Novo Arquivamento Procedimentos Souza ABERTO

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ISSN 1413-3873

Revista do
Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro

Repositório autorizado de jurisprudência


do Egrégio Supremo Tribunal Federal
Registro nº 25/99, de 22/04/1999
DJU nº 72, de 16/04/1999, p.1

Repositório autorizado de jurisprudência


do Egrégio Superior Tribunal de Justiça
Registro nº 37 – Portaria nº 1, de 26/10/1998
DJU de 05/11/1998, p.137 - Registro retificado
Portaria nº 9, de 14/06/1999 – DJ 22/06/1999

nº 93 jul./set. 2024
Novo arquivamento de procedimentos criminais

Renee do Ó Souza*1
Caroline de Assis e Silva Holmes Lins**2
Ana Flávia Assis Ribeiro***3

Sumário
Introdução. 1. O fundamento do arquivamento por ausência de fundamento
para a ação penal. 2. A comunicação do arquivamento: autoridade policial, investigado,
juiz competente e vítima. 2.1. Comunicação à autoridade policial. 2.2. Comunicação ao
investigado. 2.3. Comunicação à vítima. 2.4. Comunicação ao juiz competente. 3. Juízo
de retratação da decisão de arquivamento. 4. Acionamento e papel da instância de
revisão. 5. A nova sistemática de arquivamento, os termos circunstanciados e as notícias
de fato. 6. A extinção da punibilidade na fase pré-processual. 7. Desarquivamento e
a nova sistemática do art. 28 do CPP. 8. Conclusões. Referências.

Resumo
A nova sistemática de arquivamento dos procedimentos criminais redefine os
papéis do Ministério Público (MP) e da vítima no processo penal. Este estudo analisa
a abordagem do CPP, decisões do STF e a Resolução CNMP 181/2017, destacando o
aumento da responsabilidade do MP e a redução da intervenção judicial no ato de
arquivamento dos procedimentos investigatórios. Conclui-se que a valorização da
vítima e o fortalecimento do MP, com menor participação judicial, configuram um
modelo mais eficiente e justo, demandando atuação criteriosa para aprimorar a
justiça penal brasileira.

Palavras-chave: Nova sistemática de arquivamento. Resolução CNMP


181/2017. Intervenção Judicial.

Introdução
As alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019
foram significativas, abrangendo também aspectos relacionados ao arquivamento
de inquéritos policiais e procedimentos correlatos. Essas mudanças visavam,

* Mestre em Direito. Pós-graduado em Direito Constitucional, em Direito Processual Civil, em Direito Civil,
Difusos e Coletivos. Promotor de Justiça do Estado do Mato Grosso. Professor e autor de obras jurídicas.
** Especialista em Direito Penal e Processual Penal e pós-graduanda em análise criminal e ciências criminais
e segurança pública. Promotora de Justiça do Estado do Mato Grosso.
*** Pós-graduada em compliance e direito corporativo. Promotora de Justiça do Estado do Mato Grosso.

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Caroline de Assis e Silva Holmes Lins
Ana Flávia Assis Ribeiro

principalmente, excluir o eventual controle judicial sobre o ato de arquivamento,


substituindo-o por uma revisão obrigatória de todos os arquivamentos por uma
instância superior do Ministério Público.
Em agosto de 2023, contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o
julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6.298, 9.299, 6.300
e 6.305, dando interpretação conforme ao art. 28 do CPP recém-alterado. O STF
decidiu que, mesmo sem previsão legal expressa, o Ministério Público possui o dever
de submeter sua manifestação de arquivamento à autoridade judicial competente,
além de comunicá-la à vítima, ao investigado e à autoridade policial. A Corte ainda
decidiu pela inexistência de obrigatoriedade de encaminhamento dos autos para o
Procurador-Geral de Justiça (PGJ) ou para a Câmara de Coordenação e Revisão (CCR).
Com o objetivo de regulamentar e clarificar essas alterações, o Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP) editou, em 16 de abril de 2024, a nova Resolução
n.º 289, que altera a Resolução CNMP n.º 181/2017 e uniformiza a nova sistemática de
arquivamento de inquéritos policiais e procedimentos correlatos.
O objetivo geral deste artigo é analisar alguns aspectos dessa nova sistemática
de arquivamento, bem como suas implicações jurídicas e práticas a fim de avaliar
como essas mudanças podem contribuir para uma maior eficiência e transparência
no arquivamento de procedimentos criminais, fortalecendo o controle interno do
Ministério Público e garantindo uma revisão mais robusta e criteriosa desses atos. Essa
análise permitirá identificar os benefícios e as possíveis limitações da nova sistemática,
oferecendo subsídios para futuras discussões e aperfeiçoamentos na legislação e na
prática processual penal.

1. O fundamento do arquivamento por ausência de fundamento para a


ação penal
A nova redação do art. 19 da Resolução CNMP 181/2017, introduzida pela
Resolução CNMP 289/2024, conforme mencionado anteriormente, mantém-se em
conformidade com a sistemática imposta pela Lei 13.964/2019 e pela decisão das ADIs
6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 do STF. Assim, embora ainda permita algum grau de controle
judicial sobre este ato, o qual será analisado posteriormente, inegavelmente fortalece
o protagonismo do Ministério Público, visto que a eventual revisão ou homologação
dessa decisão será realizada, doravante, exclusivamente pelo próprio MP.
A Resolução amplia significativamente um ponto considerado desprovido de
previsão legal, que diz respeito aos fundamentos autorizadores para a promoção do
arquivamento de um procedimento criminal. Isso porque, acertadamente, as hipóteses
de arquivamento desses procedimentos não estão explicitamente elencadas no
Código de Processo Penal.
A doutrina sempre indicou, com algumas variações, que as hipóteses que
autorizam tal ato são: a) atipicidade; b) excludente de ilicitude/culpabilidade; c) causa
extintiva da punibilidade; d) ausência de elementos informativos quanto à autoria e
materialidade (ausência de justa causa).

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A acertada ausência de previsão expressa dessas hipóteses no Código


de Processo Penal confere ao Ministério Público uma cognição voltada para um
prognóstico de viabilidade e necessidade da ação penal, juízo que parece estar contido
na redação do novo art. 19 da Resolução n.º 181/2017, que dispõe:

Art. 19. Se o membro do Ministério Público responsável pelo


inquérito policial, procedimento investigatório criminal ou
quaisquer elementos informativos de natureza criminal se convencer
da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal
pública, nos termos do art. 17, decidirá fundamentadamente pelo
arquivamento dos autos.

