CASO 1
ID: Homem, 25 anos
QP: Tosse há 3 semanas.
HMA: Paciente refere tosse progressiva há 3 semanas, inicialmente esporádica, evoluindo
para vários episódios ao dia, atrapalhando até mesmo suas atividades laborais. Relata que
fez uso de xaropes, porém sem melhora. Refere também , surgimento há 5 dias de
dispneia aos grandes esforços, que nos últimos dois dias piorou, estando presente aos
mínimos esforços. Refere febre, sem aferição. Nega dispneia paroxística noturna. Refere
perda ponderal de 5kg nos últimos 5 meses.
IS: Há 5 meses fezes amolecidas.
AP: Relata há um ano infecção na uretra sendo tratado com Ceftriaxona e Azitromicina.
Verruga genital há 5 anos.Relata cirurgia de fimose durante a infância. Nega alergias.
AF: Avó com câncer de intestino. Mãe HAS.
HV: Refere uso ocasional de álcool, maconha e cigarro eletrônico. Refere relacionamento
homoafetivo sem uso de preservativo.
Exame físico:
Taquipneia, Taquicardia
Oroscopia: placas brancas com base eritematosa, sugestivo de candidíase oral.
AR: MV presentes. Estertores finos ao final da expiração em 1 ⁄ 3 médio bilateralmente.
SD: Pneu
EXAMES:
● Rx de tórax: LAUDO - Infiltrado intersticial reticular
fino , predominando nas regiões paracardíacas,
maior à direita. Sem derrame pleural.
● Rastreio para HIV (dois testes com metodologias
diferentes): Reagente
● RT PCR
● Rastreio para sífilis, HCV, HBV: não reagente
● Contagem de linfócitos TCD4+
● Hemograma
● Tc de tórax
● Gasometria arterial
● DLH sérica: 800 ( 240 a 480 UI)
● Baciloscopia/Pesquisa BAAR (2 amostras): Negativo
Diagnóstico: A PCP (Pneumocistose) é a doença pulmonar oportunista mais comum em
pessoas vivendo com HIV cuja contagem de LT-CD4 + está abaixo de 200 céls/mm³. O
quadro clínico no caso em questão descreve tipicamente uma PCP: Início dos sintomas
insidioso e progressivo, predominando febre, tosse seca e dispneia progressiva. Fadiga e
perda de peso também são sintomas frequentes. Os principais achados do exame físico
incluem taquipnéia, taquicardia e ausculta normal ou com estertores finos ao final da
expiração. O exame físico é normal em até 50% dos casos. O achado radiológico mais
típico é o infiltrado intersticial peri-hilar e simétrico. Ressalta-se que o Rx pode ser normal
em até ¼ dos casos. Nessa situação a TC é complementar podendo revelar atenuação
pulmonar em vidro fosco.
No caso em questão, a candidíase oral é um marcador clínico precoce ou preditor de
imunodepressão grave e do subsequente desenvolvimento de peneumonia por
Pneumocystis jiroveci.
CONDUTA:
CONDUTA DO RETORNO:
RESUMO HIV:
Aspectos clínicos
As manifestações clínicas decorrentes da infecção pelo HIV apresentam amplo
espectro que vai desde a fase aguda até a fase avançada da doença. Em indivíduos
não tratados, estima-se que o tempo médio entre o contágio e o aparecimento da
doença esteja em torno de dez anos.
Figura 4. História natural da infecção pelo HIV.
Imediatamente após a transmissão do vírus, há um período de aproximadamente
dez dias, denominado fase eclipse, antes que se inicie a replicação ativa e o RNA
viral seja detectável no plasma. Após 21 a 28 dias da exposição há uma intensa
replicação viral (pico de viremia) com a livre circulação do vírus na corrente
sanguínea.
