Psicopatologia

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PSICOPATOLOGIA

Autoria: Jordana Viana Carvalho Fonseca

1ª Edição
Indaial - 2022
UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Janes Fidelis Tomelin

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Tiago Lorenzo Stachon

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Tiago Lorenzo Stachon
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Jairo Martins
Marcio Kisner
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Desenvolvimento de Conteúdos EdTech

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech


UNIASSELVI

C397

Fonseca, Jordana Viana Carvalho

Psicopatologia. / Jordana Viana Carvalho Fonseca. - Indaial:


UNIASSELVI, 2022.

128 p.; il.

ISBN Digital 978-65-999505-1-3


1. Psicopatologia. - Brasil. 2. Estudo. - Brasil. II. Centro Universitário
Leonardo da Vinci.

CDD 616,89

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
Introdução à Psicopatologia........................................................ 7

CAPÍTULO 2
A Psicopatologia Sob um Olhar Psicanalítico: Diálogo com as
Estruturas Psíquicas.................................................................. 49

CAPÍTULO 3
Diagnóstico e Estratégias de Cuidado no Campo da Psicopa-
tologia: Limites e Novas Perspectivas...................................... 89
APRESENTAÇÃO
Olá, aluno!

Seja muito bem-vindo ao estudo da psicopatologia.

Apesar de ser um tema complexo e multifacetado, a psicopatologia é um


tema que está presente no nosso cotidiano. O quanto temos escutado sobre de-
pressão, saúde mental, déficit de atenção, entre outros, principalmente no contex-
to de pandemia?

Considerando as bases e as influências da psicopatologia, pretendeu-se


adotar uma visão ampla sobre os processos, ainda que haja uma vertente teórica
predominantemente psicanalítica para orientar a abordagem dos principais conte-
údos. Apesar disso, foram considerados os aspectos descritivos e classificatórios,
além da vertente histórico-cultural e fundamental.

Serão abordadas também algumas contribuições da arte para o campo da


saúde mental, tanto por uma perspectiva terapêutica quanto por um viés que bus-
ca compreender os processos de sofrimento e adoecimento psíquico pela via da
expressão artística.

No decorrer do nosso estudo, você perceberá algumas atividades que foram


sugeridas como forma de auxiliar não só no processo de aprendizagem, como
também na construção de uma visão ampla e crítica acerca dos processos psico-
patológicos. Dessa forma, você poderá perceber o seu nível de desenvolvimento
durante a disciplina.

O primeiro capítulo abordará os princípios gerais da psicologia, as definições


e os critérios de normalidade no processo de adoecimento psíquico. A partir de
um breve histórico da loucura, inseriremos o tema da psicopatologia considerando
o campo multidisciplinar, de conflitos e de disputas no qual ela se insere, levando
em conta a complexidade do debate para além do aspecto médico-psiquiátrico,
mas também percebendo as correlações existentes entre os fatores históricos,
políticos e sociais no cenário da saúde mental. Antes de adentrar no segundo
capítulo, apresentaremos o processo de constituição subjetiva para compreender-
mos a dinâmica de formação dos sintomas.

O segundo capítulo tratará das estruturas clínicas em psicanálise e seus


processos de formação dos sintomas, considerando a psicopatologia no âmbito
da neurose, da psicose e da perversão. Visando à articulação teórico-prática, os
temas serão abordados a partir de estudos de caso, discutindo os processos in-
conscientes e desejantes envolvidos nas maneiras de estruturação do sujeito.

De maneira complementar, no terceiro capítulo, para além da perspectiva


psicanalítica, as estruturas serão abordadas a partir das definições nosológicas
inseridas nos manuais diagnósticos, de modo a ampliar e diferenciar concepções
e maneiras de compreender os fenômenos psíquicos, além de focalizar questões
contemporâneas em saúde mental a partir do contexto da pandemia. Por fim, se-
rão expostas algumas considerações mais amplas a respeito dos principais as-
pectos discutidos no decorrer do capítulo.
C APÍTULO 1
INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender o percurso histórico da saúde mental e seus impactos no campo


da psicopatologia.

 Compreender o processo de adoecimento.

 Diferenciar as concepções existentes acerca da psicopatologia.

 Identificar os critérios de normalidade e suas relações com o sintoma.

 Compreender a constituição do sujeito e o surgimento do sintoma.


Psicopatologia

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A fim de organizar o percurso das discussões, o capítulo está dividido em três
seções. A primeira parte tratará brevemente do histórico da saúde mental, além dos
princípios gerais da psicopatologia, como critérios e concepções, de maneira a pro-
blematizar o que é compreendido como normal ou patológico, saúde ou doença.

A segunda seção abordará o campo de estudo da psicopatologia, as concep-


ções e as perspectivas acerca do sofrimento psíquico e as suas formas de com-
preensão no contexto das diversas abordagens.

A terceira e última seção focará no aspecto subjetivo do ser humano e no


processo de caracterização e formação dos sintomas. Por fim, serão apresenta-
das algumas considerações finais.

A psicopatologia é um tema que acompanha a história dos indivíduos desde


os primórdios da humanidade. A depender do momento histórico, político, econô-
mico e sociocultural, a saúde mental é concebida de maneiras diferentes, bem
como as concepções sobre o normal, o patológico e o sintoma.

Nesse sentido, o sofrimento é compreendido como inerente à constituição


subjetiva dos sujeitos, sendo objeto de interesse não só de profissionais da saú-
de, mas também de outros campos científicos, do imaginário social, do senso co-
mum e da cultura. Podemos dizer que a psicopatologia, seja em sua presença
ou ausência, faz parte da vida cotidiana. Freud (1996) já discutia o mal-estar na
civilização e na cultura a partir dos postulados sobre a convivência em sociedade
e o movimento de circulação dos desejos.

Na contemporaneidade, vivemos a era da medicalização, dos psicotrópicos,


da patologização em massa das mais diversas vivências humanas. Por outro lado,
também nos deparamos com o hedonismo, com a busca incessante pelo prazer
a todo custo e, por conseguinte, a negação da dor e do sofrimento. Entretanto,
tais negações constituem-se como novas fontes de sofrimento e de adoecimento
(FORTES, 2016).

A sociedade de consumo, como discutido por Bauman (2008), não se apre-


senta somente como um modo de estruturação econômica do capital, mas im-
pacta significativamente nas relações humanas, nas quais o outro acaba sendo
objetificado e tratado como uma espécie de mercadoria que pode ser utilizada
ou descartada a qualquer momento. O utilitarismo tem sido predominante. Não
há tempo disponível fora da lógica de produção e de consumo. Os espaços para
a escuta, para o diálogo e para o sujeito em sua subjetividade estão reduzidos.

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Psicopatologia

Todavia, isso não significa que o sofrimento não tenha mais lugar. Pelo contrário,
ele continua presente e se manifesta de diversas maneiras, sob diferentes fontes.
Nesse sentido, podemos nos questionar: qual o lugar do sujeito?

O estudo da psicopatologia não pode ser reduzido a questões individuais,


biológicas ou orgânicas dos indivíduos, pois ela sempre esteve imbricada nos pro-
cessos mais amplos no âmbito da sociedade, da cultura e da política. Por outro
lado, um desafio que se apresenta no campo da saúde mental é olhar para o que
é particular e subjetivo ao sofrimento do sujeito e, ao mesmo tempo, não deixar de
lado as categorias nosológicas mais amplas que são necessárias ao diagnóstico e
ao tratamento (VIEIRA, 2020).

Nesta disciplina, buscaremos abordar o campo da psicopatologia a partir da


vertente psicanalítica, em diálogo com outras abordagens inerentes ao campo de
estudo psicopatológico. Discutiremos a diversidade de perspectivas, critérios e de-
finições sem abrir mão da base teórica norteadora aqui apresentada. Por ser um
tema de constante debate e alterações, é imprescindível adotar uma visão ampla e
crítica sobre os processos psicopatológicos para além da visão médico-psiquiátrica.

Tendo isso em vista, consideraremos contribuições de diversas áreas com


relação ao sujeito e ao sintoma para além da concepção dos transtornos mentais
enquanto doença, partindo da história da loucura até a conjuntura atual acerca do
sofrimento psíquico, incluindo o contexto de pandemia causado pela Covid-19.

2 PRINCÍPIOS GERAIS: DEFINIÇÃO


E CRITÉRIOS DE NORMALIDADE
NO PROCESSO DE ADOECIMENTO
PSÍQUICO
Nesta primeira seção, abordaremos os princípios históricos e gerais da psi-
copatologia, incluindo a discussão a respeito do que é compreendido como nor-
malidade. Mais do que um tema relevante no campo científico, a psicopatologia
ou os comportamentos julgados socialmente como normais ou anormais e as
concepções acerca do que é ou não doença fazem parte do imaginário social e
permeiam o discurso do senso comum. Você, provavelmente, já deve ter ouvido
alguma expressão, como “fulano é louco”, “fulano é bipolar” e “acho que tenho
déficit de atenção”.

Antes de dar início ao nosso estudo, sugerimos uma atividade para verificar
a priori o que você compreende sobre psicopatologia a partir dos conhecimentos

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

que você adquiriu ao longo da sua trajetória. Ao final do estudo, é interessante


voltar a essa questão para perceber o que mudou na sua perspectiva e de que
forma o seu olhar foi impactado após o estudo científico desse campo tão impor-
tante. Vamos começar?

1 Classifique V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A psicopatologia é o estudo dos transtornos mentais associados


prioritariamente às disfunções orgânicas do ser humano.
( ) O fenômeno da ‘loucura’ é historicamente impactado pelo contex-
to sociocultural, político e econômico de cada época.
( ) No período da escravidão, o desejo de fuga dos escravos foi pro-
posto como diagnóstico de transtorno mental.
( ) A psicopatologia enquanto ciência é um campo multifacetado,
marcado por diferentes concepções, inclusive em relação a dife-
rentes critérios de normalidade.
( ) Em virtude da Reforma Psiquiátrica ocorrida no Brasil, o país não
chegou a institucionalizar a saúde mental em hospícios.
( ) O saber psiquiátrico é o mais adequado para se compreender os
transtornos mentais.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) V – V – F – F – V – F.
b) F – V – V – V – F – F.
c) F – F – V – F – V – V.
d) V – F – F – V – F – V.

Os chamados transtornos mentais e as alterações de comportamentos acom-


panham os seres humanos em toda a sua trajetória histórica. Conforme Schneider
(2009, p. 63), “a loucura é um fenômeno tipicamente humano, pois é somente
quando afetado em seu devir que o sujeito põe em questão seu ser”.

Todavia, cada momento histórico compreenderá o fenômeno da psicopatolo-


gia de modo particular, a depender do contexto social, cultural, racional e político
predominante em cada época. Na Idade Média, por exemplo, a loucura era con-
siderada como uma possessão demoníaca. Já na Modernidade, marcada pelo
racionalismo, as expressões de loucura eram traduzidas como perda da razão.

Na Contemporaneidade, em tempos de predominância do saber médico-


-psiquiátrico, conhecemos a psicopatologia como doença mental. Tal conceito,

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Psicopatologia

sustentado pelas perspectivas dos transtornos mentais, é concebido a partir de


determinações biológicas e organicistas sob uma perspectiva individual, lançan-
do mão, muitas vezes, dos fatores socioculturais. Essas concepções apresentam
desdobramentos nas práticas de internação e terapêuticas, as quais passaram
no decorrer da história pelo acorrentamento, pela aplicação de banhos quentes e
frios, pelo tratamento moral, pelos choques elétricos, pela lobotomia, até a admi-
nistração indiscriminada de psicofármacos a partir de 1950 (SCHNEIDER, 2009).

O termo lobotomia vem do grego e significa “lobos = parte” e “to-


mos = separação; cisão”. Foi uma técnica cirúrgica utilizada como
forma de tratamento cujo procedimento consistia na extração da
área pré-frontal do cérebro, local em que as vias de comunica-
ção entre os lobos frontais e o tálamo eram seccionadas. Esse
procedimento era utilizado a fim de eliminar transtornos mentais,
sintomas psicopatológicos, modificar comportamentos considera-
dos anormais ou inadequados, o que acarretava na redução ou
eliminação de atividades mentais, com a premissa de estabelecer
o “equilíbrio” psíquico-emocional (MASIERO, 2003).

Esse fato histórico ilustra que o sofrimento psíquico é historicamente inter-


pretado por diferentes aspectos e concepções. Guerra, Langlais e Guerra (2019)
mencionam que, em algumas civilizações antigas, o sofrimento era interpretado
como uma espécie de mensagem dos deuses aos humanos ou até mesmo como
possessão demoníaca. A partir do século XVIII, inicia-se no Brasil o processo de
segregação dos espaços para indivíduos considerados ‘doentes mentais’, indig-
nos da vida em sociedade. Assim, constitui-se o saber psiquiátrico pelas vias do
diagnóstico e da medicalização.

Em 1851, o médico americano Samuel A. Cartwright propôs o diagnóstico da


drapetomania para considerar como doença mental o desejo de fuga dos escravos,
explicado, segundo ele, pela falta de motivação para trabalhar por parte dos negros
escravizados. O tratamento indicado pelo médico foi o açoite (SCLIAR, 2007).

Atualmente, esse fato histórico parece absurdo e irreal. De todo modo, esse
exemplo ilustra o quanto os conceitos de saúde-doença e normal-anormal são
carregados de valores sociais, históricos, culturais e políticos. Na era da escravi-
dão, por exemplo, o negro era desumanizado e considerado como um ser inferior,
que tinha o dever de servir aos indivíduos brancos, sendo privado de direitos, de

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

condições básicas de vida e da própria liberdade. Até mesmo o desejo de fugir de


um contexto de violência foi patologizado e considerado anormal. O diagnóstico
de drapetomania evidencia não só a conjuntura sócio-histórica da época, como
também o aspecto social e estrutural do racismo, que está imbricado na socieda-
de até os dias atuais (SCLIAR, 2007).

No Brasil, as diferentes concepções epistemológica, simbólica e socioeconô-


mica sobre a loucura e o adoecimento mental impactaram nos modos de configu-
ração das práticas de saúde mental e nas formas de tratamento. O início da ins-
titucionalização do cuidado é atribuída à criação do Hospício Pedro II, em 1841,
no Rio de Janeiro, sendo o primeiro hospital psiquiátrico do país e o segundo da
América Latina (SAMPAIO; BISPO JÚNIOR, 2021).

As primeiras ações institucionais tiveram abordagens de caráter higienista


e de privação da liberdade a partir da internação e proibição do convívio social
das pessoas consideradas “loucas”, “em desrazão”, as quais representavam uma
ameaça à sociedade e à ordem pública. Nesse momento, também havia fortes
influências de ordem religiosa e de caridade, cujo espaço institucional era mantido
pela Santa Casa de Misericórdia e por doações. Em 1889, com a Proclamação da
República, o Hospício Pedro II foi desvinculado da Santa Casa e passou ao domí-
nio da psiquiatria científica (SAMPAIO; BISPO JÚNIOR, 2021).

Cabe ressaltar que no período mencionado havia uma distinção de


tratamento, de caráter político e socioeconômico, para aqueles que
eram considerados “loucos”. Conforme informações levantadas no
portal Memorial da Loucura, do Centro Cultural do Ministério da
Saúde, o público que vivia trancado e era submetido a condições
desumanas no Hospício de Pedro II, também conhecido como “Pa-
lácio dos Loucos”, era de pessoas majoritariamente pobres, à mar-
gem da sociedade. Quanto às pessoas ricas, boa parte era manti-
da isolada em suas casas, longe dos olhares curiosos.

Apesar disso, existiam subdivisões de classes dentro do hospital.


A primeira classe pertencia aos indivíduos brancos, membros da
corte, fazendeiros e funcionários públicos. A segunda era com-
posta por lavradores e serviçais domésticos. Na terceira, estavam
as pessoas de baixa renda e os escravos pertencentes a senho-
res considerados importantes. Por fim, a quarta classe, a mais
numerosa de todas, era destinada aos indigentes, principalmente
ex-escravos e aos escravos de senhores que comprovadamente
não tivessem recursos para a despesa do tratamento. As duas

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Psicopatologia

primeiras classes eram as mais privilegiadas, cujos pacientes


viviam em quartos individuais ou duplos, realizando pequenos
trabalhos manuais, jogos e leitura. Enquanto isso, a terceira e
a quarta classe eram destinadas aos trabalhos mais pesados,
como os serviços de cozinha, manutenção, jardinagem e limpeza,
além de serem colocados em quartos superlotados.

O Memorial da Loucura é um portal do Centro Cultural do Minis-


tério da Saúde no qual constam informações mais detalhadas
sobre o Hospício de Pedro II, conhecido como o Palácio dos Lou-
cos, tais como: fotos do local, descrições sobre o cotidiano no
hospício, superlotação, acervo documental, entre outros.

Fonte: http://www.ccms.saude.gov.br/memoria%20da%20loucu-
ra/Mostra/apresenta.html. Acesso em: 15 ago. 2022.

Com a institucionalização da loucura no Brasil, o hospício passou a ocupar o


lugar central no modelo assistencial. Foi somente no final da década de 1970 que
emergiram as primeiras ações a favor da Reforma Psiquiátrica Brasileira, bem
como a criação do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, a fim de des-
construir o modelo manicomial vigente. Um dos objetivos da Reforma era ofertar
um outro lugar social para a loucura e fornecer condições favoráveis de vida para
as pessoas em sofrimento mental. Além disso, o movimento buscava a desinstitu-
cionalização e a transformação das relações de poder para que os considerados
doentes mentais fossem reconhecidos como sujeitos e não meros objetos de in-
tervenção, violência e segregação (SAMPAIO; BISPO JÚNIOR, 2021).

A seguir, veremos uma síntese do histórico da saúde mental no Brasil de


1841 a 2019, considerando as particularidades de cada período histórico, do con-
texto econômico, social e político à época, a forma de organização do sistema de
saúde e as respectivas características da atenção em saúde mental.

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Quadro 1 – Síntese do histórico da saúde mental no Brasil (1841–2019)

Período histórico Contextos Organização do Características da


econômico, social e sistema de saúde atenção em saúde
político mental
Institucionalização - Período Imperial. - Modelo higienista de - Cuidado central
da saúde mental - Proclamação da cuidado em saúde. no hospital e no
(1841–1964) República (1889). - Fragmentação encarceramento.
- Urbanização e institucional - Ascensão da
industrialização do entre medicina psiquiatria científica
Estado Novo, período previdenciária e saúde após 1889.
Vargas (1930–1945). pública. - Preconização de
- Instabilidade desinternação
democrática (1945–1964). progressiva (1961).
Autoritarismo e - Regime autoritário. - Modelo de atenção - Cuidado central no
privatização da - Desenvolvimentismo centrado na hospital
saúde mental econômico assistência hospitalar e no encarceramento.
(1964–1978) concentrador de renda. e no setor privado. - Privatização e
- Centralização - Intensificação da indústria da loucura.
administrativa. dicotomia - Hospitais
- Redução de gastos entre medicina psiquiátricos
com políticas sociais previdenciária e saúde superlotados,
e submissão aos pública. com serviços de
interesses do capital - Agravamento das má qualidade e
privado. condições de saúde e iatrogênicos.
desassistência.
Origem da - Esgotamento do - Movimento da - Criação do
Reforma modelo econômico. Reforma Sanitária Movimento dos
Psiquiátrica - Mobilização social Brasileira. Trabalhadores em
Brasileira pela redemocratização. - Defesa da saúde Saúde Mental (MTSM).
(1978–1984) como direito. - Realização de
- Ações e programas eventos acadêmicos
de ampliação da voltados para a
cobertura na saúde. discussão da reforma
psiquiátrica.
- Forte crítica ao
modelo
asilar, à violência
institucionalizada e à
privatização da
assistência.
- Fortalecimento do
movimento da RPB.
Redemocratização, - Fim do regime - Saúde incluída na - Continuidade na
criação do SUS autoritário. pauta política. realização de eventos
e ascensão - Crise econômica e - VIII Conferência para discussão e
da Reforma hiperinflação. Nacional de Saúde disseminação da
Psiquiátrica - Assembleia Nacional (1986). reforma psiquiátrica.
Brasileira – RPB Constituinte (1988) - Criação do SUS - Criação do
(1984–1990) (1988). Movimento Nacional
- Lei Orgânica da da Luta Antimanicomial
Saúde (Leis nº (1987).
8.090/1990 e nº - Experiências
8.142/1990). exitosas de
desinstitucionalização
e novos modelos de
atenção em saúde
mental (1987–1989).

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Psicopatologia

Implementação - Governo Collor - Implementação do - Criação da


da Reforma (liberalização do SUS. Coordenação de
Psiquiátrica mercado). - Descentralização da Saúde Mental (1991).
Brasileira - Ajuste gestão em saúde. - Reformulação do
(1990–2000) macroeconômico e - Desenvolvimento da arcabouço normativo
Plano Real. atenção primária à da saúde mental.
- Reforma do Estado. saúde. - Difusão de nova
mentalidade e formas
de cuidar em saúde
mental.
- Criação do Centro de
Atenção Psicossocial
(CAPS) e mecanismos
substitutivos.
Avanços - Governo do Partido - Ascensão dos - Lei da Reforma
institucionais dos Trabalhadores sanitaristas ao Psiquiátrica e criação
da Reforma (2003–2016). comando do Ministério da Rede de Atenção
Psiquiátrica - Valorização das da Saúde. Psicossocial (RAPS).
Brasileira políticas sociais e de - Coordenação - Arcabouço legal
(2001–2016) distribuição de renda. de Saúde Mental e normativo para a
conduzida por desinstitucionalização.
defensores da - Expressiva redução
Reforma Psiquiátrica. de leitos em hospitais
psiquiátricos.
- III e IV Conferência
Nacional de Saúde
Mental.
Retrocessos - Impeachment da - Restrição - Aprovação do novo
da Reforma presidente Dilma orçamentária ao SUS. Programa Nacional
Psiquiátrica Rousseff (2016). - Valorização do para a Saúde Mental
Brasileira - Ocupação do setor privado para (PNSM).
(2016–2019) governo por setores a prestação da - Inserção dos
conservadores (2016– assistência à saúde. hospitais psiquiátricos
2018). - Restrição da e comunidades
- Priorização e participação social. terapêuticas na RAPS.
intensificação - Aumento do incentivo
dos programas financeiro para
de austeridade internações.
fiscal e ajuste - Proposta de
macroeconômico. retomada da
- Eleição da extrema eletroconvulsoterapia
direita e agenda no sistema público.
ultraliberal (2019). - Fortalecimento
e financiamento
para comunidades
terapêuticas com
foco na abstinência.
- Retirada da
sociedade civil da
composição do
Conselho Nacional
sobre Drogas.

Fonte: Sampaio e Bispo Júnior (2021, p. 4-5)

Como pôde ser percebido no Quadro 1, considerando as contribuições de


Sampaio e Bispo Júnior (2021), a origem da Reforma Psiquiátrica Brasileira surge
junto às lutas para a redemocratização do país, no final da Ditadura Militar. As rei-

16
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

vindicações por melhores condições de vida e de transformação dos cuidados em


saúde mental impulsionaram o Movimento de Reforma Sanitária (MRS), acompa-
nhado de críticas às práticas violentas e excludentes dos hospitais psiquiátricos, o
que deu origem à luta antimanicomial.

Com a redemocratização, em 1984, houve a criação do Sistema Único de


Saúde (SUS) e a consolidação das lutas em prol da Reforma Psiquiátrica. Foi o
início da substituição da estrutura hospitalar-manicomial por serviços de saúde
diversificados que pudessem incluir os sujeitos em sofrimento mental na comuni-
dade, o que impulsionou a adoção do modelo psicossocial. Daí surgiram outras
formas e espaços de atenção e cuidado, tal qual o que atualmente conhecemos
como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), além da disseminação de eventos
acadêmicos e espaços de discussão no contexto da luta antimanicomial (SAM-
PAIO; BISPO JÚNIOR, 2021).

Com o avanço dos movimentos sociais, a Reforma Psiquiátrica Brasileira foi


concretizada como política pública. Em 2001, foi implementada a Lei Antimani-
comial nº 10.216/2001, como parte da Política de Saúde Mental do Ministério da
Saúde, no processo de desinstitucionalização e inserção social daqueles sujeitos
submetidos aos hospitais psiquiátricos (SAMPAIO; BISPO JÚNIOR, 2021).

Todavia, a Reforma Psiquiátrica é um campo de disputa até os dias de hoje,


marcada por avanços e retrocessos a depender do contexto político, econômico
e social vivido. Além disso, o percurso histórico da saúde mental não só no Brasil,
mas no mundo, impactou significativamente nas concepções existentes no imagi-
nário social sobre o adoecimento psíquico. Um exemplo disso é o lugar de poder
que a psiquiatria ainda ocupa na patologização e, muitas vezes, na redução do
sofrimento psíquico, tendo como base critérios organicistas que acabam por des-
considerar a posição do sujeito e seu contexto social, familiar e cultural mais am-
plo. A história da psicopatologia acompanha a história da psiquiatria e sua cons-
tituição como especialidade e ciência a partir do século XVIII, com as primeiras
classificações do que era concebido como loucura (DALGALARRONDO, 2019;
SAMPAIO; BISPO JÚNIOR, 2021).

A prevalência do saber psiquiátrico e suas descrições nosológicas em psi-


copatologia ficam evidentes no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM) e na Classificação Internacional de Doenças (CID), cujas classifi-
cações se apresentam como universais e generalizáveis. Dunker (2014) ressalta
que o DSM foi constituído a partir de uma perspectiva ateórica, para fins de esta-
belecimento de um sistema de classificação sobre comportamentos diretamente
observáveis, contudo, sem ancorar-se em pressupostos teóricos. Desse modo,
a descrição minuciosa dos sinais e sintomas dos transtornos mentais constitui a
base semiológica do processo investigativo.

17
Psicopatologia

O autor ainda discute que o próprio termo psicopatologia é carregado de am-


biguidades. Essa expressão, associada ao campo da psiquiatria, é utilizada para
se referir à suposta natureza das doenças mentais e suas respectivas causas,
alterações e manifestações. De maneira genérica, pode-se compreender a psico-
patologia como um conjunto de conhecimentos a respeito do adoecimento mental
do ser humano (DUNKER, 2014).

Tendo em vista o histórico de institucionalização do adoecimento mental, o


estudo da psicopatologia está ligado ao campo de estudo da semiologia psico-
patológica que, segundo Dalgalarrondo (2019, p. 19), é “o estudo dos sinais e
sintomas dos transtornos mentais”. Portanto, a psicopatologia trata das alterações
psíquicas do ser humano que escapam aos critérios de normalidade. Os sinais
correspondem a um tipo de evidência objetiva e provida de significação. A fuma-
ça, por exemplo, é um sinal indicativo de fogo. Os sinais de trânsito indicam se
você precisa parar, seguir, ter atenção, entre outros. Quanto aos sintomas, refe-
rem-se àquilo que o sujeito percebe de si mesmo, suas queixas e narrativas. São
as vivências subjetivas comunicadas pelo indivíduo (DALGALARRONDO, 2019).

No âmbito da psicopatologia, os sinais e os sintomas observáveis pelo mé-


dico, psicólogo ou outros profissionais da saúde, bem como o relato do paciente,
indicarão se aquele indivíduo apresenta ou não algum tipo de transtorno mental.
Entretanto, o que é normal? O que é patológico?

Na Contemporaneidade, muito se tem falado sobre o TDAH (Transtorno do


Déficit de Atenção com Hiperatividade), cujo diagnóstico tem aumentado com o
passar dos anos, especialmente em crianças no contexto escolar. Além dos sinais
e sintomas que caracterizam esse estado, será que outros aspectos estão sendo
levados em consideração? Daremos um exemplo de um relato pessoal presencia-
do por uma psicóloga escolar há poucos anos. Ela trabalhava em uma escola de
Educação Infantil no estado do Tocantins.

Em determinado dia, ela foi chamada para avaliar uma turma de crianças
que estava dando muito trabalho, pois não conseguiam prestar atenção nas aulas
ou permanecer sentadas por mais de um curto espaço de tempo, estando muito
agitadas, algumas até irritadas. A suposição inicial da professora era de que mui-
tas das crianças poderiam ter TDAH e a profissional de psicologia poderia auxiliar
nessa avaliação diagnóstica. Ao visitar a turma, a psicóloga percebeu que a sala
de aula não possuía infraestrutura adequada. Palmas é uma cidade cujo clima
possui temperaturas significativamente altas. Apesar disso, a sala de aula era ex-
tremamente quente, não havia janelas para circulação de ar, tampouco ar-condi-
cionado. Os ventiladores não estavam funcionando.

18
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

A partir dessa situação, podemos questionar: qual a probabilidade de crian-


ças permanecerem sentadas e focadas nas aulas em um ambiente que não apre-
senta as condições mínimas de conforto e bem-estar?

Antes de adentrar nessa discussão acerca dos critérios de normalidade,


cabe mencionar que a psicopatologia, como um tipo de conhecimento científico,
não possui verdades absolutas ou a priori, como também não deve incluir critérios
morais ou de valor. Ao contrário, busca-se observar, identificar e compreender os
sinais e os sintomas ligados aos transtornos mentais (DALGALARRONDO, 2019).

Ainda que os sinais e os sintomas sejam providos de significações, tais senti-


dos só podem ser apreendidos considerando o contexto histórico, cultural, político
e social. A própria história da psicopatologia é marcada por diversas mudanças e
modos de posicionamento ao longo dos anos, cujo debate continua em constante
discussão e possibilidades de alteração.

A influência dos ideais científicos e positivistas do século XIX impactaram no


aparato teórico de psiquiatras e psicólogos que, na busca pela afirmação da medi-
cina e da psicologia como ciência, buscavam exercer suas práticas por fatos obje-
tivos, neutros e isentos de valores. Todavia, tal perspectiva se mostra tradicional-
mente inalcançável pela própria condição humana (DALGALARRONDO, 2019).

É fato que as teorias e as práticas em saúde mental devem ser pautadas em


estudos e pressupostos científicos, em detrimento de crenças ou opiniões pes-
soais. Entretanto, também é fato que cada um enxerga o mundo ou apreende
determinados conceitos de maneiras diferentes e, muitas vezes, de modo incons-
ciente, não perceptível, carregadas de valores básicos e profundamente arraiga-
dos. Desse modo, a psicopatologia é, em suas variadas vertentes, relacionada
a fatos objetivos (sinais, sintomas, tratamentos e intervenções), como também a
questões subjetivas daqueles que a vivenciam (DALGALARRONDO, 2019). Isso
fica evidente nas diferentes perspectivas e abordagens teóricas no campo da psi-
copatologia que não apresentam um consenso entre si.

Tradicionalmente, são reconhecidos três tipos de fenômenos humanos no


campo da psicopatologia, conforme descrito por Dalgalarrondo (2019):

a. Fenômenos que são semelhantes em quase todas as pessoas.


São aqueles de caráter psicológico ou fisiológico daquilo que é compre-
endido como normal e compartilhado pelos seres humanos. Como exem-
plo, podemos citar a fome, a sede, o sono e o medo. Ainda que cada um
desses fenômenos seja vivenciado de modo particular, certas experiên-
cias são semelhantes a todos nós.
b. Fenômenos que, em parte, são semelhantes e, em parte, diferentes.

19
Psicopatologia

São fenômenos humanos, compartilhados, que se sobrepõem de algu-


ma maneira nos planos psicológico e/ou psicopatológico. A tristeza, por
exemplo, pode ser sentida por qualquer ser humano, porém, a alteração
profunda desse sentimento pode caracterizar uma depressão grave que
se diferencia da tristeza considerada normal.
c. Fenômenos qualitativamente novos, distintos das vivências normais.
Trata-se do campo específico das vivências psicopatológicas. São fenô-
menos próprios associados a determinadas doenças e transtornos men-
tais, como é o caso da esquizofrenia e suas implicações na consciência:
alucinações, delírios, entre outros.

