Mente Afiada Extra #13 - Nov24

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Mente Afiada Extra - Ano 2,


Nº 13 - Novembro, 2024 EXTRA

CICLO DO 5 PRÁTICAS
RENASCER Para ganhar
Entenda a bem-estar e
crença sobre a favorecer o
vida e a morte próximo
na tradição
budista
Como
uma filosofia
de vida pode
mudar seu
dia a dia?

BUDISMO
Como a prática ajuda a buscar o
R$ 9,90

equilíbrio e a ter mais qualidade de vida


editorial
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Um modo de viver
Ninguém precisa seguir uma religião tória ou outros dogmas. É uma
ou uma filosofia de vida para aplicar filosofia de vida, uma forma de
seus ensinamentos no dia a dia. encarar o mundo onde o amor e a
Respeitar o próximo, preservar a paz comandam nossa existência.
natureza e ser generoso, por exem- São ensinamentos que beneficiam a
plo, são alguns dos preceitos que nós e as pessoas ao redor. O bu-
podem e devem ser seguidos por dismo mostra como podemos ser
quaisquer pessoas, independente- pessoas melhores, ter controle da
mente da crença. O budismo tem mente e do cultivar virtudes essen-
princípios bastante difundidos, que ciais para o bem. Nessa edição de
servem de inspiração para muita Mente Afiada Extra, trazemos um
gente, mesmo que elas não tenham pouco mais sobre o budismo e os
conhecimento profundo sobre a his- benefícios dessa filosofia milenar!

CAPA
A Redação
PRODUÇÃO GRÁFICA Roberta Lourenço
FOTO Cha29/Shutterstock Images

CAMINHO CICLO DO MAIS QUESTÕES


PARA RENASCER EQUILÍBRIO BUDISTAS
ILUMINAÇÃO A vida e a morte Como os Curiosidades
O que o na crença budista ensinamentos sobre essa
budismo prega podem melhorar filosofia
para o ser o dia a dia
humano

sumário
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O caminho para
A ILUMINAÇÃO
Quais são os princípios difundidos pelo
budismo a fim de atingir a evolução
espiritual e o alcance da felicidade plena?
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uando o príncipe Sidarta Gauta- haveria a possibili-

Q ma decidiu ver a vida para além


da riqueza que o cercava em seu
palácio, encontrou um mundo de
sofrimento, desigualdade e injustiças. Incon-
dade de encontrar
o autoconhecimento.
Sidarta des-
cobriu que a
formado, abriu mão de seu status e posses moderação era
para buscar um caminho que cessasse o a alternativa para ces-
sofrimento humano. sar o sofrimento hu-
Neste processo, encontrou a iluminação mano – esse último termo, em
e passou a ser chamado de Buda. Estavam sânscrito, quer dizer dukkha,
estabelecidas as raízes de uma nova dou- mas seu significado se aproxima também
trina. “Buda ensinou como examinar nossa da reação de insatisfação. Consolidava-se
mente e ver quais estados produzem sofri- um dos primeiros preceitos do budismo, o
mento e confusão, e quais estados produzem “Caminho do Meio”.
saúde e felicidade”, aponta Milo Quadros,
professor residente do Centro Budista Ka- A ILUMINAÇÃO E AS QUATRO
dampa Lamrim, em Santos (SP). NOBRES VERDADES
Abandonando as práticas ascéticas e
NEM TANTO AO MAR, concluindo que há sempre um Caminho do
NEM TANTO À TERRA Meio, Sidarta encontrou-se na meditação.
Sidarta passou por todo tipo de privação Escolheu esse método para alcançar o equi-
em sua nova busca. O ascetismo o fez res- líbrio e atingir a libertação que definiu como
tringir a alimentação, e as penitências físi- Nirvana. Depois de passar um longo tempo
cas em busca de conhecer as sensações meditando embaixo de uma figueira, ele al-
do medo lhe causavam fortes dores. Apesar cançou esse fim. Compreendeu que podemos
de todas as intensas práticas, ele percebeu nos desvincular das inquietações inerentes
que nenhuma conduzia a um estado espi- ri- à vida mundana e dos desejos em excesso
tual mais elevado. Desta forma, chegando ao estágio de iluminação.
o príncipe concluiu que os ex- A meditação permitiu a consolidação de
tremos – sejam de sacrifícios conceitos aos quais Buda chamou de As
ou prazeres – não eram Quatro Nobres Verdades. “No dia em que
a saída, pois am- o Buda se iluminou, há cerca de 500 a.C.,
bos desbalance- teve acesso às Quatro Nobres Verdades e
avam a mente. E ao caminho da Senda Óctupla, que compõe
sem equilíbrio não a base dos ensinamentos budistas. Quan-
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do assumimos a realidade desta revelação à A Terceira Nobre Verdade (Nirodha): as


