Estruturas Psicanaliticas Completo
Estruturas Psicanaliticas Completo
Estruturas Psicanaliticas Completo
AULA 2
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desejo selvagem para um desejo socializado, e a aceitação igualmente
dolorosa de que nossos desejos jamais serão capazes de se satisfazer
totalmente. (Nasio, 2007, p. 10)
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conceitual do complexo de Édipo como operador clínico foi elaborado ao longo
de toda a sua obra.
Édipo assassinou o seu pai e casou-se com a sua mãe e, para Freud, o
efeito trágico da peça se efetua ao ecoar nos espectadores o reconhecimento de
seus desejos criminosos, a saber: o assassinato do pai e o incesto com a mãe.
Garcia Roza, em seu livro Introdução à metapsicologia Vol. II (2008), enfatiza
que a verdade do parricídio e do incesto só emerge para Édipo no final do
processo, pois entre a certeza do rei Édipo (ser herói) e a verdade do criminoso,
interpõe-se um processo que transforma o primeiro momento no segundo, sendo
este o produtor-revelador da verdade de Édipo.
Em primeiro lugar, para Freud, o complexo de Édipo vem vinculado à
interdição do incesto, diferentemente do que ocorreu na peça, onde após
assassinar o pai, Édipo casa com a mãe e tem quatro filhos. Mas o que se segue
da peça mostra que Édipo, ao descobrir seu ato incestuoso, fura seus olhos, se
autocegando, o que, para Freud, configura-se uma punição, que equivale ao que
ele nomeou de castração, uma consequência lógica da vivência edipiana.
O mito de Édipo forneceu a Freud a estrutura de um desejo criminoso que
se articula a uma proibição de um impossível de ser suportado. Por outro lado,
por se tratar de um desejo, o sujeito se divide — rejeitando na consciência o
desejo proibido e conservando no inconsciente, “entre não querer saber e um
saber que não cessa de se escrever”, como declara Quinet em seu livro Édipo
ao pé da letra (2015).
Portanto, a condição de não saber do Édipo é a condição legitima do
inconsciente, enquanto saber não-sabido, isto é, o saber inconsciente do qual o
sujeito não quer conscientemente saber. Assim, o destino do complexo de Édipo
tende sempre ao recalque, que resulta, como veremos, em algumas
consequências psíquicas.
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onde explica que o pênis está em posse comum a ambos os sexos, portanto, o
falo é universal.
Mas com o surgimento da imagem “acidental” do órgão genital feminino,
faz emergir a primeira negação da falta de pênis e, posteriormente, a conclusão
de que ele esteve lá, mas foi arrancado. Assim, para o menino, ele conclui que
ele também pode ser castrado (ameaça de castração).
Para a menina, a visão do pênis faz com que repare na sua falta
(castrada). Dessa forma, Quinet (2015) declara: “Doravante, o falo imaginário,
objeto ameaçado de perda para um, e objeto de inveja para outro, é inscrito na
subjetividade, para ambos os sexos como faltante (-). Nesse momento, que
representa o declínio do Édipo para os meninos e a entrada no drama edípico
das meninas, Freud estabelece o surgimento do supereu, como o herdeiro do
complexo de Édipo, cujas exigências serão paradoxais, pois ao mesmo tempo
que exige que se cumpra a lei, ordena a sua transgressão. Veremos isso adiante.
Mas o que precisamos destacar por ora é que tal momento que constitui
o complexo de castração é o momento de instauração da lei, pois, em termos, é
a ameaça a castração que valida a vivência edipiana e funda a relação do ser
humano através da interdição universal, a lei do incesto.
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Trata-se da experiência que está para além do princípio do prazer, o gozo
oriundo daquilo que escapa a simbolização do complexo de Édipo, que mais
tarde Lacan textualiza pelo não inscrição da relação sexual.
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O gozo do pai desaparece com a sua morte e fica a Lei da interdição
do incesto e o nome (substituto do pai que é um animal) como
significante da lei e insígnia identificativa daquela “tribo”. Assim, o
Nome-do-Pai elaborado por Lacan a partir do mito de totem e tabu
nomeia o pai da lei e o pai da nomeação (função que Lacan atribuirá
ao Nome-do-Pai nos anos 1970). (Quinet, 2015, p. 26)
7
ensina a ler o Édipo pela “metáfora paterna” uma operação lógica dos
significantes que terá como resultado a inscrição do Nome-do-Pai no lugar do
Outro.
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Para que os significantes possam se substituir, eles devem estar
encadeados e deve haver uma identidade entre eles, porque a
identidade se dá pela posição, e, para haver pareamento posicional, é
indispensável uma cadeia significante articulada. Portanto, se a
metáfora se faz por uma articulação posicional, a condição para que
ela exista é que haja articulação significante e que, nesta articulação,
cada elemento ocupe a posição específica que lhe caiba. Um
significante resta e outro é elidido. O significante que cai no decorrer
desta operação não sai totalmente de cena. Ele se mantém em uma
relação metonímica com o restante da cadeia.
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O Nome-do-Pai é um significante e não uma pessoa, ele está no discurso
da mãe, declara Antonio Quinet (2015). Assim, Lacan propõe uma operação
simbólica, fundamental, que corresponde em Freud à epopeia edipiana, que
efetuara a inscrição do Nome-do-Pai, o significante que permite a simbolização
da procriação, isto é, da posição feminina e masculina na partilha dos sexos. Em
última análise, o significante do Nome-do-Pai é o significante que estrutura o
inconsciente como uma linguagem e instaura a ordem das leis de linguagem —
metáfora e metonímia, portanto, trata-se do significante primordial para a
organização psíquica.
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negativo (-φ), pois evoca nos homens a castração e nas mulheres a inveja desejo
de pênis. Lacan faz da metáfora paterna a sua releitura do Édipo freudiano.
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é fundada a sua entrada na linguagem, posto que é possível situar o par
significantes (S1 – S2) base da cadeia significante, por onde se desloca o sujeito.
Quinet diz assim:
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• 3º tempo: configura-se pelo declínio do complexo de Édipo, onde o
menino passa da posição inicial de ser o falo à posição de ter o falo,
podendo a partir daí dar uma significação ao seu pênis. Nesse sentido, a
figura do pai, enquanto marido da mãe, é tomado como modelo de
identificação do Ideal do eu, cuja matriz simbólica é o significante do
Nome-do-Pai. A mulher se situará como o objeto de desejo do homem,
ser o falo.
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Lacan faz a distinção de dois falos, o falo como significante do desejo
resultado da inscrição simbólica (ɸ) e o falo significado, que é o objeto imaginário
da castração (-φ). Suas articulações se inscreve no processo da metáfora
paterna, que se efetua no processo edipiano, onde um laço vem se estabelecer
entre eles, por suas funções respectivas, como situa Patrick, não são
intercambiáveis, naquilo que Lacan chama de heteróclito do complexo de
castração — termo que aparece para lembrar que os elementos reais,
imaginários e simbólicos que o organizam são heterogêneos.
NA PRÁTICA
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Sobre o seu casamento, diz que na faculdade conheceu um rapaz muito
bonito e que ele gostou dela, pois ela sempre chamou muita atenção. Assim,
eles começaram a namorar, ficaram noivos, sem saber o real motivo, pois
brigavam muito, ele vivia na praia e não gostava de trabalhar, mas que mesmo
assim se casaram, pois queria ter um casamento bem chique e eles juntos
faziam um belo casal. O casamento durou menos de um ano, um dia ele saiu e
não voltou mais. O seu pai conseguiu anular o casamento e, depois dele, nunca
quis ficar com ninguém.
O decorrer de suas sessões foi marcado por relatos de intrigas familiares.
Ela declaradamente odeia a sua mãe, chegando a agredi-la fisicamente, e nutre
um amor sexual pelo seu pai. Suas declarações não passam por nenhum crivo
de censura.
Portanto, nesse curto recorte de um caso clínico, é possível notar que no
discurso da paciente, o desejo como causa é esvaziado, pois a vivência edipiana
que funda o desejo através da interdição do incesto não ocorreu. Nesse caso, a
hipótese do diagnóstico estrutural é de uma psicose com delírios paranoicos.
