SEM MEMORIA - A Familia Que Esqu - Izabella Mancini

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“SEM MEMÓRIA:

A FAMÍLIA QUE ESQUECI”


IZABELLA MANCINI
1ª Edição — 2022

Copyright © 2022 Izabella Mancini


Instagram: @autoraizabellamancini

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos aqui


contidos são produtos da imaginação da autora e seus devaneios. Qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência. Leitura voltada para fins
de entretenimento. Todos os direitos autorais são de propriedade da autora.
É proibido o armazenamento ou a reprodução desta obra sem autorização
prévia da autora. Ressalva para textos curtos e trechos utilizados para
divulgação da obra. A violação de direitos autorais é crime previsto em Lei.
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
EPÍLOGO
Papai e mamãe me ensinaram que nada era impossível quando
sonhamos alto e carregamos muitas ambições.

Obviamente sei que as facilidades de minha vida se devem ao

dinheiro e a fortuna que minha família possui, mas jamais fui tola para
acreditar que minhas vontades seriam sempre atendidas. Nasci para ter
sucesso, mas não exatamente o sucesso com dinheiro e fama em excesso

que meus pais esperavam que eu tivesse.

Foi assim no amor, a primeira vez onde realmente me deparei com

uma desilusão gigante e capaz de me tirar o chão e a paz. Os muros de meu

castelo cor de rosa desabaram quando descobri que nada era como imaginei
e foi o maior baque de minha vida.

Tudo era incrível ao meu redor desde sempre. Muitos amigos, pais

amorosos e uma vida luxuosa regada a colégios caros, roupas da moda e


viagens constantes para o exterior. Filha única de uma banqueira e um
herdeiro de uma rede de hospitais, fui criada para ser a mulher perfeita e a

filha que atenderiam a todas as expectativas dos pais.

Foi assim que me envolvi com Gael Jacob, filho de uma grande

amiga de minha mãe. As duas foram cumplices na ideia de nos tornarmos

namorados e isso aconteceu assim que sai da faculdade, aos vinte anos.

Estudei desde pequena para me tornar médica, como meu pai queria,

mas acabei largando a faculdade no segundo ano devido à falta de


compatibilidade. Eu odiava a ideia de cursar medicina e fiz apenas para

agradar meu pai, mas em determinado momento tudo se tornou caótico

demais e comecei a me dar conta de que aquela era uma escolha que

somente cabia a mim, não a ele.

Pela primeira vez tive coragem de dizer “não” a algo que Gregor

Tayor impôs e fui castigada com a ideia de um casamento.

“Se não quer estudar, vai se casar! Trate de começar a procurar um

noivo à altura para que isso aconteça”.

Foi o que disse após muitas discussões, evidenciando ali como era

um homem retrógrado e totalmente apegado as ideias conservadoras

enraizadas na alta sociedade. Mamãe e eu nos surpreendemos com as

palavras dele, mas era um fato que eu deveria encontrar alguém para

administrar a fortuna pela qual eu não me interessava.


Aos vinte anos, eu nunca tinha tido um namoro sério e era uma
menina tímida, que somente dava lugar a estudos e amigas. Ciente de que

meu casamento seria um arranjo desde muito cedo, nunca me importei em

procurar noivos, pois sabia que dependeria totalmente da posição social e

da aprovação de meus pais.

Realmente queria me formar e ter uma profissão, mas ainda me

sentia muito nova para tomar a decisão e estava completamente incerta

sobre o que cursar. Minha alma ansiava por descobertas e com um marido
as coisas poderiam fluir melhor para mim.

Sim, eu queria me casar.

Precisava sair logo da casa dos meus pais e começar a viver minha

vida, mesmo que ao lado de um marido. Nada poderia ser pior do que meu

pai tomando decisões que cabiam a mim, por isso aceitei a ideia de
conhecer os rapazes assim que a mesma me foi dada. Mamãe e eu passamos

a visitar suas amigas influentes na alta sociedade e todas elas tinham filhos

que estavam dispostos a tudo para conquistar a herdeira do casal Taylor.

Entre tantas opções, quem realmente me cativou foi Gael Jacob,

filho de uma socialite viúva que não conseguia ficar quieta enquanto

enumerava as qualidades do único filho. Discreto e calado, Gael chamou

minha atenção por ter um sorriso doce e sempre se manifestar nos


momentos oportunos. Eu adorava o fato de vê-lo calado ao lado da mãe,
totalmente diferente dos outros mauricinhos que se vendiam como o mais

puro ouro.

Rapidamente aceitei sair com ele e novamente Gael me agradou por


falar baixo e não tentar me agarrar na primeira oportunidade, algo que

realmente demonstrou que era um cavalheiro.

— Realmente quer se casar? — Questionei em nosso primeiro jantar


sozinhos. O local escolhido era um de meus restaurantes favoritos e quem

elegeu ao acaso foi o próprio Gael — Me desculpe dizer, mas você não
parece muito empolgado.

— Não é isso... Somente não gosto do show de entretenimento que

nossas mães fazem acerca de tudo isso. Acho que deve ser uma escolha
nossa, algo totalmente íntimo e muito pessoal — Gael ergueu a mão sobre a
mesa e cobriu a minha gentilmente, em um ato delicado e carinhoso —

Você é o sonho de qualquer homem, Helena. Quero fazer com que dê certo
entre nós.

Sorri perante as palavras dele e tive a certeza de que era o que eu

precisava. Nenhum outro pretendente no período de quase um ano teve


sutileza suficiente para pensar em somente nós, ignorando o todo que
envolvia a situação.

Abracei a causa e em poucos meses estava tudo pronto para meu

casamento com Gael, o homem que parecia perfeito.


Era discreto, formal e me deu um anel lindo de noivado em meu

aniversário de vinte e um anos. Jamais tentou me tocar além do permitido e


nos beijamos pela primeira vez apenas três meses depois do nosso primeiro

jantar juntos. Gael estava ciente de que eu me casaria virgem e, apesar de


ter se contrariado com a falta de contato que haveria entre nós, teve de

aceitar a imposição.

Algumas vezes me senti ridicularizada por alguns comentários dele


relacionados ao fato, mas compreendi que realmente era difícil para as
pessoas compreenderem minha escolha no mundo atual. Além de tudo, eu

não conseguia sentir vontade de ter nada com Gael ainda, talvez pelo fato
de tudo ser um arranjo.

Eu gostava dele, mas não o amava. Estava muito deslumbrada com


as novidades que envolviam nosso casamento.

Imaginando a família que formaria ao lado dele, consegui colocar as


ideias no lugar e ficar tranquila com o caminho certo. Gael era o homem

ideal para me fazer feliz e viveríamos em harmonia, principalmente agora


que ele havia se formado em medicina e trabalharia com meu pai no

hospital.

Era o genro perfeito que meu pai tanto buscou para ocupar o lugar
administrativo que me recusei a assumir.
— Acha que seu pai vai me conceder a vaga de diretor geral do
hospital? — Gael questionou enquanto provava seu traje de noivo.
Esperando-o na cadeira ao lado, dei de ombros.

— Ele precisa de um novo diretor e você será meu esposo. Acredito

que não exista pessoa mais indicada para o cargo, meu amor. — Respondi
carinhosamente e vi um sorriso em sua face quando se aproximou para me

beijar, abaixando-se a minha frente.

— Se você falar com ele diretamente sobre o tema, acho que tudo
seria mais fácil. — Ajeitou meu cabelo loiro atrás da orelha — Você é a

princesinha dele, Helena. Gregor faz tudo que a princesa quer — Assenti
positivamente, sabendo que era verdade. Toquei o rosto dele com carinho

— Acha que pode fazer isso por mim?

— Claro, amor. Por você eu sou capaz de tudo! — Beijei-o


novamente, aliviada com o sorriso de contentamento nos lábios de meu
noivo.

— Sabia que você jamais me decepcionaria... — Alisou meu rosto

— Aliás, querida, hoje é nosso jantar com os meus padrinhos. Finalmente


meu melhor amigo virá e vocês vão se conhecer pessoalmente! Aquele

cretino enfim conseguiu sair da porcaria da fazenda e vir a cidade grande.


Nunca vi um cowboy ser tão ocupado como Joshua Ross...
Gael voltou a se endireitar em frente ao espelho enquanto as
estilistas tiravam medidas de sua roupa.

— Ah, claro! O jantar com seus padrinhos e o seu amiguinho da


fazenda... — Voltei a folhear minha revista de vestidos de noiva — Como é

mesmo o nome dele?

— Josh. Joshua Ross. — Respondeu olhando-se com admiração

genuína no espelho. Uma admiração que ele não tinha por ninguém, além
de si mesmo — Talvez você não goste dele. É um tipo rústico de cara

fechada, mas te garanto que tem um bom coração. Nunca conheci ninguém
que saiba curtir uma noite como Josh...

— Você tem um amigo farrista? — Ergui o olhar para Gael, que

corou com minha pergunta. Aquele tipo de comportamento não combinava

em nada com sua postura séria e muito formal.

— Ah... Josh e eu somos amigos de infância. Cresci, durante as


férias, na fazenda do meu tio-avô, que é vizinha a fazenda da família dele, e

nós éramos parceiros de férias. Josh faz parte da minha infância e

obviamente nós não escolhemos como serão nossos amigos de infância na

vida adulta, meu amor. — Explicou de maneira desordenada, mas consegui


compreender.

Assim como Gael recebeu muito bem minhas madrinhas, fiz o

mesmo e me dediquei inteiramente aos preparativos do jantar com seus


padrinhos, buscando tornar a noite um acontecimento memorável.

Em meio a tantos acontecimentos, jantar com os amigos de meu

futuro marido me proporcionava um vislumbre do que seria nosso futuro


juntos. Todos os homens presentes na mesa do caro restaurante eram

formais como Gael, exceto o último a chegar e que rapidamente reconheci

como sendo o tão citado melhor amigo Josh.

Rústico.

Essa era a palavra que definia aquele homem.

Ao contrário dos demais, que desfilavam com seus ternos e trajes


formais para impressionar, Joshua Ross chegou com calça jeans, cinto de

fivela de rodeio e uma camisa branca de botões levemente aberta no peito

forte e perfeitamente esculpido em academia... Ou trabalho braçal, talvez,

uma vez que o homem era dono de fazenda.

Engoli a respiração por jamais ter visto de perto alguém tão sensual,
uma figura que atraia olhares somente por existir. Minha salivação faltou

quando vi a maneira como os músculos do braço de Josh saltaram ao

abraçar firmemente meu noivo, envolvendo-o com um carinho quase


fraternal. Realmente eram muito amigos e me senti ainda pior por julgar

Joshua Ross como o homem mais bonito que já vi.

— Helena, meu amor! — Gael caminhou em minha direção

puxando o amigo pelo braço e me coloquei de pé quase sem conseguir


mover as pernas, tomando todas as forças de meu corpo para fazê-lo —

Lembra de Joshua Ross, meu amigo da fazenda? Aqui está! — Ambos

pararam a minha frente e me senti absurdamente pequena em frente ao


homem, que parecia ter mais de dois metros de altura — Josh, essa é

Helena, minha futura esposa.

Os olhos verdes de Ross me encaravam com surpresa e ele moveu

as mãos educadamente para tirar o chapéu de cowboy da cabeça, exibindo

lindos cabelos negros por baixo dele.

— Finalmente nos conhecemos, senhorita... — Esticou a mão em


minha direção e segui estática, quase sem conseguir esboçar reação. Algo

em Josh me tirou do eixo e eu não sabia determinar exatamente o motivo —

Gael não para de falar de você, sabia disso? Só sabe dizer o quanto Helena

é especial.

— Ele também fala de você, senhor Ross. — Aceitei o toque de sua


mão com formalidade, sentindo minha pequena palma quase desaparecer

em meio a mão grande e quente — Principalmente da maneira como o

senhor se comporta com as mulheres e as festas. — Josh franziu o cenho —


Não me agrada que o melhor amigo de meu noivo seja um farrista, mas

tenho certeza que irá respeitar o fato de Gael agora ser um homem

comprometido e o manterá distante de certas... Situações.


— Farrista? — Josh cuspiu as palavras e encarou Gael com

curiosidade — Do que ela está falando?

— Ah... Querida, acho que podemos começar o jantar agora, não


acha? Temos todos os convidados e tudo sob controle! Venha, Ross! Sente-

se aqui!

O olhar confuso de Joshua não saiu de seu rosto enquanto era

acomodado em uma cadeira ao lado de Gael, que cochichava algumas

coisas ao ouvido do amigo ainda pendurado em seu ombro forte. Sentei-me


junto aos demais convidados enquanto os espiava, realmente estranhando as

atitudes de meu noivo.

— Senhores, agradeço a presença de todos vocês nesta noite

memorável — Gael dizia ao meu lado no topo da mesa e com uma taça de
champanhe erguida — Hoje consagramos todos vocês como padrinhos de

nosso casamento e é uma alegria compartilhar meu momento esplêndido ao

lado de Helena, uma mulher incrível. — Voltou-se para mim — Helena,

querida, você é um troféu que muitos almejaram conquistar e caiu


diretamente em meus braços. Eu não podia ser mais sortudo!

Brindamos juntos e notei a expressão curiosa no rosto de Josh, que

bebericou seu champanhe com uma das mãos enfiadas nos bolsos. Qual

seria o mistério envolvendo meu noivo e seu melhor amigo?


— Sempre soube que você não valia nada, cara, mas enganar uma

menina tão jovem apenas para exibi-la como troféu é o pior de seus feitos!
— Bati no ombro de Gael, que soprou a fumaça do cigarro para longe.

— Não é só para exibi-la, meu caro... — Comentou olhado ao redor

na área externa do restaurante para se garantir que a garota não chegava.

Apoiou as mãos em meus ombros — É pela fortuna que ela representa.

Sabe que minha mãe e eu estamos falidos, não sabe? — Assenti


positivamente — Preciso do nome da família e do cargo de chefia no

hospital deles, após o casamento. Não tem outra maneira de minha mãe e eu

recuperarmos o status e a vida que sempre tivemos. Meu pai deixou


inúmeras dividas e precisamos vender tudo para quitá-las. Agora estamos

com a corda no pescoço, irmão!

Afastei-me de Gael e o vi apagar o cigarro com rapidez, pois

certamente fumava escondido da noiva.


— É uma atitude covarde, Gael. Entendo sua posição, mas você não

a ama... — Afirmei ainda segurando minha taça e encarando-o — Casar


com uma mulher sem amor é o mesmo que pisar na dignidade dela.

— Como pode dizer que não a amo, Josh? Parece que não a amo?

— Endireitou-se e ajeitou o terno bem cortado e impecável — O que fiz de

errado?

— O que fez de errado? — Brinquei e toquei seu ombro — Ontem

quando saímos você ficou com três garotas e foi para o quarto com duas
delas! — Gael rodou os olhos no rosto e ajeitou as mangas do terno —

Como consegue transar com sua noiva e depois ficar com prostitutas sem

pensar em mais nada?

— Nunca transei com Helena — Desdenhou — Ela é cheia de


frescuras e quer se casar virgem. — Ironizou — Ela segue tudo que a velha

chata da mãe dela ensinou, pode acreditar? — Calei-me e comprimi os

lábios, esfregando o rosto ao constatar que tudo era ainda pior do que eu

imaginava — Realmente não a amo e a acho uma chata, você tem razão,
mas não posso abrir mão do casamento. Jamais! Esse casamento representa

muitos milhões e não vou ser pobre em hipótese alguma!

— Não se importa nem um pouco em destruir a vida da moça, Gael?

— Olhando-o nos olhos, notei o desespero e a frieza daquele que considerei


por muitos anos como um amigo me tocar profundamente — Não se
importa em destruir tudo que ela planejou, ou por acaso pretende ser um
marido exemplar e fiel? Pretende deixar sua vida de farra quando se casar,

pelo menos?

Gael deu de ombros e desdenhou ainda mais com a expressão

enojada.

— Claro que não! Quando eu colocar a mão na grana, dou um jeito


de despachar Helena para viagens e entretê-la bem para que eu possa levar a

vida que mereço. — Afirmou sem hesitar — Entenda, meu amigo... Pode

parecer cruel, mas é minha única saída.

Cruel.

Aquela pequena palavra não era suficiente para descrever os atos de

Gael, que rapidamente virou outro homem aos meus olhos. A falência de
sua família o levou a se transformar em um narcisista que sacrificaria uma

moça inocente em troca de sua fortuna.

Rapidamente o mesmo foi chamado para o interior da festa e segui


ali no jardim com minha taça de champanhe, bebendo e olhando a bonita

lua.

O que eu tinha a ver com tudo isso, afinal, se apenas estava ali a

convite dele para ser padrinho do casamento? O que me importava a jovem


Helena Taylor, que seria a pobre vítima de meu amigo?
A beleza da noiva de Gael me fez estremecer, uma vez que não
estava acostumado com loiras delicadas que me fitavam com os intensos
olhos azuis cheios de expectativas. Ela era do tipo que não se encontrava na

fazenda, uma espécie de fada que encantava com sua singular beleza. Cada
vez que me lembrava de sua maneira inocente de me olhar, um nó se
prendia em minha garganta pelos instintos animalescos que me dominavam.

Eu não a conhecia, mas rapidamente senti pena dela e de tudo que

estava por vir.

Sobressaltei-me ao ouvir um barulho vindo de minhas costas e

voltei-me rapidamente para olhar, deparando-me com a própria Helena


parada à poucos metros de mim e também com uma taça em mãos.

— Me desculpe. Não vi que estava aqui. — Disse antes de se virar


para sair, mas a detive com minha voz.

— Não se preocupe. Pode me fazer companhia, senhorita Taylor.

Está uma noite muito agradável. — Comentei despretensiosamente,


notando como rapidamente ela se virou e me encarou novamente.

Era uma linda mulher, principalmente usando um vestido na cor


pêssego e que passava um ar ainda mais angelical do que seus longos

cabelos dourados e os grandes olhos azuis.

— Certas companhias devem ser evitadas, senhor, principalmente

por uma donzela que está noiva. — Sorri sem humor perante seu
comentário e cocei a cabeça.

— Realmente tem razão, senhorita... — Aproximei-me dela


vagarosamente e nenhuma parte do corpo de Helena se moveu, apenas sua
forte respiração que movia seus seios em sincronia — Por isso aconselho

que fique de olho em quem está ao seu redor. Esteja atenta para que não
comenta um terrível e irreversível erro, Helena.

Os olhos azuis me estudaram com ainda mais curiosidade.

— Do que está falando? — Questionou em um sussurro — Por


favor, seja claro!

— O que ouviu... — Movi minha taça em sua direção e estreitei


ainda mais nossa distância, me aproximando alguns passos. Ela me olhava

com curiosidade e certo deleite — Moças inocentes como você não devem
se meter com homens cruéis. Esteja atenta ao seu redor e a atenção que

recebe... — Toquei seu queixo delicadamente, retirando a mão antes que


alguém nos visse — Você não é um troféu. — Sussurrei ao ouvido dela
antes de me afastar, dando-lhe as costas e voltando para o interior da festa.

De alguma maneira eu precisava plantar uma semente de dúvida em

Helena, mesmo que não dissesse em palavras claras que Gael era um
aproveitador que apenas a faria sofrer.
Os últimos preparativos para meu casamento com Gael seguiram de
vento em polpa, mas parte de mim se manteve receosa pelos comentários
feitos por Joshua Ross.

— Não deve levar em consideração o que diz um homem que você


sequer conhece, amiga... — Ana, minha melhor amiga desde a infância,
comentou enquanto nós duas nos arrumávamos para a grande ocasião —

Gael é nosso antigo conhecido e sabemos a índole dele. Agora quem é esse
tal Joshua, se não um amigo farrista do mesmo?

— Tem razão, amiga... — Segui com as mãos e pés esticados para


que as manicures trabalhassem rapidamente em minhas unhas. Faltavam

horas para a cerimônia e a noiva deveria estar impecável — Certamente


Joshua quer plantar a discórdia entre mim e Gael porque vai perder o

amigo, como os homens dizem quando um homem se casa.


— Claro! — Ana enfatizou virando a página da revista em seu colo

— Seu casamento vai ser um sucesso e não tem que duvidar disso. Eu acho
algumas atitudes de Gael realmente estranhas, mas não creio que seja um

aproveitador ou coisa do tipo.

Calei-me, encostando-me a cadeira para fechar os olhos e suspirar.

— “Você não é um troféu” — Repeti a última frase que Josh me

disse em voz alta e senti o olhar de Ana sobre mim — Essas palavras
ficaram cravas em mim porque as vezes sinto como se Gael me tratasse

como um troféu, realmente. Sinto como se gostasse de me exibir e esse é o

único motivo que me faz pensar, amiga.

— Claro que você é um troféu, Helena! É a herdeira mais cobiçada


do momento e qualquer homem faria tudo para estar no lugar de Gael, até

mesmo o tal Joshua! — Minhas bochechas coraram quando Ana citou a


possibilidade — Aliás... Como ele é? Às vezes pode ser interessante para

mim.

Travei a respiração ao me lembrar do lindo homem de ombros

largos e peito forte. Encarei Ana rapidamente antes de começar a me munir

de coragem para descrevê-lo, algo que certamente queria evitar.

— Pelo que Gael disse, estudou veterinária e tem uma fazenda no

centro-oeste. Não é milionário como nós, mas tem uma boa vida.
— Estou falando de aparência, Helena! Não pretendo me casar com
ele, apenas passar um bom momento. — Ana sorriu e adotei uma expressão

cansada.

— Alto. Tem o corpo forte. Olhos verdes. Um rústico! Se veste

como se fosse montar um cavalo a qualquer momento e fala de uma

maneira... — Gesticulei com as mãos e tentei demonstrar meu

descontentamento — Como se estivesse dando ordens, sabe? Totalmente

rústico!

— Uau! — Ana se endireitou e fechou a revista — Adorei! Sei que

você gosta dos fraldinhas como Gael, mas eu gosto de homem de verdade,

amiga. Homem com pegada e voz ativa... — Ana riu alto e foi

acompanhada pelas manicures, atentas a conversa — Aliás, amiga, já se

preparou para sua lua de mel? Finalmente vai acontecer! Como se sente?

Suspirei e dei de ombros, lembrando-me que teria que passar com a

depiladora para ajustar a depilação antes da cerimônia e este seria o

próximo passo.

— Até me esqueci dos detalhes sobre isso, amiga. Não guardei os

sutiãs novos e nem separei aquele perfume que você indicou. Para falar a

verdade, se não tivesse dito nada agora, eu sequer me lembraria que tenho

uma noite de núpcias para enfrentar. — Revirei os olhos e Ana me encarou


com horror.
— Essa é a empolgação com a qual você fala sobre sua primeira

vez? — Disse as palavras de maneira desacreditada — Helena, vai ser


inesquecível e é assim que você reage? Por acaso não sente nenhuma

vontade de estar com Gael?

— Por favor, Ana... — Revirei os olhos e ela seguiu com a mesma


postura.

— Está vendo? Se fosse um homem “rústico” — Enfatizou a

palavra — Como Joshua, você certamente estaria subindo pelas paredes de


vontade! É disso que estou falando! — As manicures riram com ela

novamente e me peguei desviando o olhar pela verdade em suas palavras.

Sequer considerava a ideia de ir para cama com Gael ser motivo


para qualquer ansiedade, mas a simples menção de fazê-lo com Joshua Ross
me fez estremecer. Eu precisava rapidamente tirar aquele homem de minha

cabeça e tudo acabaria após a cerimônia, quando ele voltasse para seu
rancho no fim do mundo.
Helena Taylor não me importava.

Era o que eu tentava enfiar em minha cabeça até o momento da

cerimônia de casamento, já devidamente montada no jardim da mansão dos


pais dela, uma propriedade que apenas vi em filmes e novelas na televisão.

— Que bom te ver aqui cedo, amigo — Gael me cumprimentou com


um aperto de mão e sentou-se ao meu lado nos bancos da plateia — Ao
menos tenho alguém, além da minha mãe, para me fazer companhia.

— Está tudo incrível, cara. Meus parabéns. — Comentei olhando ao

redor e me atentando aos detalhes luxuosos da cerimônia. O padre já


esperava no púlpito e conversava com o juiz.

— Foram os pais dela que bancaram tudo, é claro. — Deu de

ombros — Os velhos gastaram uma fortuna em tudo isso. Até as flores tem
pó de ouro. — Gabou-se — Os Taylor são multimilionários, cara. Eu te
disse que não posso deixar essa oportunidade passar... É como ganhar na

loteria!

— Está tudo incrível, exceto pelo fato de você ter passado a noite de
ontem em uma boate comigo e com os outros padrinhos enchendo a cara,

pegando todas e com a sua amante a tiracolo. — Gael olhou ao redor para
ter certeza que ninguém nos ouvia — Helena sabe sobre Brígida? Sabe que
vocês dois são amantes há anos?
— Ela não é minha amante! — Relembrou um pouco nervoso — Só
é minha distração oficial porque nenhuma outra é boa como ela. Agora cala
a boca, irmão! Ninguém pode ouvir sobre isso!

— Você não sente nenhum tipo de remorso, Gael? — Cochichei ao

sentir uma energia pesada sobre nós, principalmente pela maneira pouco
respeitosa como Gael tratava a situação — Não sente culpa, sabendo que

hoje vai se deitar pela primeira vez com sua esposa e ontem passou uma
noite no cabaré?

— Qual é, Josh! — Riu baixinho e passou o braço em meus ombros

— Todos os noivos fazem isso!

— Não, cara. Não são todos que fazem isso e a sua noiva não
merece esse tipo de coisa. — Retirei o braço do ombro dele.

— Porque tanto apreço por Helena, se você sequer a conhece? —

Questionou um pouco mais entediado.

Calei-me perante a pergunta, ainda com os olhos azuis da linda

moça cravados em minha memória. A verdade é que eu não conseguia tirá-


la de minha cabeça e não era capaz de admitir isso para mim mesmo.

— Porque tenho uma irmã caçula e me sentiria péssimo se algum


homem se comportasse como um cretino com ela! — Respondi fazendo-o
revirar os olhos e suspirar — Você está sendo covarde, cara. Mesmo que me

doa admitir, o que você está fazendo não tem perdão.


— Já sei como você pensa, Josh, mas ninguém, nem mesmo meu
melhor amigo, vai ser capaz de me fazer mudar de ideia — Bateu em meu
ombro — Guarde seus conselhos puritanos para ti, irmão, porque Helena

Taylor e sua fortuna serão minhas, entendeu? — Aproximou-se um pouco


mais — Minhas! — Repetiu antes de se afastar.

Baixei o rosto e suspirei após vê-lo se afastando e parando ao lado

dos pais da noiva, que o receberam com alegria e satisfação. O pai de

Helena era um homem alto e impositivo, um famoso dono de uma rede de


hospitais particulares conhecido por seu temperamento rude e conservador.

Aquele homem mataria Gael com as próprias mãos se suspeitasse que ele se

envolvia com outras mulheres às costas de sua filha e não a amava, apenas a
queria como um troféu para seu enriquecimento.

O homem que Gael se tornou não se parecia em nada com o amigo


que tive um dia.

Após a morte do pai, Gael se transformou em um abutre para

conseguir dinheiro e manter o padrão de vida elevado que havia perdido,

mas jamais imaginei que fosse capaz de usar uma moça inocente para
conseguir status social e fortuna.

Aquilo era sujo demais, porém Helena sequer levou em

consideração meu aviso e nem chegou a questionar Gael, caso contrário, eu

já saberia.
— Pouco me importa essa patricinha arrogante... — Sussurrei a mim

mesmo e coloquei-me de pé — Ela que se resolva com Gael.

Ao me virar, deparei-me com um dos ajudantes de cozinha que


carregava uma bandeja com doces e nos chocamos fortemente.

— Perdão, senhor! — Uma pequena aglomeração se formou ao meu

redor quando eu e o homem conseguimos nos levantar em meio aos doces

— Perdão!

— Está tudo bem... — Comentei enquanto uma senhora atenciosa

repreendia o rapaz ao meu lado. Devido ao discurso dela, me dei conta de


que minha camisa estava suja de doce de maneira irremediável — Droga!

Bem no meio da cerimônia!

— Não se preocupe, meu rapaz. As costureiras e camareiras que

estão com minha filha podem lavar e secar isso em um instante! — A


senhora de cabelos loiros e olhar gentil tocou em meu ombro — Você é...?

— Ele é Joshua Ross, Gisele — Gael interveio — Meu padrinho e

amigo de infância. Josh, essa é Gisele, mãe de Helena.

— Ah! Amigo de meu genro e padrinho! Por favor, querido, venha

comigo! Vou te levar até as costureiras! Essa camisa deve ser lavada com

urgência!
Sem que eu pudesse pensar, a pequena mulher loira me levou pelo

braço por um extenso corredor e subimos algumas escadas dentro da bonita

e impecável mansão Taylor. Ela tagarelava coisas desconexas, mas meu


cérebro apenas conseguia pensar na loucura que significava tudo aquilo.

O que mais queria era que essa cerimônia acabasse logo para que eu

pudesse voltar para minha fazenda e esquecer de uma vez por todas Gael e

sua doce e injustiçada futura esposa.

— Queridas, por favor... — Gisele bateu em uma porta grande e

branca e entrou — Aqui está o senhor Ross com uma camisa suja que
precisa ser lavada urgentemente! Ele é padrinho e precisa estar impecável,

como todos.

Em meio a um quarto bagunçado pela arrumação da noiva, vi três

mulheres de costas para nós e a noiva sentada em uma cadeira branca em

frente ao espelho. Pode ter sido impressão, mas notei que Helena secou a
face assim que nos viu entrar, de maneira a esconder as lágrimas que

rolavam ali.

As três mulheres se aproximaram rapidamente ao ouvirem as ordens

de Gisele Taylor e me tiraram a camisa do corpo sem perguntar se podiam,


levando-a em seguida para o cômodo ao lado.

— Espere aqui um segundo, querido. As meninas vão dar um jeito

na camisa para você. — Gisele deu um tapinha em meu ombro antes de


enviar um beijo para a filha através do espelho e sair pela porta.

Em um instante eu estava completamente sozinho naquele quarto

com a noiva, Helena Taylor.

— Porque insiste em cruzar meu caminho, senhor Ross? —


Questionou tentando manter a voz firme — Será que não já fez o suficiente

na última vez em que nos vimos?

— Não me lembro de ter feito nada para a senhorita, mas perdão se

a ofendi, de qualquer maneira. — Dei de ombros e segui parado no mesmo

lugar. Helena se colocou de pé frente ao espelho e aos poucos virou-se para


mim, mostrando-se completamente vestida de noiva.

Seu vestido era deslumbrante e me hipnotizou em contraste com sua

beleza singular, fazendo-me calar qualquer palavra presa em minha

garganta. Tratava-se de um modelo tomara que caia, exibindo os ombros


frágeis e a pele clara. Pérolas decoravam o corpete e a calda longa, dando-

lhe um ar ainda mais angelical e delicado. Jamais vi mulher mais linda

diante dos olhos e sequer consegui esconder como me fascinava estar em

sua presença.

— Porque disse que “não sou um troféu”, logo após meu noivo ter
se referido a mim como um? — Cruzou os braços frente ao peito e nada

falei, ainda hipnotizado com sua beleza — Porque não responde, senhor? —

Ergueu o queixo de maneira impositiva.


— Estava chorando, senhorita? — Sussurrei quase sem voz ao notar

que nos aproximamos em uma atração mutua. Nossos corpos se achegaram

sem que percebêssemos, levando-nos a ficar a poucos centímetros de

distância.

Somente quando as bochechas de Helena coraram me dei conta de


que estava sem camisa e com o peito totalmente nu frente a ela.

— Não... Claro que não! — Respondeu desviando o olhar do meu.

— As marcas em suas bochechas dizem o contrário... — Sorri sem

humor.

— Não tenho porque discutir com um homem seminu, mas o senhor

sim tem que responder à pergunta de uma dama. — Ergueu um dos dedos e

quase o tocou em meu peito. Ela sequer conseguia desviar o olhar do meu,
tímida perante meu peito forte.

— Não cabe a mim dizer nada, Helena. — Apoiei as mãos em

minha cintura — Mas... — Toquei meu queixo e a olhei mais

profundamente, tocado pela maneira como parecia perdida e confusa —


Mas você merece saber que Gael não é o homem que aparenta ser.

— Seja claro, Josh. — Sussurrou e cruzou os braços. Apertei os

olhos e suspirei, totalmente envolvido no feitiço da pequena fada.


— Sei que isso pode me custar anos de amizade, mas Gael não é fiel

a você, Helena. É meu amigo, mas a sede por dinheiro e status o fez se
transformar em um homem que não reconheço e está sendo um covarde

com você. — Ela franziu o cenho e seguiu ouvindo — Gael te trai com

várias mulheres, principalmente Brígida Willians. Ele é louco por ela e

ambos vivem um relacionamento aberto e regado a tudo que pode imaginar.

— O que está dizendo? — Sussurrou ainda mais desacreditada.

— Gael te trai. Gael não te ama e vai se casar com você apenas pela
sua fortuna. Ele e a mãe estão falidos e Gael precisa recuperar o dinheiro de

alguma forma... E isso acontecerá quando ele se casar com você. —

Expliquei mais calmamente, tirando um peso de minhas costas — Sei que é


doloroso ouvir, mas é a verdade. Gael te fará sofrer muito se você seguir

com isso.

Helena demorou alguns momentos pensando enquanto me encarava,

confusa perante meu olhar.

— Gael me ama! — Disse enfaticamente — Ele é o homem perfeito

e...

— Não, Helena! Gael não é! Isso tudo é uma máscara! — Apontei


para fora — E quando estiver nos braços dele, hoje à noite, vai se lembrar

de mim quando ele te fizer sangrar na carne e na alma, porque ontem se


deitou com várias prostitutas enquanto você dormia pensando que ele
estava apenas jogando pôquer conosco!

Os lábios de Helena se separaram em uma postura indignada, mas

fomos interrompidos pela chegada das costureiras e camareiras com minha

camisa. Agradeci e vesti a camisa, fitando Helena pela última vez antes de
deixar o quarto com um peso gigantesco longe de minhas costas.

Agora cabia a ela acreditar em mim ou condenar-se a um destino

cruel.

Joshua Ross e seu peitoral definido, por pouco, não me tiraram a


sanidade.

Cada palavra dita por ele ecoou em mim profundamente enquanto as

camareiras e costureiras terminavam meu vestido, já pronto para a


cerimônia, e me peguei tremendo em antecipação.

Gael não podia ser um mentiroso!

O homem que estava ao meu lado há quase um ano não podia fingir
tão bem que era um cavalheiro apaixonado, quando seu melhor amigo
afirmava que era um cretino aproveitador. Não... Gael não podia ser uma
farsa! Recusei-me a acreditar na versão de Joshua pelo simples fato de que
eu e meus pais não poderíamos ter sido enganados por tanto tempo de

maneira tão suja e baixa. Ana tinha razão em dizer que eu sequer conhecia
Josh, mas conhecia Gael da vida toda.

Papai apareceu para levar-me a cerimônia e tentei o tempo todo me


certificar de que a única coisa que me prendia a Josh era seu peito sarado e

nada mais! Tudo que me impressionava era sua forma física e a atração que
existia entre nós... A maneira como me olhava surtia efeitos em minha
alma, mas isso era tudo.

Eu me casaria com Gael e seria feliz com ele, mesmo que Josh
garantisse que seu melhor amigo não prestava.

Joshua Ross tinha tudo para ser uma enganação plantada em minha

mente.

— Você está linda, querida, e tenho muito orgulho de você! — Papai


disse ao meu ouvido quando chegamos em frente ao tapete de entrada e
todos os convidados se colocarem de pé para nos recepcionar.

Era o momento mais emocionante de minha existência, mas a única

pessoa que busquei em meio ao todo foi Joshua Ross e eu queria matá-lo
por isso!
Segui pelo tapete com todos os olhares sobre mim, mas eu apenas
sabia fixar-me ao dele, que parecia indignado com minha presença ali.
Também no altar, entre os padrinhos, me olhava com pena e desolação, um

olhar muito distinto ao dos demais convidados.

Gael me recebeu com alegria e entrelacei nossas mãos, ajoelhando-


me frente ao padre como mandava o figurino.

Sim, eu ia me casar!

Sim, Joshua Ross não iria me impedir com suas mentiras!

— Se tem alguém que é contra esse casamento, fale agora, ou cale-


se para sempre! — O padre repetiu a famigerada frase e sorrimos, mas a
expressão de Gael se apagou quando uma mulher entre os convidados se

colocou de pé e gritou palavras desconexas até ter a atenção de todos.

— Eu tenho, padre! — Nos viramos e Gael ficou de pé enquanto


permaneci ajoelhada. Tratava-se de Brígida Willians chamando a atenção, a

mesma mulher citada por Joshua, e o fato me fez encará-lo com horror —
Gael é meu homem e não pode se casar com essa sem sal! Ele só está
fazendo isso pela fortuna dela! — Gritava em meio a todos e ficou nítido

que estava bêbada.

— Alguém tire essa mulher daqui! — Gael gritou, mas me coloquei

de pé em seguida e fiz um sinal negativo, encarando-a com curiosidade.


— Continue... — Pedi a ela, fazendo todos os convidados se
atentarem ao fato.

— Meu amor, você não pode acreditar nisso! — Segui encarando

Brígida enquanto Gael tentava se aproximar, mas não o dei créditos e


atenção.

— Ele só está te usando, garota! — Brígida gritou e a essa altura


algumas pessoas já estavam próximas dela e tentavam levá-la — Gael
dorme com todas e ontem mesmo estava te traindo enquanto você achava

que ele jogava pôquer! — Seguia gritando enquanto era levada pelas
amigas — Gael está falido e quer sua fortuna para se reerguer! Tudo que
interessa é o cargo no hospital e a fortuna da família Taylor!

Enquanto a voz de Brígida sumia, lágrimas rolavam em minha face

silenciosamente.

Aquela mulher repetia exatamente a mesma coisa que Joshua Ross


me disse poucos minutos atrás e não havia maneira de ser uma mentira,

dado olhar desesperado de Gael.

— Meu amor, por favor... — Gael se aproximou de mim e ajoelhou-


se aos meus pés enquanto os convidados cochichavam entre si. Meus pais e
a mãe dele discutiam alto em meio a aglomeração — Não acredite nisso,

querida! Você é meu troféu!


Desviei o olhar do dele para Joshua, que me encarava com

desolação e pena. Ele nunca mentiu!

Suspirei e agarrei-me a saia de meu vestido, saindo dali sem olhar


para trás enquanto o caos se instalava no jardim e os gritos de perdão de
Gael ecoavam com o vento.

Gritos falsos, assim como seu arrependimento.


Parte de mim desejou voltar ao hotel e ir embora no mesmo
momento em que voltei da fatídica cerimônia do casamento que não se

realizou, mas meus sentimentos confusos me fizeram ficar por mais uma
noite na cidade antes de retornar a minha rotina normal na fazenda.

Pensei em procurar por Gael no dia seguinte, ao acordar, mas não


me pareceu justo depois de tudo que aconteceu anteriormente. De alguma
maneira fui responsável por contar a Helena sobre suas infidelidades e ele

poderia me acusar de ser um traidor. Nossa amizade era de anos, mas não

pude evitar agir para impedir que Helena sofresse.

Para minha surpresa, meu celular tocou após eu sair do banho e me

sentar ainda de toalha na cama do hotel.

— Gael... — Sussurrei esperando palavras hostis, mas não foi o que

recebi.
— Amigo, você tinha razão — Disse rapidamente — Eu jamais

deveria ter me metido com aquela patricinha miserável! Fui um idiota por
não ter te ouvido e feito tudo da maneira errada. Aquela cretina e o pai dela

detonaram minha reputação perante a mídia e agora estou arruinado!

— Sinto muito, Gael — Respondi ao me dar conta de que ele nada


sabia sobre meu envolvimento na situação — Mas sim, você não deveria ter

agido com tamanha covardia. Que bom que tudo terminou antes que vocês

se casassem e ficassem atados para sempre. Sabe como ela está?

— Ela? — Gael cuspiu as palavras — Realmente está preocupado

com aquela cretina? Acabei de falar que Helena Taylor ferrou com a minha

vida e está me perguntando por ela? — Afastei o telefone do ouvido e rodei


os olhos na face, enojado pelo egoísmo de Gael.

— Helena foi humilhada perante a sociedade, Gael. Imagina como


foi descobrir tamanha traição em frente a todos que ela considera? — Tentei

argumentar.

— Foi pouco! Eu deveria ter feito muito mais por tudo que estou

passando agora. Aquela vadia jamais vai andar com a cabeça erguida, ao

menos — Suspirei com seu desdém — Ainda está na cidade ou já voltou

para a fazenda? Vamos tomar uma hoje... — Sorri sem humor ao notar que
ele em nada estava abalado pelo casamento desfeito, apenas pela maneira

como sua reputação foi afetada e pela grande fortuna perdida.


— Estou voltando agora mesmo. Acabei de arrumar as malas e já
agendei meu voo. Desculpe.

Gael desligou após dizer mais alguns absurdos e me senti

profundamente aliviado por ter contado tudo a Helena, mesmo que não

tenha sido o fator decisivo para que ela acreditasse. O que realmente a

convenceu foi Brígida, não o meu depoimento traidor. Gael não merecia

uma mulher como ela e isso ficava cada vez mais claro para mim.

Enquanto ajeitava as últimas coisas em minha mala, o interfone do

quarto tocou e era o porteiro anunciando a presença de uma “moça” na

recepção. A mesma pedia permissão para subir.

— O nome dela é Helena. — Engoli em seco após as palavras do

porteiro e permiti a entrada, abrindo a porta do quarto para esperá-la no

corredor.

Vi quando saiu do elevador com o cabelo loiro úmido pela chuva


que caia lá fora e as mãos frágeis agarradas a uma pequena bolsa em frente

ao corpo. Tinha o olhar azul perdido e buscou rapidamente pelo quarto em

que eu estava. Não demorou até me avistar, caminhando delicadamente com

os olhos fixos nos meus.

Usava um casaco branco até os joelhos e um vestido rosa claro por

baixo do mesmo. Era a figura da elegância, enquanto eu seguia de calça

jeans, cinto de fivela e camisa, rustico e oposto à sua sofisticação.


— É uma surpresa tê-la aqui. Jamais pensei que viria... — Sussurrei

quando Helena parou a minha frente na porta do quarto e pude sentir seu
cheiro doce de frutas vermelhas.

— Posso entrar? — Apontou para dentro do quarto — Acho que já

tive parte suficiente de minha vida exposta para tratar assuntos íntimos no
corredor de um hotel.

— Claro, entre, por favor. — Afastei-me e ela assentiu em gratidão,

passando por mim e entrando no lugar — Posso perguntar como me


encontrou?

— Grande parte dos padrinhos de Gael ficaram neste hotel e com a

estadia bancada por meu pai. Foi muito fácil encontrá-lo. — Respondeu
timidamente.

— Sente-se — Apontei para a poltrona a minha frente, mas Helena


não sentou. Seguiu parada encarando-me como se não soubesse realmente o

que dizer — Presumo que veio perguntar algo sobre ontem...

— Vim agradecê-lo — Deu um passo tímido em minha direção —


Muitas pessoas naquela cerimônia sabiam sobre a índole de Gael e suas

traições, mas nenhuma delas, nem sequer as que conheço por toda a vida,
tiveram a compaixão de me contar e me livrar daquele tormento. — Dizia
com lágrimas nos olhos azuis — Você, Joshua Ross, um homem que sequer
me conhece, foi o único que teve coragem para me abrir os olhos e alertar-

me sobre o que Gael realmente era. Obrigada.

Calei-me perante sua emoção e senti vontade de abraçá-la, mas não


sabia se realmente podia me aproximar tanto.

— Sua decisão foi pautada pela presença de Brígida, não pelo que
contei. Você não acreditou em mim, Helena, e com razão. Como disse,
sequer me conhece... — Helena negou rapidamente.

— Fiquei com suas palavras na cabeça desde o dia em que nos

conhecemos e você falou sobre o “troféu”. Se resolvi me casar, foi por


teimosia e por não querer acreditar no que estava perante os meus olhos.

Brígida foi apenas uma confirmação divina de tudo que estava por vir. Se
você não tivesse me alertado, eu não teria acreditado nela. — Afirmou com
convicção e assenti.

— Fico feliz por tê-la livrado de um destino cruel. Você não merecia

aquele canalha, Helena.

— Porque diz isso, se não me conhece? — Sorriu sem humor —


Como pode saber se eu o merecia ou não?

Afastei-me dela alguns passos quando nossa distância ficou curta


demais e me senti tentado a tocá-la. Caminhei para o pequeno frigobar e
peguei uma garrafinha de água, disfarçando como me sentia quente

próximo dela.
— Gael me disse que nunca tinha se deitado com você. — Helena
corou e desviou o olhar do meu — Me disse que era uma moça careta, chata
e conversadora, nas palavras dele — Retifiquei — E rapidamente me dei

conta de que não servia para ele, que é um sem vergonha e cretino.

Para minha surpresa novamente, Helena sentou-se aos pés da cama e


notei que chorava, sacudida por soluços que brotavam de seu coração

ferido. Comovido com a cena de vê-la tão frágil, aproximei-me e sentei-me


junto dela, tocando seus ombros carinhosamente. Helena se inclinou e
deitou o rosto em meu ombro, sem se incomodar com minha proximidade

repentina.

— Agora está tudo bem, Helena. Sinto muito por tudo que houve.

— Foi o que consegui dizer para consolá-la.

— Meus pais estão decepcionados e desolados com tudo isso e eles


são o que mais amo no mundo! — Dizia entre lágrimas e com o rosto em
meu ombro — Virei motivo de piada nas páginas de fofoca, todos meus

planos foram destruídos e não sobrou um amigo sequer ao meu redor para
contar história. Todos temem se aproximar e terem o nome associado ao

escândalo.

— Tudo isso vai passar... — Ela se ergueu e secou as lágrimas.

— Ele me procurou hoje mais cedo e disse coisas horríveis quando


me recusei a reatar o noivado. Me chamou de palavras absurdas que não
quero nem me lembrar... — Não me olhava nos olhos — E não se preocupe.
Não contei nada a ele sobre nossa conversa.

— Não me importo se contar. Gael não é mais alguém que eu queira


ter em minha vida, muito menos como amigo. Não é o tipo de pessoa que

vale a pena. — Trocamos um olhar repentino e terno, algo que me fez


erguer uma das mãos e secar a lágrima que deslizava no rosto dela. Helena

não se afastou e aquilo me intrigou.

— Queria desaparecer do mundo, Josh... Sumir e nunca mais voltar.

— Porque não passa alguns dias em minha fazenda? — Sugeri de

maneira brincalhona — Aposto que se esqueceria do mundo mesmo, pois


encontrará apenas os animais, peões e minha família.

— Onde fica? — Seu olhar interessado me fez estremecer — Pode

me passar o endereço? — Movi-me e apanhei um pequeno papel, anotando

nele o endereço exato da fazenda — Obrigada... — Olhava o papel com


interesse — Você volta hoje para lá?

— Sim, já estava saindo. — Apontei para minhas malas e ela

concordou com um aceno triste.

— Bom, então eu vou embora — Colocou-se de pé e a acompanhei

até a porta, onde paramos frente a frente — Tem algo que eu possa fazer por

você, depois de tudo que fez por mim?


Questionou em tom inocente e com os olhos azuis brilhando em

minha direção. Eu jamais esqueceria aquela bela mulher e tudo que


conseguiu me causar apenas com seu doce olhar.

— Na verdade, sim. Tem uma coisa...

Sem pensar muito, aproximei-me de Helena e segurei sua cintura

para beijá-la com ímpeto. Como suspeitei, ela não se afastou e me abraçou

pelos ombros com força, beijando-me de volta com total empolgação.