Como se observa, desde que o Ministério Público conclua que não há razões
para iniciar a ação penal, pode promover o arquivamento do caso. Esse poder abrange
as hipóteses tradicionais e permite um prognóstico mais amplo, compatibilizando a
atuação ministerial com um procedimento alinhado com medidas de política criminal
que busquem o alívio do sistema justiça, priorizando casos mais graves e de maior
relevância em detrimento de infrações menos significativas.
Essa abordagem permite ao Ministério Público exercer uma análise mais
qualificada, considerando não apenas os aspectos jurídicos em sentido estrito, mas
também diretrizes de política criminal e institucionais voltadas ao aprimoramento no
enfrentamento da criminalidade e à tutela penal qualificada de interesses públicos e
sociais relevantes. Ganha protagonismo a integração dos planos e diretrizes de atuação
da instituição, apta a elevar a atuação automatizada a uma que atenda às finalidades
valorativas do direito penal moderno. Nesta direção, aponta Paulo Busato (p. 118-119):

Não tenho qualquer dúvida de que cada Promotor de Justiça, em


sua atuação político-criminal cotidiana, onde decide a respeito dos
rumos interpretativos de cada impulso da Justiça Criminal, traz a
lume os pontos que vão ser objeto de discussão técnico-jurídica.
Vivemos em um momento de superação de um modelo de sistema
jurídico-penal encerrado em grades ontológicas, para a passagem
a um Direito penal “vivo”, que tem em conta sua capacidade de dar
uma adequada resposta social ao problema da criminalidade (sua
funcionalidade). Assim, que é muito importante que o Ministério
Público esteja consciente do papel determinante que exerce na
evolução do desenvolvimento dogmático do Direito penal brasileiro,
dado que suas opções político-criminais representam um papel
de verdadeiro “filtro” das questões que doravante tendem a ser
postas em discussão.

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Ana Flávia Assis Ribeiro

A ausência de fundamento para o exercício da ação penal mencionada


pela Resolução comporta uma maior flexibilidade para decidir sobre casos de
arquivamento, o que possibilita uma seleção mais acurada de casos que deverão
ser objeto de provimentos ministeriais. Isso fortalece a capacidade institucional de
atuar planejadamente, como protagonista da política pública de segurança pública1,
de modo a lidar com a prevenção e repressão criminal frente aos delitos de maior
impacto social, em prejuízo das infrações menos graves. Essa parece ser também a
percepção do Enunciado 8 emitido pelo Grupo Nacional de Coordenadores de Centro
de Apoio Criminal (GNCCRIM), que dispõe:

A nova redação do artigo 28 do Código de Processo Penal, em


harmonia com o princípio acusatório, dispõe que o arquivamento
do inquérito policial não se reveste mais de um mero pedido,
requerimento ou promoção, mas de verdadeira decisão de não
acusar, isto é, o promotor natural decide não proceder à ação penal
pública, de acordo com critérios de legalidade e oportunidade,
tendo em vista o interesse público e as diretrizes de política criminal
definidas pelo próprio Ministério Público.

Essa abertura para considerações gerais que abrangem outras hipóteses de


arquivamento de procedimentos criminais, com base em critérios de prioridades
persecutórias, dada a vasta quantidade de crimes praticados em nosso país, se não
contempla integralmente, ao menos sugere a oportunidade do direito de ação
penal. Modernamente, a oportunidade da ação penal deve ser entendida como
a possibilidade de o Ministério Público optar por não iniciar um processo, mesmo
diante da notícia de um fato punível ou provas de sua prática, desde que essa decisão
seja tomada por motivos de utilidade social ou razões político-criminais, de forma
temporária ou definitiva, condicional ou incondicional2 .
Ademais, as medidas previstas na legislação que permitem ao juiz competente
e à vítima insurgirem-se contra a decisão reduzem significativamente os riscos de uma
atuação subjetiva e incontrolável do membro do Ministério Público que promoveu
o arquivamento. A possibilidade de revisão serve como um mecanismo de controle,
assegurando que a atuação do Ministério Público esteja alinhada com as diretrizes
da instituição. Isso elimina arbitrariedades e subjetivismos incontroláveis, tornando
essa oportunidade devidamente regrada e supervisionada.

1
GOMES, Décio Alonso. Política criminal brasileira e o papel do Ministério Público. Ministério Público e
políticas públicas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, p. 23-46, 2009.
2
Sobre o tema, vale a leitura do texto: SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano. A superação do dogma
da obrigatoriedade da ação penal: a oportunidade como consequência estrutural e funcional do sistema
de justiça criminal. Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, edição 34, jul.-dez./2017, p. 35-49.

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2. A comunicação do arquivamento: autoridade policial, investigado, juiz


competente e vítima
A nova sistemática de arquivamento de procedimentos criminais impôs ao
Ministério Público o dever de comunicar esse ato à autoridade policial, ao investigado,
ao juiz competente e à vítima, o que desafia uma série de considerações importantes.
Insta, inicialmente, destacar que a nova sistemática processual, ao ampliar o
rol de pessoas que tomam conhecimento da decisão de arquivamento, privilegia uma
participação mais abrangente e democrática dos interessados na persecução penal.
Além de suprir o suposto déficit de legitimação democrática comumente atribuído a
instituições públicas independentes, essa sistemática, em certa medida, se alinha aos
princípios da Teoria da Ação Comunicativa, elaborada pelo filósofo alemão Jürgen
Habermas. Explica-se.
Ao determinar a participação dos agentes diretamente envolvidos no crime
– ou seja, a autoridade policial, o investigado, o juiz competente e a vítima – a
resolução não apenas amplia o círculo de transparência e controle sobre a decisão
de arquivamento, mas também valoriza a ideia de um processo decisório que se baseia
na comunicação e no diálogo entre os diversos sujeitos. A inclusão desses agentes
na fase de arquivamento fomenta uma troca de ideias e informações, promovendo
uma forma de justiça mais participativa e integrada.
A teoria de Habermas é, precipuamente, uma teoria discursiva de integração
social erigida em pilares democráticos, de sorte que a resolução de conflitos deve
ser discutida entre os sujeitos sociais, possibilitando que todos aqueles que forem
potencialmente atingidos pela decisão tenham o poder de nela influir3. Assim, ao
conceder ao juiz de direito e à vítima a possibilidade de provocar a instância revisional
do Ministério Público, consagra-se a legitimidade democrática do Direito, que passa,
doravante, a exercer o poder de influir na decisão de arquivamento, rompendo com
a concepção metafísica do Direito, originária do opus kantiano.
A multiplicidade de pessoas receptoras da comunicação de arquivamento,
que permite uma ampliação em pedidos de revisão dessa decisão é fundamental no
contexto da previsão constitucional da privatividade da ação penal pública conferida
ao Ministério Público por várias razões, relacionadas tanto ao papel constitucional
desta instituição quanto à garantia de justiça e eficácia do sistema penal.
Isso porque, a Constituição Federal brasileira, em seu artigo 129, confere ao
Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, o que significa
que cabe a ele a responsabilidade de promover ações penais em nome do Estado
quando houver indícios suficientes da prática de um crime. Essa prerrogativa é
um reconhecimento do papel essencial do MP na defesa da ordem jurídica,
dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e da fiel observância das leis.
A possibilidade de revisão de um arquivamento assegura que nenhuma decisão

3
Sobre a razão comunicativa e o direito de Jürgen Habermas, vale o estudo da obra: BITTAR, Eduardo
Costa Bianca. Curso de filosofia do direito. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2016.

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precipitada ou inadequada de arquivamento impeça a responsabilização penal de


alguém que realmente cometeu um crime. Novas provas ou a reavaliação de provas
existentes podem revelar que a decisão de arquivamento não era a mais adequada,
permitindo que a justiça seja efetivamente realizada, o que reforça a transparência e
a responsabilidade do Ministério Público, ao garantir que suas decisões possam ser
revisadas e corrigidas, se necessário. Trata-se de ferramenta crucial para assegurar que
o sistema penal funcione de maneira justa e eficaz, honrando a confiança depositada
no MP como titular exclusivo da ação penal pública e garantindo que todos os crimes
sejam devidamente investigados e processados.

