REPÓRTER BRASIL (2012) em Terras Alheias - A Produção de Soja e Cana em Áreas Guarani No MS

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EM TERRAS ALHEIAS

EM TERRAS ALHEIAS
A produção de soja e cana É importante frisar que a questão da produção
em áreas Guarani no Mato de commodities em áreas indígenas (ou terras por eles
Grosso do Sul reivindicadas) vem sendo considerada irregular e de for-
te impacto socioambiental por um número crescente de
O Centro de Monitoramento de Agrocombus- instituições, tais como o Ministério Público Federal, a
tíveis (CMA) da ONG Repórter Brasil retorna ao Mato Funai e o Conselho Monetário Nacional, além de orga-
Grosso do Sul para aprofundar os estudos dos inten- nizações internacionais indigenistas e ligadas à susten-
sos impactos socioambientais gerados por plantadores tabilidade do setor produtivo. Neste sentido, o presen-
de soja e cana - duas das principais culturas agrícolas do te relatório pode servir como insumo para negociações
Estado - nos territórios indígenas Guarani. Trata-se da e ações de responsabilidade social dos vários atores e se-
continuidade de um trabalho iniciado há três anos com tores envolvidos na cadeia produtiva das duas culturas.
as pesquisas que resultaram no relatório “O Brasil dos
Agrocombustíveis - Os Impactos das Lavouras sobre a
Terra, o Meio e a Sociedade - Cana-de-açúcar - 2009”1.
O CMA agradece o apoio logístico do Conselho Indi-
genista Missionário (Cimi) ao trabalho de campo nas
3
aldeias Guarani, e ao Ministério Público Federal pelo
A decisão de voltar ao Mato Grosso do Sul ex- compartilhamento de informações. À Cordaid e ao Si-
plica-se por ser o Estado uma das principais fronteiras grid Rausing Trust pelo suporte financeiro que possibi-
agrícolas do Brasil. Há naquela região uma crescente litou a execução deste trabalho. E, em especial, a todos
demanda por matéria-prima pelas usinas de açúcar, eta- os Guarani que nos receberam em suas terras e dividi-
nol e biodiesel, o que tem estimulado a expansão das ram conosco suas histórias.
áreas de soja e cana, inclusive dentro de terras indíge-
nas em processo de reconhecimento pelo governo brasi- Países com população Guarani
leiro. Se por um lado a morosidade desse processo serve
de combustível para violentos conflitos, por outro tam-
bém ajuda a atrair a atenção do público para a produção
agrícola em terras indígenas.

Além da análise da expansão agrícola no Esta-


do, este novo relatório apresenta estudos de caso de seis
áreas indígenas em que há a presença de produtores de
soja e cana.

Quatro delas - Guyraroka, Takuara, Jatayva-


BRASIL
ry e Panambi-Loagoa Rica - estão em processo avança-
do de reconhecimento e demarcação, e duas - Laranjeira
Nhanderu e Guayviry - são emblemáticas por seus his-
BOLIVIA
tóricos de conflito. Os dados apresentados se baseiam
na leitura e sistematização de documentos oficiais e de
depoimentos colhidos junto aos indígenas em visitas às PARAGUAI
seis aldeias.
ARGENTINA

URUGUAI
Expediente
EM TERRAS ALHEIAS

Repórter Brasil - Organização de Comunicação e Projetos Sociais

Coordenação geral
Leonardo Sakamoto

Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis


Marcel Gomes (coordenação)
Verena Glass (pesquisa)

Suporte Financeiro
Fabiana Garcia

Suporte Administrativo
Maia Fortes

O relatório “Em terras alheias - a produção de soja e cana


em áreas Guarani no Mato Grosso do Sul” é uma realização
do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis
da ONG Repórter Brasil

Autora
Verena Glass

Revisão
Marcel Gomes

Fotos
Verena Glass e Philip Clark-Hill

Mapas
Roberta Roxi

Diagramação
Gustavo Monteiro

Endereços para correspondência


[email protected]
http://twitter.com/reporterb
http://www.facebook.com/ONGReporterBrasil

Rua Bruxelas, 169, São Paulo - SP, CEP 01259-020


Telefones: (+55 11) 2506-6570, 2506-6562, 2506-6576 e 2506-6574

Apoio
Cordaid
Sigrid Rausing Trust
Conselho Indigenista Missionário

Copyright ONG Repórter Brasil


É permitida a reprodução total ou parcial da publicação, devendo citar fonte de referência.
Índice

EM TERRAS ALHEIAS

Em terras alheias 03

Introdução 06

Estudos de Caso 11

1. Terra Indígena Jatayvary 11

2. Terra Indígena Guyraroká 14

3. Terra Indígena Panambi - Lagoa Rica 17

4. Terra Indígena Takuara 20

5. Comunidade Indígena Laranjeira Nhanderu 23

6. Comunidade Indígena Guaiviry 25

Considerações Finais 28

Notas 30
Introdução ta Missionário (Cimi), o MS registrou o maior número de
EM TERRAS ALHEIAS

vítimas de homicídio no país no último ano - 32 pessoas ou


62,7% das ocorrências totais -, sendo 27 Guarani-kaiowá,
2 Terena, 2 Guarani-nhandeva e 1 Ofaye-xavante. O Es-
tado também teve o maior número de conflitos relativos a
direitos territoriais3, conforme o mesmo estudo do Cimi.
Com 53 áreas indígenas em diversos estágios de
Os conflitos têm se intensificado na última dé-
estudo e demarcação2, o Mato Grosso do Sul (MS) tem se
cada com a expansão das culturas de soja e cana nas re-
destacado, historicamente, como o Estado brasileiro com
giões sudoeste e sul do Estado, envolvendo majoritaria-
o maior número de casos de violência e de conflitos en-
mente os indígenas Guarani-kaiowá e Guarani-nhadeva,
volvendo a disputa de terras entre indígenas e produto-
que ocupam ou reivindicam a demarcação de 40 das 53
res rurais.
Terras Indígenas cadastradas pela Funai, como mostra a
tabela a seguir.
De acordo com o relatório “Violência contra os
povos indígenas no Brasil - 2011”, do Conselho Indigenis-

TABELA DAS ÁREAS INDÍGENAS GUARANI NO MS


6 Terras indígenas
TI Amambaipeguá
Grupo Indígena
Guarani
Município
Ponta Porã
Área Situação/Etapa
- Em estudo
TI Apapeguá Guarani Amambai, Ponta Porã, ... - Em estudo
TI Brilhantepeguá Guarani Paranhos, ... - Em estudo
TI Dourados-Amambaipeguá Guarani Naviraí, Dourados, Amambai. - Em estudo
Sete Quedas, Iguatemi,
TI Iguatemipeguá Guarani - Em estudo
Amambai, Coronel Sapucaia
TI Ñandévapeguá Guarani Japorã - Em estudo
TI Guyraroká Guarani-kaiowá Caarapó 11.440 ha Declarada
TI Jatayvari Guarani-kaiowá Ponta Porã 8.800 ha Declarada
TI Taquara Guarani-kaiowá Juti 9.700 ha Declarada
TI Panambi - Lagoa Rica Guarani-kaiowá Douradina, Itaporã 12.196 há Delimitada
TI Gua-y-viri Guarani-kaiowá Ponta Porã - Em estudo
TI Kokuey Guarani-kaiowá Ponta Porã - Em estudo
TI M'barakay Guarani-kaiowá Iguatemi - Em estudo
TI Urucuty Guarani-kaiowá Amambai - Em estudo
TI Arroio-Korá Guarani-kaiowá Paranhos 7.176 ha Homologada
TI Jarara Guarani-kaiowá Juti 479 ha Homologada
TI Ñande Ru Marangatu Guarani-kaiowá Antônio João 9.317 ha Homologada
TI Takuaraty/Yvykuarusu Guarani-kaiowá Paranhos 2.609 ha Homologada
RI Aldeia Limão Verde Guarani-kaiowá Amambai 660 ha Regularizada
TI Amambai Guarani-kaiowá Amambai 2.430 ha Regularizada
TI Buritizinho Guarani-kaiowá Sidrolândia 10 ha Regularizada
TI Guaimbé Guarani-kaiowá Laguna Carapã 717 ha Regularizada
TI Guasuti Guarani-kaiowá Aral Moreira 959 ha Regularizada
TI Jaguapiré Guarani-kaiowá Tacuru 2.349 ha Regularizada
TI Jaguari Guarani-kaiowá Amambai 405 ha Regularizada
TI Panambizinho Guarani-kaiowá Dourados 1.273 ha Regularizada
TI Pirakua Guarani-kaiowá Bela Vista, Ponta Porã 2.384 ha Regularizada
TI Rancho Jacaré Guarani-kaiowá Laguna Carapã 778 ha Regularizada
RI Sassoró Guarani-kaiowá Tacuru 1.923 ha Regularizada
TI Sucuriy Guarani-kaiowá Maracaju 535 ha Regularizada
RI Taquaperi Guarani-kaiowá Coronel Sapucaia 1.777 ha Regularizada
TI Sete Cerros Guarani-kaiowá, Guarani Nhandéva Paranhos 8.585 ha Homologada
TI Caarapó Guarani-kaiowá, Guarani Nhandéva Caarapó 3.594 ha Regularizada
RI Dourados Guarani-kaiowá, Guarani Nhandéva, Terena Dourados, Itaporã 3.475 ha Regularizada
TI Porto Lindo Guarani Nhandéva Japorã 1.649 ha Regularizada
TI Potrero Guaçu Guarani Nhandéva Paranhos 4.025 ha Declarada
TI Sombrerito Guarani Nhandéva Sete Quedas 12.608 ha Declarada
TI Cerrito Guarani Nhandéva Eldorado 1.951 ha Regularizada
TI Pirajuí Guarani Nhandéva Paranhos 2.118 ha Regularizada
Fonte: Funai 2012
Os Guarani no

