Agregar Valor e Agr. Familiares e Não Familiares Da Agroindustria Rural No Brasil-46-80
Agregar Valor e Agr. Familiares e Não Familiares Da Agroindustria Rural No Brasil-46-80
Agregar Valor e Agr. Familiares e Não Familiares Da Agroindustria Rural No Brasil-46-80
respeito ao preço mais elevado que os produtores do Sul obtêm junto aos intermediários (R$
3,06/kg) vis-à-vis a venda direta aos consumidores (R$ 2,27/kg). Um dado que, assim como
outros aqui apresentados, necessita de explicações a partir de estudos de caso específicos em
relação a esta produção.
9. Uma situação que na literatura econômica também ficou conhecida pelo termo dutch disease (doença holandesa). Este risco de prima-
rização, sobretudo associado à pauta de exportações, tem sido objeto de intenso e controverso debate nos anos recentes. Entre outros,
veja Sicsú (2008) e Negri e Alvarenga (2011).
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 45
esse desafio traz novamente à tona uma reflexão primordial sobre o papel da agricultura, do
setor agroindustrial e do meio rural no processo de desenvolvimento, focalizando as formas
de adição de valor aos produtos agrícolas. É notadamente neste contexto que emerge o
debate sobre o papel das agroindústrias rurais. Ao mesmo tempo em que ampliam a capa-
cidade de reprodução de importantes segmentos sociais e econômicos, como a agricultura
familiar, essas agroindústrias consolidam-se como uma estratégia endógena de ampliação do
valor agregado às matérias-primas, alimentos e fibras no interior dos próprios espaços rurais.
Esta seção visa subsidiar essa discussão a partir de uma análise dos dados censitários
referentes à agregação de valor na agroindústria rural. A discussão concentra-se nas inter-
relações entre os resultados quantitativos referentes ao cruzamento de variáveis, como valor
da produção, valor de venda e valor agregado, e as particularidades de diferentes contextos
socioeconômicos e político-institucionais encontrados tanto no âmbito da macrorregião
quanto na lógica em que são constituídas as diferentes cadeias de valor.
Ao encontro dos argumentos anteriores, Mior (2005; 2007, p. 13) afirma que dois
aspectos são centrais à viabilização da agregação de valor na agroindústria rural. O primei-
ro decorre do fato de os agricultores utilizarem seus próprios recursos, força de trabalho,
processos artesanais de produção e da pequena escala para viabilizar a atividade de proces-
samento. O segundo diz respeito ao uso do saber fazer incorporado a uma cultura regional.
Esse conhecimento dos agricultores é importante para a elaboração de produtos agroindus-
triais diferenciados, que possuem junto aos consumidores uma representação de qualidade
distintiva, sobretudo se comparados aos produtos convencionais da grande distribuição
agroalimentar. Esta diferenciação constitui um fator estratégico para estes alimentos bene-
ficiarem-se comercialmente de uma imagem artesanal, colonial, agroecológica, local, entre
vários outros atributos que lhes proporcionam acesso aos mercados e valores adicionados.
Mior (2005) ainda sustenta uma série de elementos que definem o modo específico
como os agricultores realizam a agregação de valor em suas agroindústrias familiares rurais.
Segundo o autor, os seguintes aspectos podem ser elencados como característicos dessa
forma de produção e trabalho: i) localização no meio rural; ii) utilização de máquinas,
equipamentos e escalas menores; iii) procedência própria da maior parte das matérias-
primas processadas ou utilização daquela produzida por vizinhos; iv) processos artesanais
próprios de fabricação dos alimentos; v) utilização de mão de obra familiar; vi) existência
de empreendimentos associativos entre famílias com grau de parentesco ou individuais; e
vii) internalização crescente dos aspectos regulatórios e fiscais nos empreendimentos.
Por sua vez, Maluf (2004) alude que essas atividades agroalimentares são essenciais à
reprodução social digna das famílias, posto que constituam fontes diretas de renda mone-
tária e também para o autoconsumo, o que estaria relacionado à sua segurança alimentar.
Afirma, ainda, que a agroindustrialização oferece suporte às outras atividades não agrícolas
desenvolvidas pelas famílias, de modo que essas iniciativas não deveriam ser classificadas
como não agrícolas, coincidindo nesse ponto com os argumentos aqui elencados. Nesta
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 47
perspectiva, seria um equívoco separa a agroindustrialização da atividade agrícola, sobretu-
do na agricultura familiar, uma vez que esta fornece a base necessária ao desenvolvimento
da atividade de processamento e transformação.
Ainda de acordo com Maluf (2004), geralmente essas iniciativas reproduzem econo-
micamente porque, justamente, estabelecem uma estrutura produtiva e uma lógica orga-
nizacional que lhes permite produzir a própria matéria-prima agrícola, agregando valor
através do processamento, de forma individual ou associativa. Ademais, cabe notar que
as unidades familiares geralmente realizam a agregação de valor como uma entre outras
atividades econômicas, sempre observando a combinação dos recursos (insumos, trabalho,
capital etc.) com o conjunto dos processos (re)produtivos. Assim, elas buscam manter a
diversificação como esteio básico de uma organização que visa reduzir o grau de vulnerabi-
lidade face às contingências da produção agrícola e dos próprios mercados agroalimentares
(Niederle e Wesz, 2009).
Outro autor que desenvolveu pesquisas visando compreender estas iniciativas de agre-
gação de valor nos empreendimentos rurais familiares é Prezotto (2002a, 2002b). Segun-
do o autor, as agroindústrias rurais de pequeno porte surgiriam como uma alternativa ao
modelo atual de desenvolvimento agrícola visando sustentabilidade social, econômica e
ambiental, superando uma abordagem estritamente agrícola dos processos de desenvolvi-
mento. Neste sentido, pode-se afirmar que empreendimentos se reproduziriam com base
em três atributos fundamentais: i) a economia em pequena escala de processamento dos
alimentos; ii) um modelo de agroindustrialização descentralizado, haja vista que estes em-
preendimentos pulverizam-se nos diferentes espaços rurais; e iii) as unidades agroindus-
triais desenvolve-se com uma perspectiva emergente de “qualidade ampla”, a qual considera
outros aspectos além daqueles estritamente normativos e regulamentares formais para defi-
nir os padrões qualitativos dos alimentos. De outro modo, essa noção de qualidade ampla
traz consigo aspectos valorativos como os ecológicos, sociais e culturais, todos fortemente
enraizados na lógica produtiva das agroindustriais rurais familiares (Wilkinson, 2008).
