2022 - TV Arquivo - Estratégias, Experiências e Efeitos Do "Ver Televisão"

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Edição 13 | “Comunicação e Mídias Sonoras” V.

8 Ano
08 2021/2 ISSN: 2317-7519 EDITORA DA UNEMAT

TV ARQUIVO:
Estratégias, Experiências e Efeitos do “Ver Televisão”

José Jullian Gomes de SOUZA1


Universidade Federal do Ceará – UFC

Resumo: O objetivo deste estudo é compreender como os arquivos de antigas telenovelas


disponibilizados no serviço de streaming Globoplay funcionam como estratégias e experiências
do “ver televisão”, mediados pelas plataformas digitais, para as diversas (novas e antigas)
audiências. Partimos de um estudo exploratório sobre a inserção das antigas telenovelas da
Rede Globo no Globoplay com recorte temporal de 2020 e 2021. A partir deste estudo,
propomos a construção, já existente, de uma televisão fragmentada, mas que (re)modela a
experiência do ver televisão na contemporaneidade. Entende-se que há o desenvolvimento de
uma TV arquivo a partir da lógica do streaming, que altera a lógica do fluxo televisivo para a
criação do arquivo em grade, permitindo aos sujeitos apropriações e interações diversas com
conteúdo sob as potencialidades da Era Digital.

Palavras-chaves: Televisão; Globoplay; Plataforma digital.

Abstract: The objective of this study is to understand how the archives of old soap opera
available on the Globoplay streaming service work as strategies and experiences of “watching
television”, mediated by digital platforms, for the different (new and old) audiences. We
start from an exploratory study on the insertion of old soap opera from Rede Globo in
Globoplay with a timeframe of 2020 and 2021. From this study, we propose the construction,
already existing, of a fragmented television, but which (re)shapes the experience of watching
television in contemporary times. It understood that there is the development of a TV archive 062
based on the logic of streaming, which changes the logic of the television flow to create a
grid file, allowing subjects to appropriate and interact with content under the potential of
the Digital Age.

Keywords: Television; Globoplay; Digital platform.

Introdução

O
s últimos dois anos são especialmente significativos para refletir
sobre a televisão. A pandemia do novo coronavírus, iniciada no final
de 2019 na China, eclodida mundialmente em 2020 e se estendendo
por 2021, provocou alterações no fazer televisão, como observado no caso
brasileiro. Uma das principais emissoras de televisão do país, a Rede Globo,
paralisou diversas das suas produções de entretenimento. Em contrapartida,
experimentou outros espaços do “ver televisão” e possibilitou experiências
para as suas audiências, a partir de antigos arquivos audiovisuais

1
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação na Universidade Federal do
Ceará (PPGCOM/UFC), na linha de pesquisa Mídias e Práticas Socioculturais. Atualmente
pesquisa sobre o processo de expansão e interiorização do telejornalismo no Ceará. Mestre
pelo Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia na Universidade Federal do Cariri
(UFCA) em 2020. E-mail: [email protected].
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disponibilizados no serviço de streaming Globoplay, pertencente ao


conglomerado midiático Grupo Globo: como no caso das antigas telenovelas.
A Era Digital tem possibilitado a construção de um mundo cada vez
mais baseado na troca, no compartilhamento, em um vai e vem de
informações, produtos, diálogos e a aproximação entre as mídias tradicionais
(jornais e revistas impressas, televisão e rádio) com as mídias nativas dos
ambientes digitais. É dentro deste contexto, que o título desta comunicação
se insere e convida os leitores e pesquisadores à reflexão sobre a aproximação
entre televisão e novas mídias, a partir do uso do arquivo como protagonista.
O foco dessa relação é ainda mais específico, por se tratar de uma
reconfiguração na paisagem midiático de arquivamento, disponibilização,
compartilhamento, acesso e uso de conteúdos audiovisuais televisivos no que
podemos denominar de “Era do Streaming”. Uma era compreendia mediante
ao fenômeno de produção e disponibilização de conteúdos audiovisuais sob de
demanda, em diálogo com as alterações da vida cotidiana como mobilidade,
ubiquidade, tempo reduzido e busca constante pela sensação de protagonismo 063
pelos telespectadores/consumidores/usuários.
Dessa forma, partimos para refletir sobre a presença dos arquivos de
antigas telenovelas sendo disponibilizados na plataforma Globoplay, iniciado
durante o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, visualizando como esse
feito altera o “ver televisão” e estabelece o que estamos denominando de
uma TV arquivo. Essa TV arquivo, frente ao recorte apresentado, dialoga com
as novas e velhas audiências, com a convergência tecnológica e se aplica
como uma estratégia do “ver televisão” na contemporaneidade das novas
mídias. Como resultado desde estudo, buscamos apontar o que é a TV arquivo
e os seus efeitos e possibilidades da relação com o conteúdo para as
audiências do século XXI.

