela sala, a fumaça se misturando ao brilho laranja do ferro em brasa.
O que me surpreende é quando ele me puxa pela coleira para um canto
escuro da sala, longe das chamas.
Mesmo com a pouca luz, consigo ver a cadeira de madeira no
centro. Ele desabotoa lentamente a camisa, deixando a cair no chão antes de
se sentar. Sua calça continua aberta, o membro semi-ereto à mostra,
enquanto seus olhos não saem de mim.
Com um puxão firme na corrente, ele me força para o seu colo. Seu
punho controla a corrente, apertando-a com autoridade, enquanto a outra
mão segura o ferrete ainda quente. O calor irradia do metal, e eu não sei o
que ele faz em seguida. Mas minha pele formiga, e uma curiosidade
perversa cresce em mim, desejando o que está por vir.
Quero que ele me queime e me sinto suja, uma vagabunda imunda.
Uma de suas mãos solta a corrente, deslizando lentamente pelas
minhas costas até chegar à minha bunda, puxando a calcinha para o lado
com facilidade. O tecido fino não oferece resistência, e logo sinto seu pau
forçando entrada. A umidade da minha intimidade facilita, e quando ele me
preenche por completo, fecho os olhos, absorvendo o calor da sensação que
se espalha por mim. Minhas mãos deslizam sobre seu peito firme, nossos
corpos se encaixam, cada um pulsando no ritmo do outro. Minha boceta
lateja, faminta, ansiando por mais.
Ele retoma a corrente com um aperto firme, impiedoso, enquanto
seu corpo se ajusta na cadeira. A força do puxão me faz mover com ele, e
por um momento, uso o pouco de discernimento que me resta para desviar
os olhos até sua cintura, tentando verificar se ele está armado.
Com a ponta dos dedos, sinto a lâmina da faca na lateral esquerda de
sua cintura, e é nesse instante que ele se move dentro de mim. A mesma
mão que segura a corrente me obriga a subir e descer sobre ele, forçando-
me a seguir seu ritmo. Na posição em que estou, com ele por baixo, posso
senti-lo tão fundo que a sensação é quase de ser rasgada, invadida,
dominada. O puxão em meu cabelo é feroz, arrancando-me um gemido
involuntário. Estou me controlando, tentando esconder o quanto estou
gostando de ser sua “puta”.
Nossos corpos se chocam, gerando um som obsceno, e o suor
escorre pela minha testa. Enquanto ele me domina, tento alcançar a faca, em
busca de alguma vantagem, um resquício de controle.
— Isso querida, cavalga no meu pau forte. — Sua voz quente e cruel
sussurra no meu ouvido, incendiando-me por dentro.
Estou à beira do êxtase, meu ventre se contraindo, o calor subindo
como uma maré avassaladora, e minha boceta apertando seu pau com força.
Ele percebe que estou perto, e os gemidos que tentei conter escapam de
mim, traindo o prazer que ele me provoca. Meus movimentos ficam mais
intensos, meus quadris se esforçando para subir e descer sobre ele, enquanto
minhas unhas cravam-se em seus ombros, com raiva.
É então que sinto o ferro quente tocar minha pele. O grito que
escapa da minha garganta é visceral, uma mistura de dor e choque, minha
mente quase se apagando enquanto o fogo marca minhas costas. A linha
entre prazer e dor se dissolve completamente; minha boceta se contrai em
um orgasmo violento enquanto meu ombro queima com a marca recém-
feita. Estou tonta, sem voz, sem ar, sentindo-me reduzida a algo menos do
que humana — marcada como um animal, como se eu fosse sua
propriedade.
Minha mente grita que eu não sou um brinquedo. Tento me
convencer disso enquanto luto para me recompor. Meus lábios estão
ensanguentados de tanto morder para conter o grito, e sinto o sangue quente
escorrendo pelas costas, onde a pele está frágil e ferida. Quando abro os
olhos, vejo sua face demoníaca ainda sobre mim, ainda me possuindo.
Não posso esperar mais.
Com um movimento rápido e desesperado, arranco a faca de sua
cintura. Mesmo exausta, sem forças, eu a deslizo pelo seu pescoço,
pressionando-a contra sua pele com tudo o que me resta.
— Você não tinha o direito de fazer isso… — digo com um tom de
voz quebrada.
A corrente ao redor do meu pescoço se aperta ainda mais, um aviso
claro de que ele continua no controle. Sinto seu pau ainda dentro de mim
enquanto tento resistir, mas a raiva me consome.
A dor no meu ombro se mistura a dor ainda mais profunda em meu
coração. Ele realmente me machucou, me puniu por algo que eu não fiz. E
eu… eu sou tão culpada quanto ele, porque não o parei antes.
— Você precisava ser punida. — sua voz rouca soa traiçoeira, cheia
de uma maldade.
Um filete de sangue escorre por sua pele, e percebo que estou
aplicando mais força do que deveria. Não quero feri-lo de verdade, mesmo
que ele mereça. Meu corpo treme, dividido entre o desejo de vingança e o
medo do que isso poderia significar.
— No fundo, você sabe que está errado. Sabe que eu não te traí —
retruco, meus olhos confusos e embaralhados de raiva e mágoa. — Seria
melhor que me matasse do que viver sendo acusada assim.
Uma lágrima escapa do meu rosto enquanto sua mão forte segura
meu queixo, forçando-me a encará-lo. Ele observa minha dor com uma
calma assustadora.
— Preciso de você.
— Você não precisa de mim! — grito, exasperada, pressionando a
lâmina ainda mais contra sua carne. Ares nem se mexe, não geme, não
demonstra dor, como se estivesse acima disso. A faca começa a perfurar sua
pele, e sei que, se quiser, posso ir mais fundo cortar sua garganta.
— Meus demônios precisam de você. — Sua voz carrega uma
verdade sombria.
Também preciso dos seus demônios, eles de alguma forma se
tornaram os meus. Mas não digo. Não posso admitir que minha alma se
prendeu à dele desde o primeiro instante em que o vi, desde o momento em
que ele disse que eu seria sua esposa, estamos ligados por algo mais
doentio.
Ele é tão louco por mim quanto eu sou por ele. O ódio que
compartilhamos é uma obsessão, e isso me apavora. Assusta-me o quanto
desejo ser dele, me render completamente. Porque é errado. É errado querer
estar com um homem que te machuca. Mas os demônios dele se tornaram
minha obsessão, e, de algum modo, eu os amo tanto quanto ele.
Meu corpo está fraco, meus olhos piscam duas vezes antes de se
fechar completamente, eu ainda sinto seu aperto na cintura antes de tudo se
apagar e eu desmaiar sobre ele.
Capítulo 43
Isabella.
O primeiro pensamento antes de abrir os olhos foi uma dúvida que
me rasgou por dentro: por que estava deitada em lençóis macios e não
jogada numa prisão qualquer naquele porão?
Minha cabeça lateja, mas a dor é irrelevante comparada ao peso que
sinto no ombro. Ao abrir os olhos, vi que estava enfaixado. Meus dedos
tocaram a superfície do curativo, quase sem acreditar no que havia
acontecido.
Ele realmente marcou minha pele? E… eu gostei disso? As
respostas estavam na ponta da minha língua, e um sentimento de vergonha
me invadiu. Senti-me imunda por sequer cogitar que esse ato profano não
havia ultrapassado meus limites — mas ultrapassou. Meu corpo já havia
sido moldado por suas mãos de tantas formas, ele já havia me mostrado o
quanto exigia de mim. Mas nada do que vivemos poderia me preparar para
isso, para ser marcada como um animal.
E por quê? Por puro egoísmo. Eu nunca o traí, jamais ousaria. Mas
depois de ontem, percebi que aquele homem, a quem entreguei meu
coração, só se importa com o próprio ego. O que mais ele planeja fazer
comigo? O que mais terei de suportar por causa desse ódio sem
fundamento? Antes, pensei ter aceitado meu lugar ao lado dele; agora, não
sei exatamente onde é meu lugar.
Perdida nos meus pensamentos, quase não noto a mulher parada ao
lado da cama. Ela está quieta, mas atenta, e quando meus olhos piscam,
desfocados, ela coloca a mão na minha barriga, forçando-me a deitar de
novo.
— É melhor vocês descansarem — disse com uma voz gentil, mas
sem esconder um leve desconforto.
Apenas eu estava na cama, então por que ela usou “vocês”? Minha
testa se franziu de confusão.
— Vocês? — repeti, sem entender.
A mulher, que agora notei ser médica pelo jaleco branco, ignorou
minha pergunta enquanto mexia em sua maleta. Eu respirei fundo, tentando
convencer a mim mesma que ela havia se enganado, talvez eu tivesse
ouvido errado.
— Você e o seu bebê — ela diz finalmente.
Minha reação foi rir, baixo, sarcástico, mas ela continuou me
encarando, séria.
— Está dizendo que estou grávida? Isso é impossível. Eu tomava
anticoncepcional e parei há menos de duas semanas — tentei explicar.
— Você estava desacordada há mais de 24 horas. Seu marido pediu
vários exames. A medicina raramente erra, e anticoncepcionais não são
infalíveis. — Senti uma onda de raiva me consumir. Tomei aquelas pílulas
religiosamente, todos os dias, para o destino pregar essa peça agora? —
Não percebeu que seu corpo mudou? — ela continua. — Seus seios estão
inchados, e quando foi sua última menstruação? — pergunta.
Eu não lembro. E com essa constatação, o chão pareceu se abrir sob
meus pés. Como não percebi isso antes? Deveria ter notado. Um frio
insuportável percorreu minha espinha.
— Ele sabe? — gaguejei, trêmula. — Você contou a ele? — exijo
saber.
A médica negou com a cabeça.
— Seria melhor você mesma contar quando acordasse. — ela diz
Soltei um suspiro de alívio sem nem perceber.
— Tem certeza? — ainda luto para aceitar a ideia de que dentro de
mim cresce um pedacinho meu e dele.
— O ideal seria fazer um ultrassom para ter total certeza —
respondeu.
Minha mente começa a rodar, lembrando dos sintomas: cansaço,
desmaios, enjoo. Fazia sentido. Mas ainda assim, esse não era um bom
momento. Talvez nunca houvesse um bom momento. O que Ares fará
quando descobrir? Sempre foi parte de seu plano me engravidar, mas agora,
aos olhos dele, sou uma traidora. Perdi meu valor, minha lealdade. Essa
criança, como eu, seria apenas um peso para ele.
Forcei o sorriso mais falso que já dei em toda a minha vida. Aquela
médica, apesar da idade, não parecia ingênua. Se estava aqui, é porque Ares
confiava nela. Precisava ser cuidadosa.
— Eu… — as palavras grudaram na minha boca como algodão-
doce. — Preciso ter certeza antes de contar a ele. Não quero alarmes falsos.
Podemos manter isso entre nós?
Ela me olhou com uma leve confusão, mas assentiu.
— Não contei antes, mas confesso que não é bom esconder coisas
do seu marido.
Balancei a cabeça.
— Sei disso melhor do que ninguém. Ele é meu marido, o conheço.
Mas imagine se eu der uma notícia falsa… ele não ficaria muito feliz. Você
entende, não? Pessoas podem ser punidas por um erro. — Meu tom é
ameaçador.
— Tem razão. Melhor ter certeza primeiro — concordou. — Agora,
vou medir sua pressão.
Obedeci mecanicamente, estendendo o braço. Quando ela terminou,
disse que tudo estava normal, mencionou o curativo no meu ombro, sem dar
muita importância a como ele havia sido feito. Assenti, esperando que ela
saísse logo. Queria ficar sozinha, precisava processar tudo isso sem
derramar lágrimas na frente de ninguém.
Estaria mesmo grávida? Carregaria em meu ventre o filho do
homem que amo e que nesse momento me despreza? Mas se for verdade, o
que será de nós? Não posso permitir que ele machuque meu bebê. Não
posso.
O som da porta se fechando e como um aviso: estou sozinha. Sem
pensar muito, me desvencilho das cobertas e salto da cama, os pés
descalços encontrando o chão frio. Paro diante do espelho e, sem hesitar,
levanto a camisola até os seios, expondo minha barriga. O fato de estar sem
calcinha sequer me incomoda.
Fico alguns minutos ali, encarando meu reflexo, tentando
compreender como poderia estar carregando um filho dele. Minhas mãos
deslizam pela pele lisa de uma barriga ainda inexistente. Se estou grávida,
não há sinal visível. Mesmo assim, gosto de imaginar que estou acariciando
meu ventre, como se pudesse sentir a vida crescendo ali dentro. Uma
lágrima escapa, seguida por outra.
Olho para mim mesma e vejo uma mulher quebrada. A mulher que
entrou por aqueles portões pela primeira vez se perdeu em cada noite que
passei ao lado dele. Eu tinha regras, princípios… mas quebrei todos por ele,
para estar do lado dele, mas tudo isso para quê? Para ser acusada de traição?