FINALIZANDO
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psiquismo com o significante do Nome-do-Pai, que articula a Lei e desejo
[lei (do pai) e desejo (pela mãe)].
4. Na releitura do complexo de Édipo em Lacan, ele vai resumir o complexo
de Édipo na metáfora paterna, onde o Nome-do-Pai surge como um novo
termo que vem barrar o gozo do Outro, destruído a identificação da
criança com o falo da mãe. E elabora os três tempos lógicos do Édipo: 1º)
A criança está identificada ao falo materno (mãe-bebê-falo); 2º) A criança
perde a identificação ao falo e recalca, simbolizando a ausência da mãe
pelo Nome-do-Pai (recalque originário); 3º) A saída do complexo de Édipo,
onde a questão do falo é colocada entre o ser e o ter.
5. A problemática do falo: Lacan faz a distinção de dois falos, o falo como
significante do desejo resultado da inscrição simbólica (ɸ) e o falo
significado, que é o objeto imaginário da castração (-φ).
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REFERÊNCIAS
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ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS
AULA 3
a’ A
Lacan declara que tudo que acontece com o sujeito depende do que
acontece em A. Então, se o Outro foi barrado pelo Nome-do-Pai, as questões do
sexo e da existência do sujeito se colocaram no Outro em A (tesouro do
significante); assim, as questões ficaram barradas pelo muro da linguagem (a-
a’), eixo narcísico. Desse modo, o sujeito neurótico só terá acesso a elas pelas
formações do inconsciente (lapso, sonho, ato-falho).
Portanto, o neurótico paga um preço para entrar na linguagem, e o preço
é o Édipo, que lhe condenará à falta através da castração simbólica. Não pagar
esse preço equivale a escolher o campo da psicose.
Nesta etapa, primeiramente vamos desenvolver um breve estudo sobre a
evolução conceitual da constituição das estruturas clínicas, isolando os
principais mecanismos que caracterizam cada estrutura na teoria freudiana. Em
seguida, vamos estabelecer o desenvolvimento conceitual proposto por Lacan.
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TEMA 1 – ESTRUTURAS CLÍNICAS EM FREUD
Quadro 1 – Neuroses
Ia Ib A II B III
Até 4 anos Até 8 (De 8 a 10 Até 14
(de 13 a 17 Até X
anos anos) anos
anos)
Pré- Segunda Pré- Maturidade
Puberdade
consciente Infantil dentição puberdade
Histeria Cena Recalque Recalque
N. obsessiva Cena Recalque Recalque
Paranoia Cena Recalque
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Na histeria, as cenas ocorreriam no primeiro período da infância, época
em que os resíduos de memória não são traduzidos em imagens
verbais. Assim, o resultado do despertar dessas cenas nas fases A e
B é sempre uma conversão, pois a tradução é impedida pela atuação
conjunta da defesa como excesso de sexualidade. Na neurose
obsessiva, as cenas seriam referentes a uma época em que já existe
tradução em palavras, e seu despertar, nas épocas II e III, provoca a
formação de sintomas psíquicos. Na paranoia, as cenas ocorrem na
época II, sendo despertadas em III, na maturidade, e a defesa
manifesta-se pela desconfiança.
5
elementos necessários para o seu estudo, levando a cabo a sua tese a respeito
do mecanismo próprio da psicose.
Lacan (1988) dedicou um seminário às psicoses, partindo dos termos
Verneinung e Verwerfung, que são retomados da obra freudiana e devidamente,
distinguidos. O primeiro termo diz respeito ao mecanismo responsável por operar
no psiquismo o fenômeno de negação, enquanto o segundo opera uma exclusão
(Verwerfung). Essa distinção será importante para a compreensão da escolha
de estrutura e também para definir o mecanismo específico da psicose – afinal,
segundo Lacan, a Verwerfung é um acontecimento anterior ao Verneinung, cujo
mecanismo pressente o juízo, que diz respeito à censura que opera o recalque.
A Verwerfung é, então, o ponto de partida de Lacan para construir a sua
tese sobre o mecanismo da psicose. Ele declara tratar-se de uma falha no
registro simbólico, situado na origem da vida psíquica, sendo portanto o primeiro
tempo lógico do processo de estruturação do sujeito, anterior ao recalque e à
formulação do juízo.
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oferecer à revelação do ser”. Desse modo, pode-se compreender que a
Bejahung é uma aceitação de um registro simbólico primordial.
No caminho contrário à Bejahung, temos a Verneinung (negação). Trata-
se da negação que, como afirma Freud no texto A negativa, só pode ser
produzida de algo que, primeiramente, foi afirmado. Assim, a Verneinung é
tributária da afirmação primeira e de ordem do simbólico, não pelo seu valor
simbólico, mas sim pelo seu valor de existência, tendo se constituído por aquilo
que foi expulso, não como se fosse algo inexistente, mas como aquilo que foi
negado – por isso, pode ser encontrado, de modo lógico, pela palavra
inconsciente, pois pode se articular no discurso.
Desse modo, para Freud, a negação se constitui como um modo de tomar
conhecimento do recalcado pelo “não”; ou seja, o não tem o valor de signo da
marca, visto que o juízo gera processos a partir dos quais é realizada a inclusão
no eu ou a expulsão para fora do eu, tudo em complacência com o princípio de
prazer. Portanto, a Verneinung opera em consonância com a Behajung, pela qual
o seu produto pode ser recortado pelo simbólico.
Assim, o efeito da expulsão produzida pela Verneinung é posto em
comparação com a expulsão produzida pelo Verwerfung. Desde aí, Lacan
passará a pensar o início da psicose. Diz assim: “A Verwerfung não está no
mesmo nível da Verneinung. Quando, no início da psicose, o não simbolizado
reaparece no real, há respostas do lado do mecanismo da Verneinung, mas elas
são inadequadas” (Lacan, 1988, p. 106). Isso significa dizer que o sujeito, ao se
deparar com alguma coisa do mundo exterior que não foi primitivamente
simbolizada, é incapaz de produzir uma Verneinung, já que não se trata de um
sentimento que originalmente suprimiu de uma Bejahung, mas daquilo que
nunca existiu.
A Verwerfung não é encontrada na história do sujeito; afinal, como nos
ensina Lacan, ela corta qualquer manifestação simbólica na abertura do ser, pois
trata-se daquilo que não existiu propriamente, ou seja, “nada existe senão na
medida em que não existe” (Lacan, 1998b, p. 394). Isso equivale a dizer que,
não pode se constituir como um saber inconsciente. Assim, o seu caráter é
formado através da percepção da realidade do sujeito, ou, pela formula
lacaniana: “O que não veio à luz do simbólico, aparece no real” (Lacan, 1998b,
p. 390).
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É o caso do “homem dos lobos”, em que a alucinação, o conteúdo
maciçamente simbólico (castração), aparece no real, pelo fato de não existir na
pré-história do sujeito. Trata-se de um significante inconsciente, mas de um
inconsciente que permanecerá exterior ao sujeito, ao qual ele estará ligado
(Lacan, 1998b, p. 394).
TEMA 3 – VERWERFUNG
Nesse sentido, Roland Broca (2017) declara que o sujeito, nesse caso, foi
posto antes da descoberta da diferença sexual, pois havia rejeitado a
significação genital. Freud havia enunciado no mesmo texto: “Todo processo se
torna assim característico do modo como trabalha o inconsciente. Uma
repressão [Verdrangung] é algo diferente de uma rejeição [Verwerfung]”. (Freud
1996d, p. 74).
Nessa ocasião, a Verwerfung é posta em oposição à Verdrangung, pois
trata-se de um mecanismo anterior ao juízo, pelo qual, segundo Lacan, o sujeito
recusa o acesso ao mundo simbólico, pois se trata da própria ausência desse
registro, uma vez que a Bejahung faltou.
Lacan se interessa pelo caso do homem dos lobos, pois encontra nele os
argumentos que precisava para formular a sua tese sobre o conceito da
Verwerfung. Assim, ao analisar a alucinação do dedo cortado do homem dos
lobos, pôde demonstrar uma significação que lhe era desconhecida, já que se
tratava de um inconsciente externo ao sujeito.