Quadro metodológico

Para os fins de observação, análise e apresentação dos resultados deste


estudo partimos de uma pesquisa de cunho observatório sobre a inserção dos
arquivos de antigas telenovelas, especificamente na plataforma Globoplay. De
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acordo com Gil (2008, p. 100) “A observação constitui elemento fundamental


para a pesquisa. Desde a formulação do problema, passando pela construção
de hipóteses, coleta, análise e interpretação dos dados, a observação
desempenha papel imprescindível no processo de pesquisa”.
Além disso, buscamos reportagens, críticas e material de cunho
jornalístico em portais e sites digitais que discorressem sobre as mudanças
audiovisuais e o cenário das telenovelas no contexto pandêmico, iniciado em
2021. Para tal, nos utilizamos do próprio Google como plataforma de busca, a
partir da junção de termos de busca como: “telenovela” + “arquivo” +
“pandemia”. Não houve uma sistematização dessas notícias, visto que elas
estão ao longo do texto e corroboraram para a reflexão do estudo proposto,
tendo como recorte temporal o período 2020-2022.
Por fim, fizemos uso da estratégia bibliográfica como forma de verificar
o que havia de estudo sobre a relação arquivo e televisão, a partir de canais
informacionais específicos como os artigos disponibilizados em periódicos e
anais de eventos da área da Comunicação: Sociedade Brasileira de Estudos 064
Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e Encontro de História da Mídia
(Alcar). Mediante a coleta de materiais, leituras e reflexões apresentamos um
resultado inicial sobre a expansão desses arquivos de antigas telenovelas no
serviço de streaming e como o Grupo Globo tem se valido dessa plataforma
digital para se relacionar com as antigas e as novas audiências.

A TV entre o fluxo e o arquivo

A formação da televisão brasileira remonta ao período da década de


1950, quando ela ainda funciona totalmente ao vivo, na base do improviso e
da experimentação. Nada tinha a ver com a TV com a qual a sociedade está
acostumada quando aperta o controle e escolhe um canal para assistir. As
mudanças na televisão estão ligadas ao amadurecimento da própria relação
que foi sendo estabelecida com essa caixa mágica, e ao desenvolvimento de
aparatos tecnológicos que foram proporcionando novas experiências, agilidade
e possibilidades de manuseio.
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Dentro desse quadro de mudanças, está a construção de uma lógica


televisiva – visível até os dias atuais. Essa lógica, nos meios de comunicação
com o impresso e rádio, já podia ser identificada quando observamos, por
exemplo, que o jornal impresso é dividido em seções (política, economia, arte
e cultura, esportes etc.) e no rádio, que estabelecia os seus horários e dias da
semana para as a exibição da programação. Essa mesma lógica, também
pautada no comercial e fidelidade da audiência, foi levada para o novo
negócio: a TV.
É o que chamamos de programação televisiva. Quando os profissionais
da televisão entenderam que para fidelizar a audiência seria preciso
desenvolver um cronograma, a TV passou a funcionar com uma programação
pré-estabelecida em dias e horários fixados. O que por sua vez também
estabeleceu a ideia de fluxo. Williams (2016) é um dos principais teóricos
sobre os estudos de televisão, que abordam a ideia de fluxo. Conforme
explicita, o fluxo é uma das características da radiodifusão (rádio e televisão)
e uma experiência tecnológica e cultural. 065
O fluxo televisivo é entendido como uma novidade nesse modelo de
comunicação, visto que, anteriormente, os elementos estavam separados.
Como ele exemplifica:

Um livro ou um panfleto eram lidos como um item específico. Um


encontro ocorria em datas e lugares específicos. Uma peça era
encenada em um teatro específico, em determinada hora. A
diferença da radiodifusão não é somente que esses eventos ou outros
semelhantes estão disponíveis no lar, ao simples ligar de um
aparelho. Mas, sim, que o programa de fato oferecido é uma
sequência ou um conjunto de sequências alternativas desses ou de
outros eventos similares, que assim ficam disponíveis numa única
dimensão e numa única operação (WILLIAMS, 2016, p. 97).

Ou seja, a televisão, diferentemente de outras formas de comunicação


e arte, passa a ser uma experiência coletiva que pode ser reproduzida,
instantaneamente, por vários e diferentes sujeitos ao mesmo tempo. Assim, a
experiência de radiodifusão, conforme Williams (2016) é diferente, visto que
os sujeitos falam em “assistir televisão”, por exemplo, ao invés de dizer que
irá assistir esse ou aquele programa em específico: como no caso de um livro,
uma peça teatral ou um show.
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Podemos dizer, com isso, que esse modo de “assistir televisão” foi
sendo instaurado para a sociedade e permanece até a atualidade – quando
observamos o modelo “tradicional” de televisão, que ocorre mediante a
intercalação de uma grade de programação com programas (dos mais variados
tipos) e intervalos comerciais (com a presença de publicidade e chamadas de
outros programas).
Conforme Souza (2018), a ideia de fluxo desponta num momento de
popularização e amadurecimento da TV aberta. Assim,

Essa transformação de uma sequência de programação em uma


sequência em Fluxo é um olhar para a experiência do
telespectador, em que a imersão nessa programação não é balizada
por unidades de tempo, mas segue indefinidamente, um programa
seguido de outro, um comercial seguido de outros comerciais, um
jeito partilhado de assistir à TV ou ouvir o rádio (SOUZA, 2018, p.
29, grifo nosso).