A mulher no espelho não é dócil como um anjo, nem frágil como
uma rosa. Meu corpo carrega marcas de dedos e chupões. Quando viro o
quadril, vejo as mordidas nas minhas nádegas, mais um lembrete daquela
noite que se gravou em mim. E acima, nas minhas costas, o curativo recém-
colocado. A curiosidade me consome, então mordo os lábios ao puxar as
ataduras, sentindo a leve dor da pele sensível.
A visão me atinge como um soco. Suas iniciais estão ali, gravadas
em minha pele, um grito silencioso de posse. Ao redor, a pomada aplicada
começa a fazer efeito, e a cicatrização já avançou. Não sangra, a dor é
suportável, mas a marca continua ali, me lembrando a quem pertenço.
Um ruído vindo da porta do quarto me faz sobressaltar.
Rapidamente abaixo a camisola e limpo as lâminas com o braço. Respiro
fundo antes de olhar na direção da soleira, mas o cheiro que invade o
ambiente é inconfundível. Eu o reconheceria à distância. Um suspiro triste
me escapa, porque em outros tempos, sua presença traria alívio. Agora,
sinto apenas desprezo.
Seus passos ecoam no quarto, e sinto sua sombra se aproximando.
Pelo espelho, desvio do reflexo, evitando sua imagem.
— Você deveria estar deitada — sua voz ruge, fazendo meu corpo
estremecer e meu coração bater descompassado.
Dou dois passos para o lado, criando uma distância segura entre nós.
Só então crio coragem para encará-lo. Ele está de volta. A fúria psicótica
parece ter desaparecido, mas por quanto tempo? Meus olhos descem até a
pequena cicatriz em seu pescoço, escondida sob a barba. Eu a fiz. Talvez, se
tivesse pressionado a lâmina um pouco mais, teria o matado. Mas não era
isso que eu queria. Nunca quis matá-lo. Seus olhos, agora, parecem
arrependidos, mas sua expressão é fria, impenetrável. Ele segura flores,
uma ironia que quase me faz rir. Flores, como se pudessem apagar tudo.
Como se elas fossem me fazer perdoá-lo.
Quando ele dá mais um passo, recuo instintivamente. Meu corpo
reage antes que eu possa impedir, e vejo como isso o atinge. Ele havia
conseguido. Eu nunca tive medo dele… até agora. E não por mim, mas pelo
bebê que talvez esteja crescendo dentro de mim.
— Não chegue perto de mim — minha voz soa alta, forte. Ele me
encara, impaciente, mas aperta as flores contra o peito. — Eu juro, se você
me tocar de novo, ficara viúvo de novo. Não vou ser tratada como um
animal outra vez.
Vejo o golpe certeiro nas suas feições: os olhos perdem o brilho, a
pele empalidece.
— Não diga isso — ele grita, sua voz explode no ar. Mas não me
mexo. Continuo parada, encarando-o. — Você não foi feita para a morte.
Foi feita para mim.
— Mas ainda, sim, me julga uma traidora. Me puniu com base em
suposições que nem você consegue sustentar — respondo com frieza,
engolindo a vontade de desmoronar diante dele. Não darei esse prazer a ele.
— Não seja hipócrita. Você gostou de cada minuto que esteve
naquele porão — ele me acusa, veneno pingando de suas palavras.
Sinto meus dentes rangerem de raiva.
— Não há prazer algum em ser humilhada, Ares. Não depois de
tudo o que fez. Há uma marca no meu corpo que nunca irá desaparecer.
Toda vez que eu olhar para ela, vou lembrar de como fui quebrada em um
momento de fraqueza. — Sinto o ódio ferver em mim. — O que vai fazer
da próxima vez? Enfiar minha cabeça na água e me foder enquanto me
afogo? Ou amarrar arame na minha garganta e me usar até eu desfalecer?
Ele esboça um sorriso debochado, venenoso.
— São boas ideias, confesso. Mas prefiro que você viva, meu amor.
— Sua ironia é como uma faca, cortante e cruel.
Ele estala a língua, e seus olhos me atravessam, mesmo a distância.
É como se seu olhar perfurasse minha camisola, expondo minha alma.
— A culpa de tudo isso é sua. Se não tivesse me enganado, eu teria
matado seu pai e tomado o controle da máfia dele. Mas você escolheu me
trair.
— Esta será a última vez que vou dizer isso: eu não te traí. Se não
acreditar… vai me perder para sempre.
Na minha mente, completo: você perderá a mim e ao seu filho.
— Não vou deixar que entre na minha cabeça novamente. — seu
tom gélido retorna, sufocando qualquer emoção que ele possa ter deixado
escapar. Ele sempre foi assim. Esconde tudo atrás de uma máscara de frieza.
Com movimentos calculados, ele caminha até a cama e deposita as
flores, mantendo uma distância deliberada entre nós.
— Se isso for para mim, as leve embora.
— Se não as quer, jogue fora. — Ele responde, enquanto ajeita o
paletó com uma postura rígida, quase mecânica. — Suas refeições serão
trazidas aqui, e não será permitido que saia deste quarto sem a minha
autorização.
Fico boquiaberta, incrédula.
— Se vou ser tratada como uma prisioneira, talvez fosse mais
adequado me trancar em uma jaula, com grades, não acha? — Dou de
ombros irritada, eu não posso controlar minha indignação.
Ele inclina a cabeça levemente e esboça um sorriso amargo,
revelando os dentes perfeitos.
— Você ainda é minha esposa, Isabella. Isso significa que ainda
viveremos sob o mesmo teto.
— Esse é o seu plano? Me manter trancada neste quarto?
— Sim. — Ele se vira de costas, e a raiva em mim ferve. A vontade
de jogar algo em sua direção é insuportável, mas eu me contenho. — E
agradeça porque estou sendo bondoso, e não estou amarrando você na
cama.
— Quando foi que você se tornou alguém tão desprezível?
— Eu sempre fui assim — ele responde. — Você só escolheu me ver
com bons olhos.
Sinto a raiva pulsar, e mordo meu lábio inferior, meus punhos
cerrados ao lado do corpo.
— Estou cansada, Ares. — Minha voz sai em um sussurro exausto.
— Cansada de viver assim, de lutar contra você, contra essa sua versão…
perturbadora. Não sei se tenho mais forças para isso. Não percebe? —
continuo com voz trêmula pela emoção reprimida. — Você destruiu tudo o
que havia de bom entre nós. Tudo.
— Se está cansada, deveria ceder e aceitar seu lugar. — ele diz sem
qualquer traço de emoção.
Eu o encaro com o peito apertado.
— Como posso ficar ao lado de um homem que acredita que eu o
traí? Como posso estar ao seu lado quando tudo que você faz é me ferir, me
reduzir a nada?
Seus olhos me olham com pena.
— Não use sentimentalismo comigo. Você mesma disse que não
tenho um coração.
Um sorriso amargo surge em meus lábios enquanto me viro,
esperando que ele saia do quarto e me deixe em paz. Apenas encarar sua
presença já me exige um esforço monumental. Ouço seu suspiro pesado e o
som de seus passos se aproximando da porta. Quando ela se fecha, é
trancada de novo.
Capítulo 44
Isabella
Entro no banheiro e começo a revirar as gavetas. A lembrança dos
primeiros meses de casados me invade – Ares me fazia realizar testes de
gravidez com frequência. Mas como o resultado era sempre negativo, ele
eventualmente desistiu. Revirando cada canto, finalmente encontro um teste
escondido no fundo, de uma das gavetas. Já estava acostumada ao processo,
então tranco a porta por precaução e faço o que sempre fiz: urino no teste e
espero.
Meus nervos estão à flor da pele. Aperto as unhas contra os joelhos,
tentando conter o desespero. Meu coração bate tão rápido que parece querer
saltar do peito, enquanto a ansiedade corrói cada fibra do meu corpo.
O tempo parece se arrastar, mas quando meus olhos encontram os
dois sinais vermelhos no teste, sinto o chão desaparecer sob meus pés de
novo, estou tremendo, caio de joelhos no frio porcelanato. Abraço meu
corpo numa posição fetal, os soluços abafados explodindo silenciosamente
dentro de mim. Soco a tampa da privada, impotente.
Não era assim que eu imaginava trazer uma vida ao mundo. Não
nessas circunstâncias, agora eu preciso proteger alguém que depende de
mim.
O peso da notícia mal tinha se acomodado em minha mente quando
o mal-estar tomou conta de mim. Seguro meus cabelos, e faço força para
vomitar, mas nada sai. Minha última refeição havia sido há mais de vinte
quatro horas, e meu estômago estava vazio. Tento me recompor.
Respiro fundo, forçando o nariz para cima na esperança de dissipar
a ânsia por alguns minutos, o suficiente para me manter estável. Ares não
pode me ver assim. Isso levantaria suspeitas.
Lentamente, me levanto, apoiando-me nas paredes, e entro no
chuveiro. Deixo a água quente lavar meus cabelos, meu corpo, limpar o
caos na minha mente. Enrolo-me numa toalha e caminho até o closet, onde
encontro um vestido, leve e familiar. Algo confortável para vestir, algo que
me faz sentir menos vulnerável.
Mas havia outro problema. Sem celular, trancada no quarto, e sem
saber quando Ares iria me libertar, a fome começava a tomar conta. Tento
forçar a porta, mas é inútil. Ela está firmemente trancada. Puxo um grampo
do cabelo – nos filmes isso sempre funciona, mas na realidade…? Mesmo
assim, sem outras opções, tento. Quando estou prestes a desistir, ouço o
trinco se mexer. A maçaneta gira. Espio pelo corredor, certificando-me de
que não há ninguém por perto, e saio em silêncio, caminhando pelo
corredor em direção ao andar de baixo.
No entanto, algo me chama a atenção. Ao passar pela porta
entreaberta do escritório, escuto vozes. Não deveria, mas algo me puxa para
mais perto. Pela pequena fresta, vejo Ares e Andreas. Estão conversando,
mas não consigo ouvir claramente. Aproximo-me da porta, colando o
ouvido contra a madeira, para ouvir.
— Ela perdeu o valor quando decidiu me trair, Andreas — Ouço a
voz fria de Ares, e sinto um aperto no coração.
— E você tem tanta certeza disso só por causa de mensagens no
celular? — Andreas parece me defender.
— Que prova maior eu preciso? Enzo está morto por causa dela! —
Ares rebate.
— Também sinto muito pela perda dele — Andreas diz. — Ele era
um soldado leal, mas ela é sua esposa, Ares. Não é um objeto que você
pode descartar. Se ela fez isso, deve haver uma razão.
Ouço Ares gargalhar, uma risada amarga, sombria, que me arrepia
até os ossos.
— Não acredito que está defendendo-a!
— Não estou defendendo-a. Estou sendo sensato.
Independentemente do que ela fez, não merece ser tratada dessa forma.
— Sensato? — meu marido está frustrado. — Sensatez é o que nos
trouxe até aqui? Se eu tivesse sido mais firme, talvez Enzo ainda estivesse
vivo.
— Se culpar pelo que aconteceu não vai adiantar nada. — Andreas
suspira. — Não concordo com sua decisão, mas vou respeitar como sempre
fiz, apesar de ser meu irmão eu o sirvo, você é meu Don.
Me afasto da porta, as lágrimas ardendo em meus olhos, mas forço-
me a não cair de novo no choro. Tenho que ser forte. O que quer que
aconteça a partir de agora, eu preciso pensar no que vem a seguir, não
apenas para mim, mas para a vida que carrego. Sem saber como, meus pés
me levam de volta pelo corredor, descendo as escadas até a cozinha.
Pego uma maçã da fruteira e a mordo, sentindo meu estômago
agradecer quase instantaneamente. Enquanto mastigo, meus pensamentos
voltam para a conversa que acabei de ouvir. Preciso sair desta casa, sair o
quanto antes. Aqui já não é mais seguro para mim.
Deixo a cozinha, passando pelos cômodos vazios. Dou sorte de não
encontrar ninguém. Todos estão, provavelmente, ocupados tentando rastrear
meu pai. Ao retornar ao corredor, dou uma última olhada pela fresta da
porta do escritório. Está vazio agora. Respiro fundo e empurro a maçaneta,
que range suavemente, me arrancando um xingamento sussurrado. Meus
olhos varrem a sala rapidamente, procurando o local onde Ares guarda sua
espingarda. Eu sei que está aqui.
Minhas mãos encontram a caixa de madeira, e ao abri-la, vejo a
espingarda. Sem hesitar, a lanço sobre o ombro e desapareço do escritório o
mais rápido que posso. Desço as escadas apressada, mas sem levantar
suspeitas. Ao passar pela cozinha, sigo para a porta dos fundos.
A casa é repleta de câmeras e guardas, mas depois de tanto tempo
vivendo aqui, conheço os pontos cegos. Sei que próximo à piscina não há
câmeras, e os soldados ficam mais concentrados no jardim. Tomo uma
última respiração profunda antes de sair para o ar fresco da noite. A brisa
suave sacode meus cabelos úmidos que caem sobre os ombros, e como
previsto, nenhum soldado vigia o local.