EM TERRAS ALHEIAS
Mato Grosso do Sul4
Foto: Verena Glass

Historicamente, o povo Guarani viveu em vas- Com o desmatamento da região e a implantação


tas áreas do Paraguai, Argentina, Uruguai, Bolívia e Bra- das fazendas de gado e das colônias agrícolas, em especial
sil. Neste último, o Mato Grosso do Sul (MS) concentra a Cand (Colônia Agrícola Nacional de Dourados), a par-
o maior número de Guaranis que, de acordo com o Censo tir da década de 1940 dezenas de aldeias Guarani-kaio-
Demográfico 2010 do IBGE, perfazem uma população de wá tiveram que ser abandonadas pelos índios, sendo suas
cerca de 43 mil pessoas no Estado (35 mil vivem em ter- terras incorporadas pela colonização. A população des-
ras indígenas e 8,1 mil fora das mesmas). sas aldeias foi aleatoriamente “descarregada” nas reser-
vas, processo que perdurou até o final da década de 1970.
O processo de expulsão dos Guarani de suas
terras no sul-sudeste do MS remete ao século XIX. Em Apesar do expurgo dos indígenas de suas terras,
1882, o Governo Federal arrendou a região para a Com- várias famílias continuaram nas regiões de origem, traba-
panhia Matte Laranjeiras, que iniciou a exploração da er- lhando como empregados nas fazendas dos não-índios. A
va-mate em todo o território indígena. Em 1915, o Ser- partir da década de 1970, com a mecanização e a especia-
viço de Proteção ao Índio (SPI) criou a primeira Reserva lização em torno da soja e do gado de corte (e, a partir da
Guarani com 3.600 hectares, e até 1928 são demarcadas década iniciada em 2001, também da cana), a presença da
um total de oito reservas, totalizando 18.297 hectares. mão-de-obra indígena deixou de ser indispensável e, em
alguns casos, até indesejável. Concomitantemente, a va-
Inicia-se então, com o apoio direto dos órgãos lorização das commodities agrícolas aumentou a pressão
oficiais, um processo sistemático e relativamente violento sobre as terras indígenas, e com isso também aumenta-
de confinamento da população Guarani nestas reservas. ram os conflitos.
Cana e terras indígenas
EM TERRAS ALHEIAS

no Mato Grosso do Sul

Foto: Verena Glass


8

Nos últimos anos, o setor sucroalcooleiro, for- deste e sul do Estado, onde se concentram os territórios
temente incentivado pelo governo estadual, foi um dos Guarani, a atividade sucroalcooleira acabou impulsionan-
que mais cresceu no Mato Grosso do Sul. De acordo com do a produção de matéria-prima em fazendas que incidem
a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na sobre terras indígenas.
safra 2012/13 a cana teve uma expansão de 12,5% em Além de ser um vetor de conflitos sociais e fun-
relação ao período anterior, e hoje ocupa mais de 550 diários - tratados neste relatório nos estudos de caso -, o
mil hectares no Estado (nos anos anteriores, da safra plantio de cana em áreas indígenas (assim como no Pan-
2009/10 para a 2010/11, de acordo com a Conab houve tanal, na Amazônia e na Bacia do Alto Paraguai) passou a
um aumento de 49,2% da área plantada de cana; da safra ser considerado irregular e inapto a receber financiamen-
2010/11 para a 2011/12, o aumento foi de 21,38%). to público com a publicação do Decreto Nº 6.961, de 17 de
setembro de 2009, que aprovou o Zoneamento Agroecoló-
Segundo a Associa-
ção dos Produtores de Bioe- USINAS DE AÇÚCAR E ÁLCOOL NO MATO GROSSO DO SUL
nergia (Biosul) do Mato Gros- Usina Município Status de funcionamento
so do Sul, 540 mil hectares são Adecoagro - Unidade Angélica Agroenergia Angélica Instalada
destinados à produção de açú- Adecoagro - Unidade Ivinhema Ivinhema Em instalação
car e etanol, 64 mil hectares Agrison Sidrolândia Instalada
são de áreas de expansão dos Alccolvale Aparecida do Taboado Instalada
canaviais, 29 mil hectares es- Aurora Anaurilândia Instalada
tão em processo de renovação, Brilhante Maracaju Em instalação
Bunge Monteverde Ponta Porã Instalada
e 15 mil hectares são reserva-
CBAA Brasilândia Brasilandia Instalada
dos à produção de mudas5. Já
CBAA Sidrolândia Sidrolândia Instalada
em relação às unidades de pro-
Cerona Nova Andradina Instalada
cessamento, a União dos Pro- Chapadão do Sul Chapadão do Sul Em instalação
dutores de Bioenergia (Udop) Dcoil Iguatemi Instalada
relaciona 30 usinas instaladas Dourados Dourados Em instalação
e 10 em processo de instalação ETH Bioenergia – Eldorado Rio Brilhante Instalada
no Estado (tabelas ao lado). ETH Bioenergia – Santa Luzia 1 Nova Alvorada do Sul Instalada
ETH Bioenergia - Costa Rica Costa Rica Instalada
O crescente número Fatima do Sul Fátima do Sul Instalada
de usinas tem demandado uma Iaco Agrícola Chapadão do Sul Instalada
área cada vez maior de cana. Itaguassu Bataguassu Instalada
Como grande parte delas vem Laguna Bataiporã Instalada
se instalando nas regiões su- Fonte: UDOP
gico da Cana-de-açúcar (ZAE). O decreto foi regulamen-

Foto: Verena Glass

EM TERRAS ALHEIAS
Bunge insiste em manter contratos
tado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em outu- com fazendas em terra indígena
bro do mesmo ano6.

Por pressão do Ministério Público Federal


(MPF), algumas usinas na macrorregião de Dourados já
se comprometem a cortar relações comerciais com produ-
tores em áreas indígenas. Em 2009, após ser responsabili-
zada pelo MPF pelo ataque a um acampamento indígena
localizado ás margens da Fazenda Serrana, a usina São

Fernando, empreendimento da Agropecuária JB


(Grupo Bumlai) e do Grupo Bertin, que havia arrendado brar com vistas à aquisição de cana-de-açúcar para sua
a fazenda, assinou um Termo de Compromisso pelo qual unidade produtora situada no Município de Caarapó, con-
se comprometeu a não adquirir ou promover o plantio de dições que obriguem suas contratadas a respeitar os direi-
cana, mesmo por intermédio de arrendamento, em imó- tos das comunidades indígenas”8.
veis rurais que estejam localizadas em áreas identificadas,
declaradas ou homologadas como terras tradicionalmen-
te ocupadas pelos índios. Os contratos firmados com pro-
Já a multinacional Bunge, dona da usina Monte-
verde Energética em Ponta Porã, tem se negado a discutir
9
prietários de fazendas localizadas nessas terras foram res- a questão. Em documento de avaliação de suas operações
cindidos e não renovados7. em 2010, ao qual a Repórter Brasil teve acesso, a empresa
confirmou que se abastece em cinco fazendas no interior
Acordo similar foi celebrado entre Funai/MPF e da área indígena Jatayvary, e, no mesmo documento, afir-
a usina Raízen (dos grupos Cosan e Shell) - antiga Nova ma ter ciência dos problemas relacionados à cana em ter-
América - em junho de 2012. A usina se comprometeu a ras indígenas. Apesar de ponderar que, “diante do fato de
suspender, em caráter definitivo e até 25 de novembro de existir a possibilidade de que algumas áreas sob as quais
2012, “a aquisição de cana-de-açúcar oriunda de áreas já possuímos contrato de parceria e arrendamento rural, se-
declaradas, por meio de portaria do Ministro de Estado jam decretadas como ‘terras indígenas’, e portanto desa-
da Justiça, como terra indígena (...), bem como se abster propriadas”, a Bunge descartou a possibilidade de rescin-
de promover a utilização, nessa mesma unidade produto- dir os contratos e propôs “conciliar interesses das partes,
ra, de cana-de-açúcar oriunda de áreas que, de igual modo, na busca de solução pacífica e integradora”.
ainda venham a receber a mesma qualificação”. A Raízen
também deve estipular, “nos contratos que venha a cele- Em 2012, quando questionada sobre a questão, a
empresa limitou-se a dizer que,
USINAS DE AÇÚCAR E ÁLCOOL NO MATO GROSSO DO SUL (CONT.) “sobre o Zoneamento Agro-
Usina Município Status de funcionamento ecológico da Cana-de-açúcar,
Laranjay Agroenergia Naviraí Em instalação os contratos [com as cinco fa-
LDC SEV - Unidade Maracajú Maracaju Instalada zendas na TI] são anteriores a
LDC SEV - Unidade Passa Tempo Rio Brilhante Instalada esse zoneamento, e o cultivo do
LDC SEV - Unidade Rio Brilhante Rio Brilhante Instalada canavial no ciclo atual não foi
Pantanal Sidrolândia Em instalação objeto de financiamento públi-
Paranaíba Paranaíba Instalada co”. E finaliza: “quando houver
Ponta Porã Ponta Porã Instalada
decisão definitiva das autorida-
Raízen - Unidade Caarapó Caarapó Instalada
des competentes (homologação
Rio Parana Eldorado Em instalação
Safi Brasil Nova Alvorada do Sul Instalada pela Presidência da República
Santa Helena Nova Andradina Instalada e registro em Cartório de Imó-
Santo Antonio Anaurilândia Instalada veis) a respeito da propriedade
São Fernando Dourados Instalada das terras, e se esta for favorá-
Sonora Sonora Instalada vel aos indígenas, a Empresa
Terra Verde Nova Andradina Em instalação imediatamente tomará as pro-
Tonon - Unidade Vista Alegre Maracaju Instalada vidências necessárias à suspen-
Usinavi Naviraí Instalada são dos respectivos contratos,
Vale do Vacaria Sidrolândia Em instalação caso ainda estejam em vigor”
Vicentina Vicentina Instalada (leia mais no estudo de caso da
Vitória Dourados Em instalação TI Jatayvary).
Fonte: UDOP
EM TERRAS ALHEIAS

Soja e terras indígenas


no Mato Grosso do Sul

Foto: Verena Glass


10
A soja é outra cultura que tem se expandido nos No entender do MPF, a produção de qualquer
últimos anos no Mato Grosso do Sul, em especial na re- commodity por não-índios em terras indígenas ou em áre-
gião sudoeste do Estado. De acordo com a Conab, houve as por eles reivindicadas fere a Convenção 169 da Orga-
um crescimento de 8,9% da área plantada de soja da safra nização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo
2010/2011 para a safra 2011/2012, que ocupou 1,8 mi- 14. De acordo com o texto indicado, quando justificado,
lhões de há este ano. medidas deverão ser tomadas para salvaguardar o direito
dos povos interessados de usar terras não exclusivamente
Apesar de não ser o foco principal do agronegó- ocupadas por eles às quais tenham tido acesso tradicional-
cio sojeiro, a produção de biodiesel de soja também vem mente para desenvolver atividades tradicionais e de sub-
crescendo no Estado. Em meados de 2012, de acordo com sistência”. A responsabilidade por qualquer violação des-
a Udop, o Mato Grosso do Sul contava com quatro usinas tes direitos se estende para toda a cadeia produtiva das
em funcionamento - Biocar, em Dourados; Delta, em Rio culturas produzidas em terras indígenas, avalia o MPF.
Brilhante; Tecnodiesel, em Sidrolândia; e Cargill, em Três
Lagoas - e quatro em fase de instalação - Delta II, em Rio O MPF também entende que a comercialização
Brilhante; Brasil Bioenergia, em Nova Andradina; Agren- da produção agrícola em território indígena deve ser ques-
co Bioenergia, em Caarapó; e Projebio, em Jaraguari. tionada, uma vez que os valores auferidos nestas transa-
ções em tese deveriam beneficiar os detentores de direito
Por ser uma cultura consolidada há mais tempo das terras - ou seja, os indígenas, e não os fazendeiros. O
na região sudoeste do Mato Grosso do Sul, a soja também Ministério Público alerta também que, em seu artigo 18,
é mais presente em áreas indígenas do que a cana. Des- a Convenção 169 da OIT decreta que “sanções adequadas
ta forma, seus impactos são maiores nas populações in- devem ser estabelecidas em lei contra a intrusão ou uso
dígenas, em especial os ligados à contaminação de cursos não autorizado de terras dos povos interessados”.
d’água por pesticidas, danos à saúde, mortandade de ani-
mais e danos às roças causados pela fumigação aérea de No caso da soja, outra instância na qual o MPF
herbicidas, tráfego de caminhões pesados nas áreas das al- apoia sua análise é a Mesa Redonda da Soja Responsá-
deias, entre outros. Também é maior o número de con- vel (RTRS na sigla em inglês). De acordo com a institui-
flitos envolvendo produtores de soja, como demonstrado ção, a “RTRS garante que os produtores de soja certi-
nos estudos de caso apresentados neste relatório. ficada reconheçam totalmente os direitos das populações
indígenas e dos pequenos proprietários”. Atualmente, são
Ainda em 2010, o Ministério Público Federal membros da Mesa Redonda empresas como Bunge, Car-
abriu um procedimento administrativo para “apurar a res- gill, ADM, Grupo André Maggi e outros. De acordo com
ponsabilidade da cadeia produtiva de soja e das entidades a leitura do MPF, estas empresas têm o dever de não com-
financeiras pelos impactos ao meio ambiente, aos povos prar, financiar ou se relacionar de qualquer outra forma
indígenas, quilombolas e populações tradicionais, objeti- com produtores de soja em áreas indígenas.
vando a legal coleta de elementos possivelmente enseja-
dores de Ação Civil Pública”.
Estudos de caso