qual Buda teve acesso, de acordo com o Bu- causas podem ser eliminadas. Quando se
dismo, podemos viver de maneira plena, livre para de atribuir às coisas o poder de nos fa-
dos condicionamentos mentais que causam zer feliz, passamos a reconhecer, verdadeira-
o medo, a insatisfação, o descontentamen- mente, a natureza e a essência delas. Dessa
to e principalmente o sofrimento”, comenta forma, não depositamos em outros fatores
Patrícia Cândido, terapeuta holística e autora a responsabilidade da felicidade. A terceira
do livro Os Grandes Mestres da Humanidade. Nobre Verdade propõe isso: que o sofrimen-
As Quatro Nobres Verdades falam do so- to seja suprimido, extinguindo primeiro suas
frimento e dos caminhos para superá-los. causas.
Em um primeiro momento, reconhecem que A Quarta Nobre Verdade (Margha): Buda
a existência é permeada por este sentimen- ensina que há um nobre caminho para resol-
to para, depois, tratar sobre o estado de ilu- ver todo esse impasse, já que é possível ces-
minação e como alcançá-lo. sar toda a insatisfação. Aqui se consolida o
A Primeira Nobre Verdade (Dukkha): o Caminho do Meio. Esse é o percurso rumo
sofrimento existe. Buda observa e reconhe- ao nirvana, chamado também de Nobre Ca-
ce que não é possível que as pessoas per- minho Óctuplo ou Caminho das Oito Vias.
maneçam satisfeitas sempre. E o sofrimento
existe porque percebemos a nossa mortali-
dade, uma vez que somos destinados a nas-
cer, crescer, envelhecer e falecer.
A Segunda Nobre Verdade (Samudaya):
a causa do sofrimento é o desejo. O sentimen-
to de insatisfação surge quando depositamos
expectativas exacerbadas sobre coisas que
não dão garantia que atenderão aos nossos
anseios. E, muitas vezes, embasamos essas
expectativas em sentimentos como a ignorân-
cia. Essa verdade estabelece que todo sofri-
mento tem uma causa.
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É na Quarta Nobre Verdade que a concen-


tração por meio da meditação torna-se essen-
cial. “Com a mente serena, livramo-nos das
1 PALAVRA CORRETA: É uma conduta
que sempre toma o cuidado de profe-
rir as palavras mais eficazes de acordo com
inquietações e do desconforto mental e sen- o perfil e as circunstâncias de quem as es-
timos a verdadeira felicidade. Treinando em cutam. Elas devem ser ditas sempre por um
meditação, nossa mente vai aos poucos se coração sincero e por um indivíduo que tam-
acalmar e experimentamos uma forma de fe- bém pratique o que geralmente diz.
licidade cada vez mais pura”, comenta Milo
Quadros.

O NOBRE CAMINHO ÓCTUPLO


2 AÇÃO CORRETA: Trata-se de ações po-
sitivas e que se fundamentam na éti-
ca, justiça e verdade, considerando também
Há diversas maneiras de se referir às oito o amor ao próximo. Propõe a repulsa de uma
vias do Nobre Caminho Óctuplo, mas, na es- vida egoísta e que não esteja preocupada com
sência, seus significados preservam seme- o bem comum.
lhanças. “Seguindo os preceitos das Quatro
Nobres Verdades e da Senda Óctupla, liberta-
mo-nos da ilusão da matéria, contemplando
o que é real e verdadeiro: o nosso espírito”,
3 MODO DE EXISTÊNCIA CORRETO: Esta-
belece uma postura correta dentro da
profissão e da vida que se leva. Agir hones-
afirma Patrícia Cândido. São os oito ensina- tamente, sem enganar os outros, está entre
mentos: as formas de percorrer essa via.
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4 ESFORÇO CORRETO: É necessário se


empenhar e ter em mente que o esfor-
ço deve estar lado a lado com a dedicação,
ver a paz e a harmonia, já que o consideram
como energia positiva para o universo.

energia e seriedade para nos propormos a


alcançar a própria felicidade. 8 COMPREENSÃO CORRETA: Compre-
ender a si mesmo é fundamental. É
a conduta que, atrelada às citadas até aqui,

