PPBIO Mata Atlantica
PPBIO Mata Atlantica
PPBIO Mata Atlantica
“Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo, que é tan-
to, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar.” Carta
de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, D. Manoel I
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Conhecendo a Biodiversidade
CLIMA E RELEVO
Longe de serem homogêneas, as características geológicas, geomorfológicas e clima-
tológicas variam ao longo da Mata Atlântica. No Rio Grande do Sul e em parte de Santa
Catarina, os terrenos são relativamente planos e estendem-se das planícies longas do
litoral para os planaltos no centro e oeste. Do norte de Santa Catarina até Espírito Santo
e Minas Gerais, grandes maciços montanhosos, também chamados de “mares de mor-
ros”, geram uma variação altitudinal importante e separam as regiões mais próximas do
litoral daquelas mais interiores. Nesta região, as serras do Mar e da Mantiqueira retêm
grande parte da umidade vinda do mar, conferindo um caráter muito úmido às encostas
voltadas para o litoral. Já nas áreas de baixada próximas ao mar, a planície litorânea pode
ser muito extensa e os depósitos marinhos arenosos recentes possibilitam a ocorrência
de restingas e brejos marinhos. Em direção a oeste, as serras são substituídas por planal-
tos. No litoral nordeste, a partir do vale do rio Doce até o Rio Grande do Norte, o Grupo
Barreiras é a unidade geológica predominante. Os terrenos planos são abruptamente
rompidos no litoral, gerando falésias. No interior da região, ao norte do rio São Francis-
co, planaltos e chapadas acima de 500 m de altitude formam “ilhas úmidas” devido às
chuvas orográficas que garantem condições privilegiadas de umidade e temperatura.
BIODIVERSIDADE
A Mata Atlântica é uma das florestas com maior número de espécies de animais e plan-
tas por unidade de área, tendo entre 1% e 8% de toda a flora e fauna mundiais. Na
Mata Atlântica ocorrem 261 espécies de mamíferos (40% do total de espécies do Brasil),
688 de aves (38%), 200 de répteis (29%) e 280 de anfíbios (35%). Das 32.831 espécies
de Angiospermas (plantas com flores e frutos) registradas no Brasil, 15.511 ocorrem na
Mata Atlântica, sendo que 8.443 são endêmicas. De 627 espécies da fauna ameaçadas
de extinção no Brasil, 61% ocorrem na Mata Atlântica. Em relação à flora, apresenta
1.544 espécies ameaçadas de extinção, sendo o bioma brasileiro com maior número de
espécies ameaçadas.
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mata atlantica
Antes da colonização do país, a Mata
Atlântica distribuía-se por grande parte
do território brasileiro, na região litorânea
desde o norte do Rio Grande do Norte até
o Rio Grande do Sul, e também no interior,
penetrando pelo continente sul-america-
no no sentido leste-oeste. Aproximada-
mente 70% da população brasileira atual-
mente moram na região de ocorrência da
Mata Atlântica, resultado de uma história
de ocupação que ocasionou uma drástica
redução de sua área a percentuais entre
11% e 16% da cobertura original. Dos frag-
mentos que existem atualmente, apro-
ximadamente 80% são pequenos, com
menos de 50 hectares, e apenas 9% estão
em unidades de conservação de proteção
integral. É, portanto, juntamente com o
Cerrado, o bioma mais degradado e amea-
çado do Brasil.
Devido à sua importância mundial para
Floresta Ombrófila Densa
a conservação da biodiversidade e para o
Floresta Ombrófila Mista
desenvolvimento sustentável, a Organiza-
Floresta Estacional Semidecidual
Remanescentes ção das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) reconhece a
Mata Atlântica como Reserva da Biosfera
Distribuição pretérita das principais formações
e duas de suas regiões como Patrimônios
da Mata Atlântica e seus remanescentes (Fonte: Naturais Mundiais, a Reserva do Sudeste
SOS Mata Atlântica, 2015) da Mata Atlântica, que engloba os estados
do Paraná e São Paulo, e a Costa do Des-
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Conhecendo a Biodiversidade
cobrimento, que se estende pelo litoral da
Bahia e do Espírito Santo. O bioma é de-
clarado Patrimônio Nacional no artigo 225
da Constituição Federal e é o único a ter
uma legislação específica, a Lei da Mata
Atlântica1. Por ser uma das áreas biologi-
camente mais insubstituíveis e importantes
no mundo, com pouco mais de sete mil es-
pécies endêmicas de plantas, e por sua alta
vulnerabilidade, comprovada pela avan-
çada redução e fragmentação da sua área
original, é também considerada uma região
prioritária (hotspot) para conservação.
