LectureNotes Calculus3

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Cálculo Diferencial e Integral III

Prof. Rodrigo dos Santos Veloso Martins

Departamento Acadêmico de Matemática


Universidade Tecnológica Federal do Paraná
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SUMÁRIO

1 Funções e Campos Vetoriais e Integrais de Linha 2

1.1 Funções Vetoriais e Curvas Parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.2 Cálculo de Funções Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1.3 Comprimento de Arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

1.4 Campos Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

1.5 Integrais de Linha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

1.6 Campos Vetoriais Conservativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

1.7 Teorema de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

2 Superfı́cies Parametrizadas e Integrais de Superfı́cie 82

2.1 Superfı́cies Parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82


2.2 Áreas e Integrais de Superfı́cie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

2.3 Superfı́cies Orientadas e Integrais de Fluxo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

2.4 Teorema da Divergência de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

2.5 Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

3 Sequências e Séries Infinitas 120

3.1 Sequências de Números Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

3.2 Sequências Monótonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

3.3 Sequências Recursivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

3.4 Séries de Números Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

3.5 Teste do Termo Geral e Propriedades Básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 148

3.6 Teste da Integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

3.7 Testes da Comparação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156

3.8 Testes da Razão e da Raiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160

3.9 Séries Alternadas, Convergência Absoluta e Condicional . . . . . . . . . . . . 164

4 Séries de Potências 170

4.1 Polinômios de Taylor e MacLaurin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171

4.2 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

4.3 Convergência de séries de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192

5 Números Complexos 197


1

5.1 Definição e Operações Básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

5.2 Representação Gráfica e Forma Polar de Números Complexos . . . . . . . . 201

5.3 Funções Complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205


CAPÍTULO 1

FUNÇÕES E CAMPOS VETORIAIS E


INTEGRAIS DE LINHA

Considere um carro que se desloca ao longo de uma estrada sob ação do vento1 . Podemos
nos fazer as seguintes perguntas:

• Qual o efeito que o vento tem sobre o deslocamento do carro?

• Há algum impacto no combustı́vel consumido?

Neste capı́tulo estudaremos conceitos do Cálculo Vetorial que são úteis no estudo de um
problema como este. Mais precisamente, estudaremos nas Seções 1.1 a 1.3 curvas parame-
trizadas no plano: estes objetos permitem descrever não só a estrada como o deslocamento
1
Como exemplos de problemas análogos temos: trem se deslocando ao longo de uma ferrovia e um navio
seguindo um trajeto bem definido sob a influência de correntes marı́timas.

2
3

do carro, levando em conta grandezas como sua velocidade e aceleração em cada ponto ou
instante de tempo. Estenderemos este conceito para curvas no espaço, com comentários
sobre possı́veis aplicações neste contexto.

A ação do vento será estudada na Seção 1.4. Nele estudaremos funções matemática que
denominamos campos vetoriais: estas funções associam a cada ponto do plano (ou do espaço)
vetor. Isto permite descrever a ação do vento quando a mesma não é constante em todo
a região estudada; de forma análoga, podemos estudar correntes marı́timas distribuı́das no
plano de maneira não uniforme. Ainda neste capı́tulo, na Seção 1.5, introduzimos o conceito
de integrais de linha: será através deste conceito que estudaremos a iteração do vento em
uma dada região com o deslocamento de um carro ao longo de uma estrada, que fornecerá
uma estimativa para a questão introduzida acima.

1.1 Funções Vetoriais e Curvas Parametrizadas

Considere um carro se deslocando ao longo de uma estrada, conforme o problema intro-


duzido no inı́cio do capı́tulo. Podemos interpretar esta situação como a de uma partı́cula
se deslocando no plano cartesiano R2 . Como um ponto do plano é descrito por coordena-
das (x,y), é natural pensar na localização da partı́cula (ou do carro) através de funções do
tempo: x = f (t) e y = g(t). Dizemos que estas equações são as equações paramétricas do
deslocamento da partı́cula.

Definição 1.1.1. Suponha que x e y são funções de uma terceira variável t através das
equações
x = f (t), y = g(t),

onde t é uma variável independente. O conjunto de pontos do plano definido por (x,y) =
(f (t), g(t)) define uma curva C no plano que é dita uma curva paramétrica. As equações
acima são ditas as equações paramétricas da curva C e t é dito o parâmetro das equações.
4

Exemplo 1.1.2. Um caso simples de uma curva descrita por equações paramétricas é o do
gráfico de uma função de uma variável, como y = x2 . As equações paramétricas

x = t, y = t2 (1.1)

tem como gráfico a parábola y = x2 , mas com uma propriedade a mais: o sentido crescente
do parâmetro t define um sentido de deslocamento sobre a parábola, dado pelo sentido
crescente de x. Abaixo temos os valores de (x,y) para alguns valores de t. Como x = t,
obtemos diretamente pontos no gráfico de y = x2 .

t x y
0 0 0−
1 1 1
2 2 4
−3 −3 9

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Figura 1.1: Gráfico das Equações (1.1).

Exemplo 1.1.3. Um dos casos mais naturais de curvas paramétricas é o do cı́rculo trigo-
nométrico:
x = cos t, y = sen t. (1.2)

Note que a partir das Equações (1.2) concluı́mos que

x2 + y 2 = cos2 t + sen2 t = 1,

isto é, os pontos desta curva possuem distância 1 a origem; isto define um cı́rculo de raio 1
e centro em (0,0). Abaixo temos os valores de (x,y) para alguns valores de t e o esboço do
5

gráfico das Equações (1.2).


t x y
0 1 0−

π/6 3/2 1/2
π/2 0 1
π −1 0
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Figura 1.2: Gráfico das Equações (1.2).

Exemplo 1.1.4. Considere as equações paramétricas

x = t − 3 sen t, y = 4 − 3 cos t. (1.3)

Abaixo temos os valores de (x,y) para alguns valores de t e o esboço do gráfico das Equações
6

(1.3).
t x y
..0.. 0.0 1.0
1 −1.5 2.4−
2 −0.7 5.2
3 2.6 7.0
4 6.3 6.0
5 7.9 3.1
6 6.8 1.1
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Figura 1.3: Gráfico das Equações (1.3).

Destacamos a imagem da função nos pontos t = 1, . . . , 6, enquanto a trajetória foi traçada


até o valor t = 10. Como não foi definido nenhum intervalo para t nas Equações (1.3),
supomos que são considerados todos os valores reais possı́veis para t, inclusive negativos.
Entretanto, em muitos casos as funções acima descrevem o deslocamento de uma partı́cula
em um intervalo finito de tempo [a,b]; neste caso as equações paramétricas são fornecidas
com um intervalo especı́fico para o parâmetro:

x = f (t), y = g(t), t ∈ [a,b].

Dizemos que t = a é o ponto inicial e t = b é o ponto terminal.


7

Exercı́cio 1.1.5. Considere uma partı́cula que se desloca no plano no intervalo de tempo
[0,π] de acordo com as equações abaixo:

C1 : x = cos t, y = sen t, t ∈ [0,π].

Determine a localização da partı́cula nos instantes de tempo t = 0, t = π/6, t = π/2 e t = π.


Esboce a trajetória da partı́cula no plano.

Exercı́cio 1.1.6. Faça o mesmo no caso das equações paramétricas abaixo.

(i) C2 : x = cos t, y = sen t, t ∈ [0, 2π].

(ii) C3 : x = cos t, y = − sen t, t ∈ [0, 2π].

(iii) C4 : x = cos(2t), y = sen(2t), t ∈ [0, 2π].

Note que no Exercı́cio 1.1.6 as curvas C2 e C3 definem o mesmo conjunto de pontos no


plano: note que para as equações paramétricas de C2 e C3 temos

x2 + y 2 = cos2 t + sen2 t = 1,

o que prova que o trajeto da partı́cula em ambos os casos está contido no cı́rculo unitário.
No entanto, uma investigação mais atenta mostra que o cı́rculo é percorrido pelo parâmetro
t em sentidos opostos. Isto motiva a definição abaixo, onde faremos distinção entre as curvas
C2 e C3 .

Definição 1.1.7. Considere uma curva paramétrica C definida por x = f (t) e y = g(t). A
direção em que o parâmetro percorre C é dita a orientação da curva.

Dizemos, no caso do Exercı́cio 1.1.6, que as curvas paramétricas C2 e C3 têm orientações


opostas. Podemos interpretar este conceito da seguinte forma: as equações paramétricas de
C2 e C3 descrevem o deslocamento de carros r1 e r2 ao longo da mesma estrada circular, no
entanto, esta estrada é percorrida por r1 e r2 em sentidos opostos.
8

Curvas parametrizadas no espaço. Problemas análogos àquele apresentado no inı́cio


do capı́tulo podem ser encontrados em deslocamentos no espaço. Por exemplo, podemos nos
perguntar qual se a ação do vento pode influenciar fortemente na trajetória de um drone. A
trajetória do drone pode ser descrita analogamente: se uma partı́cula se desloca no espaço
R3 , suas coordenadas x, y e z variam, a princı́pio, com o tempo, de modo que podem ser
escritas como
x = f (t), y = g(t), z = h(t).

As mesmas definições e terminologia da Definição 1.1.1 se aplicam neste caso. Estas definições
introduzidas acima já foram vistas, de certa forma, no curso de Geometria Analı́tica. Veja o
Exemplo 1.1.8 abaixo, que utilizamos para relembrar a equação vetorial de uma reta de R3 .

Exemplo 1.1.8. Um inseto se desloca no espaço partindo do ponto (0,0,1) com vetor ve-
locidade constante em metros por segundos dado por ~v = (−2,0,3). Determine as equações
paramétricas do seu movimento e a sua localização após 3 segundos.

Vamos determinar inicialmente a coordenada z da posição do inseto após 3 segundos. O


vetor velocidade ~v = (−2,0,3) indica que, com respeito ao eixo z, o inseto se desloca com
velocidade constante de 3m/s. Após três segundos ele terá se deslocado 3 · 3 = 9 metros.
Como sua posição inicial com respeito ao eixo z é z0 = 1, sua posição após três segundos é
dada por z = 1 + 9 = 10. O mesmo cálculo pode ser conduzido para as coordenadas x e y:
quanto t = 3 temos x = 0 − 2 · 3 = −6 e y = 0 + 0 · 3 = 0. Este cálculo pode ser efetuado
em notação vetorial: após 3 segundos o deslocamento é dado pelo vetor 3~v = 3(−2,0,3). A
soma do vetor deslocamento com o vetor posição inicial fornece a posição do inseto após 3
segundos: (0,0,1) + 3(−2,0,3) = (−6,0,10).

As equações paramétricas do movimento são obtidas considerando um instante de tempo


t qualquer: seguindo o argumento acima temos que neste instante o deslocamento é t(−2,0,3),
logo a posição do inseto é dada por

(x,y,z) = (0,0,1) + t(−2,0,3) = (0 − 2t, 0, 1 + 3t),


9

ou, de modo equivalente, 




 x = −2t,

y = 0,



 z = 1 + 3t.

Note que estas são as equações paramétricas de uma reta de R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Considere agora, mais geralmente, o movimento de uma partı́cula com posição inicial P0 =
(x0 , y0 , z0 ) e velocidade constante dada pelo vetor ~v = (a,b,c). Como o vetor velocidade não
tem alteração em sua direção ou sentido, a trajetória do inseto é uma reta. Um argumento
análogo ao do Exemplo 1.1.8 mostra que sua posição após t segundos é dada por

r : (x,y,z) = P0 + t~v = (x0 , y0 , z0 ) + t(a,b,c) = (x0 + at, y0 + bt, z0 + ct). (1.4)

Reciprocamente, a Equação (1.4) descreve todas as retas de R3 : uma reta r de R3 que contém
um ponto P e possui vetor diretor ~v possui equação vetorial dada pela Equação (1.4); veja
o Exemplo 1.1.9 abaixo2 .

Exemplo 1.1.9. As equações paramétricas da reta a r de R3 que contém o ponto P =


(2,1, − 3) e tem vetor diretor ~v = (−1,2,2) são dadas por

(x,y,z) = (2,1, − 3) + t(−1,2,2) = (2 − t, 1 + 2t, −3 + 2t).

A equação vetorial acima pode ser escrita coordenada a coordenada, fornecendo as equações
paramétricas: 


 x = 2 − t,

y = 1 + 2t,


 z = −3 + 2t.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2
A reta de R3 que contém dois pontos P,Q ∈ R3 é obtida a partir deste modelo: consideramos neste caso
o vetor diretor ~v = Q − P ou ~v = P − Q.
10

A reta é o exemplo mais simples de uma curva de R3 . No Exemplo 1.1.10 temos uma
curva com geometria mais complexa.

Exemplo 1.1.10. Esboce a curva de R3 que é o gráfico de equações paramétricas abaixo:

x = cos t, y = sen t, z = t.

As equações acima descrevem uma curva que possui a seguinte propriedade: suas coordenadas
x e y satisfazem a equação x2 + y 2 = 1. Segue que os pontos desta curva se encontram
diretamente acima desta circunferência do plano xy, com coordenada z determinada por
z = t.

À medida que o parâmetro t evolui a partir de t = 0 temos no plano xy uma situação


idêntica àquela do Exemplo 1.1.5. A equação z = t mostra que a coordenada z cresce à
medida que t evolui: quando a partı́cula dá uma volta inteira no cı́rculo trigonométrico, sua
altura evolui de z = 0 até z = 2π; na próxima volta sua altura evoluirá de z = 2π a z = 4π,
e assim por diante. Essa curva paramétrica é descrita por uma hélice. Veja a Figura 1.4.

Cabe ressaltar que as equações paramétricas dadas estão definidas para todo t real, de
modo que na Figura 1.4 temos esboçada apenas uma parte da curva; esta se estende infi-
nitamente acima e abaixo do plano xy, pontos que correspondem respectivamente a valores
positivos e negativos do parâmetro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Funções vetoriais. Estudamos nesta seção curvas paramétricas descritas por equações
paramétricas. O conceito defunção de valores vetoriais a uma variável real, ou simplesmente
uma função vetorial, que veremos a seguir, está intimamente relacionado. Em uma função
vetorial de R3 , associamos a cada valor do parâmetro t um ponto do espaço (x,y,z). Isto
define uma função
r : t 7−→ r(t) = (x(t), y(t), z(t)).
11

Figura 1.4: Gráfico das Equações (x,y,z) = (cos t, sen t, t), t ∈ [0,2pi].

Este ponto (x(t), y(t), z(t)) pode ser interpretado também como um vetor: daı́ o nome função
vetorial, pois estas funções possuem vetores como imagem.

É importante lembrar que vetores podem ser escritos de outra maneira. Então a imagem
(x(t), y(t), z(t)) da função r pode ser escrita como

r(t) = (x(t), y(t), z(t)) = (x(t),0,0) + (0,y(t),0) + (0,0,z(t)),

isto é,
r(t) = x(t)(1,0,0) + y(t)(0,1,0) + z(t)(0,0,1),

Utilizando a notação i = (1,0,0), j = (0,1,0), k = (0,0,1) obtemos

r(t) = x(t)i + y(t)j + z(t)k.

Utilizaremos fonte em negrito para representar vetores: temos em negrito na equação acima
r, i, j e k, que representam vetores de R3 ; já t, x, y e z representam números reais, por isso
estão escritos em fonte usual.
12

Definição 1.1.11. Seja D um conjunto qualquer de R. Uma função r que associa a cada
número real t ∈ D um vetor r = x(t)i + y(t)j de R2 é dita uma função vetorial. As funções
x(t), y(t) são ditas as funções componente de r.
Analogamente, uma função r que associa a cada número real t ∈ D um vetor r(t) =
x(t)i + y(t)j + z(t)k é dita uma função vetorial. As funções x(t), y(t), z(t) são ditas as
funções componente de r.

Trataremos neste texto apenas de funções vetoriais de duas ou três dimensões. A menos
de menção explı́cita do contrário, ao representar graficamente uma função vetorial, sem-
pre adotaremos a representação de r(t) que possui seu ponto inicial na origem do espaço
considerado.

Exemplo 1.1.12. Considere a função vetorial

r(t) = cos ti + sen tj + 2k.

Suas funções componente são x(t) = cos t, y(t) = sen t e z(t) = 2. Como não há menção
explı́cita ao seu domı́nio, supomos que ele é o maior conjunto possı́vel da reta, isto é, D = R.

O esboço da curva parametrizada pode ser compreendido de maneira semelhante àquela


do Exemplo 1.1.10. As coordenadas x e y dos pontos desta curva satisfazem a equação
x2 + y 2 = 1, donde concluı́mos que os pontos da curva se encontram na direção deste
cı́rculo de R2 ; equivalentemente, podemos dizer que os pontos da curva pertencem ao cilindro
x2 + y 2 = 1. A componente 2k da função r(t) determina que a coordenada z dos pontos
é constante e igual a 2. Concluı́mos que a função vetorial r(t) descreve um cı́rculo em R3
contido no plano z = 2. Veja a Figura 1.5. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

No exemplo abaixo vemos uma outra técnica para compreender a geometria de curvas
parametrizadas: obter uma equação y = f (x) ou x = g(y) e utilizar as ferramentas de cálculo
de funções de uma variável.
13

Figura 1.5: Gráfico das equações no Exemplo 1.1.12.

Exemplo 1.1.13. Esboce a curva parametrizada definida por

r(t) = ti + t2 j.

A partir da definição da função vetorial r(t) obtemos as equações



 x = t,
 y = t2 .

Substituindo x = t na segunda equação obtemos y = x2 . Com isso provamos que os pontos


da curva parametrizada satisfazem a equação de uma parábola. Como o domı́nio da função
r(t) é dado por todos os números reais, a curva parametrizada consiste de toda a parábola
y = x2 . A orientação pode ser definida ao avaliar r(t) em dois valores t1 , t2 à escolha ou ainda
observamos que a equação x = t define a orientação da curva através do sentido positivo do
eixo x. Veja a Figura 1.6. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 1.1.14. Esboce ou descreva a trajetória da partı́cula descrita por cada uma das
funções vetoriais abaixo.

(i) r(t) = (3 − 2t)i + 5tj.


14

Figura 1.6: Gráfico das equações no Exemplo 1.1.13.

(ii) r(t) = −3i + (1 − t2 )j + tk.

(iii) r(t) = ti + cos tj + sen tk.

Exercı́cio 1.1.15. Mostre que o gráfico da função vetorial



r(t) = sen ti + 2 cos tj + 3 sen tk

é um cı́rculo e determine o seu centro e raio. Sugestão: Mostre que a curva se situa em uma
esfera e também em um plano.

.Obs: As componentes x(t), y(t) de uma função vetorial r(t) = x(t)i+y(t)j são funções reais
de uma variável real, funções usualmente vistas no curso de Cálculo Diferencial e Integral I.
Logo, embora o conceito de função vetorial esteja sendo apresentado aqui, ele é construı́do
através de funções com as quais o aluno já está familiarizado. Este fato será explorado na
Seção 1.2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Quando uma função vetorial r(t) é definida através de expressões algébricas para suas
funções componente, como
√ 2
r(t) = ti − j,
t
15

consideramos como domı́nio da função o conjunto de todos os números reais t para os quais
a função vetorial está bem definida. No caso acima temos Dom r = (0, +∞).

Exercı́cio 1.1.16. Determine o domı́nio das funções vetoriais abaixo.



(i) r(t) = ln(t − 2)i + 3
tj (ii) r(t) = (t2 − 2)−1 i + cos(t2 )j − 2tk

1.2 Cálculo de Funções Vetoriais

Limite e continuidade de funções vetoriais. As noções apresentadas no restante desta


seção de cálculo vetorial para curvas paramétricas são extensões de conceitos de Cálculo
Diferencial e Integral de uma variável. O limite lim r(t) = L em uma curva C parametrizada
t→a
por r(t) é definido da seguinte maneira: à medida que o valor do parâmetro t se aproxima de
t = a, o vetor r(t) deve se aproximar cada vez mais do vetor L no limite; mais precisamente,
a norma kr(t) − Lk se aproxima cada vez mais de zero3 . Veja as Figuras 1.7 e 1.8.

Figura 1.7: Limite lim r(t) = L em curva paramétrica: r(t) cada vez mais próximo de L.
t→a

3
Note que kr(t) − Lk é um número real, de modo que a função t 7−→ kr(t) − Lk se enquadra naquelas
estudadas em Cálculo Diferencial e Integral I.
16

Figura 1.8: Limite lim r(t) = L em curva paramétrica: kr(t) − Lk se aproxima de zero.
t→a

Definição 1.2.1. Seja r(t) uma função vetorial definida em um intervalo contendo t = a,
exceto talvez no ponto t = a. Dizemos que o limite de r(t) quando t se aproxima de a é L se

lim kr(t) − Lk = 0.
t→a

Escrevemos neste caso


lim r(t) = L.
t→a

O teorema abaixo afirma que temos o limite acima se e somente se os limites correspon-
dentes nas componentes ocorrem. Veja a Figura 1.9. Um resultado análogo é válido para
funções vetoriais de R3 .
17

Teorema 1.2.2. Seja r(t) uma função vetorial definida em um intervalo contendo t = a,
exceto talvez no ponto t = a.

(i) Se r(t) = x(t)i + y(t)j e L = x0 i + y0 j, então lim r(t) = L se e somente se


t→a

lim x(t) = x0 e lim y(t) = y0 .


t→a t→a

Em outras palavras, se o limite lim r(t) existe, então


t→a
   
lim r(t) = lim x(t) i + lim y(t) j.
t→a t→a t→a

(ii) Se r(t) = x(t)i + y(t)j + z(t)k e L = x0 i + y0 j + z0 k, então lim r(t) = L se e somente se


t→a

lim x(t) = x0 , lim y(t) = y0 e lim z(t) = z0 .


t→a t→a t→a

Em outras palavras, se o limite lim r(t) existe, então


t→a
     
lim r(t) = lim x(t) i + lim y(t) j + lim z(t) k.
t→a t→a t→a t→a

Figura 1.9: Limite das componentes de uma função vetorial: x(t) → x0 e y(t) → y0 .

Exemplo 1.2.3. Calcule o limite da função vetorial r(t) = t2 i + et j − 2 cos(πt)k quando t


se aproxima de zero.
18

O cálculo do limite é efetuado coordenada a coordenada, de acordo com o Teorema 1.2.2:


     
lim r(t) = lim t2 i + lim et j − lim 2 cos(πt) k = 0i + 1j − 2k.
t→0 t→0 t→0 t→0

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 1.2.4. Calcule os limites abaixo.

t2 − 1
   
2t + 4 t sen t
(i) lim i+ j−e k (ii) lim i + cos tj
t→−1 t+1 t−1 t→0 t

Note que o limite limt→a r(t) calculado no Exemplo 1.2.3 é igual simplesmente ao valor
de r(a). Esta propriedade é esperada no caso do deslocamento de partı́culas: à medida
que analisamos um instante de tempo cada vez mais próximo de t = a, esperamos que a
posição da partı́cula se aproxime cada vez mais de r(a), isto é, sua posição no instante t = a.
Dizemos nesse caso que tais funções são contı́nuas em t = a.

Definição 1.2.5. Seja r(t) uma função vetorial definida em um intervalo contendo t = a.
Dizemos que r(t) é contı́nua em t = a se

lim r(t) = r(a).


t→a

Dizemos que r é contı́nua em um conjunto A se r é contı́nua em todo ponto t ∈ A. Dizemos


que r é contı́nua se r é contı́nua em todos os pontos de seu domı́nio.

Diferenciabilidade. A definição de derivada de funções vetoriais é análoga àquela de


funções reais de uma variável, e possui também a mesma motivação. Esta definição, cons-
truı́da através de um processo de limite, é ilustrada na Figura 1.10. Seja r(t) a para-
metrização do deslocamento de uma partı́cula. A diferença r(t + h) - r(t) indica o vetor
deslocamento no intervalo de tempo [t, t + h]. O quociente
r(t + h) − r(t)
h
19

representa, num certo sentido, o vetor velocidade média da partı́cula no intervalo [t,t + h].
O limite deste quociente quando h se aproxima de zero fornece a velocidade instantânea no
instante de tempo t.

A derivada r0 (t) representa fisicamente a velocidade de uma partı́cula que se desloca ao


logo de uma curva C de acordo com a parametrização r(t). Entretanto, como a trajetória
desta partı́cula não é necessariamente retilı́nea, sua velocidade deve ser representada por
um vetor, e não apenas por um escalar : a velocidade deve ser fornecida através de sua
magnitude, direção e sentido. De fato, definimos a derivada r0 (t) como um vetor, e não como
um número real.

Definição 1.2.6. Seja r(t) uma função vetorial definida em um intervalo contendo t = a.
A derivada de r(t) em t = a é definida como o vetor

r(a + h) − r(a)
r0 (a) = lim ,
h→0 h

se o limite existir. Dizemos nesse caso que r(t) é diferenciável em t = a. O domı́nio da


função derivada r0 (t) consiste do conjunto de todos os valores reais t para os quais a função
r0 (t) está bem definida.

Figura 1.10: Quociente que define a derivada de uma função vetorial.


20

Utilizamos a notação usual para derivada:

dr d
r0 (t), r0 , ou [r(t)].
dt dt

Importante!

A derivada r0 (t) de uma função vetorial r é um vetor, e não um número real.

Verificamos agora que a derivada de uma função vetorial também pode ser escrita com-
ponente a componente. Note que, se r(t) = x(t)i + y(t)j, então

r(t + h) − r(t) [x(t + h)i + y(t + h)j] − [x(t)i + y(t)j]


= ,
h h

isto é,
r(t + h) − r(t) (x(t + h) − x(t)) (y(t + h) − y(t))
= i+ j.
h h h
Segue do Teorema 1.2.2 que se o limite que define a derivada r0 (t) existe, então ele é dado
por    
0 x(t + h) − x(t) y(t + h) − y(t)
r (t) = lim i + lim j.
h→0 h h→0 h
Os limites em parênteses definem a derivada das funções componente, logo
   
0 dx dy
r (t) = i+ j. (1.5)
dt dt

Teorema 1.2.7. Seja r(t) uma função vetorial definida em um intervalo contendo t = a.
Então r(t) é diferenciável em t = a se e somente se suas funções componente são diferenciáveis
em t = a. Neste caso, se r(t) = x(t)i + y(t)j, então
   
0 dx dy
r (t) = i+ j,
dt dt

e se r(t) = x(t)i + y(t)j + z(t)k, então


     
0 dx dy dz
r (t) = i+ j+ k.
dt dt dt
21


Exemplo 1.2.8. Considere a função vetorial r(t) = ti + (2 − t)j.

(i) Calcule a derivada de r0 (1).

(ii) Esboce a curva representada por r(t) e o vetor r0 (1).

Segue do Teorema 1.2.7 que a função derivada r0 (t) é dada por


 
0 1
r (t) = √ i + (−1) j,
2 t

logo,
1
r0 (1) = i − j.
2
O vetor derivada r0 (1) e a curva parametrizada por r(t) se encontram esboçados na Figura
1.11. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Figura 1.11: Vetor derivada do Exemplo 1.2.8.

Algumas regras de derivação de funções reais de uma variável real também se aplicam no
caso de funções vetoriais; isto é uma consequência direta do Teorema 1.2.7.
22

Teorema 1.2.9. Sejam r1 (t), r2 (t) funções vetoriais diferenciáveis em t = a. Então:


d
(i) [c] = 0, para todo vetor c;
dt
d d
(ii) [kr1 (t)] = k [r1 (t)], para todo número real k;
dt dt
d d d
(iii) [r1 (t) + r2 (t)] = [r1 (t)] + [r2 (t)];
dt dt dt
d d d
(iv) [r1 (t) − r2 (t)] = [r1 (t)] − [r2 (t)];
dt dt dt
d d d
(v) [f (t)r1 (t)] = [f (t)]r1 (t)+f (t) [r1 (t)], para toda função escalar diferenciável f (t);
dt dt dt
d d d
(vi) [r1 (t) · r2 (t)] = [r1 (t)] · r2 (t) + r1 (t) · [r2 (t)];
dt dt dt
d d d
(vii) [r1 (t) × r2 (t)] = [r1 (t)] × r2 (t) + r1 (t) × [r2 (t)].
dt dt dt

Interpretação geométrica da derivada de uma função vetorial. A Figura 1.12 sugere


que o vetor deslocamento r(t + h) − r(t), em verde, tem a sua direção cada vez mais próxima
da reta tangente à curva no ponto r(t), em laranja. Terı́amos assim no limite quando h → 0
um vetor r0 (t) que tem a mesma direção da reta tangente. Além disso, a Figura 1.12 indica
que o vetor r(t + h) representa a posição de uma partı́cula num instante de tempo posterior
a t, logo a posição desta partı́cula se encontra mais à frente na trajetória representada pela
1
curva parametrizada por r(t). Os vetores r(t + h) − r(t) e h
(r(t + h) − r(t)) sempre têm,
portanto, o sentido definido pela orientação da curva; segue que o vetor r0 (t) tem esta mesma
propriedade. Este argumento motiva a definição abaixo.
23

Figura 1.12: Direção limite da derivada de uma função vetorial.

Definição 1.2.10. Seja r(t) uma função vetorial definida em um intervalo contendo t = a e
seja C a curva gráfico de r. Se r0 (a) existe e r0 (a) 6= 0, dizemos que r0 (a) é o vetor tangente
a C em r(a). O vetor tangente unitário a C em r(a) é definido como

r0 (a)
T(a) = .
kr0 (a)k

Dizemos que a reta contendo r(a) e com vetor diretor r0 (a) é a reta tangente a C em r(a).

Argumentos de Geometria Analı́tica mostram que, se C é uma curva de R3 parametrizada


por parametrizada por r(t), então a reta tangente a C no ponto r(a) é dada por

(x,y,z) = r(a) + t · r0 (a). (1.6)

Exemplo 1.2.11. Determine a equação da reta tangente à curva C parametrizada por


r(t) = t2 i + t3 j no ponto r(1).

Segue do Teorema 1.2.7 que a função derivada r0 (t) é dada por

r0 (t) = 2ti + 3t2 j,

logo,
r0 (1) = 2i + 3j.
24

A reta tangente contém o ponto r(1) = (1,1) e possui vetor diretor r0 (1) = (2,3), logo sua
equação vetorial é dada por

(x,y) = r(1) + t · r0 (1) = (1,1) + t(2,3) = (1 + 2t, 1 + 3t).

A seguir obtermos a equação da reta tangente em sua forma usual. Podemos a partir da
equação acima obter o seguinte do sistema:
 
 x = 1 + 2t,  t = 1 (x − 1),
2
⇐⇒
 y = 1 + 3t,  y = 1 + 3t.

Substituindo a primeira equação na segunda obtemos


3 3 1
y = 1 + (x − 1), isto é, y = x− .
2 2 2
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 1.2.12. Determine a equação da reta tangente à curva C parametrizada por



r(t) = (1 + 2 t)i + (t3 − t)j + (t3 + t)k no ponto (3,0,2).

Exercı́cio 1.2.13. Obtenha a equação vetorial da reta tangente e o vetor tangente unitário
à curva dada no ponto dado.

(i) r(t) = sen ti − 2j, t = 0 ln t 2


(ii) r(t) = i + e2t j + t2 k, t = 1
2

A derivada de funções vetoriais também possui a seguinte propriedade: se kr(t)k é cons-


tante em um certo intervalo, então r0 (t) é sempre ortogonal ao vetor posição r(t). A condição
sobre kr(t)k possui a seguinte interpretação: se kr(t)k = c dentro de um certo intervalo, para
algum c > 0, então a trajetória da partı́cula associada está restrita ao cı́rculo de raio c e
centro na origem; neste caso o vetor posição r(t) é radial e o vetor derivada r0 (t) é tangente
ao cı́rculo, donde concluı́mos que r(t) e r0 (t) são ortogonais. Veja a Figura 1.13: nela temos
ilustrada uma curva C onde seu trecho com kr(t)k constante está destacado com traçado
contı́nuo, enquanto o restante da curva está apenas pontilhado.
25

Figura 1.13: Direção limite da derivada de uma função vetorial.

Teorema 1.2.14. Seja r(t) uma função vetorial diferenciável em t = a. Se kr(t)k é constante
em um intervalo contendo t = a, então r0 (t) é ortogonal a r(t), isto é,

r0 (t) · r(t) = 0.

Demonstração Demonstração : Note que o item (vi) do Teorema 1.2.9 fornece, para r1 =
r2 = r,
d d d
[r(t) · r(t)] = [r(t)] · r(t) + r(t) · [r(t)] = 2r(t) · r0 (t). (1.7)
dt dt dt
Por outro lado, temos que r(t) · r(t) = kr(t)k2 . Como kr(t)k é constante em torno de t = a
por hipótese, e portanto kr(t)k2 também, temos

d d
kr(t)k2 = [r(t) · r(t)] = 0. (1.8)
dt dt

Segue das Equações (1.7) e (1.8) que

2r(t) · r0 (t) = 0,

como gostarı́amos.

Neste texto evitaremos, de um modo geral, curvas com um comportamento errático. Nos
restringiremos a curvas suaves, de acordo com a Definição 1.2.15 abaixo. O Exercı́cio 1.2.16
ilustra o que pode ocorrer quando a Definição 1.2.15 não é atendida.
26

Definição 1.2.15. Seja C uma curva de Rn parametrizada por uma função vetorial r(t).
Dizemos que C é uma curva suave se:

(i) as funções componente de r têm derivadas contı́nuas;

(ii) r0 (t) 6= 0 para todo t.

Dizemos nesse caso que r é função vetorial suave ou uma parametrização lisa de C.

Exemplo 1.2.16. Determine se as funções vetoriais abaixo são suaves ou não.

(i) r1 (t) = a cos ti + a sen tj + ctk, para a,c > 0.

(ii) r2 (t) = t2 i + t3 j.

A função vetorial r1 possui funções coordenada infinitamente diferenciáveis para todo


valor de t, logo a condição (i) da Definição 1.2.15 é satisfeita. Seu vetor derivada é dado por

r01 (t) = −a sen ti + a cos tj + ck,

de modo que r01 (t) = 0 se e somente se





 −a sen t = 0,

a cos t = 0,



 c = 0.

Este sistema não tem solução: além de c = 0 não ocorrer por hipótese, não é possı́vel termos
sen t = cos t = 0 para algum valor de t. Segue que r1 é função vetorial suave.

A curva r2 também tem funções coordenada infinitamente diferenciáveis, no entanto


r02 (t) = 0 se e somente se 
 2t = 0,
 3t2 = 0.

Este sistema possui solução t = 0, isto é, temos r02 (0) = 0. A função vetorial r2 não é
portanto suave. Veja na Figura 1.14 o que ocorre no ponto r2 (0): a joaninha se desloca
27

pelo quarto quadrando em direção à origem e tem uma mudança de direção não-natural
no ponto r2 (0). Podemos entender que esta é a razão da não-suavidade de r2 e da curva
correspondente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Figura 1.14: Curva parametrizada por r(t) = t2 i + t3 j.

Integrais de funções vetoriais. Vimos que se uma partı́cula se desloca no plano ou no


espaço de acordo com uma função vetorial r(t), t ∈ [a,b], então seu vetor velocidade no
instante de tempo t é dado por r0 (t). Mas se temos uma expressão para o vetor velocidade
r0 (t), é possı́vel obter a função vetorial r(t) que descreve a posição da partı́cula? Abordamos
este problema com o conceito de integral indefinida de funções vetoriais, mas primeiramente
definimos a integral definida.

A integral definida de uma função vetorial em um intervalo a ≤ t ≤ b é definida através


de um processo semelhante àquele de funções reais de uma variável real. Particionamos o
intervalo [a,b] de acordo com pontos a = t0 , t1 , . . . , tn−1 , tn = b, onde tk − tk−1 = ∆t =
(b − a)/n, e escolhemos um ponto t∗k em cada intervalo [tk−1 , tk ]. O limite da soma de
Riemann
n
X
r(t∗k )∆tk
k=1

quando n se aproxima de infinito fornece a definição desejada.


28

Definição 1.2.17. Seja r(t) uma função vetorial contı́nua no intervalo a ≤ t ≤ b. A integral
definida de r(t) no intervalo [a,b] é definida como
ˆ b n
X
r(t) dt = lim r(t∗k )∆tk ,
a n→∞
k=1

se o limite existir.

A integral definida da Definição 1.2.17 pode ser calculada também componente a com-
ponente. De fato, seja r(t) = x(t)i + y(t)j uma função vetorial de R2 . Então,
n
X n
X n
X
r(t∗k )∆tk ∗ ∗
(x(t∗k )∆tk )i + (y(t∗k )∆tk )j ,
 
= (x(tk )i + y(tk )j)∆tk =
k=1 k=1 k=1

isto é,
n
X n
X n
X
r(t∗k )∆tk = (x(t∗k )∆tk )i + (y(t∗k )∆tk )j.
k=1 k=1 k=1
O limite de uma função vetorial é dado pelo limite de suas funções coordenadas, então
ˆ b Xn X n
!
Xn
!
r(t) dt = lim r(t∗k )∆tk = lim x(t∗k )∆tk i + lim y(t∗k )∆tk j.
a n→∞ n→∞ n→∞
k=1 k=1 k=1

Em cada coordenada na equação acima temos a definição de integral definida de uma função
de uma variável real. Portanto,
ˆ b ˆ b  ˆ b 
r(t) dt = x(t) dt i + y(t) dt j. (1.9)
a a a

Um argumento análogo prova o mesmo resultado para funções vetoriais de R3 : se r(t) =


x(t)i + y(t)j + z(t)k, então
ˆ b ˆ b  ˆ b  ˆ b 
r(t) dt = x(t) dt i + y(t) dt j + z(t) dt k. (1.10)
a a a a

Exemplo 1.2.18. Calcule a integral da função vetorial r(t) = t2 i + et j − (2 cos(πt))k no


intervalo [0,1].

Segue da Equação (1.9) que


ˆ 1 ˆ 1  ˆ 1  ˆ 1 
2 t
r(t) dt = t dt i + e dt j + [−2 cos(πt)] dt k,
0 0 0 0
29

onde ˆ 1 1
t3 1
t2 dt = = ,
0 3 0 3
ˆ 1 1
et dt = et = e − 1,
0 0

e, usando a substituição u = πt =⇒ du = π dt,


ˆ 1 1
2
[−2 cos(πt)] dt = − sen(πt) = 0.
0 π 0

Segue que ˆ 1
1
r(t) dt = i + (e − 1)j + 0k.
0 3
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A integral definida de funções vetoriais satisfaz propriedades semelhantes àquelas que


temos no caso escalar, também devido ao fato de que o cálculo da integral pode ser feito
coordenada a coordenada.

