Revista Internacional Consinter de Direito
REVISTA INTERNACIONAL
CONSINTER
DE DIREITO
Publicação Semestral Oficial do
Conselho Internacional de Estudos
Contemporâneos em Pós-Graduação
ANO III – NÚMERO V
2º SEMESTRE 2017
DERECHO ANTE LOS DESAFÍOS
DE LA GLOBALIZACIÓN
014970
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 1
Revista Internacional Consinter de Direito
REVISTA INTERNACIONAL CONSINTER DE DIREITO, ANO III, Nº V, 2º SEM. 2017
Europa – Rua General Torres, 1.220 – Lojas 15 e 16 – Tel: +351 223 710 600
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e-mail: [email protected]
ISSN: 2183-6396
Depósito Legal: 398849/15
DOI: 10.19135/revista.consinter.00005.00
Editor:
David Vallespín Pérez
Catedrático de Direito Processual
Universitat de Barcelona
Diretores da Revista:
Germán Barreiro González
Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social
Universidad de León
Gonçalo S. de Melo Bandeira
Pós-Doutor e Professor de Direito Criminal, Constitucional e Europeu
ESG/IPCA, Minho
María Yolanda Sánchez-Urán Azaña
Catedrática de Direito do Trabalho e Seguridade Social
Universidad Complutense de Madrid
2 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
Revista Internacional Consinter de Direito
REVISTA INTERNACIONAL
CONSINTER
DE DIREITO
Publicação Semestral Oficial do
Conselho Internacional de Estudos
Contemporâneos em Pós-Graduação
ANO III – NÚMERO V
2º SEMESTRE 2017
DERECHO ANTE LOS DESAFÍOS
DE LA GLOBALIZACIÓN
Porto
Editorial Juruá
2017
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 3
Revista Internacional Consinter de Direito
COLABORADORES:
Aloisio Krohling Isabella Franco Guerra
Ana Maria Alves Rodrigues Varela Itziar Gómez Fernández
Antônio César Bochenek João Gualberto Garcez Ramos
Beatriz Souza Costa Joaquim Humberto Coelho de Oliveira
Bruno Amaral Machado José María Lombardero Martín
Bruno Rezende Ferreira da Silva Luciano Ferreira Dornelas
Carla Ferreira Gonçalves Luísa Munhoz Bürgel Ramidoff
Carla Liliane Waldow Esquivel Luiz Rodrigues Wambier
Clayton Reis Mª Ángeles Pérez Marín
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida Maria Carolina Rodrigues Freitas
Danilo Moura Lacerda Mário Luiz Ramidoff
Denise Hammerschmidt Nicola Frascati
Dirce Nazaré de Andrade Ferreira Paulo José Pereira Carneiro Torres da Silva
Eduardo Manuel Val Priscilla P. Costa Correa
Egas Moniz-Bandeira Rafael Mario Iorio Filho
Elena Palomares Balaguer Rafaela Cristina Rovani
Elizângela Treméa Fell Raquel Cristina Ferraroni Sanches
Fábio Lins de Lessa Carvalho Solange Holanda Almeida Silvio
Francisca Ramón Fernández Vânila Cardoso André Moraes
Gonçalo S. de Melo Bandeira Vitor Hugo Mota de Menezes
Heloysa Simonetti Teixeira Viviane Boacnin Yoneda Sponchiado
Iñaki Rivera Beiras Viviane Duarte Couto de Cristo
Ingrid Estíbaliz Sánchez Diez Wesley Wadim Passos Ferreira de Souza
Isa Filipa António de Sousa
8 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
Revista Internacional Consinter de Direito
Integrantes do Conselho Editorial do
Alexandre Libório Dias Pereira
Doutor em Direito; Professor da Faculdade
de Direito – Universidade de Coimbra.
Carlos Francisco Molina del Pozo
Catedrático de Direito Administrativo e Diretor do Centro de
Documentação Europeia – Universidade de Alcalá de Henares;
Professor da Escola Diplomática e do Instituto
Nacional de Administração Pública.
Ignacio Berdugo Gómez de la Torre
Catedrático de Direito Penal – Universidad de Salamanca.
Manuel Martínez Neira
Doutor em Direito; Professor Titular da
Faculdade de Ciências Sociais e Direito –
Universidad Carlos III de Madrid.
Mário João Ferreira Monte
Doutor em Ciências Jurídico-Criminais; Professor
Associado com nomeação definitiva na Escola de
Direito da Universidade do Minho; membro integrado
do Centro de Investigação de Direitos Humanos da
Universidade do Minho e Presidente do Instituto
Lusófono de Justiça Criminal (JUSTICRIM).
Paulo Ferreira da Cunha
Doutor em Direito; Professor Catedrático –
Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 9
Revista Internacional Consinter de Direito
APRESENTAÇÃO
A Revista Internacional CONSINTER de Direito é uma pu-
blicação de cariz periódico do CONSINTER – Conselho Internacional
de Estudos Contemporâneos em Pós-Graduação que tem por objetivo
constituir-se num espaço exigente para a divulgação da produção científi-
ca de qualidade, inovadora e com profundidade, características que con-
sideramos essenciais para o bom desenvolvimento da ciência jurídica no
âmbito internacional.
Outra característica dos trabalhos selecionados para a Revista
Internacional CONSINTER de Direito é a multiplicidade de pontos de
vista e temas através dos quais o Direito é analisado. Uma revista que se
pretende internacional tem o dever de abrir horizontes para temas, abor-
dagens e enfoques os mais diversos e, através deste espaço, colaborar
com um melhor diálogo acadêmico.