Os fenômenos em parte semelhantes e, em parte, diferentes elucidam a fron-


teira tênue entre o normal e o patológico, fenômenos que se apresentam enquan-
to fatos culturais. Bezerra Júnior (2006) ressalta que, quando é necessário definir
conceitualmente a fronteira entre o normal e o patológico, entre o que é apenas
diferente ou patológico, o tema se torna mais complexo. A vida social aciona dis-
positivos de demarcação entre essas fronteiras, no sentido do que é aceitável ou
recusável. Essa reflexão deve ser inserida no campo da saúde de forma crítica e
contextualizada, para não cairmos no equívoco de medicalizar a existência e pa-
tologizar o normal. Desse modo, “retomar a discussão sobre os conceitos de nor-
mal e patológico está, assim, na ordem do dia” (BEZERRA JÚNIOR, 2006, p. 92).

Na cultura atual, não se pode correr o risco de reduzir e associar saúde aos
ideais de performance física e mental exigidos pelo mundo do capital, pela veloci-
dade dos processos e pela busca incessante do prazer, a um ideal de perfeição,
ou a tudo que impede o indivíduo de atingir as exigências pessoais, sociais e pro-
fissionais. Dessa maneira, percebemos que:

As noções de disfunção, transtorno ou déficit vêm transfor-


mando nossa experiência do pathos, que vai deixando de se
revestir de uma aura vivencial ou existencial, para progressiva-
mente serem concebidas e experimentadas como desvios de
funcionamento, erros de programação ou falhas de desempe-
nho (BEZERRA JÚNIOR, 2006, p. 92).

Tradicionalmente, a discussão a respeito dos critérios de normalidade per-


passou por premissas associadas a alterações quantitativas do estado considera-
do normal, que ainda são percebidas de maneira equivocada no campo de con-
flitos epistemológicos em psicopatologia. Canguilhem (2009) realizou um estudo
que abordou as fontes históricas e as lógicas envolvidas na concepção de que o
estado “mórbido” seria uma variação quantitativa de aspectos humanos de natu-
reza fisiológica que definem o estado normal. Entretanto, o autor afirma que a vida
não é apenas uma forma de submissão ao meio, mas também institui o próprio
meio através do estabelecimento de valores no próprio organismo. Tal concepção

20
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

foi chamada de normatividade biológica.

Desse modo, não somos apenas um corpo biológico. Somos um corpo carre-
gado de sentidos, significados, valores e crenças. Uma febre, por exemplo, pode
indicar uma alteração da temperatura corporal normal, mas não necessariamente
uma patologia. Pode ser uma resposta de defesa do organismo a determinado
agente infeccioso. A febre pode ser um indicativo de algo, mas não uma doença
em si mesma.

Segundo Canguilhem (2009, p. 76), “o estado patológico expressa a redução


das normas de vida toleradas pelo ser vivo, a precariedade do normal estabeleci-
do pela doença”. A atribuição de normalidade determinada apenas pela fisiologia
reflete, em suma, a relação da vida com a atividade normativa que ela impõe,
imbuída dos valores de atividade e produção, no esforço espontâneo do indivíduo
para dominar e organizar o meio segundo seus valores, pressupostos associados,
principalmente, à visão médica.

Todavia, qualquer conceito a respeito do fenômeno da doença estabelece


uma relação de valores, não objetivos, em que a patologia é qualificada de acordo
com a relação que ela estabelece com o indivíduo. Canguilhem (2009) elucida
que a medicina, ainda que pautada em conceitos e teorias científicas, não é emi-
nentemente uma ciência em si, mas uma prática imersa em valores que visa à
redução do sofrimento. Para Bezerra Júnior (2006, p. 93):

Só é possível delimitar de forma consistente a fronteira entre o


normal e o patológico quando se deixa de lado os critérios me-
ramente objetivos e se coloca no centro da reflexão a mudança
de qualidade, a alteração de valor vital que a doença impõe e
que o indivíduo reconhece como limitação a sua existência.

Da mesma maneira, o que pode delimitar a fronteira entre um desvio da nor-


ma ou uma patologia ou anomalia não é um dado objetivo ou estatístico, mas a
implicação que determinado aspecto tem na vida do indivíduo, a implicação posi-
tiva ou negativa que se impõe sobre o processo de preservação e continuidade
da vida. Ter saúde não significa ser normal, pois a doença faz parte da vida, é
previsível, é considerada normal. O que caracteriza a saúde não é o estado de
equilíbrio, mas a capacidade de ultrapassá-la e produzir novas formas de lidar
com as situações emergentes. Nesse sentido, é essencial inserir a experiência de
sofrimento do sujeito no centro da análise, do diagnóstico e do processo terapêu-
tico (BEZERRA JÚNIOR, 2006).

As concepções acerca do que é saúde ou doença, normal ou anormal são


imersas em campos de discussões, disputas e contradições que envolvem valo-
res, poderes e crenças. Ainda que a psicopatologia busque a objetividade cientí-

21
Psicopatologia

fica, ela é uma questão social não passível do pressuposto de neutralidade. Na


direção do que é discutido por Dalgalarrondo (2019, p. 41), “o comportamento e
o estado mental das pessoas não são fatos neutros, exteriores aos interesses e
preocupações humanas. Não se fica indiferente perante outros indivíduos ao lidar
com seus comportamentos, sentimentos e outros estados mentais”.

Os próprios critérios de normalidade e anormalidade em medicina e psicopato-


logia não possuem um consenso, sendo variados e adotados a depender do posicio-
namento profissional, ideológico e filosófico adotado. As fronteiras entre o normal e
o patológico são tênues e complexas, ressalvados os casos extremos de alterações
comportamentais e mentais graves, carregados de intenso sofrimento psíquico.

Figura 1 – Reflexão sobre a normalidade

Fonte: https://tirasarmandinho.tumblr.com/post/153583601529/
tirinha-original. Acesso em: 20 jan. 2022.

A seguir, elencamos os principais critérios de normalidade utilizados no campo


da psicopatologia, segundo Dalgalarrondo (2019):

• Normalidade como ausência de doença: no âmbito da psicopatologia, o


normal seria o indivíduo que não é portador de nenhum transtorno men-
tal definido.
• Normalidade ideal: refere-se a um conceito de normalidade socialmente
constituído. O normal é definido de acordo com determinada norma, con-
siderada ideal, do que supostamente seria mais “sadio” ou “evoluído”.
• Normalidade estatística: nessa perspectiva, a norma está associada à fre-
quência, sendo aplicada principalmente em fenômenos quantitativos. Desse
modo, o que é normal é aquilo que é observado de maneira mais frequente.
• Normalidade como bem-estar: segundo o autor, em 1946, a Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS) definiu o conceito de saúde como sendo
o completo bem-estar físico, mental e social, superando a concepção de
que saúde seria simplesmente a ausência de doença.
• Normalidade funcional: pautada em um critério de cunho qualitativo, a
patologia é definida como a ocorrência de um fenômeno que é disfuncio-
nal e produz sofrimento para o próprio indivíduo que o experimenta ou
para o seu grupo social.

22
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

• Normalidade como processo: parte de uma perspectiva mais ampla ao


considerar o dinamismo do desenvolvimento psicossocial, das altera-
ções, crises e mudanças ocorridas ao longo da vida do indivíduo, além
das que são consideradas como características de certos períodos etá-
rios, como é o caso da adolescência.
• Normalidade subjetiva: o estado de saúde do indivíduo é percebido por ele
mesmo, de acordo com o seu estado subjetivo, sentimentos e bem-estar.
• Normalidade como liberdade: esse critério, de orientação fenomenoló-
gica e existencial, compreende a doença mental como sinônimo de au-
sência de liberdade. Quanto à saúde, seria a possibilidade de transitar
livremente de acordo com o desejo do indivíduo.
• Normalidade operacional: critério de caráter arbitrário e pragmático,
cujas definições sobre o que é normal e patológico são definidas a priori.
Exemplos disso são o DSM e a CID.

Todavia, a psicopatologia e os seus principais critérios e definições apresentam


limitações. Não há uma perspectiva única que dê conta de explicar determinado tipo
de sofrimento ou adoecimento psíquico. O critério de normalidade como ausência de
doença, por exemplo, é questionável. Segundo essa visão, o indivíduo normal seria
o indivíduo que não é portador de nenhum transtorno mental definido, mas, e se ele
tiver algum tipo de sofrimento psíquico grave não definido? E se ele tiver alguma do-
ença orgânica, de caráter biológico?

Outro exemplo que podemos pensar é a normalidade estatística, na qual o


normal é associado à frequência de ocorrência de determinado fenômeno. No Bra-
sil, encontramos com mais frequência pessoas com o cabelo naturalmente de cor
escura. Já os naturalmente ruivos são bem menos frequentes, e isso não significa
que um sujeito ruivo seja “anormal”. Na normalidade subjetiva, o estado de saúde
do indivíduo é dito por ele mesmo, mas será que temos total consciência acerca
de nós mesmos? Nossos sentimentos, traumas, incômodos? Sob uma perspectiva
psicanalítica, isso é impossível.

Os exemplos mencionados ilustram que em psicopatologia não podemos


partir de definições a priori sem antes perceber e compreender determinado fenô-
meno psíquico, humano, a partir do contexto no qual ele se insere, de que lugar e
perspectiva estamos falando. Para finalizar, segue uma atividade sobre a discus-
são ora apresentada.

23
Psicopatologia

1 Considerando os principais critérios de normalidade descritos, as-


sinale a alternativa que representa o critério mais adequado para
definir o que é normal.

a) Ausência de doença.
b) Subjetiva.
c) Liberdade.
d) Ideal.
e) Nenhuma das anteriores.

Em suma, a psicopatologia é relacionada a fatores objetivos (sinais, sintomas e


transtornos identificados, tratamentos e técnicas de intervenção) e também a valores
imbricados em tais fatos. Com relação aos valores, não neutros, são identificados em
relação a questões diagnósticas relacionadas, por exemplo, ao uso de substâncias,
aos comportamentos alimentares, ao nível de autonomia do indivíduo, ao poder de
alcance da família, dos serviços de saúde e do Estado, aos comportamentos auto-
destrutivos, ao suicídio etc. Frequentemente, os sinais, os sintomas e os valores são
intensificados quando relacionados a intervenções médicas e psicológicas, ao diag-
nóstico e à avaliação em saúde mental (DALGALARRONDO, 2019).

Ainda de acordo com Dalgalarrondo (2019), podemos caracterizar a psicopa-


tologia e/ou os transtornos mentais como alterações comportamentais e mentais de
intensidade acentuada, com longa duração, acompanhadas de intenso sofrimento e
disfunções cotidianas que interferem nos variados aspectos da vida do sujeito. En-
tretanto, existem casos menos intensos e de maior complexidade e delimitação, cuja
definição se torna mais difícil e se situa nos limites do conceito de normalidade. Tais
situações exigem um diagnóstico processual e multidimensional, cuja discussão será
aprofundada no Capítulo 3.

3 O CAMPO DA PSICOPATOLOGIA:
CONCEPÇÕES E PERSPECTIVAS
Até aqui, foi possível perceber a complexidade do campo da psicopatologia e
suas diferentes concepções históricas e epistemológicas. Considerando a discussão
acerca dos critérios de normalidade realizada no tópico anterior, podemos afirmar que
a falta de um consenso na ciência psicopatológica situa-se no campo da normalidade.

24
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Conforme ressaltado por Dalgalarrondo (2019, p. 33), “a psicopatologia é, por


natureza e destino histórico, um campo de conhecimento que requer debate constan-
te e aprofundado, no qual não há e não pode haver uma teoria ou perspectiva ampla-
mente hegemônica. Aqui, o conflito de ideias não é uma debilidade, mas uma neces-
sidade”, ou seja, a evolução da psicopatologia ocorre pela aceitação das diferenças
conceituais e pelo contínuo esclarecimento e aprofundamento do campo a partir de
discussões e desmistificações.

No quadro a seguir, estarão sintetizados os principais campos e tipos de patolo-


gias a partir de perspectivas dualistas.

Quadro 2 – Principais perspectivas no campo da psicopatologia

Psicopatologia descritiva Psicopatologia dinâmica


Centrada na descrição das formas de alterações Tem como base o conteúdo subjetivo das
psíquicas, nas estruturas dos sintomas, nas vivências, os afetos, os desejos, os temores
características de cada patologia, bem como na do indivíduo e a experiência pessoal, cujos
especificação de cada vivência como sintoma sintomas não passam necessariamente por
mais ou menos típico. classificação prévia.
Psicopatologia médica Psicopatologia existencial
Compreende os fenômenos humanos a partir da O ser humano é visto mediante uma existência
centralidade no corpo biológico, pautada em uma singular, constituído por meio da sua experiência
perspectiva universal. O adoecimento psíquico de vida e da relação com os outros. O transtorno
é concebido como um mau funcionamento do mental não é concebido tanto como uma
cérebro, uma desregulação orgânica associada a disfunção biológica ou psicológica, mas como
alguma parte ou sistema biológico. um modo particular de existir, de ser no mundo.
Psicopatologia comportamental e Psicopatologia psicanalítica
cognitivista
Nessa perspectiva, o ser humano é visto a O sujeito é visto para além da consciência,
partir de um conjunto de comportamentos considerando a existência do inconsciente,
observáveis, verificáveis, regulados por estímulos regido também pelas leis sociais e culturais.
antecedentes, consequências, contingências Os sintomas são considerados, de forma
e respostas, sendo moldado por determinados resumida, a expressão de conflitos e desejos
aprendizados. Associada à perspectiva inconscientes.
comportamental, a visão cognitivista tem como
foco os aspectos cognitivos de cada indivíduo.
Nesse sentido, os sintomas seriam as alterações
e os comportamentos considerados disfuncionais.
Psicopatologia categorial Psicopatologia dimensional
Essa perspectiva concebe as doenças mentais Ao contrário da perspectiva categorial, considera
de maneira individualizada, com fronteiras e as variadas dimensões das patologias. No caso
diferenças bem demarcadas, traduzidas pelas da esquizofrenia, exemplificada anteriormente,
categorias diagnósticas. Como exemplo, temos seria considerado, sob essa perspectiva,
a categoria da esquizofrenia. um espectro esquizofrênico, que incluiria
desde formas mais graves até formas menos
deteriorantes.

25
Psicopatologia

Psicopatologia biológica Psicopatologia sociocultural


Tem como foco os aspectos cerebrais, Ao contrário da perspectiva categorial, considera
neurológicos e fisiológicos das doenças e as variadas dimensões das patologias. No caso
sintomas mentais. O transtorno mental é da esquizofrenia, exemplificada anteriormente,
associado a alterações cerebrais e neurais de seria considerado, sob essa perspectiva,
natureza estritamente biológica. um espectro esquizofrênico, que incluiria
desde formas mais graves até formas menos
deteriorantes.
Psicopatologia operacional-pragmática Psicopatologia fundamental
As definições gerais acerca dos transtornos Compreende a psicopatologia através de
mentais e respectivos sintomas são formuladas uma perspectiva transdisciplinar a partir de
de modo arbitrário. Não há um questionamento fundamentos históricos e conceituais associados
sobre a natureza da patologia, do sintoma, dos não apenas ao saber médico, mas também
fundamentos ou da filosofia. Essa perspectiva considera as tradições literárias, artísticas e de
é a adotada nos manuais diagnósticos, como o outras áreas das humanidades. Adota a noção
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos de pathos como sinônimo de sofrimento, paixão
Mentais (DSM) e a Classificação Internacional e passividade.
de Doenças (CID).

Fonte: adaptado de Dalgalarrondo (2019)

Tais dicotomias revelam a pluralidade teórica e de aplicação clínica dos diver-


sos campos e abordagens no campo da psicopatologia. Contudo, apesar de algu-
mas vertentes da psicopatologia serem contrárias a outras, tais concepções não
são necessariamente excludentes entre si e podem, inclusive, ser complemen-
tares, como foi mencionado em parte das descrições realizadas. De acordo com
Dalgalarrondo (2019), são desejáveis visões mais integrativas e menos parciais,
a fim de superar a dicotomia das dimensões biológicas e ambientais. Assim, uma
boa prática em saúde mental deve considerar uma combinação equilibrada de
uma abordagem descritiva, diagnóstica e objetiva com uma abordagem dinâmica,
pessoal e subjetiva.

De todo modo, a psicopatologia psicanalítica encontra convergências, por


exemplo, com a psicopatologia sociocultural e fundamental. Já a psicopatologia
de vertente biológica ou cognitivista, mais voltada para o saber médico, pode ser
associada a determinado tipo de psicoterapia ou análise pela via da medicaliza-
ção, a depender do grau de sofrimento psíquico. Muitas vezes, principalmente nos
casos graves, é necessária a associação da intervenção psiquiátrica e medica-
mentosa para que o sujeito tenha as mínimas condições de iniciar um processo
analítico ou psicoterápico.

Tendo em vista o contexto em que se insere esta disciplina, adentraremos


um pouco mais no âmbito da psicopatologia fundamental, sob uma perspectiva
transdisciplinar associada a diferentes visões, como a artística e a noção de pa-
thos. Faremos um breve exercício que podemos chamar de identificação dos sen-
tidos e representações subjetivas.

26
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Analise a figura a seguir. O que você vê? O que você sente? Quais sentidos
ela desperta em você?

Figura 2 – O Grito, de Edvard Munch

Fonte: https://www.todamateria.com.br/o-grito/. Acesso em: 15 ago. 2022.

A conhecida obra O Grito, de Edvard Munch, de 1893, expressa os sentimen-


tos do artista, conforme descrito em uma das anotações autorais encontradas.
Edvard Munch, ao descrever o fenômeno que o motivou a produzir o quadro, rela-
tou que estava passando por uma ponte, com dois amigos, durante o pôr do sol.
De repente, o céu ficou vermelho, cor de sangue, e ele sentiu um forte sentimento
de tristeza e medo, sentindo um grito infindável que o atravessou. Esse fato acon-
teceu em 1892, mas só no ano seguinte foi expressado na obra de arte O Grito,
o que indica a força da experiência vivida que marcou a sua trajetória pessoal e
profissional (FERREIRA, 2014).

Além disso, é interessante perceber que, para além da expressão estética da


obra, há um fenômeno emocional carregado de um contexto histórico-subjetivo da
vida do artista. No ano anterior ao fenômeno vivenciado por Edvard Munch, ele
havia perdido o pai. Chegou a ir para Paris, mas acabou retornando, pois estava
“perturbado” e não conseguia estudar. Três meses depois, vai para a cidade de
Nice, mas quando volta a Oslo, recebe a notícia de que sua irmã estava internada
em um sanatório, a qual não o reconhece mais. Nas visitas que realizou para ver
a irmã, choca-se com as condições vistas, como os pacientes com as cabeças
raspadas e vestimentas como túnicas que não protegiam contra o frio. Tendo isso
em vista, ele sai do sanatório compreendendo que a loucura era uma espécie de
morte. Morte de possibilidades, dos pensamentos, da beleza e da sexualidade. Se
olharmos para a imagem de O Grito, podemos perceber que a figura ali represen-
tada também usa uma túnica e está com a cabeça raspada, semelhante ao que

27
Psicopatologia

Edvard presenciou no sanatório. A sobreposição de cores e contornos simboliza a


extrema angústia sentida pelo artista (FERREIRA, 2014).

No artigo de Ferreira (2014), intitulado Entre a arte e a psicanálise: a me-


lancolia em Edvard Munch, outras obras são analisadas a partir da experiência
subjetiva do artista.

Na perspectiva psicanalítica e pela análise das obras de Edvard Munch, per-


cebe-se que elas expressam um estado de melancolia, conceito que será discu-
tido no próximo capítulo. Em suma, evidencia a dor de existir, a morte do desejo
do sujeito e o desaparecimento das fronteiras entre o interno e o externo (FER-
REIRA, 2014). A obra apresentada ilustra as possíveis interseções entre a arte e o
sofrimento psíquico, como forma de expressão e de produção de sentido para as
experiências humanas subjetivas.

Para compreender de maneira mais aprofundada o campo da psicopatologia


psicanalítica, é importante compreender os pressupostos básicos da psicanálise
e suas perspectivas. Como temos discutido até aqui, a psicopatologia elucida o
sofrimento humano a partir do adoecimento psíquico. Conhecido como o pai da
psicanálise, Sigmund Freud compreendia o sofrimento como inerente à condição
humana de viver na cultura e na sociedade.

Em O mal-estar da civilização, Freud (1996) insere a questão do desamparo


do sujeito no campo social como precursor da desarmonia dos laços sociais mo-
dernos e mostra as renúncias pulsionais que os indivíduos precisam fazer para
conviver na civilização, relacionadas principalmente ao prazer e à agressivida-
de. Tais renúncias são necessárias para a preservação de si e do outro, sendo
este necessário para que possamos nos constituir e sobreviver na cultura. Desse
modo, o mal-estar social decorre do constante conflito do sujeito entre as deman-
das individuais e sociais. Apesar disso, os laços sociais são necessários para que
os indivíduos possam lidar com o desamparo originário.

Em outras palavras, o desamparo refere-se à condição humana inscrita desde


o nascimento. Ao nascermos, em total estado de desamparo, precisamos de um ou-
tro para sobreviver, nos alimentar, nos cuidar, nos inserir nas normas socioculturais.
De alguém que exerça a função materna e de um terceiro para a função paterna,
que representa simbolicamente a lei e os limites do nosso desejo. Cabe mencionar
que os conceitos de função materna ou paterna não dizem respeito necessariamen-
te à mãe e ao pai, mas a qualquer pessoa que possa ocupar esses lugares.

Sob uma perspectiva mais ampla e sociocultural, a função paterna pode ser
representada, por exemplo, pelo Estado, como aquele que instaura as leis, que
barra o sujeito e que deve proteger e zelar pelos seus direitos. Entretanto, hoje se

28
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

percebe a queda dos ideais de sociedade e de comunidade, acompanhada do en-


fraquecimento de figuras de poder, como o Estado e a igreja, que antes exerciam
maior influência na vida e nas decisões dos indivíduos.

Ao encontro do que é discutido por Fortes (2016), a subjetividade na Mo-


dernidade é sustentada na individualidade, em valores que são centrados no in-
divíduo, o qual não se vê mais como parte de um todo maior e superior. Esse
centramento do sujeito no Eu e na própria consciência, ao mesmo tempo em que
ofereceu maior autonomia e emancipação diante da suposta natureza e da vonta-
de divina, também o coloca em um lugar de desproteção, de um outro desamparo,
como se não tivesse algo maior para se ancorar, deixado à própria sorte.

Segundo a autora, os alicerces que sustentavam a razão universal, como a


igreja na Idade Média e a ciência no Iluminismo, entraram em declínio, bem como
os valores da sociedade tradicional, o que provocou a ausência da figura sim-
bólica do pai na cultura (BIRMAN, 1999 apud FORTES, 2016). Esse movimento
conduziu ao sentimento mais exacerbado de desproteção e de carência de laços
sociais, de maneira que as subjetividades passaram a demandar uma cura para
esse desamparo, para esse mal-estar. Tal demanda é alimentada pelas promes-
sas da psicofarmacologia, das neurociências e do cognitivismo como alternativas
que, supostamente, dariam conta desse desamparo, de estabelecer uma harmo-
nia entre as demandas pulsionais e as sociais.

Além disso, a queda de ideais implica uma era de diminuição das expec-
tativas, pois tudo se torna incerto e instável. Nesse sentido, a individualidade é
fortalecida pela sociedade de consumo, na qual as relações humanas também
seguem a lógica de consumo e são pautadas, muitas vezes, pelo critério da utili-
dade: se o outro não está sendo útil, posso descartar. A privatização da vida e a
industrialização também são fatores associados à formação das subjetividades
contemporâneas, marcadas por um desamparo para além do originário, do enfra-
quecimento das redes de apoio e pelo hedonismo, ou seja, a busca do prazer a
qualquer preço (FORTES, 2016).

Conforme definido por Safatle (2019, p. 53):

Estar desamparado é estar sem ajuda, sem recursos diante


de um acontecimento [...]. Por isso, ele provoca a suspensão,
mesmo que momentânea, da minha capacidade de ação, re-
presentação e previsão. [...] a situação de desamparo implica
sempre reconhecimento de certa forma de impotência, tanto
do sujeito em sua agência quanto da ordem simbólica que o
suporta, em sua capacidade de determinação.

29
Psicopatologia

Dessa maneira, a constituição da sociedade de consumo passa pela exigên-


cia da mobilização dos desejos em torno da satisfação mercantil como uma cons-
tante expropriação da economia libidinal dos sujeitos. Assim, apresenta-se como
um processo de repressão às formas de prazer ou de satisfação pulsional que
não estejam vinculadas à lógica do consumo (SAFATLE, 2019).

A sociedade de consumo, conforme discutido por Bauman (2008), transforma


a vida humana e reduz os sujeitos à mercadoria. É a lógica consumista pautada
na autopromoção e na busca de determinado status social pela via da aquisição
de produtos cada vez mais modernos. Além disso, o outro passa a ser visto como
mercadoria, como algo que pode ser facilmente descartado caso não seja mais
útil, e também como um ser mostrável, visível, como podemos perceber nas vi-
trines das redes sociais. A aquisição constante de produtos que estão na moda é
impulsionada pelos serviços de marketing, cuja premissa de consumo está asso-
ciada ao ideal de felicidade e de necessidade. Como exemplo, podemos citar os
celulares iPhone como promotores de supostos lugares de poder, de aceitabilida-
de e de visibilidade.

Nessa perspectiva, o sofrimento aparece como algo que deve ser evitado,
pois este surge como um impasse diante da necessidade de produção. Além dis-
so, presume-se que o consumo leva à felicidade. Na direção do que é salientado
por Fortes (2016), há uma demanda contemporânea em torno do imperativo do
gozo, ao dever de ser feliz. Há uma ilusão de que o consumo pode dar conta da
demanda de felicidade.

Ainda, a aquisição de propriedades e de bens de consumo é associada às


possibilidades de amparo e de segurança. Em última instância, a compulsão con-
sumista constitui-se como uma busca incessante de prazer que possa compen-
sar, de alguma forma, o vazio subjetivo. Assim, a lógica na Pós-Modernidade se
inverte, como se não houvesse mais renúncia possível ao gozo. A liberdade indi-
vidual apresenta-se de forma soberana, enfraquecendo os vínculos socioafetivos.
É o imperativo da busca do prazer pelo prazer. Contudo, o mal-estar na cultura
permanece (FORTES, 2016).

30
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Figura 3 – Sociedade de consumo

Fonte: https://pt.linkedin.com/pulse/brasil-e-sociedade-de-consumo-
t%C3%A1rcio-augusto-leot%C3%A9rio. Acesso em: 30 jan. 2022.

Silva Junior (2018) faz uma revisão acerca das novas formas de manifesta-
ção do mal-estar na civilização, diferentes das enunciadas por Freud (1996), o
que denomina de mal-estar no sofrimento. É recorrente na prática clínica a auto-
nomeação dos sujeitos pela via do diagnóstico, como “sou bipolar”, “sou depres-
sivo”, entre outros que descrevem uma disfunção, ou seja, temos a “nomeação
de uma identidade eventualmente disfuncional, mas não uma demanda na qual
esteja suposta uma responsabilidade do sujeito” (SILVA JUNIOR, 2018, p. 45).

Dessa forma, Silva Junior (2018) destaca que os sujeitos se assumem en-
quanto objeto de um saber ou de um poder. Há uma produção de identidades
patológicas que se declaram pela via de um saber médico sobre o sofrimento
humano em geral, como se observa na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Esta-
tístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Nesse movimento, o sujeito adere a uma
categoria diagnóstica como quem pede abrigo para sua verdade, algo que indique
um saber sobre si mesmo.

Nesses discursos contemporâneos acerca do sofrimento, o sujeito “saudável”


parece ser aquele soberano de si, dono das suas vontades e que deve satisfazer
seus desejos, enquanto o sujeito que sofre acaba por não assumir a responsabili-
dade sobre o seu sofrimento, sendo visto apenas como vítima de uma disfunção
orgânica. A questão é que esse modo de subjetivação ancorado numa categoria or-
gânica promove um sufocamento do sujeito do inconsciente e as reações psíquicas
inconscientes instauram novas economias de gozo (SILVA JUNIOR, 2018). Assim,
compromete-se a possibilidade de elaboração subjetiva perante o seu sofrimento.

31
Psicopatologia

Na direção do que é enunciado por Fortes (2016), compreende-se que a ne-


gação da dor, marca de um modo de ser contemporâneo, não leva à inexistência
do sofrimento, mas, sim, a novas fontes de dor e de sintomas, de cunho incons-
ciente. A era de incertezas e a falta de garantias futuras conduzem o indivíduo,
cada vez mais, à sensação de vazio, de desproteção, à descrença na política, à
fragilidade dos laços sociais e, em última instância, ao enfraquecimento da alteri-
dade e à dificuldade em lidar com o que é diferente, desconhecido.

Tendo em vista os aspectos discutidos, evidencia-se a necessidade de um


olhar crítico para o estudo da psicopatologia, considerando as múltiplas dimen-
sões que afetam o ser humano, o seu desejo e a sua existência, para além das
categorias diagnósticas e da medicalização como espécie de “cura” para todos os
males. É preciso compromisso ético e abertura ao debate, principalmente quando
lidamos com questões humanas, com a dor, com o sofrimento que, de uma forma
ou de outra, nos aflige.

4 A CONSTITUIÇÃO DA
SUBJETIVIDADE E A GÊNESE DA
FORMAÇÃO DOS SINTOMAS
Esta seção elucidará o processo de constituição da subjetividade a partir da
perspectiva psicanalítica de orientação lacaniana a fim de compreender o meca-
nismo de formação dos sintomas, sem deixar de lado as discussões mais amplas
no campo da psicopatologia orientadas pela vertente descritiva, presente nos ma-
nuais diagnósticos. Para compreendermos a origem dos sintomas, é importante
darmos um passo atrás para, antes de tudo, entendermos o sujeito e o respectivo
processo de constituição da subjetividade.

O nascimento do sujeito, como é discutido por Dunker (2006), é um proces-


so constitutivo de identificação com o Outro, marcado pela entrada no campo da
linguagem, da cultura e do simbólico. Ao nascer, ao contrário de outros animais,
não conseguimos sobreviver sozinhos, nem sequer completamos a formação de
nosso sistema neurológico e perceptivo. Precisamos de um outro, seja a mãe ou
alguém que exerça a função de cuidador, para nos alimentar, dar banho, proteger
e cuidar. O adulto, mesmo que esteja diante de um bebê que ainda não se reco-
nhece como sujeito, o trata como se assim ele fosse a partir de quatro atividades
fundamentais no processo de constituição subjetiva:

(1) nós falamos com a criança, interpretamos seu choro, sua


face, seus movimentos (ou ausência deles) como gestos do-

32
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

tados de sentido; (2) nós cuidamos das crianças, isso inclui a


presença constante de trocas corporais usualmente investidas
de carinho e satisfação; (3) nós reagimos ao que a criança faz
com uma atitude curiosamente semelhante à de um espelho,
se ela faz algo nós tendemos a repetir o que ela fez ou a in-
verter de forma simétrica o gesto realizado; e (4) nós pedimos
e oferecemos coisas às crianças, palavras antes de tudo, mas
também manipulações protetoras, impedimentos e experimen-
tos pelos quais apresentamos o mundo ao novo ser (DUNKER,
2006, p. 14).

Desse modo, a criança é inserida no desejo e na linguagem de um outro.