5 PLENA ATENÇÃO CORRETA:


É o modo de prestar aten-
ção principalmente à forma de
entende como a mente funciona em suas do-
res e ilusões. O autoconhecimento distante
da ignorância é a base para conhecer os ou-
meditar, uma vez que essa prá- tros indivíduos.
tica é o coração do Budismo. A
meditação é o que nos leva OS CINCO PRECEITOS
a atingir um estado supe- O Budismo zela também pelas
rior da consciência, além boas práticas na vida cotidiana, e
de permitir que compre- as vê como uma forma de eleva-
endamos as insatisfa- ção espiritual. A religião menciona
ções. cinco preceitos para o bem-estar
individual:

6 CONCENTRA-
ÇÃO CORRETA:
É uma prática que deve 1 Não fazer mal a nenhuma
criatura viva: Implica não ti-
libertar a mente para os rar a vida de ninguém. Há registros
assuntos realmente rele- de que a regra não se aplica para
vantes e úteis, não para situações de autodefesa. No entan-
aqueles que não trazem to, considera o pacifismo um ideal.
benefício ao espírito. A tra-
dição budista acredita que
a mente não deve focar em
um só ponto porque acaba
2 Não tomar aquilo que não lhe
foi dado (não roubar): Diz res-
peito não só ao roubo, mas a todos
se aprisionando. os tipos de trapaças.

7 PENSAMENTO COR-
RETO: É a conduta do
pensar, desvinculando-se das
3 Não se comportar de modo ir-
responsável nos prazeres sen-
suais: Significa não cometer nenhum
maneiras opressoras. Para os ato sexual que venha a prejudicar o ou-
budistas, inclusive em pensa- tro, como em casos de estupro, adul-
mento, é necessário promo- tério ou incesto.
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4 Não falar falsidades: A verdade é impor-


tante na conduta budista. Para eles, o
homem não deve mentir e deve falar de for-
5 Não se entorpecer com álcool ou dro-
gas: O consumo de substâncias aca-
baria por desconcertar a prática de regras a
ma amigável e verdadeira, evitando fofocas e serem seguidas. No entanto, o Budismo não
linguagem grosseira ou maliciosa. é tão rigoroso quanto ao consumo do álcool.

SOFRIMENTO E DESEJO
O Budismo estabelece uma conexão superior, no qual expressamos os
entre os dois sentimentos, pois, se- nossos ideais divinos de evolução”,
gundo sua visão, a existência de um explica Patrícia Cândido. Ela ainda
legitima a do outro. Porém, é impor- ressalta que é muito importante en-
tante compreender que, segundo a tendermos a diferença ao praticá-
filosofia budista, há diferença entre -los, porque é o conhecimento sobre
desejo e vontade. “O desejo seria um essa diferença que nos proporcio-
sentimento inferior que nos leva ao nará um maior grau de evolução. “A
desespero e que nos aprisiona no vontade é eterna, o desejo é tempo-
mundo material e nos escraviza em rário e impertinente. A vontade gera
muitos níveis e dimensões do nosso Dharma, o desejo gera Carma e so-
ser. Já a vontade é um sentimento frimento”, finaliza.

CONSULTORIAS Milo Quadros, professor residente do


Centro Budista Kadampa Lamrim, em Santos; Patrícia
Cândido, terapeuta holística e autora do livro Os
Grandes Mestres da Humanidade; Daniel Calmanowitz,
monge do Centro de Dharma da Paz | FONTES Site:
templozulai.org.br; Livro: O livro das religiões, de
Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henry Notaker |
FOTOS Vector Tradition/ Shutterstock Images
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O ciclo do
RENASCER
Na tradição budista, acredita-
se que, após morrer, voltamos
renascidos em outro corpo –
ou até mesmo sob a forma de
um animal

reencarnação sempre foi um tema

A crucial e polêmico para todas as re-


ligiões. Isso porque a ideia de que
podemos voltar ou não ao mundo
habitando outro corpo pode representar a di-
ferença entre afirmar ou negar uma teologia
– sem contar as diferenças quanto ao próprio
conceito de reencarnação, muitas vezes bas-
tante sutis. No Budismo, não é diferente. Com
diversas correntes, a doutrina possui múlti-
plas interpretações dos textos antigos que,
em alguns momentos, parecem negar que
haja reencarnação, e em outros, afirmar que
ela acontece.
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Para Marcelo Camurça, professor e pes- No entanto, as afinidades com conceitos


