A Cultura Do Psicólogo e o Ideário Individualista
A Cultura Do Psicólogo e o Ideário Individualista
A Cultura Do Psicólogo e o Ideário Individualista
CulturadeProfissional
Psicologia do
2000, 95
5(1), 95-121
Psicólogo
Magda Dimenstein
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Resumo
Objetiva-se refletir acerca de alguns elementos que definem a
cultura profissional do psicólogo no Brasil, bem como nos
seus efeitos sobre as práticas realizadas nas instituições pú-
blicas de saúde. O “sujeito psicológico”, modelo de subjetivi-
dade pregnante entre os psicólogos, é um desses elementos
definidores da sua cultura profissional, representação desen-
volvida a partir do ideário individualista e da difusão dos
saberes “psi” na nossa sociedade. A hegemonia dessa concep-
ção de subjetividade tem conseqüências importantes para as
práticas realizadas nas instituições públicas de saúde, entre as
quais destacam-se: conflito entre as representações de saúde/
doença entre usuários e profissionais; baixa eficácia das tera-
pêuticas e alto índice de abandono dos tratamentos; seleção e
hierarquização da clientela. Por outro lado, configura-se en- Palavras-Chave:
Cultura
quanto obstáculo à criação de uma “cultura avaliadora” entre profissional,
os profissionais e à construção de instrumentos que permi- subjetividade,
instituições
tam ao psicólogo avaliar continuamente o funcionamento dos públicas de
serviços e práticas nas instituições públicas de saúde. saúde.
96 M. Dimenstein
Abstract
Psychologist’s professional culture and individualistic values:
consequences in the practices in public health services
The aim of this paper is to reflect about some elements that
are defining the professional culture of the psychologist in
Brazil, as well as its effects upon the institutional practices in
the public health service. The “psychological subject”, model
of subjectivity among psychologist is one of the defining
elements of this professional culture, representation
developed from the individualistic values and psi knowledge
in our society. The hegemony of this conception of subjectivity
has important consequences in the practices accomplished in
the public health institutions, such as conflicts in the
representations of health and illness between users and
professionals; little efficiency in the therapeutic services and
high index of desertion of treatment; hierarchies and
discrimination among service users. On the other hand, there
Key words:
always appear obstacles to the creation of an “evaluation
Professional culture” among professionals and the construction of
culture, instruments that could allow the psychologist to continuously
subjectivity,
public health evaluate the quality of their services and practices in the public
services. health institutions
E
ste trabalho tem como objetivo refletir acerca de algumas ca-
racterísticas da cultura profissional do psicólogo brasileiro1,
tentando articulá-las com a crescente hegemonização da ideo-
logia individualista vivida em nosso país desde os anos 60 - sobretu-
do a partir da difusão da psicanálise entre as classes médias urbanas
- bem como pensar os seus possíveis efeitos sobre a prática dos
psicólogos na assistência pública à saúde e em termos do modelo de
subjetividade2 com o qual trabalham.
Para tanto, vou procurar definir “cultura profissional”; que as-
pectos deste ideário individualista marcam a identidade e a cultura
profissional do psicólogo no Brasil; qual o modelo de subjetividade
Cultura Profissional do Psicólogo 97
Referências
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114 M. Dimenstein
Nota 1
Não quero dizer com isto que existe
uma única cultura profissional nacio-
nal e monolítica. Não desprezo o fato
de que possam existir variantes regio-
nais na cultura profissional do psicólo-
go no Brasil; apenas estou me referin-
do a algumas características que per-
passam a categoria como um todo e
ultrapassam fronteiras regionais, como
por exemplo a predominância do mo-
delo de atuação liberal privatista, entre
outras.
2
Entendo subjetividade como uma
forma particular de se colocar, de ver e
Cultura Profissional do Psicólogo 117
8
Guimarães (1982) enfatiza em seu tra-
balho um aspecto particular do
psicologismo que considero muito im-
portante, que é enfocá-lo enquanto
ação ideológica, ou seja, enquanto for-
ma de coerção ou manipulação que ten-
ta evitar as reações de oposição às ins-
tituições totalitárias e procura enco-
brir as causas e anular intervenções só-
cio-políticas, na medida em que
psicologiza a realidade social. Isto, é o
que caracteriza a formação do psicólo-
go no Brasil.
9
Estou me referindo genericamente aos
psicólogos, psiquiatras e psicanalistas.
10
É importante mencionar a que a pró-
pria literatura psi já denuncia essa
universalização indevida (Bezerra Jr,
1982; Freire Costa, 1989; Ropa &
Duarte, 1985).
11
Ver as pesquisas realizadas pelo Conse-
lho Federal de Psicologia (1988; 1992;
1994) no que se refere à formação do
psicólogo.
12
Duarte, 1988; Freire Costa, 1987,
1989; Ropa e Duarte, 1985.
13
Reflexividade é a capacidade de uma
pessoa observar o próprio corpo e dis-
criminar suas sensações corporais,
transformando-as em linguagem passí-
vel de ser comunicada. Esprit
d’examem se refere ao hábito de con-
siderar que tudo é passível de ser colo-
cado sob exame, de ser pensado.
Problematização é a disposição para
identificar problemas, refletir sobre eles
e considerar que são fruto de alguma
coisa a partir do qual foram desencade-
120 M. Dimenstein
Recebido em 01.10.99
Revisado em 13.03.00
Aceito em 03.04.00