Teorema 1.2.19. Sejam r1 (t), r2 (t) funções vetoriais de Rn e suponha que r1 (t), r2 (t) são
contı́nuas no intervalo [a,b]. Então:
ˆ b ˆ b
(i) kr1 (t) dt = k r1 (t) dt, para todo número real k;
a a
ˆ b ˆ b ˆ b
(ii) [r1 (t) + r1 (t)] dt = r1 (t) dt + r2 (t) dt;
a a a
ˆ b ˆ b ˆ b
(iii) [r1 (t) − r1 (t)] dt = r1 (t) dt − r2 (t) dt.
a a a

Também temos o conceito de integrais indefinidas para funções vetoriais. Dizemos que
R(t) é uma antiderivada da função vetorial r(t) se

R0 (t) = r(t).
30

A integral indefinida de r(t) representa a classe de funções cuja derivada coincide com r(t),
isto é, ˆ
r(t) dt = R(t) + C, (1.11)

onde C é uma constante vetorial. Veja no exercı́cio a seguir a interpretação fı́sica desta
constante vetorial.

Exemplo 1.2.20. Uma partı́cula se encontra no instante de tempo t = 0 no ponto (x0 , y0 )


do plano e inicia um deslocamento com velocidade constante v(t) = (a,b) unidades de tempo
por segundo. Encontre a parametrização r(t) de sua trajetória.

Temos que v(t) = r0 (t). Devemos encontrar a função r(t) cuja derivada coincide com
v(t), isto é, ˆ ˆ
r(t) = v(t) dt = [ai + bj] dt.

A integral de funções vetoriais é calculada coordenada a coordenada, então


ˆ  ˆ 
r(t) = a dt i + b dt j = (at + C1 )i + (bt + C2 )j.

O domı́nio da função r(t) é dado por t ∈ [0, +∞). As constantes de integração C1 , C2 podem
ser obtidas da seguinte maneira: sabemos que a posição r(0) da partı́cula no instante t = 0
é dada por (x0 , y0 ), logo, usando a expressão r(t) = (at + C1 )i + (bt + C2 )j,

(x0 , y0 ) = r(0) = C1 i + C2 j.

Concluı́mos que C1 = x0 e C2 = y0 , de modo que a função r(t) é dada por

r(t) = (x0 + at)i + (y0 + bt)j, t ≥ 0.

Note que, conforme o esperado, o gráfico de r(t) consiste de uma semi-reta. . . . . . . . . . . . . .

No teorema abaixo temos versões vetoriais do Teorema Fundamental do Cálculo.


31

Teorema 1.2.21. Seja r(t) uma função vetorial contı́nua de Rn . Então:


ˆ 
d
r(t) dt = r(t),
dt

e, se R(t) é uma primitiva de r(t),


ˆ b b
0
r (t) dt = R(t) = R(b) − R(a).
a a

Se r(t) é diferenciável, então ˆ


r0 (t) dt = r(t) + C.

1.3 Comprimento de Arco

Considere uma partı́cula ou um inseto se deslocando ao longo de uma curva C parametrizada


por uma função vetorial r(t), como na Figura 1.3. Vejamos agora como podemos expressar
a distância percorrida por esta partı́cula em um intervalo de tempo [a,b]: esta quantidade é
também chamada de comprimento de arco de C de t = a até t = b. Seja r(t) = f (t)i + g(t)j,
para t ∈ [a,b], uma parametrização suave da curva C. Consideramos uma partição do
intervalo [a,b] de acordo com pontos a = t0 , t1 , . . . , tn−1 , tn = b, onde tk − tk−1 = ∆t =
(b − a)/n. Sejam P0 , P1 , . . . , Pn a imagem de cada um dos pontos da partição, isto é, Pk =
r(tk ) = (xk , yk ), t = 0, 1, . . . , n. Veja a Figura 1.15.

O comprimento de arco L de C é definido como o limite das aproximações poligonais


ilustradas pelas Figuras 1.15 e 1.16. Cada aproximação é definida pela soma do comprimento
dos segmentos Pk−1 Pk , de modo que definimos
n
X
L = lim kPk−1 Pk k. (1.12)
n→∞
k=1

Obtemos a seguir uma expressão para kPk−1 Pk k em função das funções coordenada de r(t).
p
Note que kPk−1 Pk k = (xk − xk−1 )2 + (yk − yk−1 )2 . Denotando xk − xk−1 = ∆xk e yk −
32

Figura 1.15: Definição de comprimento Figura 1.16: Definição de comprimento


de arco. de arco.

yk−1 = ∆yk , temos


q
kPk−1 Pk k = ∆x2k + ∆yk2 . (1.13)

Como r(t) = f (t)i + g(t)j, podemos escrever ∆xk = f (tk ) − f (tk−1 ). Como f é diferenciável
no intervalo [tk−1 , tk ], segue do Teorema do Valor Médio que

∆xk = f (tk ) − f (tk−1 ) = f 0 (t∗k )(tk − tk−1 ) = f 0 (t∗k )∆t, (1.14)

onde t∗k ∈ (tk−1 , tk ). Analogamente temos

∆yk = g 0 (t∗∗
k )∆t, (1.15)

onde t∗∗
k ∈ (tk−1 , tk ). Segue das Equações (1.13), (1.14) e (1.15) que
q q
kPk−1 Pk k = [f 0 (t∗k )∆t]2 + [g 0 (t∗∗
k )∆t] 2 = [f 0 (t∗k )]2 + [g 0 (t∗∗ 2
k )] ∆t.

Segue da Equação (1.12) e da definição de comprimento de arco que


n q
X
L = lim [f 0 (t∗k )]2 + [g 0 (t∗∗ 2
k )] ∆t.
n→∞
k=1

É possı́vel provar que o limite acima existe quando f 0 e g 0 são contı́nuas e, além disso,
ˆ bp
L= [f 0 (t)]2 + [g 0 (t)]2 dt.
a
33

Teorema 1.3.1. Seja C uma curva de Rn e seja r(t), para t ∈ [a,b], uma parametrização de
C cujas funções coordenadas possuem derivada contı́nua. Suponha que C é percorrida uma
única vez pela parametrização r(t). Então o comprimento de arco de C é dado por
ˆ b
L= kr0 (t)k dt.
a

Exemplo 1.3.2. Calcule o comprimento de arco da curva r(t) = 1i + t2 j + t3 k de t = 0 até


t = 1.

Temos r0 (t) = 0i + 2tj + 3t2 k, logo


p √
kr0 (t)k = 02 + (2t)2 + (3t2 )2 = 4t2 + 9t4 .

Segue do Teorema 1.5.2 que ˆ 1 √


L= 4t2 + 9t4 dt.
0

Podemos reescrever o integrando acima como


s  r
√ 2

9t 9t2
4t2 + 9t4 = 4t2 1 + = 2|t| 1 + .
4 4

Como |t| = t no intervalo de integração [0,1], temos


ˆ 1 r
9t2
L= 2t 1 + dt.
0 4
9t
Através da substituição u = 1 + 9t2 /4 =⇒ du = 2
dt concluı́mos que
3/2 1
9t2 133/2
  
42 8
L= 1+ = −1 .
93 4 0 27 8

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exemplo 1.3.3. Determine o valor da constante c de modo que comprimento de arco da


hélice r(t) = cos ti + sen tj + ctk, c > 0 de t = 0 até t = 2π seja igual a 8π.
34

Temos r0 (t) = − sen ti + cos tj + ck, logo


√ √
kr0 (t)k = sen2 t + cos2 t + c2 = 1 + c2 .

Segue do Teorema 1.5.2 que


ˆ 2π √ √
L= 1 + c2 dt = 2π 1 + c2 .
0

Temos L = 8π se e somente se
√ √ √
2π 1 + c2 = 8π ⇐⇒ 1 + c2 = 4 ⇐⇒ 1 + c2 = 16 ⇐⇒ c = ± 15.

Como c é uma constante positiva por hipótese, segue que c = 15. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 1.3.4. Explique como diferentes valores da constante c do Exemplo 1.3.3 inter-
ferem na geometria da respectiva curva.


Exercı́cio 1.3.5. Calcule o comprimento de arco da curva r(t) = et i + e−t j + 2tk de t = 0
até t = 1.

Mudança de parâmetro. Considere partı́culas que se deslocam no plano de acordo com


as funções vetoriais abaixo:

r1 (t) = ti + t2 j, t ∈ [0,1],
t t2
r2 (t) = 2
i + 4
j, t ∈ [0,2],
(1.16)
r3 (t) = 2ti + 4t2 j, t ∈ [0, 12 ],
r4 (t) = t2 i + t4 j, t ∈ [0,1].

Note que as funções componente das três funções vetoriais satisfazem a equação y = x2 , logo
r1 , r2 e r3 descrevem um pedaço desta parábola; temos ainda o ponto inicial (0,0) e ponto
final (1,1) em todos os casos. Em outras palavras, as funções vetoriais nas Equações (1.16)
representam parametrizações diferentes da mesma curva C. Mais precisamente, podemos
35

enxergar r2 (t), r3 (t) e r4 (t) como funções vetoriais obtidas a partir de r1 (t) através de uma
mudança de parâmetro: uma mudança de parâmetro em uma função vetorial r(t) é uma
mudança de variáveis t = g(τ ) que produz uma nova função vetorial r̃(τ ) = r(g(τ )) com
o mesmo gráfico, mas percorrido possivelmente de uma maneira diferente. Veja o exemplo
abaixo.

Exemplo 1.3.6. Considere a curva C com parametrização

r(t) = cos ti + sen tj + tk, t ∈ [0, 2π].

Veja a Figura 1.17. A mudança de parâmetro τ = t/2 ⇐⇒ t = 2τ fornece uma função


vetorial cuja gráfico coincide com a curva C da Figura 1.17:

r̃(τ ) = r(2τ ) = cos(2τ )i + sen(2τ )j + 2τ k, τ ∈ [0,π].

Em ambos os casos temos x2 + y 2 = 1, indicando que os pontos dos respectivos gráficos se


encontram na superfı́cie do cilindro da Figura 1.17. Além disso, em ambas parametrizações
temos ponto inicial (1,0,0) e ponto terminal (1,0,2π) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Figura 1.17: Curva C com parametrização r(t) = cos ti + sen tj + tk, t ∈ [0, 2π].

Nos encontramos então diante da seguinte pergunta: qual a diferença em um movimento


parametrizado pelas funções vetoriais r1 , . . . , r4 das Equações (1.16)? Qual a relação entre as
36

parametrizações r(t) e r̃(t) no Exemplo 1.3.6? Podemos entender esta situação da seguinte
maneira: estas funções vetoriais descrevem partı́culas em deslocamento ao longo da mesma
estrada (isto é, a mesma curva), porém com a velocidade e a aceleração evoluindo de maneira
diferentes ao longo do percurso. Observe o domı́nio das funções vetoriais nas Equações (1.16):
um domı́nio maior para a variável t pode ser interpretado como um intervalo de tempo
maior para percorrer um dado trajeto. Compreendemos melhor esta ideia com o teorema
abaixo, que fornece uma relação entre os vetores derivada (vetores velocidade) de diferentes
parametrizações de uma mesma curva.

Teorema 1.3.7. Seja r(t) uma função vetorial de Rn diferenciável com relação a t. Se
t = g(τ ) é uma mudança de parâmetro diferenciável com relação a τ , então r̃(τ ) = r(g(τ ))
é diferenciável com relação a τ e
dr̃ dr dt
= .
dτ dt dτ

dr̃ dr
O Teorema 1.3.7 relaciona, através da regra da cadeia, os vetores derivada e .
dτ dt
Estes vetores representam o vetor velocidade nas respectivas parametrizações, de modo que
dr̃
o Teorema 1.3.7 pode ser interpretado da seguinte maneira: o novo vetor velocidade é

dr dt
dado pelo vetor velocidade original multiplicado por .
dt dτ
Vejamos agora como o Teorema 1.3.7 pode ser utilizado para interpretar as funções ve-
toriais nas Equações (1.16). Reescrevemos r2 , r3 e r4 como funções de τ para compará-las
com a função vetorial r1 , como no Teorema 1.3.7:

r1 (t) = ti + t2 j, t ∈ [0,1],

τ τ2
r2 (τ ) = i + j, τ ∈ [0,2],
2 4
r3 (τ ) = 2τ i + 4τ 2 j, τ ∈ [0, 12 ],

r4 (τ ) = τ 2 i + τ 4 j, τ ∈ [0,1].
37

Podemos agora reescrever cada uma das funções vetoriais r2 (τ ), r3 (τ ) e r4 (τ ) como r1 (g(τ )):
τ dt 1
r2 (τ ) = r1 (t) t=τ /2
=⇒ t = g(τ ) = =⇒
= ,
2 dτ 2
dt
r3 (τ ) = r1 (t) t=2τ
=⇒ t = g(τ ) = 2τ =⇒ = 2,

dt
r4 (τ ) = r1 (t) t=τ 2
=⇒ t = g(τ ) = τ 2 =⇒ = 2τ.

Segue do Teorema 1.3.7 que
dr2 1 dr1 dr3 dr1 dr4 dr1
= , =2 e = 2τ .
dτ 2 dt dτ dt dτ dt
Estas equações podem ser interpretadas da seguinte maneira: uma partı́cula com desloca-
mento parametrizado por r2 (τ ) se desloca com metade da velocidade de daquela parametri-
zada por r1 (t). Analogamente, uma partı́cula com deslocamento parametrizado por r3 (τ )
tem o dobro da velocidade daquela parametrizada por r1 (t). A relação observada no caso de
r4 (τ ) pode ser interpretada de maneira semelhante.

Exemplo 1.3.8. Encontre uma mudança de parâmetro t = g(τ ) para o cı́rculo

C : r(t) = cos ti + sen tj, t ∈ [0, 2π],

tal que:

(i) o cı́rculo é percorrido no sentido anti-horário à medida que τ cresce no intervalo [0,1];

(ii) o cı́rculo é percorrido no sentido horário à medida que τ cresce no intervalo [0,2π].

(iii) o cı́rculo é percorrido no sentido horário à medida que τ cresce no intervalo [0,1].

No item (i) desejamos encontrar uma mudança de parâmetro t = g(τ ) tal que r̃1 (τ ) tenha
a mesma orientação de r(t) mas percorra o mesmo trajeto no intervalo τ ∈ [0,1]. Devemos
ter a seguinte correspondência:

t = 0 ⇐⇒ τ = 0,
t = 2π ⇐⇒ τ = 1.
38

A escolha mais simples para a função g que satisfaz essas condições é t = g(τ ) = 2πτ ,
fornecendo
r̃1 (τ ) = cos(2πτ )i + sen(2πτ )j, τ ∈ [0,1].
dt
Note que o Teorema 1.3.7 fornece neste caso = 2π, indicando que os vetores derivadas

são múltiplos positivos um do outro, indicando que possuem a mesma direção e sentido. A
dt
derivada positiva indica que t é função crescente de τ neste caso: veja a Figura ??.

No caso do item (ii) desejamos percorrer a curva com orientação contrária no mesmo
intervalo τ ∈ [0,2π]. Devemos então ter o ponto inicial de r(t) coincidindo com o ponto final
de r̃2 (τ ) e vice-versa:
t = 0 ⇐⇒ τ = 2π,
t = 2π ⇐⇒ τ = 0.
A função t = g(τ ) = 2π − τ satisfaz estas condições:

r̃2 (τ ) = cos(2π − τ )i + sen(2π − τ )j, τ ∈ [0,2π].


dt
Destacamos que neste caso temos = −1, indicando vetores velocidade com mesma direção

mas sentidos opostos (Teorema 1.3.7). Neste caso t é função decrescente de τ , como indicado
na Figura 1.18.

A parametrização r̃3 (τ ) do item (iii) pode ser obtida a partir de r̃2 (τ ), que reescrevemos
como
r̃2 (t) = cos(2π − t)i + sen(2π − t)j, t ∈ [0,2π].

por ser o “ponto de partida” de nossa mudança de parâmetro. Como desejamos percorrer a
curva no intervalo [0,1], devemos ter

t = 0 ⇐⇒ τ = 0,
t = 2π ⇐⇒ τ = 1,
de modo que escolhemos, como no item (i), a mudança de parâmetro t = g(τ ) = 2πτ aplicada
à função r̃2 (t) do item (ii), que já possui a orientação desejada:

r̃2 (t) = cos(2π − 2πτ )i + sen(2π − 2πτ )j, τ ∈ [0,1].


39

Esta mudança poderia ter sido efetuada diretamente a partir da função r(t) do enunciado
como t = g(τ ) = 2π − 2πτ = 2π(1 − τ ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Figura 1.18: Mudanças de parâmetro do Exemplo 1.3.8.

Exercı́cio 1.3.9. Considere a função vetorial r(t) = et i + 4e−t j e a função r̃(τ ) obtida pela
dr
mudança de parâmetro t = τ 2 . Calcule a derivada utilizando a regra da cadeia e compare

com o resultado obtido ao calcular a derivada diretamente após expressar r em função de τ .

Dizemos que uma mudança de parâmetro t = g(τ ) é uma mudança de parâmetro suave
dt
se r(t) suave implica em r(g(τ )) suave. Isto ocorre se é contı́nua e não nula para todos

dt
os valores de τ . Segue que a derivada apresenta um dos dois seguintes comportamentos.

dt
(i) Temos > 0 para todo valor de τ , caso em que dizemos que t = g(τ ) é uma mudança

de parâmetro positiva; neste caso a orientação da curva é mantida.
dt
(ii) Temos < 0 para todo valor de τ , caso em que dizemos que t = g(τ ) é uma mudança

de parâmetro negativa; neste caso a orientação da curva é invertida.

Comprimento de arco como parâmetro. Considere uma famı́lia está viajando de carro
ao longo de um trajeto especificado. A parametrização do deslocamento desta famı́lia associa
a cada instante de tempo t o ponto r(t) em que ela se encontra dentro de sua trajetória:

(tempo transcorrido) (localização da partı́cula)


(1.17)
t 7−→ r(t).
40

Mas podemos, no entanto, nos perguntar: onde a famı́lia se encontra depois de skm percor-
ridos? Nesta situação desejamos determinar a posição da “partı́cula” a partir da distância s
percorrida, e não a partir do tempo t transcorrido:

(distância percorrida) (localização da partı́cula)


(1.18)
s 7−→ r̃(s).

Note que em (1.18) estamos utilizando um parâmetro diferente na função vetorial: nela
estamos utilizando como parâmetro o comprimento de arco; em outras palavras, esta é a
parametrização por comprimento de arco da curva original4 .

A parametrização por comprimento de arco de uma curva qualquer do plano pode ser
definida da seguinte maneira:

1. Escolha um ponto P0 qualquer como referencial na curva (em geral o ponto inicial).

2. Dentre as direções em que uma partı́cula pode se deslocar sobre a curva a partir de P0 ,
defina uma delas como a direção positiva e a outra como a direção negativa.

3. Associe a qualquer ponto P da curva o comprimento de arco s de P0 a P ; s carregará


o sinal positivo se P se encontra na direção positiva fixada no Item 2 acima, e o sinal
negativo caso contrário.

Veja a Figura 1.19.

A seguir apresentamos um método geral para obter a parametrização de uma curva


parametrizada de acordo com o comprimento de arco. Seja C uma curva suave de Rn e
seja r(t), para t ∈ [a,b], uma parametrização suave de C. A parametrização r(t) fornece a
posição da partı́cula como função do instante de tempo t escolhido, como em (1.17). Para
obter a parametrização em (1.18), faremos uma mudança de parâmetro t = g(s) na função
4
O comprimento de arco é uma grandeza geométrica que não depende do sistema de coordenadas utilizado.
Por este motivo pode ser interessante utilizar o comprimento de arco, conforme apresentado no Teorema 1.3.1,
como parâmetro para uma curva de Rn .
41

Figura 1.19: Parametrização por comprimento de arco de uma curva qualquer.

r(t): informada a distância percorrida s, o método que apresentamos determina o instante de


tempo t = g(s) em que essa ação foi concluı́da; a substituição de t = g(s) na parametrização
original r(t) fornecerá a posição r(g(s)) = r̃(s) desejada da partı́cula.

De acordo com o procedimento ilustrado na Figura 1.19, desejamos adotar um ponto de


referência na curva para a parametrização por comprimento de arco. Sejam t = a e r(a)
respectivamente o instante de tempo e a posição referência para a nova parametrização. O
comprimento de arco s(t) de r(a) até um ponto r(t) qualquer da curva é dado pelo Teorema
1.3.1:5 ˆ t
s = s(t) = kr0 (u)k du. (1.19)
a

Esta equação já fornece uma relação entre o parâmetro s e o parâmetro t, porém na forma
s = h(t); devemos invertê-la e escrever t = g(s) para proceder como descrita acima. Veja o
Exemplo abaixo.

Exemplo 1.3.10. Obtenha a parametrização por comprimento de arco da curva paramétrica

r(t) = (1 + 2t)i + (1 + 3t)j + (6 − 6t)k, t ∈ [0,3].

adotando t = 0 como referência.


5
Não podemos utilizar a variável t como variável de integração pois ela já está sendo utilizada para
definir o intervalo [a,t] que define o arco em questão. Utilizamos aqui a variável u para percorrer este arco
na integral.
42

Calculamos, de acordo com a Equação (1.19), o comprimento de arco no intervalo [0,t]:


ˆ t ˆ tp ˆ t√
0 2 3 2
s = s(t) = kr (u)k du = 2 + 3 + (−6) du = 49 du = 7t.
0 0 0

A equação s = 7t descreve s como função de t: dado o instante de tempo t = 1, obtemos


a distância percorrida s = s(1) = 7 no intervalo de tempo [0,1]. Reciprocamente, dada
a distância percorrida s = 1, determinamos o instante de tempo correspondente através
da equação t = g(s) = s/7. Esta mudança de parâmetro fornece a parametrização por
comprimento de arco:
     
2s 3s 6s
r̃(s) = r(g(s)) = 1 + i+ 1+ j+ 6− k, s ∈ [0,21],
7 7 7

onde o intervalo [0,21] foi determinado a partir do intervalo original e a equação s = 7t: t = 3
corresponde a s = 21, indicando 21 de comprimento de arco de t = 0 a t = 3; analogamente
t = 0 corresponde a s = 0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

O Exemplo 1.3.10 ilustra como obtemos a parametrização por comprimento de arco:


utilizamos a Equação (1.19) para obter uma expressão para s em função de t; encontra-
mos a expressão equivalente t = g(s); por fim efetuamos essa mudança de parâmetros na
parametrização original r(t).

Cabe ressaltar que diferenciando a Equação (1.19) com relação a t e utilizando o Teorema
Fundamental do Cálculo obtemos uma outra forma de escrevê-la:

ds
= kr0 (t)k.
dt

A equação acima possui uma interpretação interessante no deslocamento de uma partı́cula: à


esquerda temos a taxa de variação da distância percorrida, que é dada, pela equação acima,
pela intensidade do vetor velocidade. O fato de este teorema condizer com a nossa intuição
a respeito dos deslocamentos do dia-a-dia é evidência de uma teoria sólida. Enunciamos este
resultado abaixo como um teorema devido à sua importância.
43

Teorema 1.3.11. Seja C o gráfico de uma função vetorial r(t) de Rn e seja r(a) um ponto
qualquer de C. Então a equação
ˆ t
s = s(t) = kr0 (u)k du.
a

define uma mudança de parâmetro positiva de t = g(s), onde s é o parâmetro de comprimento


de arco a partir de r(t0 ). Em particular, pelo Teorema Fundamental do Cálculo,

ds
= kr0 (t)k.
dt
Exemplo 1.3.12. Um inseto se desloca ao redor do tronco de uma árvore de acordo com a
hélice
r(t) = cos ti + sen tj + tk, t ≥ 0.

Qual a localização do inseto após uma distância percorrida de 10 unidades de comprimento?

Determinamos primeiramente a parametrização por comprimento de arco r̃(s) da curva:


a imagem r̃(10) fornece a localização do inseto após a distância percorrida de 10 unidades
de comprimento. O comprimento de arco referente ao intervalo [0,t] fornece a distância
percorrida após t unidades de tempo:
ˆ t
s = s(t) = kr0 (u)k du,
0
√ √
onde r0 (u) = − sen ui + cos uj + k. Segue que kr0 (u)k = sen2 u + cos2 u + 1 = 2 e então
ˆ t√ √
s= 2 du = t 2.
0

Podemos então escrever t = s/ 2 e concluir que a parametrização por comprimento de arco
é dada por
     
s s s s
r̃(s) = r √ = cos √ i + sen √ j + √ k, s ≥ 0.
2 2 2 2
A posição do inseto após 10 unidades de comprimento percorridas é
   
10 10 10
r̃(10) = cos √ i + sen √ j + √ k.
2 2 2
44

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exemplo 1.3.13. Encontre a parametrização por comprimento de arco da curva

r(t) = et cos ti + et sen tj, t ∈ [0,π/2],

que possua a mesma orientação e o ponto r(0) como origem.

Temos r0 (u) = (eu cos u − eu sen u)i + (eu sen u + eu cos u)j. Fatorando o termo eu em cada
uma das funções coordenada de r0 (u) obtemos

kr0 (u)k = (e2u (cos2 −2 cos u sen u + sen2 u) + e2u (cos2 +2 cos u sen u + sen2 u))1/2 ,

isto é,

kr0 (u)k = (e2u (cos2 + sen2 u + cos2 + sen2 u))1/2 = (2e2u )1/2 = eu 2.

Segue que ˆ ˆ
t
0
t √ √
s = s(t) = kr (u)k du = eu 2 du = 2(et − 1).
0 0

A mudança de parâmetros t = g(s) é obtida a partir da equação s = 2(et − 1):

s √ s
2(et − 1) ⇐⇒ √ = et − 1 ⇐⇒ et = 1 + √ ,
s=
2 2
√ √ √
ou seja, t = ln(1 + s/ 2). Como exp(ln(1 + s/ 2)) = 1 + s/ 2, temos que a parametrização
por comprimento de arco é dada por
         
s s s s
r̃(s) = 1 + √ cos ln 1 + √ i + 1 + √ sen ln 1 + √ j,
2 2 2 2

para 0 ≤ s ≤ 2(eπ/2 − 1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Parametrização por comprimento de arco e o vetor derivada. Seja r(s) a parame-


trização por comprimento de arco de uma curva. Ela pode ser vista como a parametrização
do deslocamento de uma partı́cula que, após s = t unidades de tempo, se encontra na posição
45

r(s). A definição de parametrização por comprimento de arco implica que terı́amos assim
que a distância percorrida em um intervalo de tempo seria igual ao comprimento deste in-
tervalo. Em uma situação mais simples, como no Movimento Retilı́neo Uniforme (MRU),
esta propriedade é verificada se a velocidade média Vm é igual a 1: se um objeto se desloca
com velocidade constante de 1km/h, a distância percorrida após s horas é de s quilômetros.
O Teorema 1.3.14 mostra que esse raciocı́nio se estende aos deslocamentos estudados neste
dr
texto: a intensidade constante = 1 da velocidade caracteriza as parametrizações por
ds
comprimento de arco.

Teorema 1.3.14. Seja C uma curva parametrizada por r(s), onde s é o parâmetro de
comprimento de arco. Então, para todo valor de s, o vetor tangente a C é unitário:

dr
= 1.
ds

Além disso, a parametrização por comprimento de arco é a única que possui esta propriedade
no seguinte sentido. Seja C o gráfico de uma função vetorial r(t) em Rn tal que kr0 (t)k = 1
para todo valor de t. Se t0 é um valor qualquer para o parâmetro t, então o parâmetro
s = t − t0 é o parâmetro de comprimento de arco C com origem no ponto r(t0 ).

Demonstração Demonstração : A primeira parte do teorema é provada fazendo t = s no


Teorema 1.3.11. Para provar a segunda parte do teorema, fixe um valor t = t0 qualquer
para o parâmetro t. Segue do Teorema 1.3.1 que
ˆ t
s= kr0 (u)k du
t0

define o comprimento de arco de C de r(t0 ) a r(t). Como kr0 (t)k = 1 para todo t, temos
ˆ t
s= du = t − t0 ,
t0

como gostarı́amos.
46

1.4 Campos Vetoriais

Na Seção 1.1 estudamos funções que tinham como imagem vetores, enquanto no domı́nio
tı́nhamos números reais. Nesta seção veremos o conceito de campos vetoriais, onde associ-
amos a cada ponto de Rn um vetor de Rn ; novamente nosso foco será em dimensões dois e
três. Considere as seguintes situações práticas, aplicações do conceito de campo vetorial:

(i) condições atmosféricas, como a velocidade e direção do vento (Figura 1.20)6 ;

(ii) velocidade de partı́culas de um fluido (Figuras 1.21 e 1.22).

Figura 1.20: Evolução do Furacão Katrina. Fonte: página pessoal


do Professor James R. Miller, The University of Kansas.

Nas aplicações ilustradas nas Figuras 1.20, 1.21 e 1.22 temos presente o mesmo conceito:
a cada ponto P do plano associamos um vetor F(P) que indica o deslocamento de uma
partı́cula do fluido (ar ou água) naquele ponto. Este tipo associação é chamada de campo
vetorial.

Definição 1.4.1. Seja D um conjunto qualquer de Rn . Um campo vetorial de Rn é uma


função F que associa a cada ponto P ∈ D um vetor F(P) de Rn . O conjunto D é dito
domı́nio do campo vetorial F.
6
Veja a página do Professor Miller em https://people.eecs.ku.edu/~miller/WorldWindProjects/
VectorFieldVis/index.php.
47

Figura 1.21: Simulação de um rio Figura 1.22: Correntes marı́timas na


fluindo. Fonte: página pessoal do costa oeste dos EUA. Fonte: página do
Professor Evy A. Salcedo T., Departamento de Ciências da Terra e do
Universidade Federal de Santa Catarina. Clima, San Francisco State University.

Nosso foco neste texto é em campos vetoriais de R2 e R3 . No caso de um campo vetorial


do plano, temos como imagem um vetor F(P) que possui uma abcissa e uma ordenada que
dependem do ponto P = (x,y) do domı́nio. Escrevemos então

F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j.

Cabe ressaltar que f (x,y) e g(x,y) são funções cujas imagens são números reais (coordenadas
do vetor imagem). Analogamente, um campo vetorial de R3 pode ser escrito como

F(x,y,z) = f (x,y,z)i + g(x,y,z)j + h(x,y,z)k.

Ao representar graficamente um campo vetorial, em geral escolhemos a representação do


vetor imagem F(P) com origem no ponto P. Veja os Exemplos 1.4.2 e 1.4.3.

Exemplo 1.4.2. Considere o campo vetorial

F(x,y) = yi − xj.
48

Segue a imagem de alguns pontos de R2 :

F(1,0) = −j = (0, − 1),


F(1,1) = i − j = (1, − 1),
F(0,1) = i = (1,0),
F(−1,1) = i + j = (1,1),
F(−1,0) = j = (0,1).

A Figura 1.23 mostra uma representação gráfica deste campo vetorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exemplo 1.4.3. Considere o campo vetorial

F(x,y,z) = xi − yj − zk.

Segue a imagem de alguns pontos de R3 :

F(1,0,0) = i = (1,0,0),
F(0,1,0) = −j = (0, − 1,0),
F(0,0,1) = −k = (0,0, − 1),
F(1,1,1) = i−j−k = (1, − 1, − 1),
F(−1,1,1) = −i − j − k = (−1, − 1, − 1),
F(1, − 1,1) = i+j−k = (1,1, − 1),
F(1,1, − 1) = i−j+k = (1, − 1,1).

A Figura 1.25 mostra uma representação gráfica deste campo vetorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exemplo 1.4.4. Considere uma carga elétrica Q situada na origem. De acordo com a Lei
de Coulomb, a força exercida por esta carga em uma outra carga q depende da localização
de q. Escrevemos agora, em uma notação mais concisa, x = (x,y) na definição do campo
vetorial: se q se encontra no ponto x = (x,y), então a força é dada por

kqQ
F(x) = x,
kxk3
49

onde k = 9 · 109 N·m


2
é uma constante. Para q = Q = 2 · 10−6 C temos
C2
3.6 · 10−2 3.6 · 10−2 x 3.6 · 10−2 y
   
F(x) = 2 (xi + yj) = i+ j.
(x + y 2 )3/2 (x2 + y 2 )3/2 (x2 + y 2 )3/2
Na Figura 1.24 temos ilustrado o campo vetorial F gerado: em cada ponto P do plano
esboçamos o vetor que indica a força exercida pela carga Q em uma carga q situada neste
ponto. Note que, como q e Q são positivas no nosso exemplo, a força é de repulsão. . . . . .

Figura 1.23: Campo vetorial do Exemplo Figura 1.24: Campo vetorial do Exemplo
1.4.2. 1.4.4.

Em geral, o primeiro exemplo que vemos de campo vetorial é o de campo gradiente, isto
é, o campo vetorial ∇φ(·) que associa a cada ponto x no domı́nio de uma função escalar 7 φ
o vetor gradiente ∇φ(x).

Exemplo 1.4.5. Considere a função real

φ(x,y) = x2 − y 2 .

Note que φ não é uma função vetorial pois, a cada ponto (x,y) do plano, φ associa o número
real φ(x,y) = x2 − y 2 . Por exemplo, a imagem do ponto (x,y) = (2,1) é dada pelo número
real φ(2,1) = 22 − 12 = 4 − 1 = 3. Entretanto, temos um campo vetorial associado à função
φ: o campo gradiente de φ é dado por

∇φ(x,y) = φx (x,y)i + φy (x,y)j = 2xi − 2yj.


7
Por função escalar queremos dizer aquelas que possuem como imagem um número real, e não um vetor.
50

Figura 1.25: Campo vetorial do Exemplo 1.4.3.

Veja a Figura 1.26, onde estão ilustrados o campo vetorial ∇φ e as curvas de nı́vel φ(x,y) = 1
e φ(x,y) = −1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Figura 1.26: Campo vetorial do Exemplo 1.4.5.


51

Definição 1.4.6. Um campo vetorial F de Rn é dito conservativo em uma região D ⊆ Rn


se F é o campo gradiente de alguma função real φ em D, isto é, se

F(x) = ∇φ(x),

para todo x ∈ D. Dizemos neste caso que φ é uma função potencial de F em D.


Exemplo 1.4.7. Verifique se os campos vetoriais dados possuem as respectivas funções reais
como função potencial.

(i) F(x,y) = (6xy − y 3 )i + (4y + 3x2 − 3xy 2 )j, φ(x,y) = 2y 2 + 3x2 y − xy 3 .

(ii) F(x,y) = (sen z + y cos x)i + (sen x + z cos y)j + (sen y + x cos z)j, φ(x,y,z) = x sen z +
y sen x + z sen y.

Escrevendo F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j, devemos verificar se

φx = f e φy = g.

Temos no item (i) que

∂ ∂
φx (x,y) = (2y 2 +3x2 y−xy 3 ) = 6xy−y 3 e φy (x,y) = (2y 2 +3x2 y−xy 3 ) = 4y+3x2 −3xy 2 ,
∂x ∂y

logo F(x,y) é campo conservativo com função potencial φ.

A verificação no item (ii) é análoga:


φx (x,y) = (x sen z + y sen x + z sen y) = sen z + y cos x,
∂x

φy (x,y) = (x sen z + y sen x + z sen y) = sen x + z cos y,
∂y

φz (x,y) = (x sen z + y sen x + z sen y) = x cos z + sen y.
∂z
Segue que F(x,y) é campo conservativo com função potencial φ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
52

Divergente e rotacional. Considere um campo vetorial F(x,y,z) que representa o campo


de velocidade de um fluido, como nas Figuras 1.21 e 1.22. Suponha que uma pequena
bolinha com pás se encontra em um ponto (x,y,z) com o fluido escoando por ela. É possı́vel
determinar, a partir do campo vetorial F(x,y,z), se esta bolinha entrará em um movimento
de rotação? Se sim, qual a direção e intensidade deste movimento? Estas perguntas são
respondidas com o conceito de rotacional, que introduzimos abaixo8 .

Definição 1.4.8. O rotacional de um campo vetorial F(x,y,z) = f (x,y,z)i + g(x,y,z)j +


h(x,y,z)k é definido como o vetor
     
∂h ∂g ∂f ∂h ∂g ∂f
rot F(x,y,z) = − i+ − j+ − k.
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y

O rotacional de um campo vetorial F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j é definido como o rotacional


do campo vetorial F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j + 0k.

É conveniente lembrar da expressão para o rotacional através do produto vetorial:

  i j k
∂ ∂ ∂
Em R3 : rot F = ∇ × F = , , × (f,g,h) = ∂ ∂ ∂ ,
∂x ∂y ∂z ∂x ∂y ∂z

f g h

  i j k
∂ ∂ ∂
Em R2 : rot F = ∇ × F = , , × (f,g,0) = ∂ ∂ ∂ .
∂x ∂y ∂z ∂x ∂y ∂z

f g 0

Exercı́cio 1.4.9. Calcule o rotacional do campo vetorial F(x,y) = cos(x+2y)i+sen(x−2y)j


no ponto (π/2, π/4).

Exercı́cio 1.4.10. Calcule o rotacional do campo vetorial F(x,y,z) = xzi + xyzj − y 2 k no


ponto (1,2, − 1).
8
Confira na página http://mathinsight.org/curl_idea um aplicativo sobre este conceito.
53

Considere novamente um campo vetorial que representa o campo de velocidade de um


gás. Um gás tem a propriedade de compressibilidade, isto é, ele pode se expandir ou se
comprimir. O divergente de um tal campo vetorial em um ponto (x,y,z) representa se este
fenômeno ocorre neste ponto: o divergente é positivo se o gás está se expandindo neste ponto;
se o gás está se comprimindo neste ponto, então o divergente é negativo. Veja a Figura 1.27:
as regiões em vermelho (divergente positivo) indicam pontos “fonte” do fluido, enquanto os
azuis (divergente negativo) indicam “poços”. A grandeza que traduz este comportamento é
um escalar, definido na Definição 1.4.11 abaixo.

Figura 1.27: Divergente de campo vetorial: azul para valores baixos, vermelho para os altos.

Definição 1.4.11. O divergente de um campo vetorial F(x,y,z) = f (x,y,z)i + g(x,y,z)j +


h(x,y,z)k de R3 é definido como o escalar

∂f ∂g ∂h
div F(x,y,z) = + + .
∂x ∂y ∂z

O divergente de um campo vetorial F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j de R2 é definido como o


escalar
∂f ∂g
div F(x,y,z) = + .
∂x ∂y
54

Enquanto o rotacional pode ser escrito através de um produto vetorial, podemos escrever
o divergente utilizando o produto escalar como um operador:

∂ ∂ ∂
 ∂f ∂g ∂h
Em R3 : div F = ∇ · F = ,
∂x ∂y ∂z
, · (f,g,h) = + + ,
∂x ∂y ∂z

∂ ∂
 ∂f ∂g
Em R2 : div F = ∇ · F = ,
∂x ∂y
· (f,g) = + .
∂x ∂y
Exercı́cio 1.4.12. Calcule o divergente do campo vetorial F(x,y) = cos(x+2y)i+sen(x−2y)j
no ponto (π/4, π/8).