EM TERRAS ALHEIAS
mato e fazer lavoura. Antes, quando chegamos aqui, não
havia nada, nem agricultura nem gado”, conta dona Genil-
1. Terra Indígena Jatayvary da, uma das moradoras mais antigas da aldeia.
Localização: Município de Ponta Porã,
Estado do Mato Grosso do Sul De acordo com o Relatório Circunstanciado de
Superfície: 8.800 hectares Identificação e Delimitação de Jatayvary9, elaborado em
Perímetro: 40 km 2004 pelo antropólogo e coordenador do Grupo Técni-
Sociedade indígena: Guarani-kaiowá co da Funai Rubem F. Thomaz de Almeida, “com a ‘entrada’
Situação legal: declarada dos índios no Jatayvary, criou-se um clima de muita ten-
são, marcado pela irritação de fazendeiros, sempre ame-
A Terra Indígena Jatayvary, antes chamada de TI açadores. Em 09.1999 (...) os índios comentavam sobre o
Lima Campo, foi reconhecida pela Funai em 2004 e decla- procedimento intimidador como tiros a esmo à noite, pas-
rada (segundo passo de reconhecimento das TIs pela Fu- sagens de veículos ‘suspeitos’ pela estrada, ameaças quan-
nai), através da Portaria MJ/GM Nº 499, em abril de 2011. do se davam encontros pessoais, criando um clima de per-
O primeiro movimento de retomada do território tradi- manente tensão no acampamento dos Kaiowa e Ñandéva
cional, no entanto, começou ainda em meados da déca- naquele momento. Os índios mencionavam então os Srs.
da de 1960 de forma não organizada e com ocupação di-
fusa da área, até que, em 1993, o indígena Lourenço Amaral
Donizete Moreira Lima, Atys de Mello Neto, Neno, Mat-
tos e Eloy Sperafico como os fazendeiros mais exaltados e 11
foi assassinado a mando de um fazendeiro e outros 37 fo- ameaçadores”.
ram violentamente expulsos da região. O assassinato e os
conflitos decorrentes levaram a Funai a realocar os indíge- Ainda em 1998, os indígenas receberam a informa-
nas de Lima Campo na reserva indígena de Dourados, mas ção de que parte de sua área seria loteada pelo Banco da
a partir de 1994 o grupo originário daquele território co- Terra para assentar colonos sem-terra, processo que foi pa-
meçou a organizar o movimento de retomada da área, que ralisado pelo Ministério Público Federal e pela Funai, mas
ocorreu em 1998. que criou uma tensão adicional entre indígenas e colonos.

De acordo com moradores mais velhos de Ja- No ano de 2004, quando foi publicado o reco-
tayvary, os primeiros tempos foram de forte tensão entre nhecimento de Jatayvary como terra indígena, cerca de
fazendeiros e indígenas. “O fazendeiro dono da área ocu- 96 famílias ocupavam então 181,4 ha com casas, roças e
pada mandou um monte de pistoleiros para nos amedron- animais. Delimitada, a TI aguarda agora a demarcação e
tar. Depois, mandou máquinas e tratores para derrubar o homologação final por parte da Funai e da presidência da
República.
Foto: Verena Glass

Na entrada de Jatayvary, placas de


fazendas indicam ocupação da TI
► Presença de fazendas na TI Jatayvary
EM TERRAS ALHEIAS

De acordo com o Relatório Circunstanciado de Nestas áreas, as atividades produtivas, as cultu-


Identificação e Delimitação da terra indígena Jatayvary, fo- ras e as relações de arrendamento são mutáveis ano a ano,
ram listadas 45 propriedades rurais que incidem no terri- o que dificulta o acompanhamento temporal das mesmas
tório indígena. Ainda segundo o documento, “os não in- a partir deste registro inicial. No caso da soja, porém, de
dígenas estão há relativamente pouco tempo na terra acordo com a Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal
identificada, indicando ser recente sua colonização (...). To- e Vegetal (Iagro) do Mato Grosso do Sul, na safra 2011/2012
dos têm títulos, o que os coloca na condição de ‘proprietá- há 14 registros de produtores que cultivaram o grão em fa-
rios’”. Exceto quatro fazendas, que apresentam dimensões zendas que incidem parcial ou totalmente na TI Jatayvary,
superiores a 1000 ha, as demais têm entre 5 e 31 ha. como mostra o mapa abaixo.

12

RELAÇÃO DOS PRODUTORES QUE CADASTRARAM PLANTIO DE SOJA JUNTO À IAGRO NO INTERIOR
DA TI JATAYVARY, REFERENTE À SAFRA 2011/2012
Nome Inscrição estadual Fazenda Área de soja (ha)
Margarida Maria Fontanella Gaigher 287.109.143,0 Jatoba e parte Faz S Jose Do Desterro 94,0
Cesar Fontanella Gaigher 285.940.740,0 Jatoba e parte Faz S Jose Do Desterro 94,0
Walter Copetti 285.953.478,0 Curral de Arame - Parte 150,0
Alberto Primo Mancim 286.883.201,0 Nossa Senhora de Lourdes 200,0
Alencar Luiz Bottega 287.457.362,0 São Judas Tadeu 70,0
Danilo Jose Bottega 287.259.790,0 São Judas Tadeu 50,0
Gilberto Barchet Rossato 287.371.794,0 Dependência 225,0
Ivo Nunes 286.130.033,0 Granja Invernadinha 37,0
Jose Roberto Mantuani 286.565.439,0 Independencia - Parte II 312,0
Leandro Reinaldo Neuls 286.220.083,0 Coqueiro 280,0
Leandro Reinaldo Neuls 286.634.414,0 Bicaco 100,0
Mario Jose Botega 286.620.871,0 São Judas Tadeu 120,0
Tadeu Paulo Bottega 286.350.831,0 Guarida 190,0
Vanderson Simongini 286.515.440,0 ETN Velha 285,0
Na tabela da página anterior estão relacionados Ainda em 2010, a usina Monteverde/Bunge ela-

EM TERRAS ALHEIAS
os mesmos dados, incluindo a inscrição estadual dos pro- borou uma “Proposta de manutenção de contratos de par-
dutores. ceria agrícola sobre áreas demarcadas como indígenas”, na
qual reconhece que, “diante do fato de existir a possibili-
De acordo com os indígenas, os conflitos com fa- dade de que algumas áreas sob as quais possuímos con-
zendeiros que ocupam o território de Jatayvary estão con- tratos de parceria e arrendamento rural sejam decretadas
trolados e não tem havido maiores incidentes. O principal como ‘terras indígenas’ e, portanto, desapropriadas, reve-
problema tem sido o tráfego intenso de caminhões que lou-se a necessidade de analisarmos a posição física, de
transportam a produção pela estrada que corta a área - investimento, financeira, fiscal e socioambiental relativa-
o perigo de atropelamentos, que já ocorreram, é grande, mente a contratação daquelas áreas”.
além do incômodo da poeira e do barulho. “Outro pro-
blema são as constantes aplicações de veneno com avião. De acordo com os dados da usina, em 2010 as re-
Quando isso acontece, as crianças aqui ficam com muita lações com as cinco fazendas eram as seguintes:
diarréia e vômito”, explica Arlindo Cabaña, liderança local.
1. Fazenda Santa Luzia: arrendamento com vencimento
em dezembro de 2013
► Cana - o caso da usina Monteverde/Bunge 2. Fazenda Guarida: parceria com vencimento em maio

Segundo os indígenas de Jatayvary, o plantio de


de 2012
3. Fazenda Três Marias: parceria com vencimento em
13
cana em fazendas no interior da área teve início há cerca de dezembro de 2012
cinco anos, com a chegada à região de usinas como a São 4. Fazenda El Shaday: parceria com vencimento em de-
Fernando, pertencente aos grupos Bertin e Bumlai, e Mon- zembro de 2014
teverde, atualmente pertencente à multinacional Bunge. 5. Fazenda Dependência: parceria com vencimento em
dezembro de 2014
Em abril de 2010, após um tenso processo de ne-
gociação e pressão por parte dos Ministérios Públicos Es- Questionada sobre a gestão destes contratos, a
tadual, Federal e do Trabalho, a usina São Fernando assi- Bunge afirmou, em agosto de 2012, que “a companhia de-
nou um termo de cooperação e compromisso no qual se cidiu que descontinuará esses contratos nos seus respec-
comprometeu a não “adquirir ou promover o plantio de tivos vencimentos, a partir de 2013”. No mesmo comuni-
cana-de-açúcar, mesmo por intermédio de contratos de cado, a empresa informou que o contrato com a fazenda
arrendamento, em imóveis rurais que estejam localizadas Guarida não foi cancelado, apesar de ter vencido em maio
em áreas identificadas, declaradas ou homologadas como de 2012, como consta em sua documentação de 2010. Sig-
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Os contra- nificando que, de acordo com seu último posicionamento,
tos firmados com proprietários de fazendas localizadas apesar da ciência dos problemas referentes à cana na ter-
nessas terras serão rescindidos e não renovados, ficando ra indígena, refez e um contrato em maio e poderá reno-
assegurado o direito de conclusão das colheitas permiti- var outro em dezembro de 2012.
das pelo ciclo da cana”.
Sobre a ponderação de que o Zoneamento Agro-
Já a usina Monteverde, da Bunge, tem se negado ecológico da Cana-de-açúcar e o Conselho Monetário Na-
a romper o contrato de fornecimento de cana com as fa- cional consideram irregular a produção da cultura em áre-
zendas que ocupam áreas de Jatayvary, apesar da ciência as indígenas, a Bunge se limitou a afirmar que “os contratos
do problema. A empresa se abastece com cinco proprie- [com as fazendas em Jatayvary] são anteriores a esse zone-
dades que incidem na terra indígena, como mostra a ta- amento e o cultivo do canavial no ciclo atual não foi obje-
bela abaixo: to de financiamento público”.

