Discussões de Gênero E Feminilidades Na Escola Contemporânea
Discussões de Gênero E Feminilidades Na Escola Contemporânea
Discussões de Gênero E Feminilidades Na Escola Contemporânea
2018
ISSN 1807-1384 DOI: 10.5007/1807-1384.2018v15n2p55
Artigo recebido em: 20/01/2017 Aceito em: 16/01/2018
Resumo:
Diante dos avanços conseguidos pela atuação dos estudos e movimentos feministas
e pelos estudos de gênero, deslocaram-se alguns entendimentos conservadores
sobre ser mulher que possibilitaram a desconstrução de ideias limitantes em relação
às subjetividades femininas. Na contemporaneidade constantemente se vê em pauta
discussões sobre direitos das mulheres, desconstrução de estereótipos de gênero,
luta por equidade de gênero. Assim, é fundamental que novos entendimentos sobre
feminilidades ocupem espaços nos currículos escolares visando a uma educação para
a equidade de gênero desde a infância. Deste modo, este artigo objetiva problematizar
a permanência de padrões sexistas na instituição escolar e o papel da educação
formal na desconstrução dos mesmos, possibilitando aos sujeitos novos
entendimentos sobre subjetividades femininas e modos de ser mulher que não se
limitem aos estereótipos tradicionais. Como forma de compreender a construção de
sentidos e significados utilizou-se a Análise de Discurso. Preliminarmente, foram
identificados discursos progressistas e conservadores, em relação ao debate de
gênero e as questões das mulheres, coexistindo e disputando espaço no ambiente
escolar. Ao mesmo tempo, observou-se o potencial de tais discursos no fomento de
subjetividades desde a mais tenra idade. Os resultados encontrados evidenciaram,
grosso modo: a necessidade de melhorar a formação docente em temas como
diversidade e gênero; a falta de preparo de diversos sujeitos do ambiente escolar para
lidar com questões de gênero; a importância de debates sobre gênero e feminilidades
no espaço escolar como forma de contribuir com a formação cidadã de crianças, das
famílias e dos sujeitos que trabalham no ambiente escolar.
Palavras-chaves: Educação. Gênero. Subjetividades. Feminilidades. Escola.
1 INTRODUÇÃO
Durante a infância surgem os primeiros questionamentos sobre gênero,
sexualidade e os modos de cada um/a ser e estar no mundo. As dúvidas, curiosidades,
anseios sobre essas temáticas estão presentes nos diversos ambientes em que a
criança circula, um deles é o escolar. Por ser a escola “o espaço para a socialização
secundária” (Goméz, 1998, p.54), é também diante da cultura escolar estabelecida e
das vivências coletivas e individuais experimentadas durante o período de
escolarização, que as identidades são forjadas e abastecidas nos modos de pensar,
agir, sentir o mundo e as coisas ao seu redor. Ou seja, esta instituição atua como
instância subjetivadora, interpelando os sujeitos e promovendo a construção de
significados. Fischer (2002), define a subjetivação como sendo complexos processos
de veiculação e de produção de significações, de sentidos, os quais, por sua vez,
estão relacionados aos modos de ser, de pensar, de conhecer o mundo, de se
relacionar com a vida, que permitirão aos sujeitos construírem-se. A subjetivação é
sempre um processo histórico e mutável, que, portanto, está contextualizado a uma
época e a um tipo de formação social.
Na escola, uma das dimensões alcançadas por estes processos de
subjetivação incide, pois, na construção de sentidos sobre gênero. Dito isto, o
presente artigo se debruça sobre a discussão de padrões sexistas ainda presentes na
educação escolar, problematizando os entendimentos que a escola contemporânea
tem sobre gênero e, especialmente sobre as subjetividades femininas. Acredita-se
que é preciso perscrutar como a escola produz significados sobre gênero junto às
crianças, visto que em vários espaços pelos quais transitam, os sujeitos apreendem o
que é o feminino, ou o masculino, de forma rígida através de preceitos historicamente
imbuídos de aspectos machistas e sexistas, incidindo sobre a construção das
identidades de gênero e sendo repassados como valores pela educação familiar e/ou
escolar.
