FERRACIOLI (1999) Aspectos Da Construção Do Conhecimento e Da Aprendizagem Na Obra de Piaget

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ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E

DA APRENDIZAGEM NA OBRA DE PIAGET

Laércio Ferracioli
Departamento de Física UFES
Vitória ES

Resumo

O texto apresenta, inicialmente uma visão geral das idéias de Jean


Piaget, seguida da abordagem de alguns aspectos de sua obra
relacionados à construção do conhecimento através de estádios e dos
fatores que os influenciam, concluindo com uma discussão da definição
e diferenciação dos conceitos piagetianos de desenvolvimento,
aprendizagem e conhecimento.

I. Introdução
Nascido na Suíça, Jean Piaget (1896-1980) dedicou-se inicialmente aos
estudos científicos relacionados à natureza biológica, pesquisando sobre moluscos.
Mais tarde, investigando sobre a relação entre organismo e o meio, passa a estudar a
natureza humana. Interessa-se pela inteligência humana, que considera tão natural como
qualquer outra estrutura orgânica, embora mais dependente do meio do que qualquer
outra. O motivo está no fato de que a inteligência depende do próprio meio para sua
construção, graças às trocas entre organismo e o meio, que se dão através da ação.
Em 1924 publica A Linguagem e o Pensamento da Criança, quando a
questão primeira era: para que serve a linguagem? A partir daí, mostra que o progresso
da inteligência da criança se dá através da mudança de suas características e não,
simplesmente, pela eliminação de erros. Em 1926 publica A Representação do Mundo
na Criança, quando examina o desenvolvimento progressivo do pensamento infantil em
suas tentativas de explicar realidades, tais como a do sonho ou dos fenômenos naturais.
Neste livro Piaget descreve o método clínico, que viria a ser a base metodológica da
Psicologia Genética, fundamentada na observação e entrevista clínica.
Após inúmeras publicações relatando a evolução de seus estudos, em 1950
publica lntroduction à l Épistémologie Génétique, que em 1970 é publicado na forma
de um breve resumo sob o título Epistemologia Genética. Nesta obra, após apresentar
uma análise de dados psicogenéticos, seguida de uma análise dos antecedentes

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biológicos e de um exame dos problemas epistemológicos clássicos, formaliza sua
epistemologia psicológica.
Na busca de uma explicação científica da existência psicológica do homem,
Piaget procura estabelecer um nexo lógico entre a psicologia e a biologia. A partir da
procura de traços sistemáticos de pensamento de crianças que correspondessem à
hierarquia biológica da célula, organismo e espécie, desenvolvem uma metodologia
própria de pesquisa. Esta metodologia tem uma abordagem qualitativa que agrega um
conjunto de técnicas de investigação. Estas técnicas reúnem simultaneamente três
modos de trabalho: a observação do comportamento espontâneo da criança, a
observação do comportamento provocado por uma situação experimental e o diálogo
estabelecido entre o pesquisador e a criança.
Assim, esta perspectiva metodológica parte da premissa de que a própria
criança, suas interpretações, seus comentários e seus questionamentos fornecem a chave
para o entendimento do pensamento infantil. Ou seja, para Piaget, a criança, e não as
perguntas formuladas, é a fonte primária de dados para o estudo de seu
desenvolvimento intelectual.
Esses estudos são relatados ao longo de toda a obra de Piaget e seus
colaboradores, que abrangem publicações ligadas à Psicologia Genética, Lógica e
Epistemologia e Epistemologia Genética, sendo algumas dessas obras citadas no Anexo
1. Ao longo de sua vida publicou algumas obras síntese nas quais expõe de maneira
clara as idéias básicas de seu projeto sobre entendimento da construção do
conhecimento no sujeito, ou sujeito epistêmico.
Segundo Piaget, o conhecimento não está no sujeito-organismo, tampouco
no objeto-meio, mas é decorrente das contínuas interações entre os dois. Para ele, a
inteligência é relacionada à aquisição de conhecimento na medida em que sua função é
estruturar as interações sujeito-objeto. Assim, para Piaget todo a pensamento se origina
na ação, e para se conhecer a gênese das operações intelectuais é imprescindível a
observação da experiência do sujeito com o objeto.
Uma vez contextualizada a obra de Piaget, torna-se claro que não tem do
sentido se referir a um método pedagógico piagetiano. Piaget não é pedagogo, não é
psicólogo, e jamais formulou uma teoria de aprendizagem. Seu objetivo maior é a busca
do entendimento de como o conhecimento é construído, e nesta perspectiva ele a torna-
se epistemólogo. A rigor, o que existe são propostas pedagógicas que utilizam as idéias
de Piaget como diretrizes para uma metodologia de trabalho didático-pedagógica
visando o processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, este texto apresenta de forma restrita, e em alguns momentos
textual, aspectos da obra de Piaget. Além de apresentar uma contribuição para a difusão
de suas idéias junto a professores de Física e Ciências de maneira geral, o texto visa
também contribuir para o debate relacionado à pesquisa em Ensino de Física: a
abordagem dos modos de raciocínio e mudança conceitual, está intimamente ligada à
questão da construção do conhecimento e da aprendizagem.

