Tese de Doutoramento - PDF Elsa

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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO PROGRAMA FILOSOFIA


COM CRIANÇAS E JOVENS E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

(DOCUMENTO PROVISÓRIO)

DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO
Especialidade em Formação de Professores

Elsa Maria Biscaia da Silveira Machado

Tese orientada pela Professora Doutora Isabel Maria Pimenta Freire e pelo Professor Doutor
João Amado, especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor

2018
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO PROGRAMA FILOSOFIA


COM CRIANÇAS E JOVENS E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

(DOCUMENTO PROVISÓRIO)

DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO
Especialidade em Formação de Professores

Elsa Maria Biscaia da Silveira Machado

Tese orientada pela Professora Doutora Isabel Maria Pimenta Freire e pelo Professor Doutor
João Amado, especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor

2018
Perguntas Porquê?
As crianças fazem todo o género de perguntas,
e normalmente são perguntas importantes.
O que fazer com essas perguntas?
É necessário dar-lhes resposta?
Porque razão deveremos nós responder em vez das crianças?
Uma pergunta pode valer por si mesma,
simplesmente por ser uma pergunta bonita,
ou porque apresente um belo problema carregado de sentido e de valor.
Desta forma, a vida, o amor, o belo, o bem e a paz
serão eternamente grandes questões.
Brenifier & Devaux, 2005

Ama as crianças e os filósofos - ambos têm algo em comum: fazer perguntas.


Rubem Alves
FINANCIAMENTO

Tese financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), por fundos
nacionais do Ministério da Educação e Ciência (MEC), através de Bolsa de Investigação
com a referência SFRH/BD/114960/2016.

i
AGRADECIMENTOS

É com entusiasmo, alegria e um sentimento profundo de gratidão e apreço que escrevo estes
agradecimentos. Ao longo deste percurso foram muitas as pessoas que estiveram presentes,
colaborando, incentivando, mostrando carinho e dedicação. É bom sentirmos e sabermos que não
estamos sozinhos! Os caminhos percorrem-se em conjunto, com a ajuda, sabedoria e persistência
daqueles que se envolvem e aceitam caminhar connosco.

Começo por expressar o meu mais profundo agradecimento aos meus orientadores. À Professora
Doutora Isabel Freire pelo cuidado, pelo carinho e amizade que foram determinantes nos
momentos mais difíceis e também pelo rigor científico e pelos desafios intelectuais que foi
colocando ao longo deste percurso. Ao Professor Doutor João Amado que mesmo sem me
conhecer e à distância aceitou de imediato embarcar nesta aventura, inspirando, questionando e
colaborando em todos os momentos. Agradeço aos dois todo tempo que comigo pensaram,
questionaram e trabalharam e por serem um exemplo tanto a nível pessoal como profissional. Foi
de facto um privilégio único caminharmos juntos.

Quero agradecer à Professora Doutora Ana Paula Caetano e mais uma vez à Professora Doutora
Isabel Freire por me terem incluído no seu grupo de trabalho, o que me permitiu participar nos
projetos: Convergir na diversidade - mediar para o desenvolvimento de uma rede de comunidades
justas, criativas e solidárias (CONverCIDADE) e Educação emocional e ética – para uma
formação integrada (EducEM), oportunidade excecional de aprendizagens e de crescimento
profissional.

Agradeço a todos os professores do doutoramento, pelas questões colocadas, pelos debates


intensos e pelas aprendizagens que proporcionaram.

Agradeço à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) a bolsa de investigação concedida,


com a duração de 12 meses, que permitiu terminar este trabalho.

Agradeço a todos os colgas de doutoramento o companheirismo e amizade. Agradeço em


especial à minha querida amiga Filomena Rodrigues que esteve sempre presente aconselhando,
discutindo e ouvindo as minhas dúvidas e problemas. Agradeço-lhe também a valiosa ajuda nas
revisões do inglês e no apoio nas conferências internacionais.

ii
Agradeço às formadoras do Centro Diálogos Filosofia com crianças e…outras idades que desde
logo demonstraram interesse e acederam a participar neste estudo.

Agradeço em especial à formadora Luísa Abreu, pelo apoio, por ter acreditado desde sempre
neste trabalho, pelos feedbacks construtivos e pela cedência de documentos, livros e materiais
que foram fundamentais e imprescindíveis à elaboração deste trabalho.

Agradeço à Silvia Neves os livros que prontamente me emprestou e que muito ajudaram na
escrita do enquadramento teórico.

Agradeço a todos os colegas professores que participaram nas entrevistas de follow-up, pela
forma como me acolheram, pelo entusiasmo que demonstraram e pela gentileza e prontidão com
que dispuseram do seu tempo para responder às minhas perguntas.

Agradeço a todos os professores que acederam a participar no estudo respondendo ao


questionário online.

Agradeço à minha família todo o apoio e carinho! Em especial à minha mãe pelo tempo que
dedicou aos netos, pelo incentivo e por me fazer acreditar que tudo é possível, basta querer e
trabalhar muito para o conseguir!

Ao Nuno, meu marido pela preocupação demonstrada, pelo acompanhamento e pela preciosa
ajuda na paginação deste trabalho.

Aos meus filhos, Catarina e Miguel, com quem não pode estar sempre presente, a quem pedi
muitas vezes silêncio, mas que são a alegria e razão da minha vida.

A todos os meus sinceros agradecimentos MUITO OBRIGADA!

iii
RESUMO

O presente estudo visa contribuir para a compreensão dos princípios, dos sentidos e dos efeitos
de um programa de formação de professores em filosofia com crianças e jovens no
desenvolvimento profissional. O programa baseia-se na proposta inicial de Lipman (1990) e na
“prática filosófica” (Brenifier, 2005). A educação para o pensar (crítico, criativo e ético) é central
nas linhas orientadoras destes referenciais de formação. A literatura científica permite afirmar
que a formação de professores que neles se apoia provoca mudanças positivas nas práticas e nas
conceções dos professores. Falta compreender e interpretar as mudanças que se operam nas
conceções dos professores acerca da filosofia, do ensino e da aprendizagem em geral e a forma
como transferem essas mudanças para as suas práticas pedagógicas. Neste sentido, pretendeu-se
aprofundar e ampliar o conhecimento científico nesta área, com base no estudo de um programa
implementado há cerca de doze anos em Portugal. Seguiu-se a estratégia de investigação de
estudo de caso (programa de formação) de natureza fenomenológico-interpretativa, que
comportou duas etapas. A primeira centrada na análise dos fundamentos do programa e dos
processos de formação foi apoiada na observação participante de tipo etnográfico de uma ação
de formação e em entrevistas às duas formadoras. A segunda, onde se procura perceber os efeitos
da formação baseou-se na aplicação de questionários aos formandos que participaram no
programa de formação entre 2006 e 2013 (138 formandos com o retorno de 41 respostas) e em
entrevistas de follow-up a onze professores/formandos, três anos após a conclusão da formação.
A análise e cruzamento dos dados recolhidos permitiram descrever o modelo e os princípios
orientadores da formação, onde se destaca: o princípio do isomorfismo entre a formação e o
ensino; a valorização dos saberes dos professores, suas experiências e capacidade de inovação,
num processo dinâmico, criativo e colaborativo; a articulação entre teoria e prática e a ética
relacional. Os dados sugerem efeitos da Formação no desenvolvimento profissional dos
professores alguns estão relacionados com mudanças nas suas conceções e crenças acerca do
ensino em geral, da aprendizagem e da filosofia em particular; outros com a introdução de novas
metodologias e estratégias em sala de aula, designadamente a escuta ativa, o questionamento, os
debates e o diálogo enquanto construção conjunta de conhecimentos e de exploração de
conceitos. Estas práticas são utilizadas pelos professores para trabalhar diferentes temáticas, na
gestão do comportamento e na educação emocional das crianças e dos jovens. Contudo os
professores referem dificuldades na transferência do programa para o quotidiano escolar, que se

iv
prendem fundamentalmente com a gestão do currículo e com a resistência das políticas publicas
e das escolas à inovação.

Palavras-chave: Programa de Formação de Professores, Filosofia com Crianças e Jovens,


Desenvolvimento Profissional dos Professores, Estudo de Caso.

v
ABSTRACT

This study intends to contribute to the understanding of the principles, meanings and effects of a
teacher education programme in philosophy with children and young people in professional
development. The programme is based on Lipman´s initial proposal (1990) and on "philosophical
practice" (Brenifier, 2005). Education for thinking (critical, creative and ethical) is central to the
guidelines of these educational process. The scientific literature allows us to affirm that teacher
education that relies on these references makes positive changes in teachers' practices and
conceptions. However, there is the need to understand and interpret the changes that take place
in conceptions of teachers´ about philosophy, teaching and learning in general and how they
transfer these changes to their pedagogical practices. Based on the study of a programme
implemented in Portugal for twelve years, we intended to deepen and broaden the scientific
knowledge in this area. We use a case study (training program) research strategy, with a
phenomenological-interpretive analysis, which included two stages. The first one is focused on
analyzing the fundamentals of the programme and the teaching processes, which was supported
by ethnographic participant observation and interviews with two teacher’s educators. The second
one, which seeks to understand the effects of the educational programme, was based on the
application of questionnaires to the teachers who participated in the educational Program
between 2006 and 2013 (138 teachers; 41 answers). This stages also included follow-up
interviews with eleven teachers three years after the conclusion of the teaching course. The
analysis and cross-referencing of the collected data allowed us to describe the model and guiding
principles of the programme, namely: the principle of isomorphism between teaching and
education; the valorization of the teachers' knowledge, their experiences and capacity for
innovation, in a dynamic, creative and collaborative process; the articulation between theory and
practice; and relational ethics. The data suggest teaching effects on the professional development
of teachers` such as: changes in their conceptions and beliefs about teaching in general, learning
and philosophy in particular; the introduction of new methodologies and strategies in the
classroom, namely active listening, questioning, debates and dialogue as a collaborative
construction of knowledge and exploration of concepts. Teachers use these practices to explore
different themes, as behavior management strategies and emotional education of children and
young people. However, teachers` report difficulties in transferring the program to their daily
work. These difficulties are fundamentally related to curricular organization and the rigidity of
public policies and schools to innovation.

vi
Keywords: Teacher Education Programme, Philosophy with Children and Yong people,
Professional Development of Teachers, Case Study.

vii
ÍNDICE GERAL

FINANCIAMENTO ...................................................................................................................... i
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. ii
RESUMO .................................................................................................................................... iv
ABSTRACT ................................................................................................................................ vi
ÍNDICE GERAL ....................................................................................................................... viii
ÍNDICE DE QUADROS ........................................................................................................... xiii
ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................................. xiv
ÍNDICE DE ANEXOS .............................................................................................................. xiv
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 1
1. Motivações pessoais e pertinência científica e social do estudo .............................................. 1
2. As opções metodológicas, os problemas em estudo,
as questões e os objetivos da investigação ................................................................................... 5
3. Sobre a utilização do nome do programa: Filosofia para ou com as crianças? ........................ 7
4. Organização do Estudo ............................................................................................................. 9
CAPÍTULO I - FILOSOFIA PARA CRIANÇAS:
CONCEÇÃO E PRÁTICAS DE UM PROGRAMA ................................................................. 13
1. Perspetivas Pedagógicas que se encontram na génese do programa ...................................... 13
1.1 Apresentação do programa de Lipman: Filosofia para Crianças .......................................... 15
1.2 A proposta de Brenifier ........................................................................................................ 19
2. Perspetivas e trajetórias da formação de Professores em Filosofia para Crianças ................. 21
2.1 Modelo e orientações genéricas ............................................................................................ 21
2.2 Perfil do professor aplicador do programa ........................................................................... 24
2.3 Críticas ao Modelo de Formação de Professores.................................................................. 28
Síntese......................................................................................................................................... 31
CAPÍTULO II - ENSINO DA FILOSOFIA PRÁTICA ............................................................ 33
1. A nossa aproximação ao conceito de Filosofia ...................................................................... 33
1.1 Uma Reflexão sobre o ensino da filosofia - Apontando trajetórias e possibilidades ........... 35
2. Dimensões do ensino da filosofia prática ............................................................................... 39
2.1 Ensino Crítico-Pensamento Crítico ...................................................................................... 40
2.2 Educação e Criatividade – Pensamento criativo .................................................................. 45

viii
2.3 Educar para os valores e desenvolver o sentido de democracia -
Pensamento Ético e de Cuidado ................................................................................................. 49
3. Ensino da filosofia - Uma Pedagogia Deliberativa e de Diálogo ........................................... 53
Síntese......................................................................................................................................... 57
CAPÍTULO III - PROJETOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
DESENVOLVIDOS NO ÂMBITO DA FILOSOFIA COM CRIANÇAS E JOVENS ............ 59
1. Projetos Nacionais no âmbito da filosofia com crianças e jovens .......................................... 59
2. Projetos Internacionais desenvolvidos
no âmbito do programa de filosofia com crianças e jovens ....................................................... 62
Síntese......................................................................................................................................... 68
CAPITULO IV - FORMAÇÃO CONTÍNUA E
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES ............................................. 70
1. Conceções e Modelos de Formação ....................................................................................... 70
2. Formação contínua de Professores em Portugal -
políticas públicas e contributos da investigação ......................................................................... 75
3. Novos desafios ao Desenvolvimento Profissional dos Professores ....................................... 80
4. A Prática reflexiva na formação de professores ..................................................................... 87
5. Comunidades de Aprendizagem e outras formas de colaboração .......................................... 93
Síntese......................................................................................................................................... 98
CAPITULO V - OPÇÕES E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................. 101
1. Objetivos e questões de investigação ................................................................................... 101
2. Natureza epistemológica e metodológica do trabalho .......................................................... 103
3. Desenho da Investigação ...................................................................................................... 106
4. Participantes na Pesquisa ...................................................................................................... 110
4.1 Os professores /formandos participantes na formação em 2013 -
Observação Participante ........................................................................................................... 110
4.2 As formadoras - Entrevistas e Notas de Campo ................................................................. 112
4.3 Os Professores que frequentaram a formação
no período compreendido entre 2005 a 2013 - Questionário ................................................... 114
4.4 Os Professores que participaram nas entrevistas de follow-up ........................................... 116
5. Técnicas de Recolha de Dados ............................................................................................. 118
5.1 Observação Participante ..................................................................................................... 119
5.2 Entrevista semi-diretiva ...................................................................................................... 122

ix
5.3 Inquérito por questionário .................................................................................................. 124
5.4 Documentos formais e informais ........................................................................................ 126
6. Técnica de análise de dados - A análise de conteúdo ........................................................... 127
6.1 Temas e categorias emergentes .......................................................................................... 129
7. Validade e Fiabilidade da Investigação ................................................................................ 138
8. A Ética na Investigação - Compromissos assumidos nesta pesquisa ................................... 142
CAPÍTULO VI - DO MODELO DE FORMAÇÃO INICIAL
À FORMAÇÃO NA ATUALIDADE
NO CENTRO DIÁLOGOS FILOSOFIA COM CRIANÇAS E…OUTRAS IDADES ............... 143
1. O Programa de formação e o contexto social e pedagógico em que surge .......................... 143
2. Modelo de Formação ............................................................................................................ 146
2.1 Influências de Lipman e Brenifier ...................................................................................... 147
2.2 Um modelo pedagógico e de formação em (re)construção ................................................ 148
3. Princípios de Formação ........................................................................................................ 151
3.1 Princípio da articulação entre a teoria e a prática ............................................................... 151
3.2 Princípio de aprender a pensar............................................................................................ 155
3.3 Princípio da diversidade, da reinvenção/criatividade ......................................................... 160
3.4 Princípio da participação e colaboração ............................................................................. 168
3.5 Princípio do Isomorfismo ................................................................................................... 172
3.6 Princípio da ética relacional ............................................................................................... 176
3.7 Princípio da Realidade ........................................................................................................ 180
3.8 Princípio da disponibilidade e da adequação ao ritmo dos aprendentes............................. 182
4. Perfil desejado de Professor ................................................................................................. 184
4.1 Papel do professor no grupo-turma .................................................................................... 185
4.2 Função do professor ........................................................................................................... 186
4.3 Características do professor ................................................................................................ 187
Síntese....................................................................................................................................... 191
CAPÍTULO VII - PERCEÇÕES DOS PROFESSORES E
DAS FORMADORAS ACERCA DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO .............................. 195
1. Motivações para a formação de professores em filosofia com crianças e jovens ................ 195
1.1 Motivações Pessoais ........................................................................................................... 196
1.2 Motivações profissionais .................................................................................................... 197
2. O processo de Formação....................................................................................................... 200

x
2.1 Conteúdos de formação valorizados ................................................................................... 201
2.2 Metodologias de formação ................................................................................................. 202
2.3 Desempenho das formadoras .............................................................................................. 204
2.4 Processos de autoconhecimento ......................................................................................... 205
2.5 Avaliação global ................................................................................................................. 205
3. Dificuldades sentidas ou percecionadas ao longo da formação ........................................... 206
3.1 Dificuldades no ensino da filosofia .................................................................................... 206
3.2 Dificuldades no desenvolvimento do programa de filosofia com crianças e jovens .......... 208
3.3 Dificuldades no trabalho em grupo .................................................................................... 209
Síntese....................................................................................................................................... 214
CAPÍTULO VIII - PROGRAMA DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DOS PROFESSORES ................................................................................. 216
1. Mudanças nos professores .................................................................................................... 217
1.1 Mudanças no conhecimento ............................................................................................... 218
1.2 Mudanças nas crenças ........................................................................................................ 221
1.3 Mudanças nas práticas pedagógicas ................................................................................... 224
2. Mudanças nas Crianças ........................................................................................................ 241
2.1 Reação inicial das crianças às práticas filosóficas.............................................................. 242
2.2 Mudanças na relação com os outros ................................................................................... 242
2.3 Desenvolvimento das aprendizagens .................................................................................. 244
3. Mudanças na ação ao nível da escola como um todo ........................................................... 245
3.1 Colaboração ........................................................................................................................ 246
3.2 Disseminação do programa ................................................................................................ 247
3.3 Criação de projetos ............................................................................................................. 248
4. Dificuldades sentidas na transferência do programa para o quotidiano escolar ................... 249
4.1 Dificuldades a nível do macrossistema .............................................................................. 251
4.2 Dificuldades a nível da escola enquanto organização ........................................................ 253
4.3 Dificuldades na gestão do currículo ................................................................................... 256
4.4 Dificuldades na relação com os alunos .............................................................................. 257
4.5 Não sentiram dificuldades .................................................................................................. 259
Síntese....................................................................................................................................... 261
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 266
DA INVESTIGAÇÃO E REFLEXÃO À DEDICAÇÃO PESSOAL ..................................... 285

xi
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 290
LEGISLAÇÃO CONSULTADA ............................................................................................. 319

xii
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 - Quadro comparativo de paradigmas, modelos de formação,


conceção de professor e metodologias utilizadas .................................................. 72
Quadro 2 - Participantes na pesquisa por fases de investigação............................................ 110
Quadro 3 - Caracterização dos participantes na formação de professores
em filosofia com crianças e jovens ..................................................................... 111
Quadro 4 - Caracterização dos participantes no questionário ............................................... 115
Quadro 5 - Caracterização dos participantes nas entrevistas de follow-up............................ 117
Quadro 6 - Objetivos específicos e questões de investigação do questionário ..................... 125
Quadro 7 - Fundamentos da formação .................................................................................. 131
Quadro 8 - O processo de formação ...................................................................................... 133
Quadro 9 - Formação e desenvolvimento profissional docente ............................................ 135
Quadro 10 - Informações pretendidas e técnicas de recolha de dados adotadas para as recolher . 140
Quadro 11 - Distribuição por ano dos 138 professores que fizeram
a formação entre 2006 e 2013 ............................................................................. 145
Quadro 12 - Modelo de formação............................................................................................ 147
Quadro 13 - Princípio da articulação entre a teoria e a prática................................................ 152
Quadro 14 - Princípio de aprender a pensar ............................................................................ 155
Quadro 15 - Princípio da diversidade, da reinvenção/criatividade .......................................... 160
Quadro 16 - Princípio da participação e colaboração .............................................................. 168
Quadro 17 - Princípio do isomorfismo .................................................................................... 173
Quadro 18 - Princípio da ética relacional ................................................................................ 176
Quadro 19 - Princípio da realidade .......................................................................................... 180
Quadro 20 - Princípio da disponibilidade e da adequação ao ritmo dos aprendentes ............. 183
Quadro 21 - Perfil do professor que trabalha com o programa ............................................... 185
Quadro 22 - Motivação para a formação ................................................................................. 196
Quadro 23 - Dinâmicas de Formação ...................................................................................... 200
Quadro 24 - Dificuldades sentidas ou percecionadas ao longo da formação .......................... 206
Quadro 25 - Mudanças nos professores ................................................................................... 218
Quadro 26 - Mudanças nas crianças ........................................................................................ 241
Quadro 27 - Mudanças na ação ao nível da escola como um todo .......................................... 245
Quadro 28 - Dificuldades sentidas na transferência do programa para o quotidiano escolar 250

xiii
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Desenho de Investigação do estudo de caso ............................................................ 106


Figura 2 - Síntese das técnicas de recolha e análise de dados utilizados
nas duas etapas de investigação ............................................................................... 119
Figura 3 - Percurso de análise dos dados .................................................................................. 137

ÍNDICE DE ANEXOS

Anexo 1: Notas de campo


Anexo 2: Matriz de análise das notas de campo
Anexo 3: Guião de entrevista às formadoras
Anexo 4: Transcrição das entrevistas às formadoras
Anexo 5: Matriz de análise conjunta das entrevistas às formadoras
Anexo 6: Questionário
Anexo 7: Resposta ao questionário numeradas
Anexo 8: Matriz de análise global do questionário
Anexo 8a: Matriz de análise - Processo de Formação
Anexo 8b: Matriz de análise - Mudanças decorrentes da formação
Anexo 9 Guião das entrevistas aos professores/formandos
Anexo 10: Transcrição das entrevista aos professores formandos
Anexo 11: Matriz de análise das entrevistas aos professores formandos - Mudanças nos
conhecimentos e nas crenças dos professores
Anexo 11a: Matriz de análise - Mudanças nas práticas pedagógicas dos professores
Anexo 11b: Matriz de análise - Mudanças nas crianças
Anexo 11c: Matriz de análise - Mudanças na ação ao nível da escola como um todo
Anexo 11d: Matriz de análise - Dificuldades sentidas na transferência do programa para o
quotidiano escolar

xiv
INTRODUÇÃO

1. Motivações pessoais e pertinência científica e social do estudo

O debate acerca do ensino da filosofia a crianças e jovens não é novo e tem sido, muitas vezes,
orientado em função de diretrizes e ideologias externas à escola que ultrapassam os interesses
dos jovens, dos professores e da educação. A filosofia é reconhecidamente uma área do saber,
que fomenta nos jovens o pensamento crítico, a reflexão e a capacidade de julgar, contribuindo
para uma sociedade mais justa, reflexiva e participativa. Apesar de comprovada a sua pertinência
para os jovens tanto a nível pessoal como social, o ensino da filosofia em Portugal tem passado
por várias alterações. Em 1991 registam-se mudanças significativas, começando pela sua
denominação: Introdução à filosofia para o 10º e 11º anos; a designação de filosofia surge apenas
no 12º ano de escolaridade. É um programa que passa a estar centrado nos temas e nos problemas
filosóficos, com a preocupação de contemplar assuntos específicos da realidade portuguesa e das
vivências dos jovens. Recomenda-se o ensino centrado no aluno, com finalidades reflexivas e de
autonomia (Manso & Martins, 2011). O programa atualmente em vigor assenta nestes princípios,
tendo sido homologado no ano de 2001 (Ministério da Educação, 2001). A disciplina de filosofia
tornou-se opcional no 12º ano e deixou de ser necessária até para quem deseja ingressar na
licenciatura de filosofia! (Manso, 2014). É um cenário onde a filosofia tem vindo a tornar-se cada
vez mais periférica no sistema de ensino em Portugal. O debate em torno da filosofia e da sua
importância parece resumir-se ao seu carácter especulativo, tendendo a ser considerada por
alguns decisores políticos como pouco importante ou até mesmo desnecessária na sociedade
contemporânea. Pelo que parece-nos que um dos grandes desafios da filosofia continua a ser a
fundamentação e a justificação da sua utilidade. O que se adensa e se torna ainda mais
problemático, quando falamos em trazer a filosofia às crianças, em torná-la extensível a todos os
níveis de ensino. É na Formação de Professores que um tal programa pode ganhar consistência.
É através da preparação dos docentes, do modo como estes refletem sobre as suas conceções e
práticas educativas e como as modificam, que reside o possível sucesso da filosofia com crianças
e jovens. Neste âmbito pretendemos desenvolver um estudo no campo da formação de

1
professores, no contexto da filosofia com crianças e jovens, centrada na problematização e
análise das implicações desta formação para o desenvolvimento profissional docente.

O que propomos é uma reflexão crítica que, começando pela filosofia em particular e fazendo
uso das suas técnicas, nos conduza a uma compreensão sobre o ensino e a aprendizagem em
geral. Debruçamo-nos sobre o ensino da filosofia enquanto investigação compartilhada.
Retomamos o seu sentido original, enquanto arte e técnica de questionamento (método socrático).
Ao longo deste trabalho, procuraremos perceber de que forma pode esta área do saber integrar o
currículo escolar desde tenra idade. O ensino de habilidades ou competências para pensar é
transversal, pelo que acreditamos que deve estar presente nas diferentes disciplinas que compõe
o currículo escolar. Para além desta componente, a prática filosófica também se apresenta como
uma pedagogia desafiante, tanto para os professores como para os alunos, com utilidade e
significado para as suas vidas (UNESCO, 2007).

Desde muito cedo que senti uma verdadeira paixão pelo ensino e especialmente pelo trabalho
que poderia desenvolver com crianças e jovens. O meu primeiro trabalho foi como Educadora de
Infância e durante seis anos trabalhei em Creches, Jardins-de-Infância e ATL. Depois ingressei
no curso de Filosofia que terminei em 2001, começando, então, a lecionar no ensino secundário.
Esta minha experiência em níveis diferentes de ensino constituía-se na minha mente, em dois
momentos bastante distintos e distantes, onde a opção por um implicava a supressão do outro. O
contacto com o programa de Lipman, de filosofia para crianças apresentou-se como uma ponte
possível, um encontro entre a filosofia e as crianças, que importava aprofundar, compreender e
analisar. Para o fazer, pareceu-me importante começar por participar numa ação de formação de
professores em filosofia com crianças e jovens, que decorreu no Centro Diálogos Filosofia com
crianças…e outras idades, integrado na associação de professores de Sintra. Participei também
no oitavo workshop de Filosofia Prática - A arte de questionar/consulta filosófica, orientado pelo
Professor Doutor Oscar Brenifier, presidente do Institut de Pratiques Philosophiques, que se
realizou em Lisboa nas instalações da LanguageCraft. Estas duas formações despertaram-me o
interesse na área, pelo impacto que tiveram mim e no repensar do meu trabalho enquanto
profissional conduzindo à elaboração deste estudo. Que corresponde ao meu desejo de
aprofundar a importância de uma educação para pensar, sua utilidade, desafios e impactos nas
crianças e nos jovens e também no desenvolvimento profissional docente.

2
A formação em estudo tem por base o programa de “treino de professores” de Lipman (1990) e
o “modelo de questionamento” de Brenifier (2011). É uma Formação dirigida a professores de
diferentes grupos disciplinares e o desafio é o mesmo para todos. Reside essencialmente num
processo dialógico de envolvimento e partilha, com a finalidade de preparar os professores, para
criar ambientes e processos de aprendizagem que promovam a reflexão, a capacidade de
argumentação, o diálogo e a escuta. Trata-se de um modelo de formação de professores que, em
nosso entender, assenta nos princípios pedagógicos do isomorfismo, isto é, numa estratégia
metodológica “que consiste em experienciar através de todo o processo de formação, o
envolvimento e as atitudes; os métodos e os procedimentos; os recursos técnicos e os modos de
organização que se pretende que venham a ser desempenhados nas práticas profissionais efetivas
dos professores.” (Niza, 2009, p. 352). É uma formação que parte do princípio de que a teoria
encontra sentido na prática. O processo formativo desenvolve-se a partir da experiência
(aprendizagem experiencial). Não há verdadeiro conhecimento que não seja simultaneamente
teórico e prático. Assim, esta formação não tem em vista a transmissão de conhecimentos; pelo
contrário, procura desenvolver capacidades, atitudes, métodos e modos de organizar o
pensamento, e que conduzam os professores à reflexão crítica através da arte de questionar o real.
A investigação tem um papel importante na formação em estudo, enquanto problematização da
realidade e busca metódica, sistemática e fundamentada, indicando caminhos e técnicas que
tornem o real mais inteligível. O que se procura é desenvolver, no professor, a capacidade de se
interrogar sobre o sentido das coisas, em cooperação com os seus colegas, partilhando ideias,
pensamentos, criando-se um envolvimento entre todos, na busca pelo conhecimento. Os
princípios e valores que estruturam o processo formativo são a escuta atenta do outro, a
formulação de hipóteses e a construção conjunta e ativa de conhecimento, que depois se pretende
que o professor venha a desenvolver com os seus alunos.

A formação contempla então um entendimento da filosofia que deixa de estar ligado apenas ao
conhecimento académico e científico, para se constituir como uma metodologia para ensinar a
pensar. Não só conteúdos lógicos, mas também éticos e morais. Estes aspetos vêm contemplados
no atual programa de filosofia, onde se afirma a importância do seu ensino para a “consolidação
e manutenção da vida democrática” (Ministério da Educação, 2001, p. 4). A educação tem como
meta promover “o desenvolvimento do espírito crítico, democrático e pluralista, respeitador dos
outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes

3
de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem
na sua transformação progressiva” (lei de bases do sistema educativo nº 46/86, art.3º).

O interesse pela filosofia e a procura por torná-la extensiva a todos os níveis do sistema educativo
tem sido alvo de vários estudos e tentativas de aplicação no terreno, por parte de professores em
diferentes países, o que é comprovado pelo elevado número de publicações, obras, teses e artigos
realizados na área. O sentimento geral é de que existem indícios de potenciais efeitos benéficos,
tanto para as crianças como para os professores que têm oportunidade de trabalhar com o
programa de Lipman (Rolla, 2004; Roberts, 2006; UNESCO, 2007).

Procurámos perceber através da literatura qual o impacto deste modelo de ensino-aprendizagem


na realidade socioeducativa nacional, e verificámos que não existem dados esclarecedores sobre
a atividade da filosofia com crianças e jovens nas escolas portuguesas. No entanto, após a
realização de diferentes leituras sobre o tema e a sua aplicabilidade no terreno, destacamos o
projeto CRIA, posto em prática em 2006 em sete ilhas açorianas, com o apoio da Direção
Regional para a Ciência e Tecnologia. Atualmente a integração da Filosofia para Crianças
acontece em algumas escolas publicas e colégios privados em Portugal continental, que decorrem
da iniciativa dos professores e/ou das autarquias. Nos últimos anos, alargou-se a implementação
desta metodologia, incluindo-a na área de enriquecimento curricular, em algumas escolas,
sobretudo por iniciativa das Câmaras Municipais. Vários professores frequentaram a formação
em filosofia para crianças e jovens desde o seu início na década de oitenta até à atualidade. É
uma formação que está presente em diferentes Centros de formação e também em algumas
Universidades. No entanto, a sua aplicação não tem tido uma expansão proporcional à formação
que é ministrada nesta área. Pelo exposto consideramos fundamental, quer a nível científico, quer
social, aprofundar estes aspetos, contribuindo para uma melhor compreensão da forma como os
professores em formação interpretam os processos formativos em que estão envolvidos e qual a
influência ou impacto que estes exercem neles.

4
2. As opções metodológicas, os problemas em estudo, as questões e os objetivos da
investigação

O projeto que nos propomos desenhar e pôr em marcha visa investigar um programa de formação
de professores para o desenvolvimento de práticas filosóficas com crianças e jovens. A educação
para o pensar (crítico, criativo e ético) é central nas linhas orientadoras destes referenciais de
formação. Existem vários estudos sobre o impacto das práticas filosóficas no desenvolvimento
das crianças e dos jovens. Acerca da formação de professores, sabe-se que esta opera mudanças
positivas. Falta compreender e interpretar as mudanças que se operam nas conceções dos
professores acerca da filosofia, do ensino e da aprendizagem em geral, e a forma como transferem
essas mudanças para as suas práticas pedagógicas e filosóficas. O nosso projeto visa aprofundar
o conhecimento científico nesta área, centrado num estudo de caso complexo, em que o caso é
um programa de formação desenvolvido por duas formadoras, no Centro Diálogos Filosofia com
crianças…e outras idades, desde o ano de 2006 até ao presente.

As investigações realizadas sobre a formação contínua de professores em Portugal (e.g. Estrela,


Eliseu, Amaral, Carvalho & Pereira, 2006), referenciam o modelo do professor reflexivo
enquanto inspirador da formação contínua. Neste sentido, aponta-se para um modelo de formação
que promova o protagonismo do professor, de modo a potenciar o seu desenvolvimento
profissional. A formação contínua de professores deve partir das suas experiências em contextos
reais e, por conseguinte, das suas necessidades e das necessidades do projeto de cada escola. O
desenvolvimento profissional é entendido, nesta linha, não só como atualização dos
conhecimentos mas, também, e fundamentalmente, como melhoria das práticas pedagógicas
atendendo à resolução de problemas e promovendo a reflexão crítica (e.g. Alarcão & Canha,
2013). Neste sentido é imprescindível a colaboração entre os professores, enraizada em
estratégias formativas ativas e no seu envolvimento no próprio processo de formação. Outro
aspeto referenciado na literatura é a necessidade de recorrer à investigação empírica,
designadamente à investigação-ação colaborativa, enquanto potenciadora do questionamento e
de uma atitude crítica e criativa (e.g. Santos & Freire, 2015). Trabalhar com base na investigação
cria condições efetivas de valorização das vivências pessoais e dos contextos laborais,
privilegiando, assim, a autoformação como processo que se desenvolve no cruzamento com as
oportunidades de formação com os outros (heteroformação ou co-formação) e de ecoformação.

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É neste quadro, problematizador e transformador da formação, que situamos a inclusão das
práticas filosóficas na formação dos professores. O programa em estudo apresenta estratégias
diversificadas, designadamente nos exercícios propostos e nas técnicas para dinamizar a sala de
aula. Necessidade de aprender através da prática. Exercitar a filosofia através da arte da pergunta,
da leitura partilhada, de perguntar a quem pergunta, de contar uma história e da correção mútua,
são alguns exemplos de exercícios e técnicas trabalhadas em conjunto na formação (Brenifier,
2005). A forma de organização, estruturação, funcionamento e o facto de se dirigir a todos os
educadores e professores do ensino básico e secundário, proporcionando o desenvolvimento de
um trabalho colaborativo e transversal, onde a prática filosófica é investigativa, no sentido
filosófico do termo. É assim, uma formação que se foca nos problemas, na análise de diferentes
pontos de vista alternativos criando possibilidades para que o conhecimento se construa em
comunidade. Estes aspetos conduziram-nos às seguintes perguntas de partida:

• Como é que os professores participantes na formação em filosofia com crianças e


jovens interpretam os processos formativos em que estão envolvidos?
• Quais os impactos desta formação no desenvolvimento profissional dos professores?

Estas duas questões iniciais, desdobram-se noutras que lhes estão intimamente associadas:

• O que leva os professores a escolherem esta formação?


• Como se articula esta formação com os saberes prévios dos professores acerca
do ensino, da aprendizagem e da filosofia?
• Que competências os professores consideram desenvolver nesta formação?
• Que tipo de dificuldades e resistências pessoais e profissionais experienciam
no decurso da formação?
• Como utilizam os professores as estratégias e abordagens apreendidas na
formação e em que áreas curriculares?
• Que dificuldades sentem os professores que adotam as estratégias apreendidas
na formação e como as ultrapassam?

Entre as razões que justificam o desenvolvimento deste projeto, encontra-se o reconhecimento


de que a filosofia é fundamental para envolver as crianças e os jovens em reflexões,
proporcionando vivências conjuntas de questões e problemas que estes sentem e gostariam de

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partilhar com os outros. O programa de filosofia apresenta alguma abertura, flexibilidade e
transversalidade que, por vezes, os professores não conseguem desenvolver nas suas aulas,
acabando por transmitir conhecimentos tendo por base as teorias e determinados Filósofos. O
ensino da filosofia, desemboca assim, num saber de cariz mais académico e menos prático, que
deixa pouco espaço para exercitar o raciocínio e o pensamento. Todavia, acreditamos que é
possível e desejável ir ao encontro das necessidades e dos interesses especulativos e espirituais
dos alunos, sem perdermos de vista os diferentes conhecimentos que compõem o currículo
escolar, numa perspetiva de transversalidade. O que exige diálogo, colaboração e construção
conjunta de conhecimentos, propostas que surgem na formação de professores em filosofia com
crianças e jovens (Gazzard, 2012; Carvalho, 2014). Assim, são objetivos desta investigação:

• Analisar o programa de formação de professores do Centro Diálogos Filosofia com


Crianças…e outras idades, à luz dos modelos de formação e do perfil de profissional
que se pretende formar;
• Compreender o impacto que este tipo de formação tem nos professores, designadamente
no que se refere aos saberes que estes professores transferem para as suas práticas
pedagógicas quotidianas e o modo como o fazem;
• Apreender as dificuldades e os constrangimentos com que os professores formados nesta
perspetiva se confrontam no quotidiano profissional.
• Discutir criticamente a relevância e a viabilidade da inserção da filosofia desde a
infância nas escolas.

3. Sobre a utilização do nome do programa: Filosofia para ou com as crianças?

É importante desde já explicitar o uso da terminologia do programa de formação de professores


que nos encontramos a estudar. Neste sentido coloca-se a seguinte questão: estamos a falar de
filosofia para ou com crianças?

Filosofia para crianças (FpC) é o programa criado por Lipman na década de setenta, onde pela
primeira vez se assiste a uma reconstrução e a um redesenhar do ensino da filosofia, levando esta

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área do saber até às crianças. O que Lipman propõe é trabalhar com as crianças os temas
tradicionais da filosofia, como a lógica, a ética, a estética, a epistemologia e a ontologia através
de novelas filosóficas escritas por ele e pelos seus colaboradores. Assim, a prática da filosofia
começa por volta dos quatro anos com a novela intitulada “O hospital das bonecas”, onde os
dilemas, as questões e as reflexões se desenvolvem em torno da recuperação de uma boneca;
depois surge a novela Elfie, por volta dos seis anos, que relata as dificuldades de adaptação à
escola; segue-se Kio e Gugas que explora o campo das sensações; aos oito anos trabalha-se Pimpa
que se prende com a descoberta do corpo, do mundo e dos mistérios da vida; Ari é adequado para
os onze anos e desenvolve a lógica e inicia a discussão sobre a religião; a Lisa debruça-se sobre
a ética e é para crianças a partir dos doze anos; Suki a partir dos catorze assenta na literatura;
Mark é para jovens a partir dos catorze anos e trata de questões políticas; Marty e Eddie é uma
novela onde se colocam questões sobre a toxicodependência e a sida. Todas as novelas têm os
respetivos manuais de apoio aos professores, onde se sugerem exercícios para trabalhar em sala
de aula. As personagens das novelas funcionam como “aprendizes-modelo” ou “investigadores-
modelo” para as crianças. Esta estruturação do programa, onde de facto se pensam previamente
as questões a explorar, pressupõe, em nosso entender, que todas as questões colocadas pelas
crianças são universais. Reconhecemos nas novelas de Lipman uma proposta bem elaborada, que
atravessa o pensamento filosófico ocidental. Trata-se de uma adaptação, numa linguagem
acessível às crianças das grandes questões da filosofia, na sua universalidade e intemporalidade.
Mas pensar o ensino da filosofia desde tenra idade, implica escutar as crianças, ter em conta os
seus contextos e determinadas situações que poderão afetar e inquietar algumas crianças e, para
outras, não ter qualquer sentido. Parece-nos de facto, que um modelo assim apresentado e
estruturado é demasiado rígido e acaba por funcionar como uma receita, que aplicamos em todas
as situações e com todas as crianças independentemente do seu contexto, das suas raízes e das
suas vivências. Sabemos que em educação não há receitas, nem teorias prontas a serem aplicadas.
Os contributos da antropologia, da sociologia e da psicologia mostram que é necessário ouvir a
voz das crianças, oferecer um espaço e um tempo para que elas possam expressar-se. Elas têm o
seu próprio pensamento, não existe uma criança ideal, mas sim crianças em contexto. Neste
sentido é importante observá-las, ter respeito e aprender com elas. Procurar no fundo perceber o
que elas nos têm para ensinar. É necessário entender o que as crianças dizem, o que implica
conhecer de onde vem cada uma, qual a sua cultura, a sua história. Não importa apenas
desenvolver o pensamento, mas também vivenciar com o corpo. Ouvir as suas histórias de vida

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e dar valor à diversidade, são aspetos fundamentais para os professores e para os alunos. As
formas de arte, como a música, a dança, a pintura, o desenho entre outras devem em nosso
entender, ter também um lugar de destaque a par com a narrativa. É exatamente no repensar da
proposta inicial de Lipmam, procurando aperfeiçoar, questionar, criticar de forma construtiva,
que nos últimos anos assistimos a um movimento a favor do ensino da filosofia prática. Imbricado
no modelo original, mas com novos contornos, entendido como filosofia com crianças e não para
crianças. A narrativa não deixa de ocupar um lugar de destaque, mas procura-se partir da criança,
do que ela traz, quando surge uma fala ou um tema é necessário trabalhá-lo. Diversificam-se as
estratégias e procura-se estar mais atento, acolher emoções, trabalhar valores, colaborar, trocar
ideias. Neste âmbito vários investigadores, professores e especialista na área adotam a palavra
“com” por considerarem que a filosofia é feita “com” as crianças e não “para” as crianças.
Coloca-se a ênfase no conhecimento que é construído em conjunto, todos aprendem com todos.
Assim, neste trabalho respeitaremos a terminologia usada por Lipman sempre que nos referirmos
à sua proposta inicial. No entanto identificamo-nos com esta (re)construção permanente e
defendemos a filosofia com crianças. Também a formação de professores em estudo se chama
filosofia com crianças e jovens pelo que quando nos referirmos ao movimento descrito, a esta
formação, às perspetivas, estratégias e metodologias que dela derivam e ao nosso entendimento
do programa optamos pela proposição com e abandonamos o para crianças.

4. Organização do Estudo

O trabalho que apresentamos nas próximas páginas organiza-se em torno dos problemas
enunciados, das questões que deles derivam, dos objetivos apresentados e dos pressupostos que
nos orientam. Assim, divide-se em dois grandes momentos: uma primeira parte incide sobre o
enquadramento teórico e na segunda descreve-se, analisa-se e problematiza-se a sua vertente
empírica.

A primeira parte é composta pela presente introdução e por mais quatro capítulos, onde se
procurou manter um equilíbrio entre a sua extensão e consistência. No primeiro capítulo
apresenta-se as perspetivas pedagógicas que Lipman, criador do programa de filosofia para

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crianças, considera serem as suas fontes; expõem-se esta proposta e o modelo de Brenifier, uma
vez que o programa de formação de professores em estudo é pensado e concebido de acordo com
estas duas influências. De seguida, procede-se a uma análise da formação de professores nesta
área, apresentando as críticas ao programa e o nosso entendimento sobre as mesmas. O segundo
capítulo centra-se no ensino da filosofia prática, nos seus prossupostos, trajetórias e
possibilidades. Procura-se uma aproximação ao conceito de filosofia, que se enquadre na
perspetiva em estudo. Explora-se a viabilidade e as potencialidades de ensinar filosofia desde a
infância. O que nos conduz a uma análise mais profunda desta corrente, designadamente nas suas
relações complexas com a história da pedagogia e com os estudos da criança realizados no âmbito
da antropologia, da sociologia e da psicologia. Consideramos como parte integrante e constituinte
da prática filosófica o pensamento crítico, criativo e ético, que descrevemos com base em
diversos autores e estudos desenvolvidos no campo educativo. Por fim, apresentamos uma
reflexão onde se destaca a importância e o valor do diálogo no ensino da filosofia, que
entendemos como uma metodologia que é em si mesma um ato de democracia. O terceiro
capítulo é dedicado aos estudos nacionais e internacionais desenvolvidos no âmbito da filosofia
com crianças e jovens. Nesta seleção procuramos apresentar trabalhos diferenciados, que nos
permitam perceber o que tem sido feito em diferentes países, e com que objetivos ou finalidades.
No quarto capítulo problematiza-se a conceção de formação contínua e os modelos de formação,
explorando os paradigmas de desenvolvimento humano e racionalidades em que se enquadram,
princípios em que assentam e as metodologias de formação para que remetem. De seguida
procura-se perceber a evolução da formação contínua em Portugal, os problemas que se colocam
e as diretrizes atuais. O que acreditamos nos ajudará a enquadrar e a perceber o percurso do
programa específico em estudo. A formação de professores deve contribuir para o
desenvolvimento profissional docente. Pelo que exploraremos o seu significado e abrangências
de acordo com a vertente de inovação e mudança que encerra. A reflexão é amplamente
reconhecida como fundamental na formação de professores, neste sentido é importante perceber
qual o seu significado e sentido? Com que intenções é utilizada? Como pode ser implementada?
Quais são as suas vantagens? Vários autores e vários estudos apontam para a colaboração,
designadamente para o trabalho desenvolvido em comunidades de prática como impulsionador
do desenvolvimento profissional docente. Assim, devido às semelhanças e articulações que
vislumbramos entre comunidades de prática e a comunidade de investigação referenciada por
Lipman, problematizamos neste capítulo as possíveis aproximações entre os dois conceitos.

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A segunda parte é composta pela descrição do processo empírico e pela apresentação e discussão
dos resultados. Neste sentido discutem-se no quinto capítulo as questões metodológicas.
Começa-se por relembrar as questões de investigação e os objetivos do estudo que orientam a
análise dos dados, justifica-se e detalha-se o design e o contexto da investigação, caracterizam-
se os participantes na pesquisa e as técnicas de recolha e análise de dados. No sexto capítulo,
explicita-se o contexto da investigação e dá-se início à apresentação dos resultados da pesquisa.
Assim, centrados nos fundamentos e nos processos de formação, correspondentes à primeira
etapa de investigação, descreve-se e analisa-se o modelo, os princípios e práticas de formação de
professores em filosofia com crianças e jovens, e o perfil desejado do professor. O sétimo
capítulo refere-se as conceções dos professores e das formadoras acerca do processo vivido e, as
dificuldades percecionadas pelas formadoras e pelos professores formandos ao longo da
formação. O oitavo capítulo que corresponde à segunda etapa de investigação, é voltado para o
produto, pelo que se analisam os efeitos da formação no desenvolvimento profissional docente,
bem como os efeitos que os professores percecionam nas crianças, quando aplicam o programa,
e as dificuldades que afirmam sentir, na transferência do programa para o quotidiano escolar. No
nono capítulo apresentamos a conclusão, procurando responder às perguntas de partida e às
respetivas questões que lhe estão associadas, tendo em conta os objetivos que formulámos para
este trabalho. Procede-se às reflexões finais sobre a investigação, designadamente aos seus
contributos à luz dos problemas, das questões e dos objetivos enunciados. Reflete-se sobre as
limitações gerais do estudo e fornecem-se algumas pistas para futuras investigações e, no final
apresenta-se uma reflexão pessoal acerca do processo vivido e do trabalho desenvolvido nesta
área.

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PARTE 1
ENQUADRAMENTO TEÓRICO

O problema está em onde encontrar um paradigma de ensino para o pensar que sirva a
todas as disciplinas, quer ocasionalmente ou regularmente. Há alguma disciplina cujo
próprio conteúdo exija ensinar para o pensar e possa se realizar com isso? A resposta é
que todas podem, mas seria mais difícil para a filosofia do que para qualquer outra
disciplina, não fazer assim. A filosofia e o pensar- ou talvez, a filosofia e a busca pelo
pensar melhor- andam de mãos dadas
Lipman, 1990, p. 175.

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CAPÍTULO I
FILOSOFIA PARA CRIANÇAS:
CONCEÇÃO E PRÁTICAS DE UM PROGRAMA

Este capítulo divide-se em duas partes; na primeira referem-se as perspetivas pedagógicas que
Lipman considera serem influências recorrentes, para a criação e elaboração do seu programa de
filosofia para crianças (FpC). De seguida apresenta-se a sua proposta, bem como o pensamento
de Brenifier, enquanto autor e professor especialista na área, com diversos escritos sobre o ensino
da filosofia e com uma vasta coleção de livros para crianças. Brenifier tem viajado pelo mundo
inteiro promovendo o ensino da filosofia prática em universidades, junto de professores e do
público em geral. Na segunda parte reflete-se sobre a formação de professores em filosofia para
crianças: perspetivas, trajetórias e perfil do professor para trabalhar com o programa; e, por fim
apresentam-se e problematizam-se as críticas ao programa em causa.

1. Perspetivas Pedagógicas que se encontram na génese do programa

O programa de FpC é atravessado por diferentes influências pedagógicas que contribuíram para
a sua construção, nomeadamente as correntes personalista, comportamentalista, da pedagogia
pragmática e do construtivismo (Leleux, 2008).

Da corrente personalista (Rogers, 1997) recebe a influência da importância do desenvolvimento


da pessoa, do ensino centrado no aluno. A aprendizagem eficaz e douradora é feita com
autonomia e com um elevado nível de independência. Destaca-se a ideia de que o aluno não
aprende sozinho, mas com o professor, que o ajuda a evoluir, utilizando determinadas técnicas
de intervenção. A educação escolar tem, como grande finalidade, a criação de condições pessoais,
físicas e ambientais que facilitem a aprendizagem. Ela procura ajudar os alunos a acreditarem em
si mesmos, promovendo o autorrespeito e o respeito pelos outros.

O saber usado na reprodução e na memorização dará, então, lugar à aprendizagem com base na
resolução de problemas concretos. É uma aprendizagem que parte da existência, das suas

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incertezas e questionamentos (Leleux, 2008). Outro aspeto importante é a necessidade de
articular os conhecimentos teóricos com a prática. Os alunos aprendem melhor se perceberem a
adequação entre a teoria e a prática (Marcelo García, 1999).

A influência da teoria cognitiva de Bruner (1983, citado por Lipman, 1995), é visível no modo
como ambos defendem que a criança possui uma vontade e uma predisposição natural para
aprender, características que se desenvolvem através de questões que, progressivamente, vão
disciplinando o seu sentido de curiosidade. A aprendizagem mais eficaz e duradoura acontece
pela descoberta, explorando o mundo e aprendendo a estruturar os diferentes conhecimentos.
Esta aprendizagem permite que a criança retenha diferentes saberes desenvolvendo-se de forma
criativa (Sprinthall & Sprinthall, 1990).

Da corrente pragmatista (Dewey, 1987) e do construtivismo (Piaget, 1974, citado por Morgado,
2005) a influência ocorre no modo como é entendido o papel do indivíduo enquanto parte
intrínseca da sociedade e a importância da participação do ser com os outros. A educação é
pensada com vista ao desenvolvimento do raciocínio e do espírito crítico (Gadotti, 1999). A
influência concreta de Piaget visualiza-se no modo como Lipman perceciona a necessidade de
interação entre a criança e o meio para o seu desenvolvimento cognitivo. Na crítica ao método
tradicional de ensino, a escola deve incentivar a investigação, o trabalho em equipa e a
cooperação para o desenvolvimento da inteligência (Gadotti, 1999). Os dois autores divergem,
contudo, sobre o momento em que as crianças estão aptas para começar a raciocinar.
Contrariamente a Piaget, Lipman argumenta que as crianças podem pensar abstratamente numa
idade precoce e que o questionamento pode ajudar a desenvolver habilidades de raciocínio desde
tenra idade (Moriyón, 2011; Bechi, 2015).

Os estudos de Vygotsky chamam a atenção de Lipman pelo facto de considerarem determinantes


para o desenvolvimento dos indivíduos o meio onde estão inseridos, designadamente a sua
história e cultura. Ambos consideram que não existem estágios estanques no que se refere ao
desenvolvimento da criança. Esta evolui permanentemente, sendo fundamental proporcionar
novas descobertas, ideias e conceitos de acordo com as suas possibilidades. Assim, o uso do
diálogo é fundamental para os dois autores. Aprendemos a pensar do mesmo modo que
aprendemos a falar, interiorizando os padrões linguísticos e de reflexão que nos rodeiam
(Chesters, 2012). O pensamento e a capacidade de falar influenciam-se mutuamente e a

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probabilidade de se desenvolverem é maior quando se participa num grupo de discussão (Dias,
Brocanelli & Vestena, 2007).

O pragmatismo e o construtivismo defendem que a educação deve servir para uma melhoria em
termos sociais (Leleux, 2008). Cabe à escola formar cidadãos ativos, empenhados, capazes de
criar os seus próprios sistemas de interpretação e representação do mundo e da realidade onde
estão inseridos. O pensamento crítico é, então, uma praxis que põe em evidência a reflexão e a
ação (Leleux, 2008). A aprendizagem é um processo cujo objetivo é o desenvolvimento da
consciência crítica, aspeto fundamental da emancipação. São os alunos que constroem os seus
conhecimentos em conjunto uns com os outros e com o professor, e não tanto o professor que os
transmite aos seus alunos (Arends, 1995; Waksman, 1999).

A influência de Dewey (1910) é visível na importância que o pensamento crítico tem neste
programa. A capacidade de refletir surge quando reconhecemos a existência de um problema, de
um dilema. O pensamento crítico ou reflexivo tem implícita uma avaliação contínua de crenças,
de princípios e de hipóteses ou possibilidades que emergem de um conjunto de dados e das suas
possíveis interpretações (Sofiste, 2010). Para Dewey a sala de aula devia funcionar como um
espelho da sociedade e simultaneamente como um laboratório de aprendizagem da realidade. A
aprendizagem necessita de um professor empenhado em desenvolver na sala de aula processos
democráticos e científicos. Formar grupos de pesquisa e permitir que os alunos aprendam por si
mesmos são procedimentos que o professor deve adotar (Arends, 1995).

É com base nestas diversificadas influências, designadamente nos princípios de uma educação
democrática, capaz de formar cidadãos livres, responsáveis e participantes ativos da sua
comunidade, que Lipman cria o seu programa de treino de professores em FpC. A capacidade de
refletir e a capacidade de ouvir os outros são fundamentais no exercício de uma pedagogia crítica.

1.1 Apresentação do programa de Lipman: Filosofia para Crianças

O movimento educacional, conhecido por filosofia para crianças, surgiu nos Estados Unidos no
início dos anos setenta. A sua emergência deveu-se à preocupação do professor e filósofo norte-
americano Matthew Lipman com o fraco desempenho dos seus alunos. Para melhorá-lo, pensou

15
que seria importante desenvolver as suas habilidades cognitivas através da discussão de temas
filosóficos. Trata-se de um programa com um currículo e com uma metodologia própria passível
de ser adaptado a diferentes níveis etários e aplicado em contextos muito variados (Lipman, 2000).

Em colaboração com alguns colegas, Lipman funda em 1974 o Institute for the Advancement of
Philosophy for Children (IAPC), nos Estados Unidos da América (USA), desenvolvendo a
Filosofia para Crianças em conjunto com um programa de treino para professores (Rolla, 2004).

A Filosofia para Crianças é um programa educacional que pretende contribuir para o


desenvolvimento e compreensão da linguagem e das capacidades críticas e criativas das crianças,
promovendo o seu pensamento autónomo (Gadotti, 1999).

Para Lipman, o papel da Filosofia na escola não é o de informar as crianças sobre a existência de
determinados filósofos, nem transmitir os seus pensamentos ou ideias mas, antes, ensinar a
pensar (Lipman, 1990). Parte-se do princípio de que as crianças têm uma capacidade natural para
filosofar que se expressa nas suas perguntas; esse questionamento da realidade incomoda muitas
vezes os pais e os educadores que, quando não conseguem responder às suas perguntas, servem-
se da autoridade para os silenciar. Esta atitude diminui a capacidade para questionar que as
crianças naturalmente possuem e que pode ser desenvolvida pela filosofia, nomeadamente
através do diálogo (Bornstein, 1990).

Neste programa, a Filosofia tem uma importância fundamental e unificadora relativamente às


outras disciplinas do currículo, ajudando a pensar, a transformar o mundo e a conferir sentido à
educação como um todo (Cam, 1999; Reis & Formosinho, 2014). A preocupação é com a
formação de cidadãos mais responsáveis, racionais e interventivos. No fundo, acredita-se que
através do ensino da filosofia se opere uma transformação nas crianças e nos jovens para uma
sociedade verdadeiramente democrática (Sofiste, 2010; Carvalho, 2014). De facto o programa
não contempla apenas o desenvolvimento das capacidades cognitivas mas implica, também, a
compreensão e a análise de problemas sociais e familiares numa perspetiva de enriquecimento
cultural e conceptual (Bornstein, 1990). A proposta de Lipman contempla as dimensões da
existência, da ética e da estética (Tenreiro-Vieira, 2014).

O referido programa parte de sete novelas filosóficas e é acompanhado de manuais para os


professores. As novelas reúnem ideias filosóficas presentes na história da filosofia ocidental,

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numa linguagem acessível às crianças (Santiago, 2000). Os personagens, que são também
crianças, apresentam questões e problemas com as quais o grupo se identifica. Funcionam como
modelo, dando origem ao diálogo. Cada novela explora temas específicos como: a verdade, o
bem, a justiça, etc. que se vão recuperando e reforçando ao longo das sessões de acordo com o
desenvolvimento das crianças (Santiago, 2000; Kohan, 2000).

É um programa desenhado especialmente para o ensino pré-escolar e para o 1º, 2º e 3º ciclos do


ensino básico e secundário; propõe, ainda, a extensão da filosofia a todos os níveis do sistema
educativo, através de um método que ensina a pensar bem, por si mesmo e em conjunto com os
outros, raciocinando de forma correta e coerente, de acordo com os princípios da lógica, da ética
e da moral (Bornstein, 1990).

O debate em torno das novelas permite, aos professores e ao alunos envolverem-se em


“comunidades de investigação” (Murris, 2008).Entende-se aqui, por “comunidade” a pertença a
um grupo, alicerçando-se no espírito de cooperação, de confiança, segurança e cuidado que todos
os membros constroem entre si, tendo em vista um objetivo comum (Carvalho, 2014). O conceito
de “investigação“ é utilizado porque a comunidade parte de problemas para os quais não encontra
imediatamente uma solução, necessitando, por isso, de transformar o que inquieta os seus
membros, o que é confuso e aparentemente insolúvel, em algo que satisfaça os envolvidos
(Splitter & Sharp, 1999). Nesta comunidade promove-se o desenvolvimento da escuta e a
reconstrução das diferentes ideias em conjunto, numa atitude de tolerância e de respeito pelas
diferenças.

Podemos, portanto, falar em «converter a sala de aula em uma comunidade de


investigação» na qual os alunos dividem opiniões com respeito, desenvolvem questões a
partir das ideias dos outros, desafiam-se entre si para fornecer razões a opiniões até então
não apoiadas, auxiliam-se uns aos outros ao fazer inferências daquilo que foi afirmado, e
buscam identificar as suposições de cada um (Lipman, 1995, p.31).

Assim, a comunidade de investigação é um processo dialógico que se estabelece entre os diferentes


participantes. O diálogo é a principal ferramenta para conduzir as crianças e os jovens a novas
descobertas, investigando a realidade. De acordo com Lipman (1995),esta terminologia foi
utilizada por Charles Peirce cingia-se aos investigadores profissionais na área científica. A reunião

17
destes investigadores era assim designada pelo facto de eles trabalharem em comunidade com
procedimentos e objetivos comuns. O termo foi-se ampliando passando a incluir não apenas a
investigação científica mas todo o tipo de investigação partilhada. Neste contexto Lipman
considera que é possível e desejável transformar a sala de aula numa comunidade de investigação,
que partilha as mesmas regras de procedimento e princípios de investigação. Quanto às primeiras,
devem ser discutidas, vivenciadas e reestruturadas ao longo de todo o processo e de acordo com
cada grupo. Quanto aos princípios que orientam este trabalho, estes devem ter como base as regras
da lógica formal e informal, pois são elas que permitem caminhar lentamente no questionamento e
na investigação. Trata-se de uma experiência que se consolida numa forma de vida para quem nela
participa. No sentido em que aquilo que é investigado e trabalhado pela comunidade tem
repercussões nas vivências de cada um e de todos. A procura e a descoberta em conjunto acontecem
por meio do diálogo concretizando-se numa experiência do pensar compartilhado. Trabalhar assim
tende a fortalecer o sentido de solidariedade e de aceitação de todos os elementos do grupo.
Portanto, participar nesta comunidade é aprender a dialogar com os outros, utilizando a
investigação como o melhor caminho para lidar com os problemas. As respostas a que o grupo
chega não são únicas nem definitivas, mas as mais prováveis ou verosímeis (UNESCO, 2007).
Existe o reconhecimento de que para uma pergunta pode não existir apenas uma resposta. Aquilo
que, num dado, momento a comunidade aceita como verdadeiro, pode, noutras circunstâncias e de
acordo com novos argumentos, contra-argumentos, inferências e analogias tornar-se insatisfatório:

(…) A prática filosófica, entendida como diálogo coletivo sem fim, requer, além do
desejo de saber (a philo-sophía) e o questionamento sem fim de todo o saber adquirido, a
disposição dos co-investigadores a buscarem caminhos de pensamento coletivo regrados
por uma comunidade dadora de sentido (Kohan, 2000, p. 105).

Podemos, então, concluir que se trata de um programa cuja metodologia é o diálogo e a


investigação em cooperação. O conhecimento constrói-se na partilha de ideias e pensamentos,
através de uma comunidade de pessoas que se envolvem pelo desejo de melhor conhecer o mundo,
dividindo inquietações e aspirações que possuem em comum na busca pelo conhecimento. Procura-
se uma adequação entre o pensamento e a ação que se efetua por intermédio da comunicação; é
necessário saber dialogar, estar disposto a escutar os outros numa atitude de respeito e liberdade,
assumindo as responsabilidades que dai decorrerem (Bornstein, 1990).

18
1.2 A proposta de Brenifier

Doutor em filosofia, Brenifier viajou pelo mundo inteiro realizando inúmeras palestras,
workshops e seminários no âmbito da divulgação e formação em filosofia com crianças e jovens.
Escreveu vários livros infantis traduzidos em diversas línguas, inclusive em Português (e.g.
Brenifier, 2004, 2008, 2012). Protagoniza o movimento francês, apresentando uma visão global
e cosmopolita da filosofia, apelando para a sua importância não apenas em todos os níveis de
ensino, mas para todos os cidadãos, conferindo-lhe uma característica terapêutica ao desenvolver
os gabinetes de apoio filosófico.

Pelo seu trabalho com as crianças, jovens e professores, na busca pelo sentido original da filosofia
(que em seu entender reside na prática, na ação), é um autor que consideramos ser de grande
relevância, e incontornável quando abordamos a filosofia com crianças e jovens.

Para Brenifier (2011) a filosofia perdeu o seu sentido e função original; enraizada atualmente,
num espírito académico, restrito e de difícil compreensão, afastou-se do humano, deixou de servi-
lo. A filosofia afastou-se do mundo e fechou-se em si mesma, num pensamento interno e de
isolamento, onde os especialistas da filosofia e os filósofos tendem a estar sozinhos e a pensar
que sabem tudo. Brenifier (2011) chega mesmo a referir que até os estudantes universitários de
filosofia não praticam o verdadeiro diálogo nem o debate em sala de aula, restringindo-se, muitas
vezes, a perguntas sobre o autor, a obra e o ano; raramente se incita o questionamento que a
tradição filosófica contempla e ensina.

Partindo da crítica ao ensino da filosofia que é ministrado nas universidades, o autor estende-a ao
ensino em geral, considerando que ainda nos encontramos num modelo de pendor essencialmente
transmissivo, que se caracteriza pela memorização acrítica de conteúdos que o aluno reproduz de
forma a serem avaliados. Esta preocupação em avaliar para distinguir os alunos conduz ao
“síndrome do bom aluno” (Brenifier, 2005, p. 38). O que, no entender deste autor, provoca
ansiedade e fomenta o utilitarismo; o aluno estuda porque isso lhe é útil. O saber de cada um é
expresso numa nota em detrimento da pessoa do aluno e do valor do conhecimento em si mesmo.

A visão escolástica e transmissiva do ensino é uma herança da época medieval, que continuamos
a pôr em prática, apesar de existirem outras metodologias e técnicas que apresentaram e
continuam a apresentar resultados mais estimulantes e promissores no âmbito da educação

19
(Brenifier, 2005). Ao analisar a situação educativa francesa, Brenifier (2005) encontra diferentes
problemáticas que, em seu entender, se consolidam e adensam na medida em que o currículo
oficial não apresenta uma resposta clara e eficaz para o desenvolvimento das capacidades orais
e escritas dos alunos e que podem ser melhoradas através do filosofar.

O filosofar é uma prática inspirada na maiêutica socrática, uma arte de escuta, de formular boas
questões, uma técnica de atenção, um exercício que se pode praticar com toda a gente, inclusive
com as crianças em idade pré-escolar. O que está em jogo é o processo de desenvolvimento e
aperfeiçoamento do pensamento através do diálogo com o outro, usando técnicas e exercícios
próprios da filosofia, o “outro” como espelho de mim mesmo. A filosofia é, assim, a base, o
princípio da reflexão e da crítica (Brenifier, 2005, 2011).

Ensinar implica despertar a curiosidade natural que cada individuo tem para aprender. Essa
aprendizagem deve ocorrer na prática, exercitando o pensamento, não no sentido de validarmos
os conhecimentos adquiridos, mas para nos confrontarmos com o novo, para errarmos e termos
a capacidade de aprender com esses erros (pedagogia do erro que é inspirada em Popper). O que
importa é o processo de aprendizagem e não os resultados finais.

O que se pretende não é demonstrar ou explicar o que significam as coisas, mas antes procurar
em conjunto o conhecimento, servindo-se das capacidades de todos para realizar essa tarefa. À
semelhança de Sócrates, Brenifier (2011, 2014) incita à prática da “arte da ignorância”, perceber
que o nosso conhecimento é limitado e que sabemos sempre muito pouco relativamente àquilo
que podemos aprender. O debate em sala de aula é, assim, o instrumento privilegiado desta
abordagem, uma vez que a sua utilidade reside na problematização. O que não quer dizer que se
deva inventar problemas, mas, sim, procurar, analisar, dialogar, refletir sobre problemas que
existem, não com o objetivo de os resolver, antes para os perceber, contemplar, manipular e, por
fim, para os converter em algo com significado (Brenifier, 2014).

Outro aspeto importante desta abordagem é a visão de uma educação para a cidadania, que
assenta também ela, no espírito crítico. Importância de uma educação das emoções, que permitam
a cada um interpretar o real, para além do imediatamente dado. Educar para a cidadania só tem
sentido na prática dos reais deveres e direitos dos alunos. A finalidade da educação deve ser a
emergência de um ser social, o que ocorre através da confrontação entre a dimensão individual e

20
social que este tipo de educação deve propiciar. O fundamento da cidadania encontra-se na
relação que se estabelece no interior de cada um e com os outros, o que se desenvolve através do
debate (Brenifier, 2005, 2014).

2. Perspetivas e trajetórias da formação de Professores em Filosofia para Crianças

Nesta secção pretendemos realizar uma análise pessoal e uma reflexão sobre as orientações que
se encontram na base das propostas de Lipman e Brenifier descritas anteriormente, procurando
responder à seguinte questão: que modelo(s) de formação contínua se encontra na base da
formação de professores para o ensino da filosofia com crianças e jovens? De seguida
procuraremos traçar o que consideramos como o perfil do professor aplicador do programa; por
fim apresentam-se algumas críticas ao modelo de formação de professores presentes na literatura
sobre o tema procurando posicionarmo-nos de forma crítica e reflexiva.

2.1 Modelo e orientações genéricas

Lipman (1990) e Brenifier (2005) consideram prioritário substituir o modelo clássico de


educação (um paradigma académico baseado na transmissão de conhecimentos, na autoridade do
professor e na noção de aprendizagem onde a memorização e a interiorização de conteúdos pré-
estabelecidos ocupam um lugar privilegiado), pelo paradigma de uma educação centrada no
pensamento e no exercício da razão.

A filosofia é apresentada pelos dois autores como a base para desenvolver o raciocínio crítico e
reflexivo. Trata-se de uma proposta de cariz essencialmente pedagógico, que se insere no modelo
de ensino crítico que será analisado no próximo capítulo e que implica uma nova forma de
entender e de conceber o ensino em geral. O que confere um novo significado ao conhecimento
e implica alterações nas práticas docentes, que só podem ocorrer através de uma formação de
professores que seja adequada às exigências que um tal modelo de ensino coloca, preparando-os

21
para as novas tarefas e desafios que encerra. Assim, é importante identificar o (s) modelo (s) ou
orientações genéricas que se encontram na base da formação em filosofia com crianças e jovens,
analisando e questionando sobre o que seria mais apropriado e desejável, em consonância com o
perfil de professor que se pretende formar.

De acordo com Esteves (2001) e Nóvoa (1995), não encontramos na formação de professores,
em geral, um único modelo, mas diferentes modelos, o que em nosso entender também acontece
na formação em filosofia com crianças e jovens. O que nos impossibilita de enquadrar esta
formação apenas num referencial, pois, apesar de percebermos a existência de uma orientação
dominante também verificamos a influência de outros modelos ou orientações.

Julgamos que a formação de professores em filosofia com crianças e jovens tem como orientação
dominante o paradigma da investigação. A investigação é a principal ferramenta da formação.
Neste sentido, ao professor cabe a tarefa de envolver-se na busca de significados e novos sentidos
para a realidade, compartilhando este processo com as crianças, num clima de investigação,
tornando-se num “co- investigador” (Leal, 2000). O papel do professor nesta vertente investigativa
assenta na forma como ele consegue dar resposta a situações novas, problemáticas e complexas.
Neste sentido é necessário estar preparado para o novo, para aquilo que é inesperado. É um trabalho
que o professor em formação realiza sobre si próprio, refletindo sobre a prática e cuja finalidade é
a mudança quando necessária, mas também a consolidação da experiência e do conhecimento. A
formação é entendida como um processo permanente de construção e reconstrução do fazer e do
saber docente. Nesta perspetiva entende-se que o processo de formação proporciona aos
professores um desenvolvimento permanente, onde tanto o professor como a escola são o foco dos
processos de formação. No campo da investigação em educação o conceito de professor como
investigador ganha impulso e consistência com os trabalhos de Stenhouse (1975, 1983, 1984 citado
por Alarcão, 2001) que escreveu sobre a investigação-ação, razões, importância e finalidades,
apresentando sugestões concretas sobre como o professor pode realizar investigação em sala de
aula e contribuir para a melhoria da escola (Arends, 1995). Encontram-se alguns pontos de
convergência em ambas as conceção de professor como investigador (até porque são influenciadas
pelo pensamento de Dewey, 1938), tais como: o trabalho desenvolvido de forma colaborativa, a
importância da utilização do diálogo e do método científico para a construção de conhecimentos,
o reconhecimento do professor como profissional reflexivo e autónomo e a ideia de mudança, de
transformação pessoal e social que o conceito encerra. Por outro lado, na formação em filosofia o

22
conceito de professor como investigador implica conhecer e por em prática a metodologia de
investigação filosófica, o que se procura investigar é do domínio amplo das problemáticas que nos
ocupam enquanto seres humanos inseridos numa determinada realidade e sua consequente
formulação e exploração filosófica. A investigação tem um caracter dialógico, hermenêutico e
filosófico, cujo foco são os indivíduos (crianças e jovens) e os seus problemas, enquanto que na
investigação em educação ser professor investigador implica “desenvolver competências para
investigar na, sobre e para a ação educativa e para partilhar resultados e processos com os outros,
nomeadamente com os colegas” (Alarcão, 2001, p.6).

No modelo de formação de professores em filosofia com crianças e jovens, é visível também


uma orientação pessoal de influência humanista e concetual que coloca a aprendizagem do
professor no centro de formação. Considera-se que aprender a ensinar é um processo pessoal cujo
objetivo é auxiliar o professor na aprendizagem, na compreensão e no seu desenvolvimento
enquanto pessoa. Só assim se alcançará o segundo objetivo que é o de tornar o professor num
facilitador das aprendizagens cuja tarefa é selecionar materiais e atividades que respondam aos
interesses individuais, necessidades e habilidades dos seus alunos (Waksman, 1999).

Outro aspeto importante desta formação é a utilização de estratégias e técnicas democráticas,


com o intuito de desenvolver nos professores a capacidade de escuta, para que estes trabalhem
com os alunos enquanto facilitadores das aprendizagens, permitindo a construção de um
pensamento autónomo e uma conduta mais responsável. O que se procura é formar cidadãos
críticos, livres e responsáveis. Pelo que visualizamos aqui uma orientação crítica/social (Feiman-
Nemser, 1990). A formação de professores é entendida como uma estratégia para criar uma
sociedade mais justa e democrática. O professor é um ativista social, que tem como grandes
prioridades criar uma comunidade de aprendizagem que promova valores democráticos,
participando no currículo e nas políticas da escola contribuindo para melhorar a escola e criando
oportunidades para envolver a comunidade (Esteves,2001).

Em jeito de conclusão, parece-nos que esta formação se fundamenta na prática dos professores no
âmbito de perspetivas inovadoras, em que se valorizam os saberes do professores, num processo
interativo e dinâmico “onde a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de
formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de
formador e de formando” (Nóvoa, 1995 p. 26). Valoriza-se assim, a participação e colaboração dos

23
professores na construção e aplicação dos conhecimentos adquiridos na formação. Se pretendemos
que os alunos se tornem mais reflexivos e críticos, o professor tem de se formar também de acordo
com esta exigência do pensar. Portanto, uma formação que assenta nos paradigmas personalista,
investigativo, contratual e interativo-reflexivo apresenta características que, em conjunto,
permitem destacar as necessidades dos sujeitos e dos diferentes contextos educativos. O que se
procura é proporcionar aos professores um desenvolvimento permanente, onde tanto o professor
como as escolas sejam o foco da formação.

2.2 Perfil do professor aplicador do programa

Para Lipman, a educação resulta de um processo investigativo, onde o professor participa


enquanto orientador e facilitador (Waksman, 1999). O seu papel é o de um guia que conduz os
alunos nos temas a serem investigados. Assim, os alunos são incentivados, motivados a pensar,
a refletir, desenvolvendo o uso da razão de forma progressiva e em colaboração com o professor
e os seus colegas (Lipman, 1995). O que Lipman propõe é, como já dissemos, a transformação
da sala de aula numa comunidade de investigação. Para que isto aconteça é necessário que os
alunos e o professor possam dialogar num clima de confiança, onde todos são vistos como
interlocutores válidos, todos têm uma palavra a dizer e todos em conjunto contribuem para o
processo de indagação e questionamento (Brenifier, 2005; Kennedy, 1999).

As ideias, neste tipo de comunidade, constroem-se conjuntamente. O clima criado em sala de


aula permite fomentar o pensamento autónomo, a argumentação, a procura de razões para
defender os seus pontos de vista, a abertura para escutar os outros e alterar o que dávamos
inicialmente como certo e evidente. É uma proposta onde a descoberta, a invenção, a
interpretação e a reinterpretação da realidade são uma constante nos princípios que o professor
terá de adotar para poder desempenhar a sua função de acordo com o que é esperado no programa
de FpC (Lipman, 1990; Waksman, 1999).

O programa de FpC desenvolvido por Lipman é acompanhado de um programa de “treino de


professores” (Teacher training). Onde os professores têm o primeiro contacto com as novelas
filosóficas e com os manuais de apoio que contêm linhas gerais para discussão e investigação em
sala de aula (Lipman, Sharp & Oscanyan, 1980). Este autor insiste na necessidade de os professores

24
serem “treinados” por professores de filosofia. O que significa que os formadores de professores
nesta área devem ser professores de filosofia. É-lhes exigido a frequência de formação nos Estados
Unidos e a participação em workshops desenvolvidos por Lipman e os seus colaboradores. Só
assim poderão ser formadores acreditados pelo Institute for the Advancement of Philosophy for
Children (IAPC) e estarem aptos a ministrar formação na área (Gazzard,2012).