A formação do imaginário sobre subjetividades femininas é influenciada pelos
discursos e práticas dos sujeitos sociais que integram o contexto escolar, sendo
construídos a partir da compreensão que os mesmos têm do que é ser mulher e/ou
homem. Ao pretender reformular entendimentos, as concepções de gênero diante de
uma perspectiva de equidade, desenvolvem uma visão relacional entre feminino e
masculino, superando o binarismo e, sobretudo, a hierarquização das relações entre
homens e mulheres, posto que isso acaba por reforçar o sexismo na cultura escolar.
Deste modo, sendo a escola um espaço para construção social e pessoal, é preciso
formar para a equalização das relações de gênero desde a infância, assim como para
o entendimento de que há diversas possibilidades de se performar o gênero, se
construir, ser/estar/atuar na sociedade.
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2 METODOLOGIA
A escola, neste sentido, precisa ser vista como lugar da interpelação, no qual
saberes serão dirigidos aos sujeitos, mas no qual também os sujeitos irão se envolver
na produção de significados sobre estes saberes. Neste contexto, os significantes irão
flutuar no espaço escolar e envolver-se em relações de poder geralmente atreladas
ao discurso que detêm a hegemonia social em determinado momento. Cabe então
perceber que os discursos aparecem na constituição dos saberes estando em
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entendimentos das relações de poder que perpassam o gênero. Isto permitiu que
fosse compreendido como um sistema que oprime a partir das diferenciações, mas
também conforme dito por Piscitelli (2009), como um exemplo do modo pelo qual o
poder opera através de estruturas fluídas e múltiplas, posicionando as mulheres em
lugares diferentes e em momentos históricos particulares. Permitindo que pessoas
individual ou coletivamente possam se opor às estruturas opressivas de gênero.
Portanto, assumindo a já referida perspectiva de Scott (1995) sobre o conceito,
falar de gênero é compreender que há relações de poder que o envolvem e que
atingem as experiências e o processo formativo dos sujeitos. Isso porque, “o gênero
é uma forma primeira de significar as relações de poder.” (SCOTT, 1995, p. 91)
permeando a vida social. Para Butler (2005, p.29) representação do gênero se
constrói “como fenômeno inconstante e contextual, o gênero não denota um ser
substantivo, mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de
relações, cultural e historicamente convergentes”. Além disso, o gênero também
envolve perceber as inter-relações entre masculino e feminino atuando nas
subjetivações dos sujeitos e muitas vezes escapando da tal composição binária que
põe em oposição masculino e feminino. Louro (1997), sinaliza a necessidade de
evitarmos a visão binária de gênero considerando que a proposição da desconstrução
das dicotomias pode se constituir numa estratégia fértil para o pensamento.
A proposição da desconstrução da dicotomia também alcança o ser mulher,
pois não o coloca sob uma fórmula única de feminilidade. Entende-se a categoria das
mulheres como ampla e diversificada, o que implica saber que há diferentes
necessidades, anseios e representações das mulheres. Há, portanto, diferentes
feminilidades que passaram por processos de subjetivação diversos. E por isso, não
se limitam aos conceitos estáveis do que é ser menina/mulher que são apreendidos
socialmente, os quais são inclusive muitas vezes produzidos na educação formal
escolarizada.
O debate sobre gênero tem transitado na sociedade de forma política e social
e em diversos espaços. Na esfera da educação, o tema experimenta algumas vezes,
cerceamentos quanto à sua abordagem no ambiente escolar. Diferentes estados
brasileiros questionaram a legitimidade, bem como a necessidade de discutir questões
de gênero na sala de aula, tentando suprimir tais conteúdos de seus Planos Estaduais
de Educação, como foi o caso dos estados de Pernambuco e São Paulo no ano de
2015.
