Khabarova Internacionalismo
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Janeiro de 1997
Hoje adquiriu de novo uma actualidade acutilante a questão de saber em que me-
dida é possível e justificada a revolução proletária, e depois a construção do socia-
lismo, num só país, tomado separadamente. Não é nenhum segredo que, na sequên-
cia de tudo o que aconteceu à URSS, ganharam nova força as teorias e concepções
segundo as quais o socialismo soviético estava condenado desde o início, precisa-
mente devido à sua natureza estatal, e esta por sua vez decorria da sua limitação ao
quadro de um determinado país. Estas teorias têm uma imensidão de variantes e
matizes, que, como compreenderão, não poderemos analisar aqui em detalhe.
As discussões sobre este tema não têm de longe um mero carácter académico,
mas estão ligadas de modo directo à prática da nossa luta actual. O dilema consiste
no seguinte.
Ou continuamos a considerar que V.I. Lénine e a seguir I.V. Stáline tinham razão
ao estarem convencidos não só na possibilidade, mas também na inevitabilidade
tanto da vitória da revolução como do êxito da construção do socialismo e mesmo
do comunismo num país tomado separadamente, no quadro dos estados nacionais
(a União Soviética é um Estado multiétnico, mas no presente contexto isso não tem
um significado relevante). Neste caso podemos considerar que se desenvolveu um
processo lógico, histórico-objectivo, que num dado ponto, por força de um conjunto
de factores, foi rompido; é necessário apurar qual foi a falha, retornar aproximada-
mente a esse ponto, eliminar as razões da falha e restabelecer o movimento inter-
rompido, uma vez que a necessidade e a lógica de todo o processo em geral não
levantam quaisquer dúvidas.
Ou, em caso contrário, temos de reconhecer que o socialismo no nosso país, desde
o primeiro momento, foi construído, digamos, contra as regras, e por isso a questão
de retornar a um ponto qualquer do caminho percorrido, tanto mais a um ponto re-
lativamente recente, é absurda. Deve-se começar tudo a partir de uma «folha em
branco», isto é, com uma nova revolução socialista.
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Na primeira abordagem, encaramos o sucedido como se encaram as consequên-
cias da guerra e da intervenção: esta é a nossa terra, apenas está temporariamente
ocupada, tudo foi destruído, incendiado, pilhado, etc. Temos de expulsar os ocupan-
tes e restabelecer na plenitude dos seus direitos o Estado soviético, contra o qual o
inimigo atentou. Naturalmente que aqui é necessário levar em conta os erros come-
tidos em dado momento que nos tornaram indefesos perante invasão inimiga.
Na segunda abordagem, lutamos pelo poder num qualquer Estado alheio, que su-
bitamente, não se sabe como, se formou no nosso território.
Aqui devia colocar-se a pergunta: qual das duas abordagens é preferível? Mas não
vou colocar essa pergunta, simplesmente expresso a minha convicção de que en-
quanto a segunda abordagem continuar a interferir com a primeira, não poderemos
vencer a guerra desencadeada contra nós e que temos o dever de vencer.
Prestemos agora atenção à seguinte circunstância. Apesar de na teoria marxista,
o Estado ser descrito tradicionalmente (diga-se, a propósito, que é uma má tradição)
como um aparelho de violência nas mãos da classe dominante, e que aparentemente
a classe dominante é sempre quem precisa mais dele, na realidade aqui o quadro é
substancialmente diferente. É precisamente a classe exploradora, através dos seus
representantes, que trai o Estado nacional, com uma prontidão surpreendente, em
prol dos seus interesses de casta e mesmo abertamente pessoais. Basta lembrar, por
exemplo, que a Grécia antiga, no século II a.C., perdeu a independência e se tornou
numa província romana, porque a elite esclavagista se conluiou com os romanos, as-
sustada com a dimensão da revolução anti-esclavagista em Esparta e com as revoltas
dos escravos.
Isto não tem nada de surpreendente, uma vez que os membros da classe explora-
dora, que se integram no Estado sobretudo como proprietários e como opressores,
regra geral, não hesitam em cometer traição se considerarem que outra força qual-
quer é capaz de defender melhor os seus vis interesses.
Já as massas trabalhadoras têm um interesse no Estado que, pela sua essência
objectiva, é muito mais nobre, uma vez que o Estado, quando apesar de tudo começa
a defender o trabalhador explorado, fá-lo quase exclusivamente como indivíduo,
dado que o trabalhador não tem necessidade de mais nem de outra coisa do Estado.