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em nada: “acabou, não falemos mais disso”. Segundo Lacan, esse é o sentido
de quando Freud havia estabelecido o “especialíssimo não saber nada da coisa,
mesmo no sentido do recalcado”, que por sua vez leva à seguinte interpretação:
“o que é recusado na ordem simbólica ressurge no real” (Lacan, 1988, p. 22).
Lacan declara que, diferentemente do recalcado e do retorno do
recalcado, que são a mesma coisa e estão sempre aí articulados em sintomas e
outros fenômenos, o que foi rejeitado no sentido Verwerfung passa a ter um
destino completamente diferente.
O destino tomado pela Verwerfung passa a ocupar o ensino de Lacan
(1988), visto que o próprio Freud havia declarado que uma repressão
(Verdrangung) é algo diferente de uma rejeição (Verwerfung). Seguindo os
interesses freudianos, Lacan traz para o campo de seus estudo o termo da
Verwerfung, que traduz por foraclusão. A partir dessa interpretação, ele elabora
a sua tese a respeito daqueles que caem do galope da Verwerfung.
TEMA 4 – FORACLUSÃO
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(Verleugnung) na perversão, a foraclusão refere-se a um modo de acesso à
linguagem, mas que diz respeito à psicose.
Mas do que se trata a foraclusão? A explicação é encontrada na metáfora
patena, pois é o significante do Nome-do-Pai que é foracluído no lugar do Outro.
S Bejahung NP = S1
S S S S S S2
S S S S S S = cadeia significante
S Verwerfung
S S S
S S S Significante qualquer = S
Cçs
Criança
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a significação fálica é a via em que todo significante pode se atar a outro
significante, pois é ele que confere estabilidade de sentido à cadeia. Essa função
é chamada por Lacan de “ponto de basta”, isto é, algo que detém o deslizamento
do significado sobre o significante, permitindo assim a sustentação de uma
significação. Veja o que Lacan diz:
S
SSSSSS
s s s s s s
TEMA 5 – PERVERSÃO
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O fetiche é um substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o
menininho outrora acreditou e que - por razões que nos são familiares
- não deseja abandonar. O que sucedeu, portanto, foi que o menino se
recusou a tomar conhecimento do fato de ter percebido que a mulher
não tem pênis. Não, isso não podia ser verdade, pois, se uma mulher
tinha sido castrada, então sua própria posse de um pênis estava em
perigo, e contra isso ergueu-se em revolta a parte de seu narcisismo
que a Natureza, como precaução, vinculou a esse órgão específico.
(Freud, 1996c, p. 95)
Objeto Nada
Sujeito
Cortina
Philippe Julien (2003, p. 112) explica que o véu esconde o Nada que fica
para além do Objeto enquanto desejo do Outro: “a mãe não tem o falo. Mas, ao
mesmo tempo e mesmo assim, o véu é o lugar onde se projeta a imagem fixa do
falo simbólico: a mãe tem o falo”.
Portanto, a imagem fálica projetada no véu, que esconde ao mesmo
tempo que designa o Nada, é o que o sujeito coloca diante dele, e onde podemos
localizar as seguintes perversões:
Fetichismo
Masoquismo Objeto Nada
Sujeito Voyeurismo
Homossexualidade Feminina
Véu
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De acordo com a crença perversa, todos tem o falo. Já ná
homossexualidade feminina, o que a mulher deseja na outra está para além de
ser amada por ela – é o que lhe falta.
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
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A tese de Lacan: vimos que Lacan busca, na origem da vida psíquica,
ocorrências fundamentais, isto é, mecanismos operantes que resultam na
constituição estrutural do sujeito. Ele pinça da teoria freudiana os temos
Verwerfung e Verneinung, buscando compreender as últimas consequências de
tais mecanismo.
A Verwerfung é uma rejeição primordial anterior a qualquer formulação de
juízo, que teria sido submetido à Bejahung, à simbolização primitiva, com
diversos destinos, que sob o golpe da Verwerfung primitiva terá um outro. O
destino da Verwerfung será apontado por Lacan como o mecanismo específico
da psicose.
A foraclusão: a Verwerfung será interpretada por Lacan como foraclusão,
pois a tese lacaniana recai sobre a simbolização primitiva do significante
primordial para organizar o psiquismo, a saber: o Nome-do-Pai, que foi
foracluído, ou seja, rejeitado da simbolização.
O fetiche: estrutura perversa elaborada por Freud a partir do objeto de
fetiche, que é colocado no lugar da castração do Outro.
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REFERÊNCIAS
_____. Carta 125. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996b.
v. 1.
_____. Fetichismo. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996c.
v. 21.
_____. História de uma neurose infantil. In: _____. Obras completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1996d. v. 17.
_____. Neurose e psicose. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago,
1996e. v. 19.
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ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS
AULA 4
2
Portanto, se as investigações acerca das neuroses sempre tiveram nos
holofotes da clínica psicanalítica, cabe-nos agora nos aprofundar sobre essa
estrutura, a fim de compreendermos o modo como o sujeito neurótico lida com a
sua realidade.
TEMA 1 – A NEUROSE
3
Assim, a sexualidade desempenha um papel fundamental na etiologia das
neuroses, pois é nesse encontro inevitavelmente traumático, que o sujeito
constitui sua defesa pela escolha de uma neurose.
1.1 O recalque
4
erógenas não deixaram de buscar esse reencontro com o objeto perdido da
satisfação.
É nesse sentido que Freud declara que o neurótico sofre por
reminiscência. Ele se recusa a renunciar o objeto perdido, o objeto da satisfação
plena. Trata-se de das Ding, a coisa freudiana inominável, que se apresenta no
campo simbólico como falta.
Portanto, é em torno desse vazio que o sujeito vai se constituir no campo
simbólico, se utilizando dos sistemas de linguagem (metáfora e metonímia)
inconscientemente para tentar tamponar sua falta. A partir daí, surgem vários
objetos que vão sendo inseridos na cadeia significante e que têm por aspiração
o “eu ideal” (i(a)), a imagem plena. Trata-se do investimento feito na fantasia que
tenta articular o sujeito e o objeto.
Freud se deparou com a fantasia desde o início de sua prática clínica com
as histéricas. De início, chegou a acreditar nas cenas de sedução, as quais suas
pacientes relatavam nas entrelinhas. Mas, com o desenvolvimento da sua teoria,
pôde se dar conta que se tratava de uma realidade que não se conjectura com
o real, mas de uma realidade psíquica. Alessandra Fernandes Carreira (2009)
explica assim:
5
assim, a relação mãe-bebê plena; o segundo tempo ocorre a partir da presença
de um terceiro elemento, que faz a criança perceber que o desejo da mãe não
está dirigido apenas para ela, mas a mãe deseja outra coisa, geralmente o pai.
A interpretação da criança de que a mãe deseja o pai faz emergir uma rivalidade
imaginária com o pai, pois, para a criança, o pai tem o falo, que falta à mãe.
Assim, conforme nos ensina Lacan, é a função paterna, através do significante
Nome-do-Pai, que introduz a falta na relação mãe-bebê. A criança, então, perde
a identificação ao falo materno e recalca; começa o terceiro tempo lógico, onde
a criança se dá conta da castração da mãe e, assim, da sua própria castração e
vai em busca de ter falo. Portanto, o falo é elevado ao nível simbólico, fazendo
de todos castrados, inclusive o pai.
Ocorre que a criança, ao perder sua identificação ao falo, irá demandar
ao Outro, tesouro do significante, que responda sobre o seu desejo. Contudo, o
que surge desde aí é a pergunta: que quer você? (Lacan, 1960, p. 829).
O vazio pela falta de resposta do Outro indica que o Outro também é
faltoso, pois não existe nada que supra essa incompletude do Outro, portanto,
declara Lacan (1960, p. 833): “não há Outro do Outro”. Desse modo, o sujeito se
constitui pela falta do Outro, advindo como um falta-a-ser, pois do Outro não
receberá a resposta para o seu desejo. A falta, portanto, é irremediável, sendo
assim, a fantasia se forma para dar conta dela.