As grandes variações ao longo de toda sua
extensão promovem uma diversidade de
condições ambientais, influenciando tanto
a biodiversidade quanto a aparência (fito-
fisionomia) da vegetação. Por este motivo,
a Mata Atlântica não é considerada uma
única floresta homogênea. Reconhece-se,
Floresta Ombrófila Mista (Floresta
na região litorânea do Nordeste e Sudeste, de Araucária) na região do Parque
onde os efeitos do oceano Atlântico deter- Nacional de São Joaquim, SC
minam um clima quente e úmido, a chama-
da Floresta Ombrófila Densa, ou Floresta Ombrófila Mista, ou Floresta com Araucá-
Pluvial Atlântica, caracterizada por uma ria, caracterizada pela presença marcante
flora tropical, com uma diversidade de for- da araucária, uma espécie de pinheiro de
mas de vida vegetal e animal. Na região Sul, clima temperado. Já no interior do país, em
em climas úmidos e frios, ocorre a Floresta clima sazonal, com verões quentes e úmi-
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mata atlantica
cursos d’água), passando por terras baixas
e subindo as encostas montanhosas, rece-
bendo as denominações de sub-montana,
montana e alto-montana, esta última atin-
gindo mais de 1.000 m de altitude. Por esta
classificação mais detalhada da vegetação
brasileira, a Mata Atlântica é composta por
13 formações florestais.
Associados ao bioma estão, ainda, ecos-
sistemas importantes no funcionamento e
na diversidade das florestas, tais como as
restingas, vegetação com influência mari-
nha que ocorre nas planícies litorâneas do
nordeste ao sul do país; os manguezais,
vegetação com influência fluvio-marinha
que ocorre nas regiões de desembocadu-
ra dos rios no mar; os campos de altitude,
nas regiões mais altas dos grandes maci-
ços de montanhas da Serra do Mar e da
Serra da Mantiqueira; e os campos suli-
Interior de mata de restinga, na Reserva
Biológica da Praia do Sul, na Ilha Grande, RJ nos, entremeados à Floresta de Araucária,
em partes do sul do país.
Outra forma de compartimentar a Mata
dos e invernos frios e secos, ocorre a Flo- Atlântica é observando a distribuição das
resta Estacional (Semidecidual e Decidual), suas espécies. Pesquisadores que anali-
caracterizada por uma flora tropical rica saram padrões de endemismo propuse-
que perde parte das folhas durante o inver- ram dividir o bioma em oito sub-regiões
no. Todas essas florestas podem ser ainda biogeográficas, sendo cinco áreas de en-
divididas de acordo com a posição altitudi- demismo (quatro nas florestas úmidas
nal, desde aluvial (dentro dos terraços dos do Nordeste e a cadeia de montanhas
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Conhecendo a Biodiversidade
Floresta Estacional Semidecidual na Reserva Natural Vale, Linhares, ES
costeira da Serra do Mar) e três áreas leta de mariscos, frutos e de uma agricul-
de transição (denominadas São Francis- tura de baixo impacto, que pouco afetava
co, Florestas de Interior e Florestas de a diversidade da floresta. A chegada dos
Araucária). De modo mais simplificado, o colonizadores mudou o uso da terra, pas-
bioma pode ser separado em apenas dois sando inicialmente por uma economia ba-
blocos, um ao norte e um ao sul, com li- seada no extrativismo de pau-brasil e na
mite coincidindo com o vale do rio Doce, agricultura de subsistência. Já no século
no Espírito Santo. Observando as plantas XVI, iniciou-se o cultivo de cana-de-açúcar
nesses dois blocos, a flora do bloco ao em amplas áreas, principalmente no nor-
norte tem mais influência da Amazônia, deste do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo,
enquanto a flora ao sul é influenciada por onde a floresta começou a ser devastada
outras regiões, como os Andes. e substituída pela monocultura canavieira.
