A Historiografia Da Educacao Brasileira o Periodo
A Historiografia Da Educacao Brasileira o Periodo
A Historiografia Da Educacao Brasileira o Periodo
Alberto Damasceno1
RESUMO
No governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 19º (décimo-nono) Governador e
Capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão entre os anos de 1751 e 1759, dá-se
início a um amplo processo de transformações que culminaria, dentre outros
acontecimentos, com o surgimento — pela primeira vez na América portuguesa (território
composto pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão e pelo Estado do Brasil) — de escolas
estatais que viriam a substituir o sistema jesuítico de educação elementar, antes mesmo da
reforma do ensino de Carvalho e Melo deflagrada a partir de Lisboa. O instrumento legal
que demarca este período é o Directório que se deve observar nas povoações dos índios do
Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário ou, simplesmente,
“Diretório” de 1757, editado em 3 de maio de 1757, confirmado pelo Alvará Régio de 17
de agosto de 1758 e abolido pela Carta Régia de 12 de maio de 1798. O “Diretório” pode
ser considerado o mais importante documento de política educacional da história da
América portuguesa naquele período. Infelizmente ainda é pouco conhecido e estudado
como tal.
Palavras-chave: História da Educação; Pombal; Diretório.
ABSTRACT
In the government of Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 19th (nineteenth) Governor
and Captain-General of the State of Grão-Pará and Maranhão between the years 1751 and
1759, is initiated a broad process of transformation that would culminate, among other
events, with the emergence - the first time in Portuguese America (territory comprising the
State of Grão-Pará and Maranhão State and Brazil) - the state schools that would replace
the Jesuit system of elementary education, even before the reform teaching Carvalho e
Melo triggered from Lisbon. The legal instrument that marks this period is the directory
that should be observed in the villages of the Indians of Pará and Maranhão while His
Majesty does not send or otherwise, simply, "Directory", 1757, published on May 3, 1757,
confirmed by the Permit regal August 17, 1758 and abolished by the royal Charter of 12
May 1798. The "Directory" can be considered the most important policy document of the
educational history of Portuguese America in that period. Unfortunately, there is little
known and studied as such.
Keywords: History of Education; Pombal; Directory
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 55, p. 104-116, mar2014 – ISSN: 1676-2584 104
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Introdução
Visando contribuir com o debate sobre a produção historiográfica referente à
educação brasileira Miriam Warde (1984, p.1) fez um,
Postulando que mais de oitenta por cento dos estudos referem-se à etapa
republicana a autora assinala que os estudos relativos à Colônia, abordam o caráter elitista
da educação jesuíta e depois as modificações introduzidas na educação anterior.(WARDE
1984, p.2)
Eliane Marta Teixeira Lopes também alerta para o fato de que poucos estudos
dedicam-se ao Brasil colônia e aponta algumas questões referentes a novos objetos.
Área que se beneficiou ainda menos dos avanços nas pesquisas históricas
é a da educação no período colonial. Poucos e antigos são os estudos a ela
referentes, limitados, em sua maioria, à ação dos jesuitas. Outras práticas
— e não apenas a da educação formal — existiram, e delas é importante
que se saiba. Para isso é preciso que se busquem novas fontes e se
releiam as antigas (mesmo aquelas que não tratam especificamente da
educação) sob um novo ponto de vista. (LOPES, 1989, p. 65-66).
Esse trabalho inscreve-se na tendência classificada por Warde (1984, p.1) como
aquela onde o objeto em exame determina a periodização e, portanto, a postulação de
diferentes marcos históricos. Ele é resultante de uma pesquisa bibliográfica e documental,
dedicada a analisar e sistematizar elementos que contribuíssem para uma reconstrução das
origens da educação estatal na América portuguesa, situadas no período colonial
pombalino. Entretanto, a consecução deste objetivo não ocorreu sem a superação de alguns
obstáculos importantes, pois como era de se esperar, deparei-me com a dificuldade em
acessar fontes para as investigações. Saviani já alertava para isso ao sugerir a historiadores
da educação latino-americanos
E para desfrutar de uma visão mais acurada desta dificuldade, procurei classificar e
destacar algumas obras (as mais conhecidas no Brasil) que se referem ao tema, buscando
fazer um breve levantamento bibliográfico sobre o assunto2
O que posso dizer após esta revisão é que, no geral, os títulos de História da
Educação no Brasil dão pouca importância à fase conhecida por pombalina.