1.5 Integrais de Linha

Considere um fio muito fino disposto no espaço cuja densidade linear de massa (massa por
unidades de comprimento) é conhecida através a função f (x,y,z). Em outras palavras, em
cada ponto (x,y,z) do fio podemos ter um material mais ou menos denso; essa densidade é
dada pelo valor de f (x,y,z). Introduzimos aqui o conceito de integral de linha de uma função
escalar f (x,y,z) através do cálculo da massa deste fio. A massa M do fio será obtida através
de um processo semelhante àquele que define as integrais definidas vistas anteriormente;
veja a Seção 1.3 e, em particular, as Figuras 1.15 e 1.16. Dividimos a curva C em pedaços
menores C1 , . . . , Cn e obtemos uma aproximação para a massa Mk de cada pedaço Ck do
fio. A soma destas aproximações resultará em uma aproximação para M que, através de um
processo de limite, se tornará cada vez mais precisa.

Suponha que C é o gráfico de uma função vetorial suave r(t) para t ∈ [a,b]. Consideramos
uma partição do intervalo [a,b] em subintervalos de acordo com os pontos

a = t0 < t1 < · · · < tn−1 < tn = b,

onde tk − tk−1 = (b − a)/n para todo k = 1, . . . , n. Os pontos Pk = r(tk ) definem uma a


partição da curva C em subarcos C1 , . . . , Ck . Seja ∆sk o comprimento do arco Ck e Mk a
55

massa de Ck . Obtemos uma aproximação para a massa Mk de Ck ao supor que a densidade


linear ao longo de Ck é constante; porém, se esta densidade em Ck varia entre, digamos, 1 e 5,
não faz sentido supor que a densidade é constante e igual a 15 ao longo de Ck . Para obter um
valor coerente na aproximação, consideramos o valor da densidade em um ponto qualquer
Pk∗ = (x∗k , yk∗ , zk∗ ) no arco Ck : isto garante que, neste caso, a aproximação de densidade
constante faz uso de um número entre 1 e 5.

A massa do arco Ck é aproximada por

Mk ≈ f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆sk .

Repetindo o mesmo argumento para a massa dos arcos C1 , C2 , . . . , Cn , obtemos a seguinte


aproximação para a massa M total do fio:
n
X n
X
M= Mk ≈ f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆sk .
k=1 k=1

Se o arco Ck é suficientemente pequeno, então a variação de densidade massa f do fio em


Ck é muito pequena. Supomos então que esta aproximação se torna cada vez mais precisa
quando n se aproxima de infinito, pois assim o comprimento ∆sk de cada arco se aproxima
de zero, e o erro cometido, portanto, também. Temos assim que
n
X
M = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆sk . (1.20)
n→∞
k=1

O limite acima define a integral de linha de f sobre C. A integral de linha de uma função
real de duas variáveis sobre uma curva plana é definida analogamente.
56

Definição 1.5.1. (i) Seja f (x,y) uma função real de duas variáveis definida sobre uma
curva suave C de R2 . A integral de linha de f sobre C é definida como
ˆ n
X
f (x,y) ds = lim f (x∗k , yk∗ )∆sk ,
C n→∞
k=1

caso o limite exista e independa da partição e dos pontos Pk∗ escolhidos.

(ii) Seja f (x,y,z) uma função real de três variáveis definida sobre uma curva suave C de
R3 . A integral de linha de f sobre C é definida como
ˆ n
X
f (x,y,z) ds = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆sk ,
C n→∞
k=1

caso o limite exista e independa da partição e dos pontos Pk∗ escolhidos.

A partir da Definição 1.5.1 podemos provar que a integral de linha fornece diretamente
o comprimento de arco da curva C.

Teorema 1.5.2. Se C é uma curva suave de Rn com comprimento L, então


ˆ
L= ds.
C

Demonstração Demonstração : Seja P0 , P1 , . . . , Pn uma partição qualquer de C como na


Definição 1.5.1. Segue diretamente da definição de ∆s1 , . . . , ∆sn que ∆s1 + · · · + ∆sn = L.
Portanto,
ˆ n
X
ds = lim ∆sk = lim L = L,
C n→∞ n→∞
k=1
como gostarı́amos.

.Obs: A integral de linha de uma função de duas variáveis f (x,y) também pode ser inter-
pretada como a área de superfı́cie de uma folha de papel em R3 situada diretamente acima
da curva C do plano xy com altura em cada ponto (x,y) da curva dada pelo gráfico de uma
função z = f (x,y). Veja a Figura 1.28. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /
57

Figura 1.28: Folha fina sobre uma curva plana C.

Cálculo de integrais de linha. O cálculo de integrais de linha não se dá usualmente pela
Definição 1.5.1. O teorema abaixo fornece um método prático para este cálculo. Não desen-
volveremos estas ideias aqui neste texto pois são bastante análogas àquelas que antecedem
o Teorema 1.3.1.

Teorema 1.5.3. (i) Seja C uma curva suave de R2 com parametrização r(t) = x(t)i +
y(t)j, para t ∈ [a,b]. Se f (x,y) é uma função contı́nua então a integral de linha de f
sobre C existe e é dada por
ˆ ˆ b
f (x,y) ds = f (x(t), y(t))kr0 (t)k dt.
C a

(ii) Seja C uma curva suave de R3 com parametrização r(t) = x(t)i + y(t)j + z(t)k, para
t ∈ [a,b]. Se f (x,y,z) é uma função contı́nua então a integral de linha de f sobre C
existe e é dada por
ˆ ˆ b
f (x,y,z) ds = f (x(t), y(t), z(t))kr0 (t)k dt.
C a

Exemplo 1.5.4. Ambas as funções vetoriais r1 (t), r2 (t) possuem mesma curva plana C
58

como gráfico: o segmento de reta com extremidades (0,0) e (1,2). Calcule a integral de linha
ˆ
[1 + xy 2 ] ds usando as parametrizações abaixo.
C

(i) C : r1 (t) = ti + 2tj, t ∈ [0,1].


(ii) C : r2 (t) = (1 − t)i + (2 − 2t)j, t ∈ [0,1].

A parametrização r(t) tem vetor derivada r01 (t) = i + 2j, logo kr01 (t)k = 5. O termo
f (x(t), y(t)) corresponde à substituição das funções coordenadas x(t),y(t) na expressão para
a função f (x,y) = 1 + xy 2 :

f (x(t), y(t)) = 1 + t · (2t)2 = 1 + 4t3 .

Segue que ˆ ˆ 1 √ √ 1 √
f (x,y) ds = (1 + 4t3 ) 5 dt = 5(t + t4 ) = 2 5.
C 0 0

Analogamente, para a parametrização r2 (t) temos r02 (t) = −i − 2j, logo kr02 (t)k = 5.
Temos

f (x(t), y(t)) = 1 + (1 − t) · (2 − 2t)2 = 1 + (1 − t)(4 − 8t + 4t2 ) = 1 + 4 − 8t + 4t2 − 4t + 8t2 − 4t3 ,

isto é, f (x(t), y(t)) = 5 − 12t + 12t2 − 4t3 . Então,


ˆ ˆ 1 √ √ 1 √
f (x,y) ds = (5 − 12t + 12t2 − 4t3 ) 5 dt = 5(5t − 6t2 + 4t3 − t4 ) = 2 5.
C 0 0

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O Exemplo 1.5.4 ilustra uma propriedade importante das integrais de linha da Definição
1.5.1: estas integrais independem da parametrização escolhida para a curva, desde que ela
seja percorrida apenas uma vez. Em particular, a integral de linha da Definição 1.5.1 não
depende da orientação da curva.

Exercı́cio 1.5.5. Calcule a integral de linha de f (x,y,z) = y sen z sobre a curva C dada por
r(t) = cos ti + sen tj + tk, t ∈ [0,2π].
59

Integrais de linha com respeito a x,y e z. Introduzimos aqui integrais de linha de uma
função escalar ao longo de uma curva com respeito a uma variável, que serão importantes
para a apresentação do conceito de integral de linha de campos vetoriais, que veremos a
seguir.

Definição 1.5.6. Seja C uma curva orientada de R2 que é o gráfico de uma função vetorial
suave r(t) e considere uma partição de C definida por pontos Pk = r(tk ) = (xk , yk ), como no
inı́cio desta seção, e seja ∆xk = xk − xk−1 , para k = 0, 1, . . . ,n. Considere também um ponto
qualquer (x∗k , yk∗ ) em cada subarco Ck . Definimos, para uma função escalar f (x,y) qualquer,
a integral de linha de f (x,y) com respeito a x ao longo de C como
ˆ
f (x,y) dx = lim f (x∗k , yk∗ )∆xk .
C n→∞

caso o limite exista. Analogamente, caso o limite exista, a integral de linha de f (x,y) com
respeito a y ao longo de C é definida como
ˆ
f (x,y) dy = lim f (x∗k , yk∗ )∆yk .
C n→∞

.Obs: Esta definição se aplica apenas a curvas orientadas pois o valor de ∆xk (e de ∆yk
dependem da orientação de C; este não é o caso de ∆sk = kPk−1 Pk k e a integral de linha da
Definição 1.5.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Estendemos a Definição 1.5.6 a curvas de R3 naturalmente. Por exemplo, a integral de


linha de f (x,y,z) com respeito a x ao longo de C é definida como
ˆ
f (x,y,z) dx = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆xk ,
C n→∞

caso o limite exista. O procedimento para o cálculo da integral acima é semelhante àquele
no Teorema 1.5.3: se r(t) = x(t)i + y(t)j + z(t)k, t ∈ [a,b], é uma parametrização de C cuja
orientação é dada pela direção crescente de t, então
ˆ ˆ b
f (x,y,z) dx = f (x(t), y(t), z(t))x0 (t) dt. (1.21)
C a
60

ˆ ˆ
2
Exercı́cio 1.5.7. Calcule as integrais de linha [1 + xy ] dx e [1 + xy 2 ] dy usando as
C C
parametrizações abaixo.

(i) C : r(t) = ti + 2tj, t ∈ [0,1].

(ii) C : r(t) = (1 − t)i + (2 − 2t)j, t ∈ [0,1].

Observe que a orientação da curva interfere no resultado das integrais de linha acima no
´
Exercı́cio 1.5.7. Já a integral de linha C f (x,y) ds calculada no Exercı́cio 1.5.4, é indepen-
dente da parametrização da curva; em particular, o resultado desta integral não depende
da orientação. Resumimos estas propriedades no teorema abaixo, onde −C indica a curva
munida da orientação oposta a uma curva C de Rn .

Teorema 1.5.8. (i) Seja C uma curva de R2 e f (x,y) uma função escalar contı́nua de
duas variáveis. Então,
ˆ ˆ ˆ ˆ
f (x,y) dx = − f (x,y) dx e f (x,y) dy = − f (x,y) dy,
−C C −C C

enquanto ˆ ˆ
f (x,y) ds = f (x,y) ds.
−C C

(ii) Seja C uma curva de R3 e f (x,y,z) uma função escalar contı́nua de três variáveis.
Então, ˆ ˆ
f (x,y,z) dx = − f (x,y,z) dx,
−C C
ˆ ˆ
f (x,y,z) dy = − f (x,y,z) dy,
−C C
ˆ ˆ
f (x,y,z) dz = − f (x,y,z) dz,
−C C

enquanto ˆ ˆ
f (x,y,z) ds = f (x,y,z) ds.
−C C
61

Nas integrais de linha de campos vetoriais que definimos a seguir consideramos integrais
de linha com respeito a variáveis diferentes combinadas em uma únicas integral:
ˆ ˆ ˆ
f (x,y) dx + g(x,y) dy = f (x,y) dx + g(x,y) dy. (1.22)
C C C

Se f e g forem funções contı́nuas, é possı́vel provar que a integral acima pode ser escrita
através de um único limite, podendo assim ser calculadas em um único passo: se C é para-
metrizada por r(t), t ∈ [a,b], então
ˆ ˆ
f (x,y) dx + g(x,y) dy = [f (x(t), y(t))x0 (t) + f (x(t), y(t))y 0 (t)] dt. (1.23)
C C

No Exercı́cio 1.5.9 abaixo calculamos a integral de linha de um campo vetorial sobre uma
curva suave por partes: se uma curva C pode ser divida em subarcos C1 , . . . , Cn , onde cada
subarco Ck é uma curva suave, dizemos que C é uma curva suave por partes. Definimos neste
caso a integral de linha sobre C, tanto de uma função escalar como de um campo vetorial,
como a soma das integrais de linha sobre os subarcos:
ˆ ˆ ˆ ˆ
= + +··· + . (1.24)
C C1 C2 Cn
ˆ
Exercı́cio 1.5.9. Calcule a integral de linha y 2 dx + x dy, onde C é a união das curvas
C
C1 e C2 , onde C1 consiste do segmento de reta de (−5, − 3) até (0,2) e C2 consiste do arco
da parábola x = 4 − y 2 de (0,2) a (−5, − 3). Veja a Figura 1.29.

Integrais de linha de campos vetoriais. Considere um carro se deslocando ao de uma


estrada em meio a ventos de alta velocidade, como descrito no começo do Capı́tulo 1. Sabendo
a direção e a velocidade do vento nos diferentes pontos do trajeto, é possı́vel determinar sua
ação sobre o deslocamento do carro? É possı́vel que a ação do vento afete o consumo de
combustı́vel neste percurso?
62

Figura 1.29: Curva suave por partes (Exemplo 1.5.9).

A força F que o vento exerce sobre o carro é descrita matematicamente através de um


campo vetorial: a cada ponto (x,y) na estrada9 associamos o vetor F(x,y), que representa a
força exercida por F no carro quando ele se encontra neste ponto. O seguinte conceito pode
estar relacionado à pergunta acima: qual o trabalho realizado pelo campo vetorial F sobre
um carro que se desloca ao longo de uma curva C de R2 ? Apresentamos a seguir a definição
de trabalho neste contexto.

O trabalho W̃ de uma força constante F̃ atuando sobre uma partı́cula que se desloca em
linha reta do ponto P ao ponto Q é definido como força vezes deslocamento, neste caso dado
pelo produto escalar
−→
W̃ = F̃ · P Q. (1.25)

O trabalho será aproximado da seguinte maneira. Particionamos a curva C em subarcos


C1 , . . . , Cn através de pontos P0 , P1 , . . . , Pn , assim como na Definição 1.5.1. Em cada subarco
Ck faremos uso de uma aproximação para o trabalho Wk que F exerce na partı́cula ao longo de
Ck de acordo com a Equação (1.25): aproximamos W3 pelo trabalho de uma força constante
ao longo de uma trajetória retilı́nea. Veja a Figura 1.30, onde a aproximação feita para W3
é destacada. Supomos que ao longo de C3 temos uma força constante e igual àquela em um
9
A estrada é representada, matematicamente, por uma curva parametrizada de R2 .
63

ponto P3∗ = (x∗k , yk∗ ) qualquer de C3 (em laranja), isto é,

F(x,y) ≡ F(x∗3 , y3∗ ) ao longo de C3 .

Aproximamos W3 pelo trabalho realizado por esta força ao longo do segmento em azul
destacado na figura, que possui o mesmo comprimento ∆s3 do arco C3 (em vermelho) e
direção tangente a C no ponto (x∗3 , y3∗ ); como a direção tangente neste ponto é dada pelo
vetor tangente unitário T(x∗3 , y3∗ ), o segmento orientado em azul é dado por ∆s3 T(x∗3 , y3∗ ).
A aproximação para o trabalho W3 pode ser então escrita como na Equação (1.25), onde
−→
F̃ = F(x∗3 , y3∗ ) e P Q = ∆s3 T(x∗3 , y3∗ ):

W3 ≈ F(x∗3 , y3∗ ) · (∆s3 T(x∗3 , y3∗ )) = F(x∗3 , y3∗ ) · T(x∗3 , y3∗ )∆s3 .

O mesmo procedimento é conduzido em cada subarco Ck . A aproximação para o trabalho


total W é obtida através da soma do trabalho realizado em cada subarco:
n
X
W ≈ F(x∗k , yk∗ ) · T(x∗k , yk∗ )∆sk . (1.26)
k=1

Figura 1.30: Aproximação para o trabalho realizado por um campo vetorial.

À medida que o procedimento é repetido para valores cada vez maiores de n, a apro-
ximação de Ck (em vermelho) pelo segmento correspondente (em azul) se torna cada vez
menos grosseira; da mesma maneira, a suposição de que F é constante ao longo deste su-
barco fornece um erro cada vez menor. Parece portanto natural apresentar a definição de
64

trabalho como o limite da aproximação (1.26) quando n se aproxima de infinito:


n
X
W = lim F(x∗k , yk∗ ) · T(x∗k , yk∗ )∆sk .
n→∞
k=1

Note que o produto escalar entre F e T pode ser escrito como uma função escalar φ(x,y) =
F(x,y) · T(x,y) para cada ponto (x,y) em C, de modo que
n
X
W = lim φ(x,y)∆sk .
n→∞
k=1

O limite acima é portanto muito semelhante àquele apresentado na Definição 1.5.1; veja a
Equação (1.20). Segue que o trabalho W como a integral de linha de F · T ao longo de C
pode ser escrito como
ˆ
W = F · T ds.
C

A integral de linha de um campo vetorial F ao longo de uma curva C é definida como


acima. Mas antes de apresentar esta definição formalmente, vejamos como podemos reescre-
ver (e calcular) esta integral de linha. Se C é parametrizada por r(t), t ∈ [a,b], então o vetor
tangente unitário T é escrito como

r0 (t)
T(t) = .
kr0 (t)k
Portanto, pelo Teorema 1.5.3,
ˆ ˆ  ˆ
r0 (t)

0
W = F · T ds = F(r(t)) · 0 kr (t)k dt = F(r(t)) · r0 (t) dt.
C C kr (t)k C
ˆ
A integral à direita é frequentemente abreviada como F · dr. Podemos ainda escrever a
C
integral acima da seguinte maneira. Se r(t) = x(t)i + y(t)j e F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j,
então
F(r(t)) = f (x(t),y(t))i + g(x(t),y(t))j e r0 (t) = x0 (t)i + y 0 (t)j,

logo
F(r(t)) · r0 (t) = f (x(t),y(t))x0 (t) + g(x(t),y(t))y 0 (t).
65

Segue da Equação (1.21) que


ˆ ˆ
0 0
W = [f (x(t),y(t))x (t) + g(x(t),y(t))y (t)] dt = f dx + g dy.
C C

Esta representação do trabalho W pode ser interpretada como a soma do trabalho realizado
pela função componente abcissa de F sobre o deslocamento no eixo x com o trabalho realizado
pela função componente ordenada de F sobre o deslocamento no eixo y.

Definição 1.5.10. Seja F um campo vetorial contı́nuo de Rn e C uma curva suave orientada
de Rn parametrizada por r(t), t ∈ [a,b]. Seja T o vetor tangente unitário a C. A integral de
linha de F sobre C é definida como
ˆ ˆ b ˆ
0
F · T ds = F(r(t)) · r (t) dt = F · dr.
C a C

Teorema 1.5.11. (i) Seja F = f (x,y)i + g(x,y)j um campo vetorial contı́nuo de R2 e C


uma curva suave orientada de R2 . Então
ˆ ˆ
F · dr = f dx + g dy.
C C

(ii) Seja F(x,y,z) = f (x,y,z)i + g(x,y,z)j + h(x,y,z)k um campo vetorial contı́nuo de R3 e


C uma curva suave orientada de R2 . Então
ˆ ˆ
F · dr = f dx + g dy + h dz.
C C

.Obs: Note que, como o vetor kTk = 1, temos

F · T = kFkkTk cos θ = kFk cos θ,

onde θ é o ângulo entre F e T. Se θ ∈ [0,π], temos:

(i) cos θ > 0 se e somente se 0 < θ < π/2;


(ii) cos θ < 0 se e somente se π/2 < θ < π;
(iii) cos θ = 0 se e somente se θ = π/2.
66

ˆ
Ao interpretar a integral de linha F · T ds como o trabalho exercido pela força F , a força
C
F contribui positiva ou negativamente para o movimento de acordo com o ângulo θ. Veja as
Figuras 1.31, 1.32 e 1.33. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

.Obs: Como T é unitário, podemos também interpretar F · T como a projeção de F sobre


a direção tangente a C. Dizemos portanto que o trabalho é, neste caso, a integral de linha
da componente tangencial de F ao longo de C. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Figura 1.31: Força F impulsionamento o deslocamento de uma partı́cula.

Figura 1.32: Força F desacelerando o deslocamento de uma partı́cula.

O cálculo das integrais de linha na Definição 1.5.10 se dá através das integrais na Definição
1.5.6: se F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j e C é uma curva de R2 parametrizada por r(t) =
67

Figura 1.33: Força F não possui componente na direção do deslocamento de uma partı́cula.

x(t)i + y(t)j, para t ∈ [a,b], então


ˆ ˆ b
F · dr = F(r(t)) · r0 (t) dt,
C a

onde
F(x(t),y(t)) = f (x(t),y(t))i + g(x(t),y(t))j.

Exemplo 1.5.12. Calcule a integral de linha de F(x,y) = xyi + yzj + zxk sobre a curva

C : r(t) = ti + t2 j + t3 k, t ∈ [0,1].

Temos ˆ ˆ 1
F · dr = F(r(t)) · r0 (t) dt,
C 0

onde r0 (t) = 1i + 2tj + 3t2 k. O termo F(r(t)) é uma simplificação da notação10

F(r(t)) = F(x(t), y(t), z(t)),

onde x(t), y(t), z(t) são as funções componente da parametrização r(t):

F(r(t)) = t · t2 i + t2 · t3 j + t3 · tk = t3 i + t5 j + t4 k.
10
No contexto do trabalho do campo vetorial F ao longo de C, o termo F(x(t), y(t), z(t)) pode ser inter-
pretado da seguinte maneira: a cada instante t da trajetória o objeto se encontra no ponto (x(t), y(t), z(t))
do espaço; a substituição dessas coordenadas na definição de F(x,y,z) fornece a força que o campo vetorial
exerce no objeto no instante t.
68

Como argumento da integral temos o produto escalar

F(r(t)) · r0 (t) = (t3 i + t5 j + t4 k) · (1i + 2tj + 3t2 k) = t3 + 2t6 + 3t6 = t3 + 5t6 .

Segue que ˆ ˆ 1 1
t4 5t7
 
3 6 1 5 27
F · dr = [t + 5t ] dt = + = + = .
C 0 4 7 0 4 7 28
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 1.5.13. Calcule a integral de linha de F(x,y) = y 2 i + xj sobre a curva C do


Exercı́cio 1.5.9.
ˆ
Exercı́cio 1.5.14. Calcule F · dr, onde F(x,y) = −yi + xj e C é a curva orientada dada.
C

(i) C : x2 + y 2 = 3, orientada no sentido horário.

(ii) C : x2 + y 2 = 3, orientada no sentido anti-horário.

(iii) C : r(t) = ti + 2tj, t ∈ [0,1].

Os itens (i) e (ii) do Exercı́cio 1.5.14 representam um caso particular do seguinte resultado.

Teorema 1.5.15. Seja F um campo vetorial contı́nuo de Rn e C uma curva orientada suave
de Rn . Então:
ˆ ˆ ˆ ˆ
F · T ds = − F · T ds e F · dr = − F · dr.
−C C −C C

1.6 Campos Vetoriais Conservativos

Considere novamente o problema de um carro se deslocando a ação de ventos de alta velici-


dade, na Seção 1.5. Em alguns casos o trabalho realizado pela ação do vento não depende
da trajetória do carro, apenas dos pontos inicial e final! Veja o exercı́cio a seguir.
69

ˆ
Exercı́cio 1.6.1. Calcule a integral de linha F · dr se F(x,y) = yi + xj e a curva C é
C
dada em cada um dos itens abaixo.

(i) O segmento de reta y = x de (0,0) a (1,1).

(ii) A parábola y = x2 de (0,0) a (1,1).

(iii) A parábola y = −x2 + 2x de (0,0) a (1,1).

As integrais de linha do Exercı́cio 1.6.1 são todas iguais a 1. Isto ocorre devido ao fato de
que o campo vetorial em questão é conservativo, isto é, F(x,y) = ∇φ(x,y), onde φ(x,y) = xy.
Nestes casos a integral de linha do campo vetorial sobre uma curva lisa é calculada de maneira
análoga àquelas de funções reais f (x) de uma variável real: se F 0 (x) = f (x), então
ˆ b
f (x) dx = F (b) − F (a).
a

Veja o teorema abaixo.

Teorema 1.6.2. Seja C uma curva lisa por partes de Rn com pontos inicial e final P e Q,
respectivamente. Se F um campo vetorial conservativo em alguma região aberta D contendo
C com função potencial φ, então
ˆ
F · dr = φ(Q) − φ(P ).
C

Em outras palavras:

(i) se P = (x0 , y0 ) e Q = (x1 , y1 ), então


ˆ
F · dr = φ(x1 , y1 ) − φ(x0 , y0 );
C

(ii) se F(x,y,z) = ∇φ(x,y,z), P = (x0 , y0 , z0 ) e Q = (x1 , y1 , z1 ), então


ˆ
F · dr = φ(x1 , y1 , z1 ) − φ(x0 , y0 , z0 ).
C
70

Demonstração Demonstração : Suponha que C é uma curva lisa parametrizada por uma
função vetorial11 r(t) = x(t)i + y(t)j, t ∈ [a,b]. Se F(x,y) = ∇φ(x,y), então F(x,y) =
φx (x,y)i + φy (x,y)j. Logo,
ˆ ˆ b ˆ b
F(x,y) · dr = φx dx + φy dy dt = φx (x(t),y(t))x0 (t) + φy (x(t),y(t))y 0 (t) dt.
C a a

Segue da regra da cadeia que


ˆ ˆ b
d
F(x,y) · dr = φ(x(t),y(t)) dt,
C a dt

e, pelo Teorema Fundamental do Cálculo,


ˆ b
F(x,y) · dr = φ(x(t),y(t)) = φ(x(b),y(b)) − φ(x(a),y(a)),
C a

onde
φ(x(b),y(b)) = φ(r(b)) = (x1 , y1 ) e φ(x(a),y(a)) = φ(r(a)) = (x0 , y0 ),

como gostarı́amos.

O Teorema 1.6.2 pode ainda ser escrito da seguinte maneira: no caso bidimensional temos
ˆ
∇φ(x,y) · dr = φ(x1 , y1 ) − φ(x0 , y0 ),
C

enquanto em R3 , ˆ
∇φ(x,y) · dr = φ(x1 , y1 , z1 ) − φ(x0 , y0 , z0 ).
C

As integrais de linha do Teorema 1.6.6 são ditas independentes de caminho, conforme definido
a seguir. Veja a Figura 1.34. Na definição abaixo consideramos regiões conexas de Rn : uma
região D ⊆ Rn é dita conexa se, dados quaisquer pontos P,Q ∈ D, existe uma curva lisa por
partes que conecta P a Q.
11
O caso em que C é uma curva lisa por partes é obtido através do mesmo argumento e a Equação 1.24.
O caso tridimensional provado analogamente.
71

n n
ˆ vetorial de R definido em uma região conexa D ⊆ R .
Definição 1.6.3. Seja F um campo
Dizemos que a integral de linha F · dr é independente de caminho se
C
ˆ ˆ
F · dr = F · dr
C1 C2

para todo par de curvas C1 , C2 lisas por partes contidas em D tais que seus pontos iniciais
e finais coincidem.

Figura 1.34: Curvas C1 , C2 , C3 com mesmos pontos inicial e final.

Exercı́cio 1.6.4. Calcule as integrais de linha do Exercı́cio 1.6.1 usando o Teorema 1.6.2.

Exercı́cio 1.6.5. Em cada um dos casos abaixo, encontre uma função real φ(x,y) tal que
∇φ = F e calcule a integral de linha de F sobre a curva indicada.

(i) F(x,y) = x2 i + y 2 j e C o arco da parábola y = 2x2 de (−1,2) a (2,8).

(ii) F(x,y) = yzi + xzj + (xy + 2z)k e C é o segmento de (1,0, − 2) a (4,6,3).

Integrais de linha ao longo de caminhos fechados. Dizemos que uma curva pa-
ramétrica C : r(t), t ∈ [a,b], é fechada se r(a) = r(b). Em outras palavras, interpretando
r(t) como o movimento de uma partı́cula em Rn no intervalo de tempo [a,b], sua trajetória
se inicia e se conclui no mesmo ponto. Veja a Figura 1.35. Segue que a integral de linha de
72

um campo vetorial conservativo F = ∇φ sobre esta curva satisfaz


ˆ
F · dr = φ(r(b)) − φ(r(a)) = 0. (1.27)
C

Com o teorema abaixo podemos dizer, num certo sentido, que a recı́proca também é verda-
deira.

Figura 1.35: Curva fechada de R2 .

Teorema 1.6.6. Seja D ⊆ Rn uma região conexa. Então as seguintes afirmações são equi-
valentes (todas verdadeiras ou todas falsas).

(i) F é campo vetorial conservativo na região D.


ˆ
(ii) F · dr = 0 para toda curva C fechada lista por partes contida em D.
C
ˆ
(iii) A integral de linha F · dr é independente de caminho.
C

Demonstração Demonstração : A demonstração deste teorema é obtida ao se provar as três


implicações abaixo:

• (i) =⇒ (ii),

• (ii) =⇒ (iii),

• (iii) =⇒ (i).
73

Assim temos que, sempre que um dos itens for verdadeiro, os outros também o serão. Em
outras palavras, as implicações acima mostra a equivalência dos itens (i), (ii) e (iii).

Já provamos que (i) =⇒ (ii) com a Equação (1.27). A fim de provar que (ii) =⇒ (iii),
considere curvas C1 , C2 com mesmos pontos inicial e final, como na Figura 1.34; provaremos
que
ˆ ˆ
F · dr = F · dr.
C1 C2

Considere a curva C = C1 ∪ (−C2 ). Então


ˆ ˆ ˆ
F · dr = F · dr + F · dr, (1.28)
C C1 −C2

onde, pela hipótese (ii), temos


ˆ ˆ ˆ ˆ
F · dr + F · dr = 0, isto é, F · dr = − F · dr.
C1 −C2 C1 −C2
ˆ ˆ
Segue do Teorema 1.5.15 que − F · dr = F · dr, então temos da Equação (1.28)
−C2 −C2
que
ˆ ˆ
F · dr = F · dr,
C1 C2

como gostarı́amos. Isto conclui a demonstração da implicação (ii) =⇒ (iii).

A implicação (iii) =⇒ (i) é mais delicada. Fixamos um ponto P0 ∈ D qualquer e


consideramos, para P ∈ D, as curvas C contidas em D com ponto inicial P0 e ponto final
ˆ
P . Todas estas curvas fornecem, pela hipótese (iii), o mesmo valor para a integral F · dr.
C
Como o ponto P0 é fixo, o valor desta integral depende apenas do ponto P escolhido. Em
outras palavras função o valor desta integral pode ser escrito como uma função real φ que
depende apenas de P :
ˆ P
φ(P ) = F · dr.
P0

É possı́vel provar que ∇φ = F, isto é, F é campo vetorial conservativo com função potencial
φ. Não daremos detalhes desta demonstração aqui, mas o leitor pode encontrá-los na Seção
15.3 do livro Cálculo Volume 2, Anton, Bivens e Davis.
74

Um teste para campos vetoriais conservativos. É importante notar que o Teorema


1.28 não fornece um método prático para verificar se um dado campo vetorial é conservativo:
não podemos esperar que seja possı́vel, por exemplo, verificar que todas as curvas fechadas
lisas por partes em uma dada região D satisfaçam a condição do item (ii). A fim de enunciar
uma caracterização de campos conservativos com fins práticos, precisamos introduzir algumas
definições. Uma curva C é dita uma curva fechada simples se intersecta a si mesma apenas
em seus extremos. Um conjunto conexo D ⊆ Rn é dito simplesmente conexo se toda curva
simples fechada contida em D envolver apenas pontos do conjunto D; em outras palavras,
uma região é simplesmente conexa se ela não contiver buracos.

Teorema 1.6.7. Sejam f (x,y) e g(x,y) funções com derivadas parciais de primeira ordem
contı́nuas em uma alguma região aberta D ⊆ R2 . Se o campo vetorial F(x,y) = f (x,y)i +
g(x,y)j é conservativo em D então, para todo (x,y) ∈ D,

∂f ∂g
= .
∂y ∂x

Reciprocamente, se D é região simplesmente conexa e a igualdade acima vale em todo ponto


(x,y) ∈ D, então F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j é um campo vetorial conservativo.

Teorema 1.6.8. Sejam f (x,y,z), g(x,y,z) e h(x,y,z) funções com derivadas parciais de
primeira ordem contı́nuas em uma alguma região aberta D ⊆ R3 . Se o campo vetorial
F(x,y,z) = f (x,y,z)i+g(x,y,z)j+h(x,y,z)k é conservativo em D então, para todo (x,y,z) ∈ D,

∂f ∂g ∂f ∂h ∂g ∂h
= , = e = .
∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y

Reciprocamente, se D é região simplesmente conexa e as igualdades acima valem em todo


ponto (x,y,z) ∈ D, então F(x,y,z) = f (x,y,z)i + g(x,y,z)j + h(x,y,z)k é um campo vetorial
conservativo.

Exercı́cio 1.6.9. Use o Teorema 1.6.7 para determinar se o campo vetorial abaixo é con-
75

servativo:
F(x,y) = (x − y)i + (y − 2)j.

Exercı́cio 1.6.10. Use o Teorema 1.6.7 para determinar se o campo vetorial abaixo é con-
servativo:
F(x,y) = (3 + 2xy)i + (x2 − 3y 2 )j.

Exercı́cio 1.6.11. Sabendo que o campo vetorial

F(x,y) = (3 + 2xy)i + (x2 − 3y 2 )j

é conservativo (Exercı́cio 1.6.10), encontre a função φ(x,y) tal que F = ∇φ e calcule a integral
ˆ
F · dr, onde C é a curva
C

C : r(t) = et sen ti + et cos tj, t ∈ [0,π].

1.7 Teorema de Green

Veremos primeiramente o enunciado do Teorema de Green e em seguida apresentamos algu-


mas aplicações. Este teorema trata de curvas fechadas C, de modo que a seguinte notação
será utilizada: frequentemente
˛ destacamos que uma integral
ˆ de linha é calculada sobre uma
curva fechada C ao escrever ao invés de simplesmente .
C C

Teorema 1.7.1. Seja R uma região plana simplesmente conexa cuja fronteira é uma curva
C fechada, simples e lisa por partes. Suponha que C é orientada no sentido anti-horário
(sentido trigonométrico). Sejam f (x,y) e g(x,y) funções contı́nuas com derivadas parciais de
primeira ordem contı́nuas em um conjunto aberto contendo R. Então,
˛ ¨  
∂g ∂f
f (x,y) dx + g(x,y) dy = − dA.
C R ∂x ∂y
76

Vejamos agora a importância (e a beleza) do Teorema de Green no cálculo do trabalho


de uma força. Vimos no Teorema 1.5.11 que o trabalho de um campo vetorial F(x,y) =
f (x,y)i+g(x,y)j ao longo de uma curva fechada orientada C parametrizada por r(t), t ∈ [a,b],
é igual a12 ˛ ˛
W = F · dr = f (x,y) dx + g(x,y) dy.
C C

Segue do Teorema de Green que é possı́vel calcular este trabalho através de uma integral
dupla sobre a região R que C delimita. O que é curioso é que o trabalho depende da ação
do campo vetorial nos pontos da trajetória da partı́cula; a integral de linha percorre toda
a trajetória e computa a contribuição de F · T ds ao longo da trajetória, conforme indicado
nas Figuras 1.31, 1.32 e 1.33. O que o Teorema de Green fornece é uma maneira de calcular
este trabalho através de uma integral dupla: é percorrida a região R que a curva delimita e
h i
∂g
o trabalho é calculado como a soma das contribuições de ∂x − ∂f
∂y
dA ao longo da região,
semelhante ao processo que apresenta o volume de um sólido como uma integral dupla.

No exemplo abaixo calculamos uma integral de linha ao longo de uma curva fechada que
representa o trabalho W do campo vetorial F(x,y) = x2 yi + xj ao longo da curva dada.
˛
Exemplo 1.7.2. Calcule a integral de linha x2 y dx + x dy ao longo do triângulo C com
C
vértices (0,0), (1,0), e (1,2) com orientação definida pela ordem dada dos vértices.

A integral de linha do enunciado pode ser identificada com aquela no enunciado do


Teorema de Green: ˛ ˛
2
x y dx + x dy = f (x,y) dx + g(x,y) dy,
C C

onde f (x,y) = x2 y e g(x,y) = x. Estas funções satisfazem as hipóteses do Teorema 1.7.1,


assim como o triângulo do enunciado. Segue do Teorema 1.7.1 que
˛ ¨   ¨
2 ∂g ∂f
1 − x2 dA.
 
x y dx + x dy = − dA =
C R ∂x ∂y R

12
Lembre que temos a garantia que esta integral é nula apenas no caso em que F é campo vetorial
conservativo (Teorema 1.6.6).
77

A região R (Figura 1.36) pode ser descrita como

R = {(x,y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 1, 0 ≤ y ≤ 2x}.

Logo,
˛ ˆ 1 ˆ 2x ˆ 1 y=2x ˆ 1
2
1 − x2 dy dx = 2
2x − 2x3 dx.
    
x y dx + x dy = y−x y dx =
C 0 0 0 y=0 0

Segue que ˛  x=1


x4

2 2 1 1
x y dx + x dy = x − =1− = .
C 2 x=0 2 2
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Figura 1.36: Região R do Exemplo 1.7.2.

Note que a integral dupla utilizada acima na resolução do Exemplo 1.7.2 não leva em
conta a orientação da curva: regiões planas não possuem orientação. E se considerássemos
a curva C1 com orientação contrária? O resultado da integral seria diferente, conforme
enunciado no Teorema 1.5.15. O cuidado que devemos tomar é com a seguinte hipótese
do Teorema de Green (Teorema 1.7.1): podemos aplicar diretamente o Teorema de Green
apenas a curvas orientadas no sentido anti-horário.
˛
Exemplo 1.7.3. Calcule a integral de linha x2 y dx + x dy ao longo do triângulo C1 com
C1
vértices (0,0), (1,0), e (1,2) com orientação oposta àquela definida pela ordem dada dos
vértices.
78

Esta integral de linha é igual àquela calculada no Exemplo 1.7.2, porém a curva possui
orientação horária. O Teorema de Green pode ainda ser utilizado, mas o resultado da integral
deve ser multiplicado por −1:
˛ ¨
2
1 − x2 dA,
 
x y dx + x dy = −
C1 R

onde R é a região plana delimitada pelo triângulo C1 . Este triângulo coincide com aquele
considerado no Exemplo 1.7.2, logo
˛
1
x2 y dx + x dy = − .
C1 6

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

.Obs: É importante notar que nos Exemplos 1.7.2 e 1.7.3 o cálculo direto das respectivas
integrais de linha pelas Equações (1.24) e 1.21) deve ser feito em três partes, parametrizando
três curvas suaves diferentes. O Teorema de Green fornece uma método mais rápido para
o a resolução, pois a região delimitada pelo triângulo é facilmente descrita em uma integral
dupla. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Exercı́cio 1.7.4. Calcule o trabalho do campo vetorial F(x,y) = xi + (x3 + 3xy 2 )j ao longo
da curva C dada pela trajetória de uma partı́cula que inicia seu deslocamento no ponto
(−2,0), chega ao ponto (2,0) em linha reta e retorna ao ponto inicial através do gráfico da

função y = 4 − x2 .