São precisamente as massas exploradas que objectivamente constituem o portador
do autêntico princípio do Direito no Estado. O desenvolvimento histórico do Es-
tado nesta sua imagem, em que representa a consolidação institucional do nível jurí-
dico-moral alcançado pela sociedade, está ligado precisamente à evolução das massas
e não da elite dos proprietários. Nesta sua configuração o Estado nunca desaparecerá
da vida da sociedade – nem pode desaparecer, não há nenhum motivo para isso –
quanto muito, com o tempo talvez venha a mudar de nome. No que respeita à «ex-
tinção» do Estado, no futuro apenas se extinguirá o aparelho de coerção e opressão
como tal. Tudo isto já foi dito com clareza por Marx.
Decorre daqui uma diferença fundamental nas formas de manifestação da soli-
dariedade de classe por parte da burguesia e do proletariado. A solidariedade de
classe da burguesia, em última análise, tem um carácter não de Direito, isto é, no
sentido literal da palavra, anti-estatal; ou na linguagem moderna, transnacional, que
desfaz, nivela as delimitações nacionais-estatais. A solidariedade internacionalista
da classe operária não pode construir-se segundo este modelo, excepto nas etapas
mais iniciais. Os trabalhadores necessitam do Estado por princípio, e não só até
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certo ponto, uma vez que para eles é no nível do direito estatal que se fixa, se conso-
lida, em primeiro lugar, o processo de importância vital da sua libertação individual,
humana, da sua emancipação como personalidade. Alguns trabalhadores podem não
compreender isto, mas objectivamente assim é.
Por isso também a fórmula de união dos proletários não é transnacional, mas an-
tes poderia designar-se de internacionalista-patriótica. Até à conquista do po-
der, o proletariado une-se na base do reconhecimento do direito das nações à auto-
determinação, incluindo à separação, isto é, o reconhecimento do seu direito à edifi-
cação de um Estado independente; e depois da conquista do poder pela classe ope-
rária e os seus aliados, a unidade constrói-se – apenas e obrigatoriamente – através
dos organismos anti-exploradores nacionais estatais criados.
Nos nossos dias, todos estes assuntos adquiriram uma actualidade acutilante
devido ao facto de que, infelizmente, muitos deles se concretizaram na prática.
Estamos assim confrontados com uma sólida união transnacional do capital inter-
nacional, a qual, essencialmente, explora todo o mundo, incluindo agora o nosso país,
por muito deplorável que isso seja. Isto é, temos perante nós um fenómeno que já se
tinha perfilado no início do século e que recebeu o nome de ultra-imperialismo.
No seu tempo, V.I. Lénine respondeu na prática à pergunta de como podem as
massas oprimidas resistir à ameaça ultra-imperialista. Esta resposta foi a conclusão
sobre a possibilidade, e ulteriormente também sobre a necessidade, da tomada do
poder pelo proletariado, inicialmente num só país. Contra a ofensiva declarada do
capital unido, anónimo e antidireito, a classe operária devia munir-se do princípio
do Estado-nacional, munir-se do seu Estado e instalar-se nele como na sua forta-
leza. O que V. I. Lénine disse textualmente sobre esse ultra-imperialismo, hoje já não
é assim tão importante. Importante é que colocou o pensamento revolucionário da
época nos trilhos da revolução mundial, isto é, nos trilhos da luta total contra o im-
perialismo, no seu campo lógico e segundo as suas leis; deu ao pensamento revoluci-
onário a perspectiva da rejeição do imperialismo e da sua superação na base de um
princípio mais elevado de edificação construtiva.
Haverá nesta conclusão de Lénine alguma indicação para nós?
Há sem dúvida. É a inadmissibilidade, em quaisquer circunstâncias, em qualquer
catástrofe, da renúncia ao Estado socialista soviético, isto é, à principal e mais impor-
tante arma que a Revolução de Outubro e 70 anos de construção e existência do socia-
lismo no nosso país deram aos trabalhadores.
Podem objectar-me: sim, mas como não renunciar, se na realidade a URSS não
existe? Foi demolida, destruíram-na, e vivemos completamente noutro país.
É necessário que todos nós tomemos consciência com extrema clareza do se-
guinte: ou finalmente nos decidimos a dar cabo, de uma vez por todas, do vírus in-
formativo sobre esse tal «outro país», ou uma grande cruz a vermelho será traçada
pelo nosso adversário geopolítico, também de uma vez por todas, sobre toda a nossa
história futura.