Corro em direção à floresta. Fugir pelos portões seria impossível
sem ser notada. Então, uma voz grave e autoritária chama atrás de mim,
fazendo meus pés se cravarem no chão. Meu corpo congela, e o medo
atravessa minha espinha. Mesmo sem querer, olho por cima do ombro, e o
vejo, a alguns metros de mim.
— Onde pensa que vai? — a pergunta me arranca do torpor.
Deveria dizer que estou fugindo dele? Claro que não. Ele me encara
como no dia do nosso casamento, quando tentei fugir e ele me arrastou para
o altar. Agora, nada mudou — continuo fugindo. Ele dá um passo à frente,
as mãos afundadas nos bolsos, um sorriso cruel e frio estampado no rosto.
Num impulso, puxo a espingarda do ombro e a aponto em sua direção.
— Não se aproxime, ou eu vou atirar! — grito, mas ele ri. Ri da
minha ameaça, como se fosse vazia, como se eu não tivesse coragem de
puxar o gatilho. Mas ele não sabe o suficiente sobre mim. Ele mesmo me
ensinou a segurar essa arma, e se necessário, não hesitarei em usá-la.
— Vai atirar no homem que ama? — ele zomba, desdenhando dos
meus sentimentos e, principalmente, da minha capacidade de realmente
atingi-lo. Ele não me conhece o suficiente para saber que, mesmo amando-
o, eu apertaria o gatilho? — Solte isso, Isabella — sua voz rouca comanda,
mas meu corpo não obedece. Ele avança mais um passo.
Minha garganta seca, e meu coração parece querer explodir dentro
do peito. Eu só tenho uma bala, e a única forma de pará-lo é atirando.
— Estou avisando, vou atirar! — grito, desta vez com toda a força
que tenho.
Ares me ignora e se aproxima mais uma vez. Fecho os olhos, e meu
dedo escorrega pelo gatilho. O estampido da pólvora corta o ar, e quando
abro os olhos, ele ainda está de pé. Sua camisa está manchada de sangue no
ponto onde o atingi. Eu… realmente atirei nele. Uma parte de mim quer
correr até ele, estancar o sangue, dizer que não queria fazer isso. Mas a
outra parte… a parte que quer sobreviver… não permite.
Ele toca o peito, o sangue escorrendo por entre seus dedos, e o
sorriso sádico que surge em seus lábios me gela por dentro. Não parece
acreditar que realmente atirei. Com o barulho do disparo, os soldados logo
aparecerão. Eu não tenho muito tempo. Viro-me, pronta para correr. Eles
viriam atrás de mim.
Ouço Ares gritar com seus homens, ordenando que não venham
atrás de mim, mas não ouso olhar para trás. Meus pés disparam, apesar do
fôlego já curto e da garganta seca. Corro com toda a força que minhas
pernas ainda têm, embora fracas. O som dos galhos secos e folhas
quebrando sob meus pés se mistura ao vento frio da noite que atravessa a
floresta, tornando tudo mais sombrio. Ouço os murmúrios dos animais, o
piar da coruja, o sibilar distante de uma cobra, mas nada disso me detém.
Nem mesmo quando minha roupa se rasga em um arbusto, e minha pele se
arranha nos galhos das árvores.
Seguro a espingarda firme contra o peito e continuo, forçando cada
passo, cada respiração, sinto a sensação de estar sendo seguida,
independentemente de quanto eu corra. Sinto sua presença se aproximando,
quase posso ouvir seus passos pesados esmagando o solo atrás de mim. O
som de seu assobio me chamando.
Minhas pernas estão cansadas e meu estômago reclama de fome, a
maçã não foi suficiente, paro por um segundo, ofegante, para recuperar o
fôlego, meus olhos desesperados varrendo ao meu redor. Só vejo mato,
árvores e sombra, não há caminho seguro, e a verdade me atinge se ele não
me alcançar, dificilmente eu vou conseguir sair daqui.
Puxo o ar lentamente, inclinada, com as mãos apoiadas nas coxas,
tentando recuperar o fôlego. Mas logo volto a correr, sem direção, sem um
destino claro. O cansaço pesa nas minhas pernas, e aos poucos percebo que
estou dando voltas, parando no mesmo lugar sem nem perceber. Meu corpo
está à beira da exaustão quando, de repente, sinto uma mão forte agarrar
meu pescoço. O choque me faz gritar e saltar, instintivamente tentando usar
a espingarda contra quem está atrás de mim.
Então o cheiro dele invade minhas narinas. Reconheço
imediatamente.
Ele me achou.
Meu coração, que batia descontroladamente, começa a desacelerar,
mas não por completo, sinto o corpo dele pressionado contra minhas costas,
sua respiração quente nos meus cabelos.
— Achei você, querida esposa — sua voz soa próxima aos meus
ouvidos, me causando arrepios.
A espingarda ainda está em minhas mãos, mas sua utilidade evapora
com o calor do corpo de Ares pressionado contra o meu, A deixo cair sobre
meus pés.
— Já se cansou de correr? — ele murmura. A ponta de seus dedos
roçam minha pele. — Acho que esqueci de te acorrentar na cama.
Eu luto desesperadamente para me soltar, meus punhos batem contra
seu rosto, seu peito, até tento chutar entre suas pernas, mas tudo é inútil. Ele
é muito mais forte do que eu, e mesmo ferido, ainda tem uma vantagem
esmagadora sobre mim.
— Me solte! — exijo com a voz desesperada.
Ouço sua risada baixa e grotesca contra o meu pescoço.
— Não deveria fazer exigências após atirar no seu marido — ele
provoca com sarcasmo.
Sinto o calor subir pelo meu rosto, meus olhos se apertam enquanto
as pernas começam a formigar. A mão possessiva dele continua no meu
pescoço, e a outra envolve minha cintura, me imobilizando completamente.
— Quanto tempo mais vai me torturar até me matar? — eu levanto a
voz. — Não tenho mais serventia para você. — pronuncio suas próprias
palavras.
Seu corpo se junta ainda mais no meu.
— Você é tola se pensa que eu mataria a mulher que carrega o meu
filho. — A declaração me revira do avesso
Ele sabe.
Meu corpo estremece, e, sem pensar, levo a mão à barriga. Quero
negar, dizer que ele está errado, mas minha voz falha, assim como minha
respiração.
— Eu vi o teste. — Sua mão solta meu pescoço apenas para deslizar
pelos meus cabelos, num toque que deveria ser gentil, mas que me provoca
um arrepio de terror. — Você está grávida do nosso bebê.
Minha boca amarga com as palavras.
— Ele não é seu. — Grito.
Ares me vira bruscamente. Nossos olhos se encontram, e vejo o
impacto do tiro no seu corpo, mas ele não parece se importar. Sua dor física
não diminui sua determinação. Seus olhos descem até minha barriga. Não
há ainda qualquer sinal de gravidez visível, mas o olhar dele é possessivo,
como se já reivindicasse o que ainda nem se formou.
— Não vai transformar meu filho em uma versão psicopata sua! —
Eu cuspo as palavras com tanta raiva que meus dentes rangem. — Ele é
meu, só meu!
— Não, querida. Ele é nosso. Um pedaço de mim está crescendo
dentro de você, então ele é meu também. — Sua mão se move em direção à
minha barriga, mas eu a seguro antes que possa me tocar. Vejo a decepção
passar por seus olhos, sua cabeça cai para trás e ele respira fundo, tentando
conter a frustração. — Quer voltar andando ou prefere que eu a carregue?
— Não quero que me toque! — grito, ele abre um espaço pequeno,
como se me desse a chance de andar por conta própria, mas a verdade é que
nem sei para onde ir. Minhas pernas estão fracas demais para me sustentar.
Sem eu perceber, ele me envolve nos braços, me levantando com
facilidade. Estou presa no seu colo, perto demais do seu rosto, sentindo o
cheiro dele invadir meus sentidos. O sangue da sua camisa suja meu
vestido, mas não tenho forças para protestar. Mesmo o odiando com todas
as fibras do meu ser, sei que minhas pernas não suportariam mais um passo.
O esforço da fuga me esgotou.
Capítulo 45
Isabella:
Voltei ao quarto, trancada. Dois dias se passaram, e continuo presa
aqui. Ares não vem me ver, mas sei que ele aparece durante a noite. Mesmo
sonolenta, ouço seus passos pesados pelo quarto. Quero desesperadamente
fugir desta casa, mas, a menos que eu consiga me teleportar, é impossível.
Passo meus dias na varanda, lendo, quando não estou debruçada
sobre o vaso, vomitando. O teste de gravidez que deixei na pia foi o
suficiente para ele descobrir, e desde então, não sei o que Ares está
planejando, mas sei que algo está em andamento. Há homens se
movimentando no jardim o tempo todo.
Estou concentrada em mais um dos meus livros quando o som da
chave girando na porta me chama a atenção. Imagino que seja Ares, mas o
som de saltos me confunde. Alice aparece à porta, com um sorriso gentil.
Trancada aqui, pensei que ela tivesse ido embora, mas vê-la ali me traz uma
pequena sensação de alívio.
— O que está fazendo aqui? — pergunto, enquanto a vejo fechar a
porta atrás de si e caminhar em minha direção.
Sento-me na ponta da cama, e minha cunhada faz o mesmo ao se
aproximar.
— Eu sei o que está acontecendo, sinto muito — ela lamenta.
— Pensei que já tivesse ido embora…— murmuro, olhando para
meus próprios pés.
— Eu vou mais antes vim te ajudar a sair daqui.
Ela segura minhas mãos, um gesto que me transmite cumplicidade.
— Isso é impossível, Alice. Não precisa se colocar em risco por
mim, estou bem — tento argumentar, ainda incerta de suas intenções.
Alice balança a cabeça, decidida.
— Eu cresci aqui, conheço alguns truques. Posso tirar você daqui,
mas não tenho muito tempo.
Ela é irmã do meu marido. Deveria confiar nela? Sei que a relação
entre os dois é complicada, e ela só ficou aqui porque eu pedi. Talvez ela
realmente queira me ajudar, mas o risco é enorme.
— Não precisa fazer isso — insisto. — Ares não é piedoso. Se
descobrir que você me ajudou, ele vai te punir.
— Quando ele souber, eu já estarei longe — ela diz, com uma
confiança que não consigo compartilhar.
Mordo o interior da minha bochecha, indecisa.
— Qual é o seu plano? — pergunto.
— Agora todos estão ocupados. Os soldados vigiam o jardim e os
portões, e meus irmãos não estão em casa. Existe uma saída pelo porão. Só
precisamos chegar lá. — Sua explicação vem rápida e precisa, como se já
tivesse tudo preparado.
Eu já estive no porão, mas nunca soube dessa saída secreta.
— Se formos agora, ninguém vai nos ver — ela finaliza, esperando
pela minha decisão.
Eu preciso proteger meu bebê do próprio pai, e se eu precisar fugir
para fazer isso, eu farei.
— certo, eu irei com você. — eu respondo decidida sem espaço para
retroceder.
—
Alice arrasta meu braço até o porão não tenho boas lembranças do
lugar, a última vez que estive aqui fui marcada como animal, caminhamos
pelo corredor, onde eu já tinha familiaridade, estava escuro e silencioso,
minha cunhada parecia conhecer bem o caminho por onde me guiava,
atravessamos duas portas até chegar a um portão de ferro, era pesado e nós
duas precisamos empurrá-lo para deslizar para o lado, e quando
conseguimos eu pude ver o sol brilhar na estrada de terra, dei dois passos
para fora, quando senti uma pancada atingir minha cabeça, foi forte o
suficiente para me fazer cair no chão inconsistente.
Ares
Isabella estava tão desesperada para fugir de mim que acabou
caindo diretamente na toca do lobo. Não a culpo, não poderia. Não tenho
esse direito. Eu falhei com ela, falhei como marido, destruí a confiança que
ela depositou em mim. E quem é o culpado? Eu, somente eu.
A puni injustamente, ceguei-me ao ponto de não acreditar em suas
palavras. Fui um crápula, obcecado pela vingança, e usei essa sede como
desculpa para saciar minhas próprias necessidades. Agora, o
arrependimento me fustiga como um chicote impiedoso. Isabella nem
sequer quer me encarar. Sinto que a perdi de uma forma tão profunda que os
pedaços que restaram dela já não podem ser tocados pelas minhas mãos. A
quebrei de um jeito que talvez nem o tempo consiga consertar.
Abro a porta do carro para que entre, e, mais uma vez, ela
permanece em um silêncio que me despedaça. O rosto está marcado por
rastros de lágrimas e um pesar que não desaparece. Deixo-a no banco de
trás, fecho a porta e volto para meus irmãos. Precisava avisar que voltaria
para casa e que eles deveriam cuidar de tudo.
Rastrear Isabella até aqui não foi difícil. Mario sabia: a aliança que
ela usava tinha um rastreador. Era uma precaução para situações como essa.
Mas estavam fora do território siciliano, na fronteira. Para chegar até aqui
com os meus homens, precisei da ajuda de Giovanni. Eu já lhe havia
prometido a cabeça de Mario, e sua cooperação, apesar de movida por
conveniência, foi decisiva.