2.1. Comunicação à autoridade policial


A primeira pessoa a ser notificada sobre o arquivamento do procedimento
criminal, conforme estabelece a norma, é a autoridade policial que presidiu a
investigação. Esta comunicação deve ocorrer no prazo de cinco dias a contar da
ciência da decisão pelo juiz competente, e deve ser realizada preferencialmente por
meio eletrônico.
A importância desse ato transcende a mera formalidade, desempenhando
funções significativas para a eficácia e a transparência do sistema de justiça penal.
A comunicação ao Delegado de Polícia assume uma importância central no
cruzamento de dados e no aprimoramento das políticas de segurança pública. Ao
compartilhar com a Polícia Judiciária Civil as conclusões do Ministério Público, este
ato contribui para o enriquecimento dos bancos de dados institucionais e possibilita
um melhor alinhamento entre as ações dos órgãos envolvidos na persecução penal.
O compartilhamento de informações e conclusões não apenas promove a integração
institucional entre o Ministério Público e a polícia, mas também fomenta uma cultura
de colaboração mútua e reflexão crítica sobre o processo investigativo.
Mais do que uma mera formalidade, a comunicação ao Delegado de Polícia
serve como um mecanismo de controle e de aprimoramento contínuo das práticas
investigativas. Ao informar o Delegado sobre os fundamentos que levaram ao
arquivamento, a norma propicia uma oportunidade para a reflexão e o feedback
construtivo, permitindo que o Ministério Público ofereça orientações sobre a
qualidade das investigações e identifique possíveis áreas para melhorias nas futuras
abordagens investigativas.
Portanto, a comunicação do arquivamento ao Delegado de Polícia vai além
de uma exigência procedimental; é um componente fundamental para a integração
e a eficiência do sistema de justiça criminal.
Para concluir, é importante registrar que, no contexto de procedimentos
investigativos não conduzidos por autoridade policial, a comunicação aos respectivos
condutores da investigação é dispensável, conforme previsto no § 5º do art. 19-A
da Resolução CNMP 181/2017. Por exemplo, investigações de infrações fiscais ou

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tributárias realizadas pela Receita Federal que servem para instruir um determinado
procedimento investigatório não exigem essa comunicação.
No entanto, embora não seja exigível, essa providência é facultada,
especialmente porque pode servir para a troca de informações, evitar duplicidade
de esforços e contribuir para uma investigação mais eficiente e coordenada, sem
comprometer a autonomia dos procedimentos conduzidos por entidades distintas.

2.2. Comunicação ao investigado


A comunicação ao investigado sobre o arquivamento de uma investigação
criminal é fundamental para garantir o direito à informação sobre sua situação
processual, permitindo-lhe a tranquilidade necessária para prosseguir com sua
vida sem a preocupação de uma possível acusação futura. Com essa informação,
o investigado pode buscar novas oportunidades de trabalho, tomar providências
contra eventuais calúnias e iniciar o processo de recuperação de sua reputação, entre
outras medidas.
Embora a comunicação ao investigado seja necessária para assegurar seu
direito à informação, ela não deve ser considerada como um desdobramento do
contraditório. Isso se deve ao fato de que os procedimentos investigativos, por sua
própria natureza, não comportam o contraditório em sua fase preliminar. Portanto, não
é razoável supor que, no momento do arquivamento, o investigado possa influenciar a
decisão do órgão revisional. Se o investigado não tem a oportunidade de se defender
para a formação da opinio delicti, igualmente não deve ter a possibilidade de modificar
o convencimento do órgão revisional.
De acordo com o art. 19, § 4º, da Resolução 181/17, a notificação ao investigado
sobre o arquivamento da investigação deve ser realizada preferencialmente por meio
eletrônico, dentro do prazo de 5 (cinco) dias. Caso o investigado não seja localizado,
a comunicação poderá ser efetuada por meio de edital publicado no Diário Oficial
do respectivo Ministério Público, conforme a regulamentação aplicável.
Se o investigado estiver preso, o prazo para essa notificação é reduzido para
24 (vinte e quatro) horas, sem prejuízo de eventual pedido de revogação da prisão,
conforme estipulado no art. 19, § 3º, da mesma resolução.

2.3. Comunicação à vítima


Uma das inovações significativas introduzidas por esta sistemática é a
comunicação à vítima acerca da decisão de arquivamento da investigação preliminar.
Desde 2008, com a promulgação da Lei nº 11.719/08, o Código de Processo Penal
sofreu uma alteração substancial com a inserção do art. 201, § 2º, que instituiu a
obrigatoriedade de comunicação ao ofendido sobre atos processuais relevantes, como
a sentença condenatória. Esta emenda legislativa marcou o início de um processo de
valorização da vítima no âmbito do direito processual penal brasileiro, destacando
sua relevância e participação dentro do sistema judicial.

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O Pacote Anticrime, ao estabelecer a comunicação da decisão de arquivamento,


prossegue nesta mesma senda, consolidando e ampliando a visibilidade da vítima
no processo penal. Esta mudança normativa reflete uma abordagem mais inclusiva
e equitativa, que busca reconhecer e afirmar o papel da vítima na esfera penal,
conforme as diretrizes estabelecidas pela Resolução n.º 40/34 da ONU. Esta resolução,
que estabelece os princípios e diretrizes básicas sobre o direito a recurso e reparação
para vítimas, define a vítima como qualquer indivíduo, ou grupo de indivíduos, que
tenha sofrido um dano físico, econômico, mental ou emocional em virtude de um
ato criminoso.
De acordo com a Resolução n.º 243 do CNMP, a vítima é classificada em direta,
aquela que sofreu diretamente o dano, e indireta, compreendendo os familiares de até
terceiro grau da vítima direta, desde que mantidos vínculos de convivência, cuidados
ou dependência no caso de morte ou desaparecimento decorrente de crime, ato
infracional ou calamidade pública. Assim, a comunicação da decisão de arquivamento
deve primariamente alcançar a vítima direta, sendo que, em casos de impossibilidade,
como no falecimento ou desaparecimento da vítima direta, a comunicação deverá
ser estendida às vítimas indiretas, proporcionando-lhes a oportunidade de interpor
eventual impugnação.
Nos casos em que o Estado figura como vítima, a comunicação da decisão
de arquivamento deve ser realizada junto à chefia do órgão responsável pela
representação judicial do Estado, conforme prescrito pelo art. 28, § 2º, do Código de
Processo Penal. Em crimes contra pessoas jurídicas, a notificação deve ser dirigida
aos representantes legais conforme os contratos ou estatutos da entidade, ou, na
ausência de disposições, aos seus diretores ou sócios-gerentes, conforme estipulado
pelo art. 37 do CPP.
Em relação aos crimes vagos, que, por sua própria natureza, não atingem
diretamente indivíduos específicos, é possível, em certos contextos, identificar grupos
sociais, comunidades ou organizações que possam ser impactados pela conduta
criminosa. Especialmente nos crimes que tutelam interesses difusos e coletivos, como
previsto na Lei nº 7.347/1985, pode-se reconhecer legitimidade para que tais grupos
sejam notificados sobre a decisão de arquivamento.
A comunicação para a vítima, que deve ser feita no prazo de 5 (cinco) dias a
partir da decisão, garantindo a adequada ciência do arquivamento, deve ser realizada
de maneira clara, acessível e respeitosa. A clareza e a acessibilidade na comunicação
são essenciais para garantir que a vítima ou seus representantes compreendam
adequadamente a decisão do Ministério Público e suas implicações, sob pena de
mal-entendidos, dúvidas e sensação de injustiça. O respeito na comunicação é
igualmente indispensável, pois diz respeito ao modo como a vítima deve ser abordada,
exigindo que o ato não a transtorne ou cause mais sofrimento.
Respeitar a vítima significa não apenas comunicar a decisão de forma
compreensível, mas também fazê-lo com dignidade e consideração, reconhecendo
o impacto emocional e psicológico que ela pode ter. A comunicação deve ser feita

