Antologia Da Poesia Paulista - Domingos Carvalho Silva, Oliveira Rebero Neto, Pericles

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ANTOLOGLA
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DA PORSTA.
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OF
ARIZONA
LIBRARY

LQ
This Volume
Presented to the Library
by

John A. Nist

1962

iii Tre st
AEs Bre
fag ico
e e capa de
Vdgar Koetz
PREFACIO

A elaboracdo e publicagdo, pela Comisséo Esta-


dual de Literatura, do Conselho Estadual de Cultura,
de uma antologia de poetas de Séo Paulo nao se
condiciona ao reconhecimento da existéncia de wma
poesia paulista paralela & poesia brasileira, ou iso-
lada, dentro desta. A poesia brasileira é uma s6,
e nem mesmo as manifestacées literdrias regionalis-
ticas, préprias de alguns Estados, chegam a signi-
ficar mais do que simples faces da estrutura da
lirica nacional.
Poder-se-@ dizer, portanto, que uma antologia de
poetas paulistas é desnecessdria, pois os nomes ex-
pressivos da poesia de Sdo Paulo ja figuram nas
antologias e coleténeas de amplitude nacional. E
que é supérflua, pois, néo tendo Sdo Paulo uma lite-
ratura regionalista, ndo hd realmente o que possa
distinguir e caracterizar uma antologia paulista.
A Comisséo E'stadual de Literatura nao deixou
de ponderar tais aspectos do problema. Entretanto,
concluiu pela necessidade e pela oportunidade da pu-
blicacéo da Antologia. Vdrias razdes, tédas elas
vilidas, levaram-na a essa concluséo. Os poetas
paulistas que geralmente, e em restrito nimero, figu-
ram nas antologias nacionais, oferecem um quadro
expressivo mas limitado do panorama e da evolugdo
da poesia de Séo Paulo. Por outro lado, tais anto-
logias néo contemplam habitualmente certos nomes
gratos & tradicéo da lirica paulista e significativos
no quadro de sua evolugéo; entre tais nomes podem
ser mencionados os de Paulo Eir6, Anténio de Goddi,
Gustavo Teixeira e Ricardo Goncalves.
A elaboracdéo de uma antologia de poetas de Sao
Paulo criou dois problemas aos organizadores da
4 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

coletanea; o primeiro era a delimitagdéo da poesia


paulista no tempo. Numa das sessdes do IV Colé-
quio de Estudos Luso-Brasileiros defendeu o Sr.
Afrdnio Coutinho a tese de que a literatura brasileira
comeca com o primeiro documento literario redigido
no Brasil: a carta de Pero Vaz Caminha; e acres-
centou que nado hé sentido na expressao “literatura
colonial’: a literatura néo é um problema de estru-
tura juridica ou econémica. Tais afirmagées coinci-
dem com a posicéo j4 anteriormente tomada pelos
organizadores desta coleténea, que consideram pau-
lista a poesia escrita por Anchieta para ser cantada
pelos catectiimenos do Colégio de Sado Paulo de Pira-
tininga.
O segundo problema era a definicdo de poeta
paulista. O critério de nascimento é também juri-'
dico, ou geografico, mas nao literdrio. Tal critério
excluiria Apollinaire e Lautreamont das antologias
francesas e Gonzaga das antologias brasileiras. Poe-
tas paulistas sao, historicamente, todos aquéles que
fizeram em Sado Paulo a sua carreira literdria e que
participaram mais ou menos intensamente do movi-
mento literdrio de Sdo Paulo. Este é por exemplo
o caso de José Bonifacio, o Moco, de Fagundes Va-
rela e Tedfilo Dias. Abuso seria porém anexar a
poesia de Sdo Paulo aquéles que, apenas acidental-
mente, ou temporariamente, aqui se detiveram, como
um Frei Francisco de S. Carlos — que lecionou du-
rante cinco anos no Semindrio de S. Bento — um
Castro Alves, um Félix da Cunha e um Bilac, que
freqtientaram as Gerais da velha Faculdade de Di-
reito.
Por motivos de ordem pratica, decidiu a Comis-
sao de Literatura dividir a Antologia em duas par-
tes; a primeira, que integra o presente volume, com-
preende téda a poesia anterior ao movimento mo-
dernista; a segunda, a ser editada oportunamente,
compreendera a poesia dos expoentes do modernismo
de 1922 e anos posteriores, e a que veio depois, dire-
ta ou indiretamente influenciada pela nova corrente
de idéias estéticas. Isto explica o fato de constarem
déste primeiro volume os poetas Moacir Piza, Paulo
Goncalves e Jorge Faleiros, nascidos depois de 1890,
e nao constarem — por exemplo — Oswald de An-
drade e Mario de Andrade, nascidos antes de Jorge
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 5

Faletros. Oswald, Mario e outros poetas da sua ge-


racao deverdo ser incluidos na segunda parte da
Antologia.
A selegdo dos poetas e dos poemas que constam
do presente volume, bem como a elaboracdéo das no-
tas biobibliogrdficas que os acompanham, foi confia-
da em fins de 1958 pelo entéo fundador e presidente
da Comissdo Estadual de Literatura, Sr. Israel Dias
Novais, a quatro membros da Comisséo. Ao autor
déste prefdcio coube a parte que compreende desde
Anchieita a Anténio Mariano de Azevedo Marques,
ultimo poeta nascido no século XVIII; ao Sr. Oli-
veira Ribeiro Neto coube a parte que compreende
os poetas nascidos no século XIX, até 1849; ao Sr.
Péricles Eugénio da Silva Ramos, a que compreende
os poetas nascidos de 1850 a 1874; da parte restante
— de 1875 até o fim do volume incumbiu-se, poste-
riormente, a Sra. Renata Pallottini. Mas a poetisa
de “A Casa” nao péde concluir a sua tarefa antes de
se ausentar da Comissdo por ter viajado para o ex-
terior; e coube em conseqiiéncia ao autor déste pre-
fdcio suceder em sua missdo a D. Renata Pallottini,
aproveitando os resultados da pesquisa 74 iniciada
pela distinta escritora. A responsabilidade pela se-
lecdo de autores e poemas e pela redacdo das notas
ficou portanto assim discriminada: de Anchieta a
Antonio Mariano: Domingos Carvalho da Silva; de
Francisco Bernardino Ribeiro a Brasilio Machado,
Oliveira Ribeiro Neto; de Teofilo Dias a Anténio
de Godéi, Péricles Eugénio da Silva Ramos; e de
Amadeu Amaral a Jorge Faleiros, Domingos Carva-
lho da Silva.
E necessario dizer, porém, que os trés co-autores
déste volume trabalharam @ base de consultas reci-
procas, e estabeleceram entre si determinados crité-
rios referentes ao nimero de poemas atributdo a
cada poeta e ao nimero de poetas de cada fase his-
térica da poesia paulista. Decidiram também nao
fazer qualquer apreciacao critica nas notas biobiblio-
graficas, pois a importéncia de cada poeta traduz-se
no nimero de poemas, ou de paginas, concedidos a
cada um, nesta coletdnea.
Seria exagerado pretender que, pela primeira
vez, uma antologia fésse definitiva ou isenta de
defeitos.
ANTOLOGIA DA PorsIA PAULISTA

A Comisséo Estadual de Literatu


ra esté cons-
ciente de que esta coleténea pode
ra sofrer retoques
em futuras edigdes e nao escapard
ds objecées da
critica. Entretanto ninguém poder& com
acusd-la de ter se afastado de um justica
critério de estrita
andlise e valorizagao literéria na esco
lha dos poetas
e dos poemas aqui contemplados.
Nao seria justo, finalmente,
omitir aqui os
agradecimentos da Comisséo Esta
dual de Literatura
ao Governador Carlos Alberto
de Carvalho Pinto,
é ao Dr. Marcio Ribeiro Porto,
Secretério de Estado
dos Negécios do Govérno e Pres
idente do Conselho
E'stadual de Cultura, pelo apoio
dado as iniciativas
desta Comisséo no campo editorial,
apoio que tornou
possivel a publicacéo déste e
de numerosos outros
livros.

DOMINGOS CARVALHO DA SILVA


PRESIDENTE DA CoMIssAo EstADUAL
DE LITERATURA
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2UUAI a.
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JOSE DE ANCHIETA

José de Anchieta nasceu em S. Cristébal de La


Laguna, nas Candrias, em 19-3-1584. Seu pai, Juan
de Anchieta, era biscainho de Guipiiscoa. Em 1551
ingressou no Colégio dos Jesuitas, em Coimbra. Em
1553 veto para o Brasil, chegando a S. Vicente em
dezembro daquele ano, e um més depois estava ao
lado do padre Manoel da Noébrega quando éste fun-
dou o Colégio de S. Paulo (25-1-1554). Dedicou-se
a catequese dos indigenas, tendo aprendido logo sua
lingua, que estruturou numa gramdtica. Colaborou,
em 1567, para a expulsdo dos franceses do Rio, exer-
cendo nos dez anos seguintes varias funcdes em S.
Vicente. Em 1578 recebeu a patente de Provincial
na Bahia, &@ qual renunciou em 1585, por doenca.
Como provincial, visitara Pernambuco, S. Vicente, e
fixara-se no Rio. Apds a reniincia, fixou-se em Re-
vitiba (Espirito Santo), onde morreu em 1597. (Re-
vitiba é a atual Anchieta.) Hscreveu, em portugués,
castelhano e tupi, autos e poesias de orientacdéo mo-
ralista e religiosa, destinados a obra de catequese.
Entre as edicées da obra remanescente de Anchieta,
destaca-se a da Sra. Maria de Lourdes de Paula
Martins, publicada, em 1954, pela Comissdo do IV
Centenario da Cidade de Séo Paulo. Sob o ponto
de vista histé6rico-literdrio, Anchieta fot, no Brasil,
um seguidor de Gil Vicente, sendo portanto na Amé-
vica um representante isolado da poesia portuguésa
anterior a escola italiana introduzida por Sd de
Miranda.
ANTOLOGIA DA PorsIa PAULISTA

A SANTA INES
I
Cordeirinha linda,
como folga 0 povo
porque vossa vinda
Ihe da lume novo.

Cordeirinha santa
de Jesu querida
vossa santa vinda
o diabo espanta
por isso vos canta
com prazer 0 povo
porque vossa vinda
Ihe da lume novo.

Nossa culpa escura


fugira depressa
Pois vossa cabeca
vé com luz tao pura
vossa fermosura
honra é do povo
porque vossa vinda
Ihe da lume novo.

Virginal cabeca
pola fé cortada
com vossa chegada
ja ninguém pereca
vinde mui depressa
ajudar ao povo
Pois com vossa vinda
lhe dao lume novo.

Vos sois cordeirinha


de Jesu fermoso
mas 0 vOsso espdso
ja vos f€z rainha
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 11

também padeirinha
sois de nosso povo
pois com vossa vinda
lhe dais lume novo.

Nao é de Alentejo
éste vosso trigo
mas Jesu amigo
é vosso desejo
morro porque vejo
que éste nosso povo
nao anda faminto
déste trigo novo.

Santa padeirinha
morta com Cutelo
sem nenhum farelo
é vossa farinha
ela é€ mezinha
com que sera 0 povo
que com vossa vinda
tera trigo novo.

O pao que amassastes


dentro em vosso peito
é o amor perfeito
com que a Deus amastes
déste dais ao povo
por que deixe o velho
polo trigo novo.

Nao se vende em praca


éste pao de vida
porque é comida
que se da de graca
6 preciosa massa
6 que pao tao novo
que com vossa vinda
quer Deus dar ao povo.

O que doce bolo


que se chama graca
quem sem éle passa
é mui grande tolo
ANTOLOGIA DA Porsia PauistTa

homem sem miolo


qualquer déste povo
que nao é faminto
déste pio tao novo.

(Poesias — Ed, de Maria de Lourdes de


Paula Martins — Comissdo do IV Centen4drio
de
Sdo Paulo — 1954)

DA RESSURREICAO

O mae sempre virgem, 6 virgem fecu


nda
Com novos prazeres cantamos o
Ave
Com que quis fechar-se no vosso conc
lave
O Verbo do padre pessoa segunda.

De novo Senhora receba vossa alma


O Ave segundo com nova alegria
Pois o que foi morto com grande alegria
A morte vencida ressurge com palma.
As chagas cruentas das mdos deli
cadas
Vém mais rubicundas que tdda-l-as
rosas
Para que por elas se tornem ferm
osas
As almas que foram da culpa afeiadas.

O peito sagrado com langa rompido


Que para vossa alma foi bravo
cutelo
Com raios de gléria ressurge tao
belo
Que tem vossas dores de todo
vencido.
O Madre de vida pois tendes tal
dia
Fazei nos dar vida, que mortos
jazemos
E livres da morte com Jesu
tornemos
A vida da gtaca com toda alegria.

(Ibidem)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 13

DIOGO GRASSON TINOCO


De Diogo Grasson Tinoco sao ignorados o local
e€ 0 ano do nascimento; o seu nome pode ser um
simples anagrama ou pseuddnimo. Swupde-se que
tenha sido paulista, ou pelo menos que tenha mo-
rado em Sdo Paulo. Em 1689 escreveu um poe-
ma em oitava rima sébre o descobrimento das esme-
raldas, exaltando a figura de Ferndo Dias Pais. Nao
se sabe como, muitos decénios mais tarde, 0 manus-
erito désse poema fot parar as mdos de Claudio Ma-
noel da Costa, que o mencionou no “Fundamento
Histérico” do seu poema “Vila Rica’. O destino de
tal manuscrito é também ignorado, nada se conhe-
cendo do poema de Tinoco além das quatro estrofes
transcritas por Claudio.

DO POEMA SOBRE O DESCOBRIMENTO DAS ESMERALDAS


ESTANCIA IV
Isto suposto, ja para a jornada
Manda a patria buscar, quanto a seu cargo
Incumbe, pois que a fabrica guiada
Destruida se vé do tempo largo,
Determina a fiel consorte amada
Que a nada, do que pede, ponha embargo,
Inda que sejam por tal fim vendidas
Das filhinhas as joias mais queridas.

ESTANCIA XXXV
Parte enfim para os serros pertendidos,
Deixando a patria transformada em fontes,
Por térmos nunca usados, nem sabidos,
Cortando os matos, e arrasando montes,
Os rios vadeando mais temidos
Em jangadas, canoas, balsas, pontes,
Sofrendo calmas, padecendo frios
Por montes, campos, serras, vales, rios.
(Obras Poétticas de Claudio Manoel da Cos-
ta — Tomo |! — Garnier — Rio — 1903)
14 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

ALEXANDRE GUSMAO
Alexandre Gusmdo nasceu em Santos, em 1695.
Diplomata e politico, prestou, junto ao govérno
de Lisboa, grandes servicos ao Brasil. Foi, em 1750,
um dos principais responsdveis pelo Tratado de Ma-
drid, que fizou os limites territoriais entre Portug
al
ea E'spanha, na América do Sul. Grande parte de
sua obra perdeu-se num incéndio; outra perma
nece
inédita. Gusmao, que foi irmdo do Padre Bartolo-
meu Lourenco, inventor do aerdstato, morreu
em
1753. Em 1841 foi publicado no Pérto um volume
do poeta santista, sob o titulo: “Colecdo
de Varios
E'scritos Inéditos Politicos e Literdrios’’,

ECLOGA
Pastora a mais fermosa e desumana
Que fazes de matar-me alarde e gosto,
Como é possivel que a um tio lindo rosto
,
Unisse o Céu uma alma tio tirana?

Cruel, que te fiz eu, que me aborreces?


Tens duro 0 coracio mais que um roch
edo;
Sou tigre, sou ledo, que méta médo
,
Que apenas tu me vés, desapareces?

Por ti tao esquecido ando de tudo


,
Que o gado no redil deixei faminto;
O sol me fere a prumo, e nao o sinto
,
A ovelha esta a chamar-me, e nao lhe acudo.

La vai o tempo ja que em baile e canto,


Eu era no lugar o mais famo
so;
Agora sempre aflito e pesaroso
,
Tudo o que sei é desfazer-me
em pranto.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 15

Ha pouco que encontrei alguns pastéres,


Que vao comigo ao monte apds o gado,
E nao me conheceram de mudado,
Que tal me tém parado os teus rigores!
One 6iee. 6 ShSes ae 0 De aie siciage p a bv ase a5 cles > a are aa

Nao sei que nuvem trago neste peito


Que tudo quanto vejo me escurece;
A flor do campo parda me parece,
E até o mesmo Sol acho imperfeito.
WA Ae SW WS Ge |, Ole Oud 6 e we Gis Bl dis- 6 % Bue. 0 We te 0

O mal que me sucede eu o mereco,


Que ingrato desprezei quem me queria;
Agora se me vé faz zombaria,
Que bem vingada esta no que eu padeco.

Nao me desprezes, nao, gentil pastora,


Que igual castigo Amor talvez te guarda;
N§o sejas a piedade avéssa e tarda;
Tem do de maltratar a quem te adora.
(Parnaso Brasileiro de J. M. Pereira da
Silva — Rio — 1843)

A JUPITER SUPREMO DEUS DO OLIMPO


Nume que tens do mundo o regimento,
Se amas o bem, se odeias a maldade,
Como deixas com prémio a iniqtidade,
E assocobrado o sao entendimento?
Como hei de crer que um imortal tormento
Castigue uma mortal leviandade?
Que seja ciéncia, amor ou piedade
Expor-me ao mal sem meu consentimento?
Guerras cruéis, fanaticos tiranos,
Raios, tremores e as moléstias tristes,
Enchem o curso de pesados anos;
Se és Deus, se isto prevés, e assim persistes,
Ou nao fazes apréco dos humanos,
Ou qual dizem nao és; ou nao existes.
(Colecio de Varios Escritos Inéditos Polf-
ticos e Literdrios)
16 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

SALVADOR NARDI DE VASCONCELOS NORONHA


Salvador Nardi de Vasconcelos Noronha nasceu
talvez no sul do atual Estado de Sado Paulo, ai por
17238, e era filho do cap. Francisco Nardi de Vascon-
celos e de Paulina Arzdo. Seus filhos emanciparam-
-se em 1770 em Sorocaba e um déles, Francisco Mar-
celino, em 1775 ja era capitéo, em Paranapanema.
Outro (Carlos Maria) casou-se em Itu em 1790.
Pouco mais se sabe do sargento-mor poeta que, em
1791, féz parte da Academia do Senado da Cémara
de Sao Paulo, reunida para festejar a inauguracao
de obras publicas realizadas pelo governador da
Capitania, Bernardo José de Lorena e que, em 1796,
ainda era vivo e pertencia a Camara de S. Paulo.

AO ILMO. E EXMO. SENHOR BERNARDO JOSE DE LORENA


GOVERNADOR E CAPITAO GENERAL DESTA CAPITANIA E
CIDADE DE SAO PAULO DE PIRATININGA
(EXCERTO)
Heliconia deidade
Que regeis da Aganipe o coro santo,
E grata suavidade ;
Nos votos inspirais, regei meu canto,
Ponde tal consonancia em minha lira,
Que ser de Orfeu a citara se infira.
Eu sei que nao mereco,
Por mim sé conseguir favor tao alto:
Mas o sublime preco
Do ilustre digno herdi com que me exalto,
Quando empreendo louvar seu nobre Peito
Supre minha indigéncia meu defeito.
I

ea rtinte ONO TSO S NaH SORTS Que) (Qu Oe ae See 3

Lorena a Jove imita


Em seu proceder justo, reto intento;
Merega eu pois a dita
De aqui hoje erigir-lhe um Monumento,
Por vés délfico Numen inspirado,
Se desde j4 nao for por vés cantado.
1

ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA : 17

Pois so de vés é digno


E désse coro excelso e luminoso
Aquéle Heréi divino,
Que o puro céu benéfico e piedoso
Destinou para bem da humanidade,
Para gloria imortal da nossa idade,
Reh Se Ss ew bh Ree e ey, Bie gS 0 3 Bar ee Re SD 6 6) 4R6) 0. «us.

Tu cara Paulistana
Tu que gozando estas dos beneficios,
Regozijosa e ufana,
Entre faustos benéficos auspicios
De mais completo bem que inda te espera,
Dize quem mais em te exaltar se esmera?

N4o obstante em teu seio


Ter o Céu posto aurifera riqueza
Eu te vi sem asseio,
Sem alinho, sem pompa, sem grandeza,
Com um pobre penacho mal tecido,
De pés descalgos, rosto enfim abatido.

Qual misera cativa


Que entrega a seu senhor quanto industria,
E com suor cultiva,
Ovelha que a bem de outrem a 14 cria
Oiro te vi oferecer nas ricas veias
SO para enriquecer terras alheias.

Outra te vejo agora


Outras honras gozando, outro respeito:
Vejo-te qual senhora
Teus efeitos dispondo em teu proveito.
E quem produz em ti tal diferenga?
Quem dia e noite em tua gloria pensa.

Com obras manifestas


Que Lorena é éste herdi que te levanta
Tu mesma nos atestas:
Quanto em abono seu ja a fama canta
Comprova-o tu com fatos existentes,
Com ésses infelizes pretendentes.
CH ee Ter en Crh, ak et ree eth ner a Crs, W OTTERS 6 6S See a wn eS Oe 8 Hw
18 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA
munmniinnteiriuaiebee
Sei tiS Niitnsae REE ek

As obras das calcadas,


Do chafariz, e as mais que se meditam,
Além das ja acabadas,
Que a admiracio e pasmo nos excitam,
E a Lorena, e seus altos pensamentos
Hao de servir de eternos Monumentos.

Mostra os amplos caminhos,


Tao diversos ja do que eram de antes
Os teus mares vizinhos
Cobertos de industriosos navegantes
Com os quais os teus géneros trocando,
Te vas com fércas novas alentando.

Essa serra elevada,


Que no cume as estrélas desafia,
E dificil entrada
Ao triste caminhante permitia,
Tornada ja em livre e ameno passo
Aonde nao se encontra algum embaraco.

As perfumadas minas
Pelo impulso das Aguas escavadas,
Cujas grossas ruinas
Sao hoje com dispéndio reparadas,
Que os passados descuidos manifestam,
E o teu melhoramento nos atestam.

Mostra os teus edificios,


Disputando igualdade no opulento
Aos célebres Egipcios;
O soberano real Quartelamento
De adérno singular, forma elegante,
Que do Tempo sera sempre triunfante.
Shi8 © See \leriear sa ellelivi ian alietleltai ei
atamaterte EC TED OCI OE Cy Metis le) Ride CUCHICN CINE

Mostra... mas onde Musa


Vais terminar teu v6o acelerado?
Teme cair confusa
Em um mar que jamais ser4 sonhado,
De Lorena os louvores, quanto a mim,
E facil comegar, mas nao dar fim.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 19

FE alheia desta acio, ‘


Em que louvar o nosso herdi procuras,
Difusa narracao:
Se temeraria a tanto te aventuras,
Converte o canto teu em epopéia
Ou deixa o mais a mais sublime idéia.

(Poetas da Academia do Senado da Cama-


ra de Sao Paulo — Clube de Poesia — 1956).
20 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

FREI FELISBERTO
Felisberto Belém de Andrade, que também
usou 0 nome de Felisberto da Conceicéo Lara e Mo-
raes, nasceu em Sdo Paulo, em 1739. Recebeu or-
dens na Bahia e ocupou varias vézes o cargo de
prior. Adotou o nome religioso de Frei Felisberto
de Santo Anténio, que mudou mais tarde para Frei
Felisberto Anténio da Conceicéo Belém. Foi monge
beneditino e participou da Academia reunida em Sao
Paulo em 1770. Em 1798 foi eleito presidente do
Mosteiro de Sorocaba, onde morreu no ano seguinte.
Informacées biogréficas obtidas por intermédio de
D. Mauro Haag O. S. B..

AS PARTES COM QUE SE FEZ MAIS ILUSTRE O ILUSTRISSIMO


SR. GENERAL LUIS ANTONIO E SOUSA
A grande mao do todo-poderoso,
Nobre Luis, convosco tem mostrado
Amante, liberal o seu cuidado,
Fazendo-vos em tudo portentoso.

Nas letras e nas armas mui ditoso,


No sangue, nas riquezas invejado,
Sempre nos postos tem condecorado
Vosso nome na terra mui famoso.

Inda nao é€ satisfeita a mao Divina


Os tesouros do Céu vos pée patente
Na aparigao de Ana Peregrina;

Mas se escolhido sois do Onipotente,


Gozai feliz na terra tao benigna
Frutos, que aos seus prepara o Céu fulgente.

(Extrafdo da cépia dos manuscritos da Aca-


demia de 1770, pertencente ao Sr. J. F.
de
Almeida Prado)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 21

REFERE UM PASTOR A OUTRO O MISTERIOSO SONHO, EEXECUCAO


DELE NAS POMPOSAS FESTAS, COM QUE © ILMO. E EXMO.
SENHOR COLOCOU A SRA. S. ANA, CONVIDANDO-O
TAMBEM PARA O FESTEJO
(ECLOGA)
ESTROFE 17

Trés dias de argolinha que correram


Nas canas, laranjinhas bem mostraram
Que os Pastéres de gdésto se fizeram
Eminentes nas sortes se intentaram:
No jogo do Cajado desfizeram,
O da Luta, e da funda desprezaram
Que por usuais serem ca no monte
Nao querem que entre os mais déstes se conte.

