4 Clinica em Freud
4 Clinica em Freud
4 Clinica em Freud
Conteudista
Prof. Me. Hugo Tanizaka
Revisão Textual
Laís Otero Fugaitti
OBJETIVOS DA UNIDADE
• Facilitar a compreensão do processo de escuta clínica;
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O Fazer Clínico em Psicanálise
Não cabe à Psicanálise um lugar cartesiano, é o que afirma Garcia-Roza (2001)
em sua obra elementar, Freud e o inconsciente, de 1936. A Psicanálise não é
um construto exclusivamente racional e metódico, pelo contrário, ela produz um
ponto de vista que desloca a razão e a consciência de uma representação quase
sagrada que possuíam no campo científico e filosófico. Nas palavras do autor, a
Psicanálise não possui um lugar preexistente, pois, apesar de beber de fontes
diversas dos saberes voltados para a concepção de homem, esse foi um filho
gerado de forma solo para Freud. É por meio do grande conceito de Inconsciente
que esse filho dá seus primeiros passos para uma forma inaugural de entender o
sujeito; esse sujeito é um ser singular, e a Psicanálise, um campo teórico e prático
que se torna “uma das práticas mais eficazes de escuta do discurso individual”
(GARCIA-ROZA, 2001, p. 53).
Por meio desse feito, evocavam-se possibilidades de cura que logo interessaram
a Charcot e deram causa ao seu investimento dentro do trabalho com a histeria.
Freud, no seu encanto pela causa e sintomatologia das manifestações histéricas,
e pela curiosidade naquela técnica tão aludida por Charcot, passou a envolvê-la
em seus trabalhos clínicos e por meio da hipnose pôde atender a um número
considerável de mulheres. Foi a partir dessa aproximação com Charcot que Freud
pôde ter uma concepção mais ampla sobre o fenômeno da histeria e sua forma
de trabalhar com ela na clínica, algo de suma importância para os seus escritos
psicanalíticos posteriores. A histeria, para Charcot – e consequentemente, para
Freud, naquela época –, deixou de ser tratada como um estado de simulação e
passou a ser considerada uma doença funcional, de origem hereditária, afetando
tanto os homens quanto as mulheres (BELINTANI, 2003; GARCIA-ROZA, 2001).
Charcot, então, acreditava que havia um correlato orgânico nas manifestações his-
téricas, isto é, para ele a doença “se explicava pelo fato de que no interior da psiquê
do histérico reinava, dominava, um corpo estranho” (BELINTANI, 2003, p. 60).
Quando Freud publicou, em 1892, o artigo intitulado “Um caso de cura pelo
hipnotismo”, a influência teórica que o guiava já não eram mais as concepções
de Charcot, mas do médico austríaco Josef Breuer, com quem iria publicar o
texto “Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação
preliminar”, de 1893, e depois Estudos sobre a histeria, de 1895. Nessa obra,
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Freud e Breuer apresentaram o caso que mais tarde se tornaria um dos mais
famosos da teoria psicanalítica, o “Caso Anna O.”, paciente tratada por Breuer
por meio da hipnose; a partir desse caso, ele desenvolveu seu método catárti-
co. Além disso, esse também foi o momento em que Freud começou a produzir
e a estudar de forma mais independente, o que o levou, consequentemente,
a abandonar a hipnose e desenvolver conceitos que logo se tornariam pilares
para sua técnica psicanalítica.
No entanto, esse caminho não seria possível se Freud não se desse conta de
uma das maiores ferramentas do processo analítico: a fala. Foi escutando suas
pacientes histéricas que Freud pôde tirá-las do local da loucura, como era de-
signado pelo olhar médico da época, bem como possibilitar que elas usassem a
palavra pela primeira vez para falar sobre os seus afetos e sobre si mesmas, a
partir da retirada importante do consciente/racionalidade como lugar de verda-
de absoluta e ascensão do Inconsciente.
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na medida em que o paciente mantém ideias recalcadas de eventos
ligados ao passado, este passado torna-se presente, uma vez que é
constantemente atualizado através dos sintomas. Quando a reação é
reprimida, o afeto permanece ligado à lembrança e produz o sintoma.