quisador de História das Religiões, da UFPR, espíritas escondem diferenças fundamentais,
é preciso entender, antes de tudo, sob qual conforme lembra Camurça, ao citar o psicólo-
ponto de vista se analisa a questão. Para ele, go clínico e diretor-fundador da Comunidade
o atual conceito de reencarnação que prevale- Buddhista Nalanda do Brasil, Ricardo Sasaki:
ce nos países do Ocidente é uma mistura de “Na verdade, esta palavra ‘reencarnação’ tem
elementos orientais e ocidentais, uma “sín- somente sido traduzida em alguns livros bu-
tese hibridizada”. O Kardecismo, em espe- distas por ignorância de alguns tradutores ou
cial, teria influenciado fortemente a ideia de incoerência de alguns orientais. Pelo contrá-
que somos espíritos que passam por um pro- rio, a tradição budista fala de um renascimen-
cesso de sucessivas e progressivas reencar- to, ou um vir-a-ser, o qual é a passagem de
nações, até atingir um estágio evolutivo que um ‘impulso’ ou um ‘movimento’ de ser para
dispense novos retornos ao mundo humano. ser, não implicando a ‘reencarnação’ de ne-
nhum ‘ser’ de um corpo para outro”.
SAMSARA Outra diferença fundamental é que no Sa-
Desde o século XIX, quando as religiões msara, o renascimento nem sempre acon-
do Oriente começaram a ser mais conheci- tece em corpos humanos, já que um carma
das no Ocidente, místicos e historiadores no- negativo pode levar a uma espécie de “regres-
taram certas semelhanças entre o conceito são”, em corpo animal. Já os espíritas acre-
espírita de reencarnação e o Samsara budis- ditam que a reencarnação se dá apenas em
ta. Este ensina que passamos por um ciclo de corpos humanos.
constantes renascimentos até que se possa
atingir a iluminação, ou o Nirvana, que nos li- O LIVRO DOS MORTOS
bertará dessa necessidade – muito parecido Enquanto o Bhavacakra revela detalhes so-
com o ciclo de reencarnações que norteiam bre os ciclos da vida, um outro texto sagrado
a doutrina espírita. budista, o Livro Tibetano dos Mortos, ou Bar-
O Samsara seria tudo o que nos prende do Thödol, esclarece o que acontece após a
ao mundo material e a um suposto e intermi- morte do corpo carnal. É nesse texto, passa-
nável ciclo de nascimentos, mortes e renas- do de geração em geração via oral antes de
cimentos. A vida humana é regida por atos e ser escrito, que surge a concepção budista
sentimentos mundanos, que contêm tanto o que mais se aproxima do conceito ocidental
bem quanto o mal, a alegria e a dor, e são, de reencarnação. “O Bardo Thödol se confi-
portanto, relativos e não absolutos. Ou seja, gura como um tratado tibetano sobre a ciên-
o que aparentemente é dor e sofrimento pode cia da morte e do renascimento, um manual
ser algo proveitoso para o crescimento espi- no qual estão contidas as grandes mensa-
ritual, enquanto o prazer desmedido, aparen- gens reveladoras sobre a arte de morrer, tão
temente bom, transforma-se em carma ruim. importante quanto a arte de viver, por isso,
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ambas se completam. Nesse sentido,


trata-se de um processo psíquico e
espiritual a ser percorrido, visando o
correto aprendizado de uma morte cor-
retamente controlada. Nele, os sábios
ensinam que a meta final do homem é
a transcendência sobre a transitorieda-
de”, detalha a pesquisadora Ana Cândi-
da Vieira Henriques, em sua dissertação
de mestrado em Ciências das Religi-
ões apresentada à Universidade Fe-
deral da Paraíba.
Ana Cândida explica que a palavra
tibetana “bardo” se aplica a “toda a
experiência ou a todo fenômeno cujos
limites temporais são definíveis”, não
está relacionado exclusivamente à mor-
te. De acordo com o texto sagrado, o pri-
meiro Bardo da morte, ou Chikhai Bardo,
se inicia logo após o momento da morte
e pode durar até quatro dias. Durante
esse período, ainda não há consciên-
cia do morto, que já não habita mais
um corpo.
No segundo Bardo, ou Chönyid Bar-
do, enfim tem-se consciência da mor-
te. Este é um período que pode ser
acompanhado de visões muitas vezes
aterrorizantes, conforme a vivência de
cada um. Segue-se então o terceiro
Bardo, ou Sidpa Bardo, período em
que se busca um novo renascimento
e que termina justamente quando este
se confirma, seja no mundo dos hu-
manos ou não. É, portanto, antes
um renascimento do que uma reen-
carnação.
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BHAVACAKRA, A RODA DA VIDA