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de forma a minimizar qualquer angústia adicional e a promover a compreensão do


desfecho do processo de maneira sensível e empática. A abordagem respeitosa
contribui para que a vítima não se sinta desconsiderada ou desrespeitada pelo sistema
de justiça, o que é vital para preservar a confiança nas instituições e garantir que a
vítima sinta que seus direitos estão sendo respeitados, mesmo em face da decisão
de arquivamento.
No caso de interposição de pedido de revisão, este deverá ser apresentado no
prazo de 30 (trinta) dias, sem exigência de advogado, técnica jurídica ou fundamentação
específica, bastando para tanto a manifestação da discordância em relação à decisão
de arquivamento.
Quando a comunicação não puder ser efetivada a partir de contatos diretos,
a cientificação poderá ser realizada por meio eletrônico, sempre que possível.
Finalmente, na eventualidade de não serem localizadas vítimas diretas ou indiretas,
o Ministério Público deverá promover a publicação de edital apropriado, conforme
previsto para tais situações.
Um último ponto deve ser consignado: a previsão legal que exige a comunicação
obrigatória do arquivamento para o ofendido e a possibilidade de interposição do
pedido de revisão não autoriza a suposição de uma transferência para ele, ainda que
parcial, do jus puniendi estatal. Essa nova regra visa assegurar maior transparência e
participação das vítimas no processo penal, permitindo que elas sejam informadas
sobre o desfecho das investigações e possam, se assim desejarem, solicitar a revisão
do arquivamento. No entanto, é importante destacar que essa medida não confere
às vítimas a capacidade de exercer a persecução penal e o poder punitivo do Estado,
que permanece sob a exclusividade das autoridades competentes. A comunicação
e a possibilidade de revisão são mecanismos que reforçam os direitos das vítimas
sem alterar a essência do monopólio estatal sobre a aplicação das sanções penais.
Por isso continuam válidos os procedentes jurisprudenciais que reconhecem
a impossibilidade de a vítima, depois de proferida uma decisão de arquivamento de
um procedimento criminal, propor uma espécie de ação penal subsidiária4.

2.4. Comunicação ao juiz competente


Entendendo o Ministério Público pela opinio delicti negativa e,
consequentemente, pelo arquivamento da investigação, a comunicação dessa decisão
será feita ao juiz de forma eletrônica, a quem caberá, nos termos do que prevê o art.
19, § 1º, da Resolução n.º 181/2017 do CNMP, em caso de ilegalidade ou teratologia,
provocar a instância de revisão. Esse entendimento foi construído pelo Supremo

4
Neste sentido: [...] Arquivamento promovido pelo membro do Ministério Público e determinado pela
autoridade judiciária. Interesse da vítima na propositura da ação penal. [...] O Ministério Público é o titular
da ação penal, cabendo a ele aferir a presença de justa causa, ressalvada a hipótese prevista pelo art.
28, do CPP. Na ação penal pública incondicionada, a vítima não tem direito líquido e certo de impedir o
arquivamento do inquérito. [...] (Recurso em Mandado de Segurança nº 44.025-DF, STJ, 5ª Turma, Rel. Min.
Moura Ribeiro, julgado em 18.2.2014, publicado no DJ em 21.2.2014).

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Tribunal Federal em interpretação conforme à Constituição ao art. 28 do CPP, no


julgamento das ADI 6.298/DF, ADI 6.299/CF, ADI 6.300/DF e ADI 6.305/DF. Dessa forma,
o Supremo Tribunal Federal decidiu em seu acórdão:

XX. por maioria, atribuir interpretação conforme ao caput do art.


28 do CPP, para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento
do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos
da mesma natureza, o órgão do Ministério Público submeterá
sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao
investigado e à autoridade policial, podendo encaminhar os autos
para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial,
quando houver, para fins de homologação, na forma da lei; XXI. por
unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 1º do art. 28 do
CPP, para assentar que, além da vítima ou de seu representante
legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a
matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, caso
verifique patente ilegalidade ou teratologia no ato do arquivamento.
(STF. Plenário. ADI 6.298/DF, ADI 6.299/CF, ADI 6.300/DF, ADI 6.305/
DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 24/08/2023 (Info 1106).

De forma simplificada, entende-se que haverá ilegalidade quando o


arquivamento não encontrar respaldo na legislação vigente, ao passo que haverá
teratologia quando a fundamentação apresentar contradição em relação à conclusão.
Cumpre destacar que a expressão “teratologia” não é inédita no arcabouço
jurídico. O termo, utilizado pelo Supremo Tribunal Federal e pela Resolução n.º 181/2017
do CNMP, também é encontrado na Súmula 665 do Superior Tribunal de Justiça, que
dispõe sobre o controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar:

Súmula 665, STJ – O controle jurisdicional do processo administrativo


disciplinar restringe-se ao exame da regularidade do procedimento
e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla
defesa e do devido processo legal, não sendo possível incursão
no mérito administrativo, ressalvadas as hipóteses de flagrante
ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da
sanção aplicada.

Em nota, esclarece a Corte Cidadã que “chama-se de teratológica uma decisão


absurda, juridicamente aberrante5”.

5
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/14122023-Primeira-Secao-
aprova-sumula-sobre-controle-jurisdicional-do-processo-administrativo-disciplinar.aspx

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Novo arquivamento de procedimentos criminais

Em que pese o uso de conceito jurídico indeterminado e, por conseguinte, o


risco de dispersão hermenêutica, fato é que o controle jurisdicional sobre a decisão
de arquivamento do Ministério Público, enquanto titular da ação penal, encontra mais
limitações do que aquele realizado pela vítima. Isso porque a vítima, sem necessidade
de defesa técnica e não estando restrita às hipóteses de ilegalidade e/ou teratologia,
pode provocar, com mais liberdade, a revisão da decisão de arquivamento à instância
revisora ministerial.
De qualquer modo, os novos contornos do arquivamento otimizam a fiscalização
democrática e a accountability horizontal e vertical da atividade persecutória, sendo
eloquente as ponderações de Vladimir Aras6:

Ademais, o redesenho do modelo de arquivamento favorece a


segurança na tomada da decisão de não acusar, que continua a
cargo do “promotor natural”, mas sujeita a revisão obrigatória, num
sistema de controle que confere accountability horizontal e vertical
à sua deliberação, na medida em que a vítima poderá apresentar
objeções ao arquivamento e o investigado, também ele, poderá
arrazoar em favor da manutenção da decisão homologada, na qual
se optou por não o denunciar. (ARAS, 2020)