RELAÇÃO DAS PROPRIEDADES E PRODUTORES DE CANA NO INTERIOR DA TI


Nome Fazenda Área de cana
Norma Zambon Conci, Márcia Conci e Beatriz Conci Santa Luzia 139,0
Eliana Martin Torres Guarida 135,4
Maria Tereza Coronel Dorneles Três Marias 99,3
Donizate Moreira Lima El Shadai 70,3
Odite Nunes Nazário Stefanello Fazenda Dependência 268,2
Fonte: Bunge
2. Terra Indígena Guyraroká
EM TERRAS ALHEIAS

Foto: Verena Glass


Cacique Ambrósio Vilhalva mostra
Localização: Município de Caarapó, o rio da aldeia, contaminado por agrotóxicos
Estado de Mato Grosso do Sul
Superfície: 11.401 ha
Perímetro: 49.603 km
Sociedade indígena: Guarani-kaiowá
Situação legal: declarada

Os Guarani-kaiowá de Guyraroká vêm reivindi-


cando a área hoje declarada como Terra Indígena pela Fu-
nai desde 1990, quando fizeram a primeira retomada de
parte de seu território tradicional. Em 1999, o grupo sofreu
violento despejo policial e passou a acampar na beira da
estrada por cerca de quatro anos. Em setembro de 2004,
ano em que a Funai finalizou o primeiro processo de reco-
nhecimento da área e publicou no Diário Oficial da União
uma portaria declarando como indígenas cerca de 11,4 mil
14 hectares, os Guarani-kaiowá voltaram à área, ocupando
parte da fazenda Ipuitã. Em julho de 2005, a Justiça per-
mitiu a permanência dos índios em 58 ha da fazenda, e em
outubro de 2009 Guyraroká foi declarada de posse perma-
nente dos indígenas por meio da Portaria do Ministro de
Estado da Justiça n° 3.219. A Terra Indígena Guyraroká que,
de acordo com suas lideranças, atualmente abriga 24 famí- ocorrem casos de intimidação e ataques isolados aos indí-
lias - cerca de 120 pessoas - , aguarda agora a demarcação e genas. “Temos sofrido intimidação de fazendeiros que ati-
homologação final por parte da Funai e da presidência da ram na gente quando vamos pescar, e de funcionários do
República. deputado Zé Teixeira (José Roberto Teixeira, deputado es-
tadual pelo DEM e proprietário da fazenda de cana Santa
► Impactos da atividade agrícola no território indígena Claudina), que dizem que não podemos passar pela estra-
da entre a fazenda e a usina da Cosan (Raízen, antiga Nova
De acordo com o Relatório Circunstanciado de América)”, afirma Vilhalva. Já o deputado tem afirmado na
Identificação e Delimitação da terra indígena Guyraroká, imprensa que os conflitos são fruto da atuação de orga-
produzido pelo antropólogo e coordenador do Grupo nizações indigenistas. “Essas entidades só sabem jogar os
Técnico da Funai, Levi Marques Pereira, há cerca de 26 fa- índios contra os produtores rurais. Elas incitam invasões
zendas no interior da área, mas nem todos os proprietá- não porque querem o bem-estar dos índios, mas porque
rios e propriedades foram identificados. O estudo apon- são contra o progresso”12.
tou que, em sua maioria, as terras foram tituladas a partir
da década de 1940, quando estas voltam ao domínio da Já os problemas ambientais ainda são graves. A
União com o fim dos contratos de arrendamento da Com- longa ocupação do território indígena por fazendeiros
panhia Mate Laranjeiras (empresa que, por vários anos, teve um efeito devastador sobre a vegetação nativa - es-
ocupou grande parte das terras do sudoeste sul-matogros- sencial para o desenvolvimento das práticas de subsistên-
sense com o plantio de erva mate). “Os primeiros proprie- cia dos Guarani-kaiowá, como coleta, uso de plantas me-
tários adquiriram as terras junto ao Governo do Estado de dicinais, pesca e caça - principalmente na última década,
Mato Grosso através de compra e, paulatinamente, expul- segundo relato das lideranças indígenas de Guyraroká. Em
saram os índios, prática comum naquela época; mesmo as- 2010, instalou-se na região a usina sucroalcooleira Nova
sim, a presença indígena em Guyraroká, como peões de América, adquirida pela maior empresa do setor no Brasil, a
fazendas, se prolonga até a década de 1980, sendo parte Cosan, hoje denominada Raízen após uma fusão em joint-
de uma estratégia do grupo de permanência na terra onde -venture entre a empresa e a petroleira holandesa Shell.
sempre viveram”11.
Em documento divulgado em julho de 2011, os in-
Após o período de retomadas dos indígenas e dígenas relatam problemas decorrentes do funcionamen-
de disputas jurídicas entre fazendeiros e Funai entre o fi- to da usina e apontam o deputado Zé Teixeira como um
nal da década de 1990 e meados dos anos 2000, Guyra- dos principais responsáveis por danos ambientais na TI nos
roká não foi sobremaneira palco de conflitos ou violência últimos anos. “[A cana] começou ali no Zé Teixeira na re-
como outras Terras Indígenas no Mato Grosso do Sul, mas, gião do Cabo de Aço. 250 hectares. Ele plantou primeiro,
de acordo com Ambrosio Vilhalva, cacique da aldeia, ainda aí foi continuar plantando. Naquele lugar era puro pasto
de fazenda, que antes de ser fazenda era mato. Tinha uma tes, ataca tudo. A fumaça ataca. O cheiro ruim vem para cá

EM TERRAS ALHEIAS
parte de campo com guavira e remédio. Hoje tudo tá só quando espalham a calda na plantação. Causa vários tipos
canavial. Quando começaram a plantar cana [na] terra de de problemas. Antes do canavial era outra saúde, uma vida
Zé Teixeira teve um capão de mato que desapareceu, ca- sossegada. Hoje a gente se sente de uma outra forma, sem
vucaram com a máquina e enterraram (...). Depois que co- mais tranqüilidade”13.
meçou a funcionar a usina a saúde ficou ruim para todos -
crianças, adultos e animais. Perdemos 7 cavalos, duas vacas De acordo com o cacique Ambrósio Vilhalva, as
e um boi. Depois que a usina funcionou as nascentes das plantações de soja também impactam a aldeia, principal-
águas ficou rasa. A lavagem que eles passam na cana, quan- mente em função da fumigação de agrotóxicos nas lavou-
do chove prejudica os peixes também. O peixe do rio, do ras. “O veneno contamina a água e causa problemas de
córrego, da lagoa. Aqui dava pintado, douradinho, curim- saúde para o nosso povo, principalmente as crianças, que
ba, peixe-espada e vários outros peixes miúdos, que antes sentem muita dor de cabeça e sofrem com a diarréia”, afir-
tinha. Sumiu tudo. Também acabou remédios de vários ti- ma o cacique.
pos, que dá no mato, na beira do rio. A planta acabou pelo
envenenamento. Remédio para a coluna, estômago, cabe- ► Produtores de soja e cana no interior da TI Guyraroká
ça. De primeiro, tinha. Sumiu tudo (...).As carretas que pas-
sam com a cana, se pegar uma criança que vai para a esco- De acordo com a Agência Estadual de Defesa Sa-
la. Nós tem medo. Os motoristas não respeitam. Do jeito
que vem, vem. A carreta passa no meio da aldeia. Quando
nitária Animal e Vegetal (Iagro) do Mato Grosso do Sul, na
safra 2011/2012 há 10 registros de produtores de soja que
15
chove, a água fica horrível e já teve gente que passou mal. cultivaram o grão em fazendas que incidem parcial ou to-
Na queimação de cana, as crianças, os velhos as gestan- talmente na TI Guyraroká, como mostra o mapa abaixo.
EM TERRAS ALHEIAS

Na tabela abaixo, estão relacionados os mesmos 2012, a aquisição, para sua unidade produtora (usina) situ-
dados, incluindo a inscrição estadual dos produtores. ada no Município de Caarapó, estado do Mato Grosso do
Sul, de cana-de-açú-
RELAÇÃO DOS PRODUTORES QUE CADASTRARAM PLANTIO DE SOJA JUNTO À IAGRO car oriunda de áre-
NO INTERIOR DA TI GUYRAROKÁ, REFERENTE À SAFRA 2011/2012 as já declaradas, por
Nome Inscrição estadual Fazenda Área de soja (ha)
meio de portaria do
Adriani Jose de Pellegrin 287.022.609,0 Santa Izabel II 101,0
Ministro de Estado
Douglas Franco 287.128.792,0 São Roque 96,0
da Justiça, como terra
Felix Ari Ruaro 286.045.583,0 Alto Café e Ipuita 199,0
Antonio Augusto Leone Maciel 285.374.753,0 Agro Toni 182,0 indígena, nos termos
Bernardino Franco 285.374.605,0 Sta Cecilia 230,0 do art. 2°, § 10, I do
Cezar Franco Neto 285.374.834,0 Sta Cecilia 252,0 Decreto n. 1775/96,
Elvis Jose Garaffa 286.718.529,0 Cana Verde 100,0 bem como se abster
Maykel Luiz Garaffa 286.718.537,0 Cana Verde 100,0 de promover a uti-
Walter Romero Beloto 285.373.684,0 Vista Alegre 124,0 lização, nessa mes-
Elvis Jose Garaffa 287.232.514,0 Represa Parte I 70,0 ma unidade produto-
ra, de cana-de-açúcar
Já em relação à cana, como a atividade no Mato oriunda de áreas que, de igual modo, ainda venham a rece-
16 Grosso do Sul não requer registro nem sequer licenciamen-
to ambiental, há uma dificuldade maior em se obter dados
ber a mesma qualificação”14.

oficiais sobre localização e tamanho das áreas plantadas. Em vista dos danos já sofridos pela comunidade
Na tabela 2, estão listados os dados dos proprietários e das indígena, porém, em junho o MPF ajuizou um ação na Justi-
fazendas que têm cultivo de cana no interior da Terra Indí- ça Federal contra a Funai, em que pede indenização de R$
gena, com informações fornecidas pelo Ministério Público 170 milhões, a ser revertida aos habitantes de Guyraroká,
Federal (MPF) em Dourados e pelos próprios indígenas. por danos morais e materiais. “O MPF considerou a disper-
são da comunidade, a remoção for-
RELAÇÃO DOS PLANTIOS DE CANA NO INTERIOR DA TI GUYRAROKÁ çada para outras áreas, a violência
Nome CPF Fazenda Área da propriedade sofrida, a demora da União em de-
José Roberto Teixeira 003.721.101-34 Santa Claudina 4.408,0 marcar suas terras tradicionais e ain-
Orlando Duarte Vilela São Sebastião do Ipacaraí 356,0 da a frustração dos direitos originá-
Bernardino Franco* 23.044.055.091,0 Santa Cecilia 625,6
rios ao usufruto exclusivo de suas
* A fazenda Santa Cecília foi citada pelos indígenas de Guyraroká como uma das produtoras de cana, informação não terras”, explica documento do Mi-
confirmada. Na relação do Iagro, a propriedade tem dois registros de produção de soja, e no cadastro do Sintegra o
proprietário Bernardino Franco consta como criador de gado nistério Público15.

A produção de commodities agrícolas no interior

Foto: Verena Glass


de Terras Indígenas por ocupantes não índios tem sido um Placa na entrada da TI Guyraroka atesta
posse dos indígenas sobre a área
dos principais vetores de problemas para os Guarani-kaio-
wá do Mato Grosso do Sul, tanto no que tange os aspec-
tos fundiários, quanto os ambientais e sociais. No caso da
cana, o Decreto Nº 6.961, de 17 de setembro de 2009, que
aprovou o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar,
excluiu das áreas aptas ao cultivo e passíveis de financia-
mento público as terras indígenas, ato que foi regulamen-
tado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em outu-
bro do mesmo ano.

Com base nesta regulamentação, o MPF tem ten-


tado, desde então, negociar com as empresas Cosan e Shell,
proprietárias da usina Raízen, a interrupção da compra de
cana cultivada nas fazendas que incidem em Guyraroká.

Em 20 de abril de 2012 a usina Raízen Caarapó S.