Com a descoberta de ouro em Minas Ge-
Breve história da devastação da Mata rais, a população aumentou e boa parte
Atlântica das florestas de Minas Gerais foi derruba-
Os europeus iniciaram a colonização do da. No século seguinte, deu-se início ao
Brasil pela Mata Atlântica, onde havia uma cultivo do café, primeiramente na cidade
população indígena com, possivelmente, do Rio de Janeiro, depois no vale do rio Pa-
alguns milhões de pessoas. Estes índios raíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro,
viviam principalmente da caça, pesca, co- e, posteriormente, no Estado de São Pau-
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mata atlantica
lo. As matas foram substituídas pela nova áreas remanescentes estão imersas em
lavoura, ficando a floresta nativa restrita matrizes predominantemente agrícolas
aos morros mais íngremes. No século XX, ou urbanas, isolando fragmentos e impos-
houve grandes derrubadas para extração sibilitando o fluxo de espécies.
de madeira e plantação de café no Espí- Embora a devastação da Mata Atlântica
rito Santo e, com a colonização do Para- venha ocorrendo há cinco séculos, muito
ná, ocorreu a expansão das monoculturas, ainda se devastou em tempos recentes.
chegando-se à situação atual. Como exemplo, planos governamentais
Estudos mostram que a devastação não para expansão do cultivo de cana-de-açú-
foi aleatória, mas seguiu um padrão guia- car para produção de etanol, na década de
do pelo relevo. Inicialmente, as florestas 1970, devastaram boa parte dos últimos
aluviais, as de terras baixas e as sub-mon- remanescentes. No século XXI, as amea-
tanas foram devastadas, restando cober- ças ao bioma incluem, principalmente,
tura florestal nas áreas mais íngremes. As- corte seletivo para produção de carvão,
sim, muito do que foi destruído pode ter desmatamento ilegal de áreas florestadas,
tido espécies ou características que nem caça, coleta de espécies vegetais e invasão
sequer chegaram a ser descritas pela ciên- por espécies exóticas vegetais e animais.
cia. Boa parte do que restou ocupa en-
costas onde a declividade acentuada não Biodiversidade e processos ecológicos
permitiu outros usos do solo. As pequenas A biodiversidade da Mata Atlântica é re-
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Conhecendo a Biodiversidade
sultado de vários processos que ocorre- lação das espécies com o ambiente e sua
ram ao longo do tempo evolutivo, além influência sobre o meio propicia a existên-
daqueles gerados pela forma com que as cia do nicho ecológico, cada espécie ocu-
espécies ocupam os nichos disponíveis. pando um papel particular. A distribuição
Embora sua biodiversidade seja impres- dos nichos no espaço geográfico faz com
sionante, estudos recentes mostram que, que cada espécie tenha uma distribuição
possivelmente, muito mais espécies de- própria sobre a superfície da Terra. Estas
vam ocorrer. Para árvores, por exemplo, ideias permitem compreender como mu-
calcula-se que apenas 0,01% das áreas danças ambientais são capazes de afetar a
protegidas tenham tido suas árvores ca- distribuição e a abundância das espécies e
talogadas ao longo dos mais de 70 anos processos ecossistêmicos, como o ciclo de
de estudos na Mata Atlântica. Isso permi- nutrientes e sais minerais, o ciclo hidroló-
te estimar que seriam necessários outros gico, o ciclo das chuvas, a evaporação, as
100 anos para que 1% de toda a área seja cheias e enchentes dos rios e o estoque de
avaliada. Programas amplos de levanta- carbono. Tais processos têm enorme im-
mento de diversidade, como o Programa portância para a vida humana.
de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), Um dos compartimentos essenciais em
são essenciais para se conhecer a biodi- inúmeros processos ecológicos é o solo.