Podemos dizer que isso acontece antes mesmo de o bebê nascer: um nome é
atribuído, expectativas são geradas em torno daquele ser, monta-se um enxoval,
escolhe-se roupas, cores, brinquedos etc. Ao nascer, o bebê é situado em um uni-
verso simbólico de sentidos e significados, sendo aos poucos introduzido ao cam-
po da linguagem. A criança vai se apropriando da fala a partir da repetição e da
percepção de suas necessidades. Aprende a pedir, a colocar em palavras o que
sente e o que quer. Isso se dá por um processo de identificação com o Outro, sen-
do este, com O maiúsculo, representado pelo “conjunto dos sistemas simbólicos,
das formas sociais e das regras de cultura que tornam possíveis nossas relações
com os semelhantes (outros)” (DUNKER, 2006, p. 16).

Indicação de filme:
A importância da inscrição humana no campo da linguagem para
o desenvolvimento e a constituição do sujeito é evidenciada no
filme O Garoto Selvagem, o qual ilustra a história de um menino
que foi criado com lobos e, por isso, não sabia falar, andar, ler,
escrever, tampouco andava na posição ereta. Mais tarde, ainda
criança, um médico tentou ajudá-lo e inseri-lo no campo da lin-
guagem e da cultura, cujos desdobramentos são interessantes
para se analisar a formação humana.

No âmbito da abordagem psicanalítica, ao discutirmos o processo de cons-


tituição, não podemos deixar de falar de um conceito central em psicanálise: o
complexo de Édipo. Apesar de conhecido até mesmo no senso comum, esse con-
ceito é bastante complexo, sendo muitas vezes distorcido e mal compreendido,
mas não se preocupe! Estamos aqui para te ajudar a compreender de maneira
mais simples.

Segundo a teoria lacaniana em psicanálise, o complexo de Édipo, como um


processo de identificações, é desenvolvido a partir de três tempos, que serão

33
Psicopatologia

abordados a partir das contribuições de Dunker (2006). Na figura a seguir, consta uma
síntese dos três tempos do complexo de Édipo mediante a perspectiva lacaniana.

Figura 4 – Síntese dos três tempos do complexo de Édipo


em Lacan no processo de constituição do sujeito

Fonte: adaptada de Dunker (2006)

O primeiro tempo do processo de constituição do sujeito se inicia com a in-


trodução da criança na linguagem, como discutido no início desta seção. Aos pou-
cos, o bebê começa a experimentar experiências de prazer e desprazer a partir
do corpo que não é somente biológico, mas eminentemente pulsional, ou seja,
marcado pelo desejo, por sensações, prazeres e identificações. A amamentação,
por exemplo, não é apenas um evento de caráter nutricional, necessário à sobre-
vivência, mas também uma experiência de prazer, de satisfação, de contato com
o seio da mãe, de afeto. Isso explica porque muitas vezes o bebê, mesmo já ten-
do saciado a sua fome, não quer soltar o peito (DUNKER, 2006).

Ainda segundo Dunker (2006), o seio se apresenta, ao mesmo tempo, como


o primeiro objeto de identificação do bebê. Após a primeira experiência de satis-
fação, a criança retém um traço imaginário do seio. Por isso, é possível que o
bebê crie uma fantasia em torno da amamentação, como um sonho, capaz de re-
alizar uma satisfação que, após rompida, desencadeia o choro. Entretanto, quan-
do a mãe aparece, ela pode não conseguir corresponder ao traço e à memória
do bebê. Isso explica o curioso fenômeno no qual as crianças podem recusar o
seio da mãe ou seus substitutos, como a mamadeira, ainda que estejam sentindo
fome. Desse modo, não só pela via da amamentação, mas todos os cuidados de-
dicados a uma criança também fazem parte da construção de um corpo pulsional,
não meramente biológico ou funcional.

34
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Nessa direção, uma experiência essencial para o processo de formação do


eu e que está associada aos cuidados é também a de desprazer, representada,
por exemplo, pelo choro. Essa transição entre prazer e desprazer é importante
para que o eu possa adquirir capacidade de se reconhecer e experimentar des-
sa relação com o mundo. Até aqui, é possível que a criança fique com qualquer
pessoa, pois não se reconhece como alguém separado da mãe, do seio ou do
substituto (DUNKER, 2006).

Por volta dos 6 a 18 meses, a criança entra no estádio do espelho e inicia


o processo de formação da imagem de si mesma. Normalmente, também nessa
fase, inicia-se o desmame e o bebê vivencia a experiência de separação em re-
lação ao corpo da mãe. Esse distanciamento do eu e o objeto, o representante
da identificação, tem como efeito a busca inconsciente da criança por um com-
plemento de si mesma a partir do outro. Quando a criança começa a engatinhar,
por exemplo, é comum acontecer de ela, ao explorar o ambiente, parar e buscar o
olhar da mãe ou do cuidador, no intuito de receber o que lhe falta para permane-
cer nessa nova experiência de conhecer o ambiente. É uma forma de inscrição na
linguagem, a qual não é restrita apenas à fala, mas também relacionada às diver-
sas formas de comunicação, seja ela verbal ou não verbal. Por isso, pode-se dizer
que o eu é uma espécie de interiorização do outro (DUNKER, 2006).

Dessa forma, o estádio do espelho, ainda segundo Dunker (2006), a partir


da perspectiva lacaniana, é mais um momento formativo do sujeito. Inicialmente,
a criança se vê no espelho, mas não se reconhece, o que causa estranhamen-
to, curiosidade e fascinação. Aos poucos, ela vai reconhecendo e interpretando
aquela imagem não como um outro, mas como um espelho de si mesma, reco-
nhecendo-se enquanto sujeito, como alguém separado da mãe. A partir de então,
é possível o estabelecimento de outras relações de amor com as pessoas que a
cercam. A criança identifica que, para ser amada, ela precisa ser e ter algo. Ela
passa a querer ser reconhecida, pois o outro torna-se ameaçador, como algo que
pode retirar a mãe, seu objeto de amor, de si. É o medo da perda que é traduzido,
muitas vezes, no estranhamento do bebê em relação a outras pessoas.

A entrada do terceiro, ou seja, de uma outra pessoa que rompe a relação


simbiótica entre mãe e bebê, marca o segundo tempo do complexo de Édipo em
Lacan. Passado o estádio do espelho, ao perceber-se como um ser separado
da mãe ou dessa posição de cuidado, a criança também descobre que a mãe
possui outros objetos de amor, que o bebê não é tudo para a mãe, ela tem ou-
tros desejos, outros focos de atenção e de demandas. Isso levanta uma espécie
de suspeita, de cunho inconsciente, para o bebê: “ela deseja algo além de mim;
não sou, portanto, a única fonte de seu amor e o exclusivo objeto de seu desejo”
(DUNKER, 2006, p. 21).

35
Psicopatologia

Daí se origina a marca da falta, estruturante de todos nós. Compreendemos


nesse momento que, se o bebê não consegue ser tudo para a mãe, é porque falta
algo para a mãe e esse algo não é ele. É o momento da percepção da entrada de
um terceiro na relação mãe e bebê, representada pela função simbólica paterna,
que não é necessariamente o pai, mas tudo aquilo que captura o desejo da mãe
e que se torna ameaçador. É também nessa fase que se inicia o reconhecimento
da diferença sexual e a criação de teorias e fantasias em torno dessa emblemáti-
ca, momento em que é comum surgirem perguntas sobre a origem dos bebês. A
função simbólica do pai entra como uma barreira entre a relação simbiótica entre
a mãe e o bebê, representando a lei, os limites e a interdição (DUNKER, 2006).

Esse momento também marca a constituição do sujeito, a depender do tipo


de reação da criança em relação a essa privação: de negação, de recusa, o que
implicará nos modos de se relacionar com a lei e com o desejo no processo de
socialização. Assim, desenvolvem-se as estruturas psíquicas da neurose, psicose
e perversão, as quais serão discutidas no próximo capítulo.

Precisamos compreender que o segundo tempo do complexo de Édipo, em


um desenvolvimento considerado “normal”, desdobra-se na reação de negação
da criança em relação ao objeto e a sua posição inicial de alienação à figura ma-
terna. Ela não é mais o objeto de realização do desejo da mãe, o que muda a
sua relação com as figuras parentais. Inicia-se um novo modo de relação com a
satisfação pulsional, agora com a presença da fantasia e da simbologia em torno
de um outro conceito central em psicanálise: o falo. Dá-se início a uma crise nar-
císica que reformula as formas de desejo e de identificação, que encontram uma
maneira de destino no terceiro tempo do complexo de Édipo, momento em que o
sujeito organiza seu processo de constituição (DUNKER, 2006).

No terceiro tempo, há uma transformação da relação do sujeito com o objeto


de desejo, a possibilidade de simbolização, compreensão, da relação entre os
pais e destes com ela. A criança consegue perceber que a figura paterna, que a
princípio haveria tomado o desejo da mãe por aparentemente ter tudo, também
é incompleta. O falo, que aparece como o representante simbólico do poder, da
potência e da onipotência, não pertence a ninguém, pois todos somos seres de
faltas, imperfeitos e incompletos.

Nesse processo inconsciente, a criança percebe que entre os pais, entre as


figuras cuidadoras, há uma circulação de desejos e relações para além dela, que
já existia antes dela. A figura paterna não representa apenas a interdição, a proibi-
ção, mas, também, como sujeito limitado, pode dizer sim para o seu desejo. Esse
fenômeno é conhecido em psicanálise como castração, base para que a criança
constitua e direcione seus desejos, como um sujeito inscrito nos limites da cultura. É
um passo importante para a sua socialização. Ainda segundo Dunker (2006, p. 22):

36
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

A descoberta de que as relações desejantes são relações que


envolvem a circulação de elementos simbólicos é um passo
decisivo para a socialização da criança. Ela pode, a partir dis-
so, entender que nos submetemos às leis e regras não porque
haja um elemento de força real que nos coage a isso (punição).
A lei não se reduz à força ou potência de seus representantes
reais, mas a sua autoridade simbólica em promover a circula-
ção do desejo.

Em outras palavras, é essencial para a constituição e a socialização do sujei-


to o reconhecimento da lei como elemento que propicia a circulação dos desejos,
as trocas sociais e um espaço que possibilite a construção da sua identidade.
Imagine se vivêssemos em um Estado sem lei, no qual todos agissem conforme
seus impulsos e desejos pessoais? Seria o que o filósofo Thomas Hobbes (1588–
1679) citou como a guerra de todos contra todos.

Entretanto, cabe ressaltar que o complexo de Édipo não deve ser compre-
endido como uma fase infantil a ser superada, mas, sim, como um conjunto de
experiências que constituem as estruturas psíquicas e os modos de nos relacio-
narmos. Essas primeiras experiências se atualizam ao longo da vida e são revi-
vidas principalmente na adolescência. O status de sujeito nos torna responsáveis
pelo nosso próprio desejo, ainda que boa parte dele seja inconsciente (DUNKER,
2006). Em suma, a saída do complexo de Édipo pela simbolização diante da cas-
tração e da falta é fundamental para a nossa constituição psíquica. É pela falta
que nos tornamos seres desejantes, sendo o desejo compreendido como tudo
aquilo que nos move, que nos impulsiona.

Para auxiliar essa compreensão, sugerimos assistir ao vídeo inti-


tulado A falta que a falta faz, de Jout, que está disponível no You-
Tube pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=GFuNTV-hi9M,
o qual narra a história de um livro infantil chamado A parte que
falta, de Shel Silverstein (2013).

37
Psicopatologia

O livro ilustrado no vídeo conta a história de um ser circular que


possui uma parte faltante, como uma pizza sem um pedaço. Em
busca da parte que lhe falta e que supostamente lhe completará,
ele inicia a sua jornada nos mais variados espaços, conhecendo
lugares e pessoas que pudessem o ajudar a encontrar a parte que
falta. Certo dia, ele encontrou, finalmente, a parte supostamente
perfeita, aquela que iria completá-lo e fazê-lo feliz. Todavia, com
sua forma completa, circular, ele começou a rolar, e rolar, e rolar e
rolar. Já não conseguia mais parar nos lugares, conversar com os
outros seres, admirar a natureza, realizar trocas. Ele estava como
que preso em si mesmo. Antes, desejava o que faltava. Depois,
não havia mais o que desejar. Até que ele percebe a importância
e a falta que a falta faz. Essa simples história nos mostra que é
preciso faltar algo para que possamos nos movimentar, sair do
lugar, buscar algo, traçar planos, metas, objetivos e desejar. Se
não falta, não há pulsão para a vida. Somos sempre seres a vir a
ser, nunca completos ou plenamente satisfeitos.

Nessa direção, considerando a discussão realizada até aqui, podemos perce-


ber que a constituição do sujeito é marcada por processos de identificações e pela
circulação do desejo, este que é estruturante da nossa subjetividade. Todos esses
momentos de conflitos da infância, de fantasias e até mesmo muitos desejos per-
manecem inconscientes. Todavia, escapam vez ou outra e se manifestam por meio
dos sonhos, dos atos falhos e dos sintomas. O complexo de Édipo constitui marca
estruturante na criação do sujeito e está ligado à forma de estruturação e produção
desses sintomas.

Partindo de uma perspectiva geral e clínica, os sintomas psicopatológicos são


considerados por dois aspectos: forma e conteúdo. A forma diz respeito à estrutu-
ra mais geral dos sintomas, relativamente semelhante nos indivíduos, como é o
caso do medo, da culpa, dos delírios e das alucinações. Está ligada ao processo de
formação e estruturação dos diferentes sintomas da psicopatologia. Já o conteúdo
refere-se a algo mais singular, particular do sujeito, aos temas e histórias relaciona-
dos às manifestações dos sintomas, dependentes da história de vida do sujeito e
do contexto em que vive. De todo modo, os sintomas trazem à tona temas centrais
da existência humana, tais como sobrevivência, segurança, sexualidade, ameaças,
morte, doença, miséria, abandono, desamparo etc. (DALGALARRONDO, 2019).

Ainda segundo Dalgalarrondo (2019), os sintomas apresentam dois compo-


nentes de surgimento. Um deles são os chamados fatores predisponentes, que in-
dicam algum tipo de predisposição de surgimento do sintoma, como carga genética,

38
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

experiências de vida, traumas da infância e/ou adolescência, negligências física ou


emocional e violências. Quanto ao outro componente, os precipitantes, referem-se
às condições emergentes e aos eventos de vida, como estresse, perdas, separa-
ções, desemprego, brigas, o contexto de pandemia etc. Desse modo, é importante
perceber a articulação do conjunto de fatos biológicos, psicológicos e sociais para o
aparecimento de sintomas e/ou transtornos mentais.

Na obra O Grito, analisada na seção anterior, os sintomas apresentados por


Edvard Munch foram associados a elementos predisponentes, como as experiên-
cias de vida com a irmã e as situações de violência que presenciou nas visitas re-
alizadas a ela. O medo, a angústia e o vazio sentidos por ele no momento em que
passava na ponte surgiram a partir de condições que emergiram naquele momento,
como o pôr do sol e a cor do céu. Ele sentiu como se um grito infindável o atraves-
sasse, ainda que não tivesse de fato uma pessoa gritando.

Nesse sentido, também podemos conceber o sintoma psicopatológico a partir


de uma dupla dimensão: como índice e elemento simbólico. O sintoma como índice
sugere uma consequência de ordem biológica no organismo. A febre, por exemplo,
pode indicar uma infecção que impacta no aumento dos leucócitos e na liberação
de algumas citocinas, provocando a elevação da temperatura corporal.

A outra dimensão do sintoma, como elemento simbólico, representa o campo


da linguagem a partir da nomeação pelo paciente, considerando o seu contexto
vivencial e cultural, sendo um símbolo linguístico. Por isso, o sintoma só pode ser
compreendido e interpretado tendo como referência o universo cultural no qual ele
se insere. Como exemplo de dupla dimensão do sintoma, podemos citar a ansie-
dade que, como índice, manifesta-se muitas vezes como mãos geladas, tremores
e sudorese. Ao mesmo tempo, ela pode ser compreendida, a depender do campo
simbólico de quem a vivencia, como agonia, gastura, nervosismo ou neurose (DAL-
GALARRONDO, 2019).

Tais classificações dos sintomas são tradicionalmente utilizadas nas categorias


médico-diagnósticas, de modo a traduzir o pathos como doença. A perspectiva psi-
canalítica em psicopatologia apresenta uma série de críticas à racionalidade diag-
nóstica por considerar que as formas de sintoma e de mal-estar se tornam parte de
um processo social de alienação e de mercantilização do sofrimento. Dessa forma,
contrapõem-se ao uso dos manuais diagnósticos, como o DSM, como critério diag-
nóstico soberano no âmbito da clínica e da saúde mental. Entretanto, a proposta
não é apenas criticar a psiquiatria, mas, sim, analisar os fundamentos da associa-
ção clínica entre esses dois campos (DUNKER, 2014).

Nesse sentido, novas formas de compreender o pathos têm emergido na Con-


temporaneidade, como as discussões existentes no campo da psicopatologia fun-

39
Psicopatologia

damental, a fim de conferir um sentido à psicopatologia que não seja reduzido às


classificações, aos transtornos mentais e ao status de doença, de caráter biológico.

Pereira (2019) propõe uma (psico)patologia do sujeito concebida como o es-


tudo dos impasses subjetivos que impedem a realização de um sujeito singular no
interior do laço social, na relação com o outro, com a cultura e com a realidade.
Nessa proposição, rejeita-se a ideia de que a definição biológica de “doença” seja
reduzida estritamente a uma disfunção orgânica, cuja busca do tratamento está
centrada em uma suposta linearidade voltada para a correção de algo que está
disfuncional no plano biológico. Assim, a própria nosologia precisa ser abordada
a partir de sua especificidade no campo subjetivo e singular, passando do registro
da disfunção orgânica para o registro propriamente humano, subjetivo, estruturado
pela dimensão simbólica e social da linguagem.

A partir desse realinhamento, a psicopatologia é assumida como um campo


que se refere às condições que perturbam ou impossibilitam a realização do sujeito
na sua singularidade no laço social. Mediante uma visão mais ampla e centrada
no sujeito, a ausência de uma doença de origem orgânica, biológica, não exclui a
possibilidade de existência de um estado psicopatológico do ponto de vista dos im-
passes de realização subjetiva. Além disso, a condição psicopatológica é percebida
não apenas em relação com o sujeito, mas do impasse de assumir a sua existência
subjetiva em conformidade com o próprio desejo no contexto social, na dimensão
da alteridade (PEREIRA, 2019).

Figura 5 – O aparecimento do sintoma

Fonte: https://www.r2psicologia.com.br/formacao-do-sintoma/. Acesso em: 31 jan. 2022.

40
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Nesse sentido, o sintoma pode ser compreendido como uma saída encontrada
pelo sujeito para lidar com as impossibilidades de realização do seu próprio desejo
no contexto sociocultural. É uma forma de defesa inconsciente do aparelho psíqui-
co frente a uma angústia que é sentida e faz parte da ordem do insuportável, do
não conseguir lidar. O sintoma, ainda que aparentemente invisível à consciência e
envolvido por um desejo reprimido, escapa ao inconsciente na tentativa de ser rea-
lizado, porém, de maneira distorcida devido aos seus impasses e impossibilidades.

Tal processo pode resultar, conforme mencionado por Pereira (2019), em um


estado psicopatológico decorrente das dificuldades do sujeito em encontrar, diante
de determinadas circunstâncias, formas de satisfação do seu desejo e de se des-
vencilhar da própria angústia. Conforme será discutido no próximo capítulo, os me-
canismos de defesa e de formação dos sintomas são diferentes a depender da es-
trutura do sujeito, o que requer diferentes e complexas formas de tratamento.

Como afirma Freud (1976), os sintomas têm um sentido e se relacionam com


as experiências do paciente. Apresentam uma conexão com a vida de quem os
produz. Na sua XVII Conferência, Freud aborda o sentido dos sintomas e seus con-
teúdos inconscientes.

Um dos exemplos usados para falar sobre o tema foi o caso de uma paciente
com neurose obsessiva, conhecida como Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
Este é caracterizado por pensamentos e comportamentos repetitivos que invadem o
sujeito sem que ele tenha qualquer controle sobre eles. O caráter obsessivo e com-
pulsivo envolve intensa atividade mental que exaure o indivíduo, cujas repetições
ocorrem mesmo contra a sua vontade, remoendo pensamentos e sentimentos. As-
sim, atividades rotineiras, como ir deitar, levantar, vestir-se, sair de casa, tornam-se
extremamente fatigantes e privam a liberdade do sujeito. No caso da paciente de
Freud, seu sintoma envolvia o seguinte comportamento obsessivo:

Ela corria desde seu quarto até um outro quarto contíguo, as-
sumia determinada posição ali, ao lado de uma mesa colocada
no meio do aposento, soava a campainha chamando a empre-
gada, dava-lhe algum recado ou dispensava-a sem maiores
explicações e, depois, corria de volta para seu quarto (FREUD,
1976, p. 16).

Em uma das sessões de análise, foram revelados os sentidos dos seus sin-
tomas. Pouco mais de dez anos antes, ela havia se casado com um homem muito
mais velho do que ela. Na noite de núpcias, ele ficou impotente. Durante a noite, ele
foi correndo do quarto dele para o dela, a fim de tentar mais uma vez, porém, sem
êxito. Na manhã seguinte, triste, ele disse que se sentiria muito envergonhado pe-
rante a empregada, pois quando ela fosse arrumar a cama, ela veria que eles não
haviam tido relação. A fim de evitar o constrangimento, ele pegou uma garrafa de

41
Psicopatologia

tinta vermelha e derramou no lençol, entretanto, não caiu no lugar em que a man-
cha deveria estar.

A partir desse relato, Freud compreendeu a conexão entre o episódio da noite


de núpcias e o seu comportamento obsessivo. A paciente repetia a cena executada
pelo seu marido aquela noite, imitando a sua corrida de um quarto para outro. Toda-
via, a cama e o lençol foram substituídos na cena pela mesa e a toalha. Entretanto,
a paciente explicou que a posição que assumia repetidamente perante a mesa era
para mostrar e fazer com que a empregada visse a mancha na toalha da mesa, con-
trariando, portanto, o que seu marido faria, já que se sentia envergonhado. Freud foi
além e percebeu a intenção contida no ato obsessivo, que consistia em chamar a
empregada e mostrar a mancha, em contraste com o comentário do marido. Assim,
ele, cujo papel ela estava representando, não se sentiria envergonhado perante a
empregada e a mancha estaria, portanto, no lugar certo (FREUD, 1976).

Ao ler esse caso hoje, pode não fazer muito sentido. Entretanto, conforme já
mencionado, os sintomas precisam ser analisados considerando, além da experi-
ência de vida e subjetiva do sujeito, o contexto histórico, político e sociocultural no
qual ele se insere. Freud escreveu o referido texto entre 1915 e 1916. A conjuntura
dessa época envolvia casamentos arranjados, estabelecidos por contrato, no qual a
mulher deveria se casar virgem e o marido, na noite de núpcias, deveria comprovar
a virgindade da mulher e demonstrar que “cumpriu o seu papel”. Esse contexto ma-
chista tinha um peso significativo na vida das pessoas e uma série de expectativas,
crenças e valores morais, o que explica o episódio descrito no caso ter sido traumá-
tico para a paciente e desencadeado sintomas neurótico-obsessivos.

Além disso, o caso descrito ilustra que os sintomas expressam, por meio de
uma metáfora, a estruturação subjetiva do sujeito. “O sintoma evidencia algo que
tem uma significação e que está relacionado à história de cada um” (DUQUE; VIAN-
NA, 2014, p. 57). Dessa maneira, no âmbito da psicopatologia psicanalítica, busca-
-se os significados e os sentidos do sintoma em detrimento da mera medicalização.
Conforme ressaltado por Guerra, Langlais e Guerra (2019), o sofrimento psíquico
e as respectivas compreensões, o manejo e o tratamento transcendem à lógica or-
ganicista dos manuais diagnósticos, como o DSM, o que requer investigações e
intervenções mais amplas e profundas, a fim de lidar com o sofrimento na Contem-
poraneidade.

Na perspectiva lacaniana, a psicopatologia está relacionada ao sujeito que é


afetado na e pela linguagem, tanto em seu corpo, como pensamentos e desejos,
como aquilo que se apresenta à primeira vista como da ordem do sem sentido, sem
relação (MANDIL, 2017). Como seres simbólicos que somos, podemos alinhar esse
conceito ao que nos escapa enquanto possibilidade de elaboração, de lidar.

42
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Discutimos no presente capítulo questões um tanto quanto densas, não é? Va-


mos praticar um pouco do que vimos até aqui a respeito dos sintomas?

1 A partir da discussão realizada nesta seção a respeito da com-


preensão dos sintomas psicopatológicos, assinale a alternativa
CORRETA.

a) A perspectiva psicanalítica busca os sentidos dos sintomas e


suas relações com o desejo do sujeito.
b) O pathos, segundo a psicopatologia fundamental, deve ser com-
preendido a partir do diagnóstico da doença mental.
c) Os sintomas apresentam uma relação direta de causa e consequ-
ência com o episódio que os originou.
d) As classificações dos sintomas presentes nos manuais diagnósti-
cos são pautadas em critérios subjetivos.
e) O sintoma psicopatológico está ligado à experiência subjetiva do
sujeito e, portanto, não apresenta causalidade genética.

Apesar da importância de se considerar os aspectos pessoais e singulares dos


sujeitos no processo de diagnóstico psicopatológico, não podemos desconsiderar a
legitimidade do diagnóstico psiquiátrico para compreender adequadamente o sofri-
mento do paciente e escolher o tipo de tratamento mais apropriado. Dessa forma, é
essencial a perspectiva de conhecimento do indivíduo tanto em sua particularidade
quanto por entidades nosológicas, de modo a permitir o avanço da ciência psicopa-
tológica, a prevenção, o prognóstico e o estabelecimento de estratégias terapêuti-
cas eficazes (DALGALARRONDO, 2019).

Na presente seção, buscamos compreender o processo de constituição do su-


jeito para entender o surgimento do sintoma. Entretanto, o sintoma não é generali-
zável e apresentará determinadas características a depender da estrutura psíquica,
a qual será orientada pela saída encontrada pelo sujeito frente à castração e à falta.
Desse modo, os sintomas podem se manifestar de diferentes maneiras nas neuro-
ses, nas psicoses e nas perversões, a serem discutidas no próximo capítulo.

43
Psicopatologia

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Diante das discussões apresentadas no presente capítulo, pudemos conhecer
o campo mais amplo da psicopatologia, considerando os desdobramentos históri-
cos sobre a saúde mental, as vertentes e as concepções epistemológicas, os dife-
rentes critérios de normalidade e as dimensões da constituição da subjetividade, do
sintoma e do processo de adoecimento psíquico.

A complexidade do campo e as diferentes perspectivas a respeito dos pro-


cessos psicopatológicos exigem um olhar crítico e reflexivo, não podendo tomar
como universal ou absoluto determinado tipo de abordagem acerca do sofrimento
humano. Para além de uma questão subjetiva, o sofrimento é socialmente inscrito.
Os conhecidos transtornos mentais não podem ser analisados de maneira isolada,
mas, sim, considerando o contexto histórico, social, cultural e político no qual eles
são inseridos e vivenciados, assim como o que é considerado normal ou anormal.

Por isso, para além das categorias classificatórias que estão em torno dos
transtornos mentais, não podemos abrir mão do olhar para o indivíduo e seu res-
pectivo sintoma. Desse modo, faz-se necessário compreender o processo de cons-
tituição do sujeito e as saídas encontradas por ele para a sua estruturação psíquica,
para que possamos compreender o sentido dos sintomas.

No capítulo apresentado, buscamos elucidar o adoecimento e as manifesta-


ções dos sintomas considerando as conjunturas nas quais eles se inserem a partir
das dimensões da história, da cultura, da política e do social. Nesse sentido, parti-
mos da história da saúde mental no Brasil de maneira a perceber como a loucura
foi tratada nos diversos períodos históricos a depender dos interesses políticos e
socioeconômicos vigentes. As próprias definições do conceito de psicopatologia e
de normalidade fazem parte de um campo de disputas de variadas concepções e
fenômenos.

Na Contemporaneidade, a sociedade de consumo apresenta outros fenôme-


nos que impactam no adoecer humano e nos modos de relação entre os indivíduos.
Nos apoiamos também na psicopatologia lacaniana para apresentar os três tempos
do complexo de Édipo e suas implicações no desenvolvimento subjetivo, cujos des-
dobramentos estruturais serão aprofundados no Capítulo 2.

De todo modo, as dinâmicas que envolvem o desenvolvimento psíquico são car-


regadas de processos complexos e que precisam ser analisados dentro de cada con-
texto de adoecimento e sofrimento. O sintoma representa a significação de algo que
muitas vezes é inconsciente, não perceptível, mas que tem a ver com a forma que o
sujeito encontrou para lidar com algo que escapou a sua capacidade de simbolização.

44
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

Portanto, ainda que a psicopatologia esteja imersa no campo médico-psiquiá-


trico e envolvida por categorias diagnósticas e generalizáveis, o sujeito precisa ser
visto levando em conta também as maneiras de lidar com a própria vulnerabilidade,
com o sofrimento e com o desejo.

45
Psicopatologia

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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

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47
Psicopatologia

48
C APÍTULO 2
A PSICOPATOLOGIA SOB UM OLHAR
PSICANALÍTICO: DIÁLOGO COM AS
ESTRUTURAS PSÍQUICAS

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Caracterizar as estruturas clínicas da neurose, psicose e perversão.

 Compreender o mecanismo da formação de sintomas nas diferentes estruturas


clínicas.

 Analisar os sinais e os sintomas no âmbito das estruturas clínicas.

 Identificar os tipos de transtornos mentais associados a cada estrutura clínica.


Psicopatologia

50
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
No capítulo anterior, iniciamos o nosso estudo com um breve histórico sobre a
loucura a fim de compreender os aspectos históricos, sociais, políticos e culturais
que estão imbricados no processo de adoecimento psíquico. Nesse sentido, discu-
timos os critérios de normalidade, as diferentes concepções e perspectivas existen-
tes no campo da psicopatologia, bem como a dinâmica de constituição do sujeito e
a formação dos sintomas.

No presente capítulo, continuaremos o nosso estudo aprofundando a discus-


são sobre as estruturas psíquicas e os espectros psicopatológicos, tomando como
base a teoria psicanalítica em diálogo com as classificações previstas na última edi-
ção do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V).

Desse modo, o capítulo está dividido em três seções. Na primeira, estudare-


mos a estrutura da neurose e seus desdobramentos subjetivos no âmbito da psico-
patologia, sendo eles a histeria, a neurose obsessiva e a fobia. Na segunda seção,
partiremos para a abordagem da estrutura clínica da psicose e suas decorrências
no processo de adoecimento psíquico, como a esquizofrenia, a paranoia e a melan-
colia. Por fim, na última seção do capítulo, discutiremos os processos envolvidos
na estruturação da perversão, compreendendo as diferentes formas de desenvolvi-
mento: fetichismo, pedofilia e sadomasoquismo.

No decorrer da discussão sobre as estruturas clínicas com base na psicanáli-


se, dialogaremos com as classificações e os sintomas presentes no DSM-V, a fim
de compreender as principais abordagens e os critérios nosológicos que fazem par-
te do processo de diagnóstico em saúde mental, em termos de sintomas.

O campo da psicopatologia apresenta como desafio lidar com o processo de


adoecimento psíquico sem deixar de lado a sua experiência subjetiva e a maneira
como a dor atinge aquele que sofre. Ao mesmo tempo, busca percorrer os padrões
de doença a partir dos critérios de normalidade. Ainda que seja necessário utilizar
os critérios e as classificações, não podemos perder de vista a experiência singular
do sujeito, do sofrimento e do tratamento (VIEIRA, 2020).