O programa de FpC apresenta uma visão do professor e do ensino, onde o papel do professor não
se centra na transmissão de conteúdos programáticos. O foco da sua ação passa pelo
desenvolvimento de capacidades que lhe permitam coordenar discussões filosóficas sobre temas
relevantes para a “comunidade de investigação” (pensamento cooperativo) (Waksman, 1999).
Trata-se de uma abordagem que coloca mais ênfase no aluno, no modo como ele aprende, nas
dificuldades que tem, do que no conhecimento académico do professor (UNESCO 2007). De
acordo com Lipman (1990), o trabalho neste programa necessita de professores que “estejam
dispostos a examinar ideias, a comprometer-se com a investigação dialógica e a respeitar as
crianças que estão sendo ensinadas” (p.173). Assim, a formação de professores deve contemplar
necessariamente uma dimensão exploratória de cariz interdisciplinar que vá ao encontro das
experiências e dos interesses dos alunos levando-os a “escutar melhor, a aprender melhor e a
exprimir-se melhor” e a ser escutados (Lipman et al., 1992, p. 68). Competências necessárias e
transversais a todas as disciplinas que compõe o currículo escolar. Aqui radica a necessidade de
ter em conta a própria evolução do conceito de criança e de infância. De facto, estudos
contemporâneos desenvolvidos na área da antropologia e da sociologia da infância têm vindo a
contribuir para uma nova visão das crianças. As crianças entendidas enquanto sujeitos ativos que
se envolvem e participam na realidade onde estão inseridos. Aponta-se para a necessidade de
estudar a criança no seu contexto, enquanto ser social e histórico. A criança enquanto fruto do
multiculturalismo e produtora de cultura. Torna-se assim, importante observar e ouvir as
crianças, tanto nas suas práticas quotidianas como nas suas representações sociais e imaginárias
(Nascimento, Brancher & Oliveira, 2008).É exatamente esta visão de criança, enquanto ser único,
que necessita de ser respeitado e ouvido que implica uma mudança no perfil do professor. Desafio
que implica que o professor seja capaz de reconhecer os afetos, os saberes das crianças
confrontando-se com a complexidade, num processo constante de se refazer.

A formação de formadores e de professores para trabalharem com o programa recorre a uma


metodologia, técnicas, estratégias e materiais, que serão depois utilizadas nas sessões com as

25
crianças. Se, como já o fizemos ver, para ser formador de professores nesta área, é necessário ser
professor de filosofia. Para trabalhar a filosofia com as crianças, este requisito não é obrigatório
nem impeditivo. Pode assim, desenvolver este programa um educador de infância, um professor
do primeiro ciclo, ou até mesmo um professor de qualquer área disciplinar, desde que motivado,
sensibilizado e que tenha frequentado a formação no programa (Gazzard,2012). Os formadores
têm como tarefa oferecer diferentes possibilidades e perspetivas de temas filosóficos que, depois,
os outros professores possam aproveitar para trabalhar com os seus alunos. A ideia de que os
formadores têm de ser professores de filosofia é fundamentada pelo autor, no facto de este
acreditar que os professores com este curso estarão mais aptos para garantir uma maior aceitação
e apreço pelos diferentes pontos de vista filosóficos, ao mesmo tempo que se encontram mais
atentos a uma inadvertida doutrinação, conseguindo criar uma atmosfera de abertura e tolerância
para a existência de múltiplos pontos de vista (Lipman, et al., 1992).

O treino de formadores no programa de FpC é intensivo, implica uma parte teórica de leitura,
análise e preparação das novelas e uma parte prática de acompanhamento das aulas dos
professores por parte dos formadores (Gazzard, 2012). Lipman procurou que os professores que
fossem formados em FpC conseguissem, em sala de aula, aprofundar a discussão, elevando-a a
um nível filosófico. O que se pretende não é uma conversa simples que poderíamos ter de forma
descontraída em qualquer lugar, mas sim a procura conjunta pelo sentido e significado das coisas.
O que implica saber utilizar as regras de bem raciocinar, de forma a determinar se um certo ponto
de vista sobre um assunto será mais adequado ou mais provável do que outro. Para o fazer, o
professor deve ser capaz de orientar a prática filosófica de acordo com os seguintes passos:

1. Expressão do sentimento de que há um problema


2. Identificação da causa do sentimento (formulação do problema
3. Escolha da meta ou fim desejado (formulação do objetivo)
4. Identificação dos meios (planeamento das hipóteses)
5. Antecipação das consequências
6. Seleção entre alternativas
7. Esboço do plano e operações
8. Avaliação dos efeitos
(Lipman, 1995, p. 220).

26
Lipman (1990) chama a atenção para o facto de as crianças terem uma tendência natural para
agradarem aos professores e, por isso, estes devem ter especial cuidado para não imporem os
seus pontos de vista nos diálogos com o grupo/turma.

No que se refere à formação de professores, Brenifier (2011) considera que, numa primeira
instância, é necessário que o professor se consiga libertar, que esteja disposto a olhar para si mesmo,
para o seu conhecimento e até mesmo para a sua profissão de uma nova forma. Para que isto
aconteça o processo de formação inicia-se com a desconstrução. Desmontar a ideia de que enquanto
professores detemos o conhecimento e os outros não. Processo em que o formador através do
questionamento, ou seja, da prática da filosofia inspirada na maiêutica socrática, procura abalar as
certezas do formando. Neste sentido, o que mais importa na formação não é aprender mas
desaprender. Pensar implica ser estranho a si mesmo, sair de si em direção ao outro. Pensar o
impensável. Ensinar é aprender a descobrir através do método dialético. O que implica que o
professor esteja preparado para seguir os caminhos que vão surgindo. É uma modalidade de ensino
lenta, que exige tempo “porque a arte de passear necessita de talento” (Brenifier, 2005, p. 35).

O grande desafio da pedagogia, para este autor, é o de os professores aprenderem a distanciarem-


se de si mesmos e ensinarem os alunos a realizarem esse mesmo movimento de distanciação.
Para aceder ao conhecimento é fundamental fazer um corte com o domínio da opinião.
Consciencializarmo-nos de que existem perguntas para as quais não temos respostas, ou porque
não as conhecemos ainda ou porque não existe uma resposta única e definitiva para elas
(Brenifier, 2005,2014).

A função do professor é, nas palavras de Brenifier (2005), semelhante à de um “mágico” cuja


tarefa “não é mudar o mundo, mas sim o aluno para sair de si mesmo, da sua rigidez, passividade,
carências e acidentalmente da sua ignorância” (p.43). Assim, deve realizar um trabalho em sala
de aula mais centrado nos alunos, onde desempenha a tarefa de animador das diferentes sessões.
O professor é responsável por definir as regras do debate e por se certificar de que essas regras
são cumpridas por todos, incentivando os alunos a dialogarem entre si. Não deve manter o
diálogo com os alunos, mas antes provocar o debate entre todos eles utilizando a técnica do
questionamento. Deixando espaço para que os alunos se escutem e reformulem a sua opinião
através da análise e do confronto das suas ideias com as dos outros- pedagogia da alteridade.

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O professor tem de ser capaz de destacar os problemas e os argumentos mais sólidos e pertinentes
auxiliando na sua articulação e estruturação. Outro aspeto importante do trabalho do professor é
conseguir que os alunos o vão substituindo na sua tarefa, pois o exercício de animador desenvolve
a capacidade de distinção das diferentes problemáticas.

Para apoiar o professor nestas tarefas, Brenifier apresenta nas obras de 2005, 2007, 2011 diferentes
propostas de debate, exercícios e técnicas para desenvolver nos alunos a capacidade de pensar
tendo em conta os seus interesses e necessidades e as suas características enquanto grupo.

O professor é assim um profissional que possui um conhecimento teórico que lhe serve para
melhorar a sua prática, doutra forma a teoria não faria sentido. Prever obstáculos, reconhecer
sintomas e desenvolver estratégias, técnicas e “truques” implica erros e êxitos que tem de ser
assumidos e analisados sempre com a finalidade de melhorar a prática. Muitas vezes, ao
desenvolver este tipo de trabalho, o professor é alvo da desconfiança dos alunos, que ao não
estarem habituados a trabalhar desta forma necessitam de tempo e de prática para produzirem
um conhecimento coletivo. O professor é, assim, alguém que gosta de questionar, de provocar e
inquietar os seus alunos com o intuito de abalar as suas certezas e evidências servindo-se da
astucia e de uma certa perversidade para levar os alunos a discutirem entre si, a escutarem-se, a
analisarem e a criticarem as suas ideias e as dos seus colegas (Brenifier, 2005).

2.3 Críticas ao Modelo de Formação de Professores

Alguns autores (Leal, 2000; Cerletti, 2003; Sofiste, 2010; Trentin, 2011) apresentam críticas ao
modelo de formação proposto por Lipman. A sua fundamentação sustenta-se em contradições
que consideram existir na proposta, nomeadamente entre o que se espera do professor e a
formação que lhe é oferecida. Seguidamente elencaremos algumas dessas críticas e daremos
conta, também, da nossa posição face às mesmas.

Na formação de professores em FpC, segundo a proposta de Lipman, apresentam-se modelos


prontos a serem reproduzidos pelos professores. Estes têm de ser acompanhados por um

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especialista em filosofia, alguém que serve como modelo para a aprendizagem, muito ao jeito do
paradigma artesanal descrito por Zeichner (1983). O que segundo os críticos, não é compatível
com o que se pede e exige de um professor de FpC (Lorieri, 1999). Parece-nos que a exigência
de os formadores, nesta área, segundo a proposta de Lipman, terem o curso de filosofia, se centra
no facto de estes professores supostamente conhecerem técnicas e possuírem ferramentas
filosóficas que incitam ao diálogo e ao debate em sala de aula. Tal exigência é a tentativa de
proporcionar aos professores uma formação que se serve dos conhecimentos da filosofia
enquanto prática, fornecendo técnicas para dinamizar a sala de aula e propondo exercícios
inovadores. Ou seja, a filosofia surge enquanto prática do questionamento, arte de perguntar e
problematizar o real. Relativamente a esta crítica, consideramos que não é a imitação que se
promove, até porque não nos parece possível imitar a questionar ou a argumentar, mas trata-se
antes de dar a conhecer métodos que facilitem essa prática.

Silveira (citado por UNESCO, 2007) chega mesmo a afirmar que o programa de Lipman
subestima a capacidade intelectual e reflexiva dos professores; que ao serem dispensados de
pensar tornam-se trabalhadores alienados. Para Cerletti (2003) e Leal (2000), a atitude filosófica
tem de se encontrar no professor, pelo que a formação tem que ter como objetivo despertar nos
professores essa atitude crítica e questionadora para que estes possam fazer uso dela em sala de
aula. A crítica destes autores vai no sentido de que o professor em formação não deve apenas
estar sujeito à análise das novelas mas deve, antes, dedicar-se “a problematizar situações e delas
extrair mais e novos sentidos. Que não se preocupe tanto em repetir o já pensado, mas se ocupe
em pensar” (Leal, 2000, p. 96). Esta crítica espelha a preocupação com a necessidade de o
professor estar preparado para o novo, o que apenas pode acontecer se este desenvolver a
capacidade de resolver problemas adquirindo distintos saberes que não são transmitidos, mas
antes produzidos na formação. Do exposto, concordamos que o professor deve procurar o
conhecimento, numa atitude humilde de quem sabe que não conhece tudo. Neste âmbito a
curiosidade e o trabalho de investigação devem, em nosso entender, ser incentivados na
formação. Quanto à crítica descrita parece importante refletir sobre ela e à luz da experiência na
formação de professores em filosofia. Conforme referimos no enquadramento da tese, esta
pesquisa surge no âmbito da frequência de uma ação de formação na área. Assim, enquanto
observadora participante, constatou-se que os professores são convidados a refletir e a dinamizar,
eles mesmos, uma parte da sessão da formação, o que implica o domínio não só dos

29
conhecimentos mas a sua aplicabilidade na prática, bem como a capacidade de descobrir novos
conhecimentos com os outros, escutando, refletindo e problematizando sobre o que é dito.

Outra preocupação, referenciada na literatura, prende-se com uma possível contradição entre o
que Lipman considera como meta educativa, a construção de uma sociedade democrática, onde
a escola deve funcionar como modelo democrático, e o facto de as suas novelas incidirem sobre
determinados conteúdos que não são eleitos pelos alunos; em vez disso, é o professor que escolhe
e prepara previamente o excerto da novela a partir do qual se desenrola o questionamento e o
diálogo (Sofiste, 2010; Sanchez, & Henning, 2005 citado por UNESCO, 2007). Esta parece ser
uma crítica bastante pertinente, pois, se nos limitarmos às novelas escritas por Lipman,
deparamo-nos com alguns problemas. Brenifier (2007) chama a atenção para este facto quando
refere que as novelas não devem ser aplicadas em todos os países, em primeiro lugar porque elas
contêm referências à realidade americana, não fazendo portanto sentido partir delas para
desenvolver o pensamento crítico e reflexivo nos alunos que vivenciam outras realidades e se
deparam com problemas substancialmente diferentes. Outra questão importante é o porquê de
partirmos apenas de textos de um filósofo e não das propostas dos alunos. De qualquer forma o
fundamental, para Brenifier, independente do ponto de partida, é que o tema do debate se
constitua como um desafio intelectual.

Por outro lado, também refere como crítica, o facto de os manuais dos professores, criados por Lipman
e os seus colaboradores, serem demasiado extensos e limitarem a prática da filosofia. Em seu entender,
o sucesso da filosofia com crianças e jovens depende da capacidade pedagógica do professor,
nomeadamente do seu potencial criativo e de inovação, o que apenas pode ser desenvolvido e
aperfeiçoado se repensarmos a formação de professores de acordo com estes objetivos.

Apesar das críticas descritas, é importante ter em conta que o programa de formação de
professores, de Lipman, tem sido alvo de diferentes leituras e aplicações, como é o caso da
proposta de Brenifier (2011). Também os formadores acreditados pelo IAPC desenvolvem a
formação contínua nos seus países, adaptando a proposta às suas realidades e construindo, eles
próprios, novelas e manuais de apoio para os professores. Estes movimentos, aliados ao facto de
os professores que frequentaram a formação aplicarem o programa de formas diferentes, parecem
apontar para a existência de uma certa plasticidade do programa e, provavelmente, para um
impacto positivo da formação nas práticas dos professores, tornando-os mais críticos e reflexivos.

30
Síntese

Lipman criou um currículo para ensinar a pensar, com uma metodologia própria, onde se
encontram delineadas estratégias e atividades a seguir pelas crianças e pelos professores.
Apresenta uma nova perspetiva do ensino da filosofia, onde o campo filosófico não se restringe
ao domínio da abstração e da academia, mas se concretiza na realidade quotidiana,
designadamente em sala de aula, através da criação de uma comunidade de investigação. O
ensino da filosofia, proposto por este autor, é a possibilidade de oferecer ferramentas às crianças
que lhes permitam desenvolver certas capacidades ou habilidades, como Lipman lhes chama
(1990). Assume o ensino da prática da filosofia como tendo um valor em si mesmo, embora
reconheça a necessidade de demonstrar a sua importância desde tenra idade, fazendo-o através
de vários livros e entrevista para jornais e revistas com acesso ao público em geral.

As obras de Lipman apresentam um modo de aprender fazendo, e a sua fundamentação teórica e


filosófica. A filosofia surge como o exercício do pensamento livre, que se desenvolve através do
treino na resolução de problemas, na fundamentação do ponto de vista de cada um e no respeito
pelo ponto de vista dos outros. Esta proposta inicial, inspirou vários professores, formadores e
investigadores a desenvolver, no terreno, a prática da filosofia com crianças, assistindo-se
atualmente a um movimento em permanente ascensão, com ramificações em vários países a favor
da sua introdução no currículo escolar. Novas ideias de fazer filosofia, inspiradas no modelo
inicial, e procurando adaptar-se às mudanças e exigências da sociedade atual, têm surgido e
proliferado pelo mundo. Este movimento apresenta diferentes abordagens (Brenifier, 2005, 2007;
Kohan, Kennedy, Murris, Cam, 1999), mas todos partilham a ideia de que a criança é protagonista
da sua própria aprendizagem, enfatizam a necessidade de experienciar o pensamento, o que
apenas acontece no encontro com os outros. Praticar filosofia com crianças permite caminhar na
inovação e na restruturação de uma pedagogia de pendor filosófico (Valitalo, Juuso & Sutinen,
2016). A prática da filosofia com crianças tem já um longo caminho de aplicação e de tentativas
de autocorreção do modelo inicial (FpC). É interessante verificar que, apesar de a proposta ser
alvo de várias críticas (Leal 2000; Cerletti 2003; Sofiste, 2010; Lorieri, 1999 & Silveira, 2003
citado por UNESCO 2007), os investigadores, professores e formadores no terreno têm
procurado reajustar e readaptar-se às necessidades dos alunos e das escolas, sem perderem de
vista a necessidade de promover e sensibilizar para a prática da filosofia. Verifica-se uma
abertura para o diálogo e para a reinvenção presente nos que promovem e praticam a filosofia.

31
A formação de professores, para trabalhar com o programa, é um aspeto fulcral e determinante
para que a filosofia chegue a todas as crianças e, neste sentido, é necessário envolver os
professores de diferentes níveis de ensino na prática da filosofia e sensibilizar também os pais
para esta abordagem. Para auxiliar os professores nesta tarefa inovadora, Lipman e os seus
colaboradores promoveram o intercâmbio entre as diferentes perspetivas adotadas nos diferentes
países. O International Council for Philosophical Inquiry with Children (ICPIC) promove
encontros que acontecem de dois em dois anos, em diferentes países, onde se avaliam os avanços
e as dificuldades inerentes ao programa, apontando perspetivas e desafios (Rolla, 2004). Também
em 1998, a UNESCO ofereceu ajuda para a sua divulgação, mostrando, desde então, a
importância do ensino da filosofia desde o pré-escolar, para a consolidação da democracia e da
defesa de valores promotores da dignidade da pessoa. “A prática da filosofia é um processo que
beneficia a sociedade como um todo. Ajuda a construir pontes entre pessoas e culturas e reforça
a exigência de uma educação de qualidade para todos” (Bokova, 2011). A prática da filosofia
ajuda a desenvolver nos aprendentes o pensamento crítico, criativo e de cuidado /ético.

32
CAPÍTULO II
ENSINO DA FILOSOFIA PRÁTICA

Com este capítulo pretendemos efetuar uma análise reflexiva sobre o ensino da filosofia,
explorando possibilidades e pressupostos essenciais à sua inserção desde o pré-escolar. Neste
âmbito procuraremos refletir sobre a pertinência e viabilidade do ensino da filosofia desde tenra
idade nas escolas, procurando uma aproximação ao conceito e ao modo como pode ser ensinada.
Por fim exploramos os conceitos de ensino crítico, criativo e ético, enquanto constituintes e
constitutivos do ensino da filosofia prática entendida como educação para o pensar.

1. A nossa aproximação ao conceito de Filosofia

Quando Sócrates passava os dias na praça pública a debater as grandes questões, ou


quando Lao Tzu indicava a maneira de seguir o caminho para o êxito e de evitar os
prejuízos, ambos pretendiam que as suas ideias fossem usadas. Na origem, a filosofia era
um modo de vida, não era uma disciplina académica- uma matéria que não se destinava
apenas a ser estudada mas também a ser aplicada (Marinoff, 2002, p. 21-22).

A definição de filosofia é, em si mesma, um problema filosófico (Simmel, 2005); ao longo da


história os filósofos têm vindo a definir a filosofia a partir da sua própria conceção e de acordo
com o seu sistema filosófico. Partindo desta multiplicidade fecunda de definições, procuraremos
uma aproximação ao seu significado, destacando características e aspetos que nos permitam,
posteriormente, apontar trajetórias possíveis, viáveis e vantajosas ao seu ensino.

Etimologicamente filosofia significa “amor da sabedoria”, e filósofo é aquele que procura


exaustiva e incessantemente o conhecimento. Os filósofos gregos foram os primeiros a utilizar o
termo no séc. VI a.C., e, filosofar, para eles significava “ estar a caminho”. As interrogações são
mais importantes do que as respostas, e cada uma destas pode-se transformar em nova
interrogação” (Jaspers, 1998). A filosofia e o filosofar são, assim, uma atitude, uma forma de
estar na vida e de se interrogar sobre ela. Naturalmente o ser humano é curioso e procura o

33
significado e a compreensão para a sua existência, para a existência dos outros e do mundo à sua
volta;“ A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo” (Merleau-Ponty, 1945, p.84). A
filosofia abre novas possibilidades, perspetivas diferenciadas e em diálogo, que potenciam novas
interpretações e outra forma de ver a realidade, um olhar com outros olhos. Ela é a proposta de
uma reflexão sobre a globalidade da experiência vivida que, partindo do questionamento e da
problematização sobre o passado e o presente, se projeta no futuro. Neste sentido, a filosofia é
também uma fonte de orientação prática, e a sua utilidade reside, fundamentalmente, no facto de
ser um guia das nossas ações, fonte de reflexão, de crítica esclarecida, de impulso e de alimento
para o pensar, ajudando cada um de nós a construir-se como pessoa. A filosofia é, por essência,
crítica, interrogativa e inquietante, porque implica assumir um compromisso connosco próprios,
com os outros e com o conhecimento, num processo em que nos confrontamos com as nossas
(in)certezas e convicções, e com as dos outros “ O que é então a filosofia? É a equação do
pensamento e da realidade numa dada fase do desenvolvimento daquele e num dado período do
conhecimento desta: o equilíbrio momentâneo entre a reflexão e a experiência (…) ” (Antero de
Quental, 1995, p.53-54). A filosofia, enquanto atitude, implica estar atento, adquirir uma certa
irreverência e ironia face as coisas e a nós mesmos (Brenifier, 2011). Mas se a filosofia incita a
uma nova visão do mundo e de nós mesmos, ela também, necessariamente, é fruto de mudanças
que começam dentro de cada individuo e se estendem à realidade circundante. Neste sentido, a
filosofia não se ocupa apenas dos princípios, das orientações e dos fundamentos que nos
impulsionam a agir; ela é prática, envolvimento, partilha e ação “ cada filosofia define-se a si
própria pelo modo como se realiza. Para saber o que é a filosofia tem de se fazer uma tentativa.
Só então a filosofia será, simultaneamente, a marcha do pensamento vivo e a consciência (…) ”
(Jaspers, 1998).

Segundo a conceção de filosofia que adotámos, filosofar é uma forma consciente e responsável
de estar na vida, uma prática que potencia o desenvolvimento do pensamento reflexivo, crítico,
criativo e ético “filosofar é aprender a viver, a morrer. Comte- Sponville dizia: «Não se filosofa
para passar o tempo. Filosofa-se para salvar a pele e a alma» ” (Jacquard, 2008).

34
1.1 Uma Reflexão sobre o ensino da filosofia - Apontando trajetórias e possibilidades

O primeiro fundamento para o ensino/aprendizagem da filosofia desde a infância, assenta como


vimos anteriormente, na ideia precursora de Lipman (1990): ensinar práticas filosóficas às
crianças implica, por um lado, conceber a criança como um ser que, naturalmente, se espanta e
interroga sobre as coisas e o seu sentido e que tem necessidade de partilhar, de debater com os
outros sobre as suas descobertas. Ser criança não é ser um adulto em miniatura ou um projeto de
adulto, mas alguém com existência própria, o outro, aquele que é diferente de mim, que tem
experiências que pensa sobre elas e que, progressivamente, no contacto com a realidade e com
os outros, vai construindo a sua identidade (Kohan, 2000).Encontramos esta conceção de criança
em disciplinas como a antropologia e a sociologia da infância (Sirota, 2001; Pires, 2008;
Sarmento & Gouvêa, 2008; Prout, 2010). As crianças são, nesta perspetiva, sujeitos pensantes, e
a filosofia emerge necessariamente como uma forma de expressão e afirmação da criança. Urge,
então, perguntar: como pode a filosofia contribuir para uma educação para o pensar? A ideia de
um ensino da filosofia, acessível e disponível a todos, desde o pré- escolar, enraíza-se na
necessidade de estimular o desenvolvimento cognitivo, criativo, emocional, ético e moral das
crianças e dos jovens. Vivemos num tempo em que a informação chega rapidamente e sem filtro;
é um tempo sem tempo, onde a urgência de chegada e de concretização atropela os processos e
a individualidade de cada um. As metas ganham destaque face aos processos, o que entendemos
ser necessário repensar. Embora seja importante a concretização de objetivos e finalidades,
sabemos que estes só são possíveis por meio de processos que os sustentem e fundamentem.
Recorremos novamente a Lipman (1995, p. 35) que sublinha esta leitura do ensino e da
aprendizagem, ao afirmar:

Do mesmo modo que os cientistas empregam o método científico para a exploração de


situações problemáticas, assim deveriam fazer os alunos, caso quisessem aprender a
pensar sozinhos. Ao contrário disto, pedimos a eles que estudem os resultados finais
daquilo que os cientistas descobriram; desprezamos o processo e fixamos nossa atenção
sobre o produto.

Numa sociedade onde o avanço tecnológico marca o ritmo de vida dos indivíduos, das suas
finalidades e da informação que recebem, é imprescindível aprender a lidar com a informação,
saber refletir e encontrar significados ocultos, questionar e problematizar sobre o que acontece

35
em nossa casa, na escola, na comunidade e no mundo e acerca dos compromissos que assumimos
connosco e com os outros. É exatamente neste campo que reside a pertinência e o interesse
crescente em ensinar e aprender filosofia (UNESCO, 2007; Gadotti, 1999; Kennedy, 1999;
Kohan, 2000).

Entender o ensino da filosofia como uma educação para o pensar, implica equacioná-la enquanto
arte de conhecer e técnica ou treino do pensamento, um processo cuja exploração em conjunto
dá origem ao conhecimento:

A finalidade do ensino filosófico não é a aquisição de conhecimentos ou saberes, mas,


sobretudo, o desenvolvimento de capacidades formais (problematizar, conceptualizar,
argumentar) apresentados como inerentes à vida numa sociedade democrática (Galichet,
1999, p. 168).

Com o ensino da filosofia, desde a infância, pretende-se explorar esta área do saber na sua
vertente técnica, de questionamento e argumentação, por forma a desenvolver a curiosidade
natural das crianças, encorajando-as a questionar e a encontrar várias possibilidades de resposta
para uma questão ou problemática, que tenha origem nas crianças e nas suas vivências.

Parte-se da experiência e das vivências de cada um e de todos para a construção do conhecimento.


O conhecimento não é apresentado às crianças como algo produzido e acabado por outros como
produto de um desejo e de uma inquietação interna que nos impele a agir e a procurar respostas:

Fazei que o vosso pupilo esteja atento aos fenómenos da natureza e, em breve, o tornareis
curioso; mas para alimentar a sua curiosidade, nunca vos apresseis a satisfazê-la. Ponde
as perguntas ao seu alcance, e deixai que ele encontre respostas para elas (Rousseau, 1990,
p. 178).

Esta procura não é individual, mas processa-se na comunidade, através do exame crítico do
pensamento, de forma colaborativa e progressiva. Considera-se, pois, que o ensino da filosofia
tem um impacto preponderante na comunicação, nos afetos, na capacidade de discernir, no cuidar
do outro e na capacidade de pensar por si próprio, afetando tanto os professores como os alunos;
desse modo, o seu ensino é assumindo nas vertentes epistemológica, pedagógica e democrática
(UNESCO, 2007; Gadotti, 1999; Sofiste, 1998; Lipman 1990).

36
De acordo com o que temos vindo a dizer, torna-se visível que a FpC não é uma novidade
absoluta; é, antes uma corrente de pensamento que tem relações complexas com a história da
pedagogia e com os estudos da relação pedagógica, da criança e da infância, trazendo contudo
algumas especificidades. Ensinar e aprender filosofia é participar num processo dialógico de
investigação, onde através do ato de filosofar e do gosto pelo conhecimento se busca pelo sentido
das coisas, servindo-nos de argumentos lógicos e de sistemas conceptuais. Aprende-se a definir
e a manusear conceitos separando-os e reposicionando-os de outra forma, a estruturar o
pensamento e a encontrar novos sentidos. A filosofia emerge na diversidade das experiências
vividas por cada um e por todos, numa riqueza que só o encontro com os outros, na pluralidade
e na diferença, nos permite alcançar. A diferença é constituinte da comunidade de investigação;
quanto mais heterogéneo for o grupo, mais temas de debate vão surgindo, mais experiências e
modos de vida são partilhados, o que favorece a imaginação e o espirito crítico dentro da
comunidade.

A prática da filosofia pode assumir várias formas, como nos sugerem diferentes autores e vários
estudos (Brenifier, 2007; Darling, Erickson, & Clarke, 2008; Audrain, Cinq-Mars & Sasseville,
2003); no entanto, todos apontam, como estratégias, o diálogo democrático, técnicas de oralidade
e de escrita, a reflexão e o debate em torno de dilemas morais (Kohlberg, 1984) e a construção
de comunidades de investigação como uma forma de preparação dos alunos para os desafios da
atualidade. Os estudos que têm vindo a ser desenvolvidos mais recentemente sobre o ensino da
filosofia com crianças apontam para a necessidade de comtemplar diferentes estratégias e
metodologias. É importante não ficar preso às novelas filosóficas (narrativas criadas
especificamente para a exploração de temas da filosofia), mas partir para outros tipos de
narrativas e formas imaginativas e criativas e ir ao encontro do interesse e das motivações dos
alunos, tendo em conta cada contexto, numa constante adaptação e reinvenção das práticas
filosóficas. Há perguntas e ideias que podem surgir de forma espontânea, mas também as há que
necessitam de ser planificadas previamente (UNESCO, 2007).

O ensino da filosofia, equacionado deste modo, só é possível com professores que consigam,
entre outras coisas, traduzir a linguagem e os conceitos de um modo inteligível para as crianças.
O que nos remete para o tema da formação de professores, motivo de debates e de controvérsia.
Uma questão básica deste debate gira em torno da necessidade de ser ou não professor de filosofia
para ensinar filosofia com crianças e jovens. A esta questão, como vimos, Lipman (1990)

37
responde que, em vez disso, um professor de qualquer outra disciplina, desde que também
especializado em filosofia “para crianças”, poderia realizar perfeitamente esta tarefa.

De facto, vários estudos dão conta de educadores de infância e de professores do primeiro ciclo
empenhados e motivados a aplicarem o programa de Lipman com os seus alunos (e.g. Fonseca,
2012; Roberts, 2006; Marshall, 2012; Machado, 2013). Por outro lado, saber filosofia não é por
si só suficiente para realizar esta tarefa; no entanto, é necessário que o professor detenha
conhecimentos desta área para poder usar os princípios filosóficos, proporcionando conversas
que não fiquem pelo senso comum, explorando várias possibilidades de respostas e caminhos
possíveis, por vezes, “improváveis do pensar” (Brenifier,2005). Aprendemos a fazer filosofia
comunicando, debatendo em sala de aula, criando uma comunidade colaborativa de investigação
O que significa que, para ensinar filosofia, é necessário que os professores se envolvam em
diálogos filosóficos, que se treinem no ato de filosofar, o que pode e deve ser desenvolvido
através de uma formação onde o professor tenha a oportunidade de experimentar, de participar
em dinâmicas de grupo colaborativas, em discussões coletivas numa metodologia de investigação
solidária, idêntica à que vai usar com o seu grupo /turma. (Lipman, Sharp & Oscanyan, 1980;
UNESCO, 2007).

A introdução ou não do ensino da filosofia no currículo, desde a infância, é outra questão que
tem ocupado os defensores desta perspetiva. Lipman (1995) apresenta o programa de filosofia
para crianças com um tempo próprio no currículo, onde deliberadamente, as crianças aprendem
a pensar, através de narrativas criadas especificamente para desenvolver temáticas filosóficas
como os conceitos de belo, de verdade, de justiça, de conhecimento, etc. seguindo os manuais de
apoio ao professor. Neste sentido, a opção por uma disciplina é clara; no entanto, desde o início
da aplicação do programa, muitos estudos e experiências têm sido realizadas e que apontam para
novos modos de fazer filosofia e de equacionar uma educação para o pensar. Os trabalhos
desenvolvidos com as crianças nesta área não se restringem ao uso das novelas filosóficas nem
aos manuais criados por Lipman. Vários pensadores, professores e formadores de filosofia
prática, vêm o uso das narrativas de Lipman apenas como um dos recursos do programa e não
como um modelo único a ser seguido. Neste sentido, o movimento da filosofia com crianças e
jovens tem vindo a assumir-se como um projeto interdisciplinar (Valitalo, Juuso, Sutinen, 2016).
Propondo-se a defesa do ensino da filosofia para todos enquanto eixo transversal ao currículo.
Entende-se, assim, o ensino da filosofia como uma proposta de escola e de educação que se

38
enraíza nas outras disciplinas. Ensinar filosofia tem sentido em associação com as outras
disciplinas do currículo, enquanto processo educativo que é pensado, integrado e concebido
dentro de um conjunto de saberes onde o pensar critico, criativo e ético é condição transversal a
todas as áreas do saber (Kohan 2000; Gadotti, 1999;UNESCO; 2007; Valitalo, Juuso, Sutinem,
2016). O programa de Lipman é visto como uma proposta cujo mérito reside em ser pioneira e,
também, por apontar caminhos, vias de possibilidade que conduzem à reinvenção e à
reconstrução da conceção inicial.

Estamos na verdade, propondo uma discussão profunda e instigante que nos faça ver
melhor o sentido do próprio processo educativo: talvez não como modelagem, mas como
conjunto de mediações que proporcionem a humanização constante e continuada das
novas gerações no retomar/reinventar/ reconstruir/ reinspeccionar a humanização já posta
por quem veio antes e que deve ser reposta criativamente por quem está vindo agora
(Lorieri, 1999, p. 58-59).

2. Dimensões do ensino da filosofia prática

O ensino da filosofia prática é entendido, conforme referimos anteriormente, enquanto educação


para o pensar. Neste sentido, fundamenta-se o seu sentido e necessidade com base na ideia de
que este ensino potencia o desenvolvimento da capacidade ou habilidades de pensar,
designadamente nas suas dimensões: crítica, criativa e ética, tanto nos alunos como nos
professores. Nas próximas páginas apresenta-se uma análise destes conceitos e o modo como são
desenvolvidos na prática educativa, com base em diferentes estudos e autores. Temos como
finalidade procurar na literatura indícios que nos permitam perspetivar o ensino/aprendizagem
de acordo com estas dimensões do pensar.

39
2.1 Ensino Crítico – Pensamento Crítico

Com “pensar crítico” refiro-me ao pensar que é autocorretivo, sensível ao contexto,


orientado por critérios e que conduz ao julgamento. Os pilares gêmeos do pensar crítico
são o raciocínio e o julgamento (Lipman, 1990, p.100).

O Ensino crítico, ou o ensino na descoberta, tem por base a crença de que é possível e desejável
ensinar os alunos a pensar; ou seja, as competências e os processos de pensamento são ensináveis
através do debate e da discussão em sala de aula. É um ensino que parte da curiosidade natural
dos alunos, promovendo a investigação para que cada um construa o seu próprio conhecimento.
Assim, as estratégias de ensino e as dinâmicas de sala de aula implicam o conhecimento e a
aplicação de um conjunto de regras e técnicas de discussão, onde se fomenta a troca de ideias e
a escuta atenta do outro. A prática de sala de aula inspira-se na maiêutica socrática, dando-se
enfase ao raciocínio indutivo e ao diálogo (Arends, 1995).

É um ensino de pendor essencialmente prático que tem, como finalidade, ajudar os alunos a
aprender. O professor tem como tarefa facilitar as aprendizagens, satisfazendo a curiosidade dos
seus alunos, indo, assim, ao encontro dos seus interesses e necessidades. Os alunos são
confrontados com questões, problemas, cujo objetivo é promover a sua curiosidade e, com ela, o
desejo de conhecer. É um modelo onde se procura desenvolver o pensamento crítico, o que
implica questionamento, interrogação e fundamentação ou justificação para o que afirmamos
(Castro, 2014). O movimento de aprendizagem ocorre à semelhança do método científico; o que
move as crianças é a existência de um problema, de algo que não conseguem resolver ou para a
qual não têm respostas e que é necessário investigar. Investigar implica recolher dados e
experimentar. Neste âmbito, o professor guia os alunos no processo de construção do
conhecimento através da formulação de hipóteses com vista à explicação fundamentada e
justificada de um determinado fenómeno ou acontecimento (Arends, 1995). O que se procura é
tornar os alunos aprendentes autónomos, capazes de pensar por si mesmos e com os outros (Cai
& Sankaran, 2015). O processo de ensino/aprendizagem exige do aluno uma atitude ativa, num
clima de liberdade de pensamento e expressão. Apesar de o conhecimento derivar de uma
construção conjunta, que se edifica em sala de aula com o contributo de todos, isso não quer dizer
que o professor não tenha de planificar as suas aulas. É importante definir previamente os
objetivos e as finalidades que se pretendem atingir numa aula baseada na pesquisa, esclarecendo

40
os alunos quanto às regras e aos procedimentos que vão ser adotados (Arends, 1995; Tenreiro-
Vieira, 2014; Castro, 2014; Vieira & Tenreiro- Vieira, 2014).

Neste modelo de ensino, a eficácia do professor passa pelo domínio de conhecimentos que lhe
permitiram a adequação dos conteúdos à prática de forma criativa e inovadora. Outro aspeto
importante é a necessidade de o professor conhecer técnicas e estratégias de forma a desenvolver
dinâmicas de sala de aula propícias ao desabrochar do pensamento crítico.

O pensamento crítico é aqui entendido como um pensamento dotado de clareza, rigor, precisão
e relevância: “possuir o pensamento treinado criticamente é possuir uma competência extra na
racionalidade capaz de validar o credível do incrível” (Castro, 2014, p. 27).

Apesar da longa história do pensamento crítico, que remonta ao século IV/V a.C. na Grécia,
introduzido por Sócrates, não existe uma definição única e estanque do conceito. Este tem vindo
progressiva e exponencialmente a ganhar relevância na nossa sociedade. Dewey (1910)
impulsionador do pensamento crítico, considera que pensar é um processo através do qual os
indivíduos encontram sentido e significado para o mundo em que vivem. Define o pensamento
crítico como uma consideração cuidadosa, persistente e ativa de uma crença ou forma de
conhecimento alicerçada em fundamentos e nas novas conclusões para que tende.

Se em termos de definição, o conceito é passível de múltiplas interpretações, o mesmo não


acontece quanto à importância de ser trabalhado e explorado na escola. Vários autores (Mall-
Amiri & Sheikhy 2014; Cai & Sankaran 2015; Temel 2014; Zangenehvandi, Farahian & Gholami
2014; Nargundkar, Samaddar & Mukhopadhyay 2014; Oyler & Romanelli 2014; Wei, 2014)
partilham a ideia de que o pensamento crítico é fundamental enquanto finalidade educativa.

O movimento ligado ao pensamento crítico na educação teve um grande impulso na década de


oitenta. A investigação, nesta área, contribuiu para a didática das ciências e das humanidades. A
justificação para a sua pertinência e desenvolvimento prende-se com a necessidade de pensarmos
de forma crítica nas nossas vidas. Surge, assim, como uma exigência atual; numa sociedade de
orientação científica e tecnológica é primordial formar cidadãos responsáveis e autónomos com
capacidade de tomar decisões esclarecidas e racionais (Cai & Sankaran, 2015; Mall-Amiri &
Sheikhy, 2014). Fundamentação com contornos éticos, intelectuais e pragmáticos (Tenreiro-
Vieira, 2014). Pensar criticamente ajuda em várias situações: na resolução dos próprios

41
problemas, no delinear das metas a atingir, nos objetivos que traçamos para nós, na convivência
com os outros, na tomada de decisões racionais e esclarecidas e na contribuição para uma
sociedade mais justa e igualitária (Mall-Amiri & Sheikhy, 2014).

Para que os alunos possam aprender a agir de forma crítica, informada e responsável, é necessário
repensar a formação de professores tendo em vista este objetivo. Assim, estabelecem-se na
referida década de oitenta e vão-se aperfeiçoando nas posteriores, referenciais, conteúdos,
técnicas e estratégias, de forma a orientar a formação de professores neste sentido. Esta
preocupação com o pensamento crítico também surge de forma implícita ou explicita nos
currículos escolares de diferentes países, inclusive em Portugal (Tenreiro-Vieira, 2014).

A investigação sobre o pensamento crítico tem incidido sobre duas grandes áreas: a procura por
uma definição clara, rigorosa e precisa do conceito e a análise e problematização das abordagens
pedagógicas que se utilizam para o seu desenvolvimento. Considera-se, quase de forma consensual,
que o pensamento crítico possui três componentes: o conhecimento, as atitudes e as habilidades ou
capacidades; neste âmbito, é um pensamento que permite uma compreensão global, implica
competências sociais e culturais e desenvolvimento intelectual (Cai & Sankaran, 2015).

O pensamento crítico não se aplica de forma particular de acordo com diferentes áreas do
conhecimento, mas, pelo contrário, unifica e transcende essa especificidade. Subjacentes a este
tipo de pensamento encontram-se as outras virtudes, como a integridade, a humildade, a empatia
e a perseverança (Tenreiro-Vieira, 2014).

Na realidade americana a preocupação com o desenvolvimento do pensamento crítico nos estudantes


dá origem a vários programas suplementares ao currículo, que partilham o mesmo princípio. Existe
um conjunto de capacidades específicas do pensamento crítico que podem ser desenvolvidas através
da prática e da sua aplicação em diferentes áreas ou domínios do saber; apresentam, no entanto,
diferenças no modo como a prática é pensada, orientada e programada. Alguns partem de histórias
ou novelas filosóficas como é o caso da FpC; outros centram-se na resolução de problemas, nos
grupos de discussão, etc. (Willingham, 2007; Oyler & Romanelli, 2014).

Os estudos realizados sobre estes programas apresentam, de acordo com Willingham (2007),
problemas metodológicos, nomeadamente no que concerne à FpC. As dificuldades prendem-se com
a falta de rigor e de clareza na avaliação do programa. Algumas pesquisas relatam efeitos positivos

42
do programa nos alunos e nos professores. No entanto, de acordo com o autor citado, o sucesso do
programa depende exclusivamente das capacidades dos professores, designadamente na orientação
das sessões e na forma como conseguem articular os conhecimentos teóricos com a prática. Também
Oyler e Romanelli (2014) referem que as investigações realizadas mostram que os programas são
pouco eficazes e os resultados obtidos no terreno são inconsistentes, pelo que afirmam ser necessário
mais pesquisas que avaliem a eficácia dos diferentes programas e modalidades de ensino.

Willingham (2007) defende que pensamento crítico não é uma habilidade ou capacidade que se
desenvolve através de técnicas ou estratégias específicas criadas para esse efeito. O que a
investigação na área do desenvolvimento cognitivo nos mostra é que a aquisição de determinadas
competências facilita e torna possível o pensamento crítico. Várias investigações (Cai & Sankaran,
2015; Mall-Amiri & Sheikhy, 2014; Temel, 2014; Nargundkar, Samaddar & Mukhopadhyay,
2014; Oyler & Romanelli, 2014; Wei, 2014) revelam que muitas vezes, efetuamos julgamentos,
tomamos decisões ou resolvemos problemas (atividades mentais que tipicamente se atribuem ao
pensamento crítico), sem estarmos a pensar de forma crítica. O pensamento crítico exige tempo,
conhecimentos sobre os assuntos em debate e prática dos mesmos, o que deve acontecer em sala
de aula no tratamento de todos os conteúdos que se vão lecionar.

Ainda segundo Willingham (2007) o desenvolvimento do pensamento crítico deve ser uma
finalidade do currículo escolar e não de um programa paralelo e exterior ao currículo. Os
programas que procuram desenvolver o pensamento crítico apenas exercitam alguns aspetos do
pensar criticamente; não atingem o aprofundamento que interliga e relaciona os diferentes
saberes. Assim, importa não só pensar nos diferentes pontos de vista, mas também encontrar
várias soluções e caminhos possíveis na busca da resolução de uma problemática. Pensar
criticamente exige conhecer previamente os problemas, pois, só assim, é possível encontrar as
soluções que eles exigem. As estratégias do pensamento crítico são abstratas e, neste sentido, é
necessário torna-las explícitas de forma a desenvolver um trabalho neste campo. Necessidade de
repensar o ensino de forma a incorporar este objetivo, o que implica motivar os estudantes através
de estratégias ativas e participadas que se têm mostrado mais eficazes do que o ensino tradicional
(Willingham, 2007; Nargundkar, Samaddar & Mukhopadhyay, 2014).

O professor tem, neste tipo de ensino, um papel central e determinante para o desenvolvimento
dos seus alunos pelo que necessita de desenvolver um perfil crítico e reflexivo para com o seu

43
desempenho docente, agindo de acordo com princípios democráticos e com uma atitude de
curiosidade e de busca incessante pelo conhecimento. Aprender a ensinar é um processo
sistemático e contínuo que exige uma atitude de empenho e envolvimento, com vista a uma
melhoria do próprio desempenho docente e das escolas onde se trabalha (Arends, 1995; Tenreiro-
Vieira, 2014). A finalidade da educação é a responsabilidade social não só pela atual geração
mas, também, pela geração futura - desenvolvimento sustentável.

De acordo com vários autores (Vieira & Tenreiro-Vieira, 2014; Cai & Sankaran, 2015; Mall-
Amiri & Sheikhy, 2014; Temel, 2014), educar para o pensamento crítico implica orientar o
currículo, os conteúdos programáticos, os recursos pedagógicos e educativos, os manuais
escolares e a formação de professores para esta finalidade. Neste tipo de ensino as práticas
pedagógicas também têm de se adequar ao pretendido; no fundo diversificar, planear e criar
ambientes onde se desenvolva o pensamento crítico exige que se aja de forma explícita e
deliberada, de acordo com esta finalidade. O objetivo é não só desenvolver nos estudantes a
capacidade de pensar criticamente, mas também, dotar os professores desta capacidade
(Zangenehvandi, Farahian & Gholami, 2014).

Vários estudos (Cai & Sankaran, 2015; Mall-Amiri & Sheikhy, 2014; Temel, 2014 e
Zangenehvandi, Farahian & Gholami, 2014) referem que o pensamento crítico tem impacto nas
estratégias dos professores e nas dinâmicas de sala de aula. O estudo realizado por
Zangenehvandi, Farahian e Gholami (2014) relata que a autoeficácia e o pensamento crítico têm
um papel determinante no desempenho dos professores em sala de aula e que, quando os
professores utilizam a capacidade de pensar criticamente, estão mais ativos e motivados. Sugere-
se, de acordo com estes resultados, que é importante familiarizar os professores com as vantagens
do pensamento crítico.

Também neste modelo ou movimento se encontram alguns perigos que advêm do facto de os
professores estarem, por vezes, prisioneiros de determinadas crenças e valores que consideram
como verdades inquestionáveis. Analogia com a ideia de Kuhn (2003), que defende, que no
momento da ciência normal, os cientistas, enquanto comunidade, partilham determinadas crenças
e valores que, por vezes, não lhes permitem evoluir no conhecimento. O pensamento crítico
aplica-se a problemas reais e concretos que impulsionam os membros de uma determinada
comunidade de investigação, comunidade essa que partilha valores, normas, crenças e tradições,

44
o que influencia e determina, muitas vezes, aquilo que é dado ou assumido como verdadeiro ou
falso (Castro, 2014; Carvalho, 2014; Willingham, 2007).

Pensar criticamente é uma forma superior do pensar que confere sustentabilidade e


inteligibilidade ao real, tornando-o mais compreensível e enriquecendo a nossa condição
humana. Neste campo do pensamento crítico, a filosofia pode ter um papel preponderante não só
como metodologia ou técnica de raciocínio mas como forma de estar na vida, enquanto atitude
(Lipman, 1995; Brenifier, 2005; France & Gagnon, 2012; Castro, 2014; Carvalho, 2014; Costa,
Fernandes, Soares, Pereira, Amado, Couto, Castro & Teixeira., 2014).

2.2 Educação e Criatividade – Pensamento criativo

A criatividade assume atualmente um lugar de destaque, nomeadamente nos discursos


económicos, políticos, educativos e sociais; mas é no mundo do trabalho que a criatividade tem
vindo a ganhar terreno, como possível empoderamento individual e grupal nas empresas,
organizações e instituições. Como consequência desta imposição, considerada como
imprescindível para sobreviver no mundo competitivo e em permanente transformação, temos
vindo a assistir a um aumento de investigações e trabalhos académicos desenvolvidos nesta área,
que procuram trazer contributos para a definição do conceito à luz da educação, refletindo sobre
as seguintes questões: será a criatividade ensinável? Se sim, como poderemos ensiná-la?

Antes de procurar dar resposta a estas questões é importante refletir sobre o conceito de
criatividade, que desde logo se apresenta complexo e ambíguo. A partir da década de cinquenta, os
trabalhos desenvolvidos neste campo apontam para a importância da personalidade e do
conhecimento, procurando perceber de que forma é possível estimular a criatividade (Jeffrey, Craft,
& Leibling, 2001). Na década de setenta, o debate filosófico em torno do conceito aproxima-o de
imaginação (Elliot, 1971, citado por Jeffrey & Craft, Leibling 2001). A importância do contexto
para o desenvolvimento da criatividade emerge na década de oitenta e verifica-se um consenso
entre os autores, ao considerarem que o ambiente é um fator determinante para o desenvolvimento
da criatividade (Jeffrey & Craft, Leibling 2001, Joubert, 2001; Lucas, 2001; Valquaresma &
Coimbra, 2013; Bachert & Mundin; 2013; Lima & Alencar, 2014).

45
Tendo como finalidade perceber se a criatividade pode ser ensinada e de que forma, explorámos
e analisámos algumas definições do conceito, procurando desvendar aspetos relevantes do seu
significado. Salientamos o caracter de saber, descoberta e inovação que o conceito implica.
Colocamos aqui a ênfase no saber, no conhecimento, uma vez que não pensamos no vazio;
partimos de saberes estabelecidos, pensamos sobre coisas, assuntos e fenómenos que outros já
pensaram, pois é precisamente nesse diálogo entre o que já foi pensado e a necessidade de
repensá-lo que a criatividade pode emergir. É na possibilidade de confrontarmos ideias, de
encontrar novas combinações, no fundo, de misturar o que já conhecemos com o que vamos
descobrindo e conhecendo de novo que podem emergir novos pensamentos e ideias capazes de
transformar a nós próprios e eventualmente também ao mundo em que vivemos (Lipman, 1995;
Boden, 2001; Lucas, 2001; Valquaresma & Coimbra, 2013).

Encontramos, assim, um aspeto fundamental da criatividade que é, de acordo com Lipman (1995)
a capacidade de pensar por nós próprios; destreza que surge quando dialogamos com os outros,
nomeadamente com aqueles que já pensaram ou estão dispostos a pensar connosco, sobre uma
determinada temática que nos inquieta e nos move, defendendo, por um lado, o que acreditamos,
mas também escutando os outros de forma a desenvolver, a acrescentar ou a transformar o que
damos como certo e evidente. Pensar a criatividade, desta forma, é considerá-la do ponto de vista
da sua potencialidade, no sentido em que ser criativo é criar algo de novo, quer essa criação seja
uma ideia ou um objeto concreto; o que nos conduz a Vygotsky (1930, citado por Valquaresma
& Coimbra, 2013). Partindo do conhecido, daquilo que já existe, o homem projeta-se no futuro
criando novas possibilidades para si mesmo e para os outros. Neste âmbito, e de acordo com as
ideias que temos vindo a apresentar, não nos restam dúvidas de que a educação tem um papel
importante a desempenhar no que toca ao desenvolvimento da criatividade. É importante
propiciar condições que a permitam desabrochar e manifestar. O que nos leva a equacionar a
seguinte questão: qual será o papel do professor numa educação que tem como meta o
desenvolvimento do pensamento criativo?

Ao concebermos a criatividade num sentido amplo e dinâmico, que envolve observar, estar
atento, pensar, diversificar e inovar, facilmente percebemos que não é possível encontrar rotinas
ou receitas que nos ensinem a ser professores criativos.

46
A criatividade não se limita ao domínio da arte; ela também é técnica e pode surgir quando
desenvolvemos determinadas atividades ou estratégias. Consideramos que, no caso do ensino,
dominar os conteúdos e as técnicas transmite segurança, autoestima e confiança para, enquanto
professores, sabermos quando abandoná-los ou reinventá-los. De acordo com este raciocínio ser
um professor criativo envolve riscos; é como trabalhar num trapézio sem rede, uma vez que
implica deixar de lado a estruturação mecânica proporcionada por uma aula de pendor
transmissivo, onde o professor é a autoridade máxima, único e exclusivo detentor do saber, para
assumir riscos, perceber que também o professor tem dúvidas, que ninguém sabe tudo (douta
ignorância), e que existem diferentes formas de interpretar e de resolver uma questão ou
problema (Joubert, 2001; Jeffrey, Craft & Leibling, 2001; Lucas, 2001; Boden, 2001; Brenifier,
2005; Bachert & Mundin, 2013).

Ensinar para a criatividade exige experimentar, pelo que é necessário tempo; o que se procura é
ensinar as crianças e não o currículo, encorajar os alunos a acreditarem em si mesmos e nas suas
capacidades, motivando e despertando o seu interesse e curiosidade.

Lucas (2001) apresenta quatro condições para a aprendizagem criativa em contexto escolar que
nos parecem incisivas e imprescindíveis para a nossa análise:

• A necessidade de desafios - aprender com os próprios erros num clima exigente mas de
flexibilidade;
• Eliminar o stress negativo;
• Feedback com qualidade, que ajude a melhorar o desempenho dos alunos e a sua
autoestima;
• Capacidade de viver na e com a incerteza - o professor não detém todas as respostas-
autoaprendizagem permanente.

Um aspeto que também faz parte integrante do ensino criativo é a leitura, enquanto fonte de
inspiração; através dela podemos manter-nos informados, motivados e ampliar os nossos
horizontes. A leitura pode elevar-nos, transformar a nossa forma de ver e agir sobre o mundo
(Craft, Jeffrey, & Leibling, 2001).

Muitas vezes os professores referem que o currículo torna difícil trabalhar deste modo,
funcionando inclusivamente como entrave à criatividade; pensamos que cabe aos professores

47
encontrarem formas de contornar esta situação, tirando vantagem do currículo. Neste percurso
os investigadores podem ter um papel importante ao estudarem e darem a conhecer práticas que
propiciam e desenvolvem a criatividade (Craft, Jeffrey, & Leibling, 2001).

Concebemos aqui o fenómeno criativo numa perspetiva holística (Valquaresma & Coimbra,
2013), pois consideramos que a criatividade só existe na transversalidade dos saberes. O que
significa que todas as disciplinas podem e devem deliberadamente promover o pensamento
criativo, encorajando a aprendizagem através da experiência, aprender a aprender (Boden, 2001).
A criatividade encontra-se em todas as áreas do saber e, em potência em todos os indivíduos;
cabe, assim, aos professores proporcionar ambientes onde as crianças e os jovens tenham a
oportunidade de praticar, de analisar, de brincar e consequentemente, de transformar e inovar de
acordo com as circunstâncias. Os conteúdos programáticos não devem ser apresentados como
estanques e de forma compartimentada; antes devem ser inseridos na complexidade do real, de
forma imaginativa e criativa, numa perspetiva de transversalidade (Bachert & Mundin, 2013).

Nas leituras efetuadas para este subcapítulo, verificámos que os diferentes autores sugerem um
ensino com base na investigação, para o desenvolvimento da criatividade. As abordagens
referidas apresentam, contudo, diferentes sensibilidades e entendimentos do conceito, o que
atribuímos em certa medida às incertezas que o processo criativo naturalmente encerra.

Todos os autores referenciados chamam a atenção para a importância de os professores se


encontrarem sensibilizados para a relevância do seu papel, no que toca ao desenvolvimento da
criatividade. Embora não existam certezas nem garantias de como se pode desenvolver a
criatividade nas escolas e, particularmente, em sala de aula, as investigações que analisámos
apontam para a necessidade de instigar os alunos com desafios e questionamento frequente, a
importância das estratégias com base no diálogo e no debate, a aproximação entre os pais, os
professores e os alunos, a necessidade de prestar atenção e de fazer usos dos saberes que os alunos
transportam consigo, levar os alunos a participar mais. No fundo praticar uma pedagogia de
pendor colaborativo contribui para o desenvolvimento da criatividade nas escolas.

48
2.3 Educar para os valores e desenvolver o sentido de democracia – Pensamento
Ético e de Cuidado

Deve-se orientar os jovens à humanidade no trato com os outros, aos sentimentos


cosmopolitas. Em nossa alma há qualquer coisa que chamamos interesse: 1. Por nós
próprios; 2. Por aqueles que connosco cresceram e, por fim; 3. Pelo bem universal. É
preciso fazer os jovens conhecerem esse interesse, para que eles possam por ele se animar.
Eles devem alegrar-se pelo bem geral, mesmo que não seja vantajoso para a pátria, ou para
si mesmos. (…) É preciso, por fim, orientá-los sobre a necessidade de, todo o dia, examinar
a sua conduta, para que possam fazer uma apreciação do valor da vida, ao seu término
(Kant, 1999, p.107-108).

Neste subcapítulo procuraremos examinar de que forma o pensamento crítico e criativo se


encontram interligados com o desenvolvimento do pensamento ético, nos professores e nos
alunos.

Como referimos anteriormente, o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo nos alunos


exige que o professor detenha, ele mesmo, estas capacidades. Ser um professor crítico implica
estar orientado para pensar e agir de forma fundamentada e esclarecida. Neste sentido a sua ação
é consciente e deliberativa, e advém do conhecimento da complexidade da existência humana.
Educar é desenvolver a capacidade de aprender enquanto sujeitos críticos e reflexivos, o que se
constrói através do questionamento, da análise de problemas, do diálogo numa dinâmica de
reencontro connosco e com os outros, num movimento dialético e relacional (Kienzler, 2001;
Mumford, Waples, Antes, Brown, Connelly, Murphy & Devenport, 2010; Schulz, 2010; Garcia,
2009; Gregory, 2015).

Pensar de forma crítica e criativa encontra-se inevitavelmente imbuída de princípios, regras de


conduta adotadas pelos sujeitos e que espelham uma determinada moral enraizada em princípios
éticos. Assim, a tarefa do professor é ética e moral, pois integra e orienta-se de acordo com
determinados princípios e ideais éticos. Ser professor implica necessariamente assumir
compromissos com a defesa da igualdade de oportunidades, com a autonomia, com uma
liberdade responsável, enfim com uma sociedade democrática. Compromissos que são de ordem
ética e política.

49
Se na verdade o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros
de cima para baixo, sobretudo como se fossemos os portadores da verdade a ser transmitida
aos demais, que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente
o outro fala com ele, mesmo que em certas condições, precise de falar a ele (Freire, 1997b,
p.128).

Atualmente a sociedade caracteriza-se pelos avanços tecnológicos, onde prolifera todo o tipo de
informação (Reis, 2008). Cabe a cada um de nós distinguir os tipos de fontes e simultaneamente
saber utilizar as ferramentas que estão ao nosso dispor; “um dos paradigmas da era industrial é
que o conhecimento é poder. Na era da informação, o conhecimento não é poder. Em vez disso
o conhecimento do conhecimento é poder” (Gadotti & Gutiérrez, 1999, p. 19). O que impõe à
escola novas tarefas e desafios que passam, necessariamente, por estimular e contribuir para o
desenvolvimento social e moral dos seus alunos (Estrela & Caetano, 2012; Mumford et al, 2010).

A ética no ensino ganha especial relevo na década de setenta, verifica-se um esforço para integrar
o ensino da ética nas escolas; no entanto, com a sua proliferação, surgem novos problemas e
assiste-se a uma tendência para separar os conhecimentos teóricos da prática. O interesse pela
ética cresceu exponencialmente na nossa era, especialmente no que diz respeito aos discursos
políticos, económicos, educativos e sociais. No entanto, no campo educativo, apesar de se
reconhecer a sua necessidade na formação de professores, em termos curriculares e práticos
carece de uma maior atenção e desenvolvimento (Saunders & Rennie, 2013; Kienzler, 2001;
Giovacco-Johnson, 2010; Borstner & Gartner 2014; Mumford et al, 2010).

Torna-se, então, fundamental pensar sobre o conceito de ética e como pode ela ser ensinada.
Propomos um entendimento da ética enquanto reflexão crítica sobre as nossas ações, sobre as
normas/regras impostas socialmente, sobre nós próprios e a nossa relação com os outros.
Conceção de ética baseada no encontro com o outro e no respeito, com preocupações de cuidado
e justiça social (Lipman, 1995; Freire, 1996; Estrela & Caetano, 2012; Garcia, 2009; Schulz,
2010; Kienzler, 2001).Neste âmbito, a ética é uma construção reflexiva, moral e crítica que
atravessa todas as áreas disciplinares. De facto, as diferentes disciplinas podem e devem ser
exploradas de forma a oferecerem diferentes razões e significados para o entendimento da ética
e da moral, contribuindo para capacitar as crianças e os jovens para viver e agir no e sobre o
mundo.

50
A ética, assim entendida, não se limita ao exercício de juízos de valor sobre as ações humanas; e
também não é uma forma de aceitar passivamente aquilo que nos é dito ou assumido socialmente
como moralmente correto. O campo ético é investigativo, constrói-se no questionamento, no
diálogo e na procura conjunta por uma sociedade mais justa e igualitária (Lipman, 1995;
Mumford et al, 2010; Freakley & Burgh, 1998; Schulz, 2010; Estrela & Caetano, 2012; Kienzler,
2001; Gregory, 2015; Rowe, 2015).

Vários autores (Garcia, 2009, Estrela & Caetano, 2012, Schulz, 2010, Saunders & Rennie, 2013
e Kienzler, 2001) referem a necessidade de incorporar o ensino da ética na formação inicial e
contínua de professores. O que emerge na urgência de preparar os professores para a interpretação
e análise de políticas e práticas educativas inseridas em contexto. É fundamental proporcionar
oportunidades para que os professores possam refletir, aprofundar e explorar situações concretas;
o uso de dilemas éticos é uma estratégia que tem apresentado resultados positivos no que concerne
ao ensino e aprendizagem da ética (Estrela & Caetano, 2012; Rowe, 2015). As competências dos
professores nesta área são cruciais e podem ser desenvolvidas no confronto com problemas, na
abordagem de dilemas éticos, através de uma consciência de que a ética é fulcral nas nossas vidas
e encontra-se em todas as áreas ou domínios científicos, práticos e existenciais.

Encontramos nos diferentes autores supracitados um consenso no que se refere à forma como a
ética deve ser ensinada. Aposta-se num ensino com base na investigação, análise de situações ou
casos reais com a finalidade de identificar questões; outro aspeto importante é a antevisão de
dilemas éticos. Analisar e problematizar dilemas de forma colaborativa, é uma estratégia
formativa que produz resultados em termos de uma maior consciência profissional e das
preocupações dos docentes com o bem e a justiça. As atividades e os exercícios a desenvolver
no domínio da ética devem conciliar a teoria (conhecimento dos conceito e autores) com a prática
reflexiva, o que implica o diálogo, a deliberação com o outro, no fundo, a prática de uma
cidadania democrática. É importante que o professor saiba ser e agir em concordância, mostrar
através da ação aquilo que realmente é, acredita e defende, ser coerente no discurso teórico e na
prática (Freire, 1996; Garcia, 2009; Estrela & Caetano, 2012).

O ambiente ou clima de aprendizagem deve proporcionar o encontro com o outro, com aquele
que é diferente; o diálogo não é sempre concordância, mas relação, partilha de opiniões em
abertura, propiciando crescimento e enriquecimento mútuo.

51
Ensinar e aprender ética exige envolvimento com os outros e com o mundo, numa atitude de
investigação e permanente descoberta; a proposta é aberta a um desenho emergente onde o
desenvolvimento para o pensamento crítico, a emancipação dos professores, a colaboração e a
descoberta são, em nosso entender, palavras-chaves que devem orientar e organizar todo o
processo de formação. Os estudos sobre ética e valores na profissão docente, que se servem das
estratégias enumeradas, indiciam que os estudantes desenvolvem as suas capacidades nesta área,
construindo uma ética complexa de qualidade e cuidado. A sua atuação passa a basear-se no
reconhecimento e no compromisso com os direitos e oportunidades de todos e para todos. Nesta
linha parece-nos pertinente referir dois estudos de forma mais aprofundada onde estes resultados
são particularmente enfatizados.

O primeiro é da autoria de Freakley e Burgh (1998) e tem por título Values in Education. É um
projeto implementado numa universidade da Austrália, com a finalidade de melhorar a forma
como os alunos, futuros professores, pensam sobre os valores e a ética. A metodologia adotada
é a da comunidade de investigação. Durante um semestre, os alunos envolvidos nesta temática
foram requisitados para avaliar a possível contribuição dos professores e das escolas para
atingirem, no aspeto pessoal e social, uma maior coerência ética e moral. É um estudo que aponta
para a necessidade do diálogo nas aprendizagens dos professores, e para a importância da
cooperação e comunicação. Enfatiza o envolvimento e a eficácia da colocação de questões para
a construção dos conhecimentos. Neste projeto, o grupo tem um papel determinante,
nomeadamente na sua função autocorretiva. Procura-se promover o exercício da reflexão em
grupo e não da crítica pessoal. É atribuído um papel determinante à autorreflexão e à
autoavaliação, bem como ao relacionamento entre os pares em todo o processo.

O segundo estudo é do autor Giovacco-Johnson (2010) e intitulou-se: Kaiser Ethics Project. É


um programa iniciado no curso de introdução à educação de infância, cujo foco incidiu na
natureza da ética na prática das crianças. Os estudantes eram incentivados ao diálogo e à reflexão
sobre questões éticas emergentes da prática e confrontados com novas perspetivas e ideias sobre
a capacidade das crianças e sobre o ensino. Procurou-se fortalecer o seu sentido de
responsabilidade, envolvendo os participantes de forma a desenvolverem um pensamento
autónomo, ético e reflexivo que servisse de base para futuras experiências e aprendizagens. Três
temas emergiram da perspetiva ética apreendida pelos estudantes: sentimento profissional de
cuidar; justiça social; autoconsciência pessoal e profissional.

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Das leituras realizadas sobressai a importância de proporcionar aos professores uma formação
ética orientada para a justiça, para o respeito e para o cuidado. Ensinar e aprender implica cuidado
connosco e com os outros, numa experiência de si, dos outros e do mundo. Neste sentido
privilegia-se um perfil de professor enquanto orientador, guia, alguém dedicado e comprometido
com todos os seus alunos e com cada um em particular. O professor tem neste quadro um papel
ativo, de incitador de questões, mas também de escuta atenta que não se esgota na sala de aula;
o seu ativismo alarga-se à sociedade, na consciência de que os seus exemplos e palavras têm
efeitos e implicações formativas. O professor tem de ser capaz de olhar sobre si mesmo, repensar
as suas ações e atitudes, de ouvir os outros, de transformar, inovar e apreciar as diferentes
contribuições criando um clima de colaboração. Vários estudos entre eles Schulz, (2010), Garcia,
(2009), Estrela e Caetano, (2012), Borstner e Gartner (2014); Connolly, Keller, Leever e White
(2009), Kienzler (2001) referem que as atividades em equipa, o trabalho realizado em
colaboração pelos estudantes conduz a um maior entendimento das questões e dos dilemas éticos,
do raciocínio e do sentido de tolerância.

A moral e o pensamento ético encontram-se enraizados em nós, nas experiências quotidianas e,


como tal, pode desenvolver-se ao longo das nossas vidas, nomeadamente, através da discussão,
do debate, do diálogo, da partilha de argumentos, da análise e problematização de exemplos
concretos, enfim, na criação de um ambiente encorajador do pensamento e do comportamento
ético. De acordo com esta linha de pensamento o professor deve dominar os conhecimentos
correspondentes à sua área de especialização e às áreas de investigação, deliberação e ética
(Kienzler, 2001).

3. Ensino da filosofia – Uma Pedagogia Deliberativa e de Diálogo

O ensino da filosofia prática com crianças e jovens tem vindo a ser utilizado com diferentes
propósitos e finalidades; situação de que daremos conta no próximo capítulo ao apresentarmos
projetos na área, desenvolvidos em Portugal e além-fronteiras. A inserção da prática filosófica
surge, em alguns países, como parte integrante do currículo, numa perspetiva holística e de
transversalidade dos programas escolares. Os princípios e as estratégias que o ensino da filosofia

53
veicula através do diálogo, com base na incerteza que a pergunta inicial instaura, permite-nos
afirmar que a sua metodologia é, em si mesma, um ato de democracia. Viver em sociedade é
aprender a escutar os outros, a respeitar as suas ideias e opiniões, o que apenas acontece se
dialogarmos uns com os outros. Dialogar é abrir novas possibilidades de pensar e de dar
significado às coisas, experienciar o pensamento através da comunicação, do contacto, do
convívio e da partilha; é no fundo, a ferramenta que nos permite educar para um pensar
alternativo e emancipatório (Márquez- Fernández, 2010; Freire, 1970). O ensino da prática da
filosofia é sempre entendido como potencializador dos valores, designadamente no âmbito moral,
social e cultural, expressos na ligação indissolúvel entre o pensamento e a ação, entre o ser e o
pensar que as três dimensões, crítica, criativa e relacional potenciam. Este tipo de pedagogia é
um lugar privilegiado para escutar a voz dos alunos num processo de democracia, autonomia e
liberdade. Vários projetos de filosofia prática têm vindo a ser desenvolvidos com o intuito de
explorar o sentido de democracia, de cidadania e de educação para a paz (Love, 2015; Makaiau,
2015). A par de uma vertente de desenvolvimento cognitivo assistimos, também, em simultâneo,
a um ensino direcionado para a cidadania ativa, que se pretende que resulte de um prolongamento
do debate em comunidade de investigação, iniciado em sala de aula com repercussões na ação
de cada um e de todos na realidade em que vivem.

Nesta linha os trabalhos desenvolvidos com base na voz dos alunos (Fielding, 2001; Mitra, 2004;
Flutter, 2007, Amado, 2007) mostram a importância de ouvir os estudantes e de estes
participarem nas reformas escolares. A prática da filosofia, ao efetivar-se numa abordagem
dialógica, cria oportunidades para que as crianças e os jovens sejam ouvidos. É uma prática onde
os alunos participam ativa e livremente nos assuntos em debate. As classes/ grupo turma ganham
uma dinâmica própria e o processo de empowerment dos alunos estende-se para além da sala de
aula. O diálogo é, nesta perspetiva, o centro do desenvolvimento dos aprendentes. A prática da
filosofia contribui para que as crianças e os jovens se comprometam no seu próprio processo de
ensino aprendizagem e na sociedade em que estão inseridos. Este tipo de compromisso implica
responsabilidade e ação, aprender a pensar, a ser e a julgar tendo em atenção as emoções
individuais e a de todos (Love, 2015).

A proposta de uma pedagogia deliberativa e do diálogo assenta na exploração de questões, de


conceitos, de ideias e conceções de liberdade, cidadania e democracia que se investigam e se
analisam de acordo com uma multiplicidade de abordagens, pontos de vistas e perspetivas

54
culturais diferentes. Abordagem que: “possa produzir novas arqueologias de sentido, novas
gramáticas de significado, outras hermenêuticas de linguagem” (Márquez- Fernández, 2010, p.
12) através da reflexão em colaboração sobre questões complexas. Este tipo de exercício exige
que os indivíduos aprendam a pensar por si mesmos, conheçam as regras e possuam a capacidade
de se envolverem, tomando decisões, efetuando escolhas, com base na escuta atenta do outro, no
respeito pelas diferenças, no assumir de uma atitude de humildade face ao conhecimento e de
pro-atividade agindo de forma responsável e em conformidade com as situações. Esta forma de
trabalhar necessita de ser experimentada e treinada pelo professor na formação, em colaboração
com os seus colegas para que o professor possa adaptar-se, aplicando a prática da filosofia de
acordo com o seu próprio estilo e com os diferentes contextos em que desenvolve o seu trabalho
quotidianamente (Makaiau, 2015; Márquez-Fernández, 2010). Dialogar é estar atento, em
abertura e em busca do conhecimento. Neste processo evita-se ser diretivo, no sentido em que,
não se impõem verdades universais. A discussão implica a participação de diferentes
subjetividades em presença. Dialogar é potencialmente poder pensar de acordo com diversas
mundividências, é estar atento a várias possibilidades, num processo em que se assume o respeito
e um compromisso com a diversidade de culturas. Sempre que participamos num diálogo,
interpretamos o que é dito, formulamos as nossas opiniões de acordo com as nossas crenças e os
valores que cada um traz consigo. O que, implica estar com os outros e, aprender a ocupar o seu
lugar estar presente e verdadeiramente disponível; são condições imprescindíveis a quem deseja
participar neste encontro. Este não é feito apenas de convergências, de ideias que se
complementam; também pressupõe divergência e conflito de opiniões, que em liberdade, cada
participante partilha com os outros e consigo mesmo. Esta relação é dialógica, sinónimo de
participação na elaboração e consolidação de um saber transversal, múltiplo e plural (Márquez-
Fernández, 2010). Esta importância central dada ao diálogo, na prática da filosofia, conhece o
seu expoente máximo com Freire (1967, 1987,1997), designadamente na sua conceção humanista
e libertadora da educação. Apesar de existirem diferenças significativas no modo como Freire
apresenta e defende a sua proposta educativa, inserida numa conceção humanizadora e de luta
pela desigualdade social, e a conceção de Lipman, mais focada no desenvolvimento da
capacidade de pensar, existem, no entanto, aproximações e reflexões que, pelo seu caracter
transformativo e crítico, importa salientar. Em ambos os autores verifica-se a urgência em
substituir um modelo de educação que Lipman (1995) denomina de “paradigma-padrão da
prática normal” (p. 28) e que se caracteriza pela transmissão de conhecimentos. Parte-se do

55
princípio que o professor detém um conhecimento que o aluno desconhece na íntegra; baseia-se
na crença de que o conhecimento é explicável e não é ambíguo. O conhecimento é
compartimentado em disciplinas que no seu conjunto, constituem o que há para conhecer; o
professor é a autoridade num modelo educativo que Freire (1967) designa por “educação
bancária”, considerando que é um modelo onde imperam os conteúdos a “depositar” nos alunos;
trata-se de uma educação que em seu entender, apenas domestica o ser humano e é por essência
“desumanizadora”. Estas características têm muito de semelhante, embora assentem em bases
diferentes de inquietação e reflexão. Lipman (1995) professor universitário nos Estados Unidos
da América preocupado com a falta de raciocínio e de capacidade crítica dos seus alunos, fala-
nos na necessidade de uma educação “reflexiva da prática crítica” (p. 28), enquanto Freire
(1987,1997a) vive intensamente as desigualdades sociais existentes no Brasil. Lipman defende
uma educação pensada para dar resposta a uma lacuna em termos de raciocínio e de pensamento
que constata nos alunos universitários. Para Freire a educação é pensada enquanto prática de
liberdade; o homem é um ser em busca permanente e, neste sentido necessita de se conhecer a si
mesmo, adquirir consciência de si e de ser no mundo, desenvolver uma visão crítica do saber.
Educar é posicionar-se; visão política da educação no sentido de emancipação dos indivíduos.
Homem em ação, “práxis”, sujeito que se modifica a si mesmo e ao real. Para ambos os autores
o educando é antes de mais um ser humano de direitos e um interlocutor válido; neste sentido
não é apenas ele que aprende mas todos aprendem com todos num processo dialógico. Freire dá
um passo em frente, ao considerar que o educador e o educando constroem os conteúdos
programáticos, situação que também está presente em Lipman (1995) quando considera que o
conhecimento se constrói em conjunto, num processo de colaboração. O que no entender de
vários autores, não acontece, devido há existência de manuais que, orientam previamente a ação
dos professores e apresentam determinados conteúdos a serem desenvolvidos de acordo com as
novelas filosóficas (Leal, 2000; Cerletti, 2003; Sofiste, 2010). Uma educação democrática e
verdadeiramente dialógica implica a consulta aos alunos, a escuta da sua voz e a oportunidade
de estes poderem participar nas reformas escolares e na construção do seu próprio currículo. Com
o intuito de ultrapassar esta problemática e contribuir para uma verdadeira democratização do
ensino das práticas filosóficas, o movimento de filosofia com crianças tem ganho novos
contornos como, por exemplo, a proposta de Brenifier (2005, 2011), procurando diversificar a
metodologia e as técnicas de trabalho, dando abertura para uma efetiva participação e
empoderamento dos alunos.

