Alt No Equilibrio Hidroeletrolitico
Alt No Equilibrio Hidroeletrolitico
Alt No Equilibrio Hidroeletrolitico
Neste capítulo serão feitas considerações sobre aspectos da fluidoterapia no pré, trans e
pós-operatório visando minorar os riscos inerentes ao trauma cirúrgico.
A anestesia e cirurgia induzem diferentes graus de agressão ao indivíduo. A intensidade
da resposta orgânica está relacionada à severidade dessa agressão e às condições físicas do
animal. É importante lembrar que indivíduos portadores de intercorrência clínica são pacientes
cirúrgicos de alto risco. Neste caso, deve ser bem calculado o momento da cirurgia. Naquelas
eletivas a intervenção pode ser protelada dando tempo à preparação pré-operatória adequada. Na
emergência, no entanto, faz-se necessária decisão criteriosa sobre o momento da operação de vez
que tanto a protelação quanto a intervenção sem adequadas condições orgânicas podem incorrer
em óbito.
Cada tipo de lesão ou patologia requer adoção de maior ou menor número de medidas
pré, trans e pós-operatórias. As queimaduras severas, contusões com esmagamento e as fraturas
são exemplos de agressões que produzem alterações metabólicas agudas e prolongadas.
Outro parâmetro a ser considerado no paciente cirúrgico é o seu estado ou equilíbrio
hidroeletrolítico. No cão, a água é equivalente a 60-65% do peso corporal no adulto, 70-80% nos
jovens e 45-50% nos obesos. No bovino, um embrião possui 95% de sua constituição em água e
o recém-nascido 75% ou mais, decrescendo até
40% na maturidade.
Diversas alterações de ordem clínica e
cirúrgica interferem com o equilíbrio
hidroeletrolítico. A perda de água determina
vários graus de desidratação. No animal
hidratado a distribuição de água é regulada pelas
forças osmóticas dos solutos que variam entre
280 e 310 mOsm/kg [média de 295 mOsm/kg
(Figura 1.1)]. As variações na concentração
sérica do sódio, cationte em maior concentração
no líquido extracelular, provocam desvios da Figura 1.1 - Esquema representativo da
osmolalidade. Assim, o paciente é suscetível à distribuição hidroeletrolítica
desidratação dos tipos iso, hipo ou hipertônica. no organismo
Na desidratação isotônica ou
isonatrêmica ocorre perda proporcional de água
e sais existentes no espaço extracelular (Figura 1.2). Nesta condição a migração de líquidos entre
os meios intra e extracelulares é de pouca intensidade, pois a osmolalidade e tonicidade
permanecem constantes (295 mOsm/kg). As causas mais freqüentes são as perdas por diarréia e
vômito, seqüestro de líquido extracelular em lesões e infecções dos tecidos moles e nas
peritonites.
A desidratação hipotônica ou hiponatrêmica é caracterizada por baixa osmolalidade do
espaço extracelular devido a perda de eletrólitos em excesso de água. Há perda de líquido
hiperosmolar (acima de 310 mOsm/kg). O compartimento extracelular torna-se hiposmolar e
hipotônico (abaixo de 280 mOsm/kg) em relação ao intracelular. A passagem de líquido
Alceu Gaspar Raiser, 2007 2
1.0 - HIDRATAÇÃO
Para ser feito o diagnóstico do déficit líquido no organismo podem ser utilizados
exames clínico e de laboratório.
Neste capítulo será dada ênfase à Quadro 1.1. Parâmetros para avaliação clínica pré-operatória
avaliação clínica, de vez que o de cães, relacionando os sinais físicos com o grau
cirurgião nem sempre dispõe de de desidratação.
tempo ou, mesmo, apoio laboratorial
antes da cirurgia. % de Sinais Físicos
Com finalidade didática a desidratação
hidroterapia será apresentada em
três fases: pré, trans e pós- 4 Sem anormalidade; apenas história clínica de
operatória. falta de ingestão de água;
Quadro 1.7. Relação entre variações na coloração das mucosas e tempo de reperfusão capilar com a condição
cardiovascular.
Lembrar sempre que as soluções salinas são hidratantes, enquanto que as coloidais
expandem a volemia. A associação entre esses dois grupos de soluções é freqüente, pois os casos
de hipotensão freqüentemente acompanham-se de desidratação.
Htde - Htr
ml de sangue = peso (kg) X ----------- X 90 (cão) ou 70 (gato) ou 40 (bovino e eqüino)
Htdo
onde: Htde = hematócrito desejado; Htr = hematócrito do receptor; HTdo = hematócrito do sangue
a ser transfundido, já no frasco com anticoagulante; α = constante que para o cão é 90, para o
gato 70 e para grandes animais ao redor de 40.
As indicações para transfusão de sangue incluem: hemorragia, anemia não regenerativa,
alterações de coagulação, choque hemorrágico, anemia hemolítica não autoimune,
trombocitopenia, enfermidade hepática e hipoproteinemia.
