Artigo Pós
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pedagógica é um subterfúgio que Luigi Giussani nos chama a atenção unido a autonomia e a
liberdade que o educando é chamado a ter e exercer. O professor educador é convocado a
também formar-se sobretudo para dar plena potência a esta caraterística tão marcante, mas, ao
mesmo tempo, negligenciada em nosso corpo docente.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo se propõe a seguir a reflexão iniciada pelo autor Luigi Giussani em
sua obra “Educar é um Risco” sobre a importância na prática pedagógica da personalidade,
da autonomia e da liberdade, colocando num prisma o nosso próprio fazer pedagógico nas
mais variadas realidades, tendo como base a realidade e a tradição da cultura ocidental.Temos
como objeto de pesquisa o aluno, principalmente o adolescente e o jovem, nas etapas do
ensino fundamental II e médio principalmente e o docente, tanto na gravidade da matéria de
que precisamos alertar que somente uma personalidade bem formada é capaz de mover os
outros através do conhecimento e de ideais elevados e que a autonomia do aluno e a liberdade
são essenciais no caminho deste mesmo sujeito. Utilizamos como base o já referido livro de
Giussani, tanto como testes acadêmicas, obras clássicas da filosofia e da psicologia para nos
auxiliar neste caminho árduo.
O principal problema que chamou nossa atenção para a escrita deste artigo é a
negligência ou até mesmo falta de conhecimento por parte do corpo docente de nosso país
acerca da importância de primeiro formar-se enquanto indivíduo e que a profissão que
escolhemos não é somente um ganha-pão, mas uma atividade devotada de amor e
responsabilidade para com aqueles que nos procuram e conosco mesmos. Acorrer a tradição
de nossa cultura milenar, desde os gregos até as últimas novidades deveriam estar em nosso
radar, mas primordialmente o auto-conhecimento e a formação para além da sala de aula e da
prática pedagógica.
Mesmo a obra de Giussani estar circunscrita num certo período da história e em outro
contexto, o autor não deixa de ser universal pois não pretende somente responder às
demandas de uma certa parte do mundo ou espaço de tempo, mas as supera e chega a nós
com a mesma vitalidade e força como fora escrito em nos anos 60 e publicado nos anos 70 do
século passado.
1
GUISSANI, Luigi. Educar é um risco: como criação de personalidade e de história. Bauru: EDUSC.
2004. p. 13
2. PERSONALIDADE, AUTONOMIA E LIBERDADE
A educação de crianças, adolescentes e jovens tem como uns dos objetivos, além da
formação de base teórica e prática das disciplinas curriculares, a formação da personalidade
daquele sujeito. O educador não é o protagonista deste trabalho, sim o aluno, mas muito
ajudará se o professor também tiver sua personalidade bem formada e sobretudo, se este
aluno é livre em seu contexto educacional.
Primeiramente vamos conceituar o que é pessoa, personalidade, liberdade e como
todos estes conceitos se articulam na prática pedagógica além do conteúdo programático em
si. Boécio2 nos apresenta o conceito de pessoa como rationalis naturae individua substantia3,
mas nos interessa aqui um outro entendimento mais livre sobre o que é pessoa. Podemos
resumir toda a sentença clássica da Filosofia em projeção e instalação. Projeção baseado em
suas potencialidades da natureza humana, instalação na realidade. A personalidade bem
formada necessita da realidade como base firme sob seus pés sem a qual toda sua construção
se esvai.
Já a personalidade podemos usar a definição do léxico que nos apresenta como o
caráter ou qualidades próprios da pessoa4, mas esta própria definição do dicionário é pequena
diante de uma realidade infindável que é o ser humano, pois podemos também dizer que a
personalidade é a articulação entre o mundo e a pessoa feita pela psique. Ortega Y Gasset,
filósofo espanhol bem resumiu dizendo: “Eu sou eu e minha circunstância e se não a salvo
não salvo não me salvo eu”5, ou seja, a personalidade é força motriz no caminhar da vida
humana e terá um especial lugar na reflexão pedagógica de docentes e discentes.
O próximo conceito levanta polêmicas e debates até hoje, mas como para ver mais
longe nos apoiamos nos ombros dos gigantes, Aristóteles nos diz que liberdade é a
capacidade de decidir-se a si mesmo para um determinado agir ou sua omissão. Liberdade
esta que é o diferencial quando colocamos os três conceitos para a sala de aula. Como a
pessoa (aluno/professor), forma-se e deixa se formar a sua personalidade através da liberdade,
agindo assim na formação de um homem novo.
2
De duabus naturis, c. 3.