Resultado de um trabalho criterioso de seleção, este volume que
agora se apresenta destina-se a todos aqueles que pretendem pensar o
Direito, ir além da sua aplicação quotidiana, mas sem deixar de lado o
aspecto prático, tão característico das ciências.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 11
A Constitucionalidade da Identificação
O CONTROLE EXERCIDO PELO PODER
CONSTITUINTE DO POVO SOBRE AS REFORMAS
CONSTITUCIONAIS POR MEIO DO REFERENDO,
NA AMÉRICA LATINA
THE CONTROL EXERCISED BY THE PEOPLE’S
CONSTITUENT POWER OVER THE CONSTITUCIONAL
REFORMS THROUGH REFERENDUM,
IN LATIN AMERICAN
DOI: 10.19135/revista.consinter.00005.18
Danilo Moura Lacerda1
Fábio Lins de Lessa Carvalho2
Resumo: Atualmente é reconhecida a titularidade do poder constituinte ao povo,
trata-se de um poder soberano, incondicionado e ilimitado. Ao contrário da dou-
trina predominante de Sieyès e Monstesquieu, o poder constituinte não é substituído
pelo poder constituído constitucionalmente, permanece ativo, fiscalizando e con-
trolando este. Dentre as características presentes no novo constitucionalismo lati-
no-americano, está a efetiva participação popular no processo constituinte e de re-
forma à Constituição, especialmente por meio do referendo. As Constituições
atualmente vigentes na Colômbia, Bolívia, Equador e Venezuela, preveem o insti-
tuto do referendo como forma do exercício da democracia participativa, em que o
poder soberano do povo dá a última palavra sobre qualquer alteração que se pre-
tenda realizar no projeto constitucional originário. A Constituição Federal do Brasil,
promulgada em 1988, apesar de prever formas de democracia direta no seu artigo
14, dentre estas o referendo, estes mecanismos ainda tem uma utilização muito re-
duzida, e, portanto, está sendo proposto neste trabalho que os ideais democráticos
presentes nas Constituições dos países que integram o novo constitucionalismo la-
tino-americano, passem a ser aplicados no Brasil, por meio da migração de ideias,
realizando uma verdadeira integração discursiva. Neste diapasão, as atuais propos-
tas de emendas constitucionais no Brasil, em que se pretende implementar as
reformas da previdência e trabalhista, assim como a emenda constitucional que
instituiu um teto aos gastos públicos, precisariam ser submetidas ao referendo po-
pular, especialmente, porque tem a capacidade de provocar um grande retrocesso
nos direitos sociais.
1
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Especialista em Direito
Constitucional pela UNISUL. Procurador Federal. E-mail:
[email protected].
2
Doutor pela Universidad de Salamanca-Espanha. Mestre em Direito Público pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
e Professor do Centro Universitário CESMAC. Procurador do Estado de Alagoas e advogado.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 361
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
Palavras-chave: Poder constituinte do povo; referendo; reformas constitucionais.
Abstract: Nowadays has been recognized the ownership of the constituent power to
the people, it is a sovereign power, unconditioned and unlimited. Unlike the
prevailing doctrine of Sieyès and Monstesquieu, the constituent power is not
replaced by the constitutionally constituted power, it remains active, supervising and
controlling it. Among the characteristics present in the new Latin American
constitutionalism, is the effective popular participation in the constituent process and
reform of the Constitution, especially through the referendum. The Constitutions
currently in force in Colombia, Bolivia, Ecuador and Venezuela provides the
establishment of the referendum as a form of the exercise of the participatory
democracy, in which the sovereign power of the people gives the last word on any
change that is intended to be made in the original constitutional project. The Federal
Constitution of Brazil, promulgated in 1988, despite foreseeing forms of direct
democracy in its article 14, among these the referendum, these mechanisms still
have a very reduced use, and therefore it is being proposed in this article that the
democratic ideals present in the Constitutions of the countries that integrate the new
Latin American constitutionalism, to be applied in Brazil, through the migration of
ideas, realizing a true discursive integration. In this context, the current proposals for
constitutional amendments in Brazil, which intend to implement social security and
labor reforms, as well as the constitutional amendment that established a ceiling on
public expenditures, would need to be submitted to the popular referendum,
especially because it has the capacity of causing a great setback in social rights.
Keywords: People’s contituent power; referendum; constitucional reforms.
1 INTRODUÇÃO
No estudo das teorias da constituição no Brasil, predomina, em geral, as
correntes influenciadas pelas ideias liberais, e apesar da Constituição de 1988
também trazer diversas conquistas sociais, políticas e culturais, essa realidade é
ignorada. São teorias procedimentais, em que a Constituição teria apenas o papel
de organizar e definir as funções dos órgãos do Estado, e submeter este novo
Estado à lei, limitando seu âmbito de interferência na esfera privada, e, portanto,
servindo como um instrumento de legitimação do próprio governo3.
Não se aprofunda em questões sobre a titularidade, legitimidade, exercí-
cio do poder constituinte, e a justificação social para a criação do Estado, sob o
argumento que estas seriam questões políticas, e que estariam fora do direito
positivo4; essa postura é fruto da forte influência norte americana e europeia
sobre a ciência jurídica brasileira, que tem o hábito de realizar a importação
acrítica destas teorias, o que influencia na formação dos operadores do direito,
impedindo que o discurso jurídico constitucional seja permeado por questões
políticas e sociais.
Uma proposta que se apresenta como adequada para superar o eurocen-
trismo que impregna a ciência jurídica brasileira, é a análise do o conteúdo das
constituições dos países latino-americanos, seus sistemas jurídicos e métodos
3
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Política: uma relação difícil. Lua nova, n. 61, p. 5, 2004.
4
Ibidem, p. 19.
362 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
de interpretação, não havendo uma justificativa plausível para ignorar a impor-
tância da influência destes países para evolução do direito constitucional no
Brasil5.
Para além do movimento neoconstitucionalista europeu, que vem se de-
senvolvendo após a segunda guerra mundial como forma de superar o positivis-
mo legalista, existe o novo constitucionalismo latino-americano, que pode ser
identificado no conteúdo das novas constituições adotadas na América Latina, a
partir da década de oitenta do século XX, muitas como produto do fim de regi-
mes ditatoriais6.
Apesar de não existir um padrão único deste novo constitucionalismo nos
diversos países que compõem a América Latina, autores como Pastor e Dalmau7,
identificam algumas características importantes presentes nestas Constituições,
como: Participação Popular, pluralismo, garantia dos direitos sociais, intervenção
estatal na economia, texto extenso e analítico.
Dentre estas características, será estudado o instituto do referendo como
um mecanismo efetivo da participação popular para controlar as reformas consti-
tucionais, evitando assim um desvio contra a vontade originária do povo, titular
do poder constituinte, como se verifica em diversas emendas à Constituição
brasileira de 1988, algumas com o potencial de causar acentuadas mudanças
estruturais e pôr em risco direitos sociais garantidos constitucionalmente, como a
Emenda 95/2016, produto da conhecida como “PEC do teto”, e dos projetos de
emenda constitucionais de reforma da previdência e trabalhista.
Importante esclarecer que expressão reforma constitucional tem um senti-
do abrangente, podendo fazer referência a duas formas de mudança na Constitui-
ção: pela revisão constitucional ou pelas emendas8. Neste artigo, quando se fizer
referência à reforma, a expressão estará sendo utilizada no sentido de mudanças
formais dos textos constitucionais por meio de emendas.