O Samsara, palavra do idioma sâns- deuses – porém, nada fazem para que
crito que pode ser traduzida por “ciclo alcancem a iluminação; e o domínio
perpétuo”, é representado no Budis- humano, considerado precioso por
mo Tibetano através da Roda da Vida, oferecer oportunidade de uma evolu-
ou Bhavacakra. No centro da roda, es- ção espiritual, o que não ocorre nos
tão representados três animais, ou os outros mundos.
três venenos dessa vida: o galo, que Os domínios inferiores compreendem
representa o desejo; a cobra, que sim- o mundo dos animais, presos a seus
boliza o ódio e a inveja; e o porco, a instintos e inúmeras limitações para
personificação da ignorância. conseguir evoluir rumo ao rompimen-
O círculo seguinte é dividido em duas to do Samsara. Outro mundo inferior
partes, que estampam os caminhos é povoado pelos espíritos sedentos,
cármicos. Assim, de um lado estão os cheios de paixões insatisfeitas. Por
caminhos claros e positivos, formado fim, no mais baixo de todos, o inferno,
de boas ações, e, de outro, a escuri- estão os espíritos esfomeados, tortu-
dão, com demônios a puxar pessoas rados em função de seus carmas alta-
para baixo. mente negativos.
O terceiro e maior círculo é dividido O círculo seguinte, o último e que for-
em seis partes, que simbolizam os ma uma espécie de anel em torno da
três mundos, ou domínios, superiores roda, divide-se em 12 partes, ou elos
e os três inferiores. Os três domínios (nidanas). Eles são dependentes entre
afortunados são o dos deuses (devas), si, ou seja, um é condição para que a
a mais perfeita das formas de exis- outra exista. Por isso, também é con-
tência; dos semideuses ciumentos siderado uma representação de causa
(asuras), que desejam ser iguais aos e efeito.

FONTES O Conceito de Reencarnação no Espiritualismo


Moderno: entre o Círculo de Samsara e o Evolucionismo
Positivista, de Marcelo Camurça; A Reencarnação e sua
Interface com a Bioética (dissertação apresentada ao
Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário
São Camilo), de Angélica Bogatzky Ribeiro; Sobre a Morte
e o Morrer – concepções e paralelismos entre o Catolicismo
Romano e o Budismo Tibetano (dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação e Ciências das Religiões da
Universidade Federal da Paraíba), de Ana Cândida Vieira
Henriques | FOTOS delcarmat/ Shutterstock Images
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À procura do
EQUILÍBRIO Confira como o Budismo
pode se integrar à rotina
e deixá-la ainda mais
saudável e satisfatória
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onquistar um estilo de vida mais cal- CONSUMISMO X BUDISMO