Prezotto (2002b) elenca ainda outros aspectos que caracterizariam o processo de agre-
gação de valor em agroindústrias de pequeno e médio porte: i) a propriedade e a gestão
seriam feitas pelo grupo familiar e/ou com grupos coletivos de famílias; ii) a produção das
matérias-primas é familiar e/ou do grupo associado ou, ainda, comprada em pequenas
quantidades de vizinhos e outros agricultores locais; iii) a mão de obra é predominante
familiar, podendo contar eventualmente com empregados contratados; iv) as tecnologias
utilizadas são adequadas à escala produtiva, proporcionando a viabilidade econômica das
unidades e a qualidade dos alimentos; v) sua localização é predominante nos espaços rurais;
vi) as unidades diferenciariam os produtos fabricados; e vii) se organizariam formando re-
des de atores coletivos para superar entraves diversos, sobretudo de comercialização.
Como se pode observar, para todos os autores brevemente referidos acima, a agre-
gação de valor aparece como um argumento principal para a estruturação de estratégias
de desenvolvimento rural fundadas na expansão deste tipo de experiência. A ideia que
norteia a maior parte dos estudos é a de que as iniciativas de agroindustrialização deveriam
ser dirigidas a adicionar maiores valores à produção gerada na dinâmica interna das pro-
priedades rurais. A agregação de valor é entendida pela maior parte dos autores como um
mecanismo para ampliar a margem de lucro econômico da atividade agrícola, uma vez que
o acesso aos mercados geraria um “preço prêmio” e maiores rendimentos às famílias (Pele-
grini e Gazolla, 2008). Ao mesmo tempo, pode-se sublinhar que esta discussão é também
48 Relatório de Pesquisa
Para além destes elementos, pode-se ainda argumentar que a agregação de valor
também pode advir de efeitos indiretos relacionados à redução dos custos de produção
e transação envolvidos em todos os elos da cadeia de processamento. Embora isso não
seja uma novidade teórica, este argumento sublinha um equívoco recorrente em des-
considerar aquelas situações em que as unidades agroindustriais de maior escala revelam
custos muito próximos ao rendimento bruto obtido a partir dos processos de transfor-
mação, o que torna pouco vantajosas tais operações de processamento (caracterizando
deseconomias de escala).
Nesse sentido, expressar-se-ia algo similar àquilo que Ploeg (2008) denomina de
trajetória de squeeze10 da agricultura, uma situação em que os custos produtivos seriam
muito próximos às rendas geradas com as atividades rurais, devido, sobretudo, ao cres-
cente processo de externalização (compra de tecnologias, insumos, bens e produtos ex-
ternos). Isto apenas ratifica a necessidade de, ao se analisarem os processos de agregação
de valores via processos de transformação alimentar, para além de verificar o valor mo-
netário bruto gerado, observar os custos de produção e de transação envolvidos nesses
processos. Essa é uma situação particularmente importante, embora não exclusiva, à
dinâmica dos médios e grandes estabelecimentos rurais, nos quais o consumo inter-
mediário e a compra de matérias-primas provenientes de fora da unidade de produção
frequentemente são mais expressivos.
Essa situação estabelece uma série de condicionantes à análise, alguns deles já dis-
cutidos em trabalhos anteriores, como ressaltado na seção introdutória. Para este artigo,
eles se referem basicamente ao escopo de variáveis a partir das quais pode-se operar uma
quantificação da agregação de valor na agroindústria familiar nos termos acima refe-
ridos. No quadro 1, são discriminadas as variáveis básicas utilizadas, muitas das quais
dizem respeito a derivações de dados primários a partir dos quais o IBGE afere o valor
da produção e das despesas.
10. A tradução para a palavra squeeze significa “aperto”, “compressão” ou “estreitamento”. É a situação gerada a partir do processo de
modernização da agricultura, em que os agricultores são comprimidos, de um lado, pelo aumento dos custos de produção de insumos e
tecnologias externas à propriedade e, de outro, pela queda nos preços dos principais produtos agrícolas e alimentos, gerando um processo
de queda constante na rentabilidade das atividades produtivas. Para um aprofundamento desta noção, consultar Ploeg (2008).
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 49
QUADRO 1
Descrição das variáveis do IBGE analisadas
ESTAB: total de estabelecimentos com declaração de processamento do produto
CNPJ: do total de estabelecimentos (ESTAB) quantos possuem CNPJ
VEND_INDU: valor total da venda da agroindústria dos estabelecimentos com o produto
VAL_A_IND: valor agregado total dos estabelecimentos com o produto
PVAL_PROD: valor da produção do produto proveniente de matéria prima própria
AVAL_PROD: valor da produção do produto proveniente de matéria prima adquirida
VAL_VEND: valor total aferido com a venda do produto
VAL_PROD: valor total da produção do produto
VAL_AGREG: valor agregado do produto
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Como pode ser verificado a seguir, conforme a metodologia tradicional utilizada pelo
IBGE, os dados são separados por produto. Deste modo, eles permitem aferir valores totais
(VAL_PROD) declarados pelo estabelecimento processador com referência a determinado
produto, assim como o valor total derivado da venda do produto (VAL_VEND) e o valor
total agregado do produto (VAL_AGREG). Igualmente, é possível verificar o valor total
da produção de determinado produto agroindustrializado identificando se este refere-se à
matéria-prima própria (PVAL_PROD) ou adquirida (AVAL_PROD). Esse é o conjunto
fundamental de variáveis que será analisado.
Por fim, cabe esclarecer que uma das principais limitações que os dados impõem
à análise da dinâmica da agroindústria rural nos termos discutidos diz respeito à
aferição dos custos de produção. O levantamento censitário permite apenas iden-
tificar as despesas totais dos estabelecimentos rurais que declararam a existência de
produto agroindustrializado. Não é possível uma análise por produto e tampouco a
compreensão dos custos específicos que incorrem nas atividades de transformação no
estabelecimento rural.