Apertei-a contra o peito e aproveitei o sabor doce de seus lábios, gravando


na memória cada segundo daquele beijo apaixonado.

Ao nos separarmos, Helena me encarava com certa timidez, mas

abriu a porta após um sorriso e desapareceu no corredor, deixando marcado

em mim o gosto de seus lábios e o aroma delicioso que exalava de sua pele.

O mundo desmoronava ao meu redor por onde quer que eu fosse e

meus pais tentavam me proteger a todo o custo das avalanches de

manchetes sensacionalistas, algo que chegava até mim, de todas as


maneiras.
Em poucos dias me vi preenchida por sentimentos negativos e que

podiam me puxar para uma possível depressão, mas a lembrança do beijo

que troquei com Joshua Ross era a única coisa que conseguia, por alguns
minutos, me fazer voltar a sonhar e desejar algo.

Tudo que eu queria era vê-lo novamente, mas ele havia ido naquela

mesma tarde, como me informaram no hotel.

“Vá até minha fazenda. Lá é um bom lugar para esquecer o

mundo”.

Suas palavras ecoavam em meu ser a cada amanhecer onde meus

pais tentavam me blindar com superproteção e me impediam de seguir a


vida normalmente. Gael já estava curtindo a vida de solteiro e desfilava

com várias mulheres em diversos sites, ignorando completamente meu

sofrimento e a fama que levei. Agora que estava falido publicamente, não

media esforços em sair com as coroas da alta sociedade para conseguir


extorqui-las.

— Será que não percebem que a vergonha me impede de prosseguir,

mas preciso continuar? — Argumentei com meus pais em dada noite,

durante o jantar — Não posso passar minha vida toda presa nesta casa,
como se fosse uma princesa aprisionada em um luxuoso castelo!

— Você já fez escolhas erradas o suficiente, Helena — Papai

vociferou na ponta da mesa e parando de jantar para me encarar — O que


quer agora? Continuar tomando decisões precipitadas e que afetam a todos

nós?

— Está mesmo me culpando pela falta de caráter de Gael, papai? —


Coloquei-me de pé rapidamente, jogando meu guardanapo sobre a mesa —

Não me culpe se ele foi um covarde comigo!

— Deveria ter sido mais esperta! — Repreendeu-me — Passou um

ano cortejando, namorando e preparando um casamento com ele sem se dar

conta de tudo que havia por trás de sua bonita face? — Suspirei em
indignação.

— Não quero ouvir mais nada! — Estiquei as mãos frente ao corpo

— Preciso desaparecer daqui e vou fazer isso agora! Já sou maior de idade

e tenho direito de ficar sozinha alguns dias! Se forem atrás de mim,


presenciarão o que é, de fato, um escândalo!

Dei-lhes as costas e ouvi meu pai sussurrar a mamãe “Essa menina

realmente é uma decepção! ”.

Mamãe tentou me impedir, mas não conseguiu ao me ver decidida

enquanto fazia as malas. Liguei para a empresa de aviões particulares usada

pela família e reservei um voo durante a madrugada para o centro-oeste,


exatamente no lugar onde o endereço da fazenda de Joshua apontava. A

única coisa que me fazia sentir viva era pensar nele e tudo que eu desejava

era estar ao seu lado, em seus braços, da maneira como estive pela última
vez. Queria largar tudo e ir atrás dele, mesmo que essa fosse uma decisão

muito precipitada.

Voei pela madrugada e finalmente cheguei a pequena cidade ao

amanhecer e contratei um motorista de táxi para me levar até a famosa

fazenda “Vida Sagrada”, que pertencia a famosa família Ross.

Os habitantes da cidade estranharam ao ver uma moça da cidade por


ali e faziam muitas perguntas, mas me limitei a dizer que Joshua era meu

amigo há muito tempo e eu apenas fazia uma visita.

Como será que reagiria ao me ver, depois de quinze dias do nosso

último encontro?

Eu ainda me lembrava do beijo e sonhava com seus braços, mas será

que Josh também se lembrava de mim e desejava minha companhia? Será


que ansiava por me ter por perto ou agiria com pouco caso, apenas tocado

pela pena que sentiu de minha história com Gael? Eles eram amigos, afinal!

Será que reataram a amizade e Josh me expulsaria?

Chegando a porteira da fazenda, me dei conta de que aquela visita


era uma loucura e foi como dar um tiro no escuro. Me atei as lembranças do

beijo e esqueci dos detalhes, louca que era, mas agora era tarde demais para

voltar atrás.

A fazenda estava bem ali e, consequentemente, Joshua também.


Janine, minha irmã caçula, sequer piscava enquanto eu narrava os

detalhes do que aconteceu na capital durante meu período de estadia para o

casamento de Gael. Deitada sobre o feno que eu recolhia com um arpão e

amontoava para os animais, Janine tinha a expressão sonhadora de quem


ouvia uma história de amor, não uma narrativa sobre um casamento

fracassado.

— Porque não a trouxe para cá? — Questionou afastando o cabelo

escuro da face bonita e encarando-me com os olhos verdes ainda mais


concentrados — Porque não trouxe a noiva que você roubou para a

fazenda?

— Eu não roubei noiva nenhuma! — Enfatizei ainda tirando os

fenos e limpando a testa com um pano pendurado em minha calça jeans.

— Mas vocês se beijaram, Josh!

— Foi apenas um beijo singelo... Helena e eu nunca mais vamos nos

encontrar, Janine. — Dei de ombros e segui o trabalho enquanto ela rodava


os olhos na face.
— Mas porquê?

— Porque ela pertence a outro mundo — Apontei para cima — É

multimilionária e uma garota da cidade.

— Nós também temos muito dinheiro, irmão. — Deu de ombros.

— Mas o estilo de vida dela é outro e uma moça da cidade como

ela, acostumada com shopping e tudo aquilo, jamais se adaptaria a uma vida

no campo. É algo muito mais complexo do que sua capacidade de


adolescente pode entender, menina! — Janine suspirou e se colocou de pé.

— Já tenho quinze anos, Josh! Sou capaz de entender muita coisa e

todos podem notar que você voltou da capital apaixonado — Não hesitou

em dizer — A tal Helena mexeu com seus sentimentos e nunca te vi tão

bobo olhando para as vacas enquanto pensa nela.

Janine riu de minha expressão e acertei-a com alguns fenos,

fazendo-a rir ainda mais. Ela e meus pais, Glória e Tomas Ross, eram tudo
que eu tinha na vida e neles se baseava toda minha história. Nossa família
era pequena e muito dedicada ao trabalho na fazenda que meus avós

construíram, motivo de orgulho para toda região. Não demorou muito até
meus pais e Janine perceberem que voltei diferente da cidade e logo
questionarem o motivo, obrigando-me a contar sobre o que aconteceu no

casamento de Gael.
— Sempre soube que aquele rapaz não valia nada! — Mamãe
comentou.

— Você fez bem, meu filho. Livrou a moça de um casamento


terrível! — Papai me parabenizou com um tapinha no ombro.

— Acho que você gostou dela! — Janine brincou e acertou em


cheio, fazendo-me narrar com detalhes minha curta história com Helena.

Deitado em minha cama durante a noite ou na rede durante o dia,

minha única lembrança do beijo que trocamos me acendia de maneira


inacreditável. Pensar nela era quase sagrado, mas eu sabia que deveria
esquecê-la o mais rápido possível.

Jamais nos veríamos novamente e eu não tinha sequer coragem para

chamá-la na rede social e perguntar como estava. Mesmo que tenha me


retribuído quando a beijei, uma mulher como Helena jamais se envolveria
com um homem como eu, rústico e distante do seu mundo moderno e

movimentado.

O dinheiro não era um fator decisivo, pois minha fazenda era rica e
próspera, mas sim o choque cultural e de realidade. O pai dela queria um
genro a altura para dirigir o hospital e um homem de negócios para assumir

a fortuna Taylor, algo que eu, com minha formação em veterinária e minha
cabeça totalmente voltada para os negócios de minha própria família, não
podia oferecer.
Helena e eu jamais nos veríamos novamente.

— Irmão! — Ouvi a voz estridente de Janine ecoando enquanto eu


bebia água ao lado do galpão, após terminar meus afazeres das primeiras
horas da manhã — Você precisa vir comigo!

— O que houve, menina? — Janine sequer me deu tempo de falar e


correu de volta, em direção a casa. Segui-a em passos curtos, certo de que

era apenas um capricho de menina para chamar atenção — Janine! Espero


que seja importante, mocinha.

Ao entrar na cozinha da casa grande, meu corpo todo se deteve


quando avistei a figura pequena de Helena Taylor sentada em uma das

cadeiras da mesa de madeira da cozinha de minha mãe, que a recepcionava


logo em frente.

— Meu filho! Você tem visita! Essa moça encantadora acabou de

chegar procurando por você... — Mamãe colocou-se de pé e Helena fez o


mesmo, encarando-me como se esperasse uma reação de minha parte.

A moça a minha frente era a mesma elegante Helena que vi de noiva


um dia. Usava um lindo vestido azul claro com os ombros nus e sapatilhas

nos pés, devido ao calor extremo que fazia na região. O cabelo loiro e
impecável se prendia em um coque frouxo acima da cabeça e ela estava
corada pela alta temperatura.
— Josh... — Sussurrou quase sem voz e ainda estática — Como
vai?

— Surpreso em vê-la. — Falei sem saber como, apenas fitando-a e

sem pensar na presença de minha mãe e irmã.

— Você me convidou para vir passar uns dias aqui, se lembra? —

Mostrou o papelzinho com o endereço singelamente e sorri de canto,


assentindo.

— Claro que sim, mas não pensei que viria.

— É uma honra tê-la aqui! Adoramos visitas, não é, Janine? —


Mamãe cutucou minha irmã — Nós vamos levar suas malas ao quarto de

hospedes enquanto Josh te mostra a fazenda, querida. Sinta-se em casa.

Em um minuto, mamãe e Janine se foram. Em um minuto, fiquei


novamente sozinho com Helena e desacreditado de que ela, a mulher dos
meus sonhos e a noiva que roubei, realmente estava ali.
A fazenda “Vida Sagrada” era muito mais bonita e ampla do que
imaginei ao vê-la por fora.

Fui recebida pelos funcionários ao cruzar a porteira e pude entrar ao


dizer que era amiga de Joshua Ross, o dono do lugar. Rapidamente notei

que se tratava de uma propriedade próspera e que rendia bons frutos, pois a
estrutura era funcional e muitos homens e mulheres trabalhavam no cultivo

e no trato dos animais. Enquanto era conduzida para a casa grande em um


carro por uma das empregadas, analisei minuciosamente cada detalhe e fui

recepcionada na entrada da bonita casa por uma mulher simples, que usava

avental vermelho por cima de seu vestido branco e um par de galochas.

— Você é a amiga de Josh? — Assenti positivamente ao descer e

aceitar o aperto de mão dela, que certamente já havia sido informada sobre

minha visita — Sou Glória Ross, mãe dele. É um prazer, Helena. Josh falou
muito sobre você, mas não pensamos que viria até nossa fazenda. Por favor,

entre!

— Obrigada, senhora. Com licença.

Corei ao saber que Josh falou sobre mim e segui a doce senhora até
a cozinha da casa, quando uma adolescente alegre e muito semelhante

fisicamente a Josh apareceu no lugar.

— Janine, avise seu irmão que a senhorita Helena está aqui para

visitá-lo! Ande rápido, garota! — A mulher bateu na menina com um pano


de maneira alegre e me acomodou em uma das cadeiras de madeira.

Tudo ali remetia à interior, como o grande centro-oeste, mas era

notório a qualidade de todos os móveis e estruturas. Apesar de não ser

sofisticado e moderno, era realmente cheio de qualidade e aconchego, como

apenas uma boa e próspera fazenda conseguiria ser.

Não tive tempo de falar muito, uma vez que Josh surgiu a minha
frente antes que eu pudesse me apresentar melhor e explicar algo para a

senhora Glória, que me ofereceu café, pão e queijo.

Vê-lo ali, frente a mim, fez todo meu coração estremecer e a

vontade de voar para seus braços se acender ainda mais. Josh parecia

desacreditado, talvez tão vulnerável quanto eu, e sequer se moveu quando a


mãe e a irmã caçula saíram do lugar e nos deixaram a sós. Ele estava ainda

mais lindo e forte do que eu me lembrava.


— Vim porque precisava de um tempo — Sussurrei quando saímos
da cozinha e ele me guiou pelo caminho, andando bem ao meu lado em

passos curtos e preguiçosos — Precisava ficar longe de toda loucura que

estou vivendo na cidade. Como pode imaginar, não há um só lugar onde eu

possa me esconder e aqui parece ser o ideal.

— Tenho acompanhado as notícias pelos sites de fofoca,

infelizmente. Mas tudo isso há de passar, Helena. Uma hora um escândalo

maior acontece e o seu vira apenas uma história do passado. — Parei de


caminhar quando Josh se colocou à minha frente, ao chegarmos em um

grande galpão coberto que nos protegia do sol, e tirou o chapéu da cabeça

para jogar bem ao lado. Eu não conseguia parar de olhá-lo — Fico feliz que

tenha vindo. Pensei que nunca mais te veria novamente.

— Pensei que me acharia uma louca por estar aqui. Pensei que me
mandaria voltar por onde vim. — Cruzei os braços frente ao peito e ele

sorriu de maneira graciosa.

— Não, nunca! — Ergueu uma mão e tocou meu rosto levemente —

Passei todos esses dias sonhando com seu rosto e devo dizer que está muito

mais linda do que me lembro, pequena fada.

Qualquer barreira se partiu ao meu redor quando Josh proferiu tais

palavras, levando-me a cruzar a curta distância entre nós e jogar-me em


seus braços firmes. Josh me recebeu com o mesmo entusiasmo e nos
envolvemos fortemente, trazendo-me conforto estar em seu peito e

desfrutando de seu abraço forte.

Ergui o rosto vagarosamente e nos encaramos, sendo a altura dele


maior do que a minha em uns quinze centímetros. Os olhos verdes e o corpo

másculo me atraiam de maneira inexplicável e não hesitei em erguer ainda


mais o rosto e beijá-lo com calma, aproveitando novamente a sensação mais
incrível que já experimentei. Suas mãos grandes desceram em minha

cintura e dançaram ali delicadamente, lembrando-me de que ao estar com


ele, eu me sentia desejada, algo que com Gael jamais aconteceu.

— Pode ficar o tempo que quiser, Helena. Tê-la aqui foi o que
sonhei durante os últimos dias. — Confessou próximo a mim e sorri,
apaixonada.

Apaixonada. Essa era a única palavra capaz de me definir naquele

momento e desde que o vi pela primeira vez.

— Quando foi que perdemos o espirito de briga que se instalou


entre nós quando nos conhecemos? — Questionei de maneira animada. Josh

deu de ombros.

— Não aconteceu, verdadeiramente. Me coloquei na defensiva por


saber que não poderia me envolver com você.

— Devo confessar que eu também. Não é sempre que um cowboy

bonitão cruza nosso caminho e se torna o salvador da pátria.


Josh envolveu a mão na minha e me levou para conhecer a

propriedade mais a fundo e com riqueza de detalhes. Não contei a ele que
minha família desconhecia meu paradeiro e apenas sabiam que eu estava a

salvo. Não contei que deixei meu mundo para trás e mergulhei de cabeça
naquela loucura, movida pela intensa vontade de estar em seus braços.

A falta de necessidade de palavras me levou a pensar que não

existiria maneira de dizer a Josh que eu estava apaixonada, mas a maneira


como me tratava não deixava dúvidas de que também partilhava do mesmo
sentimento.

— Esse é o lugar... — Comentou quando chegamos a casa grande à


noite e, após me mostrar todos os cômodos, me levou até um quarto limpo,

arejado e com uma incrível varanda com vista para o lago da fazenda — O
quarto de hóspedes onde você ficará durante sua estadia. — Minhas malas
estavam alocadas em um canto, próximas do armário, e rapidamente notei

que acabaram de limpar todo o lugar para me receber bem — Sei que não é
como os hotéis cinco estrelas aos quais está acostumada, muito menos

chega aos pés do luxo de sua mansão, mas garanto que ficará bem e terá
uma boa estadia. — Piscou um dos olhos e concordei, aproximando-me da
varanda para apreciar a vista.

— Tem razão, não é como os hotéis ou a cidade... É bem melhor! —

Fechei os olhos e respirei o ar fresco — É exatamente o que eu precisava.


— Geralmente as visitas ficam na casa do lago, bem ali — Apontou
a casa bonita e envidraçada que ficava do outro lado do lago — Lá sim é
elegante e sofisticado, mas como você veio sozinha, acredito que se sentirá

mais segura em casa, conosco.

— Você pode ficar lá comigo, se quiser. — Brinquei e ele sorriu,


mordendo os lábios brevemente.

— Acho que não ia prestar, não... — Coçou o queixo e o ar me

faltou ao ver a maneira sensual como sua língua se prendia aos lábios —
Não sou como Gael, que gosta de várias mulheres. Quando gosto de uma, é

ela que fica cravada nos meus pensamentos e não consigo me controlar
quando ficamos sozinhos. Jamais ficaria ao seu lado, sozinhos em uma casa

pequena, sem tentar algo indecente.

Ao invés de me chocar, o comentário me acendeu e me fez sorrir.


Dei de ombros e o encarei seguramente.

— Isso não é um problema, senhor Ross.

— Irmão! Senhorita Helena! — A garota adolescente, que agora eu


sabia ser a irmã mais nova de Josh, surgiu no quarto com sua empolgação

corriqueira — Gostaram do quarto que mamãe e eu preparamos? Se não


gostar, pode se mudar para a casa do lago e...

— Não, Janine, está tudo bem. Helena prefere ficar na casa,

conosco. É mais seguro para ela. — Josh respondeu ao meu lado.


— Adorei o quarto, Janine. Muito obrigada a você e sua mãe por
terem feito tudo com tanto capricho. — A menina sorriu de maneira
satisfeita e passou a tagarelar sobre a rotina na fazenda, avisando que em

breve o jantar seria servido.

Josh e ela saíram para que eu pudesse me instalar bem e, pela


primeira vez em dias, me senti realmente bem ao ficar sozinha em algum

lugar. Tomei banho e coloquei um short, como as mulheres dali usavam, e

uma blusinha mais larga. O calor castigava, mesmo que tudo já estivesse
escuro, e me rendi ao conforto que todos ali aderiam.

Tudo aquilo não era nada parecido com a minha realidade e meu pai

me mataria se descobrisse que eu estava me envolvendo com um cowboy,

em uma fazenda no centro-oeste, ao invés de estar na capital estudando para

cuidar de seus hospitais, como ele queria. Tentei não pensar que tudo aquilo
era um sonho que teria de passar em breve e me atirei de cabeça na

presença agradável da família Ross e, principalmente, de Josh.

Desci para o jantar e encontrei-o rodeado por sua família, finalmente

conhecendo seu pai, um homem rústico como ele e igualmente bonito,


apesar de ser bem mais velho. O senhor Ross era agradável e me recebeu

muito bem, assim como Glória e a garota Janine.

Todos ali sabiam que existia algo entre Josh e eu e não escondiam a

felicidade ao nos verem juntos, algo que minha família não faria, se fosse
ao contrário. Josh era amado e se encaixava em seu mundo, algo que não

acontecia comigo.

— Você parece triste, pequena fada — Josh disse quando saímos


para caminhar um pouco após o jantar agradável — Pensei que tinha

gostado da fazenda.

— Sim, eu gostei. Amei, na verdade. — Abraçada ao braço forte

dele, seguimos caminhando juntos — Deve ser incrível ter pais que sentem

orgulho de você e te apoiam em suas decisões. Sua família te ama como


você é e isso é admirável. Dinheiro nenhum compra. — Sorri sem humor e

paramos em um lugar um pouco afastado, sentando-nos abaixo de uma

árvore e sobre uma toalha que Josh estendeu no chão.

A vista do céu ali era fascinante e me cativou assim que coloquei os


olhos nas estrelas, sentada entre as pernas firmes de Josh.

Depois de muito tempo escondendo um presente que comprei para

ele em forma de gratidão por tudo que fez por mim, finalmente tive

coragem de tirá-lo do bolso e estender o pequeno saquinho em direção a


Josh.

— O que é isso? — Questionou olhando o saquinho vermelho e com

um sorriso pequeno nos lábios.

— Um presente singelo para agradecer a maneira como me trata e

tudo que fez por mim em relação a Gael. Por favor, pegue. — Josh hesitou,
mas pegou o saquinho e virou o conteúdo em sua mão, desvendando uma

corrente de ouro com um pingente em forma de raio.

— É muito bonito, Helena. — Analisou o colar com real felicidade

e não pude evitar também me sentir feliz — É incrível, mas nunca te dei um
presente tão caro ou algo sofisticado. Porque devo aceitar?

Toquei a face de Josh delicadamente e alisei sua barba rala


carinhosamente. Beijei-o rapidamente, amando cada detalhe que significava

estar com ele e em meio a seus braços.

— O que você oferece é muito maior do que isso, Josh. Junto de

você tenho uma nova família, aconchego, carinho e um amor que jamais
conheci... Qualquer coisa material seria pouco perto de tudo que você me

proporciona.

— Você é uma moça admirável, Helena — Sussurrou ao meu

ouvido e colocou o colar no peito, exibindo-o para mim com gratidão —

Prometo jamais tirar isso, pois será minha maneira de tê-la sempre junto a
mim.

Toquei o pequeno raio do pingente e beijei com calma, apaixonada

por Josh. Deitei-me novamente contra seu peito forte, sentindo seus braços

me envolvendo com a mesma necessidade.

— Meus pais me culparam pelo que aconteceu com Gael. Disseram

que foi minha culpa não ter percebido as intenções dele. — Contei sem
desviar o olhar do céu noturno — Acha que tenho culpa?

— Claro que não! — Josh afirmou — Gael é malandro demais e

você é muito inocente. Não tinha chances contra a perspicácia de um


golpista como ele, por isso te alertei. Sabia que ninguém conseguiria

perceber do que ele era capaz, nem mesmo seus pais. — Josh tocou meu

queixo levemente e trouxe meu rosto para si — Não se culpe por isso,
pequena fada. Você merece o mundo, não lágrimas.

Josh me beijou sob as estrelas e compreendi que nem toda


sofisticação e status almejados por meus pais eram capazes de suprir um

momento como aquele.

Pela primeira vez em toda a vida eu me sentia amada,

verdadeiramente querida e valorizada, e não deixaria isso passar em vão.


Jamais.

— Você parece muito apaixonado, irmão... — Janine sussurrou

enquanto me seguia pela fazenda, dias depois, após acordarmos bem cedo
— Para quem dizia que nunca se apaixonaria de verdade, te vejo caidinho

pela Helena.

— Eu já disse que Helena não pertence ao nosso mundo, Janine —

Terminei de abastecer a ração dos animais e me voltei para ela, que também

me ajudava com o trato dos cavalos naquela manhã — É uma moça muito
fina e eu, inclusive, preciso tomar um banho para ficar com ela quando a

mesma acordar.

— Pois é, já são quase nove horas e ela nem acordou! — Janine

olhou para trás e vimos a janela do quarto de Helena fechada — Mesmo

assim, acho que tudo é uma questão de adaptação. Papai e mamãe gostaram
muito dela e acredito que seria bem-vinda em nossa família. — Suspirei

com as palavras de minha irmã tagarela, lavando as mãos para entrar e ir em

busca do chuveiro — Você já tem vinte e oito anos, Josh. Está na hora de
arrumar esposa e filhos, como o papai diz.

— Está bem, garota, agora será que pode parar de falar um

segundo? — Fiz um gesto engraçado em sua direção e Janine mostrou a

língua, deixando-me passar em direção a casa.

Não pude explicar para minha irmãzinha que o problema não eram
meus pais e, talvez, nem mesmo a adaptação de Helena a uma vida no

campo. Os pais dela, multimilionários e conservadores, não aceitariam bem


a ideia de ter a filha, justo a única filha, casada com um fazendeiro e

distante dos negócios da família.

Meus pais amaram a presença de Helena e sua boa educação, mas os


pais dela não fariam o mesmo julgamento sobre mim, ao que parece. Eu me

lembrava da cordialidade da mãe dela, uma senhora elegante e muito

simpática, mas não estava seguro se o tratamento seria o mesmo se eu fosse


o futuro marido de sua filha.

Há quase uma semana estávamos juntos na fazenda e Helena sequer


tocava no nome de sua família, desviando o assunto sempre que eu buscava

citá-los. Sua relação não era boa com seus pais e eu sabia, principalmente

depois do ocorrido com Gael, mas cabia a mim forçá-la a dizer algo que não
queria.

A parte difícil era manter em mente a ideia de não me apegar a ela.

A cada dia e a cada instante que passávamos juntos, tudo se tornava

mais intenso entre nós e não me parecia justo que acabasse. Helena sequer

citava a ideia de ir embora e nem parecia se lembrar que existia um mundo

além da fazenda, mas eu sabia que o mesmo existia e em breve teria de ser
encarado.

Após sair do banho, a encontrei na cozinha conversando com minha

mãe e ajudando-a em alguma receita.


— Estamos fazendo bolinhos para o café da tarde, meu filho. —
Mamãe disse ao me ver, parada em frente a pia com Helena ao seu lado —

Helena tem muito jeito com as mãos.

— A senhora está sendo gentil, dona Glória. Nunca na vida coloquei

a mão em algum alimento para preparar — Disse enquanto enfileirava os


bolinhos na forma untada — Faço apenas o que a senhora manda.

— A moça tem jeito, filho. Acredite em mim! — Mamãe nos fez rir

com seu comentário e me sentei à mesa para tomar um café enquanto as

duas terminavam.

— Espero que não esteja ocupando demais minha hóspede, mãe. —

Brinquei ao bebericar minha xícara. Helena me olhou e sorriu de maneira


angelical, em nada combinando sua aparência elegante com aquele

ambiente de cozinha de fazenda — Ela pode se cansar e querer ir embora.

— É uma terapia para mim passar momentos tão agradáveis com


vocês. — Helena respondeu sem desviar o olhar do meu e causando um

pequeno acidente com o bolinho em sua mão.

Mamãe rapidamente a ajudou a resolver o problema e fiquei lá,


bobo como apenas conseguia ser perante ela. Eu já sentia como se Helena
fosse parte de mim, mesmo que no pouco tempo em que estava ali, jamais

tenhamos nos envolvido intimamente.


Passávamos o dia juntos na fazenda, mas quando a noite caia, cada
um seguia para seu quarto. Graças ao idiota de Gael, eu sabia que Helena
era virgem e não queria apressar as coisas, mesmo que seus beijos e a

maneira como se entregava aos meus braços demonstrasse que queria muito
mais do que apenas um namorinho comigo.

Helena me desejava, mas não me vi com coragem suficiente para


ultrapassar a linha segura. Primeiro precisava de um sinal claro vindo dela.

Saímos para caminhar perto do lago pouco após o almoço, de mãos


dadas e unidos pela maneira como sorríamos um para o outro.

— Acha mesmo que eu me cansaria de estar com vocês neste

paraíso? — Abracei-a pelos ombros delicadamente, sentindo seu aroma


delicioso me embriagar os sentidos.

— Sei que uma hora vai sentir falta da sua vida agitada, mas espero
que demore algum tempo. Não sei como vai ser no dia em que for embora.

Acho que levará meu coração na bagagem. — Helena parou a minha frente
e levou as mãos aos meus ombros.

— Se quiser, não vou embora nunca. — Sussurrou perto demais de


meus lábios — Minha vontade é ficar aqui para sempre, Josh. Você foi o

maior presente que recebi depois de toda aquela tempestade em minha vida.
Além de meu salvador, é o grande homem de minha vida — Toquei seu
rosto delicadamente — Não sei se percebeu, mas estou apaixonada por
você.

— Será que percebeu que também estou apaixonado por você,


pequena fada? — Respondi ainda mais enfeitiçado, envolvendo-a pela

cintura para trazê-la para mim — Eu faria tudo para que ficasse comigo
para sempre, mas sei que pertencemos a mundos diferentes e isso, uma

hora, vai vir à tona.

— Não, Josh... Não diga isso! — Tocou meu rosto também e me


afundei em seus olhos azuis — Sou maior de idade e posso ficar aqui pelo

tempo que desejar. E eu desejo você.

Helena aproximou nossos lábios e me beijou com ímpeto,


apertando-se contra meu peito de maneira e me fazer duvidar onde ela

começava e eu terminava. A cada beijo era ainda mais complicado me


segurar e ficar longe de tocá-la.

— Ouvi boatos, mas não pensei realmente que isso estivesse


acontecendo... — Helena e eu nos separamos quando a voz conhecida e

desagradável ecoou entre nós.

— Gael? — Falei sem pensar, segurando-a contra meu peito da


mesma maneira.

Sim, era ele! O próprio infeliz que um dia foi meu amigo e noivo de
Helena. O mesmo nos encarava em tom debochado, usava roupas caras,
certamente pagas pelas coroas com quem ele saia, e usava óculos escuros.
Retirou os mesmo da face para nos encarar em tom debochado, como se

Helena e eu fossemos uma dupla de comediantes.

— Seus malditos pais me procuraram para cobrar tudo que gastaram


comigo até o casamento fracassado e me disseram que você tinha viajado
para a fazenda de um amigo. — Gael dizia olhando para Helena, que

parecia enojada em sua presença — Como não sou burro, rapidamente me


lembrei da maneira como Josh te defendia em minhas infidelidades e acabei

compreendendo que tudo estava relacionado. Vocês dois... — Fez um gesto


— Sempre estiveram juntos as minhas costas também, não é?

— Não se atreva a abrir a boca suja para falar dos meus pais! —

Helena vociferou e a segurei perto de mim — Eles te bancaram por muito


tempo e você não tem esse direito!

— Está com pena deles, Helena? — Gael cruzou os braços frente ao

peito — Mas não sente pena em imaginar como os velhos ficarão ao saber
do caráter da filhinha querida deles, que está metida em uma fazenda e
esquentando a cama do melhor amigo do seu ex-noivo?

— É melhor calar a boca, Gael! — Vociferei e larguei Helena,

colocando-me a frente dela e indo em direção a Gael, que sequer se moveu.


Apenas um soco meu poderia desmontá-lo e ele sabia perfeitamente disso
— Helena e eu nunca tivemos nada enquanto ela era sua noiva. Se estamos

juntos agora, isso foi depois de tudo que aconteceu.

— Como se atreve a falar comigo, seu traidor? — Gael desdenhou.

— Traidor? — Agora fui eu quem debochou — Realmente está me

chamando de traidor, depois de tudo que você fez com ela?

— Um homem que transa com a ex-noiva do amigo pode ser


chamado de quê, Joshua Ross? — Apoiei as mãos na cintura e apenas o
observei — Pensei que você era pura e casta, Helena, mas vejo que por uma

idiota vingança acabou se tornando uma vadia! Era isso que queria se
envolvendo com meu amigo? Vingar-se de mim?

Enchi a mão e soquei a face de Gael ao ouvi-lo chamar Helena de


vadia, fazendo-o cair aos meus pés com um único movimento. Seu nariz

sangrou e seu lábio rasgou, fazendo-o ficar de pé com dificuldade.

— Nunca mais se refira a Helena nestes termos! — Peguei-o pelo


colarinho e o ergui frente a mim — Já disse que entre ela e eu nunca houve
nada enquanto vocês eram noivos e exijo que a deixe em paz! Você não

merece nenhum tipo de explicação e ela tão pouco está disposta a ver sua
cara infeliz aonde quer que vá, me entendeu? — Arremessei Gael no chão e
ela caiu contra a terra fortemente, gemendo pelas dores — E fique longe

das minhas terras! Se veio para a fazenda do seu tio-avô, fique por lá e não
invada aqui, caso contrário, vai ser enxotado! Vamos, Helena.
Peguei na mão dela, que se aproximou vagarosamente para falar
com Gael.

— A única coisa boa que você fez por mim foi ter me levado até
Josh... Seu covarde! Ele me contou tudo antes daquela mulher aparecer e

graças a ele consegui me libertar de você! — Helena disse antes de saímos


em direção oposta.

Por mais que parecesse forte, vi lágrimas em seu rosto quando


começamos a caminhar e notei que estava muito aflita e nervosa. Em
silêncio levei-a até a casa do lago, sabendo que ficar sozinha era o que ela

precisava agora.

— Aqui você pode descansar... — Fechei a porta atrás de mim


quando ela se sentou no sofá amplo da sala, agarrando-se aos joelhos para
chorar em silêncio — Não dê ouvidos para aquele traste, Helena. Ele não

merece suas lágrimas.

Esfreguei a testa ao vê-la tão frágil, aflito por não saber o que fazer
para mudar sua situação.

— O que posso fazer para agradá-la? — Sentei-me ao seu lado e


Helena deitou o rosto repleto de lágrimas em meu ombro forte.

— Só fique comigo, Josh... Só fique aqui.


Enquanto chorava, Helena adormeceu em meus braços sem nada
mais dizer e esperei alguns minutos para levá-la até a cama e deitá-la

vagarosamente.

A presença de Gael mexeu muito com ela e achei melhor deixá-la

ali naquela noite, por isso tranquei a porta seguramente e segui em direção a
casa grande para pegar alguns de seus pertences e trazer para que se sentisse

mais cômoda.

— Não acredito que aquele cretino teve a pachorra de aparecer em

nossas terras, muito menos de dizer tudo que disse para a moça. — Meu pai
comentou quando me viu prestes a sair da casa grande com as bolsas de

Helena.

— Sim, ele teve. Helena está muito triste e acho melhor deixá-la na

casa do lago hoje, um lugar mais tranquilo e onde ela poderá ficar mais
cômoda.

— Tome, querido. Leve essas frutas e essa comida para que fiquem
bem durante a noite. — Mamãe colocou uma grande sacola com alimentos

em meu braço.

— Obrigado por serem tão compreensivos. Sei que Helena não

pertence a nosso mundo, mas ela está grata por tudo que temos feito por ela.

— Mamãe sorriu e tocou meu rosto delicadamente.

— Apenas esperamos que você não se machuque, meu querido...


Como você acabou de dizer, essa moça não pertence ao nosso mundo e fico

feliz por você estar ciente do fato.

Sai da casa grande com as bolsas e cheguei na casa do lago pouco

antes da chuva que armava no céu de final de tarde começar a desabar sobre

a fazenda. Fechei a porta já com a camisa molhada e encontrei Helena ainda


adormecida, mas ela rapidamente despertou quando notou o barulho que fiz

ao acomodar as bolsas de roupa no quarto.

— Josh? — Sussurrou coçando os olhos. — O que houve?

— Fui até a fazenda pegar algumas roupas e comida para passarmos

a noite aqui, na casa do lago. Acho que ficará mais tranquila aqui, não é? —

Sorri ao vê-la sentando na cama e sorrindo ao encostar-se a cabeceira.


— Seus pais não acharam estranho ficarmos aqui sozinhos? —
Questionou um pouco tímida.

— Somos adultos, Helena. Meus pais sabem que temos um

envolvimento amoroso e não creio que se importem... Mamãe mandou

comida de bom grado e desejaram boa noite. — Mais aliviada, Helena

tocou minha mão carinhosamente e suspirou.

— Não sabe a sorte que tem em tê-los como seus pais.

— Sorte tenho em tê-la aqui, pequena fada. — Toquei seu queixo

delicadamente e sorrimos juntos — Quer tomar um banho? Eu trouxe

roupas e acho melhor ir antes da tempestade. Já está chovendo, mas ainda

fracamente.

— Sim, tem razão. Obrigada.

Helena retirou-se para tomar banho e me limitei a esperá-la, parado

frente à janela enquanto a chuva caia. Algo em nós, principalmente no

olhar, transformou-se quando a visita inesperada e infeliz de Gael


aconteceu.

Teríamos pouco tempo?


Enquanto tomava banho no chuveiro delicioso da linda casa do lago

da família Ross, tudo que eu podia pensar era no musculoso e forte corpo de
Josh sobre o meu.

Ele era tudo que eu queria e agora, após ter sido tão humilhada por

Gael, compreendi que o tempo e um pedaço de papel, como o casamento,


não deveria ser o marco para que eu fizesse amor com alguém. Meu corpo

pedia por Josh e meus sentimentos também, pois era o primeiro homem
pelo qual me apaixonei em toda a vida.

Por ele, eu seria capaz de arriscar tudo. Me atirar ao prazer com Josh

era como me pendurar em uma forca, pois cedo ou tarde teríamos de


empurrar o banco e ficaríamos lá, agonizando em silêncio.

Sai do banheiro após pentear o cabelo e envolta por uma toalha


branca e simples. Josh, parado próximo da janela, apenas virou o rosto para

me encarar e assustou-se ao me ver seminua aos seus olhos. Não escondeu a


surpresa quando me aproximei vagarosamente, sustentando seu olhar

esverdeado com um brilho especial.

— Helena... — Sussurrou ainda perdido e finalmente voltando-se


para mim. A chuva caia lá fora com intensidade, agora sim tornando-se uma
real tempestade — Porque não se vestiu ainda? Algum problema?
A voz saia embargada de sua garganta e eu notava que fazia força

para que soasse normalmente. Seus olhos me fitavam com paixão, algo
muito além do que minha inexperiência compreendia.

— Não quero esquecer nunca o que sinto por você, Joshua Ross —

Sussurrei levando minhas mãos aos seus ombros fortes — Não quero que
isso acabe.

— Helena...

— Sh... — Coloquei um dedo sobre seus lábios e fechei os olhos,

aproximando-me de sua boca para beijá-lo — Não diga nada. Só faça


acontecer... Quero ser sua como nunca fui de outro, nem mesmo de Gael.

Josh não esperou que eu repetisse, uma vez que tudo ficou bem

claro entre nós e era exatamente o que ele também queria.

Sem delongas, moveu as mãos para minhas costas e tocou meus


ombros nus com um movimento sutil. Estremeci quando suas palmas
deslizaram para baixo e levaram a toalha, deixando-me totalmente nua

frente a ele. A maneira como me encarava transbordava desejo e eu


compreendia, finalmente, aquele sentimento novo.

Fechei os olhos quando baixou a cabeça e juntou meus seios em um


aperto delicado e mordiscou meus mamilos com fervor, devorando-me a
pele e levando-me para a cama ali perto, em seguida. Desceu os beijos

quentes até meu ventre e seus lábios facilmente me levaram as estrelas com
sábia experiência, me fazendo esquecer o mundo enquanto sentia prazer ao
lado dele, rendida a seu encanto.

Não existiam problemas, muito menos Gael, meus pais e todo o


resto que nos separava.

Dedilhei seus músculos firmes com paixão, gemendo alto enquanto


sua boca quente me tocava entre as pernas e me apresentava o prazer em
sua mais profunda forma. O homem sabia perfeitamente o que estava

fazendo e como estava fazendo... Meu corpo e coração jamais se


esqueceriam da magia que fazíamos juntos e da maneira intensa como eu o

amava.

— Deixe-me tocá-lo também. — Pedi ofegante ao vê-lo tirar a calça


e a cueca. Engoli a respiração quando o tive nu, tomada pelo medo da

primeira vez.

— Não quero assustá-la. — Sussurrou colocando-se sobre mim e


deixando-me passear os dedos delicadamente em sua ereção, que me tocava
entre as pernas — Você nunca fez... Nada?

— Nada — Afirmei hesitante e sentindo o coração correndo no

peito enquanto meus seios subiam e desciam rapidamente por minha


respiração descompassada — Vai doer muito?

Confuso, Josh pensou um pouco e nitidamente se controlava para

não gozar enquanto minha mão o explorava com delicadeza. Separou


minhas pernas abruptamente, tomado pelo intenso desejo que eu causava,
encaixando o membro em minha entrada úmida sem pensar muito, apenas
movido pelas arrebatadoras sensações.

Rústico e intenso.

Era assim que ele era e sempre seria, fazendo-me adorá-lo com
fervor.

Fechei os olhos ao senti-lo, estremecendo enquanto a voz rouca e


cheia de desejo sussurrava ao meu ouvido.

— Não vou mentir, será doloroso, mas prometo ter o máximo de

cuidado. — Segurei em seus ombros enquanto o sentia entrando em mim e

penetrando-me delicadamente. Os gemidos dele também preencheram a


pequena casa, por mais que Josh tentasse se controlar — Nunca pensei que

pudesse me apaixonar por uma mulher como me apaixonei por você,

Helena. Você destruiu tudo que construí para mim quando roubou meu
coração.

Tomada pela dor momentânea e pelo misto de sentimentos, apenas

mordisquei meus lábios enquanto o sentia e ignorei suas palavras,

guardando em meu coração os sentimentos que também nutria por ele.

Josh foi gentil e carinhoso, mesmo que a dor ainda me tomasse

enquanto seu membro rígido me penetrava com ardor. Seu desejo era
incrível de ser assistido e tive a certeza de que não poderia existir um
momento mais doce e sublime do que minha primeira vez ao lado de um

homem que me queria tanto.

Me senti conectada a Josh como jamais estive a alguém na vida,


fazendo-me parte de algo, finalmente.

Eu sabia que aquele momento íntimo, o mais íntimo que já

compartilhei em toda vida com alguém, seria a única coisa que eu levaria de

Joshua Ross, caso realmente nossos mundos nos separassem.

Acariciando o cabelo loiro de Helena em meus dedos trêmulos, tive

a certeza de que nunca me apaixonei de tal maneira por nenhuma mulher.

Sempre tive a cama frequentada e paixões rápidas, mas jamais senti

o coração ardendo em sentimentos enquanto transava com alguém. Pela


primeira vez na vida fiz amor e marquei como minha uma mulher intocada,

trazendo vida a minha alma que jurei ser para sempre solitária.

— Não posso perdê-la, pequena fada... — Sussurrei enquanto ela

dormia nua em meu peito, ouvindo com tranquilidade a chuva cair do lado
de fora da casa do lago — O que farei para não perdê-la, se a cada minuto

que passa você escapa mais um pouco de minhas mãos?

Aspirei seu aroma doce e a apertei contra o peito delicadamente,

envolvendo-me em sua delicadeza enquanto pensava em inúmeras


possibilidades para tê-la comigo. Eu enfrentaria a família Taylor e o

carrasco do pai dela para lutar por nosso amor, mesmo que antes tudo isso

me parecesse uma grande bobagem.

Fizemos amor a madrugada toda e não parei até marcar na memória

cada parte do corpo de minha amada, reverenciando-a como só um amante


apaixonado conseguiria fazer.

Perdê-la deveria ser um castigo muito grande que eu sofreria após

ter tido tantas mulheres na vida e a ideia me parecia insuportável. O tempo

era pouco ao lado dela, mas aprendi rapidamente que tempo não mensurava

sentimentos, muito menos o grau de envolvimento.

Helena acordou tímida na manhã seguinte e, para minha sorte, não


parecia nada arrependida.

— Pensei que se arrependeria, não que ficaria com vergonha de me

olhar nos olhos. — Brinquei enquanto tomávamos café na cama

aconchegante que esquentamos por toda madrugada.

— Diz isso porque já esteve nessa situação. Um homem nunca me

viu nua, antes de você. — Toquei seu rosto carinhosamente e ela finalmente
me encarou.

— E quero que seja assim para sempre... — Helena abaixou

delicadamente a xícara de café e a pousou na bandeja enquanto me


encarava — Não quero que isso acabe, Helena. Não quero ficar sem você.

Sem resposta e com o olhar perdido, Helena somente se lançou para

frente e me beijou na boca com ternura e devoção, algo além do explicável.

Minha linda fada também não tinha ideia de como tudo acabaria e não sabia

me dizer que, talvez, não houvesse maneira de nos mantermos unidos.

Voltamos para a casa grande na tarde seguinte para jantarmos com


meus pais após uma manhã apaixonada, marcada pela presença constante da

união entre nós. Perdi as contas de quantas vezes estivemos juntos, mas tive

bem vivida a memória de que Helena nunca seria capaz de me esquecer,


mesmo se tentasse.

Meus pais nos receberam com normalidade, enquanto Janine ria

pelos cotovelos cada vez que ficava sozinha comigo. A noite terminou

animada com uma roda de música entre os demais funcionários fazenda e

meus pais, algo que Helena adorou assistir enquanto eu a abraçava


ternamente.

— Esse lugar é como um sonho, Josh. — Sussurrou com os olhos

apaixonados.
Tudo em nós era como um sonho, eu apenas não sabia como fazer

para que se tornasse um sonho alcançável.

Um mês depois...

Olhando-me no espelho, dei-me conta do quão melhor minha

aparência estava após um mês na fazenda dos Ross.

Meu cabelo, antes loiro pálido, agora parecia mais dourado pelo sol
e minhas faces mais coradas. Até mesmo meus olhos azuis, sempre

apagados e escondidos pelas mexas ao redor, brilhavam como o sol perante

o amor que me preenchia. Também ganhei uns quilos, diga-se de passagem,

e minha aparência magricela se tornou mais saudável e meus seios mais


fartos.

Não somente Josh me enchia de amor e atenção, mas dona Glória e

Tomas, os pais dele, faziam de tudo para que eu me sentisse a vontade e

parte da família. Janine, a irmã caçula de Josh, tornou-se a amiga verdadeira


que jamais tive e juntas passávamos momentos incríveis conversando,

hidratando o cabelo e fazendo as unhas no salão de beleza local.


Papai mandava dinheiro para minha conta a cada semana, como

sempre fez a vida toda, mas nunca ligou para perguntar sobre mim. Mamãe,
ao contrário, me interrogava a cada dois dias quando ligava em chamada de

vídeo para se certificar de que eu estava mesmo bem e no mesmo lugar.

Gael não apareceu novamente, mas espalhou vários boatos pela

mídia sobre mim. Talvez com medo de ser rotulado como “homem traído”
ou por saber que Josh e eu não o traímos, de fato, não divulgou que eu

estava com seu melhor amigo na fazenda, mas fez questão de espalhar

coisas intimas que apenas compartilhei com ele, como minha virgindade,

que já não existia, e segredos bobos que eu guardava.

Tudo me atingiria negativamente se não fosse a família Ross em


minha vida, dando-me forças para seguir em frente e animando-me em

meio as adversidades. Josh fazia questão de me manter distante de celular,

televisão e qualquer coisa que pudesse me levar a obter informações chulas.

Além de me amar, me protegia como ninguém e sabia ser a cada dia um


homem mais incrível do que foi no anterior.

— Helena... — Josh, Janine e eu tomávamos banho no lago em um

lindo dia de sol quando Glória, mãe de Josh, apareceu na beira do mesmo

com as mãos envoltas no avental vermelho que descansava em sua cintura


— Querida, tem uma pessoa perguntando por você na casa grande — Parei
de brincar com eles, amparando-me nos braços fortes de Josh — Por favor,
venha comigo.

A expressão de dona Glória não deixou margem a dúvidas de que se

tratava de alguém importante e não hesitei em sair da água, enrolando-me

na toalha com Josh e Janine, que também me seguiram até a casa.

Ao entrar na sala de estar, meu coração quase parou quando me


deparei com a figura imponente de meu pai parada frente a Tomas Ross,

ambos se encarando em uma afronta silenciosa muito clara.

— Pai... — Sussurrei quase sem voz e encarando-o ao chegar mais

perto — O que o senhor faz aqui?

Virando-se, meu pai me estudou com certo desdém e alívio,

analisando minha silhueta magra envolta pela toalha e com o biquíni por
baixo.

— Helena, minha filha. — Aproximou-se em passos lentos, usando


seu formal terno e gravata mesmo em um calor de quarenta graus — Vim
até aqui buscá-la e levá-la de volta ao seu lugar, querida.