C mo e significativo é o desejo de mui-


tas pessoas. O objetivo maior é
alcançar uma existência com me-
nos sofrimento, o que é uma tarefa e tanto
Para muitas pessoas, é quase inevitável
comprar coisas das quais elas não precisam
de verdade. E, em grande parte dos
casos, a compra acontece de
diante do ritmo desenfreado e atroz dos tem- forma inconsciente, como se
pos atuais. Procurar compreender os ensina- o sujeito estivesse no au-
mentos do Budismo e colocá-los em prática tomático e consumir pro-
pode ser um caminho para encontrar um jei- dutos fosse o que mais
to mais saudável de se viver. lhe desse satisfação. Cla-
ro que é bom poder com-
A RELAÇÃO ENTRE A prar o que deseja e ter uma
MODERNIDADE E A VACUIDADE vida confortável, mas esse pra-
Não há como negar ou tentar fugir – a tec- zer é ilusório e o Budismo alerta
nologia nos traz, a todo instante, informações para o perigo que existe quando se
sobre tudo o que está acontecendo no mun- vive em uma sociedade basea-
do todo. A menos que você faça votos e siga da na cultura de desejo.
uma vida monástica, tentar se “desconectar” Para Padma Dorje, ter
do agitação moderna pode ser muito difícil. equilíbrio e saber o real va-
A maioria das pessoas precisa trabalhar, lor de tudo o que nos ro-
manter a casa organizada e limpa, lidar com deia é essencial para não
o chefe, cuidar da família e, em meio a tan- cair na armadilha do con-
tas responsabilidades, se perder no mundo sumismo selvagem. “Não é
de ilusões fica fácil. Mas o Budismo oferece necessário abandonar nada,
um caminho pelo qual você consegue pau- apenas a visão enganosa de que
sar, relaxar e ficar em silêncio – pelo menos as coisas produzem satisfação ver-
por um tempo. Nos centros budistas, os fre- dadeira. Pode-se reconhecer
quentadores seguem um roteiro pelo qual con- isso refletindo sobre a própria
seguem mudar suas vidas pessoais. Quem morte, a morte de todos os
pratica essa filosofia religiosa, geralmente, seres, o fim de todas as
possui local e horário exclusivos para ouvir coisas naturais – enfim,
os ensinamentos de Buda, além de meditar refletindo sobre a imper-
e compreender como podem transformar as manência. O melhor não
suas rotinas. O objetivo é absorver a realida- é, por exemplo, não ter um
de por meio da compreensão do que o Bu- carro bonito e caro. O melhor
dismo chama de vacuidade. De acordo com é ter esse carro e ser capaz de,
Padma Dorje, “vacuidade não quer dizer lite- ao vê-lo arranhado ou roubado, lembrar
ralmente vazio. Significa que uma coisa não o que sempre foi óbvio: o carro era imper-
é independente – ela está sempre interligada manente, a pintura era impermanente. Se a
a todas as outras coisas”, explica. pessoa não fica chateada quando as coisas
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impermanentes manifestam a sua imperma- alguma forma. Essa é uma grande ilusão ad-
nência, isso significa que ela tem desapego”, vertida pelo Budismo.
afirma o mestre. E acrescenta: “Isso também Para o discípulo da monja Coen, Tenryu
não significa que a pessoa não faz um bole- Daiko, entender que tudo é frágil e instável
tim de ocorrência quando o car- é uma maneira do Budismo introduzir um co-
ro é roubado: apenas que há tidiano mais tranquilo na vida das pessoas.
muita diferença entre uma “A ideia de impermanência, de que não exis-
pessoa esclarecida e que te nada fixo, liberta-nos de apegos e aver-
não se desespera – ou so- sões e a compreensão da interdependência
fre menos com uma coisa e interconectividade de todas as existências
dessas – e uma pessoa nos transforma em seres mais compassivos
que leva semanas para se e sábios. Diante de inúmeros estímulos e
recuperar. Em todo caso, é exigências da vida moderna, a concentração
melhor sofrer menos. E como conquistada na meditação promove tranqui-
se sofre menos? Entendendo como lidade, foco e bem-estar, melhorando a vida
as coisas funcionam. Se a pes- de maneira integral, desde o equilíbrio dos
soa é totalmente lúcida e en- processos cardiorespiratórios até o nível da
tende perfeitamente como convivência e dos relacionamentos sociais”,