Como destacado no trecho acima, o fluxo televisivo é uma experiência


proposta ou imposta ao espectador, já que no modo tradicional de assistir
televisão, ele não pode fazer interferências. É preciso seguir a grade de 066
programação designada por cada emissora. Desse modo, como apontado por
Muanis (2014, p. 62), “O broadcast e a televisão não são um evento especial
para o qual o espectador se prepara e destina um horário certo. Ele
simplesmente liga o televisor e a sequência de imagens está lá, a qualquer
hora”. Com o fluxo, a TV se apresenta de forma constante e planejada,
mediante um conjunto de sequências constituindo o verdadeiro broadcasting
(LIMA; MOREIRA; CALAZANS, 2015).
Após todo o exposto até o momento sobre o fluxo, partiremos para a
reflexão sobre a relação entre o fluxo e o arquivo em meio ao ambiente
televisivo e as novas formas de “assistir televisão”, que foram propostas ao
espectador com a chegada de novas tecnologias, a exemplo da internet e das
mídias digitais. Eis aqui o ponto ao qual buscamos, desenvolver um
pensamento sobre a ideia de TV arquivo na contemporaneidade. A inquietação
surge a partir da visualização da expansão da televisão e do diálogo com as
novas mídias. Como diversos autores discorrem, a televisão não morreu e nem
está próxima do fim, mas está se readaptando aos novos tempos.
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A relação entre o fluxo e o arquivo, no cenário, audiovisual, parte da


busca em identificar e propor não somente novas formas de “assistir
televisão”, mas de como essas formas fazem uso, sobretudo, dos antigos
arquivos e os inserem numa lógica de ampliação do mercado audiovisual, de
experiências temporais e dos efeitos desse “assistir televisão” na era do
streaming. Cannito (2009) explica que as definições sobre televisão precisam
passar pela lógica do fluxo e do arquivo, apesar da TV ter a sua dinâmica
centrada no fluxo.
Acerca do fluxo, Cannito (2009, p. 24) expõe: “Podemos caracterizar
uma mídia como majoritariamente fluxo se ela notabiliza pela reprodução
incessante de conteúdo, de modo independente do espectador, em um fluxo
unidirecional e regular”. Logo, a televisão é um tipo de mídia à base do
fluxo, pois “Do ponto de vista da circulação da produção televisiva, há sempre
uma incidência temporal da transmissão sobre sua exibição e consumo”
(DUARTE, 2004, p. 56).
Em oposição, temos a presença dos arquivos de imagens no ambiente 067
digital. Nesse meio, não há uma lógica linear e fluida que direciona o usuário,
como no rádio e na televisão. Há, sim, maior flexibilidade e protagonismo do
sujeito frente a sua escolha. Cannito (2009) faz uma comparação com uma
livraria e locadora, mas atualizando o cenário social é a seleção que fazemos
quando acessamos o YouTube ou um serviço de streaming como Netflix ou
Globoplay, por exemplo.
Nestes espaços temos um catálogo, uma seleção prévia do que o
usuário pode assistir. Contudo, não há uma linearidade ou um fluxo. Não há
uma grade de programação pré-estabelecida com horários e publicidade. O
que há são arquivos de filmes, séries, documentários, novelas, shows, realities
etc. à disposição do usuário. Basta ele escolher, clicar e assistir. Além disso,
ele pode pausar, voltar e rever – ações que na televisão aberta não são
opcionais.
É desse modo que caracterizamos a chamada TV Arquivo. Ela não é algo
novo, visto que a presença de sites de compartilhamento e armazenamento de
vídeos já existiam como o Vimeo (2004) e o YouTube (2005). Mas, na era do
streaming, observamos uma remodelação da disponibilização e acesso à TV,
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especialmente quando tratamos de conteúdos da Rede Globo. Esta é uma das


poucas emissoras brasileiras que não disponibilizam, de forma oficial, o seu
conteúdo em outros portais.
Com o passar do tempo, além de compartilhar fragmentos nos sites e
nas redes sociais oficiais, o Grupo Globo desenvolveu a sua própria plataforma
de streaming, o Globoplay, onde são armazenados e disponibilizados todos os
seus conteúdos (telenovelas, programas de entretenimento, telejornais,
programas jornalísticos entre outros). Cabe destacar que o Globoplay difere
de outras plataformas de streaming por estar relacionado, diretamente, a
uma emissora de TV. Aliás, uma das principais emissoras de televisão do
Brasil, criada em 1965. Como relata Antoniutti (2019, p. 106)

Diante disso, a televisão – acostumada a ser o centro das atenções –


precisa se redescobrir como meio e ampliar os horizontes de
atuação. O Globo Play, cerne deste trabalho, constitui uma das
respostas da TV a esse novo cenário. O Globo Play é a plataforma
digital de Video on Demand lançada pela Rede Globo, em novembro
de 2015, com a proposta de oferecer ao público uma nova forma de
se relacionar com os conteúdos produzidos pela emissora, uma
experiência de consumo dinâmica e diversificada, diferente de todos
068
os apresentados anteriormente e que traz serviços inéditos à
atuação da Globo no meio digital.