— Como assim, buscá-la? — Josh interveio, logo atrás de mim —


Helena não está aqui obrigada. Ela é maior de idade e pode fazer suas

próprias escolhas.
— Você deve ser Joshua Ross, não é? — Papai disse encarando-o
com pouco caso, algo que me encheu de vergonha — Já sei quem você é e o
que pretende com a minha filha, mas fique sabendo que não vou permitir

que a engane como aquele cretino do seu amigo enganou! Helena não vai
mais ser feita de idiota, muito menos por um cowboy como você!

— Não, o senhor está muito enganado, eu... — Coloquei a mão no


peito de Josh e o encarei de baixo com certo pesar.

— Está tudo bem, Josh. Será que podem me dar um tempo para
conversar com meu pai a sós? Por favor... — Pedi quase suplicando e Josh

concordou, saindo da sala com seus pais e irmã de maneira hesitante. Ao


ficar a sós com meu pai, suspirei pesadamente — Não deveria ter vindo,
muito menos falado assim com Josh! Ele e toda família Ross estão me

recebendo com muito carinho e cuidado, pai. Graças a eles estou bem
mentalmente e conseguindo superar o horror que Gael causou em minha
vida.

— Você e suas bobagens, Helena! — Fez um movimento com a mão

indicando seu desdém — Eu deveria ter vindo muito antes, mas apenas o fiz
quando aquele infeliz de Gael apareceu em meu escritório para me esfregar
na cara que você estava vivendo uma aventura nos braços do melhor amigo

dele como uma qualquer e apenas manteria tudo em sigilo se eu


concordasse em empregá-lo no hospital! Como acha que me senti ao ouvir
tudo isso daquele cretino? Como acha que me senti sabendo que você
desceu tão baixo?

— Não sou uma qualquer, papai! — Vociferei nervosamente, mas


em tom baixo para não ser ouvida — Tem noção do que está dizendo?

— Tenho noção de que tive de pagar uma grande quantia para Gael
ficar calado e manter sua reputação limpa, garota! Tenho noção de que você

é minha única herdeira e não vai ser usada por outro caipira em busca de
dinheiro fácil! — Separei os lábios pela ofensa — Suba agora e pegue suas
malas — Olhou no relógio — Você tem meia hora até o avião decolar.

— Não vou embora! — Relutei — Não vou deixar o homem que

amo por um preconceito idiota de sua parte! Josh é honrado e não precisa
de dinheiro! A família Ross também tem sua fortuna e não quer nada de

mim!

— Isso é o que te fizeram acreditar, sua menina tola! — Papai


desdenhou e tocou em meu rosto, mas desviei o olhar — Podem ter
dinheiro, mas nem se compara com a fortuna que nossa família dispõe! É

melhor juntar suas tralhas, Helena, ou eu te arrasto para o avião da maneira


que está!

Olhei para trás e pensei no caos que relutar significaria para a doce e
pacifica família Ross, que certamente ficaria ao meu lado e arrumaria uma

verdadeira briga com meu pai. Infelizmente ele era um homem muito
importante e rico, que poderia facilmente causar problemas para família que
eu queria tão bem e protegida.

O melhor era ir com ele e dar um jeito de explicar tudo com mais

calma em casa, na presença de minha mãe, que já conhecia Josh e tinha um


pouco de apreço por ele. Talvez juntas conseguíssemos enfiar na cabeça
dura de meu pai que Josh era um bom homem e tudo se resolveria da

melhor maneira.

— Meu amor, você não precisa ir! — Josh dizia enquanto me via

fazendo as malas. Sua expressão dilacerava meu coração, mas eu sabia que
acompanhar meu pai agora era o melhor a ser feito — Posso falar com seu
pai e explicar minhas intenções. Aposto que uma boa conversa poderia

mudar tudo.

— Amor, eu sei que suas intenções são as melhores do mundo, mas


meu pai é um homem complicado — Toquei sua face triste, agora também

tentando esconder minha dor — Vou deixar peças de roupa aqui porque
voltarei em breve. O acompanharei apenas para evitar um problema, Josh,
por favor... Não quero brigas e nem clima ruim em sua fazenda, um lugar

que apenas me trouxe luz e felicidade.

Beijei-o e Josh me abraçou fortemente, apertando-me contra seu


peito como se nunca mais fosse me soltar.
— Não quero passar nem um momento sem você, meu amor —

Sussurrou ao nos separarmos e tocar meu rosto com carinho — Por favor,
não demore, ou juro que vou até a cidade buscá-la.

— Voltarei, Josh. Eu juro que voltarei! — Assegurei ao senti-lo


beijar minha testa.

— Você é minha, Helena — Assenti positivamente a suas palavras


— E eu sou seu. Nada poderá nos separar enquanto desejarmos ser um do

outro, minha pequena fada.

O olhar consternado de Josh em nossa despedida jamais saiu de


minha cabeça e entrei no avião particular entre lágrimas com a imagem
bonita de toda família Ross reunida na varada enquanto me assistiam partir.

Aconteça o que acontecesse, eu voltaria por eles. Aquele era o único

lugar onde verdadeiramente fui feliz.


Mamãe me recebeu de braços abertos, mas muito preocupada com
toda situação envolvendo meu pai e a família de Josh.

— Não deveria ter ido para a fazenda de um amigo de Gael, Helena!


O que tinha na cabeça? — Me repreendia enquanto me via sentada em

minha cama com lágrimas nos olhos. Papai não mediu as palavras em todo
caminho e era impossível não sentir dor ao ouvir a família Ross ser
insultada — Quando disse que viajaria para a fazenda de um amigo,

pensamos que fosse um amigo de escola ou de longa data, não aquele

cowboy amigo de Gael, aquele traste que nos enganou! Como pôde ser tão
irresponsável? Já pensou nas consequências que sofreria se isso chegasse

aos ouvidos da mídia?

— Mamãe, por favor... — Implorei — Estou cansada de ouvir a


mesma coisa!
— Seu pai pagou uma fortuna para o imbecil de seu ex-noivo ficar

calado! Tivemos que dar dinheiro a ele para protegê-la, Helena! —


Indignada, prosseguia — Quando vai crescer e criar juízo, menina? Quando

vai virar mulher adulta, se formar em medicina ou administração e assumir

a fortuna que seu pai e eu construímos com tanto esforço?

— Já chega, mamãe! — Explodi, mas não ergui a voz, apenas

permiti que as lágrimas rolassem em meu rosto cansado — Já pensou que

posso não querer me formar em nada disso? Já pensou que posso ser

diferente de você e do meu pai e simplesmente querer uma vida tranquila e


humilde?

— Humilde? — Desdenhou — Me poupe, Helena! O que foi que


fizeram com você durante esse tempo que passou no meio dos bichos?

— Mãe, eles não são bichos! São uma família carinhosa que me
acolheu com muito cuidado e merecem respeito! — Mamãe se assustou

com meu tom.

— Não estou falando deles, Helena, mas sim dos próprios animais.

Não era uma fazenda? — Tentou explicar e pensou durante um tempo —

Conheci o tal Josh e achei-o bonito e educado. Não te culpo por encantar-se

por ele, mas precisa ter os pés no chão, minha filha. Você é nossa única
herdeira e não pode passar a vida toda metida em uma fazenda porque

gostou da vida no campo e achou o cowboy bonitão!


— Josh é um homem honesto, bondoso e trabalhador. Qual o
problema com ele? — Insisti e ela se aproximou um pouco mais.

— O problema é que precisamos de um bom administrador para

cuidar de tudo junto com você, querida. É nossa única herdeira! — Fez o

número um com o dedo indicador — Acha que Josh estaria disposto a

deixar sua vida e seu mundo no campo para dedicar-se a nossa fortuna na

cidade grande? Acha que estaria apto e seria feliz fazendo isso?

Calei-me, pois sabia que Josh jamais se encaixaria em um perfil

como o que meus pais buscavam. Ele era feliz em meio a sua fazenda, seus

animais e sua família encantadora. Jamais trocaria sua vida tranquila por

uma cidade agitada, negócios caóticos e problemas incansáveis. Aquela não

era a vida que Josh gostaria de ter e eu sabia que não havia maneira de

cobrar isso dele.

— Eu o amo, mamãe — Olhei-a nos olhos com intensidade,

expressando minha verdade — E é bom que saiba que não abrirei mão de

Josh, mesmo que ele não seja o tipo de homem que vocês imaginaram para

mim.

— Nós não vamos abrir mão de nossa fortuna e lançá-la ao vento,

muito menos deixaremos tudo que construímos na mão de estranhos! —

Garantiu enfaticamente e usando as mesmas palavras que papai — Você


tem um lugar e uma posição garantida desde que chegou ao mundo, Helena.

Querendo ou não, seu lugar é aqui e nunca será diferente! Nunca!

As palavras foram cruéis, mas mamãe as proferiu com delicadeza e


sutileza, muito segura de que nada impediria seus planos e os de meu pai

para minha vida. Tudo era claro para eles e um borrão terrível para mim.
Custe o que custasse, eu voltaria para meu Josh.

Voltaria para minha fazenda.

Virei a noite em claro planejando como faria para voltar para

fazenda sem que meus pais soubessem, decidida a ficar lá e nunca mais
voltar, mesmo que papai e mamãe fossem me buscar pelos cabelos.

Sendo maior de idade, eles não poderiam me levar se eu não

quisesse e teriam de aceitar, de uma maneira ou de outra, Josh em minha


vida. A família Ross sofreria um pouco nas mãos de meu pai, mas eu sabia
que os pais de Josh fariam de tudo pela felicidade dele, ao contrário dos

meus.

Na primeira oportunidade eu fugiria e isso aconteceria assim que


papai e mamãe desviassem a atenção para outra coisa que não fosse eu.

Deixei tudo preparado, uma semana depois, sem dizer nada para Josh, que
me ligava todos os dias e todas as noites muito preocupado com minha

ausência.

Mentindo, eu garantia que estava tudo bem e dizia que apenas


estava colocando algumas coisas em dia, como retoques de beleza, assuntos

da família e pendências que deixei para trás. Menti sobre estar procurando
uma faculdade a distância para cursar e ele se alegrou com a ideia, mas era

tudo uma desculpa para ficar mais um tempo sem correr o risco de ele vir
atrás de mim e tornar tudo um caos ainda maior.

Meu pai não aceitava a ideia de me ver longe de casa e me mantinha

praticamente presa em nossa mansão, mas teve de mudar de ideia quando


aleguei estar doente e precisando de atendimento médico. Seria a minha

deixa para ficar sozinha no hospital e fugir de lá direto para o aeroporto. Era
a única maneira de conseguir uma fuga sem levantar suspeitas.

— Realmente está se sentindo tão mal, Helena? — Mamãe


perguntou quando chegamos juntas ao pronto socorro — Você me parece

bem.

— É porque você não está sentindo o que eu sinto, mamãe. Acredito


que seja uma infecção urinária, pois tenho dores na bexiga e desconforto

para urinar — Não era totalmente uma mentira, mas eu duvidava que
realmente fosse uma infecção urinária. Mamãe considerou a ideia enquanto
a recepcionista abria minha ficha — Provavelmente terei de fazer exames
laboratoriais e você não precisa me acompanhar por tantas horas.

— Ah, não se preocupe. Esse hospital é da nossa família, lembra?


Podemos agilizar as coisas por aqui. — Meu sorriso morreu quando me

lembrei de tal detalhe, mas não deixei que meu plano se abatesse. Eu daria
um jeito de driblá-la.

Consultei-me com a médica e expliquei meu desconforto, vendo no

semblante dela uma interrogação constante.

— Vou pedir alguns exames para você, senhorita Taylor. Existe a


possibilidade de estar grávida? — Questionou como se fosse a pergunta

mais comum do mundo e rapidamente neguei, encarando-a com desdém.

— Não, claro que não! — Ao meu lado, mamãe sequer se


preocupou com a afirmação, certa de que realmente não existia tal

possibilidade.

— Passarei os exames e uma medicação. Nos veremos novamente

em breve.

Sai da sala de consulta e segui para a medicação, realizando os

exames enquanto mamãe ficava do lado de fora da mesma me esperando.

“Você vem hoje mesmo? ”.

A mensagem de Josh apertou meu coração.


“Farei de tudo para chegar antes do amanhecer, meu amor”.

Respondi esperançosa e sem dizer nada a ele sobre meus planos de


fuga. Eu apenas conversaria com Josh sobre todo caos que nos separava
quando chegasse na fazenda e estivesse devidamente segura.

“Estarei esperando para buscá-la, seja qual hora for. Te amo,


Helena”.

Comprimi os lábios ao ler a última parte, lembrando-me da maneira


apaixonada como ele dizia que me amava. Beijei a tela do celular e me

encostei na maca da medicação, começando a me sentir sonolenta.

— Como se sente, filha? — Mamãe entrou e parou ao meu lado.

— Bem. Apenas um pouco sonolenta, mas vou descansar enquanto

os exames não saem. Graças aos nossos benefícios no hospital, posso ficar
neste quarto. — Mamãe concordou.

— Sendo assim, vou descer para tomar um café e volto já para vê-la.

— Certo, mamãe. Obrigada. — Mamãe sorriu e saiu, em seguida,

deixando-me a sós, finalmente.

Faziam menos de duas horas desde que coletei os exames, mas nada

importava. Esperei quinze minutos após sua saída e me coloquei de pé,

calçando o tênis e apanhando meu casaco e bolsa para ir em direção a porta.


Aquela era a deixa perfeita para fugir e não voltar nunca mais para casa de

meus pais!

Assim que abri a porta, no entanto, dei de cara com a médica que
me atendeu no consultório parada em frente ao meu quarto com uma

prancheta em mãos.

— Senhorita Taylor! Aonde vai com bolsa e tudo? — Desfiz meu

sorriso ao vê-la entrando e voltei pelo caminho.

— Eu ia procurar seu consultório, doutora. Verificar se meus

exames estão prontos, também. — Menti, sorrindo de maneira cínica.

— Ah, mas que sorte! Aqui estão eles! — Mostrou-me o bolo de

papéis — Sente-se, por favor.

— Sentar? — Estranhando, procurei o sofá pequeno do quarto e o

fiz com pressa, querendo ser dispensada em um minuto após ela ler aquele

monte de exames dispensáveis — Aconteceu alguma coisa? É mesmo uma


infecção urinária?

— Não, senhorita. — Negou enquanto folheava os papéis e retirou

um deles do meio, entregando-me — Seus sintomas são referentes a uma

gravidez de poucas semanas. Aproximadamente cinco ou seis, segundo o

exame — Meus olhos se abriram demasiadamente e desviei-os para o papel,


lendo a palavra “POSITIVO PARA GRAVIDEZ” em letras garrafais —
Meus parabéns. Não é nada grave, apenas deve iniciar o pré-natal o mais

rápido possível.

— Gravidez? — Sussurrei sem acreditar no que ouvia e fitando-a

com interesse — Esse exame pode falhar, não pode? Me diga que sim, por
favor... — Praticamente implorei e ela negou enfaticamente.

— O teste de sangue tem uma porcentagem quase inexistente de


falha, senhorita. Se quiser realmente confirmar, podemos realizar uma

ultrassonografia agora mesmo.

O ar faltou em meus pulmões enquanto eu lia e relia aquele papel,

concordando com as coisas sem realmente compreendê-las. Fui com a


médica discretamente até uma sala de ultrassonografia e realizei o exame,

sendo capaz de ouvir o coraçãozinho do bebê ecoando em alto e bom som

no recinto.

— Estou mesmo grávida... — Sussurrei deitada e com medo,

encarando o pontinho pulsante no visor com desespero.

— Seis semanas. Meus parabéns, senhorita Taylor.

— Não conte isso a ninguém, doutora. Peço sigilo total, até mesmo
dos meus pais.

— Não se preocupe. Não contarei a ninguém.


Sai da sala totalmente trêmula e sem condições de me manter em pé.

Naquele instante realmente precisei de uma medicação na veia para me


segurar e a doutora me deu soro com algumas vitaminas, preocupada com

minha situação. Não, eu não podia ir assim!

Não podia contar a Josh agora, justo quando descobri, muito menos

a meus pais. Os três entrariam em guerra, principalmente para decidirem o


destino da pobre criança.

Josh aceitaria bem a ideia de ser pai? Nós sequer nos conhecíamos a
muito tempo!

Meus pais aceitariam a ideia de serem avós, sabendo que me deitei

com um homem que nem mesmo era meu namorado formalmente?

Como a mídia receberia essa notícia, sendo que quatro meses antes

eu estava prestes a subir ao altar?

— Já está melhor, Helena? — Mamãe apareceu quando sai da


medicação e apenas assenti positivamente — Você parece pior do que

quando entrou! — Amparando-me, me ajudou a chegar até o carro — É

mesmo infecção urinária?

— Não, está tudo bem. A doutora me diagnosticou com estresse e

estafa. Deu-me alguns calmantes e me pediu repouso durante alguns dias.


— Dei de ombros e entrei no carro tonta por tantas novidades.
Eu parecia dopada, mas não pelos remédios, e sim pela intensa

novidade que abalava toda minha vida.

Três meses depois...

Meu bebê chorava em meus braços enquanto minhas pernas

estavam abertas e eu ainda sangrava.

— Solte-o, Helena! — Papai gritava enquanto eu tentava proteger o

pequeno em meus braços frágeis, mas ele era mais forte e mais capaz de
tirá-lo de mim — Essa maldita criança não faz parte de nossos planos e

nada que foge a nossos ideais pode permanecer aqui! Me dê agora!

— Não! Ele é meu e você não pode levá-lo! Mamãe, por favor! —

Por mais que eu suplicasse e mamãe parecesse triste com tudo que

presenciava, ela não fez nada para impedir que meu pai arrancasse de
meus braços o pequeno ser ensanguentado e que chorava em plenos

pulmões — Por favor! Eu quero meu filho! Devolvam-no!

Não adiantava gritar, pois meu pai saiu do quarto com o pacote nos

braços após dizer a minha mãe enfaticamente que ninguém jamais deveria
saber sobre a existência da criança, nem mesmo Josh, o pai dele.
Sobre a cama, sangrei sozinha enquanto meu coração doía pela

impossibilidade de me erguer e lutar pelo meu filho, algo que eu deveria ter
feito antes, mas não tive coragem.

Acordei com o celular tocando em uma mensagem recém-chegada e


aliviei-me ao notar que tudo que aconteceu em minha mente foi apenas um

terrível sonho. Levei minha mão até meu ventre saltado e escondido pela

camiseta larga, constatando que ainda estava grávida de quatro meses e


meio e segura em meu quarto.

Na casa de meus pais...

Suspirei com a ideia, lembrando-me de que minha gestação era um

segredo para todos ao meu redor, mas em breve, com a barriga que eu

ganhava a cada dia, se tornaria algo público.

Não tive coragem de dizer a Josh, principalmente depois dele ter


surtado após eu decidir passar mais um tempo com meus pais. A cada dia

Josh não acreditava mais em meus sentimentos e eu não sabia como dizer a

ele sobre a gravidez, muito menos a meus pais, que nunca aceitariam essa

situação.

Menti para Josh dizendo que estava na cidade para estudar, quando
apenas me escondia dia após dia no quarto. Menti para meus pais sobre

estar com sentimentos depressivos e até frequentava psiquiatras para


justificar ficar presa no quarto noite e dia. Eu, Helena Taylor, não passava
de uma grande covarde que sequer tinha valor para lutar pelo filho e

transformava tudo isso em uma situação ainda pior.

Abri o áudio enviado por Josh e estremeci quando notei que era

longo e não vinha acompanhado do famoso “eu te amo”.

“Helena, é muito difícil dizer isso, mas sei que você nunca mais
voltará. Talvez tenha medo de me dizer com todas as letras e se sinta atada

a mim porque fui seu primeiro homem, mas sei que sou e sempre fui pouco

para você e aceito a ideia. Tentei lutar para tê-la, estando ao seu lado

todos os dias, mesmo que distante, mas cheguei à conclusão de que você
realmente não quer estar ao meu lado e pararei de perturbá-la. É a coisa

mais dolorosa de toda minha vida abrir mão de você, mas sei que seu

destino é ser grande, não apenas a esposa de um fazendeiro rústico que não
tem uma vida moderna e luxuosa na cidade para te oferecer. Tudo que

vivemos foi lindo e jamais amarei uma mulher em minha vida como amo
você, mas não posso atá-la a mim. Quero que seja grande e feliz como você

merece, pequena fada. Se um dia achar que tenho espaço em sua vida,
saiba que estaria aqui para ser seu. Te amo eternamente, seu Josh.”

Terminei de ouvir o áudio em prantos e não esperei um só minuto


para me erguer e começar a arrumar as malas. Enfiei tudo em uma bolsa e
grande e apanhei os documentos, vestindo um casaco e descendo para a sala
de jantar em seguida.

— Aonde pensa que vai, menina? — Sentado na ponta da mesa,


papai questionou ao me ver com as bolsas.

— Helena, largue tudo isso e sente-se para jantar conosco —


Mamãe ordenou — Anda! Obedeça!

— Não vou jantar e não vou obedecer a ninguém! — Vociferei e

ambos me encararam como se eu fosse maluca — Vou agora mesmo para a


fazenda de Joshua Ross e nenhum dos dois vai me impedir! Já cansei de
morrer aos poucos trancada aqui e, se para ser feliz eu preciso abrir mão da

porcaria da fortuna de vocês, sabiam que eu abro mão de tudo e a partir de


agora não precisam me fornecer nem mais um centavo!

— Helena, novamente com essa bobagem com esse cowboy... —


Papai suspirou de maneira pesarosa.

— Coloque a cabeça no lugar, menina! — Mamãe implorou — O

que pretende fazer no meio do nada com aquele homem? Como pretende
viver sem luxo e fortuna?

— Mesmo que vocês queiram, já é muito tarde para voltar atrás.


Meu lugar não é mais aqui! Quero ser feliz com Josh e, se vocês me querem
felizes também, não irão atrás de mim!
Sai dali nervosamente e vi de relance meu pai dizendo a minha mãe
para me “deixar ir” e “ficar calma”, pois ele resolveria tudo. Não me
importei com ameaças e simplesmente peguei um táxi até o aeroporto,

reservando a passagem pela internet enquanto ia.

Não havia maneira de continuar escondendo a gestação e eu


precisava do apoio de Josh.

O sol raiava no horizonte quando me sentei em frente a porteira


após alimentar as galinhas e com uma xícara quente de café na mão.

Como de costume, acompanhei o sol nascer dali antes de minhas


tarefas mais pesadas e suspirei pesadamente ao ver um carro se

aproximando na estrada de terra. Certamente algum visitante interessado


em comprar gado ou algum animal estava chegando e não me lembrei de ter
marcado horário com ninguém.

Pulei da porteira quando o carro parou para conversar com o recém-

chegado, mas fui pego de surpresa quando Helena desceu do mesmo


carregando consigo duas bolsas e vestindo um longo casaco.

— Helena... — Sussurrei quase sem voz e com a surpresa por vê-la


me paralisando.

Tentei ir até ela muitas vezes, mas a simples ideia de me ter em sua
casa fazia Helena entrar em desespero e tudo que eu não queria era trazer

problemas para ela. Seu receio de um enfrentamento de mim com seu pai,
algo que poderia trazer problemas para minha família, era seu maior medo e
o que me travava. Minha presença já significava um pesar para Helena, algo

que eu não queria que se transformasse em um martírio.

No fundo, sempre imaginei que era pouco para ela e não podia
oferecer a vida que sonhava, talvez por isso aceitei tão rápido que Helena já
não me queria.

Mas estava ali, bem à minha frente, com lágrimas nos olhos e a

emoção estampada na face bonita. Adiantei-me até ela e foi o suficiente


para Helena se jogar em meus braços com fervor, apertando-me contra o

peito de maneira forte e intensa.

— Meu amor, você está aqui... — Sussurrei a seu ouvido e ela


chorava.

— Josh, preciso de você! Não sei viver sem você! — O carro recuou

o caminho e ficamos a sós ali, sob o sol da manhã que tocava em nossas
peles e presenciava nosso amor.
— Porque não me pediu para buscá-la? Porque veio sozinha, assim?

— Segurei seu rosto e Helena me encarou como se houvessem mil palavras


entaladas em sua garganta.

— Josh... — Sussurrou — Precisei vir e deveria ter feito isso antes!


Deveria ter te contado tudo assim que descobri, não ter escondido e fugido

da realidade como uma covarde!

— Do que está falando? — Insisti.

— Disso... — Helena moveu as mãos até a barriga e ergueu o

casaco, mostrando para mim sua barriga antes lisa, agora em formato
arredondado e saltada para frente — Estou esperando um filho seu, Josh.
Descobri no dia em que viria para cá e por isso adiei os planos. Fiquei

trancada em meu quarto e escondi de todos minha condição, pesarosa sobre


o que meus pais fariam, caso soubessem.

— Helena... — Sussurrei sem conseguir acreditar, encarando-a com


surpresa — Meu Deus! — Toquei seu ventre e era mesmo firme e redondo,

o formato perfeito de uma barriga de gestante — Você está... Grávida! Eu


vou ser pai!

— Josh... — Helena chorava em lágrimas silenciosas quando cai a


seus pés de joelhos e a abracei pela cintura, deitando o rosto em seu ventre.

A emoção que me tomava era maior do que qualquer horror ou


surpresa, gigante demais para ser mensurada. Helena, a mulher que eu
amava, carregava um filho meu e eu precisava protegê-los.
Meus pais não esconderam o espanto ao descobrirem por mim que
Helena estava grávida e me questionaram muitas vezes sobre meus planos
com ela.

— Estou feliz pela vinda do bebê, querido, mas muito preocupada


— Mamãe enfatizou com sua delicadeza de sempre — Gosto de Helena,
mas aquele pai dela não me inspirou confiança e me pareceu uma pessoa

arrogante e desrespeitosa. Como vão ficar as coisas, meu filho?

Era a pergunta que eu me fazia a todo tempo, sem saber ao certo

como agir com Helena, que ao mesmo tempo em que queria enfrentar o

mundo, temia demasiadamente a seus pais.

Meus pais fizeram uma festa na fazenda para comemorar a vinda do

neto e isso animou Helena, fazendo-a sorrir pela primeira vez desde que

voltou. Janine não conseguia conter a felicidade e eu também, repleto de


orgulho por ver o ventre de Helena cheio de uma vida que criamos.
Ao mesmo tempo em que me sentia culpado por colocá-la em tal

situação sendo uma menina ainda tão jovem, me sentia completo por saber
que seria uma vida vinda do verdadeiro amor. Helena era meu grande amor

e nada me parecia mais recompensador do que ser pai pela primeira vez ao

lado dela. Agora tínhamos um laço eterno e motivos para seguir lutando por
nossa união.

Levei-a até a cidade para começar os exames pré-natais, mas Helena

parecia receosa em sair da fazenda e encontrar seu pai.

— Gregor Taylor pode ser uma figura imponente e temida por todos,

mas ele não vai tirar você e o nosso filho de mim. — Garanti a ela enquanto

esperávamos o exame de ultrassom — Pode colocar medo, mas jamais


destruirá minha família.

— Você não o conhece, Josh. — Helena abaixou a cabeça de


maneira cansada — Papai vai me matar quando descobrir sobre minha

gravidez e, na melhor das possibilidades, me deserdará realmente e nunca

mais olhará em minha cara. Isso seria uma benção, mas duvido que

aconteça.

— Helena... — Abracei-a pelos ombros — Seu pai vai aceitar o

bebê em algum momento. Pode ser que relute, porque nossa união é muito
diferente de tudo que ele planejou para sua vida, mas vai ter que aceitar essa
vida que criamos e a família que formamos. — Beijei sua cabeça
carinhosamente, mas ela nada respondeu e tão pouco esboçou reação.

Não estava realmente seguro do que disse a ela, mas era tudo que

poderia acontecer.

O que Gregor Taylor poderia fazer contra Helena, eu e nosso filho,

afinal? Teria ele capacidade maligna para atentar contra a vida do próprio

neto e da própria filha? Uma hora teria de aceitar o ocorrido e eu mesmo


seria o responsável por ir até ele e contar sobre a gravidez, mesmo que

Helena tentasse me segurar a todo custo.

Entrando na sala de ultrassom, a enfermeira comunicou que o bebê

era perfeito, mesmo sem ter tido o acompanhamento adequado até o

momento, e já podia nos contar o sexo da criança.

Helena me encarou como se não acreditasse no que ouvia, ainda

absorta em meio a ideia de que teríamos um bebê. Beijei sua testa


delicadamente quando a médica nos encarou e sorriu para anunciar em tom

delicado que teríamos, em breve, uma linda menina.

Três meses depois...


Aos sete meses de gestação e beirando para entrar no oitavo mês, eu

já não sabia como continuar escondendo o fato de meus pais, mas estava
certa de que não queria ir embora da fazenda Vida Sagrada.

Dona Glória, eu e Janine decoramos um quarto vazio para a chegada

de nossa menina e eu ocupava todo meu tempo aprendendo com as


mulheres da fazenda como cuidar de um bebê recém-nascido e tudo que

deveria saber para lidar com ele. Ao final do dia, Josh chegava de suas
atividades no campo, jantávamos e ficávamos juntos no quarto apenas

sonhando com o grande momento em que nossa pequena bebê nasceria,


linda e saudável.

— Sei que as coisas não são como você queria que fossem e sei
também que não foi do jeito que merecia, mas estou muito feliz com a

chegada dela — Josh comentou enquanto estávamos deitados em sua cama


e uma de suas mãos passeava sobre minha barriga muito evidente, como

acontecia em todas as noites.

— Como eu merecia? O que quer dizer? — Sussurrei já sonolenta.

— Você merecia um noivado, um casamento lindo, uma lua de mel


incrível e somente depois a chegada de um bebê. Merecia tudo muito certo,
Helena, mas infelizmente não consegui que as coisas acontecessem assim.

A culpa foi minha por você ter engravidado... Era eu quem deveria ter
tomado cuidado, já que você era inexperiente. — Levei dois dedos a sua

boca e tapei seus lábios.

— Não imagino minha vida de outra maneira, Joshua Ross —


Aproximei-me a ponto de sentir a intensidade de seus olhos claros

penetrando nos meus — Não sabia meu caminho até te encontrar e não
quero que nada seja diferente. Tudo que quero em minha vida é estar ao seu

lado e ser feliz com nossa família.

Josh se aproximou para me beijar delicadamente e acabamos nos


amando novamente. Todos os dias eu ansiava estar em seus braços e era o

que me acalentava cada vez que sentia falta de minha mãe e medo de meu
pai.

Ela me ligava todos os dias e não escondia sua tristeza, afirmando


que papai tinha uma carta na manga para que eu deixasse tudo para trás e

voltasse para casa logo. Meu pai nunca ligou, mas mandava mensagens de
texto perguntando sobre mim e me repreendendo com seu silêncio sobre os

planos que tinha.

Gregor Taylor realmente tinha a intenção de me tirar dali e apenas


permitia que eu ficasse por saber que estava muito desnorteada e queria que

eu me cansasse.

— Uma hora vai se cansar desse cowboy e da vida pacata na

fazenda, querida. — Mamãe dizia seguramente enquanto conversávamos ao


telefone — Uma hora vai se dar conta de que seu verdadeiro lugar é aqui.
Acaso não sente falta de seus banhos de espuma, das compras e da comida
refinada?

— Não, mãe, não sinto. Sinto falta de ter pais que me amam e me

apoiam, independentemente das escolhas que eu faça.

Minha paz, no entanto, seguiu firme na fazenda até que papai


resolveu me ligar em uma tarde qualquer, mas não em meu celular.

— Seu pai está no telefone, Helena — Janine disse enquanto

almoçávamos e após ela ter saído da mesa para atender a chamada de


telefone fixo da família — Parece que é algo importante.

Josh parou de comer no mesmo momento, mas me adiantei e segui

para a sala em passos rápidos, pegando o telefone antes que ele.

— Pai... — Segurei o objeto com força, tremendo em todo meu ser.

— A polícia está a caminho para tirá-la daí. Na denúncia está o


laudo de seus psiquiatras, afirmando que você não está em juízo perfeito e

precisa ser retirada desta fazenda o quanto antes, pois as pessoas que te
mantém aí apenas querem te manipular pelo nosso dinheiro. — Disse

secamente, como se falasse sobre o tempo ou coisa parecida.

— Você não tem esse direito! Sabe muito bem que é tudo mentira e
posso sim responder por mim mesma! — Gritei sem me importar que Josh
me escutasse, bem ao lado.

— Jamais permitirei que um fazendeiro estúpido roube seu futuro,


minha filha. Esse é o menor dos problemas que arranjarei para a família
Ross se você insistir em ficar com eles.

Larguei o gancho do telefone pela dor forte que me preencheu as


entranhas, talvez algo relacionado a gravidez e emoções fortes. Josh correu

e pegou o telefone em meu lugar, argumentando em alto e bom som com


meu pai no telefone por alguns minutos. Em meio a dor, sequer me dei

conta do que falaram e apenas me limitei a tentar ficar bem, pensando a


todo momento em minha filha.

— Isso já passou dos limites, Helena! — Josh vociferou quando

desligou o telefone, em menos de trinta segundos — Seu pai precisa ser

parado e nos deixar em paz!

Josh me ajudou a ficar de pé e me levou para o quarto, tirando


bolsas do armário e enchendo-as com nossas roupas.

— O que está fazendo, Josh? — Questionei amedrontada por sua

atitude impulsiva, mas limitada pela dor.

— Vamos para sua casa agora mesmo conservar com seu pai. Já

deveria ter feito isso muito antes, mas me segurei por conta de sua gravidez,

porém as coisas chegaram a um limite extremo e insuportável. Eu não seria


um homem se não o fizesse.
Josh parecia decidido enquanto fazia as malas e o segurei pelo

pulso.

— Meus pais não sabem sobre minha gestação. Não tive coragem de
contar a eles, nem pelo telefone.

— Mais um motivo, então. — Afirmou sem me dar bola, seguindo

sua arrumação sem problemas.

Corri para os braços de dona Glória, a única que realmente me

ouviu, mas os pais de Josh achavam a ideia de falar com meu pai a única

saída para nossos problemas atuais, principalmente quando a polícia chegou


na porteira da fazenda.

Eu, Josh e seus pais tivemos imenso trabalho para explicar tudo aos

policiais, que não me levaram por eu ser maior de idade e estar grávida,

mas o transtorno causado foi enorme e gerou uma situação de estresse em


Glória e Tomas. Ver Glória chorando pela algazarra causada na porta da

fazenda me fez compreender que eu precisava enfrentar as coisas e deixar

Josh finalmente conversar com meus pais.

Mesmo calado durante todo o trajeto, eu sabia que Josh estava


nervoso pela situação de seus pais na fazenda e por tudo que teríamos de
enfrentar com meus pais. Encará-los com a barriga de grávida e um segredo

tão pesado seria difícil e tornaria tudo mais complicado, mas finalmente

compreenderiam que não havia mais maneira de desvincular minha vida a


de Josh.

Deixamos as malas em um hotel e fomos direto para casa de meus

pais resolver o problema de uma vez.

— Onde estão meus pais? — Questionei a única empregada que

estava na casa naquele dia.

— Sua mãe fez uma viagem ontem para Portugal com uma amiga,

dona Helena, mas seu pai está no escritório. — A mulher não escondeu a
surpresa ao me ver grávida e com um homem desconhecido ao lado.

— Obrigada — Segui com Josh pelo largo corredor e subimos as

longas escadas juntos. Ele sequer hesitava enquanto buscava o escritório de

meu pai e, ao chegar na porta, bati timidamente, mas Josh reforçou com

pancadas mais vigorosas — Pai... Sou eu, Helena.

— Entre.

A resposta foi seca e vitoriosa, pois ele certamente imaginava que


eu voltaria para casa após ter feito todo escarcéu na fazenda dos Ross. Seu

sorriso morreu na face quando avistou Josh entrando ao meu lado,

colocando-se de pé atrás de sua mesa de madeira com a postura impositiva

e contrariada.
— O que esse homem faz em minha casa? Achei que tinha deixado

bem claro por telefone que você não é bem-vindo em minha casa e minha
família. Não tem que se meter na vida de minha filha! — Papai dizia alto,

mas Josh seguia calmo.

— Nem você na da minha! — Josh apontou para o meu ventre e

finalmente meu pai compreendeu meu estado, adotando uma postura


horrorizada ao se dar conta de que eu estava grávida — Tudo que anda

fazendo está afetando Helena negativamente e isso impacta profundamente

na saúde de minha filha que ainda nem nasceu. Exatamente por isso estou

aqui, para que entremos em um acordo de paz e finalmente tiremos essa


história a limpo.

— Como ousa? — Meu pai apoiou os punhos na mesa em sinal de

descontrole — Como teve coragem de encostar suas mãos imundas em

minha Helena, seu miserável? — Papai adiantou-se para cima de Josh, mas

me joguei na frente dele de modo a impedir que se enfrentassem em uma


briga — Será que não se deu conta de que minha Helena é muito para você?

Ela é a herdeira dos Taylor e você não passa de um fazendeiro medíocre!

— Me perdoe, mas sou honesto e tenho meu próprio dinheiro!

Nunca precisei de nada vindo de Helena e se estamos juntos, é por amor!


Nada que você faça vai afastá-la de mim, pois Helena carrega uma filha
minha e teremos essa criança juntos, como a família que somos. — Josh

disse calmamente.

— Jamais será uma família com a minha filha! — Papai gritou ainda

mais alto e totalmente fora de si — Você não passa de um aproveitador

igual aquele seu amigo cretino, querendo tirar vantagens de uma moça boba
como minha filha! Não vou descansar até acabar com aquela sua fazendinha

e deixar você e toda sua família na miséria, como merecem por terem

arruinado a vida de minha Helena!

— Papai, por favor... Josh e sua família são pessoas boas e honestas,

não são o que pensa!

— Cale-se, Helena! — Gritou comigo ainda mais nervoso — Veja


só o que fizeram com você! Veja só o que aconteceu com sua vida! Agora

carrega um filho desse homem e está marcada com a vergonha de ter sido

tocada por esse... — Seu desdém era palpável — Infeliz! Que vergonha
para todos nós!

— Ele não é nada disso, papai... — Josh se mantinha firme, mas eu

via em seu olhar como estava destroçado.

— Você tinha um império para administrar e uma vida de sucesso

pela frente quando encontrou esse infeliz! Era melhor ter se casado com
Gael, pelo menos era um homem culto e preparado para administrar nossa
fortuna. Teria sido um desgosto muito pior do que te entregar a um maldito

peão!

— Sou veterinário, senhor. Sou formado e minha fazenda é a mais


próspera da região onde moro e...

— Sei tudo sobre você! — Papai o interrompeu bruscamente —


Pode ter uma boa vida, mas jamais estará à altura de minha Helena! Tudo

que fez foi enganá-la e usá-la para conseguir fortuna.

Papai e Josh iniciaram uma discussão terrível onde meu homem

amado foi humilhado constantemente pelo palavreado ferino de meu pai,


consternado por me ver grávida. No momento em que estavam prestes a se

pegar em um confronto físico, segurei Josh pelo peito e o afastei de meu

pai, levando-o até a porta.

Não havia um acordo ali. Meu pai estava firme em sua posição de
repudiar Josh e Josh não conseguia argumentar em nada. O fato dele ser

rústico e amigo de Gael eram os pontos cruciais para que meu pai o odiasse

e o humilhasse de uma maneira inadmissível.

— Vá para o hotel, Josh, por favor... — Pedi segurando-o e notando

como estava fora de si. Era capaz de matar — Não quero que isso acabe em
briga corporal, muito menos em morte. Por favor, vá para o hotel e fique lá.

— Está me mandando embora, Helena? — Nervoso, Josh tinha

lágrimas nos olhos — Acabei de ouvir absurdos do seu pai e está mesmo
me mandando embora para ficar aqui, com ele?

— Josh, por favor... Vocês precisam se acalmar e...

— Helena sabe que você não presta para ela! — Papai gritou ao
fundo, ouvindo e atento a nossa conversa — Minha filha é uma joia

preciosa e você uma bijuteria barata que jamais poderá oferecer a ela o

padrão de vida que levou por toda a vida. Helena sabe onde é o lugar dela e
jamais... Eu repito... Jamais... Será feliz com um xucro como você!

— Já chega, papai! — Pedi em tom suplicante e levei Josh para

mais longe dali, impedindo meu pai de nos ouvir. Ele chamava a polícia de

dentro do escritório e dizia que Josh estava invadindo sua propriedade —

Me dê um tempo para falar com ele, Josh.

— Falar o que? Ele não quer ouvir, Helena... — Tomei fôlego,


sabendo que seria pior tudo continuar.

— Josh, vá para o hotel! Não aguento mais vê-lo sendo humilhado e


passando por coisas que você não merece! Eu já vou te alcançar, por favor...
Vá, antes que a polícia chegue!

— É isso ou você realmente está arrependida de tudo que vivemos?


— Estreitou o olhar e notei que estava muito machucado e considerando

tudo que meu pai dizia — Por isso chorava tanto na fazenda, não é? Porque
sabia que ali não era seu lugar, mas estava grávida e não podia voltar atrás.
— Josh, não... Não dê ouvidos a ele! Vá embora antes que a polícia
chegue e me dê um minuto para falar com meu pai a sós, por favor. Não
quero te ver preso, meu amor, por favor...

Josh me encarou com desolação e assentiu positivamente, mas com

lágrimas nos olhos.

— Jamais fui tão humilhado, mas o que mais dói é saber que ele tem

razão. Acabei com a sua vida. Ele tem razão, Helena. Toda razão!

— Não diga bobagens, Josh! — Sem pensar, Josh desceu as escadas


longas e saiu dali sem olhar para trás.

Sentei-me no topo da escada e chorei sozinha com a cabeça enfiada


entre as mãos, sendo sacudida por soluços e com uma dor intensa me

preenchendo o peito. Eu amava meus pais, mas não podia mais ficar ali e
muito menos ser herdeira de qualquer coisa, muito menos de qualquer
fortuna.

Minha escolha era Josh e nossa filha, minha nova e verdadeira

família, da qual jamais poderia abrir mão.

Minutos se passaram enquanto eu olhava para o lugar onde cresci

em clima de despedida, lamentando-me por minha mãe não estar ali para se
despedir comigo. Papai apareceu ao fundo e senti sua presença, colocando-
me de pé em seguia para encará-lo ali mesmo.
— Você era um sonho, Helena — Disse com o rosto marcado por
lágrimas — Um sonho meu e de sua mãe. Não podíamos ter filhos por
métodos naturais e tentamos inúmeras fertilizações até conseguirmos ter

você. Sonhamos com seu nascimento, sua infância e seu futuro... Você foi a
única filha que a vida nos deu e não posso aceitar que tenha acabado assim.

— Apontou para mim com desdém.

— A minha filha é tão valiosa quanto sou para você e Josh é o amor
de minha vida! — Toquei meu ventre delicadamente, mas ele não se
comovia — Se realmente me considera como diz, aceite-os e não me

obrigue a ir embora e nunca mais voltar.

— Jamais vou aceitar que esteja com um homem como esse

cowboy. Ele está te enganado como o amigo dele fez, sua tola!

— Não, não está! E jamais vou perdoá-lo por tudo que disse a Josh,
ouviu bem? Ele não merecia nada do que ouviu aqui, pois foi ele quem
recuperou a minha alma quando a perdi depois de tudo que Gael me fez. —

Eu chorava entre soluços.

— Se realmente for embora, deixará tudo para trás. Eu, sua mãe, sua
vida e sua fortuna. Não será mais minha filha, Helena — Enfatizou e sequei
minhas lágrimas com força, concordando — Jamais aceitarei aquele homem

e essa criança e minha posição nunca mudará, nem que isso custe perdê-la.
— Está bem, papai. Pois então, me esqueça! — Garanti e segurei no
corrimão da escada — Sinto muito por tudo ser assim, mas eu escolho Josh

e minha filha com todo meu coração. A partir de agora, sua filha, sua
Helena, está morta para ti.

Trocamos um olhar profundo antes de eu me virar para descer as


escadas, mas por uma fatalidade do destino e devido a minhas emoções

alteradas, acabei pisando em falso e escorregando nos degraus.


Desequilibrei-me, como é normal acontecer na gestação pelo peso da

barriga, e cai escada baixo sem conseguir me salvar.

— Helena! — O grito de meu pai tomado por desespero foi a última


coisa que ouvi antes de chegar à superfície e bater com a cabeça contra um

móvel fortemente.

Tudo se apagou e meu último ato em consciência foi levar a mão até
a barriga e gemer o nome de minha pequena menina.

— Vida... Salve-a, papai, salve minha filha Vida.

Tudo que eu almejava era poder salvá-la.


Helena prometeu voltar ao hotel, mas esperei por horas a fio e não
tive qualquer resposta dela.

Liguei para seu número infinitas vezes e não consegui falar, mas seu
aplicativo de mensagens recebia tudo. Pedi desculpas por minha postura e
falei que estava preocupado, mas seu silêncio me fez ir até a mansão dos

Taylor em busca dela quando a noite caiu.

Fui recebido por uma empregada que parecia assustada, a mesma

que nos recebeu no momento em que cheguei com Helena mais cedo. A

mulher me atendeu no portão, pois fui barrado pela segurança pesada que se
rodeou na entrada da casa, tanto da polícia quanto da própria família.

Gregor Taylor realmente me queria longe e não poupava esforços para

tanto.
— Senhor Gregor e dona Helena saíram, senhor. Tudo ficou bem

entre eles depois que você foi embora, conversaram pacificamente e se


abraçaram — A mulher dizia sem hesitar — Foram jantar juntos e acho que

viajarão de manhã. Tanto senhor Gregor quanto dona Helena pediram para

que sua presença fosse barrada, caso voltasse a procurá-los na mansão.

— Helena disse isso? Disse para me barrar? — Indaguei de maneira

desesperada.

— Sim, senhor. Ela concordou com o pai quando senhor Gregor

disse que sua presença apenas trazia problemas.

Voltei para o hotel tomado pelo desespero e sem saber onde procurar

por Helena. Meu acesso a mansão estava impossível até mesmo nos
arredores e não havia maneira de chegar até ela sem que a mesma

concordasse em me ver. Passei a noite ligando para seu número, até que o
celular foi desligado e não tive qualquer resposta.

Seu silêncio durou até a tarde do dia seguinte, quando finalmente

me enviou uma mensagem de texto de seu celular.

“Sinto muito por tê-lo iludido sobre um futuro ao meu lado. Meu pai

está certo quando diz que somos diferentes e você sabe que nunca poderá

me fazer verdadeiramente feliz. Eu estava morrendo aos poucos na fazenda

por saber que não aguentaria viver lá com você por muito tempo, por isso
resolvi ficar com minha família e minha fortuna. Assim que o bebê nascer,
voltarei a te procurar. Por hora, por favor, torne tudo mais fácil para mim e
fique longe. Vá embora, Josh, e não me procure mais. ”

Li a mensagem sem acreditar que era de Helena e mandei um áudio

desesperado, onde garantia a ela que não ficaria em paz até que voltássemos

a nos ver e ela me dissesse tudo isso frente a frente, mas somente fui

ignorado, exatamente como aconteceu com todos os outros áudios que

tentei enviar.

Passei uma semana na cidade tentando a todo custo me aproximar

da mansão e ter um sinal sequer de Helena, mas ela seguia com o celular

ligado e me ignorando completamente, totalmente sumida da visão de

qualquer pessoa, principalmente da minha.

Helena realmente não queria me ver.

Helena realmente estava dizendo a verdade quando dizia que não

me queria?

Tudo aquilo somente entrou em minha cabeça quando encontrei o


maldito Gael em um bar à noite e o infeliz me viu bebendo sozinho em um

canto, completamente abandonado.