Portanto, a fantasia pode ser considerada o produto da operação do
complexo de Édipo, cujo registro é imaginário, mas que se articula ao simbólico,
e sua montagem inconsciente se ergue na tentativa de sanar o vazio deixado à
questão “Che Vuoi?”.
Coutinho Jorge (2010) afirma que a fantasia é um elemento que se
instaura para a criança como uma verdadeira contrapartida ao gozo que ela
perdeu. Assim, ela se constrói, essencialmente, como uma fantasia de
completude.
Freud (1919), em seu texto Bate-se numa criança, onde ele privilegia o
espancamento, mas poderia ser qualquer outra coisa, afirma que a fantasia
fundamental é uma fantasia origem edipiana, cuja dissolução desse complexo
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faz emergir a fantasia como um resíduo que irá determinar a posição do sujeito
em seu modo de gozo.
O mecanismo principal que organiza a estrutura fantasmática, declara
Nasio (1993), está sempre encoberto por uma frase organizada em torno de um
verbo fácil de identificar no relato do paciente. O autor diz, ainda, que a
identificação do sujeito à posição de objeto, de fato, está no verbo da frase:
morder, espancar, sujar, ignorar etc.
Para entendermos isso, voltemos ao texto Bate-se numa criança, onde
Freud nos indica três tempos da fantasia:
7
a posição de objeto, a, que se delineia no segundo tempo e se
configura rapidamente no terceiro. (Coutinho Jorge, 2010, p. 108)
TEMA 4 – A HISTERIA
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Freud descobre um paradoxo da sexualidade histérica, no qual aponta
para uma grande necessidade sexual, no mesmo passo que demostra uma
profunda aversão ao sexo. Assim, constata que o sujeito histérico erotiza o corpo
e amortece o órgão sexual. Na histeria, o corpo é sexualizado, exceto o próprio
sexo. Nesse sentido, os sintomas histéricos ocorrem geralmente no corpo,
obedecendo ao significante inconsciente. No texto Fragmento da análise de um
caso de histeria, Freud (1905, p. 37) declara: “Eu tomaria por histérica, sem
hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual
despertasse sentimentos preponderantes ou exclusivamente desprazerosos,
fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos”.
A inibição sexual histérica, contudo, não significa um retraimento, destaca
Nasio (1991), pois, na verdade, trata-se de um movimento ativo de rechaço. Diz
mais em A Histeria:
9
Pouco importa que ele imagine esse gozo máximo como o gozo do
incesto, o sofrimento da morte ou a dor da agonia; e pouco importa que
imagine os riscos desse perigo sob a forma da loucura, da dissolução
ou do aniquilamento de seu ser: o problema consiste em evitar a
qualquer preço qualquer experiência que evoque de perto ou de longe
um estado de plena e absoluta satisfação. Esse estado, de resto
impossível, é pressentido pelo histérico, no entanto, como o perigo
supremo de um dia ser arrebatado pelo êxtase e gozar até a derradeira
morte. (Nasio, 1991, p. 16)
10
Dora e a Sra. K eram amigas, confidentes e conselheiras. Nas vezes em
que Dora dormia na casa da Sra. K, o Sr. K deixava o quarto para que elas
dormissem na mesma cama, já que entre as duas não havia nada que não
pudessem ser conversado. Dora elogiava o corpo, a pele e a aparência da Sra.
K para Freud, o que lhe parecia mais um relato de amantes do que uma mulher
se referindo a uma rival.
Nessa relação com a família K, Dora relata a Freud que, quando tinha 14
anos, o Sr. K a convidou para encontrar-se com ele e a Sra. K, para juntos irem
à procissão. Ocorre que quando Dora chega à loja do Sr. K, ele estava sozinho,
e quando os dois vão sair, ele abraça Dora e lhe dá um beijo na boca. Dora conta
que sente uma violenta repugnância. Nadiá P. Ferreira e Marcus A. Motta (2014)
destacam essa cena e apontam para o horror histérico:
Um segundo episódio é relatado por Dora. Ela conta que num passeio à
beira do lago com o Sr. K, ele a beija novamente e lhe faz uma declaração de
amor. Dessa vez, Dora lhe bofeteia e sai correndo. Passados uns dias, Dora
conta à mãe o que ocorre. Esta, por sua vez, relata ao seu marido. Contudo, o
Sr. K, ao ser procurado pelo pai de Dora, nega a acusação e diz ser fruto da
imaginação de Dora. O Sr. K tinha ao seu favor a denúncia de que Dora, junto
com sua esposa, tinham o hábito de ler livros inapropriados para a idade dela.
Freud aponta para a traição da Sra. K com a sua amiga, pois revelara o
segredo das duas, mas o que surpreende Freud é que Dora, no lugar de sentir
ódio de sua amiga, sente ciúmes da relação amorosa que ela tinha com o pai.
Lacan (1951), em seu texto Intervenção sobre a transferência, assinala
para a inversão dialética estabelecida por Freud, pois ele se dá conta de que o
repentino ciúme de Dora pelo pai mascara, na verdade, uma fascinação pela
Sra. K, motivo pelo qual Dora se mantém leal, mesmo depois da traição e ela
própria se passando por mentirosa.
11
Numa primeira interpretação dada por Freud, ele acreditou que se tratava
de um amor recalcado pelo Sr. K. Mas, com a cena do lago, esse amor, por
motivos ainda desconhecidos, fez desencadear uma violenta resistência,
fazendo ressurgir o amor infantil. Já na última interpretação, Freud descobre a
face homossexual da neurose histérica, de modo que, a nível inconsciente, o
ciúme de Dora pela Sra. K é, de fato, fruto de sua identificação com o homem.
“Essas correntes afetivas masculinas, ou, melhor dizendo, ginecofílicas, devem
ser consideradas típicas da vida amorosa inconsciente das jovens histéricas”
(Freud citado por Ferreira; Motta, 2014, p. 16).
No seminário 4, Lacan (1957) sublinha que o laço libidinal que liga Dora à
Sra. K trata-se de uma identificação histérica à imagem viril. Portanto, ela, por
via do Sr. K, na medida em que está identificada imaginariamente ao Sr. K, está
ligada à Sra. K. Assim, conforme nos explica Ferreira e Motta, entre Dora e a
Sra. K, é muito mais do que uma paixão, mas trata-se de uma questão histérica:
o que é uma mulher?
Muito mais que uma paixão, o que liga Dora à Sra. K. é uma questão:
o que é ser mulher? É a partir dessa questão, encarnada na Sra. K.,
que Dora se situa em uma relação triangular. Todos, ou seja, ela, seu
pai e o Sr. K., idolatram a Sra. K. Dora, de certa forma, é
condescendente com o assédio do Sr. K. Mas ela o esbofeteia quando
ele lhe diz que a Sra. K. não é nada para ele. (Ferreira; Motta, 2014, p.
17)
12
Na neurose obsessiva, o encontro com o sexo, que é sempre traumático,
é acompanhado com um excesso de gozo, que posteriormente, ao surgir na
consciência, será acompanhado de culpa e autorrecriminação. Desse modo,
será recalcado, e o afeto é deslocado para uma ideia substitutiva. O sujeito
obsessivo passará, então, a ser atormentado por uma autorrecriminação sobre
fatos aparentemente fúteis e irrelevantes.
13
5.1 Do sintoma da neurose obsessiva a sua fantasia
14
5.2 O caso do homem dos ratos
15
No relato do homem dos ratos, Freud destaca que, em sua fala de
suplício, era possível observar em seu rosto um gozo desconhecido para o
próprio sujeito, pois parecia que ele se sentia fascinado e assustado pelo próprio
relato. Outro ponto destacado por Freud é que, o obsessivo, traz uma fala
interrompida, incompleta, mostrando dificuldade de tocar em assuntos difíceis,
trata-se de “mecanismo auxiliares do recalque”, pois o obsessivo sabe que ao
falar o desejo escapa. Nesse sentido, ele tenta anular a significação dos seus
atos e fala, por conta disso, que é necessário ao analista auxiliá-lo, emprestando-
lhe palavras.
NA PRÁTICA
16
FINALIZANDO
17
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Carta 125. In: Obras completas, Vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_____. Projeto para uma psicologia científica. In: Obras completas, Vol. 1. Rio
de Janeiro: Imago, 1996.
