FERRACIOLI (1999) Aspectos Da Construção Do Conhecimento e Da Aprendizagem Na Obra de Piaget
FERRACIOLI (1999) Aspectos Da Construção Do Conhecimento e Da Aprendizagem Na Obra de Piaget
FERRACIOLI (1999) Aspectos Da Construção Do Conhecimento e Da Aprendizagem Na Obra de Piaget
Laércio Ferracioli
Departamento de Física UFES
Vitória ES
Resumo
I. Introdução
Nascido na Suíça, Jean Piaget (1896-1980) dedicou-se inicialmente aos
estudos científicos relacionados à natureza biológica, pesquisando sobre moluscos.
Mais tarde, investigando sobre a relação entre organismo e o meio, passa a estudar a
natureza humana. Interessa-se pela inteligência humana, que considera tão natural como
qualquer outra estrutura orgânica, embora mais dependente do meio do que qualquer
outra. O motivo está no fato de que a inteligência depende do próprio meio para sua
construção, graças às trocas entre organismo e o meio, que se dão através da ação.
Em 1924 publica A Linguagem e o Pensamento da Criança, quando a
questão primeira era: para que serve a linguagem? A partir daí, mostra que o progresso
da inteligência da criança se dá através da mudança de suas características e não,
simplesmente, pela eliminação de erros. Em 1926 publica A Representação do Mundo
na Criança, quando examina o desenvolvimento progressivo do pensamento infantil em
suas tentativas de explicar realidades, tais como a do sonho ou dos fenômenos naturais.
Neste livro Piaget descreve o método clínico, que viria a ser a base metodológica da
Psicologia Genética, fundamentada na observação e entrevista clínica.
Após inúmeras publicações relatando a evolução de seus estudos, em 1950
publica lntroduction à l Épistémologie Génétique, que em 1970 é publicado na forma
de um breve resumo sob o título Epistemologia Genética. Nesta obra, após apresentar
uma análise de dados psicogenéticos, seguida de uma análise dos antecedentes
Ferraciolo, L. 181
II. A Construção do Conhecimento Através de Estádios
Quando interrogamos crianças de diferentes idades sobre os
principais fenômenos que as interessam espontaneamente, obtemos
respostas bem diferentes segundo o nível dos sujeitos interrogados.
Nos pequenos, encontramos todas as espécies de concepções, cuja
importância diminui consideravelmente com a idade: as coisas são
dotadas de vida e de intencionalidade, são capazes de movimentos
próprios, e estes movimentos destinam-se, ao mesmo tempo, a
assegurar a harmonia do mundo e servir ao homem. Nos grandes,
não encontramos nada mais que representações da ordem da
causalidade adulta, salvo alguns traços dos estágios anteriores.
Entre os dois, de 8 a 11 anos mais ou menos, encontramos, pelo
contrário, várias formas de explicações intermediárias entre o
animismo artificialista dos menores e o mecanismo dos maiores; é o
caso particular de um dinamismo bastante sistemático, do qual
várias manifestações lembram a física de Aristóteles, e que
prolonga a física da criança enquanto prepara as ligações mais
racionais. (PIAGET, 1982, p.173-4)
Desde o nascimento até a idade adulta, o desenvolvimento mental do
indivíduo é um processo contínuo de construção de estruturas variáveis, que, ao lado de
características que são constantes e comuns a todas as idades, refletem o seu grau de
desenvolvimento intelectual. Para Piaget (1967), estruturas variáveis são maneiras de
organização das atividades mentais, que englobam os aspectos motor ou intelectual e
afetivo, tanto na dimensão individual como na social; já as características invariáveis
são as funções de interesse, explicação, entre outras, que não variam com o nível mental
do indivíduo.
Assim, a cada explicação particular para um certo interesse, há uma
integração com a estrutura existente, que, em um primeiro momento, é reconstruída e,
em seguida, ultrapassada para uma dimensão mais ampla, acarretando o
desenvolvimento mental. Então, a partir da integração de sucessivas estruturas, na
perspectiva de que cada uma conduz à construção da seguinte, Piaget dividiu esse
desenvolvimento em grandes estádios ou períodos que obedecem basicamente a três
critérios, que são descritos abaixo:
1. A ordem de sucessão é constante, embora as idades médias que
as caracterizam possam variar de um indivíduo para outro,
conforme o grau de inteligência, ou de um meio social a outro.