56
Síntese

Descrevemos neste capítulo a filosofia como condição do ser no mundo. Atitude intrínseca e
natural ao ser humano que se interroga e buca pelo sentido das coisas. Existir é questionar,
problematizar, procurar o sentido das nossas origens e da nossa existência. Ensinar filosofia às
crianças só faz sentido se ela servir para as suas vidas, se ajudar a compreender melhor o mundo
onde vivem, se contribuir para o desenvolvimento da sua capacidade de pensar e de se
conhecerem melhor a si mesmos e aos outros. Neste sentido a prática da filosofia é encontro,
diálogo aberto, procura de rigor e esclarecimento no pensar e no agir. É treino de raciocínio, ideia
de que pensar exige exercício, prática do pensamento. Como refere Brenifier (2005), ir ao ginásio
para exercitar o corpo exige persistência e continuidade; o mesmo acontece com a mente, com o
pensamento. Oferecer às crianças instrumentos que as levem a refletir com rigor, clareza,
sistematicidade, autonomia e capacidade de julgar. Ensinar e aprender a praticar filosofia é um
processo lento que se vai desenvolvendo progressivamente através do treino com os outros,
ouvindo o que eles têm para dizer, estando atento ao que acontece, num processo que é
simultaneamente relacional e investigativo. A filosofia é, reconhecidamente, uma atividade que
promove o desenvolvimento do pensamento nas suas diferentes dimensões, conforme se assinala
no programa de filosofia para o 10º e 11º ano. O ensino da filosofia tem como finalidades
“Proporcionar oportunidades favoráveis ao desenvolvimento de um pensamento ético- político
crítico, responsável e socialmente comprometido, contribuindo para a aquisição de competências
dialógicas que predisponham à participação democrática e ao reconhecimento da democracia
como o referente último da vida comunitária, assumindo a igualdade, a justiça e a paz como os
seus princípios legitimadores” (Henrique, Vicente, Barros & Almeida, 2001, p. 8).Reconhecer
estas finalidades não é suficiente para fundamentarmos a necessidade e a pertinência do seu
ensino desde o pré-escolar. Pensar de forma critica, criativa e ética é fundamental não só na
disciplina de filosofia como em todas as disciplinas do currículo. Urge então perguntar de que
forma pode o ensino da filosofia contribuir para o desenvolvimento transversal destas múltiplas
dimensões do pensar, nos professores, nas crianças e nos jovens? De acordo com a análise
efetuada neste capítulo percebemos que não é suficiente saber definir e explorar os conceitos de
pensamento crítico, criativo, e ético para os conseguir aplicar; de facto, saber o que é pensar
criticamente não implica necessariamente pensar de forma crítica; e o mesmo acontece com as
outras dimensões do pensar. As investigações apontam para a necessidade de confrontar com os

57
problemas, de aprender a procurar diferentes soluções em conjunto e praticar na formação de
professores e em sala de aula o debate e a controvérsia com flexibilidade, abertura e respeito
pelos outros como estratégias para desenvolver o pensamento e a capacidade de julgar. O ensino
da filosofia prática na formação de professores pressupõe uma articulação entre a teoria e a
prática e o encontro entre professores de diferentes grupos disciplinares num processo de
investigação, reflexão e partilha conjunta sobre as suas práticas e possibilidades de inovação e
mudança.

Neste capítulo em que explorámos as diferentes dimensões do pensar que se pretendem


desenvolver com o ensino da filosofia prática, verificamos que a análise de uma questão ou
problema exige um posicionamento crítico que não se esgota na opinião; antes procura as raízes
e os fundamentos da problemática em estudo, o que pressupõe o uso da criatividade na procura
de soluções ou caminhos possíveis e o desenvolvimento da capacidade de julgar eticamente as
intenções e as consequências que lhe estão associadas.

De facto, em todas as áreas educativas se levantam questões e problemas que necessitam de ser
tratados utilizando as várias dimensões do pensar. O que a abordagem da prática filosófica propõe
é a vivência dos processos educativos desde tenra idade de forma democrática, em comunidade
de investigação. A experiência, a reflexão, o diálogo, o respeito e a compreensão das diferenças
como enriquecedoras dos grupos em presença. Trata-se de valorizar cada indivíduo, os seus
saberes, fomentando a continuidade entre cada um, a escola, a comunidade e o mundo. Podemos,
então, afirmar que existe uma complementaridade entre pensamento crítico, criativo e ético. São
dimensões do pensamento que a prática da filosofia desenvolve conjuntamente através da
colaboração, da investigação cooperativa, da autonomia apoiada em critérios, onde a
autocorreção e a formação de juízos se vão manifestando e edificando de acordo com cada
contexto. Na comunidade de investigação a ética relacional é parte integrante do processo de
procura conjunta pelo conhecimento, onde a atenção, o cuidado e a escuta atenta do outro são
uma constante.

58
CAPÍTULO III
PROJETOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
DESENVOLVIDOS NO ÂMBITO DA FILOSOFIA COM
CRIANÇAS E JOVENS

Pretendemos apresentar neste capítulo alguns exemplos de investigações desenvolvidas em


Portugal e no estrangeiro no âmbito do programa de filosofia com crianças e jovens, oferecendo
uma perspetiva ampla que abranja informações diversificadas e recolhidas em diferentes locais.
Os estudos que nos vão ocupar partilham o relato de efeitos positivos tanto nos professores como
nos alunos que têm a oportunidade de trabalhar com o programa.

1. Projetos Nacionais no âmbito da filosofia com crianças e jovens

Em Portugal destaca-se o projeto de criatividade e reflexão para a infância Açoriana (CRIA).


Primeiro projeto de investigação de âmbito nacional concebido e desenvolvido numa
Universidade pública, em colaboração com a Direção Regional de Educação e em cooperação
com duas Direções Regionais do Governo dos Açores. É um projeto que nasce no ano de 2006,
com a duração de três anos, obtendo nessa altura o financiamento da Direção Regional da Ciência
e Tecnologia. A sua aplicação ocorreu em sete ilhas do arquipélago Açoriano. Fundamenta-se no
princípio de que é necessário, “pensar bem para bem dizer, bem-fazer e bem agir” (Castro &
Carvalho, 2010, p. 12), fundamental para o desenvolvimento integral das crianças. A finalidade
deste projeto é promover o exercício livre, ético, crítico e criativo do pensamento desde a
infância, preparando as crianças no âmbito da sua formação e na realização da sua personalidade.
As sessões são planificadas previamente com o objetivo de explorar as temáticas filosóficas da
lógica, da ontologia, da política, da ética e da estética, em comunidade de aprendizagem. Cada
sessão tem materiais didáticos próprios, temas específicos e objetivos a serem atingidos. Castro
e Carvalho (2010) utilizam diferentes recursos de acordo com os contextos, alternando novelas
de Lipman, contos infantis, fotografias e quadros, reconfigurando o programa de acordo com o
que consideram mais adequado e eficaz para os alunos em questão. Os dados apresentados pelo

59
projeto CRIA, resultam da transcrição de alguns diálogos que ocorreram nas sessões. A sua
leitura conduz à perceção de que existiu um grande entusiasmo nas crianças e uma
consciencialização crescente da sua capacidade de pensar e de se expressar. No que respeita à
investigação, salienta-se a que tem vindo a ser concretizada por um grupo de professores e
investigadores da Universidade de Aveiro, e que reforça a importância das práticas filosóficas
para o desenvolvimento do pensamento crítico, nas crianças, nos jovens e nos professores
(Vieira, Tenreiro-Vieira, Sá- Chaves & Machado, 2014)

Na Escola Secundária Rocha Peixoto, na Póvoa de Varzim, o grupo de professores de filosofia


desenvolveu o Projeto 11:15, que decorreu no ano de 2011/2012 nas turmas do sétimo ano de
escolaridade. É um projeto que surgiu devido as dificuldades de interpretação de textos, de
argumentação e de reflexão crítica detetadas por estes professores nos seus alunos de filosofia do
ensino secundário, aliadas à necessidade de desenvolver valores orientadores da cidadania
democrática, numa tentativa experimental de articular a teoria com a prática filosófica. O projeto
foi implementado semanalmente nas aulas de formação cívica com a colaboração dos diretores
de turma. Os professores de filosofia desenvolveram as sessões com base em pares pedagógicos
e em regime de rotatividade. Procurava-se utilizar em sala de aula o diálogo investigativo
partindo-se de uma questão ou problema, onde todos pudessem expressar livremente as suas
ideias, ouvissem-se uns aos outros e se autocorrigissem de forma a criar uma comunidade de
investigação. Os dados da investigação realizada sobre este projeto foram recolhidos através da
aplicação de questionários onde se procurou, num primeiro momento, avaliar a opinião dos
alunos sobre as sessões e, num segundo momento, perceber se os alunos desejavam continuar no
projeto no ano seguinte. Os aspetos mais referidos pelos alunos foram: o aumento da autoestima,
a importância de expor os seus pensamentos, de serem ouvidos e valorizados. A nível do
comportamento, referiram a importância do saber estar, saber ouvir e saber respeitar as opiniões
dos outros. Quanto aos professores, estes relataram em entrevistas que o mais complicado e
frustrante foi o pouco tempo destinado a cada sessão, e que o mais gratificante foi sentir que os
alunos se envolveram e gostaram das sessões demonstrando vontade de continuar no projeto.
Destacam ainda o trabalho desenvolvido em equipa e a importância de adequarem os seus
conhecimentos e práticas a uma nova faixa etária. A vontade dos professores e dos alunos em
prosseguir este tipo de trabalho levou à continuidade das sessões e a que a filosofia para crianças
se tornasse uma oferta curricular desta escola no terceiro ciclo (Fernandes & Carvalho, 2012).

60
Na vertente da formação de professores destacamos a investigação-ação levada a cabo por
Machado (2013), no âmbito da sua tese de doutoramento, com cinco professores do primeiro
ciclo e respetivos alunos, com quem desenvolve e põe em prática um programa de formação de
professores em filosofia para crianças e jovens. Os resultados deste estudo exploratório apontam
para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, designadamente no que se refere
às competências reflexivas, criticas e criativas promovidas pelas práticas filosóficas e pela
construção de portfólios reflexivos ao longo da formação. A autora destaca a importância da
formação que se constrói na colaboração e partilha de saberes. Experiências e olhares sobre o
mundo que entram em diálogo, num processo de investigação e descoberta. A alteração e a
inovação, na prática pedagógica destes professores, também são referenciadas por eles, e
fundamentam-se na dinâmica da formação cuja base é a reflexão e o questionamento dos seus
conhecimentos e práticas. O contexto formativo enquanto espaço de intervenção, aberto, flexível
e imprevisível, parece fomentar a autonomia dos professores, levando-os a repensar e, em muitos
casos, a recriar novas estratégias, onde os seus alunos têm um lugar de destaque. A ética
relacional e o cuidado com os outros, foi fomentada e privilegiada nesta formação. Neste sentido,
esta formação de professores alicerça-se nos princípios defendidos pelos modelos de formação
baseados na investigação de matriz reflexiva, crítica e ecológica. Os resultados apontam, ainda,
para a consciencialização dos professores, numa tripla dimensão: saber, saber-fazer e saber ser -
aspetos que a autora e os participantes atribuem à formação em filosofia para crianças.

Outro estudo, realizado no âmbito de uma tese de mestrado (Carrasco, 2012), foi desenvolvido,
no primeiro ciclo, com dezasseis alunos em idades entre os sete e os nove anos, na Escola n.º 3
de Belas, no concelho de Sintra. Tratou-se de um programa de intervenção em filosofia com
crianças, com a carga horária de quarenta e cinco minutos semanais, cuja finalidade era promover
a interdisciplinaridade entre a filosofia e as outras áreas do currículo. A metodologia seguida foi
a investigação-ação e os resultados apontam para uma maior capacidade dos alunos em escutar
os outros e em justificar as suas afirmações. Também se verifica o desenvolvimento da
capacidade de atenção e concentração dos alunos, aliada a uma abertura para mudar de ideias.
Estes alunos ao longo das sessões foram progressivamente capazes de se expressar melhor,
ganhando uma maior disposição para pensar. A investigadora considera que, também ela, ao
aplicar o programa se tornou mais reflexiva e ganhou uma nova visão do seu trabalho e dos seus
alunos (Carrasco, 2012).

61
2. Projetos Internacionais desenvolvidos no âmbito do programa de filosofia com
crianças e jovens

Desde o início da implementação do programa nos Estados Unidos, com Lipman, que existiu
uma preocupação em testar os impactos do programa, especialmente nos alunos, mas também
nos professores. No que se refere aos alunos, Lipman e os seus colaborados desenharam, em
parceria com o departamento educacional de New Jersey, um teste (New Jersey Test of Reasoning
Skills) cujo objetivo era avaliar as capacidades do pensamento (thinking skills) desenvolvidas
com base no programa. Foi, então, conduzida uma primeira investigação em duas escolas no
distrito de Montclair e, mais tarde, um outro estudo envolvendo várias escolas de New Jersey e
milhares de alunos. O método de análise assentou no teste referenciado, especialmente construído
para avaliar as competências cognitivas, especificamente no âmbito da reflexão, e de acordo com
o currículo para os alunos entre os 11 e os 12 anos. Este teste foi desenvolvido para a novela
filosófica criada por Lipman: “A descoberta de Aristóteles Maia”. Trata-se de pesquisas de
natureza quantitativa e tinham como objetivo avaliar o programa. Apresentam resultados
positivos no que concerne a uma melhoria na leitura e na matemática, nas crianças que
frequentaram o programa (Slade, 2014).

Em Inglaterra encontramos vários projetos de implementação do programa nas escolas primárias.


Destacamos aqui um projeto desenvolvido no âmbito da filosofia para crianças baseado em
conceitos como a justiça, a verdade e o bullying. O projeto decorreu durante o ano letivo de 2013
e foi implementado em 48 escolas primárias, num espaço geográfico amplo e diversificado em
Inglaterra, e contou com a participação de mais de 3000 alunos. As escolas apresentavam bastante
diversidade entre si, designadamente no que concerne às desigualdades sociais existentes entre
os alunos. O projeto foi desenvolvido pela fundação Education Endowment, e avaliado por uma
equipa da universidade de Durham. Trata-se de uma adaptação do modelo de Lipman, onde não
se utilizam as novelas filosóficas mas poemas, histórias, documentários, filmes, imagens,
artefactos e fotografias. Mantém-se o desejo de criar uma comunidade de investigação através
de uma sequência organizada de atividades regulares que acontecem em sessões que ocorrem
uma vez por semana. Os professores responsáveis pela aplicação do programa deslocaram-se às
escolas com o apoio e a certificação do IAPC. Os resultados revelaram melhorias significativas
nas classificações escolares dos alunos, designadamente na leitura e na matemática. Os resultados

62
são mais positivos nos alunos em desvantagem económica e social. Os professores referiram que
o sucesso global desta intervenção dependia de incorporar o programa no calendário escolar, de
forma regular e sistemática. Por fim, os professores e os alunos relataram que o programa teve
uma influência positiva na confiança dos alunos para falar, nas suas capacidades de escuta atenta
do outro e na autoestima (Gorard, Siddiqui & See, 2015).

Em França o movimento de filosofia com crianças e jovens inspira-se na proposta de Lipman,


mas cada grupo de trabalho desenvolve as suas próprias teorias e práticas pedagógicas. Existem
várias pesquisas na área que se centram, fundamentalmente, na didática da aprendizagem da
filosofia, na sua conceptualização, problematização e argumentação (Usclat & Daniel, 2012). O
estudo que vamos apresentar enquadra-se num conjunto amplo de pesquisas cuja finalidade é
estudar o ensino e a aprendizagem no contexto da educação prioritária. Trata-se de um projeto
onde se reúne a aprendizagem cooperativa e as práticas filosóficas, entendidas enquanto “ato de
filosofar”. Foi aplicado, numa fase inicial, em duas escola em Montpellier, a crianças entre os
oito e os dez anos de idade, por um período de três anos. A amostra é constituída por 200 alunos
que foram distribuídos por diferentes turmas. As técnicas de recolha de dados foram os
questionários aplicados aos alunos no início e no fim da pesquisa, e entrevistas semi-diretivas,
também efetuadas aos alunos e aos professores das turmas em estudo. Os resultados revelaram
que a aprendizagem cooperativa favorece as práticas filosóficas. As crianças, ao estarem
familiarizadas e habituadas a trabalhar em grupo, de acordo com determinadas regras pré-
estabelecidas, rapidamente se organizam de forma democrática. A aprendizagem cooperativa
funciona como suporte, facilitando e otimizando a discussão em sala de aula. Os resultados
mostraram que as crianças mais velhas foram as que mais beneficiaram da discussão filosófica.
As crianças referem, tanto nos questionários como nas entrevistas, que a participação nas práticas
filosóficas aumentou o seu conhecimento, designadamente ampliando as suas visões do mundo,
possibilitando a aquisição de novos vocabulários e contribuindo para uma consciencialização de
cidadania democrática. Também, no que se refere à violência na escola entre pares, denotam uma
maior propensão para dialogar, considerando que a partilha em comunidade de investigação
contribui para a sua prevenção. Apesar de filosofar não ser prioritário nas preocupações que
revelam ter, de um modo geral estão conscientes que este tipo de práticas os ajuda pensar e a
refletir sobre diferentes assuntos (Connac, 2012).

63
Em Espanha, Itália, Alemanha, Áustria e Israel, desenvolveu-se um projeto em colaboração, para
ser praticado com crianças em risco de exclusão. Intitula-se de projeto para a paz. É um trabalho
desenvolvido com base nas práticas filosóficas e em comunidade de investigação. Foi desenhado,
testado e validado como um novo teste de filosofia para crianças a introduzir no currículo. Foca-
se no envolvimento cosmopolita e no diálogo intercultural. Pretende-se, inicialmente, dar
formação e treino aos professores em filosofia melhorando a sua capacidade de raciocinar e de
se relacionar com as crianças. O objetivo é conseguir impacto nas práticas dos professores. Além
disso, o foco primordial do projeto é a promoção de uma consciência cosmopolita, através de
novas estratégias pedagógicas, de um currículo adequado e de recursos educativos de acordo com
a realidade de cada país. Este projeto assenta na ideia de que é possível contribuir para o
desenvolvimento de uma orientação cosmopolita e do envolvimento dos futuros cidadãos na
construção de uma sociedade mais democrática, através das práticas filosóficas. Para a
intervenção foram construídas oito novelas a serem adaptadas às realidades das crianças de cada
país. Todos os parceiros cooperam entre si no processo de pesquisa previsto no projeto PEACE 1.

No Canadá assistimos a um movimento de aplicação do programa de filosofia para crianças em


larga escala, onde se destaca o trabalho realizado na Universidade de Laval no Québec.
Salientamos no âmbito desse trabalho o programa de prevenção da violência que decorreu em
parceria com o centro de ajuda às vítimas de agressão sexual (La Travesée). O projeto resulta de
um encontro entre a psicologia e a filosofia, e tem como finalidade o desenvolvimento da
capacidade crítica e de julgar, no que concerne à violência. Os princípios do projeto assentam na
filosofia para crianças, de acordo com três níveis de prevenção:

1- Permitir à criança pensar criticamente, desenvolvendo o seu raciocínio. Construir uma


identidade mais sólida, afirmação de si, definir-se a si mesma e aprender a diferenciar-
se do outro.
2- Reconhecer, nomear e refletir sobre as diferentes formas de violência.
3- Desenvolver a cidadania, pensar na criação de um mundo mais harmonioso, através das
práticas filosóficas em comunidade de investigação.

1
Consultar: http://peace.tugraz.at/trainings/

64
O projeto desenvolveu-se de acordo com três fases; a primeira terminou em Maio de 2002, e
consistiu na escrita das novelas e nos respetivos guias de acompanhamento. Procedeu-se também
à validação das novelas, ao longo de um ano escolar (2001/2002), com a sua introdução uma vez
por semana para cada nível. O estudo decorreu no ano letivo de 2001/2002 em duas escolas; o
grupo experimental contou com a participação de 265 crianças e o grupo de controlo com 100
crianças; as suas idades variavam entre os 7 e os 13 anos. Os questionários foram aplicados no
início e no fim do estudo. Os resultados mostram que a filosofia para crianças tem impacto na
autoestima das crianças. As crianças que participaram no projeto demonstraram serem capazes
de encontrar respostas a situações problemáticas complexas através de um processo de
pensamento estruturado e dentro da comunidade de investigação. No entanto, não se registaram
melhorias nas suas capacidades sociais, quando comparadas com o grupo de controlo (Audrain,
Cinq-Mars & Sasseville, 2003).

Na Africa do Sul, um estudo sobre a aplicação do programa de abordagem qualitativa apresenta-


nos resultados do ponto de vista dos professores. A técnica de recolha de dados utilizada consistiu
em entrevistas a onze professores. Os resultados remetem para o potencial do programa, para o
desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e para as mudanças que estes relatam nos
seus estudantes. Consideram que o programa ajuda os seus alunos a usarem a imaginação,
aumenta a sua capacidade de dar opiniões e torna-os mais críticos e mais respeitadores do outro.
Quanto à relação pessoal com o programa, estes professores revelaram dificuldades em refletir
sobre o impacto do programa em termos pessoais; algumas reflexões destes professores vão
surgindo à medida que se sentem mais confortáveis no processo da entrevista. Consideram que
há um desenvolvimento da autoestima nos alunos e que estes começam a ouvir-se mais uns aos
outros, tornam-se mais atentos e aprendem a raciocinar. Quanto ao seu próprio desempenho
consideram que se sentem mais satisfeitos quando trabalham de acordo com a metodologia
proposta no programa. Falam ainda da necessidade de serem acompanhados na implementação
do programa nas escolas. Neste estudo recomenda-se que a filosofia para crianças seja
introduzida no currículo escolar e na formação inicial de professores. Pelo que as recomendações
para futuras investigações prendem-se com a necessidade de mostrar a importância da filosofia
para crianças no currículo e encontrar forma de melhorar as práticas existentes e os métodos de
ensino, mostrando a ligação entre o que os professores esperam dar como profissionais e de que

65
forma se podem integrar as práticas filosóficas e a comunidade de investigação para melhorar as
suas práticas (Roberts, 2006).

No Brasil, o movimento de filosofia para crianças tem-se mantido muito ativo; foram várias as
escolas públicas que adotaram o programa realizando alterações e procurando adaptá-lo a
diferentes realidades, de acordo com o contexto local, na consciência de que o Brasil é um país
de contrastes. No entanto, as escolas privadas são as que mais têm adotado e trabalhado sobre o
programa, tal como acontece em Portugal.

Quem vê no programa de FpC uma forma de acesso mais democrático ao universo do


pensamento e ao desenvolvimento do senso crítico não pode ignorar que a presença da
filosofia nas séries iniciais rompe com a elitização do saber, e o seu acesso desde a escola
pública rompe com a elitização económica do acesso a este saber (Kohan &Wuensch,
2000, p. 78).

De alguma forma parece existir nos professores a ideia de que é mais fácil aplicar o programa
nas escolas privadas, verificando-se um desequilíbrio entre a aplicação em escolas privadas e
escolas públicas.

Alguns autores, referindo-se à realidade da aplicação do programa no Brasil, entre eles Kohan e
Wuench (2000) referem a necessidade de realizar mais investigação sobre os resultados do
programa em sala de aula, considerando que falta realizar um trabalho sistemático de crítica e
reflexão sobre o programa de filosofia para crianças que se tem vindo a desenvolver no Brasil.
Falam, também, da necessidade de colaboração entre as escolas e as universidades,
designadamente na problematização e na reflexão crítica e científica do trabalho já realizado.
Neste âmbito, estes autores consideram que ainda não se conhecem as consequências efetivas do
programa no ensino e na aprendizagem dos alunos, nem no currículo de formação dos
professores, pelo que referem a urgência de se começar a pesquisar neste sentido de forma
organizada, designadamente com professores no ensino superior e em conjunto com as escolas
onde o programa está a ser implementado. Apesar de muito tempo ter passado, desde então,
continuamos a verificar que o programa é alvo de interesse e aplicação, o que se traduz em
diferentes trabalhos e projetos; no entanto, estes continuam muito centrados nos princípios
orientadores da proposta e na discussão dos seus possíveis contributos.

66
O projeto intitulado filosofia na escola foi desenvolvido na universidade de Brasília e apresenta
resultados do ponto de vista dos professores que aplicam o programa. Procura ser um projeto
adaptável aos diferentes contextos e à diversidade de cada escola. Assume que a experimentação
é fundamental no percurso de uma educação direcionada para o pensar. Um dos estudos
realizados no âmbito deste projeto decorreu no ano de 2003 na escola de Planaltina. Esta escola
caracterizava-se, na altura, como tendo frequentes incidentes de violência física, moral e social.
A maior parte das crianças provinha de um ambiente desfavorecido economicamente. Neste
estudo participaram onze professores e todos frequentaram oficinas e cursos de formação na área
da filosofia para crianças. Quanto aos resultados, estes apontam para uma mudança da dinâmica
da escola e do quotidiano dos alunos e professores. Os professores relataram que o projeto
desenvolveu a sua capacidade de se surpreenderem e de conhecerem melhor a infância, o que,
de acordo com as suas opiniões, aconteceu em grande parte devido à oportunidade que o
programa propicia de escutarem as vozes dos alunos. De um modo geral os professores
consideraram que o projeto tem ensinado a questionar, desafiando as suas capacidades e as dos
seus alunos (Montenegro, 2005).

O estudo realizado ao longo de nove anos na escola estatal de Buranda, na Austrália, intitulado
collaborative philosophical inquiry, mostra mudanças no rendimento escolar dos alunos e no seu
comportamento social. Os estudantes tornaram-se mais atentos uns aos outros e mostraram-se
mais dispostos a aceitar os seus erros como processo normal de aprendizagem. Também
começaram a discutir os problemas, á medida que estes vão acontecendo. Fora da sala de aula, a
interação entre os estudantes refletiu o ambiente de cooperação e entreajuda vivido pelo grupo
em comunidade de investigação (Millet & Tapper, 2011). Trata-se de uma escola que ganhou o
prémio de escola do ano em 2003 e em 2005, recebeu o destaque nacional pela melhoria das
práticas escolares (UNESCO, 2007).

Outro estudo na Austrália, em que participaram 143 escolas, divididas em 25 grupos, dois dos
agrupamentos utilizaram as práticas filosóficas em comunidade de investigação e, em ambos,
relatam-se efeitos positivos no que concerne ao envolvimento dos alunos na aprendizagem, na
escuta ativa, registando-se também um aumento do respeito nas relações entre os alunos
(Vaughan, 2008).

67
Síntese

A apresentação feita neste capítulo mostra que o programa de filosofia com crianças e jovens não
se limita à proposta inicial de Lipman, embora ela tenha, sem dúvida, o mérito de ser a primeira
na área, reacendendo a discussão sobre o ensino da filosofia e a sua importância para as crianças.
O que os projetos e estudos mais recentes nos mostram é que a filosofia pode ser aplicada de
várias formas em interdisciplinaridade e de acordo com os interesses e as necessidades das
crianças e os projetos de cada escola. Não se trata de reduzir a filosofia às novelas filosóficas;
elas podem servir de mote, mas, fundamentalmente, o que importa é escutar as crianças, perceber
que elas aprendem muito para além da escola, falar com elas e procurar entende-las enquanto
interolocutores válidos. Quando a criança traz um tema ou problema é necessário agarrá-lo,
começar por aí. Não existem fórmulas em educação; o professor tem que estar presente e acolher
o que a criança traz. É neste sentido que devemos entender o programa de filosofia com crianças
e jovens, não como uma receita, um produto feito e acabado que aplicamos sempre da mesma
forma, como se de um ritual se tratasse, mas como algo em abertura, a necessitar de renovação e
recriação permanente.

Assistimos a um aumento de pesquisas em diferentes locais que estudam o impacto do programa


na vertente cognitiva, afetiva, social e ética, como pudemos constatar na seleção efetuada para
este capítulo. No entanto, a maioria das pesquisas sobre o tema foca-se no impacto do ensino das
competências de pensamento nas crianças, que se traduz numa maior fluência e maior capacidade
de questionamento (Jones 2008; Fonseca, 2012; Millet & Tapper, 2011). Algumas pesquisas
centram-se no desenvolvimento da afetividade nas crianças, designadamente procurando
perceber o impacto das práticas filosóficas na tolerância e no respeito mútuos entre as crianças e
os jovens (Bastos & Cruz, 2010).

Os estudos apresentados neste capítulo mostram que o programa procura desenvolver


capacidades éticas, democráticas e aspetos da personalidade com resultados positivos nos
professores e nos alunos. Nos últimos anos temos vindo a assistir a um aumento das pesquisas
que utilizam métodos qualitativos, aliados aos métodos quantitativos e a um reconhecimento, por
parte de diferentes autores (Roberts, 2006; Moriyón, 2011; Fisher, 2001), da importância de
continuar a investigar de forma aprofundada e crítica o programa e os seus impactos.

68
As pesquisas sobre experiências dos professores, nesta área, têm evidenciado o seu
desenvolvimento pessoal e profissional, nomeadamente no aumento da autoconfiança e da
autoestima. Porém, nesses estudos, são referidas dificuldades, nomeadamente de tempo para
ensinar de acordo com o programa e a manutenção da discussão de pendor filosófico (Roberts,
2006 & Jones 2008). Apesar dos indícios de potenciais benefícios, tanto para as crianças como
para os professores que experimentam trabalhar nesta perspetiva educativa (Rolla, 2004;
UNESCO, 2007), existe uma clara necessidade de investigação para melhor compreensão do
impacto da formação e da incorporação das práticas filosóficas com crianças e adolescentes no
currículo.

69
CAPITULO IV
FORMAÇÃO CONTÍNUA E DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DE PROFESSORES

Neste capítulo procura-se esclarecer o conceito de formação contínua, articulando-o com os


modelos de formação, paradigmas de desenvolvimento humano e racionalidades em que se
enquadram, princípios em que assentam e metodologias de formação para que remetem. De
seguida procede-se a uma revisão dos estudos realizados neste âmbito e da legislação que tem
orientado o desenvolvimento da formação contínua em Portugal, problematizando as diversas
dimensões desta área do conhecimento e da ação. As teorias acerca do desenvolvimento
profissional assentam na ideia de mudança dos indivíduos e das instituições onde trabalham, pelo
que sentimos necessidade de explorar este conceito e a sua pertinência na atualidade. Procurámos
então perceber como se processam essas mudanças? E quais as suas finalidades e fundamentos?
De seguida exploramos o conceito de reflexão e a importância da prática reflexiva na formação
de professores. Pretendemos ainda refletir criticamente sobre o conceito de comunidade de
prática, explorado por diferentes autores, em vários estudos, procurando articulações e
semelhanças entre o conceito de comunidade de investigação proposto por Lipman (1995) e a
sua importância na formação contínua de professores.

1. Conceções e Modelos de Formação

A formação contínua de professores evolui através de políticas públicas de educação e formação


que espelham os conceitos de escola, de ensino e de currículo presentes em cada época (Gomez-
Pèrez, 1992). O que se procura é a melhoria da qualidade de ensino num mundo em permanente
transformação, o que implica uma reavaliação daquilo que se espera do professor, revendo
rigorosamente e de acordo com a prática a sua preparação profissional (Rodrigues, 2006).

A formação docente significa a constituição e o desenvolvimento de um indivíduo, no campo


específico da preparação para a atividade docente. Ela é componente essencial da

70
“aprendizagem dos aspetos do como ensinar e do como se inserir no espaço escolar e na
profissão docente” (Ponte, 1995, p. 13). Esta noção de formação docente centra-se num
processo inacabado, em permanente atualização (Veiga, 2009), o que acontece por meio da
formação contínua, quer em contextos formais de formação estruturada para tal, quer através
das experiências quotidianas em contexto laboral. A formação contínua ocorre em diferentes
momentos, no decurso da carreira profissional e deve ser sempre uma garantia de que cada
professor se encontra preparado criteriosa e adequadamente para exercer de forma autónoma e
responsável a sua profissão (Estrela, 1999). Da análise de diversas definições de formação
contínua, estes autores retiram os seguintes pontos em comum: “trata-se de uma formação que
se segue à formação inicial” e “supõe uma intencionalidade, orientando-se para determinados
fins” (Estrela & Estrela, 2006, p. 74).

A formação contínua de professores enquadra-se nas diferentes atividades formativas


desenvolvidas pelo profissional docente. “É uma formação que acontece ao longo da vida
encerrando um projeto de ação e de transformação. E não há projetos sem opções” (Nóvoa 1995,
p. 31). Este autor reforça ainda a ideia de que a formação implica transformação ou mudança,
nomeadamente quando os indivíduos se apercebem que as suas bases, crenças e atuações são
inadequadas ou insuficientes para dar resposta à realidade. É importante que a formação capacite
os professores para o desempenho da sua profissão, que não se restringe à sala de aula. O seu
trabalho contribui para a criação, o desenvolvimento e a transformação nos processos de gestão,
nos currículos, na dinâmica organizacional, nos projetos educacionais e em outras formas de
trabalho pedagógico que implicam a colaboração. O trabalho colaborativo é assim algo que a
formação deve contemplar. Reitera-se a necessidade de uma formação contextualizada em
consonância e articulação com o trabalho dos professores, das escolas e da comunidade (Marcelo
García, 1999). O que somos resulta do que aprendemos em todas as circunstâncias, em ambientes
de aprendizagem muito diversos. Assim, urge integrar na formação aspetos não formais
relacionando-os com os aspetos formais (Pain, 1990). Explorar as sinergias entre a formação
formal e a não formal na dinâmica da formação com a finalidade de melhorar as práticas e os
seus efeitos (Hortas & Campos, 2014). Na procura por uma definição de formação contínua
verificamos que esta contempla múltiplas perspetivas. De facto, a formação contínua alude a
distintas visões, a sensibilidades ideológicas diversas e a diferentes epistemologias (Estrela &
Estrela, 2006), que se encontram na base de modelos distintos de formação de professores que

71
sofreram mudanças necessárias, de acordo com o período histórico em que se inscrevem. A
literatura no campo da formação de professores é rica em análises reflexivas e críticas sobre as
implicações das diferentes estratégias e modelos de formação no processo de ensino
aprendizagem (e.g. Zeichner, 1993; Alarcão, 2001; Esteves, 2001; Contreras, 2002). Neste
sentido, não iremos apresentar detalhadamente cada modelo, propomos antes uma leitura
conjunta, de reflexão sobre as diferentes correntes do prático reflexivo, dos paradigmas de
desenvolvimento humano em que os modelos assentam, princípios que os orientam, conceções
de professor e metodologias de investigação para que remetem, de acordo com o quadro 1
inspirado em Whitcomb (2010).

Quadro 1 – Quadro comparativo de paradigmas, modelos de formação, conceção de professor e


metodologias utilizadas

Paradigmas de Modelos de Formação Perfil do Paradigmas de Metodologias


desenvolvimento professor investigação na
humano Perspetivas Modelos formação de
teóricas de de professores
formação de práticas
professores de
(Zeichner) formação
(Ferry)

Racionalidade Eficiência Centrado Técnico Positivista Quantitativas


técnica Social nas especialista
aquisições

Racionalidade Personalista Centrado Pessoa que Fenomenológico- Qualitativas


Prática no funciona interpretativo Estudo de
processo integralmente casos
Narrativas
Histórias de
vida

Racionalidade Reconstrucio- Centrado Inovador Socio-critico Qualitativas e


Crítica nismo social na análise Reflexivo Quantitativas
das Investigador Investigação-
situações ação

Assim, na formação de professores, encontram-se estratégias que se desenvolvem no quadro de


uma racionalidade técnica, em que o professor é entendido como técnico especialista, que
desenvolve atividades instrumentais com base em teorias e técnicas científicas (Ferreira & Santos,
2016). A formação assenta em princípios de eficiência, produtividade e neutralidade. Insere-se de
acordo com Behrens (1999) num paradigma conservador e inspira modelos de formação que
valorizam o desenvolvimento de competências e desempenho. Pode inspirar programas de
formação como os designados por Zeichner (1993) de eficiência social, ou o modelo designado

72
por Ferry (1987) por centrado nas aquisições, onde se valorizam os modos de raciocínio próprios
dos conteúdos a lecionar. Na investigação sobre a formação é valorizado o paradigma positivista
cujos critérios são: o rigor, a objetividade, a quantificação e a coerência. Pelo que as metodologias
adotadas são de natureza qualitativa. Na direção oposta à racionalidade técnica desenvolvem-se
estratégias no campo da racionalidade prática, que se integram no que Behrens (1999) designa de
paradigmas inovadores e que são fortemente influenciadas por Dewey (1910), por Habermas
(1996), designadamente pela sua teoria da ação comunicativa, e pelo trabalho de Schön (2000),
Zeichner (1993), Paulo Freire (1967) entre outros. O professor é concebido como a pessoa que
funciona integralmente (Doyle, 1990), com capacidade de refletir, de solucionar problemas e de
desenvolver a criatividade no agir. Baseia-se no princípio da continuidade entre a teoria e a prática,
ao defender que o fazer e o conhecer são inseparáveis. Nesta linha de racionalidade prática
valorizam-se processos de reflexão sobre si, sobre os outros e sobre a sua prática que têm
implicações na construção do conhecimento e da identidade profissional (Santos & Oliveira,
2015). Trata-se de uma abordagem que valoriza aspetos relacionados com a interação humana. A
educação é entendida como um processo de crescimento pessoal, interpessoal e grupal, pelo que
tem por base princípios humanistas. Pode inspirar modelos de formação de professores centrados
no processo (Ferry, 1987) ou o modelo personalista (Zeichner, 1993), que visa desenvolver a
personalidade de cada indivíduo para ser professor tendo por base os seus interesses e necessidades
(Esteves, 2001). No campo da investigação em educação verifica-se uma preocupação em
compreender as intenções e os significados que os seres humanos atribuem às suas ações, na
relação com os outros e nos contextos em que e com quem interagem, pelo que se valoriza o
paradigma fenomenológico-interpretativo e as metodologias utilizadas são de natureza qualitativa.
No campo da racionalidade emancipatória desenvolvem-se outro tipo de estratégias que têm por
base uma visão crítica, reflexiva e transformadora da realidade, que corresponde aos perfis de
professor inovador, reflexivo (Doyle, 1990) e investigador da sua prática (Esteves. 2001). Baseia-
se no princípio da articulação entre a teoria e a prática. A educação deve contribuir para a
transformação social, ou pelo menos contribuir para uma sociedade menos desigual e mais justa:

A teacher for social justice enacts curriculum so that students develop both a critical
social consciousness and the intellectual and practical tools to be agents of change.
Students study the experiences of those who have been marginalized along with
possibilities for liberation. The teacher also ensures that students learn skills and

73
knowledge associated with the most powerful (cultural capital), thereby helping to
promote access to all levels of society (Whitcomb, 2010, p. 598).

Na formação de professores na contemporaneidade identificam-se vários modelos inspirados


nesta perspetiva, como por exemplo: o reconstrucionismo social (Zeichner, 1993) e a perspetiva
crítica (Carr & Kemmis, 1988). No que se refere à investigação em educação valoriza-se a
investigação-ação e as metodologias de natureza qualitativa. Esta abordagem que confere ao
professor a capacidade de investigar é rica em trabalhos de investigação-ação que entre outras
particularidades estabelecem relações entre as instituições de ensino superior e as escolas onde
os professores trabalham.

Os programas e projetos de formação de professores encontram-se em estreita e profunda


articulação com a investigação. De facto, a formação tem constituído um campo privilegiado
onde se ensaiam metodologias e técnicas de investigação, não só para avaliar os seus efeitos mas
também para integrar os seus processos e instrumentos de ação. As ruturas epistemológicas com
o paradigma hipotético-dedutivo fizeram-se sentir de forma mais radical nas ciências sociais e
conduziram, com avanços e recuos, de forma lenta e progressiva, à incorporação de perspetivas
hermenêuticas, fenomenológicas e sociocríticas, substituindo-se o primado do objeto, próprio do
positivismo pelo primado do sujeito (Estrela & Estrela, 2001). No campo educacional, estas
novas perspetivas são também reforçadas pelas diferentes correntes da psicologia que atribuem
ao sujeito um papel ativo na construção do seu conhecimento e desenvolvimento pessoal e vão
ganhando impacto e repercussão na formação de professores com a crescente utilização de
portefólios, histórias de vida, narrativas, investigação-ação e etnografia.

Quando analisamos os modelos de formação de professores percebemos que não existe um


modelo ideal que responda eficazmente aos problemas múltiplos, com diferentes origens e
contornos com que os professores se vão confrontando. De facto nenhuma estratégia educativa
pode ser estruturada e concebida fora do seu contexto, pelo que é imprescindível saber para quem
ela é dirigida, com que objetivos e finalidades, e como vai ser aplicada. Neste âmbito, parece-
nos que os modelos de formação devem ser pensados tendo em conta o individuo professor,
enquanto ser único e integral e a complexidade dos contextos em que atua, com vista a assegurar
a adequação do seu papel na intervenção em qualquer situação educativa, contribuindo assim

74
para o desenvolvimento dos alunos, das escolas e em última instância da sociedade em geral.
Conforme Ralha -Simões (2009, p. 49) refere:

Os diferentes contextos e modos de aprendizagem que são determinados por diversos


fatores, nomeadamente pelas características individuais dos intervenientes, implicam
modos de ensino diferenciados e influenciam também, necessariamente, o grau de
adequação dos modelos de ensino que o professor tem disponíveis para serem utilizados.

É importante que os modelos formativos contribuam para a compreensão e problematização do


real, fomentando estratégias alternativas em que o professor seja incentivado a pensar por si próprio
desenvolvendo uma adequada maturidade pessoal, interpessoal e grupal. Não chega assegurar que
os professores detenham conhecimentos e técnicas, é igualmente importante incentivar processos
em que estes organizem e integrem os seus conhecimentos teóricos e saberes da prática enquanto
pessoas e profissionais. O que implica que a reflexão enquanto estratégia de formação esteja atenta
à racionalização do processo pedagógico, como aliás tem feito, mas se concentre igualmente nas
dimensões éticas e afetivas da profissão (Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2014).

2. Formação contínua de Professores em Portugal- políticas públicas e contributos


da investigação

Vivemos numa sociedade marcada por mudanças e transformações acentuadas, às quais é visível
que as diversas organizações sociais e as políticas públicas manifestam frequentemente
dificuldades em responder atempada e adequadamente. Neste âmbito, a formação ao longo da
vida é uma reconhecida necessidade, que encontra os seus fundamentos numa nova visão do
professor, entendido como profissional que se encontra em permanente desenvolvimento. Este
desenvolvimento refere-se a todas as aprendizagens sejam elas naturais ou planeadas que
contribuem para melhorar o seu desempenho através do questionamento. Pretende-se que seja
um processo onde os professores, em colaboração com os outros, reveem e valorizam o seu papel
como agentes de mudança e como construtores críticos de conhecimentos e de competências
fundamentais ao desempenho da sua profissão (Amiguinho, 1992; Nóvoa, 1995; Day, 2001;

75
Estrela, 2003). Esta visão do desenvolvimento profissional já tem vindo a ser sublinhada há cerca
de três décadas.

Nas décadas de sessenta e setenta, a formação contínua em Portugal era essencialmente entendida
como treino de saberes e de destrezas cuja ocorrência se devia a ações de caráter pontual e de
atualização, ‘reciclagem dos professores’. É a partir de 1986, com a Lei de Bases do Sistema
Educativo (lei nº 46/86), que a formação contínua de professores ganha importância e destaque,
sendo reconhecido o direito à formação a todos os profissionais de educação integrados no
sistema.

A formação contínua deve ser suficientemente diversificada de modo a assegurar o


complemento, aprofundamento e atualização de conhecimentos e de competências
profissionais, bem como possibilitar a mobilidade e a progressão na carreira (cap. IV,
art.º 35).

Assim, alia-se a formação à progressão na carreira, reconhecendo-se a sua importância. Outro


aspeto a assinalar é a atribuição das responsabilidades da formação às instituições de formação
inicial em colaboração com os estabelecimentos escolares onde os professores se encontram a
lecionar. Procura-se então, aliar a teoria e a investigação às necessidades e aos problemas que os
professores sentem na sua prática quotidiana. Os planos de formação contínua deverão ter origem
na escola, devido ao seu posicionamento no centro da ação educativa.

Enquanto entidade formadora de jovens, a instituição de formação inicial deve estimular a


formação contínua, investindo nesta formação com vista a melhorar o ensino, as competências
profissionais e a inovação.

Em 11 de Outubro de 1989 é publicado o Ordenamento Jurídico da Formação de Professores que


reconhece a formação contínua não só como um direito dos professores mas também como um
dever. Pretende-se que a formação contínua passe a integrar a autoformação assentando em
práticas metodológicas que proporcionem a análise crítica, a investigação, a inovação pedagógica
e o envolvimento com a realidade circundante com vista à promoção do desenvolvimento
profissional docente (Ordenamento Jurídico da Formação de Professores, 1989). Também no
Estatuto da Carreira Docente (1990) acentua-se o direito dos professores à formação contínua e
faz-se referência à sua necessidade para progressão na carreira docente (art.6º). Nestes diplomas

76
a formação contínua fica a cargo das instituições de formação inicial, das entidades nacionais,
regionais ou locais, dos docentes, das associações profissionais e científicas ou de vários
estabelecimentos apoiados por um mesmo centro de formação.

O regime da formação contínua de professores sofreu alterações na década de noventa,


nomeadamente com a promulgação de quatro diplomas, dos quais destacamos as modificações
definidas pelo decreto-lei nº 207 (de 2 de Novembro de 1996), onde se reforça a ideia de uma
escola autónoma, mencionando que um dos objetivos fundamentais da formação contínua é “a
aquisição de capacidades, competências e saberes que favoreça uma construção da autonomia
das escolas e dos respetivos projetos educativos” (art.º 3, alínea d). Neste âmbito, salienta-se a
importância do desenvolvimento das práticas pedagógicas na formação dos professores de acordo
com as escolas e os seus projetos. Outro aspeto relevante deste diploma refere-se aos objetivos
que os centros de formação devem perseguir, fazendo um levantamento inicial das necessidades
de formação sentidas tanto pelos professores como pelas escolas. O professor passa assim a ser
entendido não apenas na sua individualidade mas também como uma componente integrante e
integradora da escola. As alterações postuladas neste decreto conduzem a novas preocupações,
assinalando-se em 1997, no Relatório de Atividades do Conselho Científico Pedagógico da
Formação Contínua, modalidades de formação que são consideradas mais adequadas à formação
que se pretende proporcionar, em contexto educativo, a modalidade de estágio, de projeto, de
seminário, de círculo de estudos e de oficina de formação (Estrela, Eliseu, Amaral, Carvalho &
Pereira, 2005). Refere-se ainda, que a formação deve ter como foco primordial as práticas
profissionais. A função do professor não se esgota na sala de aula, ele é um profissional cujo
alcance é a própria escola e a comunidade educativa. “Ou seja, a formação deverá ser dirigida
especificamente, à melhoria do desempenho profissional do professor em qualquer das atividades
que ele exerça no âmbito da missão da escola e da comunidade educativa” (Conselho Científico
Pedagógico da Formação Contínua, 1999).

Esta contextualização é importante porque nos permite perceber que a formação contínua de
professores apenas ganhou impulso e significado em Portugal com a Lei de Bases do Sistema
Educativo (LBSE) de 1986, passando a ser encarada como potenciadora da inovação pedagógica
e de mudanças significativas no âmbito educativo (Benavente, 1992). Também a entrada de
Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) no mesmo ano possibilitou o acesso a
importantes fundos comunitários destinados à formação contínua, designadamente o programa

77
Foco, a partir de 1992. Foi em grande parte devido a estes fundos comunitários que a formação
adquiriu a dimensão e a organização que atualmente se lhe reconhece.

Com o intuito de assegurar a formação contínua, de acordo com as tendências europeias, que
apontam para a complexidade da sociedade atual e a evolução tecnológica, foram criados Centros
de Formação de Associação de Escolas (CFAEs), para além das instituições de ensino superior
existentes (Leite, 2005). Propõe-se a liberdade de iniciativa na formação contínua de professores,
o que origina uma pluralidade de entidades formadoras (CNE, 2013).

A relação entre a formação contínua de professores e a progressão na carreira docente é de


obrigatoriedade. Para progredir, o docente tem de frequentar um número mínimo de horas de
formação acreditada. Este sistema de créditos gerou alguns problemas, nomeadamente a procura
de formação por parte dos docentes apenas com a finalidade de progressão na carreira e não
porque se sentem motivados ou orientados para o desenvolvimento profissional (Santos, 2009).
Tendo em conta esta realidade, procurou-se adequar a formação ao “aperfeiçoamento de
competências científicas e pedagógicas relevantes para o exercício da atividade docente”
(Decreto lei, nº 15/2007 de 19 de Janeiro).

Nesta época, os trabalhos de investigação desenvolvidos sobre a formação contínua em Portugal


contribuíram, de forma fundamentada, não só para o reconhecimento das práticas de formação,
como para a sua problematização à luz do conhecimento internacional e dos princípios
orientadores dos documentos legislativos portugueses (e.g. Esteves, 2001; Nóvoa, 2002; Alarcão,
2001; Estrela, 2001; Estrela et al, 2005; Leite, 2005). Caminho em direção a uma “formação em
contexto” (Leite, 2005) e da importância da reflexividade associada ao ritmo intenso e evolutivo
das sociedades atuais, da afirmação e dignificação da carreira docente (CNE, 2013).

Apesar das mudanças assinaladas e do longo caminho percorrido no que se refere à formação
contínua de professores, muitas vezes assistimos a uma subalternização da formação
relativamente às políticas educativas, que deixam pouca ou nenhuma margem para que se
definam localmente as necessidades e se trabalhe em função delas (Leite, 2005).

Os estudos realizados sobre o impacto da formação contínua de professores em Portugal (e.g.


Estrela, Eliseu, Amaral, Carvalho & Pereira, 2006; Roldão, 2000) têm comprovado que os seus
efeitos têm sido poucos significativos no desenvolvimento profissional dos professores e ainda

78
são menores quando se avaliam esses efeitos nas aprendizagens dos alunos. Flores (2017)
assinala um conjunto de problemas que persistem na formação contínua de professores a que é
necessário e urgente dar resposta, designadamente: a desarticulação entre a teoria e a prática, a
desarticulação entre a universidade e a escola, a prevalência da racionalidade técnica e da lógica
instrumental da formação e a ausência de uma perspetiva sistémica e articulada de formação. De
facto, a literatura nacional e internacional revelam que, em muitos programas de formação, é
atribuída maior ênfase ao conhecimento das disciplinas curriculares e à didática, opção que no
nosso país tem dominado as políticas públicas reguladoras da formação e os seus principais
executantes, designadamente o Conselho Científico Pedagógico de Formação Contínua. Existem,
todavia, outras linhas orientadoras da formação contínua, como as que reforçam a importância
da componente investigativa da formação (Esteves, 2001). Esta linha têm vindo a ganhar maior
credibilidade, nomeadamente em projetos de ligação entre as instituições do ensino superior e as
escolas do ensino básico e secundário. Trata-se de uma formação que assenta numa visão
multidimensional da mesma, ou seja, não descurando as componentes técnica e prática, a
qualidade e a eficácia da formação, tem frequentemente em conta as dimensões ética, social,
cultural e política (Flores, 2017).

Em outras situações verifica-se um reforço da componente investigativa cujo foco é a qualidade


e eficácia da formação, tendo em conta uma dimensão ética, social, cultural e política (Flores,
2017).

Em Portugal, o Projeto IRA (Investigação-Reflexão-Ação), desenvolvido nos anos 90 do século


passado e coordenado por Albano Estrela e Teresa Estrela foi pioneiro nesta abordagem à
formação contínua. Tratou-se de um projeto com múltiplas equipas de investigação, em diversas
escolas de regiões diferentes do país, que agregou investigadores e muitos professores dos
diversos níveis de ensino (da educação pré-escolar ao ensino superior) (Estrela & Estrela, 2001).
Onde se apresenta uma proposta de formação contínua de professores em que se estimula uma
atitude investigativa e questionadora “ que é o garante de uma intervenção fundamentada no real
e, portanto, superadora da tradicional dicotomia entre a teoria e a prática” (p. 12). A investigação
é utilizada como estratégia fundamental de formação contínua de docentes e educadoras com
vista ao seu desenvolvimento profissional fazendo uso de estratégias de investigação sobre
problemáticas e questionamentos que emergem das situações de trabalho. Neste sentido os
autores apresentam os seguintes princípios que devem orientar a formação:

79
Princípio da autonomia- A formação deve promover o exercício permanente de prática e
de reflexão autónoma;
Princípio da realidade- A formação deve basear-se nos problemas e situações
vivenciados pelos professores no seu quotidiano profissional, o que significa que o
processo deve centrar-se nas escolas, nas vivências e na reflexão sobre a prática
profissional;
Princípio da motivação – a formação deve partir de necessidades específicas dos
formandos e desenvolver-se com vista a aquisição/aprofundamento de competências
profissionais numa perspetiva de desenvolvimento integral do sujeito enquanto
profissional;
Princípio da articulação entre a teoria e a prática – a formação deve assentar num
vaivém dialético entre a teoria e a prática, permitindo o avanço do saber e a eficácia da
ação;
Princípio da participação e colaboração - o trabalho deve desenvolver-se em grupo e
assumir a forma de projetos comuns, estruturados, que permitam, a integração progressiva
de projetos diferenciados;
Princípio do contrato aberto - o contrato celebrado livremente entre investigadores e
formandos que é definido inicialmente deve regular, as relações entre os membros do
grupo de formação e deve ser redefinido em momentos-chave do processo, permitindo a
avaliação/regulação do processo e a tomada de consciência das formas e graus de
participação de cada participante;
Princípio do isomorfismo – deve procurar-se um isomorfismo entre a investigação sobre
a formação e a investigação-ação desenvolvida pelos professores em formação.

3. Novos desafios ao Desenvolvimento Profissional dos Professores

Atualmente os professores confrontam-se com um conjunto de mudanças, que refletem a


ideologia dominante, em cada legislatura, que criam tensões, resistências, incertezas no
quotidiano das escolas. No entanto, esta realidade diversa tem sido atravessada, ao longo das

80
últimas duas décadas por uma visão mercantilista da educação, em que os professores são
chamados continuamente a prestação de contas, são sobrecarregados com trabalho burocrático,
o que deixa pouco tempo e espaço para se concentrarem no trabalho efetivo com os seus alunos,
apesar destes constrangimentos, algumas escolas têm vindo a trabalhar num registo cada vez
mais autónomo, o que implica envolvimento, responsabilização e participação ativa dos
professores que são chamados a desempenhar novos papeis, o que se traduz num duplo desafio:
repensar a escola enquanto local de trabalho e a si mesmo enquanto pessoa e profissional (Freire,
Bahia, Estrela & Amaral, 2014).

Hargreaves e Fullan (1992) constataram, já há 26 anos, que nas diferentes reformas educativas o
professor não é entendido na sua dimensão pessoal, nem as instituições de ensino enquanto
organizações sociais, pelo que defendem o envolvimento dos professores e das escolas nos
processos de mudança que as reformas perspetivam e até na definição das próprias mudanças, ou
seja na definição e na construção das reformas. Esta visão do professor e das organizações
escolares, na qual o envolvimento e a participação ativa e interativa são cruciais para o efetivo
sucesso das mudanças no sistema educativo, também se deveria refletir na formação de
professores, como igualmente argumentam estes autores:

É primordial que os professores não sejam mais vistos como indivíduos em formação
nem como executores, mas como atores plenos de um sistema que eles devem contribuir
para transformar, no qual devem engajar-se ativamente, mobilizando o máximo de
competências a curto ou médio prazo.
(Perrenoud, Thurler, Macedo, Machado & Allessandrini, 2007, p. 90)

O desenvolvimento profissional acontece em contextos concretos e tem por base as experiências


vividas na escola. Cabe às escolas e aos docentes avaliar as suas necessidades, crenças e práticas,
decidindo qual o modelo de desenvolvimento profissional que consideram ser mais adequado e
benéfico à concretização dos seus objetivos, tendo sempre como finalidade a aprendizagem dos
professores e dos alunos (Marcelo, 2009). Neste sentido, o desenvolvimento profissional é
entendido como um processo contínuo de aprendizagens que se encontra intimamente
relacionado com o desenvolvimento dos alunos, com a escola e com a comunidade envolvente
(Morais & Medeiros, 2007). Trata-se de perceber o desenvolvimento profissional docente
enraizado em comunidades de aprendizagem onde todos aprendem. Neste quadro, trata-se de

81
promover a integração da dimensão profissional e da dimensão institucional local e global, o que
implica uma autonomia da escola através da gestão democrática e participada (Marcelo García,
1999). Também o desenvolvimento de investigação colaborativa e cooperativa (onde as
instituições, os seus diferentes atores e parceiros se envolvam e trabalhem em conjunto) é um
aspeto imprescindível (Veiga Simão, Caetano & Freire, 2007). A investigação nesta área tem
dado um contributo importante para o conhecimento e a problematização das práticas e dos
modelos de formação, apontando para a necessidade de mudanças nas práticas quer dos
formadores quer dos professores e da procura de sentido das mesmas, através da reflexão e da
investigação-ação. Trabalhar em comunidade, onde os professores participem ativamente nas
decisões locais, investiguem a própria prática, desenvolvam redes e parcerias e ponham em
campo projetos centrados no ensino e na aprendizagem são fatores de mudança nas atitudes dos
professores e contribuem para uma melhoria na qualidade do ensino (Reis & Morgado, 2007;
Veiga Simão, Caetano & Freire, 2007).

Nóvoa (2002) defende que os processos de formação de professores podem ter um papel
relevante na construção de uma “nova” personalidade docente, o que implica uma cultura
profissional e organizacional. Assim, urge um novo olhar sobre o papel do professor,
entendendo-o enquanto pessoa, nas necessárias interações entre a dimensão pessoal e a dimensão
profissional. Já há mais de duas décadas Nóvoa chamava a atenção para esta problemática, ao
afirmar:

A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento pessoal


confundindo “formar” e “formar-se”, não compreendendo que a lógica da atividade
educativa nem sempre coincide com as dinâmicas próprias da formação (Nóvoa, 1995
p. 24).

Assim é necessário perspetivar uma formação de professores onde pensamento e ação se


desenvolvem mutuamente e de forma imbrincada, onde se tem em conta os problemas e as
necessidades dos professores enquanto indivíduos, fomentando-se o conhecimento de si próprios
(Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012), da sua prática docente, da cultura de escola e das
comunidades em que esta se inscreve. É importante que o desenvolvimento profissional se
perspetive de acordo com as necessidades contemporâneas e futuras do atual sistema de ensino,
valorizando as apetências reflexivas dos professores, de acordo com uma prática de

82
questionamento cuja base é a investigação em sala de aula e a finalidade é a melhoria do
desempenho dos professores e o sucesso dos alunos (Day, 2001). Este autor defende assim, o
desenvolvimento profissional como uma visão mais abrangente da aprendizagem profissional. É
através da revisão e valorização do papel do professor, enquanto profissional e agente de
mudança, capaz de uma atitude crítica face ao conhecimento e às suas competências, que este vai
progredindo e evoluindo ao longo da sua vida. A aprendizagem é mais eficaz quando deriva da
articulação entre as experiências e os conhecimentos previamente adquiridos (Marcelo, 2009).

Outro aspeto a destacar na evolução do conhecimento e da prática docente é a renovação e


reinterpretação do conceito de relação pedagógica (Postic, 2007). Na senda das perspéticas
humanistas emergentes na primeira metade do século XX, os professores situam-se cada vez
mais numa relação baseada na proximidade entre professor e alunos, no exercício da descoberta
e em relações de cooperação, o que exige novas e múltiplas competências pessoais, interpessoais
e didáticas ao professores e também aos formadores (Freire, 2011); nomeadamente a partilha e a
convivência entre os professores e os alunos; o tomar consciência das responsabilidades e das
exigências da sociedade contemporânea; a participação ativa na elaboração e na aplicação do
currículo; o compromisso com princípios democráticos; pensar de forma autónoma,
fundamentada e deliberativa; envolver-se em processos investigativos, aprender a trabalhar em
rede e a desenvolver parcerias. O professor é então entendido como um construtor de
conhecimento e agente de mudanças (Reis & Morgado, 2007; Marcelo García, 1999; Morais &
Medeiros, 2007; Perrenoud, 1999; Estrela et al. 2006). No entanto, a mudança só acontece
quando o professor deseja mudar (Amiguinho, 1992; Nóvoa, 1995; Estrela, 2003; Flores, 2000)
e colabora com os seus colegas de forma ativa (Day, 2001), o que requer o desenvolvimento de
uma cultura de colaboração, comprometida com a mudança no sentido de uma maior qualidade
do trabalho nas organizações escolares.

O desenvolvimento profissional docente é um processo que decorre de experiências de índole


diferenciada, tanto formais como informais, num contexto organizacional, curricular, social e
cultural. O ensino é uma atividade prática e deliberativa que inclui não só as situações interativas,
mas também “pré-ativas (planificações) e pós-ativas (reflexão) ” (Marcelo García, 1999, p. 144).
Neste sentido, a formação de professores deve ser pensada em conjunto com os docentes, num
processo crítico, investigativo e de compromisso onde se assegure a continuidade no que se refere
ao acompanhamento dos alunos.

83
O desenvolvimento profissional dos professores encontra-se em estreita ligação com o
desenvolvimento das organizações escolares, onde as questões das lideranças são fulcrais;
processos que valorizem a negociação e a participação, ou seja, uma liderança democrática que,
como já foi demonstrado por muitos estudos desde os anos 50 do século passado, favorecem a
aprendizagem, as boas relações humanas e, por isso, fazem das organizações escolares locais de
maior bem-estar e com sentido coletivo de projeto.

Os desafios que a sociedade contemporânea coloca à educação e à formação exigem que se


repense o desenvolvimento profissional num contexto vasto e complexo, o que implica que a
formação inclua a componente prática, deliberativa e reflexiva de pendor ético, ecológico e
crítico. Os professores, como todos os adultos, são seres autónomos com capacidade de evoluir
através da autoformação (Loss, 2017), em que desenvolvam a capacidade de avaliação,
organização e regulação do seu próprio conhecimento e da sua prática docente. Nesta perspetiva,
vários autores defendem a importância de os professores adquirirem competências
metacognitivas o que acontece por exemplo, através da escrita, da análise de biografias
profissionais e da construção e utilização de portefólios reflexivos (Reis & Morgado, 2007;
Marcelo García, 1999; Morais & Medeiros, 2007; Loss, 2017).

Para além das componentes pessoais (motivação, crenças, necessidades, desejos, emoções, etc.),
interpessoais (colaboração, participação, sentido de projeto, etc.) e contextuais, a aprendizagem
e o desenvolvimento dos professores exige naturalmente tempo, como alguns autores vêm
sublinhando, nomeadamente Nóvoa (1995) quando afirma: “que é preciso tempo para acomodar
as inovações e as mudanças, para refazer as identidades” (p.26).

A necessidade de mudança espelha-se em diferentes dimensões da vida dos professores nos


domínios psicológicos, sociais, comunitários, económicos, culturais, tecnológicos, científicos,
éticos e institucionais e, neste sentido, impõe-se o assumir de um compromisso conjunto, pelos
professores, pelos alunos, pela escola e pela comunidade no sentido da inovação e da mudança
(Oliveira & Correia, 2013; Leite & Fernandes, 2010; Messina, 2001). À luz de uma abordagem
ecológica do desenvolvimento humano, os processos de mudança comportam três níveis de
participação: os processos de aprendizagem dos sujeitos enquanto agentes de mudança (nível
micro); o envolvimento da escola, das comunidades e das autoridades locais (nível meso) e, por
fim, a sociedade em geral, designadamente as estruturas públicas e as políticas nacionais e

84
internacionais (nível macro). Todos estes níveis sistémicos estão em interação constante e
influenciam-se mutuamente e maior do que a influência de cada um deles de per si sobre o
desenvolvimento dos indivíduos é a influência das relações que se estabelecem entre eles. Ao
que acresce o cronossistema (influência do tempo sobre o desenvolvimento de todos os sistemas
e dos indivíduos que deles fazem parte) (Bronfenbrenner, 1996).

As questões relacionadas com a mudança encontram-se em estrita articulação com a necessidade


de inovação e com as reformas educativas. Nos países mais desenvolvidos, os anos 60 e 70 foram
marcados por propostas de inovação definidas e estabelecidas fora da escola com a finalidade de
serem aplicadas na escola e pelos professores. Na década de oitenta constata-se um pouco por
todo o mundo ocidental que as reformas estavam longe de atingir os seus objetivos, o que conduz
à conclusão de que a mudança não pode ser imposta de fora para dentro, mudar implica um
processo que não ocorre por decreto. Esta situação conduziu a novas políticas descentralizadoras,
que vão progressivamente dando mais autonomia às escolas quer em termos de gestão e
administração, em termos curriculares e mesmo de formação de professores (Marcelo Garcia,
1999). A tónica passa então a estar nas organizações. Reconhece-se a necessidade de procurar
respostas para a resolução de problemas que os professores enfrentam no quotidiano profissional
e de proporcionar alternativas às práticas pedagógicas habituais. A formação ganha um lugar de
destaque, designadamente quando promove a pesquisa e a construção de conhecimentos em
conjunto, concebendo alternativas ao pensamento e práticas dos professores (Caetano, 2004;
Bolivar, 2014). Estamos assim perante uma conceção da escola como organização que aprende
e evolui e que possui em si mesma a potencialidade de se auto transformar, em articulação com
as comunidades em que se inscreve, designadamente no quadro de parcerias de investigação-
formação entre as escolas e as instituições do ensino superior (Oliveira & Correia, 2013; Leite &
Fernandes, 2010; Messina, 2001). Se o professor é central e decisivo nos processos de mudança
significa que as suas competências e os seus saberes, bem como o contexto onde a mudança
ocorre são determinantes para o sucesso ou fracasso dessa mudança. Mudar é sempre um desafio
e se, por um lado pode provocar expectativa e entusiasmo, por outro causa medo, apreensão,
insegurança gerando resistência à mudança, como referem alguns autores (e.g. Caetano, 2004;
Oliveira & Correia, 2013). Destacam-se então como condicionantes à mudança as perceções,
conceções e atitudes dos professores, por um lado, e por outro o contexto onde se introduzem as
mudanças, designadamente quando os professores se confrontam com escassez de recursos, falta

85
de eficácia ao nível das lideranças, problemas na gestão de tempo e necessidades de formação
que não são atendidas (Leite & Fernandes, 2010; Kirkland & Sutch, 2009). Assim, a cultura das
escolas tem uma influência própria no desenvolvimento profissional dos professores e ambos são
determinantes nos processos de mudança.

Atualmente e ao longo da história da humanidade assistimos a fenómenos que nos demonstram


que a mudança nem sempre é para melhor, pelo que importa pensar sobre o que deve ser mudado,
com que bases e finalidades e de que forma se pode dar suporte e apoio aos processos de
mudança. Na investigação sobre mudança educativa o conhecimento dos professores é uma área
de investigação que se tem vindo a desenvolver e a aprofundar com base numa multiplicidade de
abordagens e metodologias de recolha de informação como: os estudos de caso, autobiográficos,
narrativas, investigação-ação, entre outros, que têm contribuído para a recriação/reinvenção de
metodologias, materiais e estratégias de ensino/ aprendizagem e para o reconhecimento da
importância da prática, dos saberes adquiridos através da experiência, para a construção do
conhecimento profissional dos professores (Darling-Hammond & Bransford, 2005).
Reconhecimento de que os professores formulam teorias com base no saber académico e
científico, em articulação com as suas experiências profissionais, saberes que cada um constrói
e que podem ser teorias implícitas, convicções ou crenças, que determinam o seu desempenho,
bem como o modo como estes encaram e protagonizam ou não determinadas mudanças (Borges,
2014; Cirne, 2017; Messina 2001; Esteves 2009). Vários autores têm procurado caracterizar o
conhecimento dos professores (Connelly & Clandinin, 1986, Shulman, 1996, Eraut, 1988)
distinguindo conteúdos e formas de conhecimento que englobam vários tipos de saber, como por
exemplo, saberes disciplinares, pedagógicos, contextuais, curriculares, conhecimento prático
pessoal, entre outros. Percebemos então que a atividade profissional docente se apoia num vasto
e complexo conjunto de conhecimentos, que nem sempre são explícitos ou verbalizados, mas são
eles que dão consistência e legitimidade à prática pedagógica dos professores (Caetano, 2004;
Malderez & Wedell, 2007; Borges, 2014). Assim, a aprendizagem dos professores acontece em
diferentes níveis e encontra-se ligada a aspetos afetivos e motivacionais (Korthagen, 2017;
Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012). Logo a pessoa do professor, o que ele é, o que deseja ser,
como se perspetiva em termos profissionais, são aspetos que influenciam as suas aprendizagens,
bem como o seu modo de ensinar. Para que a mudança ocorra e contribua para melhorar a escola
é preciso que o professor, enquanto ser único, que possui os seus próprios valores, estilos de

86
ensinar e emoções tenha um lugar central nos planos de formação, o que Korthagen (2017)
denomina de professional development 3.0. Nesta linha de raciocínio, pensar a formação de
professores para a mudança é necessário e imprescindível. A investigação tem vindo a
demonstrar a importância de uma formação centrada na reflexão na, sobre e para a ação, onde
cada um deve ser tido em conta, participando ativamente no processo de construção e de
consolidação da formação, que é então pensada e concebida de acordo com as suas preocupações,
forças pessoais e missão no contexto do seu local de trabalho (Korthagen, 2017). É necessário
que na formação de professores seja possível transitar do entendimento intelectual e mais abstrato
da teoria, para a sua aplicação prática; o que implica entender a prática profissional como
dimensão formativa e de produção de conhecimentos e saberes. Neste contexto, é fundamental
aprender a trabalhar em condições de incerteza, desenvolvendo a capacidade para assumir riscos
e dar respostas na imprevisibilidade que caracteriza os fenómenos educativos:

O inesperado surpreende-nos. Porque nos instalámos com demasiada segurança nas


nossas teorias e nas nossas ideias e estas não têm nenhuma estrutura para acolher o novo.
Ora o novo brota sem cessar. Nunca podemos prever como se apresentará, mas devemos
contar com a sua chegada, quer dizer contar com o inesperado (…). E, uma vez chegado
o inesperado, é necessário ser capaz de rever as nossas teorias e ideias em vez de fazer
entrar pela força o facto novo na teoria verdadeiramente incapaz de o acolher (Morin,
2002, p. 35).

O que pressupõe que os professores desenvolvam competências para trabalhar em grupo,


aprendendo uns com os outros, criando novos modos de saber ser e saber fazer numa comunidade
de aprendizagem (Messina, 2001; Darling-Hammond & Bransford, 2005; Borges, 2014; Freire,
Bahia, Estrela & Amaral, 2014).

4. A Prática reflexiva na formação de professores

Encontramos na literatura várias referências ao professor reflexivo e ao valor da prática reflexiva


na formação de professores. O movimento nacional e internacional que tem vindo a desenvolver-

87
se no campo da formação de professores sobre a reflexão, pode ser analisado como uma resposta
crítica à visão do professor enquanto “técnico”, e contra políticas educativas impostas em lógicas
top/down, onde os professores são executores passivos do currículo (Zeichner, 2008). O
movimento da prática reflexiva reconhece o professor enquanto profissional autónomo, com um
papel ativo na formulação dos objetivos e finalidades do seu trabalho e nas reformas escolares.
Também defende que não são apenas as universidades que produzem novos conhecimentos, mas
que os professores também podem e devem colaborar neste processo. Têm surgido diferentes
olhares sobre o conceito que têm criado alguma dispersão em termos concetuais e que têm
minado o potencial da “reflexão”, pelo que vários autores defendem a necessidade de clarificação
do conceito, intenções, implementação e suas vantagens (e.g. Zeichner, 2008; Laboskey, 2010).

Dewey (1910) apresenta a primeira concetualização, em que a reflexão é entendida como:

1. Processo permanente de significação, que move o aprendente de uma experiência para


o profundo entendimento das suas relações em conexão com outras experiências e
ideias. É a reflexão que torna possível a continuidade da aprendizagem, assegurando o
progresso do indivíduo e em última instância da sociedade. É um meio essencial para se
alcançar um fim moral;
2. Processo de pensamento rigoroso, sistemático, metódico que se baseia na investigação
científica;
3. Acontece necessariamente em comunidade, em interação com os outros;
4. Requer atitudes que valorizam o crescimento intelectual de nós próprios e dos outros.

Neste sentido a prática reflexiva implica o envolvimento dos professores numa abertura que lhes
permita a humildade para compreender que, face a uma determinada problemática, podem existir
diferentes alternativas ou soluções e que, no seu percurso, também se podem verificar erros ou
enganos (Dewey, 1938). Só assim os professores podem ser cada vez mais responsáveis e críticos.
A verdadeira prática reflexiva acontece quando nos deparamos com problemas reais que a todo o
custo procuramos resolver, investigando com o objetivo de procurar a sua solução (Sofiste, 2010).

Pimenta (2008), inspirado em Schön (2000), considera que a formação profissional dos
professores deve assentar numa “valorização da prática profissional como momento de
construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o

88
reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os diversos profissionais se
deparam no ato” (p.19). Verifica-se uma valorização da prática enquanto esta pode propiciar
respostas aos problemas vividos pelos professores no seu quotidiano. Para Schön (2000), é
imprescindível que o professor, enquanto profissional, possua uma formação reflexiva cujas
bases são as seguintes:

• Através da experiência, das nossas ações, adquirimos determinados conhecimentos, o


que corresponde ao conhecer na ação. Trata-se de conhecimentos espontâneos, que
escapam à programação, mas que servem para resolver problemas diários;
• Através do pensamento que ocorre na ação e que permite intervir de forma esclarecida,
mudando o rumo dos acontecimentos -reflexão na ação. Trata-se de aprender fazendo.
O nosso pensamento é útil para transformar o que fazemos.
• Por vezes, ocorrem situações estranhas, inusitadas, o que conduz a refletir sobre a ação.
Neste caso, verifica-se um distanciamento do professor face à ação para refletir sobre
ela, analisá-la;
• O professor procura compreender as razões ou os motivos que o levaram a tomar certas
decisões- reflexão sobre a reflexão na ação.

O modelo do professor reflexivo, defendido por Schön, constitui-se como um desafio a todos os
professores, no sentido de identificarem e reconhecerem as suas crenças acerca do ensino e da
aprendizagem, clarificando-as, desenvolvendo-as, reformulando-as de forma a atuarem de
acordo com uma nova visão no contexto específico da sua prática.

A partir dos anos cinquenta do século passado nota-se nos Estados Unidos da América um
movimento crescente de investigação-ação, que mais tarde se espalha pela Austrália, Inglaterra
e outros países (Whitcomb, 2010). Estas iniciativas caracterizaram-se pelo uso de estratégias de
investigação com vista à mudança social. No início, nos Estados Unidos a investigação realizada
pelos professores encontra-se relacionada com as ideias de reflexão de Schön (2000), que assume
a reflexão dos professores sobre as suas práticas e a integração da observação nas suas teorias
emergentes sobre ensinar e aprender. Esta forma de investigar coloca mais enfase no
desenvolvimento profissional dos professores do que na construção de teorias. Neste campo as
narrativas tem tido um papel fundamental designadamente na construção de conhecimento; no
desenvolvimento de capacidades e atitudes; contribuindo para o desenvolvimento profissional

89
docente (Galvão, 2005; Preskill & Jacobvitz, 2001; Roldão, 1995). Muitas pesquisas envolvem
trabalho de campo que visa a melhoria da educação nas escolas. A ideia base é a de que cada
equipa compartilha e negoceia o planeamento, o processo de implementação, análise e relato da
pesquisa. Muitas vezes estas equipas são compostas por professores universitários, educadores,
professores do ensino básico e secundário, investigadores, entre outros. Atualmente esta
abordagem tem evoluído para muitas formas de investigação-ação colaborativa (Cochran-Smith
e Lytle, 1993).

Apesar de a literatura ser vasta no que se refere aos modelos de reflexão, designadamente quanto
ao seu propósito, conteúdo e significado, verifica-se que existe pouca investigação sobre a
formação de professores para ensinar competências do pensar. No programa proposto por
Lipman (1995) encontramos indicações para a metodologia do ensino que o professor deve
aplicar junto dos seus alunos, mas são poucas as informações para uma conceção ou metodologia
da formação de professores para ensinarem a pensar. É exatamente devido a esta lacuna que
pensamos ser fundamental refletir sobre o que se entende por professor reflexivo e como se pode
desenvolver esta capacidade nos professores.

Normalmente as pessoas refletem sobre as suas experiências; os professores tendem a refletir


com o intuito de encontrar uma solução rápida para um problema que sentem existir na sua
prática. Em certos casos os professores desenvolvem, de forma inconsciente, soluções
estandardizadas para os problemas que experienciam (Korthagen & Vasalos, 2005). Neste
âmbito, a reflexão dos professores centra-se normalmente no ambiente, no comportamento e nas
competências; é necessário que o processo de reflexão atinja um grau mais profundo onde esteja
presente a procura do significado da nossa existência no mundo, da nossa missão. Os aspetos
afetivos do comportamento humano e da aprendizagem têm de receber uma atenção no processo
reflexivo. A investigação tem vindo a salientar que as crenças dos professores influenciam a sua
vida emocional bem como a sua relação com o desempenho profissional. Assim, as emoções
influenciam a formação de novas crenças, podendo modificar ou até mesmo alterar o impacto
das crenças existentes. Neste sentido a formação reflexiva, ao contemplar a dimensão afetiva de
auto conhecimento e de literacia emocional tem um papel preponderante no processo de desvelar
determinadas crenças (Freire, Bahia, Estrela e Amaral, 2012).

90
O processo de reflexão é, para Korthagen e Vasalos (2005), um processo que deve ser terapêutico
e cuja base é a psicologia positiva. A reflexão deve apoiar-se nas forças das pessoas e não nas
suas deficiências ou fraquezas. Estes autores defendem, assim, uma reflexão focada nos níveis
mais profundos da personalidade - a missão e a identidade do aspirante a professor. O meio para
facilitar esse tipo de reflexão é explicitado pelo modelo ALACT (action, look back, awareness,
trial), que comporta cinco fases: ação, olhar para a ação; tomar consciência dos seus principais
aspetos; criar alternativas, métodos de ação e experimentação. É um modelo que apresenta
semelhanças com o ciclo de investigação-ação, mas dá mais importância à dimensão afetiva no
processo de aprender a ensinar e à necessidade de explorar as contradições entre a identidade de
um candidato a professor, a sua missão, as suas crenças e comportamentos (Laboskey, 2010).