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II. A Construção do Conhecimento Através de Estádios
Quando interrogamos crianças de diferentes idades sobre os
principais fenômenos que as interessam espontaneamente, obtemos
respostas bem diferentes segundo o nível dos sujeitos interrogados.
Nos pequenos, encontramos todas as espécies de concepções, cuja
importância diminui consideravelmente com a idade: as coisas são
dotadas de vida e de intencionalidade, são capazes de movimentos
próprios, e estes movimentos destinam-se, ao mesmo tempo, a
assegurar a harmonia do mundo e servir ao homem. Nos grandes,
não encontramos nada mais que representações da ordem da
causalidade adulta, salvo alguns traços dos estágios anteriores.
Entre os dois, de 8 a 11 anos mais ou menos, encontramos, pelo
contrário, várias formas de explicações intermediárias entre o
animismo artificialista dos menores e o mecanismo dos maiores; é o
caso particular de um dinamismo bastante sistemático, do qual
várias manifestações lembram a física de Aristóteles, e que
prolonga a física da criança enquanto prepara as ligações mais
racionais. (PIAGET, 1982, p.173-4)
Desde o nascimento até a idade adulta, o desenvolvimento mental do
indivíduo é um processo contínuo de construção de estruturas variáveis, que, ao lado de
características que são constantes e comuns a todas as idades, refletem o seu grau de
desenvolvimento intelectual. Para Piaget (1967), estruturas variáveis são maneiras de
organização das atividades mentais, que englobam os aspectos motor ou intelectual e
afetivo, tanto na dimensão individual como na social; já as características invariáveis
são as funções de interesse, explicação, entre outras, que não variam com o nível mental
do indivíduo.
Assim, a cada explicação particular para um certo interesse, há uma
integração com a estrutura existente, que, em um primeiro momento, é reconstruída e,
em seguida, ultrapassada para uma dimensão mais ampla, acarretando o
desenvolvimento mental. Então, a partir da integração de sucessivas estruturas, na
perspectiva de que cada uma conduz à construção da seguinte, Piaget dividiu esse
desenvolvimento em grandes estádios ou períodos que obedecem basicamente a três
critérios, que são descritos abaixo:
1. A ordem de sucessão é constante, embora as idades médias que
as caracterizam possam variar de um indivíduo para outro,
conforme o grau de inteligência, ou de um meio social a outro.
(PIAGET; LNHELDER, 1978, p. 131)
Vê-se, pois, que o desenrolar dos estádios pode ser acelerado ou retardado,
dependendo da experiência do indivíduo, e que as idades são relativas às populações

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estudadas, sendo que o mais importante é que a ordem de sucessão permanece
inalterada. Isso é comprovado em estudos realizados por psicólogos de vários países
que constataram um retardamento de até 4 anos em crianças em idade escolar, como
afirma o próprio Piaget (1982).
2. Cada estádio é caracterizado por uma estrutura de conjunto em
função da qual se explicam as principais reações particulares.
(PIAGET; LNHELDER, 1978, p. 131).
Entretanto, este critério não significa que cada estádio de desenvolvimento
seja caracterizado por um conteúdo fixo de pensamento, mas sim, por uma certa
atividade potencial que é suscetível de atingir esse ou aquele resultado, dependendo do
meio no qual a criança vive (PIAGET, 1982).
3. As estruturas de um conjunto são integrativas e não se
substituem uma às outras: cada uma resulta da precedente,
integrando-a na qualidade de estrutura subordinada e prepara a
seguinte, integrando-se a ela mais cedo ou mais tarde. (PIAGET;
LNHELDER, 1978, p. 132).
E esse contínuo processo de desenvolvimento se dá através do
restabelecimento do equilíbrio entre a estrutura precedente e a ação do meio, sendo que
essas estruturas se sucedem de forma que cada uma assegura um equilíbrio mais estável
do que o anterior, em direção a uma estrutura mais abrangente.
Os estádios de desenvolvimento dessas estruturas foram descritos de
maneira resumida e explicativa por Piaget, em algumas de suas obras (e.g. Piaget, 1983;
Piaget, 1967) e podem ser divididos em quatro períodos principais na seguinte
seqüência:

Estádio da Faixa etária aproximada


Inteligência Sensório-Motora até 2 anos de idade
Inteligência Simbólica ou Pré-Operatória de 2 a 7-8 anos
Inteligência Operatória Concreta de 7-8 anos a 11-12 anos
Inteligência Operatória Formal a partir de 12 anos

Cada estádio se caracteriza pelo surgimento de estruturas originais que


diferem das estruturas anteriores pela natureza de suas coordenações e pela extensão do
campo de aplicação. Estas estruturas correspondem a características momentâneas que
são alteradas pelo desenvolvimento subseqüente, em função da necessidade de uma

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1
melhor organização, ou conforme Piaget (1967): cada estágio (sic) constitui então,
pelas estruturas que o definem, uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se uma
evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa (p. 14).
Assim, no estádio sensório-motor ou pré-verbal, a criança procura
coordenar e integrar as informações que recebe pelos sentidos e, restringindo-se ao real,
elabora o conjunto de subestruturas cognitivas ou esquemas de assimilação, que
servirão de base para a construção das futuras estruturas decorrentes do
desenvolvimento ulterior. Segundo Piaget & Inhelder (1978), um esquema é uma
estrutura, ou a organização de ações, que é generalizável em circunstâncias
semelhantes, no momento da ação.
No estádio pré-operatório, surge o que Piaget & Inhelder (1978)
denominam de função simbólica, que consiste no poder de representação de objetos ou
acontecimentos, tomando possível, por exemplo, a aquisição da linguagem ou de
símbolos coletivos. A partir daí, há o desenvolvimento de um pensamento simbólico e
pré-conceitual e, em seguida, do pensamento intuitivo, que, em progressivas
articulações, conduzem ao limiar das operações. As operações são ações internalizadas,
ou seja, uma ação executada em pensamento sobre objetos simbólicos, seja pela
representação de seu possível acontecimento e de sua aplicação a objetos reais evocados
por imagens mentais, seja por aplicação direta a sistemas simbólicos.
Já no período das operações concretas, as intuições articuladas se
transformam em operações-e.g, classificação, ordenamento, correspondência além de
se observar o surgimento das noções de tempo, causalidade, conservação, entre outras.
Entretanto, o pensamento ainda conserva seus vínculos com o mundo real, isto é, as
operações se prendem às experiências concretas, não envolvendo operações de lógica
de proposições ou, como coloca Piaget (1967): ... o pensamento concreto é a
representação de uma ação possível... (p. 64).
Finalmente, na adolescência, é alcançada a independência do real, surgindo
o período das operações formais. Seu caráter geral é o modo de raciocínio, que não se
baseia apenas em objetos ou realidades observáveis, mas também em hipóteses,
permitindo, desta forma, a construção de reflexões e teorias. O pensamento toma-se
então hipotético-dedutivo e, conforme Piaget (1967, p. 64), ocorre a libertação do
pensamento , quando a realidade torna-se secundária frente à possibilidade. Neste
período, além da lógica de proposições, são desenvolvidas, entre outras, operações
combinatórias e de correlação.
Uma vez descritas as etapas desse desenvolvimento, pode-se questionar
sobre quais os fatores que o influenciam, e Piaget responde:

1
Embora os tradutores usem o termo estágio, a palavra estádio é mais apropriada na língua
portuguesa.

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Para mim, existem 4 fatores principais: em primeiro lugar,
Maturação..., uma vez que este desenvolvimento é uma continuação
da embriogênese; segundo, o papel da Experiência adquirida no
meio físico sobre as estruturas da inteligência; terceiro,
Transmissão Social num sentido amplo (transmissão lingüística,
educação, etc.); e quarto, um fator que freqüentemente é
negligenciado, mas que, para mim, parece fundamental e mesmo o
principal fator. Eu denomino esse fator de Equilibração ou, se
vocês preferem, auto-regulação. (PIAGET, 1964, p. 178).
Vê-se que a maturação é uma condição necessária, na perspectiva de ser
uma continuação do processo de formação do indivíduo, mas que não explica todo o
desenvolvimento, desempenhando o limitado papel de abrir possibilidades para novas
condutas que precisam ser atualizadas, o que automaticamente leva à consideração de
outras condições, das quais a mais imediata é a experiência.
Quanto à experiência, Piaget estabelece dois tipos distintos: a experiência
física, que está relacionada a conteúdos assimilados, e consiste em agir sobre os objetos
para abstrair suas propriedades, partindo dos próprios objetos; e a experiência lógico-
matemática, que revela um aspecto construtivo da própria estrutura, e também consiste
em agir sobre os objetos para abstrair suas propriedades, mas não dos próprios objetos,
e sim a partir das ações do indivíduo sobre esses objetos. Assim, a experiência física
não é um simples registro de dados, mas uma estruturação ativa e assimiladora a
quadros matemáticos internos (PIAGET; INHELDER, 1978).
A transmissão social pela linguagem, contatos educacionais ou sociais é
um fator necessário, na medida em que a criança pode receber uma grande, quantidade
de informações. Entretanto, não é suficiente, pois ela só assimilará as informações que
estiverem de acordo com o conjunto de estruturas relativas ao seu nível de pensamento.
Um dos principais equívocos da escola tradicional, afirma Piaget (1982), é imaginar que
a criança tenha apenas de incorporar as informações já digeridas , como se a
transmissão não exigisse uma atividade interna de assimilação-acomodação do
indivíduo, no sentido de haver uma restruturação e daí uma correta compreensão do que
foi transmitido.
O quarto fator a equilibração considerado por Piaget como
fundamental, é o que completa e evidencia o caráter não-apriorístico do
desenvolvimento das estruturas mentais do indivíduo. A evolução ocorre sempre na
direção de um equilíbrio, mas sem um plano preestabelecido, assim como a marcha
para o equilíbrio da entropia em termodinâmica (PIAGET; INHELDER, 1978, p. 134),
isto é, como o equilíbrio depende da ação do sujeito ativo sobre os distúrbios externos
e, ao mesmo tempo, da ação desses sobre aquele. O que se pode observar é um ponto
de equilíbrio e não o ponto de equilíbrio.

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Por outro lado, o processo de equilibração difere do sentido que a física lhe
dá, sendo entendido como um processo ativo de auto-regulação semelhante um
processo cibernético, onde há uma:
seqüência de compensações ativas do sujeito em resposta às
perturbações exteriores e de regulagens ao mesmo tempo
retroativas (sistemas de anéis ou feedbacks) e antecipadoras, que
constitui um sistema permanente de tais compensações (PIAGET;
LNHELDER, 1978, p. 134).
Dessa forma, o desenvolvimento se dá por uma constante busca de
equilíbrio, que significa a adaptação dos esquemas existentes ao mundo exterior.
A adaptação, entendida como processo, é um ponto de equilíbrio entre dois
mecanismos indissociáveis: a assimilação e a acomodação. A assimilação diz respeito
ao processo pelo qual os elementos do meio exterior são internalizados à estrutura,
enquanto que a acomodação se refere ao processo de mudanças da estrutura, em função
dessa realização, quando há a diferenciação e integração de esquemas de assimilação.
Assim, pode-se dizer que o pensamento é adaptado a uma realidade, quando ele
consegue, ao mesmo tempo, assimilar às suas estrutura elementos dessa realidade,
acomodando essas estruturas aos novos elementos que se apresentam, ou, nas palavras
de Piaget (1982): a adaptação é o equilíbrio entre a assimilação da experiência às
estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência (p.
157).
Observa-se então que, para Piaget (1964), o sujeito é um organismo que
possui estruturas e que, ao receber os estímulos do meio, dá uma resposta em função
destas estruturas. Ele chega a dizer que a resposta já existia , no sentido de que o
estímulo só será estímulo, se for significativo e será significativo somente se é uma
estrutura que permita sua assimilação, uma estrutura que possa integrar esses estímulos,
mas que ao mesmo tempo apresente uma resposta.
Assim, Piaget, procurando entender como essa estrutura age sobre o
estímulo para fornecer a resposta, baseia sua explicação justamente no processo de
equilibração por auto-regulação, que é, em sua opinião, o principal fator do como
desenvolvimento intelectual.