De fato, a aferição de custos na agroindústria rural sempre foi uma questão mais
intricada do que o levantamento da quantidade e valor da produção. Isto decorre da
complexa engenharia que conforma, sobretudo, as agroindústrias familiares, onde não
é recorrente uma divisão precisa do trabalho, dos insumos e do capital físico entre as
distintas atividades agrícolas, de processamento e não agrícolas. Identificar, por exemplo,
quanto tempo do trabalho familiar é dispendido apenas nas atividades de processamen-
to agroindustrial exigiria um esforço sistemático de levantamento que inviabilizaria a
pesquisa censitária. O mesmo ocorreria se fossem computados separadamente os custos
produtivos das atividades agrícolas de suporte às agroindústrias, daqueles diretamente li-
gados ao processamento dos alimentos. Ademais, muitas vezes, esse tipo de levantamento
se depararia com a própria dificuldade de separar claramente as atividades agrícolas que
dão suporte ao processamento (por exemplo, a produção das matérias-primas) e aquelas
atividades consideradas estritamente agroindustriais, dependendo do grau de processa-
mento ou beneficiamento do produto em questão.
Outro aspecto relevante a destacar diz respeito à inexistência de dados referentes aos
custos de transação, igualmente relevantes para compreender mecanismos indiretos de
agregação de valor. Portanto, uma análise mais criteriosa a partir do arcabouço analítico
referido acima exigirá estudos empíricos específicos de experiências de agregação de valor,
por meio das quais seja exequível avaliar os diversos custos, rendas (bruta, líquida), valores
agregados, entre outros indicadores econômicos.
50 Relatório de Pesquisa
Outra explicação para este fato está associada à perda, por parte dos agricultores, da
condição de segurado especial da Previdência Social. Quando este assume em seu nome um
CNPJ, institucionalmente tornam-se empresários sem benefício de aposentadoria rural, o
que desencoraja a formalização. Em outros casos, os agricultores não fazem questão de se
adequarem às normas tributárias vigentes, devido aos altos custos associados a esse regime
fiscal, como estudos no Sul do país evidenciaram (Gazolla, 2009). Uma terceira situação re-
fere-se à agroindustrialização de forma coletiva, por meio da qual as cooperativas assumem
estes custos. Neste caso, as agroindústrias individuais utilizam o CNPJ cooperativado, sem
sofrerem os problemas mencionados.11
11. Por exemplo, é o que ocorre com as agroindústrias da Unidade Central de Apoio as Agroindústrias Familiares Rurais do Oeste Cata-
rinense (UCAF).
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 51
Não obstante, essa ordenação altera-se na medida em que passamos a observar as mé-
dias de valor de venda (VEND_INDU/ESTAB) e valor agregado (VAL_A_IND/ESTAB).
Considerando os dados de valor de venda e valor agregado por estabelecimento, as regiões
Sudeste e Centro-Oeste aparecem significativamente à frente das demais. Concentrando
menor número de agroindústrias, a região Centro-Oeste desponta com quase R$ 20 mil de
venda total e R$ 2 mil de valor agregado por estabelecimento, médias bastante acima da-
quela verificada em âmbito nacional (5,3 mil reais e 658 reais, respectivamente). Na região
Sudeste, estas médias situam-se em R$ 13 mil para valor de venda e R$ 1,5 mil para valor
agregado. Em seguida encontram-se as regiões Norte, Nordeste e Sul.
TABELA 20
Número de estabelecimentos rurais com processamento, valor total da venda da agroindústria (R$)
e valor agregado total (R$) dos estabelecimentos, segundo macrorregião geográfica (2006)
ESTAB VEND_INDU VAL_A_IND (B/A) (C/A) (C/B)
Região CNPJ %
(A) (B) (C) % % %
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Com efeito, uma primeira explicação para essas diferenças macrorregionais deve ser
buscada nas características intrínsecas aos estabelecimentos de processamento encontrados
em cada contexto. De modo geral, as regiões Centro-Oeste e Sudeste apresentam um setor
agroindustrial mais capitalizado e com maiores escalas de produção, enquanto as regiões
Nordeste, Norte e Sul revelam a presença mais significativa de unidades familiares proces-
sando pequenas quantidades, não raro apenas para o autoconsumo familiar, o que reduz
consideravelmente as médias de valor comercializado e valor agregado por estabelecimento.
Associado a isso, cabe ainda ponderar para a categoria de produto processado nessas
regiões. Em textos anteriores, definiu-se de maneira detalhada a diferença entre estabeleci-
mentos familiares e não familiares, assim como o perfil da agroindústria rural nas distintas
macrorregiões abarcando o tipo de produto processado, volume de produção e canais de
comercialização (Bastian et al., 2011; Niederle et al., 2011). Os dados demonstraram a
52 Relatório de Pesquisa
região Sul com o maior número de produtores de queijos, doces, geleias, embutidos e pani-
ficados, enquanto produtos como farinha de mandioca, aguardente, fubá de milho, tapioca
e rapadura são característicos dos estabelecimentos das regiões Nordeste e Sudeste. Ademais,
mostrou-se uma dinâmica diferenciada das distintas cadeias produtivas nessas regiões, re-
velando diferentes níveis de concentração industrial e canais de venda para cada produto.
Algumas dessas informações serão retomadas doravante na medida em que sejam úteis para
analisar os dados apresentados nas tabelas 21 e 22, os quais fazem alusão a uma cesta de nove
produtos escolhidos como representativos da agroindústria rural (devido ao maior grau de
transformação das matérias-primas e sua importância produtiva e econômica) entre o con-
junto de 32 produtos agroindustrializados identificados pelo censo agropecuário.
No que se refere aos dados sobre valor total de venda, valor agregado total e dos esta-
belecimentos com processamento, nota-se uma interessante diferenciação que caminha ao
encontro da discussão anterior: característica da região Nordeste, onde se encontram mais
de 177 mil dos 264 mil estabelecimentos rurais de processamento, a farinha de mandioca
desponta como o produto de maior presença em estabelecimentos que, no seu conjunto, são
responsáveis pela maior parcela dos valores totais de venda (VEND_INDU) e agregação de
valor (VAL_A_IND), o que não é difícil entender face ao expressivo número de estabele-
cimentos produtores comparativamente aos demais produtos. Assim o valor agregado total
para os estabelecimentos com beneficiamento de farinha de mandioca desponta com um
montante que supera todos os demais produtos somados. Cabe notar que, entre o número
de estabelecimentos processadores de queijos no Brasil, 38% deles encontram-se na região
Sul. Por sua vez, no caso de produtos de panificação (pães, bolos e bolachas) e embutidos
(salames, mortadela, linguiças), essa proporção representa, respectivamente, 92% e 98%.