FOCHESATTO, 2011, p. 166
Vídeo
O Inconsciente é a Clínica Psicanalítica.
A Escuta Clínica
À medida que avançava em suas formulações teóricas, Freud foi construindo, mo-
dificando e reconstruindo concepções técnicas, de forma a garantir a validade da
Psicanálise como método terapêutico. Em seus artigos sobre a técnica psicanalítica,
podemos acompanhar seus dilemas. Como pensar “regras” para os procedimentos
psicanalíticos sem cair em uma esterilização da técnica? Como construir um método
– caminho a seguir – sem perder de vista a singularidade do encontro entre paciente
e analista? O risco era propor regras que passassem a ser tomadas como verdades
absolutas – às quais não caberia nenhum questionamento –, levando a um distan-
ciamento dos preceitos de autonomia, liberdade e singularidade da Psicanálise. De
fato, Freud sempre salientou que o domínio da técnica é alcançado principalmente
pela experiência clínica, que não diz respeito apenas ao atendimento de pacientes,
mas também, e fundamentalmente, à experiência clínica da análise pessoal. O
cuidado com a escuta de si mesmo aparece no texto freudiano como condição sine
qua non para a possibilidade de exercer uma escuta em relação ao outro.
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teóricos do analista, uma que vez que caracterizam e sustentam a práxis. É desde
seus preceitos teóricos que o analista enxerga o paciente como ser psíquico e
sustenta sua escuta diante dele.
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Vídeo
Como Aprender a Escutar o Outro?
Justifica-se, então, a análise dos suportes teóricos que sustentam a práxis do ana-
lista; considerar o psiquismo como um sistema aberto, que o psiquismo produz e
reproduz continuamente efeitos de uma história, implica colocar a escuta em um
campo intersubjetivo, ou seja, no campo da transferência. Entretanto, ainda que
analista e analisando estejam incluídos no mesmo campo, não há entre eles uma
relação de simetria. É a capacidade de escuta do analista que garante a assime-
tria necessária ao processo. Escuta da pulsão, que insiste no alicerce de cada pa-
lavra. Escuta da pulsão evocada em cada palavra. Vivência pulsional reatualizada,
repetida, insistente na busca por satisfação. Escuta que mantém a transferência,
mas não se confunde com ela, não cede à convocatória constante do paciente.
Inconsciente e Recalque
Sabe-se que Freud não foi o primeiro a falar em Inconsciente; entretanto, suas for-
mulações levaram propriamente a esse conceito e a uma teoria do Inconsciente
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cujas particularidades levam a uma distinção entre inconsciente simplesmente
dito e o que se chama de Inconsciente psicanalítico. Como explica o próprio Freud,
num artigo de 1938/1989 intitulado “Algumas lições elementares de Psicanálise”,
sua inovação não está no fato de falar de inconsciente, e sim de levá-lo a sério, dar-
-lhe um conteúdo novo, conhecer-lhe as características e as leis de funcionamento.
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essência do recalque, diz Freud em 1915, consiste apenas no fato de afastar e
manter a distância do Consciente.
Na clínica, aos poucos Freud foi descobrindo uma regressão das lembranças à
infância até chegar ao ponto de haver um desejo incestuoso fantasiado. É impor-
tante ressaltar que não existe uma questão genital que a criança fantasia, mas
sim algo relacionado ao sexual de maneira mais ampla, até porque a criança não
imagina o ato sexual em si. A diferença sexual adquire um valor e no final da ex-
periência edípica, a criança recalca isso que aparece como desejo incestuoso na
fantasia e se dirige a outros objetos. Reencontra essa fantasia na adolescência e
aí precisa reelaborar aquilo que viveu na infância.
Vídeo
No Limite do Silêncio.
Fantasia e Realidade
Em sua clínica, Freud começou a perceber que as narrativas de suas pacientes
não correspondiam exatamente aos dados da realidade. Há a produção de uma
realidade psíquica tal como a pessoa consegue representar, marcada pela fanta-
sia, elaboração que não significa mentira, mas tem mais a ver com o modo como
cada pessoa cria uma realidade para si a partir do que se passou na sua vida.