Nóvoa (1995) perspetiva a formação de professores, no âmbito da crítica e da reflexão,


considerando que é importante que esta promova a preparação de professores reflexivos, “que
assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como
protagonistas na implementação de políticas educativas” (p. 28). Assim, a escola, enquanto local
de formação, adquire relevância e destaque implicando uma gestão democrática. Este autor fala-
nos, ainda, da importância da investigação-ação e da investigação-formação para os
conhecimentos, saberes que os professores enquanto profissionais necessitam de dominar em
vista ao aperfeiçoamento das suas práticas. Também Zeichner (2001) alertou para a necessidade
de a reflexão, para ser transformadora, se deve integrar em processos de investigação/ação na
senda do que refere Gómez- Pèrez (1992).

Alarcão (2001a) fala da complexidade dos problemas que o professor enfrenta, e cuja resposta
não encontra nas rotinas nem em soluções prévias, mas antes através da sua capacidade de análise
e de interpretação do real. O que poderá ser desenvolvido através da colaboração e de uma atitude
de “investigação na ação e pela ação” (p. 24). Refere, ainda, que o papel do professor, enquanto
profissional, não se restringe ao domínio pedagógico, ou seja, “como ator social, o professor tem
um papel a desempenhar na política educativa. No seio da escola, a sua atividade desenrola-se
no cruzamento das interações político-administrativo-currículo-pedagógicas” (p. 23).

Os professores aprendem de acordo com a prática, com a reflexão-na-ação por meio da análise e
da interpretação do seu desempenho docente (Alarcão & Tavares, 2003; Sá-Chaves, 1997). O
desenvolvimento da capacidade analítica e reflexiva conduz a atitudes críticas relativamente às

91
didáticas, à filosofia do ensino e ao desempenho profissional em geral (Alarcão & Roldão, 2008).
Mas para que uma formação deste tipo possa surtir o efeito desejado nos professores é necessário
que estes tenham tempo. Estrela e Estrela (2001), no projeto IRA, falam no problema que isto
constitui e que acaba por comprometer a formação que utiliza a estratégia de investigação-ação.
Também referem a importância de estimular a formação que se centra nas necessidades dos
professores e das escolas, considerando que esta é uma aposta “decisiva em que todos os agentes
educativos se têm de implicar, na luta pela qualidade do ensino com vista a um verdadeiro
sucesso escolar e pessoal das crianças, adolescentes e jovens do nosso país” (p. 235).

Zeichner (2008), ao realizar uma investigação sobre o uso do termo “reflexão” na formação de
professores, na sociedade norte-americana, verifica que apesar do esforço para preparar os
professores de forma a torná-los mais reflexivos, a formação tem criado uma ilusão de
desenvolvimento profissional docente “que manteve de maneiras mais subtis, a posição de
subserviência do professor” (p. 541). Neste sentido, o autor encontra na formação de professores
que assenta na prática reflexiva quatro aspetos que dificultam e diminuem o seu potencial:

1) O foco na reprodução de práticas que são sugeridas por pesquisas conduzidas por outras
pessoas e a ausência de preparação dos professores para exercitarem os seus próprios
julgamentos relativamente a utilização dessas práticas;
2) A reflexão entendida como um meio para atingir um determinado fim e não como um
fim em si mesma, o que conduz a reflexão dos professores para questões técnicas, de
métodos de ensino e deixa de lado a análise dos seus propósitos.
3) O foco da reflexão dos professores incidir sobre o seu próprio ensino, não contemplando
o contexto social e institucional em que se inscreve a sua prática;
4) Centrar o processo no desenvolvimento de uma reflexão individual e não coletiva.

Esta análise de Zeichner remete para os três níveis de racionalidade de Habermas (1996),
designadamente: a técnica, a prática e a emancipatória. Evidenciando que muitas vezes a
formação apoia-se no modelo reflexivo, mas fica no nível de reflexividade técnica (positivista).
A perspetiva da reflexividade, deve caminhar para uma racionalidade emancipatória,
proporcionando aos professores oportunidades para que se possam tornar intelectuais críticos,
capazes de praticar e valorizar princípios como a justiça, a liberdade e a democracia.

92
O propósito de se trabalhar para a justiça social é uma parte fundamental do ofício dos
formadores de educadores em sociedades democráticas e não deveríamos aceitar outra
coisa, a não ser algo que nos ajude a progredir em direção a essa realização (Zeichner,
2008, p. 548).

O que implica que os professores tenham a oportunidade de refletir sobre as suas ideias e ações
em comunidades de investigação criticas “critical inqury communities”, onde se colocam
questões sobre igualdade, interrogando-se pressupostos, preconceitos e até mesmo valores
(Cochran-Smith, 2004).

Pacheco (2015) num estudo sobre o desenvolvimento da reflexividade dos professores num
processo de formação, através da investigação-ação analisa a reflexividade dos professores/
formandos com base nos registos constantes nos portefólios e relatórios de reflexão crítica, em
conformidade com os três níveis de reflexividade (nível técnico, prático e emancipatório) de
Habermas (1982). Os resultados evidenciam que a maior parte dos formandos desenvolveu ao
longo do processo de formação níveis de reflexão mais elevados, designadamente dos catorze
professores/formandos, dez atingiram o nível emancipatório.

5. Comunidades de Aprendizagem e outras formas de colaboração

O conceito de comunidade remete para um contexto de interação social em que os seus membros
se reconhecem mutuamente na partilha de significados, vivências e objetivos comuns. De acordo
com Wenger (1998), a expressão em análise envolve o sentido de pertença, o fazer parte de um
grupo que partilha as mesmas preocupações e a mesma paixão, que no caso concreto deste estudo
é o ensino. Aprende-se através da prática, fazendo, o que implica experienciar, correr riscos, e
comprometer-se num processo que exige abertura e flexibilidade, onde cada um aprende a ser na
inter-relação com os outros, reconstruindo a sua própria identidade.

O uso desta terminologia tem sofrido alterações ao longo do tempo e à medida que a investigação
na área se vai desenvolvendo. Da definição de Wenger (1998) retiramos a importância da

93
interação entre os membros da comunidade que trabalham em presença, interagindo de forma
contínua e duradoura, outros estudos apontam para a importância da participação e da negociação
na formação da identidade e dos significados construídos na interação entre os seus membros.
Significados que são determinantes para a aprendizagem e o conhecimento no interior da
comunidade (Amin & Roberts, 2008). Das leituras efetuadas percebemos a existência de
diferentes concetualizações no que se refere às comunidades de práticas referenciadas pela
primeira vez por Lave e Wenger (1991) no início da década de noventa. Por exemplo Lindkvist
(2006, citado por Amin & Roberts, 2008) utiliza a terminologia de coletividade de prática para
se referir a grupos que trabalham de forma temporária ou em equipa de projetos, com a finalidade
de mudar, transformar algo ou alguma coisa e gerar conhecimento. Redes de prática é usado por
Brown e Duguid (1991, citado por Amin & Roberts, 2008) por considerarem mais descritivo das
relações de flexibilidade que se estabelecem entre os membros do grupo. Outros autores, como
Cetina (1999), Gittelman (2007) e Haas (1992), também citados por Amin e Roberts (2008)
referem-se a comunidades de especialistas, comunidades construídas com base em indivíduos
que desejam trabalhar no desenvolvimento de determinados conhecimentos específicos de uma
área do saber. Avis e Fisher (2006), por sua vez, referem-se a grupos com interesses comuns, que
se juntam para resolver um problema específico que diz respeito a todos. Apesar destas
derivações terminológicas a colaboração é considerada por todos como parte integrante,
fundamental e imprescindível de todo o processo de interação e de formação dos indivíduos que
se juntam constituindo uma comunidade.

O conceito de comunidade de prática, proposto por Wenger, tem um lugar muito restrito na
literatura científica, uma vez que se liga quase em exclusivo à obra do autor. Contudo, existe uma
enorme extensão de trabalhos de investigação sobre conceções e práticas de formação em
contexto laboral e colaborativo, como os trabalhos de investigação-ação e investigação-
formação, os trabalhos de investigação sobre supervisão colaborativa, de tutoria e mentorado
entre pares, peer-coaching, etc. Os estudos realizados sobre esta temática e culturas de
colaboração evidenciam a importância do diálogo e da partilha num processo onde vários
elementos trabalham com autonomia, mas em interdependência, respeitando e assumindo um
compromisso com os outros e com o sistema do qual fazem parte (Caetano, 2004; Hargreaves,
1998; Alarcão & Canha, 2013; Andrade & Pinho, 2010). Apesar de a colaboração ser um fator
determinante para a constituição de uma comunidade de prática, não significa que todo o tipo de

94
colaboração desemboque necessariamente nessa vivência. Como refere Wenger (1998) nem
todas as formas de trabalhar em conjunto podem ser denominadas de comunidades de prática.
Estas detêm uma dinâmica própria, alicerçada no sentimento de pertença e nos compromissos
assumidos por cada um e por todos, que exigem tempo, motivação, disponibilidade e
empowerment, assentes em princípios de liberdade, autodeterminação e democracia (Alarcão &
Canha, 2013; Andrade & Pinho, 2010; Caetano, 2004). Assim, as comunidades caracterizam-se
pelas dinâmicas colaborativas geradas no seu interior com vista a realização de finalidades que
ultrapassam os planos individuais e que perseguem objetivos coletivos. O trabalho colaborativo
impulsiona os indivíduos a participarem de forma mais ativa nas escolas, contribuindo para a
inovação e o sucesso dos seus alunos. Vários estudos, entre eles o de Poulos, Culberston, Piazza
e D´Entremont (2014), apontam para a importância da colaboração, designadamente na criação
de laços fortes com os colegas como fator de transformação da cultura escolar, com ganhos
significativos no comportamento e aproveitamento dos estudantes. Estes estudos apresentam
algumas práticas que são fundamentais para gerar a colaboração entre os professores,
referenciando neste sentido a importância de estabelecer estruturas de participação escolar; criar
oportunidades de trabalho conjunto, estabelecer conteúdos em diferentes áreas e formar equipas
onde todos possam participar; importância da liderança. Os líderes têm um papel determinante
neste processo, promovendo a voz dos professores, permitindo e criando espaços onde os
professores possam expressar-se livremente e tomar decisões partilhadas por todos; o feedback
construtivo com base no diálogo, na reflexão sobre os desafios experienciados em sala de aula e
a identificação e apresentação de novas técnicas que os outros possam experimentar (Hargreaves,
1998; Poulos, Culberston, Piazza & D`Entremont, 2014). A colaboração entre os professores é
um princípio teoricamente reconhecido como uma eventual solução para alguns problemas e
dificuldades que os professores enfrentam atualmente, contudo verificam-se dificuldades em
conseguir articular e desenvolver o trabalho em pequenas e grandes equipas, que partilhem ideias,
investiguem em conjunto e revejam o seu trabalho de forma critica e reflexiva. As comunidades
de prática surgem assim como uma oportunidade de restruturação através da investigação em
colaboração, que apresenta potencialidades em termos de mudança educativa e organizacional
(Lehman, Kim & Harris, 2014). Neste sentido, pelo menos nas últimas duas décadas tem crescido
o interesse pela formação que contemple iniciativas baseadas na construção de comunidades de
aprendentes ou de investigação (Darling, Erickson & Clarke, 2008). A base é a necessidade de
cultivar a curiosidade, a humildade, a iniciativa e a empatia nos professores, qualidades que se

95
vão desenvolvendo num ambiente que encoraje a investigação, a colaboração, a deliberação
responsável e mudanças construtivas nas práticas dos professores. Gadja e Koliba (2007, citados
por Lehman, Kim & Harris, 2014) acrescentam a importância da análise sistemática do
desempenho de cada um e de todos em torno de um ciclo de investigação, com vista a
fundamentar ações futuras.

De acordo com a análise que temos vindo a realizar constatamos uma proximidade efetiva em
termos de descrição dos fundamentos e do funcionamento das comunidades de prática com o
conceito de comunidades de investigação defendido por Lipman. De acordo com Darling,
Erickson e Clarke (2008), o sentido de comunidades de aprendentes ou de investigação é parte
constituinte da formação de professores e do seu desenvolvimento profissional. O trabalho
realizado em comunidade pelos professores em formação aponta para o desenvolvimento de cada
um e do grupo, abrindo novas possibilidades e horizontes de natureza epistemológica e prática,
conforme atestam vários estudos, entre eles os de Darling, Erickson e Clarke (2008), Lehman,
Kim e Harris (2014) e Poulos, Culberston, Piazza e D’Entremont (2014). Da noção de
comunidade os diferentes autores em análise, entre eles Lipman, partilham os seguintes aspetos:
a importância do sentimento de pertença ao grupo, onde cada um possa expressar livremente e
de forma democrática as suas opiniões; a participação ativa na tomada de decisões e nos objetivos
a alcançar, através da colaboração, do diálogo, da experiência em conjunto; valorização do
processo e das competências investigativas, com o objetivo de contribuir para a formação de
profissionais mais reflexivos, críticos e criativos “ Uma comunidade de investigação tenta
acompanhar a investigação pelo caminho que esta conduz, ao invés de ser limitada pelas linhas
divisórias das disciplinas existentes.” (Lipman, 1995, p. 31-32).

Um exemplo elucidativo desta simbiose é o programa Cite - Collective Improvisation in a


Teacher Education, desenvolvido por Darling, Erickson e Clarke (2008), no Canadá, onde os
autores apresentam as comunidades de aprendentes ou de investigação como pertencentes aos
modelos socioculturais de aprendizagem que se encontram na formação de professores e cuja
base é o trabalho em grupo (cohort), optando no seu estudo pela terminologia community of
inquiry. Este programa surge das preocupações de cinco professores do ensino superior e das
suas esperanças partilhadas para a formação de professores. Estrutura-se de acordo a incentivar
a participação de professores universitários, investigadores, parceiros da escola e alunos na
formação inicial de professores. Procura-se um envolvimento e partilha de conhecimentos

96
através da realização de atividades em colaboração e diálogo. A formação de professores é
desenhada por todos, num processo que se caracteriza pela abertura, flexibilidade e debate sobre
os propósitos da escola, os conteúdos, a amplitude do currículo e a responsabilidade ética, moral
e epistémica dos professores em formação. Este programa decorreu durante dez anos e a sua
finalidade foi desenvolver práticas articuladas em comunidade de investigação que sirvam de
modelo para aplicar em sala de aula. Os resultados apontam para uma participação mais ativa
dos alunos no seu próprio processo de formação, designadamente ao terem um papel importante
na estruturação do programa e no levantamento de questões e problemas que sentiam necessidade
de debater. A sua ação também foi determinante na comunicação dos resultados, através da
participação em conferências e simpósios sobre as iniciativas desenvolvidas. Os autores relatam
algumas dificuldades que este processo de participação democrática revelou, que se prenderam
essencialmente com os seguintes aspetos: gerir adequadamente o processo de negociações entre
os parceiros nas escolas e os estudantes da formação de professores; manter um diálogo produtivo
entre os diferentes elementos que componham a equipa; preparar os estudantes de forma a se
manterem motivados e ativos na comunidade de investigação. Apesar das dificuldades os autores
reforçam a importância e a necessidade de continuar o trabalho num registo colaborativo, de
procura pelo conhecimento, de negociações constantes, onde todos sejam ouvidos e valorizados.

97
Síntese

A formação contínua de professores tem um papel fundamental a desempenhar no


aperfeiçoamento e desenvolvimento profissional dos professores. Atualmente reconhece-se a
importância da formação ao longo da vida, enquanto exigência de um mundo em rápida e
permanente mudança. Das leituras efetuadas destaca-se uma mudança de foco na formação
docente, de uma lógica formativa centrada no treino dos professores, passa-se para uma visão
mais ampla, em que a formação deve utilizar a investigação para promover a reflexão, aos mais
diversos níveis, e o conhecimento das razões e racionalidades subjacentes às diferentes práticas.
Como defende Zeichner (2008), é preciso desenvolver nos professores a capacidade para tomar
decisões sábias sobre o que e como fazer, com base nos objetivos por eles delineados, dentro do
contexto em que trabalham, tendo em vista as necessidades de aprendizagem dos seus alunos. A
colaboração constitui um fator de autoformação, ou seja podemos “aprender a aprender” uns com
os outros, investigando, dialogando, refletindo sobre as nossas práticas e as dos outros. Se a nível
do discurso teórico esta verdade é incontestável, o mesmo frequentemente não acontece na
prática. É um facto que existem no terreno vários exemplos de práticas colaborativas focadas no
trabalho entre o professores, no trabalho com os alunos e entre eles, no entanto, ainda estamos
longe de viver num sistema de ensino e numa realidade verdadeiramente colaborativa. A
necessidade de protagonismo individual, a desconfiança generalizada e as rotinas que se vivem
nas escolas e na sociedade em geral abafam o verdadeiro sentido de colaboração, perdendo-se
em muitos casos a possibilidade de aprender e de melhorar em conjunto. Colaborar implica
diálogo e partilha de vivências. Criação de um espaço e de um tempo onde se fomentem
dinâmicas de grupo e o trabalho em equipa, o que pode e deve ser desenvolvido na formação de
professores. Como constatamos neste capítulo, várias investigações mostram que a formação que
assenta na construção e consolidação de uma comunidade onde se pensa coletivamente,
valorizando diferentes vozes e pontos de vista, contribui para o desenvolvimento profissional dos
professores e também para a mudança melhorando as organizações escolares. Os estudos recentes
sobre o desenvolvimento profissional apontam para a importância de modelos de formação,
baseados na investigação e no paradigma do professor investigador, reflexivo e crítico. Nestes
referenciais valoriza-se a participação dos professores enquanto agentes ativos e críticos do seu
processo de aprendizagem (e.g. Perrenoud, 1999). A formação de professores é o local
privilegiado para os professores experienciarem novas estratégias enquanto aprendentes, que

98
fomentam não só o seu desenvolvimento cognitivo, como a transposição dos processos vividos
como aprendentes para a sua prática profissional com os alunos. Confrontar-se com novas
práticas, escutar colegas de profissão de diferentes graus de ensino e áreas disciplinares, receber
um feedback construtivo das suas práticas e refletir em conjunto sobre elas, são essenciais para
o desenvolvimento profissional dos professores. O desenvolvimento profissional dos professores
acontece quando as suas experiências e os seus sentimentos são valorizados na formação. A
formação, ao proporcionar o desenvolvimento de conhecimentos e competências nos professores,
contribui para a transformação das pessoas e das organizações escolares. Neste âmbito, as
comunidades são importantes porque podem influenciar as práticas dos professores não só em
sala de aula mas também nos outros papéis que são chamados a desempenhar (Korthagen &
Wubbels, 2001; Darling-Hammond & Bransford, 2005). Algumas investigações destacam o
carácter investigativo destas comunidades, nomeadamente na construção de conhecimento em
conjunto, no diálogo, nas negociações e nas tomadas de decisões. Estes estudos (e.g. Darling,
Erikson & Clarke, 2008) dão conta das dificuldades de trabalhar num registo democrático, onde
as hierarquias ficam diluídas e todos se envolvem em torno de causas e objetivos em comum. No
entanto, o trabalho assim desenvolvido permite ainda o desenvolvimento de competências
disciplinares transversais. A interação entre pares, a reflexão pessoal e coletiva, a interligação
entre a teoria e a prática são aspetos imprescindíveis que devem estar presentes na formação de
professores (Estrela & Estrela, 2001).

99
PARTE 2
TRABALHO DE CAMPO
ESTUDO DE CASO DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES EM FILOSOFIA COM CRIANÇAS E
JOVENS DO CENTRO DIÁLOGOS FILOSOFIA COM
CRIANÇAS E…OUTRAS IDADES

“Researchers all tell stories about the worlds they have studied. Thus, the narratives or
stories scientist tell are accounts, couched and farmed within specific story traditions,
often defined as paradigms.
The product of the interpretative bricoleur´s labour is a complex, quilt like bricolage, a
reflexive collage or montage; a set of fluid, interconnected images and representations.
This interpretative structure is like a quilt, a performance text, or a sequence of
representations connecting the parts to the whole.”
Denzin & Lincoln, 2018, p. 6

100
CAPITULO V
OPÇÕES E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo organiza-se em torna da reflexão e descrição das opções metodológicas adotadas
nesta investigação. Neste contexto, começa-se por recordar os objetivos e questões de
investigação, seguida pela exposição da natureza epistemológica e metodológica do trabalho.
Apresenta-se o desenho de investigação, caracterizam-se os participantes na pesquisa,
esclarecem-se quais as técnicas de recolha e análise de dados utilizadas e fundamenta-se a sua
relevância no contexto deste estudo. Por fim, tecem-se reflexões e considerações acerca da
validade e fidelidade da investigação e dos compromissos assumidos.

1. Objetivos e questões de investigação

Quando em 2013 frequentamos o curso de formação em filosofia com crianças e jovens surgiu o
interesse e a necessidade de realizar este estudo. Logo nas primeiras sessões percebemos que
tanto os educadores de infância, como os professores do 1º Ciclo e os professores de filosofia
que a frequentavam pareciam demonstrar igualmente interesse e curiosidade pelo tema. Algumas
questões relacionadas com os professores em formação começaram de imediato a formular-se na
nossa mente. Posteriormente, com base na literatura e em investigações desenvolvidas no campo
da filosofia com crianças e jovens e do desenvolvimento profissional docente, chegamos às
perguntas de partida que voltamos a relembrar:

• Como é que os professores participantes na formação em filosofia com crianças e


jovens interpretam os processos formativos em que estão envolvidos?
• Quais os impactos desta formação no desenvolvimento profissional dos professores?

101
Estas duas questões mais gerais desdobraram-se em questões mais específicas, que orientam o
desenvolvimento das duas etapas do estudo:

• O que leva os professores a escolherem esta formação?


• Como se articula esta formação com os saberes prévios dos professores acerca do
ensino, da aprendizagem e da filosofia?
• Que competências os professores consideram desenvolver nesta formação?
• Que tipo de dificuldades e resistências pessoais e profissionais experienciam no decurso
da formação?
• Como utilizam os professores as estratégias e abordagens apreendidas na formação e
em que áreas curriculares?
• Que dificuldades sentem os professores que adotam as estratégias apreendidas na
formação e como as ultrapassam?

Decorrentes deste conjunto de questões formulámos os objetivos que norteiam o nosso estudo e
que voltamos a explicitar:

• Analisar o programa de formação de professores do Centro Diálogos Filosofia com


Crianças…e outras idades, à luz dos modelos de formação e do perfil de profissional
que se pretende formar;
• Compreender o impacto que este tipo de formação tem nos professores, designadamente
no que se refere aos saberes que estes professores transferem para as suas práticas
pedagógicas quotidianas e o modo como o fazem;
• Apreender as dificuldades e os constrangimentos com que os professores formados nesta
perspetiva se confrontam no quotidiano profissional;
• Discutir criticamente a relevância e a viabilidade da inserção da filosofia desde a
infância nas escolas.

102
2. Natureza epistemológica e metodológica do trabalho

De acordo com as questões que nos movem e com os objetivos que pretendemos alcançar, foi
fundamental encontrar um caminho adequado ao trabalho que pretendíamos desenvolver. Neste
âmbito refletiu-se sobre o paradigma que nos iria guiar e orientar no nosso percurso de acordo
com a conceção de realidade e dos fenómenos que adotámos (Bogdan & Biklen, 1994).

O conceito de paradigma é utilizado de forma ampla referindo-se às diferentes aproximações à


investigação, com a finalidade de clarificar e oferecer diferentes soluções aos desafios que se
colocam atualmente à educação (Bisquerra Alzina, 2004). Kuhn (2003) impulsionou o conceito,
ao conotá-lo como as diferentes formas de fazer ciência por parte das comunidades científicas.
Assim, o paradigma é uma construção humana que se caracteriza por um“ sistema de crenças
básicas sustentadas em considerações de natureza ontológica, epistemológica e metodológica”
(Guba & Lincoln,1998, p. 200). Estas dimensões implicam opções que o investigador tem de
tomar. As opções de natureza ontológica prendem-se com a forma como o investigador se coloca
face à natureza da realidade e ao conhecimento que pode alcançar. A epistemologia expressa a
“relação entre o que se sabe ou pode vir a saber-se e o que é possível saber-se” (Guba &
Lincoln,1998, p. 201). As questões de natureza metodológica inserem-se na forma como
concebemos a realidade e o conhecimento, traduzindo-se em procedimentos de investigação cuja
finalidade é conhecer o real.

Situando-nos na nossa investigação, esta enquadra-se no paradigma interpretativo, visando captar


a realidade em geral e a educação em particular, através de uma abordagem fenomenológica,
acedendo assim à natureza holística, dinâmica e simbólica dos processos sociais (Bogdan &
Biklen, 1994). A problemática em estudo é contextual e holística. Investiga-se um programa de
formação com o intuito de procurar respostas a questões centradas nesta experiência social,
desvendando o seu significado e sentidos. O objeto da investigação é a ação humana e as suas
interpretações, que residem no significado atribuído pelas pessoas que as vivenciam. “Os
significados manipulam-se e modificam-se mediante um processo interpretativo promovido pela
pessoa ao confrontar-se com as coisas” (Blumer, 1998, p. 2). Trata-se de um processo pautado
pelo modo como os diferentes participantes na investigação, interpretam os processos de
formação em que estiveram envolvidos e de que forma isso contribui para eventuais mudanças
nas suas práticas educativas e formativas. Esta construção implicou, por um lado, estudar os

103
processos que caracterizam a formação e, por outro, perceber quais são os seus efeitos no
desenvolvimento profissional dos professores, captando diferentes pontos de vista, opiniões,
reflexões pessoais, representações e interpretações subjetivas. Neste contexto o conhecimento
envolve um sujeito “cognoscente” e um objeto “conhecido”. O objeto do conhecimento
(programa de formação) é amplo e complexo e implica uma saída por parte do sujeito
(investigador), da sua esfera, daquilo em que acredita, dos seus valores, para entrar, investigar na
esfera do objeto, apreendendo as suas características. Por fim, o sujeito regressa a si construindo
uma imagem ou representação do objeto. Neste processo (ato de conhecer) o sujeito tem um
papel ativo, de recolha e interpretação de dados sobre o objeto que necessita de justificar,
legitimando uma dada explicação (passagem do domínio da crença não justificada para o campo
da crença justificada). Procurou-se, assim, a compreensão dos fenómenos em estudo, ao invés da
sua explicação causal (Bisquerra Alzina, 2004), pelo que se assume que o que conhecemos será
sempre uma imagem ou representação do objeto em estudo (Husserl, 1986). É central nesta
investigação a compreensão dos significados que as formadoras e os professores/formandos
perspetivam sobre o programa de formação e as intenções que atribuem às suas ações, de acordo
com as relações que desenvolvem entre si e com os contextos onde se encontram inseridos e com
os quais interagem (Amado, 2013). Posição também denominada de social-construtivista.

Ao situarmo-nos no paradigma interpretativo significa que iremos adotar uma posição relativista,
onde a realidade é múltipla e complexa. Investigar implica interpretar ações, estabelecer
estratégias e procedimentos que aproximem o investigador dos participantes. Criar confiança e
empatia é fundamental para que os participantes se sintam à vontade para expor os seus
sentimentos e experiências. Neste sentido, o que se procura é compreender o significado que os
atores atribuem aos acontecimentos, neste caso específico um programa de formação. A
investigadora / observadora participa na realidade observada, designadamente frequentando a
formação e encontrando-se sujeita ao mesmo processo de aprendizagem e de avaliação que todos
os outros professores inscritos. Os dados que recolhemos e analisámos são maioritariamente
interpretativos; valoriza-se a compreensão e a interpretação no contexto da formação de
professores em filosofia com crianças e jovens. O investigador e os participantes na investigação
“partilham, numa espécie de sociabilidade originária, as significações socioculturalmente
construídas e encerradas na linguagem por eles usada” (Amado, 2013, p. 43). Nesta investigação
pretende-se descrever o programa de formação em estudo (princípios e práticas), e compreender

104
o modo como ela é interpretada, experienciada, vivida e produzida pelos participantes. A
compreensão de uma ação reside na “referência ao sentido e propósitos que os seres humanos
colocam no decorrer das suas atividades” (Guba & Lincoln, 1998, p. 197-198). Neste processo
foi importante confrontar os participantes com os dados recolhidos e a sua interpretação, dando
espaço e abertura para que, de alguma forma, ambos pudessem negociar os significados obtidos,
obtivemos feedback apenas de uma das formadoras. Neste paradigma em que nos situamos a
dimensão humana é o centro e a principal fonte de recolha de dados (Bogdan & Bicklen, 1994).
Com vista a acedermos a diferentes perspetivas, estudando o fenómeno da formação de
professores em filosofia com crianças e jovens de forma aprofundada, envolvendo uma
diversidade de dimensões e aspetos, recorremos a diferentes técnicas qualitativas de recolha e
análise de dados, que descreveremos posteriormente.

Na tentativa de assegurar uma compreensão em profundidade, onde a descoberta foi um fator


importante, realizou-se uma triangulação progressiva dos dados recolhidos. Só é possível
conhecer a realidade neste paradigma de investigação através da representação, o conhecimento
a que se chega é sempre um imagem ou representação efetuada pelo sujeito (cognoscente) do
objeto (conhecido) (Husserl, 1986); a análise dos dados é assim, qualitativa, procura-se
compreender o fenómeno em estudo através de processos inferenciais e indutivos. Não se aspira
à objetividade mas à credibilidade e confiabilidade; “a representatividade das conclusões, longe
de ser estatística é social e teórica assente em critérios de compreensão e de pertinência” (Amado,
2013, p. 44). A triangulação é neste estudo uma forma de validação (Flick, 2005). Conforme as
etapas do estudo, utilizam-se estratégias de investigação diversas, flexíveis e adaptáveis ao
contexto, que vão desde a técnica do inquérito por questionário, ao uso de narrativas biográficas
e entrevistas de follow-up. A todas estas estratégias esteve subjacente a preocupação por que tudo
se desenrolasse “de forma ‘credível’, ‘documentada’ e ‘lógica” (Amado & Vieira, 2013, p. 361),
enquanto garantia da credibilidade do estudo.

105
3. Desenho da Investigação

Como referimos anteriormente, a investigação que iremos desenvolver tem, como finalidade,
conhecer como é que os professores, em formação no programa de filosofia com crianças e
jovens, interpretam os processos educativos em que estão ou estiveram envolvidos, e os eventuais
efeitos desta formação no seu desenvolvimento profissional. Procuraremos compreender em
profundidade o “como” e os “porquês” dessa formação, procurando evidenciar a sua identidade
e características próprias. Temos, assim, como objeto de estudo, o programa de formação de
professores em filosofia com crianças, e iremos apoiar-nos na linha de investigação que defende
que este tipo de formação conduz os professores a repensarem as suas práticas e o sistema de
ensino em geral (Rolla, 2004; Roberts, 2006; Jones, 2008; Marshal, 2012; Machado, 2013).
Seguiremos o seguinte desenho de investigação (correspondente à figura 1):

Programa de formação – Centro Diálogos Filosofia com crianças e…outras idades

Estudo de Caso

1ª Etapa - Processo de formação: Princípios e práticas

Observação Participante - 2013 Entrevista às Formadoras - 2013

Triangulação

Pistas
Triangulação Triangulação
2ª Etapa

2ª Etapa - Formação e desenvolvimento profissional dos professores

Questionário aberto Entrevistas de follow-up


Professores que frequentaram a formação 11 Professores que frequentaram a formação
entre 2006-2013 em 2013

Triangulação

Figura 1- Desenho de Investigação do estudo de caso

106
O desenho de investigação proposto é flexível, emergente e suscetível de se concretizar de forma
progressiva. À medida que fomos avançando na investigação foi necessário proceder a reajustes
de acordo com a literatura e com os dados empíricos que íamos recolhendo.

Metodologicamente a pesquisa configura-se num estudo de caso na medida em que pretendemos


compreender e explorar um contexto complexo no qual se encontram envolvidos múltiplos
fatores. Assim, como já dissemos, pretendemos compreender em profundidade o “como” e os
“porquês” do programa de formação de professores com crianças e jovens do Centro Diálogos
Filosofia com Crianças e outras idades (Associação de Professores de Sintra), procurando
evidenciar a sua identidade e características próprias.

O estudo de caso produz um conhecimento que, apesar de partir do particular, aspira a uma certa
universalidade (Ponte, 2006). Trata-se de uma finalidade holística (como aliás acontece em todos
os estudos de caso), sistémica, ampla e integrada, pois a intenção do investigador é compreender
o caso na sua unicidade e totalidade; aliás, é exatamente por este motivo que diferentes autores
(Yin, 2014, Freitas & Jabbour, 2011) consideram que o estudo de caso se configura mais como
estratégia do que propriamente como uma metodologia. “Ao estudar um determinado fenómeno
naquele contexto específico, numa perspetiva holística, o investigador esforça-se ao mesmo
tempo, por refletir a peculiaridade do caso e por transmitir uma imagem complexa, vivida e única
do mesmo” (Amado & Freire, 2013, p. 124).

O caso em estudo é, de acordo com Stake (2007), um estudo intrínseco ou, na terminologia de
Yin (2014), um estudo singular do caso (single study). Assim, propomo-nos realizar um estudo
em profundidade, que assenta em temas adotados de outros estudos (estudo responsivo) (Stake,
2007) esperando melhorar a compreensão sobre o programa de filosofia com crianças e jovens.
Pretende-se, também, que os leitores aumentem a sua experiência dando especial atenção à
singularidade deste programa. Ao estudarmos o programa de formação de professores em
filosofia com crianças, procuraremos também saber qual o percurso realizado por vários
participantes, tentando entender como professores de diferentes grupos disciplinares
percecionam os processos de formação em que estão envolvidos e o(s) efeito(s) no seu
desenvolvimento profissional. Iremos, então, comparar as perceções e os efeitos sentidos pelos
participantes, tanto no que respeita ao seu grupo de docência, como aos anos de serviço e às suas
crenças acerca do ensino-aprendizagem, com o intuito de compreender aprofundadamente as

107
diferenças entre os grupos profissionais e a motivação para a aplicação do programa na prática.
O estudo de caso examina, em detalhe e em profundidade, um ou vários casos no seu contexto
natural. É um estudo complexo que exige o recurso a múltiplas fontes de evidência e, por isso, a
diferentes técnicas de recolha e análise de dados (Yin, 2014; Amado & Freire, 2013).

Existem estudos de caso de natureza muito diversa, desde os meramente descritivos, aos
avaliativos e aos investigativos (Amado & Freire, 2013). Frequentemente os estudos de caso de
programas de formação e educacionais são estudos de avaliação, solicitados por stakeholders,
cujo propósito reside na apreciação dos pontos fortes e dos pontos fracos desses programas a fim
de apoiarem tomadas de decisão no sentido de uma maior qualidade e eficácia (Fernandes, 2009,
2010). No estudo de caso de um programa de formação aqui apresentado o foco foi a
investigação, ou seja, pretendeu-se compreender os processos de formação e as mudanças daí
decorrentes, problematizando-os à luz não só dos fundamentos do Programa como das
perspetivas teóricas da formação, de forma, em última análise, a construir conhecimento acerca
da formação de professores, designadamente na área da filosofia com crianças e jovens.

Não foi nossa intenção avaliar o Programa de Formação em Filosofia com Crianças e Jovens,
pelo que o estudo não foi planificado nem estruturado com essa finalidade, nem foi utilizada essa
metodologia, no entanto ressaltam na análise dos dados categorias que permitem avaliar
determinados aspetos da formação em estudo, razão pela qual sentimos necessidade de clarificar
este aspeto, até porque nos inspiramos em Kirkpatrick (1976) para a análise de conteúdo de
alguns dados recolhidos, como mais tarde explicaremos.

A investigação desenvolve-se em duas etapas, com metodologia de natureza predominantemente


qualitativa (fenomenológico-interpretativa). Uma primeira etapa, onde se descreve e analisa uma
ação de formação de professores em filosofia com crianças e jovens, com base na observação
participante de tipo etnográfico. A ação de formação decorreu no ano de 2013, numa escola
secundária. A finalidade desta descrição é aprofundar o conhecimento acerca dos princípios
orientadores deste programa de formação, à luz da transformação e da mudança que a formação
contínua deve promover e contemplar e do envolvimento dos formandos neste processo. Após a
formação, procedemos à realização de entrevistas às duas formadoras de filosofia com crianças
e jovens impulsionadoras do Centro “Diálogos – Filosofia com Crianças e outras…idades”. Para
conhecermos melhor a formação consideramos ser fundamental compreender o significado que

108
estas duas formadoras, que têm vindo a desenvolver o programa desde o seu início até à
atualidade, atribuem à sua experiência e ao seu contexto profissional. O que nos permitiu obter
uma visão longitudinal (de 2006 a 2013) do trabalho desenvolvido por cada uma e pelas duas em
conjunto. A nossa finalidade foi perceber de que forma as formadoras percecionam os benefícios
e os desafios de ensinar a pensar. Conhecer as principais estratégias de pensamento e abordagens
que sentem ter aprendido na formação nos Estados Unidos com Lipman e que transferiram para
a formação. No fundo, perceber como o fazem e que objetivos pretendem alcançar. Também
pretendemos compreender o seu percurso em termos profissionais, nomeadamente na construção
de novelas filosóficas e de materiais de apoio para os professores trabalharem com o programa.
A triangulação destes dados permitiu projetar a segunda etapa. Os resultados obtidos serviram
de base para a construção dos questionários de resposta aberta, que aplicámos posteriormente
online aos 138 professores que frequentaram esta formação, desde o seu início, em 2006 até ao
ano de 2013, com um retorno de 41 respostas. O questionário tinha, como principal objetivo, o
levantamento das mudanças mais significativas que tiveram lugar nas práticas dos professores,
especialmente no que se refere à relação pedagógica, às práticas filosóficas e educativas e ao
desenvolvimento da capacidade de reflexão por parte dos professores/formandos. Por fim,
entrevistámos os professores que fizeram a formação em 2013 (objeto da observação
participante), com a finalidade de perceber as mudanças que este tipo de formação tem nas
práticas pedagógicas destes professores. Pelo que, considerámos ser fundamental deixar passar
algum tempo sobre a formação, neste caso específico três anos (2016), para poder perceber quais
os saberes e as práticas que os professores transferiram para o seu quotidiano profissional e o
modo como o têm vindo a fazer (estudo em profundidade). Também pretendemos compreender
quais são as dificuldades e os constrangimentos com que estes professores se confrontam no seu
quotidiano profissional. Optámos por entrevistas em grupo sempre que foi possível juntar dois
ou três professores, procurando criar uma dinâmica de forma a permitir uma aproximação ao que
os professores pensam, sentem e como agem, através da intersubjetividade.

109
4. Participantes na Pesquisa

Neste subcapítulo apresentam-se os participantes nas duas fases da pesquisa de acordo com o
seguinte quadro (2):

Quadro 2 – Participantes na pesquisa por fases de investigação

1ª FASE

Técnicas de
Número de
Recolha de Contexto Temas
Participantes
Dados

2 Formadoras
Observação Ação de Formação
Princípios e práticas da formação 15 Professores
Participante Escola secundária
formandos

Episódios e narrativas do processo


Centro de
Entrevistas pessoal de formação das formadoras 2 Formadoras
Formação
e do programa de formação

2ª FASE

Técnicas de
Número de
Recolha de Contexto Temas
Participantes
Dados

Vários Efeitos da formação contínua de


Questionários agrupamentos de professores no desenvolvimento 41 Professores
escola profissional docente

Vários Trabalho desenvolvido pelos


Entrevistas agrupamentos de professores em consequência da 11 Professores
escola formação

4.1 Os professores /formandos participantes na formação em 2013 – Observação


Participante

A amostra abrange quinze formandos inscritos na ação de formação de professores em filosofia


com crianças e jovens, sendo que cinco são educadores de infância, cinco são professores do 1º
ciclo, quatro são professores de filosofia, uma é professora do 2º ciclo e uma enfermeira a
trabalhar no serviço de oncologia pediátrica de Lisboa (que desistiu pela incompatibilidade de
horários, tendo frequentado apenas duas sessões). Quase todos os professores (12) estavam

110
colocados e a lecionar em escolas públicas; os outros casos eram: um professor de filosofia que
se encontrava a trabalhar em escolas públicas e num colégio privado; outra professora, também
de filosofia, que trabalhava num colégio privado; e uma educadora de infância que estava
desempregada. Todos os professores/formandos frequentavam pela primeira vez uma ação de
formação em filosofia com crianças e jovens, conforme consta no quadro (3) de caracterização
dos participantes na formação de professores em filosofia com crianças e jovens.

Quadro 3 – Caracterização dos participantes na formação de professores em filosofia com


crianças e jovens

Professores
formandos Sexo Grupo Disciplinar Escola
(códigos)

A F Educadora de Infância JI Nº3 de Mem Martins

Z M Professor do 1º Ciclo EB1/JI Monte Abraão

H F Professora do 1º Ciclo AE da Ericeira

C F Professora de Filosofia Colégio Guadalupe

I F Professora do 1º Ciclo EB1 Sabugo e Vale de Lobos

J M Professor de Filosofia Escola Secundária Mª Amália Vaz Carvalho

Professora dos 2º e
M F EB1 Bairro de S. Miguel
3º ciclo Artes Visuais

S F Professora de Filosofia Escola Secundária Pedro Alexandrino

TA F Professora do 1º Ciclo EB1 de Sabugo e vale de Lobos

P F Professora de Filosofia Escola Secundária José Saramago

L F Professora do 1º Ciclo EB1 Sabugo e Vale de Lobos

N F Educadora de infância Sem colocação

PA F Educadora de infância AE Ferreira de Castro

T F Educadora de infância AE Ferreira de Castro

B F Educadora de Infância EB1/JI Monte Abraão

111
4.2 As formadoras – Entrevistas e Notas de Campo

A formadora (A) é professora há vários anos na escola secundária de Miraflores, a outra


formadora (L) lecionou vários anos na Escola secundária Padre António Vieira, atualmente está
reformada, mas continua a trabalhar como formadora de filosofia com crianças e jovens. Através
das entrevistas às formadoras foi possível caracterizar o seu processo pessoal de formação e
experiência na área da filosofia com crianças e jovens. Com base no seu discurso demos conta
do seu percurso, motivações e experiência profissional nesta área. Ambas as formadoras referem
ter iniciado a sua formação em filosofia para crianças, com a frequência de um Seminário
Internacional orientado por Ann Sharp e Felix Moriyón na Sociedade Portuguesa de Filosofia. O
seminário acontecia uma vez por semana e, no final, tinham de fazer um estágio que durava
praticamente um ano letivo numa escola do primeiro ciclo com supervisão de uma pessoa que já
tivesse feito o referido seminário. O seminário contemplava uma parte teórica de apresentação e
explicação do modelo de Lipman, e uma parte prática onde os formandos dinamizavam pelo
menos uma sessão. Posteriormente participaram numa formação de professores nesta área nos
Estados Unidos da América, na década de noventa, com Lipman e Ann Sharp, e onde puderam
contactar com pessoas de diferentes países interessadas no programa, na sua divulgação e
implementação.

Uma das formadoras reflete criticamente nas entrevistas, sobre o seu desencanto inicial com a
filosofia e o seu ensino, o que a levou, inclusive, a procurar outro curso, designadamente “língua
e cultura portuguesa ensino para estrangeiros”, e que se encontrava já a frequentar quando tomou
contacto com o programa. Considera que o programa mudou radicalmente a sua visão sobre o
ensino da filosofia como podemos constatar nas suas palavras:

Queria largar a filosofia; achava que, tal como foi dado na universidade, é um bocadinho
aquilo: a filosofia é a ciência com a qual e sem a qual se fica tal e qual. Eu achava que
não ia fazer grande coisa no ensino e no mundo com aquela forma de fazer filosofia, ou
de abordar a filosofia; portanto, no sentido de apresentar os autores, falar dos autores e os
alunos repetirem os autores e falarem dos autores. A principal coisa, quando nós
praticamos o pensamento e não falamos apenas do pensamento, nós mudamos realmente
a nossa perspetiva do mundo; quando nós falamos do pensamento e dos autores, nós

112
nunca temos possibilidade de modificar o nosso padrão de pensar, então isso foi mesmo
uma revolução na minha vida (A).

Depois da formação nos Estados Unidos da América, as formadoras regressaram a Portugal e


começaram a trabalhar com outras colegas na formação de professores em filosofia com crianças
e jovens. Numa primeira fase, destacam o apoio dado pelo Ministério da Educação à
implementação e divulgação do programa, e ao interesse demonstrado pelos formandos que
procuravam a formação nesta área e mostravam desejo de implementar o programa nas suas
escolas. Consideram que os educadores de infância e os professores do 1º ciclo revelavam maior
interesse; os professores de filosofia só mais tarde começaram a frequentar o programa e, mesmo
assim, apresentavam de um modo geral mais resistência, como podemos constatar nos seus
discursos:

Começámos a ver que havia um grande interesse sobretudo dos professores do primeiro
ciclo, não tanto de filosofia, porque a ideia é que eles, do primeiro ciclo, aplicassem aos
seus alunos, e os de filosofia eram os formadores, digamos assim. Os de filosofia,
primeiro, nem sequer tinham assim grande interesse, começaram a vir mais tarde, mas o
grande impacto foi no primeiro ciclo e educadores de infância (L).
Isso para mim foi terrivelmente surpreendente, que é como é que pessoas que defendem
o pensamento crítico, a abertura ao outro, etc. na prática não fazem isso, é um bocadinho
como aquela, olha para o que eu digo não olhes para o que eu faço! É que vê-se no
professor uma dissociação completa entre o que diz e o que faz, que é a pessoa deve ser
crítica e aberta à mudança, etc. e depois a prática é radicalmente oposta; eu refleti bastante
sobre isto e eu acho que advém um bocadinho de, por vezes, os professores de filosofia
se encerrarem demasiado no discurso e se confrontarem pouco com a prática (A).

Ambas as formadoras referem que a formação abrangia escolas públicas e escolas privadas. Uma
delas refere que os primeiros cursos eram de cinquenta horas e funcionavam habitualmente em
regime pós laboral. Destaca, na sua experiência como formadora, a introdução da modalidade de
estágio pelo envolvimento com os formandos, designadamente no acompanhamento permanente
de assistência às aulas e na discussão das dificuldades vividas:

113
Depois tivemos uma experiência diferente; essa é a experiência que se destacou, foi o
estágio, a modalidade de estágio. Fizemos acompanhamento de estágios no colégio
Moderno no âmbito do programa Foco; o grupo de pessoas em vez de ser um grupo grande
de formandos eram poucos; 4 ou 5 da mesma escola, portanto 4 professores do primeiro
ciclo (…). Primeiro eles faziam sozinhos e a partir de uma certa altura nós tínhamos uma
calendarização, rodávamos, éramos três na altura e íamos cada uma na sua vez, ou seja,
procurávamos cada uma de nós ir ver as várias professoras que era para elas também
terem contacto com vários tipos de acompanhamento. Digamos, nós tínhamos
personalidades diferentes e formas de acompanhamento diferentes mas sempre dentro da
mesma linha (L)

A experiência das formadoras iniciou-se no final da década de oitenta e, desde aí, sempre
estiveram envolvidas na formação em filosofia com crianças e jovens, em simultâneo com a
docência da filosofia em escolas públicas, aplicando com os jovens os princípios que se
encontram na base desta formação. A sua experiência no programa integra a aplicação prática
com grupos de crianças do pré-escolar e do primeiro ciclo e o acompanhamento dos formandos
na aplicação e consolidação do programa. A formação que ministravam ocorreu em diferentes
locais, embora a área de maior influência tenha sido, numa primeira fase, a zona de Lisboa; a
partir de 2006, no concelho de Sintra, mais propriamente na Associação de Professores de Sintra,
onde criaram o Centro Diálogos Filosofia com crianças e…outras idades. De acordo com os seus
relatos, o Centro surge numa altura em que existiam vários apoios comunitários e nasce do desejo
de consolidarem o seu trabalho aliado à necessidade de terem um local de contacto e de apoio
aos formandos.

4.3 Os Professores que frequentaram a formação no período compreendido entre


2005 a 2013 – Questionário

Neste ponto caracterizam-se os professores que responderam ao questionário e descreve-se o


modo como chegámos à constituição desta amostra. Os questionários foram enviados para o e-
mail dos professores que realizaram a formação no Centro Diálogos Filosofia com Crianças e
outras idades (Associação de Professores de Sintra), desde o seu início, em 2006, até ao ano de

114
2013 inclusive. Ao longo deste tempo realizaram-se várias formações (quadro 11). Foram-nos
fornecidos 138 contactos de formandos, correspondentes a uma formação por ano, para os quais
enviámos o questionário. Obtivemos 41 respostas, número que constitui a amostra de formandos.
O questionário foi disponibilizado e elaborado no formato Google Docs, acessível na conta
campus do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. O processo de recolha de dados
decorreu de Fevereiro a Junho de 2015. Estendemos o tempo de recolha devido à fraca adesão
inicial, pelo que fomos solicitando a participação dos inquiridos de forma persistente e com um
intervalo de quinze dias, apelando para a importância da sua participação no estudo.

Com base na análise dos dados demográficos recolhidos (primeira parte do questionário) foi
possível caracterizar a amostra de acordo com o seguinte quadro (4):

Quadro 4 – Caracterização dos participantes no questionário

Homens Mulheres Total

21-30 anos 0 2 2

31-40 anos 3 10 13
Idade
41-50 anos 1 11 12

51-60 anos 1 13 14

Licenciatura 3 11 14

Mestrado 2 10 12

Curso pós-graduação 0 3 3
Habilitações
académicas Bacharelato 0 1 1

Em profissionalização/
0 1 1
estágio

Outros casos 0 2 2

Quadro de nomeação
2 27 29
definitiva

Contratados 1 4 5
Situação Quadro de zona
1 1 2
profissional pedagógica

Quadro de nomeação
0 1 1
provisória

Outras situações 1 3 4
Total 5 36 41

115
O quadro mostra que os professores que responderam ao questionário encontram-se em
diferentes fases da carreira; 36 respondentes são do sexo feminino; 38 possuem habilitação
profissional; 22 são licenciados; 12 possuem o grau de mestre; 3 têm curso de pós graduação; e
1 tem bacharelato; 1 encontrava-se ainda em profissionalização (estágio) para além de outros
casos residuais. Quanto á situação profissional, 29 estão no quadro de nomeação definitiva; 5 são
professores contratados; 1 está no quadro de nomeação provisória; 2 são professores de quadro
de zona pedagógica e 4 responderam que se encontram noutras situações. O grupo mais
representado é o dos professores de filosofia (24) sendo que quatro são do sexo masculino,
registando-se, ainda, 8 professoras e 1 professor do 1º ciclo, 7 educadoras de infância e 1
professora a lecionar no 2º ciclo. A maioria dos participantes (21) assinala, como cargo que
desempenha na escola, apenas a docência; os restantes distribuem-se por diferentes cargos,
registando-se um maior número de docentes que acumula a coordenação de grupo (5) e direção
de turmas (4), os restantes referem os apoios educativos (1); a educação especial (1); a acessória
de direção (1); três professores assinalam a opção vários cargos. Por fim, os respondentes
realizaram a formação entre os anos de 2006 e 2013, sendo que responderam em média cinco
professores por ano. O ano com mais respondentes foi o de 2011 (7) e com menos respondentes
foi o de 2013 (onde apenas 2 professores responderam ao questionário). Oito professores
referiram, ainda, ter frequentado pelo menos mais uma ação de formação sobre o tema.

4.4 Os Professores que participaram nas entrevistas de follow-up

Dos quinze professores que participaram na ação de formação (que constitui objeto de
observação participante) em 2013, onze acederam a participar nas entrevistas finais, o que nos
permitiu caracterizá-los de forma mais pormenorizada, conforme se apresenta no quadro 5.

116
Quadro 5 – Caracterização dos participantes nas entrevistas de follow-up

Homens Mulheres Total

30-34 anos 1 3 4

Idade 44-48 anos 0 4 4

52-56 anos 0 3 3

Habilitações Habilitação profissional 1 9 10


académicas Habilitação própria 0 1 1

Educadores de infância 0 4 4

Nível em que 1º Ciclo 0 3 3


leciona 2º e 3º Ciclo 0 1 1

Ensino secundário 1 2 3

Total 1 10 11

Assim, participaram na entrevista 4 educadoras de infância, 3 professoras do primeiro ciclo, 3


professores de filosofia (um deles também lecionava a disciplina de religião e moral) e 1
professora do segundo ciclo, designadamente de artes plásticas e escultura, a trabalhar nas
atividades extra curriculares (AECS). Dez professores são do sexo feminino e apenas um é do
sexo masculino. 4 Professores situam-se na faixa etária entre os 30 e 34 anos; quatro professores
entre os 44 e os 47 anos; e, por fim, três encontram-se entre os 52 e os 56 anos. Quanto à
distribuição por tempo de serviço 2 professores têm menos de 10 anos de serviço; 4 têm entre 11
e 20 anos de serviço; outros 4 têm entre 21 e 30 anos e por fim 1 professor tem 32 anos de serviço.
Quase todos os participantes (10) possuíam habilitação profissional com exceção da professora
do segundo ciclo com habilitação própria. Quanto aos cargos ocupados, os professores de
filosofia referem todos a direção de turma; três educadoras de infância referem a coordenação de
estabelecimento e orientação de estágios, uma desempenhou apenas a função de educadora de
infância; três professoras do primeiro ciclo mencionam a coordenação de departamento e uma
delas acrescenta a coordenação de escola; quanto à professora do segundo e terceiro ciclo foi
responsável pela componente de apoio à família (CAF).

117
5. Técnicas de Recolha de Dados

Conforme referenciámos anteriormente, esta é uma investigação de natureza predominantemente


qualitativa; neste âmbito a opção pelas técnicas ou procedimentos de recolha de dados assenta
numa visão sobre o mundo e sobre a ciência que influenciou as opções metodológicas que iremos
apresentar detalhadamente.

Este estudo, conforme referido, é dividido em duas etapas de investigação. Em cada uma foi
necessário refletir e tomar decisões metodológicas. Assim, na primeira etapa optámos pelas
seguintes técnicas de recolha de dados:

• Observação participante de todas as sessões de formação;


• Escrita de notas de campo;
• Entrevista semi-diretiva de tipo biográfico a cada uma das formadoras;
• Análise de documentos.

Na segunda etapa utilizaram-se as seguintes técnicas de recolha de dados:

• Questionário com respostas fechadas de caracterização dos professores (dados


demográficos) e com respostas abertas sobre o processo de formação e a aplicação do
programa;
• Entrevistas semi-diretivas aos professores/formandos que frequentaram a ação de
formação observada;
• Análise de documentos.

Todos os dados foram sujeitos à análise de conteúdo, tendo-se utilizado o software NVIVO na
análise dos questionários e das entrevistas de follow-up aos professores. Sintetizamos este
processo na seguinte figura:

118
1ª ETAPA 2ª ETAPA
Princípios orientadores e Mudanças nas conceções e
processo de formação práticas dos professores

ANÁLISE DOCUMENTAL

Observação Participante – 15 Formados e Questionário Aberto – 41 Professores


2 formadoras
Entrevistas de follow-up – 11 Professores
Entrevista de tipo biográfico – 2
Formadoras

ANÁLISE DE CONTEÚDO - TEMÁTICA E CATEGORIAL

Figura 2- Síntese das técnicas de recolha e análise de dados


utilizados nas duas etapas de investigação

5.1 Observação Participante

Observar é uma técnica que nos permitiu investigar o fenómeno em estudo, no caso presente, o
programa de formação no seu contexto natural. Tendo em conta os objetivos enunciados para
esta investigação pareceu-nos fundamental e clarificador utilizar a observação participante.
Técnica que coloca o investigador em contacto direto, continuado e paritário com os sujeitos
participantes no fenómeno em estudo. (Amado & Silva, 2013). A opção por esta técnica justifica-
se pela necessidade de vivenciar a experiência de formação, colocarmo-nos no lugar do outro de
forma a obtermos informações sobre o como e o porquê deste tipo de formação, descrevendo e
analisando o modo como os professores/formandos e as formadoras vivem e interpretam todo
este processo (Amado & Silva, 2013). A investigadora/observadora participou como professora
formanda na vida quotidiana do grupo, que tinha conhecimento do seu duplo papel de formanda

119
e investigadora. A finalidade foi conhecer, compreender e inferir os princípios e as práticas de
formação com detalhe e em profundidade, procurando também perceber o que os professores em
formação pensam ou fazem nas circunstâncias em estudo, através da imersão do investigador no
contexto dos entrevistados, recolhendo dados sobre os seus diferentes encontros (Bisquerra
Alzina, 2004). Os dados recolhidos foram obtidos durante as cinco sessões de formação,
correspondentes a um total de vinte cinco horas, e decorreram de 4 de Maio a 8 de Junho de 2013,
na Escola Secundária Miguel Torga, em Queluz. O foco desta observação foi a formação na sua
totalidade, pelo que procurámos observar situações variadas, concentrando-nos nas dinâmicas
próprias da formação, mas também em aspetos mais específicos das interações entre os
participantes. Estivemos particularmente interessados nos princípios que orientam a formação,
nas dinâmicas relacionais, nas estratégias e nos materiais utilizados. Houve, da parte da
investigadora, a preocupação de preparar o campo de pesquisa contactando com os sujeitos
envolvidos, pedindo a sua autorização e consentimento informado. Procurou-se inicialmente
observar tudo, mesmo tendo a consciência de que isso é uma tarefa impossível de ser realizada
(Amado & Silva, 2013). Observamos de forma espontânea, enquanto espectadores e atores da
formação, procurando mobilizar a informação na condução do nosso olhar, descrevendo de forma
simples o que íamos captando no contacto com esta realidade.

De acordo com a revisão de literatura, existem várias formas e graus de participação. No que
concerne a este estudo, em particular, a investigadora participou ativamente de todo o processo
e de forma integral, encontrando-se também ela em formação, portanto, participante no mesmo
tipo de dinâmicas, de interação e de avaliação específicas. Foi importante o convívio entre a
investigadora e o grupo, bem como o envolvimento e a possibilidade de compartilhar e
acompanha-lo em todas as situações por ele vivenciadas.

Começámos por Efetuar anotações pouco extensas e codificadas, que posteriormente fomos
relendo e tentámos expandir sem perder o sentido do que tinha sido dito e com o maior rigor que a
nossa memória nos permitia (Correia, 2009). A presença e participação do observador permitiram
um verdadeiro convívio de partilha e, também, de alguma afinidade com os professores formandos,
que facilitou o diálogo e a compreensão de comportamentos e interações observadas. No entanto,
tivemos também em conta que a presença pode causar interferências, conduzindo a alguns
enviesamentos ou alterações do que se pretende observar; para minimizar este “efeito do
observador” (Amado & Silva, 2013) procedeu-se, desde logo, à explicitação das nossas funções

120
enquanto observador e do carácter sigiloso dos dados. Fomos sempre verdadeiros, informando,
clarificando e interagindo com os diferentes sujeitos, de forma a criar o clima de confiança e
empatia indispensável para que os participantes expressassem livremente e sem reticências as suas
impressões sobre os processos educativos que se encontravam a vivenciar (Bogdan & Biklen,
1994).

Elaborámos, desde o primeiro dia, notas de campo, onde íamos fazendo anotações in loco e, no
final de cada sessão, escrevíamos com detalhe o que tinha acontecido (Bogdan & Biklen, 1994).
Estas notas de campo (Anexo, 1) apresentavam detalhes com alguma precisão e extensão, o que
nos permitiu descrever e analisar esta formação contínua de professores. Como o nosso objeto de
estudo é o programa de formação de professores em filosofia com crianças e jovens, procurámos
perceber através da descrição do conteúdo das sessões, das questões que se colocaram na formação,
da interação entre as formadoras e os professores formandos, das dinâmicas criadas e das estratégias
propostas, o modelo e os princípios orientadores da formação inspirando-nos em Estrela e Estrela
(2001). Também tivemos em atenção os comentários que os formandos foram fazendo entre si,
tentando retirar algumas elações sobre o modo como percecionavam o processo de formação. O
discurso das formadoras na formação permitiu-nos ainda, inferir alguns aspetos que estas
consideram importantes e que constituem o perfil do professor para trabalhar com o programa.

Questões éticas

O grau de participação foi negociado com as formadoras e com os professores formandos. Antes
da formação realizou-se uma reunião com as duas formadoras, onde o projeto de pesquisa foi
apresentando. As formadoras manifestaram entusiasmo, total disponibilidade para ajudar no que
fosse necessário e abertura para facultar documentos referentes à formação presente e passada e
para participar na recolha de dados. Combinámos, logo nessa reunião, que na primeira sessão o
projeto seria apresentado pela investigadora aos professores formandos e seria pedido o seu
consentimento para realizar a observação participante. Ao pedirmos às formadoras para gravar as
sessões, uma delas mostrou-se reticente, pois considerou que isso poderia influenciar os formandos,
nomeadamente no que se refere à participação e ao à vontade que considera fundamental irem
adquirindo neste tipo de formação. Aceitámos a sua justificação e procurámos registar frases,
conceitos e palavras-chaves sobre acontecimentos que considerávamos importantes. Ao longo do
processo de observação fomos realizando notas descritivas das situações observadas

121
5.2 Entrevista semi-diretiva

A entrevista, enquanto técnica de recolha de dados, tem como objetivo obter informação, de
forma oral e personalizada, sobre acontecimentos vividos e aspetos subjetivos da pessoa, como
crenças, atitudes, opiniões ou valores em relação com o assunto que se está a estudar (Bisquerra
Alzina, 2004). De acordo com a natureza qualitativa do estudo que pretendemos realizar, esta
técnica tem uma identidade própria e é um complemento das outras técnicas que iremos utilizar.
É um tipo de entrevista que requer uma preparação cuidado, através da construção de um guião,
onde estão delineados os objetivos a atingir com a entrevista, a organização da entrevista e
orientações para perguntar. “A entrevista de investigação não se improvisa; pelo contrário ela
exige um elevado esforço de preparação” (Amado & Ferreira, 2013, p. 213). Neste formato, as
perguntas são realizadas de forma aberta o que permite obter uma informação mais “rica e
matizada” (Quivy & Campenhoudt, 2005). Através desta técnica, procuramos ir entrelaçando os
temas de forma a construir progressivamente um conhecimento holístico e compreensivo da
realidade. Na condução, estivemos atentos às respostas, numa atitude de escuta ativa, de forma a
conseguir estabelecer conexões entre elas, reconhecendo estruturas invisíveis que organizam o
discurso do entrevistado (Bourdieu, 1999). A entrevista é, assim, uma forma de interação social
cujo foco é o uso da palavra, de símbolos e de signos preponderantes nas relações humanas.
Através dela procurámos dar sentido à realidade que nos ocupa (Flick, 2005).

A entrevista semi-diretiva foi aplicada nas duas etapas de investigação. Em ambas se estabeleceu
uma relação intersubjetiva entre o entrevistador e o entrevistado, o que propiciou abertura e à
vontade para que as informações pretendidas se evidenciassem no discurso das formadoras e dos
professores entrevistados (Amado & Ferreira, 2013). Na utilização desta técnica, as trocas verbais
e não-verbais que se foram estabelecendo conduziram a uma maior compreensão dos significados,
das opiniões e das vivências dos entrevistados. Na primeira etapa realizámos entrevistas em
profundidade, de carácter biográfico, às duas formadoras, o que possibilitou uma flexibilização no
processo de investigação, fornecendo novas temáticas para aprofundamento (Bisquerra Alzina.,
2004). Esta entrevista teve como objetivos gerais: recolher episódios e narrativas de formação
significativas; conhecer as opiniões das formadoras acerca dos contributos da formação para o seu
desenvolvimento pessoal e profissional; conhecer as estratégias que as formadoras utilizam na
formação e como o fazem; conhecer as perceções das entrevistadas acerca dos processos de
formação, os desafios e os limites do programa de filosofia com crianças e jovens. Assim, incidiu

122
sobre temas como o modelo ou modelos de formação que se encontram a utilizar; os princípios
orientadores da formação; o modo como perspetivam o profissionalismo para trabalhar com o
programa; as dificuldades que percecionam nos professores e nos alunos, e o modo como estes
reagem ao programa. O guião da entrevista (Anexo, 3) é composto pelo bloco (A) de apresentação
(legitimação da entrevista- informações / criar um ambiente apropriado à entrevista), pelos blocos
temáticos de questões: (B) Experiência como formandas e como formadoras, (C) Desafios e limites
do programa; (D) Processos/ Dinâmicas de formação. A entrevista termina com um bloco (E) de
finalização da entrevista (Síntese e reflexão sobre a entrevista/ Agradecimentos). As entrevistas
foram gravadas e tiveram a duração de aproximadamente noventa minutos, transcritas na íntegra e
sujeitas à análise de conteúdo (Anexos, 4 e 5) e em conjunto com as notas de campo serviram de
base para a construção dos questionários.

Na segunda etapa de investigação, efetuámos entrevistas de follow-up, que ocorreram passados


2
três anos, aproximadamente, do processo formativo em que os professores estiveram
envolvidos. Alguns professores que frequentaram esta formação encontravam-se a lecionar na
mesma escola, caso de três professoras do primeiro ciclo (correspondente a um grupo) e de duas
educadoras de infância (outro grupo) que, por motivos de horários e disponibilidades, se acordou
fazerem a entrevista em conjunto (por grupo disciplinar). Assim, formou-se um pequeno grupo
com três elementos e outro com dois. Também uma professora de filosofia e uma professora de
expressões Artísticas (atividades extra curriculares), da mesma família, mostraram
disponibilidade apenas no mesmo dia e à mesma hora, pelo que também neste caso se realizou a
entrevista com as duas. Tivemos assim três entrevistas em pequenos grupos e cinco entrevistas
individuais. É importante referir que, quando foram contactados por telefone para realizarem as
entrevistas, os professores mostraram total disponibilidade e entusiasmo e, desde logo, marcaram
uma hora para se concretizar a entrevista. Todas as entrevistas tiveram uma duração aproximada
de sessenta minutos e foram realizadas nas escolas dos entrevistados, com exceção de uma que
teve lugar no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, por ser perto da residência das
duas entrevistadas e elas só terem disponibilidade ao sábado. Estas entrevistas tinham como
objetivos gerais: compreender o modo como os professores percecionam os contributos desta
formação para o seu desenvolvimento profissional; conhecer as perceções dos professores acerca

2
A ação de formação decorreu em 2013 e as entrevistas foram realizadas em 2016.

123
de mudanças específicas ocorridas nas suas práticas pedagógicas; identificar mudanças nas
práticas pedagógicas dos professores, que estes relacionam com a formação; conhecer de que
modo os professores aplicam os conhecimentos que adquiriram na formação profissional. Esta
entrevista incidiu, fundamentalmente, nas eventuais mudanças percecionadas pelos professores
no âmbito dos conhecimentos e das crenças, das práticas pedagógicas e da participação na escola.
À semelhança da entrevista às formadoras, esta entrevista contém um bloco inicial de legitimação
da entrevista (A), blocos temáticos de questões, organizados da seguinte forma: (B) Formação
no Centro Diálogos Filosofia com crianças…e outras idades e desenvolvimento profissional;
(C) Mudanças nas práticas pedagógicas de sala de aula; Mudanças introduzidas na participação
da escola. Por fim, termina com o bloco (E) síntese e reflexão sobre a entrevista e
agradecimentos.

As entrevistas, depois de transcritas, foram enviadas aos participantes para que estes pudessem
rever e reformular o que tinham dito. Transcreveram-se todas as entrevista (Anexo, 10) que foram
sujeitas à análise de conteúdo. Temos como grande finalidade, nas entrevistas dirigidas às
formadoras bem como aos formandos, perceber se, de facto, este tipo de formação fomenta nos
professores a reflexão sobre a sua prática e o sistema de ensino em geral, e se provoca alterações
nas suas práticas, hipótese que sustenta a nossa investigação.

5.3 Inquérito por questionário

O questionário é um complemento à observação participante e às entrevistas realizadas às


formadoras, e incide nas perceções dos professores de diferentes grupos disciplinares sobre a
formação em filosofia com crianças e jovens, suas experiências e vivências na formação,
dificuldades sentidas e eventuais mudanças nas práticas educativas e formativas e dificuldades
sentidas na aplicação do programa. O questionário tem, como principal objetivo, realizar um
levantamento das mudanças mais significativas que tiveram lugar nas práticas dos professores,
especialmente no que se refere à relação pedagógica, ao ensino centrado no aluno, ao diálogo, à
reflexão na e sobre a prática e à comunidade de investigação. De acordo com estas finalidades
elaborámos um questionário contendo questões fechadas de caracterização dos professores e
questões abertas que incidem nas perceções dos professores de diferentes grupos disciplinares a

124
respeito da motivação para a formação em filosofia com crianças e jovens, a importância que
atribuem a esta formação, as eventuais mudanças nas práticas educativas e formativas e as
dificuldades sentidas na aplicação do programa. Este tipo de questionário tem a vantagem de
permitir destacar “as perceções, experiência subjetiva e representações dos respondentes acerca
do tema em apreço” (Amado, 2013). Conforme referimos, os questionários foram
disponibilizados online a 138 professores (total de contactos que obtivemos das formadoras), o
que corresponde ao número de formandos que fizeram a formação em filosofia com crianças e
jovens no período compreendido entre 2006 a 2013 inclusive. Não sabemos a quantos professores
ele chegou efetivamente; obtivemos apenas 41 respostas, que constitui a amostra de inquiridos,
que acederam responder à solicitação de forma voluntaria e anónima online. As respostas às
perguntas abertas foram sujeitas à análise de conteúdo.

Neste âmbito a análise de conteúdo efetuada teve em conta os objetivos específicos e questões
de investigação delineados no quadro 6:

Quadro 6 - Objetivos específicos e questões de investigação do questionário

Objetivos específicos Questões de Investigação

Caracterizar os professores que Que professores têm vindo a frequentar esta formação? De
procuram e participam nesta que grupos de docência? Que fase da carreira? De que
formação escolas? Que cargos ou funções desempenharam?

Como é que os professores participantes nesta formação


Conhecer as perspetivas dos
interpretam os processos formativos? Como entendem as
professores acerca dos processos
estratégias de formação adotadas? Os recursos? A
formativos
metodologia? Os processos de avaliação?

Identificar e caracterizar práticas


pedagógicas de integração da Como é que os professores transferem os conhecimentos
Filosofia com Crianças no espaço adquiridos na formação para o seu quotidiano profissional?
escolar.

Perceber o impacto que este tipo


de formação tem no Que impactos desta formação reconhecem no seu
desenvolvimento profissional dos desenvolvimento profissional?
professores.

Com o questionário, procurámos perceber, de forma mais aprofundada, se os professores sentem


que a participação na formação em filosofia com crianças e jovens contribui para o seu
desenvolvimento pessoal e profissional, e que fatores identificam e consideram determinantes

125
para o seu desempenho enquanto profissionais, bem como, as razões que os fundamentam.
Pretendeu-se, também, perceber se os dados apoiam ou inferem a nossa hipótese de que os
professores que frequentam este tipo de formação se tornam mais críticos criativos e reflexivos,
não só no que concerne ao ensino da filosofia em particular, mas também ao ensino em geral. Os
resultados, obtidos através da análise de conteúdo do questionário, permitiram apontar indícios
de uma mudança nas práticas dos professores e as dificuldades que estes sentem existir na
aplicação do programa.

5.4 Documentos formais e informais

Ao longo do trabalho de campo recorreu-se à análise documental com o objetivo de


complementar a informação obtida pelas outras técnicas descritas e a descrever. Tivemos acesso
a planificações diárias da formação efetuadas pelas formadoras, aos formulários de apresentação
da ação de formação submetidos ao conselho científico-pedagógico de formação contínua e a
avaliação do programa na modalidade de estágio nos anos de 1999 a 2001, portanto, num período
anterior ao da formação em estudo. Também tivemos acesso a todos os materiais utilizados na
formação, a textos escritos pelas formadoras sobre a formação e a algumas reflexões críticas
realizadas pelos professores no âmbito da sua avaliação. Estes documentos forneceram
informações úteis para o objeto em estudo, nomeadamente, informação retrospetiva e referencial
sobre a formação, que fomos cruzando com as outras informações. A análise documental foi
realizada de forma sistemática e planificada, de acordo com os documentos a que tivemos acesso,
implicando um conjunto de transformações, operações e verificações realizadas a partir dos
mesmos, com a finalidade de atribuir um significado relevante ao programa em estudo (Flores,
1994).

126
6. Técnica de análise de dados – A análise de conteúdo

De acordo com o objeto de estudo, os objetivos traçados, as questões de investigação e a literatura


sobre o tema, procedeu-se à análise de conteúdo de todo o tipo de dados recolhidos. A análise
dos dados decorreu ao longo da investigação seguindo-se um modelo interativo, onde a obtenção
e a análise da informação decorreu em simultâneo, num processo complementar e contínuo
(Bogdan & Biklen, 1994). Os dados foram organizados e sistematizados, numa primeira fase, de
forma isolada, ou seja, à medida que se ia recolhendo os dados procedeu-se à sua análise em
separado. Primeiro foram analisadas as notas de campo; seguiram-se as entrevistas às
formadoras, depois os questionários e, por fim, as entrevistas de follow-up aos professores.
Utilizou-se esta técnica de análise de dados por ser flexível e adaptável aos diferentes
procedimentos de recolha de dados efetuados neste estudo. A análise de conteúdo enquadra-se:

No quadro de uma tradição de pendor tendencialmente sociológico (análise social da


realidade), e por ser uma técnica que aposta claramente nas possibilidades de fazer
inferências interpretativas a partir dos conteúdos expressos, uma vez desmembrados em
categorias, tendo em conta as condições de produção desses conteúdos, com vista à
compreensão dos mesmos (Amado, 2013, p. 300).

A análise de conteúdo permitiu interpretar e relacionar os dados obtidos de acordo com o


contexto e com as perceções dos indivíduos em estudo. O que implicou submeter os dados a
múltiplas manipulações através de um processo cíclico de seleção, categorização, comparação,
validação e interpretação da realidade com o intuito de encontrar um sentido para a totalidade da
informação recolhida. A análise de conteúdo é um processo inferencial, que consiste em
evidenciar os aspetos que não se intuem diretamente, mas que se encontram presentes (Amado,
Costa & Crusoé, 2013).

Neste estudo a análise de conteúdo realizada é temática e categorial. Começamos por efetuar
várias leituras sucessivas do material à medida que este ia sendo recolhido. Analisámos os
testemunhos dos professores separadamente (leituras verticais) seguindo-se uma análise
comparativa (leituras horizontais) onde procurámos reagrupar unidades de significação (temas)
com sentido idêntico ou aproximado nos testemunhos dos professores (Amado, Costa & Crusoé,
2013). O corpus de análise foi reorganizado em temas e, posteriormente, para cada tema foi

127
criado um sistema de categorias (critérios semânticos). A informação foi reorganizada por temas,
em função do seu sentido e de forma transversal às diferentes fontes de dados e às diferentes
questões (no caso das entrevistas e dos questionários), mantendo a sua ligação às respetivas
unidades de contexto. Assim, definiu-se de forma precisa e rigorosa as unidades de sentido, o
que possibilitou o controlo das próprias perspetivas, ideologias ou crenças (Bisquerra Alzina,
2004), passando-se posteriormente à fase definitiva de categorização, momento mais criativo
desta técnica. Este processo resultou de um confronto sistemático entre a literatura na área e os
dados obtidos no terreno e caracterizou-se pela exaustividade na procura pela especificidade dos
dados e na busca de sentido. Construíram-se matrizes de análise específicas para as notas de
campo, as entrevista às formadoras, para o questionário e para as entrevistas de follow-up aos
professores formandos (Anexo, 2,5, 8, 11). No final deste processo, e com vista a demonstrar a
sua fiabilidade, recorremos à colaboração das formadoras que têm conhecimento e experiência
na área com vista à testagem das categorias. O processo de categorização foi sempre apoiado e
discutido com a orientadora e coorientador num trabalho conjunto de procura por uma maior
validade e fiabilidade. Também se apresentou a problemática, o processo de pesquisa e alguns
resultados preliminares junto de colegas e professores em fóruns, seminários, conferências e
congressos, onde foi possível expor e debater ideias e preocupações no âmbito desta investigação.