A. Açúcar e Álcool - localizada entre as TIs Guyraroka e
Takuara na Rodovia MS 156, km 12, Município de Caarapó
- firmou com a Funai um Termo de Compromisso de Coo-
peração pelo qual se compromete a “suspender, em cará-
ter definitivo, até o prazo máximo de 25 de novembro de
3. Terra Indígena

EM TERRAS ALHEIAS
Mulheres fazem dança ritual de boas-vindas
Panambi - Lagoa Rica e agradecimento pela colheita
Localização: municípios de Douradina
e Itaporã (MS)
Superfície: 12.196 hectares
Perímetro: 63 Km
Sociedade indígena: Guarani-kaiowá
Situação legal: delimitada

A terra indígena Panambi - Lagoa Rica


tem sido reivindicada pelos Guarani-kaiowá des-
de 2005, quando, em agosto daquele ano, ocor-
reram as primeiras retomadas de parte da área,
ocupada pelas fazendas Irmãos Spessato, de Cle-
to Spessato, e Kechevi, de Valdir Piesanti. Os con-
frontos com produtores e seus seguranças, que
deixaram alguns indígenas feridos, levou à inter-
venção do Ministério Público Federal e da Funai,
que se comprometeram com os índios para que
17
os processos administrativos de demarcação da

Foto: Verena Glass


área, arquivado desde 1970, seriam retomados.

Pouco mais de um mês depois, em me-


ados de outubro, o Grupo de Trabalho da Funai
iniciou os estudos da área. Um primeiro laudo foi
protocolado em maio de 2009, mas a demarcação não foi ► Impactos das fazendas na TI Panambi - Lagoa Rica
concluída em função de inconformidade nos conteúdos,
como justificou a presidência da Funai em setembro de 2010. A Terra Indígena Panambi - Lagoa Rica é, possi-
velmente, a com maior incidência de fazendas, sítios e lo-
Em função da demora do processo de reconhe- tes entre as áreas indígenas declaradas no Mato Grosso do
cimento, em agosto de 2010 os indígenas voltaram a ocu- Sul. De acordo com o Resumo do Relatório Circunstancia-
par parte do território reivindicado. Entre a retomada e fi- do de Identificação e Delimitação de Lagoa Rica, de au-
nal de setembro, o acampamento sofreu quatro ataques toria da antropóloga Katya Vietta16, são ao menos 72 pro-
de fazendeiros e seus seguranças, relatam os índios. “No priedades, grande parte lotes de pequenos agricultores,
primeiro ataque, os fazendeiros botaram fogo em tudo. remanescentes da Colônia Municipal de Dourados, criada
Queimaram os barracos, nossas roupas, os documentos, em 1946.
toda a comida. Já em setembro, vieram uns 50 peões ar-
mados, atirando para o alto e soltando fogos de artifício. Segundo os indígenas, entre as áreas ocupadas
Vieram com carros, tratores. A gente era quase mil pesso- por não índios há fazendas de gado e uma pequena área
as, entre adultos, crianças e idosos, e dessa vez a gente se arrendada para a usina LDC Bioenergia (empresa do gru-
defendeu com arco e bodoque, chamamos a Polícia Fede- po francês Louis Dreyfus Commodities), para o plantio de
ral e eles correram”, conta Ifigênia Hilton, liderança local. cana. Seriam 5 hectares em uma fazenda chamada São Pau-
lo, mas não foi possível confirmar a informação. A maior
Em 12 de dezembro de 2011, a Funai publicou no parte dos produtores, porém, trabalha com cultura de
Diário Oficial da União o Relatório Circunstanciado de grãos, como arroz, milho e soja.
Identificação e Delimitação da Terra Indígena Panambi-
-Lagoa Rica. De acordo com o documento, “o Relatório De acordo com a Agência Estadual de Defesa Sa-
concluiu que a área ocupada tradicionalmente pelo povo nitária Animal e Vegetal (Iagro) do Mato Grosso do Sul,
indígena kaiowá, nos municípios de Douradina e Itaporã, na safra 2011/2012 há 27 registros de produtores de soja
estado de Mato Grosso do Sul, tem superfície de 12 mil que cultivaram o grão em propriedades que incidem par-
hectares e perímetro de 63 Km, aproximadamente, e com- cial ou totalmente na TI Panambi - Lagoa Rica, como mos-
põe a grande área denominada ‘Brilhante Pegua’”, onde vi- tra o mapa na página seguinte.
vem cerca de 830 Guarani-kaiowá.
EM TERRAS ALHEIAS

18

RELAÇÃO DOS PRODUTORES QUE CADASTRARAM PLANTIO DE SOJA JUNTO À IAGRO NO INTERIOR DA TI
LAGOA RICA, REFERENTE À SAFRA 2011/2012
Nome Inscrição estadual Fazenda Área de soja (ha)
Aluisio da Silva Ramos 286.891.530,0 Paulicéia 254,0
Antonio Domingos Duarte 286.788.225,0 LOT 35 - QUAD 44 20,0
Bento Fátima Alves Verão 286.663.007,0 Lot 31 Qdr 46(Parte) 3,2
Caetano Duarte 286.144.018,0 Vista Alegre II 20,0
Carlos Goulart Ozorio 286.501.228,0 Lot 34 Qdr 70 28,0
Celio Antonio Carlos Costa 286.484.021,0 Lot 14-A Qdr 45 25,0
Cesar Justi Vieira 287.267.164,0 Lot 20 Qdr 46 - Parte 40,0
Cesar Justi Vieira 286.916.118,0 Bom Jesus 20,0
Eder Inocencio Venancio 287.246.256,0 São João 42,0
Edimar Inocencio Venancio 286.402.041,0 São João 25,0
Egnaldo Inocencio Venâncio 287.246.221,0 São João 42,0
Espolio de Saul Freire 285.379.909,0 Nova Esperança I 70,0
Espolio de Saul Freire 285.200.445,0 Araselva 70,0
Helio Assola 285.381.229,0 Boa Esperança 15,0
Jean Fagner Lopes Dias 287.202.801,0 Água Azul 40,0
Leonildo Bigatão Filho 285.764.519,0 Araselva 47,0
Lucas Torchi Stefanello 287.176.479,0 São Lucas 325,0
Marcio Luiz Freire 286.655.144,0 Araselva 30,0
Moacir da Silva Ramos 286.033.089,0 São Jose 18,0
Ari Rodrigues Justi 285.149.610,0 Chaparral Tres 20,0
Rogerio Brignoni 287.426.343,0 Marques I Parte 141,0
Santiago Ponce Gongora 286.227.215,0 Lot 233,235 - parte 29,0
Santiago Ponce Gongora 286.994.240,0 Panambi 54,0
Thomas Julian Owens 286.849.968,0 Lot 8 Qdr 24,Lot 27 Qdr 22,Lot 10 E 13 Qdr 23 81,0
Thomas Julian Owens 286.849.879,0 Lot 9, 15 da Qdr 23 Parte 40,0
Valdeci Gregorini 286.622.211,0 Alto Lranjeira parte I 48,0
Wilson Lopes Oliveira 286.047.721,0 Sta Maria 24,0
Na tabela da página anterior, estão relacionados Além das relações tensas, a atividade produti-

EM TERRAS ALHEIAS
os mesmos dados, incluindo a inscrição estadual dos pro- va dos fazendeiros também tem causado problemas para
dutores. os indígenas, afirma Cirso Jorge, liderança local. “Quando
eles passam veneno nas lavouras, geralmente o [herbici-
De acordo com os indígenas, o conflito com os da] Nortox, as pessoas passam muito mal. Principalmen-
fazendeiros ainda não está totalmente superado. “Ainda te as crianças. Mas pega em todo mundo, dá umas fístulas
sofremos muitas ameaças, por isso tentamos sempre andar cheias de pus, depois a pele da gente fica toda marcada”,
em grupo. E tem o presidente do sindicato rural de Doura- diz Cirso, mostrando marcas no rosto e pescoço. Segundo
dina, que faz de tudo contra nós. No último ataque que fi- ele, parte dos produtores usa tratores para aplicar o vene-
zeram aqui em 2010, teve segurança da Gaspem. Isso nos no, mas também há fumigação aérea. “O Spessato joga de
assusta muito”, afirmou uma liderança. A empresa de segu- avião. A água que a gente consome vem de uma nascente
rança Gaspem é acusada de cometer uma série de atos de que fica toda contaminada, e nossas roças morrem quan-
violência contra indígenas, entre eles o assassinato do ca- do o vento traz o veneno pra cá. Além disso, os caminhões
cique Nizio Gomes, da TI Guayviri, no final de 2011. dos produtores também atravessam a nossa terra, o que é
perigoso principalmente para as crianças”, afirma Cirso.

19
Foto: Verena Glass

Jovem mostra arco-e-flexa usado como defesa


em ataque de fazendeiros à área
4. Terra Indígena Takuara
EM TERRAS ALHEIAS

Foto: Verena Glass


Ladio Veron, filho do
Localização: Município de Juti, cacique Marcos Veron,
Estado de Mato Grosso do Sul assassinado em 2003,
com foto do pai
Superfície: 9.700 ha
Perímetro: 50 Km
Sociedade indígena: Guarani-kaiowá
Situação legal: declarada

A Terra Indígena (TI) Takuara, palco de um dos


mais brutais assassinatos de uma liderança indígena no
Mato Grosso do Sul, vem sendo reivindicada pelos Guara-
ni-kaiowá desde 1999. Neste ano, aconteceu a primeira re-
tomada da área, e começaram os estudos da Funai de iden-
tificação e delimitação do território através da Portaria nº
1.176/PRES, de 23 de dezembro. Em junho de 2010, a TI foi
declarada de posse permanente dos indígenas através da
Portaria nº 954, suspensa por decisão liminar do Supremo
20 Tribunal Federal (STF) em julho do mesmo ano. O caso ain-
da aguarda conclusão.

De 1999 a 2001, os indígenas permaneceram na


área, ocupando parte da fazenda Brasília do Sul, de pro- dos índios que levava mantimento para o acampamento
priedade de Jacinto Honório da Silva Filho. De acordo com foi atacado e perseguido por 10 funcionários da fazenda, e
matéria do jornal Correio do Estado, em outubro de 2001 na madrugada do dia 13, o acampamento foi violentamen-
os indígenas entraram em confronto com funcionários da te atacado por 18 pistoleiros, que acabaram assassinando
fazenda numa tentativa de ampliação da área retomada e, o cacique Marcos Veron por espancamento.
“por determinação judicial, eles foram despejados e dei-
xados, de favor, na Aldeia Tey Cuê, em Caarapó. Na opor- De acordo com o Ministério Público Federal
tunidade foi concedido um prazo de 15 dias, pela própria (MPF), que denunciou o caso à Justiça, na madrugada do
Funai, para que eles pudessem voltar à fazenda, onde mon- dia 13 “os indivíduos que realizaram a perseguição [do car-
taram a Aldeia Taquara. O prazo não foi cumprido e eles ro indígena] no dia anterior juntaram-se a outro grupo,
acabaram ficando quase um ano em Caarapó”17. também fortemente armado, composto por Cláudio Ro-
senes Pires (Pipo), Jair Sebastião de Oliveira, Francisco Fer-
Ainda de acordo com matéria do mesmo jornal, reira Lima Filho, Claudemir Francisco Bertune, Marcos José
em outubro de 2002 o grupo de Takuara acabou saindo da Teixeira de Souza, Valdomiro Gazola, Ademir Ricardo da
aldeia Tey Cuê e passou a acampar às margens da rodovia Costa, Orlando Paulo Mariano, Antonio Batista Rodrigues,
MS-156, próximo a Porto Cambira, em Dourados. “O gru- Vilmar Jacques dos Santos, Manoel Sebastião de Olivei-
po, que está a cerca de 300 metros do Rio Dourado, pa- ra, Márcio Luiz Camargo, Florislvaldo de Oliveira dos San-
dece quando o problema é água. Eles são obrigados, inclu- tos, Eliano Melo Da Silva, Janilton Moura dos Santos, além
sive crianças e mulheres, a percorrer essa distância com de Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e
galões para encher um reservatório que vai servir para la- Estevão Romero, a mando do denunciado Jacinto Honó-
var roupas, tomar banho e o que é pior, para beber. A água rio da Silva Filho, e promoveram um verdadeiro massacre
desse rio é considerada uma das mais sujas e teria apre- contra os índios que se encontravam acampados no inte-
sentado uma série de contaminações por agrotóxico, em rior da Fazenda Brasília do Sul. O grupo acima citado, fa-
conseqüência das lavouras nas margens”, descreve o jor- zendo uso de 03 veículos pertencentes à Fazenda, além de
nal18. Já naquela época, o cacique Marcos Verón, liderança um caminhão Mercedes Benz, munido de armas de fogo e
do movimento de retomada, teria alertado a Funai sobre a rojões, e contando com uma evidente repartição de tare-
possibilidade de retorno à área da fazenda. fas, derrubou as barracas onde os índios estavam dormin-
do, agredindo-os e humilhando-os”.
► Assassinato do cacique Marcos Veron
Atualmente liderança de Takuara e professor da
Em 11 de janeiro de 2003, os indígenas promove- escola da aldeia, Ladio Veron, filho do cacique assassina-
ram a segunda ação de retomada da área de Takuara na do, conta que ele, sua esposa, seus cunhados, sua irmã e
fazenda Brasília do Sul, o que suscitou uma violenta rea- seu filho foram amarrados, enquanto os jagunços espanca-
ção do fazendeiro Jacinto Honório. No dia 12, um veículo vam seu pai a coronhadas. “Em um determinado momento,
quando meu pai estava quase morto, os jagunços começa- cessidade de um plano de manejo e recomposição desses