(PIAGET; LNHELDER, 1978, p. 131)
Vê-se, pois, que o desenrolar dos estádios pode ser acelerado ou retardado,
dependendo da experiência do indivíduo, e que as idades são relativas às populações
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melhor organização, ou conforme Piaget (1967): cada estágio (sic) constitui então,
pelas estruturas que o definem, uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se uma
evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa (p. 14).
Assim, no estádio sensório-motor ou pré-verbal, a criança procura
coordenar e integrar as informações que recebe pelos sentidos e, restringindo-se ao real,
elabora o conjunto de subestruturas cognitivas ou esquemas de assimilação, que
servirão de base para a construção das futuras estruturas decorrentes do
desenvolvimento ulterior. Segundo Piaget & Inhelder (1978), um esquema é uma
estrutura, ou a organização de ações, que é generalizável em circunstâncias
semelhantes, no momento da ação.
No estádio pré-operatório, surge o que Piaget & Inhelder (1978)
denominam de função simbólica, que consiste no poder de representação de objetos ou
acontecimentos, tomando possível, por exemplo, a aquisição da linguagem ou de
símbolos coletivos. A partir daí, há o desenvolvimento de um pensamento simbólico e
pré-conceitual e, em seguida, do pensamento intuitivo, que, em progressivas
articulações, conduzem ao limiar das operações. As operações são ações internalizadas,
ou seja, uma ação executada em pensamento sobre objetos simbólicos, seja pela
representação de seu possível acontecimento e de sua aplicação a objetos reais evocados
por imagens mentais, seja por aplicação direta a sistemas simbólicos.
Já no período das operações concretas, as intuições articuladas se
transformam em operações-e.g, classificação, ordenamento, correspondência além de
se observar o surgimento das noções de tempo, causalidade, conservação, entre outras.
Entretanto, o pensamento ainda conserva seus vínculos com o mundo real, isto é, as
operações se prendem às experiências concretas, não envolvendo operações de lógica
de proposições ou, como coloca Piaget (1967): ... o pensamento concreto é a
representação de uma ação possível... (p. 64).
Finalmente, na adolescência, é alcançada a independência do real, surgindo
o período das operações formais. Seu caráter geral é o modo de raciocínio, que não se
baseia apenas em objetos ou realidades observáveis, mas também em hipóteses,
permitindo, desta forma, a construção de reflexões e teorias. O pensamento toma-se
então hipotético-dedutivo e, conforme Piaget (1967, p. 64), ocorre a libertação do
pensamento , quando a realidade torna-se secundária frente à possibilidade. Neste
período, além da lógica de proposições, são desenvolvidas, entre outras, operações
combinatórias e de correlação.
Uma vez descritas as etapas desse desenvolvimento, pode-se questionar
sobre quais os fatores que o influenciam, e Piaget responde:
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Embora os tradutores usem o termo estágio, a palavra estádio é mais apropriada na língua
portuguesa.
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Por outro lado, o processo de equilibração difere do sentido que a física lhe
dá, sendo entendido como um processo ativo de auto-regulação semelhante um
processo cibernético, onde há uma:
seqüência de compensações ativas do sujeito em resposta às
perturbações exteriores e de regulagens ao mesmo tempo
retroativas (sistemas de anéis ou feedbacks) e antecipadoras, que
constitui um sistema permanente de tais compensações (PIAGET;
LNHELDER, 1978, p. 134).
Dessa forma, o desenvolvimento se dá por uma constante busca de
equilíbrio, que significa a adaptação dos esquemas existentes ao mundo exterior.
A adaptação, entendida como processo, é um ponto de equilíbrio entre dois
mecanismos indissociáveis: a assimilação e a acomodação. A assimilação diz respeito
ao processo pelo qual os elementos do meio exterior são internalizados à estrutura,
enquanto que a acomodação se refere ao processo de mudanças da estrutura, em função
dessa realização, quando há a diferenciação e integração de esquemas de assimilação.
Assim, pode-se dizer que o pensamento é adaptado a uma realidade, quando ele
consegue, ao mesmo tempo, assimilar às suas estrutura elementos dessa realidade,
acomodando essas estruturas aos novos elementos que se apresentam, ou, nas palavras
de Piaget (1982): a adaptação é o equilíbrio entre a assimilação da experiência às
estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência (p.
157).
Observa-se então que, para Piaget (1964), o sujeito é um organismo que
possui estruturas e que, ao receber os estímulos do meio, dá uma resposta em função
destas estruturas. Ele chega a dizer que a resposta já existia , no sentido de que o
estímulo só será estímulo, se for significativo e será significativo somente se é uma
estrutura que permita sua assimilação, uma estrutura que possa integrar esses estímulos,
mas que ao mesmo tempo apresente uma resposta.