Nessa direção, a classificação dos aspectos psicopatológicos pode ser com-


preendida como uma adaptação da maneira como os sujeitos lidam e superam as
angústias que são fundantes e estruturantes das personalidades. Assim, os sinais e
os sintomas decorrem da forma como as angústias se acomodam no mundo interno
do sujeito e descrevem o funcionamento psíquico interno de cada um no processo
de estruturação subjetiva.

51
Psicopatologia

No capítulo anterior, compreendemos que o Eu se constitui, no campo da lin-


guagem, a partir da imagem externa vista, reconhecida e mediada no espelho, a
qual é sustentada e interpretada pelo Outro, que confirma que aquela imagem é a
da criança que se vê projetada no lado oposto (MACHADO; CALDAS; TEIXEIRA,
2017). A partir da teoria psicanalítica lacaniana, a constituição do sujeito se dá
mediante a passagem pelos três tempos do complexo de Édipo, o qual consiste
em um processo inconsciente de identificação e socialização da criança mediante
a entrada no campo simbólico da linguagem e do seu desejo. Desse modo, a pas-
sagem pelos tempos do complexo de Édipo direcionará a maneira como a criança
se estruturará como sujeito, ou seja, como ela responderá à falta, à castração e
ao desejo do outro; o seu modo de ser na linguagem e com o outro.

No segundo tempo desse processo, passado o estádio do espelho, vimos


que há o rompimento do narcisismo primário, sendo este o momento que acha-
mos que somos tudo para a mãe, a sua única fonte de desejo e de atenção. A
marca da entrada do terceiro nos mostra, então, que não somos o objeto máximo
de desejo e que, portanto, algo nos falta. Não somos tudo para o outro, tampouco
temos tudo. Lembra do vídeo apresentado no capítulo anterior, intitulado A falta
que a falta faz?

Com a saída do complexo de Édipo, como processo de identificação ineren-


te ao desenvolvimento considerado normal, a criança passa do conflito psíquico
à simbolização das relações, principalmente com os pais, a partir da castração.
Dessa maneira, ela consegue se ancorar em uma base simbólica, em uma rede
de sentidos e significados, para apoiar o seu desejo e desenvolver-se como sujei-
to. A posição paterna, que não é necessariamente o pai, mas um representante da
interdição, do limite, não é mais apenas aquela figura ameaçadora, proibidora dos
seus desejos, mas também aquela que apoia, que confirma, que cuida e lhe per-
mite o acesso a um desejo limitado. É, assim como a figura materna, um objeto
possível de identificação que poderá ser “modelo”, por exemplo, para ter acesso
à figura feminina, ou vice-versa. Os destinos do desejo, das pulsões, são variados
(DUNKER, 2006).

Nesse sentido, a constituição do sujeito se dá pela via da socialização e ins-


crição no mundo simbólico. Compreendemos que há a necessidade de nos sub-
metermos às leis e às regras não porque exista de fato uma força coercitiva que
esteja a todo instante nos vigiando, mas porque é necessário para a convivência
em sociedade.

Como mencionado por Dunker (2006, p. 26), “a lei não se reduz à força ou
potência de seus representantes reais, mas a sua autoridade simbólica em pro-
mover a circulação do desejo”. Segundo o autor, é esse entendimento que permite
que a autoridade das figuras paternas possa ser transferida para outras instâncias

52
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

na sociedade, como o Estado, os professores, os juízes etc. A lei permite as trocas


sociais e a circulação dos desejos individuais e coletivos.

Em suma, compreendemos que o sujeito é constituído, simultaneamente,


pela complexidade dos seus movimentos pulsionais e das sucessivas identifica-
ções com os objetos externos que os formam, como os pais. Pautado em relações
dialéticas, o sujeito se constitui na medida em que se liga aos objetos, externos e
internos, ao passo que vai moldando a sua pulsão, o seu desejo. Em psicanálise,
o desejo é concebido de forma ampla, sendo relacionado à força de existir. A partir
do estabelecimento da relação com o outro, com a cultura, o sujeito assume uma
posição subjetiva frente ao processo de castração, o que caracteriza as diferentes
estruturas psíquicas: a neurose, a psicose e a perversão, as quais serão discuti-
das nas seções seguintes, a fim de evidenciar a amplitude e a complexidade da
construção do desejo.

2 NEUROSE
Na direção do que conversamos no capítulo anterior acerca do complexo de
Édipo e as saídas encontradas pelo sujeito frente à castração, compreendemos
que a reação da criança e o modo de lidar com a falta direcionarão os modos de
estruturação psíquica, sendo uma delas a neurose.

Para melhor apreender essa forma de organização do sujeito e seus meca-


nismos de defesa associados, abordaremos, inicialmente, a teoria de estruturação
do aparelho psíquico proposta por Freud (1972): o Id, o Ego e o Superego. Uma
das representações utilizadas para abordar essa dinâmica é a metáfora do ice-
berg, ilustrada na figura a seguir.

Figura 1 – Metáfora do iceberg

Fonte: https://www.psicanaliseclinica.com/primeira-topica/metafora-
iceberg-primeira-topica-segunda-topica/. Acesso em: 16 ago. 2022.

53
Psicopatologia

Segundo a teoria proposta por Freud (1972), de maneira simplificada, o nos-


so aparelho psíquico é formado por uma pequena parte consciente, que é tudo
aquilo que conseguimos perceber, visualizar e compreender, como os nossos
comportamentos, crenças, opiniões, percepções, raciocínio, entre outros. Já a ca-
mada pré-consciente seria tudo aquilo que podemos não lembrar, mas consegui-
mos acessar quando resgatamos na memória, tornando consciente. A lembrança,
por exemplo, estaria nesse nível. Já a parte submersa do iceberg, como podemos
visualizar na figura apresentada, é o nosso inconsciente, ou seja, tudo aquilo que
não sabemos, que não nos damos conta, que está na base de tudo aquilo que
somos, fazemos e acreditamos. São nossos medos mais profundos, traumas, pul-
sões, fantasias, emoções, agressividade, desejos, culpas etc.

Além disso, antes de propor essa estruturação, Freud (1972) formulou um


outro esquema: o Id, o Ego e o Superego. O Id, do qual não temos consciência, é
regulado pelo princípio do prazer e representa todas as nossas pulsões, desejos,
libido e impulsos mais primitivos. O Ego seria o nosso “Eu”, aquilo que somos,
pensamos, julgamos e raciocinamos; parte é consciente e outra grande parte é
inconsciente. Seria, como conhecemos hoje, a nossa identidade. Já o Superego
seria a instância reguladora e moral do nosso eu, que, assim como o Ego, parte é
consciente e parte é inconsciente. É tudo aquilo que apreendemos a partir das leis
sociais, da cultura e dos valores morais familiares, que nos regulam e nos fazem
entender o que julgamos como certo ou errado. Observe a figura a seguir.

Figura 2 – ID, Ego e Superego

Fonte: https://maepop.com.br/id-ego-e-superego-entenda-
rapidamente/. Acesso em: 16 ago. 2022.

Como podemos perceber, o Ego/Eu é a instância mediadora entre as pulsões


do Id e as exigências do Superego. Essa mediação que fazemos pode ser bastan-
te conflitiva e acarretar, inclusive, sintomas. No caso da neurose, segundo Freud

54
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

(1972), ela é o resultado de um conflito entre o Eu (Ego) e o Id, sendo relaciona-


da, portanto, a um desejo não realizável.

De modo geral, segundo Dunker (2006), a neurose é uma saída encontrada


pelo sujeito frente à castração, pela via da simbolização e da aceitação da priva-
ção da mãe (ou de quem ocupe essa posição), a qual, inicialmente, estabelece
uma suposta relação de complementaridade. Na neurose, o mecanismo de de-
fesa frente à entrada do representante paterno (a lei, o limite e a interdição) é o
recalque, ou seja, reprime-se esse trauma causado pela falta, pelo rompimento
do narcisismo primário, tornando-o inconsciente, ainda que o afeto permaneça. O
recalcamento permite a simbolização de toda essa trama em torno da entrada de
um outro, acompanhado da percepção da diferença sexual. Esse processo possi-
bilita a inscrição no campo simbólico, na linguagem e no social.

O recalque, mecanismo de defesa do sujeito frente à castração, funciona


como uma espécie de barreira entre o consciente e o inconsciente. Na Figura 2, o
recalque seria representado pela fronteira que divide essas duas instâncias. Com
a passagem do representante traumático para o inconsciente, como um “esqueci-
mento”, o recalcamento mantém o estímulo fora da consciência.

Conforme ressaltado por Dunker (2006, p. 22-23), “aceitar a privação da mãe


o convidará a “esquecer” que um dia ele a desejou como seu complemento narcí-
sico e pulsional. Esse “esquecimento” corresponde a um modo de negação sim-
bólica chamado de recalcamento e dará origem a uma relação de tipo neurótica
com o desejo”.

Nesse sentido, a teoria geral das neuroses, proposta por Freud (1969), de-
fende que o adoecimento neurótico está relacionado com o impedimento de algo.
Assim, o indivíduo pode desenvolver um quadro psicopatológico quando um ob-
jeto de amor lhe é retirado por algum motivo, sem que ele encontre um substituto,
um outro destino para a pulsão. Com base nessa compreensão, o autor ressalta
que a neurose pertence à maioria dos seres humanos, entretanto, o adoecimento
neurótico pode ser desencadeado por algum tipo de abstinência, como as limita-
ções da cultura, apreendidas pelo sujeito, no que tange ao acesso à satisfação.

Esse impedimento duradouro pode provocar um aumento da tensão psíquica


e os caminhos que o sujeito encontrará para contornar essa situação podem indi-
car possíveis saídas desse estado. Uma dessas possibilidades é a transformação
da tensão psíquica em energia ativa que seja direcionada para outros tipos de
satisfação da libido. Outra possibilidade seria a renúncia à satisfação libidinal e a
sua sublimação, ou seja, uma conversão dessa libido em algo que seja possível
de realização dentro dos limites da cultura ou da realidade do sujeito.

55
Psicopatologia

Além disso, o adoecimento neurótico pode acontecer não apenas por um im-
pedimento do mundo exterior quanto ao acesso da libido, mas também por uma
tentativa de se adequar à realidade e cumprir as suas exigências, exacerbando
realidades internas que se tornam insuperáveis (FREUD, 1969). Um exemplo dis-
so é a Síndrome de Burnout, cada vez mais frequente atualmente. Por consequ-
ências oriundas do mundo do trabalho, do capital e da sociedade de consumo, o
sujeito alcança o seu estado limite a fim de atender às exigências externas, sem
se atentar para o seu próprio desejo.

Desse modo, quando o sujeito não consegue direcionar o seu desejo, a libido
pode tornar-se introvertida e causar um quadro psicopatológico, de modo que o
indivíduo fica fixado no impedimento do desejo e da sua realização.

Até aqui, compreendemos o funcionamento geral da neurose. Para adentrar-


mos no estudo dos tipos de neuroses, buscamos abordagens contemporâneas,
tendo em vista as modificações e as atualizações sofridas pela psicanálise no
decorrer dos anos.

1 No que diz respeito à estruturação psíquica proposta por Freud,


classifique V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas.

( ) Na perspectiva freudiana, Id, ego e superego são formas de es-


truturação do aparelho psíquico, no qual o Ego é associado ao
próprio Eu como instância mediadora.
( ) A constituição psíquica do sujeito se dá pelos sucessivos pro-
cessos de identificações a partir da passagem pelo complexo de
Édipo.
( ) Em psicanálise, o desejo é definido como libido sexual.
( ) A castração é compreendida como a experiência psíquica da
criança, que possibilita a simbolização a partir da entrada do re-
presentante paterno, da lei social, do limite, do rompimento do
narcisismo primário e do reconhecimento da diferença sexual.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) V – V – F – V.
b) F – F – V – V.
c) V – V – V – F.
d) F – V – F – V.

56
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

2.1 HISTERIA
A histeria apresenta uma longa história, marcada de ambiguidades e contra-
dições que refletem a conjuntura vigente em cada época, apresentando desafios
de diagnóstico até os dias atuais. Considerando os campos da psiquiatria e da
psicanálise, por exemplo, tem-se observado um distanciamento entre essas duas
áreas em termos de diagnóstico, tendo em vista a retirada da histeria do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais a partir da 4ª edição (DSM-IV).

Assim, a histeria foi fragmentada em diversos quadros clínicos, como os


transtornos alimentares, os de humor, os somatoformes, entre outros. Entretanto,
a compreensão da histeria na psicanálise busca captar seu caráter mais geral
como parte da estrutura clínica da neurose. Ainda que novos sintomas sejam vis-
tos na contemporaneidade como adaptações da histeria ao contexto histórico e
social vigente, isso não coloca em xeque a sua existência como tipo clínico (AM-
BRA et al., 2018).

Na histeria, o posicionamento do sujeito frente à castração pode ser explica-


do como um trauma que o indivíduo percebe como sendo uma intromissão vinda
de fora que interrompeu o seu desejo e, portanto, atingiu a sua sexualidade, as
suas pulsões e o seu corpo. Como resposta, o sintoma histérico busca lançar para
fora do corpo as exigências libidinais não atendidas a partir da identificação com
o outro. Nesse sentido, como forma de defesa inconsciente, o sujeito direciona o
seu desejo ao outro de forma a denunciar a própria falta, mantendo-se sempre
insatisfeito e demandando.

Na histeria, portanto, o sujeito se defende das exigências da


pulsão antecipando demandas que têm, como objetivo, atri-
buir ao Outro a impossibilidade de cumpri-las. [...] a histérica
denuncia a falta para manter seu desejo sempre insatisfeito,
sempre enganando seu próprio desejo, ou melhor, o desejo do
Outro (COSTA; FERREIRA, 2019, p. 256-257).

A histeria está ligada a um trauma sexual primitivo, a uma experiência na


qual houve indiferença, aborrecimento ou terror, uma interrupção na vida do su-
jeito. Está ligada à sensação de algo insatisfatório, desagradável, como é a co-
nhecida angústia de castração, na qual o narcisismo é posto em xeque. Como
temor de perder a integridade do próprio Eu, o sintoma histérico se manifesta na
aversão ao gozo, ao prazer, no sentido mais amplo e não apenas sexual. Nesse
caso, permitir a entrega ao prazer poderia representar um risco ao seu próprio ser
(CASTRO, 2013). Poderíamos exemplificar esse sintoma como a impossibilidade
de a pessoa conseguir se abrir, permitir-se obter prazeres e desejos, pois, para
ela, fazer esse movimento levaria à perda das suas próprias defesas e a um su-
posto risco de ficar sob ameaça.

57
Psicopatologia

Para Freud (1969), no campo corpóreo, o complexo de castração pode de-


sencadear a dificuldade ou impossibilidade de, por exemplo, obter orgasmo, além
da frigidez e da impotência sexual. Na pessoa com histeria, as crises ou os sinto-
mas são convertidos no corpo, cuja função seria substituir o erotismo genital por
formas compensatórias de satisfação do desejo, prejudiciais ao sujeito, as quais
podem carregar elementos, como autossuficiência, alto nível de exigência e de
perfeição (AMBRA et al., 2018). Além disso, podemos citar a dificuldade de lidar
com a impotência, com as impossibilidades, erros e faltas. Assim, a pessoa histé-
rica tenta a todo custo ocupar uma posição de poder, de alguém que tem tudo e
que é insubordinável. A falta nunca está nela e sim no outro. Tenta chamar toda a
atenção para si como uma maneira de dizer ‘tenho tudo para te completar’.

Apesar disso, Castro (2013) elucida que a estratégia encontrada pelo sujei-
to histérico é valorizar a falta e cultivar a insatisfação para evitar a satisfação, o
gozo, como forma de evitar sentimentos de abandono. “Em outras palavras, o que
se deseja na histeria é um desejo insatisfeito” (CASTRO, 2013, p. 3).

Essa constante insatisfação é atribuída ao outro, a algo externo como fonte


dos seus desprazeres, já que não reconhece as suas próprias faltas. Contudo,
ao mesmo tempo que o sujeito histérico aponta a falta no outro, ele se oferece
como objeto de desejo, capaz de supri-lo em toda e qualquer situação, como um
ser total que pudesse preencher a falta do outro e ser de todo suficiente para ele.
Em uma relação amorosa, por exemplo, a dúvida histérica incide sobre o amor do
outro, como objeto primordial do desejo da outra pessoa. Ao se fixar nesse lugar,
o sujeito histérico tenta fazer de tudo para envolver o outro em sua própria trama,
de fazê-lo acreditar na possibilidade de completude e satisfação plena através
dele, acompanhada da tentativa de deixar o outro insatisfeito. Assim, um dos sin-
tomas da histeria é a teatralidade.

Contraditoriamente, na medida em que o sujeito histérico se coloca no lugar


de atender ao desejo do outro, cria-se uma relação de subordinação, o que sus-
cita uma relação ambígua. Por um lado, a pessoa ocupa uma posição ativa, de
agente, induzindo o outro a entrar no seu “jogo”. Por outro lado, estabelece uma
dependência ao se deixar definir por ele e pelo seu desejo. O outro é permanen-
temente posto em xeque, tendo seus limites sempre testados. Assim, a histeria é
concebida como “um jogo de posições envolvendo a dialética do desejo” (AMBRA
et al., 2018, p. 134).

Contudo, cabe ressaltar que a histeria, segundo a perspectiva lacaniana,


apresenta-se como um tipo de discurso social no campo da linguagem, presente
em algum nível em todos os sujeitos. O que caracteriza a sua dimensão psicopa-
tológica é a fixação permanente nesse lugar de discurso. Diante disso, a histeria
no sentido psicopatológico diminui a capacidade do sujeito de passar por outros

58
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

discursos que não estejam fixados na demanda incessante de amor, na busca de


alguém que o complete (AMBRA et al., 2018).

“Tanto sujeitos histéricos, do ponto de vista patológico, como sujeitos não


histéricos podem fazer laço social por meio do discurso da histeria. A diferença
é que os primeiros se aferram ao questionamento de suas disjunções e, desse
modo, detêm-se na dinâmica interna do discurso” (AMBRA et al., 2018, p. 136).

Outro elemento característico da histeria está na relação do sujeito com o


seu próprio corpo. Este, na teoria psicanalítica, sempre ocupou um lugar de des-
taque. É no corpo que o desejo se materializa e é nele que o sujeito encontra con-
sistência. Na histeria, os sintomas são convertidos para o corpo. Nessa direção,
os sintomas são direcionados e expostos ao outro, à sociedade, por demandas de
amor que se inscrevem no corpo (COSTA; FERREIRA, 2019).

Seguindo essa dinâmica, o sujeito histérico se coloca no lugar de ser tudo


aquilo que falta no outro, buscando entender o que ele deseja, sustentando seu
próprio desejo no desejo do outro. Desse modo, o sujeito histérico não deseja
diretamente, mas, sim, por intermédio do outro, ocupando o lugar do seu obje-
to. Ao apontar as falhas no outro, a pessoa histérica pode dar a impressão de
que não sofre, o que não é verdade. Ela sofre, por exemplo, com as exigências
da cultura e dos padrões sociais ao tentar atender ao que acredita ser esperado
dela. Um exemplo disso na contemporaneidade é a anorexia, disfunção alimentar
relacionada à influência dos padrões estéticos de corpo e de beleza presentes na
sociedade, como também às expectativas diante dos pais (AMBRA et al., 2018).

Ainda segundo os autores mencionados, percebemos que a histeria, portan-


to, é imbricada de determinantes sociais que direcionam os sujeitos à tentativa
de atender aos ideais culturais e estéticos vendidos pela sociedade de consumo.
Com isso, o sujeito histérico é capaz de submeter o seu corpo aos procedimentos
mais diversos e invasivos, de modo cíclico e infindável. Muitas vezes, pagam um
alto preço por essa submissão, por meio, por exemplo, de cirurgias plásticas, em
busca de reconhecimento e de um ideal inatingível.

Dessa maneira, na medida em que o sujeito histérico se preocupa excessi-


vamente em entender o desejo do Outro, ele constitui o seu próprio desejo a partir
dele e acaba identificando-se com o Outro a ponto de desejar como ele, de tomar
seu lugar. Por um lado, também percebemos que o sujeito histérico sustenta a cren-
ça num Outro absoluto, sem falhas, não submetido à castração (CASTRO, 2013).

A histeria contemporânea vem perdendo espaço como uma categoria diag-


nóstica delimitada e se expressando no laço social para além da clínica. Ape-
sar de os casos freudianos ainda representarem os quadros mais emblemáticos,

59
Psicopatologia

a histeria tem se manifestado de diferentes formas na atualidade. Se antes, no


período histórico vivenciado por Freud, a repressão ao gozo era um dos fatores
desencadeadores de sintomas histéricos, hoje vivemos o oposto, o imperativo do
gozo, como discutido no Capítulo 1. Ouvimos falar, por exemplo, de “novas his-
terias” para falar de quadros que envolvem transtornos alimentares e somáticos
(AMBRA et al., 2018).

O lugar da histeria na psiquiatria contemporânea está imbricado nos movi-


mentos de classificação dos transtornos mentais, como é o DSM. Como já men-
cionado, ainda que tenha saído da 4ª edição desse manual, ela foi desdobrada
em outros quadros nosológicos, definidos estritamente por sintomas. Dentre os
transtornos associados à histeria no DSM-IV, podemos citar o transtorno de per-
sonalidade histriônica, caracterizado por critérios diagnósticos como: comporta-
mento inadequado, sexualmente provocante ou sedutor; autodramatização, tea-
tralidade e expressão emocional exagerada.

Na versão atual do Manual Classificatório, o DSM-V, a histeria ainda aparece


como um transtorno de personalidade, definida como “um padrão de emocionali-
dade e busca de atenção em excesso” (APA, 2014, p. 689). Além dos sintomas ci-
tados, podemos ainda mencionar: sugestionabilidade, ou seja, é alguém facilmen-
te influenciável pelos outros ou pelas circunstâncias; uso excessivo da aparência
física para atrair a atenção para si; e busca excessiva por atenção.

Dessa maneira, um mecanismo de funcionamento característico da histeria é


o da projeção excessiva. Considerando que o sujeito histérico não se apropria do
seu próprio desejo ou não consegue lidar com a falta constitutiva, ele acaba por
projetar sua insatisfação no momento em que o Outro não corresponde as suas
expectativas irreais.

Uma síndrome ainda pouco conhecida, mas que é considerada


como histeria na contemporaneidade, é a Síndrome de Munchau-
sen, caracterizada pela invenção intencional de sintomas de do-
enças em si próprio, cujos indivíduos fingem que estão doentes e
buscam tratamento em serviços de saúde. Quanto à Síndrome de
Munchausen por procuração, esta também é caracterizada pela
produção intencional de sintomas, e até alteração de exames, por
parte da mãe no filho. Dessa maneira, a mãe produz uma história
de doenças, sintomas e distúrbios no filho, inserindo-o em trata-
mentos médicos e até mesmo cirurgias, de modo a sustentar as
suas teorias (SOUSA FILHO et al., 2017).

60
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

A série “The Act” ilustra um caso de Síndrome de Munchausen in-


teressante para estudo e análise. Nesse caso, podemos perceber
que a mãe, em um caso psicopatológico de histeria, faz de tudo,
pela via do sintoma da teatralidade, para provocar sintomas e do-
enças na filha, na tentativa de ser tudo para ela, a única fonte de
desejo e interesses.

Outras formas de manifestações da histeria na Contemporaneidade são as


fobias, as somatizações e o pânico, quadros que serão abordados no Capítulo 3.

Na seção seguinte, conheceremos um outro quadro psicopatológico da neu-


rose, que é a neurose obsessiva, conhecida no censo como Transtorno Obsessi-
vo Compulsivo (TOC).

2.2 NEUROSE OBSESSIVA


A neurose obsessiva é um outro quadro psicopatológico da estrutura da neu-
rose. Enquanto na histeria o sujeito busca transferir toda a responsabilidade para
o outro, cujos sintomas recaem sobre o corpo, na neurose obsessiva, o indivíduo
se responsabiliza e se culpa por tudo. Se a histeria é “o retorno do reprimido no
corpo, [...] a neurose obsessiva é o retorno do reprimido na mente” (AMBRA et al.,
2018, p. 306).

Como vimos na seção anterior, o sujeito histérico se questiona sobre o cor-


po e a sexualidade, externalizando-os e direcionando-os ao outro, por meio da
teatralidade, do corpo e da vaidade, sob uma demanda incansável de amor e
atenção. Já na neurose obsessiva, o sujeito se esforça para direcionar sua libido
para fora de si, do seu corpo, como tentativa de silenciar, abafar ou inibir todas as
pulsões de desejos, como os sexuais, como se precisasse criar uma barreira rígi-
da para manter o corpo inatingível (COSTA; FERREIRA, 2019).

Nessa tentativa de direcionar a libido para fora do corpo, os sintomas são


direcionados ao campo das ideias, por meio de incessantes dúvidas, restrições,
racionalizações, punições e, principalmente, de pensamentos e comportamentos
obsessivos e repetitivos.

O ponto de partida, tanto da histeria quanto da neurose obsessiva, é o mes-


mo: mecanismo de defesa do sujeito para se proteger das exigências libidinais
oriundas do complexo de Édipo. Entretanto, os caminhos percorridos por esses
dois quadros são distintos.

61
Psicopatologia

Na histeria, o sujeito se identifica com o outro por meio do seu próprio desejo,
tentando assumir uma posição de ser tudo aquilo que o outro deseja. Já na neuro-
se obsessiva, os impasses do indivíduo estão relacionados à morte e à culpa. Ele
se retira do lugar de sujeito desejante. É como se a iminência da morte o retirasse
do seu conflito interno, distanciando-o da sua posição libidinal. O sujeito renuncia
ao seu desejo e a morte aparece como um mecanismo que o impede de usufruir
daquilo que deseja (COPPUS; BASTOS, 2012). Ainda no que tange às diferenças
entre a histeria e a neurose obsessiva, podemos dizer que, na histeria, o recalque
é encoberto pela projeção. Já no neurótico obsessivo, o mecanismo de defesa do
recalque recai na racionalização excessiva.

Desse modo, os autores ressaltam que os sintomas intrusivos e repetitivos


tomam o sujeito e trazem a crença de que, se ele não lavar a mão 100 vezes, por
exemplo, algo de muito ruim vai acontecer, uma perda significativa. Ainda segun-
do Coppus e Bastos (2012), o sujeito obsessivo é aquele que se sacrifica por tudo
e por todos. Comporta-se de maneira exemplar. Os sintomas obsessivos recaem
sobre o corpo sob uma forte angústia pela recusa do desejo, em um esforço para
invalidar não só o seu desejo, como também o do outro. Assim, a pessoa com
neurose obsessiva pode ser muito gentil, prestativa, cuidadosa, que não sabe di-
zer não e busca atender a todas as demandas da melhor maneira, a fim de que,
inconscientemente, o desejo do outro se cale.

O trauma envolvido na dinâmica do sujeito obsessivo está relacionado a um


sentimento de culpa, fruto de um conflito psíquico, principalmente de origem se-
xual, na infância. Em suma, a partir da perspectiva lacaniana, compreende-se a
neurose obsessiva como a criação de um sistema de crenças e rituais pelo sujeito
como forma de não se ver com seu próprio desejo.

Como exemplo, citaremos o caso tratado por Freud que ficou co-
nhecido como O caso do homem dos ratos, o qual é relatado pelo
psicanalista Christian Dunker no vídeo indicado no link a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=FvV7u-BpxL8.

Em síntese, o sintoma obsessivo presente nesse caso freudiano está relacio-


nado a uma dívida que o sujeito julga que contraiu por ter encontrado uns óculos
na guerra e não saber a quem entregar, o que o faz se sentir culpado por isso.
Essa dificuldade deu origem ao sintoma obsessivo que, pela compulsão, o induz
e o impede, ao mesmo tempo, de pagar a dívida, gerando intenso sofrimento, já
que não consegue identificar a quem tem que pagar pelos óculos perdidos na

62
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

guerra, se ao tenente A ou B. Essa situação o deixa sem saída, pois a dívida se


desdobrou em um sintoma obsessivo, de modo que ela é impagável. Nesse caso,
evidencia-se uma característica do desejo obsessivo: a impossibilidade.

Como percebe-se nesse exemplo, o desejo vira obrigação e é marcado por


uma compulsão a realizá-lo, para livrar-se daquilo, ou seja, ele é obrigado a fazer
algo que é impossível. Dessa maneira, o sintoma assume uma dualidade que ali-
menta a obsessão e a compulsão: a obrigação e a impossibilidade.

No momento anterior à entrega dos óculos, o capitão contou um tipo de tor-


tura utilizado por alguns países com seus prisioneiros, que consistia em introduzir
ratos vivos no intestino do indivíduo pelo ânus. Ao ouvir isso, o personagem do
caso é invadido por uma ideia de que essa tortura estava acontecendo com a
moça que ele amava e com o seu pai. No momento de receber o pacote com os
óculos, uma outra ideia lhe invade no sentido de que ele não deveria pagar em
dinheiro, se não a tortura com os ratos aconteceria a sua amada ou ao seu pai.
Entretanto, não poderia deixar de pagar a dívida.

Esse caso ilustra alguns sintomas da neurose obsessiva que, no DSM-V é ca-
tegorizada como Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), o qual é desdobrado em
diversos outros quadros. Segundo o DSM-V, “o TOC é caracterizado pela presença
de obsessões e/ou compulsões” (APA, 2014, p. 235). As obsessões referem-se a
pensamentos, impulsos ou imagens intrusivas, recorrentes e persistentes que são
vivenciados pelo sujeito sem que ele tenha controle sobre isso. Quanto às compul-
sões, são comportamentos repetitivos ou atos mentais que o sujeito se vê obrigado
a fazer em decorrência de alguma ideia obsessiva que associa a não execução de
determinado comportamento à ocorrência de algo muito ruim.

Como pode ser observado no caso freudiano do homem dos ratos e também
no caso de neurose obsessiva comentado na terceira seção do Capítulo 1, esse
quadro está relacionado a um gozo que só pode ser realizável dentro de um regi-
me fechado de normas, regras e valores morais, regulado pela castração. Nesse
sentido, estabelece-se uma contradição entre o sujeito e o seu corpo, o desejo à
morte, na qual o obsessivo busca modos de manter tais dilemas distantes de si
para afastar a angústia que sente, bem como a dívida que julga ter com o outro.
Por isso, busca silenciar o desejo do outro se apresentando como um corpo sem
vida, que se silencia e procrastina qualquer forma de prazer. Aqui, podemos visu-
alizar uma diferença em relação à histeria. Esta, enquanto o corpo grita, na neu-
rose, o corpo sussurra (COSTA; FERREIRA, 2019). Ainda em relação ao modo de
funcionamento do neurótico obsessivo, destacamos o seguinte trecho.

Um modo de evitar o confronto com o dilema é funcionar como


se estivesse preso dentro de um labirinto sem mapa e, princi-

63
Psicopatologia

palmente, sem saída. Como não lhe foram fornecidos mapas,


o obsessivo se vê obrigado a desenhá-los e, para isso, precisa
organizar, raciocinar, prever, numerar, controlar para tentar es-
boçar um mapa que lhe conduza a uma saída que não existe.
Todo esse esforço deteriora o sujeito e o conduz a um Outro
absoluto, típico de seu tipo clínico: a morte. Preso em seu labi-
rinto, onde o desejo se esconde, ele trabalha incessantemente
para a morte (COSTA; FERREIRA, 2019, p. 259).

Para auxiliar na compreensão acerca da neurose obsessiva, in-


dicamos o filme “Toc Toc”, de 2017, que aborda o transtorno ob-
sessivo compulsivo de maneira descontraída a partir da história
de seis paciente que se encontram na sala de espera de um psi-
quiatra. O filme é interessante para conhecer melhor esse quadro
e seus sintomas, bem como os conflitos e os modos de lidar do
sujeito diante das suas dificuldades. Saiba mais em:
https://catracalivre.com.br/entretenimento/netflix-comedia-toc-to-
c-surpreende-e-informa/.