A modelagem conferida por esta norma, construída em parte pelo Legislativo e


em parte pela Suprema Corte, repristina a possibilidade de controle dos atos praticados
pelos membros do Ministério Público pelo juiz atuante no caso, denominada por
alguns de princípio da devolução. São inúmeras as remissões feitas a esta hipótese,
como as previstas no art. 28-A, § 14, e no art. 384, § 1º, ambos do Código de Processo
Penal (CPP), além da Súmula n.º 696 do Supremo Tribunal Federal (STF), que dispõe
que “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do
processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o juiz, dissentindo,
remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do
Código de Processo Penal”.
Deve-se destacar, conforme decidido pela Suprema Corte que “se o juiz
entender que a manifestação de arquivamento foi correta, ele não precisa proferir
decisão homologatória. Basta se manter inerte.” (Plenário. ADI 6.298/DF, ADI 6.299/
DF, ADI 6.300/DF e ADI 6.305/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 24/08/2023 (Info
1106)). Isso significa que mesmo adicionando o juiz nesta etapa do procedimento de
arquivamento, porque receptor da comunicação de arquivamento e possível agente
provocador de sua revisão, contrariando a redação original conferida ao art. 28 do
CPP pela Lei 13.964/2019, o Supremo Tribunal Federal reconhece a desnecessidade
de qualquer tipo de provimento jurisdicional confirmatório nesta etapa. Com essa

6
ARAS, Vladimir. O novo modelo de arquivamento de inquéritos e o princípio da oportunidade da ação.
Revista Consultor Jurídico, 12 jan. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-12/vladimir-
aras-modelo-arquivamento-inqueritos/. Acesso em: 30 jun. 2024.

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024 | 161
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nova interpretação, o juiz não precisa mais proferir uma decisão formal caso concorde
com o arquivamento proposto pelo Ministério Público. Sua inércia, neste contexto,
implica a concordância tácita com a decisão do MP, permitindo que o arquivamento
se torne efetivo de maneira mais ágil e eficiente.
Essa abordagem tem vários benefícios. Primeiro, ela acelera o processo de
arquivamento, reduzindo o tempo que casos sem viabilidade penal permanecem no
sistema. Segundo, alivia a carga de trabalho dos juízes, permitindo que se concentrem
em casos que realmente necessitam de uma intervenção judicial. Terceiro, reforça a
autonomia do Ministério Público na condução da ação penal pública, alinhando-se
com a previsão constitucional de que o MP é o titular exclusivo dessa ação.
Trata-se de um arranjo mais condizente com o princípio acusatório (CPP, art.
3º-A), reforçado internacionalmente pela soft law, como os Princípios de Bangalore
sobre Conduta Judicial (2002) e os Princípios Orientadores Relativos à Função dos
Magistrados do Ministério Público, adotados pelas Nações Unidas durante a 8ª
Conferência para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes (Cuba, 1990),
que preconizam a imperativa separação de funções no processo penal.
Assim, na ausência de provocação por parte da vítima ou do juiz, o arquivamento
se configura como ato administrativo do promotor de justiça. Por outro lado, quando
submetido à instância revisional, adquire a natureza de ato administrativo composto,
envolvendo mais de uma manifestação de vontade, permitindo ao órgão revisor
estabelecer uma diretriz político-criminal dentro de cada Ministério Público (conforme
estabelecido pelo art. 19-D da Resolução).
Em todo caso, compete à instância de revisão ministerial proferir a decisão final
sobre o arquivamento realizado pelo promotor natural, reafirmando, simultaneamente,
o princípio acusatório e a resistência à ressurreição do processo penal inquisitorial.

3. Juízo de retratação da decisão de arquivamento


Prevê o art. 19-A, § 7º, da Res. 181/2017 CNMP a possibilidade de retratação
do promotor responsável pelo arquivamento:

§ 7º Havendo provocação pelo juízo competente para revisão


da decisão de arquivamento, em caso de teratologia ou patente
ilegalidade, o membro do Ministério Público poderá exercer o juízo
de retratação, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da ciência. Não
havendo retratação, o membro do Ministério Público aguardará
o fim do prazo para interposição de recurso pela vítima para
encaminhar os autos à instância de revisão.

Nesse prisma, a sistemática da Resolução oportuniza a reconsideração da


decisão de arquivamento, hipótese em que o membro do Parquet revê a sua decisão

162 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024
Novo arquivamento de procedimentos criminais

anterior e retoma a análise do caso, seja para promover a retomada da persecução,


mediante realização de mais diligências investigativas, seja mediante o oferecimento
do acordo de não persecução penal ou da denúncia criminal.
O juízo de retratação ministerial atenua o abarrotamento no Ministério
Público e no Poder Judiciário ao mesmo tempo em que concretiza a celeridade, o
pragmatismo, a economia e a racionalidade da atuação do Ministério Público ainda
na fase administrativa, dispensando, outrossim, a necessidade de um longa manus.
Havendo pedido de revisão por parte da vítima ou do magistrado, é
desnecessário que o investigado seja notificado para apresentar contrarrazões. Além da
falta de previsão legal neste sentido, deve-se recordar que os procedimentos criminais
apuratório têm natureza administrativa, não ostentando, pois, natureza processual
razão pela qual não pressupõe o exercício da atividade postulatória, não é dotado
de partes, não é jurisdicionalizado e prescinde da observância do contraditório e da
ampla defesa7.

4. Acionamento e papel da instância de revisão


Após a submissão da decisão de arquivamento ao magistrado competente e às
vítimas, na hipótese de haver requerimento de revisão por qualquer uma dessas partes,
surgem duas alternativas para o membro do Ministério Público responsável pelo caso:
ele pode manter a decisão de arquivamento, ocasião em que os autos serão remetidos
à instância de revisão, ou, no prazo de cinco dias, reconsiderar a decisão e retomar a
persecução penal, seja mediante a indicação de novas diligências, seja propondo um
Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), seja oferecendo denúncia criminal.
Consoante o § 8º do art. 19-A da resolução, em caso de retratação pelo membro
do Ministério Público, a vítima deverá ser comunicada no prazo de cinco dias, medida
que resguarda o direito fundamental à informação do ofendido, conforme preceituado
na Resolução CNMP n.º 243, de 18 de outubro de 2021.
Caso o membro do Ministério Público não se retrate da decisão de arquivamento,
ele deverá, no prazo de dez dias, remeter o caso à instância de revisão. A expressão
“instância de revisão” foi utilizada na redação do art. 28 do Código de Processo Penal
e pela nova Resolução n.º 289/2024, com o objetivo de abranger as particularidades
e diferenças entre os Ministérios Públicos Estaduais (MPE) e o Ministério Público da
União (MPU). No âmbito do MPE, conforme dispõe o art. 10, IX, “d”, da Lei 8.625/1993,
a instância de revisão é o Procurador-Geral de Justiça. Neste sentido é o Enunciado 17
PGJ-CGMP LEI 13.964/19 do MPSP: A instância de revisão ministerial do arquivamento
de inquérito policial, termo circunstanciado, procedimento investigatório criminal,

7
O professor Gustavo Badaró sustenta que, embora o inquérito policial seja um procedimento conduzido
sem contraditório, permite o exercício da ampla defesa, ainda que em situações pontuais como na assistência
do defensor ao acusado, na possibilidade de requerer atos de investigação à autoridade policial e na
impetração de habeas corpus, mandado de segurança, entre outros atos. (BADARÓ, Gustavo Henrique,
Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Thompson Reuters. 2022, p. 140).