ESTROFE 19

Diz que agora so falta a Academia,


Para a qual os Pastéres empenhados
De Apolo procuravam cada dia
Serem filhos, amigos sO chamados;
Apolo, aquéle que com melodia
Entre os nossos Pastéres ja passados
De Admeto Rei o gado bem guardava,
E aos nossos Os versos ensinava.
(Ibidem)
22 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

FRE! RODOVALHO
Antonio de Melo Freitas nasceu em Taubaté,
em 1740 ou pouco depois e, em 1762, professou no
Convento de S. Francisco, em S. Paulo. Participou,
como poeta, da Academia de 1770 e também da Aca-
demia de frades reunida no Rio para comemorar o
casamento do principe D. Jodo (mais tarde D. Joéo
VI) com a princesa Carlota Joaquina, realizado em
1785. Melo Freitas, que foi irmdo do padre incon-
fidente Carlos Correia de Toledo e Melo, adotou na
vida eclesidstica 0 nome de Frei Anténio de Santa
Ursula Rodovalho. Morreu em 1817.

DIALOGO
RECOLHE-SE O PASTOR ALCINO DA CIDADE PARA A SUA CABANA,
E DA NOTICIAS A GIL SEU COMPANHEIRO DAS FESTAS
CELEBRADAS NESTES DIAS
(EXCERTOS)
Alcino:
Ora gracas a Deus que sou chegado:
€ muito triste cousa andar por fora:
nao passei um sd dia sossegado.
Mas ainda assim eu nao me vinha embora ,
se os folguedos nao ficaram acabados:
quase oito dias tive de demora?
Mas quantos mereceram mil cuidados!
Tudo desconheco, tudo estranho,
até os campos parece estio trocados?
Que novas acharei do meu rebanho?
Eu suponho que tudo esta perdido;
ja sei, que as perdas sAo todo o meu ganho.
SE UIOn 2)-)80 918!" (6% 0.0) a5fe)18!Re feilell o:cetantarta
t tomers ®)"n4e) [€)76 cm.) 0)ceive) is) (ele! _witsiieiteltsiitice

Aqui estao umas cabras no terreiro!


Ali vejo deitada uma ovelhinha!
FE 14 berra no Campo ainda um carneiro.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 23

Ora grande desgraca foi a minha


em ficar na cidade divertindo
sem vir ver 0 que tanto me convinha.

Gil:

Alcino, agora vens? sejas benvindo,


muito tarde saiste da Cidade.
pois eu estava ja quase dormindo,
Mek eS .6 Oe te See Sek ee ee eb ese Re! (© Se 6. ease le

Bste gado nao é teu! Ha uma hora


que tudo recolhi, e sem perigo
tem estado o rebanho até agora.
Sree ee we ee Ge ae es oe Che alias bee F ob 6 ees

Alcino:

Neste dia, que foi delicioso


uma comédia foi representada
com aparato em tudo majestoso.
No outro dia fizeram cavalhada.
Outras comédias mais foram fazendo
com que a festa ficou tao prolongada.
Eu que tudo, Gil, andava vendo
por lograr déstes gostos nos meus anos
tudo queria ver, nada perdendo.
Outra cavalhada os Parnaibanos
oferecem também no sexto dia,
em que Lustres houveram soberanos.
Finalmente, Gil, dizem que havia
cuja nao pude ver por vir-me embora
uma elegante e douta Academia.

(Extrafdo da cépia dos manuscritos da Aca-


demia de 1770, pertencente ao historiador e
biblidfilo J. F. de Almeida Prado)
24 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

ANTONIO JOSE VAZ


Antonio José Vaz, poeta nascido em meados
do século XVIII na cidade de Séo Paulo. Fo
coronel de milicias e proprietério rico. Publicou:
em 1810, no Rio, um céntico “A Deus Onipotente”’
etc.; em 1812, na mesma cidade, um “EH picédio”’; em
1816, um opisculo: “Na Sentida Morte de S. M. Fi-
delissima, a Senhora D. Maria I’. Morreu em 1823.
Como se vé, em 1791 pertencia ao Senado da Caémara
de Sdo Paulo, tendo sido secretario da Academia pro-
vavelmente organizada por sua iniciativa. As divi-
das até agora existentes quanto a naturalidade de
Anténio José Vaz desaparecem diante do verso “E
tu, 6 Paulicéia, Patria amada’, constante da “‘Can-
cao” de sua autoria, abaixo trancrita.

CANCAO

Nao canto aquéle que pensou da guerra


O fulminante raio
Aos utltimos confins levar da terra
Sem horror, sem desmaio,
Que nao incensa a Musa Americana
Herdis da Grega, mas da Mantuana.

Caliope sagrada, tu me assiste


Com frase harmoniosa,
Qual aquela, que do Latino ouviste
Na tuba sonorosa,
E nos meus versos tanta fércea inspira,
Que um pio Enéias meu herdi se infira.

O herdi que eu canto, em suas veias


Pulsa o nobre sangue
Dos que tremer fizeram as ameias
Da Mauritania exangue;
Porém que herdando tanta heroicidade
Da paz somente adora a Divindade.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 25

Fastosa Roma, os tempos suspirados


Dos Césares, e Augustos,
Que em o teu Capitdlio assinalados
Em marmores, e bustos,
Deixar quiseste por maior memoéria
Devem ceder ao nosso tempo a gloria:

E tu 6 Paulicéia, 6 Patria amada,


Que gozas a ventura
De ser tao sOmente governada
De Tito na dogura,
Sacode o teu cabelo agora ufano
Co’o vistoso penacho Americano,

Conserta as belas roupas aljofradas


Ha tempo flutuantes,
Deixa velas de oiro recamadas,
Topazios, e brilhantes ;
Que éste obséquio é devido ao grao Lorena,
Que te rege no amor, na paz serena:

Se algum dia os teus filhos resolutos


Em tempos mal seguros,
E a despeito dos barbaros mais brutos
Vagantes Palinuros
Dos sertées descobriram altas minas,
Mostrem-nas hoje dentro das campinas;

Veras que gloriosas recompensas


Lhes guarda o bom Lorena;
Olha as obras magnificas imensas,
Que em teu regaco ordena;
Ha o aqueduto, as ruas, e os caminhos
Livres de abrolhos, livres ja de espinhos.

Olha quanto lhe deve éste Senado


Por tua seguranca:
Nao tens ja que temer, tens arrojado
Em Africa u’a langa:
Tens os réus em custédia, em casa forte,
Descansa Astréia 4 sombra de Mavorte:
26 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Olha como por ti aos Senadores


Honra tanto, Paulicéia,
E néles te dedica os seus amores,
Pensando na alta idéia,
Que a um composto nao ama antes despreza
Quem de honrar-lhe a cabega nao se preza.

(Poetas da Academia do Senado da Cama-


ra de Sao Paulo — Clube de Poesia — 1956)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 27

AROUCHE RENDON

José Arouche de Toledo Rendon nasceu em


14 de mareo de 1756, em Sdo Paulo. Em 1774
seguiu para Coimbra, onde, em 1779, se graduou
em leis. Em 1781 estava de regresso a Sdéo Paulo,
e em 1791 participou da Academia do Senado da
Camara. Era filho do mestre de campo Agostinho
Delgado Arouche e de D. Maria Tereza de Araijo
Lara. Tendo ingressado na carreira militar, che-
gou, por Decreto de 18-10-1829, a tenente-general.
Em 1822 foi comandante de armas de Sao Paulo.
Foi deputado a primeira Constituinte do Império;
eleito deputado geral (1826-1829), nado assumiu a
cadeira. Em 1829 fot nomeado lente da Faculdade
de Direito de Séo Paulo, da qual 7é era diretor desde
sua fundacéo (1827). Agricultor, introduziu em
Sdo Paulo a cultura do cha, na antiga chéicara que
deu o nome ao viaduto sdébre o vale do Anhanga-
baw. Da chécara do Arouche deriva o nome da
atual rua e do largo do Arouche. Morreu em
26-6-1834.

A BERNARDO JOSE DE LORENA

Nao receies 6 Lisia em teus castelos


A falta dos herdis esclarecidos,
Que no grande Lorena renascidos
De virtude ja tens novos modelos.

Os Nunos, Viriatos, Castros, Melos


| Estao so neste herdi reproduzidos,
E os que no mundo sao tao conhecidos
Quanto honraram a patria em feitos belos.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Entre os grandes herdis é respeitavel


Como filho de herdis que ao mundo deram
Um brado de constancia formidavel

Pois de fortes ledes leGes se geram,


E pela natureza invariavel
Nunca os filhos das aguias degeneram.

A BERNARDO JOSE DE LORENA


3.0 ASSUNTO — SUA FIDALGUIA PESSOAL HEREDITARIA,
ORIGEM DE TODA A PRESENTE FELICIDADE

Ainda Portugal nfo existia,


De Henrique ainda Franca nao contava,
Nem no campo de Ourique convolava
O enxame de moiros a porfia;

Quando a vossa vetusta fidalguia


As Espanhas inteiras governava,
Quando o cetro em Leao ja empunhava
D. Ramiro dos povos alegria.

Désses régios avés sois descendente


Que salvaram das maos da impiedade
A lacrimosa patria descontente.

Vos sois déles modélo na verdade;


Porque déles herdastes igualmente
Com o sangue a virtude, a heroicidade.

(Poetas da Academia do Senado da Cama-


ra de Sao Paulo — Clube de Poesia — 1956).
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 29

UMA ANONIMA
A “huma Anonima, e Ilustre Senhora da Cida-
de de Sao Paulo” é atribuido o drama em versos
redondilhos — “Tristes Efeitos do Amor’, escrito
em 1797, para celebrar a tristeza da cidade pela par-
tida de Bernardo José de Lorena para Vila Rica.
Uma cépia manuscrita do drama foi encontrada em
Lisiva pelo Sr. Anténio Soares Amora, que a divul-
gou no “Anudrio da Faculdade de Filosofia “Sedes
Sapientiae”’, em 1953. A leitura da peca convence
que esta fot escrita por uma poetisa habil e versada
nos conhecimentos gerais da época. E convence
também de que a autora de “Tristes Efeitos do
Amor” era brasileira de nascimento, e provavelmen-
te paulista, a nado ser que o copista tivesse desfigu-
rado o texto. Reproduz-se nesta Antologia um tre-
cho do didlogo que, no drama, travam a Prudéncia
e a Paulicéia.

DIALOGO ENTRE A PRUDENCIA E A PAULICEIA

Paulicéia enxuga o pranto,


Chega-te a mim, Prenda clara,
A ouvir os doces conselhos
Que pode dar a Prudéncia.
Esse Herdi, por quem suspiras,
Essa Joia inexplicavel,
Por Jove foi destinado
Para fazer venturoso
Outro Povo desgragado.
E se os Decretos do Céu
Nos sao, Paulicéia, obscuros,
Deves tu prudente e Sabia
Moderar os teus queixumes.
‘ Nao sou, Paulicéia amada
Tao frouxa, que desconhega
As ajustadas razdes
De teu pranto inexoravel;
30 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

O Céu enfim determina:


Tu Paulicéia constante,
Abracando seus ditames,
Deves dobrar-lhe os joelhos:
E longe de enfurecer-te,
Faze que a voz da Saudade,
Rompendo ésses ares densos
Toque a celeste morada,
Que abale teu justo pranto
As abébadas do Olimpo.

— N&ao mais amada Prudéncia.


Ja teus Conselhos sublimes
Impressos nesta alma tenho:
Vai-te fiel Companheira,
E faze a mesma assisténcia
A meu Claro Benfeitor.
Tu sabes, sem que te explique,
Esta dor se the € sensivel.

— Pois Paulicéia, constancia.

— Com os auxilios de Jove


Espero a sua assisténcia.

(Uma Patriarca da Literatura Feminina Pau-


lista, do Prof. Anténio Soares Amora — Separata
do “Anuadrio da Faculdade de Filosofia “Sedes
Sapientiae” da Pontificia Universidade Catdlica
de Sao Paulo” — 1952-53)
ANTOLOGIA DA Porsta PAULISTA 31

JOSE BONIFACIO
José Bonifacio de Andrada e Silva nasceu
em 1765, em Santos. Feitos os primeiros estu-
dos, seguiu, em 1783, para Portugal, onde se graduou
(por Coimbra) em filosofia, direito civil e ciéncias
naturais. Viajou por varios paises e exerceu, tanto
em Portugal como no Brasil, cargos piblicos de relé-
vo. Apés a separacdo politica do Brasil, da qual fot
um dos paladinos, fot obrigado a exilar-se, tendo
entdo publicado, em 1925, em Bordéus, a primeira
edigéo das “Poesias de Américo Elisio”. Morreu
em 1838.

ODE A PRIMAVERA

Moco, bebamos; enche o copo, bebe:


Ja novas rosas novo aroma espargem.
Eia ligeiros ao jardim descamos
De Nize asilo.

Outra vez quero renovar amores,


A Filomela acompanhando a lira:
Que gema Nize, como aquela geme,
Entre meus bracos.

No canto escuso do rosal cheiroso


A Baco brinde, como aqui eu lhe brindo;
Brinde aos amores, que co’as rosas voltam,
E com elas brincam.

A vida acaba; muda-se a Fortuna,


Que bens e males sem juizo espalha:
Os que hoje vivem, amanha morrerao:
Amemos hoje.

(Poesias, edigdo de 1942 — Academia Bra-


sileira de Letras, fac-similar da princeps)
ANT
32
32
, DAPoxs
OOGTAVANTOLOGIA tAv
DA POESIA Paw0
PAULISTA eretaA

SONETO IMPROVISADO

Derminda, aquéle amor que me juraras,


Onde esta, tantas vézes prometido?
fi possivel que seja aborrecido
Josino teu, que dantes tanto amaras?

Ah! Derminda cruel, nao me afirmaras


Ser mais facil o ver-se destruido
O globo todo inteiro, que fingido
Ser o candido amor, que me mostraras?

Tem feito o tempo ver a falsidade


De tuas vas promessas: nas traidoras
S6 se acha, 6 cruel, variedade.

Mas fazes muito bem se nao me adoras:


Tal deve ser a feminil vontade,
Pois nao foras mulher, se firme foras.

(Ibidem)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 33

ANTONIO CARLOS
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado
e Silva nasceu em 1773, em Santos. Diplomou-se
em direito em Coimbra e foi magistrado. Envol-
vido na revolucéo republicana de 1817, foi préso.
Beneficiado pela anistia de 1820, pertenceu a Cons-
tituinte de 1823 e foi exilado para a Franca com
seus irmdos José Bonifacio e Martim Francisco de
Andrada e Silva. Regressou em 1828 e elegeu-se
deputado em 1835. Chefe do Partido Liberal, foi
ministro do Império. Em 1845 entrou para o Se-
nado, tendo falecido em dezembro do mesmo ano.
Deizxou um “Ensaio Biografico de José Bonifacio” e
outros trabalhos em prosa. Foi poeta ocasional.

a?

A LIBERDADE

Sagrada emanacao da Divindade,


Aqui, do cadafalso, eu te satido;
Nem com tormentos, com reveses mudo;
Fui teu sectario e sou, 6 Liberdade!

Pode a vida brutal ferocidade


Arrancar-me em tormento mais agudo;
Mas das ftrias do déspota sanhudo
Zomba da alma a nativa dignidade.

Livre nasci, vivi e livre espero


Encerrar-me na fria sepultura,
Onde império nfo tem mundo severo;

Nem da Morte a medonha catadura


Incutir pode horror a um peito fero,
Que aos fracos tao sOmente a morte é dura.

(Sonetos Brasileiros — Laudelino Freire)


34 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

ANTONIO MARIANO
Antonio Mariano de Azevedo Marques nasceu
em Séo Paulo em 17 de junho de 1797. Menino
ainda, foi nomeado professor dos mogos da Sé
Catedral, do que lhe adveio o apelido de “Mestrinho”,
que teve por téda a vida. Em 1822 foi nomeado
professor da cadeira publica de latim e retérica da
cidade de Sao Paulo. E, a partir de 1828, fot pro-
fessor de retérica da Faculdade de Direito da mesma
cidade. Féz o curso de direito até o quarto ano e
em 1835 abandonou o magistério. Foi deputado
provincial e vice-presidente da Provincia. Morreu
em 1844. Foi poeta ocasional, apenas.

ODE
(ESCRITA NO 1.0 ANIVERSARIO DA FUNDACAO DOS CURSOS JURIDICOS)

Bate palmas, Brasil: os negros silfos


Que em torno de teu solo esvoagavam,
— Prole de Averno, ou da ignorancia (é 0 mesmo),
Espavoridos fogem.

Ao clarao do saber, que os céus difundem,


Abalaram os monstros; bate palmas,
Bem-fadado Brasil; a porta é franca
A todas as venturas.

A doce liberdade patria deixa


A patria que é no Elisio: do Amazonas
Adejando serena, mas de um véo
Aparece no Prata.

Um arbusto frondoso meneando,


Seus frutos cair deixa, doces frutos,
Suaves, deleitosos, sazonados,
Quais nunca tu provaste.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 35

O férreo trono, em que assentava outrora,


O terror, fanatismo, tirania,
Jugo colonial, desmoronado
O alicerce afundou.

Novo trono se exalga; a base sua


Escora em coragdes: que melhor base,
Néle assenta a virtude, a dextra as leis,
O poder do outro lado?

Nao mais arde o incenso a vil lisonja,


A seducao, ao sérdido interésse,
A tudo quanto é lixo: o altar da patria
SO fumega virtudes.

Es ditoso, oh! Brasil; mas, qual maneira


Por que tanta ventura se eternize,
Volveras a desgracga; quando o gézo
De tantos bens provaste.

Veras de novo os pulsos gigantescos


De teus filhos ao carro manietados...
Veras rojando ferros... vis escravos...
A um aceno tremendo...

Veras... oh! dor! oh! furia! horror! oh! morte!


Em ferros o Brasil!... nunca, malvados,
Nunca o vereis, eu juro por meu sangue;
Jurai-o, oh! brasileiros!

Mas, qual visdo celeste os voos prende


Aos transportes da raiva, qual deidade
Aos fados da Nacfo preside excelsa
E o espirito me serena.

FE Palas divinal, de Jove filha,


Que acaba de selar o santo ajuste,
Que os filhos do Brasil convencionaram
Pr’a viverem irmaos.

— “Meus filhos, ela diz, nao basta ainda:


Sois felizes, é certo; mas, a prole,
Que de vés nascera tem jus igual
A sorte que gozais.
36 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Da liberdade os frutos, que heis colhido,


Pouco tém produzido, seus arbustos
Delgados inda sio: um sOpro os pode
Por terra derribar.

Dois fecundos jardins de minha escolha


Vos deparo, em Olinda e Paulicéia.
Ali plantai esta aryore mimosa,
E dormi sossegados.

Vos todos colhereis dourados pomos


A paz, a liberdade, os gozos todos;
Que a deusa do saber, Palas divina,
FE sé quem pode da-los.”

Disse e desaparece: hortos amenos


Em teu solo se arreigam: bate palmas
Bem-fadado Brasil: tua ventura
Para sempre é selada.

(Parnaso Académico Paulistano — Paulo


Anténio do Vale)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA a7,

FRANCISCO BERNARDINO RIBEIRO


Francisco Bernardino Ribeiro nasceu no Rio
de Janeiro aos 12 de junho de 1815 e matri-
culou-se na Faculdade de Direito de Séo Paulo na
turma de 1830. Formado em Direito em 18384, de-
fendeu tese no ano seguinte. Em 1835 féz concurso
para lente da mesma Faculdade, e foi nomeado con-
tando apenas 20 anos de idade. Grande amigo dos
estudantes, fot cognominado o “Mestrinho’”’. Cola-
borou em varies jornais da época, como a “Revista
da Sociedade Filomdtica” e “A Voz Paulistana’.
Escreveu, em colaboracdo com Anténio de Quetroga
e Justiniano da Rocha, um “Ensaio Sébre a Tragé-
dia”. Traduziu em versos o livro terceiro de
“Joseph”, romance épico de Bitaube, e as “Noites
Liigubres’”’, de Cadalso. Compés uma “Histéria do
Brasil’ desde a Independéncia ao seu tempo. Faleceu
no Rio de Janeiro aos 16 de junho de 1887.

ODE
AO ALGOZ DE 24 DE MAIO DE 1833

Eu vi um homem?... Ou me ilude a mente?


Que horror, que eu sinto! homem, nao, nao era!
Tranqiilo fratricida
Como pudeste oh monstro!
Aridos olhos, atentar na vitima,
Desfalecida, exangue?

Como pudeste, impavido, roubar-lhe


Miseranda existéncia, com os redobres
De angtstias repetidas,
Sem o brado ouvires,
Que dentro d’alma rompe e clama: — E homem,
E homem desgracado?
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Como pudeste, sem arrepiar-te


As carnes, frio horror? Sem ver diante
Esqualido fantasma,
Habitador dos timulos,
Com a mirrada mao prender-te os bracos:
“f teu irmao!” — clamar-te?

Que é désse coracgao, que o ser te alenta?


Inda palpita? Nao. Quente de crimes
O sangue infeccionado
Dispara sO arrancos,
E cada arranco ordena um atentado!
Deixaste de ser homem!

Es aborto do inferno, ente perverso,


Nasceste apenas para ser vergonha,
Oprobrio da existéncia!
E mais que tu ditoso
Aquéle que arrojaste a sepultura,
Que tuas maos cavaram!

Esse ostentou furores desastrosos ;


Mas nao mostrou a face do Universo,
Que, surdo a Natureza,
Ja saciado tigre,
Em paz — com as garras meneava a morte
Para extinguir humanos!

(Parnaso Académico — Paulo Anténio do


Vale — pag. 53)
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 39

ANTONIO JOAQUIM RIBAS


Antonio Joaquim Ribas nasceu no Rio de
Janeiro aos 3 de maio de 1819. Féz os prepa-
ratorios em Sdo Paulo sendo discipulo dileto de Ji-
lio Frank, e matriculou-se na Faculdade de Direito
em 1835. Bacharelou-se em 1839. Grande profes-
sor do Curso Secunddrio e depois dos Cursos Juridi-
cos da Faculdade. Foi Conselheiro do Império. Re-
sidiu em Sado Paulo até 1870, quando se mudou para
o Rio de Janeiro. Faleceu em Petropolis aos 22 de
fevereiro de 1890.

A POESIA

Branda aragem do céu, que nos revela


D’ignotas flores mistica fragrancia;
Doce cismar, que a vida embala em sonhos,
Como no ber¢o se acalenta a infancia;

Flor cultivada pela mao dos anjos,


Nesses vergéis aos génios revelados;
Planta, que mirra nos jardins da terra,
Como a flor do sorriso entre os cuidados.

Sombra que foge, bela e vaporosa,


N’alva da vida difundindo flores;
Astro a girar no azul do firmamento,
E sobre a terra a derramar fulgores.

Filtro que n’alma as dores adormenta


Anjo do Eden, celestial Poesia!
Dos réseos labios entre mago aroma,
Manas a flux torrentes de harmonia!
40 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Feliz quem de tua alma surpreendera


Doce arcano as cangdes melodiosas!
Mas, inda mais feliz quem revolvera
Teu belo seio em ondas amorosas!

Que valem o poder, ciéncia ou gloria,


Ante um momento de éxtase divino?
Dera as grinaldas de eternal memoria,
Para a vida exalar de amor num hino!

(Parnaso Académico — Paulo Anténio do


Vale — pag. 81)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 41

VIEIRA BUENO
Francisco de Assiz Vieira Bueno nasceu em
1821 na cidade de Séo Paulo, onde estudou, ma-
triculando-se na Faculdade de Direito em 1837. For-
mado em 1840, recebeu o doutorado em 1841. Foi
Promotor Piblico, advogado, fazendeiro, politico e
banqueiro. Traduziu em versos a “Evangelina”, de
Longfellow. Autor do livro “Grinalda de um Poeta’’
(Sado Paulo-1852). Falecew em Campinas, onde
residia.

O PESAR

Do sol fugitivo ao sumir-se no ocaso


O extremo luzir,
Desperta a saudade que deixa um amigo,
Que vemos partir.
A cor desbotada da face da virgem
Que a morte ceifou,
Inspira a tristeza suave e sem magoas
Que inspiram as flores que em cima das aguas
O vento esfolhou.
A sombra da nuvem, do vento impelida,
Que foge veloz,
Ou d’ave sinistra, que passa voando
Por cima de nds,
De vago receio nos causa um instante
A vaga impressao,
Que sente quem tem sucesso aziago,
Que as vézes pressente, leal e pressago,
Fiel coracao.
Porém o sorriso que aos labios assoma
Do triste mortal,
Que n’alma ulcerada tem sempre presente
lembranga fatal.
Do sol em eclipse fulgor embagado
Que infunde pavor,
Apenas os tracgos expande do rosto
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Nublado da sombra de negro desgésto,


Inspira terror.
D’um negro pesar, o cruel pensamento
Nao deixa sorrir.
E logo na fonte o prazer envenena,
Que vai a surgir.
E quando o clario de qualquer alegria
O vem alumiar,
Qual tronco queimado que a mata domina
Que o sol com seus raios em yao ilumina,
Sem vida lhe dar;
Que aos raios sorrindo nao langa renovos,
E vai a secar,
Assim a alegria, insensivel, imovel
Persiste o pesar!