Em que pese o fato de serem numerosas as referências, a grande maioria dos livros,
ou dedica apenas alguns poucos parágrafos ou páginas ou, até mesmo, omite-se em relação
à essa fase da educação no Brasil. As exceções existem apenas no caso de alguns trabalhos
mais específicos, voltados para o estudo mais focalizado do tema como é o caso da
dissertação de Sulamita Castro Azevedo e Silva, “A Reforma Pombalina e a tecnologia
educacional”; da tese de Ana Maria Moura Lins (1992), “A burguesia em disfarce: a defesa
da ignorância versus as lições do capital”; e dos livros de Laerte Ramos de Carvalho, “As
reformas pombalinas da instrução pública” e de Antonio Alberto Banha de Andrade, “A
reforma pombalina dos estudos secundários no Brasil”, sendo este último, o único que
aborda os acontecimentos de 1757 no Grão-Pará.
Trabalhos mais recentes , a exemplo do primeiro volume da coleção “História da
vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa” já destacam, com
a devida importância, tal acontecimento:
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Kenneth Maxwell (1996, 104) concorda com este argumento quando trata da
reforma educacional de Carvalho e Melo:
Andrade (1978, p.5) também concorda com o caráter original do fato amazônico
quando fala da primeira fase da reforma pombalina do ensino no Brasil:
Neste sentido, optei por dar tratamento ao problema como um processo de origem
da educação “estatal” na América portuguesa. A expressão “estatal”, tomei-a emprestada
de Lorenzo Luzuriaga para caracterizar o novo processo político educacional em voga a
partir da edição do Diretório de 1757, por Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Diz o
citado historiador que
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Considerações Finais
É dentro desta linha conceptiva que concebo o Diretório de 1757. Muito embora
seus objetivos não tenham sido alcançados e, com efeito, sua edição tenha resultado em um
relativo fracasso, as reflexões que continha e as propostas que lançava, caracterizavam-no
francamente como um marco no processo de assunção por parte do Estado português, da
responsabilidade em relação à educação, definindo uma nova relação deste com o
problema da instrução dos índios e, posteriormente, de toda a colônia.
As escolas então criadas, o foram por iniciativa do Estado. Elas se constituem numa
imposição estatal, fruto de sua necessidade, de um projeto político de colonização, por
conseguinte, de aculturação. É aqui que Portugal antecede França, mas de um modo
particular. Não é a República que descobre o valor da escola para a formação de uma nova
cidadania, mas a Monarquia que revela sua face Absoluta.
Furtado não era somente um governador senão também, o coordenador da comissão
de demarcação das terras de Portugal na Amazônia colonial, em conflito latente com a
Espanha. Cabia basicamente a ele garantir que importantes nacos da possessão lusa na
América não escorregassem para o domínio espanhol. Por isso
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seus vizinhos. Entretanto, uma característica tinha de ser inoculada nestes indivíduos para
que eles cumprissem bem a função de “portugueses”: saber falar a “Língua do Príncipe”.
Daí, a estreita ligação entre a expansão portuguesa no vale amazônico, corolário da
política pombalina de exploração de matérias-primas e incentivo ao comércio na região, e
as iniciativas de um ensino pretensamente sistemático e intensivo da língua portuguesa no
Estado do Grão-Pará.
Saviani caracteriza muito bem esta perspectiva argumentando que
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Notas
1
Professor da Universidade Federal do Pará - UFPA
2
Livros sobre história geral da educação: Bento de Andrade Filho na sua “História da educação” reserva um
apêndice para “A educação na América e no Brasil” e vaticina à página 269: “educacionalmente, o Brasil não
tem, de fato, história”; Francisco Larroyo em obra intitulada “História Geral da Pedagogia” também dedica
um apêndice à história da educação no Brasil, em que trata do período pombalino; da mesma forma, Thomas
Ransom Giles no seu livro “História da Educação” menciona o tema em quatro parágrafos no último capítulo
de seu trabalho; Nelson e Claudino Piletti no livro denominado “História da Educação” abordam o assunto
em um item do capítulo dedicado aos Jesuítas; Maria Lúcia de Arruda Aranha na sua “História da educação”,
parte II do capítulo 9, discute “o Brasil na era pombalina” em dois itens: “a expulsão dos jesuítas”e “a
reforma pombalina”.