TABELA 21
Brasil – Número de estabelecimentos rurais com processamento, valor total de despesas, valor total
da venda da agroindústria e valor agregado total do estabelecimento, segundo tipo de produto (2006)
Estabelecimentos VEND_INDU VAL_A_IND (C/B)
Produtos CNPJ % (B/A) (C/A)
(A) (B) (C) %
Aguardente de cana 11.124 220 1,98 132.903.199 37.291.433 11.948 3.352 28,05
Doces e geleias 14.647 161 1,10 35.617.842 2.169.929 2.432 148 6,09
Farinha de mandioca 264.882 626 0,24 820.393.855 194.241.852 3.097 733 23,67
Pães, bolos e biscoitos 34.829 142 0,41 36.288.567 2.990.357 1.042 86 8,24
Queijo e requeijão 80.825 546 0,68 475.402.703 65.690.063 5.882 813 13,81
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Ainda, pela análise dos dados da última coluna da tabela 21, é possível observar a
porcentagem de valor agregado em relação ao valor total de venda por produto (VAL_A_
INDU/VEND_INDU x 100). O principal produto com maior valor agregado na comer-
cialização é o fubá de milho com 29,11%, mas ele fica muito pouco acima de dois outros
produtos, que são a rapadura, com 28,40%, e a aguardente de cana, com 28,05%, sendo
a diferença pequena. Estes três produtos lideram os maiores percentuais agregados nas
vendas. Depois aparece a farinha de mandioca com 23,67%, o queijo e o requeijão com
13,81%, a goma ou tapioca com 12,51% e os embutidos com 10,76%. Com menores
valores estão os pães, bolos e biscoitos e os doces e geleias que ficam abaixo de 10%.
Na tabela 22, é apresentado outro conjunto de dados que, neste caso, dizem respeito
especificamente a valores de produção obtidos a partir do produto em questão. Inicial-
mente, analisam-se os dados referentes ao valor total da produção (VAL_PROD) e o valor
total aferido com a venda do produto (VAL_VEND). Ao compararem-se as duas colunas,
pode-se observar a porcentagem de valor gerado que efetivamente passou pelos mercados.
Descontando-se o montante de venda do valor total (VAL_PROD − VAL_VEND) tam-
bém é possível identificar o valor que foi destinado ao autoconsumo familiar ou à formação
de estoques no próprio estabelecimento.12 Os produtos com maior porcentagem de venda
são doces e geleias (91,3%), aguardente de cana (90,2%), queijo e requeijão (88,3%) e
rapadura (87,4%), seguidos por farinha de mandioca (71,9%), goma ou tapioca (64,7%),
embutidos (59,9%), panificados (59,3%) e fubá de milho (52,2%) (VAL_VEND x 100/
VAL_PROD).
12. No entanto, a partir dessa informação, não há condições de afirmar qual foi o destino exato dessa parcela não comercializada
da produção.
54 Relatório de Pesquisa
Ademais, cabe ponderar que a parcela comercializada de alguns destes produtos pode
estar sendo subestimada em virtude das fragilidades da própria metodologia de levanta-
mento censitário. Com receio de sanções em virtude da inadequação do estabelecimento
às normas legais, sobretudo sanitárias, muitos agricultores ocultam do recenseador a quan-
tidade e os valores reais de venda do produto, o que pode incorrer em superestimação da
parcela consumida. De modo geral, isso é mais frequente com produtos em que a legislação
sanitária é mais rigorosa, como embutidos, derivados de leite e panificados, justamente
aqueles que, entre os produtos selecionados, se encontram em maior proporção nas regiões
Sul e Sudeste.
TABELA 22
Brasil – Número de estabelecimentos rurais com processamento, valor total da produção proveniente
de matéria-prima própria ou adquirida, valor total da produção e valor agregado, segundo tipo de
produto (2006)
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Outra informação essencial para a discussão que se empreende diz respeito ao valor da
produção relacionada à procedência da matéria-prima, própria (PVAL_PROD) ou adquirida
(AVAL_PROD). Conforme revela a tabela 22, em praticamente todas as categorias de pro-
dutos selecionados, o montante de valor obtido a partir do processamento de matéria-prima
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 55
própria supera aquele derivado de matéria-prima adquirida. Nos casos mais expressivos, o va-
lor da produção proveniente de matéria-prima própria pode alcançar 8,3 vezes aquele obtido
a partir de matéria-prima adquirida, vide os dados relativos à farinha de mandioca (PVAL_
PROD/AVAL_PROD). Outros produtos, como rapadura e tapioca também revelam valores
mais elevados de matéria-prima própria (8,1 e 6,2, respectivamente). No caso da produção
de queijos e de aguardente de cana, essa proporção situa-se em 5,4 e 4,8. Os produtos em
que o uso de matéria-prima adquirida é mais expressivo são os embutidos (1,8) e, sobretudo,
os panificados (0,99).
De modo geral, essa informação ratifica o argumento de autores que sustentam o de-
senvolvimento da agroindústria rural, notadamente aquela de âmbito familiar, como uma
estratégia de agregação de valor associada à internalização de recursos produtivos, possibili-
tando criar uma base endógena e autocontrolada de insumos e matérias-primas. Como de-
monstram Niederle e Wesz Junior (2009, p. 102) a partir de um estudo de caso na região de
Missões-RS, “a agroindustrialização pode estar associada a processos de desmercantilização
e internalização de recursos que visam ampliar a autonomia das unidades de produção”.
A atividade emerge como uma estratégia de autonomização, em que, ao mesmo tempo em
que buscam afastar-se dos mercados de insumos à montante (e dos riscos das oscilações
de preço, qualidade e regularidade de oferta), os agricultores inserem-se ativamente na
construção de novos circuitos de comércio à jusante, sobretudo, em mercados diretos que
lhes permitem apropriar uma parcela mais expressiva do valor adicionado (Ploeg, 2008;
Pelegrini e Gazolla, 2008).13
Quando analisada a fabricação destes nove alimentos, nota-se uma clara diferenciação
com relação às matérias-primas (adquiridas ou produzidas no próprio estabelecimento ru-
ral) em relação ao tipo de estabelecimento rural: familiar x não familiar. De maneira geral,
os dados apontam que, na agricultura familiar, a agregação de valor se realiza principalmen-
te com as matérias-primas produzidas no próprio estabelecimento. Por exemplo, no caso da
goma ou tapioca, a agricultura familiar produz 94,09% das matérias-primas que processa,
comparativamente à não familiar. Isto acontece também para alimentos como a farinha
de mandioca (94,03%) e panificados (89,94%). Em menores porcentagens aparecem os
embutidos (78,09%), doces e geleias (77,66%), a rapadura (75,18%), o queijo e requeijão
(67,89%) e o fubá de milho (64,02%).