Assim, no capítulo 7 de sua obra A interpretação dos sonhos, Freud nos diz:
“Se olharmos para os desejos inconscientes, reduzidos a sua expressão mais
fundamental e verdadeira, teremos de lembrar-nos, sem dúvida, que também a
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realidade psíquica é uma forma especial de existência que não deve ser confun-
dida com a realidade material” (FREUD, 1900/2019, p. 411).
Ora, com isso podemos perceber que o material com o qual a Psicanálise irá tra-
balhar clinicamente é a realidade psíquica, por isso que Jorge (2022) lembra que
Lacan chegou a afirmar que o valor da Psicanálise está em operar sobre a fanta-
sia. Afinal, o sujeito cria uma realidade subjetiva de modo a lidar dialeticamente
com uma realidade externa.
Isso fez com que Freud abandonasse o que se chama “teoria da sedução” em
prol de uma teoria da fantasia. O psiquiatra austríaco deixou de acreditar na
neurótica, como revela na carta dirigida a Fliess, e abandonou a hipótese de que
a neurose seria proveniente de um trauma existente na realidade concreta do
passado de cada pessoa.
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tanto na neurose quanto na psicose interessa a questão não apenas relativa a
uma perda da realidade, mas também a um substituto para a realidade” (FREUD,
1925b/1996c, p. 65).
São as nossas lembranças que compõem, muitas vezes, aquilo que é da ordem
do que vivenciamos, que pertence ao passado e pode ou não incidir no presente
e futuro. O que se situa, portanto, no campo do esquecer e do lembrar? De que
forma tais dinâmicas são concebidas dentro da Psicanálise? O recordar, trabalha-
do por Freud desde os primórdios do seu método, é a relação do sujeito neuróti-
co com a sua memória? Freud utilizou o termo “recordar” quando trabalhou em
seu artigo sobre lembranças encobridoras (deckerinnerung), de título homônimo
e publicado em 1899, tema que também nos interessa nesta discussão.
Essa noção partiu de sua experiência clínica com as neuroses e a escuta frequen-
te de lembranças fragmentadas do período infantil, época da vida à qual ele dava
suma importância, sobretudo pela sua relação com conteúdos patogênicos. O
próprio Freud atentou-se aos conteúdos de sua infância, tendendo a recordar
conteúdos isolados e, muitas vezes, duvidosos, mas que acreditava terem lhe
causado profunda impressão para serem retidos na memória; no entanto, dizia
não se surpreender ao esquecer aquilo que julgava relevante ou se recordar de
algo supostamente sem importância.
Assim, quando percebeu a ligação entre a vida infantil e a histeria em sua experi-
ência clínica, Freud estabeleceu a diferença entre amnésia patológica e amnésia
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normal, compreendendo a primeira como a supressão de conteúdos que vão ser
percebidos por uma ligação íntima com a instalação de uma neurose, enquanto
a segunda seria o processo tido como um esquecimento natural das vivências de
uma tenra idade. Desse modo, Freud acreditava que duas forças distintas atuam
no mecanismo de lembranças do neurótico; enquanto uma procura lembrar, a
outra busca resistir e impedir a lembrança, sem que precisamente se anulem ou
se sobreponham uma à outra.
No entanto, Freud logo percebeu que o recordar possui algumas falhas: a primei-
ra se refere ao fato de ser impossível relembrar a totalidade daquele conteúdo
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esquecido, da mesma forma que só é possível ter acesso ao conteúdo manifesto
de um sonho, e não de todos os pensamentos oníricos sucedidos (FREUD, 2006,
2010); a segunda constatação trata do que Freud comunicou sobre o caráter do
recordar ser, na verdade, “a repetição do fato traumático em forma de atuação
(acting out)” (BARBOSA NETO, 2010, p. 74). Isto é, a repetição é a resistência que
impede o acesso à memória e surge como uma ação que tende a se repetir, sem
o que sujeito, muitas vezes, se dê conta de que está repetindo.