(Parnaso Académico — Paulo Anténio do


Vale — pag. 89)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 43

MARTIM FRANCISCO
Martim Francisco Ribeiro de Andrada. Nas-
ceu em Mussidan, arrabalde de Bordeaux, na
Franca, a 10 de julho de 1825, sendo filho do sena-
dor Martim Francisco Ribeiro de Andrada e sobrinho
neto do Patriarca da Independéncia. Bacharelou-se
pela Faculdade de Direito de Séo Paulo em 1845.
Foti promotor piblico em Sdéo Paulo, Juiz Municipal
em Itu, Deputado Provincial em 1850, Deputado
Geral em 1880. Foi Professor da Faculdade de Di-
retto de Sdo Paulo. Faleceu em Séo Paulo, a 2 de
margo de 1886. Escreveu um drama — “Janudrio
Garcia, ou o Sete Orelhas’’, que logrou grande éxito
(1848). Publicou “Ldégrimas e Sorrisos’, versos,
com muitas traducées de Lamartine e Musset (Sao
Paulo, 1847).

DOIS TEMPOS
(1885)
No deserto da vida, o caminheiro
Encontra dois oasis de bonanga:
Tem um as ledas cores da esperanga,
Outro lhe mostra o pouso derradeiro.
Um deixa-Ihe entrever, no amor primeiro,
Todo o supremo bem, que nao se alcanga;
Outro lhe mostra o porto, onde descansa,
Do vaivém da existéncia o marinheiro.

Feliz quem pdde, a luz da fantasia,


Demorado, escutar t6da a harmonia
Do poema febril da mocidade.
Prefiro-te, porém, ultimo abrigo,
Espelho do passado, pouso amigo,
Velhice, companheira da saudade.
(Tradigd6es e Reminiscéncias da Faculdade
de Direito de Sao Paulo — Almeida Nogueira
— 2.° volume — pag. 131)
44 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

JOSE BONIFACIO, O MOCO


José Bonifdcio de Andrada e Silva nasceu
em Bordéus, a 8 de novembro de 1827, durante
0 extlio de seu pai, Martim Francisco Ribeiro de
Andrada, irmdo do Patriarca da Independéncia.
Cursou de 1842 a 1845 a Academia Militar, que
abandonou 74 alferes-aluno para matricular-se em
1849 na Faculdade de Direito de Sao Paulo. Formou-
-se em 1853 e foi nomeado lente da mesma escola
em 1854. Foi Deputado Provincial em Sado Paulo,
Deputado Geral, Ministro da Marinha, Ministro do
Império, Senador e Conselheiro do Império. Poeta
e orador consagrado. Publicow “Rosas e Goivos”’
(poesia) em 1848 e “Discursos Parlamentares’’.
Faleceu aos 26 de outubro de 1886, em Sado Paulo.

ADEUS DE GONZAGA

Adeus, Marilia, adeus! O sonho corre!


Vai-se gastando a vida, vai fugindo;
Estremece-me a voz; ei-la que morre,
Inda o teu doce nome repetindo.
Uma hora la vem, outra decorre,
E eu vejo em prantos o teu rosto lindo!
Adeus, Marilia, adeus! A sepultura
Abre-me agora um leito em terra escura...

...Como um abismo de saudades, cava


A dor, neste meu peito, dia a dia!
La eu tinha a choupana onde habitava,
Tinha brancas ovelhinhas, que pascia;
La, que aurora feliz quando acordaya!
La, que noites formosas se dormia!
Tinha, tinha dois séis... que luz tao bela!
O sol do céu e o sol dos olhos dela.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 45 |

Aqui suspiro, e gemo, desterrado,


Avezinha nas grades da prisao;
Aqui, se busco em pranto meu passado,
Vejo nuvens, deserto e solidao;
Aqui o céu é€ triste, anuviado,
Nao tem ecos de amor, nao tem-nos, nio!
La eu tinha dois céus ao sol ja posto,
Um céu no firmamento, outro em teu rosto...

...Ai! Marilia, Marilia! que é da vida,


Que em meus bracos contigo entao sonhava,
A casa, 0 ribeirao, a luz sumida,
Detras do monte... além... que desmaiava;
Da ovelha desgarrada a voz perdida,
O gado, que sozinho ali pastava,
O chao, a relva, a fonte, as lindas flores,
Nosso céu, nessa luz, nossos amores!

Nada, nada ficou!... Neste deserto


O ténue sOpro desta vida expira;
Mal bate o coracao, ja nao acerto -
Esses hinos de amor, que a alma delira!
Eis la na sepultura vejo ao perto
Murchas coroas e quebrada a lira.
Trevas... siléncio... solidao... horror!
Nem um pranto... um gemido... uma so flor!
(Historia da Academia de Sao Paulo. —
Spencer Vampré — 2.° volume — pag. 28)

TEU NOME

Teu nome foi um sonho do passado;


Foi um murmiurio eterno aos meus ouvidos;
Foi som de uma harpa que embalou-me a vida;
Foi um sorriso d’alma entre gemidos!

Teu nome foi um eco de solugos,


Entre as minhas cancdes, entre os meus prantos;
Foi tudo que eu amei, que eu resumia:
Dores... prazer... ventura... amor... encantos!

Escrevi-o no tronco do arvoredo;


Nas alvas praias onde bate o mar;
Das estrélas, fiz letras soletrei-o,
Por noite bela, ao mérbido luar!
46 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Escrevi-o nos prados verdejantes,


Com as folhas da rosa ou da agucena!
Oh! quantas vézes, na asa perfumada
Correu das brisas, em manha serena!

Mas, na estréla morreu; caiu nos troncos;


Nas praias se apagou; murchou nas flores;
SO guardado ficou-me aqui, no peito,
— Saudade, ou maldigao, dos teus amores!

(Ibidem, pdég. 29)

SONETO
Se te procuro, finjo de evitar-te;
E se te quero, evito mais querer-te;
Desejo quase, quase aborrecer-te,
E se te fujo estas em t6éda a parte.

Distante, corro logo a procurar-te,


E petco a voz, e fico mudo ao ver-te;
Se me lembro de ti, tento esquecer-te;
E se te esqueco, cuido mais amar-te.
O pensamento assim, partido ao meio,
E 0 coragéo assim também partido,
Chamo-te e fujo, quero-te e receio!
Morto por ti, eu vivo dividido,
Entre o meu e o teu ser, sinto-me alheio,
E, sem saber de mim, vivo perdido.

(Idem, ibidem)

MEU TESTAMENTO
Vem ca, traz a tua caixa de costura,
E, em vez de eee tira o teu rosario,
O caso é sério.
Pode causar-te riso...
Tu vais servir-me agora de notério.

Em nome da Santissima Trindade,


Livre 0 juizo, e sdo o entendimento,
Sentado em teu banquinho,
Inda a teus pés sonhando,
Eu dito, escreve tu, meu testamento.
ANTOLOGIA DA PoOESIA PAULISTA 47

De todos os meus bens desembargados


Fago-te a minha herdeira universal;
Mas nao sem condicées,
Guardaras, se puderes,
Meu coracgéo no fundo do dedal.

Deixo-te um longo beijo, bem ao meio


Da fina boca... oh! sim! guarda-o com médo!
Pode haver curioso
Que por instinto, ou. habito,
Tente roubar do cofre 0 meu segrédo.

Num cantinho do labio, entre umas dobras


De purpura sutil, e junto a neve,
Deixo-te os meus suspiros,
A procurar carinhos
De longas horas em momento breve.

Nao te deixo um abracgo... foram tantos!


N&o sei se o diga, corara teu rosto...
Talvez nas aperturas
Das nacionais finangas
Ouse o fisco langar-te algum impdsto!

Deixo-te aquéle olhar tao feiticeiro,


Meio luz, meio sombra, assim, assim,
Ao pé do jasmineiro;
Aquéle olhar tao langitido,
Aquéle olhar do banco do jardim.

O mais é reservado e escrito fica


Em teu quartinho, ao lado do teu leito,
Flores, quadros, perfumes,
Meus sonhos a voar...
Querem um codicilo mais bem feito?

Guarda éstes versos; sao meu testamento.


Podem cerra-lo anéis de teus cabelos;
Mas, se, ingrata, o perderes,
Virei roubar-te, a noite,
Minhas cartas de amor entre os novelos.

(Ibidem, pdg. 31)


48 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

BARAO DE PARANAPIACABA
Jodo Cardoso de Menezes e Souza, Bardo
de Paranapiacaba, nasceu em Santos a 25 de
abril de 1827, tendo cursado a Faculdade de Direito
de Sao Paulo, onde se formou em 1848. Publicou o
livro “Harpa Gemedora” (Séo Paulo — 1840); “Jo-
celin’”? — poema de Lamartine, traducdo (Rio de Ja-
neiro — 1875); “Fdbulas de Lafontaine’ — tradu-
cao (2 volumes — ‘Rio de Janeiro — 1887); “Camo-
niana Brasileira” (1880); “Partida e Regresso”
(Rio — 1888). ‘

QUEM ME DERA!...

Sussurre embora a viracao da tarde


Nos leques da palmeira,
Prateie a lua as lagrimas da noite
Sobre a grama rasteira,

No azul do mar as trémulas estrélas


Balance embora o céu,
Envolva um véu delgado de yvapores
Do monte o coruchéu;

Penda o calice a flor, goteje a aurora


As pérolas do orvalho,
Trine a araponga, o sabia suspire
Da jaqueira no galho;

Dentre o coral dos labios da beleza


Desponte embora um riso,
Pranto de aljéfar nos rosais da face
Borbulhe de improviso;

Embora! — Essa harmonia do Universo


Para mim n4o tem eco.
Como a planta que abrasa em sol de estio
Assim definho e seco.
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 49

Inda o palor das tochas mortudarias


Outrora me aprazia,
Ao aspecto da morte, ao som dos salmos
Triste prazer sentia.

Entao se despertavam na minha alma


Lembrangas do passado,
Doce pranto saudoso derramava
Na essa do finado.

Hoje nenhuma fibra é virgem inda


No morto coragao,
Sorvi de um trago a taga dos prazeres,
Frui toda a emocao.

Ah! Quem me dera desatar os lacos


Que inda a terra me prendem, .
E erguer-me ao céu azul donde as estrélas
— Cirios eternos — pendem.

Vira minh’alma estéril para o mundo


Aos gozos renascer,
E do eterno almejar inexaurivel
O vacuo preencher.

Mas ai! — N§ao palmilhei o estadio inteiro,


Do berco a sepultura,
Inda tenho a beber as negras fezes
do calice da amargura.

(Sado Paulo, 3 de marco de 1845)


(Parnaso Académico — Paulo Anténio do
Vale)

A BERENICE

Eis teu vulto gentil em fino guache. Ao vé-lo


Que jubilo suave o coragao me agita!
Aos olhos, cuja luz nenhum pintor imita,
Falta a meiga expressdo, que anima a do modélo.

Apanharas na pose, em flacido novélo,


A tranca. Ei-la que, a flux, do pente regurgita,
Rola-te pela espalda e ao chao se precipita,
Osculando-te os pés a onda de cabelo.
50 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Do peito resvalou-te alvo lilas. Guardei-o,


E abri-lhe, carinhoso, um conchegado ninho
Em nosso relicario, a transbordar de cheio.

Perdeu aroma e vico a flor nesse escaninho,


Mas inda nela aspiro eflivios de teu seio,
Que a neve lhe ofuscou da tez no cego arminho.

(Tradigoes e Reminiscéncias — Almeida No-


gueira — vol. 3.° — pag. 73)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 51

LUIZ GAMA

Luiz Gama, o grande abolicionista negro, nas-


ceu em Salvador, Provincia da Bahia, aos 21
de junho de 1830, e foi trazido crianca para Séo
Paulo, como escravo. Aqui se féz homem e se edu-
cou. Grande tribuno e advogado, colaborou em v4-
rios jornais paulistas. Faleceu em Séo Paulo, a 23
de agédsto de 1882. Publicou wm livro de versos
satiricos, “A Bodarrada’, e no Almanaque Literdrio
de Sado Paulo — VI tomo, as poesias “O moralista”
e “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”.

OS CHAFARIZES DE SAO PAULO

Sao seis horas e meia.


A chuva cai a potes.
Passam os cidadaos acomodados
Nos seus amplos capotes.
V4o cabisbaixos, tristes e molhados.

Senhores do Govérno,
Que estais ai enxutos e quietos,
Na missao doce de zelar do povo;
Voés que sois filhos, netos e bisnetos
De grandes patriotas,
Olhai para éste inferno.

Mandai guardar a chuva, que Deus da,


em grandes caldeirées,
Para po-la depois nos chafarizes.
Senao, em vindo a séca, a maior parte
Destas populagées
Ha de atirar, aos olhos e narizes
De vossas exceléncias,
As suas respeitosas maldigées.
52 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Vos, cujo oficio é produzir artigos,


Em prol das presidéncias;
Vos que as amais enquanto elas tém “figos”:
Vos, chefes cabalistas,
Ponde em seguro a séde dos paulistas.

(O Polichinelo — 1879)
(Tradicdes e Reminiscéncias Paulistanas —
Afonso de Freitas — pag. 28)
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 53

ALVARES DE AZEVEDO
Manuel Anténio Alvares de Azevedo nasceu
na cidade de Sado Paulo no dia 12 de setembro
de 1831 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 25 de
abril de 1852. Foi estudante da Faculdade de Direi-
to de Sdo Paulo e figura entre os seus matiores poe-
tas, tendo 0 nome gravado nas Arcadas da lendéria
Faculdade ao lado dos nomes de Castro Alves e Fa-
gundes Varela.
Em 1853-55 foram publicadas as “Obras de Ma-
nuel Anténio Alvares de Azevedo” (Rio, Tipografia
Americana de J. J. da Rocha), que lhe valeram ime-
diata consagracédo. Em 1862 foram publicadas, em
8 volumes, as “Obras de Manuel Antonio Alvares de
Azevedo” pela Livraria de B. L. Garnier, do Rio de
Janeiro, e em 1886 0 poema “O Conde Lopo’’, pelos
editéres Leuzinger, também do Rio.

SONETO
Palida a luz da lampada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do Mar, na escuma fria


Pela maré das aguas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...


Negros olhos as palpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Nao te rias de mim, meu anjo lindo!


Por ti — as noites eu velei chorando,
Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!

(Obras de Manuel Anténio Alvares de Aze-


vedo — Lira dos Vinte Anos — 1853)
54 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

MEU SONHO

EU

Cavaleiro das armas escuras,


Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangiienta na mao?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos labios frementes
Vertem fogo do teu coragao?

Cavaleiro, quem és? o remorso?


Do corcel te debrucas no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Nao escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,


Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vinganca retumba?

Cavaleiro, quem és? — que mistério,


Quem te forca da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA

Sou o sonho de tua esperanca,


Tua febre que nunca descansa,
O delirio que te ha de matar!...

(Lira dos Vinte Anos — 3." parte — 3.° vo-


lume das Obras de Manuel Anténio Alvares de
Azevedo — 1862)

O LENCO DELA
Quando a primeira vez, da minha terra
Deixei as noites de amoroso encanto,
A minha doce amante suspirando
Volveu-me os olhos timidos de pranto.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 55

Um romance cantou de despedida,


Mas a saudade amortecia o canto!
Lagrimas enxugou nos olhos belos...
E deu-me o lenco que molhava o pranto.
Quantos anos contudo ja passaram!
Nao olvido porém amor tao santo!
Guardo ainda num cofre perfumado
O lengo dela que molhava o pranto...
Nunca mais a encontrei na minha vida,
Eu contudo, meu Deus, amava-a tanto!
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto
O lengo que eu banhei também de pranto!
(Ibidem)

12 DE SETEMBRO
I
O sol oriental brilha nas nuvens,
Mais docemente a viragio murmura
E mais doce no vale a primavera
Saudosa e juvenil e toda em rosa
Como os ramos sem fdlhas
Do pessegueiro em flor.
Ergue-te, minha noiva, 6 natureza!
Somos sds — eu e tu — acorda e canta
No dia de meus anos!

II
Debalde nos meus sonhos de ventura
Tento alentar minha esperanga morta
E volto-me ao porvir...
A minha alma so canta a sepultura —
Nem itltima ilusao beija e conforta
Meu ardente dormir...

III

Tenho febre — meu cérebro transborda,


Eu morrerei mancebo — inda sonhando
Da esperancga o fulgor.
Oh! cantemos ainda: a ultima corda
Treme na lira... morrerei cantando
O meu tnico amor!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

IV
Meu amor foi o sol que madrugava
O canto matinal da cotovia
E a rosa predileta...
Fui um louco, meu Deus, quando tentava
Descorado e febril nodoar na orgia
Os sonhos de poeta...
V

Meu amor foi a verde laranjeira


Que ao luar orvalhoso entreabre as flores
Melhor que ao meio-dia
As campinas — a lua forasteira,
Que triste, como eu sou, sonhando amores
Se embebe de harmonia. —

VI

Meu amor foi a mae que me alentava,


Que viveu e esperou por minha vida,
E pranteia por mim...
E a sombra solitaria que eu sonhava
Langtiida como vibracao perdida
De roto bandolim...

VII
Eu vaguei pela vida sem conforto,
Esperei 0 meu anjo noite e dia
E o ideal nao veio...
Farto de vida, breve serei morto...
Nao poderei ao menos na agonia
Descansar-lhe no seio...

VIII
Passei como Don Juan entre as donzelas,
Suspirei as cangdes mais doloridas
E ninguém me escutou...
Oh! nunca a virgem flor das faces belas
Sorvi o mel nas longas despedidas...
Meu Deus! ninguém me amou!
~

ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 57

IX
Vivi na solidio — odeio o mundo
E no orgulho embucei met rosto palido
Como um astro na treva...
Senti a vida um lupanar imundo —
Se acorda o triste profanado, esqualido
— A morte fria o leva...

x
E quantos vivos nao cairam frios,
Manchados de embriaguez da orgia em meio
Nas infamias do vicio!
E quantos morrerao inda sombrios
Sem remorsos dos loucos devaneios...
— Sentindo o precipicio!

XI

Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida


Nas artérias ateia o sangue em lava
E o cérebro varia...
O século na vaga enfurecida
Levou a geracgao que se acordava...
E nuta de agonia...

XII
Sao tristes déste século os destinos!
Seiva mortal as flores que despontam
Infecta em seu abrir —
E o cadafalso e a voz dos Girondinos
Nao falam mais na gloria e nao apontam
A aurora do porvir!

XIII

Féra belo talvez em pé, de novo


Como Byron surgir, ou na. tormenta
O herdi de Waterloo
Com sua idéia iluminar um povo,
Como o trovao nas nuvens que rebenta
E o raio derramou!
58 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

XIV
Fora belo talvez sentir no cranio
A alma de Goethe e reunir na fibra
Byron, Homero e Dante;
Sonhar-se num delirio momentaneo
A alma da criacio, e 0 som que vibra
A terra palpitante...

XV

Mas ah! o viajor nos cemitérios


Nessas nuas caveiras nao escuta
Vossas almas errantes,
Do estandarte da sombra nos impérios
A morte — como a torpe prostituta —
Nao distingue os amantes.

XVI

Eu pobre sonhador — em terra inculta


Onde nao fecundou-se uma semente
Convosco dormirei,
E dentre nés a multidao estulta
Nao vos distinguira a fronte ardente
Do cranio que animei...

AVE

Oh! morte! a que mistério me destinas?


Esse atomo de luz que inda me alenta,
Quando o corpo morrer —
Voltara amanha — aziagas. sinas
Da terra sobre a face macilenta
Esperar e sofrer?

XVI

Meu Deus, antes — meu Deus — que uma outra vida


Com teu sdpro eternal meu ser esmaga
E minha alma aniquila...
A estréla de verao no céu perdida
Também as vézes teu alento apaga
Numa noite tranqitla!...

(ibidem)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA ~ 59

A MINHA ESTEIRA

Aqui do vale respirando 4 sombra


Passo cantando a mocidade inteira...
Escuto no arvoredo os passarinhos
E durmo venturoso em minha esteira.

Respiro o vento, e vivo de perfumes


No murmurio das félhas da mangueira;
Nas noites de luar aqui descanso
E a lua enche de amor a. minha esteira.

Aqui mais bela junto a mim se deita


Cantando a minha amante feiticeira;
Sou feliz como as ternas andorinhas
E meu leito de amor é minha esteira!

Nem o Arabe Califa, adormécendo


Nos bragos voluptuosos da estrangeira,
Foi no amor da Sultana mais ditoso
Que o poeta que sonha em sua esteira!

Aqui do vale respirando a sombra


Passo cantando a mocidade inteira;
Vivo de amores; morrerei sonhando
Estendido ao luar na minha esteira!

{Poesias Diversas — Obras de Manuel An-


ténio Alvares de Azevedo — 3.® edigdéo — Rio
de Janeiro — Livraria de B. L. Garnier — 1.°
tomo)

SE EU MORRESSE AMANHA!

Se eu morresse amanha, viria ao menos


Fechar meus olhos minha triste irma;
Minha me de saudades morreria
Se eu morresse amanha!

Quanta gloria pressinto em meu futuro!


Que aurora de porvir e que manha!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanha!
60 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Que sol! que céu azul! que doce n’alva


Acorda a natureza mais louga!
Nao me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanha!

Mas essa dor da vida que devora


A Ansia de gloria, o dolorido afa...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanha!

(Ibidem)
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 61

DUARTE DE AZEVEDO
Manoel Anténio Duarte de Azevedo nasceu
em Itaborat, Provincia do Rio de Janeiro, aos 16
de janeiro de 1832, estudou no Colégio Pedro Segun-
do e matriculou-se na Faculdade de Direito de Sdo
Paulo em 1852. Foi magistrado em Séo Paulo e
Professor da Faculdade de Direito. Presidente das
Provincias do Piaui, Alagoas e Ceara sucessivamen-
te, Deputado Provincial e depois Deputado Geral por
Sdo Paulo. Grande jurista, publicou “Controvér-
sias Juridicas” e redigiu um projeto de Cédigo Civil
e Comercial para Sado Paulo. Faleceu como Pre-
sidente do Senado do Estado de Sado Paulo aos 9 de
novembro de 1912.

O TROPEIRO

Também sou rei; se tanjo as minhas tropas,


Tremem todas a um so dos gritos meus;
Na terra nao respeito mais que as chuvas,
Nao dou contas de mim senao a Deus.

Se me corteja, bem; também lhe tiro


Meu chapéu de aba larga, a senhoria;
Quando nao, vou seguindo repimpado
E meu burro que faca a cortesia.

N4o sei de classes, mas ninguém me vence


Que sou filho legitimo de Adao,
Bastardia nao entra-me na rag¢a,
Porque nunca mudei de geragao.

N4o sofro lérias; quem quiser que passe,


Mas que nao venha me contar faganhas...
Ai! déle! pelas tripas do machinho
Que lhe faco no ventre umas aranhas.
62 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

De cima sempre, e como prova disto


Posso dar mesmo aqui publica feé.
Conheco-me tropeiro ha muitas luas
E ninguém me viu ainda andar a pé.
Portanto sou senhor; so estremego
Quando ronca no céu a trovoada;
Sou homem do calor, nao amo o frio,
Muito mais quando a roupa esta molhada.

Sou amigo do ponche, e da viagem


FE éle o meu constante companheiro.
E assim vou indo como vao as béstas,
Alegre, quando mesmo sem dinheiro.

Amo, entretanto, os cobres; na taverna


Gosto de os ver rolar pelo balcao
Em musica suave que penetra
Nas dobras mais fiéis do coracfo.

Tomo o codério, que nao é por isso


Que minh’alma ha de ir parar no inferno.
Nao o dispenso nunca, quando ha calma.
Nem quando caem neves pelo inverno.

Desprezo as mogas, mas recebo os beijos


Da caipirinha, a beira do caminho.
Sao frescos como o orvalho das barrocas,
ou como a espuma do rosado vinho.

Sou rei, amo sOmente as minhas tropas,


O dinheiro, o fac&o, o azul dos céus,
Nao temo tentagao de excomungados,
Nao dou contas de mim senao a Deus.

Nem mais, nem menos; é assim que gira


O tropeiro feliz quando caminha;
Anda altivo e soberbo como um frade,
Como a bésta que vai com a campainha.

Alerta! minhas tropas de viagem,


Que os nevoeiros sobem jd do monte.
E tempo de partir, o sol desponta,
E a serra ja aparece no horizonte.

(Almanaque Literdrio de Sido Paulo — José


Maria Lisboa — 1884 — pdg. 257)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 63

PAULO EIRO
Paulo Emilio de Sales Eiré nasceu em San-
to Amaro, subirbio de Séo Paulo, a 15 de abril
de 1836. EHstudou em Séo Paulo, na Escola Nor-
mal e na Faculdade de Direito, matriculando-se nes-
sa em 1859. Abandonou o curso juridico e ingres-
sou no Semindrio Episcopal para fazer-se frade.
Nessa ocasido lancou ao fogo varias colegdes das suas
poesias. Faleceu no Hospicio de Alienados a 27 de
qunho de 1871.
Sua obra, que era vasta, se perdeu na maior
parte e déle foram publicados o drama abolicionista
“Sangue Limpo” e 65 poemas incluidos em “A Vida
de Paulo Hiro’, de Afonso Schmidt.

BEIJIO DE MAE
Quando meu peito continha
Um coragao inocente,
No regaco providente
De minha mae repousei:
Ela, entao, mal respirando,
Beijou-me, e eu acordei!...

Depois, no peito bateu-me


O coragao, violento;
Comovida, sem alento,
Outra mulher me beijou:
Esse férvido contato
Que a eternidade selou!