Nesse período da Infecção aguda pelo HIV o indivíduo torna-se altamente
infectante e os principais achados clínicos caracterizam a Síndrome Retroviral
Aguda (SRA). Incluem febre, sudorese, cefaleia, astenia, adenopatia, faringite,
exantema e mialgia. A linfadenomegalia, compromete principalmente as cadeias
cervicais anterior e posterior, submandibular, occipital e axilar. Podem ocorrer,
ainda, esplenomegalia, anorexia e depressão. Sintomas digestivos, como náuseas,
vômitos, diarreia, perda de peso e úlceras orais podem estar presentes. Pode ocorrer
raramente quadro de meningite asséptica, neurite periférica sensitiva ou motora,
paralisia do nervo facial ou síndrome de Guillan-Barré. A SRA é autolimitada e a
maior parte dos sinais e sintomas desaparece em três a quatro semanas. A presença
de manifestações clínicas mais intensas e prolongadas (por período superior a 14
dias) pode estar associada à progressão mais rápida da doença.
A ativação de uma resposta imune celular HIV-específica e a subsequente síntese de
anticorpos anti-HIV resultam na soroconversão e remissão de sintomas. O
aparecimento desta resposta imune leva a uma queda da carga viral plasmática até
um nível (set point) e inicia-se a fase de latência clínica que pode durar anos.
Neste período, o exame físico costuma ser normal, exceto pela linfadenopatia, que
pode persistir associado a letargia/astenia após a infecção aguda. Podem ocorrer
alterações nos exames laboratoriais, sendo a plaquetopenia, anemia (normocrômica
e normocítica) e leucopenia leves sem repercussão clínica na maioria dos casos.
Enquanto a contagem de LT-CD4+ permanece acima de 350 céls/mm³, os episódios
infecciosos mais frequentes são geralmente bacterianos, como as infecções
respiratórias ou tuberculose.
Com a progressão da infecção e diminuição na contagem de LT-CD4+, para níveis
entre 200 e 300 céls/mm³, começam a ser observadas apresentações atípicas das
infecções, resposta tardia à antibioticoterapia e/ou reativação de infecções antigas.
À medida que a infecção progride, sintomas constitucionais (febre baixa, perda
ponderal, sudorese noturna, fadiga), diarreia crônica, cefaleia, alterações
neurológicas, infecções bacterianas (pneumonia, sinusite, bronquite) e lesões orais,
como a leucoplasia oral pilosa, tornam-se mais frequentes, além do herpes-zoster.
Figura 5. Manifestações classificadas como estágio clínico 3 pela OMS e sintomas
atribuídos ao HIV ou indicativos de imunodeficiência celular, mas não definidores de
aids.
A candidíase oral é um marcador clínico precoce de imunodepressão grave, e foi
associada ao subsequente desenvolvimento de pneumonia por Pneumocystis
jiroveci. Diarreia crônica e febre de origem indeterminada, bem como a leucoplasia
oral pilosa, também são preditores de evolução para aids.
O aparecimento de infecções oportunistas (IO) e neoplasias é definidor da aids.
Nessas situações, a contagem de LT-CD4+ situa-se abaixo de 200 céls/mm³, na
maioria das vezes. Entre as infecções oportunistas, destacam-se: pneumocistose,
neurotoxoplasmose, tuberculose pulmonar atípica ou disseminada, meningite
criptocócica e retinite por citomegalovírus. As neoplasias mais comuns são sarcoma
de Kaposi (SK), linfoma não Hodgkin e câncer de colo uterino, em mulheres jovens.
Figura 6. Manifestações classificadas como estágio clínico 4 pela OMS e as
definidoras de aids pelo CDC.
Além das infecções e das manifestações não infecciosas, o HIV pode causar doenças
por dano direto a certos órgãos ou por processos inflamatórios, tais como
miocardiopatia, nefropatia e neuropatias, que podem estar presentes durante toda a
evolução da infecção pelo HIV.
Diagnóstico
A testagem ampla é um dos pressupostos para o controle da epidemia. É
fundamental que os profissionais de saúde ofereçam a possibilidade de testagem
para o HIV a todos os pacientes sexualmente ativos, independentemente de
sintomas ou queixas. Oferecer a testagem para o HIV em especial à população-
chave permite diagnosticar precocemente a infecção, construir maior vínculo e
oferecer os benefícios do tratamento e melhorando o prognóstico e qualidade de
vida do usuário e suas parcerias.
Considera-se caso de infecção pelo HIV aquele que apresenta resultados positivos
em dois testes, com metodologias diferentes, de qualquer uma das combinações
descritas na figura abaixo. O HIV pode ser diagnosticado também por meio de testes
de diagnóstico rápido que podem fornecer resultados no mesmo dia. Os testes
rápidos atualmente distribuídos no SUS apresentam janela imunológica de 30 dias.