3
Substância individual de natureza racional
4
Dicionário Priberam Online. Disponível em <https://dicionario.priberam.org/personalidade>. Acesso
em 04.12.2019
5
ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote, Campinas: Vide Editorial. 2019. p. 32
Nos diz Guissani que “o objetivo da educação é o de formar um homem novo”6, mas
que homem novo é este? O autor Italiano nos fala numa realidade europeia, do fim do século
XX, mas chega até nos aqui no Brasil, ainda no início do século XXI, este homem hodierno,
marcado pela volatilidade dos nossos tempos, ainda que a realidade continue aí se impondo
sobre nós, num tempo extremamente relativista e cético quanto aos seus valores, sejam
pessoas ou comunitários, é este homem com quem Giussani quer dialogar. Por isso a
educação perpassa a formação integral da personalidade humana.
Cruz também relembra que
Este jovem que na fase a adolescência quer testar sua força no mundo como parte da
formação de sua personalidade, pois quando atinge esta etapa de seu desenvolvimento o
indivíduo compreende que é autônomo, que sua força não mais vem de seus pais ou de quem
o validem afetivamente, como na etapa anterior da infância. É justamente nesta etapa crucial
do desenvolvimento da pessoa e da personalidade que ao invés de conceder mais liberdade a
ela, dando como referência boas pessoas também bem desenvolvidas, tanto as escolas quanto
as famílias fazem o oposto, cerceiam, tolhem essa capacidade e essa força que o está fazendo
se desenvolver.
A criança, diferentemente do adolescente, não sofre porque não pode ter tal coisa,
apesar da aparência externa querer dizer o contrário, a criança nesta fase necessita de
validação através do afeto. Mas temos um problema aqui, pois falamos que o adolescente
necessita de liberdade para ter o seu desenvolvimento e de boas referências nos adultos, mas
e quando esses adultos também não tiveram ainda sua personalidade bem formada? Que tipo
de pessoas saem do contato de nossas salas de aula? Olhando para nós mesmos percebemos
que resta em nós essa necessidade de validação através do afeto mesmo estando em posição
6
GUISSANI, Luigi. Educar é um risco: como criação de personalidade e de história. Bauru: EDUSC.
2004. p. 72
7
CRUZ, Gabriel F. S. Desenvolvendo narrativas animadas para a educação. Tese (Mestrado em
Design) - PUC Rio. Rio de Janeiro. 2013. p. 22
de educador ou de pai. Por isso é urgente a formação integral do corpo docente em nosso
país.
Continua Giussani a dizer que o método de guiar o adolescente ao encontro pessoal e
cada passo mais autônomo com a realidade, ou nos termos de Ortega Y Gasset, sua
circunstância, é cada vez mais aplicado ao passo que este jovem se torna adulto. Para tal se
faz necessário um guia habilitado não necessariamente através da academia, mas sim através
da força da personalidade. É ela quem vai mover este jovem ao caminho da realidade e da
autonomia, pois já nos dizia Goethe que a maior força humana é a personalidade. Tomando
por base a psicologia de Jung, que é na verdade a psicologia do ego e da autoconsciência,
tudo vem à tona sob esta questão: Como o sujeito se apreende como autoconsciente e como
esta fase se desenvolve desde a mais completa ignorância até a luz da sabedoria através de
arquétipos que mostram sua forma individual e seu destino? Este indivíduo ainda envolto nas
trevas de sua ignorância precisará de alguém que o tome pela mão e ajude-o a sair deste lugar.
O sujeito da ação é o παιδαγωγός, aquele que conduz a criança pela mão, o pedagogo.
“O equilíbrio do educador revela aqui sua importância definitiva”, assinala Giussani8,
corroborando com a visão que estamos levantando no presente artigo, de que o jovem, em sua
fase de construção da personalidade, alinhado e aliado a um preceptor que é uma referência e
com quem ele pode medir sua força no mundo, será conduzido através da liberdade à luz do
conhecimento de si e da realidade. Esta evolução da autonomia e da liberdade pode gerar no
educador uma sensação de risco, de comparação, mas que no jovem será gerado uma
personalidade própria no relacionar-se com suas circunstâncias e o autor nos aponta que é
justamente aí que a liberdade acontece, nesta articulação entre o risco e a autonomia.
Esta liberdade com a qual estamos tratando no presente artigo não poderá se
degenerar em libertinagem, já que a liberdade está em escolher o bem, não no fazer o que se
quer puro e simplesmente. Aí está uma grande atividade que perpassa o pedagogo, a
educação na virtude: Faça o bem, evite o mal. Uma educação meramente tecnicista, de
orientação positivista mata toda a transcendência que é própria desta prática, reduzindo-a a
um apanhado enciclopédico de saberes, tratando o aluno como um depositário de uma
simples técnica. Neste ínterim voltamos ao velho problema da Grécia antiga, o que de fato
vale na educação a técnica (τέχνη) ou a sabedoria (ἐπιστήμη).