Agora tenho saudades


De meu berco, entre mil ais;
Lembro os risos maternais
E aquéle afago inocente,
Porque, em labios de mulher,
S6 beijo de mae nao mente.
(Histéria da Academia de Sao Paulo —
Spencer Vampré — 2.° vol. — pag. 41)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

NOITE FELIZ

Oh noite! Oh negro vampiro,


Que éste saudoso retiro
Furtas as luzes do céu,
Nunca foste mais propicia,
Nunca sobre tal delicia
Deixaste cair teu véu!

O vento agoita a espessura:


Inchado o rio murmura,
Corre louco de pavor;
Sombras, que o olhar nao penetra,
Rasga a tuidara e soletra
“Morte” no seu estridor.

Ja que déste mudo campo


Nao tinge um sé pirilampo
A negra cor sem matiz,
Nem o céu torvo se estrela,
Vinde trevas, vem, procela,
Saudar um homem feliz!

Noite, foras tu eterna!


Como ao navio que aderna,
Some est’alma-em teu horror!
Enfaixa em teus véus medonhos
Os fantasmas dos meus sonhos,
Os filhos do meu amor!

(A Vida de Paulo Eiré — Afonso Schmidt)

PENAS DE CISNE

Quereis uma dessas flores


Que brotam no coracdo,
Delicado, harmonioso,
Do vate na solidio?

Quereis? Eu vou ja colhé-la:


Porém, antes de a entregar,
Dizei: do cisne, que resta,
Quando expira na floresta
FE cessa de modular?
-ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 65

Dizei-mo; nao, eu vos digo:


Déle as plumas ficam sé,
Que brilham inda um instante,
E depois o viandante
Pisa-as, cobertas de po.

Minhas visbes e meus versos


Hao de ter o mesmo fim;
Em vao desfolho esta palma,
Em vao reparto minha alma.
Ninguém lembrar-se-4 de mim!...

(Ibidem)

A TAMERLAO

Cometa pavoroso que galopa


Nos caminhos do céu e o orbe tritura;
Granada que rebenta, que fulgura,
De mortos junca a terra e em sangue a ensopa;

Furacao despeado, a fera tropa


Que Timor arrancou nos campos do Ura,
Espraiando, convulsa, inda murmura:
“Avante! Avante! Ao coracgao da Europa!”

Ouves? A forte voz do Kan retumba:


“Ao poente! Nao faltam ao mogol
Louros para a cabega ou para a tumba!”

E pés-se a caminhar; tem por farol


O destino; que importa que sucumba?
F no ocidente que se pée o sol!

(Sonetos Brasileiros — Laudelino Freire —


pag. 55)
66 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

QUIRINO DOS SANTOS


Francisco Quirino dos Santos nasceu em 14
de julho de 1841, em Campinas. De 1855 a 1859 féz
em Sdo Paulo o curso de preparatérios e iniciou-se
no jornalismo. Féz em seguida o curso de direito,
diplomando-se em 1863. De 1865 a 1867 foi promo-
tor publico em Santos. Fixando residéncia em Cam-
pinas, advogou naquela cidade. Em 1869 foi um dos
fundadores da “Gazeta de Campinas”, 6rgdo aboli-
cionista e republicano. Ao morrer (6 de maio de
1886) era deputado provincial.
Bibliografia: “Estrélas Errantes’, 1864 (em
1876, 2.% edicdo, aumentada; em 1905, 3.% edicao,
postuma, muito aumentada).

TODO Y NADA

Pois tu nao vés nos ares cintilantes


O sol morrendo, em ondas de fulgores,
E assim, nadando no perfume, as flores
Largam ao vento as pétalas boiantes?

E o amor e a gloria, e os risos da inocéncia,


Afogam-se nas chamas da esperanca!
Tudo que busca a mente, e pede e alcanga,
Tudo sucumbe e esvai-se na existéncia!

Oh! sonho! oh! luz de um pdramo azulado!


Como te envolve o manto da orfandade,
Dourando os haustos do prazer gozado!

Por mais que suba o peito na ansiedade,


Por mais que desea a idéia no passado,
A alma € um sépro, a vida é uma saudade!

(Estrélas Errantes — 3.9 edicio — Campi-


nas — 1905 — pag. 107)
ANTOLOGIA DA PoEstIa PAULISTA 67

NESSUN MAGGIOR DOLORE!

Se de repente um timido desejo,


Como um raio furtivo do sol-pésto
Em nuvem d’oiro dentre o céu de agésto,
Caiu, passou pela tua alma em pejo;

Se a curva airosa do teu seio lindo,


Ninho dos sonhos que a existéncia aquece,
Banha a esperanga, e a infinita prece,
Entre susto e prazer, abre caindo;

Se aonde vais tu pedir a vida e 0 gézo,


Acha o teu coragao — ansia e tremor,
Anjo, tocaste o pomo venenoso!

E vens do paraiso a terra e a dor!


E vens despir o manto luminoso!
E vens perder-te as solidées do amor!

(Ibidem, pag. 39)


68 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

FAGUNDES VARELA
Luiz Nicolau Fagundes Varela nasceu a 17
de agédsto de 1841 no municipio de Rio Claro,
provincia do Rio de Janeiro, e faleceu em Niteroi a
18 de fevereiro de 1875. Matriculou-se na Faculda-
de de Direito de Séo Paulo em 1862, casando-se no
mesmo ano. Passou em Recife o ano de 1865, vol-
tou no ano seguinte para Sdéo Paulo, matriculando-se
no 4.° ano da Faculdade. Grande parte da poesia
de Fagundes Varela, ou pelo menos a melhor parte,
é paulista e em Séo Paulo o poeta viveu a maicr par-
te da sua vida.
Bibliografia: “Noturnas’’ — Séo Paulo, 1861;
“O Estandarte Auriverde”’ (Cantos sobre a questao
anglo-brasileira) — Séo Paulo — Tip. Imparcial de
J. R. de A. Marques, 1863; “Vozes da América” —
Sdo Paulo, 1864; “Cantos e Fantasias” — Séo Paulo
— Garraux, de Lailhacar & Cia., Livreiros Editéres,
1865; “Cantos Meridionais’” — Rio de Janeiro —
Eduardo & Henrique Laemmert, 1869; “Anchieta ou
o Kvangelho nas Selvas’? — Rio de Janeiro, 1875;
“Cantos Religiosos” — Rio, 1 878; e “Didrio de La-
zaro” — Rio, 1880. Suas “Obras Completas” foram
publicadas em 1886 no Havre, pela Livraria Garnier.

O FORAGIDO

(CANCAO}
Minha casa é deserta; na frente
Brotam plantas bravias no chao,
Nas paredes limosas o cardo
Ergue a fronte silente ao tufdo.

Minha casa é deserta. O que é feito


Désses templos benditos d’outrora,
Quando em térno cresciam roseiras
Onde as auras brincavam n’aurora? ’
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 69

Hoje a tribo das aves errantes


Dos telhados se acampa no vao,
A lagarta percorre as muralhas,
Canta o grilo pousado ao fogio.

Das janelas no canto, as aranhas


Leves tremem nos fios dourados,
As avencas pululam vicosas
Na umidade dos muros gretados.

Tudo € tredo, meu Deus! o que é feito


Dessas eras de paz que 1a vao,
Quando junto do fogo eu ouvia
As legendas sem fim do serao?

No curral esbanjado, entre espinhos,


Ja nao bala ansioso o cordeiro,
— Nem desperta-se ao toque do sino —
— Nem ao canto do galo ao poleiro. —

Junto a cruz que se eleva na estrada


Séco e triste se embala o chorao,
Nao ha mais o esfumar das acacias,
Nem do crente a sentida oragao.

Nao ha mais uma voz nestes ermos,


Um gorjeio das aves do val,
So a. furia do vento retroa,
Alta noite agitando o ervagal!

Ruge, oh vento gelado do norte,


Torce as. plantas. que brotam do. chao,
Nunca mais eu terei as. venturas
Désses tempos de paz que la.vao!

Nunca mais. désses dias: passados


Uma luz surgira dentre'as brumas!
As montanhas se embucam nas trevas,
As torrentes se vendam de espumas!

Corre pois vendaval das tormentas,


Hoje é tua esta morna soidao!
Nada tenho, que um céu lutulento
E uma cama de espinhos no chao!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Ruge, voa, que importa! sacode


Em lufadas as crinas da serra,
Alma nua de crenga e esperangas
Nada tenho a perder sobre a terra!

Vem, meu pobre e fiel companheiro,


Vamos, vamos depressa, meu cao,
Quero ao longo perder-me nas selvas
Onde passa rugindo o tufao!

Cantareira — 1861
(Noturnas)

A SAO PAULO

Terra da liberdade!
Patria de herdis e berco de guerreiros,
Tu és o louro mais brilhante e puro,
O mais belo florao dos Brasileiros!

Foi no teu solo, em borbotées de sangue


Que a fronte ergueram destemidos brayos,
Gritando altivos ao quebrar dos ferros,
Antes a morte que um viver de escravos!

Foi nos teus campos de mimosas flores,


A voz das aves, ao soprar do norte,
Que um rei potente as multiddes curvadas
Bradou soberbo — Independéncia ou Morte!

Foi do teu seio que surgiu, sublime,


Trindade eterna de heroismo e gloria,
Cujas estatuas cada vez mais belas
Dormem nos templos da Brasilia histéria!

Eu te satdo, oh! majestosa plaga,


Filha dileta, — estréla da Nacio,
Que em brios santos carregaste os cilios
A voz cruenta de feroz Bretio!

Pejaste os ares de sagrados cantos,


Ergueste os bragos e sorriste 4 guerra,
Mostrando ousada ao murmurar das turbas;,
Bandeira imensa da Cabralia terra!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 71

Eia! — Caminha, o Partenon da gloria


Te guarda o louro que premia os bravos!
Voa ao combate repetindo a lenda,
— Morrer mil vézes que viver escravos!

(Sdo Paulo, Janeiro — 1863)


(O Estandarte Auriverde)

CANTICO DO CALVARIO
A MEMORIA DE MEU FILHO MORTO A 11 DE DEZEMBRO DE 1863

Eras na vida a pomba predileta


Que sobre um mar de angtstias conduzia
O ramo da esperanga. — Eras a estréla
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idilio de um amor sublime.
Eras a gloria, — a inspiracao, — a patria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
Teto, — caiste! — Crenga, ja nao vives!

Correi, correi, 6 lagrimas saudosas,


Legado acerbo da ventura extinta,
Dubios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golconda
Fulgurar na coroa de martirios
Que me circunda a fronte cismadora!
Sao mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lagrimas santas,
E a vossa luz caminharei nos ermos!
Estrélas do sofrer, — gotas de magoa,
Brando orvalho do céu! — Séde benditas!
O filho de minh’alma! Ultima rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperanca amargamente doce!
Quando as garcgas vierem do ocidente,
Buscando um novo clima onde pousarem,
72 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Nao mais te embalarei sdbre os joelhos,


Nem de teus olhos no certleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Nao mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Nio mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao por do sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do cagador que aos lares se recolhe!

Nido mais! A areia tem corrido, e o livro


De minha infanda histéria esta completo!
Pouco tenho de andar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolara por terra!
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrara a ultima fibra
Da lira infausta que nas maos sustenho!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! O lago escuro
Onde ao clarao dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas funebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um tracgo fundo de agonias!...

Oh! quantas horas nao gastei, sentado


Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaisse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa n’agua o lenho do barqueiro!
Quantos momentos de loucura e febre
Nao consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cantico de morte!
Quantas noites de angtstias e delirios
Nao velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do génio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel?... E tudo embalde!
A vida parecia ardente e douda
Agarrar-se a meu ser!... E tu téo jovem,
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Tao puro ainda, — ainda n’alvorada,


Ave banhada em mares de esperanga,
Rosa em botao, crisalida entre luzes,
Foéste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah! quando a vez primeira em meus cabelos
Senti bater teu halito suave;
Quando em meus bragos te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coragéo divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocéncia e de candura,
E baixo e a médo murmurei: meu filho!
Meu filho! frase imensa, inexplicavel,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor... ah! pelas fibras
Senti rugir o vento incendiado
Désse amor infinito que eterniza
O consoércio dos orbes que se enredam
Dos mistérios do ser na teia augusta!
Que prende o céu a terra e a terra aos anjos!
Que se expande em torrentes inefaveis
Do seio imaculado de Maria!

Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!


E de meu érro a punicao cruenta
Na mesma gloria que elevou-me aos astros,
Chorando aos pés da cruz hoje padeco!

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,


A voz mentida de rafeiros bardos,
Torpe alegria que circunda os bergos
Quando a opuléncia doura-lhes as bordas,
Nao te saudaram ao sorrir primeiro,
Clicia mimosa rebentada a sombra!
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste mais que os principes da terra!
Templos, altares de afeicao sem térmos!
Mundos de sentimento e de magia!
Cantos ditados pelo proprio Deus!
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam
E o génio esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam a purpura romana
Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste!
74 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Que belos sonhos! Que ilusdes benditas ©


Do cantor infeliz langaste a vida,
Arco-iris de amor! luz da alianga,
Calma e fulgente em meio da tormenta!
Do exilio escuro a citara chorosa
Surgiu de novo e as viragées errantes
Lancou diltivios de harmonia! — O 26z0
Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Em desejos alados se mudaram.
Noites fugiam, madrugadas vinham,
Mas sepultado num prazer profundo
Nao te deixava o berco descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos, que dos teus vivia!

Como eras lindo! Nas rosadas faces


Tinhas ainda o tépido vestigio
Dos beijos divinais, — nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A béngao do Senhor quando o deixaste!
Sobre teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres das cacoilas niveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
E eu dizia comigo :— teu destino
Sera mais belo que o cantar das fadas
Que dancam no arrebol, — mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume!... Irds tao alto
Como o passaro-rei do Novo Mundo!

Ai! doudo sonho!... Uma estagdo passou-se,


E tantas glorias, tao risonhos planos
Desfizeram-se em pd! O génio escuro
Abrasou com seu facho ensangiientado
Meus soberbos castelos. A desgraca
Sentou-se em meu solar, e a soberana
Dos sinistros impérios de além-mundo
Com seu dedo real selou-te a fronte!
Inda te vejo pelas noites minhas,
Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te vivo, e morto te pranteio!...
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 75
ian ial laa eae ee ene

Oucgo o tanger monétono dos sinos,


E cada vibragao contar parece
As ilusdes que murcham-se contigo!
Escuto em meio de confusas vozes,
Cheias de frases pueris, estultas,
O linho mortuario que retalham
Pra envolver teu corpo! Vejo esparsas
Saudades e perpétuas, — sinto o aroma
Do incenso das igrejas, — oucgo os cantos >
Dos ministros de Deus que me repetem
Que nao és mais da terra!... E choro embalde!..

Mas nao! Tu dormes no infinito seio


Do Criador dos séres! Tu me falas
Na voz dos ventos, no chorar das aves
Talvez das ondas no respiro flébil!
Tu me contemplas 1a do céu, quem sabe,
No vulto solitario de uma estréla.
E sao teus raios que meu estro aquecem!
Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!
Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas nao te arrojes, lagrima da noite
Nas ondas nebulosas do ocidente!
Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Sdébre mim sacudir o po das asas,
Escada de Jaco serao teus raios
Por onde asinha subira minh’alma.

(Cantos e Fantasias)

RESIGNACAO

Sozinho no descampado,
Sozinho, sem companheiro,
Sou como o cedro altaneiro
Pela tormenta acoitado.

Rugi! tufao desabrido!


Passai! temporais de po!
Deixai o cedro esquecido,
Deixai o cedro estar so!
16 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Em meu orgulho embucado,


Do tempo zombo da lei...
Oh! venha o raio abrasado,
— Sem me vergar... tombarei!

Gigante da soledade,
Tenho na vida um consolo:
Se enterro as plantas no solo,
Chego a fronte a imensidade!

Nada a meu fado se prende,


Nada enxergo junto a mim;
So o deserto se estende
A meus pés, fiel mastim.

A dor o orgulho sagrado


Deus ligou num grande no...
Quero viver isolado,
Quero viver sempre so!

E quando o raio incendido


Rogar-me, entao cairei
Em meu orgulho envolvido,
Como em um mante de rei.

(lbidem)

A FLOR DO MARACUJA

Pelas rosas, pelos lirios,


Pelas abelhas, sinha,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabia,
Pelo calice de angistias
Da flor do maracuja!

Pelo jasmim, pelo goivo,


Pelo agreste manaca,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravata,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracuja!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Pelas trangas da mae-d’Agua


Que junto da fonte esta,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do uba,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracuja.

Pelas azuis borboletas


Que descem do Panama,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincora,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracuja!

Por tudo o que o céu revela!


Por tudo que a terra da
Eu te juro que minh’alma
De tua alma escrava esta!!...
Guarda contigo éste emblema
Da flor do maracuja!

Nao se enojem teus ouvidos


De tantas rimas em — a —
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinha!
Te peco pelos mistérios
Da flor do maracuja!

(Cantos Meridionais)

NOTURNO

Minh’alma é como um deserto


Por onde o romeiro incerto
Procura uma sombra em vao;
FE como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcao!

Minh’alma é como a serpente


Que se torce ébria e demente
De vivas chamas ao meio;
FE como a douda que danga
Sem mesmo guardar lembrancga
Do cancro que rdi-lhe o seio!
18 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Minh’alma é como o rochedo


Donde o abutre e o corvo tredo
Motejam dos vendavais;
Coberto de atros matizes,
Lavrado das cicatrizes
Do raio, nos temporais!

Nem uma luz de esperanga,


Nem um sopro de bonanga
Na fronte ‘sinto passar!
Os invernos me despiram,
E as ilusdes que fugiram
Nunca mais hao de voltar!

Tombam as selvas frondosas,


Cantam as aves mimosas
As nénias da viuvez;
Tudo, tudo vai finando,
Mas eu pergunto chorando:
Quando sera minha vez?

No véu etéreo, os planétas;


No casulo as borboletas
Gozam da calma final;
Porém meus olhos cansados
Sao, a mirar, condenados
Dos séres o funeral!

Quero morrer! Este mundo


Com seu sarcasmo profundo
Manchou-me de lédo e fel!
Minha esperan¢a esvaiu-se,
Meu talento consumiu-se
Nos martirios ao tropel!

Quero morrer! Nao é crime


O fardo que me comprime,
Dos ombros, lanca-lo ao chao;
Do po desprender-me rindo
E as asas brancas abrindo
Perder-me pela amplidao!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 79

Vem, oh! Morte! A turba imunda


Em sua ilusao profunda
Te odeia, te calunia,
Pobre noiva tao formosa
Que nos espera amorosa
No térmo da romaria!

Virgens, anjos e criancas


Coroadas de esperancas
Dobram a fronte a teus pés!
Os vivos vao repousando!
E tu me deixas chorando!
Quando vira minha vez?

Minh’alma é como um deserto


Por onde o romeiro incerto
Procura uma sombra em vaéo;
FE como a ilha maldita
Que sobre as vagas palpita
Queimada por um vulcao!

(Ibidem)
80 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

CARLOS FERREIRA
Carlos Augusto Ferreira nasceu em 24 de ou-
tubro de 1844, em Porto Alegre, Rio Grande do
Sul. Aos 19 anos, com uma bélsa de estudos con-
cedida pelo Imperador, mudou-se para Séo Paulo,
mas nao chegou a ingressar na Faculdade: dedicou-se
ao jornalismo, no “Correio Paulistano”. Em 1871
transferiu-se para o Rio. Poucos anos depois en-
contrava-se em Campinas, onde trabalhou na “Gaze-
ta de Campinas” com Quirino dos Santos, Campos
Salles, Glicério e outros republicanos. Na literatu-
ra, dedicou-se principalmente ao teatro e & poesia.
Faleceu em 1918.
Bibliografia: “Cédnticos Juvenis”, Pérto Alegre,
1867; “Rosas Loucas’, 1868; “Alctones”, Rio, 1870;
“Redivivas”, Campinas, 1881; “Plumas ao Vento”,
Campinas, 1908. Em prosa publicou um livro de
contos, um romance e numerosas pecas de teatro.

PRIMAVERA
Foi-se o inverno!... Ao bosque adormecido
Desce um raio de sol! Nas frescas rosas
Tremem do orvalho as gotas fulgurosas
— Pérolas séltas de um colar partido!...

Do azul do céu profundo e enlanguescido


Rolam estrofes festivais, formosas...
Musas do amor sensual! Musas nervosas!
Vinde banhar o coracdo ferido
Nos efluvios da aurora! A dor que mata
Responde ao longe o murmur da cascata,
Falam da luz os lubricos tremores!
O inseto loiro zumbe... A ave gorjeta...
Nas luxtrias do amor a terra anseia
E a vida foge em turbilhao de flores.

(Parnaso Académico — Paulo Antédnio do


Vale)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 81

PERDOAR

E tao bom perdoar! Sentir a vida


Andar em mar de jubilo constante.
Ter uma idéia boa a cada instante
Téda azul de luzes revestida.

Deixar nas trevas densas esquecida


A dolorosa ofensa lancinante.
E procurar no amor tonificante
A recompensa, em béncaos envolvida.

Ah! E tao bom ser bom! Sentir vibrando


Na alma o eco do amor que a crenga afaga.
Tudo esquecendo e tudo abencoando...

Sorrir a ingratidao por simples paga.


Perdoar... Perdoa-la, mesmo quando
Fino punhal nos crava em viva chaga!

(Plumas ao Vento — pag. 143)


so°. 4 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

BRASILIO MACHADO
Brasilio Augusto Machado de Oliveira nasceu
‘em Séo Paulo aos 4 de setembro de 1848. Féz
os seus estudos em Sao Paulo e matriculou-se na
Faculdade de Direito em 1868, bacharelando-se em
1872. Fot Promotor Piblico em Piracicaba, e de-
pois grande advogado e tribuno. Lente da Faculda-
de de Direito de Séo Paulo, Presidente da Provincia
do Paranda, Presidente do Conselho Superior do En-
sino. Faleceu em Sao Paulo aos 5 de marco de 1919.
Deixou dois livros de versos: “Madressilvas” (1876)
e “Perpétuas” (1882), além de vérios trabalhos juri-
dicos e discursos literérios.

UMA NOITE EM SAO PAULO


Minha terra é 0 pais das serenatas;
Por noites de luar,
Enquanto a névoa, em trémulas cascatas,
No rio vem boiar,

As frautas, do violao ao som doido,


Aqui sabem dizer
Os segredos do amor, saudades vivas
Dos anos de prazer.
Jamais, em labios rubros de espanhola,
A cantiga gemeu,
Como uma sé das belas serenatas
Que escuta o nosso céu.
Jamais o gondoleiro do Rialto,
Que a onda acalentou,
Mais doce canto as auras do Adriatico
A noite suspirou.
Em meu pais 0 canto do tropeiro,
Sentado ao pé do lar,
Ou do rancho nos ermos, onde a lua
Encontrou-o a sonhar;
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 83

A cantiga do escravo suspiroso,


No exilio do sertao,
Quando ao dia que morre éle despede
Sua patria cancio;

As tiranas doidas que a viola


Chorando desprendeu,
Acordam mais 0 génio da saudade
Na sombra déste céu...

Nosso canto aprendeu as melodias,


Seus hinos virginais,
Da cascata no trémulo murmurio, *
Na voz dos sabias...

Minha terra é 0 pais das serenatas,


Por noites de luar...
Vinde, filhos de além, ver quanto é doce
Sob a curva do céu aqui sonhar!

(Histéria da Academia de Sao Paulo —


Spencer Vampré — 2.° volume — pag. 483)

A UM ROMANTICO

Tu és um poeta lirico,
Feito de espuma e luar,
Sabendo apenas amar...
Tu és um poeta lirico,
Mas, cuidado, o meio empirico
N&o mais te pode aturar;
Tu és um poeta lirico
Feito de espuma e luar.

Quebra teu verso, poeta,


Atira as pétalas ao vento,
A lira féz testamento...
Quebra teus versos poeta,
Ja morreram na sarjeta,
Os Romeus do sentimento ;
Quebra teus versos poeta,
Atira as pétalas ao’ vento.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

O século nao quer cantigas,


Nem trovadores sombrios.
Manda a policia os vadios;
O século nao quer cantigas,
Daquelas modas antigas
Mal permite os assobios,
O século nao quer cantigas
Nem trovadores sombrios.

Nao vés escadas caidas


Como trancas reluzentes,
Nos balcées alvos, dormentes...
Nao vés escadas caidas;
Na pia das Margaridas
Nao se tocam m&aos frementes;
Nao vés escadas caidas
Como trancas reluzentes.

Hoje nao somam-se estrélas,


Nem multiplicam-se as flores...
O orvalho se féz — suores,
Hoje nao somam-se estrélas;
Ja nao se contam parcelas,
Dos zeros feitos de amores;
Hoje niéo somam-se estrélas
Nem multiplicam-se as flores.

As alavancas do Comte
Ja deslocaram a base:
Deus, familia mundo! — quase
As alavancas do Comte
Torceram, sdbre o horizonte,
A lua, fase por fase;
As alavancas do Comte
Ja deslocaram a base.

Aprumou-se no infinito
A escada da consciéncia ;
Frio, o punhal da ciéncia
Aprumou-se no infinito!
E em seu trono de granito
Degolou a Providéncia. ..
Aprumou-se no infinito
A escada da consciéncia...
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 85

Expulso Deus, fica o verme!