O desenvolvimento deste artigo será dividido em quatro partes: na primei-
ra, será apresentado o novo constitucionalismo latino-americano; na segunda,
trataremos da migração de ideias constitucionais entre os países latino-ame-
ricanos; no terceiro item será realizada uma análise teoria do poder constituinte
do povo e a implementação efetiva de uma democracia participativa; e, por fim,
vamos concluir que o Brasil deveria se utilizar do referendo como forma de ava-
lizar ou rejeitar as reformas constitucionais, especialmente aquelas que desvirtuam
a natureza original do Estado Brasileiro, ou que possam gerar algum retrocesso
social.
5
SILVA, Virgílio Afonso da. Integração e diálogo constitucional na América do Sul. In: BOG-
DANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direitos
humanos, democracia e integração na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
6
PASTOR, Viciano Roberto; DALMAU Rubén Martínez. Fundamentos teóricos y prácticos del
nuevo constitucionalismo latinoamericano. Gaceta Constitucional. n.48, p. 317, 2011.
7
Ibidem, p. 321-328.
8
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 168.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 363
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
2 CARACTERÍSTICAS DO NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-
-AMERICANO
Quando se fala de novo constitucionalismo, está subtendida a ideia de que
existiu um velho constitucionalismo, que pode ser identificado como aquele
oriundo das revoluções liberais americana e francesa, que tem como seus produ-
tos, constituições que primavam exclusivamente pela limitação dos poderes do
Estado e sua organização, garantindo assim um espaço para o exercício das li-
berdades individuais9.
Especialmente, após os horrores da segunda guerra mundial, passa a ser
questionada a assepsia moral do direito, havendo um retorno da influência dos
valores, sendo a constituição reconhecida como uma ordem objetiva de valores10,
um movimento de retorno ao jusnaturalismo.
Essa nova ordem constitucional, em que há a influência de valores univer-
sais, a existência de princípios com força normativa e uma maior atuação judicial,
é conhecida como neoconstitucionalismo11.
Este movimento, de origem europeia, a partir do final do século XX, é
implantado na América Latina por meio das academias de países como o México
e Argentina, e posteriormente Colômbia, Brasil, Equador e Chile12.
Apesar do neoconstitucionalismo ser a escola predominante, atualmente,
no Brasil, nos demais países latino-americanos ela adquire características pró-
prias, especialmente, com o incremento da efetividade dos direitos sociais, me-
canismos de participação popular, pluralismo jurídico que leva a integração de
grupos historicamente marginalizados como os negros e os indígenas, e uma
maior intervenção do Estado na economia13.
Essa adaptação do neoconstitucionalismo aos países latino-americanos é o
que se tem denominado de novo constitucionalismo latino-americano, que surge
após o fim de governos autoritários, a partir da década de oitenta do século pas-
sado, e que tinha o objetivo central de limitar o hiperpresidencialismo14, por
meio do reforço aos direitos individuais, da participação popular, e a inclusão nas
cartas constitucionais de diversos objetivos sociais e econômicos a serem alcan-
çados pelo Estado, ou seja, a soberania popular externada por meio do poder
constituinte, tem uma efetiva participação no processo constituinte, limitando
9
GUIMARÃES, José Miguel Gomes de Farias. et al. O novo constitucionalismo latino-ameri-
cano: paradigmas e contradições. Revista Quaestio Iuris, v. 06, n. 02, p. 202.
10
CRUZ, LUIZ M. La constituición como ordem de valores. Problemas Juridicos y Politicos:
um estudio sobre los orígenes del neoconstitucionalismo. Granada, 2005.
11
SACCHÍS, Luis Pietro. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In: CARBONEL, Miguel.
Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madri: Trotta, 2005. p. 131-132.
12
JARAMILLO, Leonardo García. Los argumentos del neoconstitucionalismo y su recepción. In:
CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid:
Trotta, 2010. p. 215.
13
PASTOR, Viciano Roberto; DALMAU Rubén Martínez. Fundamentos teóricos y prácticos del
nuevo constitucionalismo latinoamericano. Gaceta Constitucional, n. 48, p. 321-328, 2011.
14
GARGARELLA, Roberto; COURTIS, Christian. El nuevo constitucionalismo latinoamericano:
promessas e interrogantes. CEPAL – Série políticas sociales. Santiago – Chile, n. 153, p. 10,
2009.
364 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
expressivamente os poderes dos seus representantes e definindo os objetivos e
fins do Estado.
Pastor e Dalmau15 afirmam que a Constituição brasileira de 1988 não re-
presenta o novo constitucionalismo, pois foi fruto de uma assembleia constituinte
condicionada por regras impregnadas da ideologia ditatorial do regime militar,
com a finalidade de produzir maiorias parlamentares, e apesar de trazer inova-
ções no campo dos direitos fundamentais, sociais, econômico e político, não se
pode identificá-la como tal, pois não houve uma ruptura consciente com o antigo
constitucionalismo, o seu texto também não foi submetido ao referendo popular.
A Constituição do Peru de 1993, em que a constituinte foi dirigida pelo
regime Fujimorista e a Carta Magna do equador de 1998, que não foi aprovada
por referendo popular, também não são consideradas como fazendo parte do
novo constitucionalismo latino-americano, pelos referidos autores.
A constituição da Colômbia de 1991 é apontada como a primeira repre-
sentante do novo constitucionalismo latino-americano, na verdade, conforme
esclarece Jaramillo16, já existia no Estado colombiano um embrião destes novos
valores, conforme se verifica da sentença proferida pela Corte Suprema de Justi-
ça de 09 de outubro de 1990, que declarou a constitucionalidade do decreto que
convocou a nova assembleia constituinte, em que se afirmou que “o direito não
pertence ao âmbito do lógico, e nem o jurista deve limitar-se a examiná-lo como
um simples conjunto de normas. Seu ser ontológico está no mundo dos valo-
res”17, devendo as normas jurídicas realizar os fins que se julgam valiosos para a
comunidade.
Podemos citar como exemplo desta nova vertente constitucional na Amé-
rica do Sul, a Constituição colombiana de 1991, a da Venezuela de 1999, do
Equador de 2008 e da Bolívia de 2009.
Estas constituições possuem algumas características em comum, as quais
Pastor e Dalmau dividiram entre formais e substanciais18.
Dentre as características formais são indicadas a originalidade, por serem
constituídas de conteúdos inovadores; a amplitude, são sempre textos analíticos e
com muitos artigos; a complexidade, possuem diversos termos técnicos mas que
são apresentados com uma linguagem acessível; e a rigidez, que além de exigir
um procedimento diferenciado para a reforma da constituição, é necessário uma
efetiva participação popular, sendo sempre necessário a realização de um refe-
rendo, como forma de controle popular sobre as alterações na Constituição.
15
PASTOR, Viciano Roberto; DALMAU Rubén Martínez. Fundamentos teóricos y prácticos del
nuevo constitucionalismo latinoamericano. Gaceta Constitucional, n.48, p. 318, 2011.