III. Desenvolvimento, Aprendizagem e Conhecimento


Piaget se propõe a estudar a gênese do conhecimento centrado na ação do
sujeito, ou de como se dá o desenvolvimento de sua inteligência, esta última é entendida
não como a faculdade de saber, mas como um conjunto de estruturas momentaneamente
adaptadas toda inteligência é uma adaptação (PIAGET, a física 1982, p. 162). Em
função disto, surge o questionamento sobre o que é a aprendizagem para a psicologia

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genética. Esta pergunta é respondida por ele, quando diferencia desenvolvimento e
aprendizagem:
Primeiro, eu gostaria de esclarecer a diferença entre dois
problemas: o problema do desenvolvimento e o da aprendizagem.
...desenvolvimento é um processo que diz respeito à totalidade das
estruturas de conhecimento. Aprendizagem apresenta o caso
oposto. Em geral, a aprendizagem é provocada por situações
provocadas por psicólogos experimentais; ou por professores em
relação a um tópico específico; ou por uma situação externa. Em
geral, é provocada e não espontânea. Além disso, é um processo
limitado limitado a um problema único ou a uma estrutura única.
Assim, eu penso que desenvolvimento explica aprendizagem, e esta
opinião é contrária à opinião amplamente difundida de que o
desenvolvimento é uma soma de experiências discretas de
aprendizagem. (PIAGET, 1964, p. 176).
Dessa forma, Piaget entende que o desenvolvimento é o processo essencial
que dá suporte para cada nova experiência de aprendizagem, isto é, cada aprendizagem
ocorre como função do desenvolvimento total, e não como um fator que o explica. Ele
restringe a noção de aprendizagem à aquisição de um conhecimento novo e específico
derivado do meio, diferenciando-a do desenvolvimento da inteligência, que
corresponderia à totalidade das estruturas do conhecimento construídas.
No entanto, como, para ele, o sujeito possui uma estrutura mental, essa
visão de aprendizagem difere da idéia associacionista, baseada no esquema estímulo-
resposta. Para Piaget, o indivíduo assimila o estímulo e, após uma interação ativa, emite
uma resposta, ou seja, o conhecimento adquirido não é devido a uma ação unilateral do
meio (estímulo) sobre o sujeito passivo, mas sim a uma interação nos dois sentidos: do
estímulo sobre o sujeito e ao mesmo tempo do sujeito sobre o estímulo. Vê-se, também,
que o conceito piagetiano de aprendizagem é diferente da maneira como o termo é
normalmente utilizado.
Em sua obra Aprendizagem e Conhecimento (PIAGET, 1974), ele
delineia de modo mais claro esses conceitos, classificando e discutindo os diferentes
modos de aquisição do conhecimento percepção, compreensão imediata,
aprendizagem no sentido restrito s. str., indução, coerência pré-operatória ou
equilibração e dedução - sob o ponto de vista genético. Destes, a aprendizagem no
sentido restrito s. str é a única forma de aquisição de conhecimento que se constitui
em forma de aprendizagem. A partir daí, chega aos conceitos de aprendizagem (s. str). e
aprendizagem no sentido amplo (s. lat.) e desenvolvimento.
A aprendizagem s. str., que corresponderia à maneira como a aprendizagem
é entendida no senso comum, é definida por Piaget (1974, p. 52) como aquela cujo
resultado (conhecimento ou desempenho) é adquirido em função da experiência ...do