versidade e prever os possíveis impactos A formação de solos depende, essencial-
da perda de espécies para os sistemas mente, de cinco fatores: clima, tipo de
biológicos. rocha matriz, relevo, tempo de formação
A biodiversidade está relacionada com os e biota. De modo geral, os solos da Mata
processos ecológicos que acontecem nos Atlântica são distróficos, ou seja, com
ecossistemas. A partir de uma perspectiva poucos nutrientes, com pH ácido e com
de funcionalidade, tais processos podem alto grau de lixiviação (muita modificação
ser classificados como processos relaciona- da composição do solo e muito transpor-
dos às respostas das espécies às variações te de nutrientes para outras áreas). Como
nas condições e recursos, ou como proces- existe uma variação grande na topografia
sos relacionados aos efeitos das espécies e no clima ao longo do bioma, há também
(papéis funcionais) nos ecossistemas. A re- diferentes combinações dos fatores que
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mata atlantica
Região de agricultura no limite de remanescente florestal no norte do Paraná
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Conhecendo a Biodiversidade
~ de habitats e endemismo na Mata Atlantica
Especializacao ^
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mata atlantica
em processos ecológicos. Resultados recen- como climáticas, hidrológicas, socioeco-
tes apontam que cada espécie de árvore da nômicas e agrícolas, todas relacionadas
Mata Atlântica seleciona, através de suas à entrada de água no sistema e deman-
características, um conjunto específico de da para um dado processo. Dependendo
bactérias que ocorrem nas folhas e no solo da demanda, a entrada de água via pre-
em contato com as raízes. Essa descoberta cipitação pode estar aquém do necessá-
abre novas perguntas, não apenas sobre uma rio. Por exemplo, como assumir que uma
riqueza de espécies ainda oculta, mas tam- precipitação anual de 2.000 mm na Mata
bém sobre o que faz a mediação das relações Atlântica é suficiente? Suficiente para qual
de interdependência entre microrganismos processo? Se a demanda da vegetação e
e a vegetação, e sobre os papéis ecológicos de atividades humanas for superior a esse
das comunidades de microrganismos em limite, ocorre uma seca tanto ecológica
processos como decomposição, ciclagem de quanto hidrológica, mas que não necessa-
nutrientes e defesas das plantas. riamente ocorrem simultaneamente.
Se o conhecimento sobre estrutura da As árvores da Mata Atlântica são suscetíveis
vegetação da Mata Atlântica é pequeno, à variação sutil na disponibilidade de água e
há ainda menos informação sobre pro- apresentam mecanismos de maximização
cessos funcionais da vegetação. Apenas da economia de água em períodos de me-
recentemente alguns dogmas científicos nor precipitação. Adicionalmente, sabe-se
começaram a ser superados em relação ao que em florestas tropicais montanas a maior
conhecimento, um deles sobre os proces- radiação solar e menor pressão atmosféri-
sos ambientais relacionados à água. A água ca aumentam a taxa de evapotranspiração
não é comumente considerada um fator (soma do que evapora direto da água e do
limitante na Mata Atlântica e, portanto, a solo e corpos d’água com a água proveniente
existência de uma estação seca foi, de certo da transpiração das plantas) e tornam os am-
modo, negligenciada. bientes mais secos. Nesse sentido, na floresta
O erro em assumir que não há eventos montana, a economia de água das árvores é
de seca na Mata Atlântica começa por não ainda mais acentuada, e as estratégias de uso
contemplar a existência dos vários concei- de água são similares às de plantas que
tos de seca. As secas podem ser definidas ocorrem em ambientes mais secos, como
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Conhecendo a Biodiversidade
processos através dos quais os ecossiste-
mas naturais e as espécies mantêm a vida
humana. Atualmente são reconhecidos 24
serviços ecossistêmicos, que podem ser
agrupados em quatro principais catego-
rias: serviços de provisão, como alimento
e água; serviços de regulação, como a re-
gulação de enchentes e secas, degradação
dos solos e doenças; serviços de suporte,
como a formação dos solos, a produção
de oxigênio e os ciclos de nutrientes; e
Corpo reprodutivo do fungo
Phallus indusiatus serviços culturais, como o ecoturismo e
a recreação, o valor espiritual e religioso
restingas e florestas secas. Esses resultados e outros benefícios não materiais. Todos
reforçam estudos que dizem que em época estes serviços trazem benefícios à huma-
passadas, mais secas, a Mata Atlântica se nidade e, para que possam ser gerados, é
restringiu à base das montanhas, nas terras necessário que os processos que ocorrem
baixas (a cerca de 100 m acima do nível do nos ecossistemas e a própria diversidade
mar), enquanto em áreas montanhosas deu biológica sejam conservados nos ambien-
lugar a uma vegetação campestre. Por, pos- tes naturais.