13. Como se mostrou, a construção e manutenção de uma base de recursos autônoma é chave para a reprodução do modo de produção
camponês, o qual é orientado para a criação de valor agregado e emprego produtivo. Como afirma Ploeg (2006), a “condição camponesa
reflete a luta constante e infindável das formas familiares de produção por autonomia, a qual tem como objetivo a criação de uma base de
recursos autocontrolada, integrada e de múltiplo uso, que confere ao agricultor sua condição de agente no desenvolvimento rural”.
14. Mesmo quando as matérias primas são adquiridas em partes nos mercados pelos agricultores familiares, estes são mercados locais,
de comunidade e de parentes e vizinhos, onde os preços são negociados de forma distinta e em que as relações sociais estabelecidas
(confiança, conhecimento prévio, proximidade social) flexibilizam os preços, as condições de contrato e os termos de troca. Nesse sentido,
ver, por exemplo, Wilkinson (2008) e Pelegrini e Gazolla (2008).
56 Relatório de Pesquisa
Por sua vez, quando se analisam as matérias-primas adquiridas, nota-se que os dados pos-
suem uma variação muito grande entre os produtos e os dois tipos de agriculturas, não sendo
muito conclusivos. Em alguns casos, a agricultura familiar adquire mais matérias-primas de
fora dos estabelecimentos rurais que a não familiar, como é o caso da farinha de mandioca,
pães, bolos e biscoitos, queijo e requeijão e rapadura e goma e tapioca. A agricultura não fami-
liar, por sua vez, adquire maiores percentuais de matérias-primas de fora dos estabelecimentos
em produtos como a aguardente de cana, doces e geleias, fubá de milho e embutidos.
De todo modo, é importante ressaltar que, para todos os alimentos analisados, com
exceção dos pães, bolos e biscoitos, as quantidades de matérias-primas adquiridas de fora
das unidades são muito pequenas em relação aos percentuais que se produz internamente às
propriedades rurais. No caso dos derivados de panificação, as quantidades de matéria-prima
(trigo, em maior parte) são em torno de 50% produzidas e 50% compradas. Isto é compre-
ensível, pois nesse caso há dificuldades das famílias produzirem o cereal (plantar, manejar,
colher, selecionar os grãos etc.) e fazer depois toda a sua transformação. De forma geral,
o que os dados demonstram caminha ao encontro daquilo que se afirmou anteriormen-
te: a agroindustrialização pode vincular-se a uma estratégia deliberada dos agricultores de
controlar o máximo possível os condicionantes da reprodução econômica das unidades de
produção, com vistas, sobretudo, a aumentar o espaço de manobra frente aos mercados
de insumos e fatores de produção.
Nada obstante, essa agregação de valor também pode ser verificada a partir de outra
perspectiva, associada à reestruturação das cadeias produtivas e redução dos custos de tran-
sação. Discutindo o caso da produção de vinhos, Zylberstajn e Miele (2005) alegam que a
agregação de valor não advém necessariamente da obtenção de um preço-prêmio, mas das
mudanças na estrutura de governança setorial. Segundo os autores, as agroindústrias cata-
lisam processos de integração vertical (vide acima os dados referentes ao uso da matéria-
prima própria) que, por um lado, permitem ganhos de qualidade e agregação de valor ao
produto final e, por outro, atuam como respostas minimizadoras dos custos de transação
decorrentes de novos arranjos organizacionais.
Uma vez confirmada esta trajetória de integração vertical, pode-se ponderar, contudo,
que a agroindústria rural reproduziria uma situação em que o valor adicionado é retido
entre poucos atores da cadeia, excluindo um grande número de agricultores do forneci-
mento de matéria-prima. Ademais, o tamanho e o poder de barganha das agroindústrias
afetariam diretamente a distribuição do valor agregado entre diferentes grupos (Schmidt,
2010). Essa é uma questão que necessita ser explorada a partir de estudos de caso fundados
em experiências específicas.
Seja como for, cabe ainda ir além da dinâmica setorial e analisar os possíveis efeitos
de geração de valor sobre os demais produtos do território. A agroindústria rural pode
atuar como um elemento potencializador da “cesta de bens” do território (Pecqueur,
2000). Neste caso, em vez de um consumidor do produto, temos um “consumidor do
território” capaz de criar uma associação mais forte com o repertório cultural que sus-
tenta a identidade e a singularidade dos bens que consome. Disto decorre um vínculo
recorrente entre a agroindustrialização e outras estratégias de qualificação da paisagem,
dos costumes e da gastronomia local, impulsionando um processo de valorização destes
elementos, inclusive no âmbito dos mercados. É o caso emblemático da conexão entre as
agroindústrias e o turismo rural.
Por fim, cabe ressaltar que as conclusões retidas neste trabalho são gerais e apontam
para algumas hipóteses interessantes para futuros estudos. Os dados do IBGE, assim como
são aferidos e organizados, permitem evidenciar questões interessantes sobre a agregação de
valor nas agroindústrias rurais. Contudo, como apontado na metodologia, estas informa-
ções somente permitem avançar para uma caracterização geral. No futuro, serão necessá-
rias investigações específicas sobre o valor agregado destas iniciativas, focalizando a análise
quantitativa por produto e que possibilite separar os custos de produção e de transação
relativos às matérias-primas daqueles da transformação agroalimentar. Desta forma, seria
possível avançar na compreensão das diferentes rendas geradas e dos reais valores agregados
a estes alimentos. Isto poderá ser realizado em diferentes regiões, tipos de produtos, agri-
culturas (familiar e não familiar) etc., de forma a compor uma cartografia mais detalhada
da agroindústria rural no Brasil.
Outro fator que tem contribuído para o fortalecimento das agroindústrias no meio
rural é a valorização do produto artesanal/colonial. Muitos consumidores obtêm produtos
provenientes da localidade por saberem qual a procedência, conhecerem as pessoas que os
elaboraram e apreciarem o seu sabor, que é originário de um saber fazer herdado de gera-
ções anteriores que, conciliado com as características de cada região, incluem nos produtos
um gosto específico. Guimarães e Silveira (2010) salientam que este sabor específico pro-
vém da arte que cada pessoa emprega no momento de processar e transformar o alimento,
melhorando a receita herdada e o seu modo de fazer, incluindo em cada diferente produto
um detalhe em diferencial e, deste modo, atribuindo-lhe características específicas. Muitos
consumidores que conhecem a procedência dos produtos não estão fundamentalmente
preocupados se este é produzido conforme as exigências legais de sanidade e inocuidade,
pois eles conhecem os produtores e confiam que os alimentos manufaturados por eles são
de qualidade. Em algumas das propriedades que começam a destinar agroindustrializados
para este nicho ocorre a construção de agroindústrias com o intuito de legalizá-las, mas
muitas delas continuam operando na informalidade (Wilkinson e Mior, 1999).