EM TERRAS ALHEIAS
ram a brigar entre si. Uns diziam que não era pra matar, ou- recursos, já que sobraram poucas áreas que não foram to-
tros diziam que já tava feito. Aí ouvi eles falando no rádio talmente desmatadas”, afirma o relatório.
de uma camionete que meu pai estava quase morto, e ouvi
a voz do [fazendeiro] Jacinto dizendo que não era pra ter De acordo com os indígenas, os resquícios de
matado, que assim ele não ia pagar pelo serviço. Quando mata nativa foram praticamente todos destruídos a partir
perguntaram pra ele o que era pra fazer com a gente, ele de 2003, com os seguidos arrendamentos da fazenda Bra-
disse que era pra sumir com os corpos, jogar num buraco sília do Sul a produtores de soja e cana. Em 2004, relatam
que tem atrás de um eucaliptal aqui perto”, relata Ladio. os índios, a então usina Nova América - hoje Raízen - foi
uma das principais responsáveis pela derrubada de mata
Depois da discussão, ele, seu pai e seus familia- na terra indígena, mas eles não souberam dizer se a empre-
res foram jogados na caçamba de uma camionete. “Eles sa continua arrendando áreas no interior de Takuara.
já tinham jogado uma substância viscosa em mim, que me
queimou a pele, acho que era gasolina. Falaram que iam Nos últimos anos, afirmam os índios, a maior par-
botar fogo em mim. Levaram a gente pela estrada e aca- te dos arrendamentos na fazenda Brasília do Sul visa o cul-
baram parando na frente da fazenda do deputado Zé Tei- tivo de soja (e milho, na safrinha). Além de problemas com
xeira [fazenda Santa Claudina], onde jogaram o corpo do a fumigação, por via aérea, de agrotóxicos sobre os plan-
meu pai no meio da rua. Me jogaram também, eu continua-
va amarrado. Os outros conseguiram fugir. Por um milagre
tios, que atinge sistematicamente a aldeia - causando gra-
ves prejuízos às suas roças de subsistência e doença nas
21
naquele momento veio um caminhão com os faróis liga- crianças e idosos -, o trafego intenso de caminhões que
dos, e eles fugiram sem me matar”, conta Ladio. O cacique atravessam sua área também é um incômodo. “Em 2011,
Marcos Veron, à época com 72 anos, não resistiu às agres- colocamos uma pessoa pra contar: foram 870 carretas de
sões e morreu com traumatismo craniano no hospital. soja que saíram da nossa terra, passando no meio da al-
deia”, afirma Ladio Veron.
O caso foi denunciado pelo MPF e pela Funai a
Justiça como crime de formação de quadrilha ou bando, De acordo com a Agência Estadual de Defesa Sa-
seqüestro, dano qualificado, homicídio qualificado e tor- nitária Animal e Vegetal (Iagro) do Mato Grosso do Sul,
tura, e incluiu 28 réus. Em função de pressões do setor do na safra 2011/2012 há sete registros de produtores de soja
agronegócio e da inoperância da Justiça no Mato Grosso que cultivaram o grão em fazendas que incidem parcial ou
do Sul, por decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da totalmente na TI Takuara, como mostra o mapa da página
3ª Região, em 2009 o Tribunal de Júri foi transferido para seguinte.
São Paulo. Em 2011, três acusados foram condenados a 12
Foto: Philip Clark-Hill

anos de prisão. Outros 24 réus ainda aguardam julgamento.


Índio observa caminhão que transporta
grãos das fazendas que incidem sobre a TI
► Impactos das fazendas incidentes na TI Takuara

Atualmente, as 69 famílias que vivem na TI Takua-


ra ocupam apenas 90 ha do território, de acordo com La-
dio Veron. Depois do assassinato do cacique Marcos Ve-
ron, os conflitos na área diminuíram, mas os indígenas
vivem em constante medo. Ladio, que nunca recebe es-
tranhos na aldeia, relata que sofreu duas tentativas de se-
qüestro nos últimos anos, provavelmente encomendados
por fazendeiros locais.

Do ponto de vista ambiental, segundo o Resu-


mo do Relatório de Identificação do território19, de autoria
do antropólogo Levi Marques Pereira, concluído em 2005,
a cobertura vegetal e a fauna de Takuara sofreram forte
impacto da ocupação agropecuária do território, que re-
monta à década de 1950. Em 2005, plantas utilizadas tra-
dicionalmente na alimentação e medicina Guarani ainda
podiam ser encontradas “nas estreitas faixas das matas ci-
liares e nos pequenos capões de mato deixados como re-
serva florestal (...). O levantamento ambiental aponta a ne-
EM TERRAS ALHEIAS

22

Na tabela que segue abaixo, estão relacionados os mesmos dados, incluindo a inscrição estadual dos produtores10.

RELAÇÃO DOS PRODUTORES QUE CADASTRARAM PLANTIO DE SOJA JUNTO


À IAGRO NO INTERIOR DA TI TAKUARA, REFERENTE À SAFRA 2011/2012
Nome Inscrição estadual Fazenda Área de soja
Carlos Roberto de Assis 287.182.410,0 São Paulo Parte 230,0
Sergio Fumio Kuriuama Iwashiro 287.201.864,0 LOT 27,28 QDR 55 44,0
Luiz Biagi Neto 286.708.540,0 Brasilia do Sul 512,0
Nivaldo Baratela 286.616.610,0 Brasilia do Sul 571,0
Osmar Franco 286.712.385,0 Brasilia do Sul 552,0
Robson Franco 287.175.014,0 Brasilia do Sul 130,0
Vanderlei Biagi 287.052.265,0 Brasilia do Sul 369,0
5. Comunidade Indígena A deman da imediata dos indígenas de Laranjeira

EM TERRAS ALHEIAS
Laranjeira Nhanderu Nhanderu para a Funai foi a constituição de um Grupo
Localização: Município de Rio Brilhante, de Trabalho para dar início aos estudos antropológicos da
Estado de Mato Grosso do Sul área reivindicada. A Funai se comprometeu a iniciar o pro-
Sociedade indígena: Guarani-kaiowá cesso, mas não cumpriu o acordo. Três meses após a re-
Área reivindicada: 11.000 hectares tomada, o Tribunal Regional Federal da 3a Região deferiu
Situação legal: em estudo / perícia judicial uma ordem de despejo, mas após recurso do MPF deu aos
índios e à Funai mais 90 dias para que, neste prazo, o órgão
A primeira retomada de terra Laranjeira Nhande- realizasse os estudos antropológicos.
ru ocorreu em fevereiro de 2008, quando cerca de 120 in-
dígenas (até então moradores da aldeia Panambi, em Dou- Passado o prazo, diante da não realização de
radina) ocuparam parte da fazenda Santo Antônio da Nova qualquer estudo por parte da Funai, a Justiça ordenou a
Esperança, de propriedade da família Cerveira. De acordo reintegração de posse e os indígenas foram despejados
com o cacique Faride Mariano de Lima, o grupo é direta- pela Polícia Federal em setembro do mesmo ano. No ato
mente descendente dos indígenas que moravam na área da saída do acampamento, pistoleiros incendiaram os bar-
antes do estabelecimento de fazendas no território, em racos e pertences do grupo, que passou a acampar às mar-
meados da década de 1930. A retomada se deu através gens da rodovia BR 163.
da ocupação de um pedaço da Reserva Legal da fazenda,
onde foi estabelecido o acampamento. Em maio de 2011, o grupo deixou o acampamen-
23
to provisório às margens da BR e retomou pela segunda
Em retaliação, os fazendeiros bloquearam o aces- vez um trecho da reserva legal da fazenda Santo Antonio,
so ao acampamento pela Fazenda do Inho, de José Raul onde permanece até o momento apesar de seguidas ten-
das Neves. A propriedade é vizinha da fazenda Santo An- tativas de reintegração de posse, negadas pela Justiça no
tonio e, segundo o Ministério Público Federal (MPF), foram final do processo. Desde 2008 - quando pela primeira vez
postados seguranças armados na porteira de forma a im- se comprometeu a realizar os estudos antropológicos da
pedir tanto o trânsito dos indígenas quanto o acesso de área - até o momento, a Funai não concluiu o processo.
funcionários da Funai, da Funasa e de outros órgãos gover- Em função da judicialização da disputa pelas terras entre
namentais. Este bloqueio levou à morte de uma criança de índios e fazendeiros, a Justiça Federal decidiu realizar uma
5 meses, que não pôde ser levada ao hospital a tempo por- perícia judicial na área, na qual avaliará os argumentos dos
que os seguranças particulares de Raul das Neves impedi- fazendeiros, contrários, e do MPF, favoráveis à permanên-
ram a passagem da mãe, de acordo com denúncia dos in- cia dos indígenas. Apesar de estar marcada para meados
dígenas ao MPF. de agosto, a perícia deverá ocorrer apenas a partir de ou-
tubro, de acordo com estimativas do MPF.