Mediante a essa nova experiência televisiva, compreender a existência


dessa TV arquivo, fragmentada e dialogando com as diferentes audiências.
Esse diálogo, especificamente na proposição deste estudo, parte da estratégia
iniciada, com ênfase, na pandemia da Covid-19 em disponibilizar o seu acervo
de antigas telenovelas. O movimento ocorreu ao mesmo tempo que as
produções inéditas da televisão forma paralisadas, devido aos protocolos
sanitários da Organização Mundial da Saúde (OMS). Intencional ou não, o que
se observou, desde os primeiros meses de 2020, foi a introdução desses
produtos audiovisuais no Globoplay, chamando atenção não somente de um
público que já conhecia as antigas telenovelas, mas as apresentando como
“novas” para um público mais jovem e que está presente nos serviços de
streaming.
No formato dos streamings a disponibilização dos conteúdos ocorre no
modelo de arquivo em grade, como aborda Cardoso (2017). Ou seja, há uma
mudança do sistema em fluxo para a visualização de uma televisão em forma
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de arquivos disponibilizados. Para Cannito (2009), as mídias de arquivo


possibilitam o usuário acessar o conteúdo armazenado quando ele quiser, a
exemplo do audiovisual no serviço de streaming.
Frente ao exposto, refletimos sobre as características presentes na TV
fluxo e na TV arquivo (Quadro 1):

Quadro 1: Características da TV fluxo e TV arquivo


TV fluxo TV arquivo
Sistema de radiodifusão Ambiente digital (internet)
Grade de programação Arquivo em grade
Linear (temporal) Não linear (temporal)
Maior controle do emissor Menor controle do emissor
Espectador com menor autonomia Usuário com maior autonomia
Inserção comercial Pode haver inserção comercial
Exibição fragmentada Exibição na íntegra
Experiência televisiva tradicional Experiência televisiva contemporânea
(tela única) (telas múltiplas)
Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Cada um dos modelos apresentados possui a sua especificidade,


funcionamento e lógica. Além disso, são modelos de negócios diferentes, seja
069
pelo seu tempo de criação e desenvolvimento, seja pela sociedade que se
transformou e continua se transformando. Assim, a televisão também se
transforma, se adapta aos novos tempos não somente como necessidade de
sobrevivência, mas como forma de explorar territórios e sujeitos. É o caso das
antigas telenovelas, que passam a funcionar como um novo modelo de
negócio, estratégia, experiência e o “ver televisão” na era do streaming.

Audiências: vale a pena ver de novo e pela primeira vez também


A telenovela é um dos principais gêneros audiovisuais da televisão
brasileira. Em 2021, a sua exibição nas telinhas completou 70 anos. Do preto e
branco ao colorido, do analógico ao digital, a telenovela se transformou, se
popularizou e marcou a grade de programação de grandes emissoras,
especialmente quando falamos da Rede Globo. Porém, para além dos espaços
já construídos para a sua exibição “original”, a telenovela passou a ser
reprisada como no caso do Vale a Pena Ver de Novo, nas tardes da emissora
carioca. Neste espaço, as telenovelas foram reprisadas e ganharam outras
audiências, para além da sua exibição original.
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Para Jacks et al. (2020, p. 48), a telenovela representa “Parte da