15. Além de serem originárias desta transformação do rural, as agroindústrias surgem em um período que começa a ficar evidente que o
rural não se constitui somente na produção agrícola, mas é um espaço diverso e de pluriatividade com qualidades ligadas a produção de
alimentos mais saudáveis, de lazer e turismo, de natureza, entre outras características.
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 59
cultura Familiar com origem em 2003. Em níveis estaduais, pode-se citar o Programa da
Agroindústria Familiar implantado no Rio Grande do Sul, de 1999 a 2002, e o Programa de
Desenvolvimento da Agricultura Familiar pela Verticalização da Produção, com atuação
de 1998 a 2001, em Santa Catarina (Wesz Junior, 2009).
Se, neste caso, não é possível ter uma dimensão mais acurada das características
das agroindústrias, através de outra base de dados fornecida pelo IBGE, é possível
obter dados correspondentes às agroindústrias localizadas em estabelecimentos fami-
liares (AF) e às agroindústrias localizadas em estabelecimentos não familiares (ANF).
Esta separação é um passo importante, pois estes dois tipos de agricultura apresentam
distinções relacionadas à lógica de funcionamento (de maneira geral, a AF objetiva pri-
meiramente atender as necessidades mais ligadas à subsistência, alcançado isso, busca-se
pela obtenção de renda e na maioria das propriedades da ANF predomina o objetivo de
obter renda), à diversidade da unidade de produção (na AF a produção de gêneros ani-
mais e vegetais é variada, na ANF priorizasse o monocultivo de commodities cultivados
em grande extensão/quantidade para obter maiores ganhos de escala), à mão de obra
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 61
(na AF é principalmente da família, com contratação eventual de mão de obra do ex-
terior do estabelecimento, na ANF predomina a mão de obra contratada) e à gestão da
unidade de produção (na AF é feita pela família, na ANF pode ser feita pelo proprietá-
rio do estabelecimento rural ou por um administrador rural).
O IBGE distingue agricultura familiar (AF) e não familiar (ANF) com base na Lei no
11.326, de 24 de julho de 2006, a qual define como agricultor familiar ou empreendedor
familiar rural aqueles estabelecimentos que atendem aos seguintes itens: a área do estabe-
lecimento ou empreendimento rural não pode exceder os quatro módulos fiscais; a mão
de obra utilizada nas atividades econômicas desenvolvidas deve ser de origem predominan-
temente da própria família; a renda familiar é majoritariamente originada das atividades
agrícolas realizadas na propriedade, e o estabelecimento ou empreendimento é dirigido
pela família (IBGE, 2009). Os estabelecimentos16 que não se enquadram em um ou mais
destes itens automaticamente são classificados como não familiares.
As variáveis de análise surgiram das tabelas fornecidas pelo IBGE, em que estão se-
parados os dados das agroindústrias da AF e da ANF. Nestas tabelas, para cada produto,
existem variáveis como: condição do produtor em relação às terras, grupos da atividade
econômica e destino da produção consumida ou estocada. Entre este conjunto de variá-
veis, foram elencadas algumas que demonstrassem com maior efetividade se há diferenças
e quais são estas diferenças entre os estabelecimentos da AF e da ANF produtores dos
alimentos agroindustrializados citados. Entre estas variáveis estão: número de estabeleci-
mentos; produção total; origem da matéria-prima, se própria ou adquirida; proporção da
produção total vendida; e destinos da produção vendida. Além delas, há a variável escala
produtiva (média), que se dá através da divisão da produção total pelo número de produto-
res. Na seção dos resultados, para cada uma destas variáveis existem gráficos ou tabelas que
demonstram as diferenças e similaridades entre as agroindústrias da AF e da ANF para os
oito produtos citados no parágrafo anterior.
16. O estabelecimento é uma unidade de produção dedicada total ou parcialmente a atividades agropecuárias, florestais ou aquícolas,
dirigido pelo produtor ou por um administrador. O estabelecimento é assim definido pelo IBGE sem considerar o seu tamanho, a sua loca-
lização, se é em área urbana ou rural, ou a sua forma jurídica e se tem como objetivo a produção para subsistência e/ou para venda. Além
destes estabelecimentos, foram coletados os dados das “fazendas, hortos, postos zootécnicos, estações experimentais, hotéis fazenda,
bem como as explorações agrícolas, florestais e/ou aquícolas de conventos, hospitais, asilos, orfanatos, escolas profissionais, patronatos,
reformatórios, prisões ou locais para lazer, desde que tenham tido exploração agropecuária, florestal e/ou aquícola, ficando sujeitas ao
levantamento apenas às atividades ligadas diretamente a estas explorações” (IBGE, 2007, p. 20). Neste trabalho, foram pesquisados
somente os estabelecimentos que têm agroindústrias rurais.
62 Relatório de Pesquisa
TABELA 23
Brasil – Número de estabelecimentos que agroindustrializam alimentos, por AF e ANF (2006)
Produtos agroindustriais Agricultura familiar Agricultura não familiar Total
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Assim, do total destes estabelecimentos, 89% são familiares e 11% são não familiares.
GRÁFICO 1
Brasil – Número de estabelecimentos que agroindustrializaram alimentos segundo tipo
de estabelecimento (2006)
(Em %)
Fubá de milho 85
15
Farinha de mandioca 93
7
Aguardente de cana 83
17
Rapadura 89
11
Doces e geleias 88
12
Embutidos 90
10
0 20 40 60 80 100
GRÁFICO 2
Brasil – Produção total da agroindústria rural segundo tipo de estabelecimento (2006)
(Em %)
53
Fubá de milho 47
93
Farinha de mandioca 7
94
Goma e/ou tapioca 6
70
Queijo e /ou requeijão 30
47
Aguardente de cana 53
74
Rapadura 26
63
Doces e geleias 37
63
Embutidos 37
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Para os produtos aguardente de cana e fubá de milho, a AF produz 47% e 53%. Para
os demais produtos, como é possível observar no gráfico 2, ocorre uma diferença maior
entre os números da quantidade produzida pela AF. Verifica-se que 63% dos embutidos
(1.875 t) e dos doces e geleias (4.010 t), 70% do queijo e/ou requeijão (77.849 t) e 74%
da rapadura (24.954 t) são produzidos pela AF. Nestes estabelecimentos, para os produtos
farinha de mandioca e goma e/ou tapioca, ocorre a produção de 93% e 94% da produção
brasileira (1.243.867 t e 43.963 t).