Vejamos agora uma outra aplicação do Teorema de Green: o cálculo de áreas. Nos
Exemplos 1.7.2 e 1.7.3 tı́nhamos em mãos o trabalho que deveria ser calculado como uma
integral de linha e, através do Teorema de Green, podemos calculá-lo como uma integral
dupla. Temos agora a situação oposta: a área de uma região plana é calculada, a princı́pio,
por uma integral dupla; o Teorema de Green nos permite realizar este cálculo através de
uma integral de linha.
79

Pense na seguinte situação. Para determinar a área de um pasto retangular, grosseira-


mente falando, um fazendeiro pode cobrir a área do pasto com azulejos de 1m2 : o número
total de azulejos será igual a área do pasto. Alternativamente, ele pode percorrer a cerca
que delimita o pasto, se certificando de que é de fato um retângulo e anotando suas medidas;
o produto delas fornecerá a área. O Teorema de Green fornece esta alternativa: ao invés
de percorrer a região inteira do pasto para calcular a sua área (integral dupla), podemos
resolver o problema ao simplesmente percorrer a cerca que o delimita (integral de linha).

Vejamos mais precisamente como realizar o cálculo da área A(R) de uma região plana R
do plano cartesiano através de uma integral de linha. Podemos escrever A(R) como13
¨
A(R) = 1 dA.
R

Temos esta integral dupla no enunciado do Teorema de Green no caso em que f (x,y) = 0 e
g(x,y) = x:
¨   ¨
∂g ∂f
f (x,y) = 0 e g(x,y) = x =⇒ − dA = 1 dA = A(R). (1.29)
R ∂x ∂y R

Analogamente, se f (x,y) = −y e g(x,y) = 0,


¨   ¨
∂g ∂f
f (x,y) = −y e g(x,y) = 0 =⇒ − dA = − (−1) dA = A(R). (1.30)
R ∂x ∂y R
˜ h ∂g ∂f i
Pelo Teorema de Green podemos escrever a integral dupla R ∂x − ∂y dA como uma in-
tegral de linha sobre C. Segue da Equação (1.29) que
˛ ¨
f (x,y) = 0, g(x,y) = x =⇒ x dy = 1 dA = A(R),
C R

e, pela Equação (1.30),


˛ ¨
f (x,y) = −y, g(x,y) = 0 =⇒ (−y) dx = − (−1) dA = A(R).
C R
13
˜
A motivação original para a integral dupla
f (x,y) dA é o cálculo do volume entre o gráfico de f e o
R
˜
plano xy, diretamente acima de R. A integral dupla R 1 dA corresponde ao volume do prisma de base R
e altura 1. Seu volume, dado por área da base vezes a altura, coincide com o valor da área que desejamos
calcular.
80

˛ ˛
Somando as equações x dy = A(R) e (−y) dx = A(R) obtemos uma outra expressão
C C
para a área A(R):
˛ ˛
1
x dy − y dx = 2A(R), isto é, A(R) = x dy − y dx.
C 2 C

Provamos acima que a área de uma região plana R pode ser calculada como uma integral de
linha ao longo de sua fronteira C:
˛ ˛ ˛
1
A(R) = x dy = − y dx = x dy − y dx. (1.31)
C C 2 C
Para calcular a área de uma região qualquer uma das três integrais de linha acima pode ser
utilizada.
x2 y 2
Exercı́cio 1.7.5. Calcule a área delimitada pela elipse + 2 = 1.
a2 b

Teorema de Green para regiões multiplamente conexas. Uma região plana é dita
multiplamente conexa se contiver um ou mais buracos, como na Figura 1.37. Veremos agora
como a integral dupla sobre R pode ser escrita através de uma integral de linha através do
Teorema de Green. Considere cortes na região R que dividam esta região em duas regiões
R1 e R2 , como na Figura 1.37. Sejam ∂R, ∂R1 e ∂R2 as fronteiras de R, R1 e R2 munidas
de orientação positiva, como indicado na Figura 1.37. A integral dupla sobre R pode ser
escrita como a soma das integrais duplas sobre R1 e R2 :
ˆ ˆ ˆ
dA = dA + dA.
R R1 R2

As regiões R1 e R2 são regiões simplesmente conexas, onde podemos aplicar o Teorema de


Green diretamente:
¨   ˛
∂g ∂f
− dA = f (x,y) dx + g(x,y) dy,
R1 ∂x ∂y ∂R1

e ¨   ˛
∂g ∂f
− dA = f (x,y) dx + g(x,y) dy,
R2 ∂x ∂y ∂R2
81

Note que temos acima as integrais de linha ao longo de cada corte com orientações opostas.
A soma destes pares de integrais de linha é zero, logo, se C1 representa a a fronteira externa
de R com orientação positiva e C2 representa a fronteira interna com orientação negativa,
temos ˆ ˛ ˛
dA = f (x,y) dx + g(x,y) dy + f (x,y) dx + g(x,y) dy.
R C1 C2

Frequentemente enfatizamos na notação a orientação da curva:


ˆ ‰ 
dA = f (x,y) dx + g(x,y) dy + f (x,y) dx + g(x,y) dy. (1.32)
R C1 C2

Uma extensão deste resultado pode ser obtida para regiões com dois ou mais buracos.

C1
R1

R
C2
R2

Figura 1.37: Região plana multiplamente conexa.


CAPÍTULO 2

SUPERFÍCIES PARAMETRIZADAS E
INTEGRAIS DE SUPERFÍCIE

2.1 Superfı́cies Parametrizadas

Vimos na Seção 1.2 que uma função vetorial

r(t) = x(t)i + y(t)j + z(t)k

tem como gráfico uma curva em R3 . Vejamos agora que tipo de figura uma função de duas
variáveis
r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k (2.1)

descreve no espaço. Na função acima temos um ponto ou um vetor x(u0 ,v0 )i + y(u0 ,v0 )j +
z(u0 ,v0 )k de R3 associado a cada ponto (u0 ,v0 ) em um certo conjunto D do plano uv. Se

82
83

fixarmos u = u0 , temos v como a única variável na Equação (2.1), que descreve agora uma
curva:

r̃(v) = r(u0 ,v) = x(u0 ,v)i + y(u0 ,v)j + z(u0 ,v)k

= x̃(v)i + ỹ(v)j + z̃(v)k.

Veja a Figura 2.1. Conforme variamos o valor de u0 , a curva correspondente de R3 (em


laranja na Figura 2.1) se desloca, de modo que a união destas curvas forma uma superfı́cie
S de R3 . Analogamente, a superfı́cie S pode ser descrita como a união de todas as curvas
definidas por v = v0 :

r̂(u) = r(u,v0 ) = x(u,v0 )i + y(u,v0 )j + z(u,v0 )k

= x̂(u)i + ŷ(u)j + ẑ(u)k.

r(u,v)

Figura 2.1: Parametrização de uma superfı́cie S : r(u,v).


84

Definição 2.1.1. Seja r(u,v) = x(u,v)i+y(u,v)j+z(u,v)k uma função vetorial de R3 definida


em um conjunto D do plano uv. O conjunto de pontos (x,y,z) ∈ R3 tais que

x = x(u0 ,v0 ), y = y(u0 ,v0 ) e z = z(u0 ,v0 )

para algum (u0 ,v0 ) ∈ D é dito uma superfı́cie parametrizada de R3 . As equações x = x(u,v),
y = y(u,v) e z = z(u,v) são ditas as equações paramétricas de S.

Definição 2.1.2. Seja S : r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k, (u,v) ∈ D, uma superfı́cie
parametrizada de R3 . A curva Cu=u0 dada por

Cu=u0 = r(u0 ,v) = x(u0 ,v)i + y(u0 ,v)j + z(u0 ,v)k,

para (u0 ,v) ∈ D, é dita a curva de u constante u = u0 . A curva Cv=v0 dada por

Cv=v0 = r(u,v0 ) = x(u,v0 )i + y(u,v0 )j + z(u,v0 )k,

para (u,v0 ) ∈ D, é dita a curva de v constante v = v0 .

Gráfico de uma função escalar de duas variáveis. A primeira parametrização de


superfı́cies que usualmente vemos nos cursos de cálculo é o gráfico de uma função z = f (x,y)
de duas variáveis: as equações

x = u, y=v e z = f (u,v)

satisfazem a Definição 2.1.1. Como exemplo, note que as equações

x = u, y=v e z = 3 − u2 − v 2 , (2.2)

são equivalentes a z = 3 − x2 − y 2 , a equação de um paraboloide. Por outro lado, as equações


acima satisfazem a Definição 2.1.1, isto é, descrevem o paraboloide como uma superfı́cie
parametrizada. Veja a Figura 2.2, onde esboçamos o paraboloide de acordo com as equações
85

acima para (u,v) ∈ [−2,2] × [−2,2]. Note que na parametrização (2.2) a equação u = u0 é
equivalente a x = u0 ; a curva corresponde é dada pela interseção da superfı́cie com o plano
u = u0 ; a curva v = v0 em (2.2) é definida de maneira semelhante.

r(u,v)

Figura 2.2: Parametrização de um paraboloide em coordenadas cartesianas.

No Exemplo 2.1.3 temos exemplificado que uma mesma superfı́cie pode ser descrita
através de parametrizações diferentes. Neste exercı́cio utilizamos coordenadas cilı́ndricas
para parametrizar o paraboloide da Equação (2.2).

Exemplo 2.1.3. Verifique que as equações

x = v cos u, y = v sen u e z = 3 − v 2 ,

fornecem uma outra parametrização para o paraboloide da Equação (2.2).

Considere a Equação (2.2) e considere o sistema de coordenadas polares no plano xy:

x = r cos θ, y = r sen θ.

Para manter a notação da Definição 2.1.1, consideramos r = v e u = θ,

x = v cos u, y = v sen u, z = 3 − v 2 cos2 u − v 2 sen2 u,


86

onde z = 3 − v 2 cos2 u − v 2 sen2 u = 3 − v 2 (cos2 u + sen2 u) = 3 − v 2 .

Note que as curvas dadas por u = u0 e v = v0 são distintas daquelas fornecidas pela
parametrização em coordenadas cartesianas. Na parametrização acima, u = u0 corresponde
a θ = u0 : isto define um plano vertical que forma um ângulo θ com o plano xz e a curva
corresponde é dada pela interseção deste plano com a superfı́cie. Já a equação v = v0
corresponde agora a r = v0 : fixamos assim a distância v0 à origem no plano xy: vemos assim
as curvas de v constante como cı́rculos com centro no eixo z. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

r(u,v)

Figura 2.3: Parametrização de um paraboloide em coordenadas cilı́ndricas.

Exemplo 2.1.4. Verifique que as equações

x = a sen v cos u, y = a sen v sen u e z = a cos v, (u,v) ∈ [0,2π] × [0,π],

fornecem a parametrização de uma esfera de raio a.

Note que se um ponto (x,y,z) do espaço satisfaz as equações acima, então

x2 + y 2 + z 2 = (a sen v cos u)2 + (a sen v sen u)2 + (a cos v)2

= a2 sen2 v(cos2 u + sen2 u) + a2 cos2 v = a2 sen2 va2 cos2 v,


87

isto é, x2 +y 2 +z 2 = a2 . Isto prova que as equações dadas fornecem pontos contidos na esfera
de centro (0,0,0) e raio a. Mais ainda, as equações coincidem com aquelas de mudanças de
coordenadas esférias (ρ, θ, φ), onde ρ = a, θ = u e φ = v. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

r(u,v)

Figura 2.4: Parametrização de uma esfera.

Exemplo 2.1.5. Verifique que as equações

x = a cos u, y = a sen u, z = v,

fornecem a parametrização de um cilindro.

Note que as equações acima fornecem x2 + y 2 = a2 ; logo os pontos da superfı́cie se


encontram na direção desta circunferência do plano xy, isto é, estão contidos no cilindro de
mesma equação. Mais ainda, as equações acima coincidem com as equações de mudança de
coordenadas cilı́ndricas (r,θ,z) com r = a, θ = u e z = v.

A curva de v constante v = v0 é dada pela interseção do plano z = v0 com a superfı́cie:


isto define uma circunferência a altura v0 do plano xy. Já a curva de u constante u = u0 é
equivalente a θ = u0 ; a interseção do plano vertical correspondente com a superfı́cie fornece
uma reta vertical. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
88

r(u,v)

Figura 2.5: Parametrização de um cilindro.

Superfı́cies de revolução. Considere a superfı́cie S obtida pela revolução de uma curva


y = f (x), x ∈ [a,b], em torno do eixo x. É possı́vel prova que S é parametrizada por

x = u, y = f (u) cos v e z = f (u) sen v, (u,v) ∈ [a,b] × [0,2π]. (2.3)

Veja a Figura 2.6.

Figura 2.6: Parametrização de uma superfı́cie de revolução.

Exemplo 2.1.6. Obtenha uma parametrização da superfı́cie S obtida através da revolução


da reta y = 1, x ∈ [a,b] em torno do eixo x.

Segue das Equações (2.3) com y = f (x) = 1 que

x = u, y = cos v e z = sen v, (u,v) ∈ [a,b] × [0,2π]

fornecem uma parametrização do cilindro. Note que estas equações coincidem com as
89

equações de mudanças de coordenadas cilı́ndricas no caso em que adotamos as coordena-


das polares no plano yz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 2.1.7. Obtenha uma parametrização da superfı́cie S obtida através da revolução


de x = e−y em torno do eixo y.

Figura 2.7: Revolução de x = e−y em torno do eixo y.

Derivadas parciais de parametrizações de superfı́cies. Seja r(u,v) uma função veto-


rial de duas variáveis. Definimos as derivadas parciais de r de maneira análoga às derivadas
parciais de uma função real:
∂r r(u0 + h,v0 ) − r(u0 ,v0 )
(u0 ,v0 ) = lim ,
∂u h→0 h
(2.4)
∂r r(u0 ,v0 + h) − r(u0 ,v0 )
(u0 ,v0 ) = lim ,
∂v h→0 h
caso os limites existam. É possı́vel provar que as derivadas parciais acima podem ser calcu-
ladas coordenada a coordenada: se r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k, então
∂r ∂x ∂y ∂z
= i+ j+ k,
∂u ∂u ∂u ∂u
(2.5)
∂r ∂x ∂y ∂z
= i+ j+ k.
∂v ∂v ∂v ∂v
Vejamos agora a interpretação geométrica das derivadas parciais definidas acima. Assim
como no cálculo de funções reais, as Equações (2.4) mostram que ao calcular a derivada
90

parcial de r(u,v) em relação a u estamos mantendo variável v = v0 fixa e considerando


apenas u como uma variável. Este procedimento define a curva Cv=v0 de v constante v = v0 ,
parametrizada por r̂(u) = r(u,v0 ). A derivada parcial ru (u0 ,v0 ) coincide com a derivada da
função r̂(u); segue do conteúdo visto na Seção 1.2 que a derivada parcial ru (u0 ,v0 ) fornece
o vetor tangente à curva de v constante v = v0 no ponto (u0 ,v0 ). Analogamente, a derivada
parcial rv (u0 ,v0 ) fornece o vetor tangente à curva de u constante u = u0 no ponto (u0 ,v0 ).
Veja a Figura 2.8.

Figura 2.8: Vetores ru e rv e as curvas de u e v constante correspondentes.

Vetores derivada no caso de uma função escalar de duas variáveis. Na Figura


2.8 acima temos ilustrados os vetores ru e rv no caso da parametrização por coordenadas
cilı́ndricas de um paraboloide (Exemplo 2.1.3). No entanto, o exemplo mais simples de
vetores derivadas parciais na parametrização de uma superfı́cie é o caso da parametrização
por coordenadas cartesianas; veja a Equação (2.2). Neste caso, onde a função (x,y,z) = r(u,v)
definida por
x = u, y=v e z = f (u,v),

temos pelas Equações (2.5) que as derivadas parciais da parametrização satisfazem ru =


(1,0,fu ) e rv = (0,1,fv ). Este vetores indicam a inclinação da reta tangente ao gráfico da
91

função z = f (x,y) nas direções do eixos x e y, conforme estudado no cálculo de funções reais.
Veja a Figura 2.9.

Figura 2.9: Vetores ru = (1,0,fu ) e rv = (0,1,fv ) no caso da Equação (2.2).

π π

Exemplo 2.1.8. Calcule os vetores ru e rv no ponto (u,v) = ,
4 2
no caso da superfı́cie
parametrizada do Exemplo 2.1.4.

Temos
r(u,v) = a sen v cos ui + a sen v sen uj + a cos vk,

logo
ru (u,v) = −a sen v sen ui + a sen v cos uj + 0k,
rv (u,v) = a cos v cos ui + a cos v sen uj − a sen vk.
Segue que
√ √
π π 2 2

ru ,
4 2
= −a 2
i +a 2
j + 0k,
π π

rv ,
4 2
= 0i + 0j − ak.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Planos tangentes a superfı́cies parametrizadas. Assim como no cálculo de funções


reais, desejamos aqui também definir o conceito de plano tangente a uma superfı́cie parame-
trizada. Este conceito será muito importante nas integrais de área e de fluxo que veremos a
92

Figura 2.10: Vetores ru e rv do Exemplo 2.1.8.

seguir. Lembramos que se π é um plano que contém o ponto (x0 ,y0 ,z0 ) e tem vetor normal
(a,b,c), então π tem equação

(a,b,c) · (x − x0 , y − y0 , z − z0 ) = 0.

Desenvolvendo este produtor escalar obtemos uma equação da forma ax + by + cz + d = 0.


A fim de seguir este raciocı́nio para definir o plano tangente a uma superfı́cie parametrizada
em um ponto P0 = r(u0 ,v0 ), observamos que o ponto P0 = (x0 , y0 , z0 ) é um ponto conhecido
do plano; resta apenas definir o que seria, neste caso, o vetor normal ao plano tangente a
uma superfı́cie parametrizada em um ponto P0 .

Observe a Figura 2.11, onde temos esboçado o plano tangente (em azul claro) à superfı́cie
no ponto P0 (em roxo). Na figura temos destacadas em laranja e verde as curvas definidas
respectivamente por v = v0 e u = u0 . Os vetores ru (u0 ,v0 ) e rv (u0 ,v0 ) estão destacados na
mesma cor em que o plano tangente está esboçado, uma vez que estes vetores são paralelos ao
plano tangente. Segue que um vetor n normal a ru (u0 ,v0 ) e rv (u0 ,v0 ) será normal ao plano
tangente também. Sabemos dos conceitos de Geometria Analı́tica que o produto vetorial
ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 ) é simultaneamente ortogonal aos vetores ru (u0 ,v0 ) e rv (u0 ,v0 ). Isto
motiva a definição a seguir.
93

.Obs: O raciocı́nio acima se aplica apenas a pontos onde o produto vetorial ru × rv é não
nulo. Superfı́cies paramétricas S : ru × rv que possuem derivadas parciais contı́nuas e tais
que ru × rv 6= 0 são ditas superfı́cies paramétricas lisas ou suaves; tais superfı́cies possuem
plano tangente bem definido em todo ponto (u,v) do seu domı́nio de parametrização. . . . ./

Figura 2.11: Plano tangente a uma superfı́cie e vetor normal ru × rv .

Definição 2.1.9. Seja S : r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k uma superfı́cie parametrizada
e P0 = r(u0 ,v0 ) = (x0 ,y0 ,z0 ) um ponto qualquer de S. Se ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 ) 6= 0, definimos
o plano tangente a S em P0 como o plano que contém o ponto P0 e é normal ao vetor

i j k
ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 ) = xu yu zu .
xv yv zv

Em particular, o plano tangente possui equação

(ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 )) · (x − x0 , y − y0 , z − z0 ) = 0.

Cabe ressaltar que, tipicamente, ao calcular a equação do plano tangente a uma superfı́cie
S : r(u,v) em um certo ponto, calculamos primeiramente o produto vetorial ru (u0 ,v0 ) e em
94

seguida, já utilizando os valores numéricos de (x0 ,y0 ,z0 ), calculamos o produtor escalar na
Definição 2.1.9.

Como o vetor ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 ) é normal ao plano tangente à superfı́cie S : r(u,v) em
P0 = r(u0 ,v0 ), dizemos que ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 ) é normal à superfı́cie S neste ponto. No
entanto, reservamos daqui em diante a notação n para o vetor normal unitário principal,
definido a seguir.

Definição 2.1.10. Seja S : r(u,v) = x(u,v)i+y(u,v)j+z(u,v)k uma superfı́cie parametrizada


e P0 = r(u0 ,v0 ) = (x0 ,y0 ,z0 ) um ponto qualquer de S. Se ru (u0 ,v0 ) × rv (u0 ,v0 ) 6= 0, definimos
o vetor normal unitário principal à superfı́cie S em P0 como o vetor

ru × rv
n = n(u,v) = .
kru × rv k
.Obs: No cálculo da equação do plano tangente podemos utilizar qualquer vetor normal à
superfı́cie, não necessariamente o vetor normal unitário principal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Exemplo 2.1.11. Calcule a equação do plano tangente à superfı́cie do Exemplo 2.1.4 no


ponto P0 = r π4 , π2 .


Vimos no Exemplo 2.1.8 que


√ √
π π 2 2

ru ,
4 2
= −a 2
i +a 2
j + 0k,
π π

rv ,
4 2
= 0i + 0j − ak.
O vetor normal ao plano tangente é dado portanto por

i j k √ √
π π  π π  2 2 2
√ √
2
ru , × rv , = −a 2
a 2
0 = −a i−a j + 0k.
4 2 4 2 2 2 2 2
0 0 −a
π π

Obtemos as coordenadas do ponto P0 = r ,
4 2
diretamente a partir da parametrização
r(u,v), isto é, x = a sen v cos u, y = a sen v sen u e z = a cos v:
π  π  π  π  π 
x = a sen cos , y = a sen sen e z = a cos ,
2 4 2 4 2
95

√ √
2 2
isto é, P0 = (a 2
, a 2
, 0). Segue da Definição 2.1.9 que a equação do plano tangente é dada
por
" √ √ # " √ ! √ ! #
2 2 2 2
−a2 i − a2 j + 0k · x−a i+ y−a j + (z − 0)k = 0,
2 2 2 2

isto é, √ √ √ √
2 2 a3 2 2 a3 2 2 2 2
−a x+ −a y+ = 0 ⇐⇒ a x+a y − a3 = 0.
2 2 2 2 2 2
√ √
Multiplicando a equação acima por 2/a2 obtemos a equação x + y = a 2. . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 2.1.12. Calcule a equação do plano tangente à superfı́cie S parametrizada por

x(u,v) = u2 , y(u,v) = v 2 , z(u,v) = u + 2v,

no ponto (1,1, − 3).

2.2 Áreas e Integrais de Superfı́cie

Considere o problema de determinar a área de superfı́cie de uma lâmina disposta no espaço


de acordo com uma superfı́cie S parametrizada pela função r(u,v), para (u,v) ∈ D. Por sim-
plicidade, suponha inicialmente que D é um retângulo [a,b] × [c,d]. Dividimos a superfı́cie Sk
em regiões menores da seguinte maneira: consideramos (Figura 2.12) partições dos intervalos
[a,b] e [c,d] de modo a dividir a região D em n retângulos menores R1 , . . . , Rn ; A imagem
de cada um dos retângulos Rk define uma região Sk em S. Temos dessa maneira que a área
A(S) de S é igual a soma A(Sk ) das áreas dessas regiões:
n
X
A(S) = A(Sk ).
k=1

A área de Sk é aproximada pela área do paralelogramo definido pelo vetores ru (uk ,vk )∆u e
rv (uk ,vk )∆v; veja a Figura 2.13. Note que este paralelogramo está contido no plano tangente
96

r(u,v)

Figura 2.12: Elemento da partição de D e a sua imagem em S.

Figura 2.13: Paralelogramo de área kru ∆u × rv ∆vk como aproximação para a área de Sk .

à superfı́cie no ponto r(uk ,vk ). A área deste paralelogramo é dada pela norma do produto
vetorial dos vetores que o definem, de modo que

A(Sk ) ≈ k(ru ∆u) × (rv ∆v)k. (2.6)

Segue que a área da superfı́cie S pode ser aproximada por


n
X n
X n
X
A(S) = A(Sk ) ≈ k(ru ∆u) × (rv ∆v)k = kru × rv k∆u∆v.
k=1 k=1 k=1
97

O produto ∆u∆v representa a área de um dos retângulos da Figura 2.13 que, por construção,
possuem a mesma área. Denotando ∆A = ∆u∆v temos
n
X
A(S) ≈ kru × rv k∆A.
k=1

Quando o número n de retângulos se torna cada vez maior e a área dos retângulos Rk se
aproxima de zero e o erro cometido pela aproximação na Figura 2.13 se torna cada vez menor.
É razoável portanto escrever a área de superfı́cie de S como
n
X
A(S) = lim kru × rv k∆A.
n→∞
k=1

Note que o somatório acima é análogo àquele que define uma integral dupla: a norma kru ×rv k
do produto vetorial acima é um número real que depende do ponto (u,v) escolhido em D,
logo, ao denotar f (u,v) = kru × rv k, obtemos
Xn ¨ ¨
A(S) = lim f (u,v)∆A = f (u,v) dA = kru × rv k dA.
n→∞ D D
k=1

Apresentamos a seguir a definição de área de superfı́cie para superfı́cies paramétricas suaves,


isto é, superfı́cies S munidas de uma parametrização r(u,v) tal que ru e rv são contı́nuas e
ru × rv 6= 0 para todo (u,v) ∈ D.

Definição 2.2.1. Seja S : r(u,v), (u,v) ∈ D, uma superfı́cie paramétrica suave. Suponha
que r(u,v) é injetiva no interior de D. Definimos a área de superfı́cie de S como
¨
A(S) = kru × rv k dA,
D

caso o limite exista e seja independente da partição de D escolhida.


Exemplo 2.2.2. Calcule a área de superfı́cie da esfera de raio a > 0 parametrizada por

x = a sen v cos u, y = a sen v sen u, z = a cos v, (u,v) ∈ [0,2π] × [0,π].

Temos ¨
A(S) = kru × rv k dA,
D
98

onde
ru (u,v) = −a sen v sen ui + a sen v cos uj + 0k,
rv (u,v) = a cos v cos ui + a cos v sen uj − a sen vk.
Logo,
i j k
ru × rv = −a sen v sen u a sen v cos u 0 ,
a cos v cos u a cos v sen u a sen v
isto é,

ru × rv = a2 sen2 v cos ui + a2 sen2 v sen uj + (−a2 sen v cos v sen2 u − a2 sen v cos v cos2 u)k

Segue que
ru × rv = a2 sen2 v cos ui + a2 sen2 v sen uj − a2 sen v cos vk

logo,
1/2
kru × rv k = a4 sen4 v cos2 u + a4 sen4 v sen2 u + a4 sen2 v cos2 v .

Usando sucessivamente a identidade trigonométrica fundamental cos2 θ + sen2 θ = 1 obtemos



kru × rv k = a4 sen2 v. Como v ∈ [0,π] temos
1/2
kru × rv k = a4 sen2 v = a2 sen v.

Logo, ˆ ˆ ˆ ˆ
2π π 2π v=π 2π
2 2
A(S) = a sen v dv du = −a cos v du = 2a2 du,
0 0 0 v=0 0
2 2
logo A(S) = 2π · 2a = 4πa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exemplo 2.2.3. Calcule a área de superfı́cie da parte do paraboloide z = x2 + y 2 que se


encontra abaixo do plano z = 9.

Como a superfı́cie em questão é escrita na forma z = f (x,y), podemos parametrizá-la


através desta equação:

x = u, y = v, z = f (u,v) = u2 + v 2 ,
99

com (u,v) ∈ D, onde D é o conjunto do plano uv associado; como u = x e v = y, temos em


outras palavras que D é a projeção da superfı́cie no plano xy (Figura 2.14). Concluı́mos que
o conjunto D corresponde ao cı́rculo que obtemos na interseção do paraboloide z = x2 + y 2
com o plano z = 9.

A área A(S) da superfı́cie se escreve como


¨
A(S) = kru × rv k dA,
D

onde
ru (u,v) = 1i + 0j + 2uk,
rv (u,v) = 0i + 1j + 2vk,
logo,
i j k
ru × rv = 1 0 2u = −2ui − 2vj + 1k.
0 1 2v
Segue que

kru × rv k = 4u2 + 4v 2 + 1,

e portanto, ¨ √
A(S) = 4u2 + 4v 2 + 1 dA,
D

onde o elemento de área dA é um elemento de área do plano uv: escrevemos na integral


dupla iterada du dv ou dv du. Como o domı́nio D de integração é um cı́rculo do plano uv,
utilizaremos coordenadas polares:

D = {(r, θ) ∈ R2 : 0 ≤ r ≤ 3, 0 ≤ θ ≤ 2π}.

É importante observar que ao usar coordenadas polares estamos realizando uma mudança
de coordenadas na integral acima, escrita originalmente nas variáveis u e v, logo devemos
incluir o Jacobiano da mudança de coordenadas no cálculo:
ˆ 2π ˆ 3 √
A(S) = 4r2 + 1r dr dθ.
0 0
100

Através da mudança de coordenadas w = 4r2 + 1 obtemos


ˆ 2π r=3 ˆ 2π
1 2 3/2 1 3/2 π
A(S) = (4r + 1) dθ = (37 − 1) dθ = (373/2 − 1).
0 6 r=0 0 6 3

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

z
S

y
D

x
Figura 2.14: Superfı́cie do Exemplo 2.2.3.

Exercı́cio 2.2.4. Considere o segmento de reta y = x, x ∈ [0,2], no plano xy e considere


a superfı́cie S definida pela revolução deste segmento em torno do eixo x. Determine uma
parametrização de S e calcule sua área de superfı́cie.

Integrais de superfı́cie. Considere agora uma lâmina disposta no espaço de acordo com
uma superfı́cie paramétrica suave S : r(u,v), (u,v) ∈ D, e suponha que o material que a
compõe não é uniforme: a lâmina possui uma densidade pontual de massa dada por uma
função escalar f (x,y,z), (x,y,z) ∈ S. Deduziremos nesta seção uma expressão para a massa
M desta lâmina através de uma integral dupla.

Podemos calcular a massa M desta lâmina a partir de sua densidade pontual de massa de
maneira análoga ao cálculo de área de superfı́cies visto acima. Particionamos o domı́nio D de
maneira análoga em retângulos Rk , k = 1, . . . , n, e consideramos as regiões correspondentes
Sk , k = 1, . . . , n; veja a Figura 2.12. Se as regiões Sk são muito pequenas e (x∗k , yk∗ , zk∗ ) é um
101

ponto qualquer da região Sk , esperamos que não seja grande o erro que cometemos ao supor
que a densidade de massa sobre Sk é constante e igual a f (x∗k , yk∗ , zk∗ ). Se ∆Sk representa a
área da região Sk , então podemos aproximar a massa Mk da região Sk da lâmina por

Mk ≈ f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆Sk .

Segue que a massa total M da lâmina pode ser aproximada por


n
X n
X
M= Mk ≈ f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆Sk .
k=1 k=1

É razoável esperar que o erro nas aproximações acima se aproximam de zero à medida que
n se aproxima de infinito e a área das regiões Rk se aproximam de zero. Escrevemos então
n
X
M = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆Sk .
n→∞
k=1

O somatório à direita define a integral de superfı́cie de f sobre S.

Definição 2.2.5. Seja S : r(u,v), (u,v) ∈ D, uma superfı́cie paramétrica suave. Definimos
a integral de superfı́cie de f (x,y,z) sobre S como
¨ n
X
f (x,y,z) dS = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆Sk ,
S n→∞
k=1

caso o limite exista e seja independente da partição de D e da escolha dos pontos (x∗k , yk∗ , zk∗ ).

Note que se a densidade pontual de massa da lâmina é constante e igual a 1, então


¨ ¨ n
X
f (x,y,z) dS = 1 dS = lim ∆Sk = lim A(S) = A(S),
S S n→∞ n→∞
k=1

isto é, ¨
dS = A(S).
S

O teorema abaixo fornece um método para o cálculo de integrais de superfı́cie.


102

Teorema 2.2.6. Seja S : r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k, (u,v) ∈ D, uma superfı́cie
paramétrica suave. Então a integral de superfı́cie de f (x,y,z) sobre S satisfaz
¨ ¨
f (x,y,z) dS = f (x(u,v), y(u,v), z(u,v))kru × rv k dA.
S D

Não apresentaremos a demonstração deste resultado, mas obtemos uma intuição por trás
dele da seguinte maneira: a integral de superfı́cie de f (x,y,z) sobre S é definida como
¨ n
X
f (x,y,z) dS = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )∆Sk ,
S n→∞
k=1

onde a área ∆Sk é dada, pela Equação (2.6), por

∆Sk ≈ k(ru ∆u) × (rv ∆v)k = kru × rv k∆u∆v = kru × rv k∆A.

É possı́vel provar que


¨ n
X
f (x,y,z) dS = lim f (x∗k , yk∗ , zk∗ )kru × rv k∆A.
S n→∞
k=1

O ponto (x∗k , yk∗ , zk∗ ) foi escolhido como um ponto qualquer da superfı́cie S, logo existe (u∗k , vk∗ )
tal que (x∗k , yk∗ , zk∗ ) = r(u∗k , vk∗ ). Portanto,
¨ n
X
f (x,y,z) dS = lim f (x(u∗k , vk∗ ), y(u∗k , vk∗ ), z(u∗k , vk∗ ))kru × rv k∆A.
S n→∞
k=1

onde o limite à direita define a integral dupla do Teorema 2.2.6.

Exemplo 2.2.7. Calcule a integral de superfı́cie de f (x,y,z) = x2 sobre a esfera de R3 de


raio 1 e centro na origem.

Temos ¨ ¨
f (x,y,z) dS = f (x(u,v), y(u,v), z(u,v))kru × rv k dA,
S D

onde x(u,v), y(u,v) e z(u,v) são determinados pela parametrização da esfera (Exemplo 2.1.4):

x = sen v cos u, y = sen v sen u e z = cos v, (u,v) ∈ [0,2π] × [0,π].


103

Segue que ¨ ¨
2
x dS = (sen v cos u)2 kru × rv k dA,
S D

onde, pelo Exemplo 2.2.2, kru × rv k = sen v. Segue que


¨ ¨ ˆ 2π ˆ π
2 3 2
x dS = sen v cos u dA = sen3 v cos2 u dv du.
S D 0 0

Note que a integral acima, assim como aquela no Teorema 2.2.6, é escrita originalmente nas
variáveis u e v. Como não estamos realizando uma mudança de coordenadas ao escrever a
integral acima, não é necessário usar o Jacobiano.

Como sen3 v = sen2 v · sen v = (1 − cos2 v) sen v, a mudança de variáveis w = cos v =⇒


dw = − sen v dv fornece
¨ ˆ 2π v=π ˆ 2π
cos3 v
 
2 12 1
x dS = − cos u · cos v − du = cos2 u du.
S 0 4 3 v=0 3 0

Segue da identidade cos2 u = 12 (1 + cos(2u)) que


¨ ˆ 2π   u=2π
2 1 1 1 π
x dS = [1 + cos(2u)] du = u + sen(2u) = .
S 6 0 6 2 u=0 3
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 2.2.8. Calcule a integral de superfı́cie de f (x,y,z) = z sobre a fronteira do sólido


delimitado pelas superfı́cies z = 0, x2 + y 2 = 1 e z = 1 + x.

Exercı́cio 2.2.9. Calcule a integral de superfı́cie de f (x,y,z) = xy sobre a superfı́cie definida


pela região triangular de vértices (1,0,0), (0,2,0) e (0,0,2).

2.3 Superfı́cies Orientadas e Integrais de Fluxo

Definiremos a seguir nesta seção o conceito de integrais de fluxo: imagine uma superfı́cie S
desposta no caminho do fluxo de um fluido, como na Figura 1.21; o fluxo deste fluido através
104

de S é calculado através de uma integral e representa o volume de fluido que atravessa


a superfı́cie por unidade de tempo. No entanto, é necessário estarmos munidos de certos
conceitos relacionados a superfı́cies parametrizadas, como o de superfı́cies orientadas.

A maioria das superfı́cies possui dois lados bem definidos: a superfı́cie dada pelo plano
xy possui claramente um lado de cima, em contato direto com os pontos (x,y,z) de R3 tais
que z > 0, e um lado de baixo. Analogamente, a superfı́cie dada pela casca de uma esfera
possui dois lados: o lado interno e o lado externo. Este conceito é importante nas integrais
de fluxo: se um fluido escoa na vertical de acordo com a ação da gravidade e atravessa o
plano xy, então temos uma direção clara para avaliar o fluxo através do plano xy: o volume
de fluido que atravessa o plano de cima para baixo será considerado um fluxo positivo, e o
volume de fluido que atravessar o plano no sentido contrário representará um fluxo negativo.
Entretanto, algumas superfı́cies não possuem dois lados: a faixa de Mobius, logotipo do
Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), ilustrada na Figura 2.15, possui apenas
um lado. Em outras palavras, um inseto pode caminhar ao longo da superfı́cie e alcançar
ambos os lados sem atravessar a superfı́cie ou uma de suas arestas1 .

Figura 2.15: Faixa de Mobius.

A ideia de superfı́cie orientada por ser formalizada da seguinte maneira: uma superfı́cie
S é dita orientada se é possı́vel fazer uma escolha de vetor normal n tal que n varia conti-
nuamente sobre S; a escolha de n é dita a orientação de S. No caso do plano xy, podemos
considerar n = (0,0,1) para todo ponto do plano xy; no caso de uma esfera centrada na
1
Veja o link http://profs.if.uff.br/tjpp/_media/blog/entradas/moebius_escher_anim.gif para
uma animação que ilustra o conceito.
105

origem, podemos considerar n como o vetor unitário que aponta na direção da origem (ou
na direção oposta à da origem). Em ambos os caso n varia continuamente na superfı́cie,
definindo uma orientação para as respectivas superfı́cies. No Teorema 2.3.1 e na Definição
2.3.1 a seguir temos uma ideia mais precisa de orientação de uma superfı́cie parametrizada.

Teorema 2.3.1. Seja S : r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k, (u,v) ∈ D, uma superfı́cie
paramétrica suave. Então a função

ru × rv
n(u,v) =
kru × rv k

é contı́nua sobre S. Em particular, a escolha n = n(u,v) acima define uma orientação para
S.

Definição 2.3.2. Seja S : r(u,v) = x(u,v)i + y(u,v)j + z(u,v)k, (u,v) ∈ D, uma superfı́cie
paramétrica suave. A orientação

ru × rv
n(u,v) =
kru × rv k

é dita a orientação positiva de S, enquanto a escolha −n(u,v) é dita a orientação negativa


de S.
Exemplo 2.3.3. Esboce a a superfı́cie S parametrizada por

x = cos u, y = v, z = sen u, (u,v) ∈ [0,2π] × [−3,3]

e esboce os vetores normais que definem sua orientação positiva.