memória social e cultural [e] pertence ao âmbito dessa produção midiática já
com longa história no cenário nacional”. Ainda de acordo com as autoras, as
reprises de telenovelas na Rede Globo aconteceram desde meados de 1969,
no período vespertino. O novo “Vale a Pena ver de Novo”, foi criado na
década de 80, tendo, até o ano de 2010, reprisado mais de oitenta
telenovelas. Outro espaço dedicado à memória audiovisual da Rede Globo e as
reprises foi o Canal Viva, no modelo de TV fechada, por assinatura. O Canal
Viva foi criado em 2010 e “A programação, na sua maioria, consiste de
produtos que pertencem ao arquivo da Rede Globo de Televisão. Essa grade é
formada por telenovelas, programas de humor e musicais, seriados, filmes
antigos e algumas produções do próprio canal” (BRESSAN JÚNIOR, 2019, p.
206).
Como apresentado, no modelo televisivo tradicional, as telenovelas são
produtos reexibidos ao longo do tempo, fazendo emergir até mesmo um canal
dedicado a nostalgia e a memória, como é o caso do Canal Viva. Porém, com a 070
pandemia observamos que há uma nova movimentação do Grupo Globo em
relação a disponibilização das antigas telenovelas no Globoplay. Isso já vinha
acontecendo, de certo modo, quando as telenovelas eram reprisadas no Vale
a Pena Ver de Novo. Contudo, nessa reprise a novela sofre uma edição, ou
seja, não é reexibida como em sua exibição original.
Com a pandemia da Covid-19 e a paralisação das produções inéditas da
Rede Globo, é que se visualiza esse movimento de inserção dos arquivos de
antigas telenovelas no Globoplay, que se diga, os arquivos com a telenovela
completa. Pois, ao serem reprisadas na Vale a Pena Ver de Novo, o compacto
da telenovela era disponibilizado, mas isso (des)configura a exibição original
sem cortes. Esse arquivamento e disponibilização permitiu que as diferentes
audiências pudessem assistir as telenovelas antigas. Na seção “Novelas”, do
Globoplay, o usuário/assinante encontrará os arquivos completos das
telenovelas organizadas por décadas que vão desde os anos 1970 até a
atualidade das produções do século 21.
Conforme noticiaram alguns portais de notícias (a exemplo do F5 e
TelePadi), o Globoplay passou a disponibilizar esse catálogo das telenovelas
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produzidas pela Rede Globo. A ideia era inserir as antigas produções a cada
duas semanas, iniciando com a telenovela A Favorita (2008). Conforme
refletiu a jornalista Patrícia Kogut, em sua coluna no jornal O Globo, em 3 de
maio de 2021, intitulada “Antigas novelas, novas forma de assistir”: “Um
arquivo na internet tem muitas vidas e é vocacionado para o
compartilhamento. Por isso, o sucesso foi imediato quando o Globoplay passou
a disponibilizar antigas telenovelas” (KOGUT, 2021, sem paginação). Isso fez
com que a plataforma Globoplay disponibilizasse, desde meados de 2020 até
meados de 2022 (quando esta pesquisa foi realizada).
De acordo com Costa (2021, sem paginação), do Observatório da TV:
“[...] o GloboPlay vai resgatar a cada duas semanas, sempre às segundas-
feiras, um clássico da Globo que marcou época e que volta para ficar, para
ser visto e revisto a qualquer momento e em qualquer lugar”. Outras
telenovelas ainda devem ser inseridas ao longo dos próximos meses de 2022,
visto que esse processo demanda seleção, digitalização, complexidades
envolvendo o tipo de câmera que foi gravada e o ajuste da tela nos novos 071
suportes. Afinal, trata-se aqui de muito material com tecnologia analógica e
pode acarretar em imagens distorcidas, fugindo do “Padrão Globo de
Qualidade”.
Para Daniel César (2021), do portal Na Telinha, o Globoplay vem
modificando a forma como o público se relaciona com as telenovelas. O que
para ele, já se apresentada desde o final do século XX, mesmo quando a
internet ainda não era tão potencializada quanto hoje:

Quando, em 1997, um internauta lançou a campanha ‘Eu odeio a


Maria Eduarda’, se referindo a personagem interpretada por Gabriela
Duarte na novela Por Amor, já ficava claro que a internet, ainda que
engatinhando, mudaria para sempre o jeito de ver o principal
produto da nossa TV, a telenovela (CÉSAR, 2021, sem paginação).

A Globo, como principal produtora do formato no país, foi a pioneira


em cada passo dado e atualmente assumiu para si o protagonismo
em colocar as novelas como parte fundamental do streaming
brasileiro. Se nos idos de Por Amor, parecia impensável dizer que o
brasileiro poderia acompanhar uma telenovela pela internet e – pior
– numa plataforma de streaming [...] (CÉSAR, 2021, sem paginação).

É sob pontos de vista como estes que visualizamos as potencialidades


dos arquivos de antigas telenovelas nos serviços de streaming,
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especificamente no Globoplay – aqui analisado. A introdução desses arquivos


de antigas telenovelas propõe uma reordenação e reorganização de como as
audiências (tradicionais e novas) se relacionam com esse produto audiovisual.
Essas mudanças estão relacionadas ao que Cajazeira e Souza (2020, p. 205)
apontam, a falar sobre a televisão e ambientes digitais:
Nesse emaranhado complexo ao qual pertence o ambiente midiático
e no qual os sujeitos estão inseridos – sejam produtores ou
consumidores –, observa-se uma nova movimentação, transformação
e adaptação dos processos, produtos e formas de produção,
disponibilização, uso e consumo. Essas mudanças ocorrem em
conjunto com os processos de mobilidade e ubiquidade das telas,
propiciados pela expansão da cultura tecnológica, transformando os
processos de arquivamento e memória dos produtos audiovisuais em
ambientes digitais.

Assim, iremos focar, neste primeiro momento, na compreensão dos


produtores, objetivando analisar como essa TV arquivo proporciona
estratégias, experiências e efeitos do “ver televisão”. Visto que, esse “vale a
pena ver de novo” não se configura apenas no ambiente que é própria da
televisão. Ele, atualmente, ultrapassou as fronteiras e no contexto da 072
convergência tecnológica e ubiquidade vista estar presente também na
internet, a partir dos ambientes e plataformas digitais. O que também
flexibiliza a relação desse fluxo televisivo, já que com a ideia de
disponibilização dos arquivos, de forma individualizada, os
usuários/espectadores podem ter maior autonomia sobre o que ver, quando e
como ver.
Isso já vem acontecendo há um tempo, sobretudo com a plataforma
YouTube. Mas, quando tratamos especificamente das telenovelas da Rede
Globo e, em especial as antigas, percebemos que este fenômeno é recente. E
está ligado com a lógica capitalista e comercial da empresa, haja visto que
com a pandemia houve as paralisações das telenovelas – que rendem um
grande capital publicitário para a organização. Desse modo, buscamos
apresentar como esses arquivos de antigas telenovelas podem/são
(re)apropriados pelas audiências, uma vez que passam a estar situados na
plataforma digital.