Tirada a cruz — deixa a cova;
Mas, o homem se renova...
Expulso Deus, fica o verme,
Se infiltra sob a epiderme
Do mundo uma artéria nova;
Expulso Deus, fica o verme!
Tirada a cruz, — deixa a cova!

Nao ha mais criangas nuas,


Erguendo as maos magoadas,
Para as esmolas choradas!...
Nao ha mais criangas, nuas.
Derreteram-se as gazuas
Da porta das enjeitadas...
Nao ha mais criangas, nuas
Erguendo as maos magoadas...

Depois que arrancou-se o Cristo


Das brancas maos descaidas,
Das virgens adormecidas...
Depois que arrancou-se o Cristo,
Nao mais se engole Mefisto
Na porta das Margaridas,
Depois que arrancou-se o Cristo
Das brancas mfos descaidas.

Hoje o burgués dorme, farto,


Alegre, o ventre encurvado;
Nao tem o sono cortado.
Hoje o burgués dorme, farto.
Nao lhe entra mais pelo quarto
O velho susto, embugado ;
Hoje o burgués dorme, farto,
Alegre, o ventre encurvado.

(Almanaque Literario de Sao Paulo — José


Maria Lisboa — 1884 — pag. 69)
86 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

TEOFILO DIAS
Teofilo Odorico Dias de Mesquita nasceu em
Caxias, no Maranhéo, em 8 de novembro de 1854.
Estudou na Faculdade de Direito de Séo Paulo
(1877-1881) e aqui se consorciou com D. Gabriela
Frederica Ribeiro de Andrada, filha de Martim
Francisco (II). Professor e diretor da Escola Nor-
mal de Sdéo Paulo; deputado provincial. Faleceu
em 29 de mar¢o de 1889.
Bibliografia: “Flores e Améres’’, Caxias, 1874;
“Lira dos Verdes Anos”, Rio, Evaristo Rodrigues da
Costa, editor, 1878; “Cantos Tropicais”, Rio, Livra-
ria de Agostinho Goncalves Guimardes & Cia., 1878;
“Fanfarras”’, Sdo Paulo, Editor Dolivaes Nunes,
1882; “A Comédia dos Deuses’”’, Sdo Paulo, Teixeira
& Irmao, 1887.

A MATILHA
Pendente a lingua rubra, os sentidos atentos,
Inquieta, rastejando os vestigios sangrentos,
A matilha feroz persegue enfurecida,
Alucinadamente, a présa_malferida.
Um, afitando o olhar, sonda a escura folhagem ;
Outro consulta o vento; outro sorve a bafagem,
O fresco, vivo odor, calido, penetrante,
Que, na rapida fuga, a vitima arquejante
Vai deixando no ar, pérfido e traicoeiro ;
Todos, num turbilhio fantastico, ligeiro,
Ora, em vértice, aqui se agrupam, rodam, giram,
E, cheios de furor frenético, respiram,
Ora, cegos de raiva, afastados, dispersos,
Arrojam-se a correr. Vao por trilhos diversos,
Esbraseando o olhar, dilatando as narinas.
Transp6em num momento os vales e as colina
s
Sobem aos alcantis, descem pelas encostas, ,

Recruzam-se febris em diregdes opostas,


Té que da présa, enfim, nos musculos cansa
dos
Cravam com avidez os dentes afiados.
ANTOLOGIA DA Porsia PavULIsTa 87

Nao de outro modo, assim meus sdfregos desejos,


Em matilha voraz de alucinados beijos,
Percorrem-te o primor as langorosas linhas,
As curvas juvenis, onde a volipia aninhas,
Frescas ondulagdes de formas florescentes
Que o teu contorno imprime as roupas eloqiientes:
O dorso aveludado, elétrico, felino,
Que poreja um vapor aromatico e fino;
O cabelo revélto em anéis perfumados,
Em fofos turbilhées, elasticos, pesados;
As fibrilhas sutis dos lindos bracgos brancos,
Feitos para apertar em nervosos arrancos;
A exata correcgéo das azuladas veias,
Que palpitam, de fogo intumescidas, cheias,
— Tudo a matilha audaz perlustra, corre, aspira,
Sonda, esquadrinha, explora, e anelante respira,
Até que, finalmente, embriagada, louca.
Vai encontrar a présa, — o g6zo — em tua boca.

(Fanfarras — pags. 7-9)

ESFINGE

Tuas pupilas alaga


N4o sei que acerba ternura,
Cuja luz cruel me afaga,
Cujo afago me tortura.

Unge-te o seio moreno


Um perfume sufocante,
Suave como um calmante,
Pérfido como um veneno.

Freme-te a alma fatal


No fragil corpo nervoso,
Como um filtro perigoso
Numa prisdo de cristal.

Para estancar os desejos,


Que teu sangue tantalizam,
Teus labios prodigalizam
Dentadas por entre beijos.
88 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Com sarcasmo me apunhalas;


Depois, as feridas cruas
Ameigas com a luz que exalas
Dos teus olhos, — negras luas.

Tua palavra me é dura


As vézes, pelo sentido,
E doce pela brandura
Com que me trina no ouvido.

Ha uma alma que suspira


Em cada ponto do espaco
Quando caminhas: teu passo
Murmura como uma lira.

No movimento discreto
Revelas, por entre gazes,
Todo um poema correto
Escrito em versos sem frases.

Os teus lengdis apaixonas


Com a gentileza que apuras
Nas langorosas posturas
Em que o teu corpo abandonas.

Dos primores, de que és feita,


A nenhum dou primazia:
E do conjunto a harmonia
Que os meus sentidos sujeita.

E eu te amo, beleza fatua,


Minha perpéetua loucura,
Como o verme a flor mais pura,
E o musgo a mais bela estatua!

(thidem, pags. 16-17)

O LEITO

Mares, de esptimeo albor de rendas revestidos!


Vagas, cheias de aroma, e de torpor fecundas!
Para a febre lenir, que esvaira-me os sentidos,
Quero nestes lengdis mergulha-los, vencidos,
Num mar de sensacées letargicas, profundas!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Aqui, de regides opostas, climas varios


Vieram se encontrar, por diversos caminhos,
Para depor, fiéis, submissos tributarios,
Os prodigios do gosto, arduos, imaginarios,
Em perfume, em cetins, em sédas, em arminhos.

Despenhada do teto, em turbilhao se entorna,


Muda, imdvel cascata, a cortina nitente,
Derramando no ar uma preguica morna,
Que os musculos distende e os nervos amadorna,
Em intima volupia, estranha, inconsciente.

Repassa, embebe a alcova, em tdda a plenitude,


A emanagao sutil, que enleva, que extasia,
De um corpo virginal e cheio de satde,
Grato eflivio do sangue, em plena juventude,
Que do olfato a avidez satura, e nao sacia.

Perfumados lengdis! vds sois as brancas tendas,


Onde, arabes do amor, meus vagos pensamentos
Nas solidé6es da noite ouvem estranhas lendas,
Enquanto sob um céu enublado de rendas
Enerva-me o luar de uns olhos sonolentos!
(ibidem — pags. 24-25)

SAUDADE
A saudade da amada criatura
Nutre-nos na alma dolorido gézo,
Uma inefavel, intima tortura,
Um sentimento acerbo e voluptuoso.

Aquéle amor cruel e carinhoso


Na memoria indelével nos perdura,
Como acre aroma absorto na textura
De um cofre oriental, fino e poroso.

— Entranha-se, invetera-se; — de jeito


Que do tempo ao volver, lento e nocivo,
Resiste; — e ainda mil pedacos feito

O ligneo carcer, que o retém cativo,


Cada parcela reproduz perfeito
O mesmo aroma, inalteravel, vivo.
(Ibidem — pags. 42-43)
90 ANTOLOGIA DA Porsia PAULISTA

OS SEIOS

Como serpente arquejante


Se enrosca em férvida areia,
Meu avido olhar se enleia
No teu colo deslumbrante.

Quando o descobres, no ar
Mérno calor se dissolve
Do aroma, em que éle se envolve,
Como em neblina o luar.

Se ao corpo te enrosco os bragos,


A terra e os céus estremecem,
E os mundos febris parecem
Derreter-se nos espacos!

E tu nem sequer presumes


Que ent&o, querida, até creio
Sorver, desfeito em perfumes,
Todo o sangue do teu seio.

Depois que aspiro, ansiado,


Do teu niveo colo o incenso,
Minh’alma semelha um lenco
De viva esséncia molhado.

Deixa que a louca se deite


Nesse torpor, que extasia,
E que o vinho do deleite
Me espume na fantasia;

Pois nao ha 6pio ou haschis


Que me abrilhante as idéias
Como as fragrancias sutis
Que fervem nas tuas veias!

(Ibidem — pags. 20-21)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA ‘91

VENCESLAU DE QUEIROZ

Venceslau José de Oliveira Queiroz nasceu


em Jundiai, em 2 de dezembro de 1865. Exer-
ceu o jornalismo, a magistratura e o magistério na
Capital do Estado. Deputado estadual. Fundador
da Academia Paulista de Letras.. Faleceu em 1921.
Bibliografia: “Goivos’, Séo Paulo, Tip. do Co-
méreto, 1888; “Versos” (1884-1888), Séo Paulo,
Teixeira e Irmdo, 1890; “Herdis”’, Sdo Paulo, 1898;
“Sob os Olhos de Deus’’, poemeto, Sado Paulo, 1901;
“Rezas do Diabo”’, Sdo Paulo, Revista dos Tribunais,
1939.

BEATA BEATRIX

Dizem que és casta, és santa, és pura...


E, na verdade, quem te veja
O rosto... os olhos... a figura
Que lembra as santas de uma igreja,

Por Deus! negar nao pode, jura


Que és pura, és santa, és casta, e beija,
Com untuosa compostura,
Tua mao franca e benfazeja...

Mas que o Senhor me fira em cheio


O coracféo, se, em longo anseio
Da mais brutal paixéo esputria,

Teu corpo em meus bragos de ferro


Nao palpitou ouvindo o berro
Do bode negro da Luxtria!

(Rezas do Diabo — pag. 71)


92 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

ATO DE CONTRICAO
(Escrito depois da leitura de uma poesia de
Santa Teresa de Jesus, quando esta carmelitana se
refere a Sata)

Ja que meu coracao, no desencanto


Das ilusdes do Orgulho e da Vaidade,
Encruou na feroz iniqtidade,
Como na réde de infernal amianto,

Dai-me, Senhor! um pouco de piedade,


Para que eu possa, com ésse 6dleo santo,
Ungir meu seio onde secou o pranto,
Como a estéril Gomorra da Impiedade.

Uma lagrima so que me tombasse,


Como divino balsamo, na face,
Desfaria, Senhor! minha cegueira...

E essa gota de lagrima salgada


Lavaria, num sonho de alvorada,
As maldic6es de minha vida inteira.

(ibidem — pag. 88)

VISAO DE SANTA BRIGIDA

AO DR. JOAQUIM LEITAO


_ Une sainte, trois fois canonisée par |’Eglise,
sainte Brigitte, a bien osé nous monirer Jésus-
-Christ, offrant & Satan une grace pleine et entiére,
sous la condition d’une parole de repentir.

(T. DULAMON)

No mistico fervor de uma oracdo, ungida


A alma de Amor, de Paz, de Graca e de Piedade
Pelos que vao caindo, em luta, nesta Vida,
Pelos que vao tateando, em pranto, a Escuridade,

Santa Brigida viu (chorando, enternecida)


Sata ante Jesus que, cheio de bondade,
Stiplice a voz, lhe diz: — “6 Alma decaida!
Roga a Deus o perdiao da tua Iniqiiidade”, —
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 93

Sata, zombando, ri; porém tanta é a brandura


De Jesus Cristo, e a ungaéo de sua voz tao pura,
Que aos pés lhe cai Sata, colhendo a boca o riso...

— “Senhor! — implora entao — eis-me aqui ajoelhado...


Lava-me pois, Senhor! a mancha do Pecado”. —
E a Santa viu Sata subir ao Paraiso...

(Ibidem — pag. 112)

PLANTA MALDITA

E da noite na escura estufa que, em resguardo,


Cinzela o estranho artista a orquidea do seu estro,
— Rubra e esquisita flor, misto de euférbia e cardo, —
Que a alma lhe prende e traz num infernal seqiiestro.

Dentro do coracae do feiticeiro bardo,


Que da visao do mal jamais perdeu o sestro,
Ela finca a raiz como bigumeo dardo
Com que o transfixa a dor num golpe vivo e destro...

Dessa planta letal nao sorvam o perfume,


Que faz gozar, bem sei, mas um veneno instila
E acende em cada veia inextinguivel lume...

A alma do poeta, assim, é o tormentoso mangue,


Onde essa flor de maldig&o rutila,
Desabrochada em finas pétalas de sangue...

(Ibidem — pag. 119)

VIRGEM SANTISSIMA

Quando ela a igreja vai, e na discreta


Prece deixa voar a alma piedosa,
No seu livro de missa uma violeta
f que lhe marca as folhas cor de rosa.

Talvez se oculte nessa flor mimosa,


— Prenda amada e gentil de algum poeta, —
O fio de uma histéria dolorosa,
O doce fel de uma paix4o secreta.
94 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Contam que a viram, quando orava um dia,


Beijar essa reliquia sacrossanta,
Que no seu livro d’oracgées jazia;

E entao, vencida de uma funda magoa,


Tinha nas faces um palor de santa,
E os negros olhos arrasados d’agua.

(Ibidem — pag. 128)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 95

VICENTE DE CARVALHO

Vicente Augusto de Carvalho nasceu em San-


tos, em 5 de abril de 1866. Deputado, Secre-
tdrio do Interior, Ministro do Tribunal de Justica
do Estado. Da Academia Brasileira de Letras. Fa-
leceu em Santos, em 22 de abril de 1924.
Bibliografia: “Ardentias”’, Tip. do Didério de
Santos, 1885; “Relicdrio’”’, Tip. do Didrio de Santos,
1888; “Rosa, Rosa de Amor’’, Rio, Laemmert, 1902;
“Poemas e Cancédes’”’, Sado Paulo, Cardoso, Filho &
Cia., 1908; “Versos da Mocidade’’, Pérto, Chardron,
1912; e optsculos cujos poemas se léem hoje nos
“Poemas e Cancées’’.

VELHO TEMA

S6 a leve esperanga, em toda a vida,


Disfarga a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existéncia, resumida,
Que uma grande esperanca malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,


Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
E uma hora feliz, sempre adiada
E que nao chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,


Arvore milagrosa que sonhamos
Toéda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nds nao a alcangamos


Porque esta sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nds estamos.

(Poemas e Cancées, princeps — pags. 7-8)


96 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

VELHO TEMA
III
Belas, airosas, palidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
Sao rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidao de almas cativas.

Tém a alvura do marmore; lascivas


Formas; os labios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, palidas, altivas...

Por qué? Porque lhes falta a todas elas,


Mesmo as que sao mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:
Falta-lhes a paixaéo que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.
(Poemas e Cangdes — Colacdo das seis pri-
meiras edigdes)

PALAVRAS AO MAR
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitarias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo errica o pélo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, 4 sombra
Das palmeiras que arfando se debrucam
Na beirada das ondas — a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.
Quando eu nasci, raiava
O claro més das garcas forasteiras:
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilacdo das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro;
E as leves garcas, como fdlhas séltas
Num leve sdépro de aura dispersadas,
Vinham do azul do céu turbilhonando
Pousar 0 v6o a tona das espumas...
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 97

E o tempo em que adormeces


Ao sol que abrasa: a célera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Nao os sacode mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, timido e plangente,
O teu murmirio; e pelo alvor das praias,
Langue, numa caricia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes...

Ah! vem dai por certo


A voz que escuto em mim, trémula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de ti tnicamente, aquela
Cangao de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouviam,
Pela manha de sol dos meus vinte anos.

© velho condenado
Ao carcere das rochas que te cingem!
Em vao levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrélas quando é noute,
Paira, longinquo e indiferente, acima
Da tua solidao, dos teus clamores...

Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sObre a qual o céu resplende
— Longinquo céu — de um esplendor distante.
Debalde, 6 mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coracéo revolto
Levanta para o céu, como borrifos,
Téda a poeira de ouro dos meus sonhos.

Sei que a ventura existe,


Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa,
Como dentro da noute amortalhado
Vés longe o claro bando das estrélas;
Em vio tento alcanca-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes...
6 mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam!
98 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Mar, belo mar selvagem


Das nossas praias solitarias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo erriga o pélo!
Ougo-te as vézes, revoltado e brusco,
Escondido, fantastico, atirando
Pela sombra das noutes sem estrélas
A blasfémia colérica das ondas...

Também eu ergo as vézes


Imprecagées, clamores e blasfémias
Contra essa m&o desconhecida e vaga
Que tragou meu destino... Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angustia do meu sonho iniutil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos A terra,
E, dando as asas, nao permite o voo!

Ah! cavassem-te embora


O tumulo em que vives — entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedacam,
Entre as nuas areias que te cingem...
Mas fésses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaco,
E nao pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu tamulo!

Fésses tu como um lago,


Como um lago perdido entre montanhas:
Por sé paisagem — dridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte...
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sdbre ti de lado a lado
Todo 0 universo deslumbrante — perto
Do teu desejo e além do teu alcance!
ANTOLOGIA DA POogSIA PavULIsTA 99

Nem visses nem sentisses


A tua solidao, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem, buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
— Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que ja brota desfolhada...

Mar, belo mar selvagem!


O olhar que te olha s6 te vé rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fimbria de irisada espuma...
Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
Um coracgao chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.

Ah, se o olhar descobrisse


Quanto ésse lengol de aguas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cdlera insubmissa,
Os bramidos de angustia e de revolta
De tanto brilho condenado a sombra,
De tanta vida condenada a morte!

Ninguém entenda, embora,


Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidao nas praias,
Que sai da minha solidao na vida...
Que importa? Vibre no ar, acorde os ecos
E embale-nos a nos que 0 murmuramos...
Versos, marulho! amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!

(Ibidem — Colacg&o das seis primeiras edigdes)

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100 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

A TERNURA DO MAR

No firmamento azul, cheio de estrélas de ouro


Ia boiando a lua indiferente e fria...
De penhasco em penhasco e de estouro em estouro,
Embaixo, o mar dizia:

“Lua, sO meu amor é fiel tempo em fora...


Muda o céu, que se alegra a madrugada, e pelas
Sombras do entardecer todo entristece, e chora
Marejado de estrélas;

Ora em pompas, a terra, ora desfeita e nua


Como a fdlha que vai arrastada na brisa —
Aos caprichos do tempo inconstante flutua
Indecisa, indecisa...

Desfolha-se, encanece em musgos, aos rigores


Do céu mostra a nudez dos seus galhos mesquinhos,
A arvore que vicou téda fdlhas e flores,
Téda aromas e ninhos;

Céleras de tufao, pompas de primavera,


Céu que em sombras se esvai, terra que se desnuda,
A tudo o tempo alcanca, e a tudo o tempo altera...
— S6 meu amor nao muda!

Ha mil anos que eu vivo a terra suprimindo:


Hei de romper-lhe a crosta e cavar-lhe as entranhas,
Dentro de vagalhdes penhascos submergindo,
Submergindo montanhas.

Hei de alcangar-te um dia... Embalde nos separa


A largura da terra e o fraguedo dos montes...
Hei de chegar ai de onde vens, nua e clara,
Subindo os horizontes.

Um passo para ti cada dia entesouro;


Ha de ter fim o espacgo, e o meu amor caminha...
Dona do céu azul e das estrélas de ouro,
Um dia serds minha!

E serei teu escravo... A noute, pela calma


Rendilharei de espuma o teu berco de areias,
E ha de embalar teu sono e acalentar tua alma
O canto das sereias.
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 101

Quando a aurora romper no céu despovoado,


Tesouros a teus pés estenderei, de rastros...
Ser amante do mar vale mais, sonho amado,
Que ser dona dos astros.

Deliciando-te o olhar, afagando-te a vista,


Todo me tingirei de mil céres cambiantes,
E abrir-se-a de meu seio a brancura imprevista
Das ondas arquejantes.

Levar-te-ei de onda em onda a vagar de ilha em ilha,


Tranqiilas soliddes, érmas como atalaias,
Onde o marulho canta e a salsugem polvilha
A alva nudez das praias.

Ao longe, de repente assomando e fugindo,


Alguma vela, ao sol, veras alva de neve:
Teus olhos sonharao enlevados, seguindo
Seu voo claro e leve;

Sonharao, na delicia indefinida e vaga


De sentir-se levar sem destino, um momento,
Para além... para além... nos balancos da vaga,
Nos acasos do vento.

Far-te-ei ver o pais, nunca visto, da sombra


Onde cascos de naus arrombadas, a espagos
Dormem o Ultimo sono, estendidos na alfombra
De algas e de sargacos.

Opulentos galedes, pelas junturas rotas,


Vertem ouro, troféus inuteis, vis monturos,
Que foram conquistar as praias mais remotas,
Pelos parcéis mais duros.

Flamula ao vento, proa em rumo ao largo, velas


Desfraldadas, varando ermos desconhecidos,
Rudes ondas, tufées brutais, turvas procelas,
Sombra, fuzis, bramidos,

Todo o estranho pavor das aguas afrontando,


Altivos como reis e leves como plumas,
Iam de gdlfo em gélfo, em triunfo arrastando
Uma esteira de espumas.
102 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Ei-los, carcassas vis donde 0 ouro em vao supura,


Esqueletos de herdis... dei-os em pasto a fome
Silenciosa e sutil da multidio obscura,
Dos moluscos sem nome.

Essa estranha regiao nunca vista, has de vé-la,


Onde, numa bizarra exuberancia, a flora
Rebenta pelo chao pérolas cor de estréla
E conchas cor de aurora;

Onde o humilde infusdério aspira as maravilhas


Da gloria, sonha o sol, e, dos grotdes mais fundos
De meu seio, levanta a pouco e pouco as ilhas,
Arquipélagos, mundos...

Lua, eu sou a paixao, eu sou a vida... Eu te amo.


Paira, longe, no céu, desdenhosa rainha!...
Que importa? O tempo é vasto, e tu, bem que reclamo!
Un dia seras minha!

Embalde nos afasta e embalde nos separa


A largura da terra e o fraguedo dos montes:
Hei de chegar ai de onde vens, nua e clara,
Subindo os horizontes...”

Na quietacdo da noute apenas tumultua


Quebrada de onda em onda a voz brusca do mar:
Corta o siléncio, agita o sosségo, flutua
E espalha-se no luar...

(tbidem — Colacgdo das seis primeiras edigdes)

OLHOS VERDES

Olhos encantados, olhos cér do mar,


Olhos pensativos que fazeis sonhar!

Que formosas cousas, quantas maravilhas


Em vos vendo sonho, em vos fitando vejo;
Cortes pitorescos de afastadas ilhas
Abanando no ar seus coqueirais em flor,
Solidées tranqiiilas feitas para o beijo,
Ninhos verdejantes feitos para o amor...
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 103

~ Othos pensativos que falais de amor!

Vem caindo a noute, vai subindo a lua...


O horizonte, como para recebé-las,
De uma fimbria de ouro todo se debrua;
Afla a brisa, cheia de ternura ousada,
Esfrolando as ondas, provocando nelas
Bruscos arrepios de mulher beijada...

Olhos tentadores da mulher amada!

Uma vela branca, t6da alvor, se afasta


Balangando na onda, palpitando ao vento;
Ei-la que mergulha pela noute vasta,
Pela vasta noute feita de luar;
Ei-la que mergulha pelo firmamento
Desdobrado ao longe nos confins do mar...

Olhos cismadores que fazeis cismar!

Branca vela errante, branca vela errante,


Como a noute é clara! como o céu é lindo!
Leva-me contigo pelo mar... Adiante!
Leva-me contigo até mais longe, a essa
Fimbria do horizonte onde te vais sumindo
E onde acaba o mar e de onde o céu comega...

Olhos abengoados, cheios de promessa!

Olhos pensativos que fazeis sonhar,


Olhos cér do mar!

(Poemas e Cancées, princeps — pags. 163-


-166

A FLOR E A FONTE

“Deixa-me, fonte!” Dizia


A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

“Deixa-me, deixa-me, fonte!”’


Dizia a flor a chorar:
“Bu fui nascida no monte...
“Ndo me leves para o mar”.
104 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

E a fonte, rapida e fria,


Com um sussurro zombador,
Por sdébre a areia corria,
Corria levando a flor.

“Ai, balancos do meu galho,


“Balancos do berco meu;
“Ai, claras gotas de orvalho
“Caidas do azul do céu!...”

Chorava a flor, e gemia,


Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

“Adeus, sombra das ramadas,


“Cantigas do rouxinol;
“Ai, festa das madrugadas,
“Docuras do por do sol;

“Caricia das brisas leves


“Que abrem rasgoes de luar...
“Fonte, fonte, nao me leves,
“Nao me leves para o mar!... ”

* aK

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

(Ibidem — pdgs. 185-189)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 105

RODRIGO OTAVIO
Rodrigo Otdvio de Langgaard Meneses nas-
ceu em Campinas, em 11 de outubro de 1866.
Ministro do Supremo Tribunal Federal e professor
de Direito, no Rio de Janeiro. Fundador da Aca-
demia Brasileira de Letras. Faleceu na Capital da
Republica, em 1944.
Bibliografia: (poesia, em portugués): “Paémpa-
nos”, Rio, Tip. G. Leuzinger e Filhos, 1886; “Poemas
e Idilios’’, Rio, Tip. e Litografia Moreira Maximino
& Cia., 1887; “Vera” (poema), Rio, Tip. Apolo,
1916; “‘Coragdo de Caboclo” (poema), Rio, Editéra
A Ilustragdo, 1924.