Assim, Piaget, procurando entender como essa estrutura age sobre o
estímulo para fornecer a resposta, baseia sua explicação justamente no processo de
equilibração por auto-regulação, que é, em sua opinião, o principal fator do como
desenvolvimento intelectual.
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tipo físico, do tipo lógico-matemático ou dos dois . Entretanto, nem todo resultado
adquirido pela experiência se constitui em aprendizagem, pois, como ele diz na
seqüência, é necessário reservar o termo aprendizagem s. str. a uma aquisição em
função da experiência, mas se desenvolvendo no tempo, quer dizer, mediata e não
imediata como a percepção ou a compreensão instantânea (PIAGET, 1974, p. 53). Isto
é, trata-se de uma aquisição que evolui no tempo, no sentido de que o sujeito pode
chegar a compreender um evento, inferir sua lei de formação através de assimilações e
acomodações, construindo novos esquemas, mas que não são generalizáveis a qualquer
situação nova.
Já a aprendizagem s. lat é definida como ...a união das aprendizagens s.
str. e desses processos de equilibração (PIAGET, 1974, p. 54). Assim, a aprendizagem
s. lat. ocorre quando há uma aquisição de conhecimento em função da experiência de
forma mediata, havendo, ao mesmo tempo, o processo de auto-regulação, onde o sujeito
procura ter sucesso na sua ação ou operação. Como, pelo processo de equilibração, o
sujeito procura adaptar a sua estrutura cognitiva à realidade circundante - o que, em
essência, significa o desenvolvimento mental - quando ocorre a aprendizagem s. lat., ela
tende a se confundir com o próprio desenvolvimento.
Estas idéias são resumidas por Piaget (1974), quando afirma:
Encontramos assim..., a distinção necessária entre a aprendizagem
no sentido amplo e a aprendizagem no sentido restrito. O que é
aprendido s. str. nada mais é do que o conjunto das diferenciações
devidas à acomodação, fonte de novos esquemas em função da
diversidade crescente dos conteúdos. Em compensação, o que não é
aprendido s. str. é o funcionamento assimilador com suas
exigências de equilibração entre a assimilação e a acomodação,
fonte de coerência gradual dos esquemas e sua organização em
formas de equilibração, nas quais já discernimos o esboço das
classes com suas inclusões, suas intersecções e seus agrupamentos
como sistemas de conjunto. Mas, devido a essas interações entre
assimilação e a acomodação, a aprendizagem s. str. e a
equilibração constituem esse processo funcional de conjunto que
podemos chamar de aprendizagem s. lat, e que tende a se confundir
com o desenvolvimento. (p. 85-6).
Vê-se, pois, que, para Piaget, o conceito de aprendizagem é muito mais
abrangente do que o significado com que é normalmente utilizado. Ela não se esgota no
sentido restrito da experiência mediata, mas, juntamente com o processo de
equilibração, assume a dimensão do próprio desenvolvimento da estrutura cognitiva, o
que significa o crescimento biológico e intelectual do indivíduo.
V. Bibliografia Consultada
FERRACIOLI, L. (1986) Concepções Espontâneas em Termodinâmica: Um Estudo em
um Curso Universitário, Utilizando Entrevistas Clínicas. Porto Alegre, Curso de
Pós-Graduação em Física do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Diss. mestr. ensino de física.
PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1967. [Six Études de
Psichologie, 1964]
Ferraciolo, L. 189
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
[Psychologie et Pédagogie, 1969]
Psicologia Genética
PIAGET, J. Le Langage et la Pensée chez L Enfant. Neuchâtel: Delachaux et Nestlé,
1924. [A Linguagem e o Pensamento na Criança. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1959].
Ferraciolo, L. 191
PIAGET, J.; INHELDER, B. L Image Mentale chez L Enfant. Paris: PUF, 1966. [A
Imagem Mental na Criança. Porto: Livraria Civilização, 1977]
PIAGET, J. Ou va l Education? Paris: PUF, 1972. [Para Onde Vai a Educação? Rio
de Janeiro: José Olympio, 1973]
Ferraciolo, L. 193
PIAGET, J. Six Études de Psychologie. Genève: Gonthier, 1964. [Seis Estudos de
Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1967]
Agradecimento
Gostaria de agradecer às professoras Luci Banks Leite e Dominique
Colinvaux e ao Professor Antonio Carlos Ortega pelos comentários sobre o texto
original deste artigo.