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via, que na nossa época, não era assim”. A funcionária compreende, portanto, que em
função do gênero a cobrança pelo dito "bom comportamento" deve ser maior para as
meninas, pois, em caso de indisciplina, ela ressalta que as meninas “acabam sendo
mais malvistas por serem meninas, por que a gente tinha aquela ideia de que mulher
é um ser mais recatado, mais na sua. E quando você as vê assim, fica até com medo
de onde isso vai parar”.
Esses depoimentos indicam que não há o entendimento sobre a existência de
diferentes feminilidades, mas o reforço do que seria um padrão tradicional e opressivo,
que, segundo Carvalho (2009), está apoiado na obediência às normas, na
organização e na submissão, exacerbando as diferenças de gênero.
Esses discursos revelam ainda, uma falha educacional perpetuada na
delimitação de padrões de gênero, com alguma permissividade que ignorou o mau
comportamento infantil, sobretudo masculino (bagunça, agressividade, desrespeito),
baseando-se no entendimento de que é próprio da natureza do homem ser mal
comportado, rude, violento, pois isso é desejável como sinal de masculinidade. No
entanto, quando esse mau comportamento é encontrado nas meninas a sociedade
não trata apenas como uma questão de educação comportamental, mas condena
essas ações ressaltando a inapropriação delas para meninas e trata de agir para que
o padrão de uma feminilidade angelical anteriormente estabelecido seja garantido.
Assim, reprime as meninas, ao invés de oferecer soluções educativas para meninos
e meninas, visando a não violência, a cordialidade, o respeito ao outro e a si mesmo,
reafirmando uma cultura de paz. Este é um exemplo de como a formação discursiva
costurou diferentes discursos sobre indisciplina baseados em padrões de
comportamento desejáveis para meninos e meninas, culminando num discurso que
reforça a desigualdade de gênero onde aparentemente haveria apenas um discurso
sobre a correção do que seria considerado mau comportamento.
Em outro momento das entrevistas, com a gestora da escola, ela demonstra,
em seu discurso, acreditar que houve uma transformação negativa do comportamento
feminino, após as conquistas advindas do feminismo como liberdade sexual, direito a
trabalho fora do lar, quando faz a seguinte afirmação: “o que a gente vê hoje são
meninas mais agitadas do que os meninos, e agitadas em todos os sentidos, em
relação à agressividade, à sexualidade, a tudo". Essa mudança de comportamento,
na compreensão da “gestora A”, repercutiria negativamente: "Os valores elas não têm.
A mulher, agora, não precisa que ninguém a desrespeite, ela mesma se desrespeita".
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Esse discurso denota uma aceitação das desconstruções dos fazeres e lugares
exclusivamente reservados a meninos e meninas. Como também o entendimento de
que ser feminina não significa estar presa em um mundo cor de rosa, com bonecas
esguias e boas maneiras. Para tanto, em outro momento, as responsáveis pelas
crianças afirmaram que a família necessita de mais informação para lidar com as
questões que as crianças trazem para casa.
Assim, retorna-se à discussão sobre a necessária atuação política da escola
em prol dos conteúdos de gênero. É urgente que ela se prepare e se abra ao diálogo
com a família, trazendo à tona as questões sobre gênero. Ainda que uma pequena
parcela tema encarar tais temáticas, a família vê a escola como o espaço dessa
discussão, principalmente porque se sente desnorteada ao falar sobre o assunto, o
que se explica posto que são pais e mães pertencentes a uma geração também
imersa em tabus e desinformação, situação um pouco diferente da geração de seus
filhos e filhas, que já tem maior acesso à informação, ainda que sejam pouco
problematizadas.