Alceu Gaspar Raiser, 2007 14
Assim, um cavalo de 450 kg, com 3,5 g/dl de proteína total no plasma apresenta um
déficit de 3,5 g/dl (normal é 7 - 8 g/dl). Considerando que o plasma doador tenha 8 g/dl de
proteína total, serão necessários:
Quando for obtido de sangue refrigerado, o plasma apresenta como inconvenientes o
baixo pH, nível elevado de lactato e potássio ligeiramente acima do normal.
1.4.6.1 - Dextranos
Os dextranos ão polissacarídeos constituídos de moléculas grandes, elevado peso
molecular e poder oncótico acentuado, largamente utilizados como expansores do plasma.
O dextrano pode ser encontrado em três tipos:
- dextrano de alta viscosidade, com peso molecular de 500.000 que só é utilizado em
experimentação animal;
- dextrano 70 ou de médio peso molecular (70.000 a 80.000) que é indicado para repor
a volemia nos pacientes com grandes queimaduras, pois permanece por maior tempo no leito
vascular. Aumenta a viscosidade sangüínea e promove sangramentos ao ser administrado
mesmo em doses relativamente baixas;
- dextrano 40 ou de baixo peso molecular (40.000). É o mais utilizado e apresenta
várias propriedades. As principais são: expansor da volemia; hemodiluente (diminui a
viscosidade sangüínea); atrai líquido do interstício para a luz do vaso (corrige edema
intersticial); evita a agregação e aglutinação de hemácias e plaquetas; tem ação antitrombótica e
favorece a diurese.
O dextrano 40 apresenta como desvantagens: tendência à hemorragia devido a diluição
do fibrinogênio e desagregação de plaquetas e hemácias; pode comportar-se como antígeno e
determinar reação de hipersensibilidade (mais comum no eqüino); pode causar insuficiência
renal aguda e interferir com a tipagem sangüínea. Os dextranos 40 e 70 são veiculados em
frascos de 500 ml, diluídos em solução de cloreto de sódio ou glicose.
1.7.1 - Oral
É a via mais fisiológica e a que apresenta menor risco de alterações fisiológicas. É a
mais adequada para reposição calórica. Quando o paciente não aceitar voluntariamente, ou
estiver inconsciente poderá ser forçado através da boca ou por tubo de faringostomia ou
gastrostomia. Nos casos de alteração gastrintestinal está contra-indicada.
1.7.2 - Subcutânea
Esta via apresenta limitações quanto ao tipo e quantidade de solução. Soluções sem
sódio, como o soro glicosado, ou hipotônicas são absorvidas lentamente por esta via e,
dependendo do estado geral, podem piorar o quadro clínico. Isto ocorre porque ao serem
introduzidas no tecido subcutâneo atraem sódio orgânico e conseqüentemente líquido intersticial
até haver isonatremia. O mesmo pode ser dito das soluções hipertônicas relativamente à atração
osmótica da água. No paciente hipotenso a absorção é lenta ou não ocorre.
1.7.3 - Venosa
A via venosa é a mais indicada para reposição de grandes quantidades de volume.
Além disso permite rápida reposição sendo a via ideal para o paciente hipotenso ou com
desidratação acima de 8%. Deve ser a via preferencial para transfusão de sangue, derivados ou
expansores do plasma.
Nos casos em que houver dificuldade para venóclise deve ser procedida punção ou
cateterização da veia jugular mediante abordagem cirúrgica (Filme canulajugular). Para tanto é
recomendada tricotomia e anti-sepsia cervical, infiltração tópica com 1 a 2 ml de lidocaína 2% e
incisão cutânea em V com o vértice em sentido caudal, seguida de divulsão romba com pinça de
Kely, para expor a veia. Desta forma pode ser feita punção ou cateterização por visualização
Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 19
direta do vaso. Instalado o dispositivo (Insyte® ou Abbocath®), este é fixado por ponto de reparo
ou adesivo na pele e, em seguida, é procedida a síntese cutânea. O cateter é exteriorizado por um
dos ângulos da sutura. A seguir adaptar bandagem protetora. Recuperado o paciente, o cateter
será removido mediante compressão local, sobre a veia, por aproximadamente 3 minutos até que
haja hemostasia.
1.7.4 - Peritoneal
Esta via tem sido indicada para cães novos nos quais seja difícil a punção venosa ou em
caso de hipotensão, nos animais adultos. Apresenta, no entanto, algumas limitações. Nos
pacientes com hipotensão ou anemia crônica tem conduzido a óbito. Isto parece estar
relacionado ao poder coloidosmótico do sangue administrado na cavidade peritoneal o qual,
sendo maior, atrairá líquido para si em detrimento dos volumes intersticial e intravascular. Este
fenômeno ocorre também com soluções hipertônicas, em relação ao forte efeito osmótico.