16
JARAMILLO, Leonardo García. Los argumentos del neoconstitucionalismo y su recepción. In:
CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid:
Trotta, 2010. p. 215.
17
“El Derecho no pertence al ámbito de lo lógico, niel jurista debelimitarse a examinarlo como un
simples conjunto de normas. Su ser ontológico se halla em el mundo de los valores y, por lo tan-
to, exige preguntarse sobre la utilidade o inutilidade de las normas jurídicas para realizar de-
terminados fines que se juzgan valiosos para la comunidade”.
18
PASTOR, Viciano Roberto; DALMAU Rubén Martínez. Op. cit., p. 321-328.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 365
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
As características substanciais remetem a ideia de um Estado constituído
com a efetiva participação popular, e, por conseguinte evoluindo para garantia e
efetivação de finalidades públicas comuns, assegurando um rol extenso de direi-
tos sociais, a inclusão de grupos historicamente marginalizados como os negros e
os indígenas, uma maior intervenção do Estado para superar desigualdades eco-
nômicas e sociais e uma maior integração entre as nações latino americanas.
O neoconstitucionalismo é como um vitral de igreja, ao se olhar para ele
percebe-se sua unidade, contudo, este é constituído por um mosaico de diversas
outras partes cada qual com suas peculiaridades19, aproveitando esta analogia,
para um regime constitucional se caracterizar como novo constitucionalismo
latino-americano, não é necessário que tenha todas características idênticas aos
demais, pois dependendo de sua condição histórica e social, alguns destes ele-
mentos podem estar mais acentuados em uns do que em outros, como exemplo
podemos citar o pluralismo jurídico adotado pela Bolívia e o Equador, que são
Estados plurinacionais, que possuem suas justiças comunitárias indígenas, e,
inclusive na Bolívia, o controle de constitucionalidade apenas é realizado com a
participação de juízes indígenas, nos termos do art. 197, I, de sua Constituição20.
Aceitando a existência de semelhanças econômicas, sociais e culturais,
mas também de características muito próprias de cada país latino-americano;
Guimarães, Oliveira, Vieira e Magrani sugerem que seria mais factível a migra-
ção de ideias presentes no novo constitucionalismo referentes a “encampação da
teoria da constituição, participação popular, não esvaziamento do texto consti-
tucional e força do poder constituinte”, do que outras como a do Estado Plurina-
cional presentes no Equador e na Bolívia21.
Identificadas algumas das características do novo constitucionalismo lati-
no americano, este artigo terá o objetivo de aprofundar o estudo da participação
popular na formação das decisões políticas dos governantes, especialmente, no
que diz respeito ao controle das reformas constitucionais por meio do referendo.
3 A MIGRAÇÃO DE IDEIAS CONSTITUCIONAIS NA AMÉRICA
LATINA
Muitas das discussões envolvendo o direito internacional no Brasil, cinge-
se a integração institucional-legal com os sistemas jurídicos dos demais países,
tratando-se destas questões ou no nível hierárquico, em que se discute a posição
que os tratados internacionais ocupam no sistema jurídico interno, ou do grau de
vinculação que os tribunais nacionais têm aos julgados das cortes internacionais.
19
JARAMILLO, Leonardo García. Los argumentos del neoconstitucionalismo y su recepción. In:
CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid:
Trotta, 2010. p. 245.
20
“Artículo 197. I. El Tribunal Constitucional Plurinacional estará integrado por Magistradas y
Magistrados eligidos com critérios de plunacionalidade, com representación del sistema ordi-
nário y del sistema indígena originário campesino’.
21
GUIMARÃES, José Miguel Gomes de Farias. et al. O novo constitucionalismo latino-ameri-
cano: paradigmas e contradições. Revista Quaestio Iuris, v. 6, n. 02, p. 202.
366 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
Quanto à posição hierárquica destes tratados, o Supremo Tribunal Federal
– STF já definiu no julgamento do RE 466.34322, que as convenções que dis-
põem sobre direitos humanos teriam hierarquia constitucional caso fossem apro-
vadas obedecendo o rito previsto no § 3º do art. 5º da Constituição de 1988, ou
de supralegalidade caso não se tenha observado o referido procedimento legisla-
tivo; os demais tratados, desde que internalizados, estariam no mesmo patamar
das outras leis.
Quanto à vinculação das decisões das Cortes Internacionais a que o Brasil
tenha aceitado e reconhecido sua competência para julgá-lo, autores como Ra-
mos23, Abramocivh e Courtis24, defendem que os julgados dos tribunais nacio-
nais, especialmente do Supremo Tribunal Federal deveriam seguir a orientação
jurisprudencial daquelas Cortes.
Mas este controle de convencionalidade não pode se limitar a meramente citar o
texto da convenção ou tratado de Direitos Humanos: urge que o Brasil, por meio
do seu tribunal maior – o Supremo Tribunal Federal, exercite um controle de
convencionalidade aplicado, ou seja, que utilize a interpretação realizada pelos
intérpretes finais destas normas de tratados de Direitos humanos que são os ór-
gãos internacionais de Direitos Humanos instituídos por estes tratados25.
Podemos mencionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos –
CIDH, em que o Brasil reconheceu sua competência para julgá-lo, por meio do
Decreto 4.463/2002, contudo, poucos ou nenhum julgado do STF faz referência à
jurisprudência da CIDH, nem mesmo no caso em que julgou a inconstitucionali-
dade da prisão civil do depositário infiel (RE 466.343), em que a fundamentação
foi calcada no direito interno, e justificada na alteração promovida pela EC
45/200426, em que, curiosamente, é citada a jurisprudência da Corte Constitucio-
nal Alemã, conforme se verifica do voto do Ministro Gilmar Mendes, o compro-
va o eurocentrismo presente no STF.
Se os tribunais internos sequer se orientam pela jurisprudência de uma
Corte Internacional a que o Brasil se submeteu formalmente, mais difícil ainda é
beber na fonte daquilo que está sendo produzido e praticado na seara jurídica e
constitucional nos diversos países latino-americanos, o que não se justifica, já
que estes países possuem uma identidade social e cultural.
Uma sugestão para superar esta dificuldade é apresentada por Silva27, que
propõe que busquemos conhecer os nossos vizinhos, e a partir daí, promover
uma integração discursiva, por meio da livre migração de ideias. Da mesma
22
STF, RE 466.343 – Rel. Min. Cesar Peluso – DJ 03.12.2008.
23
RAMOS, André de Carvalho. Supremo Tribunal Federal e o controle de convencionalidade:
levando a sério os tratados de direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universi-
dade de São Paulo, v. 104, p. 241-286, jan./dez. 2009, p. 245.