2.3 FOBIA E PÂNICO


As fobias e a classificação de Transtorno do Pânico, como conhecemos hoje,
são consideradas como neuroses atuais que remetem ao que Freud (1969) nomeou
como neurose de angústia, sendo este o sintoma característico desses quadros.

A fobia é compreendida como um medo exagerado de algum objeto ou situ-


ação, cujo sentimento de angústia “estoura”, chega no seu limite, causando uma
ruptura de significações para o sujeito, com representações associadas a outros
aspectos, como a perda da vida, a uma ameaça. Assim, gera-se o ataque de pâ-
nico, originado por algum tipo de fobia que desencadeia disfunções emocionais e
corporais, como dificuldade de respiração, aumento da atividade cardíaca, sudo-
rese, entre outros (FINGERMANN, 2016).

Em termos psicanalíticos, podemos compreender que a excitação desper-


tada no sujeito, em virtude de um objeto fóbico, por exemplo, não consegue ser
empregada ou significada. Como consequência, a angústia surge no lugar desta
libido e tensão acumuladas, sendo relacionadas a algum episódio traumático da
vida do indivíduo, que pode envolver, como os outros tipos de neurose, aspectos
da relação com o representante paterno ou materno. Desse modo, o pânico está
relacionado ao excesso de excitação somática sem que haja uma mediação psí-

64
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

quica. Podemos dizer, assim, que é um conflito do Ego com ele mesmo e suas
pulsões (FINGERMANN, 2016).

Ainda segundo o autor, o pânico revela o que a fobia e a fuga tentam esca-
motear, como uma espécie de ponto de encontro do Eu e o seu trauma ou conflito,
representado pelo objeto fóbico. Medo e fuga se enlaçam em resposta ao pavor da
angústia. No pânico, o medo exacerbado e a angústia provocam um desenlace,
uma ruptura do sujeito, deixando-o em um campo de extremo desamparo. Por isso,
nos ataques de pânico, muitas pessoas têm a sensação de que estão morrendo. O
sentimento de angústia é tamanho que é substituído pelo medo da morte.

Em última instância, o pânico representa uma experiência extrema de de-


samparo. É uma experiência aterrorizadora, associada a uma economia de prazer
do sujeito, de acúmulo de tensão psíquica, indicando como ele está lidando com
o seu desejo.

O Transtorno de Pânico, categoria psiquiátrica presente no DSM-V, é com-


preendido como um Transtorno de Ansiedade, no qual o indivíduo experimenta
ataques de pânico inesperados recorrentes, o que desencadeia apreensões e pre-
ocupações persistentes quanto à possibilidade de ser tomado por novos ataques
(APA, 2014). Por isso, muitas vezes, desenvolvem sintomas fóbicos em relação a
determinadas situações ou locais, de modo a evitar ou proteger o próprio sujeito
de novas experiências de pânico. Como exemplos, podemos citar a esquiva de
locais específicos e a evitação de contato com determinadas situações e objetos.

Ainda de acordo com o DSM-V, os ataques de pânico são compreendidos


como “ataques abruptos de medo intenso ou desconforto intenso que atingem
um pico em poucos minutos, acompanhados de sintomas físicos e/ou cognitivos.
Ameaças de separação podem levar à extrema ansiedade e mesmo a um ataque
de pânico” (APA, 2014, p. 190). De maneira mais específica, o Manual elenca
como principais sintomas:

• Palpitações, taquicardia.
• Suor excessivo.
• Tremores ou abalos no equilíbrio.
• Falta de ar ou sensações de sufocamento e asfixia.
• Dor ou desconforto no peito.
• Náusea ou desconforto abdominal.
• Sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio.
• Calafrios.
• Sensações de formigamento no corpo.
• Sensações de deslocamento da realidade.
• Medo de perder o controle, de morrer ou de “enlouquecer”.

65
Psicopatologia

Tendo como base os conceitos e os sintomas mencionados acerca do pâ-


nico, vale retomar aqui a análise da obra “O Grito”, realizada no Capítulo 1, cuja
obra de Edvard Munch, de 1893, foi descrita pelo autor, naquele momento, como
um forte sentimento de medo e angústia, parecendo um grito infindável que o
atravessou. Além disso, ao observar a imagem, podemos perceber uma ligação
entre a expressão do grito e os sintomas descritos acerca da fobia e o seu possí-
vel desencadeamento no ataque de pânico.

Finalizamos aqui a abordagem dos principais quadros da neurose, mas antes


de adentrar na próxima estrutura clínica em psicanálise, a psicose, vamos praticar
um pouco dos conhecimentos que vimos no presente capítulo acerca da neurose?

1 Analise as afirmativas a seguir:

I. A neurose é, por si só, uma estrutura patológica.


II. A histeria é um quadro neurótico caracterizado pela teatralidade
como forma de chamar a atenção para si, cujos sintomas geral-
mente são convertidos para o corpo.
III. O mecanismo de defesa frente à castração do neurótico é o recal-
que.
IV. Pensamentos e comportamentos intrusivos e obsessivos são ca-
racterísticos do quadro da histeria.
V. A constante insatisfação é um sintoma característico da neurose
obsessiva.

Estão CORRETAS as afirmativas:


a) I, II e III.
b) II e III.
c) II, III, IV e V.
d) I e III.

3 PSICOSE
A estrutura da psicose é o que comumente conhecemos como a loucura,
aquela que, como vimos no Capítulo 1, prendia indivíduos nos manicômios, sendo
caracterizada por delírios, alucinações e desorganização do discurso. A psicose
historicamente é compreendida como a desrazão humana.

66
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

Retomando a metáfora do iceberg discutida na seção anterior, podemos di-


zer que a estrutura psíquica da psicose indica um conflito entre o Ego (Eu) e o Su-
perego/mundo exterior (FREUD, 1969). Enquanto o neurótico tenta se adaptar à
realidade, o sujeito psicótico a rejeita e constrói uma outra, de forma inconsciente.
O mecanismo de defesa da psicose é a recusa, ou, segundo a perspectiva laca-
niana, a foraclusão (PEREIRA, 2017).

Como vimos, o processo de constituição do Eu passa pelo autoerotismo, se-


guido pelo narcisismo primário e narcisismo secundário, sendo este último o mo-
mento de escolha do objeto do sujeito. Enquanto na neurose o sujeito realiza essa
escolha no mundo, na psicose, acontece uma retirada definitiva da libido do mundo,
a qual volta-se para o Eu na forma de delírios e alucinações (PEREIRA, 2017).

No primeiro momento do nosso processo constitutivo, somos considerados


sujeitos “alienados”, no sentido de alienação ao desejo do outro, sendo totalmente
dependentes desse outro de cuidados, de nomeações, de descrições e de lin-
guagem. Na neurose, há o processo de simbolização frente à castração. Já na
psicose, é como se o sujeito permanecesse alienado, nesse caso, às vozes que o
dominam (PEREIRA, 2017).

Assim como na neurose, na psicose também há o mecanismo de defesa


frente ao rompimento do narcisismo primário com a chegada de um terceiro que
mostra que a criança não é tudo para a mãe, não é a única fonte de desejo e que,
portanto, o bebê também é um ser marcado pela falta. Entretanto, na psicose, há
uma rejeição da metáfora paterna, da lei e da interdição. Como já vimos, esse
processo, denominado castração, é necessário para que o sujeito possa simboli-
zar e adentrar ao campo da linguagem. Todavia, na psicose, ocorre a ausência de
simbolização pela não entrada da figura do terceiro, acarretando na não constitui-
ção de um ser desejante. O lugar de mediação entre o sujeito e a cultura, entre o
Ego e o Superego, fica vazio de significação, de sentido (PEREIRA, 2017).

Na neurose, o conteúdo representativo é afastado do consciente por meio


do mecanismo de defesa do recalque, ou seja, “esquece-se”, passa para o in-
consciente aquela vivência traumática. Entretanto, o afeto permanece, havendo
apenas uma dissociação da sua representação.

No caso das psicoses, a forma de defesa encontrada pelo indivíduo é muito


mais “enérgica”, se assim podemos dizer. O conteúdo da representação não é re-
calcado, mas, sim, mantido junto ao afeto, os quais operam na relação do sujeito
com a realidade por uma rejeição radical. Há uma espécie de “expulsão” da cons-
ciência para o mundo externo, como uma maneira de não admitir o trauma para o
próprio Eu. Desse modo, sintomas são manifestados por meio de alucinações, au-
ditivas ou visuais, confusões mentais ou projeções. Considerando a saída encon-

67
Psicopatologia

trada pelo sujeito mediante a passagem pelo complexo de Édipo, a psicose seria
a rejeição do sujeito diante da castração sem que haja a entrada na simbolização
(CAMARGO et al., 2020).

Diante disso, na psicose, ocorre a rejeição da realidade. Como tentativa de


reparação, ou seja, de lidar com a angústia de um desejo não satisfeito, o indi-
víduo cria uma outra realidade para viver, na qual ele possa, supostamente, dar
conta. Na neurose, o sujeito aceita a imposição do limite e, por isso, adapta-se à
realidade. Na psicose, o limite não é aceito, o que faz com que o psicótico não dê
conta de lidar com a realidade e tenta substituí-la por outra, distorcendo-a, fican-
do à mercê dos impulsos do Id. Assim, o delírio é compreendido, na perspectiva
freudiana, como uma tentativa do sujeito, uma saída possível de defender-se de
uma dor que lhe é insuportável. “O modo de defesa do sujeito, na psicose, é o
delírio – entendido como uma tentativa de cura, de dar lógica e sentido à dinâmica
psíquica” (PEREIRA, 2017, p. 10).

A ausência de significação cria, no discurso, um vácuo de consequências de-


vastadoras para o sujeito que, sem prumo nem rumo, vem perder-se num torve-
linho, verdadeira avalanche de significações sem que nenhuma lhe baste. Nesse
redemoinho, os significantes disseminados numa proliferação impotente são re-
duzidos a signos vazios de sentido, meros estilhaços ao léu. Excesso e falta aqui
são termos homogêneos que se entrelaçam, cúmplices, fazendo-se testemunhos
de uma catástrofe que se abateu sobre a relação do sujeito com a linguagem.
Dessa catástrofe de efeitos letais, emerge um sujeito dilacerado por sentimentos
de perdição e errância, um sujeito à deriva, sem arrimo do significante, um ser
desvalido de todo porto, de todo ponto de referência.

Assim, o sujeito psicótico vive sob uma certeza delirante, em um mundo cen-
trado nele próprio, preso a sua verdade.

Agora que abordamos os aspectos gerais básicos da psicose, aprofundare-


mo-nos nos seus quadros nas próximas seções, a partir do estudo da esquizofre-
nia, da paranoia e da melancolia.

3.1 ESQUIZOFRENIA
A esquizofrenia, como parte do quadro da psicose, é definida como uma de-
sintegração da personalidade e distanciamento ou perda da realidade. A palavra
esquizofrenia vem do grego e significa mente cindida.

No estudo das psicoses, Freud formulou o conceito de realidade psíquica


para questionar a realidade objetiva e a possibilidade de que esta não seja experi-

68
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

mentada por todos da mesma maneira. Nesse sentido, o delírio seria uma tentati-
va de cura, de lidar com a realidade, e não apenas um sintoma que, caso tratado,
levaria à cura. Essa compreensão da relação do sujeito com a realidade tornou
mais tênue os critérios e os limites de normalidade, visto que, para a psicanálise,
cada sujeito vive uma realidade única, particular (CAMARGO et al., 2020).

A esquizofrenia seria uma espécie de divisão do indivíduo, que acarreta uma


ruptura significativa com a realidade, produzindo uma segunda realidade, sendo
esta delirante. “Nesse caso, a realidade combina a normativa socializada com cons-
truções delirantes formuladas a partir do desejo” (CAMARGO et al., 2020, p. 239).

A pessoa com esquizofrenia e seu delírio é vista como alguém incapaz de


ser reconhecida socialmente como sujeito e com seu discurso. É como uma não
identidade, que é da ordem, da decomposição do pensamento, da não razão e
da desordem. Na esquizofrenia, a pulsão vincula-se dos objetos e regride a um
estado primitivo, como na instância psíquica do Id. A realidade é experimentada
de forma distorcida.

Assim como na neurose, o corpo ocupa um lugar central na psicose. No caso


da esquizofrenia, o corpo é tomado como algo despedaçado, dividido. As pulsões
invadem a realidade do sujeito, sem barreiras e contenções, de modo que os de-
sejos são expostos através dos sintomas de delírios e alucinações. Além destes,
podemos ainda citar como sintomas:

• Confusão mental.
• Estados de excitação ou depressão.
• Sentimentos de despersonalização, desagregação e fragmentação do
pensamento.
• Conflito com a realidade.
• Fragilidade na interação, indiferença e desinteresse em termos de afeti-
vidade.
• Irritabilidade.
• Ambivalência (afirmar e negar, amar e odiar, querer e não querer, o sim
e o não se organizam simultaneamente por contradições, deficiência na
interação com os outros e com o ambiente.
• Catatonia (perturbação psicomotora acentuada) (APA, 2014).

Além disso, Quinet (2009) discute os quatro ‘As’ da esquizofrenia para descrever
os sintomas básicos, sendo eles: associações, afetividade, autismo e ambivalência.

As associações são abordadas em termos de distúrbios relacionados ao dis-


curso, como a falta de coesão entre as palavras de uma mesma frase, além da
interrupção e distração do pensamento. “Resulta em uma fala bizarra, ilógica e

69
Psicopatologia

incompreensível” (QUINET, 2009, p. 71). Dessa maneira, o discurso evidencia a


confusão mental na esquizofrenia, sendo concebido como sem lógica diante do
pensamento neurótico.

A afetividade refere-se ao sintoma de indiferença do psicótico em relação a


elementos significativos da vida cotidiana, como a família e as relações interpes-
soais, ressoando na falta de relação afetiva e na falta da vinculação afetiva do
sujeito com o outro. Dessa maneira, o esquizofrênico tende a uma rigidez afetiva,
à apatia e à falta de vontade.

O terceiro ‘A’ diz respeito ao autismo, sendo característico da perda de con-


tato com a realidade e vivência em um outro “mundo” criado por ele. É a desvin-
culação do laço social e a vivência em uma realidade imaginária, mas que nem
sempre se desvincula totalmente do real.

Quanto ao último ‘A’, a ambivalência, diz respeito à relação dual diante das
coisas, das pessoas, das relações no geral. Amor e ódio, por exemplo, compare-
cem na mesma intensidade. “[...] o paciente quer comer e ao mesmo tempo se
recusa a comer, afirma uma frase e em seguida a utiliza na forma negativa. A am-
bivalência expressa a ausência de contradição própria ao inconsciente, no qual os
opostos se equivalem; o sim e o não são a mesma coisa” (QUINET, 2009, p. 76).

No DSM-V, a esquizofrenia é definida como um espectro que engloba dife-


rentes tipos de transtornos. Seguindo a definição dos sintomas dessa psicopato-
logia, podemos citar:

• Delírios: crenças ou ideias fixas, resistentes a mudanças mesmo diante


de evidências. São alterações do juízo da realidade.
• Delírios persecutórios: o indivíduo acredita que está sendo perseguido,
prejudicado ou assediado por alguém ou algo.
• Delírios de referência: crença de que gestos, comentários, alterações no
ambiente, entre outros, estão sendo direcionados à própria pessoa.
• Delírios de grandeza: o sujeito crê que possui habilidades extraordiná-
rias, como ser rico ou muito famoso.
• Delírios niilistas: convicção de que acontecerá uma grande catástrofe.
• Delírios somáticos: crença e preocupações de que há algo de errado
com a sua saúde (APA, 2014).

Alucinações são experiências relacionadas à percepção que o indivíduo tem


acerca de algo, sem que haja um estímulo externo ou mecanismo de controle. São
vívidas e claras para o sujeito, com força e impacto como se fosse uma percep-
ção real. Elas podem ocorrer por diferentes modalidades sensoriais de alterações
da sensopercepção, como a audição e a visão. Como exemplos de alucinações

70
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

auditivas e visuais, podemos citar, respectivamente, os sintomas de ouvir vozes


que não existem no mundo real e ver coisas que também são irreais. Entretanto,
são vivenciadas e sentidas de maneira real e verdadeira pelo indivíduo psicótico
(APA, 2014).

3.2 PARANOIA
Ainda no campo das psicoses, também temos outra expressão da psicopatolo-
gia: a paranoia. Enquanto na esquizofrenia há o desinvestimento na realidade, mar-
cado por alucinações, na paranoia, o que predomina são a projeção e os delírios.

Figura 3 – Representação da paranoia

Fonte: https://opas.org.br/paranoia-o-que-e-sintomas-e-tipos/. Acesso em: 5 mar. 2022.

A paranoia é caracterizada por delírios e alucinações ligados à perseguição,


como se o indivíduo vivesse em torno da certeza delirante de que ‘estão querendo
fazer mal a ele’. Ao se perder na sua própria obsessão, o sujeito paranoico também
pode se fixar na posição ativa de perseguir. É o imaginário proliferado, atrelado a
sensações de desespero e de desamparo primitivo.

Retomando o estádio do espelho, discutido no Capítulo 1, a paranoia seria a


imagem alienante do sujeito no espelho que é projetada no outro, diferentemente
da esquizofrenia, que forma uma imagem do corpo despedaçado, anterior à ima-
gem do espelho que passa pela constituição do Eu. Na paranoia, o olhar do outro
é tomado como uma invasão, dando-lhe a certeza de que sempre há alguém que
o olha. O que se evidencia nesse quadro é o centramento do sujeito, que é tomado
pelos olhares e pelas vozes do outro que o vigia, julga e persegue (QUINET, 2009).

71
Psicopatologia

Na paranoia também ocorre o recalque, mecanismo de defesa inconsciente


que vimos nos quadros da neurose. Todavia, as ideias recalcadas na paranoia re-
tornam para o sujeito como se viessem do mundo externo, sendo uma forma de
defesa pautada na projeção. Isso retorna para o sujeito sob a forma de sintomas
(GUERRA, 2020).

Em outras palavras, o mecanismo de defesa na paranoia passa pelo recalque,


ou seja, pela passagem da vivência traumática do consciente para o inconsciente,
como uma forma de “ignorar” ou “esquecer”. Entretanto, parte do conteúdo recalca-
do retorna para o Ego, que se utiliza de outro mecanismo de defesa: a projeção, ou
seja, o sujeito projeta no outro, para fora de si, tudo aquilo que ele não quer lidar;
sentimentos, emoções e lembranças que são insuportáveis para ele. Assim, são
produzidos sintomas que retornam ao Ego sob a forma de delírios, alucinações,
confusões mentais, desconfianças e perseguições.

No retorno do que foi recalcado, poderiam retornar apenas afe-


tos (alucinações auditivas) ou afeto junto às representações
(alucinação visual ou sensorial). Eles seriam distorcidos ao ser
substituídos por imagens análogas da atualidade, tornando-
-se indefinidas até se transformarem em ameaças [...]. Como
a crença é separada da autocensura primária, ela assume
o comando dos sintomas de compromisso, levando o ego a
tentar explicá-los através de delírios assimilatórios que modifi-
cam e subjugam o ego ao se integrarem a ele, remodelando-o
(GUERRA, 2020, p. 152).

No DSM-V, a paranoia está classificada como Transtorno da Personalidade


Paranoide, o qual é definido como “um padrão de desconfiança e de suspeita tama-
nhas que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas” (APA, 2014,
p. 645). Os critérios diagnósticos descritos na 5ª edição do Manual Diagnóstico in-
cluem os seguintes sintomas:

• Suspeita, sem embasamento ou justificativas plausíveis, de estar sendo


explorado, maltratado ou enganado por outros.
• Preocupação com dúvidas injustificadas acerca da lealdade ou da con-
fiabilidade das pessoas, sejam elas próximas ou não.
• Resistência em confiar nos outros pautada em um medo infundado de
que as informações serão usadas maldosamente contra ele próprio.
• Percepção de significados ocultos humilhantes ou ameaçadores em co-
mentários ou eventos nos quais está envolvido.
• Sentimento de rancores de forma persistente, ao ponto de não perdoar
qualquer tipo de insulto, injúrias, desprezo ou mal-entendidos.
• Percepção de ataques a seu caráter ou reputação que não são percebi-
dos ou compreendidos pelos outros, resultando em reações de raiva ou
de ataque.

72
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

• Apresenta suspeitas recorrentes e injustificadas acerca da fidelidade das


pessoas, inclusive em relacionamentos amorosos e conjugais (APA, 2014).

3.3 MELANCOLIA
A melancolia é o que conhecemos na atualidade como depressão. Nos dias de
hoje, a depressão se encontra universalizada, arrebatando sujeitos que se encon-
tram, conforme definido por Quinet (2009), tristes, desanimados, frustrados, apáticos,
desiludidos, impotentes, angustiados, entre outros. O autor nos coloca a seguinte
questão: onde estavam essas pessoas antes? Ou nós que não as percebíamos?

Segundo Quinet (2009), a depressão patológica emerge na mídia como o mal


do século, como um produto contemporâneo oriundo do neoliberalismo, da globali-
zação do capital e dos avanços dos psicofármacos, na direção da discussão que foi
realizada na terceira seção do Capítulo 1. O autor ainda ressalta uma contradição:
por um lado, parece haver uma generalização no sentido de que todos encontram-
-se deprimidos. Por outro, há um combate à depressão pelo fato de ela ir contra os
ideais de produtividade, de felicidade, de saúde e positividade que caracterizam a
sociedade hedonista, utilitarista e de consumo. Esses fatores relacionam-se a uma
falta de perspectiva social, à queda de ideais, ao desemprego, à competitividade,
entre outros aspectos que contribuem para o distanciamento dos sujeitos em rela-
ção aos seus desejos e ideais.

Vivemos sob o domínio do discurso capitalista, em que os ho-


mens não se cercam mais de outros homens e sim de objetos
produzidos pela tecnologia; suas relações sociais não estão
centradas nos laços com outros homens, mas na recepção e
manipulação de mercadorias e mensagens. Essa deterioração
dos laços sociais e o empuxo ao prazer solitário, realizando a
economia do desejo do Outro, estimulam a ilusão da completu-
de não mais com um par, porém com um parceiro conectável e
desconectável ao alcance das mãos. O resultado não pode ser
senão a decepção, a tristeza, o tédio e a nostalgia do Um em
vão prometido (QUINET, 2009, p. 170).

A tristeza melancólica é compreendida pela perspectiva lacaniana como a dor


de existir, sendo uma posição que se opõe ao desejo. Contudo, a melancolia é uma
forma clínica da tristeza, que se diferencia do luto e do estado depressivo da neu-
rose. Nessa diferenciação, Freud esclarecia que os psicóticos têm a particularidade
de revelar tudo aquilo que o neurótico se esforça em manter em segredo. O me-
lancólico dá voz à dor de existir, a qual é evitada na neurose, pois, no primeiro, o
inconsciente está “a céu aberto”. Na clínica, o que se encontra normalmente são
estados depressivos neuróticos decorrentes de algum momento da história de vida
do sujeito (QUINET, 2009).

73
Psicopatologia

Freud (1969) diferencia o luto da melancolia. Em ambos, o sentimento é de ter


perdido algo, porém, na melancolia, não se tem um objeto identificado, não se sabe
o que perdeu. De modo geral, o luto é caracterizado por uma reação à perda de um
objeto, seja ele um ente querido, um emprego ou algo que ocupe um lugar significa-
tivo na vida do sujeito. Ainda que o luto envolva afastamentos da pessoa em relação
à vida e, portanto, atitudes não consideradas dentro da normalidade, é de forma
temporária, sendo superado após certo período de tempo.

Já a melancolia se caracteriza por um desânimo profundo, falta de interesse


pelo mundo externo, inibição de toda e qualquer atividade, baixa autoestima e dis-
posição para se relacionar, estabelecimento de uma relação punitiva consigo mes-
mo. Apesar de esses sintomas serem encontrados no luto, a melancolia se apre-
senta como um quadro constitutivo do sujeito. Ela é concebida como um “furo no
psiquismo”, como podemos compreender a partir do trecho a seguir.

O que provoca a dor psíquica? A primeira resposta de Freud,


em sua correspondência com Fliess, a dor é produzida pela
dissolução das associações na cadeia dos pensamentos in-
conscientes, como ocorre na melancolia, em que há um “furo
no psiquismo”. Essa quebra da cadeia de significantes é con-
comitante a uma “hemorragia” de libido. Por outro lado, “a dor
corresponde a um fracasso do aparelho psíquico”, quando ele
deixa de ser eficiente e grandes quantidades de energia irrom-
pem. Quando a dor entra não há nada mais que possa detê-la.
O aparelho psíquico deve, portanto, fazer tudo para evitar sua
entrada. A dor é uma manifestação do fracasso do aparelho
psíquico (QUINET, 2009, p. 172).

No luto, há a dor decorrente da perda do objeto amado que não existe mais.
A saída desse estado consiste no processo de redirecionamento da libido investida
nas ligações com o objeto perdido para novos objetos. Quando o processo de luto
se encerra, o ego fica livre novamente para estabelecer novos vínculos. Todavia, o
luto pode se tornar patológico e passar para um quadro de melancolia se a pessoa
enlutada ficar fixada na perda do objeto perdido, opondo-se à ligação libidinal a ou-
tros objetos. O apego ao objeto perdido pode ser tão intenso a ponto de dar lugar a
um desvio da realidade, característico da melancolia (FREUD, 1969).

Desse modo, a melancolia é uma forma de esvaziamento da libido, dos dese-


jos do sujeito, a partir de uma dor psíquica relacionada ao rompimento da capaci-
dade de suportar e de simbolizar. Se nas neuroses a castração inscreve uma falta,
na melancolia, ela remete a uma perda de um narcisismo primário que não é mais
alcançável. É a dor de existir vinculada à ausência de si mesmo, ao vazio do sujeito,
à falta de ser, ficando à mercê da pulsão de morte (QUINET, 2009).

Quinet (2009, p. 175) ainda menciona o conceito lacaniano de masoquismo


primordial para caracterizar o quadro melancólico, que acontece quando “a vida é

74
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

desapossada de sua fala. É aquilo que na vida não quer sarar, é o que na vida só
quer morrer, silenciar, calar”. É compreendida como psicose pelo lugar que se
localiza fora do simbólico, em que só há o impossível de ser suportado que dá
lugar à dor de existir. Nessa psicopatologia, a morte configura-se como o lugar
da ausência da fala, da inexistência do sujeito e do seu desejo, fora da realidade
apresentada, como o mundo das trevas, da morte, do apagamento do desejo.
Dessa forma, ecoa-se no sujeito o afeto depressivo de que ‘nunca deveria ter nas-
cido’ (QUINET, 2009).

Outro aspecto da melancolia é a culpa. Quinet (2009) esclarece que a dor de


existir e da falta estruturante faz com que o sujeito não consiga lidar com as perdas
naturais que tem ao longo da vida. Por isso, ele manifesta a falta pela via da culpa.
Ao ceder ao seu desejo, advém para ele a culpa por não conseguir se adequar.
Além de tomar para si a culpa da falta, da completa insatisfação, da não adequa-
ção, da sua impotência, o sujeito também culpa outras duas instâncias: a socieda-
de, por não colocar a sua disposição objetos adequados ao seu desejo, e o outro,
por não dar o que ele quer.

Como já dito na introdução da psicose, essa estrutura localiza-se no conflito


entre o Ego e o Superego, o Eu e o mundo exterior. O sentimento de impotência,
do qual se culpa, está relacionado ao não dar conta. Entretanto, Quinet (2009) res-
salta que, na verdade, o que está em jogo é o não prestar contas em relação ao
ideal compreendido pela instância psíquica do Superego, sendo que a idealização
pode ser impossível de realização. O sujeito pode crer, por exemplo, que ele deve
ou pode fazer algo para mudar determinada situação que está para além das suas
possibilidades. Ele não só não consegue, como não pode, pois não se trata dele.

Na melancolia, pode ocorrer a manifestação da mania, porém, Freud não uti-


liza a categoria de bipolaridade, como conhecemos hoje. Tal descrição nosológica
se encontra no DSM-V, sob a forma de Transtorno de Bipolaridade. Na 4ª edição do
Manual Diagnóstico, o Transtorno Bipolar era enquadrado no mesmo capítulo dos
Transtornos Depressivos. Entretanto, na versão atual, DSM-V, essas duas catego-
rias foram separadas em capítulos diferentes.

Cabe ressaltar que os Transtornos Depressivos do DSM-V não condizem com


o quadro de melancolia existente na estrutura psicótica da teoria psicanalítica, sen-
do mais voltados para quadros depressivos neuróticos. Nessa edição do manual, os
transtornos depressivos incluem as seguintes especificações: transtorno disruptivo
da desregulação do humor, transtorno depressivo maior, transtorno depressivo per-
sistente (distimia), transtorno disfórico pré-menstrual, transtorno depressivo induzi-
do por substância/medicamento, além dos não especificados. Como aspecto co-
mum, tais classificações apresentam os sintomas de “humor triste, vazio ou irritável,
acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente

75
Psicopatologia

a capacidade de funcionamento do indivíduo” (APA, 2014, p. 155). O que os difere


são a duração, o momento ou as causas presumidas (APA, 2014).

No que tange ao Transtorno Depressivo Maior, considerado como o quadro


clássico de depressão, ele é caracterizado pelos seguintes sintomas:

• Humor deprimido na maior parte do tempo. O indivíduo sente-se triste,


vazio, sem esperança. Em crianças e adolescentes, o humor pode ser
irritável.
• Redução acentuada do interesse ou prazer em todas ou quase todas as
atividades.
• Ganho significativo de peso ou perda sem estar fazendo dieta.
• Insônia ou hipersonia.
• Agitação ou retardo psicomotor.
• Fadiga ou perda de energia.
• Sentimentos de inutilidade, culpa excessiva ou inapropriada.
• Redução da concentração, do pensamento e da tomada de decisões.
• Pensamentos recorrentes de morte e/ou ideação suicida recorrente
(APA, 2014).

Quanto ao Transtorno Bipolar, constam no DSM-V as possibilidades de caracte-


rísticas psicóticas. Dentre as diferentes modalidades diagnósticas desse tipo de trans-
torno, podemos citar: o transtorno bipolar tipo I e tipo II e o transtorno ciclotímico, além
daqueles induzidos por substâncias/medicamentos e os não especificados. No geral,
o Transtorno Bipolar é caracterizado pela existência de quadros maníaco-depressi-
vos, de modo que o sujeito oscila entre estados de mania e de depressão.

A mania é compreendida como uma alteração de humor caracterizada pela eu-


foria, aumento da energia e da atividade. Nesse sentido, o episódio maníaco pode
abarcar os seguintes sintomas, conforme o DSM-V (APA, 2014):

• Autoestima inflada ou sentimento de grandiosidade.


• Redução da necessidade de sono.
• Fala excessiva.
• Fuga de ideias e pensamentos acelerados.
• Distratibilidade (facilmente distraído por estímulos externos).
• Aumento da atividade psíquica e agitação psicomotora.
• Envolvimento excessivo em atividades, como surtos desenfreados de
compras.

Fechamos aqui mais uma estrutura clínica. Vamos praticar um pouco do que
aprendemos?

76
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

1 Acerca da estrutura da psicose, seus quadros clínicos, mecanis-


mos e sintomas, ligue os pares que estão relacionados entre si
em termos de conceitos.