Na análise das notas de campo e das entrevistas às formadoras destacaram-se aspetos que nos
permitiram, numa primeira fase, inferir os princípios orientadores da formação em filosofia com
crianças e jovens. Para efetuarmos esta análise apoiámo-nos na definição de princípios
apresentada por Estrela e Estrela (2001), aplicada à análise da formação implementada no Projeto
IRA (Investigação- Reflexão-Ação). Recorremos ao software NVIVO para a análise dos
questionários e das entrevistas de follow-up aos professores formandos, devido à extensão dos
dados recolhidos e porque esta ferramenta nos permite uma maior flexibilização do processo,
possibilitando a transferência, a introdução de novos dados e a uma maior sistematização e
explicitação dos mesmos. A utilização deste programa permitiu agrupar os dados em categorias
e indicadores, e o cruzamento entre as fontes e as categorias. Os documentos e respetivas
unidades de registo foram codificados e estas contabilizadas (nos questionários e nas entrevistas,
respetivamente), assim como as de enumeração, correspondentes à área disciplinar e nível de
ensino de cada professor (nas entrevistas).

128
6.1 Temas e categorias emergentes

A análise dos diferentes dados conduziu à construção de três grandes dimensões de análise: (1)
Fundamentos da formação; (2) Processos de formação; (3) Formação e desenvolvimento
profissional docente. As duas dimensões iniciais prendem-se com o processo de formação e
correspondem à primeira etapa de investigação, e a terceira dimensão corresponde ao produto
(resultados) que compõe a segunda etapa de investigação.

A primeira dimensão refere-se ao modelo que se encontra na base deste programa de formação e
aos princípios gerais que a orientam; daí emergem três temas, intitulados: “Modelo de
formação”; “princípios e práticas de formação” e “perfil desejado do professor”. Assim,
consideraram-se num primeiro momento, referências ao modelo utilizado pelas formadoras, que
surgem nas notas de campo e nas entrevistas, em resposta a questões como: “Considera que na
formação que desenvolvem aqui no Centro, seguem que modelo de formação? Porquê?”, “Quais
as estratégias que utilizam prioritariamente na formação?”, “Que materiais pedagógicos utilizam
na formação?” Entre outras. Os princípios orientadores da formação emerge da análise dos dados
de observação participante e das respostas das formadoras a estas perguntas e outras, como, por
exemplo: “Que cuidados ou preocupações tem na articulação entre as práticas pedagógicas
propostas pelo programa e a formação de professores que desenvolvem aqui no Centro?”. “A
partir da sua vasta experiência como formadora e dos contactos que a mesma lhe tem permitido,
pode fazer uma avaliação global do programa de filosofia com crianças e jovens que tem ajudado
a promover no nosso país?”, “Pode relatar uma situação de formação que para si tenha sido muito
gratificante?”, “…E uma situação que sentiu ter sido menos gratificante?”.

Num primeiro momento todo o corpus de análise foi reorganizado em temas e, posteriormente,
para cada tema foi criado um sistema de categorias, algumas definidas a priori, correspondentes
aos princípios orientadores da formação enunciados por Estrela e Estrela (2001), e outras, criadas
de forma emergente. As categorias definidas a priori resultam, em parte, de uma adaptação do
modelo e princípios orientadores da formação (Estrela & Estrela, 2001) em interação com a
revisão de literatura e de acordo com a problemática em estudo (Amado, Costa & Crusoé, 2013).
Assim, nesta área temática, utilizámos os seguintes princípios/categorias de análise: Princípio da
articulação entre a teoria e a prática, princípio da participação e colaboração, princípio do
isomorfismo e princípio da realidade. Da análise dos dados, em interação com a proposta de

129
Lipman (1995) e com o quadro teórico desta investigação, emergiram mais quatro princípios: O
princípio de aprender a pensar, o princípio da diversidade e da reinvenção/criatividade, o
princípio da disponibilidade e da adequação ao ritmo dos aprendentes e o princípio da ética
relacional. Os dados referentes a este tema foram recolhidos, conforme já foi dito, através das
notas de campo e das entrevistas às formadoras.

Quanto ao perfil desejado do professor, consideraram-se as referências das formadoras e dos


professores sobre o que pensam ser o perfil do professor para poder trabalhar de acordo com o
programa; mais especificamente, quais às características que consideram ser fundamentais e
imprescindíveis para se ensinar de acordo com este modelo. Deu-se especial atenção a
referências, expressões e definições que nos permitissem delinear esse perfil. Este perfil é traçado
em função de perguntas do tipo: “Como define o perfil de professor que se pretende formar neste
quadro formativo?” A informação relativa a esta temática surge no discurso das formadoras e na
análise das notas de campo. No quadro seguinte apresentam-se os temas, as categorias e os
indicadores referentes a esta dimensão de análise (quadro 7):

130
Quadro 7 – Fundamentos da formação

Temas Categorias Indicadores

Modelo de Influências de Lipman e Narrativas


formação Brenifier Técnicas de questionamento
Comunidade de investigação

Modelo pedagógico e de Reconstrução/Recriação de um modelo próprio


formação em (re)construção

Princípios de Princípio da Articulação entre Conhecimento/ação


formação a Teoria e a Prática Supervisão da prática pedagógica

Princípio Aprender a Pensar Desenvolvimento do pensamento lógico


Desenvolvimento do pensamento crítico

Princípio da Diversidade e da Capacidade de olhar para si mesmo reinventando-


Reinvenção/Criatividade se
Capacidade de criar as suas próprias dinâmicas
Capacidade de construir os próprios materiais

Princípio da Participação e Comunidade de investigação


Colaboração

Princípio do Isomorfismo Isomorfismo enquanto experiência metodológica de


todo o processo de formação

Princípio da ética relacional Ética do cuidado


Educação para os valores

Princípio da Realidade Situações vividas no quotidiano

Princípio da disponibilidade e Tempo e atenção às necessidades dos formandos


da adequação ao ritmo dos
aprendentes

Perfil desejado Papel do professor no grupo- Facilitador/ Orientador da prática


do professor turma

Função do professor Quase salvífica

Características do professor Bom humor


Ser flexível
Saber lidar com o inesperado
Ser livre/ capacidade de se colocar em causa
Capacidade de se colocar no lugar do outro
Não ser autoritário /seguro de si
Humildade
Mente aberta/ Íntegro
Capacidade de se auto transformar

131
A segunda dimensão de análise prende-se com o processo de formação. Nesta dimensão de
análise encontrámos três temas: motivação para a formação; dinâmicas de formação; dificuldades
sentidas na formação.

Num primeiro momento analisa-se as razões /motivos que levaram os professores a frequentar a
formação em filosofia e o seu discurso sobre as expectativas acerca da formação. As informações
recolhidas surgem no questionário em perguntas do tipo: “Que motivo(s) o(a) levaram a
frequentar a formação em filosofia com crianças e jovens?”, “Que importância teve para si a
participação neste programa de formação?” Os dados que informam esta dimensão emergem
também das notas de campo, designadamente os dados recolhidos logo na primeira sessão, onde
as formadoras pediram aos formandos para se apresentarem e dizerem o motivo que os levou a
escolher esta formação.

O próximo tema incide especificamente sobre os conteúdos e as dinâmicas de formação, pelo


que se analisa num primeiro momento as perceções dos participantes acerca dessas dinâmicas e
posteriormente as dificuldades que sentiram ao longo do processo formativo. Os dados recolhidos
nas respostas aos questionários acerca do processo de formação, surgem em respostas a perguntas
do tipo: Que importância teve para si a participação neste programa de formação? O que destaca
do programa de formação como aspetos mais relevantes para o seu desenvolvimento
profissional? No que se refere às entrevistas de follow-up aos professores a informação vai
surgindo no seu discurso à medida que estes vão respondendo às questões da entrevista.

Nesta dimensão de análise apresentam-se ainda as dificuldades sentidas pelos professores ao


longo do processo formativo e as perceções das formadoras acerca dessas eventuais dificuldades.
Esta temática resultou das entrevistas às formadoras, designadamente a respostas a perguntas do
tipo: Como é que os formandos reagem às diferentes estratégias e materiais que utilizam? Nas
sessões de formação, que atividades são desenvolvidas com os formandos? Relativamente aos
formandos, e pensando na experiência que têm tido ao longo dos vários anos de formação, como
veem o seu envolvimento na formação? Estão interessados? As notas de campo também
fornecem informação acerca deste tema. No quadro 8 apresentam-se os temas, as categorias e os
indicadores referentes a esta dimensão de análise:

132
Quadro 8 – O processo de formação

Tema Categorias Indicadores

Motivação dos Motivações pessoais Interesse


professores Curiosidade
para a
formação Motivações profissionais Melhorar a Prática pedagógica
Preparar para novos públicos
Obtenção de créditos
Aprofundar conhecimentos
Preocupações éticas e de cuidado
Qualidade do trabalho das formadoras
Criar um projeto para a escola

Dinâmicas de Conteúdos de formação Programa de filosofia para crianças e jovens


formação valorizados Temas abordados
Metodologias de ensino (estratégias e recursos)

Metodologias de formação Experimentação/treino


Técnicas de questionamento/do pensar
Debates e outras atividades práticas
Reflexão sobre situações/casos
Ligação formação-ação educativa
Trabalho formativo em geral

Desempenho das formadoras Clima relacional criado

Processos de Conhecimento de si
autoconhecimento

Avaliação global Satisfação em relação à formação

Dificuldades Ensino da filosofia Manter o diálogo/discussão de pendor filosófico


sentidas ou
percecionadas O programa de filosofia com Gestão do tempo
crianças e jovens Resistência ao programa
ao longo da
formação No trabalho em grupo Respeito pelas regras do debate
Sair da zona de conforto
Sair do seu quadro mental

A última dimensão incide sobre o produto da formação, designadamente o seu impacto no


desenvolvimento profissional dos professores. Assim, esta última parte refere-se aos resultados
da formação. No fundo, tentar compreender o que mudou nos professores em resultado da
formação e como transferiram essas mudanças para o seu quotidiano profissional. Neste contexto
procurámos compreender os processos de pensamento, as crenças e as práticas pedagógicas dos
professores. Este eixo de análise abrange os seguintes temas: as mudanças nos professores; as
mudanças nas crianças; as mudanças que os professores introduziram na sua participação nas

133
escolas, e as dificuldades que sentiram na transferência do programa para o seu quotidiano
profissional.

Os dados que informam o tema das mudanças nos processos de pensamento, nas crenças e nas
práticas dos professores foram recolhidos pelas entrevistas às formadoras e aos professores
formandos e pelos questionários. Assim, analisaram-se os diferentes dados sendo que, nas
entrevistas de follow-up (aos professores/formandos) destacam-se, de forma mais evidente, os
efeitos desta formação no desenvolvimento profissional docente, designadamente em respostas
a perguntas do tipo: Que mudanças identifica nas suas práticas profissionais que relaciona com
esta formação? Que atividades tem vindo a realizar com os alunos no âmbito do programa
filosofia com crianças e jovens? Com que objetivos? Das atividades que desenvolve qual é, para
si, a mais gratificante? E a menos gratificante? Ou a que lhe cria mais dificuldades?

Os efeitos ou mudanças percecionadas pelos professores foram categorizados de acordo com a


literatura sobre a avaliação da formação e do desenvolvimento profissional docente,
designadamente com base em Kirkpatrick (1976) e Marcelo (2009). As mudanças percecionadas
pelos professores na sua prática pedagógica prendem-se com a introdução de novas técnicas e
estratégias no seu quotidiano profissional, vários professores falam ainda sobre a importância da
formação para a consolidação das práticas que já utilizavam, mudanças nas suas planificações e
na relação com os pais.

Os efeitos das práticas filosóficas, percecionados nos alunos, prendem-se fundamentalmente com
o modo como os alunos reagem a esta abordagem e o tipo de desenvolvimento que os professores
e as formadoras observam neles quando aplicam o programa. Também são referidas mudanças
que os professores relatam na participação na escola; neste campo aferiram-se aspetos
relacionados com a introdução da filosofia na colaboração com os colegas, e com a direção da
escola, designadamente na criação de um projeto de filosofia com crianças e jovens para
implementar na escola.

Nesta dimensão apresenta-se, por fim, as dificuldades sentidas pelos professores na transferência
do programa para o seu quotidiano profissional. Esta dimensão de análise surge em quase todas
as fontes, nomeadamente nas entrevistas às formadoras e aos professores/formandos e no
questionário, em resposta a questões do tipo: Que dificuldades considera existir na aplicação de

134
um programa como este? Como vê a participação das escolas e dos professores na disseminação
dos princípios e das práticas pedagógicas que fazem parte deste programa? Os temas, as
categorias e os indicadores referentes a esta dimensão de análise são apresentados no quadro 9.

Quadro 9 – Formação e desenvolvimento profissional docente

Temas Categorias Indicadores

Mudanças nos Mudanças no Mudanças nos processos de pensamento


professores conhecimento

Mudanças nas Acerca do ensino da filosofia


crenças Quebra de preconceitos

Mudanças nas Exploração de situações do quotidiano/ A prática filosófica


práticas surge de forma espontânea
pedagógicas Trabalhar sentimentos e emoções
Utilização de técnicas de questionamento
Temas trabalhados/ Exploração de conceitos
Valorização das diferenças
Trabalhar a desconstrução de preconceitos
Relação pedagógica / gestão do comportamento dos alunos
Valorização da experimentação
Atenção ao ritmo de aprendizagem dos aprendentes
Valorização do diálogo no sentido da construção conjunta
de conhecimentos
Utilização das novelas trabalhadas na formação
Exploração de outras narrativas
Construção de histórias
Estratégia de escrita de cartas
Técnica da leitura partilhada
Novas abordagens na relação com os pais
Inserção das práticas filosóficas na planificação

Mudanças nas Reação inicial das Estranheza/silêncio


crianças crianças às práticas
filosóficas

Mudanças na Capacidade de escuta/ Respeito pelo outro


relação com os Envolvimento participação
outros

Desenvolvimento Pensamento crítico e criatividade


das aprendizagens

Mudanças na Colaboração Com professores da mesma escola e grupo disciplinar


ação ao nível Com professores de diferentes grupos disciplinares
da escola como
um todo Disseminação do Sensibilizar os colegas para a importância da formação
programa

Criação de projetos Não criaram um projeto para a escola


Criaram um projeto para a escola

135
Quadro 9 – Formação e desenvolvimento profissional docente (cont.)

Temas Categorias Indicadores

Dificuldades Dificuldades a nível Resistência das políticas públicas à inovação


sentidas na do macrosistema Falta de renovação da população docente
transferência Congelamento da carreira docente/ Falta de motivação dos
professores
do programa
Falta de formação de longa duração na área
para o
quotidiano
escolar

Dificuldades a nível Falta de abertura das direções à inovação


da escola enquanto Turmas muito grandes/elevado número de turmas por
organização professor
Burocratização da profissão docente
Falta de continuidade pedagógica
Intensificação do trabalho do professor
Falta de colaboração entre professores/isolamento
Falta de adesão dos professores ao programa
Desvalorização do trabalho pedagógico nas AECs

Dificuldades na Extensão dos conteúdos


gestão do currículo Pressão dos exames
Desarticulação entre currículo e projetos
Falta de tempo

Dificuldades na Dificuldade dos alunos em aderir às regras do debate


relação com os Diferenciação pedagógica/ritmos de aprendizagem muito
alunos diversos
Falta de disponibilidade das crianças nas AECs

Não sentiram Maior consciencialização dos pais e da direção das escolas


dificuldades Liberdade para decidir em termos pedagógicos e
curriculares
Sem especificar

Orientamos o nosso percurso de análise dos diferentes dados de acordo com os objetivos de
investigação segundo o esquema que apresentamos na figura 3:

136
Modelo, Principios e práticas de formação

Da análise das práticas aos principios de


Perfil desejado do professor
formação

O processo de formação

Dificuldades sentidas na
Motivação Dinâmicas de formação
formação

Efeitos da formação no desenvolvimento profissional dos professores

Mudanças nos Mudanças Mudanças Dificuldades na transferência do


professores nas crianças na escola programa para o quotidiano escolar

Figura 3 – Percurso de análise dos dados

As dimensões de análise descritas emergem dos dados recolhidos nas duas etapas de
investigação. Os dados apresentam informações que, no seu conjunto, permitem descrever e
avaliar os processos de formação, estratégias e dinâmicas utilizadas e, também, constatar
mudanças no modo de pensar e de agir dos professores. Os dados foram cruzados
progressivamente até se chegar a uma sistematização final, constructo interpretativo e
representativo das perceções dos professores sobre o programa de formação em filosofia com
crianças e jovens e o contributo para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

137
7. Validade e Fiabilidade da Investigação

A investigação em educação necessita de ser rigorosa e pautar-se por critérios de qualidade


científica. O que significa que a opção pela realização de uma pesquisa de natureza qualitativa
implica questionamento e preocupação com a validade e a fidelidade de todo o processo de
recolha, análise e interpretação dos dados. De facto, investigar no paradigma positivista não é o
mesmo que investigar no paradigma fenomenológico- interpretativo; nem os critérios de rigor,
validade e fidelidade são os mesmos (Amado, 2013). No caso de quem investiga no paradigma
interpretativo, como é o nosso caso, as teorias ou hipóteses não são verificadas ou testadas, não
se procura uma verdade única, mas antes mostrar a utilidade, ou o eventual contributo da
realidade em estudo para o quotidiano profissional dos indivíduos, designadamente promovendo
mudanças, inovação no seu modo de agir, em função, ou de acordo com cada contexto (Elliott,
2007).

Ao longo do trabalho, muitas vezes refletimos sobre a validade e a fidelidade deste estudo, porque
consideramos que o rigor e a qualidade são imprescindíveis na investigação. De acordo com
Estrela (2002), Alarcão (2001a), Esteves (2001), Nóvoa (2002) entre outros, a investigação deve
ser relevante, útil e problematizadora da realidade profissional dos professores. A investigação
em educação deve, assim, produzir conhecimentos rigorosos, acessíveis e impulsionadores de
mudanças. Para quem investiga no paradigma interpretativo, os critérios propostos por Guba e
Lincoln (1998), e que seguimos nesta investigação, devem ser: a credibilidade; a
transferibilidade; a consistência e a aplicabilidade ou confiabilidade.

Credibilidade

A credibilidade prende-se com a multiplicidade de fontes de informação, com a multivocalidade,


com a focalização progressiva e com o grau de concordância dos participantes relativamente às
interpretações do investigador. Para se atingir a credibilidade é importante descrever o contexto
de forma rica, sensível, convincente e plausível, que satisfaça e vá ao encontro do que foi dito e
partilhado pelos participantes na pesquisa. Com esta preocupação em mente procedemos a uma
descrição detalhada do caso (programa de formação em filosofia com crianças e jovens) com
base nos testemunhos e discurso dos participantes submetendo posteriormente os dados à sua
aprovação com o objetivo de chegar a interpretações convergentes, “in other words, the case is

138
credible when what the researcher presents describes the reality of the participants who informed
the researcher in ways that resonate with them” (Conrad & Serlin, 2006, p. 413). Outro aspeto
que contribui para o rigor, consistência e, por conseguinte, credibilidade de uma pesquisa
qualitativa é o recurso a um ou mais protocolos de triangulação (Denzin, 1989; Flick, 2005;
Stake, 2007). No caso específico deste estudo, usámos a triangulação metodológica, combinando
diversas técnicas de recolha de dados. Também procurámos verificar se o fenómeno em estudo
se mantém inalterado em circunstâncias e em momentos ou ocasiões diferentes (Denzin, 1989).
Assim, conduziu-se o estudo em diferentes momentos no tempo. As notas de campo foram
recolhidas no ano de 2013 através da observação participante. No final da formação procedeu-se
à entrevista às formadoras. O questionário foi aplicado aos professores que frequentaram a
formação desde o seu início em 2006 até ao ano de 2013 inclusive, no ano de 2014. E as
entrevistas de follow-up aos professores formandos de 2013 foram realizadas em 2016. Esta
recolha de dados aconteceu quase sempre no mesmo grupo, com exceção do questionário que
abriu a recolha a indivíduos novos; esta abertura permitiu explorar as diferenças temporais e
espaciais, conduzindo a algumas considerações comparativas. Assim, foi-nos permitido
identificar mudanças nas práticas dos professores, em resultado da formação em filosofia com
crianças e jovens, e perceber se transferiram as aprendizagens e técnicas experienciadas na
formação para o seu quotidiano profissional, e como o fizeram.

As técnicas de recolha de dados foram combinadas de acordo com os objetivos do estudo, de


forma a dar resposta ao seguinte tipo de informações que apresentamos no Quadro 10, inspirado
em Cohen, Manion e Morrison (2005).

139
Quadro 10 - Informações pretendidas e técnicas de recolha de dados adotadas para as recolher

Técnicas de recolha de dados

Entrevistas
Informações Entrevista Notas
follow-up aos
às Questionário de
professores/
formadoras Campo
formandos

Da análise das práticas aos


XX X
princípios da formação

Perfil do professor aplicador


XX X
do programa

Motivação para a formação X XX

O processo de formação X XX

Dificuldades na formação XX X

Mudanças nos professores XX X

Mudanças nas crianças XX XX X

Mudanças na escola XX X

Dificuldades na aplicação do
X XX
programa

Legenda
X- Técnicas de recolhas de dados mais eficientes
XX- Técnicas de recolhas de dados complementares

Neste quadro, é visível que as técnicas de recolha de dados se complementam umas às outras,
fornecendo diferentes tipo de informação. A busca pelo rigor assenta, ainda, na triangulação de
teorias, onde procurámos salientar algumas incertezas, evidências negativas e confronto com
teses rivais (Conrad & Serlin, 2006).

Transferibilidade

No caso desta investigação, não se procura nem é expetável que os dados sejam generalizados, o
que pretendemos é que este estudo de caso seja útil para pensar, refletir sobre outro contexto
dentro da mesma problemática, ou seja que possa ser aplicado a outras situações ou grupos
(Amado & Vieira, 2013). Com este objetivo em mente procurámos ser exaustivos e rigorosos na
descrição do caso e na sua apresentação, tendo um especial cuidado na explicação dos
procedimentos e técnicas de recolha e análise de dados, fornecendo o máximo de detalhes

140
possíveis “for a later researcher to ascertain whether the case is similar enough to be relevant”
(Conrad & Serlin, 2006, p. 416).

Consistência

A consistência depende da possibilidade de replicação, ou seja, o estudo será consistente na


medida em que os seus resultados se repetiam em situações ou contextos similares quando se
usam as mesmas técnicas de recolha de dados. Como desenvolvemos uma pesquisa qualitativa e
em particular um estudo de caso assumimos a complexidade do real, no sentido em que a
realidade é dinâmica e encontra-se em permanente mudança, assim, não se aspira a uma
replicação porque inevitavelmente as situações sofrem alterações, modificam-se (Amado &
Vieira, 2013). No entanto, conforme referido anteriormente, procuraremos descrever
pormenorizadamente e com rigor a metodologia, as técnicas de recolha de dados e a análise
efetuada de modo a permitir que outros investigadores possam perceber o processo percorrido e
reanalisar os dados recolhidos (Cohen, Manion & Morrison, 2005).

Confirmabilidade

A investigação, designadamente as descobertas devem refletir os dados recolhidos, isto implica


que o processo de interpretação e de construção do conhecimento que originam são
independentes e não podem estar sujeitas às crenças, aos preconceitos ou motivações do
investigador. É necessário assumir uma relativa neutralidade e liberdade razoável. Neste âmbito
temos como preocupação representar de forma justa, clara, rigorosa e imparcial o que se passa
na realidade. Assim, a neutralidade assenta, nas interpretações efetuadas pelos participantes, no
modo como estes confirmam as interpretações ou leituras do seu discurso por parte do
investigador, na expressão da sua voz e não nos desejos e juízos da investigadora (Amado &
Vieira, 2013).

Em jeito de conclusão, referimos que nesta investigação procurámos olhar para o objeto em
estudo de forma reflexiva e crítica, recorrendo a diferentes ângulos e perspetivas, comparando
resultados de várias técnicas de recolha de dados e fontes diversas de informação. Também
tivemos como preocupação problematizar e apresentar alguns factos contraditórios, mantendo-
nos fiéis aos vários pontos de vista dos participantes no estudo. Por fim, garantiu-se a diversidade

141
de sentidos expressos pelos interlocutores, abandonando a ideia de uma verdade única e
universal.

8. A Ética na Investigação – Compromissos assumidos nesta pesquisa

As questões éticas incontornavelmente surgiram em diferentes momentos desta investigação. Ao


longo do processo de pesquisa tivemos sempre presente a importância e necessidade de respeitar
todos os envolvidos bem como aqueles que, direta ou indiretamente, serão afetados pela
investigação. Assim, começámos por garantir o consentimento informado, dos sujeitos
participantes na pesquisa. Esta tarefa inicial consistiu em informar os participantes, de forma
clara, rigorosa e compreensível, no que consistia a pesquisa, pedindo o seu consentimento. Estes
aderiram de forma voluntária e entusiástica. A obtenção do consentimento no primeiro estágio
da pesquisa teve, como objetivo, conseguir a boa vontade e cooperação dos participantes, o que
se revelou fundamental para a obtenção de dados, designadamente devido à permanência da
investigadora no terreno durante o período de tempo que durou a formação de professores.
Garantimos desde logo o anonimato de todos os participantes, tratando toda a informação de
forma confidencial. Possibilitámos a revisão das entrevistas aos entrevistados, enviando uma
cópia a todos do relatório final e informando da possibilidade de publicar, o que foi acolhido por
todos com entusiasmo.

Uma vez que consideramos imprescindível manter uma posição de humildade e de busca
permanente pelo conhecimento, preservando sempre a dignidade dos indivíduos, tentámos
descrever, analisar e problematizar o que foi dito, procurando garantir o sentido e a essência do
discurso. A investigação que realizámos incide sobre uma temática que exerceu especial impacto
na investigadora, pelo que foi importante encontrar técnicas de distanciamento e estratégias para
contornar tendências. O investigador é também ele uma pessoa, um construtor do mundo que
está a estudar, pelo que se torna necessário manter uma atitude permanente de autocrítica e
questionamento, reforçada por uma abertura metodológica, pela exploração de novas
possibilidades, por um clima de confiança e pela partilha de decisões com os participantes.

142
CAPÍTULO VI
DO MODELO DE FORMAÇÃO INICIAL À FORMAÇÃO NA
ATUALIDADE NO CENTRO DIÁLOGOS FILOSOFIA COM
CRIANÇAS E…OUTRAS IDADES

1. O Programa de formação e o contexto social e pedagógico em que surge

A 14 de Outubro de 1989, depois de vários esforços de um núcleo de professores, entre os quais


Zaza Carneiro de Moura, Ana Maria Vieira e Maria Rego inicia-se em Portugal a formação de
professores em Filosofia para Crianças. Na primeira fase, a formação era dirigida a professores
que lecionavam ou pretendiam lecionar a disciplina de desenvolvimento pessoal e social ou,
ainda, que orientassem ou pretendessem orientar formação de novos professores nesta área
(Rolla, 2004). O projeto de Filosofia para Crianças arranca com o apoio logístico, institucional e
científico da Sociedade Portuguesa de Filosofia, criando-se, para o efeito, o Centro de Filosofia
para Crianças. O Ministério da Educação, por intermédio da Direção Regional de Educação de
Lisboa (DREL), do Instituto de Inovação Educacional (IIE) e da Fundação Calouste Gulbenkian,
atribuem ao projeto diversos apoios financeiros, de 1989 a 1996 (Rolla, 2004).

Em 1990, o Centro Português de Filosofia para Crianças cria, em parceria com outros Centros,
situados em Espanha, no Brasil, no México e no Chile, a revista Aprender a pensar: revista
internacional dos Centros Iberoamericanos de filosofía para niños y crianças, que é editada em
Madrid em duas línguas, português e espanhol. É uma revista que publica sobretudo artigos
teóricos que se prendem com a temática da Filosofia para Crianças e sobre a sua aplicabilidade
nos diferentes países.

Até à atualidade, criaram-se vários Centros e Associações cuja principal atividade é desenvolver
cursos de formação de professores, seminários, workshops e colóquios dedicados à temática.
Desses Centros destacamos o Ménon criado em 1992 e integrado no projeto Educativo da
cooperativa A Torre, pelo trabalho desenvolvido no âmbito da prática e da investigação. De

143
acordo com Rego (citado por Rolla, 2004), diretora do Centro, o modelo de formação de
professores desenvolvido é dinâmico e passível de ser adaptado de acordo com as diversidades
culturais, as políticas educativas e as idiossincrasias docentes. O objetivo da formação tem sido,
de acordo com a sua perspetiva, preparar o professor para uma prática autónoma, evolutiva e
criativa que transcenda as sessões de formação.

Existem, no presente, cursos de pós-graduação em Filosofia para Crianças, designadamente na


Universidade dos Açores e na Universidade de Évora. Algumas universidades também oferecem
formação contínua de professores e cursos de verão nesta área.

Em 2006 surgiu o Centro Diálogos Filosofia com Crianças…e outras idades (Associação de
Professores de Sintra), onde nós realizámos uma ação de formação em Filosofia com crianças e
jovens e onde desenvolvemos o nosso trabalho de investigação. A criação deste Centro surge
com o intuito de promover ações e desenvolver iniciativas segundo o modelo educacional
proposto por Lipman. Esta informação é veiculada na página da internet da Associação de
Professores de Sintra (APS) 3 , e conta com apoio formal e incentivo do Institute for the
Advancement of Philosophy for Children (IAPC). O principal trabalho desenvolvido neste Centro
é a formação de professores em filosofia com crianças e jovens, que tem sido sempre ministrada
por duas formadoras com formação e aprovação do IAPC. A formação insere-se no quadro da
formação contínua de professores e conta com o apoio do Ministério da Educação, inicialmente
no quadro do programa Foco. Os destinatários são professores do ensino pré-escolar, ensino
básico e professores de filosofia. O quadro 11 apresenta a distribuição por ano dos professores
que fizeram a formação entre 2006 e 2013, modalidade, horas de formação, data, nome e o local
em que essa formação ocorreu:

3
Link: https://sites.google.com/a/profsintra.org/aps/

144
Quadro 11- Distribuição por ano dos 138 professores que fizeram a formação entre 2006 e 2013

Ano Número de Modalidade Horas de Data da Nome da Local da


formandos de Formação formação formação formação formação

2006 14 Curso de 30h Outubro Filosofia com APS


formação crianças e outras
idades

2007 14 Curso de 30h Novembro Filosofia com APS


formação e crianças e outras
Dezembro idades

2008 21 Curso de 30h Outubro Filosofia com APS


formação crianças e Jovens

2009 14 Oficina de 50h Setembro O papel didático- Centro de


formação e pedagógico da Formação da
Novembro Filosofia com Associação
Crianças de Escolas
da Beira
Interior –
Covilhã

2010 26 Curso de 30h Maio Filosofia com APS


formação crianças e Jovens

2011 19 Oficina de 50h Maio e O papel didático- Centro de


formação Junho pedagógico da Formação da
Filosofia com Associação
Crianças de Escolas
de Sintra,
Mem-Martins

2012 15 Curso de 25h Maio e Filosofia com APS


formação Junho crianças e Jovens

2013 15 Curso de 25h Maio e Filosofia com Escola


secundária
formação Junho crianças e Jovens
Queluz

145
Os dados que apresentámos referem-se ao número de formações e formandos aos quais tivemos
acesso aos e-mails, no entanto ainda se realizaram mais as seguintes ações de formação: uma em
Fevereiro de 2007; duas em 2008, nos meses de Janeiro /Fevereiro e Maio/Junho; e duas em
2009, em Fevereiro/ Março e Junho/Julho respetivamente, na Associação de Professores de
Sintra.

Para além da formação de professores em filosofia com crianças e jovens, as formadoras têm
vindo a acompanhar alguns professores que frequentaram a formação na criação de projetos e
respetiva implementação nas escolas. O seu trabalho também tem sido relevante na criação,
edição e divulgação de materiais didáticos e pedagógicos. Devido às dificuldades em conseguir
os materiais criados por Lipman, e à necessidade sentida pelas formadoras de adaptarem as
novelas à realidade das crianças portuguesas, estas têm escrito novelas e manuais de apoio ao
professor, com os quais trabalham na formação (Santos, 2008, 2009).

As formadoras também têm desenvolvido o intercâmbio com outros países, no sentido de


partilhar o que têm feito no âmbito da formação. Nomeadamente com a colaboração direta do
Professor Dr. Oscar Brenifier (Universidade Paris - Sorbonne), que a pedido das formadoras e
com o seu apoio tem-se deslocado frequentemente a Portugal (pelo menos uma vez por ano) para
realizar workshops e palestras no campo da formação de professores e de formadores.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO

2. Modelo de Formação

A formação em análise tem por base o programa de filosofia para crianças proposto por Lipman,
embora apresente alguns aspetos onde se verifica a introdução de dinâmicas e modos de
questionar próprios de Brenifier (2005, 2007, 2011, 2014). O quadro seguinte (12) apresenta as
categorias e os indicadores do tema em análise.

146
Quadro 12 - Modelo de formação

Modelo de formação

Categoria Indicadores

Influências de Lipman e Brenifier Narrativas


Técnicas de questionamento
Comunidade de investigação

Modelo pedagógico e de formação em Reconstrução/Recriação de um modelo próprio


(re)construção

2.1 Influências de Lipman e Brenifier

Nas entrevistas, as formadoras referem que no início da formação seguiam o modelo de Lipman,
utilizando nas sessões apenas as suas novelas filosóficas e as técnicas por ele propostas.
Salientam a técnica de questionamento com base no texto e a necessidade de criar uma
comunidade de investigação. Consideram que à medida que o tempo foi passando e foram
naturalmente adquirindo experiência no programa começaram progressivamente a diversificar o
seu trabalho de acordo com o que constatavam na prática ser mais adequado e eficaz. Este
processo de diversificação surge numa primeira fase devido à influência de Brenifier e do
trabalho que têm vindo a desenvolver com ele no âmbito da formação de professores, como se
constata no seguinte exemplo:

Eu e a colega com quem trabalho também, eramos muito seguidoras dos manuais e,
portanto, quando começámos era o Lipman puro e simples, (…) mas agora já com
influência também do Oscar Brenifier (…) aliás a grande lição que eu tiro destas duas
experiências é que quem conseguir compatibilizar os dois modelos é uma mais-valia
(Formadora L, Entrevista).
Globalmente é um modelo pragmático isto tem a ver com a filosofia norte americana, isto
que eu sigo desde a herança de John Dewey, o Charles Peirce onde o Matthew Lipman
vai beber também em termos concetuais (…) eu encontrei quer no Oscar Brenifier quer
no Matthew Lipman o modelo em termos de funcionamento (Formadora A, Entrevista).

147
As formadoras referem que atualmente estas influências continuam presentes no seu trabalho,
nomeadamente na importância que conferem ao texto narrativo como impulso e motivação para
o diálogo em comunidade de investigação, como podemos constatar nos seus discursos:

Nós sentimos sempre necessidade da narrativa inicial, da história. O Oscar pode começar
assim ou não, mas normalmente não começa assim! Começa muito mais curto (…) dá
muito menos liberdade de expressão, ou não dá quase nenhuma às pessoas, é muito
incisivo e nós tendemos, pelo menos eu como formadora, a seguir a matriz inicial do
Lipman, que ficou realmente gravada (Formadora L, Entrevista).
Eu nunca me consegui soltar da narrativa, achei sempre muito importante, quando vamos
para a proposta de um trabalho com materiais deve haver uma narrativa, porque no fundo
os nossos quadros mentais, as nossas interpretações são narrativas sobre o mundo. Os
textos filosóficos são narrativas sobre o mundo, mas depois, também inserir exercícios
mais secos, mais minimalistas (Formadora A, Entrevista).

2.2 Um modelo pedagógico e de formação em (re)construção

Na formação de 25 horas (5 sessões) observada, as formadoras dinamizaram em conjunto a


primeira e a última sessão. Nas restantes sessões alternaram, apenas estando presente uma delas.
Observou-se ao longo da formação que as formadoras tinham uma abordagem própria, embora
com influências marcantes do programa de Lipman. No entanto, no caso de uma das formadoras
é visível também a influência do Professor Oscar Brenifier, nomeadamente na forma de
questionar, de apresentar os temas de discussão e no modo como desenvolve o trabalho filosófico
com os formandos. Quando esta formadora foi questionada por um formando sobre se existiam
dois métodos, designadamente o de Lipman e o de Brenifier respondeu o seguinte:

Não há duas metodologias, essa é uma falsa questão! A diferença entre os dois está no
estilo. Lipman é um professor típico da universidade, com uma sensibilidade incrível,
mas distante no primeiro contacto, só se torna acessível posteriormente, pessoa muito
delicada. (…) Tenho muita influência do Lipman mas o estilo é de Brenifier. Quanto às
diferenças entre os dois, se aprofundarmos não há diferença substancial. A diferença não
é metodológica mas de estilo (Formadora A, NC. Junho 1, 2013).

148
Com base nas notas de campo destaca-se a influência de Lipman nesta formação de professores,
designadamente na utilização da narrativa como pretexto para o diálogo. Em todas as sessões foi
trabalhado pelo menos um capítulo de uma novela filosófica escrita por uma das formadoras.
Logo na primeira sessão uma das formadoras apresentou o “método” de Lipman como a
exploração da narrativa, dizendo o seguinte:

A narrativa faz parte da história humana, trata-se de um modelo de interação, esquema


dialético, problemas que apresentam por vezes uma solução ou não. Discursos abertos e
não fechados. Enunciados com consistência e rigor mas que estão sujeitos e submetidos
à crítica cientifica-tradição inaugurada por Kant (Formadora A, NC., Maio 4, 2013).

Foi através das novelas filosóficas, narrativas onde as crianças se deparam com situações e
problemas próprios da sua faixa etária, que surgiu muitas vezes o debate nesta formação. De
acordo com Lipman (1990) as novelas permitem a descoberta de si mesmo e dos outros, através
do questionamento e do diálogo acompanhado pela reflexão. É no diálogo com os pares, com os
professores, com os avós, com os parentes, com a comunidade e com o mundo, proporcionado
pela leitura de uma novela, alternado de reflexão sobre o que foi dito, que as personagens das
histórias aprendem, da mesma forma que se pretende que os professores em formação e
posteriormente os seus alunos aprendam, falando e pensando sobre as coisas em conjunto
(Lipman, Sharp & Oscanyan, 1980). Em todas as sessões houve sempre um momento de leitura
alternada de um texto, seguida de diálogo sobre o mesmo, como podemos constatar no seguinte
exemplo transcrito de uma nota de campo:

A formadora propôs a leitura de uma das histórias do livro de forma alternada. Após a
leitura descreveu o exercício que os formandos tinham que realizar e que consistia em
juntarem-se com o colega do lado e em conjunto escreverem no caderno uma questão
suscitada pelo texto.
Após todos terem terminado, a formadora escreveu as questões no quadro, com a
indicação das iniciais dos nomes dos formandos à frente, da seguinte forma:
1- Ser responsável implica respeitar a liberdade dos outros? (PA, M)
2- Qual a melhor maneira de ajudar os outros a ser responsáveis? (S, AT)
3- O que é importante para cada um? (A, B)
4- Como é que o eu afeta o todo? (N, C)

149
5- Qual o sentido da minha liberdade? (E, AM)
6- Que consciência devemos ter para um consumo responsável? (P, J)
7- A responsabilidade individual respeita a coletiva? (I, L)
8- O que são necessidades artificiais? (SI)

De seguida, levantamos em grande grupo os conceitos principais presentes nas questões.


Destacámos os seguintes:
Responsabilidade,
Consciência;
Liberdade;
Necessidades;
Individual /Coletivo;
Eu/outro.

A formadora disse para os formandos pensarem numa questão que pudesse de certo modo
ir ao encontro de todas (selecionar). Os formandos selecionaram a 4- Como é que o eu
afeta o todo? Continuou-se a discussão em plenário que decorreu do seguinte modo:

Se o individual só me diz respeito como é que pode afetar os outros? (MI)


Pela interação, na relação de dependência, o eu e o outro. (S)
Questão das consequências! (J)
Então pode haver escolhas que afetam mais e outras que afetam menos? (P)
Todas as nossas escolhas afetam sempre os outros! (L)
Até aquilo que não faço influência os outros. O não tomar a iniciativa, o não me
comprometer, não assumir a responsabilidade, as escolhas que fazemos (SI)
Nesta linha é importante chegar aos sentimentos valores, o que cada um sente (P)
Sim não é só o que se pensa mas o que cada um sente (S)
O coletivo afeta o individual (N)…
(NC., Maio 25, 2013).

150
Reconstrução/Recriação de um modelo Próprio

As formadoras têm vindo progressivamente a recriar a sua forma de trabalhar com o programa.
Verifica-se nos seus discursos uma preocupação em adaptar-se aos atuais contextos, procurando
ir ao encontro dos interesses e das necessidades dos formandos, num processo permanente de
ajustamento entre a oferta de cursos nesta área e a procura pelos formandos. Uma das formadoras
na entrevista chega mesmo a afirmar que a formação é fruto de uma síntese entre as
aprendizagens com Lipman e Brenifier numa readaptação e recriação onde estão presentes as
influências da filosofia Oriental:

Depois no meu trabalho concretamente (…) eu penso que cheguei a um ponto e digo aos
formandos eu não sou nem lipminiana nem Oscariana eu sou Aliciana, e eu acho que é
isso que toda a gente tem de atingir, é o seu estilo. Eu de certa forma na minha prática fiz
a síntese do que foi a minha aprendizagem com o Lipman e a minha aprendizagem com
o Oscar Brenifier e acho que consegui qualquer coisa de intermédio, entre uma coisa e
outra, porque depois eu também sou muito influenciada pela filosofia oriental, a minha
formação sobretudo como professora de Ioga inclusivamente. (…) Eu sigo um modelo,
eu sigo o meu modelo! (…) Isto é fruto de vinte e muitos anos de trabalho, de formação
é qualquer coisa que está refletido nos meus livros (Formadora A, Entrevista).

3. Princípios de Formação

Como foi explicado no capítulo anterior, a análise das práticas observadas e das perceções acerca
das mesmas permitiu inferir um conjunto de princípios em que esta formação parece assentar.

3.1 Princípio da articulação entre a teoria e a prática

Este é um dos princípios que ressalta da análise dos dados, e que se apoia nos indicadores
conhecimento/ação e supervisão da prática pedagógica (Quadro 13).

151
Quadro 13- Princípio da articulação entre a teoria e a prática

Categoria Indicadores

Conhecimento/ação
Princípio da articulação entre a teoria e a prática
Supervisão da prática pedagógica

O processo de formação articulou-se entre a teoria e a prática. Verifica-se o primado da prática


no sentido em que é dada ao formando a oportunidade de aprender fazendo, mas a teoria é
fundamental em todo o processo de formação numa dialética de reflexão e questionamento que
conduz a aquisição de competências que encontram o seu sentido nos conteúdos que as
sustentam, como se percebe nos seguintes excertos:

Há sempre uma parte em que temos de pôr as pessoas a par vamos lá de como é que
nasceu, da génese do programa, da génese do movimento, como é que surgiu? Como é
que se desenvolveu? Quais são as características essenciais? E o que é aquilo sem o qual
não se pode fazer realmente o trabalho? (Formadora L, Entrevista)
Eu nunca vou ser bom em conteúdos se não estiver por detrás a competência do
pensamento, a competência da interpretação, a competência da tradução, a competência
da escrita, a competência da análise. No fundo é esse trabalho todo de uma infraestrutura
que depois qualquer que seja o conteúdo que vem é muito mais fácil naturalmente. (…)
Porque uma boa prática tem sempre teoria por trás então, ali acaba por ser um ponto
mínimo e apenas para dar consistência à prática, tornar consciente o que está por trás, que
ideias, que conceções é que estão a dinamizar aquela prática, mas a grande estratégia é a
prática (Formadora A, Entrevista).

Conhecimento/ação

Do discurso proferido pelas duas formadoras sobressai a importância dos conhecimentos que são
produzidos na ação. Esta formação procurou favorecer a reflexão articulando de forma
significativa a teoria com a prática. As formadoras referem o trabalho desenvolvido por Lipman
e Brenifier à medida que vão propondo e resolvendo exercícios no domínio da lógica, da ética e
da didática da filosofia. A teoria leva à prática e a prática conduz ao questionamento e à reflexão,
como ilustra este início de uma sessão de formação:

152
A formadora começou por dizer que a sessão iria iniciar-se com questões dos formandos
sobre o programa, de ordem teórica ou prática. Estes colocaram as seguintes questões que
foram escritas no quadro:
1- Como desenvolver a capacidade crítica nos alunos? (Formando N)
2- Como integrar a Filosofia com Crianças no ensino básico? (Formando E)
3- Como poderei abordar a questão da morte com Crianças entre os 3 e os 8 anos?
(Formando C)
4- Que metodologia é mais adequada para trabalhar com crianças dos 6 aos 10 anos,
Lipman ou Brenifier? (Formando L)
5- É assertivo “agarrar” situações do quotidiano escolar e abordá-las como temas/
assuntos? (I)
6- Quando se deve dar por encerrada a sessão filosófica? (Formando T)
7- Como explicar/ fazer compreender a uma criança que aquilo que ela faz agora é
importante para o seu futuro? (Formando P)
(NC., Junho 1, 2013)

Verificou-se através da observação participante e dos discursos das formadoras uma preocupação
clara, com o interesse e as necessidades dos professores/formandos, que se expressa no modo
como procuram responder aos problemas que estes vão identificando nesta área de formação,
oferecendo a oportunidade para debater sobre eles. Esta formação ao proporcionar diferentes
debates sobre temas e conteúdos fundamentais aos diferentes níveis de ensino, numa perspetiva
transversal dos saberes, valoriza os conhecimentos científicos em articulação com a experiencia
dos professores. Tal como uma das formadoras refere, a prática é fundamental:

Dou o exemplo de dois colégios, onde eu e a minha colega íamos assistir às aulas de
alguns professores, para auxiliar na aplicação do programa. Haviam coisas que iam muito
bem, mas também verificámos que os professores não conseguiam tirar todas as
vantagens do método filosófico. É fundamental fazer com que o nível da criança suba um
degrau, o que implica saber tirar consequências. Por exemplo, às vezes uma criança dava
uma deixa e a professora não agarrava, deixava cair. Muitas vezes os miúdos dizem
coisas, por exemplo, o tempo é dinheiro! E nós temos que aproveitar o que é dito. Temos
de ver várias implicações, só dar a receita não chega! Dar receitas é uma maneira fácil,

153
mas se cada um de nós não experimentar nunca vai saber se elas servem (Formadora L,
NC. Maio 25, 2013)

A importância de uma epistemologia da prática, que aponta como grandes desafios a imersão
reflexiva do docente no e sobre o quotidiano da escola, é fonte de análise e reflexão em vários
estudos, referimos a título de exemplo Schön (2000), Nóvoa (1995), Zeichner (1993).

Ao longo da formação houve da parte das formadoras uma tentativa constante e sistemática de
adequação prática dos conhecimentos que os professores transportam consigo, numa perspetiva
emancipatória (Caetano, 2004). A este respeito uma das formadoras refere o seguinte:

Neste programa a nossa intenção é sempre prática, assim temos de pensar o que podemos
usar, que tipo de conhecimentos se adequam aos contextos reais, como podemos utilizá-los
de forma a orientar a nossa vida. Não se aprende só uma língua, mas aprende-se a pensar
de uma determinada maneira, mergulhando na prática (Formadora A, NC. Junho 1, 2013).

Supervisão da prática pedagógica

Na entrevista às formadoras sobressai a importância da supervisão para a implementação e


continuidade do programa. Interpretamos o que foi dito pelas formadoras sobre a orientação
/supervisão no âmbito da articulação entre a teoria e a prática uma vez que ambas referem o
acompanhamento, a assistência as aulas, o diálogo com os formandos, a importância do feedback
como um aspeto formativo não só dos formandos mas também de si próprias enquanto
formadoras. Os seguintes excertos mostram os seus pensamentos sobre este assunto:

O acompanhamento é muito importante, porque eu também aprendi com o


acompanhamento que fazia aos formandos. Nós quando íamos assistir a aulas, por
exemplo no caso dos estágios, e no início também tivemos tempo de ir às escolas, estar a
ver outra pessoa a fazer é que às vezes nós nos apercebemos como uma pessoa que está
imbuída no problema não vê certas coisa que estão à vista do que está cá fora (…). E às
vezes o intervirmos na altura, olha fazer uma pergunta, por exemplo, há ali uma pergunta
que tem que ser feita à criança ou a quem está nesse momento a falar e o próprio professor
às vezes está tão preocupado em conduzir a sessão, em orientar, que nem tem os ouvidos
despertos às vezes para certas coisas pequeninas, mas que surgem e que são

154
importantíssimas para fazer dali uma coisa diferente, por isso é que esse acompanhamento
também era necessário, era bom que as pessoas pudessem ter sempre esse feedback, essa
leitura de fora (Formadora L, Entrevista).
E então o que eu noto é que os trabalhos mais consistentes, que nós temos encontrado ao
nível do país, são aqueles em que há um formador por perto que depois vai fazer uma
sessão, por exemplo aquilo que eu estou a fazer agora no agrupamento. Claro que os
professores que receberam a formação inicial, quiseram praticar, mas depois eu vou
também à sala de aula e de vez em quando eles voltam a ver-me funcionar; têm dúvidas
colocam-nas e então eles dão continuidade a um trabalho, portanto aí eu noto que pelo
menos nesta fase se não houver um formador relativamente perto os projetos acabam por
morrer (Formadora A, Entrevista).

Esta ideia de que é necessário acompanhamento, supervisão e feedback construtivo, para que as
mudanças ocorram nas práticas dos professores e que vão ganhando consistência de forma a
inspirar outros professores, está presente em várias investigações sobre os processos de mudança
(e.g. Kirkland & Sutch, 2009; Borges, 2014).

3.2 Princípio de aprender a pensar

Aprender a pensar melhor é claramente um objetivo desta formação que as formadoras referem
várias vezes e que procuram desenvolver nos formandos, através do treino do raciocínio lógico
e da reflexão crítica, utilizando regras de validade do silogismo, argumentos e contra argumentos,
problemas e questões, hipóteses e o recurso aos exemplos e contraexemplos. Apresentamos no
quadro 14 os indicadores referentes a esta categoria.

Quadro 14- Princípio de aprender a pensar

Categoria Indicadores

Desenvolvimento do pensamento lógico


Princípio de aprender a pensar
Desenvolvimento do pensamento crítico

155
Desenvolvimento do pensamento lógico

As formadoras referem nas entrevistas que o grande desafio do programa para si mesmas, para
os formandos e para os alunos é começar a pensar de forma mais crítica e criativa. Neste sentido
a formação procura tornar os formandos mais reflexivos, utilizando diferentes estratégias entre
elas as regras da lógica, como é percetível nos discursos das formadoras:

O grande desafio é pôr os meninos a pensar (…) A pensar de uma forma mais livre,
digamos assim, mais crítica e o grande desafio é conseguir ultrapassar os chavões, os
preconceitos, aquilo que já está; se calhar é um desafio para eles e para nós, chegámos à
conclusão que o trabalho começa por ser mais importante na nossa própria cabeça
(Formadora L).
Quando se faz uma proposta, normalmente a proposta de pensamento é com coisas que
parecem absurdas, frases simples, pequenos enunciados e a proposta é a pessoa pensar
sobre aquilo e depois a exploração pode ser a partir da lógica. Por exemplo, a minha
proposta nesse curso era a lógica, os professores queriam era debitar as regras do
silogismo, da validade silogística, mas eu dizia, mas eu não quero a validade silogística!
Eu quero é que me diga se nestes dois enunciados há ou não há contradição, e se há
contradição porquê? Perspetiva da aprendizagem com reflexão, ou seja, é desde muito
cedo gerar no sujeito da aprendizagem uma autonomia e uma capacidade de reflexão, é
ter um pensamento de facto flexível, um pensamento crítico e um pensamento muito mais
criativo. Porque quem não é crítico não sai da sua caixa, quando falo em crítico é num
pensamento com critérios, um pensamento que tem a capacidade de sair do seu quadro
mental e isto é que é muito importante (Formadora A).

Um dos aspetos fundamentais e recorrentes na formação de professores em filosofia com crianças


e jovens foi o recurso à lógica enquanto campo introdutório ao estudo filosófico. A Lógica é
entendida enquanto área do saber, que define as leis ideais do pensamento, ocupa-se da forma
como devemos pensar, se pretendemos fazê-lo de forma coerente e correta (Newton-Smith,
1998). Tal como podemos perceber da seguinte afirmação de uma formadora:

A lógica não é apenas um conjunto de regras e leis, mas faz parte de tudo o que nos rodeia.
Tem de haver o mínimo de coerência. Para viver diariamente tem de haver coerência,

156
quando confiamos em alguém o que está por detrás é a coerência (Formadora A, NC.
Junho 1, 2013).

Para pensarmos de acordo com os princípios da lógica, temos que tomar uma afirmação como
falsa ou verdadeira, não podendo considerá-la simultaneamente parcialmente verdadeira e
parcialmente falsa. Este pressuposto e os princípios da identidade (A é A), da não contradição
(A não é B) e do terceiro excluído (A é A e não pode ser B) formam a base do pensamento lógico
ocidental. Nesta formação estes princípios são treinados através de exercícios práticos, onde se
agrupam as questões, se inferem argumentos e se apresenta um raciocínio válido, como podemos
constatar no seguinte exemplo:

Segue-se a apresentação de mais uma sessão preparada pelos formandos - o episódio três
do livro de Alice Santos “Ana é o meu nome”. Os formandos pediram para fazer o
levantamento dos conceitos que cada colega considerava mais importantes, e escreveram
no quadro, o que cada um foi dizendo:
- Sentimentos;
- O poder das relações;
- Amor;
- Amizade;
- Ódio;
- Diferenças entre géneros;
- Atitudes/comportamentos.

Num primeiro momento, discutiu-se cada conceito explorando o seu significado, para o
tornar mais explícito e debateu-se sobre um símbolo que se adequasse a cada um. Por fim,
definiu-se cada conceito. Não consegui apontar todas as definições, mas, lembro-me que
se considerou que o amor é uma força poderosa que une um ou mais seres (NC. Junho 8,
2013).

Os exercícios de lógica permitiam verificar se um raciocínio era válido ou inválido, constituindo-


se numa arte de pensar. “ A lógica é uma disciplina normativa em vez de descritiva. Isto é, ela
não se esforça para descrever como as pessoas pensam, mas oferece, em vez disso critérios por
meio dos quais podemos distinguir um bom pensamento de um mau pensamento” (Lipman, 1990,

157
pp. 111-112). O raciocínio é uma operação intelectual que inclui todas as operações da nossa
mente. A Lógica tem nesta formação um carácter de necessidade e é através do seu uso, que
podemos aprofundar os nossos pensamentos, ideias e conhecimentos justificando as operações
que vamos realizando, de acordo com os princípios que fundam a sua legitimidade, como refere
uma das formadoras após a realização de um exercício:

As definições não podem ser dadas pela negativa, nas definições não entra o que é
ambíguo e para refutar alguma coisa têm de ser dados critérios concretos. A refutação
tem de ser precisa, aplicada apenas àquela realidade. O trabalho lógico não pode ser uma
associação de ideias. Quando pedimos algo temos que cumprir as regras do que é pedido.
É importante não trabalhar muitas coisas ao mesmo tempo ir trabalhando um ponto de
cada vez (Formadora A, NC. Junho 8, 2013).

Desenvolvimento do pensamento crítico

Nas sessões de formação, a pergunta teve um lugar central, uma vez que foi a partir dela que se
iniciou o processo de construção conjunta do conhecimento. Foi pela curiosidade, pelo desejo de
conhecer alguma coisa ou aprofundar alguma temática, que o diálogo cresceu e se estendeu a
todos os presentes. “Tudo começa, e já o dizia Platão, com a curiosidade e, ligada à curiosidade
a pergunta. (…) A primeira coisa que aquele que ensina deveria aprender é a perguntar. Saber
perguntar-se, saber quais são as perguntas que nos estimulam e estimulam a sociedade” (Freire
& Faundez, 2002, p. 48). Ao analisarmos as notas de campo, verificamos que existe sempre um
questionamento inicial que serve de mote às sessões, como por exemplo:

Numa das sessões foi pedido a cada formando para levantar uma questão do texto. Após
este exercício estar concluído por todos, as questões foram escritas no quadro, todos em
conjunto tentaram analisar cada questão com o intuito de verificar qual seria para o grupo
a questão mais relevante e aquelas que poderiam ser inseridas noutras questões (NC. Maio
4, 2013).

Iniciar o debate com questões, provocou a procura de respostas que não eram evidentes,
desenvolvendo nos formandos a arte de perguntar. Tal como refere uma das formadoras:

158
Neste programa as perguntas são muito importantes. Saber quem concorda e quem não
concorda e porquê? Pensar as razões auxilia o raciocínio (Formadora, A NC. Junho 1,
2013)

Fazer perguntas implica saber como e o que perguntar, uma vez que a intenção é levar os
formandos à ação e à reflexão e não apenas a uma possibilidade de resposta, as perguntas devem
conter várias hipóteses de exploração, estarem abertas a várias possibilidades, tal como refere a
formadora:

Temos que encontrar os fundamentos, explicitar os nossos argumentos. Propor


hipóteses/conjeturas- flexibilizar (Formadora A, NC. Junho 1, 2013)

Neste tipo de trabalho, o processo é sem dúvida mais importante do que o resultado final como
indiciam as seguintes palavras de uma das formadoras:

O exercício do pensar tem que ser encarado como não havendo nada a perder nem nada
a ganhar. Também não nos estamos a defender de nenhum ataque pessoal, o que está em
causa são os argumentos, as ideias e não as pessoas. É uma oportunidade de ser algo que
já somos mas não conseguimos ser, liberdade, aí somos livres, as cadeias mais poderosas
são as que a nossa mente engendra. No exercício do pensar não importa apenas o
conteúdo, mas mais importante é o modo como estamos a pensar, o que se vai aplicar à
existência (Formadora A, NC. Junho 8, 2013).

Exercitar o pensamento de acordo com o que observámos nesta formação é colocar perguntas
“uma educação de perguntas é a única educação criativa e apta a estimular a capacidade humana
de assombrar-se, de responder ao seu assombro e resolver seus verdadeiros problemas essenciais,
existenciais e o próprio conhecimento” (Freire & Faundez, 2002, p. 52). Esta tentativa de
desenvolver o pensamento crítico e reflexivo com os formandos, aparece também na forma de
avaliação a que estes estão sujeitos nomeadamente na realização de um relatório reflexivo e
crítico individual, a realizar no fim da formação e a ser entregue por e-mail às formadoras, quinze
dias após o término da formação. Este relatório deve contemplar os seguintes itens: Objetivos e
expectativas relativamente à formação; Contributos para o desenvolvimento profissional
(exemplo/s de aplicação prática); apreciação crítica e reflexiva sobre a formação. Nas entrevistas
uma das formadoras salienta que este relatório constitui no seu entender uma reflexão sobre os

159
processos em que estiveram envolvidos e a perspetiva que estes têm sobre a sua eventual
aplicação, designadamente como pensam vir a utilizá-los, com que objetivos e inseridos em que
contextos, como se depreende no seu discurso:

O seu relatório reflexivo é um documento de auto crítica e de hétero crítica e de


possibilidades de aplicação da metodologia, e aí sim há uma referência aquilo que
funcionou melhor e não funcionou tão bem em que o próprio formando teve mais ou
menos dificuldade e qual é a perspetiva de aplicação. Esse trabalho autónomo objetiva-
se num relatório crítico de reflexão crítica (Formadora A, Entrevista).

3.3 Princípio da diversidade, da reinvenção/criatividade

Os discursos das formadoras remetem para um apelo a um olhar interno, inquiridor e inquietante,
capaz de transformar os professores formandos e o seu desempenho em sala de aula, que se
pretende mais criativo e inventivo. O quadro 15 apresenta os indicadores referentes a esta
categoria.

Quadro 15- Princípio da diversidade, da reinvenção/criatividade

Categoria Indicadores

Princípio da diversidade, da Capacidade de olhar para si mesmo


reinvenção/criatividade reinventando-se

Capacidade de criar as suas próprias dinâmicas

Capacidade de construir os próprios materiais

Capacidade de olhar para si mesmo, reinventando-se

Nas diferentes sessões, houve momentos em que as formadoras colocavam questões aos
formandos na tentativa de desconstruir, de provocar um olhar sobre si mesmo, crítico e
interrogador, como podemos constatar neste diálogo numa sessão de formação:

Então o que importa é convidar as pessoas a pensar. A prática filosófica acontece assim
a toda a hora, a todo o momento! (Formanda C).

160
A grande dificuldade é estar presente, constantemente adiamos o que temos que fazer, a
existência tem uma duração - amanhã vou fazer então não faço hoje! A mentira é a pior
das ruturas, mentimos muito a nós próprios. (…) O importante é fazer o seu trabalho, ou
a coisa move o meu interesse, ou não dá! Pela experiência que eu tenho de trabalhar por
exemplo com os 4 anos eles adoram. Por vezes, sou espelho e é bem duro, mas não
podemos estar preocupados com isso. Usamos pouco a razão. Por mais livros que se leia
não saberemos pensar. Estabelecer conexões lógicas e perceber os saltos que fazemos,
nós provocamos a confusão (Formadora A).
Ao provocarmos a inquietação nos alunos isso não pode gerar inibição de não falar?
(Formanda N)
Os exercícios devem ser objetivos para que todos o possam seguir, se os alunos
perceberem o que lhes é pedido participam e envolvem-se (Formanda, F).
(NC. Maio 18, 2013).

A ideia de que se usa pouco a razão e de que não se sabe pensar, por exemplo, provocou nos
professores formandos um certo desconforto, que alguns mostravam de imediato e abertamente
e que outros, apesar de no local terem permanecido em silêncio, no intervalo manifestaram o seu
desagrado. De facto não é fácil olharmos para nós próprios de forma crítica, percebermos que
temos de praticar a humildade, face ao conhecimento, e que aquilo que julgamos ser o melhor
para os nossos alunos pode não ser, como podemos perceber neste excerto:

Sinto-me perdida, pois sempre preparei aulas para que os alunos gostem e compreendo a
lógica mas sinto-me incomodada! (Formanda C)
Temos que funcionar com o que temos, não é?! Eu gostava que…o exercício é neste
contexto: o que eu posso fazer de diferente? (Formanda F)
(NC., Maio 18, 2013).

Após este primeiro momento que proporcionou um aprofundamento do conhecimento de si


próprios e dos outros num debate intenso, que nem sempre foi confortável, nem agradável, pois
os formandos deparam-se com dificuldades em refletir sobre o seu quotidiano profissional e em
expor de forma clara e coerente o seu raciocínio a outros, como revela o discurso de uma das
formadoras em sessão de formação, ao analisar esta problemática face ao grupo:

161
As pessoas tendem a proteger as suas ideias reagem mal ao confronto- problema de ego.
O abandono das hipóteses é muito complicado, nós vimos isso aqui nas sessões - ideia
que fui eu que criei. A humildade não é humilhação. É necessário respeitar o outro, as
suas ideias. O pensamento do outro por vezes coloca-me em causa. Dizer a nossa ideia é
expor o pensamento. Submeter o pensamento à crítica. O drama existencial é lutar pela
visibilidade. Teoria da falsificabilidade - basta um para pôr em causa. Este modelo é
utilizado nas sessões de filosofia com crianças. Temos que aprender a ver o outro como
uma oportunidade e não como ameaça. Ser si mesmo é muito importante e muito difícil
(Formadora A, NC., Maio 18, 2013).

De um modo geral, os formandos tendiam a particularizar as suas atuações e em procurar


respostas imediatas para os seus problemas. As formadoras procuravam por outro lado
aprofundar, conduzindo os formandos a uma reflexão interna, provocando para que cada um
olhasse para si mesmo, para a sua missão enquanto professores, num processo que de acordo com
Korthagen e Vasalos (2005) é essencialmente terapêutico. Também uma das formadoras refere
este efeito ao afirmar:

O fundamental é sair de si. Colocar outras hipóteses. Pensar de forma coerente e racional
tem efeito terapêutico (Formadora, A, NC. Maio 18, 2013).

Ideia de que o formador tem de ir mais fundo, no sentido em que é importante conseguir penetrar
nos sentimentos e nas necessidades dos formandos. A importância das emoções, de perceber o
que o outro sente, pensa, quer e faz, são aspetos que influenciam tanto os professores como os
alunos, pelo que é essencial e imprescindível trabalhar estes aspetos na formação de professores
(Zembylas, 2003; Korthagen & Vasalos, 2005; Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012).

Capacidade de criar as suas próprias dinâmicas

Os discursos das duas formadoras nas entrevistas apontam para um processo interno de reflexão
que culmina na utilização de novas estratégias e modos diferentes de incitar ao diálogo e
questionamento, o que se encontra em sintonia com o trabalho que é desenvolvido na formação.
Esta reflexão e as mudanças que preconizam são também incentivadas aos formandos. Como
referem as formadoras nas entrevistas o que se espera é que cada um desenvolva as suas práticas
filosóficas criando os seus próprios dispositivos, materiais e estratégias à medida que a sua

162
experiência vai aumentando e que se sentem mais à vontade para trabalhar de acordo com esta
proposta. As formadoras expressam-se a este propósito do seguinte modo:

Há toda a liberdade para diversificar e para aproveitar. Uma pergunta que fazem muitas
vezes é: porque não outras histórias? Claro que podem! (…) Fomos criando as nossas
próprias questões fizemos algumas coisas diferentes (Formadora L, Entrevista).
Dizia que nós tínhamos o espaço, brincando com as formandas e com os formandos, que
tínhamos o espaço mental demasiado ocupado com monos, então devíamos livrar-nos do
mono. Então a proposta foi a seguinte: vocês hoje chegam a casa e começam exatamente
pelos monos que têm em casa e depois vão ao espaço mental, comecem pelo espaço físico
que é mais fácil, livrem-se dos monos! E depois livrem-se dos monos mentais (Formadora
A, Entrevista).

Na formação, as formadoras chamam a atenção para a existência de várias formas de trabalhar


com o programa, o que evidencia o seu caracter de flexibilidade e plasticidade:

É possível começar numa questão e continuar nela, o funcionamento das sessões pode ser
variado e não tem que começar com uma história (Formadora L, NC. Maio 25, 2013).

Reforçam ainda a necessidade de uma constante readaptação e inovação do professor face ao


ensino, como podemos constatar no discurso de uma das formadoras:

É importante conhecer as bases do programa, portanto o modelo do Lipman, mas depois


encontrar o seu próprio caminho, cada um de vós deve experimentar até encontrar o seu
próprio modelo, a sua forma de trabalhar com cada grupo e isso é sempre uma experiência
diferente, pois cada aluno é diferente, e os grupos também trabalham de formas diferentes
(Formadora L, entrevista).

A mudança implica capacidade de readaptação (Estrela & Caetano, 2010). Muitas vezes, aquilo
que consideramos impossível de fazer deve-se à nossa incapacidade de mudar, ao nosso
conformismo ou hábito de efetuar as coisas sempre da mesma maneira (Messina, 2001).
Verificou-se nesta formação, que muitas vezes, o simples facto de pensar diferente causava dor
e ansiedade nos formandos. No decorrer de uma das sessões, os professores de um modo geral
revelaram que sentiram: “desconforto e estranheza” (NC. Maio 4, 2013). Não só pelo processo

163
constante de questionamento, mas também pela forma como as formadoras apelaram à
necessidade de encarar a sala de aula como um campo de experimentação e à necessidade de
pensar a prática como um risco:

Transformar a sala de aula num campo de experimentação. Começar por fazer perguntas
para o grupo, repetir a pergunta para todos, reformular e não ter pressa de passar logo
para o seguinte. Ir andando, passo a passo, para que cada um fique visível, explicito
(Formadora A, NC. Maio 18, 2013).

Também noutra sessão a outra formadora referiu:

A ideia da filosofia com crianças é gerar o risco - arriscar, a sala de aula como campo de
experiências (NC. Junho, 8, 20013).

Cada professor foi incentivado a criar o seu próprio estilo, através de leituras e da teoria, mas
pensando por si mesmo adaptando a prática a si, interiorizando, pensando primeiro no que vai
ganhar e depois nos seus alunos, importância do desafio tanto para o professor como para os
alunos, Várias investigações têm demonstrado que o entusiasmo do professor é um fator
fundamental para a motivação dos alunos (Muijs & Reynolds, 2005). Tal como disse uma das
formadoras:

Pensar que a melhor prática é a “que adaptei a mim”, necessidade de interiorizar. “Pensem
primeiro em vocês, o que vão ganhar e depois nos alunos, se houver desafio os alunos
vão gostar (Formadora A, NC. Maio 4, 2013).

Na formação, as formadoras lançaram o desafio de os professores se deixarem transportar para


além do imediatamente dado. Pensar a sala de aula como um espaço aberto, tanto no que concerne
ao respeito pela singularidade de cada um, como no relacionamento, na envolvência com os
outros, na construção plural e diversa de uma voz em uníssono, que espelhe a riqueza no produto
tecido em conjunto (Estrela, 2001; Caetano, 2004).

Os formandos organizaram-se em pequenos grupos de dois ou três elementos e cada grupo


dinamizou uma sessão de formação. Este trabalho foi orientado desde a primeira sessão.
Destacamos aqui um breve fragmento do discurso de uma das formadoras, na primeira sessão:

164
É fundamental ser facilitador de uma sessão, porque é uma forma de vocês se
confrontarem com a prática, só passando por essa experiência é possível compreender
como se faz. Aprender fazendo (Formadora L, NC. Maio 4, 2013).

Estas sessões implicam da parte dos formandos a capacidade de diversificar as estratégias


interagindo com os outros. Os formandos têm assim a oportunidade de planearem de forma
consciente os aspetos que desejam trabalhar com o grupo de colegas de forma criativa, como é
visível na seguinte afirmação de uma das formadoras proferida na entrevista e que também se
constatou através da observação participante:

Organizam com outra pessoa a orientação de uma sessão em que elas próprias dinamizam
o exercício, inventam, portanto dentro do modelo podem fazer coisas variadas
(Formadora L, Entrevista).

Quase todas as sessões dinamizadas pelos formandos iniciaram-se com a leitura alternada de uma
novela filosófica, as estratégias de exploração de leitura propostas pelos formandos foram variadas
o que revela que adquiriram determinados saberes da prática que lhes permitem uma maior
criatividade e inovação. Cada formando procurou propor novas estratégias e técnicas para analisar
e explorar um texto, uma questão, uma imagem, uma problemática, etc. e de estimular o diálogo,
como ilustra o seguinte exemplo:

De seguida passámos para a apresentação de mais uma sessão dinamizada pelos


formandos desta vez com o tema dos animais inspirada num texto de Alice Santos do
livro “Só os cães é que falam”. As dinamizadoras decidiram começar a sessão de forma
diferente e assim não pediram a leitura alternada de um texto, mas começaram com a
seguinte questão:
- Qualquer comportamento para com os animais é aceitável se o fim for a sobrevivência
humana? (Formanda C e M)
(NC. Junho 1, 2013).

Os formandos mostraram, de um modo geral, estar bastante entusiasmados e também


demonstravam algum receio de não serem capazes de corresponder a este desafio, mas todos
acabaram por desenvolver e pôr em prática uma sessão de filosofia com crianças ou com jovens.
A criatividade também está presente quando os professores adaptam as estratégias aprendidas aos

165
seus grupos de alunos. De acordo com as formadoras visualizam-se diferenças entre os professores
aplicadores do programa, designadamente quando recriam e transportam para outros contextos e
realidades o que aprenderam, como refere uma das formadoras na entrevista:

(…) a ideia é que eles possam com aquilo que aprenderam aproveitar, digamos assim,
essas novas ideias e essas sugestões para aplicarem nas suas próprias turmas e isso vai ser
muito diferente com certeza de professor para professor, aliás nas oficinas verificamos
isso (Formadora L, Entrevista).

Capacidade de construir os próprios materiais

Os materiais, livros de histórias e de atividades de exploração, que foram utilizados nas sessões
de formação, são maioritariamente da autoria de uma das formadoras. Foi interessante constatar
que as formadoras não utilizam os livros do Lipman, pois, uma delas escreve as novelas
inspirando-se na sua larga experiência como professora de filosofia, formadora e no trabalho que
desenvolve com as crianças, no âmbito do programa. A outra formadora acompanha todo este
trabalho criativo de escrita e compilação de textos tendo também apresentado um livro (Abreu,
2010). Numa das sessões foi analisado um dos capítulos deste livro:

A Formadora fala sobre um texto seu - A responsabilidade (histórias que escreveu em


2010, que são representativas da vida na escola) e diz:
- Primeiro vamos ler o texto e depois juntam-se dois a dois e levantam uma questão que
considerem particularmente interessante para discussão (Formadora, L., NC. Maio, 25,
2013).

Logo no primeiro contacto com os professores/formandos, as formadoras passaram a mensagem


de que a escrita das próprias novelas é não só uma forma de pensar na realidade das crianças
portuguesas, que é sem dúvida diferente da realidade expressa nas novelas americanas, mas é
também uma forma de criação, onde está presente uma inovação no seu trabalho. Uma vez que
as novelas filosóficas que estes livros integram representam vivências próprias das crianças de
uma determinada faixa etária, existe a necessidade de adaptá-las à vida, ao modo de ser e de
pensar, característico da nossa cultura, como refere uma formadora:

166
Os livros podem servir como manuais de trabalho, exploração e descoberta, uma vez que
apresentam diferentes aspetos das vivências das crianças e dos jovens que lhes permitem
identificarem-se com os personagens, dialogarem com os textos. É importante deixar os
miúdos na pele de autores (Formadora L, entrevista).

No entanto, as histórias também permitem transportar para outras realidades, mudando as nossas
vidas, inspirando e motivando nas nossas escolhas e nos caminhos que seguimos (Woods, 2001).
Ainda nas entrevistas referem ambas a importância da produção escrita dos próprios textos como
um ponto de viragem que marca a diferença no seu trabalho. Atualmente, raramente utilizam os
textos de Lipmam. Para as duas formadoras a principal estratégia de formação tem por base a
exploração de novelas filosóficas. Ambas consideram que as novelas facilitam o trabalho dos
professores principalmente daqueles que não têm formação específica em filosofia, também
afirmam que as novelas são um material muito rico porque contém os principais temas da
filosofia numa linguagem adaptada às crianças:

Eu acho que estes materiais, que são escritos propositadamente com uma determinada
função, desempenham melhor essa função do que outros. Pode-se realmente usar um texto
qualquer, se a pessoa souber realmente trabalhar às vezes consegue tirar de um simples
texto, que parece que não tem ali nada, muita coisa. Mas, não há dúvida de que um texto
escrito propositadamente, como é o caso, facilita muito mais o trabalho, sobretudo para
uma pessoa que não tem prática (Formadora L, entrevista).

Outro aspeto que a formação parece desencadear é no entender de uma das formadoras a
possibilidade de repensar a própria profissão, encontrando novas diretrizes de trabalho. Numa
altura em que os professores enfrentam o problema do desemprego nas suas áreas disciplinares,
desenvolver um projeto na área da filosofia surge para alguns formandos como uma resposta
possível num mundo em permanente mudança:

Mas tive pessoas que estavam inclusivamente em situações profissionais de impasse e


que a formação lhes deu coragem para criar pequenas associações de trabalho, de
imaginarem ao fazerem a prática do pensamento, de imaginarem soluções de emprego.
Por exemplo, tive vários casos de pessoas que andavam tipo galinha a bater com a cabeça
num determinado ponto e de conseguirem pela prática filosófica, conseguirem distanciar-

167
se, ver com distância e às vezes ver que era ou um apego emocional qualquer, ou um
absurdo, o estar a bater com a cabeça naquele ponto. (…) E terem a coragem de fazerem
outra coisa qualquer (Formadora A, entrevista).

3.4 Princípio da participação e colaboração

O princípio da participação e da colaboração é salientado pelas formadoras nas entrevistas e está


presente na formação em todos os trabalhos desenvolvidos pelos formandos nas diferentes
sessões. É frequente, nesta formação, os formandos juntarem-se em pequenos grupos e
realizarem um trabalho de construção conjunta de conhecimentos, onde todos contribuem para o
produto final. O quadro 16 sintetiza o indicador referente a esta categoria.

Quadro 16 - Princípio da participação e colaboração

Categoria Indicadores

Princípio da participação e colaboração Comunidade de investigação

Comunidade de Investigação

No discurso das formadoras é percetível que a formação se alicerça numa construção participada,
colaborativa e partilhada de saberes, experiências e sentidos. Uma das formadoras chega mesmo
a afirmar que durante o processo formativo todos aprendem com todos, como podemos constatar
no seguinte excerto da entrevista:

Quando as pessoas apresentam entretanto aquilo que elas propuseram é muito variado e
aí é que está uma coisa importante, eles também aprendem uns com os outros, não
aprendem só com os formadores; o próprio curso mostra que é possível, hoje fala-se tanto
em trabalho colaborativo, não é? É um verdadeiro trabalho colaborativo, porque tu
aprendes com o colega do lado que, numa disciplina diferente, fez uma coisa que se calhar
também eu poderia fazer, mas, partindo de outros materiais, ou nunca me ocorreu, ou que
nunca tinha pensado nisso. Muitas vezes acontece que as pessoas colaboram elas próprias
às vezes, por exemplo, quando são professores da mesma turma já tem acontecido,
professores de duas disciplinas diferentes da mesma turma, são colegas numa

168
determinada escola depois vão dali fazer um trabalho conjunto com os seus alunos, às
vezes com disciplinas diferentes, porque lembraram-se que um determinado assunto pode
ser trabalhado. Por exemplo, estou-me a lembrar agora, fala-se muito das questões do
ambiente e às vezes o professor de geografia com o professor de história, com o de
português e combinam ali uma coisa que estão a fazer e que podem fazer em conjunto,
por exemplo; aliás eu própria já fiz uma experiência na escola dessa maneira (Formadora
L, entrevista).