24
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Direitos sociais são exigíveis. Porto Alegre:
Dom Quixote, 2011. p. 91.
25
RAMOS, André de Carvalho. Op. cit., v. 104, p. 241-286, jan./dez. 2009, p. 245.
26
SILVA, Virgílio Afonso da. Integração e diálogo constitucional na América do Sul. In: BOG-
DANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direitos
humanos, democracia e integração na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 528.
27
Ibidem, p. 523.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 367
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
forma em que se faz uso das teorias eurocêntricas, oriundas dos juristas e Tribu-
nais Constitucionais dos países europeus e dos Estados Unidos, poder-se-ia, mais
naturalmente, já que estamos inseridos nos mesmo contexto social dos demais
países sul-americanos, utilizar aquilo que é pensado e produzido pelas Cortes
destes países.
Um exemplo da integração discursiva, citado por Silva28, é a decisão pro-
ferida pelo juiz Anthony Kennedy da Suprema Corte Americana, no caso Roper
v. Simmons, que fez referência à repercussão negativa da adoção da pena morte
para jovens perante a opinião pública e a comunidade internacional.
Recentemente, o STF julgou a medida cautelar na ADPF 34729, que reco-
nheceu a aplicação da teoria do estado de coisas inconstitucional, originária da
Corte Constitucional Colombiana.
Este é um caso paradigmático não só porque pode representar o início de
uma abertura do STF à jurisprudência das cortes latinas, mas também porque
demonstra como pode se efetivar a importação de teorias adotadas por estes
tribunais por meio da integração discursiva, e da migração de ideias; para tanto,
foi necessário que os Advogados, que apresentaram a demanda, tivessem o co-
nhecimento e a formação necessária para identificar as ideias desenvolvidas
regionalmente e apresentá-las como argumento adequado e suficiente para solu-
ção de questões internas que possuem identidade com o contexto de outro país
em que foram proferidas, realizando as adaptações que se fizerem necessárias.
A preparação das bases que possibilitarão esse diálogo, permitindo a mi-
gração das ideias entre os países da América Latina, especialmente aquelas mais
vanguardistas presentes no novo constitucionalismo latino-americano, é papel da
academia jurídica, atuando na formação dos operadores do direito, incluindo este
assunto nos seus programas curriculares e incentivando pesquisas acadêmicas
que tratem do sistema jurídico regional latino-americano30.
Independentemente de uma integração formal (institucional-legal), a inte-
gração discursiva é capaz de viabilizar a aplicação dos institutos jurídicos consti-
tucionais dos demais países latino-americanos no Brasil.
No caso específico deste artigo, em que será analisada a efetiva participa-
ção popular, controlando as reformas constitucionais por meio do referendo, para
que isso se torne realidade, deve haver o adequado constrangimento doutrinário e
dos formadores de opinião às autoridades, devendo estas questões serem ampla-
mente debatidas na sociedade, cobrando dos governantes e legisladores uma
maior participação e controle sociais nas propostas de reforma constitucional;
igualmente, em caso de uma impugnação das reformas aprovadas perante o STF,
as ideias do novo constitucionalismo latino, forneceriam o substrato teórico sufi-
ciente para que a corte fundamente adequadamente nos seus julgados, a necessi-
dade de referendo para aprovação das reformas constitucionais.
28
SILVA, Virgílio Afonso da. Integração e diálogo constitucional na América do Sul. In: BOG-
DANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direitos
humanos, democracia e integração na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 520
29
STF, ADPF 347 – Rel. Min. Marco Aurélio – DJ 09.09.2015.
30
SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 525-530.
368 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
4 O PODER CONSTITUINTE DO POVO E A DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA
Ao se estudar as teorias da constituição do Estado, um dos temas mais re-
levantes e ao mesmo tempo complexo, é o estudo sobre a titularidade, legitimi-
dade e exercício do poder constituinte.
Bercovici31 esclarece que o poder constituinte é a manifestação do poder
soberano do povo, pois a titularidade do poder constituinte corresponde ao titular
da soberania, que é o povo.
Como poder soberano, este é ilimitado e incondicionado, mas apesar des-
tas características, é reconhecido que pode haver algumas condicionantes formais
que regulam o processo constituinte, pois nesta fase embrionária da formação do
Estado, há a necessidade da existência de um procedimento regulado para possi-
bilitar um processo democrático, que o legitime32.
Também já se reconhece a existência limitações pré-constitucionais subs-
tanciais ao poder constituinte, as quais alguns autores, como Barroso33, reconhe-
cem que estes limites são oriundos dos direitos humanos reconhecíveis univer-
salmente, já outros, como Bercovici34, afirmam que estas limitações não são
oriundas de concepções jusnaturalistas, mas de ordem concreta e estrutural, sen-
do um poder absoluto, mas materialmente determinado dentro das condicionan-
tes culturais, históricas e materiais.
A doutrina tradicional ancorada nas ideias de Sieyès e Montesquieu afir-
mam que o poder constituinte é titularizado pelo povo, no sentido de nação35,
sendo esta soberana, para aqueles filósofos o exercício do poder, necessariamen-
te, teria que se dar de forma indireta, por meio de representantes, já que o povo
não teria a instrução e nem tempo livre para tomar as decisões necessárias36.
Para o Rousseau, o poder soberano é do povo, que deve exercê-lo sem a
necessidade de intermediários, contudo, este reconhece que a democracia repre-
sentativa é um mal necessário diante das complexidades sociais do Estado mo-
derno, mas para garantir a manutenção da soberania popular em sua parcela
irrenunciável, os seus representantes exerceriam o poder nos termos do mandato
dado pelo povo e nunca em nome próprio, assim como suas decisões teriam que
ser ratificadas por referendo popular37.
A doutrina clássica do poder constituinte defende que este desapareceria
por vontade própria após a constituição do Estado, e que seria uma contradição a
permanência de um poder ilimitado e incondicionado após o advento da Consti-
31
BERCOVICI, Gilberto. O poder constituinte do povo no Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a
crise constituinte. Lua Nova: São Paulo, n. 88, p. 306, 2013.
32
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 133-136.
33
Ibidem, p. 137.
34
Ibidem, p. 316.
35
CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G. Constitucionalismo e democracia: soberania e
poder constituinte. Revista Direito GV. São Paulo,v. 6, n. 1, p. 162, jan./jun. 2010.
36
VEGA, Pedro de. La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente.
Madrid: Tecnos, 1999. p. 100.