— Eles também te chutaram, não é? Dizem que os Taylor estão de

férias nas Maldivas e não tem data para voltar. Certamente querem esconder

algum problema ou apaziguar seu romance com Helena. — Disse sentando-


se ao meu lado sem ser convidado. Gael tinha a aparência mais básica que
antes, nitidamente mais pobre agora e quebrado — Os Taylor são um

maldito câncer. Eu te disse que foi pouco tudo que fiz com a maldita
patricinha... — Nada falei, apenas ouvi, já um pouco bêbado pelo álcool —

Gregor é um monstro e Helena é totalmente manipulada por ele. Você não


tinha chance, cara. Não falei nada para a mídia por consideração a você...
Sei que Helena te usou para me atingir, mas era questão de tempo até te

descartar pelas imposições do infeliz do pai. Aconteça o que acontecer,


Helena só faz o que ele manda.

Levantei da mesa sem dizer nada, encarando-o com pesar. Sai do bar

em silêncio, vagando até meu hotel para me jogar na cama e esperar pelo
voo do dia seguinte. Gael tinha razão...

Helena somente fazia o que o pai mandava, mas eu, ao contrário

dele, não podia desistir. Entre Helena e eu, existia nossa filha. Minha
pequena Vida.

E eu jamais abriria mão dela.

Um mês depois...

Um mês se passou desde que tive a última notícia de Helena, mas eu

estava ciente de que nossa filha nasceria por aqueles dias e voltei a cidade
para acampar em frente à mansão dos Taylor.

Ainda barrado, apanhei muito e enfrentei processos judiciais por

restringir a ordem de proteção e seguir em frente a propriedade deles,


parando na cadeia, em seguida. Não adiantava alegar sobre minha filha,

pois as autoridades eram cegadas pela fortuna de Gregor. Ninguém me


ouvia e tive de parar de procurar por Helena quando meu pai teve que me

tirar da cadeia.

— Já chega! Você nunca mais vai atrás dessa mulher e dessa família
infeliz! — Vociferou totalmente fora de si quando saímos da delegacia.

Sentado na calçada, eu chorava por minha impotência, mas meu pai tinha
razão — Não existe maneira de lutar contra gente multimilionária como

esse homem, meu filho. Sei que é doloroso, mas você pode encontrar outra
mulher e construir uma família adequada a nossa realidade.

Voltei para a fazenda desolado e com as mãos vazias novamente,


agora completamente sozinho em meio a dor de saber que seria muito

difícil recuperar minha filha. A cada dia e a cada noite eu sonhava com elas,
mesmo sabendo que Helena não me queria novamente em sua vida. Vi fotos

em suas redes sociais de seu rosto sorridente e de lugares onde ela visitava e
comecei a acreditar que realmente havia me esquecido e agora me
considerava um nada, apenas um detalhe em sua vida.
Mesmo assim, meu coração ainda clamava por ela e era como se
algo me gritasse que Helena precisava de mim e tudo aquilo era uma farsa.

— É nisso que você quer acreditar, mas não é real! — Mamãe


enfatizou — Já chega de sofrer tanto, meu filho. Já chega de se humilhar!

Até na prisão você foi parar! Agora vai ser o que? Se converterá em um
criminoso por causa dela?

Não podia oferecer mais desgosto a meus pais, por isso decidi parar

de procurar por Helena quando voltei da cidade, após ser preso. Segui a
vida da maneira mais pacata possível até receber uma surpresa absurda em

dada manhã, antes de começar meus afazeres.

Em pé em minha cozinha, encontrei ninguém menos que o próprio


Gregor Taylor, mas ele não estava sozinho. Ao seu lado, dentro de um bebê

conforto cor de rosa, estava uma pequena bebê que aparentava ser recém-
nascida. Meu pai estava com ele e foi quem o recebeu, encarando-me tão
confuso quanto o próprio Gregor.

— O que faz aqui? — Questionei ao vê-lo e tomado pela cena

absurda — Como ousa pisar na minha casa, depois de tudo que me fez?

— Não é prazer nenhum, Ross. Somente estou aqui porque trouxe


sua filha — Apontou para o bebê conforto — Quero saber se vai ficar com

ela ou posso doá-la para adoção. Você precisa assinar o termo, caso
concorde. — Mostrou-me uma pasta com alguns papéis.
— O que? — Meu pai sussurrou em um fio de voz, encarando-me
com horror — Pretende doar a menina? Onde está a mãe dela?

— Helena não quis se prestar ao papel de vir até aqui. Preferiu ficar
se recuperando do parto, que aconteceu há algumas semanas, na companhia

da mãe. Me pediu para cuidar do problema, é claro. — Apontou para o


bebê, cujo qual eu não conseguia tirar os olhos — Como pode ver, minha

filha já assinou o termo de adoção e agora falta você, Ross. Assim que

estiver assinado, a menina vai para o orfanato. Não sou imbecil e fiz tudo
conforme a lei. Eu sabia que você procuraria pela menina e quero deixar

tudo às claras e sem qualquer ligação com essa família. Nunca mais quero

vê-los novamente depois de resolver a questão da criança, que se tornou um


peso para minha família.

— Minha filha não é um peso! — Arranquei os papeis das mãos


dele e rasguei-os a sua frente, atirando-os em sua face. Gregor sequer se

moveu e apenas me encarou com desdém — Jamais irá para um orfanato,

pois se sua filha abriu mão dela, saiba que eu não! Minha filha ficará
comigo e com minha família, Gregor Taylor, e você nunca mais precisará

voltar por ela. Não queremos nada de você!

Meu pai se adiantou a pegar o bebê conforto do chão e trazê-lo para

perto de nós, movido pelo instinto de proteção que a terrível situação


causava em um ser humano com sentimentos, algo que não acontecia com

Gregor, movido pelo ódio.

— Está bem — Gregor tirou mais um papel de uma pasta que


carregava — Pensei que pudesse ter essa atitude e também trouxe um termo

onde Helena deixa relatado que abre mão da guarda da menina totalmente.

Tudo que queremos é nunca mais saber deste problema e você tem total
poder sobre a menor... — Peguei o papel com força, lendo-o e constatando

que sim, Helena assinou com seu nome e estava tudo conforme a lei. A

guarda da menina era totalmente minha — Registrei-a como Vida, pois era
o nome que Helena disse que vocês combinaram, mas você pode fazer as

alterações necessárias, caso julgue necessário. Preciso de uma cópia do

termo, pois nele você deixa assinado que não me procurará para pedir nada

relacionado a dinheiro para a menina.

Assinei os dois papeis idênticos no mesmo momento, entregando


um a ele, que pegou e guardou.

— É só isso? — Ele concordou com um aceno, sem sequer olhar

para a menina uma só vez — Tudo bem. Já estamos acordados. Pode ir

embora da minha casa e nunca mais volte a pisar aqui! — Abri a porta com

força e apontando para fora com ênfase.

Gregor nada disse quando saiu sem olhar para trás, fazendo-me
bater à porta com força e suspirar pela desolação. Como Helena pôde abrir
mão de nossa filha, se ela parecia amá-la tanto quando ainda a gestava?

Meu pai colocou o bebê conforto sobre a mesa e ficou admirando a

bebê com carinho, exatamente no instante em que minha mãe e Janine

entraram no ambiente.

— De onde saiu essa criança? — Mamãe questionou também se

empertigando para olhá-la — É apaixonante! — Adiantou-se a tirar a


menina do bebê conforto, tomando-a em meus braços.

— É nossa neta, Glória — Papai respondeu a ela enquanto eu seguia

parado e sem palavras, ainda em choque pela presença de minha filha —

Filha de Josh com aquela moça... Helena.

Mamãe não escondeu o espanto ao me encarar, ninando a pequena


bebê em seus braços seguros com carinho.

— E onde está Helena? — Janine perguntou o que o olhar de

mamãe indagava — Ela deixou a menina e foi embora?

— Helena abriu mão da guarda da menina e o velho maldito a

trouxe. Agora é Josh quem vai cuidar dela... Quer dizer, todos nós. — Papai

bateu em meu ombro e senti os olhos enchendo de lágrimas.

— Santo Deus! Que tipo de mãe faz isso com uma filha recém-
nascida? — Mamãe apertou a menina com ainda mais zelo contra o peito,

mostrando-a para Janine com entusiasmo.


— Não tema, pequena. Nós estamos aqui. — Janine sussurrou

emocionada, assim como todos ali presentes — Olha, tem um papel aqui!
— Minha irmã tirou do bebê conforto vazio um pedaço de papel com meu

nome e rapidamente o tirei de sua mão, tomando-o para mim.

— É uma carta? — Meu pai tentou ver, mas sai da cozinha e fui

para a entrada, do lado de fora.

Ainda não tinha tido coragem de tomar minha filha nos braços,

indignado por tudo que acabei de ouvir e saber sobre Helena, a mulher que
um dia amei com loucura e jurei ser a escolhida de minha vida. A decepção

me dilacerava, mas acabou de me quebrar enquanto meus olhos percorriam

o papel deixado por ela. Era impresso, sem sua caligrafia, mas tão
impactante como se fosse feito à mão.

Josh,

Se está lendo essa carta, é porque aceitou ficar com Vida.

Realmente estou aliviada por saber que ela não será criada por estranhos,

mas sim na sua fazenda e com pessoas boas. No fundo, eu sempre soube

que uma criança não poderia fazer parte de minha vida assim, do nada, e
tomei a decisão de entregá-la a você por ser mais velho e capaz de cuidá-

la.
Agora sua vida pacata na fazenda pode continuar e a minha

prosseguir como meus pais e eu sempre quisemos, por isso creio que está

tudo bem. Tudo será melhor assim.

Abri mão de todos os direitos por ser o melhor para ela e você.

Sabia que não ia desejar ter nada a ver com minha família, por isso decidi
abdicá-la totalmente. Você tem sua filha e eu minha liberdade, então

podemos seguir em frente.

Se ela perguntar de mim um dia, diga que não pude ficar porque o

destino quis assim. É importante que saiba que Vida não nasceu agora, mas

sim há alguns dias e ficou na incubadora para ganhar peso. Chegou a seus
braços saudável e sem intercorrências.

Espero que seja feliz, Josh, pois tentarei recomeçar depois desse

problema e sugiro que faça o mesmo, agora que resolvemos tudo.

Até nunca mais,

Helena Taylor.

Amassei a carta em minhas mãos, mas pensei melhor e decidi

guardá-la no bolso para um dia mostrar a Vida quando fosse mais velha. A
covardia de Helena não passaria em branco e eu jamais mentiria para minha

filha dizendo que a mãe era uma vítima, quando a mesma escolheu
abandoná-la. Aquela dor jamais seria apagada de minha alma e Vida

merecia saber.

Retornei para dentro de casa e encontrei mamãe e Janine com a bebê


na sala, ninando-a carinhosamente enquanto a mesma finalizava uma

mamadeira que elas retiraram da bolsa que chegou junto do bebê conforto.

— Papai foi até a cidade comprar fraldas, lenços, roupinhas, leite e

tudo que mamãe colocou na lista — Janine tagarelava alegremente,

nitidamente feliz com a chegada da bebê. Eu não conseguia desviar meu


olhar dela, mesmo tendo o rosto tomado por lágrimas — Também vai ver se

consegue um berço e uma banheira, porque a pobrezinha chegou quase sem

nada! O velho só trouxe uma bolsa com algumas coisas, principalmente


leite e mamadeira, mas quase nada.

Mamãe nada disse ao notar meu olhar desolado e apenas me

entregou o pacotinho nos braços quando estiquei os meus e a acomodei

gentilmente em meu peito. O amor explodiu em meus poros e senti pena

enquanto a encarava... Pena por ter sido rejeitada pela mãe e chamada de
“problema”, quando na verdade representava uma benção.

Sai da casa com ela, indo até o quintal para respirar ar fresco. Ao

sair, a bebê abriu os olhos e me encarou com seu olhar idêntico ao da mãe,

não me deixando dúvidas sobre ser minha filha. Eu faria um DNA para não
correr nenhum risco de ter sido enganado por Gregor, mas meu coração já
sabia que a pequena Vida era realmente fruto do amor que senti por Helena.

— Seu pai está aqui, minha filha. — Sussurrei ao niná-la

delicadamente — E ao contrário de todos, nunca irei deixá-la. Eu, seus avós

e sua tia Janine sempre estaremos junto de você, meu amor.

Como se compreendesse minhas palavras, Vida encostou a cabeça


contra mim confortavelmente e fechou os olhos, aconchegando-se para

dormir um sono tranquilo e protegido.

Ela sabia que eu estava ali e era o pai dela...

Nada de ruim iria acontecer, mesmo que Helena tenha marcado para

sempre a vida de nossa filha com sua rejeição.

Seis meses depois...

Não sei quanto tempo passou, mas a sensação era de ter entrado em

um túnel longo e saído do mesmo tonta e agredida com uma forte pancada
na cabeça. Havia um vazio em minha mente quando abri os olhos no
hospital, encontrando somente o rosto apavorado de uma mulher após uma
enxurrada de médicos me examinarem diversas e incontáveis vezes.

— Helena, meu amor — A mulher que chorava tocou minhas


bochechas com as mãos frias e estremeci, deitada na maca com os tubos de

oxigênio ligados a meu nariz — Como se sente, querida? Consegue me ver?

— Quem é você? — Sussurrei a primeira coisa que me veio à

mente, encarando-a com medo, assim como todos ao meu redor — O que é
isso? — Olhei para as máquinas ligadas a meu corpo e tentei removê-las,
mas os médicos me impediram e administraram medicamente em mim

quando notaram meu descontrole.

Passei horas dopada, apenas ouvindo a mulher questionar aos


médicos o motivo de eu não lembrar de nada, nem sequer dela, que dizia ser
minha mãe.

— Helena sofreu uma lesão na coluna e um traumatismo craniano

sério ao cair da escada, senhora. Era previsível que não se lembrasse de


muitas coisas, não soubesse como andar e até mesmo como comer. Nós
deixamos claro que, caso ela sobrevivesse, como afortunadamente

aconteceu, teria grandes sequelas e precisaria reaprender a viver.

— Mas quanto tempo levará para minha filha voltar a si? — A


mulher insistia entre lágrimas e eu seguia empertigada na maca, buscando
ficar o mais calada possível. Pensar me agitava e o vazio na cabeça era
muito mais agradável do que as coisas desconexas que aconteciam dentro
de mim — Por favor, doutor... Me diga que ela se lembrará!

— Não posso garantir, senhora. — O médico explicava — Helena


felizmente está viva, mas não pode andar, por enquanto, e talvez tenha

problemas motores pela lesão na coluna. Trata-se de um quadro reversível,


mas teremos de trabalhar em fisioterapia e vários profissionais, assim como

teremos de trabalhar a memória com profissionais do meio. Não vou


mentir... Talvez Helena nunca se lembre da vida que teve antes da queda e o
processo de recuperação será árduo e levará anos.

— Anos? Meu Deus... Pobre Helena! Tão jovem... — A mulher


chorava com as mãos na face enquanto buscava meu olhar, que se desviava

do dela.

— Exatamente por ser jovem é que digo que Helena vai se


recuperar, senhora. Basta ter paciência e muita dedicação. Serão longos
anos, mas terão uma recompensa.

Recompensa.

Essa era a palavra que eu mais escutava enquanto os médicos

entravam em rodizio em meu quarto para falarem sobre todo processo de


tratamento para que eu saísse das sondas e da alimentação hospitalar. Era
devastador saber que aquela mulher, que dizia ser minha mãe, sofria tanto

por mim, dia após dia, ao lado de minha cama.


Eu não lembrava de seu rosto e para mim era somente uma estranha,
assim com o homem que apareceu alguns dias depois dizendo ser meu pai.

Ambos sofriam por mim e tentavam me animar, mas tudo que eu sentia era
vazio e solidão, mesmo rodeada de pessoas o tempo todo.

Afinal, quem eu era?

Afinal, o que houve comigo?

— Você caiu da escada por um acidente, minha filha — Meu pai


explicava segurando minha mão delicadamente — Estávamos em casa
conversando sobre algumas decisões suas e você ficou nervosa e acabou

correndo até as escadas e pisou em falso. Caiu do topo da mesma e rolou


até o chão, passando por mais de trinta degraus de mármore e batendo com
a cabeça contra a estrutura de mármore logo abaixo, na superfície. Fraturou

a coluna na escada e bateu a cabeça na estrutura, ficando em coma por seis


meses.

— Seis meses? — Sussurrei quase sem voz e ainda muito rouca

pelos tubos que ficaram em mim por meses.

— Sim. Eu e uma empregada te socorremos e conseguiram te salva


com muito custo e empenho da equipe médica. Sua mãe estava viajando e
foi poupada de sofrer com tudo que eu sofri ao presenciar a cena e te trazer

para cá, nos primeiros cuidados — Fitei a mulher atrás dele, que parecia
realmente muito mais abalada do que ele — Mas por sorte você está bem e
encararemos isso como um recomeço para sua vida, querida — Afagou

minha mão gentilmente — É uma oportunidade que você teve de começar


do zero e afastar toda negatividade da sua vida. Às vezes é uma dádiva não
se lembrar, Helena.

— Dádiva? — Desdenhei e tirei a mão da dele — Olho para o seu

rosto e não sei quem é o senhor, apesar de todos dizerem que é meu pai!
Acha isso uma dádiva? — Afundei-me no colchão e desviei o rosto do dele.

— Sim, querida. Às vezes lembranças e situações ruins te


perseguiam e foi uma maneira da vida te livrar de muitos problemas. Agora
seu cérebro começou do zero e é como se você tivesse nascido novamente,

Helena.

— Veja isso como uma nova chance, querida — Minha mãe


completou a fala de meu pai — Uma chance para recomeçar.

— Recomeçar... Como vou recomeçar, se não sei de onde parei?


Não sei nada sobre mim, muito menos quem realmente sou!

Ao notarem que eu estava alterada, meus pais se calaram e mudaram

de assunto, como os médicos recomendavam. Era contraindicado falar


sobre minha vida antes do acidente sem devido acompanhamento,
principalmente quando minha reação era ficar alterada e nervosa.

— E essa cicatriz no meu abdômen? — Questionei a um dos


médicos um dia, quando meus pais também estavam no quarto de hospital,
lugar que seria meu lar por longos meses — O que significa, se a lesão foi
na coluna e na cabeça?

Meu pai trocou um longo olhar com o médico em questão, que saiu
da sala e chamou por outra médica, uma moça familiar e simpática que

rapidamente se dispôs a me explicar.

— Você teve um pequeno sangramento abdominal que precisou ser

controlado, por isso fizemos uma pequena cirurgia abdominal, mas não foi
nada sério, somente uma intercorrência. Não se assuste, pois com o tempo a
linha ficará ainda mais imperceptível.

— Parece cicatriz de cesariana, filha. Em breve não vai ter nada aí.

— Mamãe comentou alegremente e tentando me animar.

— Isso mesmo! — A médica concordou com ela — É como uma


cicatriz de cesariana e ficará muito clara com o passar do tempo.

— O que mais falta acontecer? Lesão na coluna, na cabeça e cicatriz


abdominal. Realmente tive muita sorte! — Ironizei enquanto a médica saia

com meu pai para o corredor, deixando-me sozinha com minha mãe, que
beijou minha testa.

— Você é uma raridade, querida. Vai vencer novamente, leve o


tempo que levar.

Três anos.
Aproximadamente mil e noventa e cinco dias.

Esse foi o tempo que levou para que eu me recuperasse


completamente e tivesse a oportunidade de voltar a andar, comer, falar,

escrever e viver como uma pessoa normal na casa de meus pais. Por três
anos vivi praticamente dentro de um hospital entre fisioterapias e sessões de
psicoterapia, mas jamais recuperei a memória de quem eu fui antes do

acidente.

Meus pais fizeram de tudo para me lembrar da antiga Helena, mas

jamais consegui resgatar as lembranças que eles não queriam que eu


lembrasse. Minha intimidade morreu no acidente e isso sim teve que ser
começado do zero.

Eu sequer me lembrava onde e com quem havia sido meu primeiro

beijou, meu primeiro abraço... Minha primeira vez.

Amei alguém um dia?

Eu sabia de um noivado desfeito com um homem chamado Gael,


mas meus pais odiavam tocar no assunto por dizerem que fui
demasiadamente magoada. Eu não sabia nada sobre mim, mas após três

anos, a vida finalmente recomeçaria, de fato, e tive a felicidade de retornar


ao meu lar.

Meu quarto foi todo redecorado por meus pais, segundo os mesmos,
para que eu me adaptasse melhor a uma nova vida. Algumas caixas com
lembranças permaneceram, assim como fotos de toda minha vida, mas meu
antigo telefone, algo que eu julgava extremamente necessário para me

reconectar, foi perdido por eles.

Praticamente comecei do zero, somente lembrando do que eles


queriam que eu lembrasse, e tive de viver com eles pelo meu primeiro ano

em casa, ainda revezando consultas árduas e muito tratamento. Um ano


depois de receber alta do hospital e quatro anos após o acidente, finalmente
comecei a ter autonomia para poder sair sozinha e viver uma vida mais

parecida com a que eu tinha antes de tudo acontecer.

Agora já podia dirigir e não dependia totalmente deles, sendo

possível recomeçar os estudos que abandonei na época.

Quatro anos depois, finalmente comecei a enxergar um novo


caminho, mas algo, no fundo, sempre me deixou em alerta sobre algo...

Aquela cicatriz de cesariana em minha barriga jamais seria “apenas”


uma cirurgia inexplicável no abdômen. Aquela marca não era um acaso e

fazia parte de meus planos descobrir essa pequena parte que meus pais
buscavam incansavelmente ocultar de minha vida.
— Papai, será que podemos subir na árvore hoje?

— Vida... Sempre aventureira! — Deixei de lado o carrinho de mão


e a ergui pela cintura com cuidado, sentando-a no galho mais baixo e cujo

qual ela já estava acostumada — Está bom aí?

— Queria mais alto, mas tudo bem! Aqui já posso ver uma linda

paisagem no campo de lírios. — Apoiando a mãozinha sobre os olhos de


modo a fazer uma sombra, Vida chacoalhava as perninhas no ar enquanto

observava a paisagem apaixonante do final de tarde em nossa fazenda —

Amo essa paisagem. Sabia disso, papai?

— Claro, querida... Claro que sei. — Voltei a jogar as sementes

sobre o solo enquanto a olhava atentamente para que não caísse, mas era

um fato que minha filha sabia perfeitamente como se defender naquele


lugar, mesmo que fosse somente uma garotinha de quatro anos.
Quatro anos se passaram desde o dia em que Vida foi entregue a

mim por um homem inescrupuloso que ela jamais chamaria de “avô”.

Quatro anos se passaram desde o dia em que me tornei pai “solo”,

um termo que somente vi em filmes e novelas, mas começou a fazer parte

de minha vida de uma maneira avassaladora.

Quatro anos foram desde que ouvi falar sobre Helena Taylor pela

última vez, mas olhava para um pedacinho dela ao meu lado todos os dias.

Não era fácil esquecê-la tendo Vida junto de mim e me fazendo


lembrá-la constantemente, mas nunca culpei minha filha pela dor imensa

que eu carregava no peito pela falta da mãe dela. Vida não conheceu a mãe

e não podia dizer que sentia falta, pois foi criada com muito amor por mim,
meus pais e Janine, mas eu reparava na maneira triste como encarava as

crianças de sua escola quando as mesmas estavam com a mãe.

Aos três anos, quando começou a frequentar o jardim da infância,

Vida começou a perguntar sobre a ausência de uma mãe em sua história e

tive de me virar para contar algo convincente.

“Sua mãe não pôde ficar. Ela era muito jovem e não saberia como

cuidar de você, mas foi um ato de amor por parte dela te entregar a mim”.

Foi tudo que consegui dizer, sem realmente magoá-la grandemente e


não pintar Helena como a maior vilã que existia. Mesmo que ela merecesse,

doía a ideia de ter minha filha vendo a mãe como uma megera, pois o fato
destruiria muitas coisas nela e Vida não mereceria carregar essa dor. Não
era por Helena, mas pela saúde mental de Vida.

Tirei meu chapéu para admirar a paisagem do vale de lírios com ela

enquanto o sol se punha, lembrando-me de quando me sentava ali com

Helena para fazer exatamente a mesma coisa. Assim como a mãe, Vida era

apaixonada pelo pôr do sol e amante das belas paisagens. Era doloroso

constatar a maneira como se pareciam, mas eu seguia calado para que

minhas lembranças não a machucassem.

— Porque você anda triste, papai? — Vida questionou naquela

noite, quando me deitei ao seu lado na cama para fazê-la dormir.

— Não estou triste, minha querida — Acariciei seu cabelo loiro nas

mãos enquanto fitava seu olhar idêntico ao de Helena focado em meu rosto.

Seus olhos azuis brilhavam para mim todas as noites e me traziam


lembranças inesquecíveis — Estou muito feliz porque amanhã é seu quarto

aniversário e todos comemoraremos juntos.

— Você sempre fica triste quando vai ser meu aniversário. Vovó

disse que é porque lembra de minha mãe — Vida sussurrou tocando-me no

rosto delicadamente — Ela era uma bruxa?

— Claro que não, querida. Sua mãe era muito diferente de uma

bruxa. — Com os olhos claros pensativos, Vida demorou para prosseguir,


deitada sobre meu braço forte na cama rosa de seu quarto decorado com

unicórnios e bonecas.

— Então como ela era? — Insistiu docente e não tive coragem de


ignorá-la.

— Sua mãe era como... — Tomei fôlego — Uma princesa. Vivia em

um castelo grande e bonito, com pais ricos, como um rei e uma rainha.
Quando a conheci, usava um lindo vestido branco — Sorri ao me lembrar

de Helena vestida de noiva — E eu a roubei e a trouxe para viver comigo


aqui na fazenda.

— A roubou? — Cobriu os lábios infantis com as mãos.

— Sim, a roubei de um vilão malvado que queria se casar com ela.

Então, com o passar do tempo, ela se apaixonou por mim também e nós
dois tivemos você.

— Mas só os casais casados têm filhos, papai. — Soltei uma


risadinha baixa ao me lembrar de ter dito isso a ela.

— Sim, querida, você está certa, mas sua mãe e eu não podemos nos
casar porque os pais dela a levaram embora. Infelizmente sua mãe teve que
te deixar, mas ela sabia que você seria muito bem cuidada por mim, sua tia

e seus avós. — Vida torceu os lábios em descontentamento.

— Então minha mãe não era uma princesa de verdade...


— Porque diz isso?

— Uma princesa de verdade lutaria para ter um final feliz com o

marido e a filha, não iria embora para sempre. Ela era uma bruxa, papai. Foi
você quem se enganou. — Vida voltou a deitar tranquilamente contra meu

músculo e fechou os olhos, deixando-me sem palavras perante sua


argumentação.

“Ela era uma bruxa, papai. Foi você quem se enganou”.

Jamais fiquei sem palavras com minha filha, mas sua colocação foi

precisa e, talvez, correta. Talvez Helena tivesse me usado para somente


provocar Gael e não estava em seus planos ficar comigo além daquilo, por

isso se desfez de nossa filha com tanta facilidade. Essa era a grande verdade
que custei a aceitar por anos, mas minha filha foi capaz de me fazer ver em
apenas um momento.

Acordei cedo no dia seguinte para preparar com minha mãe o café

da manhã especial de Vida, com seu pequeno cupcake de chocolate com a


vela de quatro anos e suas guloseimas e frutas favoritas. Minha felicidade

era ver minha pequena realizada, por isso jamais medi esforços para alegrá-
la.

Além dos meus ganhos na fazenda, abri meu próprio consultório


veterinário na cidade e atendia as fazendas ao redor com meus serviços,

aumento assim o poder aquisitivo de nossa família. A fazenda estava


próspera, Vida tinha tudo do bom e do melhor e era minha vitória jamais ter
precisado recorrer a família Taylor para nada.

Cantamos parabéns para ela como em todos os anos, sem que saísse
da cama, e eu sabia perfeitamente o que minha pequena fadinha pedia ao

assoprar a vela.

“A mamãe”.

Podia ser uma “bruxa”, como a própria Vida intitulava, mas fazia
uma falta imensa no coração de uma criança. Uma falta que Helena, mesmo

se um dia desejasse, jamais conseguiria reparar.

O pequeno rosto era anguloso e contrastava perfeitamente com os

olhos claros que se abriam para o mundo.

— É uma linda menina, mas está frágil e precisa de cuidados. — O


médico dizia enquanto a entregava para a enfermeira, que a tomou nos

braços com cuidado e levou imediatamente para os pediatras ao lado.

De onde estava, eu podia ver meu corpo desacordado na maca e

ouvir o choro baixo da menininha que lutava para sobreviver. Rapidamente


os pediatras colocaram-na no oxigênio e me aproximei, flutuando no ar
com meu espírito para encará-la mais de perto.

Tratava-se de um sonho ou uma lembrança? Uma experiência


sobrenatural, talvez?

— UTI neonatal com urgência! — Disse uma das pediatras e segui


o pequeno berço, vendo-o ser levado para a unidade intensiva cheia de

bebês.

Frágil que era, nasceu antes do tempo e precisava de cuidados

especiais. Fiquei ali, ao lado do bercinho, apenas observando-a enquanto

tentavam estabilizá-la.

— Qual nome dela? — Uma das enfermeiras questionou a outra,


que deu de ombros.

— A mãe está em coma, acho que não tem pai presente e o avô está

lá fora. Deveríamos perguntar a ele, não acha?

Olhei em direção a janela da UTI e vi meu pai parado ali com as

mãos nos bolsos e o olhar frio. Segui a enfermeira enquanto a mesma se

aproximava dele ao sair pela porta, parando ao lado com uma prancheta
na mão.

— Senhor, sua filha segue em coma, mas a bebê acabou de nascer e

está precisando de suporte devido a prematuridade. — A mulher explicou


calmamente, mas a expressão gélida dele não se alterou.

— Vai sobreviver?

— Sim, tem altíssimas chances, pois não é uma prematura extrema.

Está aqui para receber oxigênio e ganhar peso, inicialmente. Faremos


novos exames, mas ela se estabilizou muito rápido na incubadora e creio

que ficará bem em umas quatro semanas, segundo a experiência que tenho

no setor. — Ela queria tranquilizá-lo, mas pareceu aborrecê-lo ainda mais

— Gostaríamos de saber o nome dela para colocarmos na ficha. Como sua


filha está desacordada e ela não tem um companheiro...

— Vida. — Meu pai respondeu com o olhar fixo no berço da

menina, que agora estava calada enquanto ainda era avaliada por alguns

profissionais — Antes de perder a consciência, minha filha a chamou de


Vida e pediu que eu a salvasse.

— Trata-se de um lindo nome. Obrigada pela informação. Já pode

avisar os familiares e trazer as coisinhas dela. Sei que foi um parto de

emergência, mas imagino que a mãe tenha arrumado as malas e deixado as


coisas preparadas para a primeira filha. Ainda não poderá usar roupas,

mas deixaremos tudo pronto para quando estiver apta. Em breve poderá

descer até o cartório para registrá-la, também, e...

— Não vamos ficar com ela, enfermeira. — Meu pai a interrompeu

repentinamente, falando com a voz firme e nada agradável — Essa criança


foi um erro na vida de minha filha, que acabou enganada por um homem

ruim. O desejo de Helena era colocá-la em adoção e é o que farei,

principalmente com minha filha nesse estado, sem saber quando vai
acordar ou se irá voltar um dia.

— Ah. Sinto muito. — Constrangida, a mulher finalmente deu-se

conta de que aquele homem não sentia nada de positivo pela neta.

— Mas vou trazer coisas para ela, já que ficará no hospital por um

tempo. Além do mais, sabe que sou o dono deste lugar e o nascimento dessa

menina deve ficar em sigilo absoluto por aqui, entendeu? Até mesmo minha
esposa, que está viajando, não deve saber do nascimento da criança. — A

mulher assentiu positivamente.

— Os médicos já comentaram sobre a descrição, senhor. Estamos

cientes do que implicaria revelar para alguém de fora sobre o parto de sua

filha Helena.

— Ótimo! Eu odiaria ter que despedir e prejudicar a carreira de


profissionais de meu hospital. — Sério, o homem seguia encarando a bebê

com frieza.

A enfermeira saiu e, uma vez sozinho, a primeira coisa que meu pai

fez foi pegar o celular e ligar para alguém.

— Advogado Freitas? Aqui é Gregor Taylor. A criança acabou de

nascer e preciso que comece a dar início aos trâmites. Isso. Ficará com o
pai, mas caso ele não queira, prepare um termo de doação legal para o

Estado. Exato! Do jeito que nós combinamos. Pago o que for preciso pela
absoluta descrição dos envolvidos. Quero que seja como se essa menina

nunca houvesse existido. Obrigado, doutor.

Meu peito apertou enquanto eu o encarava, enjoada por sua

atitude. Como podia doar minha filha sem meu consentimento? Como era
capaz de jogá-la no mundo sem ao menos zelar pelo bem-estar dela,

somente pensando em seu benefício próprio?

Tentei atingi-lo, mas meu espirito não tinha forças suficientes para

gritar. Voltei para o lado da incubadora e apoiei minha mão no vidro,

chorando em silêncio enquanto não podia sequer tocar minha própria filha,
apenas vê-la de onde estava.

— Helena? — Abri os olhos com o cutucão que recebi de minha

mãe e a vi sentada ao meu lado na sala de nossa casa — Minha filha, você

dormiu e dizia coisas desconexas...

— Ah, mamãe, me desculpe. Foi apenas um sonho maluco. —

Sentei-me ereta e limpei o rosto, mas por sorte não estava babando — Já
está na hora de irmos?
— Filha... Não sei se é uma boa ideia desafiar assim o seu pai. Ele

foi enfático quando disse que você pode estudar, mas deve cursar

administração ou medicina. — Sua expressão amedrontada me fez suspirar

— Sabe o quanto seu pai lutou para que você se recuperasse...

— A vida é minha, mamãe. Já faz um ano que sai do hospital e


estou me dedicando a recuperá-la, mas em um ano apenas fiz coisas que

meu pai queria que eu fizesse. Já chega de fazer o que ele manda e acha

necessário! Quero me dedicar ao paisagismo e arquitetura e é isso que


cursarei na faculdade, queira ele ou não. — Coloquei-me de pé e ela me

seguiu, mas ainda perturbada com minha decisão.

— Seu pai merecia mais consideração, Helena. Foi ele quem te

socorreu quando você caiu e quem fez todo o possível para te manter viva!

— Assenti positivamente enquanto caminhávamos até a porta.

— Sei disso, mãe, mas não posso viver minha vida em função dele
por causa do acidente.

Ao abrir a porta de entrada da mansão, dei de cara com meu pai

descendo de seu carro luxuoso e subindo as escadas do hall. Mamãe e eu

paramos quando ele retirou os óculos da face e sorriu para nós.

— Está indo até a faculdade de medicina fazer sua inscrição,


querida? — Aproximou-se e me beijou no rosto, mas não expressei reação.
— Não, pai. Estou indo no campus de arquitetura para fazer minha

matrícula no curso de arquitetura e paisagismo. — Ajeitei a bolsa no ombro


no momento em que a expressão dele se tornou uma nítida decepção — Sei

que não aprova minha decisão, mas é o que pretendo cursar e o que me fará

feliz.

— Você sempre faz as coisas erradas, Helena! Como pode saber o


que te fará feliz? — Estreitei o olhar e encarei-o com receio — Nunca

tomou uma decisão correta na vida e acabou se machucando por isso! O que

mais quer, depois de ter quase morrido por ser uma inconsequente?

— Quero ser livre e ser eu! — Insisti — E porque tomo as decisões

erradas? O quê, de tão errado, fiz em toda minha vida? Fui enganada por
um noivo idiota? Sinto muito, mas a culpa foi dele por ser um covarde! Não

cursei medicina ou administração? Sinto muito, mas não levo jeito para

nenhum dos dois! — Minha mãe interveio.

— Já chega, por favor! — Tocou o ombro de meu pai — Greg,

entenda... A menina quase perdeu a vida, então acredito que chegou a hora
de ela fazer o que quer com o tempo que conseguiu de volta, não acha? Nós

dois queremos vê-la feliz e ao nosso lado, não é?

Nervoso, meu pai encarou-a e pensou por alguns segundos.

— O problema deve estar em nós, Gisele. Devemos ser dois

fracassados por termos criado uma filha tão ingrata! — Comprimi os lábios
em desolação e minha mãe suspirou pesadamente quando ele entrou para
casa e nos deixou ali, sozinhas.

— Vamos, mãe! — Insisti já descendo em direção ao carro, onde o

motorista nos aguardava — Não vou desistir do que quero por causa dele.

Uma hora meu pai terá de aceitar que não pode controlar totalmente a
minha vida.

— É apenas um curso na faculdade, afinal! Não é como se você se

envolvesse com alguém que ele desaprova... — O comentário de minha

mãe ao entrarmos no carro me pegou de surpresa, fazendo-me encará-la

com curiosidade.

— Como assim? Do que está falando?

— Como assim, Helena? — Parecia constrangida — Estou falando


do desgosto que significa ter um filho envolvido por uma pessoa que você

desaprova. Isso sim é muito complicado de aceitar.

— Está falando de quem? De Gael? — Travada, mamãe demorou


alguns segundos para responder.

— Sim, é claro. Estou falando de Gael... — Desviou o olhar para a


rua e nada mais disse, mas certamente seu comentário me deixou muito

receosa.
As pessoas ao redor não esconderam a empolgação ao verem Helena
Taylor chegando para fazer matrícula na universidade e me receberam como
uma rainha, uma vez que o nome de minha família e os negócios do meu

pai eram conhecidos em toda parte e ficamos nos últimos anos totalmente
afastados dos holofotes pela minha internação prolongada. Nada foi
divulgado sobre meu acidente, pois meus pais fizeram o impossível para

que ninguém no hospital da família vazasse as informações sigilosas sobre


isso.

Após eu acordar do coma, foi divulgado que fiquei em tratamento


após um acidente sem grande gravidade, apenas para despistar a mídia

sobre meus reais problemas.

Feita a matrícula na faculdade renomada e cara, mamãe e eu

caminhamos pelo campus grande e visitamos muitos cursos, inclusive o de


jornalismo, onde encontramos uma famosa apresentadora de televisão que
fez questão de nos cumprimentar e oferecer um horário para que eu

contasse parte da minha história em seu programa.

— Você não seria louca de se expor assim, Helena! — Mamãe


comentou na volta para casa, já no carro em movimento, enquanto eu
olhava o pequeno cartão da apresentadora com o contato de sua equipe para

agendar a entrevista — Seu pai ficaria uma fera caso você aparecesse em
rede nacional para contar tudo que aconteceu nos últimos anos.
— Porque ficaria uma fera? — Voltei-me para ela, que se calou
repentinamente — Por acaso vocês não me contaram tudo que tinha para
ser dito sobre a Helena de antes?

Em silêncio, mamãe desviou o olhar do meu e negou com um aceno.

— Você e essas ideias malucas! Se não divulgamos publicamente


todos os detalhes foi para poupá-la, não para esconder algo. Como pode

pensar isso de seus pais, Helena? — Indignada, apoiou a mão no peito.

— Não falo tanto sobre você, mas meu pai parece muito
incomodado cada vez que me proponho a descobrir algo sobre minha vida
por mim mesma. Ele quer controlar todos meus passos e não acho que seja

saudável, uma vez que já sou bem grandinha para resolver meus próprios
problemas. — Encarei a janela também.

Mamãe tocou minha mão carinhosamente e me fez voltar o rosto

para ela. Parecia impassível e muito nervosa.

— Me prometa que vai rasgar esse cartão e não agendar essa


entrevista, Helena. Prometa! — Insistiu e rodei os olhos na face, mas nada
respondi para aliviar sua consciência.

Uma vez em casa e sozinha em meu quarto, rodei todo cômodo em


busca de alguma pista sobre os segredos que meus pais escondiam, mas

nada encontrei para acrescentar ao que eu já sabia.


Fui uma filha bagunceira na adolescência, mas era certinha e
virgem. Ao menos era isso que meu diário de adolescente contava em suas

páginas coloridas.

Tive muitos amigos, mas todos por interesse. Apenas Ana parecia
ser a mais fiel.

Noivei com um babaca chamado Gael quando meu pai me obrigou a


casar ao notar que eu seria um fracasso profissionalmente. Tudo que ele
queria era um administrador para seus negócios, não um bom homem para

mim.

Gael me traia e apenas queria meu dinheiro. Descobri tudo por conta
de sua amante e no dia de nosso casamento, algo que se tornou um
escândalo público.

Entrei em depressão após o casamento que não aconteceu e fiquei

descontrolada por alguns meses, até discutir com meu pai sobre meu futuro
e sofrer a queda na escada, onde acabei em coma.

Muito brevemente, essa era toda minha vida medíocre, mas algo

dentro de mim me gritava que havia mais, não somente essas pequenas
passagens citadas por eles. Conceder a entrevista era uma maneira de tornar
pública minha história e trazer para perto qualquer segredo que meus pais

pudessem estar escondendo.


— Papai, é verdade que você e a senhorita Lilian estão namorando?

Na sala de casa, ergui os olhos do livro que lia para encarar o


rostinho impassível de Vida, que usava seu vestido vermelho favorito e

tinha o olhar questionador. Poucas vezes na vida a achei tão parecida com
Helena como agora.

— Onde ouviu isso, filha? — Rodei o olhar pelo ambiente e vi


como papai, mamãe e Janine escondiam a face, certamente também
curiosos sobre o tema, mas sem a coragem que minha pequena filha tinha

para perguntar.

— Estão dizendo na cidade, papai — Bati em minha perna e Vida


caminhou até mim, sentando-se ali com cuidado — Você e ela namoram

mesmo?
Suspirei e apertei os olhos, incapaz de explicar a minha filha que

Lilian era uma moça solteira, assim como eu, e que as vezes flertava
comigo na venda de seus pais, mas eu simplesmente ignorava.

— Em nossa pequena cidade, qualquer olhar, por menor que seja, se

torna um namoro, querida. Papai não tem namorada e nem tem previsão de
arrumar, pelo menos não enquanto você for tão pequena — Beijei seu

cabelo loiro e ela me abraçou pelo peito — Por enquanto, você é a única

mulher de minha vida, querida.

— Que bom, papai. Fico feliz em não dividir você, mas vovó e vovô

dizem que você precisa de uma namorada para ocupar a cabeça. — Ergui o

olhar de minha inocente filha e encarei meus pais com certa decepção,
vendo-os constrangidos pelas palavras de Vida — Talvez seja verdade, pai.
Talvez você precise de uma namorada.

— Não, eu não preciso! — Enfatizei com o olhar fixo em meus pais,

sentados no sofá a nossa frente — Tudo que preciso no momento é do amor

de minha filha e criá-la bem. Sobre uma namorada... Terei tempo para

pensar nisso no futuro.

Vida sorriu aliviada quando Janine a chamou para tomar sorvete na

cozinha e as duas saíram juntas, dissipando um pouco da tensão acumulada


no lugar.
— Acham realmente saudável comentar certos tipos de coisas com
minha filha? — Questionei a eles, fazendo papai fechar o jornal de maneira

cansada e mamãe desviar o olhar do crochê — Vida é só uma criança! Não

tem idade para tocar em temas que deveriam ser censurados para ela.

Namoro para minha vida é algo complicado para conversar com minha

filha.

— O fato de você viver preso em uma lembrança de alguém que

nunca te amou interfere diretamente na menina! Ou acha que ela não sente
sua distância quando começa a pensar na infeliz da mãe dela? — Meu pai

sussurrou para que Vida não ouvisse e me movi desconfortavelmente na

poltrona.

— Estão enganados! Não penso mais em Helena há muito tempo e...

— Por favor, Josh! Não abuse de nossa inteligência! — Mamãe


também sussurrou — Depois que aquela mulher foi embora, você se apegou

em Vida para sobreviver e esqueceu totalmente de si mesmo.

Compreendemos quando ela era apenas um bebê, mas agora cresceu e já

não é tão dependente assim de você.

— Chegou a hora de pensar em si, meu filho — Papai incentivou —

Chegou a hora de pensar em construir uma família com Vida e uma boa

mulher, que cuidará bem de sua filha e te trará mais tranquilidade e mais
filhos.
— Não preciso de mais filhos! — Coloquei-me de pé — Nem de

tranquilidade ou qualquer mulher! Tudo que quero é viver em paz com Vida
e transformá-la em uma boa pessoa, sem que vocês ou qualquer um se

intrometam em meus sentimentos. Sou grato por tudo que fizeram por mim
e por minha filha, mas talvez seja a hora de cortar o cordão que nos une e
partir para viver sozinho com ela, como a família que eu e Vida somos!

— Josh, você entendeu errado, meu filho... Não queremos que você

vá embora.

Mamãe tentou me alcançar, mas segui para fora para pensar melhor

em tudo que vivia. Por quatro anos me dediquei a Vida inteiramente, mas
sempre sob o teto de minha família e pensando em Helena a todo o tempo.
Parte de mim ainda tinha esperanças de que ela fosse voltar, mas cada dia

em que ficava sem qualquer notícia dela se transformava em um castigo


ainda maior.

Mesmo sendo mãe de Vida, ela jamais nos procurou. Era como se eu

e a pequena nunca houvéssemos existido e fossemos completos estranhos,


pessoas que ela jamais reconheceria na rua e não fazia qualquer questão em
sua vida.

Helena nunca me amou.

— Porque, Helena? Porque foi fazer isso conosco? — Olhei para as

estrelas que ela amava admirar e questionei, sendo preenchido pelo vazio
eterno de sua ausência.

— Josh! — Ouvi a voz de Janine vindo de dentro da casa e ela

chegou até mim com pressa — Tem algo na televisão que você precisa ver!
— Estreitei o olhar e a segui, curioso sobre o que poderia ser tão urgente.

Ao chegar na sala, vi Vida parada frente à televisão grande


assistindo-a de perto e atentamente, da mesma maneira desacreditada com a
qual meus pais também o faziam. Minhas pernas travaram no mesmo lugar

quando me dei conta de quem era a pessoa sendo entrevistada em um


programa famosos nas noites de sábado, algo que fez meu chão se abrir e

toda minha vida mudar drasticamente.

— É ela... — Janine sussurrou ao meu ouvido — Helena!

Não pude crer no que meus olhos viam, por isso segui estático em
frente à televisão sem evidenciar nada do que se passava em meu coração.

— Está muito diferente, não acham? — Mamãe comentou sem


esconder a surpresa e ajeitando-se no sofá para ouvir melhor.

Helena tinha o cabelo loiro mais curto do que costumava ter quando
a conheci, agora na altura dos ombros, e um olhar mais maduro e cansado,

totalmente avesso ao aspecto radiante que trazia quando caminhava comigo


pela fazenda e no vale de lírios. Agora vestia-se como uma mulher adulta,
mais formal e clássica, não como a menina que gostava de vestidos e cores

vivas.
Aquela era Helena Taylor, a mãe de minha pequena Vida, mas
realmente não se parecia em nada com a mulher que conheci e amei.

— Leram o tema da entrevista dela? — Papai ressaltou — “Longa


recuperação pós acidente: O longo processo de cura de Helena Taylor”.

— Acidente? — Mamãe questionou enquanto eu seguia estático e


em silêncio.

— Sei que estava proibido falar sobre ela aqui, mas vi na internet
que ela sofreu um acidente trágico e ficou por muito tempo tentando voltar

a andar, falar e caminhar normalmente — Minha irmã respondeu sem que


eu precisasse perguntar — Parece que passou anos internada até conseguir

voltar à vida normal. Sempre vi isso como um castigo, não é? Aqui se faz,
aqui se paga!