Estratégias, experiências e efeitos do “ver televisão”


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Entendemos que para a análise é interessante seguir uma lógica que


possa explicitar o funcionamento dos arquivos na plataforma, bem como eles
podem ser apropriados pelas audiências, proporcionando novas experiências e
efeitos. Com isso, a análise acontecerá com base nessa sequência:
estratégias, experiências e efeitos. Pois, acreditamos que assim, ao final da
observação, pode-se ter um quadro mais amplo de entendimento sobre a
inserção das antigas telenovelas no streaming.

Quadro 2: Estratégias, experiências e efeitos a partir dos arquivos de antigas


telenovelas no streaming
Estratégias, experiências e efeitos Descrição das características
A presença desses arquivos configura um
Modelo de negócio modelo de negócio para a empresa, visto
que os arquivos podem ser monetizados. E,
assim, aquilo que estava apenas guardado
no Centro de Documentação (CEDOC), pode
ser rentável para a empresa.
Num ambiente convergente e multitela, a
presença da televisão em diversos
Telas para a disponibilização de conteúdo ambientes possibilita a disponibilização de
audiovisual conteúdo televisivo para além da tela
tradicional. Assim, há também a 073
possibilidade da ubiquidade da TV e o
diálogo com as novas tecnologias e
audiências diversas.
Na lógica dos ambientes digitais e da
internet há a possibilidade de
Compartilhamento de arquivos pela internet compartilhamento dos antigos arquivos pela
emissora com o público. Ainda que apenas
seja possível assistir e que para isso seja
necessário, na maioria dos casos, ter uma
assinatura no serviço de vídeo sob demanda.
Com a nova forma de disponibilizar as
telenovelas, assim como as séries, é possível
refletir sobre a formação de uma nova
audiência. Isso também se dá num momento
oportuno para a empresa e para o público,
Formação de um novo público (audiência) visto que com a pandemia houve paralisação
das novas telenovelas e o público pode
reviver velhas histórias. Além disso, também
há a chance de alcançar novas audiências
que gostam de telenovelas e podem assistir
as antigas produções na plataforma de
vídeo.
Com a disponibilização na íntegra de todos
Processo de maratonar telenovelas (nova os capítulo, o usuário/espectador mantém
forma de consumo) um relação diferente com as telenovelas na
internet. Ele pode maratonar, assistir
diversos episódios por dia, diferentemente
da TV.
Além de uma audiência mais antiga e
tradicional que já conhecia as tramas e
pôde revivê-las. O público mais jovem e que
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diálogo com os ambientes digitais também


Participação do público jovem pode ser alcançado. Pois, não através dos
arquivos disponibilizados na íntegra não há
necessidade da espera pelo próximo
capítulo. E, no mais, as tramas são
contemporâneas e se encaixam em novas
discussões.
Com a ideia de uma TV arquivo, através do
streaming, o assistir televisão é
Novas experiências do assistir TV reconfigurado não somente pelas telas, mas
pela própria forma como a telenovela é
disponibilizado: fragmentada em arquivos e
na íntegra em capítulo, sem os cortes por
publicidade como na TV.
O denominado público “tradicional”,
acostumado a ver televisão nos moldes
antigos, agora passa a ter a possibilidade de
acompanhas as antigas telenovelas pelas
Alteração na relação com o antigo público
novas telas. Uma estratégia que também é
acompanhada da memória afetiva, bem
como da chance de acompanhar novamente
histórias que ainda não tinham sidos
reprisadas na TV aberta.
Com a inserção dos arquivos de antigas
telenovelas, há a possibilidade de assistir os
Assistir antigos conteúdos conteúdos de outros tempos. Não havendo a
necessidade de esperar uma nova exibição
(se acontecer) na televisão.
Uma vez que as telenovelas apresentam
074
Desencadeamento de novos debates a partir diversas e diferentes discussões, e muitos
de novos públicos temas são atuais, é possível que esses
arquivos, a partir do usuário, promovam
novas debates na contemporaneidade. Haja
visto as mudanças no cotidiano da
sociedade.
O desenvolvimento dos remakes já produz
Ressignificação das histórias no tempo uma ressignificação da telenovela,
presente apresentando temas e discussões no tempo
presente. Porém, com a (re)circulação
desses arquivos, as histórias também não
ressignificada, tanto pelo público mais
antiga, que acompanhou a exibição original,
bem como o novo público na qual a
telenovela funciona como algo sendo
“inédita”.
Uma das apropriações e experiências
contemporâneas com esses arquivos é a
possibilidade de maratonar, da mesma
forma que as séries na atualidade estão
Processo de maratonar telenovelas (nova
fazendo. Com a disponibilização dos
forma de consumo) capítulos na íntegra, o usuários/espectador
não precisa seguira lógica da TV (um
capítulo por dia e fragmentado). Agora, sob
a lógica do streaming, é ele quem decide
quanto tempo disponibilizará para assistir.
Com a recorte de trechos das telenovelas, o
usuário/espectador pode criar os memes,
uma expressão da internet relacionada ao
humor. Uma fala ou uma reação, na era
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08 2021/2 ISSN: 2317-7519 EDITORA DA UNEMAT