NA ALCOVA DA SULTANA

A RODOLFO PORCIUNCULA

Na azul e perfumada alcova em que ela dorme,


Dorme também aos pés da cama aurilavrada,
De um urso branco a pele aveludada, enorme,
De pérolas azuis e gema entressachada.

Sai da rubra goela hiante, escancarada,


Pontiaguda, erigada a dentadura informe,
Guardando noite e dia a azul e perfumada
Alcova em que a gentil sultana sonha e dorme.

Quando o sol de manha no leito vem beija-la,


As palpebras descerra, os bragos estendendo
No ar, aberto o roupao de linho cér de opala.

Sai do leito: no quarto entorna-se um perfume,


E os olhos de esmeralda o urso crava com ciume
No espelho, um outro olhar, cupido a vé-la, vendo.

(Poemas e Idiflios — pag. 65)


106 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

FRANCISCO GASPAR
Francisco Gaspar Martins nasceu em Jacarei,
em 20 de outubro de 1869. Faleceu em 21 de
abril de 1921. Foi tipégrafo na “Casa Garraux” e
funcionadrio da Prefeitura de Séo Paulo.
Bibliografia: “Ninféias”’; “Florario”’; “Flutu-
antes”, Sido Paulo, Casa Vanorden, 1916; “Calvdrio
do Sonho”’, Séo Paulo, Casa Vanorden, 1920.

VILANCETES

IV

Senhora, cumpro um dever:


Nao quero que ponhas luto
— Meu corag&o vai morrer!

VOLTAS

Nao quero que ponhas luto


Quando eu deixar de existir;
Quero ver-te o rosto enxuto
Sem a lagrima fluir;
Nao quero que amargue o pranto
Neste mdérno entardecer;
Apenas muda de canto
— Meu coracdo vai morrer!

Deixo éste mundo sem alma, 7


Tao pequeno para mim;
Se as vézes eu tinha a palma
O meu mal nao tinha fim ;
Sorriu-me um dia a ventura:
Chorei — custava-me crer —
Naquela hora de docura!
— Meu coracdo vai morrer!
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108 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

ZALINA ROLIM
Maria Zalina Rolim de Toledo nasceu em Ita-
petininga em 20 de julho de 1869. Dedicou-se ao
magistério. De seu sonéto “Pomba Ferida” decla-
rava Vicente de Carvalho, em 1901, que era uma
poesia “quase célebre’’.
Bibliografia: ‘“Coracdo” (poesias com carta-
prefacio de Ezequiel Freire), Edit. Hennies e Wini-
ger, 1893; “Livro das Criancas” — obra diddtica
— Sdo Paulo, 1898.

POMBA FERIDA

Ela veio cair trémula, exangue,


Junto a um craveiro aberto em rubras flores;
Tinha entre as penas tmidas de sangue,
Das pétalas do cravo as rubras cores.

O moribundo olhar enevoado,


Toda a tremer de inquietacao, volvia
Para os beirais fronteiros do telhado,
Donde queixoso pipilar partia...

Batendo as asas, arquejante, ansiado,


Rapido chega, exausto, alucinado,
O companheiro que o lamento ouvira;

E a pobre que a espera-lo a dor resiste,


Soergue, ao vé-lo, a cabecinha triste
E as brancas asas agitando, expira...

(Correio Paulistano, 6-5-1893)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 109

ALBERTO SOUSA

Alberto Sousa nasceu em Santos, em 20 de


junho de 1870. Jornalista. Faleceu em 28 de se-
tembro de 1927.
Bibliografia: “Livro dos Améres’’, Santos, Ofi-
cinas Grdficas do “Bureau Central’, 1914.

SONHO DE AMOR

Cantas, e enquanto cantas, cismo e sonho.


Sonho que deixo a terra, e, satisfeito,
Alo-me a um outro mundo mais risonho,
A um planéta mais lucido e perfeito.

E chegando a ésse mundo, circumponho


Os meus olhares, e ansioso espreito...
Com que alvoroco triunfal transponho
A alcova onde me aguardas no teu leito!

Cangdes e aromas pelos ares passam...


(O meu sonho de amor quente flutua).
E os nossos corpos juvenis se enlagam...

Subito acordo e no dominio pleno


Caio outra vez da realidade nua...
Cantas, e enquanto cantas, sofro e peno.

(Livro dos Amores — pag. 17)


110 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

FRANCISCA JULIA
Francisca Jilia da Silva nasceu em Xiririca
(atual Eldorado), em 31 de agésto de 1871. Morou
a maior parte da sua vida em Sado Paulo e casou-se
com Filadelfo Edmundo Munster, no dia de cujo
entérro (1.° de novembro de 1920) faleceu.
Bibliografia: “Mdrmores’”’, Sao Paulo, Belfort
Sabino, 1895; “Esfinges”, Sado Paulo, Bentley Jiu-
nior & Comp., 1903 (2.% edicéo, Monteiro Lobato,
1921), além de dois livros para a infadncia, um dos
quais em colaboracdo com Julio César da Silva.

MUSA IMPASSIVEL

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero


Luto jamais te afeie o candido semblante!
Diante de um Job, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, 0 mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos nao quero a lagrima; nao quero


Em tua boca o suave e idilico descante.
Celebra ora um fantasma angiiiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Da-me o hemistiquio d’ouro, a imagem atrativa;


A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com os seus barbaros ruidos,


Ora o aspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de marmores partidos.

(Esfinges — 2.* edicaéo — pags. 69:70)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 111

PROFISSAO DE FE
Os superbum conticescat,
Simplex fides acquiescat
Dei magisterio.

Ougo e vejo o teu nome em tudo: ou nos ressolhos


Do vento, ou no fulgor das estrélas, radiante;
Tudo é cheio, Senhor, désse perdao constante
Que sai da tua béca ou desce dos teus olhos...

Tu és sempre o mistério, a luz que tenho diante


Do olhar, quando te imploro a piedade, de geolhos;
Es, a noite, o luar que bate nos escolhos,
Iluminando o bom caminho ao navegante.

Ante o perigo nao vacilo: acho-me calma;


Porque te amo, Senhor, com essa fé singela,
Mas forte e intensa, que me vem de dentro d’alma.

Para marcar o mau caminho ha sempre indicios;


Nao ha sombra que esconda a escura e hiante goela
Dos teus antros sem fundo e dos teus precipicios.
(Ibidem, pags. 17-18)

ADAMAH
A JULIA LOPES D’ALMEIDA

Homem, sabio produto, epitome fecundo


Do supremo saber, forma recém-nascida,
Pelos mandos do céu, divinos, impelida,
Para povoar a terra e dominar o mundo;
Homem, filho de Deus, imagem foragida,
Homem, ser inocente, incauto e vagabundo,
Da terrena substancia, em que nasceu, oriundo,
Para ser o primeiro a conhecer a vida;
Em teu primeiro dia, olhando a vida em cada
Ser, seguindo com o olhar as barulhentas levas
De passaros saudando a primeira alvorada,

Que ingénuo médo o teu, quando ao céu calmo elevas


O ingénuo olhar, e vés a terra mergulhada
No primeiro siléncio e nas primeiras trevas...
(Ibidem, pags. 19-20)
112 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

NATUREZA

Um continuo voejar de mdscas e de abelhas


Agita os ares de um rumor de asas medrosas;
A Natureza ri pelas bocas vermelhas
Tanto das flores mas como das boas rosas.

Por contraste, has de ouvir em noites tenebrosas


O grito dos chacais e o pranto das ovelhas,
Brados de desespéro e frases amorosas
Pronunciadas, a médo, a concha das orelhas...

O Natureza, 6 Mae pérfida! tu, que crias,


Na longa sucessao das noites e dos dias,
Tanto abdérto, que se transforma e se renova,

Quando meu pobre corpo estiver sepultado,


Mae! transforma-o também num chorao recurvado
Para dar sombra fresca a minha propria cova.

(Ibidem, pags. 63-64)

ESPERANCA
A ALARICO SILVEIRA

Ela, so ela é boa e piedosa a esperanca,


Palma, que, sempre verde, os coracées agita,
E, na sua missao de aliviar a desdita,
Enxuga o pranto, ilude a fome, o impulso amansa.

Ela, que é para o velho o que é para a crianga,


Ela, que a mao de amiga estende a gente aflita,
Conduz-me para além do que meu sonho alcanga,
De regiao em regiio, onde outra luz palpita.

E tao boa essa luz, que os calhaus do caminho


Hao de ser, se os houver, macios como arminho,
E de encara-la o meu olhar jamais se furta.

S6 nao sei em que mundo, em que estréla, em que esfera


A verdadeira paz entre béngaos me espera,
Sei que o caminho é bom e a viagem é tao curta...

Setembro, 1920.
(Ibidem, pdgs. 167-168)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 113

OUTRA VIDA

Se o dia de hoje é igual ao dia que me espera


Depois, resta-me, entanto, o consdlo incessante
De sentir sob os pés, a cada passo adiante,
Que se muda o meu chao para o chao de outra esfera.

Eu nao me esquivo a dor, nem maldigo a severa


Lei que me condenou a tortura constante;
Porque em tudo adivinho a morte, a todo instante,
Abro o seio risonha a mao que o dilacera.

No ambiente que me envolve ha trevas do seu luto;


Na minha solidao a sua voz escuto,
E sinto contra o meu o seu halito frio.

Morte, curta é a jornada, e o meu fim esta perto!


Feliz, contigo irei, sem olhar o deserto,
Que deixo atras de mim, vago, imenso, vazio...

(A Cigarra, de 1.°-7-1919)
114 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

BATISTA CEPELOS

Manuel Batista Cepelos nasceu em Cotia, em


10 de dezembro de 1872. Faleceu no Rio de Ja-
neiro, em circunstdncias trdgicas, em 8 de maio de
1915. Descendente de familia humilde, ‘trabalhou,
quando muito mo¢go, como carvoeiro, garcom e solda-
do. Ingressando na Férca Piblica do Estado atin-
giu, pouco depois dos 20 anos, o posto de capitéo.
E'studou Direito, colando grau em 1902. Foi pro-
motor publico em varias cidades do interior de Séo
Paulo, mudando-se depois para o Rio de Janeiro.

Bibliografia: “Os Bandeirantes”’ (prefdécio de


Olavo Bilac), Séo Paulo, Tip. Fanfula, 1906; “O Cis-
ne Encantado” (poema) — 2. edicado refundida e
modificada — Rio de Janeiro, Tipo-Litografia J.
Ferreira Pinto & Cia., 1901-1902; “A Derrubada’’,
Editor Bento e Souza — Tip. Riedel e Lemmi, 1896;
“Vaidades”, Edit. Laemmert, 1908.

ECCE HOMO <2

Trazendo a Natureza uma pujanca brava


A doirada sazio do vico e da alegria,
Dispersada por tudo, a Vida triunfava,
Enquanto o sol, por toda a esfera, ria... ria...

Ria de flor em flor; no inseto que passava,


Ria; nas viracdes, no azul, na pedra fria,
No passaro gentil, na furna esconsa e cava,
Ria; por toda parte; em suma tases esti see

E o Rei da Criacio, o Homem, pausado e lento,


Cravou o olhar no céu, numa grande tristeza,
Que era a sombra talvez de um grande pensamento
...
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 115

E, alto, na solidao, que lhe aumentava o porte,


Em meio as expansdes joviais da Natureza,
Ble tinha na fronte a palidez da morte...

(Vaidades — pag. 14)

FRUTO PROIBIDO

A comogao foi tal (sois divinos, de fato,


Frutos raros do amor, mais que raros: proibidos!)
Que até fiquei sofrendo a nevrose do olfato,
Aspirando-lhe o odor com meus cinco sentidos!

Rapidamente a vi, num rapido momento,


E, no meu coragao, tiniu fibra por fibra,
Como os rijos bordées de mavioso instrumento,
Que, a mais doce pressao, logo desperta e vibra..

E eis-me a reconstruir o delicioso poema


De um amor que nasceu, como as flores do Polo,
Sonhando conseguir a ventura suprema
De nunca rastejar na miséria do solo.

Adolescente em flor, linda muher-crianga,


Cheia de feminis atrativos e aromas,
Um ser tao melindroso evoca-me a lembranca
De Santas que eu beijei, através de redomas...

FE idéntico o fervor que ao seu corpo e a sua alma


Consagro; e porque fico as luxtrias avésso,
Conservo 0 meu amor numa atitude calma
(Dotes espirituais, que ao Senhor agradego.)

Na carne em rebelido o sangue ferva; ruja,


Assanhado e febril, o impetuoso desejo:
Inttil escarcéu, grita baldada, em cuja
Lutulenta preamar sé loucuras eu vejo!

Maldita seja a mao que profanar o nimbo


Que lhe fulge em redor a fronte imaculada:
Quero-a
~~
pura e louc&, como um belo corimbo,
Que, airoso, se balanga a luz da madrugada...
116 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Dolorida, a cismar, sdlto o cabelo as costas,


Tem uma sugestao a que ninguém resiste;
E quase me deslumbro e caio de maos postas, ,
Quando ela assim me vem, branca, formosa, e triste...

Outras vézes, sOzinha e pensativa, cuido


Que ela reza por mim, nesta existéncia ingrata,
Tendo em torno do olhar um vaporoso fluido,
E, em torno do semblante, um circulo de prata...

(Ibidem — pag. 28)

O HOMEM QUE PENSA

Feliz o homem que pensa, e larga as velas,


Como um navio, balougando os mastros,
E a mente, vencedora das procelas,
Ergue até as nuvens, dominando os astros!

E, de sobre os espacos mais profundos,


Onde tudo se acaba, e principia,
Vendo o triste espetaculo dos Mundos,
Cria os mundos azuis da Fantasia!

Surpreende confidéncias amorosas


Nas cousas mudas, no guaiar dos ventos...
E, na boca dos lirios e das rosas,
Bebe a seiva de novos pensamentos.

Nao lhe faltam consdlos na amargura;


Longe dos homens, nao esta sdzinho:
Conversa a estréla, que no céu fulgura,
E ouve a queixa que solta o passarinho.

Sabe ver claro as cousas da Natura,


Entrando, como um Cristo, ao lar do pobre;
EK, desde a criacao a criatura,
Que profuséo de simbolos descobre!

Mas também, perquirindo a alma de tudo,


As vézes, que profundo desalento!
Ha dores crudelissimas, contudo
Nao ha dor mais cruel que 0 pensamento!
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 117

Quem lhe dera sentir como um profano,


E ter o peito arrefecido e bronco,
Para nao ver um sofrimento humano,
Numa folha que cai... num velho tronco...

Ah! na tortura de uma dor imensa,


Eterno Prometeu acorrentado,
Diante da turbamulta, que nao pensa,
O homem que pensa, como é desgracado!

Encarnando e sentindo a vida alheia,


Ei-lo num mar de lagrimas imerso,
Enquanto rola, como um grao de areia,
A mesquinha grandeza do Universo!

(ibidem — pag. 99)

RESIGNACAO

fste Anjo do Inforttinio, que me guia


Desde o primeiro albor da tenra idade,
E os lirios roxos da melancolia
Desfolha sObre a minha mocidade...

Este, que me acompanha e me vigia,


Sorrindo-me um sorriso de bondade,
E, na dor, que é 0 meu pao de cada dia,
Me fortalece contra a iniqtidade...

Este, bendito seja, enquanto eu vivo,


A debater-me em trevas horrorosas,
Como um ansioso passaro cativo!

E que, sObre o meu tumulo, tristonho,


Distenda as asas misericordiosas,
Quando eu sonhar aquéle Grande Sonho...

(Ibidem — pag. 107)


118 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

IRREMEDIAVEL

Sata governa o Mundo, e a vida é amarga!


Nao ha rosario nem filosofia
Que nos proteja o peito, como adarga,
Contra os assaltos da melancolia.

Pela terra inclemente da agonia,


O homem segue, gemendo sob a carga
Da dor, numa perpétua tirania,
Da dor onipotente, que o nao larga!

De que servem, Jesus, os teus conselhos,


Se de nada valeram meus esforcos,
Depois de tanto ensangtientar os joelhos?

Por isso, as vézes, vendo-me perdido,


Despedaco a cadeia dos remorsos
E bramo forte como um ledo ferido!

(Ibidem — pdg. 135)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 119

JULIO CESAR DA SILVA


Jilio César da Silva nasceu em Xiririca (atual
Eldorado), em 28 de dezembro de 1872. Filho de
Miguel Luso da Silva e de D. Cecilia Isabel da Silva.
Irmdéo da poetisa Francisca Jilia. Bacharel em Di-
reito pela Faculdade de Séo Paulo. Faleceu em
15 de julho de 1936.
Bibliografia: “Estalactites’ — Sado Paulo —
Hennies & Winiger, editéres — 1891-1892; “Sarcas-
mos” — Sdo Paulo — Hennies & Irmdaos, editéres —
1898-1895; “Morte de Pierrot” (comédia em verso)
— Sdo Paulo — edigdo d’“A Vida Moderna” —
1915; “Arte de Amar’ — Sdo Paulo — Editéres
Monteiro Lobato & Cia. — 1921.

xX

A ventura, essa deusa alada e caprichosa,


A visitar-te a casa um dia enfim se atreve;
Nao te julgues entéo por isso venturosa,
Porque a visita da ventura é muito breve.

A ventura também, tanto como a desgraga,


S6 tem a duracéo de uma nuvem que passa;
E porque é caprichosa, ela nunca se vende:
Entrega-se de todo a quem nao a compreende.

(Arte de Amar — 3.* ed. — Sado Paulo —


Cia. Editéra Nacional — 1928 — pag. 13)

XXIV

O amor, que ora é virtude, ora pecado,


FE sempre triste, e é triste de tal jeito,
Que nao consente que o individuo amado
Viva jamais alegre e satisfeito.
120 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Para que o teu eleito reconquistes


E a mfo o tenhas como facil présa,
Adota, as vézes, certos modos tristes,
Sem motivos embora de tristeza...

(Ibidem — pag. 25)

XLVI

Duvidas da verdade e nao duvidas


De quanta habil mentira anda nas falas,
Pois estao de tal modo confundidas,
Que se torna dificil extrema-las;

E ambas, principalmente entre mulheres,


Andam postas a par, no mesmo nivel.
Quanto a ti, sé veraz como puderes,
Todas as vézes que te for possivel.

Ditosa, se a verdade é que te inspira


E se pela verdade te revelas,
Pois quem quer sustentar uma mentira
E obrigado a inventar punhados delas.

(ibidem — pag. 47)

LVII

Cultivas uma amiga, certamente,


Para que as tuas confidéncias ouca,
E andas por téda parte ao lado dela;
Embora amiga, embora confidente,
Nunca a percas de vista, se for moga,
E nao lhe creias muito, se for bela.

Observa, sempre atenta e a cada instante,


As mais leves mintcias do seu gesto;
Tudo o que ela fizer olha e investiga,
Porque, sem que o percebas, teu amante
Goza, as ocultas, um sabor de incesto
No desejo que tem por tua amiga...

(tbidem — pdg. 59)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 121

ORLANDO TEIXEIRA

Orlando Martins Teixeira nasceu em Sao Jodo


da Boa Vista, a 27 de agésto de 1874. Jornalista e
dramaturgo, teve numerosas pecas representadas no
Rio de Janeiro. Morreu em Barbacena, no dia 25
de fevereiro de 1902.
Bibliografia: “Magnificat” — Oficinas da Pa-
pelaria Unido — Rio — 1901.

ORACAO AO DIABO
AO RAFAEL PINHEIRO

Grande deus Satands, vermelho deus maldito,


Rei do inferno, senhor absoluto da treva;
Espirito que o mal domina e que o Odio leva,
Arrastado apdés si, pelo eterno infinito;

Grande deus Satands, minha alma de precito,


Branca de misticismo, a tua alma se eleva,
E reza esta oracgao cheia de fé, coeva
Da antiga crencga azul do boi Apis, no Egito.

Dizem que se a alma tens de qualquer desgragado


Em troca tu lhe das das fortunas o acoite,
E de outros nao sei eu que a teu eleito vengam;

Se tanto for mister para que eu seja amado


Pela dos risos bons, a dos olhos de noite,
Grande deus Satands, lanca-me tua béngao.

(Magnificat — pdgs. 25-26)


122 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

XACARA
AO COELHO NETO

Dona Alva, minha senhora


Que tanto amor inspirais,
Hei de querer-vos, embora,
Dona Alva, nao me queirais;
Pois o querer-vos agora
Eu prefiro a tudo o mais,
Dona Alva, minha senhora
Que tanto amor inspirais.

Dona Alva, minha senhora,


Dona de risos fatais,
Alegre, garrula, mora
— Como um bando de zagais —
Nos vossos olhos a aurora;
E em treva me mergulhais,
Dona Alva, minha senhora,
Dona de risos fatais.

Dona Alva, minha senhora,


Senhora de olhos mortais,
Tanto esta alma vos adora,
Tanto me desadorais...
Seja! Este amor nao descora
Muito embora o maldigais,
Dona Alva, minha senhora,
Senhora de olhos mortais.

(Ibidem — pdgs. 97-98)

AZUL

Chapéu azul, vestido azul, de azul bordado,


Azuis 0 para-sol e as luvas, Senhorita,
Como um lotus azul por um deus animado,
Passa, toda de azul, por mil b6cas bendita.

Ha um balsamo azul nesse azul que palpita,


Misticismos de um mundo, ha muito e em vao, sonhado,
Azul que a alma da gente a idolatrda-la incita,
Azul claro, azul suave, azul de céu lavado.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 123

Deixa na rua um rastro azul que cega e prende,


Nao sei que de anormal, de fantasma ou de duende,
Que prende os pés ao solo e ao mundo os olhos cerra;

Vendo-a, nao se vé mais nada que o azul, tonteia...


Como num sonho azul, logo nos vem a idéia
Um pedago de céu azul passeando a terra.

(Ibidem — pags. 51-52)


124 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

ANTONIO DE GODOI
Anténio de Goddéi Moreira e Costa nasceu em
Pindamonhangaba, em 23 de setembro de 1874,
Cursou a Faculdade de Direito de Séo Paulo de 1890
a 1894. Jornalista, Delegado auxiliar da Capital,
Chefe de Policia. Faleceu em 29 de abril de 1905.
Bibliografia: “Poesias”’, Tip. Brasil, Sao Paulo,
1906.

TROVAS

Eis armada a minha tenda


onde ha de pousar a rima:
por baixo um metro de renda,
teus olhos negros por cima.

Teus olhos da cor da aurora


de uma docura sem fim...
(Ai! mesmo Nossa Senhora
nao era bonita assim!)

Explua o verso com luxo


da minha pena em cascata,
como o esguicho de um repuxo
numa piscina de prata.

Que a minha estrofe em harpejos


jorre sonora da pena,
envolta em pompas de beijos
dos labios de uma morena.

Teu olhar tendo por cima


do verso, como um sombreiro,
procuro engastar na rima
todo rubi de um joalheiro.

Tu me puseste quebranto,
sem ti n&o posso passar,
quero viver como um santo
no nicho do teu olhar.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 125

Cheia de amor e de graca


vejo-te em tudo o que vejo...
Hei de beber numa taca
o vinho bom do teu beijo.
Longe de ti como sofre
quem vive do teu olhar...
Fechei minh’alma num cofre,
mando-te a chave, Guiomar.

Sao Paulo — 1894


(Poesias — pag. 25)

HELADE HEROICA
NETUNO
A VALENTIM MAGALHAES

No relévo imortal de heleno camafeu,


buril de fino artista, em misticos desvelos
desenhara, a beijar a luminosa Delos,
os damascos azuis do glauco mar Egeu.

Cada golfinho leva um custoso troféu:


Nereidas cor de espuma e de loiros cabelos...
Os hipocampos vém nitrindo em atropelos
sob o grande esplendor do firmamento ateu.

Seguida por delfins, a quadriga resvala,


rompendo mansamente as ondas cor de opala...
E, no peplos envolto, aparece imortal,

Abroquelado em bronze o filho de Saturno,


o Poseidon marinho, o manso deus soturno,
de carne de esmeralda e entranhas de coral!

(Ibidem — pag. 29)

DO “MES DE MARIA”
A ALCANTARA MACHADO

O sagrado esplendor de curvas cinzeladas


No relévo imortal do corpo alabastrino!
(Maio é todo um cendal de violetas dobradas...
Rogam asas no azul adelgacado e fino...)
126 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Rosto feito a buril de espumas congeladas


Na redoma de luz de um luar opalino!
(Reflorescem rosais... nas noites consteladas
Erra um doce rumor de citara e violino...)

6 Senhora, de olhar claro e puro de Santa,


Virgem pura do Céu que minh’alma quebranta!
(A brisa corre, 0 ambiente é fresco, o sol nao arde.)

Da-me o fulgor que béia em teu olhar tristonho,


Para assim clarear a noite do meu Sonho...
(Vao cantando no azul as citaras da tarde...)

Sao Paulo — 1894


(Ibidem — pag. 37)

MiSTICO

Lua, noiva do azul, Veronica sombria,


Sobe a igreja do Céu para o eterno noivado...
Amplo e curvo cintila o espacgo iluminado
Como um palio de luz em funeral ao dia.