— Janine! — Meu pai repreendeu-a e eu apenas ouvia a voz de

todos sem conseguir me pronunciar, olhando para a tela como um bobo —


Não devemos desejar coisas ruins, mesmo quando a pessoa merece.

— Mas quem é ela? — Vida perguntou em tom inocente e delicado,


fazendo-me finalmente voltar a atenção para algo, além da televisão — É

amiga de vocês todos?

— Uma antiga conhecida, querida — Fui até ela e tomei-a nos


braços, sustentando-a como se aquele ato fosse capaz de tirá-la da presença

da imagem de Helena, que tanto significava para mim. Nunca antes Vida
tinha colocado os olhos em sua mãe e aquilo me pegou de surpresa, afinal,
eram quatro anos sem conhecer a identidade materna e uma vida toda sem
saber como era ter uma mãe — Alguém que um dia conviveu conosco.

— E como se chama? — Passou os bracinhos por meu pescoço.

— Helena — A mulher da televisão falou alto quando meu pai


aumentou o som, roubando a atenção de todos nós — Como se sentiu tendo

que reaprender a viver? Deve ter sido algo muito difícil e controverso,
imagino.

— Foi como começar do zero. Como ser um bebê novamente.

Depois de ter caído da escada, acordei sem saber onde estava e quem eu
era. Através de meus pais, que me guiaram em direção as minhas

lembranças, tomei novamente o norte e consegui submergir da total

escuridão. — Helena dizia e minha mãe cobriu os lábios com as mãos.

— Você acordou sem nenhuma lembrança? — Helena assentiu


negativamente a pergunta da apresentadora — Nem mesmo seu próprio

nome?

— Não, não me lembrava de absolutamente nada! Devido a lesão,

acordei sem memórias básicas e esqueci até mesmo como comer, andar e

falar. Reaprendi a viver aos poucos e levei três anos inteiros para sair do
hospital e voltar para casa. Hoje, quatro anos depois, finalmente consigo ser

independente e acabei de me matricular no curso de arquitetura e


paisagismo na faculdade de Arquitetura. Finalmente me sinto capaz de

retomar de onde parei e construir uma vida com minhas próprias pernas.

A apresentadora desviou o tema para outro convidado e meus pais


me encararam com horror no olhar, talvez pensando a mesma coisa que eu.

— Quando foi esse acidente, Janine? Você sabe? — Perguntei o

inevitável.

— Não sei exatamente. Teria que pesquisar para saber melhor.

— Ela disse quatro anos atrás... — Meu pai completou com os

dedos em frente aos lábios enquanto pensava. Seu olhar desviou para Vida
em meu colo, totalmente à margem da conversa — Será que Helena

esqueceu tudo mesmo?

— Venha, Vida. Titia vai te colocar na cama. — Janine esticou os

braços, mas Vida agarrou ainda mais meu pescoço.

— Não quero, tia. Quero meu pai! — Beijei a cabeça de minha filha

e concordei, suspirando pesadamente com tudo que havia ouvido.

— Vou colocá-la na cama e já volto.

Sai da sala com Vida e os deixei em meio a uma pequena discussão,


ciente de que aquela informação bombástica mudava tudo, caso fosse real.

Dentro de mim, mesmo revoltado com quatro anos sem ver Helena, eu

sentia meu coração disparado em felicidade por ter colocado os olhos nela e
sequer acreditava que minha amada havia passado por algo tão terrível

quanto um acidente que tirou sua memória.

Helena se lembrava de mim? Se lembrava de nossa filha?

A pergunta não saia de minha cabeça enquanto eu acariciava o

cabelo castanho claro de minha menina antes de colocá-la para dormir,

dividido entre a dor de ter que procurar mais informações sobre ela e acabar
me magoando ao descobrir que somente me iludi e seguíamos sendo parte

do todo que ela quis esquecer.

— Será que ela não se lembra de nós, Vida? — Sussurrei para

minha filha quando a mesma pegou no sono. Sua mão pequena pousava em
meu peito forte e eu a segurava carinhosamente — Será que estive

enganado o tempo todo e sua mãe jamais soube de você?

Papai fumava na porta da cozinha onde Janine e mamãe

conversavam. As duas pareciam aflitas quando cheguei e me encararam

com desolação.

— Já sei o que estão pensando, mas eu não tenho respostas. Não sei
nada de Helena desde que aquele maldito homem deixou Vida aqui. —

Ergui as mãos em sinal de paz e elas suspiraram.

— Você precisa tirar isso a limpo, meu filho — Mamãe colocou-se

de pé e se aproximou — Sei que pedi para que ficasse longe daquela


família, mas precisa saber se Helena realmente abriu mão da menina ou

perdeu a memória sem saber que ela existia.

— O que acha que pode ter acontecido, mãe? — Apoiei-me no


balcão e peguei uma água — Acha que o velho pode ter tirado a menina de

Helena sem que ela soubesse que pariu? Acha que uma mulher não saberia

se um filho houvesse nascido dela?

— Não sei, meu filho. O que sei é que tudo isso é muito suspeito —

Mamãe insistiu — Helena sumiu durante anos, inclusive das redes sociais, e
agora aparece falando sobre ter perdido a memória em um acidente, até

mesmo para coisas simples?

— Ela afirmou que reaprendeu a viver, mas não citou se recuperou

ou não a memória que faltou quando despertou — Enfatizei — Não posso


ligar para ela, até mesmo porque não sei o telefone. Seria loucura voltar a

me envolver com aquela família depois de terem despachado a minha filha

como se fosse um animal!

— Ele tem razão, Glória — Papai entrou após apagar o cigarro — É

um erro procurar Helena e aquela família maldita.

— Ainda acho que devemos ter certeza de que Helena realmente


não quis a menina — Mamãe cruzou os braços e voltou a se sentar —

Aquele homem foi capaz de se desfazer de uma neta e seria capaz de


abandoná-la em um orfanato, sabe Deus o que seria capaz de fazer com

Helena?

Sai da cozinha sem querer ouvir mais nada, subindo em direção ao

andar superior onde ficava meu quarto, próximo ao de Vida. Fechei a porta

e não consegui me acalmar, tirando a roupa e me metendo sob a água gelada


para aplacar os sentidos.

Parte de mim queria correr até Helena e saber mais sobre ela, talvez

descobrir que tudo foi uma armação de seu pai e ainda existia amor em nós,

mas a outra temia, mais do que tudo, descobrir que era um engano e apenas

me iludi com as ideias alimentadas por minha mãe.

— Você não parece bem, Helena — Ana, minha amiga de colégio e

que seguia sendo a única que fazia parte de minha vida após tantos

percalços, comentou enquanto me assistia penteando o cabelo em frente à


minha penteadeira — Tenho a sensação de que algo sempre te incomoda.

Abaixei a escova e suspirei, mordendo os lábios levemente enquanto

pensava nas inúmeras possibilidades de narrativa que tinha em minha mente


agora. Virei um pouco o corpo em direção a ela e fitei-a por cima do ombro,

encarando-a com pesar.

— Tenho sido atormentada por sonhos angustiantes, Ana —


Sussurrei para não correr o risco de ninguém nos ouvir — Sonhos

desconexos, mas que se parecem muito com a realidade. Neles sou um

espírito, algo imaterial, mas posso ver tudo que acontece ao redor e são
situações terríveis para serem narradas.

— Como assim, amiga? — Estreitou o olhar e ajeitou o cabelo


avermelhado para trás do rosto — Será que são lembranças que agora

começaram a aflorar?

— Não sei. Às situações são distantes da minha realidade e eu

saberia se fossem reais, acredito. — Dei de ombros — Nos sonhos vejo um


bebê, que é meu, em uma incubadora e meu pai fazendo de tudo para tirá-la

dos meus braços. Ele a levou sem que eu permitisse e me senti desolada

com sua traição...

— Um bebê? — Ana riu de maneira escrachada — Amiga,

realmente você está louca! Certamente saberia se tivesse tido um bebê, não
acha?

— Sei que é uma situação absurda, mas é tudo tão real...

— Já falou com seus pais sobre isso? — Ana se ergueu e

aproximou-se.
— Claro que não! Meus pais nunca citaram uma gravidez, muito
menos um bebê! — Ana fez um gesto engraçado, como se aquilo fosse a

conclusão de tudo que conversamos.

— Acho que toda emoção para a faculdade está mexendo contigo,

Helena. Precisa focar no futuro — Parou atrás de mim e me fez voltar a


cabeça para o espelho. Vi meu reflexo lá e fixei meu olhar — Agora que vai

estudar, o próximo passo é morar sozinha e arrumar um namorado muito

atraente.

— Namorado? — Sorri de lado — Não creio que possa me

apaixonar, Ana.

— Mas porque não? É muito jovem e agora está saudável. Claro que
tem que namorar! — Ana me chacoalhou e rimos juntas.

— Sinto meu coração cheio de maneira inexplicável — Toquei meu

peito delicadamente — É como se estivesse ocupado por alguém, mas não


consigo me lembrar quem.

— Ah, por favor! O único babaca com quem você se envolveu foi

Gael! Não creio que seja ele o inquilino da vez. — Segui me encarando no
espelho e suspirei.

— Não, sei que não é. Já vi fotos dele e nunca senti nada. Se


realmente existir um inquilino que meus pais me esconderam, ele
definitivamente não é Gael.
— Seus pais te amam, amiga. Fizeram de tudo para você se
recuperar e voltar a ter uma vida normal em sociedade. — Ana beijou o
topo de minha cabeça carinhosamente — Nunca te esconderiam nada.

Apesar de Ana parecer muito segura, eu não tinha a mesma certeza.

Dois meses depois...

Mamãe segurou meu rosto delicadamente para me beijar a face


antes que Vida e eu entrássemos no aeroporto.

— Isso é uma grande loucura, mas espero que tudo termine bem.

— Realmente é uma loucura e, por mim, nenhum dos dois sairia da

fazenda por nada! — Papai, com Vida em seus braços e agarrada a seu
pescoço, me fitava com olhar de poucos amigos — Não faz sentido deixar

tudo para trás em busca de algo que você nem sabe se é real.

— Mas ele precisa tentar, meu velho — Mamãe tirou Vida dos

braços dele e colocou nos meus. Minha filha, mesmo chateada por deixar
seu lugar de criação e que amava, não se opôs a ficar ao meu lado para
nossa nova vida na cidade — Somente assim saberemos a verdade por Vida.

Eles se foram e toda minha vida ficou uma bagunça, mas tive de
organizar as ideias por saber que recomeçar na cidade, próximo de Helena,

era uma decisão arriscada e que poderia significar muita dor, caso eu e
minha mãe estivéssemos errados.

— Qual verdade vocês querem saber por mim, papai? — Vida


questionou-me no avião, segurando em minha mão enquanto voávamos
para nossa nova jornada.

— Querem que você tenha uma boa educação na capital, filha. Lá

você terá uma escola bilíngue, fará aulas diversas e poderá ter mais
oportunidades. — Menti, vendo-a pensar.

— Não estamos mudando porque você conseguiu um trabalho que

te pagará muito bem? — Inocentemente perguntou.

— Claro, meu amor. O meu trabalho também é importante, mas


você é muito mais. — Beijei sua mão delicadamente.

— Tia Janine vai demorar para chegar?

— Não... — Lembrei-me de tal detalhe — Janine virá dentro de uma

semana, assim que meus dias de trabalho começarem. Sua tia ficará com
você enquanto eu estiver fora e também fará um curso importante para ela
por aqui.

Graças a Janine a ideia de mudar para capital durante alguns meses

foi possível. Não foi difícil para mim conseguir um emprego de engenheiro
agrônomo – curso no qual me formei nos últimos anos – em uma
multinacional com toda a experiência que eu tinha com minha fazenda, o

detalhe mais desesperador era definir alguém de confiança para ficar com
Vida em casa enquanto eu trabalhava fora por algumas horas.

Janine se candidatou tão logo ouviu a proposta, louca para deixar a


vida interiorana para trás por algum tempo e curtir a estadia na cidade. A
ideia de estudar a movia, então combinamos que ela estudaria no período

em que Vida estivesse no colégio e fechamos seu curso rápido na mesma


instituição que oferecia educação infantil.

Para nós três era uma boa ideia, somente por isso me arrisquei a

tentar me aproximar de Helena o suficiente para compreender se ela havia


se esquecido de nós ou realmente nos abandonado.

Consegui um apartamento para compra próximo a faculdade de


Helena, a única coisa que eu sabia sobre ela após ter sido citado pela mesma

na entrevista em que a revi. Estar perto era o único jeito de chegar até ela
aos poucos e sem levantar qualquer suspeita com seus pais, que fariam o
possível para me afastar, caso ela realmente não me reconhecesse.
O apartamento que adquiri era amplo, apesar de simples, e contava

com três quartos e dois banheiros, áreas que dividimos igualmente entre eu
e as meninas. A sacada era ventilada e tinha um terraço agradável, um
investimento e tanto para quem tinha uma fazenda e gostava de passar

tempo na cidade. Quando voltássemos ao interior, algo que ainda não tinha
prazo definido, o apartamento seria de bom uso para as estadias na cidade.

Vida entrou com a mochila nas costas e caminhou até a porta com
seu nome, entrando em seu quarto lindamente decorado pelo arquiteto que

contratei para deixar tudo decorado e nos conformes. Sentou-se na cama de


solteiro e analisou ao redor, admirando as prateleiras com bonecas, a mesa

de jogo de chá e as estrelas no teto.

— Tem um closet lindo para guardar suas coisas. — Apontei para o


mesmo e ela apenas assentiu, nitidamente deslocada em um apartamento —

Sei que está acostumada ao ar livre e a ficar solta na fazenda, mas agora
teremos que aprender a viver assim, querida — Sentei-me frente a ela, que

parecia triste — Verá como é bom também viver na cidade.

Vida nada disse, apenas me abraçou de maneira cansada e deitou o

rosto contra meu peito. Sequer sabia ela que toda aquela mudança não era
por meu trabalho, mas para que ela tivesse, talvez, uma oportunidade de

conhecer a mãe que jamais viu.


Tentei me mudar da casa de minha família, mas o desespero deles
em me ter longe foi um pequeno caos que eu não estava disposta a suportar.

Decidi ficar, mas passava pouquíssimo tempo em casa após começar a


faculdade e pegar algumas aulas de piano, instrumento que estudei desde a
infância, em uma escola de música nas proximidades de meu campus.

As aulas eram simples e voltadas para crianças de quatro a oito


anos, uma turma pequena e composta por meninas.

Mesmo que não precisasse do dinheiro, como dizia meu pai, meu

objetivo era ocupar meu tempo livre e ter algo produtivo para fazer, além de

ficar em casa estudando ou passeando com minha cadelinha Maggie.

Aos vinte e cinco anos, eu me sentia mais jovem do que as próprias

meninas de quatro, cinco, seis, sete e oito de minha turma, pois meus pais

me tratavam de maneira ainda mais protetora a cada dia.


Maggie sentava ao meu lado, aos pés do banco onde eu me

acomodei para ler, enquanto o sol se punha no ambiente. A faculdade era


bem próxima dali e todos os dias quando eu tinha aula para as meninas

antes de meu curso, meu motorista trazia Maggie para passar alguns

minutos comigo entre um horário e outro. Nem todas as aulas eram de


noite, pois a grade era mista, mas naquele dia, em especial, eu teria um

longo turno noturno de aulas cansativas.

— O que foi, garota? — Maggie se agitou com a chegada à praça de

um homem alto com sua menina pequena. Muitas pessoas estavam ali, mas
ela se animou ao avistar a menina de casaco lilás, que corria de um lado

para o outro entre os brinquedos com seu longo e lindo cabelo castanho

claro — Gostou da garotinha?

Maggie abanava o rabinho enquanto assistia a menina brincando

com o pai, que era alto, forte, musculoso e tinha cabelos escuros. Também

parei para vê-lo empurrando a pequena no balanço, uma cena agradável e

bonita de se presenciar entre um pai e sua filha. Sorri para eles sem

conhecê-los e me surpreendi quando o homem lançou um olhar curioso para

mim.

— Acho que ele notou que você está admirando a menina, Maggie,
sua farrista! — Sussurrei ao acariciar a cabeça de minha pequena poodle.
A menininha, mais rápida que o pai, pulou do balanço e correu em
direção a Maggie ao notar como minha cadela ficava feliz ao vê-la,

abaixando-se em frente a Maggie para acariciar suas orelhas.

— Vida! — O nome dela foi dito pelo homem que vinha logo atrás e

todo meu corpo estremeceu ao som daquela poderosa voz — Por favor, me

desculpe, senhorita.

— Está tudo bem... — Falei ainda sentada e encarando-os com o


livro em meu colo — Maggie adora crianças e gostou da sua menina, em

especial.

— O nome dela é Maggie, papai — A pequena garotinha disse entre

risadas, enquanto Maggie saltitava ao redor dela e pulava em seus braços

pequenos — Como é linda! Maggie! Maggie!

Algo em meu coração se encheu de felicidade ao contemplar a

pequena com Maggie, talvez um sentimento relacionado ao fato de que


sempre quis ter filhos e me sentia absurdamente longe de conquistar o feito.

Meus pais não me permitiriam viver isso com alguém escolhido por mim,

mas com algum de seus pretendentes fadados ao sucesso profissional, mas

ao matrimônio fracassado.

— É uma linda cachorrinha — O comentário do homem me fez

erguer o rosto para ele, especificamente, principalmente quando esticou a


mão em minha direção para um cumprimento formal — Sou Josh e essa é

Vida, minha filha.

— Olá, senhorita — Vida sorriu para mim ainda brincando com


Maggie.

— Muito prazer, sou Helena Taylor, a dona dessa pequena farrista

chamada Maggie. — Apertei a mão grande e quente do homem na minha e


novamente me senti arder por dentro do peito, algo poderoso e grande o

suficiente para me impulsionar a ficar de pé frente a Josh.

Josh.

Aquele nome ecoava em mim fortemente e me tirava o chão, de


alguma maneira.

— Meu pai é médico de cachorro e animais, Helena, sabia? Quando


Maggie ficar doente, pode levá-la para ele, que ele cuidará bem dela.

— Ah, sim? Você é veterinário? — Josh coçou a cabeça de maneira


pensativa.

— Vida sempre diz isso quando conhece alguém que tem animal de

estimação, mas sim, sou veterinário, mas atualmente trabalho como


engenheiro agrônomo.

— Ainda não, na verdade. Acabamos de chegar na cidade tem


poucos dias. — A menininha me fez rir pela maneira como entregava seu
pai em tudo.

— Vida, por favor... — Josh pediu a ela e não pude deixar de reparar

em como era lindo, alto e imponente, o tipo de homem bronzeado e forte


que não se encontrava em cada esquina da cidade grande. Era nítido que

ambos não eram daqui.

— Está tudo bem, Josh. Estou acostumada com crianças da idade da


sua menina linda... Tenho uma turminha de piano composta por meninas de

quatro a oito anos. — Esclareci para que ficasse mais calmo.

— Piano? Você é professora? — Vida ficou de pé com Maggie nos


braços e a cadelinha ficou quieta em seu colo — Que demais!

— Sou professora, sim. Também estudo no campus aqui perto.

— Piano é um instrumento incrível. Conheci alguém que era muito

talentosa com ele. — Josh comentou um tanto timidamente. A maneira


como me olhava me deixava quase constrangida, algo que me tocava a alma
e desarmava minha vontade de deixá-los.

— Eu gostaria de fazer aulas de piano. É muito caro, Helena? —


Vida me fez rir da expressão de Josh.

— Por favor, senhorita Helena. Se puder me passar o telefone da

escola, eu mesmo entro em contato e pergunto os valores. — Rimos juntos


da maneira como a menina parecia feliz e empolgada.
— Agora mesmo! — Tirei a bolsa um dos cartões da escola de
música e entreguei a ele, que leu no mesmo instante — Basta entrar em
contato que eles te dão todas as informações. Ainda tem vaga na minha

turminha, Vida... Quem sabe não nos reencontraremos novamente lá?

Abaixei-me e apoiei-me em meus joelhos para fitar os olhos claros


da menina, tomando um baque ao notar que se pareciam muito com meus

próprios olhos. Era uma criança linda, de cabelos longos, alourados, lisos e
sardas na pequena face. Algo em meu coração doeu quando a olhei
profundamente, fazendo-me sentir lágrimas em meus olhos sem sequer

conseguir explicá-las.

— Tomara que sim, senhorita Helena. Você parece uma princesa. —

Vida comentou inocentemente — Ou uma fada, como meu pai me chama.

Ergui o olhar para Josh, que notou minha emoção e tirou a cadelinha
do colo de sua filha, tomando-a pela mão. Ele parecia saber mais do que eu
sobre meus sentimentos, pois antecipou-se antes que eu desabasse em

lágrimas em frente à menina de maneira inexplicável.

— Já vamos, senhorita. Obrigada por sua atenção e tenha uma boa-


noite.

— Tchau, Helena.

Ergui-me e endireitei a postura quando começaram a se afastar.


— Vida... — Sussurrei para ela, que me olhou rapidamente — Seu
nome é muito, muito bonito.

— Obrigada! — Respondeu ao me enviar um beijo no ar.

Um beijo que agarrei e levei diretamente até meu coração antes de

me sentar no banco e sentir as lágrimas deslizando em minha face.


Lágrimas sem motivo aparente, mas que doíam no fundo de minha alma.

Desde o primeiro instante em que a vi, meu coração gritou a verdade

inevitável. Helena não nos reconheceu e não fazia ideia de quem eu era,
muito menos Vida, a nossa filha.

Vê-la após tantos anos, com o cabelo mais curto e o olhar mais triste

me trouxe a certeza de que a Helena que um dia amei realmente ficou sob

os escombros do passado e a mulher que reencontrei agora era fruto de uma

armação meticulosamente calculada pelo pai dela, aquele homem cruel.

Helena me olhou como se nunca houvesse me visto em toda a vida,


mas seu coração foi capaz de me reconhecer. Demorou um pouco mais para
reconhecer Vida, mas quando o fez, pouco antes de eu e nossa filha irmos

embora, sua alma gritou desesperadamente em um alerta doloroso. Percebi


que choraria quando decidi ir embora, levando comigo parte daquele

enigma que tomou conta de Helena agora.

Vida e eu estávamos ligados a ela e sua própria alma a avisava.

Mesmo que não recordasse meu rosto e nossa filha, Helena sabia em seu
coração que existíamos para ela.

Eu não podia ir embora, concluí naquela noite, após fazer Vida


dormir. Não podia desistir agora que tinha estado cara a cara com ela após

dias tramando o encontro perfeito. Fiquei na praça perto da faculdade com

Vida todos os dias esperando ela apenas passar, mas fui surpreendido
quando chegou com a cadelinha, que se encantou por Vida.

Era como se o animalzinho soubesse que Vida era parte de sua dona

e a estivesse saudando.

Parte de mim queria ficar para sempre com Helena ali, naquela

praça, e estreitá-la em meus braços para dizer toda verdade, mas como
receberia essa notícia? Eu precisava ter mais certezas sobre o que ela sabia

ou não sobre a nossa história. O fato de não me reconhecer sugeria que nada

sabia, mas como seus pais explicaram a bebê e a gestação? Como Helena

chegou até aqui ignorando completamente que gestou uma vida dentro de
si?
Tudo era muito confuso e eu apenas descobriria a verdade se me

aproximasse dela, por isso liguei para a tal escola de piano e marquei uma

aula experimental para Vida na mesma semana, pedindo que fosse aluna da
turma de Helena Taylor, a pessoa que me indicou a escola. Não precisei

pedir muito, pois haviam vagas na turma, e me peguei pensando na loucura

que seria inserir minha filha na vida da mãe dela, mesmo que Helena e Vida

ignorassem o vínculo que as unia.

Se tudo desse errado, Vida não poderia ser prejudicada e apenas por
esse motivo eu não contava a verdade de uma vez.

Bebendo um vinho na varanda, fechei os olhos para me lembrar do

amor de Helena e da maneira como nos completamos no passado. A amei

como um louco e não conseguia esquecer como estava linda e toda a

vontade que eu tinha de abraçá-la e beijá-la, mas devia guardar em meu


coração.

Não seria fácil, mas seria eu capaz de fazê-la me amar pela segunda

vez?

Josh e suas mãos grandes.


Josh e sua voz grave.

Josh e seu toque firme.

Josh e seu peito forte.

Josh me abraçando, me beijando e trazendo-me para seu corpo, de

maneira e me afogar em seus braços torneados.

Abri os olhos e senti o coração disparado enquanto me lembrava dos


sonhos que novamente tive com aquele homem, o estranho da praça e uma

figura maravilhosa que passou a dominar meus pensamentos.

No primeiro sonho, após nosso primeiro encontro, cheguei a pensar

que era apenas uma fantasia boba de menina da cidade grande pelo perfil

rústico do interior, mas conforme os dias passaram e me vi sonhando com


ele e acordando molhada todas as noites, me dei conta de que estava

obcecada por um homem que sequer conhecia.

— Só posso estar ficando maluca... — Sussurrei para mim mesma

ao levantar e ir até o banheiro, lugar onde joguei água no rosto e me apoiei

na pia — Como posso sonhar todos os dias com esse homem?

Molhei a nuca e tentei me acalmar, uma vez que todos os sonhos


eram de passagens intensas e muito eróticas. Jamais passei por algo parecia

com nenhum homem, muito menos um estranho, e achava absurdo ter

imagens tão nítidas de alguém fazendo amor em minha memória, uma vez
que meus pais afirmavam que nunca tive envolvimento intimo com Gael ou

qualquer outro namorado.

— Talvez tenha tido relações com alguém e escondido deles. Isso

não é algo que uma filha exponha abertamente para os pais, amiga. — Ana

cochichou comigo quando comentei sobre isso e estava certa.

Uma mulher virgem jamais sonharia com um homem fazendo amor


como eu era capaz de sonhar com Josh. Meus pais estavam enganados sobre

minha virgindade e isso evidenciava que havia muito mais sobre minha vida

do que ambos julgavam necessário eu saber. Quem sabe, nem eles mesmos

soubessem.

— Melhor esquecê-lo — Falei a Ana — Creio que nunca mais verei


aquele homem.

Tudo parecia turbulento enquanto os sonhos com Josh ocupavam

meus pensamentos, mas nada me preparou para o que aconteceu naquele

mesmo dia, quando cheguei para dar aulas de piano.

— Senhorita Helena, como vai?

Parei na porta da sala ao avistar a garotinha parada em meio a turma


que acenava para mim com suas pulseiras coloridas no braço fino. Os olhos

iguais aos meus me impactaram, mas não mais do que sua presença. Aquilo

significava que eu veria Josh novamente!


— Vida... — Deixei a alça da bolsa escorregar no ombro e coloquei-

a sobre minha mesa — Que surpresa te ver! Você é a nova aluna, então?

— Sim, senhorita — Aproximou-se de mim enquanto as outras


meninas se dissiparam para os respectivos pianos — Meu pai fez minha

matrícula ontem para aula teste.

— Fico muito feliz por isso — Cada vez que a pequena se

aproximava era um golpe em meu coração. Porque aquela criança, em

especial, mexia tanto com meus sentimentos? — Pois venha... Vou te


colocar em seu piano e começar a ensinar as notas enquanto as meninas

praticam o que viemos ensaiando.

Vida me seguiu de maneira obediente e sentou-se no piano pequeno,

voltado para as menores. Não era difícil ensiná-la, mas fiz apenas o básico,
uma vez que era sua aula teste. Atenta, imitou tudo que eu fazia e ficou

praticando sozinha enquanto rodei a sala para auxiliar as demais.

Meus olhos ficaram nela o tempo todo, mesmo que não me pedisse

ajuda. Sua presença preenchia minha alma, assim como a possibilidade de

rever seu pai bonitão. Apresentei-a para turma, ao final da aula, e dispensei
as demais para conversar com ela após a aula teste.

— Você foi muito bem, Vida — Sentei-me ao lado dela no piano e a

mesma sorriu — Gostou da aula?

— Adorei, senhorita.
— Pretende continuar? — Ajeitei seu cabelo claro para trás e senti
meu coração explodir em ternura por sua inocência.

— Sim, se o meu pai deixar... — Voltou a tocar nas teclas

delicadamente e exatamente como ensinei.

— Sua mãe também, eu presumo... — Vida sorriu sem humor e deu

de ombros.

— Não tenho mãe. — Respondeu somente e continuou dedilhando o


piano.

— Não? — Ela negou com um aceno — Sinto muito, Vida. Ela foi

para o céu, junto com os anjos? — Aquela era a única explicação plausível

para uma mulher ter deixado a própria filha, sendo ela tão encantadora.

— Não... — Vida me encarou com os olhos azuis firmes — Minha

mãe nunca existiu.

Engoli em seco com a pancada que suas palavras me deram e me


constrangi imediatamente por tê-las dito. Vida parecia triste com a situação,

mas disfarçou com um sorriso cansado e voltando a tocar.

“Minha mãe nunca existiu”.

Nada, em toda minha vida, me pareceu mais pesado do que aquela


frase dita por uma criança tão pequena.
— Você começou a tocar piano quando era pequena, senhorita? —
Tocando, desviou o assunto.

— Sim, com a sua idade. E não precisa me chamar de senhorita...


Pode me chamar de Helena, por favor.

— Helena. — Vida disse meu nome ao mesmo tempo em que uma


voz grave o fez, vinda do corredor. Ergui-me do banco e encarei Josh

parado ali, agora recém-chegado.

— Josh — Todo meu rosto corou com sua presença e estiquei a mão
para ele — Queria mesmo falar com você...

— Algum problema com Vida? — Estremeci com sua presença,


ainda mais quando se aproximou para falar aos sussurros. Sua voz grave me

dominava os olhos e eu apenas conseguia lembrar das imagens eróticas que


criava dele sobre mim em uma cama — Ela deu trabalho na aula teste?

— Não, claro que não! — Nos afastamos um pouco da menina, que


tocava o pouco que ensinei — Ela foi incrível e realmente me surpreendeu

positivamente vê-la aqui. Fiquei feliz por tê-la trazido.

— Então qual problema? — Estávamos próximos demais e pude

sentir o calor de seu corpo forte tocando o meu. Seus olhos me fitavam com
algo diferente, algo que eu não sabia explicar, mas me parecia mais íntimo
do que qualquer ato.
— Fui invasiva, confesso, e acabei perguntando sobre a permissão
da mãe dela para fazer as aulas. — Josh comprimiu os lábios e não pude ler
sua expressão — Jamais imaginei que você fosse pai sozinho, me perdoe.

Achei que fosse divorciado ou quem sabe...

— Está tudo bem, Helena. Você não tinha como saber. — Fez um
gesto para que eu me acalmasse.

— Vida ficou chateada, pude notar, e me senti péssima com a


situação. Ela me deu uma resposta muito forte e me senti ainda pior...

— O que ela disse? — Josh apoiou as mãos na cintura e me encarou


ainda mais interessado.

— Perguntei se a mãe estava com os anjos e ela me disse que a mãe

“nunca existiu” — Josh suspirou o esfregou a testa pela tensão — Achei


muito impactante ouvir isso de uma menina tão pequena. Sei que não sou

nada para vocês e acabamos de nos conhecer, mas acho que você deveria
ficar ciente sobre os pensamentos dela. Me desculpe se fui invasiva, eu...

— Você é alguém para nós, Helena — Proferiu tal frase olhando em


meus olhos fixamente e me calei repentinamente — É a professora de

piano. Obrigado pela delicadeza de me contar. Realmente Vida cresceu sem


mãe e ela não está errada em dizer que a mãe nunca existiu... A mãe dela
não foi presente por todo esse tempo e Vida não sabe nada sobre o tema.
— Entendo — Não, eu não entendia! Como alguém poderia
abandonar aquele homem com uma menina pequena? — E ofereço meu

apoio, Josh. Me desculpe por qualquer coisa.

— Não precisa se desculpar. Você não tinha como saber. — Josh


tocou minha mão cordialmente com a sua e tive a sensação de explodir por
dentro.

Todo meu corpo reagiu ao dele como jamais havia acontecido e tive
vontade de me atirar em seus braços, mas fomos interrompidos pela

chegada de Vida, que desceu do piano e parou ao meu lado.

— Papai, amei a aula. Quero continuar tocando com a Helena. — A


pequena segurou em minha mão e Josh apenas a encarou com um sorriso de
canto.

— Não sei porque, mas eu tinha certeza de que você iria gostar,

querida. — Sua frase parecia muito certeira e me fez sorrir também —


Aceita tomar um café conosco, senhorita Helena?

A pergunta de Josh me fez hesitar e encarei a menininha.

— Por favor, Helena! Vamos! — Chacoalhou minha mão.

— Eu adoraria, mas preciso ir para faculdade hoje. Muito obrigada


pelo convite.
— Que tal um jantar, em um dia onde estará livre? — Comprimi os

lábios e suspirei, tentada pelo convite.

— Claro, sem problemas. Eu adoraria. — Vida saltitou no lugar


enquanto Josh tirava do bolso um pedaço de papel um cartão.

— Esse é meu cartão. Por favor, adicione o meu número para


combinarmos. Acredito que somos amigos agora.

— Claro... — Minhas pernas estremeceram com o olhar daquele


homem e fitei o cartão com interesse — Somos amigos.

— Maggie também? — Vida me abraçou pela cintura e também a

abracei carinhosamente.

— Com certeza! Aquela sapeca vai adorar te rever um dia, Vida.

Assim como eu também adorava, principalmente quando a pequena

estava com seu pai.


— Você precisa tomar cuidado com cada passo, Josh. Se Helena
realmente não sabe quem você é, imagine o que baque que receberá quando
descobrir que vocês foram um casal e que Vida é filha dela! — Janine dizia

enquanto eu me arrumava em frente ao espelho de meu quarto para sair.

— Sei disso, Janine, mas não tem maneira de me aproximar dela e

contar tudo repentinamente. Preciso ganhar espaço e confiança para


começar a introduzir o tema. — Virei em direção a minha irmã e ergui o

queixo para que ela ajeitasse a gola de minha camisa — Sinto que Helena

sabe quem eu sou, mesmo que realmente não saiba.

— Não acha que está se iludindo demais, irmão? O que te garante


que Helena vai querer ficar ao seu lado quando descobrir tudo? E se ela já

souber que teve uma família, mas não souber que são vocês dois? — Voltei-

me para o espelho novamente e coloquei no peito minha corrente dourada


com um pingente em formato de raio, algo dado pela própria Helena como

um presente.

— Ela não sabe, Janine. Helena não sabe.

— Pronto para jantar com a senhorita Helena, papai? — Vida


apareceu linda trajando um macacão jeans por cima de uma blusinha cor de

rosa. O cabelo loiro claro caia ao redor de sua face angelical e ela sorria

como nunca.

— Claro, meu amor. Vamos agora mesmo! — Abracei-a e apanhei


as chaves do carro, algo que adquiri três dias antes.

Janine chegou há uma semana e meu trabalho começou no mesmo

dia. Não era um sonho trabalhar como engenheiro agrônomo, mas

certamente me servia muito pelo salário e as oportunidades na cidade. A

fazenda seguia prosperando aos cuidados de meus pais e Janine parecia


radiante ao iniciar o curso rápido que tanto sonhava em fazer antes da

faculdade.

Vida ainda se adaptava ao novo colégio, um lugar bem maior do que

ela estava acostumada no campo, mas que vinha tomando toda sua atenção.

Inteligente que era, adorou se dedicar a natação, balé e inglês. Realmente a

vida na cidade para nós três, dois jovens e uma criança, era muito mais

vasta e oportuna. Mesmo que meu principal objetivo fosse chegar até a mãe
de minha filha, todos nós tirávamos proveito da estadia.
— Se o velho descobrir quem você é, tudo estará arruinado! Precisa
tomar muito cuidado em cada passo que der, Josh.

A voz de Janine ecoava em minha mente conforme Helena se

aproximava, atravessando a rua, com um sorriso doce e segurando as

laterais do casaco jeans que cobria seus frágeis ombros. Abaixo dele havia

um vestido azul claro muito delicado e um salto médio era exibido em seus

pés. Linda como sempre, foi capaz de roubar todo meu coração com sua

simples visão.

Realmente era uma verdade.

Se o pai de Helena soubesse que eu estava rondando sua filha, nada

seria tão fácil para mim e tudo poderia ser destruído.

— Desculpem o atraso! — Helena chegou até nós e não escondi o

sorriso quando vi Vida abraçando-a pela cintura com força — Me enrolei

um pouco hoje. Não foi fácil sair.

— Você mora sozinha, Helena? — Vida questionou sem filtros


enquanto Helena também a apertava em um abraço caloroso. A conexão

entre elas era nítida e agradável, algo que fluiu naturalmente devido ao laço

eterno que as unia.

— Não, moro com meus pais. — Helena me olhou de maneira

tímida — E eles são...


— Super protetores? — Arrisquei e seus olhos me buscaram com

interesse — Eu também seria, caso fosse seu pai.

— Você está linda, Helena! Não acha, papai? — Vida ainda a


abraçava e Helena acariciava seu cabelo com ternura.

— Não preciso nem comentar, certo? — Sorri para Helena, que

corou quando abri a porta do restaurante para que elas entrassem — Acho
que a senhorita Helena é uma das mulheres mais bonitas que eu já vi.

— Obrigada, Josh... Você é um cavalheiro. — Seu rosto estava

vermelho quando entramos e pedi uma mesa, levando-as até onde o garçom
indicou.

— Obrigado por ter vindo, Helena. Sei que foi complicado achar

uma brecha na sua agenda, mas Vida é muito intensa e não sossegaria até
que você jantasse conosco. Nunca a vi tão empolgada como está como as
aulas de piano. — Helena e Vida sentaram lado a lado e era quase

impossível não notar a semelhança entre elas.

— Poucas alunas começam tão bem quanto Vida — Helena tocou o


cabelo dela carinhosamente — Certamente é uma menina de muito talento,

algo que veio de berço.

— De berço? — Vida questionou — Como assim?


— Algo que está no seu sangue. — Concluí com certo pesar — E

sim, realmente... Vida tem motivos para dizer que seu talento veio de berço,
devo afirmar. — Helena e eu trocamos um olhar intenso e seguimos

calados, talvez pelo tema ser delicado a ela saber disso.

Pedimos nossos pratos e, ao chegarem, Helena se assustou com a


coincidência que havia em seu pedido com o de Vida.

— Você gosta de salmão, querida? — Questionou enquanto

comíamos.

— É a comida favorita dela... — Vida concordou — Nem parece


que é uma menininha que veio do campo.

— A minha também! — Helena sorriu de maneira doce — Ao que

parece, temos mais uma coisa em comum, além da cor dos olhos e cabelos.
— Comprimi os lábios por saber que Helena não era boba a ponto de notar
que seu olhar era idêntico ao de nossa filha.

A filha que ela não sabia que também era dela.

— Você tem namorado, Helena? Quero dizer, você é casada? —


Larguei os talheres pela pergunta invasiva de Vida, lançando um olhar

engraçado. Helena limpou os lábios após rir baixinho, notando como Vida
comprimiu os ombros — Só estou curiosa!
— Não, Vida. Não tenho namorado. Meus pais dizem que só
namorei uma vez e foi com a pessoa errada. — Tentei esconder o
desconforto ao ouvi-la.

— Porque? — Vida insistiu.

— Porque meu namorado, o homem com o qual eu iria me casar, era


um traidor que me enganou e acabamos não nos casando. — Disse em tom
pesaroso.

— Sinto muito, Helena. Um homem precisa ser muito tolo para

enganar uma mulher como você. — Helena ergueu o olhar para mim e
sorriu genuinamente.

— Meu pai também não tem namorada... — Vida apoiou o rostinho

na mão pequena e sorriu — A última namorada dele foi minha mãe e ela
também o enganou. O deixou sozinho comigo e foi embora para sempre.

— As coisas não foram fáceis para nós, não é, Helena? — Sorri sem
humor.

— Também sinto muito, Josh... Uma mulher tem que ser muito
inconsequente e boba para enganar um homem como você e perder uma

filha encantadora como Vida. — Helena acariciou novamente o cabelo de


Vida, que sorriu.
— Vovó diz que ela era manipulável — Vida especificou ao falar a
palavra que sequer sabia o que significava — E vovô diz que...

— Vida... — Repreendi um pouco cansado — Por favor, não vamos


lembrar disso. Porque não vamos dar um passeio após o jantar?

— Tem um parque incrível no outro quarteirão que eu sempre quis


ir, mas nunca tive companhia. — Helena pareceu empolgada — Vocês se

animam?

Minha vontade era dizer que tudo ao lado dela seria perfeito para

mim, mas seria me expor demais e tive de me calar. Helena parecia cada

vez mais mexida conosco, principalmente com Vida, e eu precisava pensar


em uma maneira eficaz de começar a contar a ela sobre nosso passado.

Principalmente, sobre nossa Vida.

Jamais, em toda minha vida, conheci alguém que fosse tão parecida

comigo quanto a pequena Vida, filha de Josh.

A encantadora menina se apaixonou pelo piano, amava salmão


grelhado e tomava apenas suco de morango com laranja, assim como eu. O
tom de seu olhar era exatamente o meu, assim como o formato anguloso do

rosto e o cabelo, apenas alguns tons mais claros que os meus. Tinha a boca
e o nariz iguais aos do pai, mas tudo nela me lembrava das fotos que vi de

mim mesma na infância e nada me tirava da cabeça que, de alguma

maneira, eu me enxergava nela e por isso não conseguia me separar deles.

Me aproximar tanto de Josh não era conveniente, sendo ele pai


solteiro, mais velho e um homem que certamente trazia na bagagem uma

mulher do passado, mas eu não conseguia evitar me sentir atraída por seu

olhar intenso, corpo forte e mãos firmes. Tudo que eu queria era senti-lo
próximo e saber se meus sonhos com ele eram realmente uma pequena

parte da realidade incrível que poderíamos viver.

Vida brincou no carrossel junto ao pai, que era tudo que a pequena

tinha.

A conexão entre eles era tão bela que me fazia parar e apreciar como

uma boba, somente encarando-os como se fossem a coisa mais incrível que
já vi. Jamais me imaginei saindo a noite com um homem e sua filha

pequena, uma espécie de encontro terno que me preenchia a alma e me

fazia notar que a vida havia passado por mim como um raio e tropecei no

meio do caminho.

Aos vinte e cinco anos, me dei conta de que queria viver algo
assim... Ter uma filha, um marido e uma família para chamar de minha.
— Vamos, Helena. Vamos rodar na xícara! — Vida me levou até

seus brinquedos favoritos e me diverti ao lado dela, encarando Josh do lado

de fora enquanto aproveitava cada segundo daquela aventura.

Ao final da noite, a pequena finalmente parou após comer um


algodão doce enquanto Josh atirava nas garrafas e pegava um bicho de

pelúcia como prêmio.

— Esse é para você... — Para minha surpresa, esticou para mim a

pequena pelúcia, que era, na verdade, uma fada — Uma fada para outra.

— Oh, mas Vida não quer a pelúcia?

— Não, Helena. Tenho muitas que meu pai já me deu. Pode ficar. —

A pequena disse já sonolenta e sorri ao pegar a pelúcia das mãos de Josh,


que parecia emocionado com o gesto — Obrigada. Nem sei como agradecer

pelo gesto e por toda a agradável noite, Josh.

— Não precisa agradecer.

Sua firmeza me fez estremecer e fomos em direção ao carro dele

quando a pequena Vida já estava adormecida em seus braços fortes. Ele a

acomodou no banco de trás, abriu um pouco o vidro e fechou a porta,


parando a minha frente quando fortes trovões começaram a desenhar o céu

sobre nós.
— Parece que vai chover... — Comentei olhando ao redor e notando

como sorria ao me olhar — Porque me olha assim, Josh? Realmente não


entendo o que seu olhar quer dizer, e olha que consigo entender o olhar de

todo mundo...

— Olhar? — Apoiou a mão no teto do veículo prateado e piscou um

dos olhos — Explique melhor, senhorita Helena... — Sorrimos juntos e me


muni de coragem, abraçada a fada que ele me deu.

— Você me olha como se me conhecesse há muito tempo —


Arrisquei e ele considerou — Me olha como se soubesse algo sobre mim

que nem eu mesma sei e... — Deslizei o olhar para seu peito e me detive

quando vi que sua camisa azul entreaberta exibia parte do peito forte.

Apesar de estar prestes a chover, o calor dominava o ambiente e ele


abriu alguns botões da camisa, exibindo um pouco do peito musculosa.

Havia um colar entre os poucos pelos e era de ouro e com um pingente de

raio. Algo na visão fez meu coração errar algumas batidas e não foi

somente a atração física que a visão me proporcionava, mas aquele colar...

Um colar de raio.

Havia algum lugar em minha mente onde eu podia vê-lo. Alguma


lembrança me levava até ele, mas era impossível conseguir distinguir qual,

em meio a tantas confusões.


— Te olho como um homem olha para uma mulher interessante e

bonita, Helena. — Josh disse ao ver que travei e era incapaz de proferir

qualquer palavra. Aproximou-se um passo e chegou muito perto,

exatamente quando as gotas de chuva começaram a cair sobre nós — Mas


escute o seu coração. O que ele te diz sobre mim?

Meu coração me mostrava o corpo forte de Josh sobre o meu, seu

peito nu resvalando em meus seios e sua boca colada à minha. O colar

estava bem ali, pendurado entre nós, e eu usava uma das mãos para
acariciá-lo quando tocava no pescoço daquele homem lindo.

“Helena... Minha pequena fada”.

Com aquela frase ecoando em meus pensamentos, lancei-me para


frente e beijei os lábios de Josh exatamente como fazia em minhas

lembranças, trazendo-o para mim ao agarrar fortemente sua camisa com

uma das mãos. Seus lábios firmes não hesitaram em me corresponder o


beijo com intensidade, assim como as mãos grandes rapidamente me

circundaram pela cintura e me prensaram na parede imponente de seu peito.

Aquele beijo ardeu em todo meu ser, ecoando em meu corpo com

força e intensidade. Aquela boca... Aquela língua... Aquele cheiro... Aquele


homem! Tudo já existia em mim, mas eu não sabia onde encontrar.

A chuva caia sobre nós e sequer me dei conta, apenas quando me

afastei e encarei-o com surpresa. Josh estava perto demais e dei um passo
para longe dele completamente tonta, tapando a boca antes de encará-lo

pela última vez antes de virar as costas e partir.

Ele disse meu nome, mas fui incapaz de ficar, correndo para meu
carro e sentando ao volante enquanto meu coração disparava e minha pele

molhada se arrepiava pelo efeito que me causou. A respiração arfante me

levava as lembranças, que seguiam comigo e com Josh fazendo amor em


um quarto lindo que eu não sabia onde ficava. Toquei o volante e liguei o

carro, dirigindo devagar conforme tentava me organizar.

Seria mesmo Josh em meus sonhos? Será que o confundi com outro

homem?

Eu o conhecia?

Porque aquele homem dominava meus pensamentos?

Parei em frente a uma loja de joias e encarei na vitrine uma

corrente de ouro masculina com um pingente em formato de raio na ponta.

Espalmei as mãos contra o vidro ao imaginar que aquele pequeno

adorno me lembrava uma pessoa, um homem que marcou a minha vida e


acertou-me como apenas um raio seria capaz de fazer e mudou toda minha

história.
Entrei na loja e comprei o pingente com a corrente, observando em
mãos por horas quando cheguei em casa. Eu não sabia se o veria

novamente, mas se o encontrasse, certamente o presentearia com aquela

corrente e confessaria quão importante foi para mim.

— Josh... Será um dia te verei novamente?

E o vi. Estivemos juntos de novo.

— É incrível, mas nunca te dei um presente tão caro ou algo


sofisticado. Porque deveria aceitar?

— O que você me dá todos os dias é muito maior do que isso, Josh.