Recorte de trechos (frames) e criação de digital, tem a possibilidade de “viralizar” na


memes internet e torna-se algo bem maior. Como
exemplo, podemos citar o caso da
personagem Nazaré, de Senhora do Destino,
telenovela de 2004, em que a expressão da
personagem ganhou o universo dos memes.
Uma das mudanças observada nessa forma
de disponibilização das antigas telenovelas
no streaming é a possibilidade do
usuário/espectador editar o ato de assistir a
Mudança do papel do espectador que se telenovela. O que isso quer dizer? Ele pode
transforma em editor da telenovela escolher quando parar, quando retroceder
ou mesmo adiantar os capítulos. Ele pode
começar vendo o final e só depois o
começo. Ou ainda, pode assistir apenas
trechos de cada capítulo, objetivando
avançar na história. Isso não poderia ser
feito no modelo tradicional.
O ritmo da telenovela na internet é outro.
Agora não é mais a emissora que decide,
Mudança de duração do ritmo da trama mas o próprio sujeito. Uma telenovela que
demora meses sendo exibida, pode ser
assistida num tempo bem menor,
dependendo de como o sujeito escolher
assistir.
Com a inserção das antigas telenovelas no
streaming, há a possibilidade de captar um
público mais jovem. Isso se deve também ao
uso e potencial das redes sociais. As tramas,
075
Participação do público jovem
como já apresentado, não reconfiguradas,
dialogam com a criação de um novo
contexto social, com personagens e falas
virando memes e o desenvolvimento de uma
relação com essa audiência jovem diferente
da audiência tradicional.
Para além das (re)exibições das telenovelas
nos espaços de reprise na TV aberta e
fechada, a chegada na telenovela no
streaming, num momento de popularização
Desencadeamento da memória afetiva com
e falta de produtos televisivos novos. Com
o público tradicional isso, essa estratégia de disponibilização
também busca trazer a memória afetiva do
público e conquistar a audiência, mas agora
no streaming, na plataforma digital.
Para o usuário, há a possibilidade de
fragmentação das cenas e
compartilhamento com outros usuários. Uma
realidade já presente no universo digital a
Compartilhamento de cenas avulsas
partir do processo de captura da imagem,
sobretudo com o uso das redes sociais para
dialogar com as audiências.
Diferentemente da duração original, a
telenovela disponibilizada no streaming tem
Mudança de duração do ritmo da trama a sua duração modificada e indefinida. Pois,
a “nova lógica de duração” é determinada
por cada sujeito, já que a experiência passa
a ser individual e personalizada.
Fonte: elaboração própria (2022).
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Cada um dos itens citados foi observado de acordo com as


possibilidades advindas sob o uso desses antigos arquivos de telenovela,
agora, apropriados pelas mídias digitais como modelo de negócios e também
de oferecer aos usuários/espectadores novas formas de se relacionar com a
televisão e com produtos televisuais. O que antes estava fechado a uma
exibição apenas pela escolha da emissora seja na própria TV aberta (Vale a
Pena Ver de Novo) ou mesmo na TV por assinatura (Canal Viva), passa a
funcionar sob a lógica da escolha do sujeito – mediante a necessidade de
possuir uma assinatura do serviço de streaming Globoplay.
De todo modo, isso altera a relação que era estabelecida com essas
antigas telenovelas. Assim, como a lógica de assistir esse tipo de conteúdo
audiovisual. Como apresentado no quadro acima, as telenovelas podem ser
maratonadas, paralisadas em qualquer fração de tempo, acarretando num
novo ritmo e fôlego para a trama em caráter individual. A experiência do “ver
televisão” passa a ser algo individual e personalizada. Além disso, com o
incremento das mídias digitais novas possibilidades acontecem com esses 076
produtos e arquivos, como é o caso da criação de memes de personagens,
falas e situações.
O debate de temas também retorna para o palco sociocultural e coloca
em discussão como essas tramas e histórias serão recebidas pela sociedade
atual? Como os jovens, visto que muitos não acompanharam as exibições
originais, compreenderão determinada(s) telenovela(s)? São algumas das
questões que podem ser refletidas a partir da inserção e disponibilização
desses arquivos na internet. Como mencionado, os arquivos das antigas
telenovelas passam a dialogar com o processo de convergência entre as
mídias, como é o caso da relação entre TV e redes sociais, e muitos
personagens, cenas e falas se tornam memes (a expressão é usada na internet
para descrever um conceito de imagem, vídeos, GIFs e/ou relacionados ao
humor, que se espalha pela rede).
Esse feito tem acontecido tanto pelo público (o espectador/usuário),
como pela própria emissora que busca se aproximar das novas audiências e
estabelecer uma interação pelas redes sociais.
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Figura 1: Memes das antigas telenovelas da Rede Globo (usuários)

Fonte: montagem elaborada pelo autor a partir de imagens do Google (2022).