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024 | 163
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peças de informação de natureza criminal e recusa de acordo de não persecução


penal é o Procurador Geral de Justiça. Já no MPU, essa atividade é desempenhada pela
respectiva Câmara Criminal de Coordenação e Revisão, nos termos dos arts. 58, 132 e
167 da Lei Complementar 75/93. Importa esclarecer que não é cabível atribuir a outros
órgãos, como o Conselho Superior do Ministério Público, essas atribuições, uma vez
que estas já estão definidas pelas Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos, que exercem
poder de conformação geral imodificável por meio de normas regulamentadoras.
Tais previsões legais são acertadas, uma vez que a análise dos arquivamentos
dos procedimentos investigatórios deve revestir-se de uma coesão e coerência
político-criminal, elaborada de forma homogênea pelo Ministério Público. A distribuição
de critérios díspares, especialmente no que tange ao princípio da insignificância, entre
diversos centros de decisão, levaria a uma atuação fragmentada e desarticulada da
instituição, causando insuportável insegurança jurídica e afetando negativamente
a segurança pública.
Eis por que a nova resolução prevê, em seu art. 18-D, que o órgão de revisão
ministerial poderá constituir jurisprudência própria, mediante súmulas, enunciados
e orientações, especialmente em matérias repetitivas, cujo conteúdo servirá de
fundamento para a decisão de arquivamento pelos órgãos de execução, bem como
para estabelecer uma diretriz político-criminal no âmbito de cada Ministério Público.
O prazo para o juízo de retratação quanto à decisão de arquivamento, após a
interposição do pedido de revisão, é impróprio, tendo como termo inicial o término
do prazo para interposição do pedido de revisão pela vítima ou pela autoridade
judicial competente, o que ocorrer por último, visto que a legitimidade para tanto
é concorrente. Esta é a conclusão que se extrai do § 7º do art. 19-A da Resolução
CNMP n.º 181.
Recorde-se que a dicção literal do art. 28 do Código de Processo Penal
determinava que esse encaminhamento deveria ser realizado de forma obrigatória,
providência que foi mitigada pelo Supremo Tribunal Federal ao decidir que não existe
obrigatoriedade de o Ministério Público encaminhar os autos para o Procurador-Geral
de Justiça ou para a Câmara de Coordenação e Revisão. Consoante decisão do STF, o
membro do Ministério Público poderá encaminhar os autos para o Procurador-Geral
ou para a instância de revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação,
na forma da lei. (STF. Plenário. ADI 6.298/DF, ADI 6.299/DF, ADI 6.300/DF e ADI 6.305/
DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 24/08/2023 - Info 1106) Como se vê, a decisão
proferida pela Corte modificou uma das maiores pretensões reformistas do Pacote
Anticrime, que visava retirar do magistrado qualquer participação na decisão de
arquivamento de procedimentos investigatórios, participação esta considerada por
muitos como indevida, por promover uma ingerência violadora da imparcialidade e
do próprio sistema acusatório8 .

8
Neste sentido, ensina a doutrina que o magistrado exerce uma função anômala de fiscal do princípio
da obrigatoriedade: “Neste caso, ao juiz incumbia o exercício de uma inusitada função anômala de fiscal
do princípio da obrigatoriedade, algo que certamente levantaria dúvidas acerca da sua imparcialidade

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Novo arquivamento de procedimentos criminais

Uma vez remetido o caso à instância de revisão, atualmente realizado, na


maioria das vezes, de forma eletrônica, duas novas decisões poderão ser adotadas:
a concordância com a decisão de arquivamento, hipótese em que haverá sua
homologação, ou a discordância, o que ensejará a retomada da persecução penal.
A decisão de homologação do arquivamento do inquérito policial, procedimento
investigatório criminal ou quaisquer elementos informativos de natureza criminal pela
instância de revisão é confirmatória do ato ministerial anterior. Dessa forma, valida a
conclusão de inexistência de fundamento para a propositura da ação penal pública,
consolida a avaliação preliminar realizada pelo Ministério Público e assegura que não
há elementos suficientes para a instauração do processo penal.
A decisão de homologação, agora de natureza administrativa, difere
substancialmente do modelo anterior, que atribuía ao magistrado essa competência
(CPP, art. 67, I). Essa mudança reflete uma transformação na forma como o arquivamento
dos procedimentos investigatórios é processado. Ao retirar do magistrado a
competência para homologar o arquivamento, transfere-se essa função para a instância
de revisão ministerial, que age em conformidade com a autonomia e independência
do Ministério Público. Esta alteração busca fortalecer o princípio do sistema acusatório,
no qual as funções de acusar, defender e julgar são claramente separadas, evitando
a intervenção judicial nas etapas iniciais da persecução penal.
Com a homologação administrativa, as decisões de arquivamento passam a
ser internamente validadas dentro do Ministério Público, promovendo uma maior
coesão e coerência na atuação desse órgão.
Uma vez proferida a decisão de homologação do arquivamento pela instância
de revisão, não se vislumbra a possibilidade de interposição de outros recursos ou
pedidos de revisão, o que confere ao ato uma estabilidade/imutabilidade relativa
que obsta a reabertura do caso pela mesma instância revisora, o que não impede
o chamado desarquivamento do caso, questão que será abordada mais adiante. À
vítima que eventualmente persiste em seu descontentamento com a decisão não é
concedida a prerrogativa de formular novos pedidos de revisão, nem lhe assiste a
via do mandado de segurança, dado que este remédio constitucional se destina a
resguardar um direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de autoridade, e
a homologação do arquivamento, uma vez concluída a revisão, não se subsome a
tais critérios.
Após a homologação administrativa, o art. 19-B da Resolução estipula que os
autos retornem ao juízo competente para os fins de direito. Trata-se de disposição
voltada à tomada de medidas administrativas ordinatórias, como a baixa de registros
em nome dos investigados, o desenvolvimento de atos necessários à conclusão

na eventualidade de o órgão superior ministerial de¬ liberar pelo oferecimento da denúncia nos autos
daquele procedimento investigatório, já que aquele mesmo magistrado responsável pelo indeferimento
da promoção de arquivamento seria, na sequência, o juiz competente para o processo e julgamento da
demanda”. (LIMA, p. 238).