Desse modo, partindo para outra perspectiva mais à frente da teoria freudiana
sobre a repetição, verificamos no seu texto Além do princípio do prazer, de
1920, um novo olhar para o fenômeno do repetir (FREUD, 1996a). Não é o caso
de excluir as primeiras elaborações trabalhadas no artigo de 1914, mas de am-
pliar tal conceito (BARBOSA NETO, 2010), a fim de compreendermos do que se
trata a compulsão à repetição. Afasta-se a resistência como causa única da repe-
tição e o princípio do prazer como única instância que rege o aparelho psíquico;
parte-se, agora, para a associação do ato de repetir com o conceito da pulsão
de morte, ou seja, da “pura intensidade pulsional, excesso de excitação que, por
não ter representação, causa consideráveis transtornos ao funcionamento psí-
quico” (BARBOSA NETO, 2010, p. 88). Assim, explica-se o que leva os sujeitos a
repetirem, na maioria das vezes, experiências negativas, ligadas ao desprazer e
que causam angústias e sofrimento, por vezes até mesmo com consequências
diretas em suas vidas.
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excitação causado pelo evento traumático, a força pulsional gerada tende a
se repetir de forma compulsiva, tendo como objetivo a sua satisfação plena e
total. Assim, “a repetição, nesta perspectiva, dá-se com o sujeito atuando: reto-
ma o sofrimento vivido na infância, revivendo-o como se ele fosse oriundo do
presente” (FREUD, 1996a, p. 111).
Resgatamos, portanto, a mesma pergunta que Freud fez em seu artigo e tende
a respondê-la: o que o sujeito repete e atua de fato? Nas palavras de Freud
(1914/2010, p. 96):
A resposta será que ele repete tudo o que, das fontes do reprimido,
já se impôs em seu ser manifesto: suas inibições e atitudes inviá-
veis, seus traços patológicos de caráter. Ele também repete todos
os seus sintomas durante o tratamento. E agora podemos ver que
ao destacar a compulsão de repetição não adquirimos um novo
fato, mas uma concepção mais unificada. Para nós se torna claro
que a condição doente do analisando não pode cessar com o início
da análise, que devemos tratar sua doença não como assunto his-
tórico, mas como um poder atual. Essa condição doente é movida
pouco a pouco para o horizonte e o raio de ação da terapia, e, en-
quanto o doente a vivência como algo real e atual, devemos exercer
sobre ela o nosso trabalho terapêutico, que em boa parte consiste
na recondução ao passado.
Saiba Mais
Na verdade, acontece de modo automático uma reedição de
todo trauma, esperando resultado diferente.
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deixar este lugar. É uma tarefa que, para os principiantes, se tornou a percepção
de uma piora, mas Freud tende a assegurar que não se trata de alcançar uma
cessação das resistências de forma imediata, tampouco dos sintomas, mas de
compreender a importante precisão de dar tempo a esse sujeito, um tempo que
ultrapassa uma única sessão. Dessa forma, é preciso permitir que o sujeito “se
enfronhe na resistência agora conhecida, para que a elabore, para que a supere,
prosseguindo o trabalho apesar dela, conforme a regra fundamental da análise”
(FREUD, 1914/2010, p. 91).
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MATERIAL COMPLEMENTAR
LEITURA
LIVROS
FREUD, S. Dois verbetes de enciclopédia (1923 [1922]). In: FREUD, S. Obras psicológi-
cas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago,
1969b. v. XVIII. p. 77-83.
FREUD, S. O tema dos três escrínios (1913). In: FREUD, S. Obras psicológicas completas de
Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1969b. v. XVIII. p. 12-33.
FREUD, S. O método psicanalítico de Freud (1904 [1903]). In: FREUD, S. Obras psicoló-
gicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago,
1989. v. VII. p. 114-131.
FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905). In: FREUD, S. Obras psi-
cológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro:
Imago, 1995. V. VII. p. 292-299.
FREUD, S. Além do princípio do prazer (1920). In: FREUD, S. Obras psicológicas com-
pletas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. v.
XVIII. p. 93-104
FREUD, S. História de uma neurose infantil (1918). In: FREUD, S. Obras psicológicas
completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago,
1996b. v. XVII. p. 181-197.
FREUD, S. Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das per-
versões sexuais. In: STRACHEY, J. (ed.). Edição standard das obras psicológicas com-
pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996 v. 17. p. 191-198.
FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia, o futuro de uma ilusão e outros textos (1926-
1929). Trad. Paulo César de Souza. Companhia das Letras, São Paulo, 2014.
GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. 18. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.