Figura 7. Testes diagnósticos para detecção da infecção pelo HIV.
Deve-se atentar, entretanto, para o fato de que os marcadores da infecção pelo HIV
poderão ser detectados na corrente sanguínea de acordo com o período em que
surgem após a infecção, seu desaparecimento ou manutenção ao longo do tempo. A
escolha da combinação de testes deve se basear no tempo presumido da infecção.
Figura 8. Marcadores da infecção pelo HIV na corrente sanguínea de acordo com o
período da infecção.
Em quaisquer das combinações de testes, quando a primeira amostra é negativa, a
pessoa é considerada não infectada e não há necessidade de testes adicionais.
Os autotestes de HIV estão cada vez mais disponíveis e fornecem uma forma
alternativa eficaz e aceitável de aumentar o acesso às pessoas que não são
alcançadas para o teste de HIV por meio de serviços baseados em instalações. Além
de facilitar o diagnóstico contribuem para a ligação com o tratamento e os cuidados.
Abordagem Inicial do Adulto com HIV
Os indivíduos com diagnóstico recente de infecção pelo HIV apresentam enorme
expectativa e dúvidas nas primeiras consultas, o que dificulta a compreensão e
absorção de toda a informação disponibilizada. Portanto, deve-se buscar fortalecer o
vínculo com a equipe de atenção e a investigação não deve se esgotar na primeira
consulta.
O médico deverá buscar uma anamnese que contemple: Informações específicas
sobre a infecção pelo HIV; História médica atual e passada; Riscos e
vulnerabilidades; História psicossocial; Saúde reprodutiva; História familiar.
Exames complementares iniciais
A abordagem laboratorial no início do acompanhamento clínico auxilia a avaliação
da condição geral de saúde, a pesquisa de comorbidades, a presença de coinfecções
e definição da urgência ou não no início da TARV. Também fornece informações
sobre a necessidade de imunizações ou profilaxias.
Figura 9. Exames complementares para abordagem inicial do adulto com infecção
pelo HIV.
A Carga Viral (CV-HIV) é considerada o padrão-ouro para monitorar a eficácia e a
adesão à TARV. Já a contagem de LT-CD4+ associada ao estado clínico permite
definir necessidade imediata de início da TARV e permite a indicação das
imunizações e das profilaxias para IO. Com esse exame também é possível definir o
momento de interromper as profilaxias.
Os exames citados na figura anterior também permitem o rastreio de condições
previas ao tratamento, como as infecções oportunistas, coinfecções com hepatites
virais, comorbidades e neoplasias. Ao longo do acompanhamento e consultas
subsequentes, parte dos exames deve ser repetido para acompanhar também
possíveis eventos adversos das medicações em uso.
Tratamento
O início imediato da TARV está recomendado para todas as PVHIV,
independentemente do seu estágio clínico e/ou imunológico. Os objetivos primários
do tratamento antirretroviral são reduzir a morbimortalidade e prevenir a
transmissão do HIV para outras pessoas. Para que tais objetivos sejam atingidos, a
adesão é fundamental. Portanto, a TARV deve ser iniciada quando a PVHIV estiver
fortemente motivada e preparada para o tratamento. Deve-se enfatizar que a TARV,
uma vez iniciada, não deverá ser interrompida.
Algumas circunstâncias exigem priorização de acesso ao atendimento pelos serviços
da rede de assistência para que se possa iniciar TARV com celeridade: PVHIV
sintomática; LT-CD4+ <350; Gestante; Tuberculose ativa; Coinfecção HBV;
Coinfecção HCV; Risco cardiovascular elevado (>20%).
A genotipagem pré-tratamento objetiva monitorar a transmissão de linhagens do HIV
resistentes aos antirretrovirais e está indicada nas seguintes situações: Pessoas que
tenham se infectado com parceiro (atual ou pregresso) em uso de TARV – casais
sorodiferentes; Gestantes infectadas pelo HIV; Crianças infectadas pelo HIV;
Coinfecção TB-HIV.