são as coisas, ela não se esclarece o discípulo.
desespera por absoluta-
mente nada. Talvez isso LIDANDO COM O PRESENTE
seja um sentido de paz, Quase todos vivem em um ritmo acelera-
mas é o mesmo sentido do e isso leva as pessoas a se preocuparem
de desapego”. demais com o agora, o que as faz esquecer
de que tudo um dia vai acabar. E, como vivem
DESAPEGAR imersas em um mundo de ilusões, acabam se
É PRECISO frustrando quando não conseguem comprar
Buda, durante os anos em o que querem ou quando um relacionamento
que passou ensinando, sem- não dá certo, por exemplo. Algumas vezes, a
pre enfatizou a importân- reação ao que não aconteceu como elas de-
cia de se compreender sejavam ocorre de forma tão negativa que fi-
sobre a impermanência cam doentes e não conseguem tocar a vida.
das coisas. Por determi- Para Padma Dorje, as pessoas precisam
nado ponto de vista, essa aprender que o presente um dia vai virar pas-
compreensão pode ir de en- sado, assim como o futuro e, um dia, tudo irá
contro ao que qualquer ser desaparecer. É a famosa impermanência das
humano busca no seu cotidiano, coisas. “Na visão budista, se fala algumas
que é estabilidade. Seja financeira, emocio- vezes que se fixar no passado ou no futuro
nal ou familiar, ser estável na sociedade mo- é problemático. Mas, na verdade, o ‘agora’
derna significa estar seguro, pelo menos de também tem problemas. Num sentido último,
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todas as noções de tempo surgem da igno- ou vamos nos distrair, simplesmente volta-
rância, e o que existe mesmo é uma atem- mos, delicadamente, nossa atenção à sen-
poralidade, uma ausência de tempo. Mas a sação do ar entrando pelas narinas”, ensina.
nossa experiência é ver as coisas morrerem, É se atentar ao agora, porém, de um jeito
degradarem, piorarem: a impermanência é diferente. A pessoa que medita não se pre-
muito real para nós”, explica o mestre. “Em ocupa com o presente como um peso, algo
vez de tentar capturar um momento presen- que deve estar perfeito aos olhos da socie-
te que nunca vai ser capturado, ou não fazer dade. O momento de meditação é relaxan-
planos ou não ter saudade dos tempos pas- te para ela, que se sente conectada só com
sados, talvez o mais importante seja ver tudo ela mesma. “Esse treinamento vai fazer com
como um sonho”, complementa. que a mente fique livre e flexível, o que vai
permitir reconhecer as coisas como elas são
UMA PAUSA PARA O e assim evitar o sofrimento desnecessário”,
SILÊNCIO INTERIOR acrescenta o padma.
Dentre todas as práticas budistas, a medi- Na meditação, a pessoa volta a refletir so-
tação é a mais conhecida no Ocidente. Mais bre a impermanência, sobre a natureza de so-
do que sentar e ficar em silêncio, essa práti- nho de tudo, sobre a irrealidade do ‘eu’ e, se
ca pode despertar a mente e fazer com que ela não consegue isso, primeiro, ela flexibili-
a vida seja mais leve. É um raro momento no za a mente com a meditação e, daí, ela faz o
qual o praticante consegue ficar sozinho com voto de ajudar os outros que seguem enga-
ele mesmo, sem celular, rede social ou co- nados tomando o sonho por realidade. Esse
brança, enfim, sem correria. último passo é o mais importante, porque é
Para Padma Dorje, “durante a prática de nisso que surge a única satisfação e felicida-
meditação, você não fica fazendo planos ou de possíveis”, finaliza Padma Dorje.
lembrando o passado. Por isso, se diz que ‘fi-
camos no presente’. Mas, esse ficar no pre-
sente é mais simples do que tentar capturar CONSULTORIAS Padma Dorje (Eduardo Pinheiro) e Tenryu
o tempo – é só não ficar focado no que foi e Daiko, discípulo da monja Coen | FONTES Livro A Roda da
Vida como caminho para a lucidez, de Lama Padma Samten
no que pode ser. Para isso, prestamos aten- (Editora Peirópolis), Sites Tzal (www.tzal.org) e Centro
de Estudos Budistas Bodisatvo (www.cebb.org) | FOTOS
ção na respiração e quando nos distraímos Elenabsl/ Shutterstock Images
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Questões
BUDISTAS
Perguntas e respostas sobre
princípios da religião