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024 | 165
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formal do procedimento investigatório, e a implementação de eventuais providências


administrativas correlatas.
Essa previsão assegura que, mesmo com a homologação administrativa do
arquivamento, o Poder Judiciário ainda desempenha um papel importante ao finalizar
o trâmite formal do caso. O retorno dos autos ao juízo competente possibilita a adoção
de medidas que garantam a devida regularização e encerramento do procedimento
investigatório, preservando a ordem e a clareza nos registros oficiais.
Como mencionado, uma vez remetido o caso à instância de revisão, esta
também pode decidir pela rejeição da homologação do arquivamento, mediante
uma ampla reavaliação do caso. O pedido de revisão devolve a integralidade da
matéria contida nos autos, permitindo uma nova interpretação da lei e revaloração
dos fatos e provas presentes, que possam indicar a existência de fundamento para o
prosseguimento da persecução penal.
Essa reavaliação pela instância de revisão implica uma nova decisão que reforma
aquela originalmente tomada pelo membro do Ministério Público, substituindo-a e,
a partir de então, produzindo efeitos jurídicos.
A possibilidade de rejeição da homologação do arquivamento pela instância
de revisão reforça o sistema de freios e contrapesos dentro do Ministério Público,
garantindo que decisões de arquivamento sejam objeto de escrutínio e possam
ser revistas quando houver indícios suficientes de materialidade e autoria delitiva.
Este procedimento promove uma uniformidade na atuação ministerial, impedindo
arquivamentos prematuros e assegurando que todas as hipóteses de persecução
penal sejam exaustivamente analisadas.
Rejeitada a homologação pelo órgão de revisão ministerial, será designado
outro membro do Ministério Público para a adoção de uma das seguintes providências:
I – requisição de diligências úteis e necessárias para a instrução do caso; II – propositura
de acordo de não persecução penal e III – ajuizamento da ação penal (art. 19-C).

5. A nova sistemática de arquivamento, os termos circunstanciados e as


notícias de fato
A nova sistemática de arquivamento estabelecida pela redação atual do
art. 28 do Código de Processo Penal deve ser aplicada a quaisquer procedimentos
criminais, o que abrange as chamadas peças de informação, compreendidas como
procedimentos criminais pré-processuais destinados a reunir os elementos mínimos
sobre a responsabilidade penal de determinado sujeito.
O termo “peça de informação” é empregado na legislação, incluindo o Código
de Processo Penal, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) e a
Lei Complementar que organiza o Ministério Público da União (LC 75/93), abrangendo
documentos ou procedimentos que fundamentem a opinio delicti do órgão ministerial,
independentemente de formalidades processuais mais rigorosas.

166 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024
Novo arquivamento de procedimentos criminais

Isso implica que a mencionada sistemática deve ser aplicada aos Termos
Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), procedimentos específicos para a formalização
da investigação preliminar que fundamenta a persecução penal nos Juizados Especiais
Criminais (JECRIM). A necessidade de aplicar essa sistemática de arquivamentos aos
Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs) decorre do fato de que, embora sejam
narrativas simplificadas elaboradas pela autoridade policial para registrar elementos
informativos sobre crimes de menor potencial ofensivo, eles possuem natureza
apuratória e criminal. O TCO serve como instrumento de coleta de informações
suficientes para o avanço da persecução penal, e como tal implica direitos tutelados
pelas normas penais e direitos fundamentais dos cidadãos, sejam acusados ou vítimas.
Aplicar a nova sistemática de arquivamento garante os mesmos efeitos gerais presentes
nos demais casos de verificação de violações penais, assegurando um mecanismo de
controle sobre as decisões ministeriais que concluem pela falta de fundamento para
a responsabilização penal em um determinado caso.
A aplicação da nova sistemática de arquivamento aos TCOs assegura maior
coerência e uniformidade na condução das investigações preliminares, garantindo que
todas as peças de informação sejam tratadas com os mesmos critérios de avaliação e
rigor técnico, em conformidade com os princípios constitucionais e legais que regem
a persecução penal no Brasil. Ademais, ainda que sejam uma forma simplificada
de registro de informações sobre crimes de menor potencial ofensivo, os TCOs são
considerados procedimentos com potencial investigativo. Portanto, devem ser regidos
pela nova sistemática de arquivamento prevista na redação atual do art. 28 do Código
de Processo Penal.
A disposição do art. 19-H da Resolução não se aplica aos Termos Circunstanciados
de Ocorrência (TCOs), que exclui a aplicação dos dispositivos para arquivamento de
notícias de fato ou procedimentos não investigativos. Estes devem seguir a Resolução
174, de 04 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público. Esta disposição
específica refere-se exclusivamente aos procedimentos tratados naquela normativa,
como as notícias de fato, destinadas a ordenar demandas, documentos e postulações
em geral dirigidas aos órgãos do Ministério Público, mas desprovidas de conteúdo
investigativo ou fins apuratórios.
O art. 19-F da Resolução também estabelece que a nova sistemática de
arquivamento é aplicável a todos os casos de arquivamento de inquérito policial,
procedimento investigatório criminal ou quaisquer elementos informativos de mesma
natureza previstos na legislação penal e processual penal, inclusive aqueles afetos à
justiça eleitoral e militar.
Essa disposição evidencia claramente que a nova sistemática, decorrente da
redação atual do art. 28 do Código de Processo Penal e respaldada pela decisão do
Supremo Tribunal Federal (recuperar referência aqui), deve ser adotada em todos
os demais casos similares. Normas específicas, como aquelas contidas no Código de
Processo Penal Militar, no Código Eleitoral ou em leis especiais, devem ser interpretadas
como tacitamente revogadas pela nova norma.

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024 | 167
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A nosso ver, essa nova disposição alcança até mesmo a antiga disposição do
art. 7º da Lei 1.521/51 (Lei dos Crimes contra a Economia Popular), que previa um
raro caso de reexame necessário na fase de arquivamento de inquéritos policiais,
providência que, doravante, deve ser considerada tacitamente revogada pelas novas
disposições legais do art. 28 do CPP.
Ademais, entendemos que a nova sistemática de arquivamento também
deve ser aplicada nos casos de autos infracionais, destinados à apuração de atos
infracionais praticados por adolescentes e regidos pelo art. 181 do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA).
Essa interpretação busca assegurar uma uniformidade na aplicação das regras
de arquivamento, promovendo maior segurança jurídica e coerência nas decisões
ministeriais, independentemente da natureza específica do procedimento investigatório.

6. A extinção da punibilidade na fase pré-processual


O art. 19-K da Resolução 181/2017 contempla uma consideração doutrinária
ao passar a prever que a sistemática de arquivamento nela prevista não se aplica às
situações de extinção de punibilidade9. Nessas circunstâncias, ao invés de promover o
arquivamento dos autos, o Ministério Público deve postular em juízo a declaração da
extinção da punibilidade, alinhando-se ao disposto no art. 61 do Código de Processo
Penal, que exige que tal causa seja declarada pelo órgão judicial.
Uma justificativa adicional para a exceção indicada nesse dispositivo é a
formação de coisa julgada material em decisões judiciais que extinguem a punibilidade,
conferindo imutabilidade à decisão proferida e protegendo melhor o investigado
contra novas iniciativas judiciais inadequadas.
Embora essa disposição possua certa coerência com essas linhas de pensamento,
não convence quanto à sua plena necessidade, uma vez que o arquivamento de
procedimentos investigatórios criminais pelo Ministério Público, mesmo nos casos
de extinção da punibilidade, não apresenta riscos aos interesses dos investigados. A
punibilidade do fato, além de ser uma condição essencial para a responsabilização
penal, é parte do juízo de valor sobre a viabilidade da ação penal, de modo que,
quando extinta, implica a inexorável falta de justa causa. Nessa perspectiva, o
reconhecimento da extinção da punibilidade pela nova sistemática prevista no
art. 28 do CPP, como fundamento para o arquivamento de um caso, mesmo que
apenas no âmbito do Ministério Público, não representa qualquer risco aos direitos
fundamentais dos investigados, especialmente considerando que eventuais ações
penais que desconsiderem essa extinção reconhecida antes poderão ser submetidas

9
É a tese sustentada por Leonardo Barreto Moreira Alves: ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Manual de
Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: JusPodivm. 2023, p. 318.