Podemos perceber nas suas palavras a importância do trabalho desenvolvido em conjunto na


interação com os colegas, como potenciador de situações de aprendizagem, de aprofundamento
e ampliação concetual, de atenção aos outros e aos seus contextos que conduz à inovação nas
práticas pedagógicas (Leite & Fernandes, 2010; Oliveira & Correia, 2013). Poder partilhar com
os colegas situações vividas na prática e pensar em conjunto sobre elas leva os professores, de
acordo com este exemplo e com a investigação no campo do desenvolvimento profissional
(Hargreaves, 1998; Veiga Simão, Flores, Morgado, Forte & Almeida, 2009), a pensar não apenas
na sua disciplina, mas de forma transversal. O seu discurso aponta para uma lógica formativa em
que cada formando individualmente e todos em conjunto desenvolvem competências relacionais
que lhes permitem trabalhar diferentes conteúdos numa perspetiva de transversalidade,
assumindo a importância de integrar os diferentes saberes.

Todo o trabalho desenvolvido nesta formação foi fruto do diálogo e da construção conjunta de
conhecimentos. Todos sem exceção (formandos e formadoras) contribuíram para o resultado final,
que espelha o trabalho do grupo, as suas visões, as suas problemáticas e os seus projetos. Todas as
sessões se caracterizaram pelo trabalho colaborativo. Os formandos trabalharam alternadamente
em pequenos grupos de dois ou três elementos, ou em grande grupo, onde o debate se estendia a
todos inclusive às formadoras, como podemos constatar no seguinte exemplo:

O grupo começou por refletir sobre a relação entre o pensar e a amizade.


Uma formanda (S) referiu que o pensamento nem sempre pode ser verbalizado.
As formandas que estavam a apresentar pediram para ela dar um exemplo.
Por vezes em determinados contextos não nos queremos expor. Trata-se de refletir sobre
o nosso pensamento (S).

169
Também penso que não devemos dizer tudo o que pensamos, mas apenas se eu acho que
vai enriquecer a conversa, só aí devo dizer (N).
As colegas que estavam a apresentar colocam a seguinte questão: O que é mais importante
para a pessoa? Dizer o que pensa ou não?
Eu penso que a verdade deve prevalecer tendo em conta os diferentes contextos (P).
O grupo concordou que dizer a verdade é sempre o mais importante mas que temos que
ter em conta o contexto, dá-se exemplos: se tivermos um judeu escondido em casa e
aparecer a polícia alemã, aí não podemos dizer a verdade, a mentira é justificável (J).
É bom pedir exemplos, para esclarecer do que estamos a falar (F).
Dizer tudo o que sei? Penso que o critério deve ser a justiça, se é justo ou não (S)
(NC. Maio 25, 2013).

Verificou-se que este tipo de trabalho fomentou a proximidade entre os membros do grupo de
professores, foi interessante o convívio que todos estabeleceram, nomeadamente no intervalo em
que todos conversavam sobre as suas experiências enquanto professores e também sobre a
formação. Participar, envolver-se, refletir sobre a prática e chegar a conclusões conjuntas são
palavras-chave desta formação. De facto, em todas as sessões o resultado final surge do diálogo
conjunto e das conclusões que o grupo considera as mais adequadas, dado o contexto e os
conhecimentos que cada um detém sobre os temas. Para exemplificar, numa sessão em que o
exercício consistia em agrupar as questões que de alguma forma se encontravam relacionadas, o
grupo trabalhou do seguinte modo:

Podemos juntar a 1 com a 2, porque têm ambas a ver com questões de justiça (N).
Há uma relação? (Formadora)
Sim (3 formandas).
Qual é então a relação? (Formadora)
Faz-se silêncio.
Então temos de saber as tipologias das relações? (C)
Parece-me que é uma relação de oposição (N).
A dependência constitui um tipo de relação? (J)
A relação é outra coisa! (S)
Para mim a dependência é uma relação! (C)
É uma forma de relação (P).

170
Característica da relação. (S)
Vamos pôr um ponto de ordem? Quando temos dúvidas! Causa e efeito alguém tem
dúvidas de que é uma relação? (Formadora)
O grupo em conjunto tenta chegar à conclusão se existe uma relação entre causa e efeito.
Depois de um momento de acesa discussão e debate, algumas pessoas aproximando-se da
argumentação dos colegas, acabam por concordar com eles. Exercício difícil, mas ao
mesmo tempo envolvente pelo modo como o grupo reage ao tema e acaba por encontrar
uma solução que satisfaz o conjunto e não apenas um individuo em particular (NC. Maio
4, 20013).

Os formandos tiveram em todas as sessões um papel determinante, uma vez que o seu contributo
era imprescindível para a construção dos conhecimentos. Uma das formadoras chamou a atenção
para aquilo que considera ser a ideia central do programa - a intersubjetividade, o diálogo com
os outros referindo:

É através do diálogo com os outros que eu vou chegar ao meu pensamento. Não devemos
falar com a criança como “eu sei tudo e a criança não sabe nada”, mas antes falar com ela
como sendo um interlocutor válido, num estado interrogativo e de abertura que muitas
vezes nós professores já não temos. Muitas vezes a criança tem a solução, cada uma tem
a sua experiência, todos podemos aprender com todos (NC. Maio 4, 2013).

Trata-se de um processo de aprendizagem interativa, com vista à construção de uma


“comunidade de investigação”.

Logo na primeira sessão as formadoras propuseram a leitura em voz alta de um capítulo do livro
de Alice Santos “Eu sou a Ana e a sementinha que não sabia quem era”. Cada professor leu um
paragrafo e passou para o professor seguinte. Esta forma de ler é no entender de Lipman (1990)
uma abertura ao outro, estar desperto, no fundo tornar-se presente através da experiência de ouvir
a “linguagem do texto assim como em escutar uns aos outros” (p.177). Ao mesmo tempo ler de
forma alternada permite também uma compreensão conjunta do texto e o respeito pelo outro.

Alternar é um exercício de reciprocidade moral, e o efeito coletivo da discussão resultante


é uma partilha de significados do texto através da sua apropriação pelo grupo como um
todo. (…) Começam a vivenciar uma experiência compartilhada e de significados

171
compartilhados, primeiro passo rumo a tornarem-se membros de uma comunidade de
investigação.
(Lipman, 1990, p. 177-178)

Parece que nesta formação este sentimento de vivência conjunta, de estar atento aos outros
despertou o interesse dos formandos inclusive um deles, professor de filosofia disse:

Esta maneira de ler nunca me passou pela cabeça em trinta anos de serviço (…) pode ser
um estratégia para todos lerem, porque alguns negam-se. Já valeu a pena estar aqui!
(Formando, J) (NC. Maio 4, 2013).

Quando ouvi o colega de filosofia ocorreu-me de imediato a necessidade de preparação


pedagógica, especialmente para os desafios que atualmente a escola coloca, o que tem no curso
de filosofia um lugar periférico. Esta lacuna aliada ao facto de a preparação para professor de
filosofia se centrar no domínio de conhecimentos, num saber teórico, onde o que importa é
dominar a história do pensamento filosófico, onde se reproduz muito mais do que aquilo que se
produz, neste cenário não é assim tão estranha a observação deste professor, que demonstra
apesar de tudo um desejo de melhorar a sua prática, revelando abertura para pensar novas
estratégias que considere úteis e vantajosas para si e para os seus alunos.

3.5 Princípio do Isomorfismo

As formadoras no seu discurso fazem indiretamente referência a este princípio como um aspeto
fundamental da formação. Também, ao longo da formação, foi visível o princípio do isomorfismo
em todo o processo formativo. Ele esteve presente na organização das sessões, no envolvimento
e atitudes que se procuram desenvolver nos formandos através da experiência, da prática e nos
princípios a incutir nos formandos, nos métodos e procedimentos utilizados e nos materiais
explorados que serão os mesmos a trabalhar em sala de aula com as crianças e jovens. O quadro
17 apresenta o indicador que corresponde a esta categoria.

172
Quadro 17- Princípio do isomorfismo

Categoria Indicadores

Isomorfismo enquanto experiência metodológica


Princípio do isomorfismo
de todo o processo de formação

Isomorfismo enquanto experiência metodológica de todo o processo de formação

Organização das sessões

No que se refere à organização das sessões, o grupo esteve sempre sentado em círculo, incluindo
as formadoras (situação que se pretende seja reproduzida na sala de aula com as crianças e jovens,
estes devem ficar sentados em círculo de forma a que cada um possa ver bem todos os colegas).
Cada professor coloca sempre um papel com o seu nome, de forma visível a todos os elementos
que fazem parte do grupo, incentivando o diálogo, conduzindo a que cada indivíduo possa
comunicar com o outro, chamando-o pelo seu nome. Quando todos se conhecem este papel deixa
de ser necessário. A investigação sobre o clima de sala de aula aponta como fator de
envolvimento de boas relações conhecer e usar o nome dos alunos, sugerindo como uma das
estratégias possíveis colocar o nome dos alunos de forma visível, quando ainda não se conhece
a turma (Muijs & Reynolds, 2005).

Envolvimento/atitudes

Também no que se refere ao envolvimento, existe uma clara intenção de que os professores
formandos venham a criar o mesmo tipo de envolvimento com os seus alunos. Ao adquirir
determinadas competências, neste caso ligadas ao processo de investigação/questionamento em
sala de aula. Espera-se que o formando se torne mais questionador, mais reflexivo, crítico e
criativo e que consiga de modo homólogo desenvolver estas capacidades nos seus alunos. Como
refere uma das formadoras:

Trabalhamos em conjunto e não de forma isolada. Dou um exemplo de uma aula a que
assisti, onde a professora convidava os alunos a pensar e ninguém o conseguia fazer,
porque a professora só convidava a falar os bons alunos, o que é dramático. Quando a
questionei sobre o facto, referiu que quando os alunos estavam desmotivados só faziam
confusão, pelo que era melhor pedir apenas a participação a quem está atento. No entanto,

173
todos nós sabemos a importância de envolver esses alunos e também já nos deparámos
com respostas muito interessantes vindas de quem não estamos à espera (Formadora A,
NC. Maio 18, 20013).

Encontra-se assim presente a ideia de que a formação de professores em filosofia com crianças e
jovens encontra-se intimamente relacionada com a formação dos alunos. Este princípio de que a
formação de professores deve estar diretamente imbricada com a formação dos alunos, encontra-
se presente em vários autores como por exemplo Marcelo García (1999), Marcelo (1999), Estrela
(2001) e Caetano (2004).

Procedimentos

No que se refere aos procedimentos, estes têm por base, como referimos anteriormente, a
investigação filosófica em sala de aula e para que esta ocorra, os professores são treinados neste
processo, onde o que importa fundamentalmente é o caminho a percorrer e não tanto o ponto de
chegada. Em todas as sessões os formandos foram confrontados com problemas, com diferentes
dados, aspetos ou visões referentes à problemática em estudo, levantaram-se hipóteses e
procuraram-se estabelecer relações entre as informações apresentadas por todos o que conduziu
à construção de uma explicação, ou possível solução. A finalidade da formação é que o professor
consiga caminhar da mesma forma com os seus alunos, o que pode ocorrer conforme
constatámos, por meio de diferentes estratégias. Apesar de a mais utilizada nas sessões de
formação ter sido a exploração de uma novela filosófica, os dados por nós recolhidos permitem
inferir que este trabalho de transferência dos procedimentos na formação para os processos
educativos com as crianças e jovens prolonga-se em processos de supervisão e acompanhamento
nas escolas. Também percebemos que é possível começar com uma questão, com a visualização
de uma imagem, de um vídeo, com a análise de um acontecimento real, etc.:

Existem dentro do programa várias formas de trabalhar e que nem todos estão de acordo
nas estratégias a desenvolver em sala de aula, o importante é diversificar, utilizar
diferentes formas de trabalhar de acordo com a dinâmica de cada grupo como sugere o
professor Oscar Brenifier (Formadora L, NC. Maio 25, 20013).

174
Trabalhar de acordo com a metodologia de investigação filosófica implica interação no
envolvimento entre os formandos, designadamente na partilha de conhecimentos prévios e na
busca de novos conhecimentos (Lipman, 1990; Sharp, 1990).

Recursos

Observou-se da parte das formadoras uma preocupação continuada de contribuir para que os
professores usem em sala de aula, os materiais que foram problematizados, explorados e
analisados na formação. Como dissemos anteriormente, os livros de que são autoras, foram
apresentados como recursos a utilizar pelos professores com as crianças ou jovens, como mostra
o seguinte exemplo:

Segue-se a apresentação do grupo de três educadoras do Jardim-de-infância que optaram por


trabalhar o segundo episódio do livro da Alice Santos “Ana é o meu nome”, livro destinado
ao pré-escolar e que pretendiam vir a explorar com os seus alunos, como referiram no
momento da sua escolha. A sessão iniciou-se com a leitura alternada do episódio, de seguida
as formandas pediram para que cada um escolhesse um conceito e o ilustrasse. Os conceitos
selecionados pelos formandos foram os seguintes: Afetividade / Segurança / Aprendizagens
/ Expectativas / Sentimentos / Medos / Perdas (NC. Maio 25, 2013).

De acordo com Niza (2009), uma pedagogia isomórfica, centra-se numa formação cuja base é a
organização do processo e o seu acompanhamento.

Nas entrevistas as formadoras destacam a importância de os professores formandos dinamizarem


pelo menos uma sessão, ocupando o formando o lugar do formador (Nóvoa, 1995). O formando
escolhe as estratégias e a forma de incitar ao diálogo questionando e problematizando, o que se
constitui como um desafio, cuja finalidade é o formando ser capaz de transpor para a sua prática
aquilo que experimentou na formação. Neste âmbito afirmam o seguinte:

Os formandos têm sempre eles próprios que assumir a responsabilidade de uma sessão
em conjunto com uma pessoa ou não, mas isso é uma questão chave, portanto nós damos
as técnicas, como é que se deve trabalhar e como é que as pessoas podem fazer, mas elas
próprias têm de fazer com os colegas, têm de ser sujeitas a esse modelo e foi também
assim que começamos como formadoras (Formadora L, Entrevista).

175
A grande estratégia é: as pessoas são sujeitas à prática em que o formador é o dinamizador
e as pessoas são sujeitas à prática em que o dinamizador é o formando (Formadora A,
Entrevista).

Nas falas das formadoras é possível perceber que o isomorfismo acontece no tipo de formação
que o professor formando recebe e no tipo de educação que se espera que ele desenvolva com os
seus alunos (Felício & Silva, 2017), como acrescenta uma das formadoras:

Mas a tarefa é sempre a mesma é pôr as pessoas a pensar e fazer com elas o trabalho que
depois elas vão ter que fazer com os alunos (Formadora L, Entrevista).

3.6 Princípio da ética relacional

Nos problemas que se colocam aos formandos, nas novelas filosóficas, e na forma como o
processo de investigação ocorre na formação, é visível a preocupação ética que está sempre
presente. O quadro 18 apresenta os indicadores referentes a esta categoria.

Quadro 18- Princípio da ética relacional

Categorias Indicadores

Princípio da ética Ética do cuidado


relacional Educação para os valores

Ética do cuidado

A importância de os formandos desenvolverem a empatia, a capacidade para dialogar expondo


as suas ideias num clima de aceitação do outro como interlocutor válido, implica a atenção ao
outro; o aprender a aprender; estar e ser com os outros, como podemos ver nas preocupações que
surgem nos formandos no decorrer deste diálogo entre professores/formandos a múltiplas vozes:

Se o individual só me diz respeito, como é que pode afetar os outros? (pergunta MI).
Pela interação, na relação de dependência que existe, o eu e o outro (responde S).
Questão das consequências! (alerta J).

176
Então pode haver escolhas pessoais que afetam mais os outros e outras que afetam menos?
(questiona P)
Todas as nossas escolhas afetam sempre os outros! (enfatiza L)
Até aquilo que não faço influência os outros. O não tomar a iniciativa, o não se
comprometer, não assumir a responsabilidade, as escolhas que se fazem e aquelas que
não fazemos, por inércia ou por conveniência (reflete S)
Podemos então chegar aos sentimentos, valores e trabalhar o que cada um sente (reforça P).
Sim, não é só o que se pensa mas também o que cada um sente (reforça N).
Ter a consciência de que o coletivo afeta o individual e trabalhar de acordo com esta
perspetiva (conclui I).
(NC. Maio 25, 2013).

Comunicou-se através da linguagem, num processo onde cada um se expôs através da fala, mas
também ouviu com respeito, atenção e cuidado com o outro. Processo crescente, que evoluiu à
medida que os formandos foram aprendendo a relacionar-se uns com os outros: Capacidade de
abertura, de esperar pelo outro, de perceber quando se deve intervir e qual a melhor forma de o
fazer são aspetos importantes nos processos relacionais e de comunicação (Lipman, Sharp &
Oscanyan, 1980). Neste contexto, as formadoras salientam a importância das práticas filosóficas
na gestão de conflitos, como se verifica no seguinte exemplo:

Neste confronto de ideias há várias coisas que se ganham, em termos de raciocínio e


convívio. Por exemplo, numa turma que eu tinha do décimo ano em que dois alunos eram
especialmente violentos um com o outro, com o desenrolar das sessões o seu
relacionamento melhorou e houve até um que disse: houve muitas coisas que passámos a
resolver pela conversa e que antes resolvíamos ao murro. (Formadora L, NC. Maio 25,
2013).

O cuidado com o outro, que acontece na prática filosófica, promove a formação ética através do
contacto direto entre as pessoas, numa participação onde o debate é intenso, fonte de
aprendizagem e crescimento, contribuindo progressivamente para uma gestão dos conflitos e
para uma igualdade crescente entre os indivíduos em presença, tal como refere uma das
formadoras:

177
Eu aplico o programa no meu dia-a-dia. Na escola onde trabalho conseguimos reduzir o
bullying. É importante ter uma sensibilidade muito grande aos alunos. O estatuto do aluno
dá força, eu ando sempre com ele. Por vezes, os colegas chamam-me à sala de aula devido
a problemas de indisciplina. Não vou lá dar ralhetes, nem lições de moral, isso é ridículo,
está velho e é ineficaz, o que importa é pôr os alunos a pensar sobre o seu comportamento
e qual a solução que apresentam para o mesmo (Formadora A, NC. Junho 1, 2013).

Educação para os valores

A educação para os valores esteve presente nesta formação de professores, em estreita ligação
com a participação na vida coletiva. Na formação, os formandos foram instigados a trabalhar os
valores, a comprometerem-se com o que acreditam, consigo próprios e com os outros na procura
por um mundo mais solidário, igualitário e democrático como refere uma das formadoras:

Quem quer que ensina, ensina valores, eles repetem o comportamento. Muitas vezes a
tentação é considerar que tudo vale o mesmo (Formadora L, NC. Maio 25, 2013).

As formadoras trouxeram também o tema das tradições culturais, a necessidade de estar atento
aos outros e sempre que possível recorrer às crianças e aos jovens de diferentes culturas presentes
no grupo, para partilhar conhecimentos e as suas perspetivas de diálogo, num processo de análise
e de abertura. Trabalharam o respeito pelas pessoas de culturas e valores diversos, o que pode ser
explorado com base na leitura e análise das novelas filosóficas.

Neste processo relacional de autoconhecimento, de conhecimento do outro e do mundo, vão-se


desconstruindo preconceitos e ganhando progressiva consciência da importância do outro, de
escutá-lo, de aprender com ele, tal como podemos perceber no seguinte exemplo:

A formadora sugeriu um exercício para o grupo, ler a 1ª parte da novela «Ana é o meu
nome». Cada um leu um bocadinho do texto e passava para o seguinte que continuava a
leitura. Após a leitura foram dados 10 minutos para que cada um dos formandos
descrevesse como seria a Ana. Passado esse tempo, a Formadora colocou no quadro a
seguinte tabela:

178
Características físicas Características psicológicas

Cada formando descreveu a Ana e preencheu a tabela. Após o registo, verificou-se que
existiam diferentes descrições da Ana. Cada formando apresentou características
diferentes. Assim, o segundo exercício consistiu em chegar a um acordo sobre as
características da Ana, em vez de pensarmos como cada um via a Ana, pensar como seria
a Ana para o grupo. A formadora chamou a atenção que por vezes é possível ver nas
diferentes descrições que se fazem da Ana, crenças, preconceitos e estereótipos. Deu um
exemplo de uma turma onde todos descreveram a Ana como sendo branca e de cabelos
louros. Outro exemplo dado relativamente à importância de desconstruir estereótipos, foi
o caso de uma turma onde a maioria dos alunos dizia que o pai da Ana não podia lavar a
loiça, porque isso não é tarefa dos pais, mas sim das mães. Neste caso a formadora referiu
a importância de pensar a partir de outra mundividência (NC. Maio 18, 2013).

Uma das formadoras refere na entrevista que a ética está sempre presente nas sessões de
formação, independentemente do tema e da área que se está a trabalhar como podemos constatar
no seu discurso:

Aliás nos livros do Lipman há uma coisa que se tem de referir que ainda não se disse, que
é, eles podem ter cada um determinado objetivo, a lógica, a linguagem, a filosofia da
ciência…, mas a ética é recorrente, no fundo é sempre a ética que está presente, as
questões éticas são recorrentes, tem a ver com o próprio sentido, a integridade do ser
humano no fundo e de facto isso é o mais importante (Formadora L, Entrevista).

O discurso desta formadora aponta para uma educação de valores onde o fundamental não é
transmitir às crianças as diferentes teorias éticas como um produto pensado, pronto por outros,
que estas devem seguir, mas sim fornecer-lhes ferramentas e possibilidades para refletirem em
conjunto num contexto de debate e investigação. Como assinala Lipman (1990) “um contexto
cuja metodologia é de autocrítica e autocorreção contínuas” (p. 67). No domínio da ética, a
formadora alude ainda à necessidade de ultrapassar a visão bipartida da ética, em que por um

179
lado se assume a ética fundada em princípios universais, absolutos ou, por outro lado, se
considera que os valores são relativos, assumindo a perspetiva da subjetividade dos valores.
Sugere antes a superação destas correntes, posicionando-se numa perspetiva de valorização da
reflexão, no sentido de evolução crítica em conjunto, posição que se centra em Lipman (1990) e
vai ao encontro de Habermas (1996) que propõe um caminho de diálogo democrático e da
interação com os outros em comunidade, procurando o sentido das coisas em conjunto.
Expressando-se a este propósito de seguinte modo:

Nem tudo é relativo, mas não há absolutos quer dizer tem que se encontrar em cada espaço
e em cada assunto digamos um termo que se possa viver de forma equilibrada e ética com
os outros e, isso tem que ser descoberto passo a passo, não é porque os valores são estes
e então está aqui tudo e tens que aprender, nem é assumir que não há valores, tem que
haver sempre um compromisso (Formadora L, Entrevista).

3.7 Princípio da Realidade

A formação em filosofia com crianças e jovens assenta na ligação entre os saberes que os
professores formandos adquiriram academicamente, correspondentes à sua área disciplinar em
ligação com os saberes da prática, neste sentido é uma formação que assenta em problemas e
situações da realidade pessoal e profissional (Estrela & Estrela, 2001). Nesta categoria
encontramos o indicador denominado de situações vividas no quotidiano, conforme se mostra no
quadro 19.

Quadro 19- Princípio da realidade

Categoria Indicador

Princípio da Realidade Situações vividas no quotidiano

Situações vividas no quotidiano

Uma formadora refere a importância de estar atento aos diferentes contextos adquirindo
sensibilidade para as questões e problemáticas que vão surgindo, agarrando o desafio de praticar
a filosofia, como nos diz uma das formadoras:

180
É um bocadinho a questão de procurar onde é que eu posso aproveitar, onde é que eu
tenho um pretexto no meu programa ou no meu trabalho, portanto corrente, um pretexto
para fazer, para pô-los a pensar de outra maneira, ou aprofundar esta questão, depois no
fundo a pessoa acaba por ter alguma sensibilidade para procurar esses desafios
(Formadora L, Entrevista).

Neste sentido esta formadora aponta para a importância das práticas filosóficas nas diferentes
disciplinas do currículo. A filosofia nesta vertente de pensamento transversal (Reis &
Formosinho, 2014) é importante para todas as áreas do saber e deve ser usada em todas as
disciplinas do currículo, como a formadora reforça no seguinte excerto:

Ela era professora de português, começou logo a trabalhar os textos de modo diferente,
começou logo a fazer e os miúdos ficavam entusiasmadíssimos, e isso é que é engraçado;
é que as pessoas quando começam a experimentar…ela começou a fazer coisa parecidas
com o que fazia ali em contextos que ela tinha para trabalhar (Formadora L, Entrevista).

O desafio incide em pensar sobre a realidade, sobre assuntos da vida quotidiana sobre os quais
temos curiosidade e desejamos saber mais, investigar sobre o que nos rodeia, o que também é
extensível às crianças e aos jovens com quem os professores formandos trabalham, tal como
afirma a formadora:

Pensar por exemplo como as coisas podem ser para eles. Raciocinar no momento, mostrar
como as situações concretas podem ajudar a agir, ligação da ação com o pensamento. Se
as coisas tiverem a ver com a vida concreta pensa-se melhor (Formadora L, NC. Maio 25,
2013).

Estar atento aos diferentes contextos e conseguir adaptar-se a eles, faz parte desta formação, uma
vez que o trabalho a desenvolver implica uma sensibilização e uma compreensão das diferentes
realidades e envolvências com que naturalmente o professor se depara:

É importante neste programa atender aos contextos - ponderações que eu vou tendo com
o grupo de trabalho (Formadora L, NC. Maio 25, 2013).

181
Esta necessidade de pensar sobre problemas reais é justificada por uma das formadoras da
seguinte forma:

A criança vive no presente. Ou alguma coisa é significativa para ela ou então é absurda,
ela vive completamente no presente. Os adultos ou vivem no passado ou vivem no futuro,
tem uma grande dificuldade em viver no presente. O que devemos fazer é pegar em
situações concretas e aplicar problemas. Todo o gesto concentrado no presente vai ter
consequências no futuro. É fundamental, agir no presente, o que eu fizer é o que eu vou
receber (Formadora A, NC. Maio 18, 2013).

Os formandos refletiram sobre a prática profissional, designadamente sobre situações que


enquanto formandos experienciavam, na formação, tomando consciência de forma reflexiva e
crítica sobre a prática profissional, questionando sobre o que é possível fazer para melhorá-la,
como esta breve nota de campo elucida:

Na apresentação não conseguimos realizar tudo o que planeámos. Chegámos apenas a um


título para o texto, escolhido pelo grupo. No final, comentámos com outros colegas de
filosofia que, para realizar este tipo de sessão, é realmente necessário muito tempo, o que
por vezes colide com as exigências do programa em termos de conteúdos, mas, no
entanto, ao debatermos sobre isso sobressaiu, a importância que todos dávamos às
práticas filosóficas reconhecendo a sua necessidade e utilidade (NC. Maio 25, 2013).

Partir do real vivido, problematizando à luz das perspetivas teóricas é imprescindível na


formação de professores (Estrela & Estrela, 2001; Oliveira, 2014; Silva, 2004).

3.8 Princípio da disponibilidade e da adequação ao ritmo dos aprendentes

As formadoras afirmam na entrevista a importância de dar tempo (ter em atenção o ritmo dos
aprendentes) e estarem disponíveis para acompanhar os formandos. Nesta categoria, emergiu o
indicador denominado de tempo e atenção às necessidades dos formandos, conforme se observa
no quadro 20.

182
Quadro 20- Princípio da disponibilidade e da adequação ao ritmo dos aprendentes

Categoria Indicadores

Princípio da disponibilidade e da
adequação ao ritmo dos Tempo e atenção às necessidades dos formandos
aprendentes

Tempo e atenção às necessidades dos formandos

Ambas as formadoras referem a necessidade e a procura por parte dos formandos de um


acompanhamento mais efetivo no terreno, designadamente por parte daqueles que procuram
implementar o programa. As formadoras demonstram ter consciência da importância de estarem
disponíveis para realizar este acompanhamento embora uma delas relate dificuldades em termos
da gestão dos seus horários para realizarem esta tarefa:

Acompanhar os professores, assistir às aulas, dar conselhos, acompanhar, ver porque às


vezes havia falhas…e as pessoas gostavam de ter orientação, que nós tivéssemos um olhar
crítico digamos das sessões. Depois com o tempo as pessoas vinham de sítios muito
diversificados era um bocado difícil coordenar os horários delas com os nossos (Formadora
L, Entrevista).
As pessoas se não tiverem alguém, um formador a dar o apoio, os projetos morrem,
precisam dessa força, precisam dessa renovação e dessa consistência (Formadora A,
Entrevista).

A disponibilidade e adequação ao ritmo dos aprendentes destaca-se no modo como as formadoras


fazem referência à importância de não ter medo de “perder tempo”. Existe em ambas uma
consciencialização de que este tipo de formação necessita de tempo, de disponibilidade para
escutar os outros, e de pensar com eles, num processo onde a atenção é com cada um e com todos
procurando ir ao encontro do ritmo dos formandos, como fica patente no discurso de uma das
formadoras:

183
As palavras também têm que ser e as ideias têm de ser compreendidas, mas isso requer
um certo tempo, requer tempo não é? Não é à pressa! Hoje pensa-se muito à pressa, faz-
se tudo à pressa, é tudo muito rápido! (…) Depende da dinâmica da própria sessão, dos
formandos digamos assim (Formadora L, Entrevista).

Outra ideia importante prende-se com a referência de uma das formadoras aos conhecimentos
que cada formando traz consigo, o que implica a atenção das formadoras aos saberes dos
aprendentes e disponibilidade para os ouvir, num processo de adequação a cada um e a todos, em
geral. Consciência de que os formandos aprendem de modos diferentes e que cada aprendizagem
é um processo que se desenvolve internamente, no interior de cada sujeito, como podemos
depreender do seguinte excerto:

É o princípio de que o saber está em cada um, o exercício tem que ser a partir de cada um
porque a visão é de cada um, eu não posso dizer olhe estou a ver isto, tu vais ver o que eu
estou a ver. Não! Cada um vê, eu não posso colocar a minha visão no outro, ou vê ou não
vê! Quando vê, vê por si próprio (Formadora A, Entrevista).

4. Perfil desejado de Professor

A análise das entrevistas às formadoras e as notas de campo permite-nos delinear algumas


características e competências que as formadoras consideram importantes que o professor de
filosofia com crianças e jovens possua levando-nos a perspetivar o perfil do professor para
trabalhar com este programa de acordo com as seguintes categorias: i. papel do professor no
grupo-turma; ii. função do professor; iii. características do professor. No próximo quadro (21)
apresentam-se as categorias e os indicadores referentes a este tema.

184
Quadro 21 - Perfil desejado do professor

Categorias Indicadores

Papel do professor no grupo-turma Facilitador/ Orientador da prática

Função do professor Quase salvífica

Características do professor Bom humor


Ser flexível
Saber lidar com o inesperado
Ser livre/ capacidade de se colocar em causa
Capacidade de se colocar no lugar do outro
Não ser autoritário /seguro de si
Humildade
Mente aberta/ Íntegro
Capacidade de se auto transformar

4.1 Papel do professor no grupo-turma

Facilitador/orientador da prática

Ambas as formadoras nas entrevistas e em momentos diferentes da formação referiram o papel


do professor enquanto facilitador e orientador da prática como podemos ver nos exemplos
seguintes:

Os professores mudam de papel, o que se espera que eles façam neste programa é que
consigam orientar a prática (Formadora L, NC. Maio 25, 2013).
Procurar razões para…e analisar as próprias razões, ter cuidado com os estereótipos e os
preconceitos, partir para uma reflexão que não tenha uma resposta imediata. O professor
tem a tarefa de facilitar o início da reflexão, é muito importante a concetualização
(Formadora A, NC. Junho 1, 2013).

Mas não é apenas nas suas palavras que sobressai esta ideia do professor como alguém cuja
função é Ade orientador, mas também no seu trabalho enquanto formadoras, designadamente
orientando os exercícios, questionando e conduzindo os professores formandos num processo de

185
reflexão, onde todos tinham uma palavra a dizer e onde o conhecimento é fruto de uma
construção conjunta em comunidade de investigação.

4.2 Função do professor

Quase salvífica

No discurso de uma das formadoras sobressai a importância do professor enquanto


impulsionador de reflexão e promotor do pensamento, crítico o que remete para uma função da
docência que no seu entender é única, poderosa e salvífica, de acordo com as suas palavras:

Pode-se abordar o tema da morte diretamente sem fantasias, introduzindo uma visão por
exemplo em que uma das alternativas fosse – em que é que a morte pode ser boa para a
vida? Não é necessário falar de nada, só se os alunos tiverem necessidade. No pensamento
crítico não há tema tabu. O pensamento crítico é sair de si e não negar o que se tem. Os
professores são o último reduto. Receio é que estejam a ser castigados e podem não ter
forças. Os professores têm naturalmente uma energia que mais ninguém tem. É
importante que tenham também a consciência do poder e da sua função quase salvífica
(Formadora A, NC. Junho 1, 2013).

Ao referir-se a uma função salvífica, o seu discurso aponta para uma missão dos professores que
em nosso entender se situa na capacidade que estes detêm de melhorar os resultados dos seus
alunos, proporcionando-lhes novas oportunidades através do desenvolvimento das suas
capacidades reflexivas, críticas, criativas e éticas. Trata-se no fundo de um discurso de
reconhecimento da importância de ser professor, mas também de responsabilização e de
esperança (Freire, 1997a).

186
4.3 Características do professor

Bom humor

Uma das formadoras refere na entrevista a importância do humor, como uma forma de
desmistificar, de pôr em causa e de desconstruir determinados preconceitos e formas de pensar
enraizadas:

Em todas as formações tenho sempre alguma brincadeira, portanto eu vou muito pela
linha do humor também porque a saída do quadro mental é muito difícil e dolorosa, não
é? Por exemplo, na consulta filosófica 4 já tenho lenços de papel porque as pessoas
choram, porque o pôr em causa o seu quadro mental, o seu hábito é muito doloroso, então
eu vou muito pela linha do humor (Formadora A, Entrevista).

Ser Flexível

Esta é uma característica fundamental no professor de filosofia com crianças e jovens e que
ambas as formadoras trabalham na formação, demonstrando a necessidade de ir ao encontro das
necessidades e dos interesses dos alunos. Não se trata de impor determinados conteúdos que os
professores consideram mais importantes, mas adaptar-se aos grupos, à escola e aos problemas
que os próprios alunos selecionam para discussão, como foi observado pela investigadora em
duas sessões de formação, no desempenho das duas formadoras:

As formadoras falaram da importância de partir dos interesses e necessidades dos alunos.


Neste contexto uma das formadoras afirma o seguinte: Conhecer bem a turma é essencial.
Por exemplo, colocar questões ou realizar dinâmicas de conhecimento mútuo e só depois
começar a trabalhar os temas introduzindo aqueles que são mais importantes para o grupo.
Pode-se inclusive perguntar o que os alunos consideram mais importante e fazer com eles
uma lista (Formadora L, NC. Junho 8, 2013).

4
A Consulta Filosófica ou Aconselhamento Filosófico é uma atividade que coloca à disposição dos indivíduos
métodos, teorias e abordagens filosóficas para os ajudar a pensar e a solucionar problemas existenciais.

187
O outro registo, relativo à Formadora A, revela a sintonia que também neste aspeto se observou nas
conceções e práticas de ambas, pois neste programa, flexibilizar é ter atenção aos alunos e ao que
eles dizem, num processo de constante reinvenção e criatividade:

Quando pensamos em filosofia com crianças temos de estar atentos a novas soluções que
as crianças também vão engendrando. Procurar razões para…e analisar as próprias razões,
ter cuidado com os estereótipos e os preconceitos, partir para uma reflexão que não tenha
uma resposta imediata (Formadora A, NC. Junho 1, 2013).

Saber lidar com o inesperado

O professor é confrontado com o inesperado e neste sentido tem de ter flexibilidade para poder
reagir, para pensar de outra forma, apresentar novas possibilidade e soluções, reformular o seu
pensamento e, por vezes, até questionar as suas próprias crenças e aquilo que dava como certo e
verdadeiro, como refere uma das formadoras:

É necessário praticar, só através da prática é possível ir melhorando as sessões de filosofia


com crianças. (…) (Formadora L, NC. Maio 25, 2013).

Lidar com o inesperado não retira a importância de planificar previamente e de forma estruturada
as sessões de filosofia com crianças ou jovens, como foi referenciado pelas formadoras:

As sessões são flexíveis e decorrem das dinâmicas de sala de aula, dos saberes dos
estudantes e do envolvimento criado. O professor tem de estar atento ao que os alunos
vão dizendo, aproveitando ao máximo as suas intervenções. É necessário preparar
previamente as sessões, como fizeram quando tiveram que dinamizar uma sessão.
Realizar uma grelha pode ajudar onde se colocam por exemplo os temas, as leituras que
vão propor e os objetivos a alcançar (Formadora L, NC. Junho 8, 2013).

Não ser autoritário/ Ser seguro de si/Ser humilde

Uma das formadoras refere na entrevista a necessidade de o professor não ser autoritário, praticar
o diálogo, ouvir os outros, aceitando os alunos como interlocutores válidos:

188
Vê-se isso, muitos professores estão tão agarrados ao seu modelo inicial não sei talvez
com características até um pouco autoritárias que dificilmente cedem aos outros, não é?
E isso também se vê em relação aos colegas, nos cursos vê-se isso e em relação aos alunos
certamente. Portanto o professor tem de ser suficientemente seguro de si (Formadora L,
Entrevista).

Para poder ter essa humildade, se quisermos, de se pôr ao nível dos alunos, não ao nível
dos alunos de que eles não têm a mesma experiência, nem os mesmos conhecimentos,
mas no diálogo aceitar-se ser, como diz o Lipman, isto é uma expressão muito importante,
aceitar os alunos como interlocutores válidos, não é só uma criança…“Fala lá eu oiço-te
mas não ligo nenhuma”. Não! Tem que ser uma pessoa que acredita que o aluno, aquele
que é mais novo, a criança pode também fazer raciocínios interessantes e é ele que tem
de fazer por si. Portanto tem de ser uma pessoa suficientemente segura para isso
(Formadora L, Entrevista).
Quando se discute uma ideia com os alunos em plena liberdade, a pessoa tem que se
arriscar a ouvir coisas que pode não concordar, mas tem que tentar compreender e tem
que ser uma pessoa suficientemente segura e com uma mente aberta não autoritária! Mas
pedagogicamente, isso é uma questão também importante, pedagogicamente segura
porque uma das coisas que o Lipman dizia é assim: quando faço uma sessão eu dou
abertura aos alunos para eles intervirem como quiserem, podem dizer tudo! Mas se eles
disserem uma coisa, vamos lá hoje diz-se politicamente incorreta, não é? Vai defender o
racismo, então eu tenho que o confrontar com questões. Não sou eu que lhe vou dizer não
sejas assim, porque ele não vai aceitar, não é? Eu tenho é de lhe pôr questões até o
confrontar, chegar a um ponto em que ele próprio diz: Então? Não faz sentido! Não é
racional, não é razoável eu pensar assim ou defender isto e o professor pedagogicamente
tem que ter essa noção (Formadora L, Entrevista).

Ser livre/ capacidade de se colocar em causa /auto transformar-se

O perfil base - livre, o que é que eu entendo por um ser livre? Um ser que tem a capacidade
de se colocar em causa (…) (Formadora A, Entrevista).
Ou porque não se sentem seguras ou porque elas próprias não se querem pôr em causa
também a si próprias, porque isto implica que as pessoas também se ponham em causa a

189
si próprias, eu não vou só sujeitar os outros a isso, eu vou ter que fazer eu própria
(Formadora L, Entrevista).
Um ser que tem a capacidade de se colocar no lugar do outro, um ser que tem a capacidade
de operar com ideias em que nunca tinha pensado (Formadora A, Entrevista).

Eu quero que o aluno pense qual é a responsabilidade dele, então eu também tenho que
pensar comigo isso, também há uma transformação pessoal, por isso é que as pessoas
sentem muito esse baque (Formadora L, Entrevista).

Experimentalista / Não ter medo de errar

Tem de ser uma pessoa que esteja verdadeiramente interessada, não em debitar aquilo
que aprendeu na universidade, no curso, mas esteja verdadeiramente interessada em fazer
crescer os alunos e também que não tenha medo, sobretudo essa é a primeira grande lição
que é não ter medo de arriscar de fazer diferente, é porque às vezes os professores têm
muito medo de arriscar, portanto se calhar o grande desafio será esse, é arriscar consigo
próprio e arriscar com os alunos e levar isso por diante (Formadora L, Entrevista).
Um ser que seja experimentalista, que experimente, que não tenha medo de errar, pronto
é esse…, ou seja são muito poucos (Formadora A, Entrevista).

190
Síntese

Os dados recolhidos e analisados, até ao momento, permitem afirmar que a formação em estudo
tem vindo a sofrer alterações decorrentes da reflexão, do pensamento crítico e criativo das
formadoras que, com base no modelo inicial, criaram e inventaram novos materiais,
contextualizando-os na realidade social e pedagógica portuguesa. Esta situação aponta para o
caráter de abertura e de flexibilidade do programa que, ao ser progressivamente aplicado,
promove a diversidade e a recriação nas práticas dos formadores que vão utilizando novas
estratégias de questionamento, diferentes materiais e abordagens promovendo o diálogo.

Nos princípios que se podem inferir das práticas de formação e do pensamento das formadoras
sobre as mesmas sobressai a ênfase no caracter prático do ensino da filosofia, sem negligenciar
a sua articulação com a teoria. O ato de filosofar é uma constante, trata-se de pôr em prática com
os outros a capacidade de reflexão critica, criativa e ética. Neste sentido, podemos afirmar que
os princípios orientadores desta formação são fundamentais na formação contínua de professores,
bem como a busca da coerência das técnicas e das estratégias formativas, com esses princípios.
Este modelo de formação apresenta um enorme potencial para o desenvolvimento do pensamento
e da prática dos professores nos temas filosóficos, que posteriormente poderão utilizar para
explorar outras temáticas do currículo. Mas parece ir mais além, no sentido em que fornece, aos
professores das mais diversas áreas, ferramentas que os podem auxiliar a pensar e a agir
pedagogicamente, de forma crítica e transformadora (Reis & Formosinho, 2014). A diversidade
do grupo de professores em formação (professores de filosofia, de outras disciplinas, de todos os
níveis de ensino não superior, incluindo educadores de infância) e a adesão de todos, sem
exceção, às práticas e princípios subjacentes às mesmas, revelam o potencial formativo e a
transversalidade deste programa. Este aspeto, aliado à valorização da participação e da
colaboração, através do desenvolvimento de dinâmicas de grupo, fomenta um espaço e um tempo
de reflexão conjunta sobre problemas e questões que os professores vivenciam ou que surgem
nas novelas filosóficas. Neste sentido, pode também inferir-se dos dados analisados que, da parte
das formadoras, existe a preocupação de pôr em marcha uma formação que siga o princípio do
isomorfismo (Marcelo García, 1999; Niza, 2009; Rodrigues & Rodrigues, 2011; Felício & Silva,
2017), ou seja, que os materiais, os processos e as estratégias possam ser transferidas para as
práticas pedagógicas dos professores, qualquer que seja o domínio científico ou outro que
trabalhem com os seus alunos.

191
Neste contexto, é importante refletir sobre o papel do professor para poder desempenhar
eficazmente a sua função dentro deste programa. A nossa reflexão sobre o perfil do professor
surge no contexto da proposta da filosofia com crianças e jovens. Neste sentido, é importante
referir que não procuramos delinear as características do “bom professor”, uma vez que de acordo
com várias pesquisas sobre este tema, ser bom professor tem significados diversos que dependem
dos indivíduos, dos momentos histórico sociais e culturais em que vivemos e das finalidades e
dos valores que se imputam à educação (Reis, 1996; Rangel, 1994; Gisi, Ens & Eyng, 2010). De
facto, verifica-se que não existe um modelo único, indiscutível e universal de bom professor.
Dito isto, importa analisar os dados recolhidos sobre esta temática tendo presente que estamos
face a uma proposta que assenta na visão de que a finalidade de ensinar filosofia às crianças é o
desenvolvimento do seu pensamento crítico, da capacidade de julgar e por conseguinte de agir.
O que implica desde logo, uma nova postura do professor conforme nos mostram os dados em
análise. Este programa apresenta uma metodologia, que se afasta das práticas tradicionais de
ensino, incidindo sobre o desenvolvimento de capacidades cognitivas e metacognitivas nas
crianças e nos jovens (Lipman,1995; Guedes & Rego, 2012; Rendón, 2016). Conforme podemos
perceber nos dados recolhidos o papel do professor neste programa é determinante e indireto,
constituindo-se como um verdadeiro desafio. Percebemos que o professor tem de ser capaz de
conduzir discussões filosóficas, pelo que é necessário aprender a operacionalizar o processo, os
seus métodos, o estilo e os instrumentos (Cuello, 2017; Sollet, 2009). Neste contexto, o professor
tem a tarefa de experimentar novas estratégias que possam contribuir para o desenvolvimento
pessoal e social dos seus alunos. Os dados apontam ainda para a necessidade de o professor
inovar e ter liberdade de iniciativa. Um dos princípios e práticas da formação, que assinalámos
foi o princípio de aprender a pensar, cuja finalidade é levar os professores/ formandos a pensar
filosoficamente e a filosofar, o que se configura, em nosso entender, como um modelo de
autonomia do pensamento, que se espera que o professor consiga por em prática com os seus
alunos. No fundo, o que se espera do professor é que ele seja um facilitador, orientador da prática,
agindo em colaboração (Lipman, 1990). A prioridade do professor deve ser a superação das
dificuldades das crianças e dos jovens, no domínio da linguagem, da argumentação e do discurso,
facilitando a integração, a estruturação e a aplicação dos conhecimentos de forma transversal.
Pelo que a comunicação (Pyniol, 2005) tem um papel central nesta proposta, pois o ensino é
entendido como um processo multidirecional, centrado no aluno, designadamente no
desenvolvimento das suas capacidades, o que exige que o professor seja capaz de conduzir as

192
sessões para que estas sejam motivadoras e envolventes para os alunos. O professor de filosofia
com crianças e jovens deve ser capaz de impulsionar a reflexão e o questionamento promovendo
o pensamento crítico (Brenifier, 2005; Kennedy, 1999; Unesco, 2007). Neste processo, de acordo
com o testemunho das formadoras, é importante que o professor não seja autoritário, tenha a
capacidade de se colocar em causa e no lugar do outro e que seja flexível. O que exige segurança,
humildade e integridade. Estas competências culminam na capacidade de se auto-transformar.
Neste processo, as crianças ou os jovens têm um papel importante enquanto interolocutores
válidos. É com os alunos através do que eles dizem, das inquietações que provocam e dos desafios
que colocam ao professor, que este vai progressivamente se transformando a si próprio e
alterando o seu desempenho em sala de aula (Ribeiro, Souza & Guedes, 2018).

A prática filosófica, como temos vindo a analisar, tem no programa de filosofia com crianças e
jovens uma vertente inter e transdisciplinar, não só pela abrangência dos temas abertos à
discussão, mas essencialmente pela oportunidade que proporciona às crianças e aos jovens de
mobilizarem os conhecimentos previamente adquiridos em outras áreas disciplinares para os
debates filosóficos (Cai & Sankaran, 2015; Rendón, 2016; Baker & Fisher, 2016). Neste
processo, o professor tem de conhecer e saber aplicar uma metodologia de investigação filosófica
onde a observação, a pergunta, a problematização, o colocar e explorar hipóteses, a definição de
conceitos e a interpretação têm um lugar central, como vimos acontecer nesta formação. Vários
estudos nesta área (Lyle, 2008; Gonçalves & Silva, 2011; Gazzard, 2012; Robinson, 2015) têm
vindo a ocupar-se de questões sobre os conhecimentos e as capacidades que os professores
necessitam de desenvolver para dar resposta a um programa como este. Estas investigações
destacam a importância da formação e do acompanhamento aos professores na implementação e
monotorização deste programa. Demonstram inclusive, que é exigido aos professores que
desempenhem um duplo papel que é difícil de gerir, designadamente como facilitador das
aprendizagens em que o professor deve assumir um papel neutro, no sentido em que deve abster-
se de fazer juízos, mas simultaneamente deve ser um educador ético e da ética, onde lhe cabe a
tarefa de informar, orientar, promover, incentivar determinados padrões de bom caráter e
conduta. Coloca-se então a seguinte questão: como pode o professor ultrapassar esta dicotomia?
A proposta de trabalho com as crianças e os jovens é neste modelo desenvolvida numa
comunidade de investigação filosófica que não pode ser moralista nem manipuladora, uma vez
que não se procura doutrinar os alunos. “Ora se os professores se demitirem da sua função de

193
educadores e promotores do desenvolvimento moral e axiológico dos alunos, não proporcionarão
nas suas aulas a vivência de valores que estão na base da autodisciplina e da convivência
democrática de que o professor deverá dar testemunho” (Estrela, 2002). Para ultrapassar esta
problemática sugere-se (Brenifier, 2011; Kohan, 2000; Daniel & Auriac, 2011) a análise de
novelas e de casos que coloquem dilemas éticos e que o professor apresente exemplos e contra
exemplos, que tenham eco na vida real, no quotidiano das crianças e dos jovens, o que também
vem ao encontro do que nos dizem as formadoras nas entrevistas, a necessidade de os professores
escutarem os seus alunos, tendo em conta os seus saberes, interesses e necessidades, sem descurar
os conhecimentos que fazem parte do currículo.

194
CAPÍTULO VII
PERCEÇÕES DOS PROFESSORES E DAS FORMADORAS
ACERCA DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO

Com o intuito de perceber como é que os professores que participaram na formação em filosofia
com crianças e jovens interpretam os processos formativos em que estão ou estiveram
envolvidos, é importante compreender as seguintes questões: o que levou os professores a
escolher este tipo de formação? O que valorizam no processo de formação? Que tipo de
dificuldades pessoais e profissionais experienciam no decurso da formação? O estudo das
perceções dos professores acerca dos processos formativos apoia-se fundamentalmente nos
dados recolhidos através de questionário aplicado a professores que participaram na formação
entre 2006 e 2013 e de entrevistas de follow-up realizadas com onze professores que participaram
na formação em 2013. A análise destes dados foi complementada e confrontada com as perceções
das formadoras, obtidas através de entrevista e com alguns dados recolhidos in loco na formação.

1. Motivações para a formação de professores em filosofia com crianças e jovens

Os dados obtidos nos questionários e nas notas de campo permitem-nos identificar os motivos
ou razões que levaram os professores a escolher frequentar a formação de professores em
filosofia com crianças e jovens. Assim, considerámos nesta análise os motivos que levaram os
professores a inscrever-se nesta formação e as suas expectativas iniciais acerca do processo
formativo. Recolhemos estes dados através de uma questão aberta do questionário que, como já
referimos acima, se centrou nas motivações para a frequência da formação. As notas de campo
também nos fornecem informação sobre as categorias em análise, pelo que iremos apresentar as
principais categorias e indicadores da natureza das motivações dos professores para a frequência
desta formação, recolhidas nos momentos referidos. Teremos em conta uma diferenciação entre
motivações pessoais (relacionadas com o desejo de autodesenvolvimento) e motivações
profissionais (que se prendem com o desenvolvimento profissional e com a progressão na
carreira) conforme se apresenta no quadro 22:

195
Quadro 22 – Motivação para a formação

Categorias Indicadores

Interesse
Motivações pessoais
Curiosidade

Melhorar a Prática pedagógica

Preparar para novos públicos

Obtenção de créditos

Motivações profissionais Aprofundar conhecimentos

Preocupações éticas e de cuidado

Qualidade do trabalho das formadoras

Criar um projeto para a escola

1.1 Motivações Pessoais

No questionário, o interesse pela área e pelo tema da filosofia é um dos motivos que impulsionou
catorze professores a frequentar a formação em filosofia com crianças e jovens (onze professores
de filosofia, um professor do 1º Ciclo, um professor do 2ª ciclo e um educador de infância), como
nos mostram os seguintes exemplos:

Queria saber e aprender sobre esta temática. (Q2-24 A – Professor de Filosofia)


O interesse em aprofundar a área. (Q2-3 A - Professor de Filosofia)
O tema da filosofia encanta-me em particular. (Q2-6 A – Professor do 1º Ciclo)
Interesse e a pertinência. (Q2-12 – Professor de Filosofia)
O tema despertou interesse. (Q2-13 A – Educadora de Infância)

Também nas notas de campo, que recolhemos no primeiro dia de formação, os dezasseis
professores presentes nessa sessão, quando questionados pelas formadoras sobre os motivos que
os levaram a escolher a formação em filosofia com crianças e jovens referiram que um dos fatores
que os motivou foi o interesse que o tema lhes despertava. Na mesma linha de raciocínio, sete
dos quarenta e um professores que responderam ao questionário (quatro professores de filosofia,

196
duas educadoras de infância e um professor do 1º Ciclo) destacam a curiosidade que os temas
despertam.

1.2 Motivações profissionais

O desejo de melhorar a prática pedagógica, surge como um dos fatores de motivação assinalado
no questionário por vinte e três professores de diferentes áreas disciplinares, pela possibilidade
de aprenderem novas estratégias e metodologias para trabalhar em sala de aula, como podemos
constatar nos seguintes exemplos:

Contacto com e aquisição de metodologias no âmbito da filosofia com crianças e jovens.


(Q2-36 – Educador de infância)
Possibilidade de utilização das metodologias e estratégias apresentadas. (Q2-26 B –
Professor 1º Ciclo)
Querer aprender mais sobre a metodologia e os diferentes estilos do facilitador. (Q2-31 –
Professor 1º Ciclo)

Nas notas de campo também se verifica que oito professores acrescentaram que, para além do
interesse pela área e pelo tema da filosofia, a formação era uma possibilidade para “melhorarem
o seu desempenho”.

No questionário sete professores (três de filosofia, três educadoras de infância e um professor do


1º Ciclo) referem como fator de motivação a necessidade de preparação para novos públicos,
neste âmbito os professores revelam sentido de emancipação, ao abrirem-se a novas
oportunidades profissionais, por exemplo no caso dos professores de filosofia e dos professores
do 1º Ciclo ao pré-escolar:

Pelo facto de considerar importante introduzir a filosofia o mais cedo possível nas escolas.
(Q2-16 B – Professor de Filosofia)
Ajustar a filosofia a estes públicos. (Q2-2C Professor de Filosofia)

197
Um professor de filosofia mostra consciência das exigências dos novos públicos do ensino
secundário referindo “a necessidade de adaptação ao novo perfil dos alunos do ensino
secundário” (Q2-37).

Sete professores referem a “ausência de formação na área”. Cinco professores de filosofia


referem como fator de motivação a “necessidade” de aprofundar conhecimentos na área ou
“aperfeiçoar e completar a formação no ensino de filosofia”

O papel da filosofia no desenvolvimento humano, designadamente na sua vertente questionadora,


crítica e criativa é considerada por três professores do 1º Ciclo e por duas educadoras de infância
como aspeto motivacional para a frequência da formação, como mostram os seguintes exemplos:

Porque acho que a filosofia faz pensar e ajuda a resolver muitos problemas. Ativa o
pensamento. (Q2-18 B – Educador de infância)
Melhorar a capacidade de questionar; desenvolver o pensamento crítico e criativo. (Q2-
23- Professor 1º Ciclo

As preocupações éticas também são assinaladas por dois professores e traduzem-se na procura
de contributos para o seu desenvolvimento profissional nesta área, nomeadamente aprender a
lidar com as diferenças e a gerir conflitos a fim de que estes contribuam para o desenvolvimento
moral dos seus alunos:

Gerir conflitos. Lidar com diferenças. (Q2-15 A – Professores 1º Ciclo)


O contributo para o desenvolvimento e maturidade das crianças. (Q2-9- Educador de
Infância)

Obter créditos que espelham o desejo de progressão na carreira, também surge como motivação,
embora seja assinalado nos questionários por um número reduzido de professores (3), todos de
filosofia. Através das notas de campo constata-se que seis professores assinalaram a
obrigatoriedade de frequentar uma ação por ano e a importância de obterem créditos como fator
de motivação para a formação, como podemos constatar no seguinte exemplo:

Para um dia, quem sabe podermos progredir na carreira (uma vez que a progressão na
carreira encontrava-se no momento congelada) (Formanda B, NC. Maio 4, 2013).

198
Verifica-se, da parte destes professores (6), uma preocupação em progredir na carreira docente,
pelo que frequentar a formação não surge prioritariamente de um desejo e motivação intrínseca,
mas de uma diretiva externa, como um dos formandos afirma:

Uma vez que temos que frequentar uma ação por ano, escolhi esta porque parece ser mais
interessante (Formanda C, NC, Maio 4, 2013).

A necessidade de obtenção dos créditos para a progressão na carreira resulta como podemos
constatar, nos seis casos referenciados, numa obrigação que o docente considera ter de cumprir
e não surge de uma vontade de aprender ou de uma necessidade interna de evoluir
profissionalmente. Vários autores, entre eles Santos (2009), Afonso, Folque, Bragança e Sucena
(2013), alertam para esta perversidade na formação contínua de professores. No entanto, foi
interessante observar que apesar de nos casos assinalados, o impulso inicial para a formação não
ser o desejável, os professores de um modo geral envolveram-se na formação, participaram
ativamente, realizando atividades e dinamizando eles próprios as sessões.

Nos questionários apenas dois professores de filosofia referem ter frequentado mais do que uma
formação nesta área motivados pelo trabalho de dinamização das sessões efetuado pelas
formadoras:

As restantes vezes que repeti a ação foi pelo interesse em exercitar a filosofia e isso deveu-
se ao trabalho específico das formadoras que dinamizaram a ação. (Q2-3 B)
Possibilidade de contactar com alguém que tem experiência e prática neste tipo de ensino.
(Q2-25 B)

Nas notas de campo surge ainda a referência de uma das formandas, professora de filosofia, que
falou no seu desejo de implementar o programa no colégio onde trabalha.

199
2. O processo de Formação

No questionário e nas entrevistas de follow-up, os professores apresentam algumas reflexões


sobre o processo de formação destacando como aspetos específicos sobretudo os seguintes: i.
conteúdos de formação valorizados; ii. metodologias de formação; iii. desempenho das
formadoras (Quadro 23). Um dos professores sublinha os processos de autoconhecimento que a
formação lhe proporcionou, enquanto outros fazem ainda uma avaliação global do processo
formativo. O quadro 23 mostra as categorias e os indicadores referentes ao tema- dinâmicas de
formação.

Quadro 23 – Dinâmicas de Formação

Categorias Indicadores

Programa de filosofia com crianças e jovens

Conteúdos de formação valorizados Temas abordados

Metodologias de ensino (estratégias e recursos)

Experimentação/treino

Técnicas de questionamento/do pensar

Debates e outras atividades práticas


Metodologias de formação
Reflexão sobre situações/casos

Ligação formação-ação educativa

Trabalho formativo em geral

Desempenho das formadoras Clima relacional criado

Processos de autoconhecimento Conhecimento de si

Avaliação global Satisfação em relação à formação

200
2.1 Conteúdos de formação valorizados

Programa de filosofia com crianças e jovens

Nas respostas ao questionário, o programa de ensino da filosofia com crianças e jovens é


valorizado, na sua totalidade, por um dos professores de filosofia, enquanto conteúdo do processo
formativo:

A formação permitiu-me contactar com o programa de filosofia para crianças e jovens.


(Q3-5 A)

Temas abordados

Os temas abordados são destacados por dois professores, nas suas respostas ao questionário, e
por uma professora na entrevista de follow-up ao assinalar um tema que a marcou especialmente
na formação dizendo o seguinte:

A liberdade! A noção de liberdade é a parte que me dá mais que pensar, o discutir sobre
a liberdade, traz consciência, mas se calhar a consciência também nos tira liberdade. Foi
a liberdade sem dúvida. Foi esse tema. (TA- Professora do 1º Ciclo)

Metodologias de ensino (estratégias e recursos)

O conteúdo de formação que os professores formandos mais valorizam, tanto nos questionários
como nas entrevistas de follow-up é o das metodologias de ensino, designadamente as estratégias
e os recursos:

[destaca a] metodologia inerente à “filosofia para crianças” (Q4- 26- Professor de


Filosofia).
Na apresentação de novas estratégias de ensino aprendizagem (M- Professora do 2º
Ciclo).

201
2.2 Metodologias de formação

As diferentes dimensões da formação ligadas às metodologias de formação utilizadas integram


grande parte dos dados recolhidos. Vinte cinco dos 41 professores que responderam ao
questionário e os 11 professores entrevistados manifestam a sua apreciação sobre esta vertente
da formação. Os indicadores emergentes da análise destes dados apontam para uma valorização
das metodologias associadas à experimentação, ao treino e ao desenvolvimento da reflexividade.

Experimentação/treino

Sete professores nos questionários (seis de filosofia e um do 1º Ciclo) e quatro professoras (duas
de filosofia, uma educadora de infância e uma professora do 2º Ciclo) nas entrevistas destacam
a experimentação e o treino proporcionados no processo formativo:

Permitiu-me ensaiar com outros colegas as potencialidades do programa (Q3-39B-


Professor Filosofia).
As "técnicas" que foram sendo experimentadas nas sessões, portanto, o cariz prático da
formação (Q4-12- Professor Filosofia).
Ensaio e experimentação de estratégias para aplicação do programa Filosofia para
crianças e jovens (Q4-40- Professor Filosofia)
Considero que a formação motivou e chamou a atenção (…) em termos de orientação do
diálogo e estruturação das conversas de forma a criarmos conhecimento em conjunto (S-
Professora de Filosofia).

Técnicas de questionamento/do pensar

O desenvolvimento de técnicas de questionamento/do pensar é destacado no questionário por


cinco (quatro professores de filosofia e uma educadora de infância) e nas entrevistas por cinco
professores (duas educadoras de infância, duas professora do 1º Ciclo e uma educadora de
infância):

[destaca as] técnicas do questionamento (Q4-10B – Professor de Filosofia).


Foi provocatório, instigador, proveitoso...mexeu e deu que pensar (Q4-25B- Professor de
Filosofia).

202
A questão de os questionar mais aí abriu-me mais a filosofia (T- Educadora de Infância).
E isso é que me deu outra lide (refere-se ao questionamento) até nas assembleias de turma,
não as faço por sistema, faço ocasionalmente quando a coisa está a descambar ou
motivada por eles ou por mim (I- Professora do 1º Ciclo).

Debates e outras atividades práticas

Outros sublinham tanto nas entrevistas (duas educadoras de infância) como nos questionários
(uma educadora de infância e um professor de filosofia) a realização de debates.

Debates e trabalho prático (Q4-29 – Educador de Infância).


As atividades práticas realizadas durante a formação (Q4-41 - Professor Filosofia).

Reflexão sobre situações/casos

Nos questionários oito professores (quatro de filosofia, três educadoras de infância e um


professor do 1º Ciclo) referem ainda os espaços de reflexão sobre situações e casos, ao longo do
processo formativo:

O pensar em conjunto sobre questões que dizem respeito a todos (Q4-20B- Educador de
Infância)
Uma reflexão diferente em muitas situações com as crianças (Q3-7- Educador de
Infância)

Ligação formação-ação educativa

Há ainda um professor no questionário e dois nas entrevistas que valorizam a estreita ligação que
este modelo de formação lhes permitiu fazer entre as experiências de formação e sua transferência
para a sua prática pedagógica, ao destacar:

A possibilidade de aplicar na prática o que era trabalhado/aprendido nas sessões (Q4-3B-


Professor 1º Ciclo).
Na formação gostei e foi importante porque ela deu-me ferramentas para desenvolver o
meu trabalho (M- Professora 2º Ciclo).

203
Eu também penso que essa parte da formação onde experienciamos as coisas diretamente,
estamos a viver o papel de alunos nos permite ver as dificuldades que os alunos têm e
também uma coisa interessante foi ver que também nós temos conversas paralelas e que
nem sempre é fácil estar presente, como diria a formadora A. Penso que esta oportunidade
contribuiu para as mudanças na minha prática (S- Professora de Filosofia).

Trabalho formativo em geral

Por fim, três professores nos questionários (um de filosofia, uma educadora de infância e um
professor do 1º Ciclo) referem a importância do trabalho formativo em geral: “[Destaco] a forma
como foi trabalhado” (Q4-4A – Professor 1º Ciclo).

2.3 Desempenho das formadoras

Clima relacional criado

É de notar que, ao invés da categoria anterior, existe muito pouca informação sobre o
desempenho das formadoras. Apenas três professores formandos se lhe referem nas suas
respostas ao questionário, um destacando “a relação pedagógica que se construiu” e os outros
dois simplesmente “[destaco] as formadoras”. Nas entrevistas quatro professores referem-se ao
desempenho das formadoras, referindo essencialmente o seu papel enquanto facilitadoras das
aprendizagens, colocando problemas e questionando os formandos:

Até o jeito provocador de uma das formadoras. Eu gostava daquilo (J- Professor de
Filosofia).
A formadora agitava-nos bastante (risos). Agitava-nos de tal maneira que nós vínhamos
muito desarrumados para casa, digamos assim. Desarrumava bastante e às vezes é preciso
desarrumar para voltar a arrumar. Houve muitas sessões em que a gente vinha muito
pensativos para casa (TA- Professora do 1º Ciclo).

No nosso ponto de vista, esta presença discreta da avaliação direta das formadoras é coerente
com a perspetiva que os professores trouxeram deste processo formativo. Quando o foco do

204
processo formativo passa a ser o grupo de formação, que por isso toma um verdadeiro
protagonismo, o formador fica naturalmente na sombra (Houssaye, 1995), como é caraterístico
dos modelos focados nos formandos.

2.4 Processos de autoconhecimento

Em sintonia com o que revelam as categorias de análise anteriores, é destacada por uma
Educadora de Infância no questionário “a preocupação de nos conhecermos” (Q4-8), o que
reflete o ambiente de proximidade no grupo de formação que as metodologias ativas
proporcionam.

2.5 Avaliação global

De forma espontânea, sete dos professores formandos que responderam ao questionário e todos
os professores entrevistados fazem uma avaliação global positiva do processo de formação, como
demonstram os seguintes exemplos:

Gostei imenso deste programa de formação. Foi muito bem concebido e desenvolvido
(Q3-8A-Professor de Filosofia);
Foi muito gratificante em termos pessoais e profissionais (Q3-8C-Educador de infância);
Foi muito importante pois respondeu às minhas questões (Q3-16A- Educador de
infância).
Mas eu gostei muito também porque aquilo dá adrenalina, mexe mesmo connosco, isso é
importante para depois pensar (T- Educadora de Infância).
Como profissional acho que foi muito importante, tudo o que aprendemos (B- Educadora
de Infância).
Foi muito positivo a nível também da filosofia (N-Educadora de Infância).

205
3. Dificuldades sentidas ou percecionadas ao longo da formação

Nas entrevistas ambas as formadoras apontam algumas dificuldades que percecionam no decurso
da formação nos professores formandos. Também nas notas de campo é percetível que os
professores se deparam com algumas dificuldades ao longo do processo de formação. Assim, as
dificuldades experienciadas na formação, de acordo com a opinião das formadoras (nas
entrevistas) e percecionadas pelos formandos (observação participante), prendem-se com: i. o
ensino da filosofia; ii. o desenvolvimento do programa de filosofia com crianças e jovens; iii. o
trabalho em grupo. No quadro 24 apresentam-se as categorias e os indicadores referentes a este
tema.

Quadro 24 – Dificuldades sentidas ou percecionadas ao longo da formação

Categorias Indicadores

No ensino da filosofia Manter o diálogo/discussão de pendor filosófico

O programa de filosofia com crianças e Gestão do tempo


jovens Resistência ao programa

Respeito pelas regras do debate


No trabalho em grupo Sair da zona de conforto
Sair do seu quadro mental

3.1 Dificuldades no ensino da filosofia

O ensino da filosofia prática, nomeadamente as exigências em termos de problematização e de


rigor filosófico no tratamento das questões, que devem ser produtivas com significado, apresenta-
se com algumas dificuldades para os professores. Nos testemunhos das formadoras nas
entrevistas e dos professores formandos no decurso da formação sobressai a dificuldade dos
professores em manter o diálogo/ uma discussão de pendor filosófico com os seus alunos,
situação que também é corroborada por várias pesquisas na área (Baker & Fischer, 2016;
Robinson, 2015; Costello, 2014).

206
Dificuldades em manter o diálogo /uma discussão de pendor filosófico

Uma das formadoras refere que uma das dificuldades que sente que alguns professores enfrentam
é conseguir manter uma discussão filosófica. Este problema também é referenciado por Lipman
(1990), ao afirmar que “não se pode tomar como certo que a prática que os professores vivenciam
durante as oficinas será gravada tão profundamente em sua consciência que eles não terão
dificuldade em transportá-la para as suas respetivas salas de aula” (p.180). O autor considera que
a consciência da diferenciação entre uma discussão filosófica e outra que não tem esta vertente
surge progressivamente no professor que trabalha com o programa, através do treino e da prática.
Para esta formadora esta é uma dificuldade que põe em causa a aplicação do programa, como
refere:

No fundo o programa pode ser pouco exigente em termos de pensamento crítico, porque
é fácil a pessoa embarcar em ideias vagas e o grande perigo que vejo e que também o
próprio Lipman via e os críticos dentro do próprio sistema viam, é a pessoa não
implementar corretamente o programa, ou seja a grande preocupação não ser o espírito
crítico mas deixar-se embalar pela conversa quer dos alunos, quer dos adultos, não é? Não
aprofundar realmente, não problematizar realmente as questões, ficar muito pela rama
(Formadora L, Entrevista).

Nas conversas externas à formação, os formandos expressavam ter este tipo de dificuldade,
designadamente afirmando preocuparem-se com o trabalho que teriam que desenvolver com base
nos textos numa vertente filosófica, tinham especialmente receio em acabar numa conversa
simples e de pouco pendor interpretativo e filosófico:

Terminámos a primeira parte e fizemos um intervalo para beber café. Os colegas


formandos comentavam a dificuldade em trabalhar com o programa, devido ao
aprofundamento filosófico. Lembro-me que um professor do 1º ciclo disse que era muito
difícil trabalhar com o programa porque facilmente as coisas poderiam fugir ao controlo
e acabar por perder o rumo relativamente ao que estava a ensinar, nomeadamente a
aprendizagem da leitura e da escrita. Um professor e uma professora de filosofia também
disseram que compreendiam bem o que o colega dizia porque até para eles não era fácil
trabalhar assim e manter o rigor relativamente ao pensar filosófico e aos conteúdos do

207
programa. Uma educadora de infância acrescentou que para trabalhar de acordo com este
modelo era necessário ter mais formação designadamente no que se refere às práticas
filosóficas (NC. Junho 1, 2013).

3.2 Dificuldades no desenvolvimento do programa de filosofia com crianças e jovens

Os professores do 1º, 2º ciclo e de filosofia expressam na formação preocupação em ter tempo


para este tipo de metodologia de investigação. As dificuldades que vislumbram prendem-se com
a perceção de que ensinar neste modelo implica tempo, que consideram não ter, devido a extensão
do currículo. Neste contexto, expressam fundamentalmente preocupações em cumprir o
programa e os conteúdos que têm que lecionar. Também se verifica, de acordo com as
formadoras, uma resistência inicial dos professores de filosofia ao programa, que questionam
inicialmente a sua pertinência e utilidade.

Gestão do tempo

Alguns professores referiam ter dificuldades de introduzir a metodologia do programa nas suas
aulas devido à falta de tempo, pois consideram que a exigência destas práticas não permitia
atingir as metas programáticas das suas disciplinas, isto no caso dos professores de filosofia, mas
também os professores do 1º e 2º ciclo expressaram esta preocupação:

Mas, para ensinar…dessa forma não temos tempo! (…) Não é possível! Está-me a parecer
que está tudo ao contrário! E se estivermos colocados pouco tempo? (Formando J, NC.
Maio 18, 2013)

Estas preocupações dos professores com o tempo e as dificuldades que sentem em aplicar o
programa, nomeadamente no que se refere às práticas filosóficas surgem em algumas pesquisas
nesta área, como por exemplo Colom, Moriyón, Magro e Morilla (2014) e Jones (2008).

Resistência ao programa

Uma das formadoras relata que os professores que apresentam mais resistência ao programa são
os de filosofia. Considera que isto acontece devido a sua formação inicial, situação que vem

208
verificando na prática devido a ser orientadora de estágio pela Universidade Nova de Lisboa.
Esta posição tem-lhe permitido constatar que os professores de filosofia, apesar de defenderem
teoricamente o pensamento crítico e a reflexão, na prática encontram-se rigidamente formatados,
pouco flexíveis e com dificuldades em adaptar-se aos diferentes contextos. Refere ainda uma
certa arrogância que os distância dos outros e interfere nas suas práticas, como é possível
constatar no seguinte excerto quando fala sobre os professores de filosofia:

Mais resistente, mais resistente a propostas diferenciadas de trabalho, portanto estão


muito mais formatados, mais rigidamente formatados. Isso para mim foi terrivelmente
surpreendente que é como é que pessoas que defendem o pensamento crítico, a abertura
ao outro, etc. na prática não fazem isso. É um bocadinho como aquela, olha para o que eu
digo não olhes para o que eu faço. É que vê-se no professor uma dissociação completa
entre o que diz e o que faz, que é a pessoa deve ser crítica e aberta à mudança, etc. e
depois a prática é radicalmente oposta (Formadora A, Entrevista).

3.3 Dificuldades no trabalho em grupo

Nas notas de campo que se reportam ao trabalho desenvolvido em grupo na formação,


percebemos que os professores apresentam algumas dificuldades em manter-se atentos e focados
nos temas em debate, o que originou em algumas sessões, momentos de confusão, dificuldades
em escutar os outros e aceitar as suas ideias. Neste sentido, registaram-se dificuldades dos
professores em respeitar as regras do debate filosófico. Nas entrevistas às formadoras e nas notas
de campo sobressaem situações onde é percetível a tendência dos professores / formandos para
fazerem as coisas como aprenderam e como têm por hábito fazer, demonstrando algumas
dificuldades quando se apresentam novas propostas de trabalho. Também o facto de quando se
pede para formarem grupos se constatar que os professores escolhem colegas que se encontram
a lecionar no seu nível de ensino, ou que já conheciam e com quem tinham trabalhado
previamente. Estas situações levam-nos a pensar que os professores têm dificuldade em sair da
sua zona de conforto. Ainda nas entrevistas, as formadoras chamam a atenção para as
dificuldades que por vezes os professores demonstram em pensar fora do seu quadro mental, no
fundo das suas ideias prévias, valores, crenças e conhecimentos adquiridos o que se constitui

209
muitas vezes como um obstáculo epistemológico. Muitos autores têm chamado a atenção para a
influência destes fatores no desenvolvimento profissional docente (e.g. Marcelo, 2009;
Korthagen & Vasalos, 2005).

Respeito pelas regras do debate

O processo de indagação, de reflexão e de diálogo a que os formandos estiveram


permanentemente submetidos nesta formação, trouxe algumas questões aos próprios formandos,
nomeadamente na organização e gestão de sala de aula. Muitas vezes, especialmente nas
primeiras três sessões, o diálogo era difícil de gerir e as formadoras tiveram inclusive de parar a
sessão para que todos refletissem sobre a sua desorganização, nomeadamente na desarticulação
entre as perguntas e as respostas dadas, em encontrar um fio condutor para as questões e não
descambar em assuntos que nada tinham a ver com as questões iniciais. Também as conversas
paralelas entre os formandos causavam um certo borburinho de fundo e dificultavam o decorrer
da sessão:

Gerou-se confusão; todos queriam dar a sua opinião ao mesmo tempo, esquecemos as
regras do jogo e falávamos por cima um dos outros. A formadora interrompeu e
perguntou: “Veem porque é que os alunos são confusos? Porque nós somos confusos. O
que observamos aqui é que não há uma ligação entre o que se pergunta e o que se responde
(Formadora A, NC. Maio, 18, 2013).

Assim, é importante aprender a viver numa comunidade de investigação filosófica, situação que
os formandos experienciaram e que trouxe algumas dificuldades que com o tempo foram
melhorando, nomeadamente no que se refere à capacidade de ouvir o outro, de ser sensível às
suas propostas e perspetivas. Este respeito pelo outro, por aquilo que ele diz que os
professores/formandos davam como adquirido, na prática não funcionou da mesma forma e não
foi fácil para os professores/formandos viver e conviver numa comunidade de investigação onde
as normas não são impostas, mas negociadas, o que levou o seu tempo até se conseguir atingir:

A sessão começou com uma pergunta da formadora – “Terra e ouro são iguais?”
5 formandos disseram que sim e 12 disseram que não.
A segunda pergunta feita pela formadora foi: “Porquê?”
Um dos formandos que respondeu que não disse o seguinte:

210
A terra simboliza a fertilidade, dá os alimentos, enquanto o ouro simboliza a ganância, os
bens materiais, o desejo de poder e a riqueza.
CO: Gerou-se a confusão, todos queriam dar a sua opinião, ao mesmo tempo, esquecemos
as regras do jogo e falávamos por cima um dos outros (NC. Maio, 18, 2013).