Outras vias como intramuscular ou intrarticular são impraticáveis, pois permitem
administração de pequeno volume. A via intramedular, recomendada em cães novos, tem risco
de sepsia.
BROADSTONE, R.V. Fluid therapy and newer blood products. Vet Clin North Amer:
Small Anim Pract, v.29, n.2, p.611-628, 1999.
CORNELIUS, L.M. Fluid therapy in small animal practice. J Amer Vet Med Assoc, v.176,
n.2, p.110-114, 1980.
CORNELIUS, L.M. Fluid, eletrolyte, acid-base, and nutritional management. In: BOJRAB,
M.J. Pathophysiology in small animal surgery. Philadelphia : Lea & Febiger, 1981.
Cap.2. p.12-32.
CRANE, W.S., BETTS, C.V. Manual de terapêutica de pequenos animais. São Paulo :
Manole, 1988. 437p.
DAS, J.B., ERAKLIS, A.J., ADAMS, J.G. et al. Changes in serum ionic calcium during
cardiopulmonary bypass with hemodilution. J Thorac Cardiovasc Surg, v.62, n.3, p.449-
453, 1971.
DIBARTOLA, S.P. Fluid therapy in small animal practice. 2.ed. Philadelphia: Saunders,
2000. 611p.
DONAWICK, W.J. Fluid eletrolyte, and acid-base therapy in large animal surgery. In:
JENNINGS, P.B. The practice of large animal surgery. Philadelphia : Saunders, 1984.
V.I. Cap.5. p.99-128.
GOMES, C.; TUDURY, E.A.; RABELO, R.C. Reposição volêmnica na terapia intensive.
Alceu Gaspar Raiser, 2007 20
GROSS, D.R., McCRADY, J.D. Conceitos gerais e fluidoterapia. In: MEYER JONES, L. et al.
Farmacologia e terapêutica veterinária. 4. ed. Rio de Janeiro : Guananbara Kogan, 1983.
Cap.26. p.398-405.
HARDY, R.M., OSBORNE, C.A. Water dpivation test in the dog: maximal normal values. J.
Amer Vet Med Assoc, v.175, n.5, p.479-483, 1979.
KILLINGSWORTH, C.R. Use of blood and blood components for feline and canine patients. J
Amer Vet Med Assoc, v.185, n.11, p.1452-1454, 1984.
KING, W.H., GLAYANA, D.F., PATTEU, E. et al. Clinical interation of trisodium citrate and
ionized calcium during administration of blood. Anesthesiology, v.63, n.3A, p.A108, 1985.
KNOTTENBELT, C., MACKIN, A. Blood transfusions in the dog and cat. Part 1. Blood
collection techniques. In Practice, v.20, n.3, p.110-114, 1998.
MORRIS, D.D. Blood transfusion. In: AUER, J.A. Equine surgey. Philadelphia : Saunders,
1992. Cap.6. p.59-63.
PICHLER, M.E., TURNWOLD, G.H. Blood transfusion in the dog and cat. Part I. Phisiology,
collection, storage and indications for whole blood storage. Comp Cont Educ Pract Vet,
v.7, n.1, p.64-71, 1985.
RABELO, R.C. Otimizando a fluidoterapia na unidade hospitalar. In: RABELO, R.C.; CROWE
Jr. D.T. Fundamentos de terapia intensive veterinária em pequenos animais – condutas
no paciente crítico. Rio de Janeiro: L.F. Livros, 2005. Cap.56, p.625-630.
RAISER, A.G. Fluidoterapia em cirurgia. A Hora Veterinária, v.6, n.32, p.33-38, 1986.
ROMATOWSKY, J. Use of oral fluids in acute gastroenteritis in small animals. Mod Vet
Pract, v.66, n.4, p.261-263, 1985.
RUDLOFF, E., KIRBY, R. The critical need for colloids: selecting the right colloid. Comp
Cont Educ Pract Vet, v.19, n.7, p.811-826, 1997.
Patologia Cirúrgica Veterinária - UFSM, Santa Maria. 21
RUDLOFF, E., KIRBY, R. The critical need for colloids: administring colloids effectively.
Comp Cont Educ Pract Vet, v.20, n.1, p.27-43, 1998.
SAVEY, M. A transfusão de sangue em bovinos. A Hora Veterinária, v.2, n.7, p.31-40, 1982.
STORMOUT, C.J. Blood groups in animals. J Amer Vet Med Assoc, v.181, n.10, p.1120-
1124, 1982.
TURNWOLD, G.H, PICHLER, M.E. Blood transfusion in dogs and cats. Part II.
Administration, adverse effect and component therapy. Comp Cont Educ Pract Vet, v.7,
n.2, p.115-125, 1985.
WATERMAN, A. Practical fluid therapy for small animals. In Pract, v.6, n.5, p.143-150,
1984.
ZASLOW, I.M. Veterinary trauma and critical care. Philadelphia : Lea & Febiger, 1984.
584p.