sivelmente, estarem próximas ao limite de Assim como outras florestas tropicais, a
tolerância fisiológica, as áreas montanhosas Mata Atlântica tem importante papel no
são mais vulneráveis a eventos de seca, que fornecimento de serviços ambientais para
podem se tornar mais frequentes com as a população humana. Considerando que
mudanças climáticas. se distribui ao longo de 17 estados brasi-
leiros, abrigando grande parte da popu-
Serviços ambientais e benefícios da bio- lação do país, os serviços oferecidos pela
diversidade Mata Atlântica representam uma parcela
Os serviços ambientais ou ecossistêmicos importante das condições de vida no Bra-
podem ser definidos como as condições e sil. Além disso, dada a grande variedade
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mata atlantica
de ecossistemas, a complexidade de seu A Mata Atlântica desempenha papel im-
funcionamento, bem como a particulari- portante na regulação dos serviços locais,
dade de sua biota, a Mata Atlântica tem regionais e globais de água e clima, por
um papel singular na entrega de serviços, meio de diferentes funções interligadas.
os quais não podem ser substituídos pelos A cobertura vegetal e o solo dessa flo-
entregues por outros ecossistemas. restas estocam grande volume de água e
Florestas tropicais armazenam, abaixo ou a transportam para o ar via transpiração,
acima do solo, cerca de um terço do total resfriando a atmosfera e proporcionando
de carbono de reservas mundiais economi- a formação de nuvens e precipitação. A
camente importantes, como as reservas de derrubada das matas interfere neste ciclo,
petróleo, gás e carvão. Florestas tropicais, pois impede o armazenamento da água
intactas e secundárias, também seques- no solo, gerando enchentes e grandes pre-
tram continuamente o carbono atmosféri- juízos aos seres humanos. Quando o ciclo
co resultante de emissões de gases do efei- da água é mantido pelas áreas florestais, o
to estufa. O acúmulo de carbono, medido clima torna-se ameno, favorecendo a pro-
pela biomassa aérea, varia entre as fitofi- dução agrícola e a própria permanência
sionomias, com florestas montanas acumu- das populações humanas nas regiões pró-
lando mais que as submontanas, que por ximas à floresta, ou mesmo nas cidades.
sua vez acumulam mais que florestas de A Mata Atlântica também é importante
terras baixas e as restingas. A fragmentação para a formação do solo e sua proteção,
pode alterar drasticamente esse processo, através do controle da interceptação da
reduzindo a um terço o total de carbono água sobre o solo e da regulação do flu-
sequestrado. Embora essa situação de alta xo de sedimentos. Em condições naturais,
fragmentação e perturbação seja recor- os solos florestais retêm sedimentos no
rente em diferentes regiões do país, estu- ecossistema, controlando a perda de nu-
dos mostram que a restauração da Mata trientes em escala local. Em áreas onde
Atlântica pode reverter esse quadro, sendo a cobertura vegetal foi removida ou con-
possível triplicar a quantidade de carbono vertida em sistemas agrícolas, o solo é
sequestrado em áreas florestais em rege- erodido, com uma constante remoção
neração em apenas 60 anos. de sedimentos das camadas mais super-
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Conhecendo a Biodiversidade
ficiais e inúmeros impactos negativos so-
bre os serviços ecossistêmicos. Os efeitos
incluem redução da qualidade do solo,
eutrofização (aumento drástico na quan-
tidade de nutrientes), contaminação e se-
dimentação de reservatórios e cursos de
água (devido ao transporte superficial de
sedimentos) e o aumento das emissões de
gases de efeito estufa. A restauração da
vegetação nativa pode reverter parte das
perdas. Portanto, um controle efetivo dos
solos sob as florestas é essencial para a
entrega de serviços para as pessoas.
A ciência vem demonstrando que ecos- Delimitação de parcela aquática no
módulo Rapeld na Reserva biológica
sistemas mais diversos em espécies for-
Augusto Ruschi, em Santa Teresa, ES
necem maior quantidade ou qualidade de
serviços ambientais. Essa relação é espe- sedimentos pela ação de suas raízes etc.).