Alice nunca me enganou com aquela pose de boa moça. Sempre
soube que não se podia confiar nela, mas confesso que fiquei surpreso ao
descobrir seu envolvimento com Mario. E até Angélica, que trabalhou em
nossa casa por tantos anos, conseguiu me surpreender. Como eu poderia
imaginar que as duas eram parentes?
Render-me foi uma estratégia calculada, uma maneira de ganhar
tempo para que meus irmãos pudessem planejar o ataque com cuidado. Não
tínhamos ideia de quantos homens Mario tinha ao seu lado, e eu não podia
arriscar perder meu filho. Muito menos minha esposa.
Quando Isabella desapareceu, começamos a revisar as câmeras de
segurança da casa, tanto as internas quanto as externas. Foi por elas que
descobri que Alice a havia levado pelo porão. E, por meio delas, percebi
que Isabella não havia me traído. As imagens mostravam claramente que,
naquele dia, Alice entrou e saiu do quarto em questão de minutos. Só
precisei juntar os fatos para entender:
Alice usou provavelmente o celular de Isabella para enviar aquelas
mensagens. Mas, em vez de investigar a fundo, cedi à interpretação mais
conveniente, mais fácil. Por alguma razão insensata, não pensei em verificar
as câmeras.
Solto um suspiro resignado e caminho até meus irmãos.
— Você levou uma surra do caralho, irmão. — Adryel ri, soltando a
fumaça do cigarro.
Reviro os olhos e lanço-lhe um olhar de advertência, sem muito
humor para piadas. A dor que ignorei no calor do momento agora começa a
cutucar com pontadas agudas; suspeito que duas costelas minhas possam
estar quebradas.
— Podem colocar fogo em tudo. — ordeno. — Vou voltar para casa.
Isabella precisa ser examinada, ela levou pancadas na barriga.
— Tudo bem, cuidaremos de tudo aqui. — Andreas responde,
acenando. — Vou mandar preparar o jatinho.
Assinto com um aceno. Olho ao redor, estranhando uma ausência.
— Giovanni já foi embora? — pergunto.
— Sim. Disse que tinha assuntos a resolver. — Andreas dá de
ombros, sem tirar os olhos do prédio.
— Ainda não acredito que Alice nos traiu…— Adryel murmura
pensativo.
— Ela nunca foi realmente uma de nós. Isso sempre esteve claro. —
respondo, firme
— E Angélica? Ela trabalha para a família desde que éramos
crianças. — meus irmãos continua balançando a cabeça em perplexidade.
Dou-lhe um tapinha no ombro.
— Nisso até eu fui pego de surpresa.
Capítulo 47
Isabella
Sentada na ponta da cama, a médica me examina com gestos
precisos e profissionais. Ela mede minha pressão e, em seguida, pede que
eu me deite de barriga para cima. Suas mãos apertam levemente meu
abdômen, procurando sinais de dor. Eu balanço a cabeça de um lado para o
outro, indicando que não sinto nada, mas minha mente está distante.
Meus olhos se voltam para Ares, sentado a poucos metros de
distância. Ele parece diferente, inquieto, algo que raramente vejo. Talvez
pela primeira vez, percebo uma preocupação genuína em seu semblante. Ele
observa cada movimento da médica em silêncio.
— Sem sinais de sangramento, então acredito que seu bebê está
bem. — informa a médica.
É a mesma que me examinou dias atrás. Suspiro, um pouco aliviada.
— Mas você precisa fazer um ultrassom. É importante para
verificarmos melhor a saúde do bebê — acrescenta, com um tom sério. —
As tonturas e os desmaios podem ser causados por anemia — a médica
acrescenta.
— Anemia? — Ares pergunta com um tom preocupado.
— Precisamos fazer exames para confirmar — ela responde
suavemente. — Mas não é grave, desde que ela se cuide e siga uma dieta
adequada. Tudo voltará ao normal. — Ela faz uma pausa, lançando um
olhar tranquilizador em nossa direção. — Mas ela precisa evitar o estresse.
A gravidez ainda está no início e há risco de perda se ela não se cuidar. Vou
prescrever algumas vitaminas e recomendo que vocês façam um ultrassom
com urgência, logo começaremos o pré-natal.
Eu aceno com a cabeça, absorvendo as palavras da médica. Assim
que ela sai, o silêncio paira no quarto, deixando apenas nós dois. A
conversa que estou prestes a iniciar pesa em meu peito, mas sei que é
inevitável. Respiro fundo, apoiando meus pés no chão e me levantando,
sentindo uma onda de determinação me percorrer.
— Eu aceitei voltar com você, Ares, mas tenho algumas exigências.
— Minha voz é firme, mesmo que por dentro eu esteja aos pedaços.
Ele me encara, confuso, a testa franzida.
— Você já fez exigências quando nos casamos, Isabella — ele
responde, com aquele tom frio e manipulador que conheço tão bem.
— Não quero mais dividir o quarto com você, e, principalmente,
não quero que me obrigue a qualquer tipo de ato sexual — digo, e percebo
um leve estremecimento em seu rosto. — Podemos continuar como um
casal, se for isso que deseja, mas não quero que me toque novamente.
Ares pisca os olhos um pouco aflito.
— Não vou ficar longe de você, nem do meu filho. — Ele balança a
cabeça em negação.
Sinto meu coração apertar, mas continuo
— Quer continuar me machucando desse jeito? — minha voz falha
por um segundo, mas recupero o controle. — Toda vez que olho para esse
quarto, me lembro do que você fez, de como me tomou. Quando vejo
minhas costas no espelho, só enxergo as marcas que ficaram, e essa não é a
relação que eu quero ter. Pode ser que, de alguma forma, eu tenha me
acostumado com o seu jeito sádico, que parte de mim tenha aprendido a
suportar… mas isso não faz com que seja certo. E eu me convenço disso
todos os dias. Não posso permitir que me trate assim.
Ele dá alguns passos para frente.
— Não pode me afastar… — murmura, quase desesperado. — Eu
preciso de você.
— Precisa de mim? — repito, soando mais amarga do que eu
pretendia. — Você precisa me controlar, Ares. Isso não é amor, e nós dois
sabemos disso. O que você sente é posse, é a necessidade de me dominar,
de me fazer ficar ao seu lado, mesmo que isso me destrua no processo.
Ele solta um suspiro pesado, como se estivesse prestes a reagir de
forma impulsiva, mas se controla. Os olhos verdes fixos em mim.
— Eu nunca quis te machucar. — Sua voz sai rouca.
— Não quis? Você é tão mesquinho, Ares. Me ferrou como se eu
fosse um dos seus cavalos. Não pensou, nem por um segundo, que isso iria
me ferir? Você me machucou, e vai continuar machucando, a menos que
perceba que não sou um objeto seu.
Ele dá mais um passo na minha direção, mas eu levanto a mão, um
gesto que o faz parar imediatamente. Minha respiração está pesada, meu
coração acelerado.
— Eu só quero… consertar isso. — murmura baixo.
— Não há conserto, Ares. Não desse jeito. Se você quer que isso
funcione, se quer que eu fique, então terá que respeitar minhas exigências,
não tente passar por cima delas. Nosso filho não é uma garantia de que vou
ficar aqui, e você não pode me prender com isso.
Seus punhos se fecharam ao lado do corpo.
— Você me pediu para confiar em você, mas foi você que não
confiou em mim. Me julgou, me humilhou, e pisoteou meus sentimentos.
Nem sequer tentou acreditar em mim.
— O que você quer que eu faça? Que eu me ajoelhe, que diga que
sinto muito, que confesse que errei? Que fui um louco? Que eu implore que
me perdoe? — Sua voz, rouca de emoção, me atinge.
— Perdão… não é algo que se pede, como se fosse um favor —
respondo. — Perdão se conquista. Com o tempo, com ações. E você… —
engulo em seco. — você quebrou muita coisa dentro de mim. Não posso
simplesmente apagar isso. Talvez o que eu precise, e mais do que palavras,
mais do que promessas… seja paz.
Ele desvia o olhar e encara o chão.
— Você quer que tenhamos um casamento onde eu não possa nem te
tocar? É isso? — Ele pergunta, com um olhar triste e vazio.
— Pense que estamos fazendo isso pelo nosso filho.
Ares balança a cabeça frustrado.
— Você não pode estar falando sério…
— Não temos mais vínculo, Ares. Você me usava apenas para gerar
um filho, e agora que conseguiu isso… não precisamos dividir uma cama.
— eu busco ar em meus pulmões para continuar. — Também não vou
impedir que fique com outras mulheres; sei que você tem seus desejos. —
Pronunciar essas palavras me destruiu por dentro. Estava abrindo mão dele
de todas as maneiras possíveis, apenas para não sofrer mais, apenas para
que pudéssemos viver bem e criar nosso filho, mesmo que a ideia de vê-lo
com outra mulher me machucasse profundamente.
Seus olhos vagam o quarto, sua mão passa pelos cabelos negros em
gestos rápidos.
— Eu não vou suportar ficar longe de você… Vou viver um inferno
todos os dias, mas se essa for a única maneira de mantê-la nesta casa, eu me
afastarei. Preciso resolver algumas questões da La rosa nera e ficarei fora
por algum tempo. — Seus ombros caem enquanto ele solta um suspiro
cansado. — Viajo ainda esta noite.
Meu peito se contrai angustiado, mas penso que talvez seja melhor
assim, precisamos ficar longe um do outro.
— Andreas ficará por aqui. Se precisar de algo, fale com ele — Ares
diz.
Assenti com leve aceno.
— Tem algo que eu gostaria de pedir… Enzo era um amigo para
mim e gostaria de prestar alguma homenagem a ele. — Ares suspira, antes
de balançar a cabeça lentamente.
— Tudo bem. Andreas pode te ajudar com isso. — Ele concorda,
mas percebo seu olhar descer para minha barriga. Sei que ele deseja me
tocar.
— Você vai ficar bem? Vai se alimentar e… — Ele para, as palavras
saem da sua boca com preocupação
— Sim, eu vou. — asseguro.
— Posso, pelo menos, sentir seu cheiro uma última vez? — Ele
pede com um sussurro calmo.
Mordo o lábio, lutando contra a vontade de ceder, mas balançando a
cabeça negativamente. Eu também queria sentir seu cheiro uma última vez.
Mas para quê? Para me torturar? Para provar a mim mesma o quanto sou
fraca e vulnerável diante dele? Não. Eu não posso ceder.
— Me avise quando fizer o ultrassom, quero saber se meu filho está
bem. — são suas últimas palavras
Ele se vira silenciosamente em direção ao closet, e mesmo sem
olhar, sei exatamente o que está fazendo: arrumando suas malas. A
confirmação vem alguns minutos depois, quando ele sai do quarto com uma
única mala em mãos. Uma parte de mim quer acreditar que isso significa
que ele não ficará fora por muito tempo, mas outra parte teme pelas minhas
expectativas.
Ares atravessa a porta sem dizer uma única palavra, e eu sigo seus
passos com o olhar até ele desaparecer.
Andreas me leva até o local onde Enzo foi enterrado. O jazigo fica
perto do de sua mãe, e há uma foto dele junto ao nome gravado na lápide,
com uma frase de despedida. Ele era jovem demais para a morte, mas,
mesmo assim, a vida o levou. As lágrimas começam a cair sem que eu
possa contê-las, quentes e silenciosas.
Coloco as flores que colhi no jardim sobre o túmulo e faço uma
breve oração. Não sou religiosa, mas sempre senti Deus em meu coração,
especialmente nos momentos de luto.
— Sinto muito ter demorado tanto para vir te ver — murmuro, como
se ele pudesse me ouvir, o vento sopra meu cabelo sobre o rosto. — Os dias
têm sido corridos.
Meus dedos deslizam suavemente pela fria superfície da lápide, e
depois me ergo. Enzo morreu de forma nobre. Disseram que ele salvou
civis, que deu a própria vida para salvar outras. Isso não me surpreende.
Apesar de toda a pose de durão, ele era um homem de coração bondoso. Eu
sempre soube disso.
Caminho de volta até o carro com Andreas ao meu lado. Ele sempre
foi calado, fechado, mas, apesar disso, sinto uma profunda admiração por
ele. Foi o único que acreditou em mim, mesmo sem ter me ouvido.
— Por que você nunca achou que eu fosse uma traidora? — A
pergunta escapa de meus lábios sem que eu possa me conter.
— Você é uma doida descontrolada, mas traidora não. E meu irmão
gosta de você, mesmo que ele não diga. Sei que isso não justifica o que ele
fez, mas… se serve de consolo, ele ficou muito preocupado quando você foi
sequestrada — confessa de forma inesperada.
— Ele estava preocupado com o bebê — retruco, com uma
amargura que não consigo esconder.
Andreas suspira e me lança um sorriso quase imperceptível.
— Você realmente acredita nessa merda de que ele só se casou com
você para te engravidar? — A espontaneidade na voz dele me faz rir de
uma forma que eu nem lembrava ser possível.
— No que mais eu acreditaria? Desde o início, tudo foi planejado: o
casamento, e até esse filho.