Da investigação sobre os caminhos da educação escolar contemporânea,
tendo em vista os desdobramentos e discussões de gênero que chegam à escola,
sobretudo com relação às questões de feminilidades, ao evidenciar a necessidade de
retirar estes temas da sombra dos tabus, ainda são encontradas diversas barreiras
para desconstruí-los. Tais barreiras esbarram na formação docente, que não
considerou adequadamente essas questões ou na desinformação de familiares e
agentes escolares. Para evitar isso além do PCN, também nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica (2010), é ressaltado que as temáticas de gênero
devem ser trabalhadas:
Temas como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar e social, assim como
os direitos das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei nº8.069/90), preservação do meio ambiente, nos
termos da política nacional de educação ambiental (Lei n] 9.795/99),
educação para o consumo, educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e
diversidade cultural devem permear o desenvolvimento dos conteúdos da
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abstract:
In the face of the advances achieved by the feminist movements and the gender and
sexuality studies, some understandings about being a woman have been moved,
which it has enabled the deconstruction of limiting ideas in relation to feminine
subjectivities. In contemporary times, we are constantly discussing women's rights,
deconstructing gender stereotypes for girls and boys, fighting for gender equity.
Therefore, it is desirable that new understandings on femininities should also be on the
agenda of gender equity education from childhood. Thus, this article aims to
problematize the persistence of sexist patterns in the school and the role of formal
education in the deconstruction of them; chiefly by offering new understandings about
feminine subjectivities and ways of being woman that are still limited to traditional
stereotypes. In this sense, it uses discourse analysis to explore the construction of
meanings. The results found are the need to improve teacher education on issues such
as diversity and gender; the lack of training to several subjects in the school
environment to deal with gender issues; the importance of open debates on gender
and femininities as civic education for children, caregivers and subjects working in the
school environment.
Keywords: Education. Gender. Subjectivities. Feminities. School.
Resumen:
Ante los avances logrados por la actuación de los movimientos feministas y por los
estudios de género y sexualidad, se desplazaron algunos entendimientos
conservadores sobre ser mujer, lo que posibilitó la deconstrucción de ideas limitantes
en relación a las subjetividades femeninas. En la contemporaneidad constantemente
se ve en pauta discusiones sobre derechos de las mujeres, deconstrucción de
estereotipos de género para niñas y niños, lucha por equidad de género. Por lo tanto,
es deseable que nuevos entendimientos sobre feminidades también estén en la pauta
de una educación para la equidad de género desde la infancia. Así, este artículo tiene
por objetivo problematizar la permanencia de patrones sexistas en la escuela y el
papel de la educación en la deconstrucción de los mismos, evidenciando sobre todo
las oportunidades de ofrecer a los sujetos nuevos entendimientos sobre subjetividades
femeninas y modos de ser mujer que no se limite a los estereotipos tradicionales. Se
utiliza el Análisis de Discurso como forma de explorar la construcción de sentidos.
Preliminarmente, fueron identificados discursos progresistas y conservadores, en
relación al debate de género y las cuestiones de las mujeres, coexistiendo y
disputando espacio en el ambiente escolar. Al mismo tiempo, se observou el potencial
de tales discursos en el fomento de subjetividades desde la más tierna infancia. Los
resultados encontrados evidenciaron, a groso modo: la necesidad de mejorar la
formación docente en temas como diversidad y género, la falta de preparación de
diversos sujetos del ambiente escolar para lidiar con cuestiones de género, la
importancia que espacios para debate sobre género y feminidades ejercen para la
formación ciudadana de niños, responsables y sujetos que trabajan en el ambiente
escolar.
Palabras clave: Educación. Género. Subjetividades. Femeninidades. Escuela.
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REFERÊNCIAS
BECKER, Howard Saul. Observação social e estudos de Caso Sociais IN: Métodos
de pesquisa em ciências sociais. HUCITEC: São Paulo, 1997. Capítulo 5.
CARVALHO, Marília Pinto de. Avaliação escolar, gênero e raça. Campinas, SP:
Papirus. 2009.
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.