A superfı́cie acima consiste de um cilindro na direção do cı́rculo x2 +z 2 = 1, compreendido


no intervalo −3 ≤ y ≤ 3. A orientação n = ru × rv consiste de um campo de vetores normais
que apontam para fora ou para dentro do cilindro. Verificamos isso ao calcular o produto
vetorial das derivadas parciais:

ru (u,v) = − sen ui + 0j + cos uk,


rv (u,v) = 0i + 1j + 0k,
106

logo,
i j k
ru × rv = − sen u 0 cos u = − cos ui + 0j − sen uk.
0 1 0
O vetor cos ui + sen uk é o vetor que aponta da origem para o ponto correspondente do plano
xz, logo o produto vetorial acima define um vetor que, com origem na superfı́cie do cilindro,
aponta no sentido contrário. Segue que a orientação positiva do cilindro parametrizado acima
é aquela com vetores normais apontando para dentro da superfı́cie. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Integrais de Fluxo. Seja S uma superfı́cie com vetor normal unitário n sendo atravessada
por um fluido com densidade pontual de massa ρ(x,y,z) e campo de velocidades v(x,y,z).
Veremos agora como expressar através de uma integral de superfı́cie o fluxo Φ de massa do
fluido através de S por unidade de tempo.

Em cada ponto da superfı́cie S devemos decompor o vetor velocidade v do fluido em


uma componente normal e uma componente tangencial à superfı́cie S, como na Figura 2.16:
a componente normal, a projeção projn v de v sobre n, define o fluxo através da superfı́cie
neste ponto. Como n é unitário, o produto escalar v · n fornece a componente de v na
direção de n, isto é, v · n representa a componente da velocidade do fluido que está de fato
atravessando a superfı́cie, e não correndo paralelamente a ela.

Estimar o fluxo de massa através de uma superfı́cie de geometria complexa é uma tarefa
difı́cil. Dividimos a superfı́cie de S em pedaços Sk de área muito pequena ∆Sk , como na
Figura 2.12, a fim de obter uma aproximação para Φ através da soma do fluxo por cada
pedaço Sk . À medida que consideramos pedaços Sk de área cada vez menor, podemos
aproximar a geometria de Sk pela de um plano com vetor normal n. Supondo que v é
constante sobre toda a superfı́cie Sk podemos aproximar a massa de fluido atravessando Sk
na direção do vetor normal pelo produto
107

Figura 2.16: Componente normal à superfı́cie S de um vetor v dada por projn v.

(densidade do fluido) · (componente de v na direção de n) · (área da superfı́cie),

isto é,
ρ · (v · n) · ∆Sk .

Somando a fluxo de massa por cada pedaço Sk da superfı́cie temos a seguinte aproximação
para o fluxo total Φ:
n
X
Φ≈ ρv · n∆Sk .
k=1

Faz sentido supor que as aproximações acima se tornam cada vez mais precisas no limite
quando n se aproxima de infinito. Podemos assim escrever o fluxo Φ de fluido através S por
unidade de tempo como
n
X
Φ = lim ρv · n∆Sk .
n→∞
k=1

Note que ρv · n é uma função escalar, como na Definição 2.2.5: em cada ponto (x,y,z) temos
um vetor normal n e uma velocidade v diferentes tais que ρv · n é um escalar f (x,y,z) que
depende do ponto (x,y,z). Podemos portanto escrever, de acordo com a Definição 2.2.5,
¨
Φ= ρv · n dS.
S
108

A equação acima fornece o fluxo de um fluido através de uma superfı́cie como a integral de
superfı́cie de F · n sobre S, onde F = ρv. Integrais deste tipo serão ditas integrais de fluxo
de F sobre S.

Definição 2.3.4. Seja F um campo vetorial contı́nuo definido sobre uma superfı́cie S uma
superfı́cie orientada com vetor normal unitário n. Definimos a integral de fluxo (ou de
superfı́cie) de F sobre S como
¨ ¨
F · dS = F · n dS.
S S

O cálculo de integrais de fluxo é obtido diretamente do Teorema 2.2.6. Se S é parametri-


zada por r(u,v), (u,v) ∈ D e n é dado pela orientação positiva de S, então o produto escalar
de F no ponto r(u,v) por n(u,v) pode ser escrito como

F(x(u,v), y(u,v), z(u,v)) · n(u,v).

Segue do Teorema 2.2.6 que


¨ ¨
F · dS = (F(x(u,v), y(u,v), z(u,v)) · n(u,v)) kru (u,v) × rv (u,v)k dA.
S S

A equação acima será escrita de forma resumida como


¨ ¨
F · dS = (F · n) kru × rv k dA,
S S

e fica subentendido que o lado direito da equação está escrito em termos de u e v. Segue da
expressão da Definição 2.3.2 para n que

ru × rv
F · nkru × rv k = F · kru × rv k = F · (ru × rv ).
kru × rv k

Resumimos o nosso resultado no teorema a seguir.


109

Teorema 2.3.5. Seja S : r(u,v), (u,v) ∈ D, uma superfı́cie orientada suave e seja n o vetor
normal unitário que define sua orientação positiva. Se F é um campo vetorial com funções
componente contı́nuas em S então
¨ ¨
F · n dS = F · (ru × rv ) dA,
S D

onde o lado direito é escrito em função de u e v.

.Obs: A orientação negativa de uma superfı́cie S é dada por −n, onde n define sua ori-
entação positiva. A integral de fluxo Φ de F através S com orientação negativa é dada
por ¨ ¨
Φ= F · (−n) dS = − F · n dS = −Φ0 ,
S S

onde Φ0 é o fluxo de F através de S com orientação positiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ./

Exemplo 2.3.6. Calcule a integral de superfı́cie de F(x,y,z) = xzey i − xzey j + zk sobre a


superfı́cie S dada pela porção do plano x + y + z = 1 no primeiro octante com orientação
para cima.

Como o plano acima pode ser escrito na forma z = f (x,y), podemos parametrizá-lo como

x = u, y = v, z = f (x,y) = 1 − u − v, (u,v) ∈ D,

onde D é a projeção da superfı́cie no plano xy ≡ uv (Figura 2.17):

D = {(u,v) ∈ R2 : 0 ≤ u ≤ 1, 0 ≤ v ≤ 1 − u}.

Temos ¨ ¨
F · n dS = F · (ru × rv ) dA,
S D

onde
i j k
ru × rv = 1 0 −1 = i + j + k.
0 1 −1
110

Note que o vetor normal acima coincide com a orientação pedida (para cima).

Escrevemos o campo vetorial F(x,y,z) usando as expressões para x,y,z da parametrização


da superfı́cie:

F = F(x(u,v), y(u,v), z(u,v)) = u(1 − u − v)ev i − u(1 − u − v)ev j + (1 − u − v)k,

logo,

F · n = (u(1 − u − v)ev i − u(1 − u − v)zev j + (1 − u − v)k) · (i + j + k) = 1 − u − v.

Segue que
¨ ˆ 1 ˆ 1−u ˆ 1 v=1−u
v2
 
F · n dS = [1 − u − v] dv du = (1 − u)v − dv du
S 0 0 0 2 v=0

isto é, ¨ ˆ ˆ
1 1
(1 − u)2
 
2 1
F · n dS = (1 − u) − du = (1 − u)2 du.
S 0 2 2 0
Fazendo a substituição w = 1 − u =⇒ dw = −du obtemos
¨ u=1
1 3 1
F · n dS = − (1 − u) = .
S 6 u=0 6
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Figura 2.17: Superfı́cie do Exemplo 2.3.6.

Exemplo 2.3.7. Calcule o fluxo do campo vetorial F(x,y,z) = yi + xj + zk através da parte


do paraboloide z = 1 − x2 − y 2 situada acima do plano z = 0. Considere a orientação de
vetores normais apontando para cima.
111

O paraboloide acima pode ser parametrizado em coordenadas cilı́ndricas:

x = v cos u, y = v sen u, z = 1 − v2, (u,v) ∈ [0,2π] × [0,1].

Temos ¨ ¨
F · n dS = F · (ru × rv ) dA,
S D
onde
i j k
ru × rv = −v sen u v cos u 0 = −2v 2 cos ui − 2v 2 sen uj − vk.
cos u sen u −2v
Note que a componente −vk para v ∈ [0,1] mostra que este campo de vetores normais aponta
para baixo. Como a orientação dada para a superfı́cie aponta para cima, consideramos o
vetor normal2
−ru × rv = 2v 2 cos ui + 2v 2 sen uj + vk.

Escrevemos o campo vetorial F(x,y,z) usando as expressões para x,y,z da parametrização


da superfı́cie:

F = F(x(u,v), y(u,v), z(u,v)) = v sen ui + v cos uj + (1 − v 2 )k,

logo,

F · n = (v sen ui + v cos uj + (1 − v 2 )k) · (2v 2 cos ui + 2v 2 sen uj + vk)

= 2v 3 sen u cos u + 2v 3 sen u cos u + v − v 3 = 4v 3 sen u cos u + v − v 3 .

Segue que
¨ ˆ 2π ˆ 1
F · n dS = [4v 3 sen u cos u + v − v 3 ] dv du
S 0 0
ˆ 2π   v=1
4 v2 v4
= v sen u cos u + − du
0 2 4 v=0
ˆ 2π  
1
= sen u cos u + du.
0 4
2
Alternativamente, podemos considerar o vetor ru × rv original e multiplicar o resultado da integral de
fluxo por −1.
112

Fazendo a substituição w = sen u =⇒ dw = cos u du obtemos


¨   u=2π
1 2 u π
F · n dS = sen u + = .
S 2 4 u=0 2
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Vejamos agora que o cálculo do Teorema 2.2.6 podem ser simplificados em alguns casos.
Seja S uma superfı́cie definida por uma equação da forma z = g(x,y), y = g(x,z) ou x =
g(y,z); em todo caso podemos subtratir a função g de ambos os lados da equação e escrever
a equação que define S como G(x,y,z) = 0. É possı́vel provar que o vetor gradiente ∇G é
normal à superfı́cie, logo
∇G
n=
k∇Gk
é vetor normal unitário e define uma orientação para S. Note agora que, se S é dada por
z = g(x,y) e é parametrizada por

x = u, y = v, z = g(u,v),

então
ru (u,v) = i + 0j + gu (u,v)k,

e
ru (u,v) = 0i + j + gv (u,v)k.

Portanto,
i j k
ru × rv = 1 0 gu = −gu i − gv j + k = ∇G.
0 1 gv
Segue do Teorema 2.2.6 que
¨ ¨
F · n dS = F · ∇G dA.
S D

É possı́vel provar que a equação acima também pode ser obtida nos casos x = g(y,z) e
y = g(x,z).
113

Teorema 2.3.8. Seja S uma superfı́cie lista definida por

z = g(x,y), x = g(y,z) ou y = g(x,z) (2.7)

e seja G(x,y,z) = 0 a equação obtida ao subtrair g de ambos os lados da equação correspon-


dente. Seja R a projeção de S no plano coordenado definido pelas variáveis independentes
de g a . Se F é um campo vetorial com funções coordenada contı́nuas então
¨ ¨
F · n dS = F · ∇G dA,
S D

onde a orientação é dada pelo sentido positivo do eixo definido pela variável independente
nas Equações (2.7).
a
Planos xy, yz ou xz, respectivamente.

2.4 Teorema da Divergência de Gauss

Veremos nesta seção o Teorema da Divergência de Gauss, cuja ideia é análoga à do Teorema
de Green. Vimos na Seção 1.7 que a integral de linha sobre uma curva C fechada pode ser
escrita como uma integral dupla sobre a a região que essa curva delimita. O Teorema da
Divergência de Gauss nos permite escrever a integral de superfı́cie sobre uma superfı́cie S
fechada como uma integral tripla sobre a região sólida que essa superfı́cie delimita.

Mais precisamente, uma superfı́cie é dita uma superfı́cie fechada se ela delimita uma
região sólida finita do espaço, como uma esfera. Frequentemente a fronteira de uma reigão
sólida não consiste de uma única superfı́cie contı́nua e suave, como uma esfera, mas sim da
“colagem” de pedaços suaves, como uma caixa. Uma superfı́cie S é dita uma superfı́cie lisa
por partes se S pode ser escrita como uma união finita de superfı́cie com parametrizações
lisas.

.Obs: Utilizaremos aqui a seguinte convenção. Dada uma região sólida fechada E, a ori-
114

entação positiva de sua superfı́cie S de fronteira é aquela orientada para fora. . . . . . . . . . . . /

Teorema 2.4.1. Seja E um sólido cuja superfı́cie S de fronteira é munida do vetor normal
unitário n orientado para fora. Se F(x,y,z) é um campo vetorial cujas funções componente
possuem derivadas paricis de primeira ordem contı́nua em algum conjunto contendo E, então
¨ ˚
F · n dS = div F dV.
S E

Exemplo 2.4.2. Calcule, usando o Teorema da Divergência de Gauss, a integral de su-


perfı́cie de F(x,y,z) = y 2 ecos z i + yj + zk sobre a superfı́cie definida por x2 + y 2 + z 2 = a2 .

Note que
∂ 2 cos z ∂ ∂
div F = ∇ · F = y e + y + z = 0 + 1 + 1 = 2.
∂x ∂y ∂z
Segue do Teorema 2.4.1 que, se E é a esfera delimitada por x2 + y 2 + z 2 = a2 ,
¨ ˚ ˚
F · n dS = 2 dV = 2 dV = 2V (E),
S E E

onde V (E) = 34 πa3 é o volume da esfera. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Note que a integral tripla à direita no Teorema 2.4.1 possui o divergente do campo vetorial
como argumento: frequentemente este é um indicativo de que o Teorema da Divergência de
Gauss é o caminho mais simples para o cálculo de uma integral, como no Exemplo 2.4.2
acima.

Exercı́cio 2.4.3. Calcule o fluxo do campo vetorial F(x,y,z) = 2xi + 3yj + z 2 k através da
caixa unitária que contém vértices os (0,0,0), (1,0,0), (0,1,0) e (0,0,1).

Note que no Exercı́cio 2.4.3 acima temos uma superfı́cie com seis faces: o cálculo direto
da integral de superfı́cie, como no Teorema 2.2.6, demandaria a soma do resultado de seis
integrais de superfı́cie diferentes. O Teorema da Divergência de Gauss nos permite calcular
o fluxo com uma única integral, no caso uma integral tripla. Mais geralmente, é sempre
115

interessante considerar a possibilidade da aplicação do Teorema da Divergência de Gauss no


cálculo de integrais de superfı́cies sobre superfı́cies lisas por partes.

Exercı́cio 2.4.4. Calcule o fluxo do campo vetorial F(x,y,z) = x3 i + y 3 j + z 2 k através da


fronteira S da região delimitada por z = 0, z = 2 e x2 + y 2 = 9.

2
Exercı́cio 2.4.5. Calcule o fluxo do campo vetorial F(x,y,z) = xyi + (y 2 + exz )j + sen(xy)k
através da fronteira S da região delimitada por z = 0, y = 0, y + z = 2 e z = 1 − x2 .

2.5 Teorema de Stokes

Neste seção veremos o Teorema de Stokes, que pode ser interpretado como uma generalização
do Teorema de Green. O enunciado Teorema de Stokes se refere a superfı́cies S delimitadas
por uma curva paramétrica fechada simples C. Veja a Figura 2.18. A orientação de C
com relação à orientação de superfı́cie S pode se dar de duas maneiras: se a orientação de
C coincide com a regra da mão direita aplicada aos vetores normais de S, dizemos que C
possui orientação positiva com relação a S; caso contrário dizemos que C tem orientação
negativa com relação a S. Em outras palavras, a fronteira C de uma superfı́cie S possui
orientação positiva se uma pessoa que caminha ao longo de C de acordo com sua orientação
tem a superfı́cie S sempre à sua esquerda. Veja a Figura 2.18.

Teorema 2.5.1. Seja S uma superfı́cie orientada lisa por partes delimitada por uma curva
C lisa por partes, fechada, simples e com orientação positiva em relação à orientação de S.
Se F(x,y,z) é um campo vetorial com funções componentes que possuem derivadas parcias
de primeira ordem contı́nuas em algum conjunto aberto contendo S, então
˛ ¨
F · dr = (rot F) · n dS.
C S

O Teorema de Stokes possui a seguinte interpretação. A integral de linha à direita no


116

Figura 2.18: Superfı́cies delimitadas por uma curva C orientada positivamente com relação
à orientação da superfı́cie.

enunciado do Teorema 2.5.1 pode ser escrita como


˛ ˛
F · dr = F · T ds, (2.8)
C C

onde T é o vetor tangente unitário de C. O produto escalar fornece a componente de F


na direção de T, conforme ilustrado na Figura 2.19. A integral de linha no enunciado do
Teorema 2.5.1 pode portanto ser interpretada como uma medida da tendência do fluido fluir
no sentido positivo ao longo da curva C. Mais precisamente, quando mais alinhado com T
for o campo de velocidades F do fluido, maior será o produto escalar F · T e maior portanto
117

será o valor da integral na Equação (2.8); por outro lado, se F for ortogonal a T em todo
ponto da curva C, então F · T = 0 e a integral na Equação (2.8) será nula, o que indica
nenhuma tendência do fluido de fluir na direção da curva C. Por este motivo a integral de
linha no enuncia do Teorema 2.5.1 é denominada de circulação de F ao longo de C.

Figura 2.19: Componente do campo velocidade F na direção do vetor tangente unitário T.

Usando o Teorema de Stokes para calcular o trabalho. O Teorema de Stokes pode


ser utilizado para reescrever qualquer integral de linha ao longo de uma curva fechada C lisa
por partes, mas ele é mais frequentemente utilizado quando é necessário dividir a curva C
em n pedaços e somar o resultado de cada uma das integrais:
˛ ˆ ˆ
F · dr = F · dr + · · · + F · dr.
C C1 Cn

Exercı́cio 2.5.2. Calcule a integral de linha do campo vetorial

F(x,y,z) = (x2 − y)i + 4zj + x2 k

ao longo da curva C dada pelo triângulo de vértices (1,0,0), (1,2,0) e (0,0,1) contido no plano
x + z = 1. Considere a orientação de C dada pela ordem que os vértices foram dados.

Exercı́cio 2.5.3. Calcule a integral de linha do campo vetorial

F(x,y,z) = (x2 − y)i + 4zj + x2 k


118

ao longo da curva C dada pelo cı́rculo de raio 2 e centro (0,0,2) contido no plano z = 2
munido da orientação anti-horária. Use o Teorema de Stokes e a superfı́cie S dada pelo cone
p
z = x2 + y 2 .

Note que a relação entre a superfı́cie S e a curva C no enunciado do Teorema 2.5.1 é


apenas que C delimita a superfı́cie C. Segue que se duas superfı́cies S1 e S2 são delimitadas
pela mesma curva C e satisfazem as hipóteses do Teorema 2.5.1, então
˛ ¨ ˛ ¨
F · dr = (rot F) · n dS e F · dr = (rot F) · n dS,
C S1 C S2

de modo que ¨ ¨
(rot F) · n dS = (rot F) · n dS.
S1 S2

Por exemplo, no Exercı́cio 2.5.3 utilizamos o Teorema de Stokes aplicado a um cone para
calcular a integral de linha dada, mas poderı́amos ter utilizado outra superfı́cie delimitada
pela mesma curva C, como um paraboloide ou o disco contido no plano z = 2.

Exercı́cio 2.5.4. Calcule a integral de linha do Exercı́cio 2.5.3 utilizando as superfı́cies


abaixo, que são delimitadas pela mesma curva C.

(i) A superfı́cie S1 definida pelo paraboloide z = x2 + y 2 .

(ii) A superfı́cie S2 definida por x2 + y 2 ≤ 4, z = 2.

O Teorema de Stokes é uma generalização do Teorema de Green. De fato, temos pelo


Teorema de Green que, dentro de certas hipóteses, a integral de linha de um campo vetorial
F(x,y) = f (x,y)i + g(x,y)j ao longo de uma curva fechada C positivamente orientada pode
ser escrita como
˛ ˛ ¨  
∂g ∂f
F · dr = f (x,y) dx + g(x,y) dy = − dA,
C C R ∂x ∂y
119

onde R é a região delimitada por C. Vejamos agora como este resultado pode ser obtido
através do Teorema de Stokes. Podemos interpretar esta região R como uma superfı́cie de
R3 contida no plano z = 0 e o campo vetorial F como um campo vetorial de R3 dado por
F(x,y,z) = f (x,y)i + g(x,y)j + 0k. O rotacional de F é dado portanto por
 
∂g ∂f
rot F(x,y,z) = − k.
∂x ∂y

Podemos parametrizar a superfı́cie S dada por (x,y) ∈ R, z = 0 por

r(u,v) = ui + vj + 0k, (u,v) ∈ R,

de modo que ru × rv = i × j = k. Aplicando o Teorema 2.5.1 obtemos


˛ ¨ ¨    ¨  
∂g ∂f ∂g ∂f
F · dr = (rot F) · n dS = − k · k dA = − dA,
C S R ∂x ∂y R ∂x ∂y

o que coincide com o Teorema de Green.

Exercı́cio 2.5.5. Use o Teorema de Stokes para calcular o trabalho realizado pelo campo
vetorial
F(x,y,z) = x2 i + 4xy 3 j + xy 2 k

ao longo da curva C dada pelo quadrilátero contido no plano z = y de vértices (1,0,0),


(0,0,0), (0,3,3) e (1,3,3). Considere a orientação de C dada pela ordem que os vértices foram
dados.

Exercı́cio 2.5.6. Use o Teorema de Stokes para calcular o trabalho realizado pelo campo
vetorial
F(x,y,z) = −y 2 i + xj + z 2 k

ao longo da curva C dada pela interseção das superfı́cies y + z = 2 e x2 + y 2 = 1. Considere


a orientação anti-horária de C quando vista de cima.
CAPÍTULO 3

SEQUÊNCIAS E SÉRIES INFINITAS

Estudaremos neste capı́tulo sequências e séries infinitas. Inicialmente veremos o conceito


de sequências infinitas de números reais, cujas aplicações são ilustradas com os exemplos a
seguir. Mais adiante, na Seção 3.4, entenderemos o conceito de séries infinitas de números
reais, definidas como a soma dos termos de uma sequência infinita.

Sequências de números reais em combinatória e probabilidade. Dado um conjunto


aleatório de n pessoas, qual a probabilidade de pelo menos 2 delas fazerem aniversário no
mesmo dia1 ? Para n ≥ 1, considere pn a probabilidade de um conjunto aleatório de n pessoas
ter pelo menos 2 delas que fazem aniversário no mesmo dia. Temos claramente p1 = 0. É
possı́vel mostrar que
1
p2 = ,
365
1
Desconsideramos anos bissextos.

120
121

assim como é possı́vel obter uma expressão geral para pn , n ≥ 2. Isto define uma sequência
infinita de números reais: para cada número n ≥ 1 de pessoas temos um número real pn
associado. Considerando um ano de 365 dias, em um grupo de 366 pessoas certamente há um
par delas que faz aniversário no mesmo dia, logo p366 = 1. Pergunta: qual o número n para
o qual já temos pelo menos 50% de chance de obter uma tal coincidência? Este problema é
conhecido como o paradoxo do aniversário 2 .

Sequências de números reais em em métodos computacionais. Muitas das aplicações


do conceito de sequências se dão na área de Cálculo Numérico, onde utilizamos métodos com-
putacionais para obter soluções de problemas diversos da matemática. Em algumas ocasiões
estamos interessados em obter mais rapidamente uma solução de um problema, mas em mui-
tas opções não é possı́vel obter uma solução através de métodos tradicionais: é necessário
utilizar um destes métodos computacionais.

Suponha que você queira encontrar as raı́zes de uma equação f (x) = 0 onde a função
f possui uma expressão muito complexa. É possı́vel utilizar métodos computacionais para
resolver tais problemas. Na Figura 3.1 temos ilustrado um método para resolver este tipo
de problema: o Método da Bisseção. Se f (x) é contı́nua e temos pontos x = a e x = b tais
que f (a) < 0 e f (b) > 0, segue do Teorema do Valor Intermediário que existe uma solução ξ
para a equação f (x) = 0 no intervalo (a,b); no caso da Figura 3.1 temos inicialmente a = 1
e b = 3. Consideramos então o ponto médio do segmento (x1 = 2) e, como f (x1 ) < 0,
concluı́mos que a raiz ξ se encontra no intervalo [x1 ,b]. Repetimos o processo com a = 2
e b = 3: o intervalo definido por a = 2 e b = 3 possui ponto médio x2 = 2.5 e o mesmo
argumento nos leva a considerar o intervalo [x2 , b], onde sabemos que a raiz ξ se encontra.
Observamos que os pontos x1 , x2 , x3 , . . . se aproximam cada vez mais da raiz ξ da equação.
É possı́vel repetir o processo indefinidamente, a fim de obter um ponto xn tão perto quanto
se queira da raiz ξ. Formalizamos estes conceitos neste capı́tulo: estes pontos definem uma
2
Ver também o problema do coletor de cupons (coupon collector problem).
122

sequência infinita de números reais {xn }∞


n=1 que, dentro de certas hipóteses, converge para

a raiz ξ.

Figura 3.1: Sequência {xn }∞


n=1 de números cada vez mais próxima da raiz ξ de uma equação.

3.1 Sequências de Números Reais

Na matemática uma sequência indica uma sucessão de coisas em uma ordem definida. Por
exemplo: os alunos em uma sala de aula, a princı́pio, não têm uma ordem definida; eles
definem simplesmente um conjunto, idealizado como uma grande caixa onde todos os alunos
se encontram em nenhuma configuração especı́fica. Este conjunto passa a ter uma ordem
bem definida quando ordenamos os alunos pela data de nascimento, por exemplo, onde
em primeiro lugar temos o aluno mais novo e por último o mais velho, como se os alunos
formassem uma fila.

Neste curso trabalharemos com sequências de números reais, conforme exemplificado


abaixo.

Exemplo 3.1.1. Os números naturais pares 2, 4, 6, . . . formam naturalmente uma sequência


123

através da ordem crescente. O primeiro elemento desta sequência, denotado por a1 , é dado
por a1 = 2, o segundo elemento é dado por a2 = 4 e assim por diante. Temos assim a
sequência
a1 , a2 , a3 , a4 , . . .

onde a seguinte regra geral é satisfeita: an = 2n. As reticências acima indicam que a
sequência é infinita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Podemos interpretar uma sucessão ordenada de números da seguinte maneira: o primeiro


elemento é aquele associado ao número 1, enquanto o segundo elemento é aquele associado ao
número 2, e assim por diante. Em outras palavras, uma sequência pode ser vista como uma
função cujo o domı́nio é dado pelo conjunto {1, 2, 3, . . . }, isto é, pelo conjunto dos números
naturais.

Definição 3.1.2. Uma sequência de números é uma função f com domı́nio Dom f = N e
contradomı́nio dado pelos números reais. Escrevemos normalmente an = f (n) para indicar
o n-ésimo elemento da sequência. O inteiro n é dito o ı́ndice do elemento an . A sequência
a1 , a2 , . . . é denotada por
{an } ou {an }∞
n=1 .

Identificamos no Exemplo 3.1.1 a regra geral an = 2n para os termos daquela sequência.


A função an = 2n = f (n) = 2n na notação da Definição 3.1.2, é dita o termo geral da
sequência.

Exemplo 3.1.3. Encontre o termo geral das sequências abaixo.

1 2 3 4
(i) {an }∞
n=1 definida por , , , ,...
2 3 4 5
1 2 3 4
(ii) {bn }∞
n=1 definida por ,− , ,− ,...
2 3 4 5
124

A sequência {an }∞
n=1 do item (i) pode ser escrita como

a1 , a2 , a3 , . . . .

O primeiro elemento da sequência possui numerador igual a 1, enquanto o segundo possui


numerador 2 e assim por diante; segue que o numerador de an é dado por n para n ≥ 1.
Analogamente concluı́mos que o denominador de an é dado por n + 1, de modo que

n
an = , n ≥ 1.
n+1

A sequência do item (ii) é idêntica àquela do item (i), exceto pelo sinal: temos bn = ±an
para n ≥ 1. Observamos que os termos {bn }∞
n=1 são alternadamente positivos e negativos.

Esta alternância é classicamente descrita por um dos termos abaixo:

(−1)n , n ≥ 1 : − 1, 1, −1, 1, . . . ,

ou
(−1)n+1 , n ≥ 1 : 1, − 1, 1, −1, . . . .

Como o primeiro termo da sequência {bn }∞


n=1 é positivo, combinamos o termo geral de

{an }∞
n=1 com o termo (−1)
n+1
para obter o termo geral de {bn }∞
n=1 :

n
bn = (−1)n+1 , n ≥ 1.
n+1

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 3.1.4. Encontre o termo geral das sequências abaixo.

1 2 3 4
(i) {an }∞
n=1 definida por − , , − , , . . .
2 3 4 5
3 4 5 6
(ii) {bn }∞
n=1 definida por , , , ,...
5 25 125 625
1 1 1 1
(iii) {cn }∞
n=1 definida por , , , ,...
2 4 8 16
125

.Obs: Podemos escrever uma sequência como aquelas do Exercı́cio 3.1.4 como {an }∞
n=1 ou

{an }∞
n=0 , isto é, podemos identificar o primeiro termo da sequência como a1 ou a0 . Por

exemplo, a sequência do item (iii) do Exercı́cio 3.1.4 pode ser escrita como

n+3 n+2
bn = , n ≥ 0, ou bn = , n ≥ 1.
5n+1 5n

Note as duas expressões acima estão relacionadas pela substituição n ← n + 1. . . . . . . . . . . /

Em alguns casos pode ser conveniente ilustrar o comportamento de uma sequência através
de um gráfico. Considere as sequências {an }∞ ∞ ∞ ∞
n=1 , {bn }n=1 , {cn }n=1 e {dn }n=1 definidas abaixo:

n+1 2 (−1)n
an = , bn = n , cn = , dn = (−1)n .
n n2

Nas Figuras 3.2 a 3.5 temos ilustradas estas sequências. Note que as sequências {an }∞
n=1 e

{cn }∞
n=1 se aproximam, respectivamente, cada vez mais dos valores 1 e 0; o mesmo não pode

ser dito das sequências {bn }∞ ∞


n=1 e {dn }n=1 . Mais precisamente, observamos que a diferença

entre o termo geral an = (n + 1)/n e o “valor limite” L = 1 se aproxima de zero à medida


que n cresce. De fato, temos que

n+1 n+1−n 1
an − 1 = −1= = ,
n n n

de modo que podemos tornar a diferença an −1 tão pequena quanto queiramos: basta escolher
o ı́ndice n grande o suficiente. Baseados neste tipo de raciocı́nio diremos que o limite da
sequência {an }∞
n=1 é L = 1, conceito que formalizamos a seguir com a Definição 3.1.5.

.Obs: Lembramos que se a, b são números reais então |a − b| indica a distância entre a e b
na reta. Em particular, |an − L| representa, na Definição 3.1.5, a distância entre an e L. ./
126

Figura 3.2: Termos da sequência Figura 3.3: Termos da sequência


n+1
an = n
, n ≥ 1. bn = n2 , n ≥ 1.

Figura 3.4: Termos da sequência Figura 3.5: Termos da sequência


(−1)n
cn = n2
, n ≥ 1. dn = (−1)n , n ≥ 1.

Definição 3.1.5. Dizemos que uma sequência {an }∞


n=1 é convergente se existe um número

real L tal que para todo ε > 0 existe um inteiro N ≥ 1 tal que |an − L| < ε para todo n ≥ N .
Dizemos neste caso que {an }∞
n=1 possui limite L e escrevemos

lim an = L ou an → L quando n → ∞.
n→∞

Se {an }∞ ∞
n=1 não é convergente dizemos que {an }n=1 é divergente.

Em outras palavras, dizemos que o limite de uma sequência {an }∞


n=1 é L se os termos

da sequência eventualmente ficam arbitrariamente próximos de L. A definição de limite de


uma sequência é muito semelhante àquela vista em Cálculo I: por arbitrariamente próximos
entende-se que os termos da sequência se encontram dentro de uma “margem de erro” ε > 0
em torno de L, definindo um intervalo (L − ε, L + ε). Matematicamente entendemos o
127

conceito de “eventualmente” da seguinte maneira: existe um inteiro N ≥ 1 tal que a partir


deste ponto os termos da sequência se encontram dentro da margem de erro desejada; em
outras palavras, temos an próximo de L para n ≥ N .

Conforme visto na Definição 3.1.2, uma sequência pode ser vista como uma função com
domı́nio dado pelos números naturais, de modo que graficamente temos a seguinte repre-
sentação: para cada n ≥ 1, marcamos um ponto (n, an ) no plano cartesiano. Dessa maneira,
o intervalo (L−ε, L+ε) acima é representado no eixo vertical, definindo uma faixa horizontal
no plano cartesiano. Se {an }∞
n=1 converge para o valor L, então todo termo da sequência n

à direita de N se encontra dentro desta faixa para n ≥ N . Veja a Figura 3.6.

Figura 3.6: Sequência convergente: an ∈ (L − ε, L + ε) para n ≥ N .

1
Exemplo 3.1.6. Considere a sequência {an }∞
n=1 dada por an = , n ≥ 1. Seus primeiros
n
termos são dados por
1 1 1 1
1, , , , , . . . .
2 3 4 5
Os elementos da sequência decrescem sucessivamente e parecem convergir para o valor L = 0.
De fato, fixando ε = 0.1, temos a “margem de erro” dada pelo intervalo (−0.1, 0.1) centrado
em torno de L = 0. Como
a10 = 0.1,
a11 = 0.090909 . . . ,
a12 = 0.08333 . . . ,
128

temos que a propriedade na Definição 3.1.5 vale para N = 11. Em outras palavras, temos

an ∈ (L − 0.1, L + 0.1)

para todo n ≥ 11, onde L = 0.

Formalizamos a convergência da sequência {an }∞


n=1 da seguinte maneira. Seja ε > 0

qualquer. Temos

1 1 1
|an − L| < ε ⇐⇒ − 0 < ε ⇐⇒ < ε ⇐⇒ n > . (3.1)
n n ε

Seja N o menor inteiro maior que 1/ε. Se n ≥ N então n > 1/ε e, pelo argumento na
Equação (3.1), temos |an − L| < ε, como gostarı́amos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.1.7. Prove pela Definição 3.1.5 que as sequências abaixo são convergentes.

(i) an = n/(n + 1), n ≥ 1.

(ii) an = 2−n , n ≥ 0.

Considere agora a sequência bn = n2 , n ≥ 1, da Figura 3.3. O termo geral bn = n2 desta


sequência fica cada vez maior à medida que n cresce. Mais formalmente, dado qualquer
número M > 0 temos |bn | = bn > M a partir de um certo ponto; em outras palavras, existe
um inteiro N ≥ 1 tal que se n ≥ N então bn > M . Dizemos neste caso que a sequência
{bn }∞
n=1 diverge para infinito. O teorema a seguir fornece um método muito utilizado para

determinar se uma sequência é convergente ou divergente.

Teorema 3.1.8. Seja {an }∞


n=1 uma sequência dada por an = f (n), n ≥ 1.

(i) Se lim f (x) = L, então an → L quando n → ∞.


x→+∞

(ii) Se lim f (x) = ±∞, então an → ±∞ quando n → ∞.


x→+∞
129

.Obs: O Teorema 3.1.8 não pode ser utilizado no caso de sequências cujo termo geral não
está definido para números reais, como an = (−1)n e bn = n!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Figura 3.7: Sequência de números reais convergente dada por an = f (n), n ≥ 1.

O Teorema 3.1.8 pode ser interpretado da seguinte maneira. Uma sequência an =


f (n), n ≥ 1, pode ser vista como uma “pequena amostra” de uma função F (x) definida
em [1, ∞). Se a função F (x) possui limite L quando x → ∞, então os termos da sequência
dada por an = f (n) também convergirão para L. Veja a Figura 3.7.

Exercı́cio 3.1.9. Esboce no mesmo plano cartesiano alguns termos da sequência {an }∞
n=1

ilustrada na Figura 3.2 e o gráfico da função correspondente. Faça o mesmo para a sequência
{bn }∞
n=1 ilustrada na Figura 3.3.

Exemplo 3.1.10. Determine se as sequências abaixo são convergentes e, em caso positivo,


encontre seus limites.

(i) an = −3n/(2n + 5), n ≥ 0.

(ii) bn = (−1)n , n ≥ 0.

A sequência an , n ≥ 0 é definida através da função f (x) = −3x/(2x + 5) que está bem


130

definida para os número reais x > −5/2. Usando a Regra de L’Hospital obtemos

3x 3 3
lim f (x) = lim − = lim − = − .
x→∞ x→∞ 2x + 5 x→∞ 2 2

Segue portanto do Teorema 3.1.8 que an → −3/2 quando n → ∞.

A sequência bn , n ≥ 0, não se estende para os números reais. Observamos no entanto


que os elementos desta sequência oscilam entre 1 e −1:

b0 = 1, b1 = −1, b2 = 1, b3 = −1, . . . .

A sequência não se aproxima portanto de nenhum valor especı́fico, donde concluı́mos que ela
é divergente3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.1.11. Determine se as sequências abaixo são convergentes e, em caso positivo,


encontre seus limites.

n2
(i) an = , n ≥ 1.
2n
n2
(ii) bn = , n ≥ 0.
n−1

Os Teoremas 3.1.12 e 3.1.19 são consequências diretas do Teorema 3.1.8 e dos teoremas
correspondes para limites de funções.
3
É possı́vel formalizar este argumento com a Definição 3.1.5, porém este argumento será o suficiente no
nosso curso.
131

Teorema 3.1.12. Sejam {an }∞ ∞


n=1 e {bn }n=1 sequências de números reais convergentes com

limites L1 e L2 . Então,

(i) lim (an + bn ) = L1 + L2 ;


n→∞

(ii) lim (an − bn ) = L1 − L2 ;


n→∞

(iii) lim can = cL1 , para toda constante c ∈ R;


n→∞

(iv) lim an bn = L1 L2 ;
n→∞

an L1
(v) se L2 6= 0, então lim = ;
n→∞ bn L2

Exemplo 3.1.13. Prove que a sequência definida por an = 5 + 1/n, n ≥ 1, é convergente e


encontre o seu limite.

Temos que an = bn + cn , n ≥ 1, onde bn = 5 e cn = 1/n para n ≥ 1. As sequências bn e


cn são convergentes:
lim bn = 5 e lim cn = 0.
n→∞ n→∞

Segue que an → 5 + 0 = 5 quando n → ∞. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Teorema 3.1.14. Se {an }∞


n=1 é uma sequência de números reais tal que lim |an | = 0, então
n→∞
lim an = 0.
n→∞

O Teorema 3.1.14 pode ser utilizado em sequências alternadas; veja o Exercı́cio 3.1.15.

Exemplo 3.1.15. Prove que a sequência definida por an = (−1)n /n, n ≥ 1, é convergente
e encontre o seu limite.