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tipo físico, do tipo lógico-matemático ou dos dois . Entretanto, nem todo resultado
adquirido pela experiência se constitui em aprendizagem, pois, como ele diz na
seqüência, é necessário reservar o termo aprendizagem s. str. a uma aquisição em
função da experiência, mas se desenvolvendo no tempo, quer dizer, mediata e não
imediata como a percepção ou a compreensão instantânea (PIAGET, 1974, p. 53). Isto
é, trata-se de uma aquisição que evolui no tempo, no sentido de que o sujeito pode
chegar a compreender um evento, inferir sua lei de formação através de assimilações e
acomodações, construindo novos esquemas, mas que não são generalizáveis a qualquer
situação nova.
Já a aprendizagem s. lat é definida como ...a união das aprendizagens s.
str. e desses processos de equilibração (PIAGET, 1974, p. 54). Assim, a aprendizagem
s. lat. ocorre quando há uma aquisição de conhecimento em função da experiência de
forma mediata, havendo, ao mesmo tempo, o processo de auto-regulação, onde o sujeito
procura ter sucesso na sua ação ou operação. Como, pelo processo de equilibração, o
sujeito procura adaptar a sua estrutura cognitiva à realidade circundante - o que, em
essência, significa o desenvolvimento mental - quando ocorre a aprendizagem s. lat., ela
tende a se confundir com o próprio desenvolvimento.
Estas idéias são resumidas por Piaget (1974), quando afirma:
Encontramos assim..., a distinção necessária entre a aprendizagem
no sentido amplo e a aprendizagem no sentido restrito. O que é
aprendido s. str. nada mais é do que o conjunto das diferenciações
devidas à acomodação, fonte de novos esquemas em função da
diversidade crescente dos conteúdos. Em compensação, o que não é
aprendido s. str. é o funcionamento assimilador com suas
exigências de equilibração entre a assimilação e a acomodação,
fonte de coerência gradual dos esquemas e sua organização em
formas de equilibração, nas quais já discernimos o esboço das
classes com suas inclusões, suas intersecções e seus agrupamentos
como sistemas de conjunto. Mas, devido a essas interações entre
assimilação e a acomodação, a aprendizagem s. str. e a
equilibração constituem esse processo funcional de conjunto que
podemos chamar de aprendizagem s. lat, e que tende a se confundir
com o desenvolvimento. (p. 85-6).
Vê-se, pois, que, para Piaget, o conceito de aprendizagem é muito mais
abrangente do que o significado com que é normalmente utilizado. Ela não se esgota no
sentido restrito da experiência mediata, mas, juntamente com o processo de
equilibração, assume a dimensão do próprio desenvolvimento da estrutura cognitiva, o
que significa o crescimento biológico e intelectual do indivíduo.

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IV. Considerações Finais
Dessa forma, através da pesquisa no campo da Psicologia Genética, Piaget
aprofunda a questão sobre o que é desenvolvimento, como se dá a construção do
conhecimento pelo sujeito e do significado de aprendizagem. Estes aspectos podem
contribuir para a ampliação do debate sobre os objetivos do processo de ensino-
aprendizagem, em como sobre sua fundamentação teórica, para subsidiar o
estabelecimento de diretrizes educacionais.
Assim sendo, estes temas são de interesse e, professores envolvidos na
prática pedagógica diária, além de professores que estejam também envolvidos na
sistematização dos resultados dessa prática, através da pesquisa em Ensino de Física
relacionada ao estudo dos modos de raciocínio apresentados por estudantes no
desenvolvimento de atividades de conteúdo específico, bem como na investigação sobre
mudança conceitual entendida como processo de construção de conhecimento no
contexto escolar.

V. Bibliografia Consultada
FERRACIOLI, L. (1986) Concepções Espontâneas em Termodinâmica: Um Estudo em
um Curso Universitário, Utilizando Entrevistas Clínicas. Porto Alegre, Curso de
Pós-Graduação em Física do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Diss. mestr. ensino de física.

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[La Psychologie de L Enfant, 1966]

PIAGET, J. Development and Learning. Journal of Research in Science Teaching,


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Aprendizagem e Conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974.
[Apprentissage et Connaissance, 1959]

PIAGET, J. O Desenvolvimento do Pensamento: Equilibração das Estruturas


Cognitivas. Lisboa: Dom Quixote, 1977. [L 'Equilibration des Structures
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Ferraciolo, L. 189
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
[Psychologie et Pédagogie, 1969]

PIAGET, J. Psicologia da Inteligência. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. [La Psychologie


de L Intelligence, 1956]

Anexo 1: Algumas Publicações da Obra de Piaget


A apresentação de alguns títulos da obra de Piaget tem o objetivo de
exemplificar e esclarecer a dimensão de seu trabalho. A lista apresentada é baseada no
livro Piaget e a Escola de Genebra da Professora Luci Banks Leite, publicado pela
Cortêz Editora em 1987.
As publicações são apresentadas em francês para oferecer um panorama
cronológico original das obras. Quando houver a tradução para o português, a obra é
apresentada entre colchetes, com a tradução do título, editora e data de publicação, para
que se tenha uma idéia da evolução das publicações de Piaget no Brasil.