Junto de você tenho uma nova família, aconchego, carinho e um amor que

jamais conheci... Qualquer coisa material seria pouco perto de tudo que

você me proporciona.

Abri os olhos repentinamente e sentei-me na cama com força,


sentindo meu coração disparar com as lembranças que me preenchiam

conforme eu me lembrava de tudo que minha mente acabou de revelar.

— Isso é uma lembrança, não um sonho! — Sussurrei a mim mesma


e me ergui, caminhando até o banheiro para novamente jogar água em meu
rosto e tentar me acalmar.
Não foi um sonho erótico com Josh, como geralmente acontecia,
mas algo revelador sobre a tal corrente. Ao sair do quarto, liguei para Ana,
que chegou em quinze minuto e me encarou de maneira confusa.

— Aquele homem... O pai de minha aluna de piano... — Eu dizia de

maneira atropelada enquanto minha amiga me ouvia, sentada no sofá de


meu quarto — Ele usava uma corrente ontem em formato de raio e estou
segura de que conheço aquele objeto de algum lugar. Eu o vi novamente em

meu sonho hoje... Vi quando entrei na loja e comprei a corrente para


presenteá-lo!

— Está querendo dizer que acha que conhece aquele homem? —


Ana sussurrou para que não fossemos ouvidas — Helena... Isso é absurdo!
Você mesma disse que eles acabaram de chegar na cidade, como pode tê-los

conhecido?

— Tenho visões claras sobre ele, Ana. Antes sonhava com um


homem, mas não conseguia distinguir quem era. Agora, depois de conhecer
Josh, consigo ver seu rosto claramente e sei que é ele... Sei que é! — Ana

não acreditava em mim e eu via em seu olhar, mas não pude voltar atrás —
Vi claramente em meus sonhos um momento em que ele estava sobre mim,
acho que fazíamos amor, e aquela corrente me tocava o corpo.

— Não será sua mente criando essas cenas porque você se

apaixonou por ele, amiga? — Ana tocou minha mão — Acho melhor se
acalmar um pouco e conversar com a sua terapeuta...

— Meus pais não podem saber disso. Se eu conversar com algum


médico, certamente eles saberão.

— Porque diz isso?

— Porque meus pais controlam tudo ao meu redor e, caso Josh faça
parte de minha vida, por algum motivo eles não me contaram sobre ele. —
Ana pensou em minhas palavras por alguns segundos.

— Amiga... Seu pai pode ser um homem duro, mas sua mãe é um

amor de pessoa e jamais seria capaz de esconder uma parte importante de


sua vida. Também não me lembro de você ter dito que se envolveu
intimamente com nenhum homem. Depois do seu casamento que não deu

certo, você ficou isolada em casa até o seu acidente acontecer. — Comprimi
os lábios ao pensar — E se esse tal Josh for um homem ruim que apenas te

prejudicou e seus pais quiseram afastá-lo de você? Helena, você pode estar
correndo perigo e o melhor que tem a fazer é se afastar dele e confiar em
seus pais.

Ana tinha razão, mas afastei as mãos das dela e tomei fôlego para

prosseguir.

— Vou pagar para ver, Ana. Se Josh tem algo a ver com meu

passado, encontrarei uma maneira de descobrir.


— Porque está indo tão apressadamente, Helena? — Papai disse
abaixando a xícara dos lábios quando terminei meu café da manhã —

Tomou um suco rapidamente e sequer tocou na comida. Está com muita


pressa nos últimos dias, além de estar chegando tarde, segundo as
empregas. O que está acontecendo?

— Algum motivo especial, querida? — Mamãe tocou minha mão

quando levantei, mas ela seguia sentada a mesa — Ou melhor dizendo...


Tem alguém especial em seus dias?

Mamãe sorria, mas meu pai parecia preocupado enquanto me fitava


da cadeira principal da mesa.

— Estou muito atarefada com as aulas de piano e a faculdade,


apenas isso. Tudo segue igual, não se preocupem. — Apertei a mão de

mamãe com carinho e tentando não os incitar.

— Essas aulas de piano são uma bobagem! — Meu pai enfatizou —


Não precisa delas para sobreviver e tão pouco precisa perder seu tempo

com crianças.

— Mas eu adoro crianças... — Respondi com um sorriso —


Inclusive adoraria ser mãe um dia.
— Ah, nós também amaríamos ter um netinho! — Mamãe adotou

um tom fofo — Não é mesmo, Greg?

— Não diga asneiras, Gisele! Helena tem muito que viver antes de
perder a vida cuidando de crianças! — Papai me fez fechar o sorriso e
suspirei, ignorando-o para não arranjar uma briga ainda maior.

— Estou saindo... — Beijei a cabeça de minha mãe — Vejo vocês


mais tarde. Até logo.

Sai sem olhar para trás, cansada de ter que dar satisfações de minha

vida e até mesmo sobre meus sentimentos aos meus pais. Era sufocante
estar atada a eles e eu precisava encontrar uma maneira de me libertar.

A faculdade seria no período matutino e as aulas de piano com as


meninas apenas à noite, por isso passei o dia ocupada enquanto tentava

encontrar uma maneira de encarar Josh hoje, quando ele fosse buscar Vida,
com a cabeça erguida depois de tê-lo beijado.

Como explicaria a ele sobre meus sonhos, ou melhor... Minhas


visões? Josh acreditaria em mim se eu me abrisse ou simplesmente riria e

me chamaria de maluca?

Por outro lado, existia a possibilidade de Ana ter um pouco de

razão. E se Josh fosse uma parte sombria de meu passado que meus pais,
tentando me proteger, me fizeram esquecer?
— Helena! — Vida chegou empolgada como sempre e me abaixei
para abraçá-la. Usava uniforme do colégio e notei que era uma das
instituições mais caras da cidade — Como está hoje? Ontem nem conseguir

te dar tchau!

— Você dormiu, não é, espertinha? — Toquei seu nariz e ela sorriu


— Estou mais feliz em te ver do que tudo, querida! Adoro estar contigo.

— Também te adoro... — Vida me chamou como se fosse contar um


segredo e coloquei minha orelha próxima da dela — Sabia que você se
tornou uma das pessoas que mais gosto no mundo?

Sorrimos juntas e depositei um beijo em sua testa, abraçando-a

carinhosamente.

— Você também é uma querida para mim, Vida... Não tem ideia do
quanto.

Vida foi para o piano quando as colegas chamaram e me peguei


pensando na veracidade daquelas palavras e da relação que, mesmo em

pouco tempo, consegui nutrir com ela. Josh colocaria sua própria filha entre
nós, caso fosse parte ruim de meu passado? Realmente seria maléfico o
suficiente para usar uma criança, caso quisesse me prejudicar?

Eu realmente acreditava que não.


Enquanto tocava e ensinava na aula, meu cérebro trabalhava em
turbilhão e tomei a decisão de me abrir com ele. Precisava me livrar logo

daquelas dúvidas e não havia maneira de afastá-las, apenas falando com o


próprio Josh. Ao final da aula, eu falaria com ele e contaria tudo que
acontecia comigo em relação a nós.

Decidida, esperei que os pais buscassem as meninas com ansiedade,

mas me detive quando uma moça estonteante, muito jovem e graciosa


chegou perguntando por Vida.

— Você veio buscá-la? — A moça me encarava com interesse e


parecia emocionada, mas realmente poderia ser minha própria emoção pelo
momento.

Quem era aquela mulher na vida de Vida e Josh?

— Sim, sou Janine e meu nome está autorizado na recepção, você

pode confirmar. — Esticou a mão em minha direção — É um prazer


conhecer a... Professora de piano de Vida.

Estiquei a mão a contragosto e aceitando seu cumprimento.

— Obrigada. Vida... — Chamei a atenção dela, que desceu do piano


e pegou sua mochila — Vieram te buscar.

— Tia Janine! — Vida correu animada para os braços da mulher,


que a pegou no colo com carinho e beijou-a no rosto. Nitidamente tinham
muita intimidade — Meu pai pediu que você viesse?

— Ele está muito ocupado hoje, querida. Vamos para casa preparar
um jantar delicioso para Josh, o que acha? Aposto que vai chegar cheio de

fome e estaremos esperando com todo nosso amor.

— Sim! Sim! — Vida chacoalhava as perninhas de maneira feliz —

Até amanhã, Helena.

Apenas assenti com um tchau e sorrindo, mas com o coração


quebrado. Sentei-me e encostei a cabeça pesadamente, suspirando por ter
sido uma grande tola!

Mesmo que Vida houvesse afirmado que o pai não tinha namorada,

a tal Janine me parecia muito intima de ambos e certamente era outra boba,
como eu, que Josh levava com seu intenso charme.

Talvez Ana estivesse correta...

Talvez minha mente estivesse inventando tudo isso pelo fascínio que
aquele cowboy rústico despertou em meu coração.
Com meu celular em mãos, admirei em meus arquivos confidenciais
algumas fotos minhas com Helena na fazenda, na época em que nos

conhecemos e ficamos juntos pela primeira vez.

Posávamos felizes e até mesmo com sua barriga de gestação


crescendo, mostrando nas imagens o quão empolgados estávamos para a
chegada de nossa filha. Tudo foi destruído meses depois com aquela

maldita viagem, onde pensei que ela houvesse me chutado e Helena acabou

esquecendo de tudo.

Nada para mim era ainda claro e especifico, mas eu estava ciente de
que Helena não reconhecia eu e Vida de nenhuma maneira e isso se devia

ao seu pai, a pessoa que me entregou Vida ainda bebê. Aquele homem era
um monstro e poderia destruir meus planos para ter minha família de volta,

caso ficasse ciente de que eu e Vida estávamos novamente no caminho de

Helena.
Tudo precisava ser feito com muita cautela para não a assustar, mas

primeiro eu precisava saber como tudo era na concepção de Helena. Não


seria fácil dizer “fomos um casal e aqui está nossa filha”. A vida nos

roubou tudo, mas Helena tinha o direito de não querer retomar nada.

— Você busca Vida hoje na aula de piano ou eu vou? — Janine me


ligou e perguntou, ao meio-dia.

— Pode deixar que eu vou. Obrigado por ter ido nos dois últimos
dias, eu estava realmente atarefado. A vã escolar a deixará na aula de piano

direto, como você sabe. — Atravessei a rua em direção ao restaurante onde

sempre almoçava no intervalo do trabalho.

— Ótimo. Não é fácil para mim dissimular na frente de Helena.


Tenho vontade de dizer umas coisas para ela, mas sou impedida pelo bom

senso e por você, é claro.

— Helena não tem culpa de nada, Janine. — Abri a porta do

restaurante e o garçom, acostumado comigo todos os dias, me indicou a

mesa.

— Isso é o que você acha, irmão, mas não estou tão segura de que

Helena seja tão inocente quanto você pensa. Bom, até mais. Te amo.

— Também te amo. — Assim que Janine desligou, meu celular


tocou no instante seguinte, mostrando um número desconhecido — Alô?

Josh falando...
— Senhor Ross, boa tarde. O senhor conhece Helena Taylor? —
Franzi o cenho perante a pergunta.

— Claro, é uma... Amiga próxima. Quem fala?

— Aqui é do hospital geral da cidade. Helena desmaiou na rua e foi

trazida por populares, mas achamos seu cartão na bolsa dela. Como o

celular estava bloqueado, foi o único número que conseguimos contato. O

senhor consegue vir até aqui ou avisar um familiar da moça?

Rapidamente informei que não podia avisar familiares, pois seria

loucura de minha parte, mas sai correndo em direção ao hospital público

mencionado, aliviado por saber que não era o hospital que pertencia ao pai

de Helena. Por ter desmaiado na rua, certamente foi socorrida para o lugar

mais perto e por isso estava no centro de saúde pública.

Cheguei muito rápido e um pouco constrangido por não ter

mensagens ou sinais de Helena desde nosso último encontro, momento em


que ela me beijou, mas não fui capaz de simplesmente deixá-la sozinha.

Encontrei-a em uma cama de hospital, atrás de uma cortina e com

um medicamento ligado à sua veia.

— Helena... — Sussurrei ao afastar a cortina e encontrar seu olhar,

que não disfarçou a surpresa ao me ver. Erguendo a cabeça, Helena quase

caiu para o lado, mas manteve-se parada quando me aproximei — Como


você se sente? A enfermeira me disse que já estabilizaram o quadro. —

Toquei sua testa e seu olhar azul seguia em minha face.

— Josh... Como chegou até aqui? — Sussurrou quase sem voz.

— Encontraram meu cartão em sua bolsa e foi o único telefone que


conseguiram para contato com alguém próximo de você — Puxei a cadeira

ao lado dela e me sentei, mantendo-me bem perto de seu rosto pálido —


Você parece cansada... Como se sente?

— Foi só uma queda de pressão pelo calor, mas já estou melhor e

receberei alta. Apenas esperava alguém chegar para me levar para casa. —
Voltou a deitar a cabeça e me fitou com as bochechas corando aos poucos.

Era bom ver o rubor dando lugar a palidez em sua expressão mais tranquila
— Não sabia que era você. Me desculpe se te atrapalhei, pois sei que é um
homem atarefado.

Helena estava muito constrangida ao me encarar e levei minha mão

até a dela carinhosamente, beijando-a com ternura na parte superior.

— Fiquei muito preocupado. Sei que já tem um histórico de saúde


delicado e fiquei receoso de ter sido algo mais grave. Que bom que foi

apenas uma queda de pressão. — Helena me encarava com os olhos


confusos quando terminei de beijar sua mão.

— Josh... ´Me desculpe se te coloquei em uma situação delicada em

nosso último encontro — Nitidamente referia-se ao beijo e apenas a ouvi —


Não era minha intenção te dar aquele beijo, eu apenas... — Deteve-se e

suspirou — As coisas são bagunçadas em minhas lembranças. Me desculpe.

— Não precisa se desculpar por algo assim, Helena. Somos adultos


e solteiros. Está tudo bem. — Helena franziu o cenho — Além do mais, seu

beijo me encantou.

— Espere, Josh... — Ajeitou-se na cama para me encarar de maneira


mais firme — A tal Janine, uma moça que buscou Vida nas aulas de piano,

não é sua namorada?

— Janine? — Soltei uma risadinha baixa e ela assentiu, esperando


uma resposta — Não, claro que não! Janine é minha irmã caçula, Helena!

De onde tirou isso?

Vi o constrangimento se tornando alivio aos poucos, enquanto


Helena deitava-se novamente de maneira cansada e me fitava com mais
calma. Sua mão envolveu a minha quando ela sorriu.

— Realmente pensei que fosse sua namorada e você estava

constrangido pelo beijo e por isso não apareceu para buscar Vida nas aulas
nos últimos dias.

— Não... — Beijei sua mão novamente — Janine é minha irmã mais


nova e mora comigo e com Vida aqui na cidade. Ela está fazendo curso
durante a tarde e me ajuda com Vida quando estou trabalhando.
— É um alivio saber disso... — Helena sorriu e seus olhos azuis
brilharam ainda mais — Acabei de te conhecer e não gostaria de perdê-lo.
Algo muito forte me prende a você e a Vida, algo que sequer sei explicar.

Segurei a língua para não dizer algo que fosse revelador demais,

limitando-me a encará-la com meu coração em chamas. O momento da


realidade nos confrontar se aproximava e eu sentia que Helena sequer

precisaria de uma revelação formal para nos encontrar em seu coração.

— Também sinto que algo especial nos une, Helena.

Josh ligou para Janine na minha frente para que ela buscasse Vida

na escola e a chamou de irmã. Colocou o celular no viva voz e os dois riram


quando ele citou o fato de eu ter pensado que eram namorados, quando na

verdade realmente eram irmãos.

— Não precisava ter feito tudo isso — Comentei quando saímos do


hospital e ele me acomodou em seu carro confortável — Acredito em você.
— Levei minha mão para a sua antes de Josh ligar o carro e ele me fitou

com o mesmo olhar apaixonado com o qual eu o encarava — Fico feliz por
não ter desprezado meu beijo. Não me lembro de ter beijado alguém antes e
isso me deixou muito insegura.

— Não se lembra? — Neguei com um aceno perante sua pergunta


— Como pode esquecer algo como um beijo? — Tocou meu rosto

levemente.

— Tudo que sei depois do acidente foram meus pais quem me

contaram. — Josh comprimiu os lábios ao compreender — Jamais diriam


quantos homens beijei ou como foi minha vida amorosa. Tudo que sei é que

um dia fui noiva e acabou de maneira catastrófica. Talvez por isso eu tenha
medo de me relacionar. Sinto grande insegurança quando penso no assunto.

— Gael, não é? — Para minha surpresa, disse o nome do meu ex-

noivo com clareza — Li algo na internet quando aconteceu, há anos. Ele era

um idiota, diga-se de passagem.

— Você o conheceu? — Josh negou.

— Apenas pelos rumores. Hoje perdeu sua fortuna e gerencia uma


casa noturna muito famosa na cidade, um lugar alvo de investigações por

ser ilícito. — Josh dizia com segurança — Acredite... Ele não valia a pena.

— E você? Com a mãe de Vida... — Josh pareceu desconfortável

com a pergunta — Percebo que é um tema delicado, mas acredito que

estamos nos conhecendo e seria interessante frisar se ainda tem sentimentos


por ela. Josh... — Apertei mais sua mão e a levei até meu peito, pousando-a
sobre meu coração — Nunca senti nada por ninguém como estou sentindo

por você. Não quero me enganar novamente e ouvir dos meus pais que sou
um fracasso como filha e não sei tomar decisões.

Josh se calou perante minhas palavras e se lançou para frente

delicadamente, beijando-me nos lábios com carinho e devoção. Absorvi

aqueles sentimentos com fervor, preenchida pela mais profunda alegria.

— Eu jamais te machucaria como ele fez, Helena. Jamais.

Apesar de suas palavras serem seguras, senti certa hesitação na

maneira como estremeceu contra meus lábios. Eu queria perguntar se havia


algo a mais entre nós, mas não fui capaz de expor meus sentimentos tão

abertamente.

— E sobre a mãe de Vida? Ela realmente não existe? — Josh me

olhou nos olhos de maneira profunda, como se aquele olhar respondesse


exatamente o que eu questionava.

— Não, Helena. Infelizmente a mãe de vida já não existe.

— Você a amou muito? — Insisti e ele sorriu sem humor.

— Como um louco... — Suspirou — Mas não quero falar sobre ela.

Quero falar sobre nós. Quer que eu te leve para buscar seu carro ou para

casa?
— Pedi para um funcionário de casa buscar meu carro. Quero que

me leve em algum lugar para ficarmos sozinhos. Um lugar onde ninguém

possa nos atrapalhar.

Josh sorriu como se já houvesse escutado essas palavras antes e se


voltou para o volante com enorme satisfação, lançando-me um olhar

engraçado.

— Tem certeza disso? — Assenti positivamente — Tem certeza que

confia tanto em mim assim?

— Como nunca confiei em ninguém. — Admiti e me encostei ao

banco.

— Você precisa descansar, Helena...

— Quero descansar nos seus braços. — Josh entendeu meu recado e


deu partida no carro, dirigindo em direção ao meu paraíso.

Eu finalmente experimentaria tudo que sonhava com ele há dias e de


maneira viva e real.

Josh me levou a um hotel cinco estrelas discreto com uma distância

segura da cidade e tal discrição me foi atribuída ao fato de eu ser uma figura

famosa na mídia pela fortuna de meus pais. Não havia em minha memória a
lembrança de sair com um homem, mas certamente sua maneira de pensar

me agradava, pois tudo que eu menos queria era que meus pais ficassem
sabendo por onde eu andava.

O medo de que meu pai estragasse meu relacionamento em estágio

inicial com um homem que me agradava era demasiado.

Eu queria dizer a ele todas as palavras engasgadas em minha

garganta e me certificar que tudo ficaria bem.

Helena realmente precisava descansar e eu não me via pronto para

ter algo mais íntimo com ela após tirá-la de um pronto socorro.

Apesar de tudo, liguei para casa e avisei Janine e Vida que não

dormiria lá naquela noite e as duas não esconderam o espanto,


principalmente Janine, que sabia que eu estava com Helena.

— É melhor tomar um banho e relaxar, não acha? Não quero que

você fique prostrada novamente — Helena concordou com um aceno e tirou


o casaco por cima dos ombros, depositando suas coisas sobre a mesa do

quarto amplo e bonito que peguei para nós.

— Esse hotel é incrível — Olhou ao redor — Você tem muito bom

gosto. Nem parece que chegou a pouco tempo na cidade.

— Digamos que já estive aqui antes... — Comprimindo os lábios,

Helena se aproximou de mim com o olhar curioso.

— Porque sempre tenho a sensação de que você me esconde algo,


Josh? — Neguei com um aceno vago, fazendo-a ficar ainda mais intrigada.

— Porque todos temos segredos, Helena, inclusive você. — Toquei

seu nariz e Helena pareceu pensativa com meu gesto.

— Você já fez isso comigo antes? Tocar assim no meu nariz... —

Mantive-me calado, pois era uma mania que eu tinha, mas não me lembrava
se havia ou não feito com ela — Tive a impressão de já ter vivido esse

momento.

— Dizem que se chama Déjà vu.

Helena entrou para o banheiro após desfazer-se de seus calçados e

peguei um suco para conter o calor de estar sozinho dela uma vez mais,

depois de tanto tempo. Eu me lembrava perfeitamente de ter estado com ela


na casa de hóspedes da fazenda, quando fizemos amor pela primeira vez, e

a sensação era inquietante.


Seu celular ficou na cama e ouvi o mesmo tocando, aproximando-

me para olhar quem era.

“Papai”.

Peguei em mãos para ver a foto do infeliz que nos separou,

tremendo por dentro por ter que me segurar em não dizer muitas coisas a
ele. Se queria recuperar a mãe de minha filha e a peça que faltava em nossa

família, cabia a mim ser sábio e agir da maneira correta.

Esperei a chamada acabar e vi uma mensagem no visor, mas não

consegui desbloquear, apenas ler a atual mensagem.

“Volte para casa, Helena. Não seja teimosa! ”

— O maldito velho ainda quer dominá-la como um fantoche... —


Sussurrei ao devolver o celular para seu lugar.

Tirei a camisa por cima da cabeça pelo calor intenso e liguei o ar

condicionado, pensando sobre como Helena reagiria ao saber que seu pai

entregou sua filha como se faz com um animal. Não tive tempo de pensar

muito, pois Helena saiu do banheiro envolta por uma toalha logo em
seguida e me olhou com uma timidez admirável, algo que ia além de

qualquer outro sentimento em meu peito naquele instante.

— Vou me retirar para que você se troque... — Helena soltou um

ruído engraçado.
— Não tenho roupas para vestir, Josh. — Relembrou se
aproximando e sentando-se na cama — Na verdade, não pensei que viria até

aqui para vestir qualquer roupa.

Tomei fôlego com suas palavras e apertei um pouco mais o copo em

minhas mãos, engolindo em seco para me aproximar e sentar ao lado dela


na cama.

— Helena, você é uma mulher linda e incrível, mas não acho que

seja prudente nós dois... — Não consegui terminar e tão pouco conseguia

olhar para ela — Entenda, não quero agir rápido e estragar tudo entre nós

novamente.

— Novamente? — Me virei em sua direção em um reflexo e


encontrei seu olhar azul ainda mais curioso.

— Não quero agir errado com você. Você está cansada pelo que

aconteceu hoje e...

— Tenho sonhado com você, Josh... — Interrompeu-me quase


abruptamente e me calei — Sonhos que não sei se são invenção de minha

mente fértil ou lembranças do que já vivi um dia. — Vendo minha falta de


reação, tocou a corrente em formato de raio que descansava em meu peito
nu e a olhou mais de perto — Sonho com seu corpo sobre o meu de uma

maneira inexplicável. Sonho com suas mãos em meu corpo, me tocando em


toda parte enquanto sua boca me beija com paixão e nós fazemos amor... —
Senti o impacto de suas palavras e a maneira sincera como as proferia —
Depois que sofri o acidente, tudo que sei sobre mim e minha vida anterior a
ele é o que foi dito por meus pais e amigos próximos. Não sei se já tive um

namorado ou um homem para compartilhar a cama, mas sonho com seu


rosto, suas mãos e essa corrente.

Olhei para a corrente em meu peito e tentei reunir coragem para


dizer algo plausível.

— Não se lembra de nada? — Helena negou com um aceno.

— A visão da corrente foi o que me fez te beijar naquela noite.


Despertou em mim algo muito forte que me levou a beijá-lo e... — Fechou

os olhos brevemente — Não sei explicar, mas sinto você. Sinto você como
jamais senti ninguém.

Tentei resistir a Helena, mas todas minhas forças se esgotaram


perante suas palavras apaixonadas e que me despertaram todo amor que

guardei em meu peito durante anos.

Não me contive e a beijei, levando minhas mãos para seu corpo sem
hesitar e puxando-a para mim com sofreguidão. Helena soltou a toalha no
mesmo momento em que a toquei, deixando que o tecido macio caísse entre

nós e sua pele nua tocasse a minha. Senti seus seios suaves contra meu peito
forte e levei um choque de prazer ao me lembrar de como isso era bom,
deslizando minha mão entre nós para tocar seu pequeno monte delicado e
envolvê-lo.

Seus suspiros de prazer me incentivaram a continuar descendo os


beijos por seu pescoço e lhe tocando os seios rosados, que eram tão lindos

quanto eu me lembrava.

Todo seu corpo era lindo e firme como em minhas lembranças, mas

haviam cicatrizes originárias de seu processo de recuperação e me atentei


ainda mais a que vinha logo abaixo, em seu ventre, certamente decorrente
ao nascimento de Vida.

Helena me encarou em expectativa quando voltei-me para seu rosto,

ansiosa para que continuássemos. Apenas uma paixão louca poderia leva-la
a se entregar para mim sem hesitar e não fui capaz de parar ali, perante seu

olhar terno e apaixonado. Voltei a beijá-la e levei-a para cama, deitando


sobre seu corpo e desfazendo-me das roupas que me restavam antes de
dedicar-me a enchê-la de beijos e prazer, como fiz um dia, em nosso

passado.

Ela poderia se lembrar, mas eu correria esse risco para ter nos braços
novamente a mulher que amei em silêncio durante quatro anos.
Meu corpo pequeno conhecia aquele corpo grande e viril.

Minhas mãos frágeis sabiam tatear perfeitamente aqueles músculos

torneados.

Minha pele se arrepiava contra a pele morena de Josh e toda minha


extensão correspondia a suas carícias.

Meu quadril sabia exatamente como se mover junto do dele e nos


encaixávamos como duas peças de um mesmo quebra-cabeças, feitas

especialmente umas para as outras.

Eu o amava e não tinha a ver com tempo ou com qualquer

lembrança, mas com o fato de meu corpo reconhecê-lo e saber que


pertencíamos a ele. Josh e eu éramos um do outro e passei toda a
madrugada, enquanto ele dormia em um sono tranquilo, pensando de onde

poderia tê-lo conhecido.

Com a ponta dos dedos, dedilhei cada traço de seu rosto e tentei
com todas minhas forças trazê-lo de volta a minha memória, mas foi em

vão. Eu via flashes, mas poderiam ser coincidências. Se Josh fizesse parte
de minha vida, por qual motivo não me revelaria o que havia em nosso

passado?

Quatro anos era a idade da filha dele. Provavelmente nos


conhecemos antes de Vida nascer, caso fosse verdade, mas eu não queria
acreditar em nada daquilo, apenas no amor intenso que nos unia.

— Você não mentiria para mim, mentiria? — Sussurrei ao deitar-me


novamente em seu peito forte.

O homem que acabou de me amar seria incapaz de me esconder

algo tão grandioso. O homem que me tratava com imenso carinho não
poderia estar em minha vida como uma presença sorrateira, apenas me
espreitando em busca de conseguir algo que não foi possível terminar no

passado.

Josh era apenas uma criação de minha mente, concluí. Me encantei


com ele e por isso o via em meus pensamentos e agora minha fantasia era
realidade.

Eu estava em seus braços.


Helena e eu éramos uma realidade e eu não podia seguir mentindo.

— Essa história já foi longe demais, Josh. Você sabe que Helena não
se lembra, mas eu ficaria uma fera se estivesse no lugar dela e descobrisse
que o homem ao qual confiei tudo me escondeu verdades tão importantes

— Minha mãe dizia ao telefone — Você precisa aclarar tudo isso de uma
vez por todas e ter uma conversa franca com sua filha sobre a mãe dela.

Helena realmente me preocupava com sua reação, mas Vida era algo

delicado. Eu não imaginava como seria a reação dela ao descobrir que sua
mãe, aquela que pensou “nunca ter existido”, estava viva e muito perto de

nós.

Busquei-a na aula de piano naquela tarde ensolarada e meu olhar


não desviava do de Helena um só instante. Nosso sentimento era palpável e

qualquer pessoa poderia ver, mas a hesitação que existia em mim não

conseguia ficar em segundo plano.


— Você conversou com ela sobre nós? — Helena tocou meu braço

carinhosamente quando Vida se afastou para pegar a mochila e se despedir


das colegas de aula.

— Vou conversar agora. É um assunto delicado, mas Vida é uma

criança esperta e vai compreender. Ela gosta muito de você e isso é


realmente um ponto favorável. — Suspirei pela antecipação e Helena sorriu

ternamente.

— Não vejo a hora de podermos compartilhar esse segredo com ela.

Vida é muito especial para mim também. — Cruzou os braços ao notar que

estávamos muito perto e nos atraíamos cada vez mais.

— Você já contou para alguém? — Enfiei as mãos nos bolsos para


também não a tocar.

— Não, ainda não. Acho que primeiro devemos conversar com a sua
filha, que é a pessoa mais importante em tudo isso.

— Prontinho, papai. — Vida segurou minha mão — Até amanhã,

Helena.

— Até amanhã, querida. — Abaixou-se para beijar a testa de Vida,

que sorriu com o beijo terno — Até amanhã, Josh. — Sorriu para mim e fiz

o mesmo, piscando para ela com segundas intenções.


Vida e eu caminhamos pela praça ao redor do prédio para tomarmos
um sorvete e nos sentamos em um dos bancos no parque para observar o

movimento. Criei todo um cenário para conversar, mas as palavras se

recusavam a sair.

— Papai, você quer dizer algo? — Seu olhar azul me buscou com

interesse enquanto a colher pequena se movia no pote de sorvete de

morango — Não teria me deixado comer doces sem ter um motivo especial.

— Você é sempre muito esperta, querida... — Suspirei também

comendo meu sorvete — Quero te dizer algo sobre alguém importante.

— Sobre a senhorita Helena? — Seguia como se nada importante

estivesse acontecendo — Vai me dizer que você e ela são namorados? Tia

Janine já deixou escapar e eu gostei. Helena é muito legal e eu ficaria feliz

se ela fosse minha nova mãe.

Tomei fôlego e cocei a cabeça com a mão livre, pensando no que


dizer.

— Quero falar sobre a sua mãe, Vida. Sua mãe de verdade, aquela

que te trouxe ao mundo quando era um bebê. — Vida parou de comer e

ergueu o olhar para mim com certa dureza.

— Você nunca quis falar sobre ela. Sempre disse que ela nunca

existiu.
— Sei disso, mas chegou o momento de falarmos sobre ela. —

Tentei me aproximar e minha filha sequer se moveu, parada como uma


estátua e com os olhos azuis focados em mim — Sua mãe existe, querida.

Existe e está muito perto de nós.

— Então porque você disse que não existia? — Insistiu de maneira


triste — Porque disse que ela nunca voltaria e tinha nos deixado?

— Para não te machucar. Eu não queria te ver sofrendo, meu amor.

— Vida suspirou.

— Papai, não quero! Não quero nenhuma mãe que nunca esteve
aqui! — Colocou o sorvete de lado mostrando como estava desgostosa com

tudo aquilo.

— Eu me enganei, filha. Pensei que sua mãe tivesse ido embora


porque não queria nós dois, mas me enganei! Sua mãe não sabia onde
estávamos e nós nos perdemos. Ela está perto e acredito que queira

conhecer você agora que...

— Mas eu não quero, papai! — Vida choramingou — Não quero


nenhuma mãe! Ela nunca existiu!

Desvencilhando-me de mim, Vida correu para o parque e sentou no

balanço, movendo-se sozinha com os pés pequenos tocando a areia. A


imagem de minha filha desolada e triste por conta da mãe fez meu coração

doer e minhas inseguranças voltarem.


Seria muito complicado concertar toda bagunça que o infeliz de

Gregor Taylor fez em nossas vidas.

No dia seguinte, após a aula de piano, Helena sugeriu que fossemos


jantar juntos em um restaurante com espaço infantil para que Vida se

divertisse.

— Vida parece muito triste hoje, Josh. Sequer conversou na aula e

me preocupei muito, por isso achei interessante a ideia de levá-la para sair.
O que foi que aconteceu? — Helena perguntou quando estávamos na mesa
e Vida escorregava no espaço infantil bem ao lado, mas em uma distância

segura.

— Helena... — Suspirei e ela esticou a mão para tocar a minha


gentilmente. Estava ainda mais bonita naquela noite, usando um vestido

salmão e um penteado simples com uma trança entre os fios alourados de


seu cabelo.

— É por mim? — Travei perante seu olhar, sem conseguir não


parecer assustado com o que viria a seguir — Você contou a ela que somos

namorados e Vida não gostou da ideia?


Relaxei com sua colocação final, agora ciente de que falava sobre
nosso atual relacionamento e não suspeitava de nada sobre o passado.

— Não, ao contrário. Vida reagiu bem quando falei sobre nós dois
— Helena sorriu, mas continuava me olhando em expectativa — Acontece

que tivemos uma pequena conversa sobre a mãe dela que causou esse clima
tenso. Faz parte, não é?

— Sim, imagino. Sempre que chegar alguém em sua vida terá de

falar sobre a mãe dela, acredito. É um assunto muito delicado,


principalmente para uma criança tão pequena. — Não tive coragem de

desmenti-la e somente levei sua mão até os lábios, beijando-a


carinhosamente.

— Você é um sonho do qual não quero acordar. Esperei muito

tempo por ti, Helena.

— E eu quero que as coisas sejam claras entre nós, principalmente


por Vida. — Helena se esticou para frente, de modo a tocar minha face
delicadamente. Me aproximei dela e a beijei, sabendo que Vida nos assistia.

— Então vocês estão mesmo namorando? — A pequena apareceu

na mesa e sentou ao lado de Helena, que se separou de mim e a abraçou


pelos ombros carinhosamente.

— Vida, eu... — Vida fez um sinal para Helena se calar e deitou o

rosto contra o peito dela, que a envolveu com suas mãos delicadas.
— Gosto muito de você, senhorita Helena. Sei que é uma boa moça
e nunca vai sumir e deixar de existir, como a minha mãe fez com a gente.
— Engoli a respiração ao ouvir as palavras de minha filha. Helena se

curvou para beijar o topo da cabeça dela e afagá-la com devoção, algo que
nitidamente fazia para suprir a carência que Vida demonstrava sentir.

Aquela cena me sufocou de maneira surreal, pois as mentiras nas

quais me enfiei estavam transbordando em um copo demasiadamente cheio.

Ao mesmo tempo em que amava tê-las comigo daquela maneira, sentia


pavor de saber que tudo poderia ruir caso soubessem quem realmente eram

uma para outra.

Saímos do restaurante e seguimos para a praça próxima, aquela que

nos vimos pela primeira vez, caminhando juntos enquanto a noite

continuava agradável e quente. Vida pediu para brincar no parque e permiti,


enquanto Helena e eu ficávamos no banco observando-a e namorando

discretamente.

— Em meio a tanta felicidade, me pergunto se haverá maneira de

não acordar nunca desse sonho. — Helena sussurrou ao meu ouvindo


enquanto nos abraçávamos, mas fomos interrompidos por uma voz familiar

que soou atrás de nosso banco.

— Não acredito que encontrei você com a minha ex-noiva

novamente, Joshua Ross... — Ergui-me do banco assim que avistei Gael se


aproximando com as mãos nos bolsos da calça jeans e uma cerveja em

mãos — Estava no bar do outro lado da rua e te vi, depois de tantos anos.
Claro que eu teria de me aproximar para cumprimentá-lo, velho amigo...

Gael esticou a cerveja como se brindasse e Helena me encarou em

busca de respostas. Ela sabia quem Gael era e certamente estranhava toda

aquela conversa.

— Não somos amigos. — Enfatizei em tom sério — Há muito

tempo deixamos de ser, portanto, não deveria ter se aproximado.

— Pode ser que não seja meu amigo, mas Helena também faz parte
do meu passado e queria cumprimentá-la. Como vai, Helena? — Inquieta,

Helena cruzou os braços e nada disse, ignorando completamente a presença

dele.

— Está bêbado, Gael? — Ele negou minha pergunta prontamente.

— Não, claro que não! Já estive bem pior e você sabe, grande
amigo! — Dizia em tom animado — Aliás, também queria conhecer a

menininha. É sua filha, não é? — Apontou para Vida, que brincava no

balanço — Uau, velho amigo! Ela é igualzinha à mãe, meus parabéns!

— Já chega, Gael. — Aproximei-me dele de maneira ameaçadora e

Helena ficou parada no mesmo lugar, apenas assistindo a cena — Vá


embora e não se meta com a minha família!
— A família que você me roubou! — Gael disse baixinho e para que

apenas eu escutasse — Eu disse que você ia me pagar um dia por ter

roubado Helena, não disse? — Ergueu a cerveja novamente e sorriu — Esse


dia chegou, Josh. Você me tirou minha fortuna e vai me pagar com

prestações doloridas!

Gael saiu bebendo a cerveja e não olhou mais para trás, somente

voltando fixamente em direção ao bar em que estava. Segui parado

observando-o com a ameaça viva em minha mente e palpitando com meu


coração. Aquele infeliz poderia acabar com todos meus planos se falasse

algo para alguém, mas estava bêbado e era covarde demais para fazê-lo.

— Você conhecia meu ex-noivo? — Helena questionou duramente

quando me voltei para ela — Era amigo dele? Que história é essa, Josh?

As palavras morreram em minha garganta quando a fitei parada em

meio ao parque e agarrada a seu casaco lilás. O cabelo loiro na altura dos
ombros esvoaçava ao lado de sua linda face contrariada e não tive como

mentir perante a situação.

— Sim. Conheço Gael desde criança.

— E porque me escondeu isso? — Sua face corou de raiva —

Porque não me disse que você o conhecia? Nós dois nos conhecemos, Josh?
Por acaso está me escondendo algo mais sério e não tem coragem de me

contar?
— Digamos que eu fui no seu casamento com ele. Aquele

casamento que não aconteceu. — Helena separou os lábios em total


indignação e olhou ao redor com horror.

— Você foi ao meu casamento? — Apoiei as mãos na cintura e

assenti positivamente — Afinal, quem é você, Josh? Ou melhor... Joshua

Ross! Porque nunca disse seu nome completo?

— Meu nome sempre esteve na ficha de inscrição de Vida nas aulas

de piano, Helena. Aliás, você nunca me perguntou meu nome completo!

Sempre estive lá. Sempre estive em você!

Era o que eu queria realmente dizer, mas não tive coragem. Vida
chegou no exato momento em que Helena diria algo mais, fazendo-a calar

imediatamente.

— Podemos ir, papai? Estou cansada... — Vida pegou em nossas

mãos e Helena e eu trocamos um longo olhar. Helena largou a mãozinha


dela delicadamente, nitidamente contrariada comigo e não querendo

mostrar a Vida sua ira.

— Também estou cansada e já vou, Vida — Helena se abaixou e

beijou a bochecha de Vida, ajeitando a bolsa no ombro — Nos vemos

amanhã, na aula?

— Sim, Helena.
— Ótimo! Adoro você, querida...

— Também adoro você, Helena.

Após abraçar minha filha, Helena apenas me fitou com intensidade,


deixando clara sua tristeza e decepção. Não pude falar nada pela presença

de Vida, por isso a deixei ir apenas com um olhar seu guardado em minha

memória.

O próximo passo era contar tudo e não haveria maneira de ser


diferente. Se eu não o fizesse, Gael o faria por mim cedo ou tarde.

Helena não me atendeu quando liguei em diversas ocasiões pela

manhã, mas visualizou minhas mensagens pedindo que conversássemos

mais tarde, após a aula de piano, e respondeu positivamente com um sinal

de “positivo”.

— Vai mesmo contar tudo para Helena? — Janine perguntou antes


de eu sair para o trabalho e assenti positivamente.

— Não tem outra maneira, irmã. Já prolonguei essa história

demasiadamente e o infeliz de Gael certamente encontrará uma maneira de

expor tudo.
— E como esse cara pode saber que Vida é sua filha com Helena?

Como pode ter essa certeza, se ele não estava lá quando tudo aconteceu?

— Gael nos viu juntos na fazenda e sabia que tínhamos um


relacionamento. Vida é parecidíssima com a mãe e ele deve ter juntado as

coisas. Não é idiota e, como está na minha cola desde aquela época para

encontrar uma brecha e se vingar, certamente deve ter investigado ou coisa


do tipo. — Janine considerou e concordou — Além de tudo, Gael odeia

Gregor Taylor e o nascimento de Vida é um ponto chave na vida do velho.

Ele pode ter investigado e descoberto tudo.

— Realmente não é preciso ser muito esperto para concluir isso

quando se sabe que você e Helena tiveram um relacionamento no passado.


Basta juntar o fato com a idade da criança e as semelhanças físicas que ela

tem com Helena. — Bateu em meu ombro em sinal de apoio — Estou

contigo, irmão. Sabe que vou estar ao seu lado sempre, não é?

— Obrigado, baixinha.

Uma vez no trabalho, decidi tirar Vida da escola no horário de

almoço para que comêssemos juntos e tivéssemos uma importante e


definitiva conversa. Antes de contar a Helena toda a verdade após a aula de

piano, eu precisava conversar com Vida primeiro e prepará-la para o que

estava por vir.


— Você já contou sobre Helena ser sua namorada, papai. O que foi
agora? — Almoçávamos em um restaurante ao ar livre, sentados em uma

mesa na calçada, quando comecei a conversa.

— Filha, hoje mesmo vou me encontrar com a sua mãe verdadeira e

vamos conversar com ela — Vida arregalou os olhos de maneira surpresa e


me fitou com seu olhar azul indignado — Sei que cometi um erro em nunca

ter falado dela com você, mas posso garantir que sua mãe é boa, não sabia

sobre você e vai querer estar ao seu lado. Tenho certeza que vocês duas vão
se amar e que por todos esses anos estive enganado quando te fiz acreditar

que ela não existia. Sua mãe existe, meu amor, e agora fará parte da sua

vida.

— Não, papai! Você está errado! — Colocando-se de pé, Vida me

fitou com raiva — Gosto da Helena e quero que ela seja minha mãe, não
qualquer outra que tenha me deixado! A minha mãe de verdade não existe e

não quero conhecê-la!

Tive pouco tempo para raciocinar quando Vida, contrariada,


apanhou sua mochila e foi em direção à rua sem olhar para os lados.

— Vida! Cuidado! — Derrubei a mesa e tudo que havia sobre ela na

tentativa de ultrapassá-la e chegar até minha filha, que seguiu para rua em
um ato infantil e inconsequente — Vida!
Alcancei-a quando estava atravessando, mas não foi rápido o
suficiente para evitar que um carro atingisse nós dois, lançando-me ao chão
e Vida mais à frente. Devido a sua localização, estava mais exposta e foi

atingida com maior impacto.

Senti-me tonto por alguns minutos e meu braço pareceu ter perdido
o movimento, mas bastou alguns segundos para que eu me arrastasse em
meio a dor e olhasse a aglomeração intensa que se formou ao redor da cena

catastrófica.

Pessoas gritavam e algumas chamavam emergência ao mesmo

tempo. A maior aglomeração era ao redor de minha filha, caída inerte e sem
qualquer reação. Segui me arrastando até seu pequeno corpo sentindo o
sangue escorrer em algum lugar de minha cabeça, sussurrando o nome dela

enquanto tentava alcançá-la.

— Não mexa nela, senhor! Não mexa! — As pessoas disseram


quando cheguei perto e vi seu rostinho pálido desacordado e alguns rastros
de sangue saindo de um ferimento em sua cabeça.

— Vida... Não! Vida! — Sussurrei sem conseguir tocá-la ou sequer

falar, também ferido e desesperado por estar impossibilitado de socorrê-la.

A vida do meu pequeno amor poderia se acabar e eu não me


perdoaria se fosse o responsável por tamanha tragédia.
Minha aula matutina foi proveitosa e interessante, mas não consegui

me concentrar em nada durante a mesma. Tudo que eu pensava era em Josh


e no tal Gael, meu ex-noivo, e nos tantos segredos que se escondiam em
meu passado apagado.

Sentei-me na mesa do professor quando o mesmo saiu e fiquei

sozinha dentro da sala vazia, contemplando o nada e sem coragem para ir


embora. Não sei quanto tempo passou, mas chorei em silêncio pela dor que
era estar sem memória. Toda minha vida se apagou como uma televisão

sem energia e minha memória foi engolida pelo tempo.

Eu era o que me fizeram acreditar, não o que realmente desejei ser.

— Helena Taylor... — Ouvi a voz e ergui o rosto vagarosamente,


dando de cara com Gael na entrada da sala e com a mão na maçaneta da
porta — Sempre linda e chorando. Porque gosta tanto de chorar, hein?

— Como entrou aqui? — Gael apenas sorriu de maneira sorrateira


— Vá embora, por favor! — Pedi nervosamente, apontando para a porta de

maneira contrariada — Não quero você aqui e nunca mais volte a se meter
em minha vida, ouviu bem?
— Realmente não me quer aqui? — Franziu o cenho e levou uma
das mãos aos lábios — Realmente não quer saber nada sobre Joshua Ross e

a nossa relação com ele?

— O que você tem com isso? Qual é o seu problema com Josh e
comigo, se nossa história acabou há muito tempo e eu sequer me lembro
dela? — Gael entrou e fechou a porta, aproximando-se vagarosamente.

— Exatamente! Você não se lembra de nada, não é, Helena? — Me


calei e fitei-o — Ou se lembra de quem Josh foi na sua vida? Seus pais te

contaram quem ele realmente é? — Segui calada e Gael esboçou um sorriso


engraçado, puxando uma cadeira para sentar-se do outro lado da mesa, em
frente a mim — Como eu suspeitava... Todos te fizeram de boba.

— Diga o que tem para dizer, por favor. — Sussurrei quase sem

forças para argumentar e ele assentiu.

— Sabe, Helena, não fazia parte de meus planos enganá-la. Eu


gostava muito de você, te achava bonita, é claro, mas você sempre foi muito

certinha e queria se guardar para o casamento — Ironizou com uma careta


— Coisas bobas de menina rica influenciada pelos pais, porque é isso que
você sempre foi... Influenciável por aquele velho estúpido! — Segui

inexpressiva frente a ele — Ao final, tive que procurar na rua o que você
não me dava e acabei te traindo. Joshua Ross era meu amigo de infância e
veio para a cidade para o nosso casamento. Ao chegar, aquele idiota se

apaixonou por você e acabou roubando-a de mim.

— O que? — Sussurrei — Josh e eu...

— Não posso te dar detalhes, pois você me esculachou depois do

casamento e ele simplesmente sumiu. Descobri sobre vocês quando fui até a
fazenda de Josh e te vi com ele aos beijos. Meu melhor amigo me traiu e
pegou a minha noiva, pode acreditar?

Tive vontade de dizer muitas verdades para Gael, mas o impacto

daquilo tudo me deixou sem palavras. Josh e eu tivemos um relacionamento


e ele não teve coragem de me dizer!

— Porque Josh faria isso? Porque esconderia de mim que um dia


tivemos um relacionamento? — Falei para mim mesma, mas Gael

rapidamente respondeu.