Dificuldades em sair da zona de conforto

Uma formadora aponta para dificuldades que os professores sentem em especial quando se
confrontam com o seu quotidiano profissional que nomeamos como de sair da sua zona de
conforto e que se prendem com o facto de alguns professores tenderem a fazer o que sempre
fizeram, dependência do hábito, porque isso se apresenta como um caminho mais seguro, com
menos possibilidade de erro de acordo com a sua perspetiva. Este tipo de dificuldade é expresso
pela formadora da seguinte forma:

Há outros que eu espero que sejam menos, que fizeram aquela formação, vão dali, viram
algumas coisas ali, mas estou convencida que têm dificuldades, vê-se que têm alguma
dificuldade em…ou consegue-se perceber que têm alguma dificuldade depois no dia-a-
dia ou acham que é muito difícil. Isso é uma questão que colocam sempre, ali é muito
fácil, fazemos ali porque temos a quem recorrer e estão todos na mesma onda e depois
vão para a escola e acaba por ser mais fácil fazer o que sempre fizeram, da maneira que
sempre fizeram, portanto há pessoas que têm alguma dificuldade, estou convencida de
conversas posteriores (Formadora L, Entrevista).

Os discursos das formadoras incentivam a uma mudança nas práticas dos professores e os
exercícios propostos provocam a reflexão, a crítica e a criatividade. O que é feito em nosso
entender colocando os formandos no centro da formação. Os momentos de dinamização das
sessões que todos os formandos realizaram a pares ou em grupos de três elementos, foram
antecedidos pela preparação prévia, que implicou a escolha de uma novela filosófica escrita por
uma das formadoras e encontros entre os formandos fora do tempo previsto para a formação. Foi
interessante constatar que os formandos juntaram-se quase todos com pessoas dos seus grupos
disciplinares e escolheram as novelas de acordo com o grau de ensino que se encontravam a
lecionar. Apenas duas formandas se juntaram que não pertenciam ao mesmo grupo disciplinar,
mas consideramos que se juntaram por afinidade pois eram da mesma família, uma era de

211
filosofia e a outra era professora do 2º ciclo de artes visuais. O que reforça a ideia de que os
professores têm dificuldades em sair da sua zona de conforto.

Dificuldades em sair do seu quadro mental

As duas formadoras identificam a apropriação de novas ideias e modos de fazer diferente no que
se refere ao ensino e à aprendizagem como uma grande dificuldade dos professores. Ambas
descrevem o professor como alguém que se encontra enraizado nas suas crenças e conhecimentos
prévios, resultantes da sua formação académica, das suas vivências e história pessoal, das suas
experiências e dos seus princípios e valores. Alguém que construiu uma imagem de si próprio e
que em alguns casos apresenta dificuldades em confrontar-se com ela e em questionar e refletir
fora do âmbito das diretrizes e dos conceitos que adotou como certos, claros e evidentes. O
seguinte excerto mostra o que acabamos de referir:

Há pessoas com muito mais facilidade, conseguem descobrir coisas novas e elas próprias
operarem alguma transformação nesse sentido e outros que continuam mais agarrados às
suas ideias e que por vezes têm dificuldades, (…) mais tarde viemos a perceber através
do trabalho com o Brenifier que as pessoas estão muito agarradas à sua imagem e à
imagem que querem transmitir aos outros, têm muito medo, que é o que acontece com os
miúdos também (Formadora L, Entrevista).

Neste sentido, a outra formadora refere que os professores são formados na perspetiva tradicional
de transmitir conhecimentos e que por esse motivo demonstram de um modo geral apenas
preocupação neste sentido o que determina a sua atuação com os alunos, perspetiva que, de
acordo com as formadoras, embora necessária, não é por si só suficiente, como podemos
constatar no seguinte exemplo:

Enquanto a formação inicial dos professores não estiver, não for energizada, dinamizada
por um grupo central que é o da reflexão e o da prática do pensamento nós vamos
continuar a ter maus professores e com um péssimo serviço para o mundo que temos, um
péssimo serviço e portanto a maior dificuldade é o professor sair deste quadro mental. Do
registo de transmitir informação para o registo de uma ação reflexiva, de uma
aprendizagem com autonomia, de uma aprendizagem com flexibilidade, de uma
aprendizagem com espírito crítico, isso é muito mais difícil (…). É mais fácil até com as

212
novas tecnologias; chegar à sala de aula pôr um power point e transmitir informação é
mais fácil do que colocar as pessoas a pensar, é muito mais cansativo, não é? (Formadora
A, Entrevista)

213
Síntese

Na análise destes dados verifica-se, de um modo geral, que esta formação desperta o interesse e
a curiosidade em professores de diferentes grupos disciplinares essencialmente pelo tema e pela
possibilidade de levar a filosofia às crianças. As motivações que se encontram na base da
frequência desta formação são, como podemos constatar, de ordem pessoal e profissional, com
uma predominância para os fatores de caracter profissional. Os professores na sua maioria são
movidos pelo interesse e pela curiosidade em conhecer o tema da filosofia com crianças e jovens
e aprofundar conhecimentos na área, procurando nesta formação essencialmente novas
estratégias e metodologias que contribuam para uma melhoria do seu desempenho profissional.
Alguns expressam ainda a necessidade de se prepararem para novos públicos, em menor número
surge também a referência à necessidade de adquirir algumas competências que lhes permitam
lidar com questões éticas. Também a necessidade de obter créditos para progressão na carreira,
apesar do bloqueamento da mesma à data, parece ser uma motivação com algum peso destes
professores.

Quanto às perceções acerca da formação, de um modo geral os professores consideraram que a


experiência de formação foi positiva, agradável e desafiante, especialmente em termos do pensar,
situação que é corroborada por algumas investigações na formação de professores em filosofia
com crianças e jovens (Makaiau, 2015; Robinson, 2015; Costello, 2014; Baker & Fisher, 2016).
Os resultados referentes ao processo de formação apontam para o papel ativo dos sujeitos na sua
própria formação. Os professores na formação envolvem-se e participam na construção do seu
conhecimento. Através das suas respostas é percetível que o processo de formação assenta na
prática e que a formação decorre num ambiente facilitador e promotor do diálogo. Percebe-se
que neste programa de formação se discutem várias questões relacionadas com o quotidiano
profissional dos professores. A maioria dos professores valoriza as metodologias utilizadas na
formação, destacando as estratégias e os recursos de tipo reflexivo cuja base são o treino e a
experimentação. As perspetivas que estes professores revelam sobre o processo formativo
vivenciado permite inferir que se tratou de um processo facilitador de efetivas experiências
formativas de treino, de reflexão, de questionamento e mesmo, para alguns, de vaivém entre a
formação e a prática pedagógica, tão importantes para a apropriação de novas práticas
pedagógicas e desenvolvimento de novas competências (Estrela & Estrela, 2001; Caetano, 2004;
Macenhan, Tozetto, Brandt, 2016). Algumas dificuldades referentes ao processo são

214
percecionadas pelas formadoras e pelos professores formandos e que também são assinaladas em
algumas investigações nesta área (Colom et al, 2014; Costello, 2014; Baker & Fisher, 2016). De
uma forma consensual, formadoras e professores formandos apontam para dificuldades na
aplicação de uma metodologia de ensino e aprendizagem que implica que os professores
dominem conhecimentos filosóficos e simultaneamente a arte de dialogar. O processo de
formação desenrola-se de forma rigorosa, com critérios, numa comunidade de investigação
filosófica. Os professores demonstram no decorrer da formação uma progressiva
consciencialização da importância de manter uma discussão com pendor filosófico o que traz, de
acordo com a sua opinião e também das formadoras, dificuldades em acompanhar o tipo de
raciocínio exigido, as regras do debate e posteriormente preocupações com a forma como
poderão vir a aplicá-lo. Outro aspeto referenciado pelos professores formandos foi a necessidade
de tempo. Desenvolver um trabalho com base nas práticas filosóficas que vão experienciando na
formação implica tempo e espaço no currículo. Os professores revelam também dificuldade em
trabalhar em grupo de acordo com as regras do programa. Gerar novas ideias, dar razões de forma
justificada e ordenada, esperar pela sua vez para intervir e escutar as ideias dos outros trouxe aos
professores formandos visíveis problemas. Através da observação participante percebemos que
os professores formandos de um modo geral compreenderam que o tipo de práticas desenvolvidas
na formação exige foco e orientação na persecução das tarefas. Este processo dinâmico, onde a
escuta ativa vai gerando mais atenção aos outros, não aconteceu de imediato, os professores
formandos tal como os alunos revelaram dificuldades em cumprir as regras do diálogo
especialmente quando os exercícios se estendiam ao grande grupo. Outro aspeto referenciado
pelas formadoras é a influência das crenças dos professores no seu desenvolvimento profissional.
Neste contexto mencionam, à semelhança de outras investigações no campo do desenvolvimento
profissional (Gonçalves, 2009; Marcelo, 2009; Lima, 2007; Freire, Bahia, Estrela & Amaral,
2012), que as crenças interferem no modo como os professores aprendem e também nos seus
processos de mudança. Enquanto modo prévio de pensar, as crenças dos professores dificultam
e por vezes até bloqueiam os processos de aprendizagem e de mudança.

215
CAPÍTULO VIII
PROGRAMA DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DOS PROFESSORES

Até este momento estivemos focados no processo de formação, procurando descrevê-lo e analisá-
lo. A partir deste ponto entraremos na discussão sobre os efeitos/ mudanças impulsionados pela
formação de professores em filosofia com crianças e jovens. Temos como objetivo discutir sobre
eventuais transformações no pensamento e no modo de agir dos professores no campo das
práticas filosóficas articulando com as suas conceções e perceções sobre o efeito da formação no
seu desenvolvimento profissional e nas crianças ou jovens com quem trabalham. Para realizar
esta análise recorremos mais uma vez a diferentes fontes de dados centrando a nossa discussão
nos seguintes aspetos:

a) Processos de pensamento, crenças e práticas dos professores. Os dados que informam as


mudanças nos professores foram recolhidos através do questionário e das entrevistas de
follow-up aos professores. A análise destes dados permite-nos estabelecer relações entre
o que estes professores pensam e as suas práticas pedagógicas. No fundo dar resposta à
seguinte questão do estudo: Como utilizam os professores as estratégias e abordagens
apreendidas na formação e em que áreas curriculares?
b) Mudanças percebidas nas crianças e nos jovens. Os dados foram recolhidos através das
entrevistas às formadoras, questionários e entrevistas de follow-up aos professores. Com
estes dados é-nos possível aceder às perceções das formadoras e dos professores sobre o
que consideram ter mudado nas crianças e nos jovens com quem tiveram oportunidade
de desenvolver este programa.
c) Mudanças que os professores introduziram na participação na escola. Estes dados foram
recolhidos e analisados com base nos questionários e nas entrevistas de follow-up aos
professores e permitem-nos ter acesso às perceções dos professores acerca das mudanças
que consideram ter introduzido nas escolas, no fundo saber o que fizeram e como fizeram.
d) Dificuldades sentidas na transferência do programa para o quotidiano escolar. Estes dados
foram recolhidos e analisados com base nas entrevistas às formadoras, no questionário e
nas entrevistas de follow-up aos professores e permitem-nos perceber as dificuldades com

216
que os professores se deparam quando aplicam o programa de filosofia com crianças e
jovens.

Relativamente ao efeito da formação no desenvolvimento profissional dos professores verificou-


se no questionário que a grande maioria dos professores (38/41) afirmou que a formação
conduziu a mudanças nas suas práticas profissionais, apenas uma minoria (3/41) responderam
que não, sendo que dois destes professores lecionam no ensino secundário (filosofia) e um no
primeiro ciclo. Nas entrevistas verifica-se que todos os professores referem mudanças que, de
acordo com a sua perceção, contribuíram para o seu desenvolvimento profissional.

A informação referente a formação e desenvolvimento profissional docente foi organizada de


acordo com os seguintes temas: i. mudanças nos professores; ii mudanças nas crianças; iii.
mudanças na ação ao nível da escola como um todo; iv. dificuldades sentidas na transferência do
programa para o quotidiano escolar. Que iremos apresentar de seguida de forma detalhada.

1. Mudanças nos professores

As categorias deste tema de análise referem-se às mudanças percecionadas pelos professores em


termos dos processos de pensamento e das suas crenças, que derivam da participação na formação
de professores em filosofia com crianças e jovens e das mudanças que estes percecionam nas
suas práticas pedagógicas decorrentes da formação. Assim, delinearam-se as seguintes
categorias: i. mudanças no conhecimento; ii. mudanças nas crenças; iii. mudanças nas práticas
pedagógicas. Começamos por apresentar os resultados da análise de forma temática e global
(quadro 25) para posteriormente procedermos à análise detalhada de cada categoria e respetivos
indicadores.

217
Quadro 25 - Mudanças nos professores

Categorias Indicadores

Mudanças no
Mudança nos processos de pensamento
conhecimento

Acerca do ensino da filosofia


Mudanças nas crenças
Quebra de preconceitos

Exploração de situações do quotidiano/ A prática filosófica surge de


forma espontânea

Trabalhar sentimentos e emoções

Utilização de técnicas de questionamento

Temas trabalhados/ Exploração de conceitos

Valorização das diferenças/ Trabalhar a desconstrução de


preconceitos

Relação pedagógica / gestão do comportamento dos alunos

Valorização da experimentação
Mudanças nas práticas
Atenção ao ritmo de aprendizagem dos aprendentes
pedagógicas
Valorização do diálogo no sentido da construção conjunta de
conhecimentos

Utilização das novelas trabalhadas na formação

Exploração de outras narrativas

Construção de histórias

Estratégia de escrita de cartas

Técnica da leitura partilhada

Novas abordagens na relação com os pais

Inserção das práticas filosóficas na planificação

1.1 Mudanças no conhecimento

Destacam-se nesta categoria os processos de mudança percecionados pelos professores ao nível


do seu pensamento. No questionário, dezanove professores e nas entrevistas, dez professores,

218
consideram que a formação contribuiu para novas formas de pensar e de entender a prática, o que
conduziu a mudanças internas (do pensamento) e externas (da prática). O seu discurso aponta
para uma visão mais crítica, reflexiva e em alguns casos até criativa do seu desempenho docente.
Impulsionados pelo processo de formação, os professores valorizam o questionamento
sistemático, a autorreflexividade e o criticismo. A análise destes dados permite perspetivar que
as mudanças no pensamento e nas crenças dos professores encontra-se em articulação direta com
mudanças nas suas práticas. É interessante realçar ainda que se encontram professores de
diferentes grupos disciplinares representados nesta categoria, o que nos leva a afirmar que esta
categoria é relevante para a maioria dos professores participantes no estudo. Nas entrevistas
observa-se uma maior incidência no grupo das professoras do primeiro ciclo e dos professores
de filosofia, uma vez que todos os entrevistados destes dois grupos disciplinares assinalam
mudanças nos seus processos de pensamento e enfatizam as suas repercussões na prática
pedagógica. Esta categoria contém indicadores de mudanças tanto no que se refere ao
pensamento reflexivo, crítico e criativo dos professores como a uma maior consciencialização,
segurança e intencionalidade no desempenho das suas funções.

Mudança nos processos de pensamento

Este indicador condensa toda a informação referente a mudanças que estão intimamente
relacionadas com uma maior capacidade de reflexão, de pensamento crítico e criativo nos
professores. Neste contexto de mudanças (5) professores referem no questionário a importância
da formação para se conhecerem melhor, autoconhecimento, evidenciando aspetos como:

Contribuiu para o crescimento pessoal (Q3-13 – Professor do 1º Ciclo).


Alargou e enriqueceu o leque de ações/atitudes na formação pessoal e social (dos alunos
e em mim mesma) (Q3- 25 - Professor do 1º Ciclo).
Auto estima (Q4-1A- Professor de Filosofia).

Também nas entrevistas este aspeto é reforçado por sete professores de diferentes grupos
disciplinares que destacam no seu discurso o processo de questionamento aplicado na formação,
valorizando em grande medida o pensar sobre a prática. A pergunta leva à reflexão e refletir sobre
o que se faz conduz ao autoconhecimento e por conseguinte a mudanças. De facto, estes
professores referem que a formação permitiu aprofundar o pensamento, processo que nem

219
sempre foi confortável e agradável, mas que foi “positivo” e “transformador” de si próprios e das
suas práticas. Como podemos constatar nos seguintes exemplos:

Fez-me pensar mais nos assuntos para poder também debater esses assuntos com as
crianças; fez-me refletir (T- Educadora de Infância).
O espaço de reflexão, de pensar o que vamos fazer, como é que acham que
poderíamos…ao abrir espaço para esta discussão já estamos a abrir espaço para a
criatividade, para a discussão, para a reflexão, para a argumentação. Defender pontos de
vista, não é? Se fizéssemos desta forma ou porque desta forma irá resultar por esta e por
esta razão…há aqui uma partilha de ideias de reflexão (P- Professora Filosofia).
A formação despertou neste sentido…para percebermos que temos que tomar
decisões…por vezes, temos que dizer sim ou não, o que vimos ser difícil, por vezes
apetecia dizer talvez. Percebermos que às vezes somos muito confusos e que essa
confusão também passa para os alunos (M- Professora 2º Ciclo).

Um professor de filosofia destacou, ao responder ao questionário, o reforço do inconformismo,


expressando-se do seguinte modo: “A manutenção do inconformismo face aos sistemas e
estruturas instaladas” (Q4-23). Ainda nos questionários, três professores de filosofia destacam o
processo de autorreflexividade expressa numa maior capacidade critica, como atestam estes
breves fragmentos do discurso de um professor: “ [desenvolver o] poder de relativização” (Q4-
33A); “maior capacidade reflexiva e crítica” (Q4-33B). Também outro professor de filosofia
destaca mudanças a nível pessoal e social no equilíbrio entre dimensões humanas, expressando
ter adquirido um maior equilíbrio entre cognição, emoção e volição “No aspeto pessoal acho que
a filosofia me ajuda a ser melhor pessoa porque me "obriga" a refletir e a tomar decisões de forma
equilibrada Racional/sentimento” (Q4-30).

As mudanças conjuntas no âmbito pessoal e profissional são assinaladas especificamente por um


professor de 1º ciclo, que destaca uma melhoria na sua capacidade de questionar e na organização
do seu pensamento: “Melhorar a organização do pensamento; melhorar a capacidade de
questionar; desenvolver o pensamento crítico e criativo, o que levou ao meu crescimento tanto a
nível pessoal como profissional” (Q4-14).

220
Nos questionários encontramos referências a um maior à vontade dos professores no trabalho
com as crianças e os jovens, assinalados por 4 professores, um de cada grupo disciplinar, como
se observa nos seguintes exemplos:

Fiquei mais desperta e com mais à vontade para o trabalhar com os grupos de crianças
com quem tenho trabalhado (Q3-4B Educadora de infância).
Proporcionou uma perspetiva mais facilitadora da aproximação das crianças e jovens
enquanto formadora no domínio da filosofia (Q3-18-Professor do 1º Ciclo).
Mais confiança para moderar e mobilizar momentos de debate e diálogo em sala de aula
(Q4-34- Professor do Filosofia).
Deu-me orientações para realizar as referidas atividades de forma mais assertiva e com
maior produtividade (Q3-11- Professor do 2º Ciclo).

Também nas entrevistas, sete professores relacionam o processo reflexivo com uma maior
consciencialização no desenvolvimento do seu trabalho e das estratégias selecionadas, tendo em
vista o sucesso dos seus alunos. Assim, de acordo com estes professores uma maior “consciência”
e “intencionalidade” no processo formativo conduz a uma maior segurança no desenvolvimento
das estratégias traçadas e das atividades realizadas com as crianças e os jovens:

A filosofia com crianças veio ajudar, lá está, como a minha colega disse, a saber o que
estou a fazer. Faz-se com uma consistência diferente, talvez o fizesse de uma forma mais
dentro das pedagogias, da conversa com as crianças e o seu desenvolvimento e agora faço
como uma segurança, tenho uma segurança porque sei que o que estou a fazer tem
objetivos e faço-o mais segura (PA- Educadora de Infância).
Porque eu podia fazer isso sem intenção e neste momento faço com intencionalidade,
quando faço e quando proponho as atividade às crianças (T- Educadora de Infância).
O despertar da consciência (M- Professora 2º Ciclo).

1.2 Mudanças nas crenças

A categoria mudanças nas crenças dos professores está relacionada com o modo de entender o
ensino e a aprendizagem da filosofia e com a quebra de alguns preconceitos face ao papel do

221
professor e do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Os discursos dos entrevistados
diferenciam-se de acordo com o seu grupo disciplinar. Designadamente os professores de
filosofia referem um novo entendimento do ensino da filosofia menos teórico e centrado nos
filósofos, para uma prática que passa a ter relevância não apenas para os jovens mas para as
crianças desde tenra idade, o que é compreendido e ensaiado na formação através de estratégias
diferenciadas. Por outro lado, as professoras do 1º ciclo evidenciam a quebra de preconceitos e
o abalar das suas certezas.

Acerca do ensino da filosofia

No questionário, nove professores de filosofia referem mudanças na perspetiva face ao ensino da


filosofia, nomeadamente na possibilidade de trabalhar práticas filosóficas com crianças, bem
como novas abordagens e possibilidades de trabalhar os conteúdos próprios do ensino da filosofia
no ensino secundário:

Foi importante para conhecer os conteúdos e as abordagens da filosofia dirigida a idades


mais precoces (Q3-14).
Acentuar uma nova perspetiva de encarar a filosofia (Q3-35).
Ajudou-me a aprofundar um tema pelo qual já me interessava e a descobrir novas
potencialidades da filosofia prática (Q3-40 A).

Nas entrevistas de follow-up esta ideia é reforçada por quatro professores ao referirem que houve
uma mudança no que se refere às suas crenças relativamente ao ensino da filosofia, uma vez que
acreditavam que a filosofia não devia ser ensinada às crianças. É interessante constatar que neste
indicador o maior número de professores são os de filosofia, mais concretamente três professores
o que corresponde à totalidade dos professores entrevistados deste grupo disciplinar.

“Eu nunca pensei, aliás eu quando fiz a formação a minha ideia foi, como será possível
fazer filosofia com crianças? Uma vez que o questionamento e a racionalidade ainda não
se desenvolveu. (…) O fundamental foi eu aprender que podia fazer filosofia com
crianças, porque eu era dogmático, eu acreditava que não se podia fazer filosofia com
crianças E na formação com elas as duas eu percebi que podia fazer com crianças” (J).

222
Agora,…eu nunca fui inicialmente defensora da filosofia para crianças, nesse sentido
abriu algumas perspetivas completamente diferentes (P).
Penso que a formação abriu outras possibilidades de trabalhar neste caso também com
crianças e de tornar mais atrativo o ensino da filosofia o que atualmente é fundamental
(S).
As crenças inicias destes professores relativamente ao ensino da filosofia prendem-se em nosso
entender com a sua formação inicial, vocacionada para o ensino da filosofia no ensino secundário,
reforçada pelo currículo oficial onde a filosofia atualmente surge no 10º e 11º anos e apenas nos
cursos de prosseguimento de estudos, pelo que existe nos professores de filosofia uma certa
resistência inicial no que se refere ao ensino da filosofia às crianças, que a formação contínua
nesta área parece dissipar.

Quebra de preconceitos

Este indicador surge nas entrevistas de follow-up, especificamente três professoras do 1º ciclo
apontam o processo de desconstrução, de argumentação e contra-argumentação como fatores que
as conduziram à quebra de alguns preconceitos e ao abalar de algumas certezas que tinham como
inquestionáveis. Nas suas palavras: “Há ali uma formatação que foi agitada, porque a gente tinha
formas muito mecânicas de encarar as coisas, nalgumas a gente já nem pensa, é assim e a gente
já nem questiona.” (I); “A quebra de alguns preconceitos, em alguns pensamentos, às vezes
estamos metidos dentro das nossas fronteiras, digamos assim, e às vezes não damos por elas.”
(TA).

Nestes exemplos sobressai a ideia de que questionar abala as certezas dos formandos e apresentar
novas formas de trabalhar e questionar leva a um repensar do próprio papel docente. As crenças
como é percetível no discurso destas professoras estão presentes nas suas formas de pensar e de
agir quer enquanto profissionais quer como pessoas. Neste sentido consideraram que foi
importante na formação pôr em causa, perceber que existem diferentes pontos de vista e
perspetivas diferentes face a uma mesma realidade, o que conduz ao desenvolvimento
profissional docente (Day, 2001; Marcelo, 2009; Reis & Morgado, 2007).

223
1.3 Mudanças nas práticas pedagógicas

A temática de mudanças nas práticas pedagógicas dos professores regista o número mais elevado
de unidades de registo tendo sido assinalada nos questionários pelos trinta e oito professores que
afirmaram que a formação conduziu a mudanças na sua prática profissional. A questão do
questionários sobre a introdução de mudanças, os professores indicam em maior número (31) as
dinâmicas de sala de aula, seguido (25) das práticas pedagógicas, (16) professores assinalam
mudanças na preparação das aulas e (6) referem que introduziram mudanças no currículo.

Também nas entrevistas de follow-up todos os professores referiram ter ocorrido mudanças nas
suas práticas pedagógicas em resultado da formação. As aprendizagens realizadas a nível
pedagógico e didático são as mais referenciadas nos questionários, designadamente por dezoito
professores. Neste domínio, a introdução de novas estratégias em sala de aula, salientadas pelos
professores como aspetos específicos apreendidos no processo de formação, são as mudanças
mais referidas. No entanto, dois professores de filosofia referem apenas que ocorreram mudanças
nas suas práticas não especificando os contributos dessa mudança: “Foi fundamental para
melhorar a minha prática”.

Nas entrevistas, todos os professores referem que adotaram nas suas aulas algumas das
estratégias que foram praticadas na formação. As suas falas revelam como o fizeram de forma
criativa, ao reinventarem algumas técnicas, designadamente na exploração de situações do
quotidiano, no modo como têm vindo a trabalhar os temas e os conceitos em sala de aula e
também na gestão do comportamento dos seus alunos. Neste contexto nove professores afirmam
ter utilizado as técnicas de questionamento que foram praticadas na formação nas suas aulas. O
seu discurso aponta para uma prática mais assente na problematização e na pergunta inicial.
Verifica-se da parte destes professores uma preocupação mais centrada no processo e menos na
resposta certa às questões colocadas. Outro aspeto valorizado por oito professores foi uma maior
abertura e consistência para trabalhar com diferentes temáticas, designadamente na exploração
de conceitos, o que, de acordo com a sua opinião, contribuiu para desenvolver a linguagem e a
capacidade de comunicação nos seus alunos. A formação também contribuiu, na opinião de seis
professores para uma melhor gestão do comportamento dos alunos, nomeadamente mostrando
estratégias de reflexão sobre os atos praticados. Cinco professores referem a importância da
formação para trabalhar os sentimentos e as emoções descrevendo algumas técnicas que têm

224
vindo a desenvolver neste campo. Três professores falam da importância das práticas filosóficas
para a desconstrução de preconceitos. Destaca-se no discurso de todos os professores que a
importância do processo de formação reside fundamentalmente na consolidação de um trabalho
que eles têm vindo a desenvolver. Neste sentido, consideram que, o que a formação lhes trouxe
não foi propriamente novo ou inovador, mas antes contribuiu para articular de forma informada
e esclarecida as práticas filosóficas no seu trabalho docente. Nas reflexões de cinco professores
é visível que estes já valorizavam a experimentação no seu quotidiano profissional. Dois
professores referem que com a formação ficaram mais atentos ao ritmo de aprendizagem dos
alunos. Oito professores valorizam no seu discurso o diálogo no sentido da construção conjunta
de conhecimentos. Nesta linha estende-se de uma forma mais pormenorizada a importância
atribuída aos debates em sala de aula (6 professores). O uso de narrativas faz parte da prática
letiva de todos estes professores, que afirmam ter utilizado narrativas no seu quotidiano
profissional anterior à formação. Quanto à utilização das narrativas usadas na formação, seis
professores afirmam já terem trabalhado pelo menos uma em sala de aula e nove referem que
têm trabalhado as práticas filosóficas com recurso a outras narrativas, como por exemplo contos
e histórias tradicionais. Outro aspeto valorizado por quatro professores é a construção de histórias
com os seus alunos. Uma educadora de infância refere ter utilizado a estratégia da escrita de
cartas para explorar uma história e dois professores assinalam a técnica da leitura partilhada que
foi desenvolvida na formação. No corpus de análise das entrevistas, a categoria das mudanças
nas práticas pedagógicas dos professores é a que regista o maior número de unidades de registo,
sendo referenciada por todos os professores.

Exploração de situações do quotidiano/ A prática filosófica surge de forma espontânea

Sete professores, designadamente três educadores de infância e três professores do 1º ciclo e uma
professora de filosofia consideram que a filosofia surge de forma espontânea no seu quotidiano
profissional, nomeadamente quando exploram uma narrativa, quando debatem alguns temas com
os seus alunos ou quando há necessidade de questionar e refletir sobre determinados
comportamentos:

Eu, não (planifico) é espontâneo, conheço jardins que o fazem, têm um momento próprio
para o fazer, eu nunca o fiz. Nunca consegui, não experimentei, era quando surgia no
diálogo (T- Educadora de Infância).

225
Uso de alguma forma a técnica, mas direcionada para as situações do dia-a-dia, o que me
vai surgindo (TA- Professora do 1º Ciclo)
Sempre que surgia oportunidade nós, como estávamos estimuladas, apanhávamos aquilo
que as crianças traziam ou aquilo que diziam para depois dar continuidade (PA-
Educadora de Infância).
Eu sim de vez em quando tenho consciência que “olha aqui está a filosofia com crianças!”
Mas faço-o espontaneamente (S- Professora de Filosofia).

Estes professores referem que não sentiram nem sentem necessidade de introduzir as práticas
filosóficas nas suas planificações, uma vez que este tipo de trabalho é desenvolvido no seu
quotidiano sempre que a situação é propícia ao diálogo e ao debate.

Trabalhar sentimentos e emoções

Cinco professores entrevistados referem ter trabalhado as emoções e os sentimentos com os seus
alunos em sala de aula. É interessante verificar que todos os grupos disciplinares presentes na
amostra se encontram aqui representados. No seu discurso é valorizada a importância de os
alunos (re)conhecerem e perceberem os sentimentos e as emoções de forma apropriada, o que
implica da parte destes professores um esforço no sentido de debater e auxiliar os seus alunos a
identificar o que sentem e a serem capazes de dar-lhe um nome (Fernández-Berrocal & Pacheco,
2002). Nas suas falas é percetível que a formação sensibilizou estes professores para a
necessidade da compreensão e regulação emocional que têm vindo a desenvolver em sala de aula.
Assim, procuram preparar os seus alunos para reconhecerem os seus sentimentos e emoções,
base que consideram imprescindível para que estes se compreendam a si próprios e aos outros,
moderando as suas ações e comportamentos, conforme podemos atestar nos seguintes exemplos:

Como por exemplo de emoções saber o que é o amigo, o belo, o estar triste, o estar
contente (T- Educadora de Infância).
É porque eles não estão só a aprender a matemática, o português mas também a
aprenderem a conhecerem-se a si próprios, a reconhecerem alguns sentimentos e algumas
emoções, porque às vezes eles só reconhecem a alegria, a tristeza ou zangado (TA-
Professora 1º Ciclo).

226
Mas o medo é assim tão grande? Começámos a ver, mas então afinal o que é o medo?
Afinal o medo podia ter muitos nomes que eram mais adequados do que o medo. O medo
afinal era uma coisa, que eles desenharam mesmo a preto, era uma coisa negra. Temos
então outro leque de palavras para exprimir sentimentos, afinal vamos deixar o medo de
lado. Assim como o giro, mas afinal o que é isso de giro? E isto vem na onda dos
sentimentos, explorar o tema (I- Professora 1º Ciclo).
(…) de trabalhar as emoções…eu trabalho muito as emoções. O trabalho das emoções
para mim é fundamental; muitas vezes utilizo jogos lúdicos, dinâmicas de grupo faço
muitas vezes (P- Professora de Filosofia).
As atividades que mais tenho desenvolvido da formação (…) são como forma de perceber
as suas emoções (M- Professora do 2º Ciclo).

Utilização de técnicas de questionamento

O exercício do questionar ou a arte de fazer perguntas (Brenifier, 2005), consiste no aprofundar


de uma pergunta propondo-se respostas em forma de hipóteses que se vão testando em conjunto
por meio de perguntas pertinentes sobre o tema a ser trabalhado. Através da comparação das
respostas, procura-se extrair as suas consequências principais. Assim, o trabalho a desenvolver
neste campo processa-se do seguinte modo: primeiro aprofunda-se uma pergunta ou problemática
concebendo hipóteses ou ideias e articulando-as de forma clara e precisa, de seguida formulam-
se perguntas adicionais e procuram-se as respostas, escutando os outros. Confirma-se ou infirma-
se as respostas de acordo com uma relação lógica ou conceptual entre as ideias. Por fim, sintetiza-
se ou analisa-se o processo global do trabalho realizado (Brenifier, 2005). Doze professores que
responderam ao questionário referem ter usado este tipo de exercício com os seus alunos,
conforme mostram os seguintes exemplos:

Maior [capacidade de] problematização (Q4-32B- Professor de Filosofia).


A forma de aplicar o questionamento filosófico (Q4-37 – Professor 1º Ciclo).
Reforçou em mim a redescoberta da arte de interrogar (Q3-23B- Professor de Filosofia).
A atualização de métodos e processos de questionamento e interrogação em filosofia (Q4-
39- Professor de Filosofia).

227
Nas entrevistas de follow-up, nove professores explicitam a utilização da técnica do
questionamento que aprenderam na formação e que aplicam na sua prática letiva, como podemos
verificar nestes fragmentos de discurso:

Competências a nível de questionar os alunos. Sentimo-nos mais à vontade nesta


interação de questionar, quando estamos a expor uma situação, um tema, ficamos com
mais algum arcaboiço digamos assim (I- Professora 1º Ciclo).
O que trouxe de novo é a forma como se questiona os alunos; naquela questão…irmos
aos focos que realmente interessam e não dispersar para outros que não sejam daquela
discussão (TA-Professora 1º Ciclo).
Sempre a pergunta. Isto é, nós temos um conjunto de competências para trabalhar,
capacidades para desenvolver, mas a partir disso são colocadas questões e eles têm que
saber responder. É lógico que cada um deles responderá de maneira diferente e eu tento
orientar, agora claramente a partir de questões. Eles têm que aprender a responder àquela
questão, agora cada um vai responder de maneira diferente, cada um é diferente (J-
Professor de Filosofia).
As conversas eram de um modo geral muito unidirecionais; eu era o centro e depois ia
pedindo a participação deles, o que também é importante, mas eu estava muito
responsabilizada por essa gestão da conversa. Com a formação aprendi muito a passar a
bola para eles, a perguntar quem é que concorda, quem é que não concorda com o assunto?
Eles próprios perguntarem ao outro o que é que acham e o que é que não acham. A
conversa passar a ser mais democrática isso foi o que é que eu aprendi e continuo a fazer
(M- Professora do 2º Ciclo).

Temas trabalhados/ Exploração de conceitos

Nos questionários, dois professores de filosofia e uma educadora de infância fazem referência de
forma genérica à importância dos temas que foram trabalhados na formação, afirmando que essa
abordagem lhes permitiu desenvolver de outra forma os conteúdos programáticos com os seus
alunos: “mostrou-me outra forma de abordar os assuntos importantes aos meus alunos” (Q3-
16B). Nas entrevistas, oito professores valorizam a importância dos temas trabalhados na
formação e de como isso lhes deu ideias e possibilidades para explorarem outros temas em sala
de aula, fornecendo alguns exemplos como a família, a amizade, os direitos e os deveres, as

228
questões ambientais e os direitos dos animais. Um destes professores afirma mesmo ter
transposto algumas das técnicas da formação para o ensino e aprendizagem de religião e moral,
com as crianças. Nestes testemunhos é visível a abrangência das práticas filosóficas que podem
ser utilizadas para explorar os diferentes temas que compõem o currículo escolar (Lipman, Sharp
& Oscanyan, 1980; Martins, Oliveira & Komosinski, 2005; Vieira, Tenreiro-vieira & Martins,
2011) como se percebe nos seguintes exemplos:

Para mim, também, alargou-me os horizontes para ajudar as crianças a definirem alguns
conceitos (T- Educadora de Infância).
Ou então, quando estamos a lançar um tema, nós falamos sobre a família, sobre os amigos
e aí exploramos de uma forma mais consistente (PA- Educadora de Infância).
Lembro-me que era amizade e a família (refere que trabalhou as práticas filosóficas nestes
temas). (…) Acabei por trabalhar mais neste sentido, ou seja, no que se referia aos
relacionamentos (N- Educadora de Infância).
Os direitos e os deveres. Foi gratificante, marcou-me, nós desenvolvemos as três em
conjunto há três anos, a exploração dos direitos e dos deveres, por causa do envolvimento
deles e das partilhas. À medida que vão trabalhando, a forma como eles partilharam as
suas vivências, os conceitos que eles tinham de alguns desses direitos e deveres, as
barreiras que eles estabeleciam entre o que era um dever ou o que era um direito. Foi
muito interessante e gratificante também e muito enriquecedor para eles (L- Professora
do 1º Ciclo).
Portanto eu nos mais pequeninos dou religião moral e católica, com as técnicas da
filosofia para crianças (J- Professor de Filosofia).
Sim, para despertar para as questões do ambiente e dos animais. Esse despertar é muito
apaixonante quando nós conseguimos fazer despertar qualquer coisa neles, é sempre
muito gratificante (S- Professora de Filosofia).

Valorização das diferenças / Trabalhar a desconstrução de preconceitos

Nas entrevistas, três professores referem a importância de trabalhar no sentido de desconstruir


preconceitos, o que desenvolvem através do diálogo e da escuta ativa. Também nos questionários
um professor de filosofia destaca a escuta ativa dizendo: “melhor capacidade de escuta ativa”
(Q4-32 A). O discurso dos professores nas entrevistas é mais específico indo ao encontro de uma

229
educação para os valores aspeto trabalhado na formação e descrito como um dos seus princípios,
designadamente na categoria intitulada princípio da ética relacional. Também esta técnica de
desconstrução de preconceitos é explicada nas entrevistas por uma Educadora de Infância que
refere o seguinte: “Também trabalhar no sentido de desconstruir preconceitos e fazer com que
eles se expressem mais, deitem cá para fora” (PA). Quando questionada sobre um momento
gratificante no trabalho que tem vindo a desenvolver com as crianças no âmbito do programa
filosofia com crianças e jovens, relatou a sua experiência com os alunos na exploração de uma
história do plano nacional de leitura “O sapo apaixonado”. O seu relato mostra que a prática
filosófica a ajudou a desconstruir preconceitos, desenvolvendo a temática relacional, as questões
do amor e o que é estar apaixonado, como podemos constatar nas suas palavras:

No seguimento de uma história, quando estávamos a fazer o reconto de uma história,


surgia-me “então e porquê?” Eu lembro-me que contei a história do sapo apaixonado e o
sapo não podia gostar de uma pata, o sapo deveria de gostar de uma rã, - “então e porquê?”
“Porque é que o sapo não pode gostar da pata? Mas eles são amigos, eles dão-se bem,
eles entendem-se”. Ouve um explorar e eles chegaram depois à conclusão que sim. Até
pode…exatamente por isso…porque eles davam-se bem, porque eles estavam juntos,
portanto havia uma série de ações que eles até concordaram, mas logo à partida disseram
que não, que não podia ser e depois não ficou o não pelo não, houve um bocadinho mais
de explorar e de pensar (PA).

Neste campo uma professora do 2º Ciclo refere que utiliza as práticas filosóficas para valorizar
os trabalhos dos seus alunos, abalando certezas e ideias feitas como se demonstra no seguinte
exemplo:

Também às vezes eles tem um bocadinho de preconceitos com o bem feito e com o mal
feito, aquelas ideias que eles têm e que, ao experimentar ou fazer alguma coisa de novo,
trazem expectativas daquilo que querem fazer, como querem fazer e qual terá que ser o
resultado final. Depois, para conversar acerca e desconstruir um bocadinho disto, tento
utilizar as ferramentas que adquiri na formação (M).

230
Por fim uma professora de Filosofia fala do erro enquanto motor de aprendizagem dizendo o
seguinte:

A maior parte dos alunos continua a ter a ideia de que o erro…a encarar negativamente o
erro. É pá errei, falhei e agora que chatice! Portanto têm uma perspetiva negativa da
questão do erro e é preciso desmistificar, desconstruir mostrar que se não errassem não
poderiam evoluir nem analisar de outra perspetiva. Não é um trabalho fácil, mas é um
trabalho que se consegue fazer (…) (P).

Relação pedagógica/ gestão do comportamento dos alunos

Nos questionários, três professores salientam a ocorrência de mudanças na relação pedagógica,


expressas numa maior aproximação entre os professores e os alunos sedimentada na escuta ativa,
como mostram os seguintes exemplos:

[A formação teve] muita importância. Alterou a minha forma de estar junto das crianças
e a prática pedagógica, em geral (Q3-19-Educadora de Infância).
[A formação teve] bastante [importância]. Ajudou-me a colocar o aluno como um
elemento mais ativo no processo de ensino aprendizagem (Q3-23A- Professor de
Filosofia).
Em termos de desenvolvimento pessoal o programa de formação foi muito enriquecedor,
visto que me abriu os horizontes para compreender e atuar melhor no que diz respeito às
relações humanas com crianças e jovens (Q4 -9A- Professor de Filosofia).

Nas entrevistas, os professores referem especificamente que começaram a ter uma nova postura
perante o comportamento dos seus alunos. Passaram de um registo mais punitivo e moralizador
das ações para um processo de diálogo e de reflexão crítica. Em vez de se posicionarem face ao
comportamento de um aluno, dizendo-lhe por exemplo que tinha agido mal, passam antes a
conversar sobre o ato em si, questionando o aluno de modo a que este reflita sobre os seu atos e
encontre alternativas para o mesmo. O discurso de seis professores apontam para a importância
de levar os alunos a refletirem sobre as suas condutas e comportamentos, incentivando-os a
pensarem por si próprios e a tomarem decisões ético-morais. Na sua opinião, esta mudança
conduziu à resolução de problemas e conflitos que por vezes surgiam na escola. Assim, de acordo
com estes professores a utilização deste tipo de estratégia é mais eficaz do que o castigo ou a

231
punição na gestão do comportamento dos alunos, como podemos verificar nas falas destes
professores:

Eu estou a recordar que no caso de crianças que têm problemas de comportamento,


comportamentos mais difíceis, crianças que nos desafiam, eu segurei-me um pouco na
filosofia com crianças. Então sinto que os faço parar, com as perguntas que eu lhes faço,
vou questionado, vou-lhes dando uma orientação e sinto que eles aí são obrigados a parar
e consigo que parem com aquele gozo, porque são crianças de cinco anos, mas às vezes
já gostam de desafiar o adulto e eu sinto que ai ajudou-me bastante (PA- Educadora de
Infância).
Não repetir sempre a mesma coisa. Tu bateste não deverias ter batido, já viste, Não! Eu
calava-me! (T- Educadora de Infância).
Em determinados conflitos da sala de aula, com o material filosófico torná-los mais
compreensivos e compreenderem que não são só eles que têm razão existem outras
perspetivas, outras possibilidades (N- Educadora de Infância).
Designadamente quanto aos comportamentos dos alunos, perante as situações. A gestão
das situações é um pouco mais, tem mais qualidade (L- Professora do 1º Ciclo).

Valorização da experimentação

Cinco dos professores entrevistados valorizam a experimentação enquanto aspeto constituinte e


constitutivo das suas aulas. De acordo com os seus discursos, a experiência permite não só
contactar com diferentes materiais mas também explorar novas atividades e estratégias, o que em
seu entender contribui para as aprendizagens e autonomia dos alunos. Neste contexto, sobressai
a importância da experimentação com o objetivo de fomentar as relações interpessoais e sociais
dentro do grupo/turma. Não cabe ao professor a tarefa de expor o conhecimento como produto,
mas criar situações ou oportunidades para que o aluno possa experimentar, possa investigar de
forma a encontrar as suas próprias soluções (Dewey, 1916; Thelen, 1960, citados por Arends,
1995). Experimentar, levar os alunos a pensar procurando soluções para problemas. Pensar por
si próprio insere-se no princípio de formação aprender a pensar que descrevemos anteriormente
e que está presente por exemplo no discurso destes professores:

232
Dar-lhes oportunidades para elas fazerem, para experimentarem porque penso que é por
aí que, nesta faixa etária de crianças mais pequeninas,…que eles aprendem, eles têm que
experimentar (…) (PA- Educadora de Infância).
Criar-lhes abertura para a socialização, para a autonomia, para serem eles a experimentar,
para não ser sempre o adulto a dar tudo. Portanto, através das experiências e das vivências
que eles vão tendo, eles vão criando esse desenvolvimento a nível social, um bocadinho
mais libertos do adulto (…) (T- Educadora de infância).
A experimentação é o mais importante, porque isso permite aos alunos tomarem
consciência daquilo que estão a ver, não posso aplicar uma fórmula a tudo porque as
coisas vão mudando (J- Professor de Filosofia).
Considero que a formação motivou e chamou a atenção para a importância de
experimentar coisas novas, (…) especialmente no facto de experimentarmos na formação.
Colocarmo-nos no lugar dos alunos e vivermos a mesma experiência que eles mostrou
algumas dificuldades que eles sentem, como por exemplo de concentração, de falar
quando é necessário” (S- Professora de filosofia).
Propus que os alunos se juntassem em pequenos grupos e fossem eles a desenvolver um
trabalho pensado e discutido pelo grupo e dei algumas aulas para que eles o fizessem (M-
Professora 2º Ciclo).

Atenção ao ritmo de aprendizagem dos aprendentes

Nas entrevistas, dois professores salientam a necessidade de conhecer as turmas, os seus


interesses e necessidades, para a planificação do seu trabalho. Observa-se no seu discurso que
têm em atenção as diferenças individuais e que procuram respeitar os diversos ritmos de
aprendizagem dos alunos. Um dos professores fala também da necessidade de se adaptar a
diferentes contextos e aos programas previstos para as diferentes áreas que leciona. Neste âmbito,
a prática filosófica ajudou a diversificar, a flexibilizar e a introduzir novas estratégias em sala de
aula, conforme se verifica nos seguintes exemplos:

Cada turma para mim é um universo completamente diferente e eu tenho de me ajustar


ao contexto turma ou ao grupo da turma e, por exemplo, há coisas que são viáveis para
um grupo e podem não ser tão eficazes com outro e portanto tem que se ter isso em
consideração (PA- Educadora de Infância).

233
Em cada turma trabalho de uma determinada maneira, numa turma sou uma coisa, noutra
sou outra, quer dizer, depende das turmas, depende das escolas. Nas escolas do Alto do
Lumiar sou uma coisa no colégio sou outra. (…) Não posso ser o mesmo e não posso
literalmente ser o mesmo em sítios diferentes, com turmas diferentes e com disciplinas
diferentes sou várias coisas é quase uma esquizofrenia (J- Professor de Filosofia).

Valorização do diálogo no sentido da construção conjunta de conhecimentos

Cinco professores, que responderam aos questionários, destacam a importância do diálogo,


ligado ao processo de investigação filosófica, como algo que introduziram nas suas aulas como
mostra o exemplo: “Oferecer à criança espaço investigativo, diálogo no qual busquem maior e
melhor compreensão de temáticas filosóficas” (Q3- 31- Educadora de Infância).

Nas entrevistas todos os professores afirmam a importância do diálogo para os processos de


ensino e de aprendizagem. Este indicador é o que apresenta o maior número de unidades de
registo, indo ao encontro do princípio da formação da participação e colaboração, analisado
anteriormente. A filosofia surge na opinião de todos os professores (quer nas resposta ao
questionário, quer no conteúdo das entrevistas) como um incentivo à prática investigativa e à
discussão de ideias em torno de problemas ou questões (Lipman, 1995; Brenifier, 2011). No
modo como os professores se expressam nas entrevistas podemos ainda perceber que, com base
na formação, procuram desenvolver um trabalho onde os alunos se sintam livres e motivados
para dizerem o que pensam e o que julgam pertinente no problema em debate. A análise destes
dados parece indicar com alguma segurança que a formação despertou estes professores para o
diálogo mais democrático em sala de aula (Márquez- Fernández, 2010; Freire, 1997b). De facto,
apontam para uma valorização do que é dito pelos alunos, valorizando os seus saberes, no
respeito pela diferença através da prática do diálogo:

Bom, essa formação a mim ajudou-me muito a estimular o trabalho que eu faço com as
crianças na área da conversa de grupo, quando conversamos com as crianças, quando
pedimos as opiniões das crianças. Com esta formação eu tive uma orientação para saber,
para explorar mais, para ajudar as crianças a darem respostas mais completas com outras
orientações, ajudá-las a pensar e penso que tem sido muito importante. Foi um estímulo,
foi um conhecimento que adquirimos nessa formação (PA- Educadora de infância).

234
(…) Veio mostrar [fala da formação] que é muito importante, desde pequenino, pormos
as crianças a falar, não sermos nós a dar tudo, puxarmos por eles, por aquelas cabecinhas
e depois saem coisas tão giras, em termos do pensamento. É muito giro nestas idades, é
das idades que eu gosto mais é por isso que sou educadora e que às vezes me surpreendo
ainda hoje. (…) Não dar logo o conhecimento, mas serem eles a construírem, muitas vezes
a história, o pensamento (B- Educadora de Infância).

Neste contexto, os professores referem que a base formativa lhes permitiu desenvolver um
trabalho apoiado na realidade em que se encontram inseridos. A interação entre todos tem
permitido, de acordo com a sua opinião, a construção conjunta de conhecimentos. Neste processo
os professores evidenciam participação e o envolvimento de todos no diálogo em sala de aula:

Considero que a formação motivou e chamou a atenção (…) em termos de orientação do


diálogo e estruturação das conversas de forma a criarmos conhecimento em conjunto (M-
Professora do 2º Ciclo).
Eles às vezes podem dizer coisas sem sentido, mas a partir daí vamos estruturar esse
pensamento, dar uma sequência lógica à conversa da criança. Isso é uma das
preocupações e é um dos motivos porque há todos os dias a conversa, para estruturarem
o pensamento deles e o que eles não estão a conseguir comunicar para fora com principio
meio e fim, essa também é a minha preocupação. É percebermos se aquilo que estamos a
dizer faz sentido, se tem um princípio, se a conversa tem seguimento e que todos
percebam (B- Educadora de Infância).
Eu também penso que mudou especialmente no despertar para a importância do diálogo
democrático, para escutar os alunos e desenvolver um trabalho mais com base nos seus
interesses e necessidades (S- Professora de Filosofia).

Dentro desta perspetiva de diálogo democrático, os professores salientam os debates como um


momento importante para desenvolver a reflexão e construir conhecimento em conjunto:
“[Importância da formação no Desenvolvimento Profissional] aprender a estruturar um debate”
(Q3- 15- professor 1º Ciclo); “[Importância da formação no Desenvolvimento Profissional]
moderar e mobilizar momentos de debate e diálogo em sala de aula” (Q4-34- Professor de
Filosofia).

235
As regras de gestão do diálogo e dos debates é que foram um bocadinho alteradas (L-
Professora 1º Ciclo).
As atividades que eu mais desenvolvo são as de debate em grande grupo, onde todos têm
de participar e de forma organizada dar as suas ideias e escutar as ideias dos outros. No
final procura-se estruturar o pensamento e chegar a conclusões em conjunto (S-
Professora de Filosofia).

Dois professores de filosofia referem ainda nas entrevistas que utilizam esta técnica/ estratégia
noutras áreas disciplinares, o que mais uma vez aponta para as possibilidades transversais das
práticas filosóficas:

Mas eu parto fundamentalmente dos textos da bíblia e utilizo a filosofia para crianças nas
técnicas do diálogo (J).
O diálogo, isso utilizo sempre muito na filosofia, é claro que eu não leciono só filosofia
aliás até há alturas em que não leciono filosofia por questões que têm a ver com a orgânica
da própria escola, mas quer numa disciplina quer noutra eu procuro sempre implementar
as tais atividades práticas e daí eu falar sempre dos Mix, essas dimensões são
contempladas (P).

Utilização das novelas trabalhadas na formação

Nas entrevistas seis professores, três de filosofia e três educadoras de infância, afirmam ter
trabalhado, com os alunos, os textos que foram explorados na formação. Assim, os professores de
filosofia têm utilizado com maior frequência novelas filosóficas escritas pelas formadoras sobre a
liberdade e o determinismo, a felicidade e a responsabilidade, uma vez que estas os ajudam a
dinamizar as aulas de acordo com o programa de filosofia para o ensino secundário, designadamente
nos conteúdos/temas do 10º ano de escolaridade referentes à dimensão ético-política-análise e
compreensão da experiência convivencial, como se percebe no discurso destas professoras:

Usei para ética e os valores as [novelas] da liberdade até mesmo as da questão dos
animais. Porque vinham a propósito dos conteúdos e porque obviamente foi também uma
das estratégias utilizadas. Como poder trazer alguma inovação dentro daquilo que
aprendemos na formação, não é? Cá está um aspeto que pode ser utilizado como sendo
inovador, não é? Porque a pessoa pode recorrer ao texto clássico que vem no manual mas

236
se houver um mais criativo ou que desperte para o mesmo problema de outra forma acho
que é preferível (P).

É assim eu só utilizei uma narrativa utilizada na formação, que tinha a ver com a
responsabilidade e a liberdade e os valores, sempre que estou a tratar destes temas
costumo recorrer a esta narrativa (S).

Quanto às educadoras de infância, estas referem que utilizaram apenas as novelas filosóficas logo
a seguir à formação. Referem dificuldades no trabalho com estas novelas que se prendem com as
dinâmicas de grupo e também com a necessidade de mais formação. Esta situação está presente
nos estudos na área que dão conta de algumas dificuldades dos professores, que quando não são
acompanhados acabam por abandonar estas práticas (Temel, 2014; Marshall, 2012). O que está
presente nas suas falas:

Sei que tínhamos três [livros]. Era um para a infantil que era o da Ana, depois tínhamos
os outros dois para os mais crescidos. Agora não sei precisar, mas utilizei as histórias que
eram para os mais crescidos (N).
Eu lembro-me que na altura investiguei um pouco, mesmo os livros, aquele livro da Ana,
eu sei que ainda tínhamos fotocópias e nesse ano ainda segui esse livro (PA).

Exploração de outras narrativas

Dez professores referem nas entrevistas de follow-up que têm trabalhado com os seus alunos em
sala de aula de acordo com as técnicas / estratégias que foram utilizadas na formação,
designadamente na exploração de narrativas. No entanto, afirmam que têm vindo a desenvolver
as práticas filosóficas com outro tipo de narrativas. No caso das professoras do primeiro ciclo
utilizam as narrativas do plano nacional de leitura, as educadoras de infância e a professora do
2º Ciclo, colocada nas AECS, referem que escolhem com mais frequência contos tradicionais e
os professores de filosofia optam por alguns textos filosóficos, mas também referem que utilizam
os contos e as histórias tradicionais. Como nos mostram os seguintes exemplos:

Não, não! O material que elas deram na formação não. Utilizo histórias tradicionais, ou
textos que lemos aqui e a partir dai é que partimos para essas explorações” (B- Educadora
de Infância).

237
(…) ou articulada em aulas de português, por exemplo, vamos explorar uma obra, a partir
daí o tema ou assunto, estruturar o tema no quadro como fizemos na formação,
escolherem um título ou assunto do texto para trabalhar” (L- Professora do 1º Ciclo).
São as tais obras literárias que integram o currículo e que dá para trabalhar, embora não
sejam os textos que deram na formação, mas as abordagens que fazemos já estão um
bocadinho mais claras, mais indutivas. Nós próprios não nos deixamos divagar tanto
estamos mais…e damos mais tempo de antena” (I- Professora do 1º Ciclo).
O que utilizo muito são histórias clássicas e a partir daí vou desenvolvendo o diálogo e
trabalhando temas e conceitos porque estas histórias são muito ricas e cativam os
alunos. (M- Professora 2º Ciclo).

Neste sentido o discurso dos professores aponta para a importância da narrativa como
metodologia de investigação filosófica. Parte-se da narrativa para a exploração dos temas e
conceitos, utilizando-se diferentes estratégias do pensar. Assim, poderemos inferir que a
narrativa é utilizada por estes professores para a construção conjunta de conhecimentos com o
objetivo de desenvolver as capacidades cognitivas, emocionais e éticas nos alunos (Reis, 2008).

Construção de histórias

A construção de histórias, pelos alunos, com base em textos, imagens, frases ou sons é uma
prática que três dos professores entrevistados consideram desenvolver com base na formação:
“(…) análise de texto em que eles a partir da história, eles construíam uma outra história, portanto
tudo aquilo que fizemos na formação eu também fui desenvolvendo” (J- Professor de Filosofia).

Estratégia da escrita de cartas

Uma das educadoras de infância entrevistadas refere que, com base na formação, desenvolveu
novas estratégias. Conta que explorou o tema da amizade com base na escrita de cartas que depois
de os alunos as escreverem entregavam uns aos outros. Este relato é demonstrativo das
possibilidades criativas que as práticas filosóficas podem assumir:

238
Fui desenvolvendo esses livros através de desenhos de cartas até uns para os outros
portanto utilizando essa abordagem. Eram crianças a partir dos nove anos em ATL,
porque os outros com quem eu tenho trabalhado são de creche, portanto não é possível.
(…) Era sobre a relação entre eles e foram cartas muito sentidas, no sentido em que era
para falarem sobre o que é que eles viam no amigo, de que forma é que eles viam o amigo,
de que forma filosófica. Eles a dizerem ao amigo que, apesar de o verem assim, que ele
era um grande amigo, apesar de ele ser Jeová para dar um exemplo, não era por isso que
ia deixar de ser amigo dele. Foram cartas escritas de uma forma muito emotiva foi muito
emotivo entre eles (N).

Técnica da leitura partilhada

No questionário um professor de filosofia e dois professores de filosofia na entrevista referem


que utilizam frequentemente a prática da leitura partilhada, que consiste na leitura de um texto
em conjunto pela turma, um aluno começa a ler e depois passa ao colega do lado que, por sua
vez, passa ao outro e assim sucessivamente até ao final do texto. Normalmente o professor não
interfere na leitura, são os alunos que quando chegam ao ponto final se calam e o seguinte começa
a ler: “A redescoberta da leitura ativa” (Q4-24); “A leitura partilhada” (J); “Eu faço muito aquilo
que eu chamo de atividades práticas que tem muita ver com as estratégias que foram utilizadas
na formação. A leitura partilhada e nominal orientada” (P).

Novas abordagens na Relação com os Pais

Nas entrevistas de follow-up uma educadora de infância destaca a importância da abordagem


filosófica para dialogar com os pais. Assim, considera que um dos aspetos importantes da
formação foi o seu contributo para a sua relação com os pais das crianças, como se mostra no
seguinte exemplo:

O que a formação ajudou mais foi a nível dos pais. (…) No modo de abordagem aos pais,
acho que com abordagem filosófica consegue-se mostrar as coisas aos pais de outra maneira,
consegue-se chegar aos pais de outra maneira. Eles vêm muito ansiosos com certas questões
e consegue-se dar ali outra volta, pelo menos para mim. Acho que consegui abordar os pais
de outra forma e fazer eles verem as coisas de outra maneira, não ficarem tão ansiosos às
vezes em determinadas situações (N).

239
Inserção das práticas filosóficas na planificação

Cinco professores nas entrevistas referem mudanças na planificação de aula, designadamente na


introdução da filosofia:

Quando planifico as minhas aulas aí sim introduzo aspetos novos, mas em termos da
planificação geral não,…aí as coisas são muito estanques já aparecem prontas com os
dias e com as semanas, com os conteúdos que temos de lecionar, tudo vem definido e aí
não há alterações (S- Professora de Filosofia).
Mudei, inseri a filosofia…mudou a nível de inserir este tópico nas planificações e
trabalhar e desenvolver nesse âmbito (N- Educadora de Infância).
Quando eu acho que o conteúdo programático pode chamar uma dessas estratégias, ou
dessas atividades ela é introduzida na planificação (P- Professora de Filosofia).

Porque eu utilizo aquilo que foi dado, aliás as minhas formações são mesmo para
melhorar a minha prática. Mudei a planificação (J- Professor de Filosofia).

Uma professora especifica estas mudanças, referindo o seguinte:

Em termos da planificação introduzi muito mais a consulta aos alunos, tentar perceber o
que é que eles realmente gostariam e gostam de fazer…a escuta ativa e o debate de temas
ou assuntos que lhes causam preocupação (M- Professora do 2º Ciclo).

No entender de todos os professores entrevistados a formação traduziu-se em mudanças nas suas


práticas em sala de aula, no entanto conforme verificamos nas entrevistas apenas cinco professores
afirmam ter introduzido mudanças nas suas planificações, no entanto no discurso dos restantes seis
professores é percetível que adquiriram novos modos de pensar e de atuar com base nas práticas
filosóficas, embora como referem a sua utilização seja espontânea, quando a situação os leva a
utilizar as práticas vivenciadas na formação.

240
2. Mudanças nas Crianças

Nas entrevistas iniciais às formadoras, nos questionários e nas entrevistas de follow-up aos
professores surgem referências a efeitos das práticas filosóficas nas crianças e nos jovens. As
formadoras e alguns professores/educadores refletem sobre: i. reação inicial das crianças às
práticas filosóficas; ii. mudanças na relação com os outros; iii. desenvolvimento de
aprendizagens. No quadro 26 apresentam-se as categorias e os indicadores referentes a este tema.

Quadro 26- Mudanças nas crianças

Categorias Indicadores

Reação inicial das crianças as


Estranheza/silêncio
práticas filosóficas

Mudanças na relação com os Capacidade de escuta/ Respeito pelo outro


outros Envolvimento/ participação

Desenvolvimento das
Pensamento crítico e criatividade
aprendizagens

241
2.1 Reação inicial das crianças às práticas filosóficas

Estranheza/silêncio

Nas entrevistas de follow-up algumas professoras, designadamente três educadoras de infância e


uma professora do primeiro ciclo descrevem que as crianças reagem inicialmente às práticas
filosóficas com estranheza, o que atribuem de um modo geral à falta de treino que estas atividades
exigem. Destacam o facto de as crianças se calarem quando são interrogadas, conforme se vê nos
seguintes exemplos:

É as crianças calarem-se (PA- Educadora de Infância).

Eu sinto-me assim um bocadinho frustrada, o que é o belo? O que é o bonito? Ou o que é


ser amigo? E não sai, eles não respondem, não há um feedback nem que seja uma coisa
errada. Nós queremos é ouvi-los e depois a partir dali eles dizem algo e nós questionamos
e não há essa resposta a criança não colabora, não está habituada (T- Educadora de
Infância).
Talvez inicialmente o eles perceberem a abordagem. Ao início eles não percebiam, quer
dizer eles interagem muito bem, eles compreendem, mas lá está como é algo novo
estranham no início (N- Educadora de Infância).

2.2 Mudanças na relação com os outros

Capacidade de escuta/respeito pelo outro

Nas entrevistas alguns professores referem que o programa de filosofia provoca mudanças no
modo como as crianças e os jovens se relacionam entre si. Uma educadora de infância afirma
que as práticas filosóficas que desenvolveu com um grupo de crianças contribuíram para que o
grupo se conhecesse e interagisse melhor entre si: “Com as crianças foi muito positivo porque
elas começaram, entre elas a conhecer-se melhor” (N). Esta educadora de infância refere também
um aumento da capacidade de escuta e do respeito pelo outro:

242
O que eu vi foi que as crianças nos diálogos entre elas começaram a ser mais tolerantes e
a ouvir mais. Eu acho que isso foi uma experiência muito positiva, eles acabam por ter
mais respeito e acabam por perceber que existem várias possibilidades ou perspetivas
dentro de uma mesma realidade (N).

Envolvimento/participação

Três professores destacam que a utilização das práticas filosóficas aumenta a participação dos
alunos e o seu envolvimento. Uma professora do 1º ciclo destacou o prazer que as crianças têm
em dialogar umas com as outras e como esse tempo é importante para exporem os seus
sentimentos:

Eles sentem esse tempo com algum prazer e portanto querem estar só naquilo. É
engraçado e ao mesmo tempo que é engraçado dá-lhes tempo de antena, possibilidade de
falar sobre aquilo que eles não costumam falar (I- Professora do 1ª Ciclo).
A forma deles participarem também mudou (…) (M- Professora do 2º Ciclo).
Até porque eu sinto que eles gostam e se envolvem, gostam de participar e ficam todos
envolvidos (S- Professora do 2º Ciclo).

Também neste sentido uma formadora fala na entrevista sobre a sua experiência com as crianças
relatando o seu entusiamo expresso na vontade de ter mais sessões o que atribui ao modo como
as práticas filosóficas instigam a curiosidade natural das crianças pelo saber. Refere também que
as crianças reagem emocionalmente de forma similar aos adultos quando o seu saber é
questionado. Neste sentido a formadora refere o seguinte:

As crianças cobram, por exemplo, eu o ano passado tinha uma turma onde eu só ia de vez
em quando, cada vez que me viam às vezes até no supermercado, ou noutros sítios
perguntavam mas porque que eu não ia? Porque é que eu ia tão pouco? Portanto o
gozo…uma porque como dizia Aristóteles todo o ser humano deseja naturalmente saber
e todo o ser humano gosta naturalmente de pensar, não gosta é de ser enchouriçado
passivamente com informação, não é? Gosta de ser provocado! (…) Tenho trabalhado
muito no jardim-de-infância, com crianças de cinco anos, e nota-se que é igualzinho nos
adultos, quando são postas em causa há reações até às lágrimas, portanto de chorarem. É

243
curioso que as pessoas pensem que as crianças muito pequeninas é diferente dos adultos,
mas é igual! (A)

2.3 Desenvolvimento das aprendizagens

Pensamento crítico e criatividade

Três professores que responderam ao questionário percecionam mudanças nos alunos,


designadamente na sua capacidade de pensar e de agir. Para um professor do 1º Ciclo e outro do
pré-escolar essas mudanças ocorreram “no desenvolvimento da capacidade de pensar melhor"; o
outro professor do 1º ciclo destacou as “ações/atitudes na formação pessoal e social dos alunos”.

Uma formadora destaca na entrevista o empenho das crianças e o desenvolvimento do seu


pensamento crítico, expresso na procura de soluções alternativas para uma problemática. Refere
também trabalhos efetuados pelas crianças que espelham a aplicação das aprendizagens de forma
criativa e colaborativa:

Uma vez houve uma até que resolveu um problema e depois eu disse: “mas que
engraçado, fizeste isso!!”…e tal…“foi a professora que me ensinou, quer dizer eu aprendi
isto nas aulas, aprendi isto a ir procurar uma alternativa ao pensamento habitual, às vezes
é uma alternativa que eu não estou a ver (L).
Foi em Sintra com um grupo muito giro, com professores ali de uma escola de Sintra, não
me lembro agora o nome da escola…era uma escola até ao nono ano, em que no fim eles
fizeram coisas muito interessantes, trabalhos mesmos com os miúdos e agora que estou a
falar disso estou a lembrar-me de ainda outra ali em Queluz, que ainda hoje tenho ali os
trabalhos…fizeram até umas cassetes…os miúdos…cantigas e tudo, baseadas nas
histórias, os professores criaram com eles histórias…isso foi um curso do Irene Lisboa e
nessa altura eu lembro-me que eles apresentaram imensos trabalhos, no final, muito
criativos desde desenhos a histórias…ainda tenho ali as cassetes (L).

244
Também nas entrevistas de follow-up aos professores, uma educadora de infância e uma
professora de filosofia destacam a criatividade e as novas visões que o exercício filosófico por
vezes promove:

O que ajudou a que eles vissem as coisas de outra maneira e terem também mais
criatividade (N- Educadora de Infância).
Depois quando lhes é explicada a interconexão e os cruzamentos, eles ficaram admirados
e alguns chegam lá e conseguem de fato ver e fazer e isso…que é de facto fantástico.
Quando se começa a ver um clique de luzinha ali é…eu penso que é extraordinário (P-
Professora de Filosofia).

3. Mudanças na ação ao nível da escola como um todo

Nesta dimensão de análise apresentam-se as mudanças que os professores referem ter introduzido
na escola em resultado do processo formativo. Os dados recolhidos permitiram delinear as
seguintes categorias: i. colaboração; ii. disseminação do programa; iii. criação de projetos. As
categorias e os indicadores referentes a este tema são apresentados no quadro 27.

Quadro 27 - Mudanças na ação ao nível da escola como um todo

Categorias Indicadores

Com professores da mesma escola e grupo disciplinar


Colaboração
Com professores de diferentes grupos disciplinares

Disseminação do programa Sensibilizar os colegas para a importância da formação

Não criaram um projeto para a escola


Criação de projetos
Criaram um projeto para a escola

245
3.1 Colaboração

Quando questionados sobre as mudanças que a formação provocou na vida das escolas, alguns
professores entrevistados e que responderam ao questionário sublinham as mudanças na relação
entre colegas. A maior parte valorizam a partilha e a troca de experiências entre
professores/formandos de diferentes grupos disciplinares da mesma escola, e enquanto duas
educadoras falam sobre a disponibilidade para trabalhar com os colegas do mesmo agrupamento
no desenvolvimento das práticas filosóficas. Assim, esta categoria divide-se em dois indicadores
que são a colaboração com professores da mesma escola e grupo disciplinar e a colaboração com
professores de diferentes grupos disciplinares.

Com professores da mesma escola e grupo disciplinar

Duas educadoras de infância, na entrevista de follow-up, relatam que durante e após o processo
de formação partilhavam o que aprenderam, entre si e com outra colega do mesmo agrupamento
que não tinha frequentado esta formação. Consideram que o facto de terem frequentado juntas a
formação, as motivou para desenvolverem um trabalho em conjunto no âmbito da filosofia com
crianças que se estendeu a outra colega do mesmo agrupamento e grupo disciplinar: “Partilhámos
muito (…) Falávamos também com uma colega que não tinha ido à formação, mas como ela não
sabia, ouvia-nos” (PA).

Com professores de diferentes grupos disciplinares

Apenas três professores referem a partilha entre os colegas de diferentes grupos disciplinares que
aconteceu ao longo do processo formativo:

Pela partilha de experiências [com colegas de grupos disciplinares diferentes] (Q3-30-


Professor de Filosofia).
Foi importante pelo trabalho que aconteceu entre os formandos {de grupos disciplinares
diferentes], a troca de experiências (Q3-36- Professor 1º Ciclo).
Ensaiar com outros colegas as potencialidades do programa (Q3-39- Professor de
Filosofia).

246
Nas entrevistas o papel da colaboração surge de forma mais esclarecedora no discurso de 5
professores. De acordo com a sua opinião a presença de professores de diferentes grupos
disciplinares na formação permitiu conhecer outras realidades e problemáticas. No modo como
falam nota-se uma valorização do diálogo na partilha e reflexão conjunta, o que potenciou a
possibilidade de aprenderem uns com os outros, conforme é percetível nos seguintes exemplos:

Também achei interessante haver na formação pessoas de vários grupos. Havia vários
trabalhos e eu até achei engraçado que ele era do primeiro ciclo e eu dava uma achega
nos trabalhos e ele dava outra e eu via que o que eu dizia tinha mais a ver com a minha
maneira de trabalhar e ele com os maiores, outras vivências. Eu achei engraçado ter essa
troca de experiências até ter várias conversas para chegarmos a um consenso (…) (B).
Na formação foi importante termos contactos com pessoas de outros níveis de ensino até
porque nos agrupamentos temos que lidar com professores de várias áreas e níveis de
ensino (I).

3.2 Disseminação do programa

Nas entrevistas todos os professores referem que procuraram divulgar e sensibilizar os colegas
para esta formação. Como a tentativa de disseminação do programa apenas aconteceu junto dos
colegas de profissão, temos apenas um indicador que é: sensibilizar os colegas para a importância
da formação.

Sensibilizar os colegas para a importância da formação

Os professores entrevistados referem que tentaram divulgar e sensibilizar os colegas para esta
formação, no entanto no seu discurso é visível que apenas falaram com os colegas mais próximos,
aqueles que eles pensam que poderiam se interessar por este tipo de formação:

Nós tentámos sensibilizar os colegas para a necessidade dos alunos conseguirem


argumentar, opinar, criticar (L- Professora do 1º Ciclo).
O que eu fiz foi falar com colegas que demonstram interesse por estes temas, falar-lhes
da formação e que seria importante eles participarem porque poderiam aprender algumas

247
novas estratégias e formas de estruturar o pensamento dos alunos em sala de aula (S-
Professora de Filosofia).
Lembro-me que tenho tentado incentivar uma das minhas colegas que apresenta um
trabalho parecido, que vai na linha da proposta da formação pelo que me parece que seria
bom para ela fazer este tipo de formação (M- Professora do 2º Ciclo).

3.3 Criação de projetos

Esta categoria inclui toda a informação sobre a criação de projetos nas escolas dos professores
que participaram da formação, obtida através da aplicação do questionário e das entrevistas de
follow-up. No entanto, também no questionário encontramos referência a mudanças que estão
relacionadas com a elaboração de um projeto nesta área. A partir do conjunto das unidades de
registo emergiram dois indicadores correspondentes por um lado aos professores que afirmam
ter construído um projeto para a escola e por outro aqueles que não o fizeram. Consideramos que
esta categoria é importante para percebermos se a formação conduz a mudanças na vida das
escolas.

Criaram um projeto para a escola

Nas respostas ao questionário, encontramos referências de dois professores de filosofia, a


mudanças na participação na escola que estão relacionadas com a elaboração de um projeto nesta
área para implementar na escola onde lecionam: “(…) tendo impulsionado para a conceção e
implementação de um projeto nesse âmbito numa escola onde lecionei” (Q3-5B).

Nas entrevistas apenas três professoras do primeiro ciclo declaram ter construído um projeto no
âmbito das práticas filosóficas que apresentaram no seu agrupamento de escolas. Destacam no
seu discurso o entusiasmo inicial que as levou a criar o projeto com a ajuda e participação das
duas formadoras. Apresentaram o projeto à direção e afirmam que estavam motivadas para o
desenvolver, no entanto o projeto não foi bem recebido e não obtiveram apoio, a nível formal.
Pelo que, afirmam que continuaram a utilizar estratégias e atividades que experienciaram na
formação, embora de forma informal, conforme se contata através das suas falas: “Nós viemos
de lá encantadas para fazer um projeto para a escola” (I); “ (…) e fizemos a proposta (…) houve

248
logo um entrave” (TA); “Sim, fizemos as três a proposta (…) Nós tentámos sensibilizar os
colegas para a necessidade dos alunos conseguirem argumentar, opinar, criticar. (…) e, disseram-
nos que não iria avançar” (L). “ [disseram que as crianças] já têm opiniões a mais, não foi? Dizem
mais do que devem” (I).

Não criaram um projeto para a escola

Nas entrevistas oito professores referem que não criaram nenhum projeto para a escola. No
entanto, alguns professores afirmam que apesar de não terem criado nenhum projeto para a escola
equacionam essa possibilidade:

4. Dificuldades sentidas na transferência do programa para o quotidiano escolar

Nas entrevistas, as formadoras referem algumas dificuldades que consideram obstáculos ao


desenvolvimento do programa nas escolas. Estas dificuldades são corroboradas pela grande
maioria dos professores, no questionário (33/41). Apenas oito professores referem não ter
dificuldades na aplicação do programa. Também nas entrevistas de follow-up, e apesar de esta
pergunta não ter sido feita aos professores, oito assinalam dificuldades que sentiram quando
procuravam trabalhar de acordo com o programa no seu quotidiano escolar. Os dados recolhidos
permitiram delinear as seguintes categorias: i. dificuldades a nível do macrossistema; ii.
dificuldades a nível da escola enquanto organização; iii. dificuldades na gestão do currículo; iv.
dificuldade na relação com os alunos; v. não sentiram dificuldades. No quadro 28 apresentam-se
as categorias e os indicadores referentes a este tema:

249
Quadro 28 – Dificuldades sentidas na transferência do programa para o quotidiano escolar

Categorias Indicadores

Resistência das políticas públicas à inovação

Dificuldades a nível Falta de renovação da população docente


do macrossistema Congelamento da carreira docente/ Falta de motivação dos professores

Falta de formação de longa duração na área

Falta de abertura das direções à inovação

Turmas muito grandes/elevado número de turmas por professor

Burocratização da profissão docente


Dificuldades a nível Falta de continuidade pedagógica
da escola enquanto
organização Intensificação do trabalho do professor

Falta de colaboração entre professores/ isolamento

Falta de adesão dos professores ao programa

Desvalorização do trabalho pedagógico nas AECs

Extensão dos conteúdos

Dificuldades na Pressão dos exames


gestão do currículo Desarticulação entre currículo e projetos

Falta de tempo

Dificuldade dos alunos em aderir às regras do debate


Dificuldades na
relação com os Diferenciação pedagógica/ritmos de aprendizagem muito diversos
alunos
Falta de disponibilidade das crianças nas AECs

Maior consciencialização dos pais e da direção das escolas


Não sentiram
Liberdade para decidir em termos pedagógicos e curriculares
dificuldades
Sem especificar

250
4.1 Dificuldades a nível do macrossistema

Resistência das políticas publicas à inovação

Nos questionários quatro professores de filosofia apontam falhas no sistema de ensino, que
atribuem em grande medida aos governantes pela falta de vontade política para introduzir este
tipo de reflexão e práticas educativas no currículo:

Com a atual política vigente, que pretende formatar o pensamento do indivíduo, não creio
existir interesse de quem governa em dinamizar espíritos críticos e independentes (Q6-
39-Professor de Filosofia).