Caracterizada eminentemente por


Melancolia delírios, em que um outro persegue,
julga e aponta o sujeito.
Apresenta como mecanismo de
Paranoia defesa a foraclusão, negação frente à
castração.
O sujeito se vê como cindido,
despedaçado, cujos sintomas
Esquizofrenia
principais relacionam-se à ocorrência
de delírios e alucinações.
Representa a dor de existir, o
Estrutura da psicose apagamento do desejo e a falta de
ligações libidinais.

4 PERVERSÃO
Historicamente, a perversão foi compreendida como sinônimo de desvio sexu-
al e moral, ligada à ideia de um ser desumano, antissocial e psicopata com hábitos
e condutas sexuais considerados inadequados, sendo ainda associada ao crime e
à degeneração moral do indivíduo (SANTOS; CAMPOS, 2017).

Na passagem pelo complexo de Édipo e, diante da castração, o mecanismo


psíquico de defesa adotado pelo perverso é a recusa. Apesar de reconhecer, não
há o reconhecimento do representante da lei, cuja estratégia de defesa formativa
também é conhecida como desmentido. O sujeito não aceita a castração e, por con-
seguinte, não há a integração psíquica da castração e, portanto, falta a aceitação da
lei simbólica e moral da falta. Esse posicionamento produz uma cisão do ego que se
baseia na onipotência (FERRAZ, 2010).

Assim, o sujeito perverso, ao ter seu jogo interditado pelo representante pater-
no, reage com o desafio e a transgressão, manipulando a realidade, sempre que
percebe que a satisfação do seu desejo está ameaçada ou é inalcançável. Por isso,
tenta fazer com que a realidade, as pessoas e as relações se submetam ao seu
próprio prazer.

Nessa direção, uma característica da perversão é, portanto, a capacidade de


manter ao mesmo tempo dois julgamentos contrários, sem negá-los. É como se o

77
Psicopatologia

perverso dissesse: “eu sei, mas mesmo sabendo, eu ajo como se não soubesse”
(FAVARETTO et al., 2018, p. 198). Diante da castração, a criança, ainda que reco-
nheça o “perigo”, o desmente, convencendo-se de que não há o que temer.

Na falta do reconhecimento da lei e do limite, predomina a transgressão. Des-


se modo, a fantasia que move o sujeito perverso é a de que ele detém e sabe tudo
sobre o gozo dele e do outro. Assume-se uma posição de detenção de todo o saber
e poder, especialmente no campo sexual, como uma forma de triunfo sobre a reali-
dade (FERRAZ, 2010; SANTOS; CAMPOS, 2017).

Assim, o perverso tende a não obedecer às leis e aos limites. A transgressão,


ora mencionada, indica a quebra de regras, já que ele vive para gozar a qualquer
custo. Para tanto, utiliza-se de mentiras, de manipulações, de distorções da realida-
de, de dissimulações, do domínio e da sedução, sem que haja o reconhecimento do
outro. O que importa para o perverso é o seu próprio prazer, suas próprias necessi-
dades, independentemente das consequências. Por isso, vive o gozo como algo ex-
traordinário. Nesse sentido, a figura do outro é distorcida, reduzida a um objeto de
gozo que poderá servir para tornar-se cúmplice ou alvo de seu desafio. O perverso
almeja o gozo absoluto (CECCON; FERRANTE, 2019).

Assim como na neurose e na psicose, na perversão também há um modo de


relação específico com o corpo. Considerando as experiências clínicas de Ferraz
(2010), o mecanismo de cisão do Ego também se manifesta no corpo, resultando
em uma espécie de divisão. Por um lado, vive-se no “corpo do prazer”, visto como
onipotente e resistente às necessidades biológicas, como o sono.

Nesse sentido, não pode demonstrar fraqueza ou cansaço. Por outro lado, sur-
ge o “corpo real”, o qual falha, adoece e pode vir a falecer. É nesse momento que o
corpo padece, que o perverso pode ser apreendido por uma angústia relacionada a
um vazio psíquico e que ameaça a um possível desmoronamento dos limites identi-
tários. São nesses momentos que o sujeito perverso pode vir a procurar ajuda, não
pelos seus sintomas, que são sentidos como extremamente prazerosos, mas pelo
medo de uma “queda” identitária (FERRAZ, 2010).

Além disso, a cisão do Eu realizada pela criança pode ser compreendida não
como uma separação entre o Eu e a realidade, como vimos na psicose, mas uma
cisão consciente no próprio Ego (FAVARETTO et al., 2018). É como se fosse uma
dualidade entre o ‘eu sei, mas não aceito e vou fazer de outro modo’.

A formação perversa, como pode se depreender de tudo o que


tratamos até aqui, assenta-se, de fato, sobre a produção do
gozo de modo excessivo. Ocorre, entretanto, que ela apresen-
ta também efeitos colaterais indesejáveis: o uso do mecanismo
da recusa e a consequente dissociação do ego vão, cada vez

78
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

mais, conduzindo o indivíduo a um estado de vazio psíquico, a


uma falta de relacionamentos afetivos genuínos e, valendo-me
do vocabulário comum, a uma solidão e a uma infelicidade ca-
pazes de tornarem-se perturbadoras (FERRAZ, 2010, p. 124).

De maneira complementar, o DSM-V indica alguns sintomas para o diagnóstico


da perversão, sendo que esta pode ser classificada como Transtorno da Persona-
lidade Antissocial, definida como um padrão de desrespeito e violação dos direitos
dos outros. Esse padrão também já foi referido, em versões anteriores, como psi-
copatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial, visto que falsidade e
manipulação são aspectos centrais do transtorno (APA, 2014). Ainda segundo este
Manual, elencamos os principais sintomas:

• Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos


legais.
• Tendência à falsidade, mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou de
trapaça para ganho ou prazer pessoal.
• Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
• Irritabilidade e agressividade.
• Descaso pela segurança de si ou de outros.
• Irresponsabilidade reiterada.
• Ausência de remorso, indiferença ou racionalização (APA, 2014).

Tendo isso em vista, a não sujeição do perverso às normas e leis que preva-
lecem, por exemplo, na neurose, põe em prática todas as suas fantasias, as quais
são utilizadas não só como forma de excitação, mas como o elemento central da
vida sexual (FERRAZ, 2010).

Assim, para além das perversões consideradas como sociais, tal qual a psico-
patia, ora apresentada, e de cunho sexual, como é o caso do fetichismo, do sadoma-
soquismo e da pedofilia, o perverso pode usar sua manipulação tanto em situações
sexuais quanto sociais, as quais podem se cruzar. O sujeito perverso apresenta um
apego excessivo a determinado modo de obter prazer, de forma restrita, compulsiva
e compulsória, que funciona como uma proteção contra as suas angústias e da sua
própria identidade (FERRAZ, 2010).

Nas seções seguintes, adentraremos ao campo das perversões sexuais, tam-


bém conhecidas como parafilias, começando pelo fetichismo.

4.1 FETICHISMO E PEDOFILIA


O fetichismo, termo conhecido no senso comum, é um quadro psicopatológi-
co com características específicas, diferente daquilo que entendemos normalmente

79
Psicopatologia

como um fetiche ou alguma espécie de desejo sexual fantasioso ou fora da “rotina”.


Em geral, nas perversões sexuais, o outro e o seu corpo são vistos como objetos.

Na estruturação perversa, a recusa da castração produz uma cisão do Ego


que permite uma postura de transgressão da lei simbólica e moral, tendo como um
dos mecanismos de formação do objeto o fetiche (SANTOS; CAMPOS, 2017).

Dentre as principais características do fetiche, podemos elencar:

• Fixação e dependência da pessoa em relação ao objeto-fetiche, que se


torna um refém de uma fantasia sexual, já que a excitação depende ex-
clusivamente da presença do objeto e do culto a ele.
• Idealização do objeto-fetiche como sendo a única fonte de prazer capaz
de atrair o sujeito.
• Relação específica que se estabelece com o par amoroso, o qual acaba
ocupando um lugar de suporte das fantasias sexuais envolvendo o objeto.
• Perversão como crime que deve ser punido (FAVARETTO et al., 2018).

Além disso, vale retomar a cisão do próprio Eu, como mencionado na seção
anterior. O fetichista reconhece a castração e seus desdobramentos, como a norma
social, mas propõe um substituto para ela, o qual variará a depender da subjetivi-
dade e história de cada sujeito. Conforme ressaltado por Favaretto et al. (2018), o
fetichismo é um suposto destino não esperado da pulsão, ainda que Freud tenha
afirmado que ela possa ter variadas direções. Desse modo, há um processo de
recusa, substituição e fixação em um determinado objeto de prazer, sendo que, na
sua ausência, o sujeito não consegue agir de outro modo.

Favaretto et al. (2018) ainda descrevem um esquema pautado em uma rede


de conceitos interconectados para compreender o fetichismo.

80
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

Figura 4 – Rede de significados do fetichismo

Fonte: Favaretto et al. (2018, p. 202)

No DSM-V, o referido quadro patológico aparece no capítulo de Transtornos


Parafílicos, classificado como Transtorno Fetichista, cuja definição é a utilização de
objetos inanimados (ex.: roupas íntimas ou sapatos) ou foco exclusivo em partes
não genitais do corpo (pés e mãos), para o alcance de prazer sexual. Além disso,
vale destacar que tais sintomas e fantasias, em um quadro psicopatológico, causam
prejuízos significativos no funcionamento social, profissional, familiar ou em outras
áreas importantes da vida do indivíduo (APA, 2014).

Outro quadro psicopatológico que é associado à dinâmica de gozo do fetiche é


a pedofilia, cujo único objeto de gozo e satisfação sexual para o perverso é a crian-
ça. Para além de uma psicopatologia, é um crime definido pela prática sexualizada
que envolve um adulto e uma criança. Este pode ser, inclusive, alguém da própria
família, evidenciando que, na perversão, o que prevalece é o seu gozo, o seu Ego e
a sua satisfação, mesmo que transgrida as leis jurídicas e sociais (SANTOS; SCA-
PIN, 2015).

Na quinta edição do Manual Diagnóstico, o chamado Transtorno Pedofílico re-


fere-se a fantasias, impulsos e comportamentos sexuais considerados excitantes
envolvendo crianças ou pré-adolescentes (APA, 2014).

81
Psicopatologia

Em seguida, abordaremos uma outra categoria da estrutura da perversão: o


sadomasoquismo.

4.2 SADOMASOQUISMO
Nas parafilias, tidas como as perversões sexuais, o outro e o seu corpo são
tomados como um objeto de gozo, como podemos perceber no fetichismo. Neste,
um objeto ou parte do corpo entra como substituto do vazio deixado pela recusa
da castração. No sadomasoquismo, o que aparece como a supressão da falta é a
relação dos corpos com o poder e a dor. O termo sadomasoquismo é utilizado para
referir-se à relação entre o sadismo e o masoquismo.

O termo “sadismo” se originou do aristocrata francês Marquês de Sade, autor


de obras que abordavam o prazer de forma perversa, no sentido de defender a re-
cusa e o desafio da lei para a obtenção de satisfação. Em uma das suas obras lite-
rárias, afirmou a contagem da história mais impura do mundo, na qual ele descrevia
tabus e crimes sexuais (CECCON; FERRANTE; 2019).

Curiosidades sobre o Marquês de Sade em:


https://www.aliancafrancesa.com.br/novidades/curiosidades-so-
bre-o-marques-de-sade/.

Em síntese, o sadismo refere-se à obtenção de prazer com o sofrimento alheio,


cujos corpos são objetos de luxúria. O outro é colocado como objeto à disposição
da pessoa sádica, fazendo com que a outra pessoa fique submissa a sua vontade
(CECCON; FERRANTE; 2019).

No DSM-V, o sadismo é classificado como Transtorno do Sadismo Sexual, de-


finido como “excitação sexual recorrente e intensa resultante de sofrimento físico
ou psicológico de outra pessoa, conforme manifestado por fantasias, impulsos ou
comportamentos” (APA, 2014, p. 696). Essas fantasias causam sofrimento ao fun-
cionamento do sujeito, atingindo áreas significativas da vida, como a área profissio-
nal e social.

De maneira associada, o masoquismo aparece como o polo passivo do sadis-


mo, já que o sádico necessita de um outro para ser seu objeto de exercício de poder
e geração de dor e sofrimento.

82
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

O masoquismo é caracterizado pelo prazer em receber práticas que envolvem


dor, dominação, humilhação e servidão. Na direção do que é descrito no DSM-V
como Transtorno do Masoquismo Sexual, a excitação sexual do sujeito masoquis-
ta decorre do ato intenso de ser humilhado e passar por algum tipo de sofrimen-
to, como ser espancado e amarrado (APA, 2014). Tais práticas e fantasias sexuais
causam prejuízos a sua vida social, profissional e familiar.

1 Considerando as estruturas clínicas em psicanálise, classifique V


para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A perversão relaciona-se com a neurose em termos de posicio-


namento diante da castração e da lei. Enquanto na neurose ob-
sessiva, por exemplo, o sujeito adia o prazer, o perverso vive para
gozar.
( ) A melancolia, difundida na sociedade sob a classificação da de-
pressão, é um quadro típico da neurose.
( ) Delírios e alucinações são sintomas exclusivos da estrutura psi-
cótica, não sendo possível serem encontrados em outros quadros
psicopatológicos.
( ) A transgressão das leis e dos limites sociais é um sintoma dos
quadros psicopatológicos da perversão.
( ) O perverso reconhece a castração, a lei e o limite representados
pela figura paterna. Entretanto, apesar de saber, o sujeito se utili-
za do mecanismo de defesa da recusa.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) F – V – V – F – V.
b) V – F – F – V – V.
c) V – F – V – F – F.
d) F – V – F – V – V.

Finalizamos aqui a abordagem das estruturas clínicas da psicanálise no cam-


po da psicopatologia, em termos de origem, processos de subjetivação, definições
e sintomas. No próximo capítulo, aprofundaremo-nos na questão do diagnóstico de
maneira associada a discussões contemporâneas.

83
Psicopatologia

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
No presente capítulo, buscamos compreender e caracterizar as estruturas clí-
nicas e seus quadros psicopatológicos a partir da visão psicanalítica, em diálogo
com as classificações existentes na atual edição do Manual Diagnóstico e Estatísti-
co de Transtornos Mentais (DSM-V), em termos de sinais e sintomas.

O desenvolvimento da nossa constituição subjetiva se dá a partir do proces-


so de identificações, denominado complexo de Édipo, cuja reação da criança fren-
te à castração, ou seja, à lei social, ao rompimento do narcisismo primário e à di-
ferença entre os sexos, direcionará os modos de estruturação psíquica: neurose,
psicose ou perversão.

Como forma de organização e representação do psiquismo, utilizamos a metá-


fora do iceberg para compreender o Eu/Ego enquanto instância psíquica mediadora
das pulsões e impulsos primitivos (Id) e da apreensão de valores e normas socio-
culturais. Essa dinâmica é carregada de conflitos, sendo que as saídas encontradas
pelo sujeito para lidar com isso podem desencadear quadros psicopatológicos.

No quadro a seguir, consta uma síntese das discussões realizadas acerca das
principais psicopatologias no âmbito das estruturas clínicas e respectivos modos de
funcionamento, mecanismos de defesa e sintomas.

Quadro 1 – Síntese das estruturas clínicas e principais quadros psicopatológicos

Neurose Psicose Perversão


Cisão no Ego e recusa
Conflito psíquico Ego e Id Ego e Superego
da realidade
Mecanismo de defesa Recalque
Negação/Foraclusão Recusa/Desmentido
frente à castração “Esquecimento”
Certeza delirante,
Lógica de Transgressão, mentira,
Dever, culpa ruptura com a
funcionamento falta de limite
realidade
Fetichismo

• Fixação,
Esquizofrenia idealização e
Histeria dependência em
• Sujeito cindido. relação ao objeto-
Principais quadros • Insatisfação. • Confusão mental. fetiche.
psicopatológicos e • Dúvida. • Delírios e • O outro como
sintomas • Teatralidade/exagero. alucinações. objeto de gozo.
• Conversão para o • Embotamento • Não obtenção de
corpo. afetivo. prazer na ausência do
• Ambivalência. objeto.
• Prejuízos na vida
social, profissional e
familiar.

84
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

Neurose Obsessiva
Paranoia Pedofilia
• Pensamentos
e comportamentos • Projeção. • Crianças como
obsessivos e • Delírios. objeto de gozo.
intrusivos. • Mania de • Crime.
• Dúvida. perseguição. • Fixação em
• Dever, culpa e • Suspeitas. crianças.
punição.
Fobia e Pânico Sadomasoquismo
Melancolia
• Fobia como medo • Sadismo e
• Dor de existir.
exacerbado. masoquismo (atividade
• Fixação em um
• Pânico como e passividade).
objeto perdido, não
experiência extrema • Relações de poder.
identificado.
de angústia e • Sadismo – prazer
• Apagamento do
desamparo. com a dor e o
desejo.
• Medo de morrer. sofrimento do outro.
• Culpa e punição.
• Sintomas cognitivos • Masoquismo –
• Associada à
e corporais, como prazer com a própria
depressão e ao
taquicardia, sudorese, dor, sofrimento,
transtorno bipolar.
palpitações etc. humilhação, servidão.

Fonte: a autora

Apesar das descrições em termos de sintomas e diagnósticos característicos


das estruturas clínicas apresentadas, cabe mencionar que elas são critérios utili-
zados para compreender o sujeito, seu mecanismo de funcionamento e a melhor
forma de tratamento, bem como de facilitar a comunicação entre os profissionais da
saúde, sem tentar reduzir o sujeito às classificações gerais. É importante compre-
ender a maneira como o sujeito se relaciona com o outro e, além disso, como ele se
posiciona frente ao seu desejo, sendo este compreendido como a força de existir de
cada um, como a forma que lidamos com a falta e, por conseguinte, como o sofri-
mento inerente ao ser humano.

Cabe ressaltar também que, ainda que as estruturas psíquicas em psicanálise


sejam abordadas em termos dos estudos que as originaram, todas as compreen-
sões relativas a elas são carregadas de concepções, crenças e valores da época.
Por isso, destaca-se a relevância de olhar para os sintomas e as formas de sofri-
mento subjetivo para além da experiência individual e particular do sujeito.

No próximo capítulo, abordaremos as categorias psicopatológicas em termos


de diagnóstico e da sua relevância no campo da psicopatologia. Veremos, ainda,
outros quadros clínicos presentes na contemporaneidade, levando em considera-
ção o contexto social, político e econômico, bem como a conjuntura vivida na pan-
demia de Covid-19.

Te esperamos lá!

85
Psicopatologia

REFERÊNCIAS
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86
Capítulo 2 APSICOPATOLOGIASOBUMOLHARPSICANALÍTICO:DIÁLOGOCOMASESTRUTURASPSÍQUICAS

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Psicopatologia Lacaniana. Nosologia. V. 2. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

87
Psicopatologia

88
C APÍTULO 3
DIAGNÓSTICO E ESTRATÉGIAS
DE CUIDADO NO CAMPO DA
PSICOPATOLOGIA: LIMITES E NOVAS
PERSPECTIVAS

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conhecer os manuais classificatórios de transtornos mentais (DSM e CID) e os


critérios diagnósticos dos principais transtornos mentais.

 Apreender os aspectos gerais envolvidos na realização do diagnóstico.

 Compreender os serviços e as estratégias de cuidado em saúde mental, consi-


derando o modelo psicossocial.

 Conhecer o papel da arteterapia.

 Refletir sobre os impactos da pandemia da Covid-19 e do uso da tecnologia.


Psicopatologia

90
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O presente capítulo tem como temas norteadores o diagnóstico e o cuidado
em saúde mental, incluindo a arteterapia e as discussões mais recentes na área,
como os impactos decorrentes da pandemia da Covid-19.

Na primeira seção do presente capítulo, abordaremos as classificações e o


diagnóstico dos transtornos mentais. Nesse sentido, discutiremos os aspectos e as
diretrizes inerentes ao processo de avaliação diagnóstica e os principais instrumen-
tos utilizados, considerando as potencialidades e os limites dessa prática. Tendo
como critérios norteadores os manuais diagnósticos utilizados no campo da psico-
patologia, como o DSM, conheceremos os principais transtornos que têm afetado a
população em geral: os de personalidade, os de ansiedade e os alimentares.

Na segunda seção, o foco recairá sobre as estratégias de cuidado no campo


da psicopatologia, pensadas no modelo psicossocial instituído a partir da Reforma
Psiquiátrica Brasileira. Falaremos sobre a Política Nacional de Saúde Mental, os
serviços substitutivos, a clínica ampliada e as intervenções terapêuticas comple-
mentares, tendo como foco a arteterapia. Por meio de exemplos práticos, busca-se
compreender de que forma os recursos da arteterapia podem ser utilizados como
estratégias terapêuticas de cuidado e seus desdobramentos.

Por fim, realizaremos um panorama sobre as novas tendências em saúde


mental, especialmente em relação aos impactos decorrentes da pandemia da Co-
vid-19, as novas tendências em psicopatologia e o papel da tecnologia no cotidiano
e na saúde mental.

Vamos para mais uma etapa de muito aprendizado?

2 CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO
DOS TRANSTORNOS MENTAIS
No início deste terceiro capítulo, retomaremos a discussão acerca do diagnós-
tico em psicopatologia e as concepções que perpassam essa temática, de modo
associado aos preceitos gerais para a avaliação e a classificação de outros trans-
tornos mentais para além do escopo das estruturas psicanalíticas abordadas no
capítulo anterior.

Como introduzido no Capítulo 1, o diagnóstico no campo da saúde mental en-


volve questões que estão em constante discussão, relacionadas aos valores e aos

91
Psicopatologia

limites dessa prática, sendo identificadas duas posições extremas que ainda per-
meiam diferentes concepções em torno dessa temática. Uma delas afirma que
o diagnóstico em saúde mental não possui valor, já que cada pessoa apresenta
uma realidade e subjetividade únicas, não passíveis de classificação.

Nessa perspectiva, o diagnóstico é concebido apenas como uma forma de


rotular pessoas diferentes e de legitimar o poder médico e o controle social sobre
os indivíduos que se encontram, muitas vezes, à margem da sociedade por não
conseguirem se adaptar a ela. De modo contrário, a segunda posição defende o
valor e o lugar do diagnóstico, o qual é considerado o elemento principal e mais
importante da prática em saúde mental, significativamente associado à medicali-
zação das psicopatologias em detrimento de outras formas de tratamento (DAL-
GALARRONDO, 2019).

Todavia, a complexidade da ciência psicopatológica e do próprio processo


diagnóstico não converge com visões simplistas e reducionistas sobre o tema em
questão. Desse modo, corroboramos com a visão de Dalgalarrondo (2019) no sen-
tido de que esses posicionamentos extremos não bastam por si mesmos. A discus-
são acerca do diagnóstico não deve ser reduzida ao julgamento de certo ou errado,
bom ou ruim, sendo necessário adotar uma postura mais crítica e aprofundada.

Nessa direção, acreditamos que é imprescindível reconhecer os aspectos


singulares de cada sujeito, de maneira alinhada a um diagnóstico psicopatológico,
para que se possa compreender adequadamente o indivíduo e o seu sofrimento,
bem como adotar o tipo de estratégia de tratamento mais apropriado. Desse modo,
o diagnóstico é válido quando concebido para além da rotulação do paciente.

A legitimidade do diagnóstico psiquiátrico sustenta-se na pers-


pectiva de aprofundar o conhecimento, tanto do indivíduo em
particular como das entidades nosológicas utilizadas. Isso
permite o avanço da ciência, a antevisão de um prognóstico
e o estabelecimento de ações terapêuticas e preventivas mais
eficazes. Além disso, o diagnóstico possibilita a comunicação
mais precisa entre profissionais e pesquisadores. Sem ele,
haveria apenas a descrição de aspectos unicamente individu-
ais, que, embora de interesse humano, são ainda insuficientes
para o desenvolvimento científico da psicopatologia (DALGA-
LARRONDO, 2019, p. 82).

Ao encontro do que é defendido por Dalgalarrondo (2019), percebemos a re-


levância do diagnóstico no sentido de constituir um arcabouço teórico que possa
nomear, descrever e dar sentido à experiência de determinados grupos de indiví-
duos, além de contribuir para o avanço e a comunicação no meio científico.

No nível mais individual, é importante perceber o modo como o sujeito lida


com o seu diagnóstico, se é direcionado a uma postura reducionista ou eman-
92
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

cipatória, a depender de como a descoberta de um transtorno é compreendida


pela pessoa. Por um lado, isso pode assumir uma dimensão taxativa que limita ou
reduz potencialidades e objetivos de vida. Por outro, ter conhecimento de uma pa-
tologia pode dar sentido à experiência vivida que, por mais que possa apresentar
limitações ao sujeito, não o aprisiona e pode levá-lo a redescobrir caminhos.

É importante mencionar que essas duas formas de lidar com o diagnóstico


não são excludentes entre si, tendo em vista a complexidade da experiência sub-
jetiva. Além disso, é importante citar que a maneira como o profissional de saú-
de expõe determinada condição para o paciente é um ponto fundamental para o
modo como isso pode afetar o sujeito.

Nesse sentido, podemos afirmar que o diagnóstico no campo da psicopato-


logia permite a compreensão das necessidades do sujeito para que seja possível
pensar medidas de prevenção e de tratamento que podem corroborar com a sua
qualidade de vida.

Compreender o comportamento humano passa por apreender os fatores de


vulnerabilidade, o estilo de vida e o modo de des(adaptação) social. Assim, o pro-
cesso diagnóstico permite identificar a presença de transtornos mentais e também
de traços não adaptativos a fim de realizar a intervenção terapêutica adequada.
O traço diz respeito ao modo de perceber, de pensar e de se relacionar com o
ambiente. Quando esses traços são considerados inflexíveis e mal adaptativos,
causando prejuízo funcional ou sofrimento psíquico para o sujeito, eles podem se
configurar como transtorno mental (SERAFIM; ROCCA, 2020).

Como aspectos essenciais para analisar e realizar o diagnóstico em saúde


mental, podemos elencar:

● Dados clínicos: análise de exames laboratoriais, de imagem, tomografia,


ressonância, entre outros.
● História clínica: avaliação do histórico de alterações percebidas ao longo
da vida do sujeito.
● Exame do estado mental: avaliação de funções cognitivas.
● Observação do percurso do transtorno.
● Características físicas.
● Testes psicológicos.
● Uso de medicações que podem alterar o estado mental (DALGALAR-
RONDO, 2019).

Nessa direção, a avaliação diagnóstica deve englobar múltiplos fatores, como


biológicos, psicológicos, socioculturais, profissionais e familiares, os quais atuam
em conjunto na manutenção da saúde mental ou na vulnerabilidade aos transtor-

93
Psicopatologia

nos mentais. Dessa maneira, é preciso compreender como a pessoa se sente,


pensa e interage com os outros e com o mundo. Assim, é possível avaliar não
só a presença de uma psicopatologia, como também estabelecer um diagnóstico
diferencial, compreender a dinâmica do sujeito, realizar a intervenção terapêutica,
avaliar fatores de risco e estratégias de enfrentamento, bem como realizar prog-
nósticos (SERAFIM; ROCCA, 2020).

No que tange aos instrumentos, a avaliação psicopatológica é realizada prin-


cipalmente por meio de entrevista, associada à observação atenta do indivíduo,
a fim de obter informações sobre a vida do sujeito e sua dinâmica afetiva, visan-
do ao estabelecimento da estratégia de cuidado mais apropriada. Nesse tipo de
instrumento avaliativo, é essencial realizar o levantamento dos seguintes pontos
(DALGALARRONDO, 2019):

● Anamnese: histórico de vida do sujeito associado aos sinais e aos sinto-


mas que ele apresenta ao longo da vida, antecedentes pessoais e fami-
liares, bem como informações sobre o seu contexto social.
● Exame psíquico: avaliação do estado mental atual do sujeito.
● Avaliação física: avaliação da saúde física do paciente, como diabetes,
hipertensão e dependência química.
● Avaliação neurológica: identifica possível lesão ou disfunção no sistema
nervoso central e/ou periférico.
● Avaliação psicológica ou psicodiagnóstico: realizados por meio de testes
psicológicos.

Ainda no que se refere ao uso da entrevista como instrumento de avaliação,


é importante definir as etapas, a periodicidade de encontros, as estratégias a se-
rem adotadas, caso seja necessário, entre outros.
Figura 1 – As entrevistas como instrumento de avaliação diagnóstica

Fonte: Serafim e Rocca (2020, p. 83)

Conforme indicado na figura apresentada, durante as entrevistas, cabe ava-


liar as possíveis alterações das funções cognitivas, como atenção, memória, lin-
guagem, percepção, psicomotricidade, inteligência, bem como o desenvolvimento
das atividades do cotidiano e da personalidade. Para tanto, os testes psicológicos

94
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

podem ser utilizados como recursos associados. Além dos aspectos emocionais,
os sintomas não devem ser vistos de maneira isolada, mas, sim, de modo a com-
preender o impacto deles na funcionabilidade do sujeito e na sua vida como um
todo em termos de comportamento e interação social (SERAFIM; ROCCA, 2020).

De modo geral, Dalgalarrondo (2019) menciona que os transtornos mentais


normalmente apresentam aspectos comuns, tais como:

• Surgimento no final da infância e adolescência, sendo melhor caracteri-


zados na vida adulta.
• Tendência a permanecer durante toda a vida do indivíduo, com padrões
de comportamento relativamente estáveis.
• Manifestação de um conjunto amplo de comportamentos que envolvem
vários aspectos da vida e da experiência do sujeito, não sendo limitados
a situações específicas.
• Manutenção de comportamentos mal adaptativos, ou seja, que trazem
dificuldades e diferentes graus de sofrimento para o sujeito e para as
pessoas com as quais convive.
• Geralmente, os modos de ser do sujeito não estão relacionados a uma
lesão cerebral.

Como uma das formas de apoiar o processo diagnóstico, alguns documentos


norteadores são utilizados por uma gama de profissionais, não só para auxílio na
compreensão de determinada psicopatologia, mas também para finalidades buro-
crático-legais, como emissão de atestado médico, pleito de direitos, entre outros.
Dentre deles, como já vimos, estão o Manual Diagnóstico de Transtornos Men-
tais (DSM), atualmente na 5ª edição, e a Classificação Internacional de Doenças
(CID-11), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tais documentos, além de
disporem acerca dos sinais, sintomas e critérios diagnósticos de variadas psico-
patologias, utilizam códigos de referência para cada uma delas, de acordo com o
enquadramento. Você já deve ter recebido, por exemplo, um atestado médico em
que consta o CID de determinada enfermidade, passageira ou não, que possa ter
lhe acometido.

Exemplo: F41.1 – Ansiedade generalizada

Aqui, para o nosso estudo, para fins didático-pedagógicos, vamos nos ater
aos sinais, aos sintomas e aos critérios diagnósticos das psicopatologias, sem a
utilização de códigos. De todo modo, caso seja de seu interesse, eles podem ser
consultados nos links indicados a seguir.

95
Psicopatologia

Acesso à CID-11, publicada pela OMS em 2022: https://icd.who.


int/en.
Acesso ao DSM-5: http://institutopebioetica.com.br/documentos/ma-
nual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf.
Observação: em março de 2022, foi publicada uma revisão do
DSM-5, cuja disponibilidade não foi encontrada na internet até o
momento. Entretanto, as discussões e os critérios abordados neste
capítulo permanecem inalterados após a revisão mencionada.

Cabe ressaltar ainda que, no âmbito dos transtornos mentais, algumas clas-
sificações estão presentes apenas no DSM, mas não na CID, e vice-versa. Isso
porque, além das diferentes nomenclaturas que podem ser adotadas, a CID abarca
um amplo conjunto de doenças, não necessariamente de ordem psicopatológica,
enquanto o DSM tem como foco os transtornos mentais. Veremos isso adiante.