Note que a sequência {an } não se estende para número reais, no entanto |an | = f (n) =
1/n, onde f (x) está definida para todo x > 0. Como

1
lim f (x) = lim = 0,
x→∞ x→∞ x
132

segue do Teorema 3.1.8 que |an | → 0 quando n → ∞. Temos portanto pelo Teorema 3.1.14
que an → 0 quando n → ∞. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Teorema 3.1.16. Se {an }∞


n=1 é uma sequência convergente com limite L e f (x) é uma função

real contı́nua em um intervalo contendo L, então lim f (an ) = f (L).


n→∞

π 
Exemplo 3.1.17. Prove que a sequência definida por an = cos , n ≥ 1, é convergente
n
e encontre o seu limite.

Note que an = cos(bn ), n ≥ 1, onde bn → 0 quando n → ∞ pelo Teorema 3.1.8. Segue


do Teorema 3.1.16 que an → cos 0 = 1 quando n → ∞. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

1 π 
Exercı́cio 3.1.18. Prove que a sequência definida por an = cos , n ≥ 1, é convergente
n n
e encontre o seu limite.

O teorema abaixo também é consequência do Teorema 3.1.8 e segue imediatamente do


resultado correspondente do cálculo de funções de uma variável: o Teorema do Sanduı́che.

Teorema 3.1.19. Sejam {an }∞ ∞ ∞


n=1 , {bn }n=1 e {cn }n=1 sequências de números reais. Suponha

que, para algum inteiro n0 ≥ 1, temos que an ≤ bn ≤ cn para todo n ≥ n0 . Se lim an =


n→∞
lim cn = L, então limn→∞ bn = L.
n→∞

Exemplo 3.1.20. Prove que a sequência {an }∞ n


n=1 definida por an = n!/n , n ≥ 1, é conver-

gente e encontre o seu limite.

Os primeiros elementos da sequência {an } são dados por


6 24
1, 1, , ,....
27 256
Temos pela definição de n! que
n! n · (n − 1) · · · 2 · 1 n · (n − 1) · · · 2 1
an = n
= = · ,
n n · n···n · n n · n···n n
133

Figura 3.8: Sequência {bn }∞


n=1 convergente pelo Teorema do Sanduı́che.

onde
n · (n − 1) · · · 2 n n−1 2
= · · · · ≤ 1 · 1 · · · 1 = 1.
n · n···n n n n
Então an ≤ 1/n para n ≥ 1. Como an ≥ 0 para todo n ≥ 1, temos que xn ≤ an ≤ yn para
n ≥ 1, onde xn = 0, yn = 1/n e

lim xn = lim yn = 0.
n→∞ n→∞

Segue do Teorema 3.1.19 que an → 0 quando n → ∞. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.1.21. Prove usando o Teorema 3.1.19 que a sequência definida por an =
1 π 
cos , n ≥ 1, é convergente e encontre o seu limite.
n n

3.2 Sequências Monótonas

Nesta seção estudaremos sequências que adotam, inicialmente ou a partir de um certo ponto,
um padrão sempre crescente (ou decrescente) para os seus termos. Existem testes especı́ficos
de convergências para essas sequências que são bastante úteis.
134

Definição 3.2.1. Uma sequência {an }∞


n=1 é dita

(i) estritamente crescente se an < an+1 para todo n ≥ 1, isto é, se

a1 < a2 < a3 < . . . an < . . . ,

(ii) crescente se an ≤ an+1 para todo n ≥ 1, isto é, se

a1 ≤ a2 ≤ a3 ≤ . . . an ≤ . . . ,

(iii) estritamente decrescente se an > an+1 para todo n ≥ 1, isto é, se

a1 > a2 > a3 > . . . an > . . . ,

(iv) decrescente se an ≥ an+1 para todo n ≥ 1, isto é, se

a1 ≥ a2 ≥ a3 ≥ . . . an ≥ . . . .

Se a sequência {an }∞ ∞
n=1 é crescente ou decrescente, dizemos que {an }n=1 é monótona;

se {an }∞ ∞
n=1 é estritamente crescente ou decrescente, dizemos que {an }n=1 é estritamente

monótona.

No teorema abaixo temos métodos precisos para avaliar de um modo geral se uma dada
sequência é crescente. A seguir temos o resultado análogo para sequências decrescentes.

Teorema 3.2.2. Seja {an }∞


n=1 uma sequência de números reais.

(i) Se an+1 − an ≥ 0 para todo n ≥ 1, então {an }∞


n=1 é uma sequência monótona crescente.

(ii) Se an+1 − an ≤ 0 para todo n ≥ 1, então {an }∞


n=1 é uma sequência monótona decres-

cente.

Demonstração Demonstração : Basta somar an em ambos os lados das desigualdades.


135

Teorema 3.2.3. Seja {an }∞


n=1 uma sequência de números reais tal que an > 0 para n ≥ 1.

an+1
(i) Se an
≥ 1 para todo n ≥ 1, então {an }∞
n=1 é uma sequência monótona crescente.

an+1
(ii) Se an
≤ 1 para todo n ≥ 1, então {an }∞
n=1 é uma sequência monótona decrescente.

Demonstração Demonstração : Basta multiplicar ambos os lados das desigualdades por an .

.Obs: Se {an }∞
n=1 uma sequência de números reais tal que an < 0 para todo n ≥ 1, podemos

ainda utilizar o Teorema 3.2.3 para determinar se {an }∞


n=1 é monótona: basta considerar a

sequência definida por bn = −an , n ≥ 1, e observar que {an }∞


n=1 é crescente (decrescente) se

e somente se {bn }∞
n=1 é decrescente (crescente). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Exemplo 3.2.4. Prove que a sequência abaixo é monótona:

n
an = , n ≥ 1.
n+1

Consideramos, de acordo com o Teorema 3.2.3, a razão an+1 /an :

an+1 (n + 1)/(n + 2) n+2 n+1 n+2


= = · = .
an n/(n + 1) n+1 n n

Como n + 2 > n para todo n ≥ 1, concluı́mos que an+1 /an > 1 para todo n ≥ 1. Segue do
Teorema 3.2.3 que {an } é sequência monótona (estritamente) crescente. . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.2.5. Prove que as sequências abaixo são monótonas.

n
(i) an = , n ≥ 1.
n2 +1

(ii) bn = ln n − ln(n + 1), n ≥ 1.

No teorema abaixo fazemos uso dos critérios de monotonicidade de funções para verificar
o mesmo para sequências de números reais.
136

Teorema 3.2.6. Seja {an }∞


n=1 uma sequência dada pela função an = f (n), n ≥ 1. Suponha

que f é diferenciável para x ≥ 1. Então:

(i) se f 0 (x) ≥ 0 para todo x ≥ 1 então {an }∞


n=1 é uma sequência crescente;

(ii) se f 0 (x) ≤ 0 para todo x ≥ 1 então {an }∞


n=1 é uma sequência decrescente.

As desigualdades f 0 (x) > 0 e f 0 (x) < 0 no Teorema 3.2.6 provam que {an }∞
n=1 é sequência

estritamente monótona.

n
Exemplo 3.2.7. Prove que a sequência an = 2, n ≥ 1, é monótona.

Temos an = 21/n = f (x), onde f (x) = 21/x é uma função real definida para x > 0. Como
 
0 1/x 1
f (x) = 2 · ln 2 · − 2
x

e ln 2 > 0, temos que f 0 (x) < 0 para todo x > 0. Segue que a função f (x) é decrescente para
x > 0 e portanto, pelo Teorema 3.2.6, a sequência {an } é monótona decrescente. . . . . . . . . 

Uma sequência monótona é classificada como convergente ou divergente perfeitamente a


partir do conceito de sequências limitadas, que apresentamos a seguir; veja o Teorema 3.2.9.

Definição 3.2.8. Uma sequência {an }∞


n=1 é dita limitada superiormente se existe um número

M ∈ R tal que
an ≤ M, para todo n ≥ 1.

Dizemos que {an }∞


n=1 é limitada inferiormente se existe um número m ∈ R tal que

m ≤ an , para todo n ≥ 1.

Se {an }∞ ∞
n=1 é limitada superiormente e inferiormente, dizemos que {an }n=1 é limitada.
137

Teorema 3.2.9. Seja {an }∞


n=1 uma sequência monótona. Então:

(i) se {an }∞ ∞
n=1 não é limitada então {an }n=1 é sequência divergente;

(ii) se {an }∞ ∞
n=1 é limitada então {an }n=1 é sequência convergente.


n
Exemplo 3.2.10. Prove que a sequência an = 2, n ≥ 2, é convergente usando o Teorema
3.2.9.

Provamos no Exemplo 3.2.7 que a sequência {an } é monótona decrescente, isto é,

a2 ≥ a3 ≥ a4 ≥ · · · ,
√ √
onde a2 = 2. Segue que an ≤ 2 para todo n ≥ 2. Como an ≥ 0 para todo n ≥ 2, temos
que {an } é limitada. Segue portanto do Teorema 3.2.9 que {an } é convergente. . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.2.11. Prove que a sequência an = (n − 1)/n, n ≥ 1, é convergente usando o


Teorema 3.2.9.

Não apresentaremos a demonstração do Teorema 3.2.9, mas podemos interpretá-lo intui-


tivamente da seguinte maneira. Seja {an }∞ ∞
n=1 uma sequência monótona crescente. Se {an }n=1

não é limitada superiormente, então não existe um número M ∈ R que limita superiormente
todos os elementos da sequência. Em outras palavras, para qualquer número M escolhido
sempre encontraremos um elemento an da sequência maior do que M , logo {an }∞
n=1 tendo

ao infinito e é portanto divergente. Por outro lado, se {an }∞


n=1 é limitada superiormente por

um número M ∈ R, então pela monotonicidade da sequência concluı́mos que os elementos


da sequência devem se acumular em um número L ≤ M .

.Obs: Se {an }∞
n=1 é uma sequência monótona crescente limitada superiormente por um

número M , então o limite de {an }∞ ∞


n=1 pode ser diferente de M . Mais ainda, {an }n=1 possui

diversos limites superiores, mas apenas um limite. Veja a Figura 3.9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /


138

Figura 3.9: A sequência an = (n − 1)/n é monótona e limitada com limite L = 1.

Propriedades que valem a partir de um certo ponto. A convergência de uma


sequência {an }∞
n=1 é uma análise do que ocorre para valores grandes para o ı́ndice n: note

que para que uma sequência seja convergente devemos observar uma certa propriedade, de
acordo com a Definição 3.1.5, nos ı́ndices n ≥ N . Isto significa que os primeiros termos
de uma sequência podem ser desconsiderados para fins de convergência. Logo, a fim de
comprovar a convergência de uma sequência através do Teorema 3.2.9, por exemplo, não é
necessário que a sequência inteira seja monótona; basta que seja monótona a partir de um
certo ponto.

Exemplo 3.2.12. Considere a sequência {an }∞


n=1 dada por

10n
an = , n ≥ 1,
n!
onde n! = n · (n − 1) · (n − 2) · · · 2 · 1. Seus primeiros termos são dados por
100 1000
a1 = 10, a2 = = 50, a3 = = 166.66 . . . ,
2 6
10000 100000
a4 = = 416.66 . . . , a5 = = 833.33 . . . .
24 120
an+1
No entanto esta sequência não é crescente. De fato, analisando a razão de acordo com
an
o Teorema 3.2.3, temos
10n+1
an+1 (n+1)! 10n+1 n!
= 10n = n
.
an n!
(n + 1)! 10
139

Como (n + 1)! = (n + 1) · n!, temos

an+1 10
= . (3.2)
an n+1
an+1
Temos < 1 para n ≥ 10, logo a sequência {an }∞
n=1 é monótona estritamente decrescente
an
a partir de N = 10. Veja a Figura 3.10.

Provamos agora que a sequência {an }∞


n=1 é limitada. De fato, temos an ≥ 0 para todo

n ≥ 1, logo {an }∞ ∞
n=1 é limitada inferiormente. A fim de provar que {an }n=1 é limitada

superiormente, observamos que da Equação (3.2) temos

an
≤ 1, para 1 ≤ n ≤ 9,
an+1

e
an
> 1, para n ≥ 10.
an+1
Segue que logo a sequência {an }∞
n=1 é monótona crescente para 1 ≤ n ≤ 9 e estritamente

decrescente a partir de N = 10. Então a10 é o maior elemento da sequência e, portanto,


{an }∞ ∞
n=1 é limitada superiormente. Como {an }n=1 é eventualmente monótona e limitada

concluı́mos pelo Teorema 3.2.9 que {an }∞


n=1 é convergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

10n
Figura 3.10: Temos da sequência an = .
n!
140

3.3 Sequências Recursivas

Sequência de Fibonacci. Existem muitos casos em que os elementos de uma sequências


são definidas através dos elementos anteriores. O exemplo mais conhecido, que representa
possivelmente a sequência mais conhecida da Matemática, é a sequência de Fibonacci :

a0 = 0, a1 = 1 e an = an−1 + an−2 , para n ≥ 2.

Os primeiros elementos da sequência de Fibonacci são dados por

0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, . . . .

Esta sequência é conhecida pela razão áurea: a razão entre os elementos an+1 e an se aproxima

cada vez mais de ϕ = (1 + 5)/2 ≈ 1.61803. Confira abaixo:
a4
= 1.5,
a3
a5
= 1.666 . . . ,
a4
a6
= 1.625,
a5
a7
= 1.61538,
a6
..
.

A razão áurea surpreendentemente é vista em aplicações diversas como arquitetura, arte,


crescimento populacional4 e em proporções diversas na natureza, como espirais em conchas
e em girassóis5 .
4
Veja o episódio “Donald no Paı́s da Matemágica” do Pato Donald no link https://
www.youtube.com/watch?v=wbftu093Yqk; veja também a matéria https://www.livescience.com/
37704-phi-golden-ratio.html da página Live Science sobre a razão áurea.
5
Veja o vı́deo no link https://www.youtube.com/watch?v=2VuS8JOkr7s sobre a razão na natureza.
141

Sequências recursivas em métodos computacionais. Em muitas aplicações compu-


tacionais temos sequências recursivas. O Método de Newton é utilizado para aproximar
raı́zes de equações f (x) = 0 sempre que uma solução exata se mostra muito custosa ou até
mesmo impossı́vel de se obter. No caso da equação x2 − 2 = 0 o Método de Newton fornece

aproximações sucessivas para a raiz ξ = 2 ≈ 1.414214 através da sequência
 
1 2
x1 = 1 e xn = xn + , para n ≥ 2.
2 xn
Veja abaixo a sequência {xn }∞
n=1 gerada pelo Método de Newton:

1 x1 = 1 1.000000
1
1 + 1 = 32
2

2 x2 = 2
1.500000
 
3 x3 = 12 32 + 3/2
2
= 17 1.416666
  12
4 x4 = 12 17
12
2
+ 17/12 = 577
408
1.414216

3.4 Séries de Números Reais

Soma de infinitos termos em progressão geométrica. Considere a progressão geométrica


de razão 1/2 e termo inicial 1/2, cuja soma é dada por
1 1 1
+ + + · · · = 1. (3.3)
2 4 8
Dizemos que a soma infinita acima define uma série convergente, onde o termo “série” se
refere a uma soma infinita de números reais. Podemos ilustrar a equação acima através da
Figura 3.11: cada um dos termos do lado esquerdo da Equação (3.3) representa uma fração
da área de um quadrado de lado 1. A soma (infinita) de todas essas áreas é igual a 1.

Destacamos que é possı́vel, no entanto, que uma soma infinita não se aproxime cada vez
mais de um certo valor, como vimos na Equação (3.3): na Figura 3.12 temos que a soma da
área de infinitos quadrados de área 1 fica cada vez maior, tendendo ao infinito; dizemos que
a soma correspondente define uma série divergente.
142

Figura 3.11: Partições da área de um quadrado definindo uma série convergente.

Figura 3.12: Soma das áreas de infinitos quadrados iguais: série divergente.

Somas infinitas em representações de números. A representação decimal de alguns


números representa outro exemplo de uma soma infinita que representa um número real. A
representação decimal 1729 é dada por

1729 = 1000 + 700 + 20 + 9.

No caso de uma dı́zima periódica temos uma soma infinita: o número 0.333 . . . é escrito
como
1
= 0.333 · · · = 0.3 + 0.03 + 0.003 + · · · .
3

Conceitos básicos. É importante relembrar a notação sigma para somatório: a letra


grega maiúscula “Σ” indica o somatório da quantidade à direita deste sı́mbolo, que em geral
depende de uma variável que percorre um intervalo definido abaixo e acima deste sı́mbolo.
Por exemplo: a soma 1 + 4 + 9 + 16 + 25 representa a soma de quadrados de números
inteiros, que representamos de maneira genérica como i2 ; os inteiros considerados neste caso
143

são i = 1, 2, 3, 4 e 5. Podemos escrever esta soma através da notação sigma da seguinte


maneira:
5
X
1 + 4 + 9 + 16 + 25 = i2 .
i=1
1 1
Um outro exemplo: a soma dos termos da progressão geométrica 1 + + + · · · pode ser
2 4
escrita como

1 1 X 1
1 + + + ··· = . (3.4)
2 4 n=1
2n
Este é, em geral, o primeiro exemplo de série convergente que nos é claramente apresentado:
apesar de estarmos somando infinitos números positivos, o valor da soma não cresce cada
vez mais, se aproximando de infinito; o valor da soma se aproxima do número 2.

Definição 3.4.1. Uma série infinita,ou simplesmente série, é a soma infinita dos termos de
uma sequência infinita {an }∞
n=1 de números reais. Escrevemos


X
an = a1 + a2 + a3 + · · · .
n=1

Os números a1 , a2 , a3 , . . . são ditos os termos da série.

.Obs: Podemos considerar o conceito de série para uma sequência {an }∞


n=n0 para qualquer

ı́ndice inicial n0 . Em particular, para uma sequência com termo inicial a0 , podemos consi-
derar a série

X
an = a0 + a1 + a2 + · · · .
n=0
......................................................................................... /

A soma de infinitos números reais é um conceito que ainda precisamos definir: sabemos
calcular a soma 1 + 4 + 9 + 16 + 25, mas a soma infinita 1 + 4 + 9 + 16 + 25 + 36 + · · · é
avaliada através de um limite. Considere a série ∞ −n
P
n=0 2 apresentada na Equação (3.4).
Avaliamos esta soma infinita através das somas parciais sn dos n primeiros termos da série:

sn = a0 + a1 + · · · + an−1 .
144

Temos os seguintes valores para n = 1, 2, . . . , 5:

s1 = a0 = 1,
1
s 2 = a0 + a1 = 1 + = 1,5,
2
1 1
s3 = a0 + a1 + a2 = 1 + + = 1,75,
2 4
1 1 1
s4 = a0 + a1 + a2 + a3 = 1 + + + = 1,875,
2 4 8
1 1 1 1
s 5 = a0 + a1 + a2 + a3 + a4 = 1 + + + + = 1,9375.
2 4 8 16

À medida que consideramos valores cada vez maiores para n, nos aproximamos da ideia de
soma infinita da Equação (3.4). Em outras palavras, consideramos o limite da sequência
{sn }∞
n=1 , conforme visto na Seção 3.1.

Vejamos agora como podemos calcular o valor S = lim sn . Através da distributiva


n→∞
verificamos que
1 1 1 1
sn = 1 + + + + · · · + n−1 ,
2 4 8 2
1 1 1 1 1 1
sn = + + + + ··· + n.
2 2 4 8 16 2
Subtraindo as equações acima obtemos
 
1 1
1− sn = 1 − n ,
2 2

isto é,
1 − 21n 1 − 21n 1
sn = 1 = 1 = 2 − n−1 .
1− 2 2
2
Como  
1
lim sn = lim 2 − = 2,
n→∞ n→∞ 2n−1
dizemos que a série (3.4) converge para 2:
∞  
X 1 1 1 1
= lim 1 + + + · · · + n−1 = 2.
n=0
2n n→∞ 2 4 2
145

P∞
Definição 3.4.2. Seja n=1 an a série definida pela sequência {an }∞
n=1 . Considere, para

n ≥ 1, a n-ésima soma parcial sn definida abaixo:

sn = a1 + a2 + · · · + an .

P∞
A sequência {sn }∞
n=1 é dita a sequência de somas parciais da série n=1 an . Se a sequência
P∞
{sn }∞
n=1 converge para um número S ∈ R dizemos que a série n=1 an é convergente e
escrevemos

X
an = S.
n=1

Dizemos neste caso que S é o limite ou a soma da série ∞


P
n=1 an . Se a sequência de somas
P∞
parciais {sn }∞
n=1 diverge dizemos que a série n=1 an diverge.

O argumento utilizado para provar que a série (3.4) é convergente pode ser utilizado para
provar que toda série geométrica de razão r satisfazendo |r| < 1 é convergente.

Teorema 3.4.3. A série geométrica



X
arn = a + ar + ar2 + · · ·
n=0

é convergente se |r| < 1 e divergente se |r| ≥ 1.

Exercı́cio 3.4.4. Prove o Teorema 3.4.3.

Exercı́cio 3.4.5. Prove que a série

0,3 + 0,03 + 0,003 + · · · = 3 · 10−1 + 3 · 10−2 + 3 · 10−3 + · · ·

1
é igual a repetindo o argumento acima.
3

Exercı́cio 3.4.6. Escreva o número 2.3171717 . . . como uma série. Prove que esta série é
convergente e determine o seu limite.
146


X
Exercı́cio 3.4.7. Determine se a série (−1)n é convergente ou divergente.
n=1

Exemplo 3.4.8. Determine se cada uma das séries abaixo é convergente ou divergente.
Caso seja convergente, calcule seu limite.

X 5
(i)
n=0
4n


X
(ii) 32n 51−n
n=1

A série do item (i) pode ser escrita como


∞ ∞  n
X 5 X 1
n
= 5 .
n=0
4 n=0
4

Como esta é uma série geométrica de razão r = 1/4 < 1, segue do Teorema 3.4.3 que esta
série é convergente. Para calcular seu limite, procedemos como no caso da série (3.4). Seja
 
1 1 1
sn = 5 1 + + 2 + · · · + n−1 .
4 4 4
Então,
1 − 41n
 
1 1 1 1 4
sn = 5 · 1 + 5 · + 5 · 2 + · · · + 5 · n−1 = 5 =5 1− n .
4 4 4 1 − 14 4 3
20
Segue que lim sn = .
n→∞ 3
A série do item (ii) pode ser escrita como
∞ ∞ ∞ ∞  n
X
2n 1−n
X
n −n
X 9n X 9
3 5 = 9 5·5 = 5 n = 5 .
n=1 n=1 n=1
5 n=1
5

Como esta é uma série de razão r = 9/5 > 1, a série é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

A série do Exercı́cio 3.4.7 é divergente pois a sequência de somas parciais correspondente


oscila indefinidamente entre os números −1 e 0. No exemplo abaixo temos uma sequência
de somas parciais que diverge para o infinito.
147


X
Exercı́cio 3.4.9. Prove que a série n = 1 + 2 + 3 · · · + n + · · · é divergente.
n=1

Somas telescópicas. Veremos a seguir como a técnica de somas telescópicas pode ser
utilizada para provar a convergência de séries.

Exemplo 3.4.10. Considere a série



X 1 1 1 1
= + + + ··· .
n=1
n(n + 1) 1·2 2·3 3·4

A fim de provar que esta série é convergente, utilizamos frações parciais para escrever o
1
termo an = como
n(n + 1)
1 A B
= + , (3.5)
n(n + 1) n n+1
onde A,B são números reais a serem determinados6 . Ao somar as duas frações à direita na
Equação (3.5) sob o múltiplo comum n(n + 1), obtemos

1 A(n + 1) + Bn 1 (A + B)n + A
= , isto é, = .
n(n + 1) n(n + 1) n(n + 1) n(n + 1)

Segue que (A + B)n + A = 1, logo A = 1 e B = −1. Com isso determinamos os coeficientes


da Equação (3.5):
1 1 1
= − ,
n(n + 1) n n+1
de modo que
∞ ∞  
X 1 X 1 1
= − .
n=1
n(n + 1) n=1 n n+1
Quando escrevemos os termos da série para n ≥ 1 observamos vários cancelamentos:
∞      
X 1 1 1 1 1 1 1
= − + − + − + ··· .
n=1
n(n + 1) 1 2 2 3 3 4
6
Note que a expressão na Equação (3.5) não é completamente arbitrária: faz sentido pensar que ao realizar
a soma das frações à direta através do mı́nimo múltiplo comum obteremos a expressão à esquerda.
148

Formalizamos esta ideia ao considerar a sequência {sn }∞


n=1 de somas parciais:
       
1 1 1 1 1 1 1 1 1
sn = − + − + − + ··· − =1− . (3.6)
1 2 2 3 3 4 n n+1 n+1

A partir da equação acima podemos concluir que sn → 1 quando n → ∞, isto é,



X 1
= 1.
n=1
n(n + 1)

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O termo “séries telescópicas” parece carecer de uma definição precisa, mas dizemos de
P
um modo geral que uma soma an , finita ou infinita, é telescópica se há um algum tipo
de cancelamento aditivo recorrente entre os termos an e an+1 , como aquele observado na
Equação (3.6).

3.5 Teste do Termo Geral e Propriedades Básicas


P
Teste do termo geral. Para que uma série an seja convergente é necessário que os
termos an se tornem cada vez menores7 . Caso contrário teremos uma situação como aquela
apresentada na Figura 3.12 ou no Exercı́cio 3.4.9. Esta propriedade é enunciada abaixo como
o Teorema 3.5.1.

P
Teorema 3.5.1. Se a série infinita an é convergente, então lim an = 0.
n→∞

P∞
Demonstração Demonstração : Seja n=1 an uma série convergente com limite L e seja
{sn }∞
n=1 a sequência de somas parciais correspondente. Note que

sn − sn−1 = (a1 + · · · + an−1 + an ) − (a1 + · · · + an−1 ) = an .


7
P
Adotamos a notação
an para indicar uma série genérica cujo ı́ndice inicial para n pode ser n = 1 ou
P P∞ P∞
n = 0. Em outras palavras, an pode representar n=1 an ou n=0 an .
149

Segue que

lim an = lim (sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = L − L = 0,


n→∞ n→∞ n→∞ n→∞

como gostarı́amos.

P P
Corolário 3.5.2. Se an é uma série tal que lim an 6= 0, então an é divergente.
n→∞

Demonstração Demonstração : Este resultado segue diretamente do Teorema 3.5.1. De


P P
fato, seja an uma série tal que limn→∞ an 6= 0. A série an não pode ser convergente
P
pois, pelo Teorema 3.5.1, terı́amos como consequência limn→∞ an = 0. Segue que an é
divergente.

É muito importante ressaltar que o Teorema 3.5.1 não garante a convergência de uma
an tal que limn→∞ an = 0. De fato, as séries ∞
P P 1
P∞ 1
série n=1 2n e n=1 n satisfazem ambas

esta condição, porém a primeira é convergente e a segunda é divergente, conforme vemos a


seguir no Exemplo 3.5.3. Isto prova que a partir da condição limn→∞ an = 0 não podemos
P
afirmar nada sobre a convergência da série an .

Exemplo 3.5.3. Considere a série abaixo, conhecida como série harmônica:



X 1 1 1
= 1 + + + ··· .
n=1
n 2 3
P∞
Provaremos que esta série é divergente8 . Como 1/n > 0 para todo n ≥ 1, a série n=1 1/n
define uma sequência de somas parciais monótona crescente. Provamos a seguir que esta
sequência não possui limitante superior, logo diverge para infinito. Observe o comportamento
8
A primeira demonstração registrada deste fato é dado ao professor e bispo francês Nicole Oresme, no
século XIV.
150

dos termos sn para n = 2k , k ≥ 1:


1 1 1
s2 = 1 + > + = 1,
2 2 2
1 1 1 1 3
s4 = s2 + + > s2 + + = ,
3 4 4 4 2
1 1 1 1 1 1 1 1 1 4
s8 = s4 + + + + > s4 + + + + = s4 + > ,
5 6 7 8 8 8 8 8 2 2
1 1 1 1 1 5
s16 = s8 + + + ··· + > s8 + 8 · = s8 + > .
9 10 16 16 2 2

É possı́vel generalizar este argumento e provar que sn > (k + 1)/2 para n = 2k , k ≥ 1. Para
qualquer número real M0 > 0, existe k0 ≥ 1 tal que

k0 + 1
> M,
2

então, para n0 = 2k0 , temos sn0 > M . Isto prova que a sequência de somas parciais {sn }∞
n=1

fica arbitrariamente grande, maior que qualquer número real M fixado. Segue que

lim sn = +∞,
n→∞

P∞ 1
e, portanto, a série n=1 n é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Importante!
P
Se lim an = 0, nada podemos afirmar sobre a convergência da série an .
n→∞


X n2 + 2n
Exemplo 3.5.4. Mostre que a série 2+1
é divergente.
n=1
n

Podemos escrever a série acima como ∞


P
n=1 an , onde

n2 + 2n
lim an = lim = 1.
n→∞ n→∞ n2 + 1

Como lim an 6= 0, segue do Teorema 3.5.1 que a série é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 


n→∞
151

P∞ P∞
Teorema 3.5.5. Sejam n=1 an e n=1 bn séries convergentes com limites L1 e L2 , respec-
tivamente. Então:
P∞ P∞
(i) a série n=1 (an + bn ) é convergente e n=1 (an + bn ) = L1 + L2 ;
P∞ P∞
(ii) a série n=1 (an − bn ) é convergente e n=1 (an − bn ) = L1 − L2 ;

(iii) para qualquer número c ∈ R a série ∞


P P∞
n=1 c · an é convergente e n=1 c · an = c · L1 ;
P∞ P∞
.Obs: Se n=1 an e n=1 bn são séries divergentes, nada podemos afirmar sobre a con-

vergência da séries ∞
P P∞
n=1 (an − bn ) e n=1 (an + bn ). Veja os exemplos abaixo.

(i) As séries definidas por an = (−1)n , n ≥ 1, e bn = (−1)n+1 , n ≥ 1, são ambas divergentes,


X∞
mas a série (an + bn ) é convergente.
n=1

(ii) As séries definidas por an = (−1)n , n ≥ 1, e bn = (−1)n , n ≥ 1, são ambas divergentes, mas

X
a série (an + bn ) é divergente.
n=1

......................................................................................... /

A convergência de uma série é determinada pelo comportamento de como seus termos


an se comportam para valores grandes de n. Assim, podemos deletar ou adicionar uma
quantidade finita de termos a uma série sem afetar sua convergência.

Teorema 3.5.6. Seja ∞


P
n=1 an uma série de números reais e n0 ≥ 1 um inteiro qualquer.

Então n=1 an converge se e somente se ∞


P∞ P
n=n0 an converge.

3.6 Teste da Integral


P
Podemos determinar se uma série an é convergente ou divergente avaliando uma
ˆ ∞ integral
imprópria relacionada: se an = f (n) para n ≥ 1, consideramos a integral f (x) dx
a
152

para algum a ≥ 1 qualquer. Para entender a relação entre a série e a integral imprópria
correspondente, considere a série abaixo:

X 1 1 1
√ = 1 + √ + √ + ··· .
n=1
n 2 3
ˆ ∞
1
Temos an = f (n) para f (x) = √ , onde a integral f (x) dx representa a área entre o
x a
eixo x e o gráfico da função f , à direita de x = a. Veja a Figura 3.13. Conforme ilustrado
1
na Figura 3.14, o termo an = √ da série pode ser interpretado como a área de um dos
n
retângulos que aproximam a área da Figura 3.14.

ˆ ∞
1
Figura 3.13: Região plana de área √ dx.
1 x


X 1
Figura 3.14: Região plana de área √ .
n=1
n

∞ ˆ ∞
X 1 1
Segue do argumento geométrico (Figura 3.14) que √ ≥ √ dx, onde a integral
n=1
n 1 x
153

à direita é divergente:
ˆ ∞ x=t
!
 √ √ 
1 √
√ dx = lim 2 x = lim 2 t + 2 1 = +∞.
1 x t→∞
x=1
t→∞


X 1
Como a série √ é maior que a integral acima que diverge para +∞, segue que a série
n=1
n
é divergente.

Podemos também utilizar integrais impróprias para provar a convergência de séries infi-
nitas. Considere a série

X 1 1 1 1
2
=1+ + + + ··· .
n=1
n 4 9 16
ˆ ∞
1
Temos an = f (n) para f (x) = 2 , de modo que a integral f (x) dx representa a área
x a
entre o eixo x e o gráfico da função f , à direita de x = a. Veja a Figura 3.15. Conforme
1
ilustrado na Figura 3.16, o termo an = 2 da série pode ser interpretado como a área de um
n
dos retângulos que aproximam a área da Figura 3.15.

ˆ ∞
1
Figura 3.15: Região plana de área dx.
1 x2

O argumento geométrico agora é um pouco diferente: os retângulos da Figura 3.16 tem


a altura definida pela extremidade direita do respectivo intervalo no eixo x, enquanto na
Figura 3.14 escolhemos a extremidade esquerda; agora temos que o valor da série é menor
do que a integral imprópria correspondente, de onde concluiremos a convergência da série.
Vemos pelas Figuras 3.15 e 3.16 que a soma das áreas dos retângulos, que aproxima a integral
154


X 1
Figura 3.16: Região plana de área 2
.
n=1
n

ˆ ∞ ∞ ˆ ∞
1 X 1 1
2
dx, representa a série com termo inicial n = 2. Temos portanto 2
≤ dx,
1 x n=2
n 1 x2
onde a integral à direita é convergente:
ˆ ∞ t
!  
1 1 1 1
dx = lim − = lim − + = 1.
1 x2 t→∞ x x=1 t→∞ t 1

∞ ∞ ∞ ∞
X 1 X 1 X 1 X 1
Como 2
= 2
− 1, temos 2
− 1 ≤ 1, isto é, ≤ 2. A sequência de
n=2
n n=1
n n=1
n n=1
n2
m
X 1
somas parciais Sm = é monótona estritamente crescente e limitada, portanto a série é
n=1
n2
convergente. Através deste critério não podemos afirmar qual o valor da série, mas é possı́vel
afirmar que é convergente9 .

O argumento utilizado acima pode ser generalizado no formato do teorema abaixo.


9
O valor desta soma, descoberto por Leonhard Euler no século XVIII, é π 2 /6. Esta série coincide com o
valor da função zeta de Riemman ζ(s) em s = 2, cuja demonstração de uma certa propriedade é atualmente
um problema de um milhão de dólares; procure mais sobre a Hipótese de Riemann, se desejar.
155

P∞
Teorema 3.6.1 (Teste da Integral). Seja n=1 an uma série de números reais positivos
tal que an = f (n) para n ≥ 1. Suponha que existe a ≥ 1 tal que f (x) é contı́nua e monótona
decrescente para x ∈ [a, + ∞). Então:
ˆ ∞ ∞
X
(i) se f (x) dx é convergente então an é convergente;
a n=1
ˆ ∞ ∞
X
(ii) se f (x) dx é divergente então an é divergente.
a n=1

Importante!

Mesmo quando o Teste da Integral (Teorema 3.6.1) fornece a convergência, não é


possı́vel afirmar que o valor da integral coincide com o valor da série:
ˆ ∞ ∞
X
f (x) dx 6= an .
a n=1

.Obs: O teorema acima é um critério que avalia o comportamento dos termos an da série
para valores grandes de n através do comportamento da função f (x) para valores grandes de

ˆ ∞n ≥ a, onde a é um número real qualquer;


x. O teorema continua válido se an = f (n) para
consideramos neste caso a integral imprópria f (x) dx. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ./
a


X 1
Exemplo 3.6.2. Prove que a série harmônica é divergente usando o teste da integral.
n=1
n
P
Temos que a série acima é dada por números positivos an , onde an = f (n) e f (x) = 1/x
é função contı́nua e monótona decrescente. Como
ˆ ∞ x=t
!
f (x) dx = lim ln x = lim (ln t − ln 1) = +∞,
1 t→∞ t→∞
x=1

segue que a série harmônica é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 



X 1
Exemplo 3.6.3. Determine se a série é convergente ou divergente.
n=1
(2n + 1)3
156

P
Temos que a série acima é dada por números positivos an , onde an = f (n) e f (x) =
1/(2x+1)3 é função contı́nua e monótona decrescente. Fazendo a substituição u = 2x+1 =⇒
du = 2dx obtemos
ˆ ˆ
1 du 1 1
f (x) dx = 3
= − u−2 + C = − + C.
u 2 4 4(2x + 1)2
Logo,
ˆ ∞ x=t
!  
1 1 1 1
f (x) dx = lim − = lim − + = .
1 t→∞ 4(2x + 1)2 x=1
t→∞ 4(2t + 1) 2 36 36
Segue que a série harmônica é convergente. Ressaltamos que 1/36 não é o valor da série, e
sim o valor da integral imprópria; esses valores não necessariamente coincidem. . . . . . . . . . 

O Teste da Integral fornece exatamente os valores de p para os quais uma importante


classe de séries10 é convergente: ∞ 1
P
n=1 np é convergente se e somente se p > 1.


X 1
Teorema 3.6.4. A série é convergente para p > 1 e divergente para p ≤ 1.
n=1
np

Exercı́cio 3.6.5. Prove o Teorema 3.6.4.

Exercı́cio 3.6.6. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X 1 X ln n
(i) (ii)
n=1
1 + n2 n=1
n

3.7 Testes da Comparação

O teorema abaixo faz uso de uma ideia semelhante àquela apresentada no teste da inte-
gral, onde concluı́mos que uma série de números positivos era convergente pois era limitada
10
P∞ 1
A série n=1 np é conhecida como a função zeta de Riemann ζ(s) avaliada em s = p. Sua relação com
números primos é de grande interesse para os matemáticos.
157

superiormente por uma quantidade finita (integral imprópria convergente). No teste da


comparação seguimos o mesmo raciocı́nio: limitamos superiormente uma série por uma série
convergente. Um raciocı́nio análogo é utilizado para provar também a divergência de séries.

P∞ P∞
Teorema 3.7.1. Sejam n=1 an e n=1 bn séries de números reais positivos tais que an ≤ bn
para todo n ≥ 1. Então:
P∞ P∞
(i) se n=1 bn é convergente então n=1 an é convergente;
P∞ P∞
(ii) se n=1 an é divergente então n=1 bn é divergente.

Demonstração Demonstração : Provaremos o item (i) e deixamos o item (ii) como exercı́cio.
Suponha que ∞
P
n=1 bn é uma série convergente com limite T e sejam

m
X m
X
Sm = an , Tm = bn .
n=1 n=1

Segue de an ≤ bn para todo n ≥ 1 que Sm ≤ Tm para todo m ≥ 1, onde Tm ≤ limm→∞ Tm =


T , pois os termos bn são positivos por hipótese. Segue que Sm ≤ T para todo m ≥ 1. Como
os termos da sequência {an }∞
n=1 são positivos, temos Sm ≥ 0 para todo m ≥ 1. Então

{Sm }∞ ∞
m=1 é uma sequência monótona crescente e limitada, donde concluı́mos que {Sm }m=1

é sequência convergente. Isto prova que a série ∞


P
n=1 bn é convergente.