Na figura 1, apresentamos os memes feitos pela audiência. É


interessante observar como os fragmentos de cenas e os personagens são
ressignificados e apropriados pela cultura e público contemporâneos. Nas
077
imagens é possível observar três grandes figuras das telenovelas nacionais
(Perpétua, de Tieta; Odete Roitman, de Vale Tudo e Viúva Porcina, de Roque
Santeiro). Esse aspecto pode demonstrar a potência e o fenômeno da
telenovela no Brasil, que adentra em novos territórios com a convergência
com a internet e as novas mídias. Antes restrita a um público mais antigo,
com a atual forma de disponibilização essas telenovelas fomentam novos
imaginários nos sujeitos e tendem a se relacionar com os atuais problemas e
fatos cotidianos. Como é o caso da frase “Bela, recatada e do lar”, dita pela
Ex-primeira Dama Marcela Temer, em 2016.
Figura 2: Memes das antigas telenovelas da Rede Globo feitos pelo Canal Viva

Fonte: Instagram do Canal Viva (2022).


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Na figura 2, observamos o uso dos memes pelo Canal Viva, em seu perfil
na rede social Instagram. O canal que é conhecido pela nostalgia e o
reavivamento do imaginário da audiência pelas reprises de programas antigas,
se utiliza desse mecanismo como forma de aproximação das audiências e uso
das plataformas digitais. Esse perfil faz uso desse mecanismo, sobretudo,
quando está com novos lançamentos em seu canal. Como é o caso da
telenovela Alma Gêmea e da série O Canto da Sereia, que estão sendo
reprisadas em 2022.
Figura 3: Memes das antigas telenovelas da Rede Globo feitos pelo

078

Globoplay
Fonte: Instagram do Canal Viva (2022).

A mesma estratégia é utilizada pelo perfil do Globoplay na rede social


Instagram. Esse transbordamento dos arquivos de telenovela nas plataformas
digitais funciona como mecanismo de publicidade das novas produções
disponíveis na plataforma. Assim, podemos refletir sobre dois aspectos
potenciais dessa estratégia: a) fazer uso da memória afetiva da audiência
mais antiga e b) o incremento do uso da cultura dos memes aproxima a
televisão e a telenovela das novas audiências, que estão utilizando o
Instagram. Além disso, na figura 3, é possível identificar o uso dos fragmentos
das telenovelas e do Big Brother Brasil, para explicitar que ambas produções
podem ser assistidas no serviço de streaming. Isso também alimenta a
percepção das audiências do reality show, que pode passar a se interessar em
acompanhar as telenovelas, agora em ritmo de séries (maratona).
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Considerações finais

O preste estudo objetivou apresentar um novo modelo de ver televisão,


que já podia ser acompanhado através de plataformas digitais de vídeo como
é o caso do Vimeo e do YouTube – sobretudo gravados e disponibilizados pela
audiência, no caso das telenovelas. Contudo, quando se trata da Rede Globo,
a mesma não disponibiliza seus arquivos de telenovelas, especialmente as
antigas. Visto que a empresa tende a monetizar esses materiais, antes com a
venda de DVDs e, hoje, com a inserção e disponibilização no Globoplay, com
foco no aumento de assinantes. Assim, a estratégia da TV arquivo é
apropriada pelo Grupo Globo e amplificada pelo contexto econômico da
pandemia da Covid-19. Com a observação de que esse processo estava
funcionando e o números de assinantes e horas assistidas estava em grande
crescimento, outras telenovelas passaram a compor o catálogo. Logo, isso
virou uma das, atuais, marcas e diferenciais do serviço de streaming
brasileiro.
079
No âmbito de (re)pensar a mudança da TV fluxo para a TV arquivo em
ambientes digitais, propomos um quadro com estratégias, experiências e
efeitos do ver televisão na internet. Isso acarretou na percepção de que a
telenovela continua sendo um dos principais produtos audiovisuais da
televisão brasileira, mas que agora se expande para novas telas. Além disso,
essa memória audiovisual tem como efeito a busca pelo laço afetivo da
tradicional audiência e na conquista de um novo público, visto que os arquivos
de telenovela adentram numa nova lógica (episódios sem fragmentação,
possibilidades de maratonar, relação entre telenovela e público a partir da
cultura do memes, por exemplo, nova lógica de disponibilização dos arquivos
entre outras).
Entende-se que há o desenvolvimento de uma TV arquivo a partir da
lógica do streaming, que altera a lógica do fluxo televisivo para a criação do
arquivo em grade, permitindo aos sujeitos apropriações e interações diversas
com conteúdo sob as potencialidades da Era Digital. Bem como possibilitar o
acesso ao conteúdo de outras temporalidades na íntegra: como, quando e
onde o usuário quiser.
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Contudo, ressaltamos que novos estudos podem ser desenvolvidos a


partir deste como, por exemplo, apresentar a percepção do ponto de vista da
recepção. Como o público tem encarado esse retorno das antigas telenovelas
por um novo meio, o digital? Como o público mais jovem, para além dos
memes, se relaciona com esses produtos da cultura televisual no ambiente
digital? E, por fim, como a telenovela funciona enquanto objeto de
comunicação contemporâneo a partir das discussões, que parecem ser tão
atuais. São questão que lançamos como forma de provocar no leitor e nos
pesquisadores o papel que a telenovela possui no Brasil e para a sociedade.

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