Tem volupias o luar que roca a noite a fria


Face... Profano ser, feito para o Pecado,
Eu nao posso beijar o teu rosto sagrado,
Santo, como, talvez, o rosto de Maria...

Deus as palpebras fecha e fica a noite escura;


Sombras descem a terra e a noite doce e calma
Enche o peito de amor e pée sosségo n’alma.

Ah! se deres um beijo em minha béca impura,


Por glorias contarei os beijos que me deres,
Bela Nossa Senhora entre as outras mulheres...

Sao Paulo — 1894


(Ibidem — pag. 39)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 127

AMADEU AMARAL
Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Pen-
teado nasceu em 6-11-1875 na Fazenda Sdo Ben-
to, no atual municipio de Capivari, Estado de Sdo
Paulo. Feitos os estudos primdrios, mudou-se para
Sdo Paulo, onde se matriculou no curso anexo @ Fa-
culdade de Direito. Ingressando no jornalismo, tra-
balhou no “Correio Paulistano”, no “Sdéo Paulo’, no
“Comércio de Sado Paulo’, no “Correio de Séo Car-
los’, no “Estado de S. Paulo” na “Gazeta de Noti-
cias” do Rio. Mais tarde foi diretor do “Didrio Na-
cional” e redator-chefe do ‘Diario da Noite’, de Sao
Paulo, além de redator de numerosas revistas. For
um dos fundadores e presidente da Academia Paulis-
ta de Letras e membro da Academia Brasileira.
Morreu em Sao Paulo, em 24-10-1929.
Bibliografia: “Urzes’’ — Sdo Paulo, 1899; “Né-
voa”’ — Sto Paulo — Editéra Livraria Magalhdes;
1910; “Espumas” — Sdo Paulo, 1917; “Lémpada An-
tiga’? — Sédo Paulo, 1924; “Poesias’’ (edicéo pés-
tuma) — Sdo Paulo, 1936; “Poesias” (selecdo de M.
Cerqueira Leite) — Sdo Paulo, 1946. Publicou
ainda numerosos estudos de folclore, ensaios, ete..

SONHOS DE AMOR

Sonhos, sonhos de amor... Enganosa miragem


do deserto... fulgor de insidiosa lagoa
a sorrir e a tremer sob a fresca ramagem,
na aparéncia feliz da agua limpida e boa...

castelo de fumaca a embalar-se na aragem


e que de brusco rola e no azul se esboroa...
rutila espumarada oceanica... paisagem
que vista ao longe encanta e que de perto enjoa...
128 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

borboletas ao sol... ingreme e dura serra,


que na luz do horizonte afunda as amplas cristas,
lembrando uma regiao de paz dentro da terra...
Paisagem, borboleta, A4guas, espumaradas!
Ilusorio clarao das cousas entrevistas!
Passageiro esplendor das cousas desejadas!
(Névoa — pags. 49-50)

CANCAO
Vivi outrora numa terra,
longe destas gandaras mas,
sonhando alegre com a guerra,
no seio da mais résea paz.

Era mui pobre a minha tenda,


mas tao risonha e tao feliz,
que a passarada féz vivenda
no mesmo ponto em que eu a fiz.
Mas eis que um dia me apareces,
no donaire do corpo em flor,
qual uma santa que pede preces;
preces te dei, preces de amor.
Segui-te. Errei por longes terras,
fui o teu pajem mais fiel
por ti lidei cruentas euerras,
por ti me fiz de menestrel.

De rubras chagas sanguinosas,


sorrindo, todo me cobri,
como tae coberto de rosas,
que glorioso e forte sorri.
Até que, um dia, me fugiste,
béncao do céu, Se dom..
Fiquei qual quem, absorto e triste,
acorda em meio a um sonho bom.

FE hoje, sem ter mais quem me entenda,


sou como alguém que viva exul;
em vdo procuro a minha tenda,
a minha flérea tenda azul..
(Ibidem — pdgs. 75-76)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 129

PERSEU E ANDROMEDA
Branca e pulcra, a estorcer-se, a um penedo encadeada,
geme Andromeda em vao. Seu alvo corpo, seu
pranto comovedor, sua beleza, nada
quebra a sentenca eril que do Olimpo desceu.

Ja surge, porém, no ar, brandindo a curva espada,


num remigio veloz de asas de luz, Perseu.
O mar bravo percute a rocha solapada
por sob os pés do herdi que a Medusa venceu.

E rapido 0 combate. O Monstro ruge e tomba.


O corpo escultural de Andrémeda, liberto,
deixa o escolho que a vaga initilmente rdi.

E enquanto 1a se vao sobre o mar que ribomba,


Perseu canta, de sangue e de gloria coberto,
e ela, nua, estremece entre os bracos do herdi.

(Ibidem — pags. 113-114)

EPISTOLA
A MANUEL CARLOS

Eu nao sei, meu amigo, se a Poesia


como uma fada complacente, voa,
a invocacgéo déste ou daquele fiel,
e vem ficar-lhe ao pé, mansa, em pessoa,
a dar-lhe vida e forma a idéia fria,
a conduzir-lhe a mao sobre o papel.

No meio desta humana turbamulta


existem (dizem) almas prediletas
que ela visita assim. Vates de raga,
é désse privilégio que resulta
oO seu carater de genuinos poetas,
iluminados de inefavel graca!

Eu nao a vi jamais. Nunca ela veio


impor-me a sua m4o, que tem imposto,
na febre do trabalho, a tanta mao;
nao lhe senti jamais o arfar do seio
sobre o meu ombro; nem, pelo meu rosto,
a sua musical respiragao.
130 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Nunca a enxerguei sequer; meus pobres olhos


debalde tentam descobrir-lhe a cara,
e€ cruzar-se com os seus, numa ansiedade.
Tenho-a buscado, como se buscara
do universal palheiro nos refolhos
a intangivel agulha da verdade...

Sou, pois, amigo, como um namorado


que, na auséncia da amada, se contenta
de andar pelos caminhos que ela andou,
e anda mil vézes o caminho andado,
porque senti-la se lhe representa
nas coisas que ela viu e que tocou.

Sinto-a um pouco por tudo, alegre ou mesta,


nos dias tristes, nos faustosos dias,
nas ondas bravas e nas ondas calmas.
A tudo um pouco de si mesma empresta;
reluz nos gestos e fisionomias,
e tanto doura as pedras como as almas.

Os mares, os grotées, as alvoradas,


as idéias, as nuvens, a folhagem,
uma vida, uma lagrima, um prazer,
tudo isso — coisas tao disparatadas! —
reflete o seu clarao, como a paisagem
sob o clarao de um vago amanhecer.

E assim, nesta ofegante e doce lida,


como um amante que o seu bem supremo
espera vé-lo como um sol que nasce,
dou-Ihe o que ha de melhor na minha vida.
— Mas nao espero vé-la, e quase temo
que possa vé-la um dia face a face...

Nem eu mereca jamais vé-la, amigo.


Quando eu visse 0 mistério, qual te vejo,
quando a Certeza me guiasse a mao,
ver-me-ias calmo como um deus antigo,
— mas ir-me-iam pelo ar, num sé bocejo,
as delicias do anseio e da ilusio.

(Espumas — pags. 11 e segs.)


ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 131

CREPUSCULO SERTANEJO

Cai a noite. Um rubor fulge atras da colina,


cuja sombra se alonga a pouco e pouco, enorme.
A velha arvore, além, verde nuvem, se inclina
para o chao, balancando o vulto desconforme.

E uma nota profunda a vibrar na surdina


das cores e da luz, no amplo vale que dorme.
No siléncio feral, que é uma vaga neblina
de sons, passa-lhe a voz como um borrfo informe.

Sob a copa uma forma em cinza se desmancha.


Um boi cansado busca a figueira cansada;
muge, e deita-se, em paz, numa violada alfombra.

Muge. A fronde e 0 animal fazem uma so mancha;


o mugido e o rumor da fronde, a mesma zoada.
Manchas de som... Zoadas de cor... Siléncio. Sombra.

(Ibidem — pag. 55)


132 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

CIRO COSTA
Nasceu em Limeira, no dia 18 de margo de
1879. Formado pela Faculdade de Direito de Sdo
Paulo, turma de 1902. Estudou na Suica e fot De-
legado de Policia no Rio de Janeiro. Eleito para
a Academia Paulista de Letras, nado chegou a tomar
posse, falecendo em 22 de junho de 1987.
Bibliografia: “Esteldrio’ — versos; “Terra
Prometida” — Ed. José Olimpio — Rio — 1938.

OS CATEQUISTAS

Ei-los, de cruz alcada, ao sol, 4 chuva, ao vento...


Sangram-se-lhes os pés e as m4os no itinerario...
Caminheiros da Fé, vao sorrindo ao tormento,
Como Cristo sorriu abengoando o Calvario.

Zarguncham setas no ar... De momento a momento,


Silvam cobras no chao... Estrela-se o sudario
Da noite tropical, e todo o firmamento
Fulgura gotejante, hialino, solitdrio...

Ei-los, a sés, com Deus, convertendo o gentio...


Na evangelizacgao do matagal bravio,
Ensinam-lhe, a cantar, a vida de Jesus...

E o Novo Mundo vé, nos rasgées da roupeta,


A humildade crista de Nébrega e de Anchieta
Fulgir, em pleno céu, nos bracos de uma Cruz!

(Terra Prometida — pdgs. 157-158)

PAI JOAO
Do taquaral 4 sombra, em solitadria furna,
Para onde, com tristeza, o olhar, curioso, alongo,
Sonha o negro, talvez, na solidao noturna,
Com os limpidos areais das solidées do Congo...
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 133

Ouve-lhe a noite a voz nostalgica e soturna,


Num suspiro de amor, num murmurejo longo...
E o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,
E o urucungo a gemer na cadéncia do jongo...

Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos


A grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sé feliz! E que eu fique de joelhos,

Sob o fulgido céu, a relembrar, magoado,


Que os frutos do café sdo glébulos vermelhos
Do sangue que escorreu do negro escravizado!

(Ibidem — pags. 159-160)

ONTEM E HOJE

Ja fui rico Senhor de terras de plantio,


E criei, com abundancia, aos centos, nédio gado.
Com que prazer o tinha abebeirado ao rio,
Fildsofo, a mugir, no verde descampado!

Era de vé-lo, assim, sob o frescor sombrio


Do sassafras do campo, enquanto, descuidado,
Por todo canto via o fruto abrir-se ao estio,
E a terra rebentar, em flor, por todo lado!

E a vida decorria ao perpassar dos meses,


Silenciosa, na paz vergilica dos campos,
Bucélica, a pascer quinhentas e mais reses...

E hoje? Pobre de mim! Ao ver-me, abandonado,


Sob o clima mortal de novos céus escampos,
Lamento a flor, o fruto, a perda do meu gado...

(Ibidem — pdgs. 181-182)


134 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

GUSTAVO TEIXEIRA
Gustavo de Paula Teixeira nasceu em 4-3-1881,
no municipio de S. Pedro, da entado Provincia de
Sdo Paulo, e onde exerceu, durante mais de trinta
anos, a funcdo de secretério da Camara Municipal.
Foi eleito para a Academia Paulista de Letras, mas
nao chegou a tomar posse. Morreu em 22-9-1937.
Bibliografia: “E’mentdario’”’, S. P., 1908; “Poe-
mas Liricos’” — 1925; e varios livros inéditos de
poesia.

CORACAO DEFUNTO

Criangas virginais de bécas perfumadas


Como os rosais em flor, como o coral das rosas,
Anjos de asas de arminho, humanas alvoradas
De voz de rouxinol e trancas ondulosas:

Nao tenteis reviver as ilusées doiradas


Do meu passado azul sepulto entre mimosas!
Dentro desta alma envolta em névoas condensadas
Ja nem um sonho agita as plumas luminosas!

Por que vindes cantar déste sepulcro as bordas


Onde sé vém pousar noturnas borboletas?
Quem lograra tanger um bandolim sem cordas?

Debalde me volveis dulcissimos olhares!


Pois neste corag&o, onde esfolhais violetas,
Reina o inverno glacial das solidédes polares!

(Ementario — pag. 80)


ANTOLOGIA DA Porsta PAULISTA 135

EM ESTAMBUL

Para livrar minh’alma da manopla


Do Tédio, que a oprimia a todo o instante,
Cortei, num brigue, mares de sinopla,
Tangendo a lira como um bardo errante.

Nas longas ruas de Constantinopla,


Onde ressoa a gusla suspirante,
Cantei 4s mugulmanas doce copla
E andei de cimitarra e de turbante.

Amei as mais formosas bizantinas


Que, levantando o frouxo véu brumoso,
Abaixavam as palpebras divinas.

Venci os ddios que o estrangeiro acirra,


E vim deixando um rastro perfumoso
De nardo e aloés, de sandalo e de mirra...

(Ibidem — pag. 115)

BALADILHA

A egrégia diva por quem ando


A suspirar com amargor
E um ser olimpico, adorando,
Que tem da neve andina a cor
— Rosa que vem desabrochando
Virginalmente alva e taful,
Sob o esplendor de abril sonhando
Com as pompas de uma aurora azul.

Quando ela exala, palpitando,


O aroma — filtro embriagador —
Eu, de hausto em hausto, o bebo, arfando,
Como um dulcissimo licor,
Amo-a demais! E nao sei quando
Essa princesa de Estambul,
A cujos pés vivo chorando,
Me volvera o olhar azul!
136 ANTOLOGIA DA POZSIA PAULISTA

Quando se oculta o sol chispando,


Encontro, palido de amor,
A Flor do Bésforo cismando,
Na mio o rosto sedutor;
E assim, de branco, meditando,
A muculmana estréla exul
Recorda um cisne repousando
Imoto a flor de um lago azul...

Humilde curvo-me ao seu mando


Como um arbusto ao vento sul:
No entanto, ao ver-me solugando,
Apenas move o leque azul!

(Ibidem — pdg. 117)

NOITE DE AMOR

Quando me deste, palida, ofegando,


O teu primeiro beijo ao fim do dia,
No ocaso, envolta em purpuras, nascia
Vésper, doirada e limpida, radiando.

Cada vez que o meu beijo, fuzilando,


Iluminava a camara sombria,
Teu corpo lateo e agucenal tremia
Como um lirio que vem desabrochando...

Na tua béca de coral zumbia


Dos meus desejos o sequioso bando,
E o teu colo a violetas recendia!

Quando me deste, palida, ofegando,


O ultimo beijo a palpitar, — morria
A estréla-d’alva, trémula, chorando!

(Ibidem — pag. 120)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 137

RICARDO GONCALVES
Ricardo Mendes Goncalves nasceu na capital
do Estado, a 8 de agésto de 1883. Formou-se
pela Faculdade de Direito da Universidade de Séo
Paulo, em 1912. Orador e jornalista; féz parte do
famoso grupo do “Minarete”’ de Monteiro Lobato.
Faleceu no dia 11 de outubro de 1916.
Bibliografia: “Ipés’’ — Sado Paulo — Monteiro
Lobato & Cia. — 1921.

O BATUQUE

Vagas constelagées de pirilampos


ponteiam de oiro a densa noite escura.
Ha um tragico siléncio na espessura
dos matagais e na amplidao dos campos.

O batuque dos negros apavora.


Anda o saci nas moitas, vagabundo,
e almas penadas, almas do outro mundo,
passam gemendo pela noite em fora.

S6, no ranchinho de sapé coberto,


encosto o ouvido a taipa esburacada,
e oucgo um curiango que soluga, perto...

Lambe a fogueira os ultimos gravetos,


e pela noite rola, magoada,
a cantiga nostalgica dos pretos.

(Ipés — pdg. 25)

AQUARELA
A casa onde mora aquela
Menina cor de agucena,
E uma casinha pequena,
Casa de porta e janela.
138 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Tao pequenina e singela!


Ao vé-la, a idéia me acena
De quebrar o bico a pena
E fazer uma aquarela.

Pintar a casa, a colina,


Mas sobretudo a menina,
O ar sossegado e feliz,

Dando relévo a pintura,


Numa ridente moldura
De cravos e bogaris.

(Ibidem — pdgs. 15-16)

A CISMA DO CABOCLO
A VALDOMIRO SILVEIRA

Cisma o caboclo a porta da cabana.


Declina o sol, mas, rubido, espadana
Ondas fulvas de luz.
No terreiro, entre espigas debulhadas,
Arrulham, perseguindo-se a bicadas,
Dois casais de pombinhos parirus.

A criagao de penas se empoleira;


Come a ragéo no cocho da mangueira
Um velho pangaré.
E uma vaca leiteira e bois de carro
Pastam junto a casinha, que é de barro,
Coberta de sapé.

Longe, uma tropa trota pela estrada.


E a viragao das matas, impregnada
De perfumes sutis,
Traz dos grotées, que a sombra, lenta, invade
O soturno queixume de saudade
Das pombas juritis.

Cisma o caboclo. Pensa na morena


Que vira numa noite de novena
Orando ao pé do altar.
Que vira... e que, por mal de seus pecados
Tinha os olhos profundos e rasgados
J

E um riso de matar.
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 139

Branco, de fofos, era o seu vestido.


E éle, ao vé-la, sentindo-se ferido
Em pleno coracao,
Baixinho suspirou: “Nossa Senhora!
Ai, meu Sao Bom Jesus de Pirapora
Da minha. devogao!”

Depois nao se conteve e, num fandango,


Furtou-lhe um beijo aos labios de morango
O diabo do rapaz .
E ela volveu zangada: ‘‘Malcriado!
Seu vigario ja disse que é pecado.
Aquilo nao se faz!...”

E o caboclo medita. O sol em chama


Como agora ha pouquinho nao derrama
Ondas fulvas de luz.
O corrego soluga, a noite desce,
E vem dos capoeirdes onde anoitece
O trilo vesperal dos inambus.

(Ibidem — pags. 43-45)

UMA VELA QUE PASSA...

Longe, um barco de pesca a viracao desfralda


A vela, e singra ao sol que rompe a escassa bruma,
Rumo désses ilhéus que o maroico engrinalda
Com seus flocos de espuma...

Foge... graciosamente enfunada, palpita


No horizonte lilas, como um passaro exul...
Depois se afasta e € uma asa branca na infinita
Curva do mar azul.

Primeiro amor! sonho formoso de crianga,


Cheio de luz, cheio de ungio, cheio de graca!
Fs tu na curva azul de um mar todo bonanga
Uma vela que passa...

(Ibidem — pags. 73-74)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA
140he i : aati sd
Bel ee

MARTINS FONTES
nasceu em 28-
José Maria Martins Fontes
e em medicina, no
-6-1884, em Santos, e formou-s
1906 . Exer ceu nume rosos car-
Rio de Janeiro, em
rela cion ados com a medi cina e foi mem-
gos publicos
Letr as e da Academia
bro da Academia Brasileira de
bro corr espo nden te da Aca-
Paulista, além de mem
Ciénc ias de Lisbo a. Fale ceu em 25-6-1937.
demia de
1908;
Bibliografia (em verso): “Verdo” —
“Boé mia Galan te’ — 1920;
“Granada” — 1919;
cler” — 1923;
“As Cidades Eternas” — 1923; “Rosi
“Marabé” — 1923; “Prometew” — 1924; “‘Pasto-
val’? — 1925; — “Voli pia” — 1925; “VYulcaio” —
Céu Verde ” — 1926; “Sch ehar azade” —
1926; “O
1926; “A Fada Bombom” — 1927; “EH scarl ate’ —
Elvino Pocai — Sdo Paulo , 1928; “A Laran jeira em
Flor? — 1928; “Poes ias Comp leta s” — Soc. Huma -
nitéria dos Empregados do Comércio de Santos —
1936; e muttos outros livros em verso e prosa.

SONETO
AOS IRMAOS*RECLUS :
ELIE, ONESIME E ELISEE

Viver! Sinto éste verbo em plena gloria!


Vivo na antemanha alvigareira,
Que, prenunciando o térmo da vitoria,
Vai redimir a Humanidade inteira!

Viver! tendo a visao divinatoria


De que vai abrolhar da sementeira,
Do htiimus fecundo, da terrena escoria,
O rosal da justigca verdadeira!

A batalha em que vivo me apaixona!


Vejo, 4 maré montante, vir a tona
O mistério do pélago iracundo...
ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 141

E sonho, ao resplendor do meio-dia,


Ao realizar-se a béngio da Anarquia,
O sol do amor pacificando o mundo!

(Sombra, Siléncio @ Sonho — apud Poesias


Completas — 6.° vol. — pag. 215)

BALADA IMORTAL

A Terra canta! A resplender


A vida ardeja, a luz palpita!
O vinho de ouro do prazer,
No ar dissolvido a febre excita!
Fascina a magica, inaudita
Foérca do solo abrasador!
Sao Paulo exsurge, ressuscita:
Os cafézais estao em flor!

Tem tanta seiva e tal poder


A leiva provida e bendita,
Que, de mil modos, a eferver,
Vibra e reluz, arde e se agita!
Por sdbre a estepe, alva, infinita,
Flameja o sol fecundador:
Sao Paulo exsurge, ressuscita:
Os cafézais estao em flor!

Sente-se a gloria de viver,


Mas tao feraz, que se acredita
Que, em cada planta, em cada ser,
Radiosamente, um nume habita!
A Natureza, em coro, em grita,
Clama, proclama, exalta o amor!
Sao Paulo exsurge, ressuscita:
Os cafézais estao em flor!

OFERTA

Patria, és dos deuses favorita,


Em teu noivado alumbrador!
Sao Paulo exsurge, ressuscita:
Os cafézais estao em flor!

(Paulistania — apud Poesias Completas —


6.° vol. — pags. 259-260)
142 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

SERENATA

Tenho saudade da garoa antiga,


Palida amiga,
Que me féz sonhar...
Désse Sio Paulo, romanesco e belo,
Que era um castelo
Sob a luz lunar...

Tenho saudades das gentis morenas,


Lindas pequenas
Do hibernal Friul...
De uma, entre todas, cér de jambo-rosa,
Flor perfumosa
Do Pais'desSul 2°

Dona querida, de cabelos pretos,


Quantos sonetos
Me inspiraste tu!
Néles prendias, entre os altos grampos,
Os pirilampos
Do Anhangabat...

“6 Liberdade, 6 Ponte Grande, 6 Gldria”,


O da Memoria,
Largo do bailéu!
O luar batia no Tieté, de chapa,
Como uma capa
De estudante, ao léu...

A serenata solucava, outrora,


Até que a aurora
Despontava, al fim...
Adormecendo, pelo vale, as flores
Dos meus amores
E do teu jardim...

Velho Sao Paulo do romanticismo,


do misticismo,
Da Saudade Azul...
Tua lembranga nos perfuma a vida,
Terra querida
DowPaissdo. Sule. =
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 143

Soturnamente, pela noite morta,


Abre-se a porta
Da alucinagao...
E sai um vulto, de livor funéreo,
Do Cemitério
Da Consolagao...

Branca, a visagem, sob o véu da lua,


De rua em rua,
Caminhando vai...
Até que, em face do vetusto aprisco
De Sao Francisco,
Sobre as lajes cai...

Dentro da noite, nebrinosa e bela,


Que sombra é aquela
De mortal palor?
E a estudantina, sob o céu de prata,
E a serenata
Que morreu de amor.

(Ibidem — pags. 286-288)

MANGA - CARLOTA

Manga cheirosa e doirada,


O manga,
Que és tal qual uma rosada
Cananga!

Manga-rosa, manga-rosa,
Delicia!
Saborosa, saborosa
Caricia!

Tudo, tudo em ti resume


Um rosto
Que eu amo e tem teu perfume,
Tew géstox::

A tua pele morena


Colora
O dourejo que recena
A aurora.
144 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

E, tendo diversas cores,


Desfrutas
O olor de tddas as flores
Etrutas.

Tens o flavo da moranga


Madura,
E em teu rubor a pitanga
Fulgura.

Soltas a terebintina
Vivace,
E é como se uma menina
Passasse.

Tua vivissima esséncia


Provoca,
Produz a concupiscéncia
Carioca.

As multidées, as colmeias,
As turbas,
Abraseias, rebraseias,
Perturbas.

Tua polpa de ouro é como,


No cheiro,
Um seio rigido, um pomo
Trigueiro.

Tua carne ardente e nova,


Em suma,
A boca de quem te prova,
Perfuma.

(Guanabara — apud Poesias Completas —


6.° vol. — pags. 413-414)

CREDENCIAIS

Amo 0 exotismo, a bizarrice,


Todo o invulgar:
Tenho a paix&o da esquisitice,
Do irregular.
ANTOLOGIA DA PorsIa PAULISTA 145

Possuo o desvario incrivel


De quem, talvez,
Para de fato ser possivel,
Fosse chinés.

O tnico, o insdlito, o imprevisto


Sempre me apraz:
Sou eu a esséncia de Mefisto,
De Satanas.

Saracoteio a gambia fragil;


Toco flautim;
E, no espavento, mostro-me agil
Como Arlequim.

Minha estrambotica figura


Tem a feicao
De uma infernal caricatura
Feita a zarcao.

As estranhezas me consomem,
Dao frenesi.
Idealizei um gentil-homem,
Em travesti.

Louco varrido, sim, perdido,


De causar dé,
Todo de purpura vestido,
Mas rococo.

Tipo de excéntrico, de acdrdo


Com o proprio esgar,
Que odiasse tudo quanto é gordo,
Ou que é€ vulgar.