18
ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS
AULA 5
2
TEMA 1 – A PSICOSE
3
somadas a sensibilidades à luz e ao barulho. Depois disso, vieram as
alucinações visuais e auditivas, nas quais se via morto e se decompondo,
acometido pela peste e lepra.
Schreber passou a ficar por horas submetido ao terror de sua alucinação,
chegando a desejar a morte e tentar o suicídio em vários momentos. O último
estágio do seu delírio ganhou ares místicos, no qual passou a se relacionar
diretamente com Deus.
6
acompanhar toda a vida do sujeito, enquanto outros surgem ao desencadear
uma psicose.
Ao nível dos fenômenos, Lacan evidencia a alucinação verbal com o
“significante no real”. Trata-se daquilo que foi rejeitado no simbólico e que
reaparece no real - essa demarcação, aliás, é feita à propósito, para demostrar
que o significante é no real e não no sujeito, ao passo que ele “rompe” a cadeia
significante, que deixa de produzir significação. Colette Soler, no livro O
Inconsciente a Céu Aberto da Psicose, nos apresenta essa demarcação da
seguinte forma:
Figura 1 – Esquema L
8
sua posição enquanto sujeito psicótico, visto que, no registro imaginário, o sujeito
desestabilizado é tomado pelo sentido corporal de despedaçamento.
Portanto, o que Lacan nos ensina é que, a alucinação verbal se situa no
interior dos paradoxos da percepção da palavra, em que a palavra escutada é a
própria palavra do locutor e em que se pode observar o fenômeno, sendo assim
a própria palavra do sujeito que vêm de fora, trazida pelo Outro foracluído.
TEMA 3 – PARANOIA
3.1 O Um da paranoia
9
recriminação, na medida em que marca a Coisa gozosa como proibida,
é índice do Nome-do-Pai, é a expressão da lei ao nível do fenômeno.
A crença na recriminação promove o recalque desta, assim como da
cena de gozo recriminada. Deste recalque resultará o sintoma. a
descrença na recriminação corresponde a foraclusão do Nome-do-Pai.
A recriminação foracluída do simbólico retorna no real sob forma
frequente de injuria alucinatória. (Quinet, 2009, p. 98)
St Sl
Verhaltung Verwefung
St
$
10
Na paranoia, por outro lado, o sujeito está alienado ao significante que o
representa para outros significantes, de modo que ele se encontra totalmente
identificado a esse significante-mestre, que se inscreve como Um. O paranoico
é o Um da referência, sendo desse ponto que surge o principal fenômeno que o
caracteriza.
TEMA 4 – ESQUIZOFRENIA
11
identificação imediata à imagem do outro (a-a´), cujo sentido é fixo e o eu
megalomaníaco.
No registro real, o esquizofrênico goza de um corpo. A fala e o sentido são
fragmentados, pois o gozo está disperso de forma anárquica, enquanto na
paranoia, o gozo se encontra concentrado no Outro, o seu perseguidor que o
“ama” ou “odeia”. De modo que, no sentido do registro simbólico, o Outro do
paranoico é consistente, enquanto na esquizofrenia o Outro é ausente. Com
base nisso, Quinet apesenta um quadro comparativo entre paranoia e
esquizofrenia:
12
Em Lacan verificamos que toda representação-meta presentes no
pensamento, consciente ou inconsciente, é tributária do significante-mestre (S1),
cuja inscrição logica se dá pela operação do Nome-do-Pai no Outro. Dito de outro
modo, é com a inscrição do Nome-do-Pai no lugar do Outro que o sujeito se situa
com desejante e seus pensamentos têm uma meta que o guiam. Quinet afirma
que sem representação-meta “não há produção de sentido, que é sempre sexual.
As representações-meta fundamentais e inconscientes do sujeito constituem os
significantes primordiais do sujeito de desejo” (Quinet, 2009, p. 70).
Quando falamos de esquizofrenia, nos referimos à ausência do S1, o
suporte das representações-meta do pensamento inconsciente/consciente.
Portanto, o sujeito esquizofrênico tem uma dispersão de significantes, visto que
falta o significante mestre, que encadeia hierarquicamente a cadeia significante.
Na esquizofrenia, então, o S1 não equivale à ordem significante
estruturada, pois o que vemos é uma multiplicidade de S1 sem hierarquia alguma
que tende para o infinito. O matema proposto por Quinet (2009) para escrever a
dispersão, que se manifesta nas diferentes formas fenomenológicas é a
seguinte:
(S1(S1(S1(S1 → )))
TEMA 5 – MELANCOLIA
13
vai corresponder à satisfação da pulsão de morte, que se revela na perversão
masoquista, no gozo do sintoma e na melancolia. (Quinet, 2009)
No luto, a dor está relacionada a um gozo que de modo paradoxal provoca
dores e prazer que surgem na perda do ideal, sendo assim, a dor do luto está
diretamente vinculada à castração – e a cada perda o sujeito é remetido a ela.
No neurótico, declara Quinet, a castração se inscreve como a falta de um
significante que complete o Outro – (S(A)). Portanto, a perda está relacionada
ao objeto que escamoteia a castração. “A dor da depressão é a dor constitutiva
da castração, que, em vez de aparecer como angústia, deixa triste o sujeito com
a nostalgia do Ideal, saudade do Um que encobria a falta” (Quinet, 2009, p. 173).
A melancolia corresponde a uma dor, porém, Freud a diferencia do luto,
pois, diferentemente deste, que possui um objeto perdido, na melancolia, o
sujeito se constitui identificado ao objeto perdido.
14
a excitação”. É essa perda hemorrágica que é dolorosa. Em outras
palavras, é a dor do furo, do que é foracluído do simbólico, que é
desvelada na melancolia – dor que corresponde à anestesia sexual, à
abolição do desejo. (Quinet 2009, p.198)
NA PRÁTICA
15
Quando Justine retorna à festa, tenta se manter por mais um pouco
animada, mas logo arruma um pretexto para abandonar o local novamente.
Justine então leva o sobrinho para a cama e vai tomar banho, enquanto todos a
espera para cortar o bolo.
Quando o noivo a leva para o quarto de núpcias, Justine pede para que
ele a aguarde por um instante, ela, então, desce para a festa e transa com um
convidado no jardim. Em seguida, volta para o salão da festa e começa a dançar
animada. No final da festa o noivo vai embora e diz para ela: “poderia ter sido
diferente” e ela responde: como? Pois, Justine sabia que a única coisa que ela
podia fazer era isso mesmo.
Outra fala marcante do filme é a de sua irmã, dizendo: “pensei que era
isso que você queria”, mas Justine demonstrava que não queria era nada.
O filme, na verdade, não adota o sentido dado por Freud à melancolia,
pois melancolia, no filme, é o nome do planeta fictício que irá se chocar com a
Terra. O que, para nós, é mais um ponto interessante, pois, ao saber da tragédia
a caminho, Justine consegue se recompor e até toma banho, dando sinais de
um revestimento libidinal no próprio corpo. Pois esse planeta, para Justine,
representava o Outro, vindo de fora e barrando o seu gozo. A destruição do
planeta não abala Justine como abala a sua irmã, pois Justine já vivia em um
mundo destruído.
FINALIZANDO
17
REFERÊNCIAS
________. (1911) Caso Schreber, In Obras Completas, vol. 12. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
18
ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS
AULA 6
2
A psiquiatria parou até certo ponto aí, estando, por outro lado,
salvaguardado o essencial: definir o punível e proteger o futuro, declara Julien.
Freud, com a psicanálise, rompe a condenação dada à perversão.
TEMA 1 – A PERVERSÃO
3
No texto Pulsões e suas vicissitudes (1915), Freud aponta para dois
destinos pulsionais que são característicos do processo perverso: a "inversão
em seu contrário" e o "retorno sobre a própria pessoa". Desde aí, ele começa a
orienta as suas investigações a buscar um mecanismo metapsicológico
inaugural da perversão.
O complexo de Édipo é pensado a partir da atribuição fálica à mãe, cujo
efeito gira em torno da questão da diferença do sexo, que, para a criança, gera
um enigma. Desse modo, a vivência edípica em seu desenvolvimento efetuará
a elaboração da resposta ao sexo, quando o pênis deixa de ser um bem comum.