37
Ibidem, p. 101-102.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 369
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
tuição, que tem por finalidade instituir uma ordem jurídica a que todos os pode-
res estão submetidos, havendo, neste momento, uma substituição da soberania do
povo pela supremacia da constituição38.
Esta ideia é criticada por Bercovici39, porque não leva em consideração a
realidade, já que o poder constituinte é um poder de fato, nunca deixando de
existir, está sempre presente acima e além da Constituição, fiscalizando a execu-
ção dos direitos por ele instituídos e controlando os desvios do legislador, para
que não se desconfigure o projeto constitucional original. Após a fundação do
Estado, o poder constituinte continua em tensão com os poderes constituídos40.
O poder soberano do povo continua se manifestando mesmo após o ad-
vento da constituição do Estado por meio dos instrumentos de democracia parti-
cipativa, especialmente aqueles previsto no art. 14, incisos I a III41. Bonavides ao
analisar a concepção moderna da democracia direta, afirma:
Sua versão moderna ou contemporânea, acomodada às exigências e requisitos e
postulados de nossa época, toma de conseguinte, a feição aberta de uma demo-
cracia participativa, qualificada pela suprema voz e presença do povo soberano
em todas as questões vitais da ação governativa42.
Para Bonavides43, a utopia de Rousseau hoje já pode se tornar realidade,
no mundo contemporâneo em que há a presença tecnológica maciça na sociedade
hiper-conectada, em que os processos eletrônicos de apuração de votos permitem
um resultado de forma quase imediata, é plenamente possível a implementação
cada vez maior dos institutos de consulta popular.
A Constituição brasileira de 1988 prevê em seu art. 1º, parágrafo único,
que “todo poder emana do povo”, reconhecendo assim que o poder constituinte é
titularizado pelo povo, devendo esse ser exercido de forma indireta, por meio dos
representantes eleitos, ou direta, o que permite identificar o Brasil como uma
democracia social participativa e pluralista44.
Apesar de no Brasil existirem mecanismo constitucionais de participação
popular, estes não possuem efetividade, prevalecendo as ideias liberais/elitistas
de predominância quase exclusiva da democracia representativa, que desconfiam
das decisões populares majoritárias45, e que desconsideram o povo real, pois se
funda na concepção de um povo uniforme e idealizado46.
38
VEGA, Pedro de. La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente.
Madrid: Tecnos, 1999. p. 109.
39
BERCOVICI, Gilberto. O poder constituinte do povo no Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a
crise constituinte. Lua Nova: São Paulo, n. 88, p. 307 e 311, 2013.
40
CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G. Constitucionalismo e democracia: soberania e
poder constituinte. Revista Direito GV. São Paulo, . 6, n. 1, p. 165, jan./jun. 2010.
41
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 141.
42
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 345.
43
Idem.
44
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 146.
45
GARGARELLA, Roberto; COURTIS, Christian. El nuevo constitucionalismo latinoamericano:
promessas e interrogantes. CEPAL – Série políticas sociales. Santiago – Chile, n. 153, p. 21, 2009.
46
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 135.
370 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
Fica evidente no Brasil um impedimento institucionalizado de acesso aos
meios de participação popular, já que passados quase trinta anos da promulgação
da Constituição de 1988, só existiu um plebiscito (revisão constitucional de
1993) e um referendo (Lei 10.826/2003, estatuto do desarmamento), e os poucos
projetos de iniciativa popular que foram aprovados convertendo-se em leis, tive-
ram que ser encampados pelo legislador para serem viáveis, por conta da dificul-
dade de conferência das assinaturas, e, portanto, foram apresentados como de
iniciativa legislativa47.
Esse fenômeno é explicado por Gargarella48, ao afirmar que os mecanis-
mos de participação popular têm a capacidade de reduzir o poder dos represen-
tantes escolhidos pelo povo, pois o aumento do poder de controle do povo dimi-
nui o da classe política dos governantes.
A sociedade moderna, com toda sua complexidade, e uma crescente ne-
cessidade de atendimento dos diversos segmentos sociais, impõe uma maior
abertura para efetivação participação popular no processo de tomadas de deci-
sões e produção das leis pelo governo, esse processo já é visível na América
Latina, sendo uma das características do novo constitucionalismo latino america-
no, com assembleias constituintes plenamente democráticas49, estando presentes
diversos meios que efetivam a participação popular como os adotados na Consti-
tuição boliviana: de iniciativa legislativa cidadã, referendo, revogação de manda-
tos e consulta prévia50.
Outro fato que leva a uma maior demanda por instrumentos de participa-
ção popular é a crise de legitimidade dos representantes do povo, que deixam de
atender as reais necessidades da população, assim como os crescentes escândalos
de corrupção.
É evidente a necessidade da efetividade de meios que promovam a parti-
cipação popular, como forma não só de manifestação do poder soberano do po-
vo, mas de legitimar as decisões dos poderes constituídos, com um procedimento
o mais democrático possível.
5 A NECESSIDADE DE REFERENDO PARA A APROVAÇÃO DE
EMENDAS CONSTITUCIONAIS
A reforma constitucional é um instituto que visa dar longevidade às Cons-
tituições rígidas, para evitar uma nova constituinte todas as vezes que houvesse a
47
OLIVEIRA, Mariana. Deputado ‘adota’ projeto de iniciativa popular. Globo.com, São Paulo,
08.04.2007. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL16208-5601,00-DE
PUTADO+ADOTA+PROJETO+DE+INICIATIVA+POPULAR.html>>acesso em: 05/03/2017.
48
GARGARELLA, Roberto; COURTIS, Christian. El nuevo constitucionalismo latinoamericano:
promessas e interrogantes. CEPAL – Série políticas sociales. Santiago – Chile, n. 153, p. 25-29,
2009.
49
PASTOR, Viciano Roberto; DALMAU Rubén Martínez. Fundamentos teóricos y prácticos del
nuevo constitucionalismo latinoamericano. Gaceta Constitucional, n. 48, p. 310, 2011.
50
OBREGÓN, Marcelo Fernando Quiroga; FARIA, Victória Coura Nunes de. O Neoconstitucio-
nalismo Latino-Americano e os novos caminhos para a democracia participativa: estudo dos mo-
delos brasileiro e boliviano. Derecho y Cambio Social. Peru, n. 47, a. XIV, p. 16, 2017.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 371
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
necessidade de alteração do texto constitucional, portanto, as reformas constitu-
cionais são um meio formal previsto na Constituição, que permite a adaptação
desta às novas realidades históricas51.
Para se emendar a Constituição rígida, a exemplo da atual constituição
brasileira, é necessário um procedimento mais dificultoso do que o aplicado para
modificar as demais leis, impedindo que a Constituição fique a serviço de deter-
minado grupo político que tenha uma maioria momentânea, contudo, esta rigidez
não poder ser de tal monta que impeça a reforma, o que pode gerar um descom-
passo entre a Constituição e a realidade, tornando-se letra morta52.