E que entre finos disparates,


Poeta e paxa,
Usasse meias escarlates,
Séda grena.

Um sensitivo, um requintado,
Tal como tu,
Trajando a moda do micado,
Ao gosto hindu.
146 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Oh! a elegancia, a extravagancia,


O perrexil
Da espiritual mirabolancia,
Hipersutil!

Ha rouxindis que desafinam,


Mas, nos finais,
Tornam as notas que imaginam
Originais.

Pela pericia na leveza,


Pelo primor,
A Arte supera a Natureza,
Sonhando a flor.

Assim, arguto nos remates,


Eu, mandarim,
Pinto obras-primas escarlates
Sobre cetim.

(Escarlate)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 147

MANUEL CARLOS
Manuel Carlos de Figueiredo Ferraz nasceu
em 25-2-1885, em Cajuru, Sdo Paulo, e diplomou-
-se em 1909 pela Fac. de Direito de Sado Paulo. Foi
promotor piblico, juiz de direito no interior e na
Capital do Estado, desembargador do Tribunal de
Justiga e procurador geral do Estado. Foi professor
de légica da Fac. de Filosofia, Ciéncias e Letras da
Universidade de Séo Paulo. E membro da Acade-
mia Paulista de Letras, sécio do Instituto Histérico
e Geogrdfico de Sdo Paulo, da Sociedade de Estudos
Filolégicos e de outras entidades culturats.
Bibliografia: “Poesias’”, S. P., 1984, e numero-
sos estudos juridicos em volumes diversos.

MARINHA
A VICENTE DE CARVALHO

Desta escarpada riba o olhar pela planura


Do oceano se espraia em triste soledade;
Imensidade em cima, embaixo imensidade,
A créspa solidao e a coruscante altura.

E cansa-se do céu que implacavel fulgura,


E dos confins do mar que o ilimitado invade;
Anseia descansar na branda claridade
De um recanto que aplaque a espléndida tortura.

Entao repousa e vé que a luz do sol desenha


Nos cOncavos sinais de partidos esquifes,
Junto ao lanco brutal das muralhas de penha,

— Fantdsticos perfis, ao léu das ondas quérulas,


E entre rubros corais e negros arrecifes
Um liqiiido fulgor de conchas e de pérolas.

(Poesias — pags. 37-38)


148 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

INQUIETACAO

O tu que vens, grave Musa


Dos filésofos, trazer-me
A minha revolta inerme
Serenidade.

Ougo a tua voz pausada,


Que afirma e nega tranquila,
Como o péndulo oscila
Medindo o nada:

— Nao te rendas 4 tristeza,


Nao te fies da evidéncia:
Ninguém sabe a vera ciéncia
Oculta na natureza.

Pois a verdade e a mentira


Se entrelagam de tal forma,
Que fica a gente sem norma,
E sem saber qual prefira.

Cada coisa, mostra o estudo,


Contém, — dizé-lo é de estilo —
Um pouco disto e daquilo,
Um bocadinho de tudo.

Aquela estréla serena,


Que tu vés no céu deserto,
Triste e imensa 1a de perto,
Vista de longe é pequena.

Limpida a altura repousa;


Na calma do paraiso,
O solugo é como o riso,
Riso e pranto a mesma cousa.

Vés a luz que além radia?


Basta que a encares sem médo
E que afrontes o segrédo
Desta profunda harmonia;
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150 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

GOFREDO DA SILVA TELLES


Gofredo Teixeira da Silva Telles nasceu em
1888, no Rio de Janeiro, e diplomou-se pela Fa-
culdade de Direito de Séo Paulo em 1915. E indus-
trial e agricultor. Em 1932, durante 0 movimento
constitucionalista, foi prefeito da Capital do Estado.
E membro da Academia Paulista de Letras.
Bibliografia: “Mar da Noite” (peca em versos)
— 1909; “A Fada Nua’ (poema) — Sao Paulo —
Casa Editéra “O Livro” — s.d.. Neste livro assinou
simplesmente o nome de Gofredo.

xX

MEDO

Dizem que o amor assim nao tem alcance,


Que nasce rindo e que termina cedo.
Mas tenho médo de que o amor se canse
De guardar os limites de um brinquedo.

Sim, nosso caso é simples, sem um lance


Que dé razao a sombra désse médo.
Que importa! As vézes, o maior romance
Cabe na historia de menor enrédo.

Como sero as horas ignoradas?


Teu beijo canta. O mundo é um paraiso,
E a vida ri-se ao longo das estradas.

Olho a vida; sobre ela me debruco...


Mas rindo, tenho médo de que 0 riso
Possa acabar bem perto do soluco.

(A Fada Nua — pags. 73-74)


ANTOLOGIA DA PoESIA PAULISTA 151

XXVII

NUM BAILE

Chegas sorrindo, Fico longe. E vejo


O mistério de luz de teu sorriso.
Em teu olhar que vaga, num adejo,
Brilha a expressao de um jttbilo impreciso.

Todos te esperam. Segue-te um cortejo.


Olhas. Sorris. Longe onde estou, diviso
Os que buscam, perdidos de desejo,
O mistério de luz de teu sorriso.

Sao muitos, que por ti perdem o senso.


E teu olhar, com mil temores sabios,
Conta-os de leve, e sem fitar, escolhe-os.

E enquanto escolhes... eu me lembro e penso


Que ja me deste a gloria de teus labios,
E que eu ja pus meu beijo nos teus olhos.

(ibidem — pags. 121-122)


152 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

AFONSO SCHMIDT

Afonso Schmidt nasceu em 29-6-1890 em


Cubatéo, que pertencia ao municipio de Santos.
Sua atividade profissional principal tem sido o jor-
nalismo. E membro da Academia Paulista de Letras.
Bibliografia: “Lirios Roxos”’, 1904; “Janelas
Abertas”, 1911; ‘““Mocidade” — Santos — Tip. Insti-
tuto, 1921; ‘“Poesias’’, 1933; “Poesia”, 1945; e ou-
tros volumes de versos, inclusive pecas teatrais,
além de grande nimero de livros de ficcdo em prosa.

CARAS SUJAS

Ao longo destas avenidas,


Recordagao de velhas lendas,
Cantam as chacaras floridas
Com suas liricas vivendas.

La dentro, ha risos, jogos, dancas,


Crastinas, mddulas fanfarras,
Um pandeménio de criancas,
Um zangarreio de cigarras.

Fora, penduram-se na grade


Os pobres, como gafanhotos;
Tém dos outros a mesma idade,

Mas estado palidos e rotos.


Chora a injustica da cidade
Na cara suja dos garotos.

(Janelas Abertas — 2.2 ed. — Sado Paulo —


“A Fornalha” — 1923 — pag. 22)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 153

ZINGARELLA
Certa noite, na Italia, quando eu vinha
Para meu quarto, achei-a junto a porta;
Era tao bela, mas tao pobrezinha!
De fome e frio estava quase morta.
Ela, palida e franzina,
Eu, de sobretudo roto:
— Buona sera, signorina!
— Buona sera, giovanotto!
Ofereci-lhe o quarto de estudante,
De minha estreita cama fiz a sua,
E enquanto ela dormia palpitante
Eu vagava, sem teto, pela rua.
De manha, voltando a casa,
Perguntei o nome dela:
— Come ti chiami, ragazza?
— lo mi chiamo Zingarella.
Depois... Eu tinha vinte e trés janeiros,
Ela contava quinze primaveras.
Eram tao juntos nossos travesseiros...
Veio a paixao. Amamo-nos deveras...
Foi o quadro mais risonho
Desta vida fugidia:
— Zingarella, sei mio sogno:
— E tu sei la vita mia.
Mas um dia, ao voltar do meu estudo,
Cheio de magoas, de ansias e de frio,
Nao encontrei seus olhos de veludo:
O quarto estava gélido e vazio.
Grito embalde o nome dela,
Numa tristeza infinita:
— Dove sei 6 Zingarella?
— Dove sei 6 mia vita?
E a minha vida prosseguiu ingloria...
Fiz coisas de rapaz... Nao me envergonho
De recordar ainda aquela historia,
Quase desvanecida como um sonho.
Ela, palida e franzina;
Eu, de sobretudo roto:
— Buona sera, signorina!
— Buona sera, giovanotto!
(Ibidem — pags. 32-33)
154 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

OS QUE DORMEM

Sarcas de sonho. Dorida


Noite verde. Mar revolto.
Os homens béiam na vida,
Ressonando a sono sOolto.

Inchados, pttridos, roxos,


Tigres, porcos, chimpanzés,
Passeiam seus risos frouxos
Na quadrilha das marés.

Vao rolando, vao dancando,


Vao virando cambalhotas;
Os loucos passam em bando,
Os afogados, em frotas...

Quando algum déles desperta,


Sob as esporas da Dor,
Alcanga a margem deserta,
Bate os dentes de pavor.

Aqui, ali, no céu baixo,


Serpenteia como um §S,
A longa chama de um facho,
Que fulge e desaparece.

Este que dormia ha pouco


IE que nas margens se esconde,
Grita: — Acordai! — Esta louco.
Nenhum dos mortos responde.

Vao virando, vao rolando,


Tigres, porcos, chimpanzés,
Vao boiando, vao dancando
Na quadrilha das marés.

(Mocidade — pags. 43-44)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 155

MOACIR PIZA
Moacir de Toledo Piza nasceu em 19-4-1891
em Sorocaba, Sado Paulo, e diplomou-se pela’ Fa-
culdade de Direito de Sado Paulo em 1915. Foi de-
legado de Policia e exerceu o jornalismo como reda-
tor de “O Estado de Sado Paulo”. Foi, com Julio
de Mesquita Filho, Olival Costa e outros, um dos
fundadores de “O Estadinho”’. Morreu trdgica-
mente em 25-10-1928.
Bibliografia: “Sdtiras’’ — Sdo Paulo, 1916; “Ga-
labaro” (em colaboracdo com Jué Bananére — Moa-
cir Piza usou o pseudénimo de Anténio Paes) —
Sdo Paulo, 1917; “Vespeira” (livro péstumo) — Sdo
Paulo — J. Vieira dos Santos, editor — 1924. Pu-
blicou também livros em prosa.

SONETO

Deus! tu que és bom, tu que és consolo e abrigo


De todo coracgéo amargurado,
Como assim podes ver-me desgracado
Por éste amor, que me € como um castigo?

Que hediondo crime, que mortal pecado


Cometi, que me tens por inimigo?
Por que o bem de olvida-la nao consigo
Eu, que do seu amor ando olvidado?

Por qué? Bem sinto: é que nos céus, sereno,


S6 podes compreender o amor divino.
Nunca, nunca provaste o amor terreno,

O amor de uma mulher, que é o teu Destino,


E cuja béca é€ a taga de veneno,
Que faz de um homem justo — um assassinol...
(Vespeira — pag. 72)
156 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

NUM RETRATO DO AUTOR, DATADO DE SETEMBRO DE 1922

fisse cario, que ai vés, magro, tristonho,


Olhos morticos, palidez doentia,
Ja resplendeu na gloria da alegria
Da ilusao, que lhe dera um grande sonho.

Sonho! sonho de amor, ledo e risonho,


Que todas as venturas resumia!
Por isso, nao floriu mais do que um dia
E em pesadelo se mudou, medonho!

O que fora ansia de viver — é tédio.


O que desejo foi — mostra-se enfado:
Moléstia d’alma, que nao tem remédio...

Eis o que resta do que fui contigo:


— Matou-me aquéle beijo envenenado,
Que eu, maldizendo, em lagrimas bendigo...

(Ibidem — pdg. 203)


ANTOLOGIA DA POrSIA PAULISTA 157

PAULO SETUBAL -
Nasceu Paulo de Oliveira Setibal em 1.° de
janeiro de 1893, em Tatui, Estado de Sado Paulo.
Diplomou-se em ciéncias juridicas e sociais pela Fa-
culdade de Direito de Séo Paulo e foi deputado esta-
dual em duas legislaturas. Morreu em 1937.
Bibliografia: “Alma Cabocla’”’, poesias, 1920 (e
numerosas edicdes postertores, além de varios livros
em prosa, sébre temas histéricos.

FERIAS DE JUNHO

De gente simples e caboclos rudos,


Na minha terra existe uma florida
E placida fazenda,
Onde eu, longe dos livros e de estudos,
Esbanjo as férias sem pensar na vida,
Em junho, na moenda.

O terreiro é fechado a pau-a-pique,


Com porteiras de cedro em cada lado,
Que ringem roucamente;
Ficam num canto o engenho e o alambique,
Onde fazem actcar e melado,
Garapa e aguardente.

Funda lagoa sob a ponte dorme,


Em que nadam uns patos de alvas plumas,
E bebem juritis;
E muito além se estende um campo enorme,
Um campo de juas e guaxumas,
Crivado de cupis.
158 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

O ribeiriio que tomba de um penedo,


Faz tocar o volante da engrenagem
Que as canas remoinha;
E mal desponta o sol de manha cedo,
Comeca a faina imensa da moagem
Que acaba de tardinha.

Carros de bois, atravessando as rogas,


Trazendo canas aos montoes ceifadas,
Passam chiar-chiando ;
E vém do canavial as vozes grossas
Que entoam sem cessar os camaradas,
Entre iogas foicando!

Bem cedo, na fornalha, até ao sol-pdsto,


Flameja uma possante labareda,
Crepitam largas achas;
E o engenho todo exala um cheiro a mosto,
— Um forte cheiro de garapa azéda
Que vem das amplas tachas.

E quando, a tarde, por detras do atalho,


O sol expira entre golfées sangrentos
De sangue que espadana,
— Cessa o rumor da faina e do trabalho:
E os asperos caboclos poeirentos
Recolhem-se a choupana.

Tudo se aquieta... Trémulas, se engastam


As estrélas na abdobada infinita.
Hora triste e suave.
Os bois ruminam. Os cavalos pastam.
Para a moenda, o fogo nao crepita,
Reina um siléncio grave...

Somente o Zé Venancio, na foleira


Da sua choca esburacada e antiga,
Magoado, se consola,
Trovando a ingratidao de uma roceira,
Cantando uma tristissima cantiga,
Ao som de sua viola...

(Alma Cabocla — Cia. Editéra Nacional —


4.* ed. — pags. 159-162 — Sado Paulo, 1929)
ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 159

OS COLONOS

La vem o dia apontando...


Que afa! Ja todos de pé!
Ruidosos, tagarelando,
Vao os colonos em bando
Para os talhdes de café.

A luz do sol que amanhece,


Por montes, por barrocais,
Por toda a parte esplandece,
Com sua espléndida messe,
O verde dos cafézais!

Comeca o rude trabalho.


Que faina honrada e feliz!
Inda molhados de orvalho,
Flamejam, em cada galho,
Os bagos, como rubis.

Trabalham. Que ardor de mouro!


Todos derricam café.
Parece um rubro tesouro,
Que vai, numa chuva de ouro,
Dos ramos de cada pé.

Ao meio dia, aos ardores


Do alto sol canicular,
Os rudes trabalhadores,
Ao longo dos carreadores,
Pd6em-se todos a cantar.

Pela dorméncia dos ares,


Sob éstes céus cor de anil,
Cantam cancées populares,
Que 1a, dos seus velhos lares,
Trouxeram para o Brasil.

Aqui, um forte italiano,


Queimado ao sol do equador,
Solta aos ventos, belo e ufano,
Num timbre napolitano,
A sua voz de tenor!
160 ' ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

Ha uma terna singeleza


Nas trovas que um outro diz;
Um rapagao de Veneza
Tem, no seu canto, a tristeza
Das aguas do seu pais.

E uma sangtinea espanhola,


De grandes olhos fatais,
Em baixa voz cantarola
Uns quebros de barcarola,
Magoados, sentimentais...

Que cantem!... Essa cantiga,


Brotada no coragao,
Seja a prece que bendiga
A terra que hoje os abriga,
A patria que lhes da pao!

(Ibidem — pags. 47-50)


ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 161

PAULO GONCALVES
Francisco de Paula Gongalves nasceu em 2-4-
-1897 na cidade de Santos, onde morreu em 4-4-
-1927. Foi inicialmente comercidrio e bancdrio e
depois jornalista, tendo trabalhado no “Didrio de
Santos’, em “A Tribuna’’, de Santos, em “O Estado
de Sdo Paulo” e outros jornais da capital. Foi tam-
bém professor.
Bibliografia : “Iara’’? — Santos, 1922; “Nirva-
na” — Sado Paulo, 1925; e, postumamente, “Obras
Completas” — Edicoes Cultura — Sdo Paulo, 1943,
incluindo téda a sua poesia e pecas de teatro.

AS ELEITAS

Ao luar de evocacées lendarias, idealizo


num recanto celeste, a mansao das Eleitas:
Mulheres que, talvez, por um simples sorriso,
sao hoje, em liras de ouro, imortais e perfeitas!

Nao féra o ocasional clarao désse improviso,


e a que sorte apagada estariam sujeitas!
Beatriz nao ganharia a luz do paraiso,
Eleonora e Natércia eram visoes desfeitas!

O musas-noivas, sempre virgens!, em memoria


dos momentos de vossa anonimia, quando
nao se desencantara ainda a vossa gloria,

— protegei, consolai, inspirai das alturas


a infinita legido dos que sofrem cantando,
para imortalizar vossas irmas obscuras!

(Obras Completas — 1.° vol. — pag. 26)


162 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

OS INCOMPREENDIDOS

O solitarios principes da lenda,


dolorosos irmaos de Antonio Nobre,
tristes no manto de ouro, que vos cobre,
sem ter um coragao que vos entenda!

Em vossas almas, que ninguém desvenda,


um sino plange em funeradrio dobre:
Wilde, humilhado; Cruz e Sousa, pobre;
Quental, sem Juz; Rudel, sem Melisenda...

Bendito vosso tragico destino!


Através da Beleza, 6 torturados,
vosso inforttinio se tornou divino!

Se tivestes assomos de revolta,


nao fostes mais do que anjos exilados,
chorando, em desespéro, pela volta!

(Ibidem — pdg. 27)

AS FREIRAS

Em frente do oratério,
na penumbra e na paz da sacristia,
as freiras rezam, no final do dia,
pelas almas do inferno e purgatoério.

Coroando a tarde fria,


expira em névoa o poente merencério.
E ao céu triste se eleva o responsorio,
levado pelo adeus da Ave-maria.

O creptisculo mistico parece


um arco de ouro e rosa,
que Deus armou no espaco, ouvindo a precess:

Porta de luz, na tarde religiosa,


por onde um anjo desce,
para atender a invocacdo piedosa.

(tbidem — pag. 28)


7

ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA 163

JORGE FALEIROS —
Jorge Faleiros nasceu em 3-11-1898 em Pa-
trocinio do Sapucai, Sdo Paulo, e iniciou a car-
retra eclesidstica no Semindrio Diocesano de Bata-
tais. No Semindrio Arquiepiscopal de Sdo Paulo
formou-se em filosofia. Deixou entéo o semindrio
e dedicou-se ao magistério e ao jornalismo. Morreu
em Sao José dos Campos em 19-11-1924.
Bibliografia: “Nirvana” (livro pdéstumo) —
Sdo Paulo — Graf. Edit. M. Lobato — 1925.

AO CAIR DAS FOLHAS

Voo de folha morta... Um vento fino


arrepia a folhagem num crescendo...
Passa no ar um entérro sem destino
e a tarde vai morrendo.

Voo de félha morta... Num cipreste


corre um frémito brando, muito brando.
Passa um noivado la no azul celeste
e a noite vai baixando.

As félhas vao caindo, uma por uma,


murchas ou sécas, mortas, rumo incerto,
e, no ar, brumoso, eu me desmancho em bruma
neste jardim secreto.

Virgem das virgens pura, que és tao suave


como as brisas do céu, cheia de gragas
como a espdsa de um deus, oh! luz! oh! ave
que, como a sombra passas,

passando, um dia, dentro em mim, fugiste...


Maldita sejas tu que foste a seta
envenenada que me féz tao triste
e me tornou um poeta!
164 ANTOLOGIA DA POESIA PAULISTA

A cidade da terra ja resplende,


abrindo olhos de luz diluidos pelos
recantos; e a do céu também acende
olhos de Sete-estrelos.

Chora em surdina, indefinidamente,


um concérto de vozes, lindo, lindo...
— Num voo de asa morta, lentamente,
as folhas vao caindo.

Também os verdes sonhos da esperanca


se vao da vida nossa, desprendendo,
e, a esfolhacao da tarde mansa, mansa,
a gente vai morrendo.

(Nirvana — pag. 19)

SAUDADE

Tarde... Cinza que vem do céu! Passado...


O coracéo em cinza e pd!
La fora, tanta luz, tantas flores no prado,
tanta gente feliz, tanto noivado
e aqui dentro eu tao sd!

A noite se debruca
medonha e calma...
Na atra sombra que vem do céu, se embuca
minha alma.

Naufraga o mar
na borda
do horizonte, onde o mar parece que transborda
Tudo convida a recordar.
— Recorda!

Recordo e sonho. A nuvem passa.


Minha alma vai atras da nuvem. Sonho.
A nuvem é fumaca
e fumacga também é todo sonho.
Os sonhos passam como a nuvem passa.
ANTOLOGIA DO ENSAIO LITERARIO PAULISTA 165

Recordo, sim, recordo um moco tio feliz


que conheci outrora;
ditoso se entre os bons, ditoso se entre os vis,
fazia rir a quem chorava e agora
éle mesmo é quem chora.

Cruzo os bracos no peito, abragando a mim mesmo.


Divago a ésmo
Rememorar!...
Ai! que vontade de chorar!
E choro de saudade de mim mesmo...

(Ibidem — pag. 5)
[INDICE
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Do Poema Sdébre o Descobrimento das Esmeraldas — Estancias
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CERO Oe Cre aa ee a its oc lee «igs 8a ee EERE

Salvador Nardi de Vasconcelos Noronha ................0c0eceeeeeees


Ao Ilmo. e Exmo. Senhor Bernardo José de Lorena — Governador
e Capitao General desta Capitania e Cidade de Sao Paulo de
nN UTNE BN cle. ow! 5.5:a)wi's@:5) nis's| ayolalay sland Siete) acd) eieieder shieee ene

Ever reusperes elem Oe ANGTade 2. o.oo... oie nie occ clon ciersty where narewre 3
As Partes com que se féz mais Ilustre o Ilustrissimo Sr. General
meee MELONTUEE) Ce SOUS oe 50 See cial ipa (0 ale n,Ayp pence a aa ale Sele) ENS
Refere um Pastor a Outro o Misterioso Sonho, e Execuc&o déle
nas Pomposas Festas, com que o Ilmo. e Exmo. Senhor Colocou
a Sre. S. Ana, Convidando-o também para o Festejo ..........

Frei Rodovalho (Anténio de Melo Freitas) ...............0cccceeceee


1B tee Ec RES a en ene TERETE Sartrecrrae es tone ot Ai rate

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REN eS Ee et gee aye te soto ns NAGI 0 tai sala Araya onl edge ORR

OSG ATOHENe. CG -TOLEGO Remdom .o.s os. occ secu cin ced ornppleplifiee ns valence
MEeraATiGcdOSe (Me LiOTENA: .occ0. ac. oie 8 ded 20d owisle ee eee
A Bernardo José de Lorena — 3.° assunto ............
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168 INDICE

Pags.
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva ............... 33
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Anténio Mariano de Azevedo Marques ..........--eeeecec


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Martim Francisco Ribeiro de Andrada ......................-.-.-.. ti ee tae


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José Bonifacio, o Moco (José Bonifacio
de Andrada e Silva) ........ 44
Adeus Ge’ GORZALA tan. cne-cee rte Sige rine inen terete ne ae eee 44
ACLSLUtin (c)ce) a ee are een ene mene we Ret eras fir ARG se) nn 45
SONELO seni scen 55 Aw eAb Sua be we eked aa ee eee eee ee 46
Meier estamento: \accc2.. 25 Saegaa ae Sean Raed ss ee eee eee 46
Barao de Paranapiacaba (Joafo Cardoso de Menezes e Souza) ........ 48
Quem=me~Deralli.. Yo. oan cane eeeeee 48
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Basz Gama aac dent td ol aace Sabo Re ea Sa Ce ee 51
Os ‘Ciatarizes de- Sao Paulon. oo .- te ee ol ae ieee 51
Manuel Anténio Alvares de Azevedo .............0..0000c0cececeeeee 53
SOnGtQ~... sce dees we oe se a ee Oe Se 53
Mei Sonho sere. So ave . eae S es 2 ee i ae 54
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GOVERNO CARVALHO PINTO
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Terminou-se a tmpressdo déste livro


aos 17 de nevembro de 1960, na Imprensa
Oficial do Estado, para a Comissdo Esta-
dual de Literatura, do Conselho E'stadual
de Cultura, sendo Secretdrio do Govérno
o Sr. Mércio Ribeiro Pérto e membros da
C.H.L. os Srs.: Domingos Carvalho da
Silva, presidente; Péricles Hugénio da Sil-
va Ramos, vice-presidente; Afrdnio Zuc-
colotto, André Carneiro, Anténio D’Elia,
Fernando Gées, D. Helotsa de Almeida
Prado, José Aderaldo Castello, José Pedro
Leite Cordeiro, Leonardo Arroyo, Livio
Barreto Xavier, Mario Donato, Mario da
Silva Brito e Oliveira Ribeiro Neto; se-
cretario, Romulo Fonseca.
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