.Obs: Novamente o teorema em questão representa uma avaliação do comportamento dos


termos an de uma série para valores grandes de n. Não é necessário que a condição an ≤ bn
valha para todo n ≥ 1: se an ≤ bn para todo n ≥ n0 , onde n0 é um inteiro positivo qualquer,
o teorema ainda é válido. Veja o Teorema 3.5.6. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Exemplo 3.7.2. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X n X 4 + 3n
(i) 3
(ii)
n=1
2n + 1 n=1
2n
158

O termo geral do item (i) é, intuitivamente, semelhante a 1/2n2 para valores grandes de
n:
n n 1
≈ = ,
2n3 + 1 2n3 2n2
1
P
onde 2n2
define uma série convergente. Isto nos leva a crer que a série do item (i) é
convergente, mas resta ainda provar ! Faremos isso através to teste da comparação: temos
2n3 + 1 ≥ 2n3 , logo
n n 1
≤ 3 = 2,
2n3 +1 2n 2n
1
é convergente (Teorema 3.6.4). Segue do Teorema 3.7.1 que ∞ n
P P
onde 2n2 n=1 2n3 +1
é con-
vergente.

Já a série do item (ii) tem seu termo geral dado aproximadamente por
 n
4 + 3n 3n 3
≈ =
2n 2n 2
P 3 n 
para valores grandes de n, onde 2
é divergente (Teorema 3.4.3). Esta intuição nos leva
a crer que a série do item (ii) é divergente, algo que provaremos com o teste da comparação:
como  n
4 + 3n 3n
3
≥ =
2n 2n
2
P 3 n P∞ n
e 2
é divergente, segue do Teorema 3.7.1 que n=1 2n3 +1
é divergente. . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.7.3. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X n3 X 2 + (−1)n
(i) (ii) √
n=1
n4 − 1 n=1
n n

Teste do limite da comparação. No Exercı́cio 3.7.3 foi necessário estimar superiormente


e inferiormente os termos da série, o que nem sempre é intuitivo. O teorema a seguir fornece
uma alternativa em muitos dos casos: uma maneira de reconhecer o comportamento de uma
P
série an através dos termos de maior ordem na expressão an = f (n).
159

P P
Teorema 3.7.4. Sejam an e bn séries de números reais positivos. Se

an
lim = c,
n→∞ bn

P P
para algum número real c > 0, então ambas as séries an e bn convergem ou divergem.

A intuição por trás do Teorema 3.7.4 é a seguinte. Seja c > 0 e suponha que

an
lim= c.
n→∞ bn

Segue que, para valores grandes de n, temos an /bn ≈ c, isto é, an ≈ cbn . Como convergência
P P
de uma série an é definida pelo comportamento de an para n grande e as séries bn e
P
cbn ambas convergem ou divergem, é de certa forma natural esperar um resultado como
o do Teorema 3.7.4.

Exemplo 3.7.5. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X 1 X 5
(i) (ii)
n=1
n3 − 2n n=1
3n + 1

1
P
A série do item (i) se assemelha à série ,
pois para valores grandes de n temos que
n3

n3 − 2n ≈ n3 . Consideramos portanto as séries


P P
an e bn , como no Teorema 3.7.4, onde

1 1
an = e bn = .
n3 − 2n n3

Como
an n3
lim= lim 3 =1
n→∞ bn n→∞ n − 2n

1
P
e n3
é convergente (Teorema 3.6.4), segue que a série do item (i) é convergente.
P P
Analogamente ao item (i), consideramos no item (ii) as séries an e bn com

5 5
an = e bn = ,
3n + 1 3n
160

pois intuitivamente temos 3n + 1 ≈ 3n para valores grandes de n. Como


an 3n 1
lim = lim n = lim =1
n→∞ bn n→∞ 3 + 1 n→∞ 1 + 3−n

53−n é convergente (Teorema 3.4.3), segue que a série do item (ii) é convergente. . . . 
P
e

Exercı́cio 3.7.6. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X n2 X 3n − 2
(i) √ (ii)
n=1
n5 − n3 n=1
(n + 2)2

3.8 Testes da Razão e da Raiz

Nesta seção veremos o teste da razão e da raiz, que possuem a seguinte vantagem com relação
aos testes vistos na Seção 3.7: estes testes dependem exclusivamente dos termos da série em
mãos, não sendo necessário intuir que outra série utilizaremos.
P
Teorema 3.8.1 (Teste da Razão). Seja an uma série de termos positivos e considere
o limite
an+1
lim = ρ.
n→∞ an
P
(i) Se ρ < 1, então a série an converge.
P
(ii) Se ρ > 1 ou ρ = +∞, então a série an diverge.

(iii) Se ρ = 1, então o teste da razão é inconclusivo, isto é, nada podemos afirmar com este
teste.
.Obs: O teste da razão é inconclusivo quando ρ = 1 pois, se an = 1/np para n ≥ 1, temos
p
(n + 1)p

an+1 n+1
lim = lim p
= lim = 1p = 1.
n→∞ an n→∞ n n→∞ n
P an+1
Segue que séries an com limn→∞ an = 1 podem convergir (caso p > 1 acima) ou divergir
(caso p ≤ 1 acima). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /
161

Podemos entender o princı́pio do Teorema 3.8.1 de maneira semelhante ao que fizemos


com o Teorema 3.7.4. Seja ρ > 0 e suponha que
an+1
lim = ρ.
n→∞ an

Segue que, para valores grandes de n, temos an+1 /an ≈ ρ, isto é, an+1 ≈ ρ · an . Estendo este
argumento para valores maiores ainda de n temos:

an+1 ≈ ρ · an ,
an+2 ≈ ρ · an+1 ≈ ρ2 an ,
an+3 ≈ ρ · an+2 ≈ ρ3 an ,
..
.
an+k ≈ ρ · an+k−1 ≈ ρk an .
Estas aproximações sugerem que a sequência {an }∞
n=1 se comporta como uma progressão

geométrica de razão ρ para valores grandes de n. É portanto natural que esperar que a série
convirja para ρ < 1 e divirja para ρ > 1; no caso ρ = 1 o teste falha e nada podemos afirmar.

Exemplo 3.8.2. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X 2n X nn
(i) (ii)
n=1
3n n=1
n!

Se an = 2n/3n , então
an+1 2(n + 1) 3n 1n+1 1
lim = lim n+1
= lim = .
n→∞ an n→∞ 3 2n n→∞ 3 n 3
an+1 1
Como limn→∞ an
= 3
< 1, segue do Teorema 3.8.1 que a série do item (i) é convergente.

nn
Procedemos de maneira análoga no item (ii). Seja an = n!
. Então,
an+1 (n + 1)n+1 n!
lim = lim .
n→∞ an n→∞ (n + 1)! nn

Como (n + 1)! = (n + 1) · n!, segue que


n
(n + 1)n+1 1 (n + 1)n

an+1 1
lim = lim = lim = lim 1 + .
n→∞ an n→∞ n + 1 nn n→∞ nn n→∞ n
162

O limite acima à direta é conhecido e igual ao número de Euler e = 2,7 · · · > 1. Segue do
Teorema 3.8.1 que a série é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.8.3. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X 4n + 5 X (2n)!
(i) (ii)
n=1
5n n=1
n!n!


A seguir apresentamos o teste da raiz, onde consideramos o limite de n an quando n → ∞
P
no caso de uma série an de números positivos. Se este limite é igual ρ, onde ρ é um

número real ou +∞, podemos esperar que para n grande tenhamos n an ≈ ρ, que poderia
ser reescrito como an ≈ ρn . Isto sugere que para valores grandes de n os termos da série
P
an se comportam como os de uma série geométrica de razão ρ; esta é a ideia por trás da
demonstração do teorema abaixo.

P
Teorema 3.8.4 (Teste da Raiz). Seja an uma série de termos positivos e considere o
limite

lim n
an = lim (an )1/n = ρ.
n→∞ n→∞
P
(i) Se ρ < 1, então a série an converge.
P
(ii) Se ρ > 1 ou ρ = +∞, então a série an diverge.

(iii) Se ρ = 1, então o teste da raiz é inconclusivo, isto é, nada podemos afirmar com este
teste.

Ao aplicar o Teste da Raiz é por vezes necessário fazer uso do seguinte resultado: a

sequência {an }∞
n=1 definida por an =
n
n, n ≥ 1, é convergente e possui limite 1. De fato,
temos  
1/n 1/n
 1
an = n = exp log n = exp log n .
n
163

1

Consideramos então o limite da função real f (x) = exp x
log x . Note que, pela Regra de
L’Hôpital,
log x 1/x
lim = lim = 0.
x→+∞ x x→+∞ 1

Segue da continuidade da função g(x) = ex que


   
1 log x
lim exp log x = exp lim = exp(0) = 1.
x→+∞ x x→+∞ x

Provamos assim que



n
lim n = 1. (3.7)
n→∞

.Obs: Vemos que o teste da raiz é inconclusivo quando ρ = 1 de maneira análoga àquela do
teste da razão: se an = 1/np para n ≥ 1, temos
√ 1 1
n
an = lim √
lim lim √ .
n→∞ n→∞ n
np n→∞ ( n)p
n


Segue da Equação (3.7) que limn→∞ n an = 1. Conforme visto anteriormente, dependendo
P
do valor de p temos que a série an é convergente ou divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /

Exemplo 3.8.5. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞  n ∞
X n + 10 X 3n
(i) (ii)
n=1
5n − 2 n=1
n2

n+10
Seja an = 5n−2
. Então
√ n + 10 1
limn
an = lim = .
n→∞ n→∞ 5n − 2 5

Como limn→∞ n an < 1, segue do Teorema 3.8.4 que a série do item (i) é convergente.

3n
Considere agora an = n2
. Temos que
√ 3 3
an = lim √
lim n
= lim √ ,
n2 n→∞ ( n)2
n n
n→∞ n→∞
√ √
onde, pela Equação (3.7), temos limn→∞ ( n n)2 = 12 = 1. Segue que limn→∞ n an = 3 > 1,
portanto, pelo Teorema 3.8.4, a série do item (ii) é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
164

Exercı́cio 3.8.6. Determine se a série abaixo é convergentes ou divergente:


∞  n
X 1
.
n=1
1 + n

3.9 Séries Alternadas, Convergência Absoluta e Con-


dicional
P
Dizemos que uma série an é alternada se uma das condições abaixo é satisfeita:

(i) os termos an de ı́ndice ı́mpar são positivos e os de ı́ndice par são negativos;

(ii) os termos an de ı́ndice ı́mpar são negativos e os de ı́ndice par são positivos.

Veja alguns exemplos:



X (−1)n 1 1 1
= −1 + − + − ··· ,
n=1
n 2 3 4

X (−1)n 1 1 1
= 1 − + − + ··· ,
n=1
n+1 2 3 4

X (−1)n 1 1 1
= 1− + − + ··· .
n=0
2n 2 4 8

De um modo geral uma série alternada pode ser escrita como



X ∞
X
n
(−1) an ou (−1)n+1 an , (3.8)
n=1 n=1

onde an é um número positivo. O teorema a seguir é um importante critério para séries


alternadas: ele afirma que, dentro de certas condições, o Teorema 3.5.1 fornece uma condição
não só necessária mas também suficiente para a convergência da série.
165

Teorema 3.9.1. Considere uma série de números reais escrita como



X ∞
X
(−1)n an ou (−1)n+1 an ,
n=1 n=1

onde {an }∞
n=1 define uma sequência monótona decrescente de números positivos. Se
limn→∞ an = 0 então a série é convergente.
P∞ n+1 a
Demonstração Demonstração : Considere a série alternada n=1 (−1) n e a sequência
{sn }∞
n=1 de somas parciais:

sn = a1 − a2 + a3 − a4 + · · · + (−1)n+1 an .

Consideramos o que ocorre com ı́ndices pares e ı́mpares da sequência {sn }∞


n=1 . Se n é par,

então n = 2k para algum k ≥ 1 e

s2k = (a1 − a2 ) + (a3 − a4 ) + · · · + (a2k−1 − a2k ).

Como {an }∞
n=1 é uma sequência decrescente, temos a1 ≥ a2 , isto é, a1 − a2 ≥ 0. A sequência

s2 , s4 , s6 , s8 , . . . é portanto uma sequência monótona crescente:

s2 = a1 − a2
s4 = (a1 − a2 ) + (a3 − a4 ) = s2 + (a3 − a4 ), onde a3 − a4 ≥ 0,
s6 = (a1 − a2 ) + (a3 − a4 ) + (a5 − a6 ) = s4 + (a5 − a6 ), onde a5 − a6 ≥ 0,
..
.

Note que, como (a2k−1 − a2k ) ≥ 0 para todo k, vemos pelas equações acima que a sequência
{s2k }∞
k=1 = s2 , s4 , s6 , s8 , . . . é limitada inferiormente por 0. Além disso, temos

s2 = a1 − a2 ≤ a1
s4 = a1 − (a2 − a3 ) − a4 ≤ a1 + 0 − a4 ≤ a1 ,
s6 = a1 − (a2 − a3 ) − (a4 − a5 ) − a6 ≤ a1 + 0 + 0 − a6 ≤ a1 ,
..
.

portanto a sequência {s2k }∞


k=1 é limitada superiormente por a1 . Segue que a sequência

{s2k }∞
k=1 é convergente; seja S o seu limite.
166

Seja n um número ı́mpar positivo. Então n = 2k + 1 para algum k ≥ 0 e s2k+1 =


s2k + a2k+1 . Segue que o limite da sequência {s2k+1 }∞
k=0 = s1 , s3 , s5 , s7 , . . . é dado por

lim s2k+1 = lim (s2k + a2k+1 ) = L + 0 = L.


k→∞ k→∞

É possı́vel provar agora que a sequência {sn }∞


n=1 é convergente. Seja ε > 0. Como

{s2k }∞
k=1 converge para L, existe N1 ≥ 1 tal que |s2k − L| < ε para todo 2k ≥ N1 . Também

temos que {s2k+1 }∞


k=0 converge para L, logo existe N2 ≥ 1 tal que |s2k+1 − L| < ε para todo

2k + 1 ≥ N2 . Seja N = max{N1 ,N2 }. Se n ≥ N , consideramos os dois casos a seguir.

(i) Se n é par então n = 2k. Como n ≥ N e N = max{N1 ,N2 } ≥ N1 , temos n ≥ N1 e


portanto |sn − L| = |s2k − L| < ε.

(ii) Se n é ı́mpar então n = 2k + 1. Como n ≥ N e N = max{N1 ,N2 } ≥ N2 , temos n ≥ N2


e portanto |sn − L| = |s2k+1 − L| < ε.
P∞ n+1 a
Segue das Definições 3.4.2 e 3.1.5 que n=1 (−1) n é convergente.

A aplicação do Teorema 3.9.1 é muito simples: basta verificar que o valor absoluto dos
termos da série em questão formam uma sequência decrescente que converge para zero.

Exemplo 3.9.2. Verifique em cada um dos casos abaixo se a série converge (provando que
a sérire satisfaz as hipóteses do Teorema 3.9.1) ou divergente.
∞ ∞
X (−1)n X 5n + 1
(i) (ii) (−1)n+1
n=1
n n=1
2n + 3

(−1)n 1
Note que n
= (−1)n an , onde an = n
é uma sequência monótona decrescente de
números reais positivos. Como
lim an = 0,
n→∞

segue do Teorema 3.9.1 que a série do item (i) converge.

(−1)n+1 an com
P
A série do item (ii) pode ser escrita como
5n + 1 5
an = →
2n + 3 2
167

quando n → ∞. Isto prova que o termo geral (−1)n+1 an da série não converge para zero,
logo, pelo Teorema 3.5.1, a série do item (ii) é divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 3.9.3. Verifique se a série abaixo converge (provando que a sérire satisfaz as
hipóteses do Teorema 3.9.1) ou divergente.

X (−1)n n2
.
n=1
n3 + 1

Convergência absoluta e condicional. Algumas séries alternadas são convergentes mas


devido apenas à troca de sinais caracterı́stica de séries alternadas. Veja o caso das séries
abaixo:
∞ ∞
X (−1)n X (−1)n
e .
n=1
n n=1
2n
Ambas são convergentes, mas ao desprezar as respectivas trocas de sinal temos séries harmônica
e geométrica:
∞ ∞ ∞ ∞
X (−1)n X 1 X (−1)n X 1
= e n
= .
n=1
n n=1
n n=1
2 n=1
2n
Ao tomar o valor absolutos dos termos destas séries obtemos respectivamente séries diver-
gente e convergente. Isto motiva as definições a seguir.

P∞
Definição 3.9.4. Dizemos que uma série n=1 an converge absolutamente se a série
P∞
n=1 |an | converge. Caso contrário dizemos que a série diverge absolutamente.

P∞
Definição 3.9.5. Dizemos que uma série n=1 an converge condicionalmente se ela converge
mas a série ∞
P
n=1 |an | diverge.

P∞ (−1)n
Exemplo 3.9.6. A série é convergente, mas a série do valor absoluto dos seus
n=1 n
(−1)n
termos é divergente. Segue que a série ∞
P
n=1 n
é condicionalmente convergente. . . . . . 

(−1)n
Exemplo 3.9.7. A série ∞
P
n=1 2n é convergente. Sua série de valores absolutos também
P∞ (−1)n
converge, logo n=1 n é absolutamente convergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
168

P
Teorema 3.9.8. Se uma série an é absolutamente convergente então ela é também conver-
P P
gente. Em outras palavras, se a série |an | converge então a série an também converge.
P
Demonstração Demonstração : Seja an uma série absolutamente convergente. Note que
X X 
an = (an + |an |) − |an | .

P P
Seja bn = an + |an | e cn = |an |, de modo que an = (bn − cn ). Temos que

 2|an |, se an ≥ 0,
bn =
 0, se a < 0.
n

P P P
Segue que 0 ≤ bn ≤ 2|an | para todo n ≥ 1, logo 0 ≤ bn ≤ 2|an |. Segue do
P P
teste da comparação que bn é convergente. Como cn também o é, concluı́mos que
P P
an = (bn − cn ) é convergente, como gostarı́amos.

X sen n
Exercı́cio 3.9.9. Prove que a série é absolutamente convergente.
n=1
2n3


X (−1)n n2
Exercı́cio 3.9.10. Provamos no Exercı́cio 3.9.3 que a série é convergente. De-
n=1
n3 + 1
termine se esta série é absoluta ou condicionalmente convergente.

Abaixo temos uma nova versão do teste da razão: o Teorema 3.8.1 pode ser aplicado
P
apenas a série de números positivos; mas se a série an não possui nenhum termo nulo,
P
podemos aplicar o Teorema 3.8.1 à série |an |. De um modo geral não podemos afirmar que
P P
uma série an diverge a partir da divergência de |an |. Entretanto, o teorema a seguir
P
fornece uma maneira de concluir a convergência ou a divergência de an a partir do estudo
P
de |an |.
169

P
Teorema 3.9.11 (Teste da Razão para Convergência Absoluta). Seja an uma série
de números reais não-nulos. Considere o limite

an+1
lim = ρ.
n→∞ an
P
(i) Se ρ < 1, então a série an converge absolutamente e, portanto, converge.
P
(ii) Se ρ > 1 ou ρ = +∞, então a série an diverge.

(iii) Se ρ = 1, então este teste é inconclusivo, isto é, nada podemos afirmar com este teste.

Exercı́cio 3.9.12. Determine se as séries abaixo são convergentes ou divergentes.

∞ ∞
X (−1)n+1 X n!
(i) (ii) (−1)3n+1
n=1
n! n=1
2n
CAPÍTULO 4

SÉRIES DE POTÊNCIAS

É de grande importância para um engenheiro compreender que é possı́vel definir uma função
real f (x) onde, para cada x no domı́nio de f , a imagem f (x) é definida através de uma série.
O modelo matemático para fenômenos fı́sicos e quı́micos é frequentemente dado por uma
função definida através de uma série. Isto ocorre por exemplo nos casos da transferência
de calor em uma barra sólida e da propagação de ondas acústicas, ondas de água e ondas
eletromagnéticas1 . Funções definidas através de somas infinitas também desempenham um
papel importante no Cálculo Numérico, uma vez que fornecem um método computacional
eficaz para a aproximação do valor que funções não triviais assumem.
1
Ver Seções 10.5 e 10.7 de W. Boyce e R. DiPrima, Equações diferenciais elementares e problemas de
valores de contorno.

170
171

4.1 Polinômios de Taylor e MacLaurin

Veremos neste seção como é possı́vel aproximar os valores de uma função f , que pode ser
bastante complicada, pelos valores que um polinômio assume. Este tipo de aproximação é
interessante pois a função f pode ser bastante complicada, enquanto polinômios configuram
uma das mais simples classes de funções reais. Considere o exemplo o do cálculo da área
da região delimitada pelo eixo x e o gráfico da função f (x) = exp(x2 ), de x = 0 a x = 1
(Figura 4.1). O procedimento usual não pode ser seguido neste caso, pois nenhum método
de integração usual será capaz de obter uma primitiva para a função f (x) = exp(x2 ). A
proposta desta seção é a seguinte: considerar uma polinômio y = p(x) que possui um gráfico
muito semelhante à de y = f (x); é razoável portanto esperar que as regiões delimitadas
respectivamente por y = f (x) e y = p(x) tenham aproximadamente a mesma área, com a
vantagem de que a integral definida de um polinômio é facilmente calculada. Obterı́amos
assim uma aproximação para o valor da área da Figura 4.1. Veja a Figura 4.2.

Figura 4.1: Região delimitada por y = 0, Figura 4.2: Aproximação da área da região da
y = exp(x2 ), x = 0 e x = 1. Figura 4.1.

Vejamos agora como obter um polinômio p(x) que fornece uma boa aproximação para
os valores de f (x) em torno do ponto x = 0. Seja f (x) uma função diferenciável no ponto
x = 0. Temos
f (x) − f (0)
f 0 (0) = lim .
x→0 x−0
172

Então para x próximo de x = 0 temos

f (x) − f (0)
f 0 (0) ≈ , isto é, f (x) ≈ f (0) + f 0 (0)x.
x
Em outras palavras, para um valor de x próximo de x = 0, podemos aproximar o valor de
f (x) pelo valor do polinômio linear p1 (x) = f (0) + f 0 (0)x. Considere o exemplo da função
f (x) = ex . Temos f (0) = f 0 (0) = e0 = 1, portanto

p1 (x) = 1 + 1 · x = x + 1.

Veja a Figura 4.3. Note que esta aproximação é muito boa para valores próximos de x = 0,
mas a curvatura do gráfico da função f afasta o seu gráfico da reta que representa p1 (x). Isto
pode nos levar a crer que este fenômeno é causado pela concavidade do gráfico da função f ,
isto é, pelo valor de f 00 (0).

Figura 4.3: Função f (x) = ex aproximada por p1 (x) = x + 1 em torno de x = 1.

A fim de obter uma aproximação mais precisa para o gráfico de f em torno de x = 0,


observamos o seguinte fato: p1 (x) é um polinômio tal que p1 (0) = f (0) e p01 (0) = f 0 (0). Isto
nos motiva a considerar um polinômio quadrático

p2 (x) = c0 + c1 x + c2 x2

tal que
p2 (0) = f (0), p02 (0) = f 0 (0) e p002 (0) = f 00 (0). (4.1)
173

Um cálculo direto fornece as equações

p2 (x) = c0 + c1 x + c2 x2 , p02 (x) = c1 + 2c2 x e p002 (x) = 2c2 x. (4.2)

Segue das Equações (4.1) e (4.2) que

c0 = 1, c1 = 1 e 2c2 = 1.

A substituição dos valores acima na expressão p2 (x) = c0 + c1 x + c2 x2 fornece p2 (x) =


1 + x + x2 /2. A aproximação de f (x) = ex por p2 (x) em torno de x = 0 pode ser vista
na Figura 4.4. Abaixo temos os valores que p1 (x) e p2 (x) fornecem como aproximação para
f (0.5) = 1.6487:
p1 (0.5) = 1.5 e p2 (0.5) = 1.625. (4.3)

De fato, o polinômio quadrático p2 (x) fornece uma aproximação mais precisa para os valores
de f (x).

x2
Figura 4.4: Função f (x) = ex aproximada por p2 (x) = 2
+ x + 1 em torno de x = 1.

É natural considerar se um polinômio p(x) = c0 + c1 x + · · · + cn−1 xn−1 + cn xn de grau n


pode fornecer uma melhor aproximação para uma função f (x) (em particular para f (x) = ex )
174

se as derivadas de ordem n coincidem:


pn (0) = f (0),
p0n (0) = f 0 (0),
..
. (4.4)
(n−1)
pn (0) = f (n−1) (0),
(n)
pn (0) = f (n) (0).
Temos que

pn (x) = c0 + c1 x + c2 x2 + c3 x3 + · · · + cn−1 xn−1 + cn xn ,


p0n (x) = 1c1 + 2c2 x + 3c3 x2 · · · + (n − 1)cn−1 xn−2 + ncn xn−1 ,
p00n (x) = 2 · 1c2 + 3 · 2c3 x · · · + (n − 1)(n − 2)cn−1 xn−3 + n(n − 1)cn xn−2 ,
(3)
pn (x) = 3 · 2 · 1c3 · · · + (n − 1)(n − 2)(n − 3)cn−1 xn−4 + n(n − 1)(n − 2)cn xn−3 ,
..
.
(n)
pn (x) = n(n − 1)(n − 2) · · · 2 · 1cn .
Para satisfazer a Equação (4.4) devemos ter

f (0) = pn (0) = c0 ,
f 0 (0) = p0n (0) = c1 ,
f 00 (0) = p00n (0) = 2c2 ,
(3)
f (3) (0) = pn (0) = 3 · 2 · 1c3 ,
..
.
(n)
f (n) (0) = pn (0) = n(n − 1)(n − 2) · · · 2 · 1cn ,
e, portanto,
f 0 (0) f 00 (0) f (3) (0) f (n) (0)
c0 = f (0), c1 = , c2 = , c3 = ,..., cn = . (4.5)
1! 2! 3! n!
O polinômio pn (x) de grau n com os coeficientes dados pela Equação (4.5) é dito o n-ésimo
polinômio de MacLaurin2 para f . De fato, à medida que o valor de n cresce, eles representam
uma melhor aproximação para a função f (x) = ex em torno de x = 0; veja o Exercı́cio 4.1.3.
2
Colin MacLaurin foi um matemático escocês, aluno de Isaac Newton, que publicou seus trabalhos no
século XVIII.
175

Definição 4.1.1. Seja f (x) uma função diferenciável n vezes em x = 0. O n-ésimo polinômio
de MacLaurin para f é definido como

f 0 (0) f 00 (0) 2 f (n−1) (0) n−1 f (n) (0) n


pn (x) = f (0) + x+ x + ··· + x + x ,
1! 2! (n − 1)! n!

isto é,
n
X f (k) (0)
pn (x) = xk .
k=0
k!

Exemplo 4.1.2. Determine o n-ésimo polinômio de MacLaurin da função f (x) = ex .

Temos que o n-ésimo polinômio de MacLaurin de f (x) = ex é dado por


n
X f (k) (0)
pn (x) = xk ,
k=0
k!
onde
f (x) = ex =⇒ f (0) = 1,
f 0 (x) = ex =⇒ f 0 (0) = 1,
f 00 (x) = ex =⇒ f 00 (0) = 1,
..
.
logo, f (k) (0) = 1 para todo k ≥ 0. Segue que
n
X xk x2 x3 xn
pn (x) = =1+x+ + + ··· + .
k=0
k! 2 6 n!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 4.1.3. Use o Exemplo 4.1.2 para determinar, utilizando uma calculadora, os
valores de f (x), p3 (x) e p9 (x) para x = 0,5.

1
Exemplo 4.1.4. Determine o n-ésimo polinômio de MacLaurin da função f (x) = .
1−x
1
Temos que o n-ésimo polinômio de MacLaurin de f (x) = é dado por
1−x
n
X f (k) (0)
pn (x) = xk ,
k=0
k!
176

onde, pela regra da cadeia,

f (x) = (1 − x)−1 =⇒ f (0) = 1,


f 0 (x) = 1(1 − x)−2 =⇒ f 0 (0) = 1,
f 00 (x) = 2 · 1(1 − x)−3 =⇒ f 00 (0) = 2 · 1,
f (3) (x) = 3 · 2 · 1(1 − x)−4 =⇒ f (3) (0) = 3 · 2 · 1,
f (4) (x) = 4 · 3 · 2 · 1(1 − x)−5 =⇒ f (4) (0) = 4 · 3 · 2 · 1,
..
.

logo, f (k) (0) = k! para todo k ≥ 0. Segue que


n n
X k! k
X
pn (x) = x = xk = 1 + x + x2 + · · · + xn .
k=0
k! k=0

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Veja as Figuras 4.5 e 4.6. Frequentemente é o caso que, quanto maior o grau do polinômio
de MacLaurin, maior é o intervalo em torno de x = 0 cuja aproximação tem uma determinada
previsão.

Figura 4.5: Terceiro polinômio de Figura 4.6: Nono polinômio de


MacLaurin da função f (x) = ex . MacLaurin da função f (x) = ex .

Exemplo 4.1.5. Seja n ≥ 1 um número inteiro par. Determine o n-ésimo polinômio de


MacLaurin para da função f (x) = cos(x).
177

1
Temos que o n-ésimo polinômio de MacLaurin de f (x) = é dado por
1−x
n
X f (k) (0)
pn (x) = xk ,
k=0
k!
onde
f (x) = cos x =⇒ f (0) = 1,
f 0 (x) = − sen x =⇒ f 0 (0) = 0,
f 00 (x) = − cos x =⇒ f 00 (0) = −1,
f (3) (x) = sen x =⇒ f (3) (0) = 0,
f (4) (x) = cos x =⇒ f (4) (0) = 1,
f (5) (x) = − sen x =⇒ f (5) (0) = 0,
..
.
onde este ciclo observado em f (x), f 0 (x), · · · , f (3) (x) se repetirá a partir de f (4) (x). Segue
que as derivadas de ordem ı́mpar de f (x) = cos x se anulam em x = 0.

Note que todo número par se escreve como 2k para algum k ≥ 0, enquanto os números
ı́mpares se escrevem como 2k + 1 para algum k ≥ 0. O polinômio pn (x) pode ser então
escrito como a soma de dois polinômios, onde um contém apenas potências pares de x e
outro apenas as potências ı́mpares de x, conforme a seguir:
n/2 n/2−1
X f (2k) (0) 2k
X f (2k+1) (0)
pn (x) = x + x2k+1 .
k=0
(2k)! k=0
(2k + 1)!
Todas as derivadas de f (x) de ı́ndice ı́mpar se anulam, isto é,

f (2k+1) (0) = 0 para todo k ≥ 0.

Segue que
n/2
X f (2k) (0)
pn (x) = x2k ,
k=0
(2k)!
onde ainda resta determinar que padrão podemos observar nas derivadas de ordem par
f (2k) (0). Vemos acima que estas derivadas alternam os valores ±1, donde obtemos a expressão

f (2k) (0) = (−1)k para todo k ≥ 0.


178

Então,
n/2
X (−1)k
pn (x) = x2k .
k=0
(2k)!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 4.1.6. Determine o n-ésimo polinômio de MacLaurin da função f (x) = ln(1 − x).

Exercı́cio 4.1.7. Seja n ≥ 1 um número inteiro ı́mpar. Determine o n-ésimo polinômio de


MacLaurin para da função f (x) = sen(x).

Figura 4.7: Primeiro polinômio de Figura 4.8: Terceiro polinômio de MacLaurin da


MacLaurin da função f (x) = sen x. função f (x) = sen x.

Figura 4.9: Quinto polinômio de Figura 4.10: Décimo terceiro polinômio de


MacLaurin da função f (x) = sen x. MacLaurin da função f (x) = sen x.

Polinômios de Taylor. Os polinômios de MacLaurin fornecem uma aproximação para os


valores de uma função em torno de x = 0. Entretanto, é possı́vel aplicar o mesmo raciocı́nio
179

a um ponto x = x0 onde uma função f (x) de uma variável é diferenciável. Temos

f (x) − f (x0 )
f 0 (x0 ) = lim .
x→x0 x − x0

Para x próximo de x0 podemos escrever

f (x) − f (x0 )
f 0 (x0 ) ≈ , isto é, f (x) − f (x0 ) ≈ f 0 (x0 )(x − x0 ).
x − x0

Segue que, para um valor de x próximo de x0 , podemos aproximar o valor de f (x) pelo valor
do polinômio linear p1 (x) = f (x0 )+f 0 (x0 )(x−x0 ). Note que p1 (x0 ) = f (x0 ) e p01 (x0 ) = f 0(x0 ).

Analogamente ao que foi feito anteriormente em torno do ponto x = 0, procuramos por


um polinômio pn (x) = c0 + c1 (x − x0 ) + c2 (x − x0 )2 + · · · + cn−1 (x − x0 )n−1 + cn (x − x0 )n de
grau n tal que
pn (x0 ) = f (x0 ),
p0n (x0 ) = f 0 (x0 ),
..
. (4.6)
(n−1)
pn (x0 ) = f (n−1) (x0 ),
(n)
pn (x0 ) = f (n) (x0 ).
Os argumentos vistos anteriormente mostram que

f 0 (x0 ) f 00 (x0 ) f (3) (x0 ) f (n) (x0 )


c0 = f (x0 ), c1 = , c2 = , c3 = ,..., cn = . (4.7)
1! 2! 3! n!

.Obs: É possı́vel considerar acima um polinômio da forma p(x) = c0 + c1 x + · · · + cn−1 xn−1 +


cn xn , porém os cálculos são substancialmente mais complexos. Note que ao considerar
potências de x − x0 estamos em uma situação análoga àquela dos polinômios de MacLaurin:
o argumento dessas potências se anula no ponto x = x0 de interesse. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . /
180

Definição 4.1.8. Seja f (x) uma função diferenciável n vezes em x = x0 . O n-ésimo po-
linômio de Taylor para f em torno de x = x0 é definido como

f 0 (x0 ) f 00 (x0 ) f (n−1) (x0 ) f (n) (x0 )


pn (x) = f (x0 )+ (x−x0 )+ (x−x0 )2 +· · ·+ (x−x0 )n−1 + (x−x0 )n ,
1! 2! (n − 1)! n!

isto é,
n
X f (k) (x0 )
pn (x) = (x − x0 )k .
k=0
k!

Note que a substituição x0 = 0 na Definição 4.1.8 acima fornece a expressão da De-


finição 4.1.1 para polinômio de MacLaurin. Em outras palavras, polinômios de MacLaurin
representam um caso particular de polinômios de Taylor.

Exemplo 4.1.9. Determine n-ésimo polinômio de Taylor de f (x) = ln x em torno de x = 1.

Temos que o n-ésimo polinômio de Taylor de f (x) = ln x em torno de x = 1 é dado por


n
X f (k) (1)
pn (x) = (x − 1)k ,
k=0
k!

onde
f (x) = ln x =⇒ f (1) = 0,
f 0 (x) = x−1 =⇒ f 0 (1) = 1,
f 00 (x) = (−1)x−2 =⇒ f 00 (1) = −1,
f (3) (x) = 2 · 1x−3 =⇒ f (3) (1) = 2 · 1,
f (4) (x) = −3 · 2 · 1x−4 =⇒ f (4) (1) = −3 · 2 · 1,
f (5) (x) = 4 · 3 · 2 · 1x−5 =⇒ f (5) (1) = 4 · 3 · 2 · 1,
..
.
logo, f (k) (1) = (−1)k+1 (k − 1)! para todo k ≥ 1. Segue que
n
X (−1)k+1 (k − 1)! X (−1)k+1
pn (x) = (x − 1)k = (x − 1)k ,
k=0
k! k=1
k

isto é,
1 2 1 3 (−1)n+1
pn (x) = (x − 1) − (x − 1) + (x − 1) + · · · + (x − 1)n .
2 3 n
181

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1
Exercı́cio 4.1.10. Determine n-ésimo polinômio de Taylor de f (x) = em torno de x = 1.
x

Termo de erro. A apresentação dos polinômios de MacLaurin e Taylor foi baseada na


aproximação em torno de um certo ponto de uma função f (x) por um polinômio p(x).
Cabe então discutir qual o erro cometido pela aproximação f (x) ≈ p(x), isto é, se o erro
R(x) = f (x) − p(x) é grande ou pequeno. No caso do n-ésimo polinômio de Taylor temos
n
X (x − x0 )k
Rn (x) = f (x) − f (k) (x0 ) . (4.8)
k=0
k!

A função Rn (x) acima é dita o resto ou erro do n-ésimo polinômio de Taylor. O teorema a
seguir fornece um limite superior para o erro da aproximação f (x) ≈ pn (x).

Teorema 4.1.11. Seja f (x) uma função diferenciável n+1 vezes em um intervalo I contendo
x = x0 e suponha que |f (n+1) (x)| ≤ M para todo x ∈ I. Então

M
|Rn (x)| ≤ |x − x0 |n+1 .
(n + 1)!

Exemplo 4.1.12. Use o Teorema 4.1.11 para determinar um valor para n tal que a apro-
ximação de f (x) = ex no intervalo [−1,1] por seu n-ésimo polinômio de MacLaurin tenha
erro menor que 10−5 .

Temos que f (x) = ex é infinitamente diferenciável em todo ponto da reta. Mais ainda,
sabemos do Exemplo 4.1.2 que o n-ésimo polinômio de MacLaurin de f (x) = ex é dado por
n
X xk
pn (x) = .
k=0
k!

Temos pelo Teorema 4.1.11 que o erro Rn (x) da aproximação f (x) ≈ pn (x) satisfaz

M
|Rn (x)| ≤ |x − x0 |n+1 ,
(n + 1)!
182

onde x0 = 0 e M é limitante superior para o valor absoluto da n-ésima derivada de f (x) em


I = [−1,1]:
|f (n+1) (x)| ≤ M ⇐⇒ |ex | ≤ M, para x ∈ [−1,1].

Como x 7−→ ex é função crescente, o maior valor que ela assume em I = [−1,1] é e1 = e.
Segue que M = e satisfaz as condições do Teorema 4.1.11 e portanto

e
|Rn (x)| ≤ |x − 0|n+1 ,
(n + 1)!

e, como |x| ≤ 1 no intervalo I = [−1,1],

e e e
|Rn (x)| ≤ |x|n+1 ≤ 1n+1 = .
(n + 1)! (n + 1)! (n + 1)!

Vemos na estimativa acima que quanto maior o grau n do polinômio de MacLaurin, menor
é o erro cometido na aproximação f (x) ≈ pn (x). A estimativa acima fornece os seguintes
valores para os primeiros valores de n:

n = 1 : |Rn (x)| ≤ 1,3591409,


n = 2 : |Rn (x)| ≤ 0,4530470,
n = 3 : |Rn (x)| ≤ 0,1132617,
n = 5 : |Rn (x)| ≤ 0,3775391 · 10−2 ,
n = 8 : |Rn (x)| ≤ 0,7490856 · 10−5 ,
n = 9 : |Rn (x)| ≤ 0,7490856 · 10−6 .