Foto: Verena Glass

Guaranis caminham ao lado de área de soja e milho recém colhido


► Conjuntura conflituosa
EM TERRAS ALHEIAS

De acordo com os índios, o principal problema da


proximidade das lavouras com suas casas e pequenas roças
Atualmente, as 36 famílias - cerca de 200 pesso- é a aplicação de agrotóxicos por via aérea. Além da conta-
as - de Laranjeira Nhanderu vivem em um acampamen- minação dos cursos d’água e dos problemas de saúde cau-
to no trecho florestado entre as fazendas do Inho e San- sados principalmente a jovens e idosos, os indígenas têm
to Antonio. De acordo com o levantamento dos próprios perdido “muita criação”. “Em maio, o [fazendeiro] Sadi jo-
indígenas, corroborado pelo estudo (paralisado) da Funai, gou veneno na área aqui e, só meu, morreram quatro gan-
ao menos 10 fazendas incidem sobre o território tradicio- sos, oito patos e 35 pintinhos” explica dona Roselina.
nal Guarani-kaiowá.
No mapa de Laranjeira Nhanderu elaborado pe-
Diretamente em frente à localidade onde se en- los indígenas, entre as propriedades que estariam no perí-
contra a maior parte dos barracos e a casa de reza de La- metro do território reivindicado, destaca-se a fazenda Ca-
ranjeira Nhanderu, separada por uma estreita estrada de deado, que, segundo os indígenas, produz cana para a usina
terra está a área de soja (e milho safrinha) da fazenda do LDC Bioenergia, da multinacional francesa Louis Dreyfus. A
Inho, de propriedade de José Raul das Neves e José Raul fazenda também consta como produtora de soja na rela-
Das Neves Junior (presidente do PT de Rio Brilhante). A ção da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Ve-
área foi arrendada pelo produtor de soja Sadi Masiero. getal (Iagro) do Mato Grosso do Sul, safra 2011/2012. O
24 Grão teria sido produzido por Roberto Lago.

MAPA DA TI LARANJEIRA NHANDERU ELABORADA PELOS INDÍGENAS


6. Comunidade Indígena zendeiros com auxílio da empresa de segurança privada

EM TERRAS ALHEIAS
Guaiviry Gaspem, conforme apuração da Polícia Federal. De acor-
Localização: Municípios de Aral Moreira do com os indígenas, na manhã do dia 18 de novembro de
e Ponta Porã, Estado de Mato Grosso do Sul 2011, por volta das 6h30, 17 carros chegaram ao acampa-
Sociedade indígena: Guarani-kaiowá mento e homens encapuzados assassinaram o cacique Ni-
Área reivindicada: 110.000 hectares zio Gomes, liderança do grupo.
Situação legal: em estudo
“Eles chegaram perguntando pelo meu pai, que
A área indígena Guaiviry vem sendo reivindica- correu pra dentro da mata. Começaram a soltar fogos de
da pelos Guarani-kaiowá desde 2004, quando ocorreu a artifício, e foram atrás dele. Meu pai foi baleado de uma
primeira retomada por parte de um grupo de cerca de 65 distância de mais ou menos 15 metros. Foram cerca de qua-
famílias. De acordo com as lideranças, a área teria sido tro tiros que o atingiram. Meu sobrinho Jonatan, de 13 anos,
demarcada como indígena ainda no século XIX, mas na dé- que viu o avô caído, morto, tentou carregar o corpo, mas
cada de 1910, com a criação da Terra Indígena Amambai era muito pesado e ele teve que fugir. Então os pistolei-
pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a população de ros foram lá, pegaram o corpo do meu pai, jogaram na ca-
Guaiviry foi transferida para lá e a área anteriormente ocu- çamba de uma caminhonete Hilux cinza e foram embora. A
pada, considerada terra devoluta. ação durou mais ou menos 15 minutos, foi tudo muito rápi-

Retirados da área pela Funai em 2004, em 2005


do. Nos outros índios, eles atiraram com balas de borracha.
No meu pai, foi pra matar mesmo”, explica Genito Gomes,
25
os indígenas fizeram uma segunda tentativa de retomada, filho de Nizio e uma das atuais lideranças do acampamento.
ocupando um pedaço da fazenda Ouro Verde, mas sofre-
ram novo despejo. No dia 1º de novembro de 2011, ocor- De acordo com as investigações da Polícia Fede-
reu a terceira retomada. O acampamento foi montado em ral, o ataque e o assassinato de Nizio Gomes foram orga-
uma área da fazenda Nova Aurora, produtora de soja, a nizados por um grupo de fazendeiros e pela empresa de
poucos metros da BR-386, que liga Ponta Porã à cidade de segurança Gaspem na noite anterior ao ocorrido. Segun-
Amambaí, e permanece no local até hoje. De acordo com do os autos do inquérito policial, “é possível inferir que
a Funai, os estudos de identificação e delimitação da área os integrantes da empresa de segurança GASPEM teriam,
já tiveram início e estão em andamento. às vésperas do crime, se encontrado com [os fazendeiros]
Idelfino Maganha, Samuel Peloi, Claudio Adelino Gali, Luis
Guaiviry foi palco do mais recente assassinato de Antonio Ebling do Amaral, Levi Palma [advogado], Osvim
uma liderança indígena, cometido por um consórcio de fa- Mittanck [presidente do Sindicato rural de Aral Moreira] e

Foto: Verena Glass

Genito Gomes, filho do cacique assassinado Nizio Gomes, em frente ao barraco que era do pai
EM TERRAS ALHEIAS

Aparecido Sanches para tratar da logística e estratégia da Com o encerramento da segunda etapa das in-
retirada dos índios do acampamento GUAYVIRY localiza- vestigações, em junho de 2012, a PF indiciou 23 pesso-
do na Fazenda Nova Aurora, rodovia MS-386, município de as e decretou prisão preventiva de 18, entre fazendeiros,
Ponta Porá/MS, sendo que haveria armas de fogo na reu- membros da Gaspem e um advogado. Entre os indiciados,
nião (cf. depoimento de Jean Diemys Paulino Siqueira às constam: Claudio Adelino Gali, Levi Palma, Aparecido San-
fls. 182/182vº do IPL 0562/2011-4). Também é de se des- ches, Samuel Peloi, Idelfino Maganha, Osvin Mittanck, Luis
tacar o teor do depoimento do indígena Dilo Daniel (fls. Antonio Ebling do Amaral, Aparecido Altonio Fernandes
657/665 do IPL 0562/2011-4, constante na mídia digital in- de Freitas, Aurelino Arce, Josivam Vieira de Oliveira, Jer-
serta à fl. 22 destes autos), onde afirmou que participa- ri Adriano Pereira Benites, Wesley Alves Jardim, Juarez Ro-
ram da aludida reunião Claudio Adelino Gali, Samuel Peloi, canski, Edimar Alves dos Reis, Nilson da Silva Braga, Ricar-
Emerson Conti, Osvim Mittanck, Aparecido Sanches, José do Alessandro Severino do Nascimento, Aparecido Pereira
Osvaldo Eli, Etelvir Pazinato e Idelfino Maganha. Afirma dos Santos Junior e André Pereira dos Santos. As últimas
ainda que Claudio Adelino Gali, Osvim Mittanck e Idelfi- prisões foram efetuadas no início de julho de 2012. No fi-
no Maganha, em momento posterior ao crime, teriam par- nal do mês, três réus foram soltos (entre eles Aparecido
ticipado de uma reunião em que lhe prometeram ajuda nas Altonio Fernandes de Freitas, proprietário da fazenda Ma-
eleições e assistência de advogado, em troca de que sus- ranata, inocentado por depoimentos de outros envolvi-
tentasse perante a polícia a versão de que o índio Nízio dos) através do deferimento de hábeas corpus pelo Tribu-
26 Gomes estaria vivo e refugiado no Paraguai”. nal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).

PRODUTORES DE SOJA INVESTIGADOS PELA MORTE DE NIZIO GOMES


Fazendeiro CPF Fazenda(s) e localização
Fazendas 2 de Ouro, Água Branca, Cachoeirinha, Figueira, Don
Idelfino Maganha 1.012.258.068,0
Pedro, Embu e Querência – Aral Moreira
Samuel Peloi 38.813.718.934,0 Dois Irmãos, Dois Irmãos I, II – Aral Moreira
Osvin Mittanck 6.810.567.399,0 LOT 128 Rod Aral Moreira/Vil Marques Km3 - Aral Moreira
Fazendas Nice, em Amabai, e Vacaria Tuja e Nova Aurora
Luis Antonio Ebling do Amaral 50.604.864.191,0
(acampamento Indígena) – Aral Moreira
Faz. Curral de Arame, Área A, 2 e 3 - Rod. Dourados/Caarapo
Claudio Adelino Gali 00039132021968 KM 10, em Dourados, e faz. Sonho Mágico e Sonho Magico
Emerson Conti 58.220.437.120,0 Lagoa da Prata-Parte I – Aral Moreira
Etelvir Pazinato 17.532.221.172,0 Arco Iris e Lagoa da Prata – Aral Moreira

► Produção de soja Funai, detectou uma área de cerca de 110 mil hectares
como sendo tradicionalmente Guarani.
Entre os proprietários rurais mencionados nas
investigações do assassinato de Nizio Gomes, vários são O levantamento preliminar dos indígenas tam-
grandes produtores de soja. De acordo com a Agência bém apontou oito fazendas que estariam nesta área e
Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro) do onde se encontram marcos antropológicos como túmu-
Mato Grosso do Sul, na safra 2011/2012 o grão foi cultiva- los, cemitérios, centros de intercambio comercial Guarani
do pelos fazendeiros mencionados na tabela acima. e até aldeias. As fazendas mencionadas são Fazenda Nova
Aurora, Fazenda Ouro Verde, Fazenda Jaguarete (ou Jagua-
► Fazendas na área de Guaiviry rete-cuê), Fazenda Tagi (ou Tagy), Fazenda Santa Nazaré e
São João, Fazenda São Luis, Fazenda Chalana, Fazenda Água
Dona Marilia Tereza, uma das indígenas mais ve- Boa, e Fazenda São Rafael.
lhas do acampamento de Guaiviry, relata que nasceu na-
quela região e foi expulsa com os demais parentes depois De acordo com a Agência Estadual de Defesa Sa-
que as terras foram tomadas por fazendas e teve início a nitária Animal e Vegetal (Iagro) do Mato Grosso do Sul,
produção de erva mate na região, na década de 1940. Ma- cinco das fazendas mencionadas cultivaram soja na safra
rilia Tereza cita a fazenda Ouro Verde, mas outros indíge- 2011/2012. Sobre as demais, não foi possível levantar infor-
nas falam em parentes nascidos ou enterrados em fazen- mações acerca da atividade produtiva.
das como Tagi, Ponto Alto e Jaguarete.
► Conflito permanece
Um primeiro levantamento feito pelos indíge-
nas, em apoio ao processo de estudo e delimitação da De acordo com as lideranças de Guaiviry, o acam-
MAPA DA TI GUAIVIRY ELABORADO PELOS INDÍGENAS

EM TERRAS ALHEIAS
27

pamento conta com 65 famílias - cerca de 190 pessoas -, construção. Eles falaram também ‘aqui vocês não podem
que ainda vivem sob grande tensão. No início de setembro construir essa oca não!’”, descreve denúncia encaminha-
de 2012, o grupo denunciou nova onda de intimidação e da ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e à Fu-
ameaças por parte de funcionários das fazendas da região. nai no dia 6 de setembro.