Para além das estruturas clínicas em psicanálise e seus quadros psicopato-


lógicos, discutidos no Capítulo 2, veremos nesta seção os transtornos da perso-
nalidade mais prevalentes na população geral e nos serviços de saúde mental,
segundo três subgrupos descritos por Dalgalarrondo (2019). A partir das classifi-
cações presentes no DSM-V e na CID-11, o autor apresenta, de forma didática,
três padrões comportamentais com semelhanças descritivas: a) esquisitos e/ou
desconfiados; b) instáveis e/ou manipuladores e/ou centro das atenções; e c) an-
siosos e/ou controlados-controladores.

Padrão A – Esquisitos e/ou desconfiados

Nessa categoria, estão os transtornos que mais se distanciam do que é cul-


turalmente compreendido como normal, cujos comportamentos são considerados
estranhos, esquisitos e com alto grau de desconfiança por parte das pessoas.
Esse grupo engloba três tipos de transtornos específicos: o esquizoide, o paranoi-
de e o esquizotípico, caracterizados a seguir.

O transtorno de personalidade esquizoide é marcado por um distanciamento


social, falta de relações íntimas e indiferença. Comumente, uma pessoa com essa
personalidade vive no seu próprio mundo, de modo solitário e possui pouca ou
nenhuma expressão afetiva e emocional. Os critérios diagnósticos definidos no
DSM são:

96
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

• Dificuldade de desfrutar e de manter relações íntimas, inclusive com a


família.
• Normalmente opta por atividades solitárias.
• Pouco interesse sexual.
• Não tem prazer na maior parte ou em todas as atividades cotidianas.
• Falta de amigos próximos.
• Indiferença a críticas e/ou elogios.
• Frieza emocional, distanciamento ou embotamento afetivo (APA, 2014).

Quanto ao transtorno de personalidade paranoide, como o nome indica,


remete à paranoia no campo da psicanálise. Segundo os manuais diagnósticos,
esse tipo de personalidade é caracterizado pela desconfiança constante, alta sen-
sibilidade às críticas, culpabilização dos outros e relações sociais prejudicadas, já
que as atitudes das pessoas são interpretadas como suspeitas e/ou malévolas.
Como critérios diagnósticos, podemos citar:

• Suspeita, sem fundamento, de estar sendo explorado, maltratado ou en-


ganado pelos outros.
• Levanta dúvidas em relação à lealdade ou à confiabilidade de pessoas
próximas.
• Dificuldade em confiar nas pessoas, pois tem medo de que informações
podem ser usadas para prejudicar a si.
• Percebe significados ocultos, humilhantes ou ameaçadores contra si em
comentários ou eventos sem essa intenção.
• Guarda rancores de forma persistente, o que dificulta perdoar insultos e
ofensas.
• Percebe ataques a seu caráter que não são percebidos pelos outros, o
que o leva a agir com raiva.
• Suspeita recorrentemente da fidelidade do cônjuge ou parceiro (APA,
2014).

Nessa categoria, ainda temos o transtorno de personalidade esquizotípi-


co, que também é marcado por desconforto intenso nas relações interpessoais,
além de fixação em ideias e crenças, pensamentos vagos, distorções cognitivas
ou perceptivas, bem como tendência a uma aparência física percebida social-
mente como excêntrica. Dentre os principais critérios diagnósticos definidos pela
APA (2014), estão:

• Crenças e/ou pensamento “mágico” que influenciam o comportamento e


são inconsistentes com as normas culturais, como crença em telepatia,
seres inanimados, fantasias etc.
• Experiências perceptivas incomuns, como ilusões corporais.
• Pensamento e discurso vagos, excessivamente metafóricos ou estereoti-

97
Psicopatologia

pados.
• Desconfiança ou ideação paranoide.
• Afeto constrito, contido.
• Comportamento e/ou aparência estranha, excêntrica ou peculiar no con-
texto sociocultural.
• Ausência de amigos próximos ou confidentes que não sejam familiares.
• Ansiedade social excessiva, que pode estar associada a temores para-
noides.

Padrão B – Instáveis e/ou manipuladores e/ou centro das atenções

Os padrões comportamentais associados a esse grupo são caracterizados


primordialmente pela impulsividade e manipulação, como é o caso dos transtor-
nos de personalidade borderline, antissocial e histriônico.

As pessoas com transtorno de personalidade borderline costumam ser emo-


cionalmente instáveis, com alta variação de humor, impulsivas e explosivas. Possuem
relações pessoais instáveis, além da presença de graves problemas de identidade,
de intensos sentimentos de vazio e de comportamentos autolesivos repetitivos.

Como critérios diagnósticos definidos no DSM-V para esse tipo de persona-


lidade, estão:

• Esforços desesperados para evitar o abandono que sente, seja por uma
ameaça de separação, rejeição real ou imaginada.
• Relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, que passam por ex-
tremos de valorização/idealização e desvalorização.
• Instabilidade acentuada e persistente em relação a sua autoimagem.
• Impulsividade, instabilidade afetiva, raiva intensa e dificuldade de contro-
lar os sentimentos.
• Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de com-
portamento automutilante.
• Sentimentos crônicos de vazio.
• Ideação paranoide transitória associada a sintomas dissociativos inten-
sos (APA, 2014).

Já o transtorno de personalidade antissocial, ou dissocial, é caracterizado


pela insensibilidade e frieza. É o que tendemos a reconhecer socialmente como
psicopatia, sendo associado à estrutura perversa. A pessoa com essa psicopato-
logia costuma agir com agressividade, crueldade e irresponsabilidade. É alguém
que não mede consequências, aproveita-se dos outros, sem culpa ou remorso, e
viola os direitos sociais. Os principais aspectos avaliativos desse diagnóstico são:

98
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

• Desajuste em relação às normas sociais e comportamentos ilegais repe-


titivos.
• Tendência à falsidade, uso recorrente de mentiras, nomes falsos e trapa-
ças para fins de ganho pessoal.
• Impulsividade, irritabilidade e agressividade reiteradas.
• Irresponsabilidade e inconsequência dos seus atos.
• Ausência de culpa ou remorso e indiferença (APA, 2014).

O transtorno de personalidade histriônico remete ao que vimos anterior-


mente como sendo a histeria. Nesse tipo de transtorno, o sujeito busca excessiva-
mente ser o centro das atenções, utilizando-se da dramatização e da teatralidade.
Costuma ser sugestionável, superficial e manipulador, além de possuir um dis-
curso vago, impressionista e erotizar situações. Dentre os aspectos diagnósticos,
segundo a APA (2014), estão:

• Desconforto em situações em que não é o centro das atenções.


• A interação com os outros é frequentemente perpassada por comporta-
mento sexualmente sedutor ou provocativo.
• Alterações emocionais rápidas e expressão superficial das emoções.
• Usa reiteradamente a aparência física para atrair a atenção para si.
• Discurso excessivamente impressionista e carente de detalhes.
• Autodramatização, teatralidade e expressão exagerada das emoções.
• Sugestionável, ou seja, é facilmente influenciado pelos outros ou pelas
circunstâncias.
• Considera as relações pessoais mais íntimas do que na realidade são.

Quanto ao transtorno de personalidade narcisista, observa-se um padrão


de comportamentos persistentes e em contextos variados, associados à grandio-
sidade, ou seja, o sujeito se sente superior e melhor do que os outros, possuindo
intensa necessidade de admiração. Assim, é frequente a ilusão de autossuficiência,
sentimento de poder, de desprezo pelo mundo exterior, além da falta de empatia.

Segundo o DSM-V, os principais critérios diagnósticos desse tipo de transtor-


no de personalidade são:

• Sensação grandiosa da própria importância, superestimam suas con-


quistas e talentos, mesmo que não sejam condizentes com a realidade.
• Preocupação com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho e beleza.
• Crença de ser especial, único e superior, somente sendo compreendido
por instituições ou pessoas de condições elevadas.
• Demanda admiração em excesso.
• Sentimento de possuir mais direitos do que o padrão, pois se considera
especialmente diferente dos demais.

99
Psicopatologia

• Exploração nas relações interpessoais, tirando vantagem diante do outro


para benefício próprio.
• Falta de empatia (por ser autocentrado, tem dificuldade de perceber ou
se colocar no lugar do outro).
• Sentimento de inveja, tanto em relação ao sucesso dos outros quanto
por julgar que o invejam.
• Manifesta comportamentos e atitudes arrogantes ou insolentes (APA,
2014).

Padrão C – Ansiosos e/ou controlados-controladores

Como o nome sugere, esse padrão comportamental é caracterizado por in-


tensa ansiedade e necessidade de controle, cujos transtornos associados são o
anancástico (ou obsessivo), o dependente e o evitativo.

O transtorno de personalidade anancástico ou obsessivo-compulsivo é


caracterizado por rigidez e minuciosidade. O sujeito obsessivo é metódico, con-
trolador, perfeccionista e tem extrema dificuldade em lidar com mudanças e varia-
ções. É muito convencional e tende a seguir regras rigorosamente. Como mani-
festação, temos o TOC, mencionado no capítulo anterior. Os critérios diagnósticos
segundo a APA (2014) são:

• Preocupação excessiva com detalhes, regras, listas, ordem, organização


e horários.
• Perfeccionismo excessivo que chega a atrapalhar a conclusão dos seus
projetos.
• Dedicação excessiva ao trabalho e à produtividade, em detrimento de
atividades de lazer e amizades.
• Excessivamente consciencioso, escrupuloso e inflexível quanto a assun-
tos de moralidade, ética ou valores.
• Dificuldade de descartar objetos usados ou sem valor ainda que não te-
nha valor sentimental.
• Reluta em delegar tarefas ou trabalhar com outras pessoas, pois quer
que as coisas saiam do seu jeito.
• Dificuldade excessiva de gastar, pois o dinheiro é visto como algo a ser
acumulado para futuras catástrofes.

Quanto ao transtorno dependente, como o nome indica, é caracterizado


por alto grau de dependência emocional, necessidade extrema de agradar os ou-
tros, falta de iniciativa, de autonomia e de energia, além de sentimento frequente
de desamparo, principalmente quando está sozinho. São critérios diagnósticos:

• Dificuldade em tomar decisões cotidianas sem uma quantidade excessi-

100
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

va de conselhos e reasseguramento de outros.


• Dificuldade em assumir responsabilidades e de manifestar desacordo ou
opiniões contrárias aos outros, por medo de desaprovação.
• Falta de autoconfiança e dificuldade em iniciar projetos ou fazer coisas
por conta própria.
• Pode ir a extremos para obter carinho e apoio de outros.
• Sente-se desconfortável ou desamparado quando está sozinho, pois se
acha incapaz.
• Busca com urgência relacionamentos íntimos como fonte de cuidado e
amparo.
• Preocupações irreais com medos de ser abandonado (APA, 2014).

No que tange ao transtorno de personalidade evitativo, o sujeito evita ao


máximo interações sociais, pois carrega sentimentos constantes de inadequação
social. Também apresenta como sintoma alta sensibilidade a avaliações e/ou co-
mentários externos a seu respeito. São critérios diagnósticos:

• Evita atividades e contatos interpessoais significativos por medo de críti-


ca, desaprovação ou rejeição.
• Mostra-se reservado em relacionamentos íntimos por medo de passar
vergonha ou de ser ridicularizado.
• Preocupação excessiva com críticas ou rejeição.
• Inibição e sentimentos de inadequação.
• Percebe-se como incapaz, sem atrativos pessoais ou inferior aos outros
(APA, 2014).

Além dos transtornos de personalidade, abordaremos acerca de outros trans-


tornos muito presentes na atualidade, os de ansiedade e os alimentares, tendo
como base os sinais e os sintomas presentes no DSM-V.

Os transtornos de ansiedade são caracterizados por medo e ansiedade ex-


cessivos e persistentes. Dentre os tipos de transtornos associados à ansiedade,
definidos no DSM-V, destacamos a fobia e o transtorno do pânico (APA, 2014).

a. Fobia

A fobia se caracteriza por medo e/ou ansiedade acentuados e desproporcionais


diante de determinado objeto ou situação, como fobia de insetos, de altura, de inje-
ção, de elevador etc., ou seja, ocorre diante de um estímulo fóbico para o sujeito.

Como principais critérios diagnósticos, cabe citar:

101
Psicopatologia

• O objeto ou a situação fóbica provoca uma resposta imediata de medo


ou ansiedade.
• O objeto ou a situação fóbica é evitado ou suportado com alto grau de
ansiedade e sofrimento.
• O medo ou a ansiedade é desproporcional quanto ao perigo real do ele-
mento fóbico.
• O medo, a ansiedade e/ou a esquiva é persistente e causa sofrimento
significativo, podendo causar prejuízo social, profissional e em demais
áreas importantes da vida do sujeito.

Um tipo específico de fobia é definido no DSM-V como Transtorno de An-


siedade Social, mais conhecido como Fobia Social (APA, 2014). Esse tipo de
transtorno de ansiedade é caracterizado por “medo e/ou ansiedade acentuados
acerca de uma ou mais situações sociais em que o indivíduo é exposto a possível
avaliação por outras pessoas” (APA, 2014, p. 202). Como exemplos, podemos
citar interações sociais, como encontrar pessoas que não são familiares, ser ob-
servado, ser avaliado, entre outros. Nesse sentido, o indivíduo teme demonstrar
sintomas de ansiedade pelo medo de ser avaliado negativamente, ser constrangi-
do ou rejeitado.

b. Transtorno do pânico

Quanto ao transtorno do pânico, este é definido por surto abrupto, inespera-


do e recorrente de medo intenso que desencadeia sintomas como:

• Taquicardia.
• Sudorese.
• Tremor.
• Falta de ar.
• Náusea.
• Tontura, vertigem ou desmaio.
• Medo de morrer ou “enlouquecer”.
• Choro intenso.
• Sensação de asfixia, entre outros.

c. Transtorno de ansiedade generalizada

Este tipo de ansiedade é caracterizado por ansiedade e preocupação exces-


siva com diversos eventos ou atividades, sem objeto ou situação específica, que
fogem ao controle do indivíduo e causam sofrimento significativo ao sujeito, preju-
dicando várias áreas da vida. Os principais sintomas são:

102
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

• Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele.


• Fatigabilidade, cansaço.
• Dificuldade de concentração ou sensações de “branco” na mente.
• Irritabilidade.
• Tensão muscular.
• Perturbação do sono.

Já os transtornos alimentares, segundo a APA (2014, p. 329), são definidos


como “perturbação persistente na alimentação ou no comportamento relacionado
à alimentação que resulta no consumo ou na absorção alterada de alimentos e
que compromete significativamente a saúde física ou o funcionamento psicosso-
cial”. Dentre eles, destacamos: anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de
compulsão alimentar.

a. Anorexia nervosa

É a restrição da ingestão calórica em relação às necessidades, levando a


um peso corporal significativamente baixo, inferior ao peso mínimo normal, para a
idade, o gênero, a trajetória do desenvolvimento e a saúde física.

Além da restrição alimentar, outros critérios diagnósticos incluem o medo in-


tenso de ganhar peso ou de engordar, comportamentos que interferem no ganho
de peso e dificuldade de reconhecimento da gravidade do baixo peso, interferindo
na autoimagem, já que ocorre a perturbação na percepção do próprio peso ou da
própria forma.

b. Bulimia nervosa

Diferente da anorexia nervosa, a bulimia se caracteriza pela compulsão


alimentar recorrente e pela ingestão excessiva e sem controle de alimentos. É
acompanhada de sentimentos de não conseguir parar de comer ou de controlar o
quanto está ingerindo.

De forma associada, ocorrem comportamentos compensatórios, muitas ve-


zes em decorrência de sentimento de culpa, para evitar o ganho de peso, tais
como: vômitos autoinduzidos, uso indevido de laxantes, diuréticos, medicamentos
ou excesso de exercício físico. Assim como a anorexia nervosa, a bulimia pode
ser acompanhada de perturbação na autopercepção do peso ou da forma.

c. Transtorno de compulsão alimentar

Como o próprio nome sugere, este transtorno é caracterizado por episódios


recorrentes de compulsão alimentar e falta de controle sobre a ingestão alimentar.

103
Psicopatologia

Como aspectos associados, podemos citar:

• Comer mais rápido do que o normal.


• Comer até se sentir excessivamente cheio.
• Comer em grandes quantidades mesmo sem sentir fome.
• Comer sozinho e isolado por vergonha das outras pessoas.
• Sentimento de culpa e intenso sofrimento.

Agora você pode estar se perguntando: o que diferencia o transtorno de com-


pulsão alimentar da bulimia?

Segundo o DSM-V, a compulsão alimentar não está associada ao uso recor-


rente de comportamento compensatório inapropriado (APA, 2014), ou seja, não
são observados comportamentos, como vômitos autoinduzidos, uso de laxantes,
diuréticos etc.

As classificações apresentadas são algumas das mais conhecidas no meio


social. No DSM e na CID, estão presentes várias outras categorizações de trans-
tornos e doenças. Contudo, é importante frisar que os critérios diagnósticos defi-
nidos nesses documentos não devem ser tomados de forma isolada, mas, sim,
como parte de um processo diagnóstico mais amplo.

Cabe destacar, também, conforme mencionado por Dalgalarrondo (2019),


que não existem sinais ou sintomas que sejam totalmente determinantes ou ex-
clusivos de um transtorno mental. Além dos sintomas, é necessário apreender a
frequência, o curso de desenvolvimento, os fatores de risco, os aspectos culturais
envolvidos, o nível de sofrimento e comprometimento do sujeito, entre outros as-
pectos. Inclusive, é importante perceber as variáveis que podem interferir nas pró-
prias classificações, as quais não são neutras e, por vezes, podem se aproximar
de um julgamento moral a respeito dos comportamentos.

Tendo isso em vista, as classificações diagnósticas não devem ser tomadas


como verdades absolutas, sendo necessário um olhar crítico diante dessas práti-
cas, as quais, segundo Martinhago e Caponi (2019), vêm sendo proliferadas mun-
dialmente ao longo dos anos. As autoras apresentam críticas ao DSM, por consi-
derarem que ele é conveniente para beneficiar a medicina, os planos de saúde e
a indústria farmacêutica, lançando mão de abordagens descritivas e objetivas que
não dão conta da complexidade do sofrimento psíquico. Ademais, o DSM apre-
senta nomeações que devem ser analisadas com cuidado, pois há transtornos
que, muitas vezes, podem fazer parte das dificuldades da vida e que não são,
necessariamente, passíveis de medicalização, cuja incidência tem sido percebida
na população em geral com o uso, por exemplo, de psicotrópicos.

104
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

1 Considerando o estudo das psicopatologias abordadas ao longo


deste capítulo, assinale a alternativa CORRETA:

a) A bulimia é caracterizada pela compulsão alimentar recorrente,


resultando em restrição de ingestão calórica e comportamentos
compensatórios, como o vômito autoinduzido.
b) A fobia é um transtorno de personalidade caracterizado por medo
e/ou ansiedade acentuados e desproporcionais diante de deter-
minado objeto ou situação.
c) O diagnóstico em saúde mental deve ser evitado para que não
haja rotulação do indivíduo em sofrimento psíquico.
d) O transtorno de personalidade borderline apresenta, como um
dos principais sintomas, a instabilidade emocional.

3 ESTRATÉGIAS DE CUIDADO EM
SAÚDE MENTAL: DIÁLOGOS COM A
ARTETERAPIA
No primeiro capítulo deste livro, vimos o contexto sócio-histórico no qual se
insere a psicopatologia, bem como as variações de concepções acerca do fenô-
meno da loucura. Nesse sentido, discutimos a predominância do saber médico-
-psiquiátrico e da visão essencialmente biológica, os quais incidiram na questão
do tratamento em saúde mental. Como exemplo, vimos o uso da lobotomia, pro-
cedimento cirúrgico utilizado em pacientes com transtornos mentais graves, que
consistia na perfuração do cérebro com o objetivo de cortar as conexões entre os
lobos frontais e o resto do cérebro.

Figura 2 – Lobotomia

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-56147209. Acesso em: 17 ago. 2022.

105
Psicopatologia

Na contramão dessas práticas violentas, teve início, ao final da década de


1970, a Reforma Psiquiátrica Brasileira que, como vimos, foi um importante mo-
vimento no campo da saúde mental, que iniciou os processos de revisão teórica,
ética, política e jurídica de discursos e práticas referentes às doenças mentais,
além das tentativas de mudanças de valores e sentidos historicamente associa-
dos à loucura.

A Reforma inclui políticas públicas e legislações que buscam reorientar as


áreas de assistência em saúde mental mediante a criação de novos dispositivos
de cuidado, além da atuação de movimentos sociais em prol da transformação
da condição de cidadania e defesa da dignidade daqueles considerados doentes
mentais. Nesse cenário de luta ético-política nos quais se inserem os movimentos
em defesa da desinstitucionalização, como a luta antimanicomial, foram sendo
postuladas críticas e alternativas às instituições psiquiátricas, tendo como um dos
símbolos de resistência e de promoção de novas estratégias de cuidado, Nise da
Silveira (PACHECO, 2021).

Quem foi Nise da Silveira?


Foi uma das pioneiras na defesa e no uso de estratégias tera-
pêuticas substitutivas em relação aos métodos violentos da psi-
quiatria, como o eletrochoque, a lobotomia e o uso abusivo de
medicamentos. Já em 1946, ela criou uma seção terapêutica ocu-
pacional no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio
de Janeiro, que consistia em um espaço de criação de arte com
materiais diversos que foram utilizados pelos internos do hospital,
majoritariamente com transtornos psicóticos. Poucos anos de-
pois, ficaram conhecidos como “os artistas do Engenho de Den-
tro”, chamando a atenção de artistas e críticos de arte. Em 1952,
Nise e demais parceiros criaram o Museu de Imagens do Incons-
ciente, existente até os dias atuais, localizado também no Rio de
Janeiro (PACHECO, 2021).

Algumas obras do Museu do Inconsciente podem ser acessadas


no portal O Museu Vivo de Engenho de Dentro pelo site: http://
www.ccms.saude.gov.br/museuvivo/obras.php#.

106
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

A Reforma Psiquiátrica Brasileira foi oficialmente instituída no âmbito legal


com a Política Nacional de Saúde Mental, cujo princípio norteador é o da desinsti-
tucionalização, a fim de superar o modelo manicomial e consolidar a atenção psi-
cossocial. Esse modelo apresenta um olhar ampliado para o sujeito, para além da
sua psicopatologia e da dimensão estritamente biológica, buscando compreender
a sua existência e o seu sofrimento (PACHECO, 2021).

Visando assegurar os direitos da pessoa com transtorno mental, a Lei nº


10.216, de 6 de abril de 2001, estabelece a necessidade de tratamento em ambien-
te terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente, em ser-
viços comunitários de saúde mental, com a participação da sociedade e da família.

Além disso, a lei estabelece que, caso os recursos extra-hospitalares sejam


insuficientes, o tratamento poderá ocorrer por meio de internação, sempre visan-
do à finalidade permanente de reinserção social do paciente em seu meio, sendo
vedada a internação em instituições com características asilares (BRASIL, 2001).
Nesse caso, a internação pode acontecer por três modalidades: voluntária (a pe-
dido do próprio paciente), involuntária (sem o consentimento do paciente e a pedi-
do de terceiros) e compulsória (determinada pela justiça), a depender de cada si-
tuação. Como formas de tratamento possíveis, destacam-se os serviços médicos,
de assistência social, psicológicos, terapias ocupacionais, de lazer, entre outros.

Uma pequena pausa para abordarmos um conceito importante. O que são


instituições consideradas asilares? De acordo com a Lei nº 10.216/2001, as ins-
tituições com características asilares são aquelas desprovidas dos recursos de
assistência integral às pessoas com transtornos mentais, ou seja, serviços médi-
cos, assistenciais, psicológicos, de lazer, entre outros. Além disso, são instituições
que não asseguram os direitos legais dessas pessoais, tais como o tratamento
humanizado e em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis,
preferencialmente em serviços comunitários; a proteção contra qualquer forma de
abuso e exploração, a inserção na família, no trabalho e na comunidade, entre
outros direitos estabelecidos no Art. 2º da referida lei.

Cabe destacar que essa política decorreu da criação do Sistema Único de


Saúde (SUS), na Constituição de 1988. A criação desse sistema foi fundamental
para a estruturação de diversas políticas públicas no âmbito da saúde em geral,
possibilitando a implementação de programas, projetos e serviços direcionados,
considerando a necessidade e a capacidade dos Estados e municípios.

107
Psicopatologia

No que tange à estrutura de atendimento prevista na Política Na-


cional de Saúde Mental, ela é composta pela Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) e formada pelos seguintes pilares: Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços para atendimento de
urgências e emergências rápidas, Serviços Residenciais Tera-
pêuticos, Unidades de Acolhimento, Ambulatórios Multiprofissio-
nais de Saúde Mental, Comunidades Terapêuticas e Hospital-Dia.

Fonte: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/
saude-mental.

Na figura a seguir, constam os serviços que fazem parte da estrutura da


RAPS.

Figura 3 – Estrutura da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)

Fonte: https://www.sanarmed.com/rede-de-atencao-psicossocial-
resumo-com-mapa-mental-ligas. Acesso em: 17 ago. 2022.

A história da loucura é caracterizada pela predominância de relações de po-


der que visavam à domesticação, ao aprisionamento e à restrição da liberdade
dos sujeitos que sofriam de alguma psicopatologia, de maneira a limitar drasti-

108
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

camente o pertencimento social e a construção de identidades dessas pessoas.


Entretanto, a RAPS segue os princípios da Política Nacional de Saúde Mental,
sendo pautada, portanto, no princípio da desinstitucionalização e na adoção dos
serviços substitutivos, seguindo o modelo de atenção psicossocial.

No que se refere ao ritmo da vida cotidiana contemporânea, vemos que as


formas de interação entre o sujeito e a realidade normalmente são permeadas por
certo nível de consciência, intencionalidade, obrigações e imediatismo, com pou-
co espaço para reflexões, questionamentos e compartilhamento. Isso porque as
demandas da vida nos levam a uma relação pragmática com a realidade, lidando
com ela de modo automático e, por vezes, superficial. Desse modo, acabamos
percebendo o mundo apenas sob um único prisma, sem abertura para formas
mais criativas e até funcionais de se relacionar com a própria realidade e com os
outros (SOUZA; DUGNANI; REIS, 2018). Contudo, o modelo de atenção psicos-
social nos convida a ampliar o olhar para outros modos de vida e estratégias de
cuidado em saúde mental, priorizando a convivência social.

A convivência é apresentada como uma forma estratégica de


cuidado no campo da saúde mental e potencialmente transfor-
madora das relações estabelecidas entre profissionais e usu-
ários, em uma perspectiva de horizontalização. De modo que
o cuidado ofertado propicie novas possibilidades de vida e de
relações sociais, criando condições concretas que permitam
que os momentos de sofrimento existencial e social se modi-
fiquem; e, ao mesmo tempo, transformem as formas de lidar
com a experiência de sofrimento e de invalidação, de maneira
a habilitar a sociedade para conviver com a diferença (RESEN-
DE, 2021, p. 303).

A chamada clínica ampliada ou psicossocial, segundo Pacheco (2021), abar-


ca outros saberes no processo de composição de novas formas de cuidado para
além do campo da saúde, tendo em vista a complexidade da saúde mental. Desse
modo, o cuidado é visto por uma perspectiva interdisciplinar e multiprofissional,
articulado aos processos sociais e culturais. Ao invés dos manicômios, busca-se a
territorialização e a criação de serviços abertos que estejam imersos na cultura lo-
cal, em detrimento da internação em hospitais psiquiátricos, de maneira a garantir
o direito de ir e vir e de permitir trocas sociais mais amplas.

Dentre os serviços mencionados da RAPS, é possível que você já tenha ou-


vido falar, visto na sua cidade ou até mesmo tido algum tipo de contato com um
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diferentes modalidades (trans-
tornos mentais graves, transtornos pelo uso de álcool e outras drogas, acolhimen-
to noturno e observação). Essas modalidades prestam serviços de caráter comu-
nitário e interdisciplinar, constituídas por equipe multiprofissional.

109
Psicopatologia

O CAPS, assim como os demais serviços substitutivos, busca priorizar mais


os espaços coletivos do que os atendimentos tradicionais individuais. Dentre as es-
tratégias coletivas, pode-se destacar as oficinas terapêuticas de caráter relacional.
São diversos os tipos que podem ser realizados, com diferentes objetivos, como
artístico-expressivas, esportivas, de geração de renda, artesanais, entre outros. O
que devem ter em comum é o espaço relacional, de acolhimento e de expressão,
aberto à produção desejante e de sentido para a vida (PACHECO, 2021).

Contudo, para que sejam possíveis mudanças e transformações das con-


dições vividas, é necessária uma quebra do ritmo acelerado da vida cotidiana,
centrada no eu, estabelecendo pausas “que possibilitem ao sujeito exercitar seu
olhar na busca do não aparente” (SOUZA; DUGNANI; REIS, 2018, p. 377). Para
tal, uma das estratégias possível e essencial é a arte, que pode ser utilizada como
um instrumento terapêutico que promova a descoberta de potenciais, emoções e
conteúdos inconscientes.

A arte em sua dimensão humanizadora tem potencial para afetar o sujeito,


como instrumento de trabalho, na mediação da constituição de formas mais ela-
boradas de ser, estar, pensar e agir no mundo. Como núcleo organizador das
relações que se constroem e se mantêm nos espaços educativos, a arte favorece
as ressignificações dos sujeitos sobre seu papel nas diferentes interações de que
tomam parte e sobre suas condições de vida atual e futura (SOUZA; DUGNANI;
REIS, 2018).

Dessa maneira, a arte faz parte das estratégias de cuidado em saúde mental.
A utilização de práticas complementares em saúde é prevista legalmente desde
2006, com a publicação da Portaria GM/MS nº 971/2006, a qual aprova a Políti-
ca Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PICS) no Sistema Úni-
co de Saúde (SUS) e institucionaliza as Práticas Integrativas e Complementares
em Saúde, denominadas pela OMS, tendo sido ampliadas em 2017. Dentre as
práticas possíveis de serem ofertadas pelos serviços de saúde, podemos citar:
acupuntura, fitoterapia, dança, meditação, musicoterapia, quiropraxia, reiki, yoga
e arteterapia, sendo esta última nosso foco de abordagem em virtude do curso no
qual essa disciplina é oferecida.

De acordo com o Glossário Temático de Práticas Integrativas e Complemen-


tares em Saúde, do Ministério da Saúde, a arteterapia é definida como uma “práti-
ca expressiva artística, visual, que atua como elemento terapêutico na análise do
consciente e do inconsciente, favorecendo a saúde física e mental do indivíduo”
(BRASIL, 2018, p. 26). E, ainda:

i) A arteterapia pode ser explorada com fim em si mesma (foco


no processo criativo, no fazer) ou na análise/investigação de

110
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

sua simbologia (arte como recurso terapêutico).


ii) Utiliza instrumentos, como pintura, colagem, modelagem,
poesia, dança, fotografia, tecelagem, expressão corporal, tea-
tro, sons, músicas ou criação de personagens.
iii) A arterapia integra, a partir da publicação da Portaria Mi-
nisterial GM nº 849, de 27 de março de 2017, o rol de novas
práticas institucionalizadas na Política Nacional de Práticas In-
tegrativas e Complementares no SUS (BRASIL, 2018, p. 26).

A arteterapia recebeu influências da psicanálise freudiana, já que Freud abor-


dou a arte como forma de manifestação e simbolização do inconsciente. Na prá-
tica em saúde mental, a arteterapia e as suas diversas modalidades expressivas
(pintura, dança, escultura, desenho, artesanato, música etc.) buscam promover o
bem-estar da pessoa em sofrimento psíquico, propiciando mudanças nos campos
afetivo, interpessoal e relacional. Além disso, propõe como finalidade a vivência
de dificuldades, conflitos, medos e angústias de maneira mais equilibrada e me-
nos sofrida, sempre priorizando as necessidades do usuário (COQUEIRO; VIEI-
RA; FREITAS, 2010). A seguir, veremos dois exemplos práticos de trabalho no
CAPS que utilizaram a arteterapia como estratégia terapêutica de cuidado, para
que possamos compreender melhor esse tipo de intervenção.