Este procedimento não pode ser exclusividade de apenas um órgão esta-
tal, devendo haver participação do poder executivo, do legislativo e do povo
organizado, que pode se manifestar previamente por meio da iniciativa popular,
ou posteriormente, por referendo.
Uma maior participação confere maior legitimidade ao ato, e evita que ha-
ja um sequestro permanente do sistema constitucional53, lamentavelmente, pode-
-se constatar esse fenômeno no Brasil, em que o governo de coalizão, detém no
poder legislativo apenas um órgão chancelador de suas iniciativas legislativas54,
sem haver um controle efetivo destas propostas, que são aprovadas sem partici-
pação popular.
Outro reflexo desse fato, verifica-se na quantidade excessiva de vezes em
que a Constituição de 1988 foi emendada, são noventa e sete emendas em quase
trinta anos, uma média de três emendas por ano, e isso leva à quebra da confian-
ça e enfraquecimento normativo da Constituição, pois “a reforma não deve ser
um capricho político, mas sim uma necessidade jurídica”55.
É importante registrar que o poder de reforma é um poder constituído e
não a manifestação do poder constituinte do povo, pois este não está submetido a
qualquer condicionamento para realizar a sua vontade, pensar o contrário seria
colocar em risco a própria supremacia e força normativa da Constituição56, não
haveria diferença entre poder constituinte e constituído, gerando uma grande
instabilidade no sistema constitucional57 contudo, o poder constituinte do povo
permanece exercendo sua função de controle e fiscalização, o que podemos veri-
ficar no instituto do referendo58.
Vega59 defende que o referendo, assim como o poder constituinte deriva-
do, são uma manifestação do próprio poder constituído, pois o primeiro é inicia-
51
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 163.
52
VEGA, Pedro de. La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente.
Madrid: Tecnos, 1999. p. 89.
53
Ibidem, p. 90.
54
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, demo-
cracia e constitucionalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 128.
55
VEGA, Pedro de. Op. cit., p. 91-92.
56
Ibidem, p. 220.
57
SALDANHA, Nelson. O poder constituinte do povo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
p. 87-88.
58
VEGA, Pedro de. Op. cit., p. 113.
59
Ibidem, p. 114-117.
372 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
do e orientado pelo parlamento, quem inclusive redigirá os termos da consulta; já
o segundo, não poder ser considerado como poder constituinte, por ser constituído.
Concorda-se parcialmente com as conclusões do autor, pois o referendo é
sim uma das formas institucionais de manifestação do poder constituinte sobera-
no do povo no exercício da sua função de fiscalização e controle, especialmente
quando rejeita uma proposta de emenda, já quando a aprova, não se tem dúvidas
de que o texto promulgado será produto de um poder constituído, o reformador.
Bonavides60sustenta que as emendas constitucionais devem ser submeti-
das ao referendo popular, e deixa claro que as formas de democracia direta cons-
tituem manifestação legítima do poder soberano do povo:
A Chave constitucional do futuro entre nós reside, pois, na democracia participa-
tiva, que faz soberano o cidadão-povo, o cidadão-governante, o cidadão-nação, o
cidadão titular efetivo de um poder invariavelmente superior e, não raro, supre-
mo e decisivo61.
Inspirado pelas ideias de Jorge Carpizo, Figueiredo também entende que as
emendas constitucionais devam ser aprovadas por referendo popular, considerando
o reconhecimento da soberania popular pelo Estado Democrático de direito62.
A disputa entre as ideias de Sieyès e Rousseau inicialmente foi vencida
por este sendo a Constituição francesa de 1793 aprovada mediante referendo,
todavia, logo após, com a nova constituição de 1795, dispensou-se a necessidade
de referendo, prevalecendo os princípios da democracia representativa.
Com a posterior predominância das teorias liberais/elitistas de Sieyès e
Montesquieu, o referendo passa a ser visto como um instituto primitivo, caindo
em descrédito, o que se agravou após a sua utilização desvirtuada pelos regimes
totalitários europeus, contudo, voltou a ganhar fôlego com as Constituições da
Irlanda, Japão, Itália, Dinamarca, França e Espanha63.
Várias constituições mais recentes passam a adotar o referendo como par-
te do procedimento para as reformas constitucionais, sendo uma parte muito
importante da mecânica jurídico-política para o aprofundamento da democracia
direta64.
Dentre estas, estão as constituições de vários países latinos-americanos, a
exemplo da Colômbia (art. 374)65; Bolívia (art. 411, II)66; Equador (art. 442)67 e
60
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 295.
61
Ibidem, p. 34.
62
FIGUEIREDO, Marcelo. Constitucionalismo Brasileiro: avanços, desafios e perspectivas. in
BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direi-
tos humanos, democracia e integração na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
p. 657.
63
VEGA, Pedro de. La reforma constitucional y la problemática del poder constituyente.
Madrid: Tecnos, 1999. p. 105-107.
64
Ibidem, p. 99.
65
“Art. 374. A Constituição política poderá ser reformada pelo Congresso, por uma Assembleia
Constituinte ou pelo povo mediante referendo”.
“Art. 377. Deverão submeter-se a referendo as reformas constitucionais aprovadas pelo Con-
gresso, quando se refiram aos direitos reconhecidos no Capítulo 1 do título II e suas garantias,
aos procedimentos de participação popular (...)”.
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 373
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
Venezuela (art. 344)68 que dentre diversos outros mecanismos de participação
popular, elegeram o referendo como forma de ratificação das reformas constitu-
cionais.
Na Constituição brasileira de 1988, estão previstas as formas de participa-
ção popular, dentre as quais está o referendo (art. 14, II), forma mais adequada
para que o poder soberano do povo exerça seu controle sobre as emendas consti-
tucionais.
Bonavides69 manifestou uma grave crítica à omissão do legislador pela
falta de regulamentação dos institutos de participação popular previsto no art. 14,
I, II, III, da Constituição de 1988, e quando esta veio a lume por meio da Lei
9.709/1998, mostrou-se insuficiente para alcançar o objetivo de viabilizar o efe-
tivo uso desses instrumentos, por não definir de forma objetiva e precisa as hipó-
teses em que teriam cabimento, fazendo apenas uma referência à hipóteses de
“acentuada relevância” ou “relevância nacional”, no seus arts. 2º e 3º70.