Psicologia Genética
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São Paulo: Pioneira, 1976]

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PIAGET, J. Les Mécanismes Perceptifs. Paris: PUF, 1961.

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PIAGET, J.; INHELDER, B. L Image Mentale chez L Enfant. Paris: PUF, 1966. [A
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de Janeiro: Arte Nova, s.d.]

PIAGET, J. La Prise de Conscience. Paris: PUF, 1974. [A Tomada de Consciência.


São Paulo: EDUSP/Melhoramentos, 1974]

PIAGET, J. Réussir et Comprendre. Paris: PUF, 1974. [Fazer e Compreender. São


Paulo: EDUSP/Melhoramentos, 1978]

PIAGET, J. Le Possible et le Nécessaire 1. L Évolution des Possibles chez l Enfant.


Paris: PUF, 1981. [O Possível e o Necessário. Vol. 1: Evolução dos Possíveis na
Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985]

PIAGET, J. L Évolution des Nécessaires chez l Enfant. Paris: PUF, 1983. [O


Possível e o Necessário. Vol. 2: Evolução do Necessário na Criança. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1986]

PIAGET, J.; GARCIA, R. Psychogenèse et Histoire des Sciences. Paris: Flammarion,


1983. [Psicogênese e História da Ciência. Lisboa: Don Quixote, 1985]

Lógica e Epistemologia Genética


PIAGET, J. lntroduction a L Épistemologie Génétique et Connaissance Scienti-
fique. Paris: PUF, 1950.

PIAGET, J. Logique et Connaissance Scientifique. Dijon: Gallimard, 1967. [Lógica e


Conhecimento Científico. Porto: Livraria Civilização, 1981]

PIAGET, J. Épistémologie des Sciences de l Homme. Dijon: Gallimard, 1970.

PIAGET, J. L Épistémologie Génétique. Paris: PUF, 1970. [Epistemologia


Genética. Petrópolis: Vozes, 1971. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1978]

Estudos de Epistemologia Genética/Études d Épistémologie Génétique


São cerca de trinta volumes relatando a pesquisa de Piaget e colaboradores. Dentre
esses, pode-se citar:

192 Cad.Cat.Ens.Fís., v. 16, n. 2: p. 180-194, ago. 1999.


Volume II - Logique et Équilibre, 1957.

Volume V - La Lecture de l Expérience, 1958.

Volume VII L Apprentissage et Connaissance, 1958. [(com P. Greco) Aprendizagem


e Conhecimento. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1974]

Volume XVIII L Épistémologie de l Espace, 1964.

Volume XX L Epistémologie du Temps, 1966.

Volume XXII Cybernétique et Épistémologie, 1968.

Volume XXV Les Théories de la Causalité, 1971.

Volume XXVII La Transmission des Mouvements, 1972.

Volume XXIX La Formation de la Notion de Force, 1973.

Volume XXX La Composition des Forces et le Problème des Vecteursk, 1973.

Volume XXXIII L Equilibration des Structures Cognitives. Problèmes Central du


Développement, 1975. [Equilibração das Estruturas Cognitivas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1976; O Desenvolvimento do Pensamento. Equilibração das Estruturas
Cognitivas. Lisboa: Dom Quixote, 1977]

Textos Sobre Temas Educacionais e Obras Síntese


PIAGET, J. Psychologie et Pédagogie. Paris: Denoël, 1969. [Psicologia e Pedagogia.
Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1970]

PIAGET, J. Ou va l Education? Paris: PUF, 1972. [Para Onde Vai a Educação? Rio
de Janeiro: José Olympio, 1973]

PIAGET, J. La Psychologie de l Intelligence. Paris: Colin, 1943. [A Psicologia da


Inteligência. Rio de Janeiro: Zahar, 1958; Fundo de Cultura, 1967]

Ferraciolo, L. 193
PIAGET, J. Six Études de Psychologie. Genève: Gonthier, 1964. [Seis Estudos de
Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1967]

PIAGET, J.; INHELDER, B. La Psychologie de l Enfant. Paris: PUF, 1966. [A


Psicologia da Criança. São Paulo: Difel, 1968]

Agradecimento
Gostaria de agradecer às professoras Luci Banks Leite e Dominique
Colinvaux e ao Professor Antonio Carlos Ortega pelos comentários sobre o texto
original deste artigo.

194 Cad.Cat.Ens.Fís., v. 16, n. 2: p. 180-194, ago. 1999.

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