Uma dessas experiências é relatada por Coqueiro, Vieira e Freitas (2010) e


ocorreu em um CAPS de Fortaleza no âmbito do Projeto Arte e Saúde, o qual in-
tegra a política de saúde mental municipal e atua em parceria com a Universidade
Federal do Ceará (UFC). Dentre os grupos integrantes do projeto, a experiência
do grupo “Amigos da arte”, intitulado pelos próprios participantes, reuniu pessoas
com transtornos mentais graves, como esquizofrenia, transtorno bipolar e depres-
são, que demonstraram interesse em participar dos encontros. Os materiais utili-
zados incluíam tintas, telas para pintura, papel, giz de cera, argila, pincéis, tecido,
material reciclável, entre outros.

Duas metodologias distintas poderiam ser adotadas nas sessões, a depen-


der da dinâmica do grupo no dia. Se a maioria dos participantes apresentasse
certo grau de agitação, utilizavam-se técnicas de relaxamento com músicas ins-
trumentais, a fim de reduzir o nível de stress, a tensão e a angústia, além de per-
mitir o contato mais profundo e reflexivo com os próprios sentimentos. Caso o gru-
po apresentasse rebaixamento do humor, empregavam-se técnicas de expressão
corporal através de jogos coletivos e movimentos corporais com música, visando
acessar as emoções de modo lúdico.

É importante ressaltar que as ações buscaram trabalhar as capacidades de


expressão dos participantes, tanto corporal quanto intelectualmente, de forma co-
letiva e também individual, favorecendo a descoberta de si e vendo o sujeito como
protagonista. Dentre os trabalhos desenvolvidos pelo grupo, podem ser destaca-

111
Psicopatologia

dos: pintura em tela e em tecido, escultura em argila, pintura e colagem sobre telha,
pintura sobre gesso, confecção de objetos a partir de material reciclável, como gar-
rafas PET ou canos de papelão etc. Ao final de cada trabalho, os participantes eram
estimulados a observar as suas produções, refletindo sobre os seus significados e
a evolução durante o processo. Assim, “a arte é então percebida como instrumento
de enriquecimento dos sujeitos, valorização de expressão e descoberta de poten-
cialidades singulares” (COQUEIRO; VIEIRA; FREITAS, 2010, p. 861).

Outro relato de experiência, abordado por Pacheco (2021), evidencia a atu-


ação do grupo “Arte e Convivência”, vinculado a um CAPS no Distrito Federal. As
oficinas de artesanato propostas pela equipe multiprofissional eram divididas em
dois momentos: uma roda de conversa inicial, que incluía alguma dinâmica de
apresentação e das atividades que seriam realizadas no dia; e uma roda final, na
qual seriam mostradas as produções feitas.

No início, observou-se que os participantes se apresentavam falando apenas


o nome e, ao final, apresentavam seus trabalhos de forma mecânica, sem muita
vontade. Até que um dia uma das participantes do grupo chegou aflita no encontro
relatando ter presenciado um assassinato em frente a sua casa. A partir disso, a
dinâmica do grupo mudou. Outras pessoas que eram caladas ou dispersas come-
çaram a relatar também vivências relacionadas à violência, experiências do dia a
dia, histórias familiares e pessoais, entre outros assuntos (PACHECO, 2021).

Nesse dia, não houve produção de artesanato, pois a roda, que geralmente
não durava mais de 10 minutos, tomou todo o tempo da oficina, tornando-se um
espaço de afeto, apoio, trocas e acolhimento. A integração entre os membros do
grupo foi fortalecida e os encontros se tornaram mais participativos, com maior
engajamento. Aos poucos, o grupo foi se transformando, deixando de ser um am-
biente de produção artesanal, para construir um espaço de encontro e convivên-
cia (PACHECO, 2021).

Ainda segundo a autora, a dinâmica da oficina mudou. Não era mais “obri-
gatória” a produção artesanal, havia espaços de encontros e bate-papos, aqueles
que pintavam e desenhavam começaram a buscar e organizar seus materiais nos
armários, o jardim foi construído pelos próprios participantes e demais caracterís-
ticas do ambiente físico foram alteradas, como a pintura das paredes, de modo a
torná-lo mais alegre, colorido e menos “cara de hospital”. Pacheco (2021), a partir
das mudanças observadas nos usuários, definiu essa experiência como a possibi-
lidade de criação de um espaço de luta micropolítica, de valorização do cotidiano
e de produção de novos sentidos para as vidas dos participantes.

Ainda no âmbito do grupo “Arte e Convivência”, os desenhos e as pinturas


foram ferramentas terapêuticas relevantes para a saúde mental dos usuários do

112
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

CAPS. As imagens possibilitaram o “compartilhamento e a construção conjunta


das representações visuais sobre temas de difícil acesso e intensa mobilização
afetiva” (PACHECO, 2021, p. 366), favorecendo a circulação de novos afetos,
questionamentos, integração, identificação, conexão, comunicação e o fortaleci-
mento do grupo. Com isso, foi possível observar alterações nos cursos dos sinto-
mas manifestos pelos usuários, na direção da promoção da saúde mental e novos
modos de lidar com o sofrimento psíquico.

Ao encontro das contribuições de Nise da Silveira, Pacheco (2021, p. 367) reafir-


ma “a necessidade de afeto e liberdade de ser como elementos essenciais a qualquer
tratamento em saúde mental. [São] elementos que servem como suporte à tentativa
de organização psíquica e minimização dos efeitos do sofrimento e do isolamento”.

Para saber mais, no Capítulo 11 do livro Psicologia e cultura: teo-


ria, pesquisa e prática profissional, de Madureira e Bizerril (2021),
Juliana Pacheco detalha alguns casos individuais de pessoas
que transformaram o seu processo de saúde e doença no contex-
to das atividades do grupo “Arte e Convivência”.

PACHECO, J. G. Arte e convivência: uma experiência de cons-


trução do cuidado em um serviço de saúde mental. In: MADU-
REIRA, A. F. do A.; BIZERRIL, J. (orgs.). Psicologia & cultura:
teoria, pesquisa e prática profissional. São Paulo: Cortez, 2021.

Além do contexto específico do SUS, outras propostas são realizadas no


sentido do cuidado em saúde mental, como é o caso da ONG Inverso, no Dis-
trito Federal, que acolhe pessoas em sofrimento psíquico, especialmente casos
de psicose. Como o próprio nome sugere, a referida ONG propõe ser o inverso,
o oposto das formas manicomiais de lidar com as psicopatologias. De encontro a
essa visão segregadora, busca ajudar o usuário na sua experiência subjetiva e
na construção de um espaço de livre circulação, em que as pessoas possam ser
livres da maneira como são, utilizando-se de recursos integrativos, como música,
artesanato, argila, concurso de poesias, entre outros (SOUZA, 2009).

No que tange ao trabalho com os usuários, Souza (2009) destaca o interesse


em compreender a forma do sujeito estar no mundo, lidar com a realidade e seus
sintomas, com o simbólico e com o imaginário em sua subjetividade psíquica, en-
tendendo em que posição se encontra o sujeito diante da linguagem. Por vezes,
especialmente no manejo do cuidado com sujeitos psicóticos, é necessário “dar

113
Psicopatologia

lugar àquilo que escapa a nossa operação cotidiana de sentido” (SOUZA, 2009, p.
18), reconhecendo a diferença existente nessa estrutura psíquica.

O trabalho inclui a recusa da anulação do “louco”, de modo a compreender


a psicose como uma outra dinâmica possível de existir no mundo, assim como a
neurose e a perversão. No manejo do profissional com o sujeito, faz-se neces-
sário penetrar na lógica do sujeito a fim de permitir a construção dos lugares de
localização para ele, bem como possíveis saídas para seus sintomas.

Tendo em vista as experiências relatadas e, ao encontro do que é discutido


por Pacheco (2021), podemos perceber que a chamada clínica ampliada está em
constante (re)construção, já que é sempre articulada aos processos sociais, com-
plexos e dinâmicos que envolvem as diferentes subjetividades. Dessa maneira,
vimos a perspectiva do cuidado para além da dimensão médica e biológica.

Nessa clínica, não existem respostas prontas e imediatas, já que muitas es-
tratégias e saídas precisam ser construídas em conjunto, sendo passíveis ain-
da de reformulação em determinado momento. Assim, são priorizados serviços
e intervenções de inserção social, de resgate cultural, de convivência, além da
autonomia e liberdade dos usuários. “Procura-se redescobrir a força do coletivo,
do contato humanizador e fortalecedor com o outro na busca de caminhos para
lidar com problemas e sofrimentos que são, muitas vezes, comuns” (PACHECO,
2021, p. 356).

Contudo, no âmbito da atuação profissional em saúde mental, também se


percebe uma formação hospitalocêntrica e autoritária, com pouca ou nenhuma
atuação nos sentidos político, crítico e sensível à realidade brasileira, tampou-
co interdisciplinar. Para tanto, é necessário sair de uma postura autoritária para
assumir um lugar de compartilhamento, de pensar em conjunto e de convivência
(RESENDE, 2021).

Nesse processo, os profissionais integrantes das diferentes equipes interdis-


ciplinares são levados a romper com as rígidas fronteiras das disciplinas acadê-
micas, de modo a dialogar com outras áreas do saber. Além disso, acabam por se
deparar com incertezas, com o não saber e com possíveis inseguranças que po-
dem surgir nessa abordagem de trabalho, incluindo a reelaboração das próprias
representações e crenças relativas à loucura (PACHECO, 2021).

Apesar dos avanços políticos e legislativos decorrentes da Reforma Psiqui-


átrica e da Política Nacional de Saúde Mental, ainda coexistem os modelos ma-
nicomial e psicossocial, como podemos perceber com a existência de hospitais
psiquiátricos pelo país. Além disso, mesmo nos serviços substitutivos, por vezes é
possível perceber o funcionamento da lógica manicomial mediante, por exemplo,

114
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

a valorização da terapia medicamentosa em detrimento de outras formas inter-


ventivas, como grupos e oficinas terapêuticas.

Nos manicômios, era negado aos internos o direito à palavra, ao reconheci-


mento como sujeito, à liberdade e ao convívio social, o respeito à singularidade,
entre outros direitos básicos ao ser humano. Já os serviços substitutivos propõem
intervenções que privilegiam a inserção e a convivência social e o resgate cultural,
buscando o resgate da autonomia e da liberdade do sujeito (PACHECO, 2021).

Em suma, podemos afirmar que o livre curso das expressões, as quais po-
dem ser trabalhadas por diferentes estratégias terapêuticas, como a arte, propicia
ao sujeito a busca pelo autoconhecimento, pelo seu lugar no mundo e novos mo-
dos de lidar com os seus sintomas, ainda que fora do padrão socialmente aceito e
compreendido como normal.

1 Considerando o tema do cuidado em saúde mental, classifique V


para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A Clínica Ampliada, decorrente do modelo psicossocial, prioriza


a convivência como estratégia terapêutica.
( ) No modelo psicossocial, não há espaço para medicalização.
( ) A arteterapia é uma possibilidade de intervenção terapêutica re-
conhecida pelo Ministério da Saúde.
( ) Podem ser utilizados, na arteterapia, instrumentos, como pin-
tura, colagem, modelagem, poesia, dança, fotografia, tecelagem,
expressão corporal, teatro, sons, músicas ou criação de persona-
gens.
( ) A Reforma Psiquiátrica Brasileira visou romper com o modelo ma-
nicomial e teve, como uma de suas porta-vozes, Nise da Silveira.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) F – V – V – F – F.
b) V – F – V – F – V.
c) F – V – F – V – V.
d) V – F – V – V – V.

115
Psicopatologia

4 O CENÁRIO DE PANDEMIA E AS
NOVAS DISCUSSÕES NO CAMPO DA
SAÚDE MENTAL
Durante o estudo que realizamos até aqui, vimos nos capítulos anteriores
que o comportamento humano, as concepções de mundo e as diferentes psico-
patologias só podem ser compreendidos no âmbito do contexto histórico-cultural,
das relações sociais, dos valores e das crenças que mediam a nossa relação com
o mundo.

A própria tecnologia, como menciona Bezerra Júnior (2020), é uma ferramen-


ta que está na base de profundas transformações históricas que constituem a
humanidade. Na medida em que os aparatos tecnológicos avançam, ocorre uma
expansão dos recursos cognitivos e da capacidade de agir dos sujeitos, trans-
formando a relação não só de cada pessoa com a tecnologia, mas também com
a natureza e as formas de convivência social. Dessa maneira, a experiência e a
realidade são alteradas. Em uma via de mão dupla, o ser humano inventa a tecno-
logia e, ao mesmo tempo, é reinventado por ela.

Cabe ressaltar que, quando falamos de tecnologia, não estamos nos referindo
necessariamente aos recursos digitais ou eletroeletrônicos, como o computador e o
celular, mas também a toda e qualquer técnica que tenha se desenvolvido ao longo
do tempo mediante a intervenção humana para atingir determinado fim. A roda, por
exemplo, surgiu no período pré-histórico a partir da manipulação de materiais da
natureza, como a madeira, o que possibilitou o transporte mais rápido.

Figura 4 – A evolução da roda

Fonte: https://www.infoescola.com/historia/tecnologias-
na-pre-historia/. Acesso em: 17 ago. 2022.

Como pôde ser observado na figura anterior, a evolução da roda foi uma trans-
formação tecnológica que alterou a relação do ser humano com a natureza e com o

116
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

mundo. No decorrer do tempo, com o manuseio do metal, da borracha e de outros


aparatos tecnológicos à época, foi possível o desenvolvimento de rodas que aten-
dessem às novas necessidades humanas, como a confecção do carro.

Na contemporaneidade, o avanço dos recursos tecnológicos está cada vez


mais rápido e presente nas nossas atividades cotidianas, especialmente a partir da
pandemia da Covid-19, reconhecida como tal no início do ano de 2020. Fomos sur-
preendidos com a fragilidade da vida, com medos e incertezas em nível mundial. A
necessidade de isolamento social como medida sanitária de prevenção e de contro-
le da doença reduziu a nossa liberdade de ir e vir. Logo, as relações sociais se mo-
dificaram, sendo restritas a formas de cumprimento sem contato físico, além do uso
de máscaras, de álcool em gel e de demais aparatos. O trabalho em home office e
o estudo no formato remoto se tornaram uma realidade para muitas pessoas, o que
acelerou a expansão da experiência tecnológica (CAPOULADE; PEREIRA, 2020).

No âmbito da saúde mental, numa realidade de distanciamento social, o supor-


te tecnológico tornou possível a continuidade dos tratamentos de forma virtual. Ini-
cialmente, havia uma hesitação em pontos muito importantes, como receber novos
pacientes, clínica com crianças, trabalhos clínicos com psicóticos, tratamento de
pacientes com risco iminente de suicídio etc. Tais situações podiam contribuir para
que não se aderisse a essas tecnologias de modo mais amplo, já que havia um ris-
co considerável (CAPOULADE; PEREIRA, 2020).

Contudo, Capoulade e Pereira (2020) afirmam que os tratamentos mediados


por dispositivos virtuais mostraram-se um recurso positivamente útil e promissor,
superando os limites geográficos.

Ainda no âmbito do atendimento clínico em psicanálise, Costa (2020) mencio-


na a substituição das análises presenciais nos consultórios pelo acompanhamento
dos analisandos por meio do WhatsApp, do telefone, entre outros. Como efeitos da
pandemia, observados após alguns meses de atendimento on-line, observou-se o
aumento do sentimento de angústia e da demanda de suporte dos analistas. Apesar
do isolamento social necessário no momento de crise sanitária, a autora considera
que o movimento de esgarçamento do laço social já vinha acontecendo, em alguma
medida, antes mesmo do surgimento da Covid-19. Todavia, nota-se que a situação
de confinamento potencializou os sintomas já presentes, como angústia, inibição,
depressão, pânico, apatia, desorganização do Eu, entre outros.

Estudamos no Capítulo 1 acerca do desamparo inerente a todo ser humano,


sendo que este sentimento é intensificado em momentos de crise e de insegurança,
como é o caso da pandemia, cujo vírus é compreendido como uma ameaça invisí-
vel. Isso nos coloca, em um primeiro momento, à frente do não saber, da impotência
de como sair da fragilidade a que fomos submetidos. Aos poucos, foi possível obter

117
Psicopatologia

algum tipo de amparo no discurso da ciência, com as medidas de prevenção e, fi-


nalmente, com a vacina (COSTA, 2020).

De todo modo, mesmo que o impacto da pandemia do novo coronavírus na


saúde mental das pessoas ainda esteja sendo estudado, as implicações desse
acontecimento já têm sido relatadas na literatura científica. O aumento da incidên-
cia de transtornos mentais e de traumas psicológicos decorrentes da infecção pelo
vírus ou das consequências secundárias, como a morte de entes familiares ou ami-
gos, já tem sido considerado como a quarta onda da pandemia.

Figura 5 – As ondas da pandemia da COVID-19

Fonte: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/12/Guia-de-
saude-mental-pos-pandemia-no-Brasil.pdf. Acesso em: 17 ago. 2022.

Além da perda de entes queridos, outras causas possíveis estão relacionadas


à ação do próprio vírus no organismo, às experiências traumáticas decorridas da
infecção, ao estresse produzido pelas mudanças na rotina da casa e do trabalho,
ao distanciamento social, à interrupção de tratamentos e às consequências econô-
micas. Tais fatores não são independentes e podem estar associados, sendo que a
ocorrência de várias situações ao mesmo tempo eleva o risco de desenvolvimento
ou agravo de transtornos mentais (NARDI et al., 2020). Por exemplo, os casos de
pessoas que perderam mais de um familiar próximo, perderam o emprego e foram
acometidas por algum tipo de sequela do coronavírus.

O convívio prolongado dentro de casa também aumentou o


risco de desajustes da dinâmica familiar. Somam-se a isso as
reduções econômicas e o desemprego, que pioram ainda mais
a tensão sobre as famílias. Por último, as mortes de entes que-
ridos em um curto espaço de tempo, juntamente à dificuldade
para realizar os rituais de despedida, podem dificultar a ex-
periência de luto, impedindo a adequada ressignificação das
perdas e aumentando o estresse (NARDI et al., 2020, p. 19).

118
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

No caso de crianças e adolescentes, ainda que não tenham sido o foco de pre-
ocupação no contexto da crise sanitária, pela baixa incidência e casos de gravida-
de decorrentes da contaminação desses pelo novo coronavírus, esses grupos são
considerados vulneráveis, especialmente pelas variáveis ambientais. Dentre estas,
podemos citar: estresse dos pais, perdas econômicas, confinamento e afastamento
dos amigos, cenas catastróficas transmitidas pela mídia (hospitais sem leitos de
UTI, cemitérios construídos às pressas, pessoas sem oxigênio etc.), ensino a dis-
tância, violência doméstica, consumo abusivo de álcool, desemprego dos pais e
insegurança de moradia.

Esses fatores podem levar a alterações no funcionamento psíquico, a senti-


mentos intensos de medo e insegurança, a prejuízos no desenvolvimento psíquico,
a dificuldades de aprendizagem, além do desenvolvimento de transtornos mentais,
especialmente pela falta de recursos de enfrentamento suficientes dessas faixas
etárias. Crianças com dificuldades de atenção e/ou comportamentos hiperativos,
por exemplo, podem desenvolver um quadro de Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade, o conhecido TDAH (POLANCZYK; SALUM; ROHDE, 2020).

No entanto, cabe ressaltar a importância de diferenciar reações de estresse,


medo, insegurança e/ou ansiedade de um transtorno. Esse limite é de difícil apreen-
são e necessita de uma avaliação de profissional especializado, que deve se aten-
tar à persistência dos sintomas ao longo do tempo, ao ambiente no qual se insere a
criança, como o contexto familiar, ao nível de sofrimento e prejuízos e à existência
de sintomas prévios (POLANCZYK; SALUM; ROHDE, 2020). Todos os aspectos
mencionados também podem estar associados ao adoecimento mental em adultos
e idosos.

Ademais, a quantidade de informações, especialmente por meio da internet,


também apresenta impactos na saúde mental. Não só o excesso de notícias, mas
a disseminação de fake news pode aumentar a ansiedade, a hipocondria e a ocor-
rência de quadros psiquiátricos em geral, como a depressão. Por isso, algumas
alternativas possíveis para lidar com as consequências da pandemia de forma
saudável são:

• Acessar informações de fontes seguras e com respaldo científico para


evitar expectativas e crenças fantasiosas.
• Não exagerar na busca de informações, sendo necessário filtrar não só o
tipo de notícia, como também a quantidade.
• Conversar, ler e nos informar também sobre outros assuntos.
• Buscar praticar atividades físicas regularmente.
• Ter momentos de pausas para atividades que geram prazer.
• Reconhecer os próprios limites e buscar ajuda profissional sempre que
necessário.

119
Psicopatologia

• Manter bons hábitos de sono e de alimentação, entre outros (NARDI;


BERNIK, 2020).

Esses exemplos são importantes também para evitar os transtornos de estres-


se pós-traumático, de estresse agudo, de adaptação e depressivo. Este último, du-
rante o período pandêmico, foi agravado por fatores, como o uso abusivo de álcool
(SOUZA; SOEIRO-DE-SOUZA, 2020). Além disso, um estudo feito nos dois primei-
ros meses da pandemia já revelou, naquele momento, o impacto desse cenário na
saúde mental dos brasileiros.

Um estudo feito pelo Instituto de Psicologia da Universidade


do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) estudou 1.460 brasileiros
entre março e abril de 2020, e apontou que os casos de trans-
torno depressivo maior praticamente dobraram desde o início
da quarentena. Entre março e abril, dados coletados on-line
indicam que o percentual de pessoas com TDM saltou de 4,2%
para 8,0%, enquanto que, para os quadros de ansiedade, o
índice foi de 8,7% para 14,9% (SOUZA; SOEIRO-DE-SOUZA,
2020, p. 58).

Outro ponto que merece destaque é a posição dos profissionais que atuam
em saúde mental, especialmente os que atuaram na linha de frente de combate
ao novo coronavírus. Em outro contexto, o da atuação psicanalítica, Costa (2020)
menciona os relatos de maior cansaço na nova forma de trabalho virtual. Aqui,
complementamos essa constatação compreendendo esse desgaste em virtude
da maior frequência de demanda dos pacientes, o que recai sobre a maior de-
manda de trabalho; da própria angústia individual e incertezas pessoais frente
à Covid-19, o que afeta a saúde mental; além da fadiga que decorre da intensa
atuação profissional e demais situações rotineiras diante das telas, bem como a
restrição das atividades de lazer.

Tendo em vista o contexto apresentado, a Síndrome de Burnout


tem cada vez mais atingido a população brasileira, sendo tema
de muita discussão atualmente. De acordo com uma reportagem
da CNN Brasil, o home office e o trabalho híbrido têm desenca-
deado casos de burnout, especialmente a partir da pandemia da
Covid-19. Ainda na referida reportagem, é apontado um estudo
que mostrou que 32% dos entrevistados afirmaram piora na saú-
de mental por conta do trabalho a distância. ________________

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/home-office-e-traba-
lho-hibrido-desencadearam-casos-de-burnout-entre-jovens-apon-
ta-estudo/. Acesso em: 17 ago. 2022.

120
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

A Síndrome de Burnout foi reconhecida recentemente como problema associa-


do ao emprego pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a partir do ano de 2022,
com a nova edição da CID (11ª edição). Segundo a OMS (2022), ela é definida
como uma síndrome resultante do estresse crônico no local de trabalho que não
foi gerenciado com sucesso. Conhecida também como síndrome do esgotamento
ocupacional, é caracterizada pela OMS por três dimensões:

1) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia;


2) aumento da distância mental do trabalho, sentimentos de negativismo ou
cinismo em relação ao trabalho; e
3) uma sensação de ineficácia e falta de realização em relação ao trabalho.

Figura 6 – Síndrome de Burnout

Fonte: https://vejario.abril.com.br/coluna/gilberto-ururahy/cansaco-
home-office-explosao-burnout/. Acesso em: 17 ago. 2022.

Após a atualização da CID, a síndrome passou a ser reconhecida como uma


doença ocupacional, associada ao trabalho e não ao trabalhador, decorrente do es-
tresse, tensão e esgotamento emocional e/ou físico relativos ao ambiente de tra-
balho. Como discutido na seção anterior, a classificação de doenças e dos seus
respectivos códigos são úteis para a identificação de determinado problema e para
ações de caráter burocrático. Agora as empresas podem ser responsabilizadas e in-
vestigadas no sentido de avaliar o ambiente de trabalho e possíveis prejuízos para
o trabalhador, como casos de assédio moral.

Ainda no sentido dos impactos do uso da tecnologia, especialmente a partir da


Covid-19, a nova edição da CID trouxe o gaming disorder, ou, em português, o dis-
túrbio de jogo (OMS, 2022). Este é caracterizado por um padrão de comportamento
de jogo persistente ou recorrente, seja em formato on-line ou off-line, resultando em
sofrimento intenso e prejuízos importantes na vida pessoal, familiar, social, educa-
cional, ocupacional, entre outras áreas da vida do indivíduo. Como principais mani-
festações, estão:

121
Psicopatologia

• Dificuldade de controle sobre o jogo, seja em relação à frequência, à in-


tensidade, à duração, ao término ou ao contexto.
• O jogo é priorizado em detrimento de outras atividades da vida.
• Persistência na continuação ou escalada do jogo apesar da ocorrência
de consequências negativas.

Contudo, cabe ressaltar a preocupação existente com o diagnós-


tico de transtornos mentais pós-pandemia. A professora de psico-
logia Valéria Barbieri, da Universidade de São Paulo (USP), cha-
ma a atenção para essa temática em uma entrevista concedida
ao jornal da USP. Na direção do que discutimos neste capítulo,
ela salienta a complexidade de realizar o diagnóstico de uma do-
ença mental.

Com o advento da pandemia da Covid-19 e o agravamento de


variados sintomas, como ansiedade, estresse e desadaptação, a
busca por psiquiatras e psicólogos aumentou consideravelmente,
já sendo falada da “pandemia de saúde mental” e consequente
banalização do diagnóstico. Se há um comportamento ou sinto-
ma que está causando algum tipo de sofrimento para o sujeito,
isso merece atenção, porém, não é suficiente para dizer que a
pessoa apresenta um transtorno. O diagnóstico é algo muito de-
licado e avaliado em profundidade, principalmente em casos de
crianças. Os novos hábitos de limpeza e higiene, por exemplo,
por mais “exagerados” que possam ser, não são suficientes para
dizer que a pessoa tem TOC.

Fonte: https://jornal.usp.br/atualidades/diagnostico-de-transtor-
nos-mentais-pos-pandemia-preocupa-especialistas/. Acesso em:
17 ago. 2022.

1 Com base nos conteúdos apreendidos no decorrer deste capítulo,


podemos afirmar que:

a) A quarta onda da pandemia da Covid-19 é caracterizada pela


ocorrência de transtornos mentais ainda não existentes.

122
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

b) A síndrome de burnout é caracterizada pelo esgotamento emo-


cional, independentemente do contexto em que ele ocorra.
c) O uso da tecnologia é prejudicial para a saúde mental.
d) O contexto sócio-histórico, incluindo o desenvolvimento tecnoló-
gico, tem impacto nos modos de ser e de se relacionar dos indi-
víduos, podendo alterar os padrões de normalidade adotados no
campo da saúde-doença.

123
Psicopatologia

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
No presente capítulo, realizamos uma trajetória que passou pela questão do
diagnóstico e das principais classificações, seguidas das estratégias de cuidado e
também das novas discussões no campo da saúde mental, especialmente a partir
da pandemia da Covid-19.

Nesse sentido, estudamos os aspectos envolvidos no diagnóstico, suas contri-


buições e limitações, considerando a complexidade do campo da saúde mental e o
contexto sociocultural nos quais o sujeito se insere. Se, por um lado, o diagnóstico
tem o potencial de rotular e reduzir o sujeito aos sintomas, por outro, ele pode ser
útil para dar sentido à experiência subjetiva e o auxiliar a lidar melhor com o seu
sofrimento. Todavia, a avaliação diagnóstica deve ter um caráter processual e utili-
zar-se de diversos instrumentos e indicadores do estado mental do sujeito. Vimos
que um dos principais recursos utilizados para este fim são as entrevistas, a fim de
avaliar a história de vida do indivíduo, o desenvolvimento de sintomas, o contexto
social, familiar, cultural e laboral em que ele vive, entre outros.

Os critérios diagnósticos presentes nos principais documentos classificató-


rios, como o DSM e a CID, não são suficientes, por si só, para afirmar um diag-
nóstico. Todavia, utilizamos esses critérios para melhor compreensão dos princi-
pais transtornos presentes na atualidade, os quais fazem parte das classificações
de personalidade, de ansiedade e os alimentares. Ainda que sejam pautados em
descrições objetivas, podem ser úteis também para fins de comunicação entre os
profissionais de saúde, desenvolvimento do campo científico e pleito de direitos e
recursos, por exemplo.

Vimos também que as classificações nosológicas fazem parte historicamente


de uma perspectiva psiquiátrica e organicista, utilizada no campo da saúde men-
tal para embasar o formato manicomial e hospitalocêntrico. A partir da Reforma
Psiquiátrica Brasileira, esse modelo foi substituído pelo psicossocial, ainda que
eles coexistam até os dias de hoje. A política de saúde mental instituiu os serviços
substitutivos, como os CAPS, em defesa da convivência social e da liberdade dos
sujeitos em sofrimento mental. Nesse sentido, muitas estratégias de cuidado são
adotadas para além das médicas, psicológicas e assistenciais, como é o caso da
arteterapia.

De modo geral, a arte e os seus recursos, como a pintura, a música, o artesa-


nato, o desenho, entre outros, propiciam a expressão do inconsciente, o compar-
tilhamento de experiências, o estabelecimento de vínculos e novas possibilidades
de circulação de afetos e sintomas. Isso foi possível observar nos relatos de ex-
periências descritos, além da importância do trabalho interdisciplinar, do posicio-

124
Capítulo 3 DIAGNÓSTICOEESTRATÉGIASDECUIDADONOCAMPODAPSICOPATOLOGIAL
:IMITESENOVASPERSPECTIVAS

namento ético-político dos profissionais de saúde e da constante reinvenção dos


modos de saber-fazer.

Na esteira dos impactos sócio-históricos na vida cotidiana e dos sofrimen-


tos a ela inerentes, consideramos a abordagem do contexto pandêmico e seus
impactos, ainda que seja um tema em estudo e desenvolvimento. Vimos que a
pandemia da Covid-19 e a consequente necessidade de adoção de medidas sa-
nitárias, como as de isolamento social, intensificou significativamente os sintomas
associados ao sofrimento psíquico, além do uso das tecnologias no cotidiano. As-
sim, novas práticas passaram a fazer parte da vida de muitas pessoas, como o
trabalho home office, elevando a quantidade de diagnósticos da Síndrome de Bur-
nout, reconhecida em 2022 pela OMS como doença ocupacional. Outra novidade
foi a classificação na nova versão da CID dos distúrbios associados aos jogos.

Por fim, cabe advertir para o cuidado com a manutenção do distanciamento


das relações interpessoais pós-pandemia, além da proliferação de diagnósticos
que têm surgido, intensificada pela pandemia da Covid-19, atentando-se para os
riscos de medicalização das adversidades da vida cotidiana e de banalização dos
transtornos mentais.

125
Psicopatologia

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