No caso desses dois últimos produtos, também se verificam valores altos para a AF
na variável anterior. Como estes alimentos são tradicionais para a agricultura familiar das
regiões Norte e Nordeste, servem de alimento para a família, e excedentes podem ser co-
mercializados. Por isso, aparecem valores expressivos para ambas as variáveis.
Para esta variável, embora os números tenham demonstrado uma pequena superiori-
dade da ANF no produto aguardente de cana, não há a comprovação de que a produção
agroindustrial no espaço rural esteja perdendo o seu caráter de produção familiar, pois a
diferença é de apenas algumas unidades decimais. Ela acontece nos estabelecimentos fa-
miliares de uma porcentagem que se aproxima a 50% para apenas dois produtos. Para os
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 65
demais ela supera os 63%, chegando a ser predominante na elaboração da farinha de man-
dioca e da goma e/ou tapioca. Estas proporções demonstram que a elaboração de produtos
agroindustriais tem concentração em estabelecimentos familiares (tabela 24).
TABELA 24
Brasil – Produção total da agroindústria rural, por AF e ANF
Produtos agroindustriais Agricultura familiar Agricultura não familiar Total
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Na ANF, as escalas têm uma amplitude maior, variando de 0,6 t para os embutidos
e 0,8 t para a goma e/ou tapioca. Para os doces e geleias, são 1,3 t e para o queijo e/ou
requeijão são 2,3 t. Valores relativos à escala superiores a estes são observados nos produtos
farinha de mandioca (4,6 t), rapadura (5,5) e fubá de milho (6,8). Nesta agricultura, tem
destaque o produto aguardente de cana, em que são produzidos em média 31,9 mil litros
por ano por unidade produtiva.
66 Relatório de Pesquisa
TABELA 25
Brasil – Escalas produtivas médias das agroindústrias rurais familiares e não familiares (2006)
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Observando a escala produtiva destes oito produtos, verifica-se que, em seis, ela é
superior na ANF e, em dois, na AF (farinha de mandioca e goma e/ou tapioca). Note-se
que estes produtos não ocupam tanto os estabelecimentos da ANF. Analisando estes valores
percebe-se que, apesar de a AF produzir em maior quantidade por estabelecimento para os
produtos derivados da mandioca, a capacidade produtiva destas agroindústrias está muito
próxima a capacidade das agroindústrias da ANF. Assim, de maneira geral, verifica-se que
há uma relação entre o tamanho do estabelecimento e a capacidade produtiva das agroin-
dústrias, considerando que, para a maioria dos produtos, nos estabelecimentos da ANF, a
capacidade produtiva agroindustrial é maior do que a capacidade dos estabelecimentos da
AF. Isso tem a ver com a lógica diferente destas agriculturas, onde a AF está mais focada na
diversificação, enquanto a ANF, na especialização. Neste caso, direcionando-se para uma
única atividade na propriedade, que pode ser na agroindústria, ela pode trabalhar com
maior escala.
Seguindo na análise das variáveis, os dados relativos aos gráficos 3 e 4, que tratam
sobre a origem da matéria-prima, demonstram que, para todos os produtos, as agroin-
dústrias não familiares compram mais matéria-prima. Isso corrobora um aspecto de que
a AF tem a característica de produzir maior variedade de cultivos e criações e de produzir
em menor escala do que a ANF. Com intuito de elaborar o seu próprio alimento, estas fa-
mílias produzem variados cultivos e criam animais para o abate, pois elas não têm como
único objetivo a produção para o mercado, mas as atividades giram em torno de um
conjunto de necessidades a serem atendidas, entre elas, a de garantir a sua alimentação.
Assim, do total de produtos agrícolas produzidos, uma determinada porção é destinada
para o consumo da família. Deste modo, para a variável origem da matéria-prima, é
natural que apareça uma quantidade mais expressiva da produção agroindustrial prove-
niente de meios próprios.
Prezzoto (2002) cita que, quando a produção agroindustrial consegue ser suprida
com matérias-primas que provêm principalmente da propriedade ou das propriedades que
gerenciam a agroindústria, ocorre agregação de valor ao produto agropecuário. Se fosse
necessário obter muita matéria-prima do exterior do estabelecimento, poderia ocorrer fa-
lência, pois seria necessário haver, com frequência, receitas no caixa da agroindústria, o que
nem sempre está disponível. Assim, segundo a lógica familiar destes estabelecimentos, só
há razão para a agroindustrialização se houver agregação de valor a produção própria. Se
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 67
fossem compradas matérias-primas, haveria a incidência de custos de produção e transação,
podendo inviabilizar a economicamente a agroindústria.
GRÁFICO 3
Brasil – Origem da matéria-prima da agroindústria rural nos estabelecimentos familiares (2006)
(Em %)
Fubá de milho 82 18
Farinha de mandioca 90 10
Aguardente de cana 81 19
Rapadura 91 9
Doces e geleias 85 15
Embutidos 75 25
0 20 40 60 80 100
GRÁFICO 4
Brasil – Origem da matéria-prima da agroindústria rural nos estabelecimentos não familiares (2006)
(Em %)
Fubá de milho 58 42
Farinha de mandioca 82 18
Aguardente de cana 80 20
Rapadura 88 12
Doces e geleias 32 68
Embutidos 42 58
0 20 40 60 80 100
Fubá de milho 24
Farinha de mandioca 71
Aguardente de cana 92
Rapadura 87
Doces e geleias 87
Embutidos 48
0 20 40 60 80 100
Vendida
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
Os produtos queijo e/ou requeijão, aguardente de cana, rapadura e doces e geleias têm
características parecidas na AF e na ANF. Destinando-se em maior proporção para comer-
cialização do que o restante dos produtos analisados. São comercializados na agricultura
familiar em números superiores a 87% e, na não familiar, a 91%.
GRÁFICO 6
Brasil – Proporção vendida da produção total da agroindústria rural nos estabelecimentos
não familiares (2006)
(Em %)
Fubá de milho 58
Farinha de mandioca 79
Aguardente de cana 94
Rapadura 91
Doces e geleias 97
Embutidos 85
0 20 40 60 80 100 120
Vendida
Fonte: Censo Agropecuário 2006 – tabulação especial realizada pelo IBGE (2010).