COMO O BUDISMO PODE NOS seja, é um caminho para redescobrirmos o


AJUDAR NO DIA A DIA, que temos de melhor, gerar gentileza conos-
NA CONVIVÊNCIA COM co, ficarmos bem dentro da nossa própria
A FAMÍLIA, COM OS AMIGOS pele e, então, manifestarmos isso para fora,
E NO TRABALHO? ajudando os outros, melhorando nossa rela-
“O Budismo em si, enquanto religião ou fi- ção com as pessoas, principalmente família
losofia de vida, pode nos ajudar no dia a dia, e amigos. No fundo, além dos ensinamentos
em primeiro lugar, porque é um grupo de en- todos (e existem muitos), a ideia, aqui, é a
sinamentos antigos que tem como prioridade prática. Esta prática, baseada na meditação,
acordar, ou desbloquear, um potencial huma- tem como princípio sincronizarmos o nosso
no escondido em nós. Há muito mais a ideia corpo e nossa mente, destruirmos o casulo
da paz original do que do pecado original. Ou de proteção que criamos com os nossos con-
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ceitos e pré-conceitos, e podermos nos enga- ples. Por fim, corte os vínculos que o prendem
jar com o mundo afora. E isso é algo humano, aos preconceitos, às posses, aos apegos, até
independe de religião ou crença. Se alguém mesmo aos entes queridos; com alguns des-
se desenvolve neste nível, qualquer religião ou ses você pode manter vínculos, mas não se
crença que for escolhida fará bem a si mes- prenda a eles. Trilhando esse caminho, entra-
mo e a todos ao redor.” -se no reino da felicidade; felicidade para você
Por Charles Betito Filho e para todas as coisas vivas.”
Por Franz Metcalf
COMO ALCANÇAR A FELICIDADE
SEGUNDO OS PRECEITOS NA VISÃO BUDISTA,
BUDISTAS? O QUE ACONTECE COM
“Primeiro, cuide da saúde; dela provém a QUEM COMETE SUICÍDIO?
força para trilhar os outros cinco caminhos. “O destino das pessoas que cometem sui-
Segundo, siga a virtude: não a perfeição, não cídio é o inferno, e embora esse inferno dure
a moralidade consensual, não a complacên- muito tempo, não é permanente, e num de-
cia, mas a virtude. A seguir, aprenda; aprenda terminado momento a pessoa para de viven-
com as pessoas, com os livros, com a inter- ciá-lo. Porém, ainda terá grande dificuldade
net, com o que for. Diga a verdade; isso é sim- de obter novamente um renascimento huma-
no – mas isso eventualmente pode acontecer
dentro de alguns milhares de renascimentos
em condições de sofrimento maiores do que
as do reino humano. É bom lembrar que
o Budismo não tem em mente que o
Buda seja responsável por essa pu-
nição, ou que isso seja invenção
do Budismo. Apenas se está re-
latando algo que se conhece
por meio da prática de medi-
tação, quando um praticante
lembra de vidas passadas,
ou quando conhece as vidas
passadas de uma outra pes-
soa.”
Por Padma Dorje
Telegram: @Clubederevistas

COMO O BUDISMO ABORDA getais estamos absolutamente livres de es-


O CONSUMO DE CARNE tar causando sofrimento. No caso dos leigos
E O VEGETARIANISMO? que estão no jogo da compra e venda, e par-
“Como vivemos num mundo onde a interde- ticularmente nos dias de hoje, devemos pro-
pendência parece ter se tornado um bocado curar comer o que é mais saudável, consumir
mais intensa, ou melhor dizendo, mais eviden- conscientemente e tentar exercer atividades
te, não conseguimos separar o ato de comer que não produzam sofrimento, ou o mínimo
do ato de comprar e do ato de matar. Portan- de sofrimento possível. A maioria dos profes-
to, em nossos tempos, devemos realmente sores budistas que conheço evitam a carne,
praticar consumo consciente, já que não só mas a comem quando oferecida. Com rela-
a carne que vemos exposta nos supermerca- ção a mestres realizados, sabe-se que é be-
dos está cheia de sofrimento vasto e inconce- néfico para o animal ser consumido por um
bível, mas todos os produtos que compramos ser de sabedoria.”
— vegetais que implicam em agrotóxicos e Por Padma Dorje
a morte de incontáveis insetos, uso de ener-
gia que implica impacto no ambiente, explo-
ração dos trabalhadores e roubo dos vários
atravessadores, sem falar nos impostos
que algumas vezes promovem guerras
e patrocinam corruptos. Quase todas
nossas ações de consumo igual-
mente implicam sofrimento vasto
e inconcebível. O consumo cons-
ciente deve estar presente em
todas as nossas compras, e de-
vemos, de fato privilegiar aque-
les produtos que implicam em
menor impacto. A carne, sem
dúvida, é um produto bastante
negativo e deve ser evitada com
moderação, sem orgulho e sem
a ideia de que ao consumirmos ve-

COORDENADORA DE REVISTAS DIGITAIS Hérica Rodrigues ([email protected])


REDAÇÃO Ana Carvalho ([email protected]), Ana Kubata ([email protected]),
Fernanda Villas Bôas ([email protected]) e Gabrielle Aguiar ([email protected])
DESIGN Lilian Flaitt ([email protected]) e Roberta Lourenço ([email protected])

Conteúdo produzido e publicado originalmente na revista: Mente Curiosa - Ano 4, Nº 82 - Julho - 2020 ©2024 EDITORA
Ano 2, nº 13 - Novembro 2024 ALTO ASTRAL LTDA. TODOS OS
DIREÇÃO João Carlos de Almeida e Pedro José Chiquito DIREITOS RESERVADOS.
CONTATO [email protected] PROIBIDA A REPRODUÇÃO.
ENDEREÇO Rua Joaquim Anacleto Bueno, 1-70, Setor M83 -Jardim Contorno, Bauru -SP-CEP: 17047-281
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