Livros sobre a história da educação no Brasil: Na introdução de sua obra dedicada ao Conde D’Eu,
denominada “História da instrução pública no Brasil”, José Ricardo Pires de Almeida trata do período
pombalino reproduzindo inclusive o Alvará de 1759. Branca Fialho em trabalho sobre “A educação
secundária no Brasil” encerra a primeira parte do mesmo fazendo uma única e sucinta menção à ação
pombalina: “houve uma grande modificação da instrução no Brasil com o Marquês de Pombal”, todavia, o
período que inicia em 1759 ela denomina “Expulsão dos jesuítas”. Leonardo Trevisan destaca a fase
pombalina com bastante ênfase no segundo capítulo de seu livro “Estado e educação na história brasileira”;
Maria Luisa Santos Ribeiro na sua “História da educação brasileira”, dedica uma parte do 1º capítulo a esse
estudo, denominando-o “A fase pombalina da escolarização colonial”; Theobaldo Miranda Santos no livro
“Noções de história da educação” aborda suscintamente o tema em um apêndice de sua obra dedicado à
educação brasileira; Ana Maria Araújo Freire em “Analfabetismo no Brasil” também dedica uma parte de seu
trabalho ao que ela chama de “Período pombalino ou da remodelação iluminista”; Luiz Antônio Cunha
desenvolve bom estudo sobre “O período pombalino” em seu trabalho “A universidade temporã”; Vanilda
Paiva (1983) aborda rapidamente no item “A educação popular na colônia” de seu livro “Educação popular e
educação de adultos”, a expulsão dos Jesuítas e a criação das aulas régias; na cronologia histórica da
educação no Brasil do seu “Dicionário brasileiro de educação”, Sérgio Guerra Duarte ressalta alguns anos
relativos ao período de Pombal; outro livro, que não é de história da educação, mas refere-se diretamente à
questão é o 2º volume do tomo I da “História geral da civilização brasileira” (a época colonial -
administração, economia, sociedade) organizado por Sérgio Buarque de Holanda, nele Laerte Ramos de
Carvalho escreve como colaborador o capítulo II do livro segundo, “A educação e seus métodos”, onde
aborda as reformas pombalinas. No 4° capítulo do seu livro “Educação e dependência“ Manfredo Berger
ensaia uma periodização do sistema educacional brasileiro e conclui que o período pombalino representou
um ensaio de secularização influenciado pelo iluminismo europeu. Diz o autor, que após a expulsão dos
jesuítas das colônias ultramarinas portuguesas não houve reforma, mas paralisações das atividades
educacionais, pois foram fundadas “escolas e aulas régias” (latim, grego e retórica) insignificantes em
número, qualidade e resultados, com professores inaptos, currículo irregular e lições de disciplinas avulsas,
havendo, entretanto, interesse da metrópole em ter um sistema educacional eficiente na colônia. Em sua
grande obra “A cultura brasileira” (parte terceira, capítulo I), Fernando de Azevedo confirma a expulsão dos
jesuítas como “uma organização escolar que se extinguiu sem que essa destrição fosse acompanhada de
medidas imediatas,...” (p.524). Lauro de Oliveira Lima, em suas “Estórias da educação no Brasil: de Pombal
a Passarinho” diz que “a iniciativa de Pombal era, paradoxalmente ‘esclarecida’ na medida em que abolia o
monopólio educacional de uma ‘companhia’ [de Jesus]...”, e continua afirmando que “Pombal eliminou esta
alternativa durante um século e meio; nem órgão público, nem ‘companhia’ leiga ou religiosa cuidaria
durante este espaço de tempo da educação nacional”. Hyrla Aparecida Tucci Leal elaborou uma dissertação
de mestrado defendida na PUC/SP, denominada “A evolução da educação humanista no Brasil, da Colônia à
1ª República: uma abordagem histórico-filosófica”, cujo capítulo segundo analisa as reformas de Pombal nos
marcos da “educação humanista no Brasil Colônia e sua manifestação no Império”. Ali também corrobora a
tese de que nada houve além da substituição do sistema jesuítico pelas aulas régias. No capítulo 4°
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Recebido em abril-2014
Aprovado em maio-2014
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