Elaboração: projeto entre o Ipea e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2010-2011.
70 Relatório de Pesquisa
GRÁFICO 7
Brasil – Destinos da produção total vendida nos estabelecimentos familiares (2006)
(Em %)
Fubá de milho 52 45 3
Farinha de mandioca 83 15 2
Aguardente de cana 83 15 2
Rapadura 82 14 4
Doces e geleias 57 28 15
Embutidos 29 68 3
0 20 40 60 80 100
17. A categoria outra inclui os seguintes destinos somados: venda ou entregue a cooperativas, venda à indústria, entregue à empresa
integradora, venda entregue ou doada ao governo federal ou estadual e exportada.
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 71
GRÁFICO 8
Brasil – Destinos da produção total vendida nos estabelecimentos não familiares (2006)
(Em %)
Fubá de milho 88 10 2
Farinha de mandioca 86 9 5
Aguardente de cana 41 10 49
Rapadura 85 9 6
Doces e geleias 75 19 6
Embutidos 75 20 5
0 20 40 60 80 100
Pode-se dizer que, com exceção da aguardente de cana, a ANF entrega mais de todos
os produtos para os intermediários do que o faz a AF. O anterior pode ser explicado pelo
fato de que a produção em pequena escala precisa de agregação de valor até chegar ao con-
sumidor final para poder permitir a mínima estabilidade econômica e a permanência na
atividade produtiva. Inserindo o intermediário na comercialização, os lucros diminuem,
pois é mais um agente antes de chegar ao consumidor final. Vendendo diretamente ao
consumidor, há possibilidade de agregar o valor que seria incorporado pelo intermediário.
Além disso, para vender a intermediários, por vezes, é exigida uma determinada escala
de produção, regularidade na oferta e padronização da produção. Com escala de produção
maior, as agroindústrias da ANF teriam condições de atender melhor a estas condições
(Prezzoto, 2002). Para atender às exigências de regularidade na oferta, a ANF pode estar
obtendo matéria-prima em momentos em que sua matéria-prima própria foi toda trans-
formada. Já a agroindústria da AF, que geralmente transforma principalmente os alimentos
que ela mesma produz, encontra mais dificuldade para manter uma oferta regular e padro-
nizada, pois, de um ano para o outro, as safras variam em quantidade e qualidade, o que
causa alterações no alimento agroindustrializado.
restante dos produtos, as principais quantidades produzidas são provenientes da AF. No geral,
estes dados revelam que a atividade da agroindústria rural acontece em mais propriedades
familiares que são numerosas e pequenas, mas que somadas às parcelas que cada uma produz
para cada produto, obtém-se uma quantidade superior à produzida na ANF.
Para finalizar, pode-se dizer o seguinte: considerando que a agroindústria é uma ativi-
dade típica da AF, esta agrega mais valor ao produto vendendo em maior proporção dire-
tamente ao consumidor final que a ANF e adquirindo menos matéria-prima. A ANF tem
escala produtiva maior, proporções maiores destinadas ao mercado e maior quantidade ven-
dida aos intermediários, já que, com escalas maiores, tem condições de suprir a demanda por
regularidade na oferta. Estas são as principais distinções e similaridades identificadas entre as
agroindústrias da AF e da ANF. Agriculturas que, no geral, podem ter diferentes lógicas que,
de maneira sutil, alteram a maneira como as agroindústrias são gerenciadas.
O Perfil da Agroindústria Rural no Brasil 73
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este relatório contempla os resultados de uma sequência de atividades de pesquisa realiza-
das por um grupo de professores e alunos, através de acordo de cooperação técnica entre o
PGDR/UFRGS, o Ipea e o IBGE. Tal acordo foi firmado para viabilizar a realização de um
amplo conjunto de estudos utilizando os dados do último censo agropecuário, dentro do
qual se insere o presente relatório. Especificamente, aqui são relatados os principais achados
do subprojeto “Perfil da Agroindústria Rural no Brasil: uma análise baseada nos dados do
Censo Agropecuário de 2006”.
Para finalizar, cabe também deixar algumas sugestões e propostas para novos estudos.
Uma primeira sugestão, talvez a mais simples e óbvia, é a de expandir as análises para os de-
mais produtos da agroindústria rural que não chegaram a ser caracterizados neste relatório.
Dos 32 produtos apresentados no censo agropecuário, aqui se optou por avançar no estudo
de apenas nove. A ampliação do escopo para alguns ou mesmo todos os demais vinte e três
produtos da agroindústria rural pode ser de interesse para a ampliação do conhecimento
sobre o tema. Outra proposta é a redução do nível de agregação regional. No primeiro
capítulo deste relatório, analisou-se o perfil nas cinco grandes regiões do país, um nível de
agregação ainda elevado, que não permite perceber as diversidades intrarregionais. A análi-
se por estados, por mesorregiões ou por microrregiões pode possibilitar um maior detalha-
mento sobre a distribuição espacial e uma análise mais aprofundada em regiões específicas.
74 Relatório de Pesquisa
Outras sugestões podem ser feitas buscando estabelecer relações com um conjunto de
variáveis disponíveis nas tabulações do censo agropecuário. Ainda que não se possa identifi-
car se o acesso a crédito ou a assistência técnica foi direcionado para a atividade de agroin-
dustrialização, dado que a informação disponível é do estabelecimento como um todo e não
de cada atividade realizada, pode-se avançar na discussão sobre a relação entre o acesso a
estes recursos e a presença ou não da atividade de agroindustrialização nos estabelecimentos
rurais, a geração de excedentes para comercialização, e a potencial contribuição na geração
de renda. Da mesma forma, estudos sobre formas associativas ou cooperativas de atuação,
operando em maior escala, bem como sobre o uso de mercados institucionais, assumem
grande relevância. Tais análises podem ter implicações importantes na avaliação, proposição
e implementação de políticas públicas para o fomento da atividade, para a agregação de
valor aos produtos agropecuários, para a melhor inserção nos mercados e atendimento das
novas demandas.
REFERÊNCIAS
______. Mercados, redes e valores: o novo mundo da agricultura familiar. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2008. (Série Estudos Rurais). 213 p.
WILKINSON, J.; MIOR, L. C. Setor informal, produção familiar e pequena agroindústria:
interfaces. Estudos sociedade e agricultura, n. 13, p. 29-45, 1999.
ZYLBERSZTAJN, D.; MIELE, M. Stability of contracts in the brazilian wine industry. Revista
de economia e sociologia rural, v. 43, n. 2, p. 353-371, 2005.