— Foi tudo pela menina, não é obvio? — Levei meu olhar para ele
de maneira pensativa — Será que você é realmente tão burra, Helena?

— O que quer dizer, idiota? — Insisti — Minha memória se apagou,


será que não sabe? Meus pais me contaram sobre minha vida, mas nunca
mencionaram Josh fazendo parte dela!

— Novamente aquele velho idiota te fez de fantoche! — Gael

vociferou — Eu jurei para Josh que ele me pagaria por tudo que fez e te
contando tudo isso é minha maneira de me vingar! O seu pai vai destruí-lo
quando souber que Josh voltou para sua vida com a menina que ele deveria
esconder de ti!

— O que? — Coloquei-me de pé e Gael fez o mesmo — Do que

está falando? Porque meu pai destruiria Josh?

— Porque seu pai não o aceitou como genro por ser um cowboy

rústico da fazenda e te afastou dele quando teve chance! Seu pai tirou a
menina do seu ventre quando nasceu, depois do acidente, e entregou para
Josh, fazendo-o acreditar que você não os queria e os tinha abandonado!

Aquele velho maldito fez tudo para você não saber de nada nunca, mas Josh
descobriu o plano dele e veio te procurar. — Gael bateu na mesa ao ver meu
terror e apontou o dedo em minha direção de maneira ameaçadora — Agora

seu pai vai destruí-lo por ter voltado e serei eu quem o entregará de mão
cheia.

— Como você pode saber de tudo isso? — Estática, segui


encarando-o sem realmente acreditar.

— Odeio Josh, mas mais ainda o seu pai! Aquele velho maldito

pagou muita gente para esconder essa história e levei anos até encontrar as
pessoas corretas e juntas todas as peças do quebra-cabeça, mas consegui. —
Gael sorriu de maneira vitoriosa — Além de Josh, aquele velho também vai

me pagar!
Gael saiu da sala da mesma maneira sorrateira com a qual entrou,
deixando-me em completo estado de choque e absolutamente transtornada

com tais revelações.

Ao final, eu não estava equivocada. Vida e Josh eram parte de mim.

Parte que ninguém citou, mas eu sempre soube que existia.


A sensação era demasiadamente devastadora conforme eu
caminhava e meus pés seguiam no automático para que eu ouvisse as mais
temíveis explicações.

— Helena, querida... — Papai sorriu orgulhosamente atrás de sua


mesa de maneira no hospital de nossa família — Não esperava te ver por
aqui, minha filha. — Levantou-se e foi até mim, abraçando-me pelos

ombros e me beijando na face — Que alegria tê-la aqui. — Meu olhar se


tornou ainda mais duro e ele notou, afastando-se um pouco para continuar

— Mas porque essa cara? O que foi que houve, meu amor?

— Você seria capaz de mentir para mim, pai? — Sussurrei de

maneira cansada e seus olhos pareceram ainda mais confusos — Seria


capaz de me esconder algo tão precioso quanto um filho?

— Do que está falando, Helena? — Sua pergunta o fez se afastar um

pouco — Quem foi o imbecil que te enfiou ideias na cabeça?


— O que está acontecendo? — Me voltei um pouco para ver minha

mãe entrando na sala com sua bolsa pendurada no ombro e soltei um


suspiro pela coincidência — Helena?

— Você também sabia de tudo, mamãe? — Cruzei os braços em

frente ao peito — Também sabia que meu pai foi capaz de tirar uma
criança, a minha filha, dos meus braços e entregá-la sem me dizer nada?

As lágrimas começaram a rolar em minha face e vi no olhar de


minha mãe o choque e a surpresa.

— O que? — Sussurrou e retirou o bolsa, encarando meu pai com

horror — Que história é essa, filha?

— Gael me contou tudo e eu quero a verdade, papai! — Vociferei e

ele sequer se moveu, mostrando que realmente não se importava com

qualquer rancor — Você teve coragem de me esconder que tive uma filha e
uma história com Joshua Ross apenas porque não o julgava bom o

suficiente para mim?

Comprimindo os lábios e dando de ombros, meu pai se afastou e

voltou a sentar-se atrás de sua mesa.

— Joshua Ross foi um erro que você cometeu, exatamente como

Gael, aquele verme mentiroso. — Dizia calmamente e minha mãe, ao meu


lado, segurava em meus ombros de maneira consternada — Ambos são
erros do seu passado dos quais tive de me livrar, Helena. Você nunca foi
capaz de tomar boas decisões e apenas te protegi de seus próprios erros.

— Você fez isso, Gregor? — Mamãe sussurrou quando comecei a

chorar de maneira pesarosa, segurando em meu peito os soluços que

queriam me sacudir — Escondeu que Helena estava... Grávida? Onde está a

criança?

— Ela nos escondeu primeiro, Gisele! — Vociferou ao ser


confrontado pela esposa — Você estava viajando quando ela chegou de

barriga e me lançou esse problema na cabeça como uma bomba! Aquele

imbecil estava junto e tivemos uma briga... — Dizia agora realmente

alterado por meu choro e a raiva de minha mãe — Foi quando ele foi

embora e Helena tentou ir atrás dele. Nós dois discutimos e ela rolou escada

a baixo.

— O que? — Mamãe gritou — Então não foi um acidente?

— Foi um acidente! Claro que foi um acidente! Eu não a empurrei,

nós apenas discutimos e ela tropeçou e caiu!

— Por isso as câmeras não mostraram nada... Você manipulou tudo!

— As mãos de minha mãe tremia conforme ela tapava os lábios com as

mesmas — E a criança, Gregor? Onde está a criança?

— Não a matei! Vocês me olham como se eu fosse um assassino,


mas não a matei! — Colocou-se de pé furiosamente — A menina ficou
muitos dias no hospital devido a prematuridade, mas se recuperou e Helena

não estava aqui para ficar com ela, então decidi por todos nós. Iria doá-la,
caso Joshua Ross não a quisesse e concordasse, mas aquele cowboy

teimoso quis a menina e tive de deixá-la com ele. Não queria um problema
com aquela gente e seria o mais fácil para mim deixá-la com o pai
biológico.

— Meu Deus... — Mamãe murmurou e me encarou, vendo-me

chorar em silêncio.

— Não é como se eu tivesse a matado! Ela está com o pai e cresceu

bem, está longe de nossas vidas e muito feliz! Qual é o problema? —


Separei meus lábios, mas não tive forças para continuar — Helena não teria
tempo para um bebê e sequer saúde para lidar com ele. Nós dois, Gisele,

não somos obrigados a ficar com um erro dela.

— A minha filha não é um erro! — Gritei e ele se assustou — Eu


faria o que fosse possível por ela e para tê-la comigo! E agora, o que me

resta?

— Eu teria cuidado da menina, Gregor! — Mamãe segurou meus


ombros e me abraçou — Teria feito o que fosse necessário para que
crescesse comigo e com Helena! Porque fez isso sem nos consultar? Você

não tinha direito!


— Não tinha o direito de ter me escondido durante quatro anos

sobre ela! Deveria ter me dito assim que recuperei os sentidos e tudo seria
diferente, tudo!

— Não seja ingrata! — Desdenhou — O que seria de você, Helena?

O que seria da sua faculdade e da sua liberdade com uma criança e um


cowboy na sua vida? Certamente estaria enfiada naquela fazenda levando

uma vidinha medíocre de dona de casa e sem conquistar nada relevante.

— Para você a família pode não ser relevante e apenas um negócio,


mas para mim é valioso e um bem imensurável! — Gritei e minha mãe teve

que me segurar para que eu não fosse até ele com toda minha ira — Eu teria
conquistado o mundo ao lado de Josh e Vida, porque ter o mundo sem eles

realmente não vale nem um pouco a pena!

— Me poupe de seus discursos românticos, menina! A vida não é

romântica quando se tem responsabilidades reais, coisa que você jamais


teve. — Seu desdém me fez suspirar, ignorando a dor imensurável que era

estar na presença de alguém que me fez tão mal sendo meu próprio pai.

— Agora realmente não sei se minha filha irá me aceitar e se irá me


amar... Graças a você, para ela, eu não existo! — Mamãe me acariciou o

cabelo gentilmente enquanto eu falava — Sou uma estranha e é isso que


Vida acha sobre mim... Que não existo porque nunca a desejei, mas eu
nunca soube sobre ela e talvez jamais acredite em mim!
— Deveria estar grata a mim, Helena, não fazendo esse teatro todo.

Sua frieza me fez recompor a postura, secar as lágrimas na bochecha

e tomar fôlego para seguir em frente.

— Jamais vou te perdoar, papai. Você arrancou minha filha de mim

e agora acabou de perder a sua por seu egoísmo.

Falei as palavras de maneira calma, espaçando-as enquanto as


proferia. Queria que ele compreendesse perfeitamente cada uma delas para
ficar ciente de que seu ato traidor jamais seria reparado. Jamais.

Atravessei a cidade em direção ao apartamento de Josh, local que eu


nunca tinha visitado, mas sabia bem onde ficava devido a ele já ter me dito.
Consegui na escola de piano o número do apartamento e a torre, apertando

a campainha como uma louca até Janine, a irmã dele, me atender.

— Helena... — A garota linda e de cabelos negros abriu a porta com


a expressão abalada. Parecia pronta para sair e carregava uma bolsa de

viagem ao lado do corpo — O que faz aqui? Você já ficou sabendo?

— Já, Janine. Eu já sei de tudo! — Janine franziu o cenho e largou a


bolsa no chão, fitando-me com curiosidade.

— Do que está falando? — Cruzou os braços.


— Já sei que seu irmão me escondeu quem ele e Vida realmente são.
Já sei que Vida é minha filha e... — Ela fez um sinal para que eu parasse e
suspirou com o pesar.

— Quem te falou tudo isso?

— Gael. E o meu pai confirmou. — Cruzei os braços também —


Agora exijo falar com Josh e pedir explicações. Sei que você não tinha

obrigação de me dizer nada, mas foi muito cruel terem me escondido tudo
isso sobre a minha vida e a minha filha! — Lágrimas ameaçavam cair de

meu rosto e Janine seguia me olhando como se sentisse pena ao me ver ali
— Por favor, me deixe falar com Josh. Ele não atende o celular, por mais

que eu liguei, e me disseram que não está no escritório. Por favor, Janine, é

muito importante. Prometo não falar nada comprometedor na frente de Vida

e...

— Eu te deixaria falar com meu irmão, Helena. Você tem toda razão
em estar fora de si, mas infelizmente é tarde. Josh e Vida não estão aqui

para que possa falar com eles. — Janine adotou um olhar pesaroso e

finalmente me lembrei da mala que ela carregava e olhei para a mesma.

— Josh voltou para a fazenda com ela? — Segurei nos ombros de


Janine, que negou com um aceno — Então onde eles estão, Janine? Por

favor, me diga!
— Ambos estão no hospital central. Foram atropelados no horário

de almoço e estão internados.

Tirei as mãos dos ombros frágeis de Janine ao ouvir suas palavras,


assustada com o impacto que tiveram sobre mim.

— É uma brincadeira, não é? — Foi como se o chão abrisse aos

meus pés, mas tentei ficar parada para não cair e me ferir ainda mais —

Josh e Vida não... Janine, por favor, diga que isso é mentira!

— Infelizmente não, Helena. — Agora foi ela quem tocou em meu

ombro para me confortar — Meu irmão está estável, mas Vida... — Seus
olhos se encheram de lágrimas — Vida está na UTI pediátrica e corre

riscos. Meus pais estão vindo para a cidade e eu vim até aqui pegar roupas

para Josh e alguns produtos de higiene. Também estou levando documentos,


porque os médicos não têm uma previsão de alta para Vida e precisam de

mais informações.

A cada palavra de Janine, meu mundo parecia girar um pouco mais

devagar.

— Não pode ser... Não pode! — Janine me segurou quando quase


desmaiei e me levou para o sofá da sala, sentando-me ali — Agora que

descobri tudo e encontrei minha filha... Agora que ela teria o meu amor e

carinho... Não pode ser! A vida não pode ser tão cruel e injusta comigo!
Desabei a chorar e Janine segurou meu rosto com força, fazendo-me

encará-la.

— A vida é cruel e injusta, Helena! Estamos aqui para lutar todos os

dias contra nossos próprios monstros e as crueldades que se levantam contra


nós. Você precisa ser forte para ter sua filha de volta... Forte como aquele

infeliz do seu pai não te deixou ser quando ela nasceu.

As palavras de Janine me sacudiram o coração de tal maneira que

levantei no mesmo momento e me muni de coragem. Ela tinha toda razão.

Pela primeira vez eu tinha a chance de lutar pelos que verdadeiramente


amava e havia chegado o momento de ser forte, não somente a vítima.

Imóvel na maca do hospital e internado em um dos quartos, o


calmante que me aplicaram para que eu parasse de arrancar os fios ligados

ao meu corpo começava a passar o efeito naquele momento.

— O senhor está com uma fratura na costela, um braço quebrado e

ferimentos na face. Não pode se levantar agora, apenas quando o médico

autorizar. — A enfermeira dizia enquanto limpava meus machucados.


— Preciso ver minha filha, moça. Não importa se estou destroçado,

preciso ficar ao lado dela. Ela não tem ninguém, somente a mim. —
Cautelosa, a enfermeira me fitou rapidamente.

— Sua filha está desacordada e ainda não despertou. Assim que

acordar, faremos o possível para que você vá até lá. Por hora, descanse e

tente ficar bom logo para poder ficar com ela permanentemente. Não vai
demorar a poder andar, senhor. Tenha calma.

Não tive calma.

Tive um surto e fui parado com calmantes, despertando apenas


horas depois com algumas cenas do acidente e a certeza, dada por um dos

médicos, de que Vida estava estável e na UTI. Ninguém me dizia nada com

precisão, por isso apenas esperei até que Janine viesse e me contasse tudo.
Não adiantaria lutar, uma vez que seria impossível levantar dali no estado

em que eu me encontrava.

— Finalmente! — Bateram na porta e sussurrei — Entre!

A porta se abriu e esperei Janine passar por ela, mas meu sorriso

murchou quando vi Helena entrar com o rosto inchado pelo pranto e as

lágrimas escorrendo na bonita face.

— Helena... — Sussurrei quase sem voz — Como soube? Onde está


Janine?
— Está na UTI pediátrica. Foi ficar com Vida. Seus pais estão

chegando da fazenda, também. — Fungou e secou algumas lágrimas,

parando ao lado de minha cama — Como se sente?

— Quebrado, mas não por esses machucados todos. Estou

dilacerado por não conseguir ficar com a minha filha e esses médicos não
entendem que Vida só tem a mim e preciso estar ao lado dela! — Helena

deixou mais lágrimas rolarem em sua face e as secou com um pouco de

dureza nos olhos azuis.

— Não, Josh. Vida não tem somente você agora. — Assegurou —

Também tem a mim, que sou a mãe dela! — Não existiam dúvidas nas
palavras de Helena, por isso somente suspirei e me encostei a maca perante

sua expressão angustiada — Você se lamenta por não ficar com ela agora,

mas ficou por quatro anos! E eu, Josh? A arrancaram de meu ventre e
levaram dos meus braços por todo esse tempo. Agora que a reencontrei,

perderei novamente? Acha isso justo?

— Como soube? — Perguntei sem rodeios e emocionado pela

situação dela.

— Gael. Aquele infeliz teve a pachorra de dizer tudo na minha cara


e eu realmente teria preferido que fosse você a pessoa que iria me contar!

— Comprimi os lábios e concordei — Porque não me contou?


— Porque não sabia como, Helena. Não sabia exatamente o que

você sabia quando cheguei na cidade e fiquei com medo de te assustar, caso
contasse. Nada foi tão simples quanto você pensa.

— Não foi tão simples? — Sussurrou de maneira triste — Não foi

simples descobrir que todos me enganaram durante anos. Não foi fácil saber

que o homem ao qual entreguei meu coração me deixou as cegas enquanto


confiei nele completamente!

— A culpa não foi somente minha — Helena se calou como se


esperasse minha explicação e tomei fôlego para dizer — Não queria que

você tivesse descoberto dessa maneira, mas infelizmente aconteceu.

Planejei te contar tudo hoje à noite, quando nos encontrássemos, mas antes
tive que conversar com Vida sobre a mãe dela... — Lágrimas começaram a

rolar no rosto de Helena silenciosamente — Vida não aceitou a ideia. Sabe

o que me disse? Que preferia que a senhorita Helena fosse a mãe, não a

verdadeira, porque ela acha que a mãe biológica a abandonou...

— Isso foi você quem a fez acreditar, mas jamais a abandonei! —


Neguei suas palavras rapidamente.

— Seu pai me mostrou papeis onde você supostamente assinou e

abriu mão de tudo sobre a menina! Seu pai me enviou mensagens de texto e

cartas em seu nome, onde você dizia que cometeu um erro ao engravidar e
ficar comigo! Nas mensagens, você abria mão de mim e da bebê! Seu pai
levou Vida para minha fazenda como se fosse um animal, não uma criança,
e a deixou lá sem olhar para trás! — A vergonha tomou conta do semblante

dela, que desviou o olhar e secou as lágrimas — Seu pai me garantiu que

você não queria saber da menina e de mim, por isso fiquei longe e pensando
que você nos odiava e estava arrependida de ter engravidado e vivido uma

história comigo. Até suas redes sociais foram manipuladas por ele na época,

Helena! Como queria que eu não te repudiasse, se Gregor usou sua fortuna
para montar o cenário perfeito para me afastar?

— Mas isso é uma mentira... — Helena sussurrou, agora fitando-me

com o queixo erguido — Jamais fiquei sabendo de vocês, muito menos de

Vida! Ele mentiu enquanto eu estava em coma e não pode atribuir a mim a

culpa de tudo isso!

— Tão pouco a mim! — Insisti — Tudo que fiz foi cuidar de minha
filha e seguir em frente, até ver uma entrevista sua na televisão onde

contava sobre seu acidente e tudo que havia acontecido com sua história.
Foi então que decidi vir procurá-la e entrar em sua vida para que pudesse

saber o quanto você sabia sobre Vida.

— Porque não me disse quando soube que eu não sabia de nada,


Josh?

— Helena, não tem nem três meses que cheguei aqui. Tudo
aconteceu muito rápido entre nós. — Helena caminhou até a janela para
tomar fôlego e me encostei a cama, cansado de argumentar e falar mais do
que conseguia. Assisti enquanto ela chorava em silêncio olhando através da
cortina, dilacerado por toda aquela situação — Se esse acidente comigo e

com Vida não houvesse acontecido, eu te contaria tudo hoje à noite e


deixaria nas mãos do destino a sua decisão.

— Não é o momento de jogarmos culpa um no outro, quando meu


pai foi o grande culpado de tudo isso. — Seguia de costas para mim e

abraçou a si mesma.

— Seu pai sempre te manipulou e não me aceitou em sua vida. Me

achou pouco para você e por isso agiu de tal maneira. Vida pagou muito
caro por isso e ainda está pagando.

— Não tenho coragem de ir até lá. — Helena se voltou para mim —


Não consigo vê-la em um hospital e saber que posso perdê-la.

— Ela precisa de você, Helena, porque estou preso aqui por esses

ferimentos — Mostrei meu braço engessado — Vida precisa da mãe e você


pode fazer isso agora.

Concordando comigo, Helena secou as lágrimas e assentiu


positivamente após um período de silêncio.

— Você tem razão.


— Sei que você pode ser forte por ela como seu pai nunca permitiu
que fosse antes.

Helena se aproximou de minha cama e parou bem ao meu lado,


tomando minha mão delicadamente na sua. Me reconfortei em seu toque,

sabendo que poderíamos conversar civilizadamente quando fosse a hora


correta.

— Você não corre nenhum perigo, não é? — Perguntou em tom


cansado.

— Não. Vou ficar bem quando conseguir sair daqui. — Respondi


com um pequeno sorriso e ela retribuiu — Vida precisa de mim. Precisa de

nós, não é? Você é a mãe dela. Uma mãe que não pôde ser mãe, mas que eu
sei que fará o possível para recuperar o tempo que lhe foi tirado.

— Sim, Josh. Farei o possível para ser forte por ela e por nós.

Janine trouxe para o hospital um álbum de fotos de Vida ao longo de


seu crescimento e me entregou antes que as novas visitas na UTI infantil
fossem liberadas. Sentada em um corredor de hospital, coloquei o mesmo
em minhas pernas e o folheei emocionada e cheia de expectativas sobre o
que estava ali dentro.

Vida foi um bebê prematuro e era linda, mesmo que pequena e

muito frágil. Todas as fotos eram na fazenda de Josh, após os 2 meses, e


tudo que aconteceu anteriormente era como uma incógnita indecifrável.
Meu pai apagou a vida dela covardemente e me culpou por isso.

Seus olhos eram como os meus e chorei sozinha por não ter dado
voz ao meu coração e levado o fato em consideração. Bastava ser um pouco

mais observadora para compreender que Vida fazia parte de mim.

Me dobrei de chorar ao ver fotos dela com Josh e sua família na


fazenda, um lugar que eu conhecia, mas dos meus sonhos. Encarar cada
retrato daquela beleza me fazia mergulhar em parte de mim que eu não

conhecia, mas sabia que existia em meio ao vazio de minha mente. Tudo
era doloroso e incerto, mas me senti completamente em paz ao saber que

minha filha foi criada por pessoas boas e que deram muito carinho e amor
para ela.

Toquei sobre a cicatriz coberta por meu vestido e tive a certeza de


que nunca estive enganada. Não era em vão. Nada foi em vão.

Me ergui quando a enfermeira me disse que eu poderia entrar e o fiz,

ajeitando a máscara no rosto para finalmente reencontrar Vida, agora como


minha filha.
“Minha mãe nunca existiu, Helena”.

Aquela frase palpitava com meu coração conforme eu me

aproximava do leito, vendo-a desacordada e com fios diversos ligados a seu


pequeno corpo. Segurei a pequena mãozinha como se o fizesse pela
primeira vez, chorando como nunca ao estar ao lado daquela que coloquei

no mundo e foi arrancada de meus braços sem qualquer compaixão.

Queria beijá-la e dizer tudo que estava em meu peito, mas não podia

fazê-lo por sua situação atual.

— Você é a mãe? — Pela primeira vez ouvi aquela pergunta e


assenti positivamente. Era uma das médicas quem falava comigo.

— Como ela está? Ninguém me disse nada até agora, porque o


registro dela no hospital é sem o meu nome, mas eu sou a mãe. O pai dela

está de prova e... — Ela fez um gesto para que eu me acalmasse.

— Dá para notar a semelhança física, senhora. Está tudo bem. — A


médica olhou na prancheta — Ela teve uma concussão no cérebro e levará
um tempo para se recuperar. Também teve um trauma na mão, que está

engessada, mas acredito que se não apresentar grandes complicações, tudo


ficará bem em poucas semanas ou meses.

— Meses? — Sussurrei.
— Sim, senhora. Pode levar alguns meses até que a pequena se
recupere totalmente.

— Ela está fora de risco? — A médica deu de ombros.

— Depende das próximas horas e da maneira como vai reagir a


concussão. Se continuar como está, acredito que sim, mas se tiver uma
piora, teremos de agir rápido.

A médica saiu após mais algumas explicações e tudo que consegui

fazer foi sentar-me ao lado de Vida e seguir olhando-a a todo instante,


desesperada com a possibilidade de perdê-la.

— Depois de tudo que passei, eu não posso te perder, meu amor.


Não posso! — Sussurrei pertinho dela, que dormia como um anjo conforme

os aparelhos ao seu redor faziam barulhos — Sua mãe existe, Vida... Sua
mãe existe e aqui está!

Aquelas palavras eram tudo que eu poderia oferecer naquele


momento onde o medo superava qualquer rancor.
— Precisamos começar o procedimento agora, caso contrário,
perderemos a criança!

Mesmo ao longe, minha mente conseguia captar pequenos sons ao

redor que me levavam ao desespero de tentar voltar, mas uma força maior
do que qualquer tentativa me sugava de volta ao abismo.

— Bisturi! Rápido! Abram! — Eu nada sentia, mas podia ouvir ou


apenas existia em algum canto daquela sala — Tem alguém para

reconhecer a criança?

— O avô está lá fora, doutora. É o dono do hospital. — Uma das


enfermeiras dizia enquanto amparava a médica no parto.

— Essa moça é a filha de Gregor Taylor?

Por um instante um terrível silêncio se instalou no recinto, algo tão

brutal que me apavorou e tentei gritar, mas em vão. Eu estava ali, mas
ninguém me ouvia ou tinha ciência do que estava me passando, por mais

que me esforçasse para continuar.

O silêncio foi interrompido apenas por um choro de bebê baixo e

vivaz, algo capaz de disparar meu coração quase morto em loucos

sentimentos inexplicáveis. Todo meu corpo se revigorou perante aquele


brado de vida.

— É uma menina e está viva! — A médica anunciou alto para toda


equipe, que respirou aliviada — Rápido! Levem-na para a UTI neonatal e

comuniquem o avô sobre o nascimento. Peçam um nome, também.

Vida!

Vida!

Todo meu corpo gritava por Vida, mas em um silêncio ensurdecedor

e absurdo. Presa em mim mesma, senti brevemente quando uma das

enfermeiras se aproximou de meu corpo para limpar minha lágrima fujona


delicadamente, comovida por ver uma paciente inconsciente em tal

situação.

— Ela está chorando, doutora! — Sussurrou um pouco assustada —

A mãe está chorando! Veja as lágrimas...

— Isso é impossível, enfermeira. Deve ser uma reação fisiológica do


corpo. Não existe maneira de uma paciente em coma estar chorando! Por
favor, concentre-se na finalização dos cuidados dela junto comigo.

A formalidade da doutora não conseguiu tirar da enfermeira a


comoção e senti diversas vezes ela me ajeitando o cabelo delicadamente.

— Sua filha ficará bem, Helena. Ela ficará bem.

Abri os olhos e me vi sentada em uma cadeira de UTI gélida e

solitária. Ao meu lado, somente a pequena Vida, que agora estava acordada

e me encarava com curiosidade.

— Filha! — Abruptamente sequei meu rosto molhado e me ajeitei

na cadeira, olhando-a de volta com total descrença e nervosismo — Vida,

você acordou!

— O que você faz aqui, Helena? — A voz suave saiu aos sussurros

— Porque estava chorando enquanto dormia?

Sequei a face com mais força, ignorando todos os instintos


avassaladores que me preenchiam para não voar até ela e contar tudo que

tinha entalado em minha garganta. Limitei-me a colocar-me de pé e

aproximar-me, sem saber exatamente onde poderia tocá-la.

— Vida... Você voltou, querida! Você está aqui! — Beijei sua testa

delicadamente e Vida me abraçou com ternura, deitando o rosto cansado em


meu peito. Ainda cheia de fios, não podia se mover e parecia um pouco

tonta.

— Estava sonhando com você, Helena — Dizia baixinho e ainda


contra meu peito. Abraçando-a, deixei cair lágrimas de meus olhos

enquanto a amparava, emocionada por ouvir suas palavras inocentes —


Sonhei que estava em um lindo lugar, mas uma voz bem alta mandava eu
voltar porque você estava me esperando.

Vida se separou de mim e fitou-me nos olhos, fazendo-me segurar


suas bochechas ternamente.

— Sim, eu estava... Estive aqui o tempo todo, durante três dias,

apenas te esperando. — Vida me abraçou novamente e entregou-se aos


meus braços como apenas alguém que confiava muito na outra pessoa seria
capaz de fazer.

Aquele ato disse mais do que qualquer palavra e meu coração se

encheu de amor e carinho. Jamais senti algo tão poderoso e me dei conta de
que aquele sonho não foi somente um sonho, mas uma lembrança perdida

em minhas memórias sobre o dia mais importante de minha vida.

O dia em que minha Vida nasceu.

— Onde está o papai? — A pergunta da pequena me fez encará-la


novamente.
— Está em um dos quartos do hospital, mas está bem. Não corre

nenhum risco e está muito melhor, assim como você. — Toquei a ponta de
seu nariz e ela sorriu.

— Deve estar muito zangado comigo. Por isso ele não está aqui? —

Neguei.

— Não. Josh está apenas machucado e ainda não recebeu alta. Te


garanto que não está nada zangado e ficará muito feliz em vê-la.

— Mas eu corri na rua, Helena — Vida falava baixinho devido a sua

condição — Corri e um carro nos atropelou. Meu pai dizia coisas sobre
minha mãe. Disse que eu iria conhecê-la, mas eu não queria! Sai correndo

para a rua e o carro vindo é a última coisa que existe em minha cabeça.

“A última coisa que existe em minha cabeça”.

Jamais me fiz tal pergunta, mesmo perdida em meio ao passado.


Qual era a última coisa que eu tinha em minha memória?

— Ela despertou, Josh! — Entrei correndo no quarto dele e o

encontrei parado em frente ao espelho da pia com uma mala ao lado —


Josh? — Voltando-se para mim, fitou-me com curiosidade — Vida acabou

de acordar e está muito bem! Já falou muito e está com os médicos agora.
— Já me disseram. Fico feliz por ela ter acordado ao seu lado — O
tom melancólico de Josh me fez murchar o sorriso — Não haveria maneira
melhor de contar a Vida sobre você.

— Não contei nada... — Sussurrei em tom decepcionado e seus

olhos esverdeados me encararam com incerteza. Timidamente juntei as


mãos em frente ao corpo e reuni minhas forças — Tenho medo de como ela

vai reagir. A própria Vida me garantiu que o acidente aconteceu porque


vocês dois falavam sobre a mãe dela e não quero que ela me rejeite agora
que acabei de encontrá-la.

Josh nada disse, apenas suspirou e levou uma das mãos até o queixo,
esfregando-o de maneira pensativa.

— Acabei de receber alta. Meus pais levarão minhas malas e ficarei

por aqui para acompanhar Vida. Nós podemos contar juntos e depois você
pode ir descansar. Deve estar exausta de ficar ao lado dela por tantas horas.
— Neguei as palavras dele.

— Quero ficar até ela sair e não... Não sei se tenho forças para

contar nada agora.

A porta se abriu e um casal de meia-idade passou por ela. A mulher


era pequena e de cabelos castanhos, usava roupas simples e tinha um olhar

carinhoso. Já o homem era alto e forte como Josh, de cabelos grisalhos e


olhos esverdeados. Ambos me fitavam como se já me conhecessem e não
precisei de muito para compreender que eram os pais dele.

— Filho... Viemos buscar as malas. Tem certeza que não quer ir para
casa? — O homem disse sem rodeios e ignorando totalmente minha

presença — Sua filha está acompanhada, não está? — Finalmente me


olhou, referindo-se a mim.

— Pai, não precisa usar um tom tão rude — Josh interferiu ao notar
meu desconforto — Helena perdeu a memória e também o nascimento e

infância de nossa filha. Não foi uma escolha dela, mas sim de terceiros. Não
existe motivo para tratá-la com indiferença.

— Josh tem razão, homem — A mulher se aproximou de mim e

cruzei os braços pela insegurança — É bom revê-la, menina Helena. Sinto

muito por tudo que aconteceu, mas estou feliz por ter sido assim. Passamos

um bocado de tempo pensando que você havia abandonado a menina.

— E eu passei muito tempo sem saber que ela existia, senhora.

— Aquele cretino tem que pagar pelo que fez, Josh — O pai de Josh

seguia indiferente e muito cauteloso — Se realmente tudo foi assim, aquele

homem cometeu um crime ao esconder a filha da própria mãe e doá-la sem

a autorização dela.

— Pai, Helena estava em coma e sem poder responder por si.


Precisaríamos de um advogado para estarmos segundos se realmente foi um
crime e essa decisão, de colocar o caso na justiça ou não, cabe a ela, não a

nós. Helena foi a única prejudicada, além de Vida, por ter ficando longe da
filha.

— Pretendo fazer com que a justiça seja feita, senhor — O homem

me encarou em silêncio — Ter ficado sem a minha filha será algo que não

perdoarei e meu pai sofrerá as consequências. Talvez não como o senhor


deseja, mas ele arcará com a responsabilidade por seus atos.

Um silêncio perturbador dominou o ambiente e o casal resolveu sair,


levando Josh e eu a fazermos o mesmo, uma vez que ele estava de alta. No

corredor, em direção ao quarto de nossa filha, Josh me segurou pelo

cotovelo delicadamente e me fez parar.

— Sei que você não se lembra — Seu olhar esverdeado frente a


mim fazia meu coração estremecer de maneira inesquecível. Eu poderia

viver mil vidas, mas jamais me esqueceria daquela sensação — Sei que

tudo gira em torno de Vida, é claro, mas também existiu nós, Helena. —
Sua voz era baixa e suave, quase música para meus ouvidos cansados —

Existiu um homem que se apaixonou pela noiva do melhor amigo e não

conseguiu vê-la sendo traída. Existiu um homem que arriscou tudo para

tirá-la daquela situação, inclusive uma amizade de anos, e acabou


apaixonado como um louco. Também existiu você, uma menina frágil, nova

e muito doce — Josh tocou meu rosto delicadamente e segui ouvindo-o


com o coração pulsante de paixão — Alguém que precisava de carinho e se

entregou aos meus braços sem reservas, fazendo nascer entre nós um

sentimento inexplicável e...

— Inesquecível — Completei antes que ele terminasse, fazendo-o se


calar — Minha memória pode ter se perdido, mas meu corpo jamais te

esqueceu, Josh. Lembro de lindos lírios lilás em uma plantação enorme e

vasta. Lembro do seu cheiro em minha pele e jamais esqueci da sensação de

ter suas mãos em mim, me tocando como apenas você pode fazer — Levei
as mãos para seu rosto e toquei sobre sua barba por fazer, fazendo-o fechar

os olhos — Desde que te vi, soube que você me amava e jamais duvidei que

o que havia em meu coração era amor. Eu nunca... — Me coloquei na ponta


dos pés e levei meus lábios a centímetros dos dele — Esqueci do seu beijo.

Juntei nossos lábios e beijei-o com paixão, sendo retribuída no exato


momento em que as mãos grandes e acolhedores me envolver pela cintura e

me levaram a seus lábios, prensando-me contra sua boca quente e fazendo-

me espalmar as mãos no peito largo e forte.

— Te amo, Helena — Sussurrou em meio ao beijo — Por anos


calei, mas sempre te amei. Sempre!

Se existia algum rancor em mim por Josh ter escondido a verdade

quando me reencontrou, tudo morreu ali. Eu jamais poderia me afastar da


pessoa que me trouxe de volta à vida... A verdadeira e única vida que eu

poderia desejar.

A psicóloga estava no quarto quando entramos para ver Vida, que se

alegrou demais ao me reencontrar. Agora não estava mais na UTI e sim em


um quarto comum, muito melhor e mais disposta, depois de tudo.

— Pensei que ficaria chateado comigo, papai — Vida dizia sentada

em sua cama e pintando alguns desenhos. Não podia mover a mão quebrada

— Pensei que até brigaria quando me visse de novo.

— Nunca, meu amor. Somente espero que tenha aprendido a lição e


nunca mais saia correndo para a rua como aconteceu, tudo bem? — Vida

assentiu positivamente — Ficamos muito preocupados e tudo poderia ter

terminado de maneira muito mais trágica.

— Me desculpe... — Suspirou — Agora eu, você e Helena temos

uma história de acidente, não é? — Helena e eu nos olhamos de maneira


constrangida e a psicóloga, que já sabia de toda a história previamente,

seguiu calada ao lado de Vida — A doutora me contou que Helena também


caiu de uma escada e perdeu as memórias da cabeça dela. É verdade,

Helena?

— A doutora não mentiria, querida... — Helena se aproximou de

nossa filha e sentou no pequeno espaço da cama — Cai de uma escada e

perdi muitas coisas, inclusive a memória.

— O que mais você perdeu? — Inocente, Vida a encarou com os


olhos claros em sua face.

— Pessoas que eu amava muito e momentos com valores

imensuráveis. — Abaixei a cabeça perante a emoção de Helena. Realmente

era difícil descobrir tudo que ela soube por Gael e de maneira tão brutal —

Mas tudo está bem, querida. Tudo voltou ao seu lugar, meu amor.

— Helena, eu já disse ao papai, mas direi a você também... — Vida


tocou a mão de Helena com carinho — Não quero saber nada daquela mãe

que me abandonou e foi embora. Quero só você como minha mãe, porque

sei que nunca vai nos deixar como ela fez um dia. Você pode ficar ao meu
lado para sempre?

O olhar de Helena, ao invés de ser feliz pelo carinho da menina, foi

de completo pavor em minha direção. Ao mesmo tempo em que Vida a

amava, também tinha memórias ruins sobre o vazio deixado pela mãe, não
importava o quanto disséssemos que tudo foi um engano.
— Sua mãe não te abandonou, Vida. Lembra-se do que

conversamos? — A psicóloga interviu quando a encarei de maneira


assustada. Também não sabia o que fazer perante tamanha pressão — Sua

mãe não pôde estar aqui, mas agora tudo vai mudar.

— Não quero ela, doutora! Quero Helena! — Vida abraçou ainda

mais fortemente Helena, que suspirou e a abraçou de volta.

— Estarei sempre ao seu lado, querida. Sempre.

A psicóloga e eu nos calamos, limitados pela frase final de Helena.

Cabia a ela contar tudo a Vida no momento em que julgasse correto e


deveríamos esperar para que tivesse essa coragem.

Meu pai e Janine estavam no quarto em visita para Vida quando me

sentei no corredor para tomar um café e respirar. Ainda com o braço

engessado e algumas dores, o alivio de saber que minha filha estava fora de

perigo compensava todo aquele desconforto.

— Então Helena já sabe de tudo, não é? — Mamãe, ao meu lado,

tocou em minha mão carinhosamente.

— Sim, tudo já foi esclarecido entre Helena e eu e estamos bem, eu

acho. — Suspirei e comprimi meus olhos com minha mão livre — Tudo
que eu queria era voltar para a fazenda e que tudo isso acabasse. Quero
levar minha filha de volta para o campo e voltar a ter a vida que tínhamos

lá, cheia de paz e calmaria.

— E quanto a Helena? — Questionou quando fechei os olhos e

encostei a cabeça na parede atrás de nós — O que ela pretende fazer agora
que sabe de tudo?

— Essa resposta eu não tenho, mãe. — Respondi sem rodeios,

endireitando-me para evitar seu olhar castanho e indagador — Helena não

contou nada para Vida e está com medo de perder o carinho que conquistou

até aqui. Vida cresceu achando que a mãe biológica tinha abandonado a nós
dois e nada do que eu ou qualquer pessoa diga é capaz de mudar sua

opinião.

— O que eu quero saber é se Helena pretende voltar com você para


a fazenda ou ficar aqui, Josh. Quero saber o que vai ser de Vida em meio a

tudo isso, pois, como agora sabemos, Helena foi uma vítima e não creio que
vá aceitar ficar longe da menina novamente.

— Mãe, eu criei Vida... — Criei coragem e a encarei, agora cheio de


mim, mais do que nunca — Helena foi realmente uma vítima, mas a menina

vai ficar comigo! Não quero que fique perto daquele maldito do pai de
Helena e, caso Helena queira participar da vida dela, terá todo direito.

— Então não vai voltar para a fazenda?


— Não tenho mais nada para fazer aqui, mãe. A cidade não é lugar
para mim e para minha filha.

— Josh? — Ouvi a voz de Helena vinda do corredor e ergui o olhar


para ela, que carregava em mãos um café e sua bolsa — Podemos falar um

instante?

— Já volto, mãe. — Coloquei-me de pé perante o olhar curioso de

minha mãe e me aproximei de Helena, que se mantinha encostada a uma


das paredes e com o olhar baixo e triste — Sim?

— Como Vida está melhor, vou até minha casa pegar umas roupas.
— Assenti positivamente.

— Descanse, Helena. Você está aqui faz dias e deve estar exausta.

Ficarei com Vida agora. — A mão pequena de Helena me tocou no braço


delicadamente e sorri para ela.

— Realmente vai voltar para sua fazenda? — Sua pergunta deixou


óbvio que ouviu minha conversa com minha mãe — Vai mesmo partir?

— Vim até aqui para tentar saber de você. Mudei toda minha vida e
a vida de minha família para entender se você realmente não se lembrava de

nada, mas percebi que meu lugar não é aqui. Agora que você já sabe de
tudo, não tenho motivos para ficar na cidade e pretendo voltar com Vida
para casa. — Helena abaixou o rosto como se já esperasse por essa resposta.
— E quanto a mim? — Sussurrou ajeitando uma mexa de seu cabelo
para longe do rosto, exibindo o olhar azul tomado por lágrimas.

— Entraremos em um acordo sobre nossa filha, Helena. Não quero


que você pague por um erro que não cometeu, mas espero que entenda que

a história de nossa filha é na fazenda. Vida também ama estar lá e já me


disse várias vezes que quer voltar.

— Talvez a vida de vocês dois seja melhor sem mim, Josh — Calei-
me ao ouvi-la, completamente surpreso por sua colocação — A minha
presença trouxe caos e acidentes para todos. O meu pai causou esse

sofrimento e eu não quero e tão pouco permitirei que ele te prejudique.

— Como assim?

— Foi o que Gael disse. Meu pai quer te prejudicar e não poupará
esforços para fazê-lo, caso eu descubra tudo sobre Vida. — Apoiei as mãos

na cintura de maneira pensativa.

— Não tenho medo daquele maldito velho, Helena. Seu pai me


prejudicou quando me enviou mensagens mentirosas que pensei terem
vindo de você, na época do seu acidente. Me feriu quando tirou Vida dos

seus braços e você dos meus. Não existe nada pior que seu pai possa me
causar!

— Não vou permitir que ele interfira na sua vida e na de nossa filha
novamente. — Helena deixou lágrimas rolarem em sua face corada —
Mesmo que isso signifique ficar longe e deixá-los em paz. Vida já me odeia
mesmo e nada do que eu faça tirará dela esse rancor de ter sido

“abandonada” por quatro anos... Se não posso ter o amor de minha filha, ao
menos não quero atrapalhar a vida dela.

As palavras entalaram em minha garganta e apenas a fitei com meu


descontentamento estampado na face. Helena chorava silenciosamente, mas

não consegui me comover, apesar de amá-la.

— Está fugindo, é isso? — Apoiei uma das mãos na parede para me

aproximar dela e falar mais claramente — Quando pensei que você correria
para os meus braços e reergueríamos nossa família, você foge? — Helena
negou.

— Não estou fugindo, Josh, eu só...

— Está com medo do seu pai! Pensei que tudo que você passou te

tornaria mais forte e o amor por Vida te faria ver que ainda temos uma
chance, mas o controle que seu pai exerce sobre você é e sempre será maior

do que qualquer coisa, inclusive que a sua verdadeira família. Eu e Vida


somos sua família, Helena! Você estava sem memória, mas agora tudo
mudou!

— Não quero prejudicá-los, Josh. A minha presença trará problemas

e sofrimento para vocês dois, principalmente Vida, que me odeia.


— Vida precisa saber a verdade, mas somente você pode contar a

ela. — Afirmei com o olhar decepcionado — Vida precisa do amor da mãe


e estou seguro que vai amar te receber quando conversarmos. Pode ser um
pouco difícil, mas vai acabar cedendo e... — Esfreguei o maxilar e suspirei

— Já lutei muito por você, Helena. Lutei no passado e agora novamente,


porém agora é a sua vez de lutar, se quiser ter sua família de volta.

— Josh... Sempre te amei também — Retirei minha mão da sua —


Por isso me sacrifico assim e deixo Vida com você, porque sempre te amei!

— Você nos esqueceu um dia, mas agora está nos abandonando de


verdade... E isso não é amor, Helena. Isso não é amor.

Dei-lhe as costas e sai em direção ao quarto de minha filha,

ignorando suas lágrimas e o desejo pulsante em meu coração para voltar lá


e ampará-la. Helena perdeu a memória, mas continuava atada aos pais e eu
suspeitava que jamais deixaria de estar. Ela realmente não nos amava.
— Finalmente lembrou que tem casa e voltou, Helena? — A porta

de meu quarto foi aberta por meu pai enquanto eu enfiava em uma mala
todas minhas peças de roupa que a bolsa era capaz de suportar.

— O que está fazendo, filha? — Mamãe, atrás de meu pai, adiantou-


se a entrar ao reparar que eu fazia as malas — Para onde você vai, querida?
— Tocando meu ombro, tentei não ser rude com ela e somente me

endireitei, encarando-a com a raiva incontrolável que sentia de meu pai.

— Vou embora daqui, mamãe. Vou embora para nunca mais voltar!

— Voltei a arrumar minha bolsa quando o olhar dela se voltou para meu
pai, que suspirou e rodou os olhos na face de maneira entediada.

— Te disse, não disse, Gisele? Bastaram poucas palavras daquele

cowboy para que a cabeça de Helena se transformasse novamente em um


depósito de besteiras! — Deixei que falasse sozinho e segui arrumando
minhas coisas — O que pretende fazer, menina? Voltar para a fazenda dele

e viver como uma dona de casa cheia de filhos pendurados em seu avental?

— Gregor, já chega! — Minha mãe repreendeu — Helena tem uma

filha agora. Uma filha que você escondeu de todos nós em um ato cruel e

inescrupuloso.

— Um ato de coragem para salvar minha filha do fracasso, Gisele...

Parei de arrumar minha bolsa e me voltei para ambos, encarando

meu pai, principalmente.

— Vida, a minha filha, quase morreu em um acidente. — Os dois se

olharam de maneira surpresa — E sabe o que conseguiu com tudo isso,

afastando-me dela? Minha filha me odeia por achar que a abandonei

durante todos esses anos e sequer terei a oportunidade de fazer parte de sua

vida, porque ela me rejeita!

— Helena... — Mamãe sussurrou com pena e meu pai apenas


comprimiu os lábios.

— O melhor que pode fazer é ficar longe dela, então. A menina teve

uma boa vida com o pai e cresceu saudável e feliz. A doação dela foi

legalizada, pois Helena estava em coma e eu respondi por ela. Eu e sua mãe

não precisávamos criar uma criança que não estava em nossos planos.
— Você não é mais meu pai... — Sussurrei sem qualquer expressão
— Não me considere sua filha e também tire o sobrenome e qualquer

herança que exista em meu nome. Se perdi minha filha por sua culpa, você

também vai perder a sua pelo seu erro.

— Helena, por favor... — Mamãe segurou em minha mão, mas me

afastei.

— A senhora não tem culpa, mãe, assim como eu, mas aqui não fico
mais e não pretendo ter nenhum vínculo com esse senhor. — Apontei para

meu pai, que não se mostrava abalado, mas eu via em seu olhar como

estava tenso.

— Abrirá mão de uma fortuna por uma criança, Helena?

— Pela minha filha! — Vociferei a ele, que suspirou — Pela

injustiça que você cometeu contra ela, eu e Josh! Você destruiu a minha

família e agora sequer tenho o direito de recuperá-los em nome das sujeiras


que você cometeu!

— Diga a ela que te perdoe, Greg! — Minha mãe implorava a ele —

Diga a ela que se arrependeu de ter feito o que fez, por favor...

O olhar dele dizia muito mais do que qualquer frase feita. A dureza

em seu semblante evidenciava que Gregor Taylor não se sentia em nada

culpado por tudo que fez e por ter destruído minha família.
— Ele não pode, mamãe... — Coloquei a bolsa em meu ombro e a

pequena bolsa com itens menores — Você e eu sabemos que ele faria tudo
novamente, se tivesse a oportunidade.

— Helena, não vá, querida! Como vai sobreviver? — Minha mãe

tocou meu rosto e deixei que o fizesse.