Freud formula isso no texto A organização genital infantil, em que declara:
4
perverso, a fixação (e a regressão) e a denegação da realidade, sendo estes os
dois mecanismos respectivamente constitutivos da homossexualidade e do
fetichismo. Nesse sentido, Freud coloca a homossexualidade como uma
resposta de defesa narcísica diante da castração, em que a criança fixaria
efetivamente a representação de uma mulher provida do pênis no inconsciente,
persistindo ulteriormente, de maneira ativa, o dinamismo libidinal.
Dor (1991) chama atenção que, enquanto a homossexualidade masculina
verte sobre a estrutura perversa, a homossexualidade feminina não deixa claro
o mecanismo que a consente, pois a própria ideia de uma estrutura perversa em
mulher ainda gera questionamentos. Todavia, o autor afirma que, de fato, a
homossexualidade masculina inscreve-se em um dispositivo psíquico
radicalmente diferente daquele que preside a homossexualidade feminina (1991,
p. 36).
Do ponto de vista clínico, o aspecto do fetichismo é um processo
defensivo ainda mais complexo do que na homossexualidade. Ele se funda pela
negação da realidade, pois trata-se de uma recusa em reconhecer a diferença
do sexo: a ausência do pênis na mãe. O mecanismo de denegação da realidade,
é explicada em dois tempos: de um lado, a denegação da realidade propriamente
dita, isto é, o sujeito percebe a realidade, mas a rejeita, no intuito de neutralizar
a angústia da castração.
Entretanto, a diferença do que ocorre na homossexualidade, em que há
uma fixação da representação da mãe fálica, assume uma situação de
compromisso. No caso do fetichismo, já que a mulher, na realidade, não tem
pênis, o sujeito vai encarnar o objeto suposto faltar em outro objeto da realidade,
assim o objeto fetiche é, na verdade, uma encarnação do falo. Pelas próprias
palavras de Freud: "O fetiche é o substituto do falo da mulher (da mãe) no qual
acreditou a criancinha e ao qual nós sabemos por que ela não quer renunciar"
(Freud, 1927, p. 95).
Joel Dor (1991) situa o objeto fetiche em três formas de mediar a
castração: a) antes de tudo, o objeto fetiche permite a não renuncia ao falo; b)
permite conjurar a angústia de castração e dela se proteger; c) permite
finalmente escolher uma mulher como objeto sexual, visto que supostamente
possuir o falo.
5
TEMA 2 – A ESTRUTURA PERVERSA NA DIALÉTICA EDIPIANA
6
simbólico que determinará a sua constituição estrutural entre neurose e
perversão.
Assim, seguindo a explicação de Joel Dor, o pai aparece para a criança
como tendo aquilo que a mãe deseja ou, pelo pressentimento do perverso, como
sendo suposto ter o que a mãe é suposta a desejar junto a ele. Portanto, “esta
atribuição fálica do pai é justamente o que o institui como pai simbólico, ou seja,
o pai enquanto representante da Lei para a criança, portanto o pai enquanto
mediação estruturante do interdito do incesto” (Dor, 1991, p. 41).
Contudo, o perverso não quer saber nada da falta que a sombra do pai
simbólico impõe para ele; desse modo, o sujeito denega a falta, isto é, não
simboliza a falta no Outro. Dito de outro modo, a criança se encerra numa
convicção contraditória, na qual, por um lado, a criança entreve que a mãe, que
não tem o falo, deseja o pai porque ele o tem ou porque ele é o falo; por outro
lado, se a mãe não tem, talvez ela pudesse ter? E, para isto, basta-lhe ser
atribuído imaginariamente a atribuição fálica.
O desejo da criança, declara Santos e Besset (2013), faz-se desejo
encarnado pela mãe onipotente: por um lado, por razões de se sujeitar àquela
que lhe satisfaz todas as necessidades, e, por outro lado, pelo capital de gozo
que ela lhe assegura para além das necessidades. Nesse sentido, na estrutura
perversa, o sujeito se identificará ao falo que faz da mãe um Outro onipotente.
Lacan (1958) diz assim:
7
TEMA 3 – ENTRE AS NEUROSES E PERVERSÃO
Desafiando esta Lei, ele recusa, em definitivo, que a lei do seu desejo
seja submetida à lei do desejo do outro. O perverso põe, então, em
ação duas opções: de um lado, a predominância da lei do seu desejo
como única lei possível do desejo; por outro lado, o desconhecimento
da lei do desejo do outro como a que viria mediar o desejo de cada um.
(Dor, 1991, p. 48)
Assim, a lei do pai é posta pelo perverso como um limite que ele
demonstra para, em seguida, ultrapassar. É dessa estratégia que o perverso
efetivamente goza. Contudo, para isso, o sujeito perverso busca um cúmplice ou
uma testemunha, imaginária ou real, que possa testemunhar o seu agir frente à
castração. Nesse sentido, Dor evoca a passagem Jean Clavreul:
8
para ter êxito, se satisfazer na solidão do ato masturbatorio. Se o ato
perverso se distingue sem equívoco do fantasma, será, então, nesta
linha em que se inscreve o olhar do Outro que discerniremos a
fronteira, olhar cuja cumplicidade é necessária para o perverso,
enquanto é denunciador para o normal e para o neurótico. (Clavreul
citado por Dor, 1991, p. 49)
9
às demandas eróticas da criança. “Respostas que a criança inevitavelmente
recebe como testemunhos de reconhecimento e encorajamento”, pois, conforme
declara Dor, é uma resposta que a criança encara como um verdadeiro chamado
para o gozo, na medida em que mantém a atividade libidinal do filho junto à mãe.
No entanto, este apelo sedutor permanece hipotecado com um pesado equívoco
– o desejo da mãe concernente ao pai, pois o pai não deixa de aparecer como
um verdadeiro intruso, e a mãe não confirma esse desejo. Assim, o apelo
sedutor da mãe se organiza tanto nos registros de “dar-se a ver” quanto nos de
“dar-se a entender”, que se traduz no momento crucial do Édipo, tornando-se um
verdadeiro convite ao tormento para a criança. Ocorre que, por mais que a
criança perceba uma autêntica incitação ao gozo, já que não estamos tratando
de uma fantasia, na maioria das vezes, a mãe se silencia diante da questão do
desejo que se supõe ao pai.
É, então, na medida em que se instaura esta ambiguidade que a atividade
libidinal da criança se desenvolve junto à mãe, pois, desde então, ela passa a se
esforçar por seduzir cada vez mais, “na esperança de levantar esta dúvida em
relação à intrusão paterna” (Dor, 1991, p. 52). Assim, diante da sedução materna
que paralelamente coincide com uma interdição à mãe, a criança encontra
cumplicidade na mãe para transgredir a lei do pai. E, por outro lado, o pai se
mostra complacente, despossuindo, de bom grado, da representação de sua
função simbólica. “Se, nesse caso, podemos falar da complacência silenciosa do
pai, é em referência à aptidão que ele demonstra em delegar sua própria palavra
através da palavra da mãe, com toda a ambiguidade que a coisa supõe” (Dor,
1991, p. 52).
Portanto, a criança se aliena ao jogo de sedução materna, que coloca
como plano de fundo a função simbólica do pai. A consequência deste processo
é vista desde o ponto de vista clínico, no qual a mãe fálica está posta de forma
definitiva na fantasia, sendo essa a gênese da ordem que funda o seu desejo.
Desse modo, a imagem da mulher fálica o acompanhará a cada estratégia
desejante a respeito das mulheres, dirá Joel Dor, “com o risco de procurar
algumas vezes e encontrá-las, apesar de todos os obstáculos, na pessoa de
outros homens” (Dor, 1991, p. 111).
10
4.1 O fetiche
Nesse sentido, observa-se que Lacan estabelece uma relação clara com
a repugnância da calcinha, como uma recusa de tomá-la como objeto. Desse
modo, segundo o autor, Hans não se posiciona como um fetichista. Contudo, a
solução provisória para se proteger da mãe insaciável se dá pelo
desenvolvimento de uma fobia.