“No dia 02/09/2012, às 13h00, dois homens che- De acordo com o documento, novas ameaças fo-
garam de carro às nossas casas e passaram a observar a ram feitas no dia 05/09/2012. “Às 14h00 horas, uma cami-
nossa pequena lavoura em que plantamos mandioca e ba- nhonete preta com vidros escuros em alta velocidade che-
tata-doce. Ao observar a nossa pequena roça, um deles gou à Guaiviry frente de nossas barracas, em face do fato,
perguntou: ‘o que vocês estão plantando aqui?’ Respon- ficamos muito assustados e com medo de sermos ataca-
demos: ‘plantamos rama de mandioca e batata-doce, só dos novamente. Um abaixou vidro do carro e perguntou:
nesse pedacinho plantamos’. Diante de nossa resposta, ‘Quem é o cacique!? Cadê o cacique!?’, percebemos que se
ele falou de modo nervoso: ‘aqui vocês não podem plan- encontravam 3 pessoas dentro de caminhonete. Um deles
tar nada não!, logo nós vamos passas veneno aqui’. As- portava um maquina fotográfica e tirou as nossas fotos e
sim, confirmou que eles vão passar veneno em nossa pe- de nossas barracas. Ninguém desceu do carro e saíram em
quena roça. Além disso, eles observaram a nossa casa de alta velocidade de Guaiviry”. Questionada, a Funai em Pon-
reza tradicional Oga Pysy que está em processo inicial de ta Porã nega ter tido conhecimento do fato20.
Considerações Finais
EM TERRAS ALHEIAS

O agronegócio brasileiro é o um dos setores Um dos efeitos do cenário positivo para o setor
que mais tem crescido nos últimos anos, com apoio só- foi o aumento do preço das terras. De acordo com uma
lido do governo federal. Os recursos destinados às ativi- análise da consultoria Informa Economics FNP, especia-
dades agropecuárias via Plano Safra (ou Plano Agrícola lizada no mercado agropecuário, datada de setembro de
Pecuário) têm aumentado na mesma medida, perfazendo 2012, o preço das terras no país teve um aumento de cerca
R$ 93 bilhões na safra 2009/2010, R$ 100 bilhões na sa- de 32% nos últimos 12 meses. Em maio de 2011, o Mato
fra 2010/2011, R$ 107 bilhões na safra 2011/2012 e R$ Grosso do Sul sofreu um aumento médio de 30% no valor
115,2 bilhões na safra 2012/2013. da terra em relação a 2010, índice que chegou a 100% no
norte do estado, de acordo com o Sindicato dos Correto-
Apesar das oscilações dos preços das commo- res de Imóveis de Mato Grosso do Sul.

28
dities agrícolas no mercado internacional, os ganhos se
mantiveram consideráveis em 2012, o que impulsionou A valorização do agronegócio e das terras nas úl-
os investimentos. De acordo com a estimativa de safra da timas décadas tem tido um efeito preocupante sobre o pro-
Conab, este ano o país produzirá 165,9 milhões de tonela- cesso de reconhecimento dos territórios indígenas, prin-
das de grão, 1,9% a mais do que na safra anterior (no Mato cipalmente nas regiões de expansão da fronteira agrícola.
Grosso do Sul, o aumento foi de 22,9%). A área plantada Em números totais, por exemplo, o presidente Fernando
também aumentou em 2% no Brasil, ocupando 982,2 mil Collor de Melo homologou 112 Terras Indígenas (TIs)
hectares a mais do que na última safra (no Mato Grosso entre 1991 e 1992, e entre 1992 e 1994, Itamar Franco
do Sul, este aumento foi de 12,8%)21. homologou 18. Nos seus oito anos de governo, Fernando

Foto: Verena Glass


Crianças de Guaiviry brincam
em frente à área de soja recém colhida
Henrique Cardoso homologou 145 TIs. Já no mandato de arroios ou rios, e é uma propriedade comunal exclusiva;

EM TERRAS ALHEIAS
Luiz Inácio Lula da Silva ocorreram 79 homologações, e ou seja, não se permite a incorporação ou a presença de es-
no de Dilma Rousseff, apenas três. tranhos. Acima de tudo, o Tekoha é uma instituição divi-
na, criada por Nhanderu (Deus)22.
O setor produtivo - com apoio, nos últimos anos,
do governo estadual - tem exercido uma oposição osten- Esta noção de pertencimento, do ancestral e do
siva ao processo de reconhecimento das terras indígenas divino inerente aos territórios explica, em parte, a presen-
no Mato Grosso do Sul. Por outro lado, no entanto, a trá- ça - e muitas vezes liderança - dos rezadores (nhanderus)
gica situação dos Guarani também levou a um movimento nas ações de retomada de terra, bem como a resignada re-
mais amplo e intenso de reconhecimento de suas caracte- sistência às condições mais adversas de desabrigo, fome,
rísticas sócio-culturais e de seus direitos ancestrais, inse- violência e lentidão dos processos demarcatórios, às quais
rindo no tabuleiro das disputas conceituais um novo parâ- os Guarani se submetem nos acampamentos. O reconhe-
metro de valor, que se contrapõe ao econômico-financeiro. cimento do direito Guarani às suas terras é, assim, um
pressuposto à sua sobrevivência como povo. Na balança
Nesse sentido, tanto no âmbito do Ministério de valores supera (ou nem é comparável), no Estado De-
Público Federal quando no acadêmico e das organizações mocrático de Direito, a contabilidade econômica da ativi-
indigenistas e de direitos humanos, a terra ancestral - o dade agropecuária, ou mesmo ao processo de apropriação
Tekoha - e seu simbologismo inerente não apenas resig-
nificam o conceito de direito, mas também o de valor.
das terras pelas forças privadas ou estatais.
29
Este reconhecimento se espera que seja incorpo-
Para os Guarani, o Tekoha é o lugar “em que rado nas cadeias produtivas e nas políticas públicas re-
vivemos de acordo com o nosso costume”. Seu tamanho ferentes à produção de commodities no Mato Grosso do
pode variar em superfície, mas estrutura e função se man- Sul. Neste sentido, o presente relatório se propõe a auxi-
têm igual: tem liderança religiosa e política própria, e for- liar os diversos elos desta corrente a detectar práticas que
te coesão social. Ao Tekoha correspondem as grandes fes- não se enquadram num processo produtivo que possa ser
tas religiosas e as decisões políticas e formais nas reuniões considerado responsável, tanto no cumprimento da legis-
gerais (o grande conselho Guarani Aty Guasu). O Teko- lação, quanto no que a extrapola, para benefício das popu-
ha tem uma área bem delimitada, geralmente por bosques, lações indígenas.

Foto: Philip Clark-Hill


Notas
EM TERRAS ALHEIAS

1 O Brasil dos Agrocombustíveis - Os Impactos das Lavouras sobre a Terra, o Meio e a Sociedade - Cana-de-açúcar - 2009.
Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/o_brasil_dos_agrocombustiveis_v6.pdf
2 O procedimento de reconhecimento das Terras Indígenas é estabelecido pelo Decreto nº 1775/96, e segue as seguintes etapas: (i)
Identificação, momento em que é constituído um grupo de trabalho formado por representantes de diversas áreas de conhecimento,
coordenado por um antropólogo, para realizar estudos sobre a Terra Indígena ; (ii) Declaração, consiste na emissão de Portaria
Declaratória de Posse pelo Ministro da Justiça reconhecendo os limites da Terra Indígena, após o período de contraditório,
determinando a sua demarcação administrativa; (iii) Demarcação, consiste na materialização da delimitação. Nesta fase, os marcos
são colocados no chão além das placas de sinalização e abertura de picadas, entre outras atividades; (iv) Homologação, ratificação da
demarcação física através de Decreto Presidencial; (v) Registro, etapa em que a Terra Indígena é registrada no Cartório de Registro de
Imóveis da Comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda (SPU/MF).
3 Relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil 2011”. Disponível em http://www.cimi.org.br/pub/CNBB/Relat.pdf
4 As informações do histórico do povo Guarani no MS foram retiradas em grande parte do texto “Os Guarani-kaiowá e Ñandeva”, do

30 site Trilhas de Conhecimentos - Ensino Superior de Indígenas no Brasil: http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/mato_grosso_


do_sul/guarani.htm. Uma descrição mais aprofundada da história Guarani pode ser encontrada no relatório circunstanciado de
identificação e delimitação da TI Jatayvary, disponível em ftp://neppi.ucdb.br/pub/cedoc/pdf/RubemAlmeida/Rel%20Jatayvary%20
2005.pdf
5 Revisão aumenta projeção de safra de cana em MS em mais 800 mil toneladas. Disponível em http://www.agrodebate.com.br/_
conteudo/2012/08/noticias/3493-revisao-aumenta-projecao-de-safra-de-cana-em-ms-em-mais-800-mil-toneladas.html
6 Conselho Monetário Nacional - regulamentação do ZAE. Disponível em https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.
do?method=detalharNormativo&N=109102944
7 Usina firma termo de compromisso de responsabilidade ambiental, indígena e trabalhista. Reportagem disponível em http://www.
prms.mpf.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/noticias/2010/04/usina-firma-termo-de-compromisso-de
8 Termo de Compromisso de Cooperação Funai/Raízen disponível em http://www.prms.mpf.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/
noticias/2012/06/termo%20de%20compromisso%20de%20cooperacao_raizen_funai.pdf
9 Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação - ftp://neppi.ucdb.br/pub/cedoc/pdf/RubemAlmeida/Rel%20
Jatayvary%202005.pdf
10 Para conhecer o CNPJ dos produtores, basta acessar o site do Sintegra (http://www.sintegra.gov.br/), selecionar o estado desejado,
selecionar Consulta ao Cadastro Agropecuária (CAP) e inserir o numero da inscrição estadual no campo indicado
11 Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da terra indígena Guarani-kaiowá Guyraroká - VI Parte: Levantamento
Fundiário - http://www.jusbrasil.com.br/diarios/688372/dou-secao-1-13-08-2004-pg-41/pdf
12 Depoimento feito à revista Veja em junho de 2011, na matéria “Adivinhe qual é a terra dos índios”
13 Relatório do Conselho Indigenista Missionário - CIMI “As violências contra
os povos indígenas em Mato Grosso do Sul”, pg 61 http://www.cimi.org.br/pub/MS/Viol_MS_2003_2010.pdf
14 Termo de Compromisso de Cooperação Funai-Raízen - http://www.prms.mpf.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/
noticias/2012/06/termo%20de%20compromisso%20de%20cooperacao_raizen_funai.pdf
15 MPF/MS pede indenização de R$ 170 milhões para comunidade indígena Guyraroká - http://www.prms.mpf.gov.br/servicos/sala-
de-imprensa/noticias/2012/06/mpf-ms-pede-indenizacao-de-r-170-milhoes-para-comunidade-indigena-guyraroka
16 http://www.prms.mpf.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/arquivo/2011/Portaria524_TIPanambi.pdf
17 Procurador apura miséria de índios - Correio do Estado, 15 de outubro de 2002 - http://pib.socioambiental.org/es/
noticias?id=5999
18 Até ontem, eles continuavam acampados perto do Rio Dourado, sem receber qualquer tipo de assistência - Correio do Estado, 16 de
outubro de 2002 - http://ti.socioambiental.org/#!/noticia/6015
19 Resumo do Relatório de Identificação, dezembro de 2005 - http://www.jusbrasil.com.br/diarios/877052/dou-secao-1-06-12-2005-
pg-24
20 Relato/denúncia da comunidade Guarani-kaiowá de tekoha Guaiviry - Aral Moreira-MS - http://www.indiosonline.net/
relatodenuncia-da-comunidade-Guarani-kaiowa-de-tekoha-guaiviry-aral-moreira-ms/
21 Conab - acompanhamento da safra de grãos, setembro de 2012 - http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/
arquivos/12_09_06_09_18_33_boletim_graos_-_setembro_2012.pdf
22 Relatório circunstanciado de identificação e delimitação da TI Jatayvary, ftp://neppi.ucdb.br/pub/cedoc/pdf/RubemAlmeida/
Rel%20Jatayvary%202005.pdf

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