168 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024
Novo arquivamento de procedimentos criminais

a duplo controle judicial ainda na fase inicial: rejeição da denúncia (CPP, art. 395, III)
ou absolvição sumária (CPP, art. 397, IV)10.
De todo modo, a regra contida no art. 19-K da Resolução 181/2017 estabelece
que a sistemática de arquivamento não se aplica às situações de extinção de
punibilidade, o que deve ser feito por meio de postulação do Ministério Público em
juízo para a declaração específica de tal extinção.

7. Desarquivamento e a nova sistemática do art. 28 do CPP


À luz do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal e nas decisões do
Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6298, 6299,
6300 e 6305, a nova sistemática de arquivamento de procedimentos criminais adotou
um formato administrativo mais simplificado, uma vez que não mais conta com
qualquer espécie de homologação judicial. Neste sentido é o Enunciado 18 MPSP: O
desarquivamento do procedimento investigatório com base em prova nova prescinde
de autorização judicial, sendo inoponível óbice da coisa julgada.
Esta mudança não apenas acelera a análise desse ato, agora responsabilidade
exclusiva de uma única instituição, mas também influencia o processo de
desarquivamento de procedimentos criminais, entendido como a reabertura ou
retomada da investigação, visando a coleta de elementos mínimos que fundamentem
a responsabilidade penal de um indivíduo.
O desarquivamento continua sendo viável mediante a descoberta de novas
provas, não sendo permitida a reabertura das investigações por mera mudança de
opinião ou reavaliação da situação. É importante ressaltar que o desarquivamento
de inquérito policial pressupõe a existência de notícia de prova nova, que não deve
ser confundida com o início da ação penal (oferecimento da denúncia), para a qual
a simples notícia não é suficiente; são necessárias provas efetivas vez que a decisão
homologatória de arquivamento do inquérito está submetida à cláusula rebus sic stantibus,
persistindo enquanto não surgirem novas provas (STF, submetida dal., Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, i. 13.11.02).
Quanto à autoridade competente para realizar o desarquivamento, conforme
o art. 18 do Código de Processo Penal, anteriormente atribuída ao juiz, agora é
exclusivamente responsabilidade do Ministério Público, único órgão autorizado a
atuar nesta etapa pré-processual. Com efeito, essa modificação normativa confere
ao Ministério Público a prerrogativa exclusiva de proceder ao desarquivamento,
em consonância com o papel preponderante que essa instituição ocupa na fase
investigatória do processo penal.
Uma vez desarquivado o inquérito policial e surgindo novas provas capazes de
alterar substancialmente o panorama probatório, é plenamente viável a propositura da

10
É a posição defendida por Rogério Sanches Cunha: CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: Lei
13.964/2019 – Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 119.

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024 | 169
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denúncia. Tal procedimento está em conformidade com o entendimento consolidado


pela Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal, cuja redação, por necessidade, deve ser
ajustada para refletir a exclusão do despacho judicial, um ato que não mais se encontra
previsto na legislação vigente. Assim, o Ministério Público assume integralmente a
responsabilidade pela condução e eventual reabertura das investigações, reforçando
a centralidade de sua função no sistema de justiça criminal brasileiro.

Conclusões
A nova sistemática de arquivamento dos procedimentos criminais, modelada
pelo Código de Processo Penal (CPP), pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) mencionadas e pela
Resolução CNMP 181/2017, introduz inovações significativas que redefinem o papel
do Ministério Público (MP) e da vítima no processo penal. Esta nova abordagem
aumenta a responsabilidade do MP no ato de arquivamento e reduz a intervenção
judicial, configurando um cenário onde o protagonismo do MP é amplificado.
Um dos principais efeitos dessa mudança é a maior responsabilidade atribuída
ao MP, que, com a nova sistemática, pode desenvolver critérios sobre as prioridades
persecutórias e fortalecer sua capacidade institucional de atuar planejadamente como
protagonista da política pública de segurança pública, promovendo o arquivamento
de casos menos prioritários para esses fins.
Paralelamente, a intervenção judicial é significativamente reduzida. A nova
sistemática diminui a participação do juiz no processo de arquivamento, limitando
sua atuação à revisão, mudança que busca agilizar os procedimentos e desonerar
o Judiciário, permitindo que os magistrados concentrem seus esforços em outras
etapas do processo penal que demandem sua intervenção direta. No entanto, essa
menor participação judicial também impõe a necessidade de uma fiscalização mais
atenta e rigorosa por parte dos órgãos de controle interno do MP, para assegurar que
os arquivamentos sigam os critérios legais e normativos estabelecidos.
A inovação mais marcante, porém, reside no aumento significativo da
participação da vítima. A vítima, comunicada da decisão de arquivamento, é investida
do direito de impugnar a decisão. Este novo protagonismo da vítima reflete uma
valorização de sua posição no processo penal, reconhecendo sua importância e
oferecendo-lhe meios efetivos de participação e contestação.
Ao longo deste trabalho, exploramos as implicações e consequências dessas
novas interações. Observa-se que a maior responsabilização do MP e a menor
intervenção judicial têm o potencial de tornar o processo de arquivamento mais célere
e eficiente. No entanto, essa celeridade deve ser equilibrada com a necessidade de
garantir a transparência e a justiça das decisões. A participação ampliada da vítima,
por sua vez, representa um avanço significativo na proteção de seus direitos e no
reconhecimento de seu papel no processo penal.

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Novo arquivamento de procedimentos criminais

Em conclusão, a nova sistemática de arquivamento dos procedimentos criminais


promove um rearranjo significativo no equilíbrio de poderes e responsabilidades
entre o MP, o Judiciário e a vítima. O aumento do protagonismo do MP, a redução
da intervenção judicial e a valorização da vítima configuram um modelo que busca
maior eficiência, transparência e justiça no sistema de arquivamento de inquéritos.
Essa evolução normativa demanda uma atuação criteriosa e responsável de todos os
atores envolvidos, garantindo que as inovações introduzidas cumpram seu objetivo
de aprimorar a justiça penal brasileira.

Referências
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Manual de Processo Penal. 3ª ed. São Paulo:
JusPodivm. 2023.
ARAS, Vladimir. O novo modelo de arquivamento de inquéritos e o princípio da
oportunidade da ação. Revista Consultor Jurídico, 12 jan. 2020. Disponível em: https://
www.conjur.com.br/2020-jan-12/vladimir-aras-modelo-arquivamento-inqueritos/.
Acesso em: 30 jun. 2024.
BADARÓ, Gustavo Henrique, Processo Penal. 10 ed. São Paulo: Thompson Reuters. 2022.
BITTAR, Eduardo Costa Bianca. Curso de filosofia do direito. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2016.
BUSATO, Paulo César. O papel do Ministério Público no futuro do direito penal brasileiro.
Revista de Estudos Criminais, ITEC–Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais, n.
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CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime: Lei 13.964/2019 – Comentários às
alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: JusPodivm, 2020.
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LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8ª ed. Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020.
SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano. A superação do dogma da obrigatoriedade
da ação penal: a oportunidade como consequência estrutural e funcional do sistema de
justiça criminal. Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, edição 34, jul.-dez./2017.

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 93, jul./set. 2024 | 171

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