Assim, para Lacan, tanto o objeto fóbico e o objeto fetiche são soluções
imaginárias na trama edípica para lidar com o horror da castração materna. Do
lado da fobia, encontramos o “nada de saber” sobre a castração, pois trata-se do
recalque nos termos freudiano, em que a eficácia do saber inconsciente é que
fabrica o sintoma. Enquanto isso, no fetiche, a eficácia se manifesta pela
constituição do objeto substitutivo que vela a verdade da castração.
Nesse sentido, o objeto fetiche funciona como lembrança encobridora,
cuja natureza é de variedade infinita, mas a ligação tem por via de regra o
deslocamento do olhar para a falta do pênis. O objeto fetiche guarda, portanto,
essa dupla vertente no inconsciente: por um lado, a recusa e por outro a
afirmação da castração, constituindo no sujeito uma clivagem do eu. Por fim,
Lacan (1957) afirma que o objeto fetiche não é o falo, “mas o véu por trás do
qual se deixa desenhar a possibilidade de sua presença escondida”.
11
TEMA 5 – A IDENTIFICAÇÃO AO FALO NA PERVERSÃO E PSICOSE
12
pois ele estará se referido a uma atribuição paterna, ainda que seja no estado
de suposição, considerando que o pai não soube dar provas disso. Essa
ausência de prova, destaca Joel Dor, é o que induz à uma trajetória de "curto-
circuito", que confere ao significante fálico uma referência ambígua. Nesse
sentido, o perverso estará continuamente descobrindo um lugar onde ele
permanece fundamentalmente “aquém da castração”. Por outro lado, o psicótico
ficará alienado nesse lugar, aquém da castração, preso a uma identificação
fálica.
NA PRÁTICA
Se elimino as tatuagens, tenho medo de não ter mais sexo. Por isso é
que procuro um sexo não importa onde, até na máquina fotográfica,
por exemplo. Como compreender que o primeiro sexo que eu recuso é
o que tenho verdadeiramente? Se me amarro na tatuagem é para
procurar o gozo. Ele não é coisa de homem, pois que minha mãe me
fez compreender que eu não podia ter gozo com o meu sexo
masculino, era proibido.
FINALIZANDO
15
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade. In: _____. Obras completas. Rio
de Janeiro: Imago, 1995. v. 6.
16
ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS
AULA 1
2
recalcada da sexualidade infantil, pois trata-se de uma perversão polimorfa
vivida na infância. Assim, Freud reúne as estruturas, na qual: a neurose é
produzida pelo recalque, a psicose como reconstrução de uma realidade
alucinatória e a perversão como efeito de uma renegação da castração, cujo
gozo retorna na vida sexual.
Para entendermos, então, a impotência do diagnóstico estrutural na
clínica psicanalítica, iremos, primeiramente, considerar as dimensões que a
separa da clínica médica, pois, ainda que os diagnósticos tenham herdado as
mesmas nomenclaturas da clínica psiquiátrica, elas servem à psicanálise de
maneira diferente e se sustentam por via de um outro discurso. Assim, para
compreender o modo como a psicanálise atua sobre uma condição
psicopatológica, é valido acompanhar, brevemente, a história da evolução da
clínica medica, visto que ela foi a matriz da clínica terapêutica psicanalítica
inventada por Freud.
E para ampliar nosso entendimento a respeito do diagnóstico estrutural,
pretendemos abordar as psicopatologias Operacional-pragmática, que estão
inseridas nos DSM e no CID para que, dessa forma, possamos estabelecer um
limiar entre a clínica psicanalítica e a psiquiatria.
4
e circunstâncias que o paciente dispõe para atravessar o seu processo mórbido.
Portanto, na estrutura da clínica moderna, se supõe, também, uma causalidade,
isto é, uma etiologia da doença, que segundo Dunker, está seria a ambição
máxima do trabalho diagnóstico, que, além de descrever e classificar a
enfermidade, visa indicar a causa precisamente. (p. 411)
E por último, a estrutura da clínica clássica apresenta em sua perspectiva
a operação terapêutica, que inclui todas as estratégias que visam interferir e
transformar a rede causal que constitui a etiologia, confirmam a diagnóstica e
verifica o valor semiológico dos signos e sintomas. Desse modo, a ação
terapêutica, na medida do possível, deve indicar a causa e, portanto, é nesse
sentido que Freud veio estabelece a psicanálise como terapêutica das causas.
Dito isso, Dunker compara as três tradições arqueológicas que compõem
a psicanálise com a da clínica em relação às estruturas e dispositivo de
tratamento:
5
contextualizando com o momento histórico de cada época. Mas, a partir
da segunda metade do século XIX, Dunker sublinha que essa noção tende
a representar aquilo que era essencial à clínica na antiguidade e torna-se
contingente na clínica moderna: a atitude ética do médico diante do
doente. Gradualmente essa atitude vai se transferindo para os auxiliares
do médico. O médico observa e trata, o enfermeiro cuida, o padre cura (p.
419).
Terapêutica Diagnostica
Etiologia Semiologia
6
composta, o adjetivo é mais importante do que o substantivo, e os dois termos
são inseparáveis” (Bercherie, citado por Dunker, p. 440).
Portanto, podemos verificar que a clínica psicanalítica submeteu a
estrutura clínica aos seus próprios pressupostos, pelo qual Dunker declara que,
“a psicanálise subverte, na acepção forte do termo, o estatuto dos parâmetros
da clínica da qual se originou.” (p. 440). Pois, então, se o sentido de subversão
é inverter e deslocar o sentido de um processo, podemos pensar que a
psicanálise promoveu uma ruptura constitutiva quando passa da clínica do olhar
para uma clínica da escuta.
2.1 Semiologia
2.2 Etiologia
7
Em Lacan a noção da etiologia passará por dois momentos de revisões:
no primeiro momento, a noção de causalidade é revertida pelo conceito de
estrutura. “A estrutura não é nem um mecanismo, nem uma rede de condições,
e também não se reduz à determinação dialética reflexiva, mas de certa forma,
pode ser construída de modo a agregar dentro de si todos estes modelos de
causalidade.” O segundo momento “reintroduz a noção de causalidade do sujeito
(alienação e separação como categorias existenciais) e objeto a causa de desejo
(como causa negativa) e depois disseminada na teoria do real sob as diferentes
expressões da causalidade negativa.” (p. 450 -51).
2.3 Diagnóstica
8
sujeito está submetido, “que o constrange ali onde ele não é mais senhor em sua
própria morada”. (p.458)
É importante termos a distinção entre o diagnóstico para a clínica médica
da clínica psicanalítica, pois na primeira o paciente é objetivado ao seu
diagnóstico em forma de uma alienação, enquanto na psicanálise o analisante
não perde sua posição de sujeito para o seu diagnóstico.
Os desdobramentos do diagnóstico em psicanálise têm a prerrogativa de
se completar apenas ao final do tratamento, de modo que a cada sessão deve-
se buscar a posição do sujeito nas transferências, isso, porque em psicanálise a
investigação diagnóstica diz respeito à exploração e construção da fantasia, pelo
qual, em última análise o que se busca é um diagnóstico etiológico (p. 459).
Quantos às categorias semiológicas e diagnósticas, Freud importou e
manteve as noções descritivas da psiquiatria: histeria, neurose obsessiva, fobia,
paranoia (demência precoce), esquizofrenia, melancolia, sadismo, fetichismo e
masoquismo. O mesmo aconteceu com outros níveis semiológicos. No entanto,
Dunker demarca, neste ponto, três procedimentos decisivos para a clínica
psicanalítica que subverteram a clínica clássica:
9
descrições”, pelo qual elas se apresentam como verdadeiras
contribuições da psicanálise à clínica em geral.
3. As redescrições das categorias da clínica clássica, que Dunker considera
ser a de maior importância, na psicanálise não foi reduzida a uma
linguagem regional de uso próprio apenas pelos psicanalistas, ainda que
sua circunscrição seja para o tratamento que lhe será próprio. No entanto,
foi preciso essa redescrição para as categorias da diagnóstica
psicanalítica, cujo objetivo foi sujeitá-las à dependência de sua
semiologia, de sua terapêutica e de sua concepção etiológica. Mas, o que
Dunker nos chama a atenção é que, nem sempre esse trabalho de
redescrição foi orientado pelas exigências da metapsicologia, visto que é
possível observar na história da psicanálise inúmeras afecções que
migraram para o seu interior sem um trabalho de redescrição subversiva.