— No começo, talvez sim. Quando ele te conheceu, esse era o
plano. Mas, depois… alguma coisa mudou.
— Você é irmão dele, vai defendê-lo de qualquer jeito — rebato.
— Você tem razão nisso — ele diz, abrindo a porta do carro para
mim. Mas antes de fechá-la, ele me olha com uma expressão enigmática. —
Ares me pediu para te levar em um lugar.
Ares
Dois meses.
Conseguir tudo o que eu queria não me trouxe a satisfação que eu
esperava. Apesar de ter alcançado poder e agora comandar duas máfias, o
vazio no meu peito continuava crescendo. Eu tinha um sucessor a caminho,
estava prestes a concretizar o que planejei durante quatro longos anos, mas
nada disso parecia suficiente sem a mulher que eu realmente desejava ao
meu lado.
As semanas, desde que cheguei, passaram rapidamente, ocupadas
com trabalho e a reforma nos negócios do meu falecido sogro. Como era de
se esperar, alguns se rebelaram contra mim, mas tudo foi resolvido da forma
mais simples: com uma lâmina afiada e uma cabeça rolando. Isabella era
herdeira legítima da La rosa nera, e o nosso filho também. Ninguém ousaria
contestar esses fatos.
Não pretendo permanecer aqui para sempre. Meu irmão mais novo
ainda não sabe, mas, após o casamento, ele virá para cá. Será meus olhos e
ouvidos. É claro que sentirei sua falta, ele e Andreas são as únicas pessoas
em quem confio plenamente. Justamente por isso, estou confiando a ele
esse cargo.
Andreas me mantém atualizado quase todos os dias sobre Isabella.
Ver as fotos dela distraída só aumenta a saudade que corrói meu peito.
Tento lidar com isso à minha maneira. Sei que estamos afastados por minha
culpa. A parte doentia de mim arruinou tudo. Eu me odeio da forma como
ela disse que eu me odiaria. Odeio-me por machucá-la, por duvidar da sua
lealdade, por destruir seu coração, por ser um marido terrível. Odeio-me por
acreditar que ela deveria ser forçada a suportar o inferno que criei.
Fui péssimo. Eu rastejaria aos seus pés, se ela me permitisse. Sim,
porque ela é a única que me faz cair de joelhos. Faria qualquer coisa por
aquela mulher.
— Você está me ouvindo? — A voz de Adryel me puxa de volta dos
meus devaneios.
— Sim — respondo, ainda com a mente distante. — Você disse que
ele é um ex-sacerdote que virou político. — repito por algo o que penso ter
escutado.
— Eu disse mais que isso. — meu irmão revira os olhos,
impaciente. — Está nervoso porque vamos voltar para casa?
Eu deveria admitir que sim, que estou nervoso. Não sei se ela vai me
deixar tocar sua barriga, ou sequer se permitirá que eu beije seus lábios.
Mas, em vez disso, apenas balanço a cabeça e tento focar no que importa.
— Estou tranquilo quanto a isso. Em algum momento, terei que
voltar. — Me ajeito na poltrona que foi do meu falecido sogro. É
confortável, mas ainda prefiro a minha. — Quanto ao falso profeta, faça
como sempre fazemos. Faça parecer um acidente e depois queime tudo,
para não deixar vestígios.
Meu irmão caminha até o minibar no canto da sala e se serve com
um uísque.
— Será que essa lista vai acabar algum dia? — Ele se refere à
pirâmide de sequestro de crianças. Nos arquivos de Mário, encontramos
nomes que nos levaram a uma rede maior, envolvendo famílias ricas não só
da Itália, mas de outros países. Hospitais, igrejas e até figuras do governo
estão envolvidos. E aquelas crianças não são as únicas. Muitas outras estão
sendo sequestradas ao redor do mundo.
— Sendo sincero, não sei. — Respiro fundo antes de continuar. —
Acho que essa merda nunca vai acabar. Mesmo que matemos dez, ainda há
muitos mais envolvidos.
Adryel gira o copo de uísque em sua mão, observando o líquido
âmbar girar.
— Quando voltarmos para casa, o que vai fazer a respeito do seu
casamento? — de volta ao assunto.
Inclino a cabeça para trás, desejando que ele engula o copo de
uísque. Não quero falar sobre isso. Passei todo esse tempo tentando não
pensar nela, mas ainda me pego relendo a última mensagem que recebi. Foi
enviada um dia depois que cheguei e continha o ultrassom do nosso filho.
Depois disso, não recebi mais nada. Cheguei a pensar em mandar uma
mensagem, mas tinha quase certeza de que ela não responderia. Então,
prefiro aceitar que estamos distantes, porque é o que precisa ser.
— Vou conceder o divórcio a ela.
Deixo minha cabeça cair para trás na poltrona.
— Vai desistir do seu casamento assim, tão fácil?
— E o que mais posso fazer? Ela me odeia. Não quer que eu a
toque, e chegou a dizer que eu deveria ficar com outras mulheres. — Meu
peito aperta, como se uma corda invisível estivesse sendo amarrada ao
redor do meu pescoço, sufocando lentamente. — Se eu a obrigar a ficar
comigo, só vou fazê-la sofrer ainda mais. Só quero poder conviver com
meu filho, e isso para mim já basta.
— E você? — ele pergunta. — Não vai sofrer com isso também?
— Já estou sofrendo. Cada dia que passo sem ela… — Respiro
fundo. — Mas acredito que um dia isso vai passar. Sentimentos são
temporários. — Tento convencer a mim mesmo disso todas as noites,
quando encosto a cabeça no travesseiro e luto para arrancar esse maldito
sentimento do meu coração. — E você, está preparado para ficar noivo e
estar comprometido com alguém? — mudo de assunto
Seu corpo fica tenso imediatamente.
— Não, mas é necessário. — Adryel toma um gole da bebida antes
de continuar. — Com você se separando, eu serei o único casado, e
sinceramente… não vejo vantagem nenhuma nisso.
Eu não deveria, mas acabo rindo.
— Você vai se acostumar, acredite.
— Acostumar? A ter apenas uma única mulher? — Ele fecha os
olhos, visivelmente aborrecido.
— Se ela for a mulher certa, você não vai querer mais nenhuma
outra. — digo.
Meu irmão coloca o copo de bebida sobre a mesa e se espreguiça na
poltrona à frente.
— Nossa mãe me ligou. — Ele me observa, esperando uma reação.
— O que ela queria?
— Está doente. Disse que é algo grave.
— E como saber se não está blefando? Não tenho tempo para lidar
com isso, Adryel. Aquela mulher não significa nada para mim. Se você, e
Andreas, ainda se importa com ela, eu respeito, mas não quero ser
envolvido.
— Eu sei… você passou por tantas coisas quando criança e nunca
nos colocou contra ela.
— Eu senti falta de uma mãe e não queria que vocês passassem pelo
mesmo. Mas a verdade é que ela não merece nenhum tipo de afeto, nem o
meu, nem o de ninguém.
Quando penso no meu filho, desejo ser para ele o que eu nunca tive.
Quero ser bom pra ele.
Isabella
Ainda não me acostumei a acordar sozinha. Eu durmo abraçada a
uma das camisas dele, apenas para sentir seu cheiro e facilitar o sono. Essa
se tornou uma mania minha. Nos primeiros dias, eu chorava
incessantemente: chorava porque ele era o responsável pela nossa
separação, chorava porque queria perdoá-lo, chorava porque desejava ligar
e pedir que voltasse para ficar comigo e com nosso filho.
Chorava porque sentia sua falta, porque queria que ele visse que
agora tenho uma pequena barriga e que nosso filho está crescendo. Eu
chorava porque o amava e estava me despedindo do que um dia chegamos a
ser.
Nas semanas seguintes, me empenhei em me alimentar melhor, fazer
exercícios e me desligar da internet, tentando não esperar por uma
mensagem simples dele. Com a intenção de ocupar minha mente, acabei
lendo mais de quinze livros. Cuidava do jardim, tomava banhos de piscina e
participava de reuniões com as mulheres da organização. Embora muitas
vezes fosse entediante, fiz de tudo para que os dias passassem mais rápido.
Com um mês, meu coração já não doía tanto e comecei a me sentir
um pouco melhor. Não me lamentava nem ficava triste; esforçava-me para
que nada do que eu sentisse afetasse meu bebê. Com quatro meses de
gestação, minha barriga não é muito grande, mas, considerando que sempre
fui muito magra, isso já é um avanço.
Ganhei um pouco de peso, apesar de não conseguir comer muito por
causa dos enjoos que tenho com mais frequência, meus seios estão
doloridos e inchados, e meus pés começaram a ficar um pouco
edemaciados. Na última consulta, a médica me explicou que todos esses
sintomas são normais na gravidez e que eu deveria repouso.
Dois meses se passaram desde que ele viajou e não tive notícias
dele. No entanto, sei que ele sabe de mim; Andreas, não perde a
oportunidade de me fotografar e enviar para o irmão. Às vezes, sentia
curiosidade e pensava em perguntar a Andreas quando Ares voltaria, mas
acabava me abstendo. O que eu sentia por Ares era uma dependência
emocional, e eu estava tentando lidar com isso nas sessões com a psicóloga.
Queria me tratar do que quer que fosse esse sentimento; acreditava que o
amor também pode ser curado. Passava horas imaginando como seria seu
retorno, martelando na mente a ideia de quantas mulheres poderiam ter
aquecido sua cama, e se ele fazia com elas todas aquelas coisas que fazia
comigo.
Eu estava bem, mas ainda sentia que algo estava faltando. Talvez
fosse minha liberdade. Ser livre sempre foi um sonho, mesmo que tenha se
apagado quando me casei. Contudo, esse desejo nunca desapareceu
completamente. Talvez fosse isso que me faltava: a oportunidade de viver
uma vida comum, normal. Era isso que eu realmente queria, não era?
Aliso a barriga sobre o vestido enquanto balanço na rede do jardim
com um livro em uma das mãos. Olho para o céu azul, admirando a beleza
de um lindo fim de tarde.
Capítulo 49
Isabella
Ouço a porta do quarto ranger lentamente, seguida de passos que
ecoam pelo chão. Por um momento, acreditei estar sonhando, como tantas
outras noites, mas algo em meu corpo avisa que é diferente. Consigo sentir
o colchão afundando, e um leve toque em meus cabelos, carícias.
Meu coração dispara, e eu abro os olhos, com as mãos rapidamente
apoiadas no colchão. Sento-me na cama, ofegante. A palma das minhas
mãos está suando, meus lábios tremem e minha garganta parece apertada.
Faço um esforço para piscar, para ter certeza de que realmente estou vendo-
o.
Ele está tão próximo que sinto minha pele se arrepiar.
— Desculpe, não queria te acordar. — Sua voz, depois de tanto
tempo, me desconcerta; eu senti falta dela.
Seus olhos penetram os meus, e uma vontade intensa surge de tocar
seu rosto, de sentir a textura da sua barba entre meus dedos. Inspiro seu
perfume.
Minha voz desaparece na garganta, e não consigo encontrar palavras
para dizer. Ensaiei tantas vezes como seria nosso reencontro, mas agora me
esqueci de tudo.
— Você… Quando chegou? — murmuro e me esquivo do seu
corpo.
O verde intenso de seus olhos é tão deslumbrante que me perco por
alguns segundos, hipnotizada.
— Acabei de chegar. Vou pegar uma roupa e sair. — Ele se levanta
rapidamente, afastando-se como se tivesse percebido que invadiu meu
espaço.
Levanto-me rapidamente, e quando ele retorna, o choque é imediato.
Seus olhos se fixam em meu ventre, e eu instintivamente tento escondê-lo,
sem entender o motivo desse impulso.
— Você já pegou o que precisa? — pergunto, tentando desviar sua
atenção, mas ele continua com o olhar preso à minha barriga.
— O que eu preciso fazer pra você deixar eu tocar? — sua pergunta
quebra o silêncio.
Desejei tanto que ele acariciasse minha barriga, mas agora me
pergunto se devo permitir isso. Já consigo perdoá-lo? Sou capaz de
estabelecer limites entre nós? Se ele me tocar, será que meu corpo não vai
queimar de desejo?
Fico em silêncio, sem lhe dar resposta alguma.
— Você não acha que já me castigou o suficiente? Eu só quero tocar
no meu filho… por favor… — Ele implora. Ares implora para tocar na
minha barriga.
Respiro fundo, sentindo minha resistência desmoronar.
— Tudo bem… mas só um pouco.
Ele se aproxima, e a sombra do seu corpo envolve o meu. Com uma
calcinha de renda e uma blusa fina, sinto a vulnerabilidade em cada
centímetro exposto do meu corpo. Engulo em seco enquanto ele reduz a
distância entre nós, está difícil até mesmo respirar o mesmo ar que esse
homem.
Vejo-o se ajoelhar lentamente diante de mim, entregando-se aos
meus pés. Seus olhos são de uma devoção crua, e sua mão começa a se
aproximar da minha cintura, sinto o coração acelerado em antecipação.