— Com as aulas de piano. Com qualquer coisa digna e que não


tenha nada a ver com a família Taylor, mamãe. Sinto muito por você, mas

nunca mais volto a pisar onde este senhor estiver. — Beijei a testa de minha
mãe, que chorava copiosamente — E espero que Vida e Josh sejam

deixados em paz! Ela está debilitada e Josh voltará para a fazenda assim
que a pequena receber alta... Minha filha não merece sofrer mais do que já
sofreu por culpa deste homem!

— Helena... — Meu pai tentou falar, mas apenas caminhei até ele e

encarei-o de perto e com muito rancor.

— Qualquer coisa que fizer com eles, fará contra mim. Qualquer
coisa, ouviu? Não se esqueça que Vida é minha filha, sua neta, e Josh

também pode te fazer muito mal se essa história toda vier à tona. Ele pode
não ter coragem de tornar tudo público, mas eu tenho!

Vi em seu olhar uma pontada de culpa, mas meu pai era arrogante e
prepotente demais para admiti-la.
Sai sob choros e protestos de minha mãe, alguém que eu levaria em

meu coração e reencontraria novamente, mas que não poderia me fazer ficar
ao lado do homem que me feriu tanto. Sendo meu pai, sua missão de me

proteger e amar acabou se tornando uma obsessão para me tornar a herdeira


adequada para seu império, algo que eu jamais seria.

Ana me aceitou em seu apartamento e me ofereceu um quarto para

dividir o aluguel, algo que concordei prontamente. Nada levei da casa de


meus pais, somente itens muito pessoais e roupas para viver os próximos
dias.

— Não creio que seu pai foi capaz de tudo isso, amiga. — Ana ficou
chocada ao me ouvir contar tudo que aconteceu — Você tinha uma família e

ele te escondeu isso o tempo todo? Que coisa absurda!

— Uma família que esqueci. Uma família da qual não posso mais

fazer parte, porque minha filha me odeia em consequência a tudo que meu
pai fez. — Sequei minhas lágrimas, sentada ao sofá em frente a ela.

— Josh sabe que você não tem culpa, amiga. Você tem que voltar

com ele e lutar pela família que foi tirada de ti.

Calei-me e considerei, puxando um pequeno caderno de dentro de


minha bolsa para escrever algumas palavras que diria para Vida antes que
ela e Josh fossem embora para sempre.
Vida teve alta alguns dias depois e junto com Janine arrumei todo
apartamento de Josh para que ela fosse recebida com uma pequena festa por
todos nós. Os pais de Josh também estavam esperando a neta e agora ambos

eram simpáticos comigo, não somente dona Glória.

— É verdade que deixou a casa de seus pais? — O pai dele


perguntou enquanto ajeitávamos a mesa onde estavam as guloseimas

favoritas de Vida.

— Sim. Estou morando com uma amiga agora. Não quero mais ter
contato com meu pai. Já que a lei não pode fazer nada por mim, ao menos a

minha indiferença custará muito caro para ele. — Segui ajeitando o letreiro
com o nome de Vida atrás da mesa enquanto Tomas terminava com os

brigadeiros.

— Sinto muito, Helena. Sinto muito se fui injusto com você, mas
meu filho passou muito tempo sofrendo por você e pela sua ausência que
não compreendíamos.

— Não pretendo fazer com que ele sofra mais, senhor Tomas. Tudo

que quero é que ele e Vida sejam felizes, mesmo que para isso eu tinha que
ficar longe.
— Vida tem muito rancor da mãe, eu sei... — Dizia de maneira
pensativa — Mas com paciência você conseguirá tocar o coraçãozinho dela.

— Farei o possível, senhor. Vou contar tudo a ela amanhã mesmo,


pois agora está recuperada e podemos ter essa conversa. Espero que hoje

seja uma incrível comemoração e amanhã ela me entenda.

— Vai voltar para a fazenda conosco, então? — Um sorriso nasceu

nos lábios dele — Você gostava muito de lá e dizia que queria ficar para
sempre.

Sorri sem humor e dei de ombros.

— Farei o que for melhor para Vida e Josh.

— Helena tem a vida dela aqui, pai... — Josh apareceu atrás do pai

enquanto, na sala, Janine e Glória recebiam a pequena com festa — Não


precisa sacrificar a faculdade e suas aulas de piano por mim e por Vida. Ela

não escolheu essa família que caiu em sua nova vida e pode começar uma

nova história, caso queira.

Encarei Josh com pesar, sabendo que suas palavras me feriam.

— Com licença. — Tomas saiu ao notar o clima pesado e o olhar de

Josh ainda muito decepcionado sobre mim.

— Sabe que se fosse por mim, eu escolheria a família que esqueci.


— Josh sorriu como se não acreditasse em minhas palavras.
— Fiquei sabendo que saiu da casa de seus pais. Porque não me

disse quando ia visitar Vida no hospital? — Parou a minha frente e tudo que
eu queria era beijá-lo, mas me contive.

— Porque eu não sou importante. Vida é. — Afirmei — Meu pai

não vai te causar problemas porque a consciência dele está pesada demais

para isso.

— Já disse que não tenho medo daquele velho... — Josh me encarou

com um pouco mais de orgulho em seus olhos firmes — Finalmente


cresceu, Helena. Finalmente tomou suas próprias decisões.

— Minhas decisões serão suficientes para que você e Vida me

aceitem de volta? — Josh se aproximou ainda mais e tocou meu rosto com

carinho, deslizando o polegar em minha bochecha levemente.

— Te aceito sempre que quiser. Você é mãe de Vida e tem o seu


lugar em nossas vidas... Sempre teve. — Toquei sobre seu toque e suspirei,

um pouco mais tranquila por suas palavras.

— Vou contar toda a verdade hoje. Pensei em contar amanhã, mas

acredito que contar hoje seja o mais sensato. Vida precisa saber de tudo e o
que mais quero é dizer que a amo a olhando nos olhos como sua mãe... O

que mais quero é ouvi-la me chamando de mamãe. Será que um dia isso

será possível, Josh? — Deixei uma lágrima rolar em minha face e Josh a

secou, beijando minha testa com zelo.


— Vida vai entender e irá te amar, Helena. Você a colocou no

mundo, mesmo que não se lembre, e sei que a teria amado desde sempre,

caso houvesse a chance.

Abracei Josh por alguns minutos, imersa em seu peito forte e na


virilidade de seu corpo. O mundo parou ali por todo aquele tempo em que

senti somente as batidas leves de seu coração contra meu ouvido e o

aconchego de seu abraço em meu ser. Eu o amava e nada era mais intenso

do que esse sentimento em minha vida.

— Vamos voltar juntos para a fazenda, Helena. — Ergueu meu rosto


delicadamente e me fez encará-lo — Vamos voltar para casa com nossa

filha e nosso amor. Nossa família existe e você tem o seu lugar junto de nós,

meu amor.

Lágrimas rolaram em meu rosto, mas não de tristeza. A alegria que

tais palavras me faziam sentir era imensurável, levando-me a colocar-me na


ponta dos pés e me erguer para beijá-lo intensamente em seus lábios

quentes.

Josh me retribuiu com a mesma paixão, feroz em seu desejo e

carinhoso em seus atos. Não sei quanto tempo levamos ali, mas nos
separamos quando Janine apareceu para completar a decoração e colocar

mais balões na mesa. Ajudamos no pequeno feito, sorrindo atoa quando nos

encarámos e sentíamos toda aquela conexão.


Vida saberia de tudo hoje e finalmente encerraríamos este ciclo, seja

ele como for.

Em um instante a vida pode mudar drasticamente e novamente, em

um pequeno deslize, minha vida toda se transformou.

— Onde está Vida?

A pequena pergunta feita por minha mãe foi inofensiva ao primeiro


proferir da mesma, mas se tornou uma agonia conforme mamãe repetia a

mesma frase ao abrir cada porta dos cômodos de meu apartamento e não

encontrava a pequena.

— Vida! — Meu pai disse ainda mais alto e Helena e eu, que

arrumávamos os últimos detalhes da comemoração, nos voltamos para olhar


em direção a ambos — Onde você está, querida? Vida!

— Ela não está aqui... — Na cozinha, Janine se manifestou — Está

com vocês?
— Não! — Helena respondeu enquanto eu também me movia e

olhava em todos os cantos onde meus olhos poderiam alcançar, preocupado

pela intensidade com a qual minha mãe gritava o nome de minha filha e não

era respondida.

— Josh, ela não está no apartamento! — Mamãe apareceu ofegante


a minha frente — Já olhei em todos os cantos e não existe sinal dela!

— Não é possível! Vida não pode ter saído sem que nós

percebêssemos! — Corri até a porta da frente, mas a mesma estava

destrancada e um pouco entreaberta. Segurando a maçaneta, meus dedos

tremeram quando me voltei para meu pai, que tinha um olhar pesaroso e
assustado.

— Estava aberta? — Helena questionou em seguida, com as mãos

no cabelo para evidenciar o nervosismo — Josh?

— Sim, estava... — Bati a porta com mais força. Janine e minha

mãe seguiam procurando pelos cantos, mas sem sucesso conforme a


chamavam em tom alto e claro — Onde ela foi vista pela última vez?

— Estava na porta da sala de jantar — Meu pai apontou a porta do

cômodo onde eu estava com Helena — Ela disse que ia dar um beijo em

Helena e ver a mesa decorada.

— Vida não chegou a me dar um beijo. Sequer a vi desde que

voltou! — Alarmada, Helena me encarou e nós dois pensamos a mesma


coisa naquele instante — Ela ouviu tudo, Josh! Ouviu o que conversávamos

e deve ter ficado nervosa e saído sozinha! — Helena tapou a boca com as
mãos em um movimento repentino e nervoso, movendo-se de maneira

ansiosa enquanto eu também chegava a mesma conclusão.

— O que ela ouviu? — Meu pai perguntou.

— Josh falando que sou mãe dela... Ela ouviu tudo, senhor Tomas!

— Helena gritava agora, chamando a atenção de Janine e minha mãe, que

chegaram a sala ainda mais desesperadas.

— E então? — Janine questionou, parada atrás de minha mãe.

— Vida fugiu, Janine. — Papai disse enquanto eu segurava o


interfone e ligava no mesmo instante para a portaria — Ouviu Helena falar

sobre ser mãe dela e fugiu!

— Como ela pode ter fugido em um apartamento? — Mamãe

gritava ao fundo e todos eles se desesperaram.

Não esperei mais e desci como um louco junto de meu pai, que

procurava pelos corredores enquanto eu interrogava a portaria. Janine,


mamãe e Helena seguiram meu pai pelas buscas no condomínio, certas de

que a encontrariam escondida por ali. Horas angustiantes seguiram até que

a portaria aceitasse checar as câmeras e vissem que Vida saiu pela garagem,
que era monitorada apenas por câmeras, não por porteiros. Certamente não
foi vista por um monitor naquele instante, mas conseguimos captar
perfeitamente a imagem dela saindo assim que um carro deixou o prédio.

O desespero intenso tomou conta de toda minha família.

— Ela está com uma mãozinha fraturada, Josh! Como pode ter saído

assim? — Helena me segurou pela camisa em total desespero,

completamente consternada ao descobrir que nossa filha estava sozinha e


desamparada pelas ruas.

— Por isso mesmo será fácil encontrá-la! Vida deve estar bem perto,

talvez na pracinha onde nos encontramos pela primeira vez e ela adorava

visitar. — Segurei o rosto de Helena, que me ouviu atentamente — Vamos

procurá-la e a encontraremos, Helena. Fique calma, por favor.

Não era fácil dizer isso para uma mãe que acabou de encontrar a
filha e agora a perdia novamente após um grande susto, mas Helena confiou

em mim e se calou quando saímos do prédio em direção a praça próxima do


condomínio.

Vida não conhecia muitas coisas por ali e não conseguiria ir tão

longe sozinha. Nisso se resumia nossa esperança de encontrá-la logo, por


isso nos dividimos e meus pais foram em uma direção, Janine em outra e
Helena e eu em rumo à praça.

Ao chegarmos no lugar, que por ser começo de uma noite quente era
frequentado por crianças e seus pais, começamos a procurá-la em todos os
cantos, perguntando as pessoas ao redor se tinham visto uma menina com as
características dela passando por ali.

— Por favor, senhor, viu essa criança por aqui? — Mostrei uma foto
de Vida no celular, exatamente como Helena fazia do lado oposto, a todas

as pessoas que passavam ao meu lado.

— Não, sinto muito.

Essa pequena frase era a única resposta que eu recebia e decidi parar

em um dos bancos para discar o número da polícia. Precisaríamos de ajuda


para localizá-la e tudo estava fugindo de meu controle ilusório. Enquanto eu
discava o número e esperava na linha a gravação automática terminar,

avistei Helena conversando com uma mulher que empurrava um carrinho


de bebê do outro lado. Ao contrário dos demais, a jovem pareceu
reconhecer Vida na foto e deu algumas informações para Helena, apontando

com vigor para o bar do outro lado da rua.

Helena ouvia com atenção e segui o olhar das duas em direção ao


bar, lembrando-me perfeitamente da noite em que Gael nos encontrou na
praça e estava justamente bebendo naquele bar do outro lado.

— Maldito... — Sussurrei ao pensar nele e indo em direção a Helena

com o sangue fervendo.

— Josh, essa moça viu nossa filha! — Helena disse antes mesmo de

eu alcançá-la, completamente desesperada e com os olhos saltando pela


adrenalina — Conte a ele, moça, por favor! — Implorou a jovem, que se
voltou para mim tranquilamente.

— Essa linda garotinha estava chorando no balanço quando me


aproximei para oferecer ajuda, mas ela recusou. Logo um homem saiu do

bar e disse que a conhecia, abaixando-se frente a ela para conversarem. Ela
realmente parecia conhecê-lo, por isso não estranhei tanto quando o homem

ofereceu a mão e a levou com ele para seu carro.

— E como era esse homem? — A jovem rapidamente descreveu as


características do mesmo — Gael... — Apoiei as mãos na cintura enquanto

Helena suspirava.

— Ele não é conhecido dela? — A jovem questionou, agora mais


preocupada.

— Não, senhorita. É um maldito desgraçado, que se tocar a mão na

minha filha, estará morto! — Vociferei ao retirar o celular do bolso, mas


sequer precisei discar, uma vez que o mesmo tocou alto com um número
desconhecido na tela.

Mostrei o visor para Helena, que cobriu os lábios com as mãos ao

pensar o mesmo que eu.

— Vou ligar para a polícia! — Fiz um gesto para que ela abaixasse o

celular e atendi a chamada.


— Gael? — Falei sem hesitar.

— Estava esperando por minha chamada, velho amigo? — Seu


deboche do outro lado me fez suspirar.

— Se você tocar em um fio de cabelo de minha filha, eu juro que te


mato! Já sei que está com ela, seu cretino! Devolva Vida sã e salva, ouviu

bem? Esteja aqui em cinco minutos, caso contrário, eu mesmo mato você!
— Helena tentava me conter, mas a ira me cegava e eu gritava ao telefone.

— Quem te disse que estou com a pirralha?

— Você foi visto na praça, idiota! — Gritei ainda mais alto —


Testemunhas te viram com ela e não foi difícil chegar a tal conclusão!

Agora devolva minha filha, imbecil!

— É melhor se controlar, Josh... É melhor ficar calmo e juntar dois


milhões para me trazer em uma hora, do contrário, juro que nunca mais vai
colocar os olhos em sua filha! Helena terá que esquecê-la novamente.

— Como tem a cara de pau de me pedir isso? Não tem medo da


justiça, imbecil? Você foi visto!

— Não me importo com justiça! Estou falido e sem um real para

sobreviver! Eu disse que você e Helena iriam me pagar por terem destruído
meus planos de riqueza no passado e prefiro ir preso do que continuar
pobre! Se não me arrumar a grana, dou fim na sua filha! — Afastei o
celular do rosto e encarei Helena, que parecia à beira de um colapso em

frente a mim.

— Está pedindo dois milhões para devolvê-la... — Helena


praguejou alto e tentou tirar o celular de mim, mas não permiti.

— Quero uma foto dela, Gael. Quero saber se realmente está com
minha filha e me garantir de que está bem.

— Vou te deixar falar um instante com minha grande amiga Vida,


não é, querida? — Dizia do outro lado da linha em tom cordial — Porque

não diz olá para o seu pai?

— Oi papai, sou eu, Vida.

A voz dela ecoou do outro lado e comecei a gritar seu nome, mas o
fone rapidamente foi tirado de sua posse para voltar ao som inconfundível
da voz de Gael.

— Não estou brincando, Josh. Você me tirou tudo um dia, agora


chegou a minha vez de retribuir e de você e Helena pagarem o que me

devem. — Sussurrou sorrateiramente — Se não estiver no local do encontro


com os dois milhões em uma hora, juro que acabo com a sua história de
mamãe, papai e filhinha. Você e Helena terão de esquecer completamente

essa família de novo se envolverem a polícia no caso, porque eu a mato sem


hesitar, Josh! Sem hesitar!
A linha caiu e no mesmo momento chegaram duas mensagens de
um outro número desconhecido. Uma delas informava um endereço e a
outra enviava uma foto de Vida sentada em uma cadeira plástica com a

mesma roupa que estava quando desapareceu.

Fitando aquela foto, senti todo o chão se abrindo aos meus pés
quando cai de joelhos no chão com Helena ao meu encalço.

Tudo pareceu desmoronar ao nosso redor quando ouvi as lágrimas


dela, que também viu a foto e se deu conta da gravidade do que estava
acontecendo. A vida de nossa filha estava nas mãos de nosso pior inimigo.
O medo se fez presente quando novamente me vi prestes a perder

minha filha.

Gael estava falido e seria capaz de tudo para conseguir dinheiro e se


vingar de Josh, que, segundo ele, foi o responsável por sua ruína. A mente

doentia não tinha limites e faria de tudo para se vingar.

— De onde vamos tirar dois milhões em dinheiro, às oito horas da

noite? — Questionei a Josh, que andava de um lado para o outro no parque


da cidade com o telefone em mãos — Vamos ligar para a polícia?

— Não podemos, Helena. — Tinha uma das mãos em frente aos


lábios e a outra apoiada no quadril — Aquele infeliz pode fazer algo para

Vida e não estou disposto a correr esse risco. Posso conseguir dois milhões,
mas não em dinheiro vivo agora.

— Meu pai tem pouco mais que essa quantia no cofre da família...

— Sussurrei pensando longe e de maneira cansada — Não temos outra


saída. Teremos de pedir a ele. — Coloquei-me de pé e Josh me encarou com

curiosidade.

— Não, definitivamente não! — Vociferou — Vida não precisa de

nada daquele homem!

— É a única maneira de salvá-la! — Insisti e tirei meu celular do

bolso — Não importa o que diga, Josh... Vou pedir o dinheiro ao meu pai e

depois nós vemos uma maneira de pagar cada centavo que usamos.

— Helena... — A voz de meu pai ecoou do outro lado da linha


assim que a primeira chamada soou — Esperava por sua chamada. O infeliz

de Gael acabou de me ligar dizendo que sequestrou a menina e quer uma

recompensa.

— Ele ligou para você? — Falei apreensivamente e chamei a

atenção de Josh — Pai, por favor, você é a única pessoa que pode conseguir
essa quantia em dinheiro vivo agora. Não tem como irmos até o banco e

sacarmos em tal horário, por favor, eu...

— Já separei o dinheiro, Helena. Estou indo até o local da entrega

para fazer a troca. — Sua voz era segura e nem um pouco hesitante. Josh

me olhava em total expectativa e completamente imóvel perante as

surpresas.

— Nos encontramos lá, então. Prometo que Josh e eu vamos pagar

cada centavo que utilizarmos para resgatar nossa filha. — Desliguei o


telefone e encarei Josh, que tinha as mãos na cabeça — Meu pai está indo
para lá. Gael já ligou para ele também e pediu o dinheiro. Ao que parece,

envolveu muito bem meu pai em tudo isso.

— E seu pai irá levar a quantia? — Surpreso, cruzou os braços em

frente ao corpo.

— Sim, irá. Mas eu garanti que iremos pagar tudo a ele.

— Certo. — Josh retirou as chaves do bolso e seguimos de volta ao


apartamento, entrando no edifício apenas para pegar o carro — Não gosto

da ideia de pedir a ajuda de seu pai, mas para salvar minha filha, sou capaz

de tudo!

— Antes que eu pedisse formalmente meu pai já comunicou que

tinha separado o dinheiro e estava indo ao local do resgate. — Josh virou o

rosto de maneira suspeita e me fitou com curiosidade.

— Porque Gael envolveria seu pai nisso, se sabe que ele odeia Vida?

— Ele sabe que meu pai sente culpa e seria o único a ter a quantia

em dinheiro vivo agora.

O caminho pareceu longo e muito mais árduo do que realmente era.

Enquanto Josh dirigia, lágrimas rolavam em minha face por pensar em

todos os momentos que eu ainda tinha para viver com minha filha e na

possibilidade de nunca a ouvir me chamando de mamãe.


As flores lilás da plantação de lírios da fazenda balançavam

conforme eu via Vida correndo em minha direção em minha imaginação,


afogada em amor por aquela situação que ainda não vivi, mas compunha

meus sonhos.

Josh estacionou derrapando quando chegamos ao galpão


mencionado por Gael como o lugar do encontro e o carro blindado de meu
pai já estava estacionado lá. O mesmo desceu assim que nos viu,

carregando ao lado do corpo uma mala preta e grossa. Seu olhar sobre nós
era frio, mas culpado.

— Trouxe o dinheiro? — Perguntei voando sobre a mala, que foi


aberta por ele rapidamente, revelando uma grande quantidade de notas.

— Nós vamos te pagar, ouviu bem? — Josh enfatizou — Só aceito


sua ajuda por se tratar de minha filha, mas eu não quero dever nada ao

senhor, nem mesmo um centavo!

— Orgulho não combina com a sua postura, cowboy. Você foi


incapaz de manter sua palavra e ficar longe da minha filha, agora a pobre

menina sofre as consequências.

— Helena e eu temos o direito de resgatar a família que você a fez


esquecer — Josh piscou para ele de maneira irônica — A família que
roubou de minha filha. Ela sofreu por anos sem a mãe e você não pode

imaginar o quanto a presença de Helena fez falta.


— Melhor entrarmos para buscar a menina. — Meu pai apontou

para o galpão de maneira envergonhada — Porque não fica aqui, Helena?


Nós dois podemos resolver isso.

— Não, de jeito nenhum! Vou entrar junto e só saio daí com a minha

filha!

— Você pode ficar... Ou tem algum plano mirabolante com o infeliz


de Gael para nos destruir? — Papai comprimiu os lábios perante as palavras

acusatórias de Josh.

— Posso ter cometido alguns erros, mas fiz isso em nome da


liberdade de minha filha. Não sou um assassino, Joshua Ross. — Josh

ignorou meu pai e seguiu em direção ao galpão comigo ao seu encalço.

— É melhor você ficar, Helena — Josh me pediu gentilmente — Por


favor, não entre.

Sem respondê-lo, entrei na frente e encontrei um cenário pouco


iluminado e com peças de carro antigo espalhados por todos os cantos. Era

exatamente o fundo da imagem de onde Vida estava, logo reconheci, e me


movi pelo recinto gritando o nome dela.

— Procurando por nós, Helena? — Gael acendeu uma lanterna forte


e Josh, meu pai e eu nos viramos em direção a luz, que ficava há poucos
metros de nós. Vida estava sentada na mesma cadeira de plástico da foto

com as mãos amarradas e uma venda nos olhos. A cena me causou terror,
mas fui impedida de me mover até ela por Josh, que me segurou no lugar —
Demoraram, não é? Por pouco não perderam o prazo. Como vai, velho
Greg?

— Solte a menina, infeliz! — Meu pai vociferou e sua voz ecoou

em todo o lugar — Ela não tem culpa de nada!

— Veja só quem diz isso... A pessoa que a separou da mãe como se


faz com um animal. — Gael gargalhou e reparei que segurava uma arma e

estava muito próximo de Vida — Sabia que, dos três, você é a pessoa que
eu mais odeio entre todos? Foi você quem fez Helena me abandonar e não

deixou que ela me perdoasse!

— Eu jamais voltaria com você... — Sussurrei.

— Estamos aqui com o dinheiro e tudo que você precisa fazer é


entregar minha filha — Josh ergueu as mãos em sinal de paz e apontou para

a maleta que meu pai carregava — Cumprimos nossa parte e agora cabe a
você cumprir a sua.

Gael ergueu a arma e apontou em direção a Josh, que ficou estático.


Agradeci mentalmente por Vida estar com os olhos vendados. O fato a

impediria de presenciar coisas tão desagradáveis e marcantes.

— Acredita mesmo que isso acaba aqui, velho amigo? — Gael


ironizou e, pela sua aparência, estava nitidamente alterado e sob efeito de

alguma droga ou álcool — Tudo teria sido muito diferente se você houvesse
ficado de bico calado antes daquela cerimônia. Tudo seria muito melhor se
Helena e eu houvéssemos nos casado e hoje a família Taylor fosse dirigida
por mim, não por esse velho maldito! — Agora o foco da arma de Gael

mudou para meu pai, que se mostrou assustado, mas manteve-se parado —
Se você houvesse relevado minhas traições e obrigado Helena a se casar

comigo, nada de ruim teria acontecido com ela e não existiria essa neta
bastarda que você odeia! Você é o maior culpado, Gregor! Você me
humilhou e acabou com a minha reputação no meio!

Gael realmente parecia disposto a atirar em meu pai.

— Se acalme, Gael! — Josh gritou — Não vai cometer uma besteira

e deixar sua situação ainda pior do que já está! Não se esqueça que essa

família tem poder e pode te destruir ainda mais!

— Acha mesmo que vou sair ileso daqui, se não matar vocês todos,

idiota? — Gael ironizou e começou a se mover, apontando a arma em


minha direção — É claro que terei de matar todos para fugir com a minha

grana! Então vamos começar... Despeça-se de sua filhinha, Helena. O

destino, ou melhor, eu, não quero que você tenha a felicidade de conviver
com ela!

Gael desviou a arma em minha direção e não tive muito tempo de

pensar. Antes que meu corpo reagisse, ouvi um disparo e senti um empurrão

forte na direção oposta do mesmo. Ouvi um barulho alto de corpo colidindo


contra o solo e, em seguida, o grito de Vida, que estava ainda vendada e

agora de pé.

— Gregor! — A voz de Josh ecoou alta, mas ele não estava perto,
estava em luta corporal com Gael. A arma estava entre ambos e vi o corpo

de meu pai ferido no chão quando abri os olhos, caída perto dele — Helena,

fuja! Pegue Vida e fuja!

— Papai... — Sussurrei ao vê-lo ferido e sabendo que me empurrou

e entrou na frente da bala para me salvar.

Vida estava do outro lado gritando em desespero e corri até ela no


exato instante em que vi Gael com a arma em punhos apontada em sua

direção. Ele queria matá-la e Josh estava a um passo de imobilizá-lo,

apertando-o pelo pescoço por trás.

Houve um novo disparo e cheguei a tempo para jogá-la ao chão,


mas não o suficiente para me livrar de sentir uma ardência intensa me

preenchendo as costas. Cai com Vida embaixo de mim, mas o sangue que

escorria entre nós era meu e a dor dilacerante me tomava da cabeça aos pés.

— Não, Helena, não! — A venda de Vida se abaixou quando caímos


e ela ficou de joelhos ao meu lado, gritando e chorando enquanto o ar ainda

preenchia meus pulmões.

— Querida... Eu... — Tentei falar, mas a dor em minhas costas, na

altura do ombro, não me permitia ser forte — Sinto muito! Sinto muito por
não ter conseguido...

— Mamãe, não morre! Mamãe, não morre! — Vida implorava

debruçada sobre meu corpo e tocando-me com as duas mãos amarradas para

frente — Por favor, mamãe, fica aqui! Mamãe!

Ouvi um disparo e Vida gritou, mas consegui ver que não foi ela a

pessoa ferida. Senti medo por ela ver tanto horror, mas meu coração se
acalmou quando encontrei Josh se aproximando com a arma na mão suja de

sangue e o olhar assustado. O celular estava em seu ouvido e sua mão

tremula tocou minha face quando se ajoelhou ao meu lado.

— Helena, meu amor... Helena! — Sussurrava com a voz trêmula —


Alô, emergência?

— Mamãe... Eu te amo, mamãe. Você salvou a minha vida.

O olhar azul de Vida foi a última coisa que ficou gravada em minha

mente antes que minha memória apagasse, levando consigo tudo que eu era,

menos as lembranças de minha família.

Vida e Josh eram parte de minha alma e eu jamais os esqueceria.

O vale de lírios balançava levemente conforme minha visão focava

e clareava na linda paisagem ao fundo.


Usando um lindo vestido branco, Vida corria para meus braços com

os cabelos loiros esvoaçantes e o olhar azul contrastando com o horizonte


belo. Ajoelhada, abri os braços para recebê-la em meu abraço e chorar

contra seus ombros frágeis, liberando ali toda a emoção que perdi durante

todos os anos em que ficamos separadas.

— Eu te amo, mamãe. — Sussurrou segurando minha face e


secando minhas lágrimas — Volte para mim.

Abri os olhos e girei a íris pelo ambiente, novamente deparando-me


com um cenário de hospital, aparelhos e medicações.

Foquei em sentir meu corpo e a única coisa que realmente me

incomodava era a forte dor no ombro vinda das costas e minha cabeça que

parecia muito tonta. Através da visão turva consegui ver Josh sentado na
cadeira do lado e com a expressão alegre ao ficar de pé e se aproximar de

minha cama.

— Helena? — Sussurrou emocionado e aliviado — Helena, que

bom vê-la acordar! — Sua mão foi para a minha e senti seu calor irradiando

ali com felicidade, abrindo um sorriso cansado para recepcioná-lo.

— Josh... — Sussurrei com a voz trêmula — O que aconteceu?


Onde estão meu pai e Vida? Você está bem?
— Estou bem agora que você voltou... — Tocou minha testa

carinhosamente e sorri ainda mais — Você levou um tiro no ombro, Helena.

Não foi em um local importante, mas perdeu muito sangue e passou por

uma cirurgia para remover a bala e uma transfusão de sangue.

— Está doendo muito mesmo — Olhei rapidamente para meu


ombro, que estava enfaixado e coberto — E Vida?

— Está bem. Virá te visitar em breve, mas não se preocupe. Nada

aconteceu com ela. — O alivio realmente me preencheu quando ouvi tais

palavras — Não parou de falar um só minuto que a mãe a salvou.

— Ela disse isso? — Josh assentiu positivamente.

— Não te falei que aquele medo de contar a verdade para ela era

irrelevante? Vida já aprendeu a te amar e aceitaria as coisas com ou sem


você se enfiando em uma bala para salvá-la. — Uma lágrima rolou em

minha face ao me lembrar de toda tragédia e segurei a mão dele com mais

intensidade.

— E meu pai, Josh? Como ele está?

Josh comprimiu os lábios de maneira pensativa e puxou a cadeira


próxima da cama para se sentar. Beijou minha mão carinhosamente e me

fitou de maneira emocionada.


— Seu pai entrou na frente da bala por você, exatamente como você

fez por sua filha. Acho que agora sim ele compreendeu o que significa o
amor de um pai, algo muito diferente do sentimento egoísta que ele cultivou

durante tantos anos.

— E como ele está? — Insisti.

— Grave. Está em come e, caso se recupere, nunca mais poderá

andar. — Senti o ar faltando e as lágrimas rolando na face silenciosamente

— Sinto muito, Helena. Mesmo não gostado do seu pai, não desejo coisas
ruins para a vida de ninguém e lamento pela situação delicada em que ele se

encontra. Se não fosse por ele, talvez você não estivesse conversando

comigo agora e por isso sou grato.

A dor em meu coração tinha a ver com o tempo que perdi com meu
pai sendo um homem rancoroso e egoísta. O medo de perdê-lo referia-se a

esperança de que sua mudança fosse real e seus sentimentos genuínos.

— Quando poderei vê-lo? — Questionei ainda sentindo as lágrimas

em minha face queimando aquela dor em meu coração.

— Quando se sentir mais forte. Os médicos disseram que você

ficará aqui cerca de dez dias para finalizar os antibióticos que está tomando
pela bala que se alojou em seu ombro, mas já foi retirada.

— Você vai me esperar, Josh? — Apertei sua mão com força,

desesperada para que me segurasse naquele momento importante — Vai me


esperar para voltar para a fazenda?

Josh sorriu e se aproximou para me beijar na testa carinhosamente,

acariciando meu cabelo na testa com ternura. Seus olhos esverdeados eram

todo meu amor e eu queria me afogar em ambos para sempre.

— O tempo que for preciso, Helena. Para sempre e além, se

necessitar. — Sorri emocionada e ele se abaixou para me beijar rapidamente


nos lábios, algo que aqueceu meu coração imediatamente — Não quero te

perder nunca mais.

— Não vai me perder. Nunca mais. — Josh sorriu e vi lágrimas em

seus olhos.

— Tive medo que acordasse e me esquecesse novamente. Tive

medo que sua memória se apagasse e nossa família ficasse de novo no


passado. — Neguei enquanto ele proferia as palavras.

— Toda minha memória pode se apagar, mas nunca serei capaz de te


esquecer. Mesmo sem me lembrar com clareza, todo meu corpo te
reconheceu e meu coração soube que Vida era parte de mim. Vocês dois

estão marcados além de minha memória. — Josh beijou minha mão


novamente e deitou o rosto contra ela, finalmente aliviado por estarmos
juntos e livres de uma grande ameaça — E Gael? O que foi feito daquele

infeliz?
Josh se encostou a cadeira e novamente adotou uma expressão de
cansaço. Pelo seu olhar, concluí que seu antigo amigo não teve um final
agradável.

— Brigamos pela arma depois que ele atirou em você. O próximo

alvo dele era Vida e eu não podia sequer correr o risco de deixá-lo concluir
o que desejava. Resolvi arriscar minha pele e o enfrentei, mas a arma
disparou entre nós e o atingiu. — Josh silenciou e tomou fôlego — Ele

morreu na hora.

— Oh! — Suspirei pesadamente — E você, Josh? Como fica tudo

isso?

— Sua mãe e eu contratamos um bom advogado e já entregamos


para ele nossos celulares com as provas de que Gael causou tudo isso e
agimos em defesa de Vida. O advogado acredita que não terei problemas

quanto a isso, pois ele colocava em risco da vida de minha filha e a minha,
além de anteriormente ter baleado duas pessoas.

— Pobre Vida... Tão pequena e presenciando tudo isso!

— A psicóloga do hospital está acompanhando-a. Por sorte, Vida


saiu ilesa, mas realmente os traumas ficaram. — Josh novamente se

aproximou e me tocou a mão — Ela está ansiosa para ver a mãe, sabia? O
que mais quer é estar com você.

— Também estou ansiosa para vê-la.


A simples ideia fez meu coração ansiar por nosso encontro e passei
toda a tarde acordada até o momento da visita ser liberado. Crianças não
podiam entrar, mas devido ao hospital ser de minha família, Vida conseguiu

acesso ao meu quarto e chegou com minha mãe ao começo do horário.

— Veja, querida... Ai está sua mãe! — Minha mãe parecia


emocionada quando me viu, principalmente por estar ao lado da neta que

havia acabado de encontrar.

Vida usava um vestido jeans com uma camisa lilás por baixo e
rapidamente me lembrei do campo de lírios e de seu abraço em minha

imaginação. Não pude me conter e comecei a chorar quando vi seu olhar


azul, emocionada por tê-la ali. Vida se aproximou vagarosamente e parou

ao lado de minha cama, tocando minha mão delicadamente.

— Como você está, mamãe?

Apertei sua pequena mão na minha e a levei aos lábios, chorando


muito por seu olhar carinhoso. Ela não me odiava e havia acabado de
realizar meu sonho de ouvi-la me chamando de mamãe claramente.

— Melhor agora que você chegou e nós estamos juntas, filha. —

Toquei sua face angelical — Te amo tanto, querida. Como é bom vê-la bem.

— Estou bem porque você me salvou, sabia? Você pulou na frente

quando ele malvado queria atirar em mim — Me calei e somente a observei


— Obrigada, mamãe.
— Te dei a vida e agora me lembro disso, filha. Quando você
nasceu, meu cérebro apagou todas minhas memórias e eu não me lembrava

de que havia saído um bebê de dentro de mim. Te levaram para longe sem
que eu soubesse, mas agora nós estamos aqui e sei, com todo meu coração,
que você existe. Na verdade, eu soube desde que te vi, mas a razão me fazia

ignorar a verdade em frente aos meus olhos.

— Sua mãe já me contou tudo e o meu pai também. — Vida deu de


ombros — Sei que não foi culpa sua e estou feliz por você não ter me

abandonado. — Vida subiu na cama pelas pequenas escadas e sentou junto


a mim, encarando-me bem de perto — Quando vi seus olhos, também os
achei parecidos com os meus. Você não achou?

— Claro que sim, querida. — Ri com ela.

— As duas são muito parecidas. — Mamãe completou ao fundo —


E estou muito feliz em ter uma linda neta como Vida.

— Será que seu pai vai gostar de mim, mamãe? Ele também estava

lá quando o homem malvado quis nos machucar. — A inocência de Vida


fez com que Josh e eu nos encarássemos com uma pontada de incerteza.

Para poupá-la dos detalhes, Josh não contou que meu pai era o
grande responsável por separá-la de mim e muito menos que queria doá-la

para um abrigo. Inventou algo para aplacar as palavras que ela ouviu de
Gael em nome da saúde mental de todos nós. Josh, que tanto odiava meu
pai, não conseguia ser ingrato após o mesmo oferecer dinheiro para salvar

nossa filha e entrar na frente da bala por mim.

— É impossível alguém não gostar de você, meu amor. — Beijei o


cabelo loiro de Vida quando ela me abraçou e deitou o rosto em meu peito,
fazendo-me sorrir para Josh e minha mãe, parados lado a lado.

— Você vai voltar conosco para a fazenda? — Vida me olhou de


baixo e acariciei sua franja — Vai morar comigo, agora que se lembra que é

minha mamãe?

— É o que mais desejo, querida. O que mais desejo... — Vida sorriu


aliviada e me abraçou.

— Agora seremos uma família, querida. Uma família que sempre


esteve ligada pelo amor, mesmo que sem lembranças. — Sussurrei ao seu

ouvido delicadamente enquanto meu corpo todo era preenchido pela


saudade que eu sequer sabia que existia.

Algo que finalmente ficou guardado em meu passado. Minha


memória jamais se apagaria de novo.
O campo de lírios deixou de ser um sonho para se tornar o meu lar.

Ao me recuperar, voltei com Josh e Vida para a fazenda e senti que

meu mundo entrava no eixo novamente ao colocar os pés ali. A sensação de


novidade não existia, pois era como retornar ao lugar onde sempre pertenci.

Maggie, a cadelinha que me mostrou minha família antes mesmo


que eu soubesse dela, também veio comigo para minha nova casa. Ela fazia
parte de nossa história e compunha nosso lar.

Fiquei durante minutos estática frente ao vale de lírios lilás e chorei

silenciosamente quando Josh e Vida me abraçaram, fazendo-me cair de

joelhos em tal realidade.

— Sonhei com esse lugar. Desde quando acordei, era para cá que

meus sonhos me traziam. — Sussurrei para Josh enquanto ele me amparava

em seus braços firmes.


— Seu coração te trazia para os meus braços, Helena. Aqui é o seu

lugar. — Fechei os olhos e senti seu beijo delicado, em seguida, voltando


meu rosto para ver Vida correndo entre as flores, exatamente como fazia em

meus sonhos.

Após uma longa recuperação, meu pai conseguiu sair do perigo e


retornou para casa. Infelizmente, devido as sequelas perdeu o movimento

das pernas e se tornou totalmente dependente de minha mãe e seus

empregados para tudo. Suas funções motoras também não se estabilizaram,

levando-o a um estado de dependência muito maior do que os médicos


previam.

Nos encontramos rapidamente antes de eu partir para a fazenda e ele


apenas me encarou quando parei ao lado de sua cama.

— Espero que se recupere, pai. Estou indo para a fazenda com Josh
e nossa filha. Vou viver lá agora. Obrigada pelo que fez por mim. Você

salvou a minha vida.

Esperei que dissesse algo, mas não recebi sequer uma palavra. Sai

pela porta com o coração em pedaços, mas ciente de que Gregor Taylor

jamais aceitaria minha história com Josh.

Nos casamos na fazenda, próximo ao vale de lírios, em uma manhã

bonita e ensolarada.
— Comecei a história tentando me casar e finalmente consegui! —
Brinquei com Josh quando estávamos frente ao altar. Ele lindamente vestido

com jeans, camiseta branca e um suspensório e eu trajando meu vestido

tomara que caia branco com pérolas.

— Em sua primeira tentativa você não estava tão linda quanto está

agora. — Sussurrou de volta de maneira galanteadora.

— É porque finalmente vivo o meu sonho.

Vida entrou carregando nossas alianças e vestida com um belo traje

de daminha. Seu olhar azul parecia emocionado por finalmente ter sua

família completa e não havia maneira de deixar de admirá-la em meio a

tantas bênçãos. Janine e os pais de Josh estavam lá, assim como minha

querida mãe, que se mostrava muito feliz por minha história terminar de

maneira satisfatória.

Tudo que queríamos era selar nosso amor com um momento de


alegria, mesmo que peças faltassem naquele instante.

Meu pai não veio ao casamento, mas dois anos depois, em seu leito

de morte, me ligou e fez um pedido com a voz baixa e dolorida.

— Por favor, venha e traga a menina.

Josh não impediu que fossemos e nos levou até meu pai, que estava

prestes a morrer por um câncer terminal e escolheu que fosse em casa.


Aproximei-me com Vida de sua cama e ela o encarou em expectativa, já

ciente de que aquele homem foi o responsável por nos separar um dia.

— Te perdoo por ter me separado da minha mãe. — Vida disse a ele


com sua esperteza de sempre e o olhar de meu pai, já cansado e moribundo,

se tornou tranquilo.

— Você é muito esperta, Vida. Sempre soube que seria... — Vida


sorriu para ele e apertou a mão na minha.

— Perdoe ele também, mamãe.

— Já te perdoei faz muito tempo, papai. — Lágrimas rolaram em

meu rosto por vê-lo daquela maneira — Queria que tudo houvesse sido
diferente entre nós.

— Eu também, Helena. Eu também, mas já é muito tarde... — Sua


mão se ergueu rapidamente em busca da minha e a toquei — Chamei o

advogado há algumas semanas e alterei meu testamento.

— Já deixei claro que não quero herdar nada. Mesmo que tenhamos

nos perdoado, não quero nada da família Taylor. — Minha voz soou calma,
mesmo em meio a muitos sentimentos.

— Não se preocupe, Helena. Atendi a sua vontade e não deixei nada


para você.
Apenas compreendi sua frase após sua morte, quando mamãe abriu

o testamento e descobriu que tudo que cabia a mim foi direcionado para
Vida. Ela foi a grande herdeira da família Taylor e efetivamente seria

quando minha mãe partisse.

A surpresa nos pegou desprevenidos, mas não recusamos a herança.


Vida apenas teria acesso a ela quando completasse dezoito anos e caberia a

ela tomar a decisão. De alguma maneira, aquela foi a forma que meu pai
encontrou para se redimir com Vida após seu grande erro de nos separar um
dia.

Quando Vida tinha oito anos, finalmente Deus nos agraciou com
uma nova gestação. Após alguns anos casada e sem conseguir gerar, Josh e

eu tomamos um susto ao descobrir que eu estava grávida repentinamente.


Tivemos medo por tudo que passamos um dia, mas as coisas eram
diferentes e foram mágicas.

Consegui acompanhar cada detalhe do desenvolvimento do bebê em

meu ventre, tivemos um lindo ensaio fotográfico em família na fazenda e


um chá de bebê cheio de amor e carinho. Vida estava encantada em ser a

irmã mais velha e foi compreensiva do começo ao fim, sabendo que o


nascimento do bebê, cujo qual resolvemos esperar nascer para saber o sexo,
seria como sarar a ferida que ainda sangrava em meu coração por ter faltado

a ela em seus primeiros aninhos de vida.


Nossa surpresa chegou em uma linda noite de verão e nos iluminou
como a própria Lua. Nasceu menina e foi exatamente aquele o nome que
sua irmã escolheu para acompanhá-la durante a vida... Lua.

Nossa caçula tinha cabelos escuros como Josh e os olhos azuis como

os meus. Eu a amei desde o primeiro instante e soube que, de alguma


maneira, o parto normal incrível que consegui ter foi uma grande

recompensa pelo vazio que significava o nascimento de Vida.

Minha memória jamais voltou.

Mesmo com inúmeros tratamentos e todo o amor da família de Josh


e minha mãe, que após a morte de papai veio morar conosco na fazenda, o

vazio depois da queda permaneceu para sempre e somente segui em frente


pelo amor por minha família, que foi o que verdadeiramente permaneceu

vivo em meu coração.

A mente escassa de memórias não pôde superar o amor de uma mãe.

O vazio de lembranças não pôde transpassar o meu amor por Josh.

A vida, tão cruel e dolorosa, não tirou de mim a possibilidade de um


futuro ao lado deles, muito menos me fez deixar de lado o sonho de viver

uma nova gravidez e trazer Lua ao mundo.

Consegui me formar na faculdade da cidade próxima da fazenda em


arquitetura e paisagismo. Obviamente não foi a mesma coisa que ter me
graduado em minha antiga faculdade, mas encheu meu coração de amor e
paz por estar fazendo algo que eu amava e com as pessoas que eu amava ao
redor. Comecei a trabalhar com projetos online e esporadicamente viajava,

mas podia contar com o carinho de minha mãe e sogra para ficar com as
meninas enquanto eu e Josh estávamos fora.

Josh, por sua vez, continuou tocando a fazenda de sua família e

trabalhando como engenheiro agrônomo e veterinário nas fazendas ao

redor. Vivíamos bem, em paz e cobertos pelo amor uns dos outros.

Ao final de toda minha história e principalmente após a morte de


meu pai, me dei conta de que a palavra “sucesso” estava erroneamente

atribuída as pessoas que conseguiam dinheiro e status.

Observando minhas filhas brincando no vale de lírios lilás e

abraçada com Josh em nosso lugar favorito, concluí, após sofrer por muito

tempo, que o verdadeiro “sucesso” era amar e ser amada genuinamente.

Sucesso era ter o amor de uma família, seja ela composta por um

cônjuge, seus pais ou seus animais de estimação.

Sucesso era trabalhar com o que eu amava, mesmo que seja em algo

simples e considerado pequeno. O meu sucesso não foi administrar um

império, mas criar paisagens e cenários incríveis para aquecer o coração das
pessoas.
O meu real sucesso, no entanto, foi ser mãe e gerar duas vidas

incríveis para espalhar o amor no mundo. O real sucesso foi encontrar o


amor em sua forma mais básica, sem me importar com as diferenças

instransponíveis que nos separavam e com o mundo de distância que existia

entre nós.

Precisei ir longe para encontrar o amor e perder a memória para


valorizá-lo, mas jamais me permitiria esquecer os sentimentos sublimes que

faziam parte de meu coração.

— Você sempre irá me amar, pequena fada? — Josh sussurrou a

frase que sempre me perguntava quando estávamos ali, presenciando Vida e

Lua brincando entre as flores com os chapéus de cowboy balançando em


suas cabeças infantis.

Me virei para beijá-lo entre sorrisos, lembrando-me da primeira vez

em que aquele cowboy rústico cruzou o meu caminho e arrebatou todo meu

coração.

— Posso esquecer de tudo, menos do nosso amor e da nossa família.


A minha memória jamais irá se apagar enquanto eu te amar.

Aquilo sim significava sucesso, não o que qualquer pessoa esperava

de nós.
FIM

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