Segue que para n = 8 já temos a garantir de que o erro é menor que 10−5 . Note porém o
mesmo vale para valores maiores de n, pois fornecem erros ainda menores. . . . . . . . . . . . . . . 

Exercı́cio 4.1.13. Use o Teorema 4.1.11 para estimar o erro cometido pela aproximação de
f (x) = cos x pelo seu segundo polinômio de MacLaurin no intervalo [0,1].
183

4.2 Séries de Potências

Na Seção 4.1 foi apresentada a ideia de que uma função pode ser aproximada em torno de
um ponto x = x0 pelo n-ésimo polinômio de Taylor em torno deste ponto. Por exemplo,
vimos no Exercı́cio 4.1.3 que podemos aproximar a função f (x) = ex em torno de x0 = 0 por
n
x
X xk
e ≈ pn (x) = .
k=0
k!

Mais ainda, quanto maior for o valor de n, mais precisa é esta aproximação: veja as Figuras
4.3 a 4.6 e observe que a estimativa do erro no Teorema 4.1.11 fica cada vez menor para um
valor de x fixo como x = 0,1. Parece então natural considerar o limite destes polinômios
quando n se aproxima de infinito, isto é, a soma infinita

X xk
.
k=0
k!

A expressão acima é uma série, no entanto difere dos objetos apresentados na Seção 3.4 por
conter uma variável. Note que para cada x = x0 fixo, obtemos uma série de números como
aquelas vistas na Seção 3.4, que pode ser convergente ou não. Por exemplo, para x = 1
temos
∞ ∞
X xk X 1
com x = 1 −
7 → .
k=0
k! k=0
k!

É natural fazer as seguintes perguntas:


∞ ∞
X 1 X xk
(i) A série é convergente? Para quais valores de x a série é convergente?
k=0
k! k=0
k!

X xk
(ii) No caso em que a série é convergente, qual a sua relação com o valor de ex ? O
k=0
k!

X xk
valor da soma é uma boa aproximação para ex ? É possı́vel obter a igualdade
k=0
k!
abaixo

x
X xk
e = ?
k=0
k!
184

A série à direita é dita uma série de MacLaurin, caso particular de uma série de Taylor. Este
é o objeto de estudo do restante deste capı́tulo3 .

Definição 4.2.1. Se f é infinitamente diferenciável no ponto x = x0 , definimos sua série de


Taylor como

X f (k) (x0 ) f 0 (x0 ) f (k) (x0 )
(x − x0 )k = f (x0 ) + (x − x0 ) + · · · + (x − x0 )k + · · · .
k=0
k! 1! k!

Definição 4.2.2. Se f é infinitamente diferenciável no ponto x = 0, definimos sua série de


MacLaurin de f como

X f (k) (0) f 0 (0) f (k) (0) k
xk = f (0) + x + ··· + x + ··· .
k=0
k! 1! k!

Em outras palavras, a série de MacLaurin de f é definida como a série de Taylor de f em


torno de x = 0.

Seja n ≥ 1 um número inteiro par. Determine o n-ésimo polinômio de MacLaurin para da


função f (x) = cos(x).
1
Exemplo 4.2.3. Determine a série de MacLaurin da função f (x) = .
1−x
Os cálculos deste exemplos são semelhantes àqueles do Exemplo 4.1.4. Temos que a série
de MacLaurin de f (x) é dada por

X f (k) (0)
xk ,
k=0
k!
3
Veremos neste capı́tulo como responder às perguntas no item (i). É possı́vel que a série definida pelo
polinômio de Taylor de uma função f (x) convirja para um valor diferente daquele que f (x) fornece, mas esta
é uma discussão que deferimos para a Seção 4.3.
185

onde, pela regra da cadeia,

f (x) = (1 − x)−1 =⇒ f (0) = 1,


f 0 (x) = 1(1 − x)−2 =⇒ f 0 (0) = 1,
f 00 (x) = 2 · 1(1 − x)−3 =⇒ f 00 (0) = 2 · 1,
f (3) (x) = 3 · 2 · 1(1 − x)−4 =⇒ f (3) (0) = 3 · 2 · 1,
f (4) (x) = 4 · 3 · 2 · 1(1 − x)−5 =⇒ f (4) (0) = 4 · 3 · 2 · 1,
..
.

logo, f (k) (0) = k! para todo k ≥ 0. Segue que a série de MacLaurin de f (x) é dada por
∞ ∞ ∞
X f (k) (0) k
X k! k
X
x = x = xk .
k=0
k! k=0
k! k=0

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exemplo 4.2.4. Determine a série de MacLaurin da função f (x) = sen x.

Os cálculos deste exemplos são semelhantes àqueles do Exemplo 4.1.5.Temos que a série
de MacLaurin de f (x) é dada por

X f (k) (0)
xk ,
k=0
k!
onde
f (x) = sen x =⇒ f (0) = 0,
f 0 (x) = cos x =⇒ f 0 (0) = 1,
f 00 (x) = − sen x =⇒ f 00 (0) = 0,
f (3) (x) = − cos x =⇒ f (3) (0) = −1,
f (4) (x) = sen x =⇒ f (4) (0) = 0,
f (5) (x) = cos xx =⇒ f (5) (0) = 1,
..
.

onde este ciclo observado em f (x), f 0 (x), · · · , f (3) (x) se repetirá a partir de f (4) (x). Con-
cluı́mos que as derivadas de ordem par de f (x) se anulam em x = 0, isto é, f (2k) (0) = 0 para
186

todo k ≥ 0. Analogamente ao que foi feito no Exemplo 4.1.5, temos


∞ ∞ ∞ ∞
X f (k) (0) X f (2k) (0) X f (2k+1) (0) X f (2k+1) (0)
xk = x2k + x2k+1 = x2k+1 ,
k=0
k! k=0
(2k)! k=0
(2k + 1)! k=0
(2k + 1)!

onde na última igualdade foi usado o fato que f (2k) (0) = 0 para todo k ≥ 0. As derivadas de
ordem ı́mpar também apresentam a alternância entre ±1, de modo que a série de MacLaurin
de f (x) = sen x pode ser escrita como
∞ ∞
X f (k) (0) k
X (−1)k 2k+1
x = x ,
k=0
k! k=0
(2k + 1)!

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Exercı́cio 4.2.5. Determine a série de MacLaurin da função f (x) = (1 + x)m onde m ∈ R


em∈
/ {0,1,2, . . . }.

Exercı́cio 4.2.6. Determine a série de Taylor das funções abaixo nos pontos indicados.

(i) f (x) = ln x em torno de x = 1.

1
(ii) f (x) = em torno de x = 2.
x

Vimos nas Seções 3.6 a 3.9 que é possı́vel determinar que uma série é convergente sem
conhecermos o valor de uma sua soma ou uma expressão para tal. Da mesma forma, é
possı́vel determinar que uma série da forma

X
ck x k
k=0

é convergente para certos valores de x sem conhecermos uma expressão para a soma li-
mite. Convém introduzirmos a seguinte definição, para trabalharmos com séries de maneira
independente.
187

Definição 4.2.7. Uma série da forma



X
ck x k ,
k=0

onde c0 , c1 , . . . são números reais e x é uma variável, é dita uma série de potências.

Note que a série acima não é necessariamente obtida a priori através de uma função: é
possı́vel definir uma função através de uma série de potências, como no exemplo abaixo.

Exemplo 4.2.8. Sabemos que a série definida por uma progressão geométrica de razão
|r| < 1 converge. Por exemplo, temos

X 1
rn = 1 + r + r2 + · · · + rn + · · · = , para |r| < 1. (4.9)
n=0
1−r

A partir deste fato podemos definir uma função f (x) através de uma série: para cada x ∈ R
satisfazendo |x| < 1, definimos o valor de f (x) pelo valor dado pela Equação (4.9), ou seja,

X
f (x) = xn .
n=0

O domı́nio da função f é dado por Dom f = (−1,1). Poderı́amos ter adotado a definição
mais simples f (x) = (1 − x)−1 , porém o objetivo deste exemplo é ilustrar a possibilidade de
definir uma função através de uma série. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

O teorema abaixo lida com questões como a pergunta (i) apresentada no inı́cio desta
ck xk , obtemos uma série numérica
P
seção: ao fixar um valor para x na série de potências
que pode convergir ou não. No teorema abaixo é discutido para que valores uma dada série
de potências converge; o conjunto destes valores é dito seu conjunto de convergência. Note
que toda série de potência desta forma é convergente para x = 0, pois

X
ck 0k = c0 + 0 + 0 · · · = c0 .
k=0
188

k
P
Teorema 4.2.9. Para qualquer série de potências k ck x , exatamente uma das afirmações
abaixo é verdadeira.

(i) A série é convergente apenas para x = 0. Dizemos neste caso que o raio de convergência
é 0.

(ii) A série converge absolutamente para todo número real x. Dizemos neste caso que o
raio de convergência é infinito.

(iii) Existe um número real R > 0 tal que a série converge absolutamente para x ∈ (−R, R)
e diverge para todo x ∈ (−∞, −R) ∪ (R, +∞). Dizemos neste caso que o raio de
convergência é R. Nos pontos x = R e x = −R a série pode convergir absolutamente,
convergir condicionalmente ou divergir, dependendo de cada série particular.

O raio de convergência de uma série de potências é determinado de um modo geral através


do Teorema 3.9.11.

Exemplo 4.2.10. Determine o raio e o intervalo de convergência da série de potências



X
xk .
k=0

Considere um valor qualquer para x, como x = 1/2. Este valor dá origem á série de
números reais ∞ −k
P
k=0 ak , onde ak = 2 . O teste da razão absoluta (Teorema 3.9.11) fornece

o limite
ak+1 2−(k+1) 1
lim = lim −k
= lim 2−1 = .
k→∞ ak k→∞ 2 k→∞ 2
P∞ k
Como este valor é menor que 1, a série de potências k=0 x converge para x = 1/2.

Procedemos a seguir de maneira semelhante para determinar o raio de convergência da


série de potências, mas mantendo x como uma variável. Esta variável representa um valor
genérico fixado para x, como no parágrafo acima. Aplicando o teste da razão absoluta
189

(Teorema 3.9.11) obtemos

ak+1 xk+1
lim = lim = lim |x|,
k→∞ ak k→∞ xk k→∞

onde é importante destacar que o limite acima está escrito na variável k, e não na variável
x. Quando k se aproxima de infinito, x permanece constante, logo

ak+1
lim = |x|. (4.10)
k→∞ ak

Note que esta expressão coincide com aquela obtido no inı́cio deste exemplo para x = 1/2.
O teste da razão absoluta afirma que

ak+1
(i) a série converge absolutamente quando lim < 1, e
k→∞ ak

ak+1
(ii) diverge quando lim > 1.
k→∞ ak

Segue da Equação (4.10) que a série de potências converge absolutamente (e portanto con-
verge) para |x| < 1 e diverge para |x| > 1. O raio de convergência é portanto R = 1.

O intervalo de convergência é determinado ao analisar a convergência da série nos valores


x = ±1, para determinarmos se os extremos ±1 devem ou não ser incluı́dos no intervalo
(−1,1) determinado pelo raio de convergência. Como as séries

X ∞
X
k
1 e (−1)k
k=0 k=0

são divergentes pelo Teorema 3.5.1, segue que o intervalo de convergência da série de potências
é (−1,1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exemplo 4.2.11. Determine o raio e o intervalo de convergência da série de potências



X xk
.
k=0
k!
190

Procedemos análoga ao Exemplo 4.2.10. Seja ak = xk /k!, k ≥ 0. O teste da razão


absoluta fornece o limite
ak+1 xk+1 k! |x|
lim = lim k
= lim .
k→∞ ak k→∞ (k + 1)! x k→∞ k

Como x é constante quando k → ∞, segue que


ak+1
lim = 0 < 1,
k→∞ ak
para qualquer número real x fixado. Em outras palavras, para qualquer valor de x fixado
obtemos uma série de números cujo limite no teste da razão absoluta fornece o valor zero.
Segue do Teorema 3.9.11 que a série de potências converge para todo x ∈ R, isto é, o raio
de convergência é infinito e o intervalo de convergência é R. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Exemplo 4.2.12. Determine o raio e o intervalo de convergência da série de potências



X
k!xk .
k=0

Seja ak = k!xk , k ≥ 0. Temos para todo x 6= 0 que


ak+1 (k + 1)!xk+1
lim = lim = lim k|x| = +∞.
k→∞ ak k→∞ k!xk k→∞

Segue do Teorema 3.9.11 que a série de potências diverge para todo x 6= 0, isto é, o raio de
convergência é zero e o intervalo I de convergência é dado por I = {0}. . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Da mesma maneira que é possı́vel encontrar o polinômio de Taylor de uma função em


torno de um ponto diferente da origem, podemos considerar séries de potências centradas
em outros pontos.

Definição 4.2.13. Seja x0 um número real qualquer e x uma variável. Uma série da forma

X
ck (x − x0 )k ,
k=0

onde c0 , c1 , . . . são números reais, é dita uma série de potências em x − x0 .


191

Abaixo temos o resultado análogo sobre o raio de convergência para séries de potências
em x − x0 .

− x0 )k , exatamente uma das


P
Teorema 4.2.14. Para qualquer série de potências k ck (x

afirmações abaixo é verdadeira.

(i) A série é convergente apenas para x = x0 . Dizemos neste caso que o raio de con-
vergência é 0.

(ii) A série converge absolutamente para todo número real x. Dizemos neste caso que o
raio de convergência é infinito.

(iii) Existe um número real R > 0 tal que a série converge absolutamente para x ∈ (x0 −
R, x0 + R) e diverge para todo x ∈ (−∞, x0 − R) ∪ (x0 + R, +∞). Dizemos neste caso
que o raio de convergência é R. Nos pontos x = x0 + R e x = x0 − R a série pode
convergir absolutamente, convergir condicionalmente ou divergir, dependendo de cada
série particular.

Exemplo 4.2.15. Determine o raio e o intervalo de convergência da série



X k(x + 2)k
.
k=0
3k+1

Procedemos de maneira análoga àquela vista no Exemplo 4.2.10. Temos pelo teste da
razão absoluta para ak = k(x + 2)k /3k+1 , k ≥ 0, que
ak+1 (k + 1)(x + 2)k+1 3k+1 k+1x+2 k + 1 |x + 2|
lim = lim = lim = lim .
k→∞ ak k→∞ 3k+2 k(x + 2)k k→∞ k 3 k→∞ k 3
Lembramos novamente que o limite acima é feito na variável k, de modo que x representa
apenas uma constante. Como
k+1
lim = 1,
k→∞ k
temos que
ak+1 |x + 2| k+1 |x + 2|
lim = lim = .
k→∞ ak 3 k→∞ k 3
192

O teste da razão absoluta afirma que a série converge absolutamente quando o limite é menor
que 1 e diverge quando o limite acima é maior que 1. Devemos então ter
|x + 2|
< 1 ⇐⇒ |x + 2| < 3
3
para que a série seja convergente. Note que a série de potências dada é escrita como potências
de x − x0 , onde x0 = −2. Segue que o intervalo de convergência tem raio 3 e centro em
x0 = −2; os extremos deste intervalo são dados por x = −5 e x = 1.

Devemos agora analisar o comportamento da série nos extremos deste intervalo, isto é,
a convergência da série de potências nos pontos x = 1 e x = −5. Temos respectivamente as
séries
∞ ∞ ∞ ∞
X k3k X k X k(−3)k X k
k+1
= e = (−1)k ,
k=0
3 k=0
3 k=0
3k+1 k=0
3
ambas divergentes pelo Teorema 3.5.1. Segue que o intervalo de convergência da série de
potências dada é (−5,1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

4.3 Convergência de séries de Taylor

Se f (x) possui série de Taylor convergente para um certo número x = x0 , é natural, a partir
da discussão no inı́cio desta seção, esperar que o valor do limite da série seja o próprio valor
de função f :
∞ n
X (x − x0 )k X (x − x0 )k
f (k) (x0 ) = f (x), isto é, lim f (k) (x0 ) = f (x). (4.11)
k=0
k! n→∞
k=0
k!

No entanto, é possı́vel que a série de Taylor de uma função convirja para um valor diferente.
Este é o caso da função

 exp(−1/x2 ), para x 6= 0,
f (x) =
 0, para x = 0.

Veja a Figura 4.11. É possı́vel provar que:


193

(i) f (x) é infinitamente diferenciável em x = 0 e

(ii) f (k) (0) = 0 para todo k ≥ 1

Segue que a série de MacLaurin de f é dada por


∞ ∞
X xk X
f (k) (0) = 0 · xk .
k=0
k! k=0

Logo a série de MacLaurin de f é convergente para todo x ∈ R e fornece o valor 0 para todo
x ∈ R, o que não coincide com o valor que f assume.

Figura 4.11: Gráfico da função y = exp(−1/x2 ), x 6= 0.

Este caso é considerado patológico, mas devemos de qualquer maneira considerar esta
pergunta:

Dada uma função f (x) infinitamente diferenciável em x = x0 , existe


um intervalo contendo x = x0 onde a Equação (4.11) é verdadeira?

Note que a Equação (4.11) é verdadeira se e somente se


n
!
k
X (x − x0 )
lim f (x) − f (k) (x0 ) = 0,
n→∞
k=0
k!
onde o somatório acima representa o n-ésimo polinômio de Taylor da função f ; veja a De-
finição 4.1.8. A diferença em parênteses na equação acima representa o erro na aproximação
discutida no começo da Seção 4.1; veja a Equação (4.8).
194

Teorema 4.3.1. Seja f (x) uma função infinitamente diferenciável em x = x0 e Rn (x) como
na Equação (4.8). A igualdade

X (x − x0 )k
f (k) (x0 ) = f (x)
k=0
k!

é válida se e somente se lim Rn (x) = 0.


n→∞

Exemplo 4.3.2. Mostre que a série de MacLaurin para f (x) = sen(x) converge para f (x)
para todo número real x.

Sabemos que a série de MacLaurin de f (x) = sen x é dada por



X x2k+1
(−1)k .
k=0
(2k + 1)!

Veja o Exemplo 4.2.4. É possı́vel mostrar que esta série converge para todo x ∈ R. De fato,
seja ak = (−1)k x2k+1 /(2k + 1)!, k ≥ 0. Então,
2k+3
ak+1 k+1 x (2k + 1)! x2
lim = lim (−1) = lim ,
k→∞ ak k→∞ (2k + 3)! (−1)k x2k+1 k→∞ (2k + 3)(2k + 2)

onde usamos o fato que (2k + 3)! = (2k + 3)(2k + 2)(2k + 1)!. Então para qualquer x ∈ R
temos
ak+1 |x|2
lim = lim = 0,
k→∞ ak k→∞ (2k + 3)(2k + 2)

isto é, a série de potências converge para todo x ∈ R.

Seja x ∈ R qualquer. Verificamos agora que a série de potências converge de fato para
sen x. Temos do Teorema 4.1.11 que
M
|Rn (x)| ≤ |x − 0|n+1 ,
(n + 1)!
onde M ∈ R deve satisfazer a desigualdade |f (n+1) (x) ≤ M . As derivadas de f (x) = sen x
resultam em ± cos x ou ± sen x, logo M = 1 satisfaz essa desigualdade. Segue que
|x|n+1
|Rn (x)| ≤ . (4.12)
(n + 1)!
195

Usando o argumento do Exemplo 3.2.12 podemos provar que


|x|n+1
lim = 0.
n→∞ (n + 1)!

Segue da Equação (4.12) que limn→∞ Rn (x) = 0 e portanto, pelo Teorema 4.3.1, a série de
MacLaurin de f (x) = sen x converge de fato para f (x). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

O Teorema 4.1.11 nos permite determinar se a Equação (4.11) é verdadeira, isto é, se a
série de Taylor de uma função f converge de fato para o valor da função.

Teorema 4.3.3. As séries de potências abaixo convergem para as funções indicadas no


intervalo indicado.

X 1
(i) xk = para −1 < x < 1;
k=0
1−x

X xk
(ii) = ex para x ∈ R;
k=0
k!

X xk
(iii) = − ln(1 − x) para −1 < x < 1;
k=1
k

X x2k k
(iv) (−1) = cos x para x ∈ R;
k=0
(2k)!

X x2k+1
(v) (−1)k = sen x para x ∈ R.
k=0
(2k + 1)!

Exercı́cio 4.3.4. Mostre que a série de MacLaurin para f (x) = ex converge para f (x) para
todo número real x.

Note que a equação f (1) = e no Exercı́cio 4.3.4 acima fornece uma representação inte-
ressante para o número e = 2.7183 . . . :

X 1 1 1
e= = 1 + + + ··· .
k=0
k! 2! 3!
196

Diferenciação e integração de séries de potências. Uma das vantagens em representar


uma função através de sua série de potências é a facilidade com que podemos derivá-las e
integrá-las.

k
P
Teorema 4.3.5. Se uma série de potências k ck (x − x0 ) tem raio de convergência R > 0,
então a função definida por

X
2 3
f (x) = c0 + c1 (x − x0 ) + c2 (x − x0 ) + c3 (x − x0 ) + · · · = ck (x − x0 )k
k=0

é diferenciável no intervalo (x0 − R, x0 + R) e



X
0 2
(i) f (x) = c1 + 2c2 (x − x0 ) + 3c3 (x − x0 ) + · · · = kck (x − x0 )k−1 ,
k=1
ˆ ∞
(x − x0 )2 (x − x0 )3 X (x − x0 )k+1
(ii) f (x) dx = C + c0 x + c1 + c2 + ··· = ck + C.
2 3 k=0
k + 1

O raio de convergência das séries dos itens (i) e (ii) é R.

Exercı́cio 4.3.6. Use as séries de MacLaurin das funções sen x e cos x para provar que
d
sen x = cos x.
dx

Exercı́cio 4.3.7. Determine a série de MacLaurin da função 1/(1 + x2 ) através da substi-


tuição u = −x2 na série de MacLaurin para 1/(1 − u). Determine o intervalo da reta onde
a série obtida coincide com a função 1/(1 + x2 ).

Exercı́cio 4.3.8. Calcule a integral termo a termo da série de MacLaurin da função 1/(1+x2 )
obtida no Exercı́cio 4.3.7 para encontrar a série de MacLaurin da função arctg x.
CAPÍTULO 5

NÚMEROS COMPLEXOS

5.1 Definição e Operações Básicas



Em cálculos com números reais temos que o número −1 não está bem definido, assim como
a raiz quadrada de qualquer número negativo. De fato não há solução real para a equação
x2 = −1, mas podemos introduzir um número i tal que i2 = −1; em outras palavras, o
número i é uma solução da equação x2 = 1. O número i, chamado de número ou unidade
imaginária, não pertence ao conjunto R dos números reais, então ao introduzir este número
em nossos cálculos estamos trabalhando com um conjunto de números diferentes: o conjunto
C dos números complexos.

197
198

Definição 5.1.1. Um número complexo é um número da forma z = x + iy, onde x e y são


números reais e i é a unidade imaginária. Os números x e y são ditos respectivamente a
parte real e a parte imaginária de z. O conjunto de todos os números complexos é denotado
por C:
C = {z = x + iy : a,b ∈ R}.

Você pode estar pensando consigo mesmo que a Definição 5.1.1 é bastante artificial:
simplesmente inventamos um número para representar a solução de uma equação que era
anteriormente insolúvel. De fato esta definição é artificial, mas a beleza da teoria de números
complexos reside no fato que estes objetos, introduzidos de maneira aparentemente artificial,
são peças centrais na resolução de diversos problemas da Fı́sica e da Engenharia.

Operações básicas. Números complexos podem ser somados, subtraı́dos, multiplicados e


divididos, assim como números reais. Veja a definição a seguir.

Definição 5.1.2. Sejam z1 = x1 + iy1 e z2 = x2 + iy2 números complexos.

(i) Dizemos que z1 e z2 são iguais se x1 = x2 e y1 = y2 . Escrevemos z1 = z2 .

(ii) A adição de números complexos é definida como

z1 + z2 = (x1 + iy1 ) + (x2 + iy2 ) = (x1 + x2 ) + i(y1 + y2 ).

(iii) A subtração ou diferença de números complexos é definida como

z1 − z2 = (x1 + iy1 ) − (x2 + iy2 ) = (x1 − x2 ) + i(y1 − y2 ).

(iv) O produto de números complexos é definido como

z1 · z2 = (x1 + iy1 ) · (x2 + iy2 ) = (x1 x2 − y1 y2 ) + i(x1 y2 + x2 y1 ).


199

As operações básicas de números complexos satisfazem propriedades semelhantes àquelas


que temos com números reais.

Teorema 5.1.3. As seguintes propriedades são válidas para as operações de números com-
plexos.

(i) Comutatividade: z1 + z2 = z2 + z1 e z1 z2 = z2 z1 .

(ii) Associatividade: (z1 + z2 ) + z3 = z1 + (z2 + z3 ) e (z1 z2 )z3 = z1 (z2 z3 ).

(iii) Distributiva: z1 (z2 + z3 ) = z1 z2 + z1 z3 .

Exercı́cio 5.1.4. Calcule a soma, a diferença e o produto dos números complexos abaixo.

(i) z1 = 1 + 3i e z2 = 1 + i.

(ii) z1 = 2 − 5i e z2 = −3 + i.

(iii) z1 = −1 − 5i e z2 = i.

Definição 5.1.5. O complexo conjugado ou conjugado de um número complexo z = x + iy


é definido como
z = x + iy = x − iy.

Números complexos conjugados possuem propriedades muito importantes, enunciadas no


teorema a seguir.
200

Teorema 5.1.6. Sejam z1 = x1 + iy1 e z2 = x2 + iy2 números complexos. Então:

(i) z1 + z2 = z1 + z2 ;

(ii) z1 − z2 = z1 − z2 ;

(iii) z1 z2 = z1 z2 ;

(iv) z1 z1 = x21 + y12 ;

(v) z1 + z1 = 2x1 ;

(vi) z1 − z1 = i2y1 ;

Demonstração: Demosntraremos apenas o item (iv) e deixaremos os outros como exercı́cio.


Se z1 = x1 + iy1 , então

zz = (x + iy)(x − iy) = x2 − ixy + ixy − (ib)2 .

Como i2 = −1, segue que

zz = x2 − i2 y 2 = x2 − (−1)y 2 = x2 + y 2 .

Ao calcular uma divisão de números complexos z1 /z2 devemos escrever este número de
acordo com a representação usual de números complexos: z1 /z2 = a + ib. No exemplo abaixo
vemos como isto é possı́vel através do conceito de número complexo conjugado.

Exemplo 5.1.7. Sejam z1 = 1 + 2i e z2 = −3 + 4i. Calcule 1/z1 e z2 /z1 .

Temos
1 1 1 1 − 2i 1 − 2i 1 − 2i 1 2
= = · = 2 = = − i .
z1 1 + 2i 1 + 2i 1 − 2i 1 + 22 5 5 5
A divisão z2 /z1 é calculada de maneira semelhante:
z2 −3 + 4i −3 + 4i 1 − 2i −3 + 6i + 4i − 8i2 5 10
= = · = 2 2
= + i = 1 + 2i.
z1 1 + 2i 1 + 2i 1 − 2i 1 +2 5 5
201

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5.2 Representação Gráfica e Forma Polar de Números


Complexos

Note que um número complexo z = x + iy é perfeitamente definido pelo par de números reais
(x,y) ∈ R2 . É portanto natural representar graficamente um número complexo como um
ponto do plano cartesiano1 . Um plano utilizado para a representação geométrica de números
complexos é dito um plano complexo ou plano z. O eixo horizontal do plano complexo é dito
o eixo real e o eixo vertical é dito o eixo imaginário. Veja a Figura 5.1.

Figura 5.1: Representação gráfica do complexo z = 3 + 2i.

Exemplo 5.2.1. Represente geometricamente no plano os seguintes números complexos.


(i) z = 2 + 5i (ii) z = −1 + 3i (iii) z = −4i
. . . . . . .
(iv) z = 3 (v) z = −4 − 2i (vi) z = 1 − 3i
1
É possı́vel também interpretar um número complexo z = x + iy como o vetor definido pelos pontos (0,0
e (x,y).
202

Valor absoluto de um número complexo. O valor absoluto ou módulo de um número


complexo z = x + iy é definido como a distância de z à origem no plano complexo:
p √
|z| = x2 + y 2 = zz. (5.1)

Exercı́cio 5.2.2. Calcule o valor absoluto dos números complexos abaixo.


(i) z = 3 + 4i (ii) z = 5 − i

Forma polar de números complexos. Seja z = x + iy um número complexo. Se θ é


o ângulo entre o vetor z e o eixo real, o sistema de coordenadas polares de R2 fornece as
equações
x = r cos θ e y = r sen θ.

Segue que z = (r cos θ) + i(r sen θ), isto é,

z = r(cos θ + i sen θ). (5.2)

Note que o número complexo u = cos θ + i sen θ tem valor absoluto 1:


√ √
|u| = | cos θ + i sen θ| = cos2 θ + sen2 θ = 1 = 1.

Segue que r = |z| é a distância de z até a origem. O ângulo θ é dito o argumento de z.

.Obs: É importante destacar que na forma polar z = r(cos θ + i sen θ) temos que o número
complexo u = cos θ + i sen θ se encontra situado no cı́rculo unitário complexo; o produto pelo
número real r = |z| dilata ou comprime o número complexo u. Veja as Figuras 5.2 e 5.3. /

Exercı́cio 5.2.3. Determine a forma polar dos números complexos abaixo.



(i) z = −1 + 3i (ii) z = 3 − 3i

A forma polar pode ser utilizada para realizar cálculos com números complexos, como
vemos no teorema a seguir.
203

Figura 5.2: Forma polar de um número complexo.

Figura 5.3: Forma polar de um número complexo.

Teorema 5.2.4. Sejam z1 = r1 (cos θ1 + i sen θ1 ) e z2 = r2 (cos θ2 + i sen θ2 ). Então:


 
(i) z1 z2 = r1 r2 cos(θ1 + θ2 ) + i sen(θ1 + θ2 )
z1 r1  
(ii) = cos(θ1 − θ2 ) + i sen(θ1 − θ2 )
z2 r2

Demonstração: Provamos o item (i) e deixamos o item (ii) como exercı́cio. A multiplicação
direta da forma polar de z1 e z2 fornece

z1 z2 = r1 r2 (cos θ1 cos θ2 + i cos θ1 sen θ2 + i sen θ1 cos θ2 + i2 sen θ1 sen θ2 ),

isto é,

 
z1 z2 = r1 r2 (cos θ1 cos θ2 − sen θ1 sen θ2 ) + i(cos θ1 sen θ2 + i sen θ1 cos θ2 ) .
204

A identidades cos(a + b) = cos a cos b − sen a sen b e sen(a + b) = sen a cos b + sen b cos a
concluem a demonstração.

Note que como uma consequência direta do item (i) do Teorema 5.2.4 temos:

z 2 = z · z = r · r(cos(θ + θ) + i sen(θ + θ)) = r2 (cos(2θ) + i sen(2θ)).

O mesmo argumento pode ser aplicado a z n para n ≥ 1:


n
= rn (cos(nθ) + i sen(nθ)).

r(cos θ + i sen θ) (5.3)

Em particular, se |z| = r = 1,

(cos θ + i sen θ)n = cos(nθ) + i sen(nθ). (5.4)

Raı́zes de números complexos. Dizemos que w é uma raiz enésima de z, n ≥ 2, se


wn = z. O teorema a seguir fornece todas as raı́zes enésimas de um número complexo z.

Teorema 5.2.5. Seja z = r(cos θ + i sen θ). Então a equação wn = z possui n raı́zes para w
e estas soluções são dadas por
    
1/n θ + 2kπ θ + 2kπ
w=r cos + i sen , k = 0, 1, . . . , n − 1.
n n

Demonstração: Seja w = ρ(cos φ + i sen φ). Temos wn = z se e somente se

ρn cos(nφ) + i sen(nφ) = r(cos θ + i sen θ).


 

Para igualdade acima ser verificada devemos ter a igualdade dos valores absolutos: ρn = r
para ρ ≥ 0, isto é, ρ = r1/n . O argumento dos números complexos na equação também
devem coincidir: devemos ter nφ = θ a menos de um múltiplo inteiro de 2π (volta inteiro no
cı́rculo trigonométrico). Segue que
θ + 2kπ
nφ = θ + 2kπ, isto é, φ= , k ≥ 0.
n
205

Apenas os valores k = 0, 1, . . . , n − 1 fornecem raı́zes distintas na expressão acima: de fato,


se k = n + m com m ≥ 0, temos

θ + 2(n + m)π θ + 2mπ + 2nπ θ + 2mπ 2nπ θ + 2mπ


φ= = = + = + 2π,
n n n n n

isto é, o valor k = n + m fornece um ângulo que coincide com aquele definido por k = m.
Isto conclui a demonstração do teorema.

Exercı́cio 5.2.6. Determine as três raı́zes cúbicas da unidade imaginária, isto é, as três
soluções da equação w3 = i.

Exercı́cio 5.2.7. Determine as quatro raı́zes quartas do número complexo z = 1 + i, isto é,
as quatro soluções da equação w4 = 1 + i.

5.3 Funções Complexas

Uma função f é uma regra que associa, a cada elemento x em um conjunto D, um único
elemento f (x) em um conjunto E. O conjunto D é dito o domı́nio de f . Quando D e E
são dados pelo conjunto C de números complexos, dizemos que f é uma função complexa.
Assim como escrevemos y = g(x) para uma função de uma variável real, podemos escrever
w = f (z) para representar uma função complexa z: para cada elemento z do domı́nio temos
uma imagem w associada. Como todo número complexo, w pode ser escrito como w = u+iv,
onde u,v ∈ R. Se z = x + iy, então

w = f (z) = u(x,y) + iv(x,y). (5.5)

Em outras palavras, a parte real u(x,y) da imagem de f é uma função de duas variáveis
reais (x,y) 7−→ u = u(x,y). Analogamente, a parte imaginária v(x,y) da imagem de f é uma
função de duas variáveis reais (x,y) 7−→ v = v(x,y).
206

Exercı́cio 5.3.1. Determine o domı́nio da função

f (z) = z(i − 2z).

Escreva as partes real e imaginária de f como funções de x,y, onde z = x + iy, como na
Equação (5.5). Determine f (i) e f (1 − 2i).

Exercı́cio 5.3.2. Determine o domı́nio da função

z+1
f (z) = .
z2 + 4

É possı́vel definir limites e derivadas de funções complexas de maneira análoga à de


funções de uma variável real. Apresentaremos apenas as definições aqui e indicamos o leitor
ao Capı́tulo 8 de Dennis Zill e Michael Cullen, Matemática Avançada para a Engenharia,
Terceira Edição para mais detalhes.

Definição 5.3.3. Seja f uma função complexa definida em torno de um ponto z0 ∈ C,


exceto possivelmente o próprio z0 . Dizemos que o limite de f quando z se aproxima de z0
existe e é igual a L se para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que

0 < |z − z0 | < δ =⇒ |f (z) − L| < ε.

Escrevemos nesse caso


lim f (z) = L.
z→z0

Definição 5.3.4. Seja f uma função complexa definida em torno de um ponto z0 ∈ C. A


derivada f em z0 é definida como

f (z) − f (z0 )
f 0 (z0 ) = lim ,
z→z0 z − z0

caso o limite exista.


207

Função exponencial complexa. A função exponencial complexa é de particular im-


portância devido à sua ligação com as funções trigonométricas reais. Podemos definir
a função exponencial complexa ez através de uma extensão da série de MacLaurin vista
no Capı́tulo 4. Com este fim apresentamos rapidamente as definições de convergência de
sequências e séries de números complexos. Verifique a semelhança com as Definições 3.1.2,
3.1.5 e 3.4.2.

Definição 5.3.5. Uma sequência {zn }∞


n=1 de números complexos é uma função f com

domı́nio Dom f = N e contradomı́nio dado pelos números complexos. Escrevemos nor-


malmente zn = f (n) para indicar o n-ésimo elemento da sequência.

Definição 5.3.6. Dizemos que uma sequência de números complexos {zn }∞


n=1 é convergente

se existe um número complexo L tal que para todo ε > 0 existe um inteiro N ≥ 1 tal que
|zn − L| < ε para todo n ≥ N . Escrevemos nesse caso

lim an = L ou an → L quando n → ∞.
n→∞

Definição 5.3.7. Uma série infinita de números complexos



X
zk = z1 + z2 + · · · + zk + · · ·
k=1

é dita convergente se a sequência de somas parciais {sn }∞


n=1 , definida por

n
X
sn = zk = z1 + z2 + · · · zn ,
k=1
P∞
convergir. Se sn → L quando n → ∞ dizemos que k=1 zk = L.

É possı́vel provar que uma sequência {zn }∞


n=1 de números complexos definida por zn =

xn + iyn , xn , yn ∈ R para n ≥ 1, converge para L = a + ib se e somente se

lim xn = a e lim yn = b.
n→∞ n→∞
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Podemos assim resumir o problema da convergência de sequências e séries de números com-


plexos à convergência de sequências e séries de números reais.

Definição 5.3.8. Definimos a função exponencial complexa como a função f (z) = ez que
associa, a cada z ∈ C, o limite da série

z
X zk z1 z2 z3
e = =1+ + + + ··· .
k=0
k! 1! 2! 3!

Está claro que a função f (z) = ez está bem definida para z = 0: a série na Definição
5.3.8 fornece e0 = 1, assim como no caso de números reais. Mais ainda, para z = x um
número real, a função exponencial coincide com a função exponencial real, estando portanto
bem definida para todo z com parte imaginária nula. Além disso, observamos que
n n n
X zk X |z|k X ak
= = ,
k=1
k! k=1
k! k=1
k!

onde a = |z| é um número real. Segue que a sequência de somas parciais definida acima
é convergente, donde concluı́mos2 que a exponencial complexa está bem definida para todo
z ∈ C; em outras palavras, o domı́nio da função exponencial complexa consiste de todo o
plano complexo.

É possı́vel utilizar a Definição 5.3.8 e as séries de MacLaurin reais para sen θ e cos θ para
verificar a Identidade de Euler, enunciada no teorema abaixo.

Teorema 5.3.9 (Identidade de Euler). Se θ é um número real, então

eiθ = cos θ + i sen θ.

Exercı́cio 5.3.10. Verifique o enunciado do Teorema 5.3.9 a partir da Definição 5.3.8.


2
P P
Séries complexas zn tais que |zn | é convergente são ditas absolutamente convergentes. Assim como
no caso real, toda série absolutamente convergente é convergente.
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Exercı́cio 5.3.11. Use o Teorema 5.3.9 para provar que

1 iθ 1 iθ
(e + e−iθ ) = cos θ e (e − e−iθ ) = sen θ.
2 2i

Também é possı́vel utilizar a Definição 5.3.8 para provar que ez+w = ez ew , para z,w ∈ C.
Segue que, para z = x + iy, temos ez = ex+iy = ex eiy . Concluı́mos pelo Teorema 5.3.9 que

ex+iy = ex (cos y + i sen y).

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