Quando seus dedos finalmente deslizam pela curva suave da minha barriga,
levemente arredondada, sinto uma corrente elétrica percorrer meu corpo,
fazendo cada célula despertar ao toque dele.
Fecho os olhos por alguns momentos, deixando-me envolver pelo
toque. Quando os abro novamente, encontro o rosto dele próximo à minha
pele, seus dedos acariciando-me com ternura. Há um brilho em seus olhos,
que me deixa até emocionada.
Ele beija minha barriga enquanto ainda faz carinho, sua barba roça
minha pele, e sinto meus dedos dos pés formigarem.
Por quanto tempo mais vou conseguir resistir a isso? Preciso dele,
dos lábios pressionados contra os meus, do calor que só ele desperta em
mim. Preciso senti-lo dentro de mim fundo, preciso queimar junto com ele.
— Você esteve com outras mulheres? — A pergunta escapa dos
meus lábios antes que eu possa contê-la. Eu sei que não deveria questioná-
lo, que a resposta pode me ferir, mas se realmente quero seguir em frente
com isso, preciso ter certeza de que ele ainda é só meu.
— Não, eu ainda sou apenas seu, mesmo que você me rejeite. — A
aliança brilha em sua mão, descansando sobre minha barriga, e não consigo
desviar o olhar dela.
Passo a língua pelos lábios, e mordo minha bochecha indecisa.
— Você… Você quer fazer sexo comigo? — fecho os olhos no
instante em que faço a pergunta, sentindo a vergonha subir pelo meu rosto
por me atrever a sugerir algo assim, especialmente quando sei que preciso
me afastar dele.
Ares se levanta, olhando para mim como se eu tivesse cometido um
erro.
— Não quero te machucar… Não quero fazer isso de novo.
— Você não sente mais desejo por mim? — indago, a insegurança
transparecendo na minha voz.
— Eu te desejo de uma forma que chega a doer, Isabella. Mas não
quero que você me odeie ainda mais.
— Podemos fazer isso só mais uma vez. Eu sinto tanto a sua falta —
admito em um sussurro.
— Você acha que eu não sinto? Eu me segurei todos os dias para
não voltar para casa, porque queria te dar espaço. Não queria ter que ver o
medo nos seus olhos quando olhasse para mim. — ele diz olhando no fundo
dos meus olhos.
— Eu não estou com medo agora.
— Isso vai mudar assim que eu tocar em você. Vou querer te revirar
do avesso, bagunçar você, vou querer deixar sua pele marcada, vou te
sufocar e te fazer gritar, eu vou ser um depravado. — ele dá um passo para
trás como se isso fosse capaz de nos afastar.
Engulo em seco suas palavras.
— Eu quero que você faça tudo isso comigo. — minhas pernas se
esfregam uma na outra. — Quer que eu implore para você me foder? Se é
isso que você quer, eu estou implorando. Por favor, me jogue nesta cama e
me transforme em uma puta suja. Eu preciso disso, preciso me sentir assim,
pelo menos uma última vez.
Tomo a iniciativa e me aproximo dele, dando alguns passos até que
finalmente estamos próximos. Me inclino na ponta dos pés para alcançá-lo,
capturando sua boca em um beijo que me tira do chão.
Sua mão se agarra à minha cintura, e ele deixa de resistir; seu corpo
também me deseja, chamando por mim em silêncio. Sua boca devora a
minha em um beijo de saudade, quase violento. Sinto os músculos do meu
corpo sendo envolvidos pelos braços dele, e me sinto maravilhosamente
esmagada contra ele, como se fôssemos capazes de nos fundir, de nos tornar
um só.
Minhas mãos deslizam pela sua camisa, buscando desesperadamente
os botões para desabotoá-la. Mas, quando vejo mais marcas em seu
abdômen, paro. As cicatrizes parecem recentes, e me afasto um pouco para
observar melhor.
Quando minhas mãos exploram suas costas, sinto pequenas
ondulações sob os meus dedos. Ao olhar para sua pele exposta, fico
boquiaberta: marcas de chicote. Quantas vezes ele se feriu até alcançar a
carne e sangrar?
— Por que você fez isso? — questiono, tocando suas feridas com
raiva, incapaz de entender por que ele se machucou. — Me diga por quê! —
exijo.
Ares suspira e me observa como se quisesse me acalmar, mas sinto
meus olhos arderem. As lágrimas começam a escorregar pelo meu rosto,
quentes e incontroláveis.
— Porque não suporto viver sabendo que você me odeia. Preciso me
punir de alguma forma, querida, até que meu corpo não suporte mais. —
Ele sussurra com um tom rouco e seca minhas lágrimas com a ponta de seus
dedos.
— Você não precisa fazer isso por minha causa. — tento acalmar
meu choro. — Eu te perdoo, mas não se machuque mais, por favor. — eu
imploro.
Sua mão acaricia meus cabelos.
— Não precisa me dar o seu perdão por pena — responde. — Eu
não quero que você sinta compaixão por mim.
Solto um suspiro profundo que parece rasgar minha garganta.
— Estou te perdoando porque, quando você se machuca, você
também me fere. — Passo a mão pela sua barba. — Eu não te odeio. Minha
boca pode ter dito isso, mas não é o que realmente sinto. Não consigo te
odiar.
Novamente, o beijo acontece sem que eu dê espaço para nos
separarmos. Ele me agarra e me leva para a cama, e eu enrosco minhas
pernas em sua cintura, prendendo-o contra mim, enquanto rolamos nos
lençóis.
— Eu senti tanta falta de te beijar — ele sussurra contra meus
lábios, e um sorriso se forma em meu rosto.
— Eu também.
Sua barba provoca cócegas no meu pescoço enquanto ele desce
entre meus braços, puxando minha blusa. Eu me ergo para tirar a peça. Sua
boca encontra um dos meus seios, e meu corpo parece prestes a entrar em
combustão. A forma como ele belisca, suga e morde me leva à beira da
loucura. Mal consigo lembrar que eles estão doloridos; tudo o que faço é
empurrar mais meu corpo em direção ao seu rosto, pedindo que ele chupe
mais forte.
Meus dedos se entrelaçam em seus cabelos, enquanto meu corpo se
inclina, minha boceta lateja de excitação.
Ares responde com um gemido rouco, como se estivesse sofrendo
tanto quanto eu, por aqueles dias que passamos separados onde eu só
desejei um toque dele.
— Eu quero te sentir inteira. Deixe-me lembrar como é estar dentro
de você.
Minha respiração está descompassada, e eu balanço a cabeça.
— Sim… sim, por favor. — peço, ofegante.
Meu corpo já responde, trêmulo e rendido.
Sua boca desliza pela minha barriga, depositando beijos ardentes a
cada centímetro, e, quando ele se aproxima do meu monte de Vênus, ele
exala um suspiro profundo, como se estivesse absorvendo meu cheiro, cada
detalhe do meu corpo. Sua testa repousa contra a minha calcinha, e suas
mãos fortes se prendem à minha cintura, me mantendo firmemente em seu
domínio.
Espero ansiosa, desejando que ele me devore como sempre faz, que
arranque de mim um grito selvagem, que rasgue minha calcinha sem
hesitação, que deixe suas marcas em minha pele, impressas de forma tão
intensa que nem mesmo a roupa poderá esconder. Eu quero tudo o que ele
pode me dar, com uma urgência desesperada, temendo que talvez essa seja
a última vez. A última vez que vou senti-lo, que seus beijos pertencem
apenas a mim.
Suas mãos deslizam lentamente, arrastando minha calcinha pelas
minhas coxas e pernas, até que eu esteja totalmente exposta, revelando o
quanto estou excitada.
Quantas vezes imaginei esse momento? Quantas vezes sonhei que
ele me tomaria assim? Mas por que ainda preciso tanto dele, apesar de todo
o sofrimento que ele causou? Será covardia amar alguém que me feriu tão
profundamente?
Ele começa a me acariciar, seus dedos correm lentamente pela
minha pele exposta, e um arrepio percorre minha espinha. Cada toque, por
menor que seja, me arranca suspiros, gemidos abafados que mal consigo
conter. Quando sua língua finalmente desliza entre meus lábios vaginais,
um gemido mais intenso escapa de mim, e minhas mãos se agarram aos
lençóis, desesperadas por algum tipo de apoio. Meu corpo se contorce sob o
toque dele, e a sensação de sua língua quente me deixa cada vez mais
molhada e excitada.
Minhas pernas começam a tremer, e meu coração bate tão acelerado
que sinto como se fosse sair pela minha boca. Instintivamente, eu me abro
ainda mais, oferecendo-me completamente, inclinando minha cintura em
direção ao seu rosto. Minhas mãos se entrelaçam em seus cabelos, puxando-
os levemente, implorando em silêncio para que ele me leve à loucura, para
que me faça gozar em sua língua.
Ele me encara enquanto me domina, seus olhos escuros e vorazes,
absorvendo cada reação que ele provoca em mim, conscientes do poder
absoluto que têm sobre meu corpo e minha vontade.
Ares aprofunda sua língua, e um gemido alto me escapa. Meu corpo
cede, entregando-se sem reservas, e a pressão que se acumula em meu
ventre explode, me deixando tonta, entregue, completamente dominada.
Minhas mãos se enredam mais forte nos seus cabelos enquanto meu corpo
inteiro se contrai e relaxa, um misto de prazer e libertação.
Quando o êxtase começa a diminuir, ele sobe devagar por cima de
mim, seus olhos brilhando com um desejo insaciável. Suas mãos percorrem
meu corpo, como se estivessem memorizando cada linha, cada curva minha.
— Você é tão minha. — Ele sussurra, sua voz quente contra meu
pescoço.
Sou.
Sou toda dele.
Apenas dele.
E para sempre serei dele.
Seus lábios encontram os meus novamente, compartilhando meu
gosto em um beijo quente e apaixonado. Sinto a vibração do seu corpo
junto ao meu, e o que existe entre nós é inegável. Temos algo poderoso,
uma atração fatal, uma conexão que parece ultrapassar os limites dessa
vida.
Eu toco seu rosto, exploro seus braços, e deslizo a ponta dos meus
dedos pelo seu corpo, desenhando cada contorno e curva como se fosse uma
obra de arte.
Sinto-o se afastar para se despir, e quando ele retorna, seu corpo nu
se une ao meu. Um sorriso surge nos meus lábios ao perceber sua rigidez,
seu membro duro está sob minha barriga.
— Abra as pernas para mim. — Ele pede, e eu obedeço,
acomodando-me em baixo dele, pronta para recebê-lo. Mesmo ciente de
que pode doer, mesmo sabendo que, ao senti-lo dentro de mim, não haverá
volta, e a sensação que tentei evitar retornará com força.
Ele me encara no fundo dos meus olhos enquanto seu pau tenta me
penetrar, seu corpo pressiona contra o meu. A ansiedade me consome, e
quando sinto a ponta dele se infiltrando, um suspiro alto escapa dos meus
lábios e meu corpo se contrai, dando um sobressalto na cama. E como se
fosse a primeira vez, mas desta vez não haverá sangue nos lençóis ao final.
Entrelaço meus braços em seu pescoço, puxando-o para perto, e em
um impulso ele entra inteiro, penetrando fundo.
Sinto seu corpo se mover lentamente, e cada centímetro dele que se
insere em mim provoca uma mistura de prazer e dor. Ele se ajusta ao meu
corpo, sendo paciente, indo devagar, sem pressa, como se estivesse fazendo
sexo carinhoso comigo pela primeira vez. As lembranças do que fomos se
misturam em minha mente, e lágrimas escorrem pelo meu rosto, molhando
minhas bochechas.
— Merda! Eu tô te machucado não é? — ele pergunta com um
toque de decepção em sua voz, seu corpo começa a se afastar. Mas eu o
agarro, segurando-o firmemente, impedindo que ele se afaste de mim.
— Não ouse sair de mim — intervenho.
Por que ele tem que ser a minha âncora? Por que amar esse homem
é tão doloroso? Por que meu coração não consegue expulsá-lo? Meu corpo
anseia por pertencer a ele, mesmo sabendo que, embora tenhamos nascido
um para o outro, não somos perfeitos para nos encaixar.
— Você está chorando… — ele murmura, e seus lábios tocam
minhas lágrimas salgadas.
— Eu não consigo… — sussurro com a voz embargada. — Não
consigo entender por que isso é tão difícil.
Ele levanta meu queixo, forçando-me a encará-lo nos olhos.
— Por que amar você dói tanto? — pergunto, as lágrimas
escorrendo pelo meu rosto, deixando um rastro em minha pele.
— Eu não sei, querida. Eu queria que essa dor fosse só minha. —
Seus dedos deslizam suavemente pelos meus cabelos, afastando-os do meu
rosto e os colocando atrás da minha orelha, como um gesto de cuidado,
depois deposita um beijo na minha testa. — Essa é a última vez que vai
doer. Eu prometo. — Ele diz com convicção.