8
GUISSANI, Luidgi. Educar é um risco: como criação de personalidade e de história. Bauru:
EDUSC. 2004. p. 72
Um certo apelo à tradição pode ser encarado como “tradicionalismo” e
“conservadorismo” em face ao apelo a fugacidade das coisas novas e da “tecnologia”, mas
Guissani conceitua tradição como “a representação de valores a serem redescobertos em
novas experiências”9. Vejamos o exemplo da História e da Filosofia que nos pela sua própria
natureza devem comunicar por si mesmas valores e dados vindos da tradição, mas quem deve
fazer tal descoberta no âmbito escolar? O professor? Os pais? Não, o próprio aluno, aí está o
exercício de sua liberdade. Um aluno colocado defronte a grandeza da filosofia clássica da
tríade Sócrates-Platão-Aristóteles, sendo conduzido aliando técnica à personalidade através
do professor, que grande perspectiva tanto aluno quando mestre terão para caminharem com
segurança no caminho da σοφία (sabedoria).
No caminho da história humana não há espaço para o cálculo de o quanto se pode
avançar no caminho da autoconsciência. Balbo nos diz:
E Frankl também sempre pontuava citando Nietzsche que quem tem porque viver pode
suportar quase qualquer como11, aliás esta poderia ser uma das grandes frases para se meditar
nas graduações, visto que a pedagogia pode ser encarada como uma atividade
“semi-sacerdotal”. Brandão12 conta que numa palestra Adélia Prado contou que uma criança
ao ver o mar pela primeira vez, disse deslumbrada a pessoa que estava com ela: “Me ajuda a
ver o mar!’. E comovida, pois o fato expressava com simplicidade a capacidade humana de se
maravilhar e o enorme desejo de conhecer. Mostrar, apresentar a tradição nada mais é que
mostrar a realidade e com o poder de síntese desvelar ao aluno toda a criação que a
humanidade já fez, conduzindo-o sem o reprimir.
9
GUISSANI, Luigi. Educar é um risco: como criação de personalidade e de história. Bauru: EDUSC.
2004. p. 72
10
BALBO, C. Le Speranze d’Italia. In: GUISSANI, Luigi. Educar é um risco: como criação de
personalidade e de história. Bauru: EDUSC. 2004.
11
ALLPORT, Gordon W. Prefácio à edição americana de 1984. Prefácio. In: FRANKL, Viktor E. Em
busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 44 ed. São Leopoldo: Sinodal;
Petrópolis: Vozes, 2018. p.7
12
BRANDÃO. Silvia R. Educação: a centralidade do coração e do testemunho. Passos. Rio de
Janeiro, nº 277. p. 20. Setembro de 2019.
Giussani alerta que uma educação completamente “autonomista” deixa o jovem refém
de seus gostos, entregue a seus instintos, sem um critério evolutivo, mas em contrapartida o
medo leva-o a se tornar cada vez mais incapaz no seu desenvolvimento pessoal na relação
com real, rebelde, ou potencialmente desequilibrado. É por causa desses dois extremos, um
laxismo frente a autonomia do aluno ou um rigorismo que a personalidade do educador
contará como pedra de toque nessa relação
aluno-realidade-formação-autonomia-personalidade. Não se pode perder, aluno e mestre a
poesia diante da vida que a mesma Adélia Prado os diz em seu poema Paixão:
13
PRADO, Adélia. Paixão. Disponível em
<https://www.qconcursos.com/questoes-de-concursos/questoes/3c1edad1-db>. Acesso em
05.12.2019
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste pequeno excurso pudemos ver as provocações feitas pelo autor italiano
Luigi Giussani em sua obra “Educar é um risco” que a prática pedagógica pode sim ser
realizada confiando no potencial do aluno que está sob seus auspícios, mas que tal prática não
deve ser exagerada ou liberal no sentido de que o aluno não precise da condução do
professor, seja no caminho intelectual através do conteúdo de cada disciplina, seja na
formação de sua personalidade tendo o mestre como um firme referencial dentro de um
momento tão crucial como a adolescência. E nós professores também possamos procurar
como formação contínua a própria força motriz da personalidade para nossos alunos possam
encontrar em nós não somente um detentor de saberes ainda desconhecidos a eles, mas
referências que possam ser levadas para toda a vida, como nós também pudemos ter em nossa
vida escolar e acadêmica, nos apoiando em ombros de gigantes. Que nós e nossos alunos
possamos repetir como o velho adágio que diz que a gratidão por quem nos ensinou algo de
valor deve ser uma das maiores de todas as gratidões; o coração não se esquece de quem o
tornou melhor e não avança sobre os benfeitores feito um cão raivoso.
4. BIBLIOGRAFIA