cialmente importante em ecossistemas Exemplo de espécie-chave para o serviço
como a Mata Atlântica, onde a diversida- de produção são as abelhas nativas, que,
de de espécies e o endemismo são altos. ao se deslocarem da floresta para as áreas
A ação positiva da diversidade se dá pelo agrícolas vizinhas, realizam a polinização
efeito dominante de algumas espécies e aumentam substancialmente a produ-
chave, que fornecem uma quantidade ção de espécies agrícolas, como frutífe-
grande de serviços (por exemplo, espé- ras e grãos. Além disso, a rica variedade
cies de árvores gigantes que sequestram de flora e fauna que interagem entre si e
carbono em sua biomassa), ou pelo soma- com o ambiente assegura a renovação e
tório dos serviços variados desempenha- a resiliência da floresta, atuando positiva-
dos por múltiplas espécies (algumas com mente na própria manutenção das espé-
maior efeito sobre o sequestro de carbo- cies. Como consequência, é assegurado
no, outras realizando o aprisionamento de o armazenamento de material genético
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mata atlantica
único de produtos potencialmente úteis à essa situação com ações que permitam re-
população humana. cuperar as áreas que já foram devastadas,
A Mata Atlântica fornece ainda serviços assim como rever o código de forma que a
culturais para a população que vive nas suas Mata Atlântica seja restaurada e que todos
proximidades. Algumas das áreas protegi- possam usufruir de seus serviços. Políticas
das da Mata Atlântica possuem importante públicas que não incentivam a restauração
estrutura de ecoturismo, que pode ser a dos ecossistemas e a manutenção da biodi-
principal atividade econômica de algumas versidade terão consequências graves para
regiões, como acontece em vários pontos a humanidade – consequências que já se
do litoral brasileiro. Embora em situações fazem sentir nos eventos de enchentes e
raras, devido ao alto grau de fragmenta- falta d’água em diferentes partes do Brasil.
ção em que a Mata Atlântica se encontra, A segurança hídrica, energética e alimentar
algumas florestas remanescentes também do país dependerá, cada vez mais, da res-
servem parcialmente como meio de subsis- tauração das florestas.
tência para populações locais.
Apesar de sua importância, recentemente
Estratégias de conservação e uso sus-
houve retrocesso na lei de proteção dos re-
tentável
manescentes florestais. O Código Florestal
aprovado em 20122 permitiu uma redução O desmatamento e a consequente frag-
da cobertura vegetal exigida nas margens mentação são algumas das principais
dos rios e topos de montanhas no Brasil, ameaças à Mata Atlântica. As áreas rema-
estabelecendo faixas mínimas de vegeta- nescentes sofrem tanto com expansão de-
ção de acordo com o tamanho da proprie- sordenada das cidades e com a instalação
dade rural. Estima-se que as mudanças de empreendimentos hidrelétricos e de
promovidas por essa lei reduzam drasti- mineração, quanto com a ampliação dos
camente os serviços providos pela Mata plantios de árvores exóticas para cons-
Atlântica, especialmente a qualidade de trução civil e carvão vegetal. De 1985 a
hábitat, o estoque de carbono e a reten- 2000, essas atividades contribuíram com
ção de sedimentos. É necessário reverter a destruição de aproximadamente mil km2
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Conhecendo a Biodiversidade
anuais de Mata Atlântica. Mesmo que na A recuperação dessas áreas possibilita o
última década tenha havido redução de crescimento gradual da floresta, que pode
80% na taxa anual de desmatamento, mui- recuperar algumas das suas características
to precisa ser feito para zerar a destruição funcionais e estruturais, e assim contribuir
e estabelecer estratégias de conservação para melhoria dos serviços ambientais.
e uso sustentável do bioma. Áreas restauradas também podem ser
As soluções para a conservação da Mata usadas como corredores ecológicos que
Atlântica passam pela proteção dos re- ligam unidades de conservação. Assim,
manescentes de floresta nativa, através associando-se a proteção em unidades de
da criação de novas unidades de conser- conservação à restauração ecológica, po-
vação, e pela restauração ecológica de de-se aumentar as chances de proteger a
áreas degradadas e abandonadas prin- biodiversidade e os serviços ecossistêmi-
cipalmente por atividades agropastoris. cos deste importante bioma brasileiro.
Sugestões de leitura
A história da Mata Atlântica, desde sua formação há milhões de anos até os tempos atuais, in-
cluindo o impacto que sofreu após a chegada dos colonizadores europeus, está bem descrita no
livro do historiador Warren Dean intitulado “A ferro e fogo. A história e a devastação da Mata
Atlântica Brasileira”, da Companhia das Letras. O autor nos leva a uma viagem no tempo, da
chegada dos colonizadores passando pelos ciclos econômicos que foram destruindo o bioma.
Em 2009, Milton Ribeiro e colaboradores publicaram na revista Biological Conservation o marco
atual da dimensão da perda e a distribuição dos remanescentes da Mata Atlântica, em artigo
intitulado “The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest distri-
buted? Implications for conservation”. Essas obras ajudarão o leitor a compreender o processo
de devastação da Mata Atlântica e as prioridades para sua conservação.
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