Ares retoma os movimentos, intensificando a pressão, enquanto
mergulho em seus olhos verdes. Neles, consigo ver a nós dois refletidos,
mas não sou capaz de alcançá-lo. Os momentos que vivemos juntos se
desenrolam em câmera lenta, todos os beijos e confissões, todas às vezes
que fui tomada por ele, até mesmo as explosões de raiva.
Recordo os momentos em que conheci seu pior lado, e mesmo
assim, escolhi ficar. Ele era meu lar, me cuidou à sua maneira e me fez
sentir amada. Seus gestos tinham um significado, ele era tudo o que eu
tinha. Mas tudo isso se dissipou. Essas lembranças se tornaram dolorosas
recordações do que fomos. Agora, nem eu, nem ele sabemos o que somos:
amantes? Inimigos? Ou apenas estranhos? Eu não o conheço mais como
antes, mas ainda vejo o homem que amo. Ele está ali, implorando
silenciosamente para que eu fique, mas já não sei se sou capaz de cuidar
dele sem que isso me machuque.
Eu abro ainda mais as pernas e faço um pequeno pedido, sussurrado.
— Vá mais forte, por favor.
— Mas… — coloco um dedo sobre seus lábios, interrompendo-o.
— Quero me lembrar de como é ser fodida pelo meu homem, então
vá forte, duro e rápido.
Ele suspira e inclina o rosto em meus cabelos, atendendo a cada um
dos meus pedidos. Ares me possui com uma intensidade raivosa, suas mãos
exploram meu corpo, beliscando meus seios enquanto eu choramingo,
anestesiada pelo prazer e pela dor.
— Deixa eu te comer por trás, amor. — sua voz sussurra quente em
meus ouvidos.
Amor?
Sim.
Sim, por favor.
Mil vezes sim.
Tome tudo de mim, até não sobrar nada.
Balanço a cabeça com um sorriso contido, e seus lábios se
encontram com os meus. Em um movimento ágil, sou virada de lado,
posicionada contra o colchão de uma maneira que conheço tão bem. Meus
joelhos afundam nos lençóis, a bunda ergue-se para cima e a cabeça se
inclina para frente. Suas mãos me forçam a abrir as pernas, enquanto seus
dedos exploram minha excitação e a arrastam até a minha bunda. Ele não
hesita em usar a língua, o que me pega desprevenida e acabo gemendo
abafado.
Sinto um de seus dedos pressionando para entrar, e me agarro aos
lençóis.
— Relaxe. Se você ficar tranquila, não vai doer — Ares assegura.
Confio nele e me esforço para relaxar o máximo possível, tentando
me convencer de que ter um dedo na minha bunda não é incômodo.
Seus dentes se cravam na pele suave das minhas nádegas, e não
consigo evitar um sorriso, pois até isso eu sentia falta.
Eu o encaro por cima do ombro, tentando repreendê-lo.
— Eu não consigo evitar.
Outro dedo se aprofunda dentro de mim, e eu afundo as unhas no
colchão com mais força.
Respiro fundo para me acalmar, e lentamente a dor se transforma em
uma sensação nova e prazerosa. Mas, não tenho tempo para saborear essa
mudança, pois logo sinto a ponta do seu membro duro pressionando contra
minha bunda. Mordo os lábios, antecipando a intensidade que está por vir.
Mesmo lubrificada, sei que vai doer; ele é enorme, e dois dedos não se
comparam ao tamanho do seu pau.
Com uma mão, ele se guia para dentro de mim, enquanto a outra
segura minha cintura com firmeza, mantendo-me na posição. Permaneço
quieta, sentindo seu comprimento me invadir lentamente. A sinto, uma
mistura de dor e ardor, um aperto intenso que me faz sentir cada centímetro
dele.
— Dói… — eu choramingo. — Meu Deus, está doendo muito.
— Calma, tente relaxar. Eu já estou dentro; só preciso me mover um
pouco.
Fecho os olhos e sinto sua mão descer entre minhas pernas, tocando
meu clítoris. Ele começa a se mover devagar, entrando e saindo, e eu não
consigo conter os choramingos que escapam toda vez que ele se afunda
novamente.
Um desejo avassalador começa a subir pelo meu ventre, fazendo
minha intimidade pulsar lentamente. Luto com todas as minhas forças para
manter as pernas abertas.
Ele intensifica seus movimentos, sendo mais rápidos e fundos, as
duas mãos seguram minha cintura, dando a ele oportunidade de puxar meu
quadril para mais perto. Ares rosna enquanto estapeia minha bunda sem dó
nem piedade. Gritos de prazer escandalosos escapam dos meus lábios, e ele
direciona sua atenção novamente para o meu clítoris. Sinto seu membro
pulsar, percebendo que ele está chegando ao seu limite. Consigo ver seu
lado perverso se libertando das correntes.
Ele goza, preenchendo minha bunda com seu orgasmo, o excesso
começa a escorrer entre minhas pernas, meu marido não para; continua a
me penetrar minha bunda, marcando minha pele com a palma da mão.
Permaneço inerte quando dois de seus dedos se afundam em minha boceta.
Arqueio as costas, sentindo que não consigo mais me segurar, que o
orgasmo está prestes a me dominar. Quando ele finalmente chega, sou
tomada por uma onda de prazer arrebatadora, deixando-me trêmula, exausta
e, talvez, sem voz de tanto gritar.
Capítulo 50
Ares
Vejo a imagem borrada na tela, meu coração bate acelerado,
enquanto o nervosismo toma conta de mim. Estive longe tempo suficiente
para perder momentos importantes do crescimento do meu filho. Isabella
exibe uma barriga linda, pequena, mas perfeitamente arredondada, eu insisti
para vir ao não queria perder mais nada do meu filho, quero ser um pai
que eu não tive para ele.
— É uma menina — informa a médica.
O sorriso radiante de Isabella se apaga de repente, e eu sei
exatamente o motivo.
— Menina? — repito, tentando processar a informação.
— Sim, vocês serão papais de uma menina — afirma a médica.
Notei seus olhos castanhos perderem o brilho, injetados de medo.
Medo de mim. Ela nunca conseguirá confiar em mim novamente, e eu
preciso aceitar isso. O vínculo que compartilhamos foi quebrado, e mesmo
que eu tente reconquistá-la, parece impossível. Ela é minha, mas não posso
segurá-la em meus braços.
Após sairmos do consultório, Isabella não me dirigiu uma única
palavra, nem mesmo um olhar. Eu poderia tentar dizer algo, mas isso não
mudaria minha decisão. Assim, resolvi apenas dirigir para casa, sufocando a
vontade de me abrir com ela.
Ao chegarmos em casa, nada mudou. Ela se trancou no quarto e me
ignorou por um dia inteiro. Mais uma vez, respeitei seu espaço e tentei me
concentrar no trabalho; afinal, havia ficado muito tempo fora e precisava
organizar várias coisas na empresa.
Mas à noite, percebi que não poderia evitar mais entrar naquele
quarto, muito menos a conversa que precisaremos ter. Uma porta não
poderia ficar entre nós. Usei a chave reserva para entrar, segurando uma
pasta em minhas mãos
Eu a encontro deitada com um livro na mão, mas assim que nossos
olhares se cruzam, ela fecha rapidamente o livro e o coloca na mesa ao lado
da cama.
— Ainda não me sinto confortável para dividirmos uma cama
completamente — ela se apressa em dizer, como se eu estivesse ali apenas
para usar seu corpo. Isabella se levanta, tomando uma posição defensiva.
— Não vim para isso — respondo, analisando seu rosto.
Isabella leva a mão à barriga, como se estivesse apreensiva ou
tentando se proteger, e isso parece quase cômico, considerando que
estivemos neste mesmo quarto ontem, trocando carícias.
Dou um passo em sua direção, mas ela recua, afastando-se de mim.
Sorrio, mas é um sorriso vazio, com ironia. Essa rejeição está me
corroendo por dentro.
— Não sei o que você está planejando, mas você não vai tirar a
minha bebê — ela diz rapidamente.
— Eu nunca faria mal a nosso filho — argumento, mas ela não
parece convencida.
— É uma menina, Ares. Ela não serve para ser seu sucessor, e eu
não vou deixar que você repita o que seu pai fez — sua voz, carregada de
emoção, me corta em pedaços.
Não, eu não faria o que meu pai fez. Não mataria meu próprio
sangue; não faria mal à minha filha.
— Você acha que eu seria capaz disso? — pergunto, mas ela apenas
me observa, em silêncio.
O silêncio dela diz tudo. Ela realmente acredita que sou um monstro
capaz de matar o próprio filho.
O que eu fiz com você, querida? Fui tão cruel e perverso que você
se vê incapaz de confiar até mesmo nas minhas palavras.
— Ela é minha filha, e nunca vou feri-la ou machucá-la.
Independentemente do que aconteça, ela é minha herdeira.
— Não consigo enxergar verdade em suas palavras. Você fez de
tudo para assumir o controle da máfia do meu pai e queria um filho para ser
seu sucessor, Ares. Não me engane; não me encha com essas mentiras. Não
me faça acreditar que ainda há um pouco de humanidade dentro de você. —
Eu fico em silêncio enquanto ela despeja tudo sobre mim. — O que
aconteceu ontem não apaga tudo o que houve entre nós — ela diz, fria.
— Eu sei, você só precisava matar sua vontade, certo? — respondo
com um sorriso irônico, tentando esconder a dor que sinto. — Espero que
tenha ficado saciada.
Ela me lança um olhar duro, sem se abalar.
— Não seja egoísta, Ares, e não jogue esse momento de fraqueza na
minha cara.
— Então é isso que foi pra você? Um momento de fraqueza? —
Questiono.
— O que você achou que isso seria? Que só porque transamos tudo
estaria resolvido? Que eu esqueceria quem você realmente é? Que tudo o
que fez seria varrido para debaixo do tapete?
Eu fecho os olhos e abro rapidamente tentando controlar minha
raiva.
— A única coisa boa que restou de nós dois é esse bebê. E eu juro,
Ares, se você fizer alguma coisa contra ela, vai me perder para sempre.
Absorvo suas palavras em silêncio.
Eu já perdi…
Ela me observa com uma expressão de frieza.
— Não sei o que mais você quer de mim, Isabella… — digo com
um tom rouco. — Eu estou cansado. Cansado de magoar você… — Minha
garganta se fecha, cada palavra querendo sufocar antes de sair, mas preciso
continuar. — Vou te conceder o divórcio. Assim que assinar, estará livre.
Vamos deixar de ser marido e mulher — digo, forçando a voz para parecer
firme, embora tudo dentro de mim esteja em ruínas. — Minha única
responsabilidade será com nossa filha. Você não vai precisar permanecer ao
meu lado… poderá ter a vida normal que sempre quis, estou abrindo mão
de você.
Ela me encara, inexpressiva, e eu abaixo o rosto, tentando esconder
o quanto essa situação me destrói. Não quero parecer um completo idiota
por me afetar tanto.
— Já trouxe os papéis, só precisa pegar uma caneta. — Minha voz
sai num sussurro enquanto ergo os olhos para ela, esperando, implorando
que diga algo, qualquer coisa. Mas tudo o que ela faz é caminhar até a
cômoda, procurando o que suponho ser a caneta.
Quando seus dedos encontram finalmente a caneta — a arma que
arrancará meu coração do peito — ela se vira para mim com olhar decidido.
— Onde devo assinar? — pergunta.
Engulo em seco, sentindo um nó se formar na garganta. Com as
mãos suando, coloco a pasta sobre a cômoda e folheio os papeis que a
transformarão em uma mulher livre e me condenarão a um vazio profundo.
Ela terá sua liberdade, enquanto eu me tornarei apenas um homem
arruinado.
— Não quer ler? — não reconheço o tom da minha voz quando sai
da minha garganta.
Isabella apenas balança a cabeça em silêncio e se inclina, pronta
para assinar.
E então, dentro de mim, eu começo a implorar desesperadamente.
Por favor, não assine.
Por favor, não me deixe.
Por favor, não me abandone.
Por favor, não use essa caneta para me destruir.
Por favor, mil vezes, é tudo o que te peço.
Eu suplico, mesmo sabendo que se essa for a sua decisão, eu preciso
respeitá-la. Mas como poderei viver sabendo que ela pertencerá a outro? O
que será de mim sem algo que eu possa adorar? O que restará de mim
quando seu nome não carregar mais o meu sobrenome?
Eu observo em câmera lenta enquanto ela assina cada página,
assistindo minha mulher renunciar à nossa união. Vejo-a fazer isso sem
demonstrar nenhum sinal de arrependimento, e meu coração ameaça parar,
gritando silenciosamente para que ela pare.
Não terei mais direito aos seus beijos, não poderei me aconchegar
em seus braços, nem sentir o perfume dos seus cabelos ou acariciar seu
rosto. Ela não estará mais aqui quando eu voltar para este quarto, e as brigas
que costumávamos ter não existirão mais. Já não consigo me lembrar como
era minha vida sem ela… seria vazia?
Se essa dor que estou sentindo vai me matar, eu peço que seja breve.
— Está feito. — com duas palavras ela coloca um ponto final em
nós dois.