O sustentáculo de qualquer Estado são as pessoas, o povo. O território ocupado
pelo inimigo pode ser libertado; os usurpadores que tomaram o poder podem ser
expulsos. Há apenas uma coisa que não se pode corrigir: a traição, voluntária ou in-
voluntária, do povo ao seu Estado. A missão de todo o nosso movimento de esquerda,
ou como lhe queiramos chamar, consiste unicamente no seguinte: impedir, impedir
com todas as forças a traição definitiva do povo, que na sua essência é o povo sovié-
tico, ao Estado que se chama e continuará a chamar-se URSS. Se conseguirmos que
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o povo, exactamente enquanto povo soviético, recupere a sua existência política ac-
tiva e consciente, a catástrofe será superada. E será superada exclusivamente
nesse caso, uma vez que quaisquer outras vias ou variantes para a sua superação
objectivamente, repito, não existem.
Por isso todos os elementos abertamente não soviéticos, e tanto mais os anti-
soviéticos, que se encontram no seio das forças de esquerda, devem ser caracteri-
zados frontalmente como aquilo que são na realidade: como diferentes canais de
influência do colaboracionismo e traição introduzidos no seio da esquerda.
Eis o que pensa uma personalidade que se considera um dos líderes da oposição:
«É-nos indiferente que a Rússia seja comunista, burguesa ou imperial, desde que
seja grande e forte, independente, soberana, próspera e popular. (…) Estamos dis-
postos a propagar a paz de classes em nome dos interesses da Rússia.» 2
Oh, excelentíssimos senhores!... A Rússia só pode tornar-se grande, forte, inde-
pendente, etc., de uma única e exclusiva maneira: unicamente se voltar a ser sovié-
tica. Será que vós realmente não entendeis isto? Então é melhor ficardes sentados
em casa em vez de ajudardes o regime a embrutecer as pessoas nas páginas de um
jornal que muitos ainda consideram comunista. No que respeita à propaganda da paz
de classes, na nossa situação, ela não serve os interesses da Rússia, mas os interesses
dos Estados Unidos da América.
Outro ponto fraco é o carácter não soviético de uma parte significativa do movi-
mento operário actual. Mas claramente este assunto merece um tratamento à parte.
Como se mantém a lealdade a um Estado que, claramente, foi destruído de facto?
Tanto quanto possível, não se deve sair, não devemos abandonar o seu campo
jurídico-conceptual e moral-espiritual. Deve-se considerar que a sua Constituição
continua em vigor de jure. O trabalho das nossas organizações não deve assentar
em normas que contrariem a Constituição da URSS, em particular, na norma que
sancionou o multipartidarismo comunista. Os programas dos partidos não devem
conter disposições anticonstitucionais. Cada um deve comportar-se em qualquer
situação como cidadão da URSS em território ocupado, e empenhar-se em que as
pessoas à sua volta com comportamentos idênticos sejam cada vez mais. Subordi-
nar toda a actividade social individual e das respectivas organizações à tarefa cen-
tral da libertação do território e restabelecimento do Estado da União das Repúbli-
cas Soviéticas Socialistas.
Se lermos com atenção os materiais do CC do POSDR(b), 3 relativos ao período da
assinatura da paz de Brest, podemos constatar que V.I. Lénine deu grande importân-
cia ao facto de a Alemanha, ao obrigar o governo bolchevique a aceitar uma paz es-
poliadora, humilhante, injuriosa, etc., ela própria tinha cometido um «pecado» fatal
para si própria: teve de reconhecer a legitimidade do poder dos bolcheviques na Rús-
16 de Janeiro de 1997. [Valentine Tchíkine (1932), membro do PCUS desde 1958, é deputado
do PCFR e director do jornal Soviétskaia Rossia. Aleksándr Prokhanov (1938), jornalista e
escritor, director do jornal Zavtra, é próximo do PCFR, tendo apoiado a candidatura presi-
dencial de Guennadi Ziugánov em 1996. A citação refere-se a uma afirmação de Prokhanov,
durante entrevista com Tchíkine. (N. Ed.)]
3 POSDR(b), Partido Operário Social-Democrata da Rússia (N.Ed.)
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sia. Isso determinou o curso ulterior dos acontecimentos; V.I. Lénine viu isso perfei-
tamente, razão pela qual, de um modo geral, não hesitou perante nenhuma das con-
dições para a assinatura da paz.
Seria interessante saber o que diria Lénine se ouvisse os «oposicionistas» actuais
discorrer sobre o tema «A URSS já não existe». Possivelmente proibiria aqueles que
dizem tais coisas de o frequentarem: Não, primeiro façam para que exista, e depois
apareçam… Lembremo-nos a cada instante de que veneramos Lénine, acima de
tudo, como fundador do nosso Estado.