Que fatos podem ser subsumidos no suporte fático desta norma? O que
seria uma matéria de “acentuada relevância”? Não há dúvidas de que a EC
95/2016, e as reformas previdenciária e trabalhista, que hoje tramitam no parla-
mento, possuem acentuada relevância, onde está o decreto legislativo convocan-
do o referendo sobre a Emenda 95/2016 (EC do Teto) que impediu o aumento
real dos gatos públicos, que tem por trás, a promoção da redução do papel do
Estado nas áreas econômicas e sociais?
Igualmente, o art. 11 da Lei 9.709/1998, quando prescreve que o referen-
do pode ser convocado, deixando de utilizar a expressão “deve”, afronta a consti-
tuição, pois submete ao livre arbítrio do parlamento a participação, ou não, do
povo por meio da democracia direta garantida nos arts. 1ª, parágrafo único, e art.
14, CF.
66
“Art. 441, II. A reforma parcial da Constituição poderá iniciar-se por iniciativa popular, com a
assinatura de pelo menos vinte por cento do eleitorado; ou pela Assembleia Legislativa Plurina-
cional, mediante lei de reforma constitucional aprovada por dois terços do total dos membros
presentes da Assembleia Legislativa Plurinacional. Qualquer reforma parcial necessitará de re-
ferendo constitucional aprobatório”.
67
“Art. 442. (...) A iniciativa de reforma constitucional tramitará na Assembleia Nacional em ao
menos dois debates. O segundo debate se realizará ao menos noventa dias depois do primeiro. O
projeto de reforma se provará pela Assembleia Nacional. Uma vez aprovado o projeto de refor-
ma constitucional, convocar-se-á um referendo dentro dos quarenta e cinco dias seguintes”.
68
“Art. 344. O projeto de Reforma Constitucional aprovado pela Assembleia Nacional se submete-
rá a referendo dentro dos trinta dias seguintes a sua sanção (...)”.
69
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 108-142.
70
“Art. 2º. Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre
matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
§ 1º O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao
povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.
§ 2º O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo
ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.
Art. 3º Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo, e no caso do § 3o do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são
convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros
que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei”.
374 Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017
O Controle Exercido pelo Poder Constituinte do Povo
Por sua natureza de soberana, e levando em conta o tratamento constitu-
cional que recebeu, o poder soberano do povo não poderia ser bloqueado pelo
legislador, e nem poderá sê-lo, já que quando existem estes tipos de omissões
comissivas constitucionais, impedindo o funcionamento da válvula de escape da
participação popular efetiva, o poder soberano poderá se manifestar, não mais
como ente fiscalizador apenas, mas com toda sua potência, iniciando um novo
processo constituinte.
As normas que regulamentam as formas de democracia direta/partici-
pativa devem ser interpretadas sob a ótica constitucional, inspirada pelos valores
presentes no novo constitucionalismo latino-americano, o que permitirá sua
incidência sobre diversas situações em que se verifique a ocorrência de matérias
de acentuada relevância, como a recém aprovada EC 95/2016 (EC do teto), e os
textos, caso sejam aprovados, das propostas de emendas constitucionais de re-
forma previdenciária e trabalhista.
Inspirados pelos valores que regem o novo constitucionalismo latino-
-americano, a implementação efetiva dos mecanismos de participação popular
deve ser exigida pela sociedade, pois é direito subjetivo de cada cidadão, sendo
adequada e necessária a submissão das propostas de emenda constitucional apro-
vadas no parlamento, especialmente aquelas que causem retrocesso social, ao
julgamento popular, por meio do referendo, como já é assegurado constitucio-
nalmente em diversos países latino-americanos.
6 CONCLUSÃO
O novo constitucionalismo latino-americano é fruto de um processo cons-
tituinte com efetiva participação popular, é um movimento reconhecido pelo fato
das Constituições destes países serem permeadas por normas que garantem uma
maior efetividade dos direitos sociais, o pluralismo jurídico, mecanismo de parti-
cipação popular, caracterizadas como Constituições analíticas e extensas.
Apesar do Brasil sofrer forte influência do neoconstitucionalismo, de ori-
gem europeia, as ideias reitoras do novo constitucionalismo latino-americano tem
dificuldade de penetração.
Para além da interação institucional-legal, por meio da aplicação das
normas de direitos internacional; para que a aplicação das novas teorias constitu-
cionais sejam acolhidas no Brasil, é necessário uma integração discursiva, em
que por meio de um melhor conhecimento das ideias constitucionais que circu-
lam nos países vizinhos, estas passem a fazer parte dos currículos acadêmicos
nacionais, e da formação dos operadores do direito.
É injustificável a inexistência de um maior intercâmbio entre os países la-
tino americanos, que compartilham de diversos fatores sociais e culturais co-
muns, o que facilita a circulação de ideias.
Apesar dos mecanismos de participação popular previstos na Constituição
brasileira de 1988 não terem o delineamento detalhado e impositivo das Consti-
tuições latino americanas, o que lhes dá uma maior efetividade, a Constituição de
1988, teria os seus meios de democracia participativa potencializados, caso a sua
Revista Internacional Consinter de Direito, nº V, 2º semestre de 2017 375
Danilo Moura Lacerda / Fábio Lins de Lessa Carvalho
interpretação fosse inspirada pelos ideais do novo constitucionalismo latino-ame-
ricano.
Dentre as formas de participação popular, está o referendo, que é o meio
institucional para controle e fiscalização do poder constituinte do povo sobre as
propostas que visam alterar a constituição por meio de emendas.
Várias constituições de países latino-americanos preveem a necessidade
de referendo para aprovação das emendas constitucionais, a exemplo da Colômbia
(art. 374), Bolívia (art. 411, II), Equador (art. 442) e Venezuela (art. 344).
A Constituição brasileira de 1988, em pouco menos de três décadas, já so-
freu noventa e sete emendas, sendo necessário a adoção do referendo como me-
canismo de conferência popular da necessidade destas modificações.
A Lei 9.709/1998, que regulamenta o art. 14, I, II, III, da CF 88, pouco
contribuiu para uma efetiva participação popular, devendo o seu conteúdo ser
interpretado constitucionalmente, e sob a influência dos valores do novo consti-
tucionalismo latino-americano, o que facilitará sua incidência sobre as diversas
situações em que é verificada a acentuada relevância, como a recente EC
95/2016, e os textos das futuras emendas, caso aprovadas as reformas da previ-
dência e trabalhista, tornando-se direito subjetivo de cada cidadão.
A manifestação soberana do povo, por meio do referendo, tem o poder de
bloqueio destas reformas, momento em que atua o poder constituinte na sua
função de controle e fiscalização da atuação dos poderes constituídos, ou caso
aprovado o referendo, concederá uma maior legitimidade a estas medidas.
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