Sinto-me tonto e desorientado, mas me esforço para manter a
aparência de serenidade, mesmo sufocando por dentro.
— Você terá uma casa, e eu vou te enviar dinheiro todo mês. Quero
fazer parte da vida da minha filha; ela pertence a esta família. — Essas são
as únicas palavras que consigo articular. Minha filha terá obrigações a
cumprir quando crescer, mas não mencionei isso; não quero iniciar outra
batalha impossível com Isabella. — Leve tudo o que é seu, não deixe nada
para trás. — Não me faça lembrar de você.
Eu encaro os papéis à minha frente, incapaz de acreditar que não
pertencemos mais um ao outro. Ao me virar para ela, nossos olhares se
cruzam pela última vez, e, aproveitando que estamos tão próximos, suspiro
profundamente, absorvendo o seu cheiro, me seguro para não tocá-la, e me
afasto, não quero estar aqui quando ela atravessar essa porta, porque sei que
não vai voltar.
— Quando poderei ir? — ouço sua voz.
Sem me virar para encará-la, preferindo evitar o contato com seus
olhos, eu respondo:
— Quando você quiser, Isabella. Andreas vai te ajudar com o que
precisar.
Sinto que preciso arrastar meus pés para sair do quarto. Assim que
estou no corredor, a realidade me atinge com força.
Atravesso a porta do meu escritório e a fecho com força, como se
isso pudesse aliviar a raiva que sinto de mim mesmo. Se eu tivesse sido um
marido melhor, ela teria escolhido ficar. Se eu não fosse o demônio que meu
pai fez de mim, ela me escolheria. Se eu não estivesse tão quebrado, ela
ainda estaria ao meu lado.
Tento me servir de uma bebida, mas, pela primeira vez, percebo
minhas mãos tremendo. A impaciência me toma, e arremesso a garrafa
contra a parede. Respiro fundo, buscando algum equilíbrio, mas é em vão.
Em um acesso de raiva, arrasto tudo da mesa para o chão, e seguro uma
cadeira, quebrando-a em pedaços ao arremessá-la repetidamente. Mas, nada
disso alivia a fúria que me consome.
Por fim, procuro um cigarro em um dos meus bolsos e me deixo cair
no chão. Enquanto fumo, sopro a fumaça e bato a nuca contra a parede,
como um louco.
Capítulo 51
Isabella
Era isso que eu realmente queria, não? Ser livre, ter a liberdade de
ser alguém normal, viver uma vida comum. Mas enquanto faço as malas,
algo dentro de mim sussurra que estou cometendo um erro. Assinar aqueles
papeis parecia tão fácil na hora, mas agora a verdade pesa sobre meus
ombros.
Ares não aparece em casa há dias. Andreas até me levou para
conhecer minha nova casa, meu novo lar. É uma casa pequena, mas
aconchegante, perfeita para mim e minha filha, com um lindo jardim nos
fundos. Tenho certeza de que ele Ares escolheu sabendo que eu iria gostar.
Sinto uma angústia em meu coração, será que realmente quero
desistir dele? E se ele já desistiu de nós, por que eu deveria insistir? Por que
deveria tentar curá-lo com meu amor quando ainda estou tão machucada? A
resposta vem rápida e clara: porque ele só tem a mim. Eu sou a única que
suportaria seu lado cruel e cuidaria das suas cicatrizes.
Levanto-me do chão e sacudo meu vestido, equilibrando-me nos
sapatos antes de sair quase correndo pelas escadas. Encontro meus
cunhados na sala de estar, um domingo à tarde que, em qualquer outra
situação, não seria normal vê-los em casa.
— Alguém sabe onde meu marido está? — pergunto, cruzando os
braços e esperando uma resposta.
Os dois se entreolham, trocando expressões.
— Ele ficando em um apartamento. — diz Andreas.
— Qual de vocês vai me levar até lá? — pergunto em um tom
calmo, mesmo que por dentro eu estivesse eufórica.
— Estou ocupado — Adryel levanta, saindo de fininho.
— Eu te levo, Bel — Andreas oferece como se tivesse algum tipo de
escolha.
Isabella
Seguro uma taça de água entre os dedos, observando o ambiente ao
meu redor. Estou um pouco afastada, precisava de um momento para
respirar. O vento frio sopra, fazendo meus cabelos balançarem, e passo as
mãos pelos braços na tentativa de espantar o frio, porém, logo, volto ao
salão principal. Procuro por meu marido e meus cunhados e os encontro ao
fundo, sentados em uma mesa. Eles conversam sobre negócios, assuntos
que para mim pouco importam. Ares segura minha mão por cima da minha
coxa, sem perder o foco na conversa com os irmãos, enquanto meu olhar
vaga entre os rostos presentes.
Estamos aqui porque Ares quis que todos soubessem quem eu sou,
que sou a herdeira do meu falecido pai e que não sou um mito, como muitos
costumam dizer. A maioria pensa que morri no acidente com minha mãe, e
hoje é uma espécie de apresentação. Em meio aos rostos desconhecidos,
algo, ou melhor, alguém chama minha atenção. O corte de cabelo pode ter
mudado, mas eu reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar. A barriga de
grávida desapareceu completamente, mas não resta dúvida: é Serena. Ela
ousou aparecer em um evento como este… Ela sabe que a vi e não esconde
o olhar ambicioso em direção ao homem ao meu lado. Não entendo essa
obsessão pelo meu marido. Serena não deveria estar aqui. Ela foi poupada
da morte, mas ainda assim tem a audácia de se infiltrar em nossas vidas
novamente.
Eu a observo discretamente, vendo-a fazer um breve aceno para as
pessoas ao seu redor antes de sair em direção ao toalete. Sem pensar muito,
levanto-me rapidamente e vou atrás dela.
— Aonde você vai? — pergunta meu marido, desconfiado.
— Ao banheiro — respondo, deixando um leve sorriso surgir nos
lábios. Ele assente, e continuo meu caminho.
Assim que atravesso a porta do banheiro, vejo Serena retocando um
batom vermelho chamativo, que lhe dá um ar vulgar. Não estamos sozinhas;
duas outras mulheres estão no banheiro.
— Com licença, será que poderiam nos dar um momento? — peço
gentilmente. Elas me reconhecem e, sem questionar, se retiram. Tranco a
porta, garantindo que Serena não escape.
— O que faz aqui? — Ela pergunta, desinteressada, ainda
concentrada no retoque do batom.
Posiciono-me atrás dela, firmando meus saltos no chão.
— Eu é que deveria fazer essa pergunta. — Sorrio, e ela finalmente
para de retocar o batom para me encarar pelo espelho.
Ela gira lentamente, fechando a tampa do batom e colocando-o de
volta na bolsa com uma tranquilidade irritante.
— Não sabia que você seria tão territorial. — comenta, com um
sorriso falso. — Achei que já tivesse superado essa insegurança.
Cruzo os braços, sem desviar o olhar dela.
— Você teve a chance de ir embora, de viver sua vida longe daqui.
Porque voltou? — digo seria.
Serena dá um passo para trás, encostando-se à pia com um ar de
desdém.
— O motivo da minha volta é bem simples: vim exigir o que me
pertence… — Ela declara com um sorriso frio.
Dou uma risada curta, sem conseguir conter o sarcasmo.
— Do que exatamente você está falando? — pergunto.
Serena ergue o queixo, com um olhar gélido.
— Meu filho — ela responde. — Ele tem tanto direito quanto você.
Ele também carrega o sangue da La rosa nera.
Automaticamente, minha mente conecta tudo a algo que meu pai me
disse: “Você não é minha única herdeira.” Então, o filho de Serena sempre
foi parte do plano dele. Ele manipulou tudo, usando artimanha para me
colocar contra Ares. Deveria me sentir surpresa, mas não sinto.
— Que direito seu filho poderia ter. Serena? Mesmo que ele seja
filho do meu pai e carregue o sangue da La rosa nera, no fim das contas, ele
continua sendo um bastardo, uma mancha de desonra.
Serena estreita os olhos.
— Bastardo ou não, ele é meu filho e tem o direito de ser
reconhecido — ela retruca.
Era cômico o fato dela querer fazer exigências.
— Bastardos não são bem-vistos na máfia, e você deveria saber
disso, Serena — contesto. — Não que você mereça, mas se posso lhe dar
um conselho: leve seu filho para bem longe. Eu posso começar a vê-lo
como uma ameaça, e não posso garantir que terei piedade uma segunda vez.
Seus olhos se enchem de fúria.
— Você está ameaçando meu filho? — ela pergunta, com tom de
indignação.
— Apenas deixando claro que, se você continuar a insistir nisso, as
coisas podem se tornar muito complicadas. — Serena avança em minha
direção, mas eu não recuo. — O que você pensou que aconteceria? Que
chegaria aqui exigindo os direitos do seu filho bastardo e eu simplesmente
aceitaria? — ergo o queixo, sem me deixar intimidar. — Você não passa de
uma qualquer, Serena, sem valor para a sociedade. Saiba qual é o seu lugar:
pessoas como você se curvam quando eu passo, em respeito.
Seus olhos descem até minha barriga e ela solta uma risada irônica.
— Não tenho medo das suas ameaças, e você não me ofende ao me
chamar de qualquer uma. Afinal, seu marido sempre gostou das coisas que
eu fazia com ele na cama. — Serena se inclina, soltando suas palavras com
veneno.
Eu não me sinto insegura, pois sei que tudo o que eles tiveram foi
antes de mim. Ele nunca me traiu ou me desrespeitou com ela.
— Suas provocações não me afetam, afinal, sou eu quem está
casada com ele e esperando seu filho.
— Você é apenas um brinquedinho para ele. É nova e bonita, mas
com o tempo ele vai procurar outra para satisfazer suas vontades, não a
você, ou a mim, mas a outra, porque um homem nunca se contenta com
apenas uma mulher — ela enfatiza. — Eu conheço bem a mente dos
homens, e Ares não é diferente.
Ela está claramente determinada a me fazer perder o controle. Se eu
não estivesse grávida, provavelmente arrancaria ela dali pelos cabelos. No
entanto, reconheço que sou uma mulher de princípios e não devo me
rebaixar ao nível dela.
— É melhor você ir embora, Serena, e não voltar a aparecer. Não
quero ter o desprazer de vê-la novamente. Se isso acontecer, saiba que não
vou me importar em fazer seu filho ficar órfão.
— Olha só… ela sabe mostrar as garrinhas. — ela debocha.
Eu juro que estava me controlando, mas Serena está pedindo. Desço
as mãos pela lateral do vestido, sentindo a textura do tecido até encontrar a
pequena arma que escondi na coxa. A ganhei recentemente, e Serena seria a
primeira em que irei testá-la.
Pego a arma com firmeza e coloco meu dedo no gatilho, sem dar a
ela a menor chance de reagir. Atiro em sua perna; o disparo não faz barulho,
pois é uma arma com silenciador.
A mulher despenca no chão imediatamente.
— Sua louca! — ela grita, enquanto a dor faz o sangue escorrer. Não
a deixei paraplégica nem a matei, então ela deveria agradecer.
— Agora você sabe que minhas ameaças não são apenas palavras.
— Inclino-me levemente sobre ela, com dificuldade devido à minha
barriga. — Serena, eu passei uma lâmina pelo pescoço do meu pai enquanto
ele definhava. Você realmente acha que eu teria coragem de acabar com
você?
A expressão de Serena muda rapidamente, de arrogância para dor e
medo.
— Você é uma psicopata! — Ela tenta se levantar, mas a dor a
impede, e ela se arrasta para trás, como se tentasse escapar de mim. — Você
vai se arrepender disso!
— A única coisa que lamento é não ter feito isso antes. — Coloco a
arma de volta em seu lugar e me encaro no espelho, ajustando o vestido
branco que se molda ao meu corpo, acariciando minha pequena barriga.
Ignoro os xingamentos que ela lança atrás de mim e abro a porta,
saindo tranquilamente. Ao final do corredor, avisto um segurança e aceno
para ele.
— Tem uma mulher ferida no banheiro feminino. Imagino que
vocês tenham que chamar alguém para ajudá-la. — Ele me olha com
confusão.
Retorno à minha mesa, oferecendo um pequeno sorriso ao me sentar
novamente ao lado do meu marido.
— Você demorou… — Ares sussurra em meu ouvido.
— Tive que resolver um pequeno problema. — respondo, piscando
para ele.
— Você aprontou alguma coisa… — ele diz, e a verdade é que ele
me conhece muito bem.
Mordo o lábio e apoio a mão sob o queixo, tentando parecer
inocente.
— Não, marido. — finjo desinteresse. — Eu só queria ir embora; nossa
filha está me deixando cansada e com sono.
Fim.
Agradecimentos
Aos meus leitores, vocês que acompanham cada post, que enviam
mensagens e comentários, meu mais profundo agradecimento. É para vocês
que escrevo com toda minha alma.
E, por fim, agradeço a mim mesma por ter mantido minha força e
equilíbrio, mesmo diante de tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Por não ter permitido que os desafios abalassem meu psicológico e por
seguir firme até o fim deste projeto.