De modo que encontrarmos vários tipos de categorias como a depressão,
a dependência química, o déficit de atenção, os transtornos psicomotores,
os problemas de aprendizagem e outros inúmeros gêneros que foram
empregados em seu valor de face descritiva, sem qualquer consideração
pelo seu funcionamento na clínica psicanalítica. Por outro lado, sublinha
Dunker, há também algumas categorias introduzidas pela própria
psicanálise, tais como os estados-limite e casos borderline. (p. 461)
2.4 Terapêutica
10
Sendo assim, as exigências terapêuticas, afirma Dunker, são exigências
de discurso: interrupção, contenção, coerência, racionalidade interna,
referencialidade externa, aceitação pelo outro. Pelos quais os critérios
terapêuticos são critérios de linguagem: fala constitutiva, discurso constituído. E
sobre a questão da técnica terapêutica, encontramos algo que foge à questão
da técnica, ou seja, o desejo do analista que diz respeito a “considerar a ação
que lhe cabe na produção da verdade”, sendo este, ponto de intersecção entre
o plano da terapia e o plano da cura em psicanálise, conclui o autor (p. 473).
Dunker ainda nos apresenta um quadro, proposto por ele, onde nos ajuda
a situar as operações de covariância internas à terapêutica psicanalítica:
11
Dunker e Kyrillos Neto (2011), no artigo: A psicopatologia no limiar entre
psicanálise e a psiquiatria: estudo comparativo sobre o DSM, declaram:
• CID: critérios para diagnóstico de doença: fornece código que gera motivo
para vincular a pessoa a um serviço de saúde ou garantir direitos jurídicos.
• DSM: critérios diagnósticos para transtornos mentais.
• CIF: caracteriza a funcionalidade e limitação, mas não define diagnóstico
e não dá nome de doença. Apresenta apenas as manifestações das
doenças / patologias. A CIF contribui por fazer uma descrição das
condições atuais da pessoa em relação ao que ela tem de positivo e
negativo, ou seja, o que ela consegue ou não fazer em determinado
contexto. Não se propõe a investigar e nem descrever determinantes, ou
seja, não se detém ao que levou a pessoa a estar assim atualmente.
Apenas descreve as potencialidades e limitações para a vida diária em
determinado contexto. Tem aplicação universal e é bastante útil para
fundamentar laudos sobre saúde mental.
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de Psiquiatria (APA). Em sua primeira versão, o DSM-1 (1952), reconhece o
papel proeminente da psicanálise. Nele se revelou, pela primeira vez, a tentativa
de concilia a classificação, que era provida pela Organização Mundial da Saúde
- a Classificação Internacional de Doença (CID-6), as ideias psicanalíticas e
psicopatológicas subjacentes, na qual elas poderiam conter particularidades não
tão facilmente aceitas no resto do mundo. Mas, a partir do DSM-III (1980-1987),
foi observada a retirada gradativa das categorias e signos clínicos advindos da
psicanálise para serem substituídos por entidades “propriamente psiquiátricas”.
Assim, nos DSM de nossos dias, que tipo de expressão poderíamos encontrar
no campo da psicopatologia que seria capaz de contemplar as referências
clínicas, semiológicas e diagnósticas tanto de solo psicanalítico quanto
psiquiátrico?
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O sintoma é efeito de um trabalho psíquico bastante elaborado que surge
diante do mal-estar que acomete o sujeito e, como sublinha Silvia G. Myssior e
Zilda Machado (2019) no texto: O que será das atividades da criança, ele “tem a
função essencial de sustentar a estrutura do aparelho psíquico” (p. 115).
O texto O único não cabe no Manual, escrito pelas autoras: Cláudia
Ferreira Melo Rodrigues, Cláudia Aparecida de Oliveira Leite e Rogéria Araújo
Guimarães Gontijo (2019), afirma que narrativa sempre única do mal-estar
escapa ao imperativo da codificação universal que o manual (DSM) propõe, pois
a singularidade emerge na estampa de cada vivência de sofrimento. E foi assim
que Freud concebeu a psicanálise, destacando a maneira única em que cada
um é afetado para dizer do seu sintoma. “A estranha psicanálise demarca que o
initium subjetivo é operado pelo traço unário, essa marca que recebemos do
Outro e que traz para cada um a inscrição da diferença absoluta.” (p. 129).
Portanto, se a proposta do DSM é a de silenciar o sujeito, uma vez que
oferta universalmente a descrição do sintoma, levando a palavra do que confere
o “cada um” a desaparecimento, a psicanálise sustenta a palavra como direção
de cura.
É imprescindível entender que ainda que a psicanálise tenha mantido as
categorias psicopatológicas da psiquiatria clássica, Freud construiu uma
semiologia própria da psicanálise e incluiu algumas inovações que na época
acabaram influenciando as classificações da própria psiquiatria.
NA PRÁTICA
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na clínica como o agente de causa psicanalítica, ou seja, atuar na posição de
analista.
Recorte de um caso: esse caso ocorreu no CAPS Nise da Silveira RJ, com
um senhor que nomeamos de “Lopes”. Trata-se de um usuário antigo do CAPS,
com um alto grau de socialização com os outros usuários e amigável com os
técnicos. Lopes vivia sozinho em sua casa, pois seus pais já eram falecidos e
casualmente mantinha contato com seus familiares.
De acordo com os eixos classificatórios do DSM-IV-TR, Lopes era tratado
pelo seguinte diagnóstico: esquizofrênico paranoide, transtorno de
personalidade Borderline, heteroagressividade, autoagressão, transtorno sexual
sem outra especificação.
Por manter uma relação amistosa no CAPS, um grupo de técnicos e
usuários realizaram uma vaquinha para reformar a casa de Lopes, pois a casa
estava bastante depredada, com porta quebrada, paredes rabiscadas, sendo
que Lopes dormia no chão em um colchão sujo.
A reforma foi realizada: doaram uma cama com colchão as paredes foram
pintadas a porta consertada. A casa foi entregue limpa e arrumada para Lopes,
que ao receber não esboçou nenhuma reação, ficou paralisado e sem falar nada.
Lopes não compareceu no CAPS durante duas semanas após a
interversão, por conta disso, dois técnicos foram visitá-lo. Lopes estava
agressivo e não quis recebê-los. A porta de sua casa estava quebrada e as
paredes rabiscadas.
Na semana seguinte, Lopes retornou ao CAPS e disse que sua casa havia
sido destruída pelos técnicos e que teve muito trabalho para consertá-la. Ao ouvir
o relato, o analista pediu para que ele falasse sobre o que teve que consertar e
Lopes não teve dúvida, “tive que colocar tudo como estava, pois ninguém iria
saber que aquela era a casa era a minha casa do jeito que a deixaram”.
Lopes nos ensina sobre o belo, a escuta do um a uma, será que a
intervenção feita pelo CAPS era o que Lopes desejava ou desejaram por ele? O
que é o bom e belo para o sujeito?
O trabalho do psicanalista é com a escuta, cujas referência são dadas
pelo sujeito que fala. As produções delirantes estão para o sujeito como sintoma
na neurose, portanto, a casa do caso clinico refere-se à sua identidade, qualquer
intervenção nela pode destruir o modo como o sujeito se relaciona no laço social,
podendo levá-lo ao surto.
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FINALIZANDO
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Na clínica psicanalítica, é a escuta do complexo de Édipo na história do
sujeito que vai determinar a sua posição subjetiva, no qual cada estrutura clínica
será o resultado de múltiplas vivências complexas e paradoxais de cada criança
com o seu par parental (mãe e pai), onde pela presença e ausência, se
configurará diferentes versões que engendra as versões das neuroses, das
perversões ou das psicoses.
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REFERÊNCIAS
FREUD, S. (1913). Totem e tabu. In: Obras completas. Vol. XIII. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
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