Terapia preferencial
A terapia inicial deve sempre incluir combinações de três antirretrovirais (ARV),
sendo dois ITRN/ ITRNt associados a uma outra classe de antirretrovirais (ITRNN, IP/r
ou INI). No atual protocolo vigente no Brasil, para os casos em início de tratamento,
o esquema inicial preferencial deve ser a associação de dois ITRN/ITRNt – lamivudina
(3TC) e tenofovir (TDF) – associados ao inibidor de integrase (INI) – dolutegravir
(DTG). Este esquema compreende o uso de 02 comprimidos em dos única diária que
permite boa adesão e poucos eventos adversos.
Para as situações em que as comorbidades ou uso de medicamentos prévios tornam
o esquema preferencial não recomendado, há alternativa de uso de outros
antirretrovirais em esquema.
Pneumocistose e HIV
A pneumocistose (PCP) é a doença pulmonar oportunista mais comum em PVHIV
cuja contagem de LT-CD4+ está abaixo de 200 céls/mm³.
O início dos sintomas é tipicamente insidioso e progressivo, sendo as manifestações
clínicas mais comuns: febre (mais de 80% dos casos), tosse seca e dispneia
progressiva. Fadiga e perda de peso também são sintomas frequentes. Não é
comum a presença de tosse com expectoração purulenta e, portanto, sua presença
deve levantar suspeita de outro diagnóstico ou de infecção bacteriana secundária
(pneumonia bacteriana) superposta.
Os principais achados ao exame físico incluem taquipneia, taquicardia e ausculta
pulmonar normal ou com estertores finos ao final da expiração. Sibilos, sinais de
condensação pulmonar ou derrame pleural são raramente encontrados. O exame
físico é normal em até 50% dos casos.
O achado radiográfico mais típico de PCP é o infiltrado intersticial peri-hilar e
simétrico. Pneumatoceles e pneumotórax também podem ser observados. Ressalta-
se que o Rx de tórax pode ser normal em até um quarto dos casos de PCP; nessa
situação, a TC pode complementar a avalição já que pode revelar atenuação
pulmonar em vidro fosco. Não há características clínicas ou imagem radiológica
específicas de PCP, sendo seu diagnóstico geralmente presuntivo, baseado em
dados clínicos, laboratoriais e de imagem compatíveis.
Figura 10. Achados sugestivos de pneumocistose em adultos com infecção pelo HIV.
O diagnóstico laboratorial microbiológico é menos frequentemente realizado na
prática clínica pela dificuldade técnica e baixa sensibilidade. Pode ser realizado pela
identificação do agente por meio das colorações de azul de toluidina, Grocott,
Giemsa ou técnica de imunofluorescência a partir de espécimes respiratórios. A
pesquisa direta do agente oportunista em amostras de escarro espontâneo ou
induzido geralmente é pouco sensível para PCP. Amostras biológicas obtidas por
broncoscopia com LBA e biópsia pulmonar transbrônquica elevam a precisão do
diagnóstico etiológico e auxiliam ao excluir outras hipóteses diagnósticas.
A escolha do esquema terapêutico é guiada pela gravidade clínica do paciente.
Assim, para fins terapêuticos, classifica-se a pneumonia em leve a moderada ou
moderada a grave.
Figura 11. Terapia de pneumocistose em adultos com infecção pelo HIV.
Indica-se a associação de corticosteroides ao tratamento de PCP nos casos de PaO2
<70mmHg: prednisona 40mg oral duas vezes ao dia por cinco dias, reduzida à
metade a cada cinco dias, até completar os 21 dias de tratamento.
Alternativamente, pode-se utilizar metilprednisolona endovenosa equivalente a 75%
da dose da prednisona.
Suporte ventilatório não invasivo (CPAP) ou invasivo por meio de intubação
orotraqueal pode ser necessário em casos de insuficiência respiratória. A
necessidade de suporte ventilatório está associada a um pior prognóstico, com
mortalidade de aproximadamente 60%.
A profilaxia secundária deverá ser instituída após o tratamento e deverá ser
realizada com SMX-TMP na dose de 160-800mg três vezes por semana ou 80-
400mg/dia até alcançar LT-CD4+ acima de 200 céls/mm³ por pelo menos três
meses.
Em pacientes cujo diagnóstico de pneumocistose foi concomitante ao de HIV e ainda
sem uso de ARV, recomenda-se o início da TARV após duas semanas de tratamento
da PCP e estabilidade clínica.