Nesta linha nas entrevistas de follow-up uma professora de filosofia refere o seguinte:

Eu penso que as práticas filosóficas no currículo seriam muito bem-vindas, isso seria
ótimo, não estou a ver de facto é que isso vai ser feito porque no ministério pensam que
sabem tudo e há muita resistência às inovações em todo o lado (P).

Falta de renovação da população docente

Uma das formadoras fala do que denomina de atual crise no sistema de ensino e que se prende
na sua perspetiva com o facto de os professores que se encontram no ativo estarem envelhecidos
e sem reduções no tempo de serviço o que impede a chegada de novos professores à escola e com
isso perde-se a interação fecunda e de aprendizagem que existia entre os professores em
diferentes faces da carreira. “O ensino globalmente está (…) atravessado por ares do deserto, de
desertificação e de desânimo porque as condições de trabalho dos professores pioraram muito e
têm muito mais horas de trabalho (…) a maior parte dos professores entrou na carreira com uma
determinada perspetiva que foi completamente destruída, a classe docente está a ficar
envelhecida, isto é dramático o que se está a passar e é dramático a todos os níveis” (A).

Congelamento da carreira docente/ Falta de motivação dos professores

Este fator aliado ao congelamento da carreira docente tem funcionado como desmotivador e
desgastante na vida profissional dos professores, como percebemos no modo como se expressa:

251
Os que estão no sistema estão a ficar envelhecidos, não têm as reduções horárias que
tinham anteriormente e os professores que estão à beira de entrar no sistema não entram,
então o sistema está a ficar desertificado em termos de espírito, é desastroso. (…) Os mais
novos traziam sangue fresco, traziam novidades o que fazia com que os mais velhos
também renovassem os seus quadros e, por outro lado, os mais velhos davam um
relaxamento, uma perspetiva mais sábia de funcionar no ensino. Neste momento nós
temos uma classe docente profundamente envelhecida e que não está a ser renovada, isto
é dramático! (A)

Falta de formação de longa duração na área

Quatro professores, nas suas respostas ao questionário (dois do 1º ciclo, uma educadora de
infância e uma professora de filosofia), e outros quatro, nas entrevistas (duas educadoras de
infância, uma professora do 2º ciclo e uma de filosofia), apontam ainda como dificuldade a pouca
formação na área, o que dificulta, de acordo com as suas opiniões, pela escassez de
acompanhamento aos professores que desejam implementar o programa e também ao
desconhecimento desta área e do seu potencial:

Um grande desconhecimento do potencial deste tipo de ensino (Q6-7- Professor de


filosofia).
A formação foi pequena, gostávamos de mais não é? Ficou por ali só (PA- Educadora de
Infância).
Pronto, eu sou da mesma opinião, se houvesse uma continuidade de formação contínua
na área da filosofia, este tema estava sempre a ser debatido em sala (T- Educadora de
Infância).
Lá está, seria bom ter mais formação nesta área e explorar melhor mais temas porque só
com uma ação de formação ainda é difícil desenvolver este tipo de trabalho ainda mais
para quem não tem lecionado filosofia é realmente importante treinar e desenvolver o
questionamento (S- Professora de Filosofia).

252
4.2 Dificuldades a nível da escola enquanto organização

Falta de abertura das direções à inovação

A direção da escola é outro fator apontado nos questionários por oito professores (quatro de
filosofia, três educadores de infância e um professor do 1º Ciclo), pela resistência ao programa e
pela sua falta de abertura à inovação, veiculando uma escola ainda bastante tradicional:

Penso que as principais dificuldades envolvidas na aplicação de um programa como este


devem-se ao facto de as escolas [referem-se aos órgãos de gestão] continuarem a ser
demasiado tradicionais e pouco inovadoras (Q6-26 Professor de Filosofia).

Turmas muito grandes/elevado número de turmas por professor

Também as formadoras apontam no seu discurso dificuldades a nível das escolas, do seu
funcionamento e organização, com que os formandos se deparam quando pretendem por em
prática o programa. Assim, consideram que um dos entraves, ou dificuldades, que o professor
encontra prende-se com a forma como a escola se encontra organizada, designadamente no que
concerne aos critérios de constituição das turmas, onde é permitido que as turmas tenham um
número elevado de alunos (30), o que dificulta o trabalho do professor especialmente quando
desenvolvido no âmbito do diálogo da participação e colaboração. “Há os registos institucionais,
portanto ao nível da instituição é…turmas demasiado grandes, trinta alunos…É evidente que é
muito mais difícil colocar trinta alunos a pensar e a participar, etc…(A) ”.

Burocratização da profissão docente

Outro aspeto dificultador é na opinião desta formadora o trabalho burocrático exigido aos
professores que não deixa tempo nem disponibilidade para exercer outro tipo de reflexão, e de
estratégias, dizendo o seguinte:

O elevado número de turmas por professor…muitas horas que o professor tem na escola,
portanto o professor neste momento está esgotado e como este trabalho exige mais
trabalho é muito mais difícil eu fazer este trabalho do que projetar o power point e
despejar informação, é mais difícil! (A).

253
Falta de continuidade pedagógica

A outra formadora também refere aspetos da vida da escola, centrando o seu discurso nas
dificuldades acrescidas dos professores do 2º, 3º ciclo e secundário que tem várias turmas e
raramente mantém os mesmos alunos o que não lhes permite desenvolver um trabalho com
continuidade:

As pessoas têm alguma dificuldade muitas vezes em implementar devido às próprias


circunstâncias da escola, à vida da escola. Se os do primeiro ciclo têm mais facilidade,
porque mantêm os mesmos alunos, portanto podem ter um trabalho mais continuado, os
outros não! Não é? (L)

Nas entrevistas de follow-up, uma professora de filosofia corrobora esta ideia falando nas
dificuldades que sente por ter que mudar todos os anos de escola, o que não lhe permite
desenvolver um trabalho com continuidade pedagógica:

O que eu estou a falar é que não me apetecia estar sempre a mudar e gostaria de estar num
projeto do princípio ao fim e sentir que aquilo que eu estou a fazer no ano tem frutos e dá
frutos para que se possa continuar no ano seguinte porque depois chego às escolas e não
vejo nenhuma continuidade de coisas que já tenham sido feitas, portanto não há essa
continuidade o que me deixa muito triste com a escola (S).

Intensificação do trabalho do professor

Outra professora de filosofia fala no clima de escola, nomeadamente na dificuldade que,


enquanto instituição, a escola revela em aceitar aspetos que vão contra as regras estabelecidas e
aquilo que consideram ser o ensino/aprendizagem:

É assim a minha experiência também me diz que, desde que não violemos nenhuma regra
institucional, digamos assim, podemos fazer as coisas sem o recurso às estruturas
hierárquicas da escola porque por exemplo…vou dar aqui um exemplo que, penso eu que
seja paradigmático,…se formos solicitar em determinadas escolas que haja salas específicas
para filosofia pela disposição que seja promotora do diálogo e do pensamento crítico, isso
cria uma polémica que não tem descrição e,…portanto,…já aconteceu! O que é que eu

254
sugiro que se faça aí? Desarruma-se a sala e no final volta a arrumar-se; isto todos os dias.
OK, dá mais trabalho! Agora estar à espera que haja uma sala atribuída, como já me
aconteceu,…e eu já estive em escolas onde isso acontecia, mas, essa não é a realidade atual
das escolas, portanto só o facto de se tentar explicar no conselho geral de professores, por
exemplo, ou no conselho pedagógico, a pertinência logística de uma mudança da sala…É
Pá! É o caos!!…e isso serve exatamente para ver como as pessoas são formatadas…até
mesmo o corpo docente, porque estamos a falar de corpo docente e não de alunos.

Falta de colaboração entre professores/isolamento

No questionário também oito professores (sete de filosofia e um do 1º ciclo) indicam os colegas


como principal obstáculo à implementação do programa devido à falta de colaboração e alguma
incompreensão do programa: “Há pouca colaboração entre colegas no que toca à implantação e
partilha deste programa” (Q6- 28- Professor de Filosofia); “A incompreensão por parte dos
colegas.” (Q6-11- Professor de Filosofia).

Falta de adesão dos professores ao programa

Nas entrevistas duas professoras de filosofia salientam a falta de colaboração que existe entre os
colegas de profissão, referindo até uma certa falta de adesão e desinteresse pela filosofia com
crianças:

Inclusivamente já ouvi colegas dizer: “Ai isso de filosofia para crianças e jovens já fiz
uma e já me chegou”. Já ouvi comentários deste estilo! Estou a falar até de pessoas
curiosamente muito mais novas do que eu. Tem graça isto, não é? Que supostamente
deveriam ter uma mente mais aberta…supostamente não é? Deviam ter uma mente mais
aberta, colher dividendos, porque ainda têm um projeto pela frente muito maior do que o
meu, não é? Atendendo ao tempo de serviço e à idade e não vejo um esforço aí para,…mas
atenção que neste contexto só posso falar da escola onde me encontro atualmente (P).
As pessoas na escola estão muito isoladas, cada um trabalha por si e desenvolve as suas
estratégias em sala de aula e não há um trabalho de colaboração e de entreajuda entre os
colegas (S).

255
Desvalorização do trabalho pedagógico nas AECs

A professora do segundo ciclo refere também este aspeto e a indiferença de alguns professores
pelo trabalho dos colegas que se encontram nas atividades extras curriculares:

Também sinto muita falta de colaboração, até porque nos nossos casos, em que não há
uma formação inicial para lecionar, era importante ter algum apoio, orientação das
escolas, de alguém externo para podermos colocar as nossas dúvidas e conversar sobre as
dinâmicas e os modos de trabalhar com os grupos, o que sinto que tenho feito basicamente
por instinto e com os grupos que vou tendo. Procuro sempre melhorar, gosto de ensinar
e, por isso mesmo, penso que seria muito importante uma maior colaboração entre os
professores que lecionam as disciplinas e os professores que estão nas atividades
extracurriculares…o que me parece é que os professores das turmas só estão preocupados
com a desarrumação da sala e dão muito pouco valor ao trabalho que nós estamos a
desenvolver (M).

4.3 Dificuldades na gestão do currículo

Extensão dos conteúdos

Nos questionários oito professores de filosofia e quatro professores do 1º ciclo destacam


dificuldades na gestão do currículo, designadamente pela extensão dos seus conteúdos que não
deixam lugar nem tempo para explorar outro tipo de estratégias e atividades: “Sendo o currículo
demasiado extenso não resta o tempo desejável para a exploração adequada de atividades desta
natureza (Q6-1- Professor do 1º Ciclo).”

Pressão dos exames

Também referem os exames que contribuem para um ensino homogéneo e para a impossibilidade
de trabalhar de acordo com este modelo: “Assim como a existência de um exame nacional, cuja
avaliação assenta em conhecimentos teóricos e na capacidade escrita, em nada contribui para
uma vertente mais formativa da filosofia” (Q6-3- Professor de Filosofia).

256
Desarticulação entre currículo e projetos

Na mesma linha de raciocino, nas entrevistas, duas professoras do 1º ciclo referem que as escolas
têm de desenvolver vários projetos que surgem paralelamente ao currículo e que não têm tempo
para explorar de forma adequada tudo o que lhes é pedido. Do seu discurso ficamos com a ideia de
que existe uma desarticulação entre o currículo e os projetos que surgem por imposição externa:

Mas mesmo a abordagem curricular já começa a estar muito assoberbada e muito


subcarregada de tudo o que são outras dinâmicas de escola e ah que d’el rei que dá para
inserir nos temas, dá para encaixar dá para articular, dá para fazer uma leitura transversal.
Começa a ficar tão transversal que o currículo é exigente que se a gente começa a fazer
abordagens extra, onde por vezes não há substrato nos alunos, capacidade para
determinados assuntos, porque não há discussão suficiente para…e a par disso ainda vem
aquela chuva de questões sociais que são enfiadas pelas escolas dentro, como higiene e
segurança na saúde, no desporto, no trabalho, segurança alimentar, abusos sexuais, não
há mais nada?!...e depois os planos nacionais de leitura…é uma correria terrível! Os
miúdos cada vez estão mais tempo na escola, estão fartos destas paredes, quando não se
chamam escola chamam atividades extra curriculares…e os espaços de brincadeira? É
tudo muito condicionado a regras…o adulto está limitado a fazer regras (I).

Falta de tempo

Também uma professora de filosofia, quando questionada sobre o que considera menos
gratificante na sua profissão, refere o seguinte: “Para mim o menos gratificante é a falta de tempo
e os programas serem extensos” (S).

4.4 Dificuldades na relação com os alunos

Dificuldade dos alunos em aderir às regras do debate

Nos questionários dois professores de filosofia e um do 1º ciclo referem os alunos como um


elemento dificultador à implementação do programa, devido às suas dificuldades em cumprir as

257
regras de debate e diálogo em sala de aula, o que estes professores atribuem ao pouco
questionamento a que normalmente se encontram submetidos: “Os alunos, por sua vez, também
estranham esta metodologia, porque não estão habituados a tê-la nas escolas” (Q6-28B- Professor
de Filosofia).

Também nas entrevistas de follow-up duas educadoras de infância referem a dificuldade deste
tipo de abordagem com as crianças pequenas que têm dificuldade em entender e cumprir as regras
do debate:

O grupo às vezes não se proporciona…são crianças ainda pequeninas que não estão
habituadas ainda a pensar e estarem estimuladas para o pensamento e para refletirem
sobre os conceitos, pelo que às vezes perdemos um bocadinho, pronto! (T).
Depois são sempre os mesmos a responder e há um grande número que se mantém em
silêncio e dispersam (PA).

Diferenciação pedagógica/ritmos de aprendizagem muito diversos

Referem ainda que por vezes é difícil aplicar o programa devido aos diferentes ritmos de
aprendizagem dos alunos e designadamente às crianças com necessidades educativas especiais e
aos alunos retidos que de acordo com a sua opinião necessitam de outro tipo de abordagem e de
atenção:

Tenho duas crianças com necessidades educativas especiais, o que às vezes também não
é fácil com os meninos integrados, fazer uma atividade de filosofia para crianças (T-
Educadora de Infância).
Para além dos níveis, eu tenho cinco meninos do ensino estruturado, 4 com PEI5, uma
menina que tem um PEI com alíneas, com adaptações curriculares, mas cada um tem o
seu currículo. Eu recebo-os uma hora por dia cada um e depois é geri-los em sala de aula
cada um tem o seu ritmo e eles próprios também têm o ritmo deles e as necessidades
deles, digamos assim, é difícil gerir isso tudo. Há meninos que têm acesso a várias terapias

5
Programa Educativo Individual

258
e não só há meninos que têm mais facilidade no conhecimento do que outros, há uns que
estão muito mais à frente do que outros. Há que gerir isso tudo, é difícil metê-los a par
uns dos outros. Eles estão sempre em níveis diferentes, é onde eu sinto mais dificuldade
e isso é uma correria (TA- Professora do 1º Ciclo).

Falta de disponibilidade das crianças nas AECs

Uma professora do 2º ciclo refere ter dificuldades neste tipo de abordagem porque na sua área as
crianças não estão tão disponíveis para o diálogo, querem logo começar a mexer nos materiais:

“Outras vezes eles começam a perguntar quando é que eu começo a trabalhar quando é
que isto acaba, eu respondo isto é trabalho, já estamos a trabalhar, mas há uns que não
consideram, querem é fazer, querem é mexer nas coisas é assim” (M).

4.5 Não sentiram dificuldades

Maior consciencialização dos pais e da direção das escolas

Nos questionários, dois professores do 1º Ciclo afirmam não terem tido dificuldades na aplicação
do programa devido a uma maior consciencialização dos pais e da direção das escolas para a
introdução de projetos inovadores, como se constata nos seguintes exemplos:

Considero que, cada vez mais, as escolas e os pais estão despertos para a filosofia com
crianças (Q6- 14- Professor).
Na escola onde leciono não encontro muitas dificuldades na aplicação deste tipo de
projetos dado que é uma escola aberta à inovação e que nos permite desenvolver este tipo
de programas (Q6-13)

Liberdade para decidir em termos pedagógicos e curriculares

Outros dois professores referem que o facto de lecionar no pré-escolar facilita a introdução de
programas como este, porque o professor tem liberdade para tomar decisões em termos

259
curriculares e pedagógicos: “Como o currículo no pré-escolar não é obrigatório, se entender que
é fundamental para o meu grupo, posso trabalhá-lo livremente” (Q6-8).

Sem especificar

Três professores de filosofia e uma educadora de infância, referem nos questionários apenas que:
“não existem dificuldades”.

260
Síntese

Tanto nos questionários como nas entrevistas os professores referem ter utilizado algumas das
estratégias que foram trabalhadas na formação. A maioria dos professores afirma ter introduzido
a técnica de questionamento em sala de aula, o que vem ao encontro do que dizem valorizar no
processo de formação. Outro aspeto que foi destacado pelos professores foram os temas
trabalhados na formação e a aprendizagem de conceitos. A aprendizagem de conceitos (Arends,
1995) insere-se na perspetiva de que os conceitos são a base para o desenvolvimento do
pensamento em todas as áreas do saber. Assim, parte-se das experiências anteriores dos alunos,
das suas conceções /esquemas acerca da realidade onde vivem. Sabemos que nem sempre estas
conceções correspondem à realidade, por vezes são imprecisas e ingénuas o que implica da parte
dos professores um trabalho que auxilie os alunos a desenvolver novos conceitos ou até mesmo
a reformular a sua forma de pensar. Interessante, é também, o trabalho que alguns professores
têm vindo a desenvolver no âmbito dos sentimentos e das emoções impulsionados pela formação.
Apesar de esta temática na formação não ser abordada com autores de referência e estudos na
área as formadoras ao incentivarem à mudança nas práticas dos professores, começam por um
processo de desconstrução. Na linha Socrática, aquilo a que chamamos a douta ignorância, ou
seja consciencializar que aquilo que sabemos é sempre muito pouco relativamente ao que há para
conhecer (Brenifier, 2011). Primeiro é necessário desconstruir para depois voltar a construir, este
processo que implica o conhecimento de si próprio, é em si mesmo, de acordo com a nossa
opinião, uma forma de trabalhar os sentimentos e as emoções.

Nas entrevistas as educadoras de infância e as professoras do primeiro ciclo valorizaram o uso


das práticas filosóficas na gestão do comportamento dos alunos. A importância de levar os alunos
a refletir sobre os seus atos produz na sua opinião, mais efeito do que puni-los (Estrela,2002;
Amado & Freire, 2009; Monteiro, Barroso & Simões, 2015). Alguns professores também referem
que têm utilizado as práticas filosóficas no seu quotidiano profissional.

A maioria dos professores entrevistados e alguns professores nos questionários ao refletirem


sobre o ensino da filosofia e do processo de formação em filosofia com crianças e jovens, é
percetível que consideram que esta abordagem não lhes trouxe propriamente algo de novo, uma
vez que, já vinham a desenvolver um trabalho com base no diálogo, no entanto, afirmam que, as
práticas filosóficas, que aprenderam na formação e que começaram a aplicar com os seus alunos,

261
lhes permitiu adquirirem uma maior segurança e conhecer novas estratégias para consolidarem o
seu trabalho em sala de aula, conclusões que são corroboradas por outras investigações na área
(Baker & Fisher, 2016, Jones, 2008, Roberts, 2006). Nas entrevistas os professores relatam
alguns exemplos do trabalho que têm vindo a desenvolver na área da filosofia com crianças, onde
destacam o diálogo em torno de questões éticas, com base em novelas filosóficas, histórias
tradicionais, contos, etc.; de resolução de conflitos através das assembleias de turma e do
questionamento, na exploração dos conceitos e dos temas que fazem parte do conteúdos
programáticos. Na explicitação das atividades desenvolvidas os professores demonstram a
importância destas práticas no respeito pelo outro, na partilha, na escuta ativa e na discussão de
diferentes pontos de vista, revelando em alguns casos criatividade na sua aplicação como são
exemplo as cartas, os contos e as fábulas que fazem parte do plano nacional de leitura e também
no caso de um professor de filosofia a aplicação da metodologia na disciplina de religião e moral.
Todos os professores nas entrevistas defenderam que as narrativas são imprescindíveis para o
ensino/ aprendizagem dos seus alunos, considerando que estas ajudam a entender e a explorar os
problemas sentidos pelas crianças e pelos jovens, mas, a sua abrangência é maior, pois também
permite explorar de forma mais apelativa e incisiva diferentes conteúdos programáticos de forma
transversal (Reis & Formosinho, 2014). Outro aspeto interessante e que apenas foi referenciado
por uma educadora de infância nas entrevistas, foi a importância das práticas filosóficas para o
seu relacionamento com os pais. A utilização de algumas técnicas filosóficas para conversar com
os pais, demonstra que pensar filosoficamente dá acesso a múltiplas perspetivas e por
conseguinte, aumenta a disponibilidade e a capacidade para dialogar com os outros (Kennedy,
1999; Jones, 2008; Keddie, 2011).

Segundo o testemunho de alguns professores as práticas filosóficas começam por provocar nas
crianças uma reação de estranheza. Apesar, destes professores demonstrarem no seu discurso
consciência de que a criança necessita de ter tempo para falar, expressar o que está a sentir e ser
realmente ouvida, demonstrando que possuem uma noção de infância onde valorizam a voz das
crianças, o que elas dizem e sentem, por outro lado, sentem-se frustrados quando a criança se
cala e não responde de imediato aos seus questionamentos, o que, até por vezes, os leva a pensar
que um determinado grupo não está apto para se poderem aplicar estas práticas. Neste sentido,
afirmam que algumas crianças ainda não dominam determinadas competências ou são demasiado
pequenas e imaturas para se poder desenvolver um trabalho deste tipo. O que a investigação na

262
área nos mostra (Marie-France & Mathieu, 2012; Silva & Mãrton, 2011; Costello, 2014) e que
no fundo nesta pesquisa também se verifica, é que os professores sentiram a mesma sensação de
estranheza e até espanto, quando iniciaram o contacto com esta metodologia.

Como se verifica nos capítulos de revisão de literatura sobre o programa e também sobre o ensino
da filosofia, percebemos que a proposta de levar a filosofia às crianças insere-se na capacidade
natural do ser humano de se maravilhar com o mundo, assim sendo, questionar, interrogar-se e
perguntar são necessidades essenciais do ser humano “A filosofia (…) tem o poder, pelo menos,
de fazer perguntas e de levantar problemas, que tornam o mundo, muito mais interessante, e que
mostram o estranho, o maravilhoso, logo por baixo da flor da pele das vulgaríssimas cousas do
comum” (Russel. 1912, p.13). Neste sentido, parece-nos que a reação das crianças não só é
natural, como é muito semelhante a dos adultos, face ao desafio que lhes é colocado. Também
elas necessitam de tempo, de ganhar confiança e de perceber o que lhes é pedido, o que se adquire
através do treino (Dewey, 1910; Lipman, 1990; Brenifier, 2011). Outro aspeto referenciado pelas
formadoras e por alguns professores é o envolvimento das crianças nos exercícios propostos.
Com o tempo e à medida que a criança vai ganhando segurança e confiança para se expor, a sua
participação aumenta. Uma das formadoras salienta a satisfação que a procura de caminhos
diferentes do pensar provoca nas crianças, que é acompanhada por um certo desconcertar do
pensamento. Também vimos que isto acontece com os professores ao longo do processo de
formação, designadamente quando expressam dúvidas sobre o seu modo de atuar e se questionam
acerca da sua função enquanto professores. Pensar filosoficamente provoca surpresa,
estranhamento e por vezes até o silêncio, aspetos emocionais que surgem nas mudanças de
pensamento (Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012) e que vimos ocorrer nos professores e, que
também estão presentes nas suas conceções acerca de eventuais mudanças nas crianças ou nos
jovens com quem trabalham. Uma educadora de infância refere ainda, mudanças no
comportamento das crianças, apontando para uma mudança no modo como estas se relacionam
umas com as outras. Este é um aspeto que necessita de ser aprofundado e que várias pesquisas
(Keddie, 2011; Bastos & Cruz, 2010; Lyle, 2008) apontam como futuras pistas de investigação.
Os estudos nesta área ainda não nos permitem afirmar com clareza que as práticas filosóficas
provocam mudanças nos comportamentos e atitudes das crianças que frequentam este programa.
Neste estudo um professor, nos questionários, salientou mudanças nas atitudes/ ações na
formação pessoal e social dos alunos. No entanto, estes dados não são suficientes, nem nos

263
permitem tirar conclusões a este respeito, uma vez que poucos foram os professores a valorizá-
lo. Podemos no entanto, apoiando-nos neste dados e noutras investigações na área afirmar que
trabalhar em comunidade de investigação constitui-se como um contexto propício para a
socialização inclusiva (Reis & Formosinho, 2014; Cuello, 2017). Por fim, alguns professores e
uma formadora destacam a criatividade como aspeto que a prática da filosofia promove nas
crianças e que é visível no trabalho que estes realizam em sala de aula (Nogueira,2011; Bento,
2014).

Da análise efetuada até ao momento é visível que de acordo com as perceções e conceções dos
professores, estes identificam mudanças que ocorrem essencialmente dentro da sua sala de aula,
com efeitos no seu desenvolvimento pessoal e profissional. Ao contrário do que esperávamos, as
mudanças introduzidas na escola são pouco significativas. Até mesmo em termos colaborativos,
a formação não se concretizou para a maioria dos professores que participaram neste estudo numa
efetiva mudança no trabalho em grupo, com os colegas de profissão. Apesar, de alguns
professores valorizarem o trabalho colaborativo que desenvolveram na formação e considerarem
que este é importante para o seu desenvolvimento profissional, isso não parece ter conduzido a
uma maior intervenção, ou a um trabalho mais efetivo e sistemático com os colegas. Por vezes
no seu discurso verifica-se até um certo desconforto e algumas reticências em divulgar o
programa. Assim, afirmam, que quando procuram promover o programa fazem-no junto dos
colegas que pensam ter alguma sensibilidade e apetência para este tipo de metodologia. Verifica-
se por parte de alguns professores inclusive um certo encerramento dentro da sala de aula.
Consideram que apenas é possível modificar o que fazem dentro da sua sala de aula e com os
seus alunos, o resto apresenta-se como uma barreira que para alguns é mesmo intransponível. A
maior parte dos professores não parece estar à partida disponível para debater, discutir e refletir
com quem pensam não partilhar dos seus ideais, perspetivas e compromissos educativos. O que
nos parece limitativo do pensar, pois acreditamos tal como o programa em estudo defende, que
aprendemos mais com a diferença, do que com alguém que tem as mesmas ideias e defende os
mesmos princípios que nós. Este aspeto valorativo das diferenças é como vimos um dos
princípios da formação, no entanto, apesar de os professores o reconhecerem teoricamente,
parece ser difícil vivenciá-lo na prática. Por outro lado, embora em menor número, algumas
professoras do primeiro ciclo procuraram implementar o projeto na escola. A direção não aceitou
o projeto mas isso, não as impediu de trabalhar em conjunto e de tentar aplicar as práticas

264
filosóficas em sala de aula, tendo em conta os princípios do programa e as necessidades dos seus
alunos.

Os professores respondentes assinalam como maiores dificuldades à implementação do programa


o currículo, a Direção das escolas e a falta de colaboração entre os colegas. Relativamente à
introdução das práticas filosóficas no currículo a literatura na área tem vindo a analisar esta
possibilidade (suas vantagens e desvantagens). As posições relativamente a este tópico estão
longe de ser consensuais, por um lado defende-se a necessidade de levar a filosofia às crianças
(Brenifier, 2005, UNESCO, 2007) e por outro defende-se o lado académico do conhecimento
filosófico e portanto inacessível às crianças. Esta última vertente apoia-se em filósofos como
Platão e Kant, e também na psicologia recorrendo a Piaget (estádios de desenvolvimento
cognitivo).

Quanto à Direção das escolas alguns professores referem a falta de abertura e de incentivo à
inovação. A crítica por vezes estende-se à gestão das turmas e de distribuição de recursos. Outro
aspeto referenciado é a falta de colaboração que também surge como um obstáculo à
implementação do programa. Alguns professores sentem da parte dos colegas resistência e até
alguma incompreensão face ao programa. Também no seu discurso é visível que o trabalho
colaborativo é pouco ou quase inexistente nas suas escolas, como nos mostram investigações no
campo da colaboração docente (Forte & Flores, 2012; Veiga Simão, Flores, Morgado, Forte &
Almeida, 2009). Em menor número os professores referem o sistema de ensino, nomeadamente
a falta de vontade política para transformar o atual rumo das coisas. Outro aspeto mencionado é
a necessidade de mais formação na área. Os professores sentem que saem motivados da
formação, mas que passado algum tempo acabam por trabalhar muito menos as práticas
filosóficas do que desejariam. Parece que com as dificuldades e com o passar do tempo os
professores vão voltando à sua prática habitual, pelo que reconhecem a necessidade de um
acompanhamento para desenvolver este tipo de trabalho. Por fim, alguns professores aludem os
alunos como entrave ao programa, devido à falta de treino e ao desconhecimento das regras do
diálogo.

265
CONCLUSÃO

O estudo de caso que temos vindo a apresentar foca-se, conforme referido, na análise detalhada
de um programa de formação de professores em filosofia com crianças e jovens. A construção da
problemática decorreu da nossa experiência de observação participante do programa em causa,
que foi enquadrada e problematizada por leituras no campo das conceções e práticas do programa
de filosofia para crianças, criado por Limpan e desenvolvido posteriormente também por
Brenifier. De seguida, realizámos uma análise reflexiva e crítica sobre o ensino da filosofia
prática. Numa terceira parte apresentámos projetos nacionais e internacionais desenvolvidos no
âmbito do programa, o que nos deu uma imagem alargada da aplicação das práticas filosóficas
não só em Portugal mas, também no mundo. Por fim, focámo-nos na formação contínua de
professores e no desenvolvimento profissional docente. A investigação seguiu uma metodologia
de natureza qualitativa onde procuramos analisar aprofundadamente e interpretar os processos e
os efeitos entendidos como mudanças nos comportamentos e atitudes dos professores
participantes na formação e nos seus contextos de trabalho. Recorremos a múltiplas técnicas de
recolha de dados que enformam as duas etapas do estudo. Neste contexto, foram delineados os
seguintes objetivos:

a) Analisar o programa de formação de professores do Centro Diálogos Filosofia com


Crianças…e outras idades, à luz dos modelos de formação e do perfil de profissional
que se pretende formar;
b) Compreender o impacto que este tipo de formação tem nos professores, designadamente
no que se refere aos saberes que estes professores transferem para as suas práticas
pedagógicas quotidianas e o modo como o fazem;
c) Apreender as dificuldades e os constrangimentos com que os professores formados nesta
perspetiva se confrontam no quotidiano profissional;
d) Discutir criticamente a relevância e a viabilidade da inserção da filosofia desde a
infância nas escolas.

Estes objetivos permitiram descrever, compreender e interpretar o fenómeno em estudo, com


base nos processos vividos pelos participantes e nas suas perceções acerca das mudanças que
neles ocorrem.

266
Discutindo as questões de investigação

Neste ponto iremos dar conta das conclusões em função das questões iniciais da investigação.

Q1- O que leva os professores a escolherem esta formação?

A resposta a esta questão de investigação surge no tema sobre as motivações dos professores para
a formação. Procurámos perceber as razões ou motivos que levaram os professores a escolher
esta formação, bem como conhecer as suas expetativas iniciais. Neste contexto, os dados
mostram que a filosofia, enquanto processo de pensamento e busca pelo conhecimento desperta,
como vimos anteriormente, curiosidade e interesse nos professores de diferentes áreas
disciplinares. Os professores sentem uma certa atração inicial pelo conhecimento filosófico e
pelo despertar do mesmo em fases precoces do desenvolvimento humano, embora este segundo
aspeto venha acompanhado por um certo ceticismo em alguns casos, especialmente nos
professores de filosofia. Os dados mostram que existem dúvidas nestes professores relativamente
à possibilidade de levar a filosofia às crianças, o que em alguns casos chega a ser mesmo uma
crença fundada na sua experiência, enquanto estudantes e professores de filosofia. Neste sentido,
numa fase prévia à formação, defendem que o raciocínio filosófico não é apropriado à infância,
devido à complexidade e ao grau de abstração que o caracterizam. Assim, à semelhança de
movimentos conservadores e críticos do Programa alguns perspetivam que a filosofia
dificilmente pode ser ensinada às crianças. Após a formação, verifica-se que muitos professores
modificam o seu pensamento, visualizando novas possibilidades e aplicando, com os seus alunos,
princípios metodológicos e algumas estratégias que aprenderam na formação. Quanto às
educadoras de infância e às professoras do primeiro ciclo escolhem a formação essencialmente
porque têm curiosidade e interesse em conhecer mais aprofundadamente este campo da filosofia.
Podemos inferir dos seus testemunhos que, de alguma forma, a sua experiência enquanto
estudantes as motivou para esta área do saber, embora também se sintam intrigadas com esta
ideia de ensinar filosofia às crianças. Apesar das dúvidas mais ou menos enraizadas sobre a
possibilidade de inserção da filosofia nas escolas desde a infância, é interessante constatar uma
disponibilidade inicial dos professores participantes na pesquisa para conhecerem novas
metodologias e no caso dos professores de filosofia também se verifica a predisposição para
trabalhar com novos públicos. A grande maioria dos professores escolhe esta formação com a
expetativa de que possa contribuir para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. No campo

267
profissional expressam o desejo de que a formação se desenvolva em articulação com a sua
prática pedagógica.

Q2 - Como se articula esta formação com os saberes prévios dos professores acerca do ensino,
da aprendizagem e da filosofia?

O cruzamento entre as diferentes dimensões de análise permite-nos pensar de forma reflexiva e


crítica sobre esta questão de investigação. A nossa finalidade é identificar e compreender
mudanças nos professores decorrentes da formação em filosofia com crianças e jovens,
nomeadamente no seu pensamento, nas crenças e nas suas práticas profissionais e institucionais.
Através da análise dos processos formativos, considerando os discursos das formadoras e dos
professores pretendemos ainda perceber as suas conceções acerca do ensino, da aprendizagem e
da filosofia.

No que se refere ao conceito de filosofia, podemos inferir que este programa de formação
descrito, devido aos princípios em que se apoia e à metodologia colaborativa, dialógica e
investigativa que desenvolve, conduziu a mudanças no modo como os professores entendem a
filosofia e o seu ensino/ aprendizagem. No caso dos professores de filosofia, verifica-se
alterações em termos da própria conceção de filosofia, que passa a ser encarada como uma
metodologia para ensinar e como uma atitude, um modo de estar na vida, e não apenas como um
saber académico, de difícil acesso e portanto inacessível às crianças. Neste contexto parece-nos
que não é excessivo afirmar que os professores, com especial incidência os de filosofia, após a
formação passam a ter uma conceção mais transversal, dialógica e abrangente do ensino e da
aprendizagem da filosofia. Com isto queremos dizer que a ideia de ensinar filosofia centrada na
transmissão de um conjunto de conhecimentos de natureza histórica e teórica sobre os filósofos
que marcaram o pensamento ocidental, dá lugar a uma perspetiva em que o ensino da filosofia é
assumido como prática que potencia o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e ético
tanto nos professores como nos alunos. Também vários professores veem a possibilidade de
utilizar as práticas filosóficas na gestão do comportamento dos seus alunos e como elemento (ou
ferramenta) potenciador da educação emocional. No entanto, alguns educadores de infância
consideraram que quando as crianças são muito pequenas não conseguem participar no diálogo
filosófico. Os professores do primeiro ciclo veem o ensino da filosofia como uma possibilidade,
designadamente pela oportunidade que proporciona às crianças de serem protagonistas no

268
processo de ensino / aprendizagem. Outro aspeto valorizado por alguns professores foi a
importância do diálogo na construção de saberes que são, para alguns, a base de formação da
conduta pessoal, coletiva e dos valores nos seus alunos. No discurso da grande maioria dos
professores infere-se que passaram a valorizar o ensino da filosofia devido à sua utilidade,
designadamente no conhecimento de si próprios, dos outros e do que os rodeia. Neste sentido,
concebem a prática da filosofia como preparação das crianças e dos jovens para participarem
ativamente numa sociedade democrática, aprendendo as regras do diálogo e desenvolvendo
capacidades de problematizar, de conceptualizar e de argumentar. Estes resultados vêm ao
encontro dos estudos realizados para avaliar o Programa, os quais realçam que os professores à
medida que o aplicam vão desenvolvendo a sua capacidade filosófica, questionando-se mais e
procurando alternativas para os problemas que vão surgindo (Trickey & Topping, 2004).

Os resultados apontam para uma consciencialização crescente da potencialidade do ensino da


filosofia, que é visível no entusiasmo dos professores ao longo do processo formativo e no modo
como, após a formação, procuram aplicar o que aprenderam com os seus alunos. Salienta-se,
ainda, que a grande maioria dos professores participantes no estudo e que foram formados neste
Programa, entre 2016 e 2013, considera importante conhecer e dominar um conjunto de técnicas
e estratégias no campo filosófico. Sentem necessidade de adequar novas estratégias e
metodologias que, de acordo com os seus testemunhos, variam de acordo com os objetivos que
pretendem atingir, com as características específicas dos alunos e com o contexto escolar. As
práticas filosóficas articulam-se com uma visão ampla e complexa de ensino que os professores,
na sua grande maioria, parecem ter também desenvolvido na formação. Neste âmbito, alguns
professores adaptam as práticas filosóficas ao seu quotidiano profissional, em alguns casos de
forma espontânea e noutros planificada, com a finalidade de auxiliar os seus alunos a aprender
determinados conhecimentos e a desenvolver competências e atitudes. Assim, é possível afirmar
que estes professores desejam conhecer várias abordagens e que não se contentam com uma
perspetiva única de ensino. Deste modo, procuram alternativas para lecionar conteúdos, temas e
problemáticas que fazem parte dos currículos com que trabalham, sejam de Filosofia ou outros.
De salientar o caso das educadoras de infância que manifestam ter integrado a filosofia na sua
planificação curricular. Neste contexto, as práticas filosóficas apresentam-se como uma
oportunidade para promover a motivação, a participação e o sucesso dos seus alunos.

269
Q3 - Que competências os professores consideram desenvolver nesta formação?

Os resultados mostram que os professores consideram ter adquirido na formação ferramentas e


estratégias que lhes permitem exercitar o pensamento reflexivo e autónomo em si e nos seus
alunos. Neste campo, privilegiam a pergunta; de facto o exercício de perguntar tornou-se para
alguns uma prática corrente em sala de aula. Assim, a técnica do questionamento é uma das
competências que os professores consideram ter desenvolvido na formação, proporcionando-lhes
mais eficácia na condução do diálogo e na procura de caminhos alternativos para o pensar.

Nas reflexões que os professores fazem acerca do processo de formação destacam a


experimentação, o treino, os debates e a reflexão sobre situações/casos desafiadores e que os
utilizaram para explorar e estabelecer relações entre diferentes temáticas. Alguns professores
referem que, antes da formação, eram eles que controlavam e geriam o diálogo preocupando-se
fundamentalmente em obter respostas certas às perguntas que colocavam. Após a formação,
começaram a pensar mais no aluno, em escutá-lo, procurando prestar atenção ao que cada um
diz, como diz e porque diz. Neste sentido, podemos afirmar que os professores desenvolveram
na formação a capacidade de escuta ativa, tornaram-se mais abertos às perguntas, colaborativos
e como afirma uma professora (do segundo ciclo, AECS) mais democráticos. Relativamente ao
desenvolvimento da competência profissional, em sentido mais geral, e recorrendo à divisão
apresentada por Perrenoud (1999), parece-nos que a formação desenvolveu nos professores a
competência profissional para organizar e estimular situações de aprendizagem. Vários
professores nas entrevistas de follow-up referem estar a trabalhar com base no diálogo, enquanto
construção conjunta dos conhecimentos, o que implica ter em conta os conhecimentos dos alunos.
Outro aspeto destacado pela maioria dos professores e que tem influência nas suas práticas é a
forma como procuram envolver os alunos em situações-problema possibilitando alternativas do
pensar. Também neste campo se verifica em alguns professores a sensibilização para a questão
do erro enquanto motor de aprendizagem. Esta situação é referida explicitamente por uma
professora de filosofia, mas também pode ser inferida no modo como os professores têm vindo
a aplicar as práticas filosóficas em sala de aula. Também as competências relativas à dinamização
do trabalho de grupo foram desenvolvidas na formação, as quais foram integradas quer na gestão
do trabalho de grupo em sala de aula, quer no trabalho de equipa com os seus pares. Neste campo,
alguns professores referem nas entrevistas que desenvolveram competências colaborativas com
os colegas; no entanto, é visível na descrição que fazem das estratégias que utilizam nesta área,

270
que se tornaram mais colaborativos essencialmente no trabalho com os alunos e na dinamização
da colaboração entre eles.

Infere-se no testemunho dos professores, tanto no questionário como nas entrevistas, que estes
perceberam a exigência do papel de professor no Programa, designadamente na sua vertente de
facilitador das aprendizagens. Neste contexto, desenvolvem uma outra vertente da competência
profissional, ao perceberem a necessidade de rigor metodológico e concetual no tratamento das
questões ou problemáticas que vão surgindo, na comunidade de investigação filosófica.

Q4 - Que tipo de dificuldades e resistências pessoais e profissionais experienciam no decurso


da formação?

Como constatámos anteriormente, os professores referem sentir dificuldade em manter uma


discussão de natureza filosófica. Este tipo de dificuldade, referenciado na literatura da área, no
presente estudo é apontado principalmente pelos educadores de infância e pelos professores do
primeiro ciclo. No entanto, no decurso da formação observa-se que todos os professores,
independentemente da sua área disciplinar, apresentam algumas dificuldades em expressar os
seus pensamentos de forma clara, rigorosa e organizada e em lidar com o pensamento alternativo,
argumentar e contra-argumentar de forma construtiva. Apesar de as formadoras estabelecerem
regras e procedimentos para orientar os debates em pequenos e grande grupo, observaram-se
momentos de confusão e desorientação no rumo dos diálogos, provocados pelo desejo de falar e
de ser ouvido e uma certa dificuldade em escutar e compreender as razões dos outros. Esta
situação leva-nos a pensar que os professores também não estão habituados a partilhar
experiências, a argumentar sobre o seu sentido ou significado, a levantar questões, a ter dúvidas
e a trabalhar em colaboração, especialmente com professores de outras áreas e de outros níveis
de ensino. Neste sentido, os professores sentiram e reconheceram algumas das dificuldades
experienciadas pelos alunos em sala de aula. Os professores também demonstram preocupação
com o tempo que esta metodologia necessariamente exige. Neste campo são os professores de
filosofia e os do primeiro ciclo que sentem que existem sérias dificuldades em compatibilizar as
orientações do Programa com as exigências curriculares, designadamente a gestão do tempo. De
acordo com a sua opinião, é necessário muito tempo para ensinar neste modelo. Assim, no caso
dos professores de filosofia, verifica-se uma certa apreensão relativamente aos exames; e os
professores do primeiro ciclo receiam não ter tempo para cumprirem o programa, o que causa

271
uma certa resistência pessoal relativamente a este modelo. Apesar de todos reconhecerem, na
proposta, potencialidades para o desenvolvimento do pensamento crítico nas crianças e nos
jovens, muitos temem não ter tempo para lecionar os conteúdos que fazem parte do currículo.
Outra dificuldade que as formadoras assinalam, e que se infere da observação participante,
prende-se com os pensamentos e as crenças prévias dos professores acerca do ensino em geral e
da filosofia em particular. No que se refere aos professores de filosofia, inicialmente, estes
resistem ao programa devido à sua experiência, à rotina de trabalho no ensino secundário, à
linguagem utilizada, entre outros aspetos. Também o próprio modelo de formação é pensado no
sentido de provocar mudança nas práticas docentes, o que comporta riscos para todos os
professores independentemente do nível de ensino em que se encontram. Alguns professores
mostram, na formação, algum desconforto e incerteza, o que não os impede de persistirem,
procurando caminhos possíveis de inserção das práticas filosóficas no seu quotidiano
profissional. Todos os professores em formação apesar das dificuldades sentidas, das dúvidas e
incertezas face ao programa, demonstraram ao longo do processo formativo atração e motivação
para desenvolverem este tipo de trabalho pedagógico.

Q5 - Como utilizam os professores as estratégias e abordagens apreendidas na formação e em


que áreas curriculares?

Verifica-se que após a formação, e mesmo durante, os professores de diferentes áreas


disciplinares procuram experimentar nas suas aulas algumas estratégias ou procedimentos que
foram trabalhados na formação. Todos os professores consideram que o diálogo e o uso de
narrativas são essenciais à sua profissão. A importância de envolver as crianças e os jovens em
discussões ou debates sobre temas do quotidiano, enquadrando-os nas problemáticas em estudo,
é algo que os professores afirmam fazer parte da sua realidade profissional prévia à formação.
Nesta linha, sublinha-se como mudança decorrente da formação, a utilização do diálogo como
construção conjunta de conhecimentos e o uso das narrativas de modo estruturado e sistemático,
como estratégia de envolvimento das crianças e dos jovens em novas formas de comunicar e de
pensar. No discurso de alguns professores, percebe-se que estes veem o programa de filosofia
com crianças e jovens como uma continuidade do seu trabalho. Neste contexto, consideram que
as práticas filosóficas dão consistência, maior à-vontade e intencionalidade ao seu trabalho,
designadamente tornando-os mais eficazes e mesmo democratas na moderação da discussão em
sala de aula.

272
Destacam-se como principais estratégias apreendidas na formação a técnica do questionamento,
o diálogo enquanto construção conjunta de conhecimentos e a exploração de temas e conceitos.
Alguns professores utilizam estas estratégias no seu quotidiano profissional, conforme afirmam,
quando surge a oportunidade. Assim, os professores do primeiro ciclo e os educadores de infância
utilizam a técnica do questionamento para explorar um conto tradicional, uma fábula e até mesmo
para fazerem a gestão do comportamento dos seus alunos. Quanto aos professores de filosofia
utilizam esta técnica nos debates em sala de aula, para explorar diferentes temas do programa,
com predominância na exploração de valores, no campo da ética e da moral. O diálogo é utilizado
por todos os professores tanto em contexto de sala de aula como noutros ambientes de trabalho.
Esta estratégia é utilizada pelos professores com a finalidade de proporcionarem aos alunos o
acesso a diferentes temáticas, investigando em conjunto múltiplas perspetivas. Também alguns
professores usam o diálogo para confrontarem a criança em relação ao seu comportamento e suas
consequências para si e para os outros (confronto positivo), estimulando uma visão crítica de si
e da sua relação com os outros, na linha de Rogers (1997) e de Gordon (1974).

Os professores reconhecem a importância do diálogo, para a troca de experiências e, enquanto


reflexão, capacidade para gerar novas ideias, dar razões válidas e justificar os argumentos que se
utilizam. A exploração de temas /conceitos é outro aspeto salientado por alguns professores. A
técnica de ensino de conceitos significa que os professores pedem aos alunos para enunciarem
exemplos e contraexemplos, e para formularem hipóteses até encontrarem, em conjunto, uma
definição para o conceito em estudo, que seja clara, rigorosa e aceite pelo grupo. Como foi
possível verificar na análise efetuada sobre as mudanças nas práticas dos professores, estas e
outras práticas filosóficas são utilizadas na exploração de temáticas diferenciadas. Os professores
usam estas estratégias para trabalhar várias situações em sala de aula, de forma reflexiva e
orientada para a resolução de problemas. Como são exemplo a gestão das relações e emoções
dos seus alunos, na relação com os pais ou a exploração de temáticas, como a família, os direitos
dos animais, entre outros. Os professores reconhecem que as práticas filosóficas podem ser
aplicadas em diferentes áreas. É visível que os professores de filosofia utilizam estas práticas nas
diferentes disciplinas que lecionam, com a finalidade de promover o diálogo e o debate em sala
de aula; temos, como exemplo, a Área de Integração, disciplina dos cursos profissionais e a
Educação Moral e Religiosa. Os professores do primeiro ciclo utilizam, essencialmente, para
desenvolver a língua portuguesa e na gestão das relações entre e com os alunos, designadamente

273
nas assembleias de turma. Os educadores de infância utilizam para explorar diferentes temas,
como a família, os animais entre outros. Também uma educadora de infância utiliza a
metodologia no diálogo com os pais.

Q6 - Que dificuldades sentem os professores que adotam as estratégias apreendidas na


formação e como as ultrapassam?

Os professores participantes no estudo e as formadoras consideram de um modo geral que a


prática da filosofia é importante para o seu próprio desenvolvimento e o das crianças e jovens
com quem trabalham; reclamam contudo a falta de suporte a nível institucional e organizacional
da escola. A nível macroestrutural, alguns professores referem a resistência das políticas públicas
à inovação, afirmando que os dirigentes não estão preocupados em formar alunos com espírito
reflexivo e crítico. Por sua vez, as formadoras referem também a falta de renovação da população
docente e o congelamento da carreira docente que tem sido um fator de desmotivação para os
professores. Alguns professores apresentam uma visão crítica do sistema, ao considerarem que
existe pouca vontade dos dirigentes de introduzir inovações nas escolas, visão que é corroborada
pelas formadoras. As maiores dificuldades que os professores em vias de implementar o
programa enfrentam prendem-se com a gestão do currículo. Neste campo, os professores
destacam dificuldades em gerir os programas das diferentes disciplinas, devido à sua extensão e
grau de exigência. Podemos inferir do seu discurso que ainda se sentem limitados por um quadro
de uniformidade curricular que, no seu entender, necessitam de cumprir. No entanto, as diretrizes
em termos curriculares apontam para a necessidade de que a tomada de decisões neste campo
aconteça em colaboração com os professores, de acordo com o contexto em que cada escola se
encontra inserida e a especificidade dos alunos. Apesar de se sentirem condicionados pela
extensão e exigência curriculares, verifica-se que os professores que participaram neste estudo
tomam decisões em termos do currículo, designadamente quando adotam as práticas filosóficas
em sala de aula.

A nível meso estrutural são apontadas, pelos professores, dificuldades sentidas na escola,
designadamente a intensificação do trabalho docente; a falta de continuidade pedagógica; a falta
de colaboração entre professores; a falta de adesão dos outros professores ao Programa e a
desvalorização do trabalho pedagógico nas AEC’s. As formadoras assinalam, ainda, a
burocratização do trabalho docente e o facto de as turmas serem demasiado grandes; também

274
outros trabalhos de investigação salientam estes fatores como entraves à mudança e percursores
do mal-estar e de desmotivação dos professores (e.g. Caetano, 2004; Freire, Bahia, Estrela &
Amaral, 2014; Pacheco, 2015).

A nível micro (gestão de sala de aula), os alunos surgem, também, como constrangimento ou
dificuldade à implementação do programa, devido ao desconhecimento das regras do debate e à
dificuldade em envolvê-los em discussões filosóficas. Os professores vão ultrapassando este
problema praticando o diálogo em sala de aula. À medida que os alunos vão conhecendo a
metodologia e participando nos diálogos, a estranheza inicial dá lugar à participação e ao respeito
pelos outros.

Para alguns professores não existe vontade política para introduzir as práticas filosóficas no
currículo, o que significa que não existe resposta nem apoio a nível do macrossistema para
desenvolver um trabalho deste tipo. Por outro lado, também a nível do mesossistema, a fraca
adesão das escolas ao Programa e os problemas com que os professores se deparam quando
requisitam determinados recursos, surgem como dificuldades à implementação do programa,
nomeadamente na gestão de sala de aula (a nível micro). A investigação sobre o clima de sala de
aula e a cultura da escola (Arends, 1995; Muijs & Reynolds, 2005) tem mostrado que o contexto
afeta a atmosfera de aprendizagem, influenciando o diálogo e a comunicação. Neste Programa o
modo como os alunos se colocam em círculo, onde todos comunicam entre si, é fundamental para
a aprendizagem. Esta situação implica a atribuição de uma sala com capacidade para dispor as
cadeiras, as mesas em círculo, o que de acordo com alguns professores traz alguns problemas
que ultrapassam alterando a disposição da sala com os seus alunos e depois voltando a deixar
tudo como estava. Verifica-se, assim, pelo menos no testemunho de alguns professores, a falta
de apoio, de valorização e de incentivo a este tipo de iniciativas, com exceção do testemunho dos
professores do pré-escolar. Outro aspeto mencionado pelos professores é a falta de colaboração
que dizem existir nas suas escolas. Face a esta situação, tendem a efetuar mudanças dentro da
sua sala de aula, mas não as comunicam aos colegas nem à direção da escola. O que significa
que estes professores assumem mudanças na implementação e gestão do currículo, só que o
fazem apenas numa perspetiva de autorresponsabilização. Ideia que é reforçada pelos professores
quando afirmam que fazem alterações nas planificações individuais e que apenas partilham o que
aprenderam com colegas que eles sabem ter sensibilidade e aptidão para trabalhar com o
Programa. O trabalho colaborativo encontra-se, então, dependente de um clima de pró-atividade

275
e bom relacionamento entre os professores. Apesar da investigação na área da filosofia com
crianças demonstrar que o trabalho em comunidade de investigação promove o diálogo e
constitui-se como uma oportunidade para os professores refletirem em conjunto sobre as suas
práticas e aprenderem uns com os outros, os dados analisados mostram que a formação não se
traduziu em mudanças no trabalho colaborativo para a maior parte dos professores. Esta situação,
em nosso entender, aliada à necessidade de acompanhamento à implementação do Programa e
de mais formação de longa duração nesta área pode ser uma das possíveis causas da fraca adesão
que o Programa ainda tem nas escolas públicas.

Contributos para uma reflexão sobre o programa de formação de professores em filosofia com
crianças e jovens e sua viabilidade nas escolas.

O estudo realizado teve como um dos seus objetivos, conforme referido, analisar o Programa de
formação de professores do Centro Diálogos Filosofia com Crianças…e outras idades, à luz dos
modelos de formação e do perfil de profissional que se pretende formar. Com esta finalidade em
mente, procurámos, num primeiro momento, descrever o processo de formação, identificando os
princípios que o orientam, o que nos permitiu compreender que esta formação assenta na inclusão
e na transversalidade; na participação e na cooperação; no isomorfismo; na articulação entre a
teoria e a prática, no aprender a pensar e na ética relacional. Neste programa de formação
valoriza-se a participação dos professores como agentes ativos e críticos do seu processo de
aprendizagem, com semelhanças visíveis ao modelo de formação do professor enquanto prático
reflexivo e crítico (Schön, 2000; Zeichner, 1993). É um programa que contempla os princípios
gerais sobre a formação de educadores e professores enunciada no artigo 33º da Lei de Bases do
Sistema Educativo que sublinha: a necessidade de uma formação integrada tanto na preparação
científico-pedagógica como na articulação entre a teoria e a prática; assente em práticas
metodológicas que o educador e o professor possam vir a utilizar na prática pedagógica; estimule
uma atitude simultaneamente crítica e atuante, e que favoreça e estimule a inovação e a
investigação.

A importância de desenvolver o pensamento crítico nos professores, tendo por base a reflexão
sobre as suas práticas, é consensual e várias investigações, no campo da formação de professores,
incidem sobre projetos formativos (e.g. Estrela & Estrela, 2001; Estrela & Caetano, 2010) que
demonstram a importância dos princípios enunciados e o seu impacto no desenvolvimento

276
pessoal e profissional dos professores. Destaca-se a necessidade de o professor desenvolver um
conjunto de competências e funções que se encontram em consonância com o perfil profissional
do professor de filosofia com crianças e jovens que traçámos no capítulo sexto deste trabalho.
No contexto específico desta investigação foram assinaladas, pelas formadoras e pelos
professores, as seguintes características que o professor que deseja trabalhar com este Programa
deve ter: ser flexível; saber lidar com o inesperado, ter a capacidade de se colocar em causa e no
lugar do outro; não ser autoritário; ser humilde, íntegro e ter a capacidade de se auto transformar.
O que, em nosso entender, não são características que apenas o professor de filosofia com
crianças e jovens deve desenvolver na formação, mas sim todos os professores,
independentemente do nível de ensino ou área disciplinar que lecionam. Após esta descrição do
Programa, dos seus prossupostos e do perfil desejado do professor, focamo-nos nas conceções
dos professores acerca do processo de formação, o que nos conduz à questão de partida do nosso
estudo:

Como é que os professores participantes na formação em filosofia com crianças e jovens


interpretam os processos formativos em que estão envolvidos?

Os professores consideraram a experiência formativa positiva, agradável e desafiante,


especialmente em termos do pensar. Os seus testemunhos e a observação direta permitem afirmar
que foi um processo assente na prática, onde os professores se envolveram e participaram na
construção do próprio conhecimento, num ambiente promotor e facilitador do diálogo. A análise
cruzada entre as conceções das formadoras acerca do modelo de formação, designadamente no
que respeita aos princípios que o sustentam, as perceções dos formandos acerca do processo
formativo e as dinâmicas de formação observadas, leva-nos a inferir que existirá uma maior
consubstancialização dos princípios do aprender a pensar, da articulação teoria e prática, do
isomorfismo e do princípio da participação e da colaboração. Embora, no seu discurso as
formadoras revelem ter consciência da necessidade de fundamenarem a formação num conjunto
mais vasto de princípios, não fica evidente a transposição para a prática formativa dos princípios
da realidade, e da disponibilidade e adequação aos ritmos dos formandos. Será que a dificuldade
de estar disponível e adequar o processo aos ritmos dos formandos estará ligada à diversidade de
interesses, modos de pensar e agir de um grupo tão diverso, como o que foi observado? Será que
a aparente dificuldade em trazer a realidade dos professores do grupo para o processo, estará
associada ao tempo escasso de formação ou ao facto de ser uma iniciação?

277
Com efeito, os resultados da análise das perceções dos professores mostram que estes salientam
o treino como ferramenta pedagógica importante para exercitar o pensamento reflexivo e
autónomo, em si e com os alunos. Conforme referimos anteriormente, a técnica do
questionamento é uma das competências que os professores consideram ter desenvolvido na
formação, proporcionando-lhes mais eficácia na condução do diálogo e na procura de caminhos
alternativos para o pensar. Nas suas reflexões, os professores, por um lado, realçam a
experimentação, o treino, os debates e a análise de situações/casos desafiadores; por outro lado,
dizem que utilizaram tudo isso para explorar e estabelecer relações entre diferentes temáticas.
Assim, os dados analisados mostram que a maioria dos professores valorizam as estratégias e
metodologias que foram utilizadas na formação. Reconhecem que os processos educativos e
pedagógicos, alicerçados numa atitude filosófica, permitem encontrar e estabelecer novas
relações do pensar, ampliando conhecimentos e fomentando uma atitude mais esclarecida na
ação. Os professores destacam o carácter prático da formação; neste sentido, a experiência e o
treino foram fundamentais porque, de acordo com os seus testemunhos, trouxeram “segurança e
à vontade” para poderem experimentar com os seus alunos o que vivenciaram na formação
(princípio do isomorfismo). De um modo geral, os professores consideram que os processos
formativos em que estiveram envolvidos são úteis e passíveis de serem utilizados com os alunos.
Na opinião de alguns, para explorar não só conteúdos específicos das suas disciplinas mas,
também, na gestão de sala de aula e do comportamento dos alunos, bem como, na educação
emocional. Evidenciam ainda, as estratégias e os recursos de tipo reflexivo, usados na formação,
como fundamentais para o seu desenvolvimento pessoal e profissional e, também, para o
desenvolvimento dos seus alunos. Do seu discurso infere-se que os professores de diferentes
níveis e grupos disciplinares têm algumas preocupações em comum e elegem determinadas
estratégias que consideram fundamentais para o sucesso dos seus alunos. Como, por exemplo,
todos reconhecem a importância do diálogo, da experimentação e das narrativas no processo de
ensino aprendizagem. Neste campo, os professores sentem que o Programa é uma continuação
do trabalho que têm vindo a desenvolver com os seus alunos, o que vem ao encontro do que é
referido em estudos na área (e.g. Costello, 2014; Baker & Fisher, 2016). No entanto, parece que
podemos afirmar que a grande maioria dos professores introduz algumas inovações que são
especialmente relevantes dentro de sala de aula. Quando falamos em inovação, este conceito
aponta para mudanças que podem acontecer de forma espontânea e natural ou de forma refletida
e intencional. No caso desta investigação, os professores expressam, no seu discurso, uma

278
vontade de melhorar as suas práticas. Neste sentido, verifica-se que utilizam de forma refletida e
intencional a metodologia, as estratégias e técnicas aprendidas na formação, mudando as suas
planificações individuais. No seu discurso revelam consciência e intencionalidade, planificação
e vontade de mudança, aspetos que definem processos de inovação (Messina, 2001; Oliveira &
Coureia, 2013, Borges, 2014), o que nos remete para a segunda questão de partida:

Quais os impactos desta formação no desenvolvimento profissional dos professores?

Em nosso entender e de acordo com os resultados obtidos, a formação em estudo desenvolve o


pensamento crítico e criativo dos professores, o que se pode constatar através dos exemplos de
práticas filosóficas que os professores referem utilizar no seu quotidiano profissional. Os
professores, ao implementarem as propostas referentes a este programa, não o fazem de forma
linear, ou seja, os professores não transferem para as suas práticas modelos prontos, métodos e
técnicas previamente definidos, mas procuram pensá-las analisando o seu contexto prático de
atuação, como se verifica nos exemplos referentes ao uso das práticas filosóficas na educação
emocional ou na gestão do comportamento dos alunos.

Na revisão de literatura salientou-se a perspetiva de desenvolvimento profissional enraizada em


comunidades de aprendizagem onde todos aprendem com todos. Neste sentido é imprescindível
que os professores trabalhem em colaboração, partilhando saberes e construindo conhecimento
em conjunto, situação que se promove nesta formação. No entanto, é visível que a formação,
embora se estruture com base no trabalho em grupo, em comunidade de investigação filosófica,
não conduziu os professores a colaborarem mais com os seus pares, salvo algumas exceções.
Infere-se do discurso da grande maioria dos professores uma certa acomodação relativamente à
falta de colaboração, que referem existir nas suas escolas, e que eles tendem a perpetuar
comunicando e colaborando apenas com os professores com quem se relacionam afetivamente e
que sentem estarem próximos dos seus valores e ideais. A par desta situação, verifica-se, no
discurso dos professores, que estes se deparam no quotidiano profissional com resistências
pessoais e condicionamentos a nível institucional, que embora não os impeçam de introduzirem
as práticas filosóficas em sala de aula, limitam, em grande medida, a disseminação do Programa
nas suas escolas.

279
A maioria dos professores refere que no processo de formação sentiram inquietação, desconforto
e até, em alguns casos, a necessidade de repensarem o seu papel. Sintomas de reconhecimento
que a mudança exige ruturas que, muitas vezes, são difíceis de assumir e enfrentar. Mas a
consciência e a vivência dessas ruturas constituem-se como os primeiros passos para a mudança.
O reconhecimento destas vivências na formação é um fortíssimo indicador de que ela pode
mesmo gerar a mudança e, com ela, o desenvolvimento profissional dos professores Estes
sentimentos e vivências são acompanhados por conflitos internos e externos, face ao próprio
processo formativo. Designadamente, quando o professor é incentivado a adotar uma atitude de
humildade face ao conhecimento. O que implica questionar os próprios conhecimentos e
contextos de trabalho e, também, quando as finalidades e os processos não são compatíveis com
as conceções e finalidades dos professores (Caetano, 2004). Situação vivenciada pelos
professores quando são confrontados com a conceção de filosofia adotada no Programa e as
respetivas repercussões relativamente ao seu ensino. Percebe-se, no testemunho dos professores,
que, apesar da resistência inicial ao Programa (que é mais intensa e significativa, conforme vimos
anteriormente, nos professores de filosofia), quando terminou a formação, todos saíram
motivados e com vontade de experimentar o que aprenderam. Nas entrevistas de follow-up, todos
os professores relatam que readaptaram ou recriaram algumas técnicas ou estratégias aprendidas
na formação, inserindo mudanças em sala de aula. Estas mudanças são particularmente
significativas no que se refere à introdução de novas técnicas de comunicação e dinâmicas de
trabalho em grupo com os alunos. Assim, podemos afirmar que os professores desenvolveram o
sentido de colaboração com os seus alunos e entre os alunos, em resultado de um conjunto de
mudanças no seu pensamento e crenças, relativamente ao ensino e aprendizagem em geral e da
filosofia em particular. Na introdução das diretrizes e ferramentas do Programa em sala de aula
os professores revelam intencionalidade e originalidade, utilizando os saberes adquiridos numa
vertente teórica e prática. Neste contexto, parece-nos oportuno afirmar que, embora os
professores relatem práticas que foram indutoras do seu desenvolvimento profissional,
designadamente pelo processo de transformação dos sujeitos que delas se infere, a mudança
encontra-se circunscrita ao momento imediatamente posterior à formação. O que significa que
as mudanças ocorreram no final da formação e têm vindo a desvanecer-se com o tempo, ao invés
de se tornarem mais consistentes. Os estudos destacam o professor enquanto agente de mudança,
não apenas de si mesmo mas também, dos seus alunos, da escola e por conseguinte da sociedade.
Destacam, também, que as mudanças ocorrem de forma consistente, quando contam com a

280
participação e o apoio de toda a comunidade educativa (e.g. Darling-Hammond & Bransford.
2005; Darling., Erickson, & Clarke, 2008). Nesta investigação é visível que as mudanças tiveram
impactos pontuais e pouco significativos a nível institucional. Consideramos que, para que o
Programa de Formação tenha impacto nas escolas, é necessário que este faça parte do projeto de
escola e que conte com o apoio e o suporte interno e externo necessário aos professores enquanto
agentes de mudança, designadamente na colaboração entre as escolas e os centros de formação.
A investigação tem mostrado que as mudanças que são impostas pelo exterior e que não são
interiorizadas pela comunidade educativa não conduzem a melhorias na escola (e.g. Hargreaves,
1998; Leite & Fernandes, 2010). Situação que se confirma também neste estudo. Várias
investigações sublinham o impacto da formação concebida como processo de investigação-ação
colaborativa. Pacheco (2015) verificou que, mesmo em contexto escolar adverso os processos de
colaboração entre professores gerou mudanças substanciais nas dinâmicas escolares; Santos
(2013) também realça mudanças que se mantêm nas práticas dos professores envolvidos; no
projeto de investigação intitulado A Dimensão Emocional da Docência e Formação de
Professores sublinham-se mudanças na capacidade de discriminação emocional, nas crenças e
nos níveis de reflexividade dos professores participantes (Freire, Bahia, Estrela & Amaral, 2012).

Neste estudo os professores reconhecem a necessidade de mudanças nas suas escolas, mas ainda
se verifica que um dos grandes desafios que se lhes coloca é a participação nas decisões que
afetam as suas escolas e as condições objetivas do seu trabalho. Constata-se no testemunho de
vários professores que estes não sentem que as suas propostas são realmente ouvidas e tidas em
consideração, pelo que se limitam a aplicá-las em sala de aula. Assim, consideramos, com base
nos dados recolhidos e analisados, que o programa de formação de professores em filosofia com
crianças e jovens, apesar de ser motivante e satisfatório e de fornecer em nosso entender os meios
indispensáveis para que o desenvolvimento de competências dos professores se traduza em
desenvolvimento profissional, carece, no entanto, de acompanhamento e de continuidade que
possa conduzir a introdução de mudanças efetivas nas escolas. Consideramos, em conformidade
com o testemunho de vários professores, que este programa é de curta duração, ficando apenas
numa primeira fase (iniciação), em que se registam mudanças nas práticas dos professores, mas
que estas necessitam de acompanhamento, orientação no local, reflexão permanente,
monitorização, avaliação, feedback e apoio institucional. Vários estudos (e.g. Mouzinho, Caena

281
& Valle, 2015) mostram a importância do apoio e da supervisão, nomeadamente pela partilha
que promovem e pelo feedback das práticas, na consolidação de processos de mudança.

Na análise que efetuamos, podemos perceber que a pertinência de ensinar e aprender filosofia
desde o pré-escolar reside, essencialmente, em preparar as crianças e os jovens para um
pensamento de ordem superior, entendido nas suas múltiplas dimensões: crítico, reflexivo,
criativo e ético/ de cuidado (Lipman, 1995). O grande desafio começa, em nosso entender, com
a preparação dos professores para desempenharem esta tarefa e é neste campo, em que o nosso
estudo se situa, que nos parece fundamental investir. Assim, o programa de formação de
professores em filosofia com crianças e jovens destina-se a professores de diferentes níveis e
áreas disciplinares. O foco é o individuo, o professor e as mudanças nas suas práticas, no entanto,
sabemos através da literatura, a importância de a formação se articular com os processos de
desenvolvimento curricular e institucional de forma a traduzir-se em desenvolvimento
profissional eficaz (Oliveira & Correia, 2013; Leite & Fernandes, 2010; Messina, 2001). Os
dados deste estudo revelam a existência de iniciativas individuais, no sentido em que cada
professor, no fim da formação, regressa à sua escola e procura aplicar pelo menos algumas
técnicas e estratégias aprendidas. Mas, para que as mudanças se consolidem e o programa tenha
viabilidade nas escolas, é necessária uma perspetiva institucional de mudança. Em nosso
entender, falta desenvolver uma estratégia coletiva que permita pensar e investigar as implicações
da filosofia com criança e jovens no currículo. Trabalhar em comunidades de aprendizagem é
uma chave para introduzir mudanças e inovações pedagógicas nas escolas (Darling & Bransford,
2005; Alarcão & Canha, 2013; Andrade e Pinho, 2010; Jimenez-Silva & Olson, 2012).

Em jeito de síntese final, constatamos que o programa de formação de professores, nesta área,
constrói-se em torno de uma visão de filosofia alicerçada numa ideologia cívica e democrática
de educação. A formação é pensada em função de professores de diferentes níveis e áreas
disciplinares, o foco é o individuo/ professor; falta, em nosso entender, pensar as instituições, seu
contributo e envolvimento. É também necessário que o professor em formação se torne efetivo
protagonista de todo o processo, investigando as suas próprias práticas em grupos colaborativos,
refletindo sobre os processos e os resultados. Falta a passagem de um processo de formação que
se balanceia entre os modelos tecnicista e cognitivista da formação (racionalidade técnica e
prática), e um processo verdadeiramente participativo que atinge uma racionalidade
emancipatória. A questão não é apenas a falta de ligação institucional, é também a orientação da

282
formação. Korthagen (2017) sublinha a necessidade de uma visão mais realista, o que significa
que o processo de formação deve basear-se nas preocupações, nas forças pessoais e na missão de
cada professor no contexto do seu trabalho.

É visível que não existe ainda uma relação de cooperação entre os professores e as diferentes
instituições, no sentido de problematizar e investigar as vantagens e desvantagens deste
Programa. As iniciativas que se verificam nas escolas para tentar implementar o programa são
essencialmente de cunho individual. Sabemos que para que este tipo de mudanças ocorra é
necessário um esforço conjunto, uma estratégia coletiva desenvolvida por uma comunidade
focada nesses objetivos. Parece-nos que a formação de professores em filosofia com crianças e
jovens, ao dotar o professor de determinadas ferramentas /técnicas no campo filosófico, pode
contribuir para revalorizar o papel do professor enquanto investigador da sua prática. Pensamos
que a formação de professores, que privilegia a investigação como estratégia de formação com a
finalidade de desenvolver atitudes, competências e valores que fomentem, no professor, a
capacidade de trabalhar em equipa e o poder/saber para se situar como investigador da sua
prática, terá a ganhar com os esquemas de análise, técnicas e ferramentas próprias da investigação
em comunidade filosófica. Por estas razões, consideramos que é necessário continuar a
investigação nesta área, nomeadamente aprofundando o conhecimento sobre a pertinência das
práticas filosóficas na formação inicial de professores; alguns estudos apresentam propostas e
estudos neste campo (Collon, Moriyón, Magro, Morilla, 2014; Makaiau, 2015) que demonstram
que os professores que experienciaram o programa na formação inicial, conseguem mais
facilmente identificar problemas e encontrar soluções alternativas, com uma pedagogia dialógica
e deliberativa muito própria. Como temos vindo a analisar, o trabalho em conjunto é fundamental
nos processos de mudança, pelo que pensamos que seria um importante contributo desenvolver
investigação envolvendo educadores de infância, professores do 1º, 2º e 3º Ciclos, ensino
secundário e superior), formadores e direção das escolas trabalhando em comunidade de
investigação com a finalidade de pensar as relações possíveis entre a filosofia e o currículo. Outro
aspeto interessante, e que poderia trazer informação relevante para o conhecimento nesta área,
seria investigar numa escola em que o projeto se encontra implementado, tentando perceber de
que forma o ensino da filosofia influencia os processos educativos, o quotidiano da escola e o
desenvolvimento profissional dos professores.

283
Quanto às limitações deste estudo assinalamos o número reduzido de questionários obtidos.
Apesar das diligências efetuadas, designadamente o prolongamento do tempo para o
preenchimento do questionários e os pedidos sistemáticos feitos aos professores para
colaborarem, ficámos distantes dos 50% que desejávamos conseguir com a aplicação deste
instrumento. Consideramos que uma maior adesão no preenchimento e envio dos questionários
permitiria uma amostra mais significativa e representativa da população. Também nas últimas
entrevistas aos professores formandos não conseguimos contactar todos os professores que
frequentaram a ação de formação em 2013, sendo que, num universo de quinze professores,
conseguimos concretizar onze entrevistas. Outro aspeto que tivemos de contornar e que referimos
anteriormente foi a implicação da investigadora na temática e o seu envolvimento com este tipo
de trabalho, que de inicio se constituiu como um problema e possível limitação ao estudo.
Contornamos esta tendência através da prática da escuta ativa; registando e classificando toda a
informação recolhida através de múltiplas fontes e triangulando os resultados e as diferentes
técnicas de recolha de dados de acordo com a problemática em estudo e os seus referenciais
teóricos.

284
DA INVESTIGAÇÃO E REFLEXÃO À DEDICAÇÃO PESSOAL

Termino este percurso com uma reflexão pessoal sobre a experiência de investigação vivida e
sobre o impacto da formação de filosofia com crianças e jovens para o meu desenvolvimento
pessoal e profissional. Iniciei esta viagem no ano de 2013, após o curso de formação, que
coincidiu com o término do mestrado em ciências da educação, com vontade de aprofundar os
meus conhecimentos acerca do programa e de pôr em prática o que tinha aprendido na formação
em estudo. Esta caminhada culminou não só neste trabalho de investigação, mas também resultou
em comunicações e na escrita de artigos, alguns já publicados. A par deste trabalho de escrita, de
diálogo com os textos e de interpretação das vozes dos participantes, e porque acredito que as
práticas filosóficas podem contribuir para o sucesso dos alunos, fui desenvolvendo na prática os
princípios do programa, adaptando e recriando estratégias, de acordo com os conteúdos
programáticos a lecionar, tendo em conta a diversidade dos contextos e dos grupos em presença.
A experiência de inserção das práticas filosóficas no ensino secundário ocorreu no ano letivo de
2016/2017 com turmas do Curso Profissional de Auxiliar de Educação de Infância, na disciplina
de Psicologia e do Curso Técnico de Auxiliar de Saúde na disciplina de Comunicação e Relações
Interpessoais. A prática filosófica nestas áreas permitiu desenvolver um trabalho em comunidade
de investigação filosófica, onde todos através do diálogo construíram conhecimento em conjunto,
com base nos seus saberes e na pesquisa com recurso a várias fontes. As estratégias utilizadas
foram: a técnica de questionamento; a exploração de conceitos com base em exemplos e
contraexemplos; a realização de debates sobre determinados conteúdos apresentando argumentos
a favor e contra uma determinada tese; a produção de textos críticos, de carácter informativo e
criativo; a análise e a recriação de casos sobre os conteúdos em estudo, e a utilização de
narrativas, algumas trabalhadas na formação.

O capítulo de revisão de literatura dedicado aos projetos de âmbito nacional e internacionais


desenvolvidos nesta área mostra que a proposta de ensinar filosofia a crianças e jovens é flexível
e abrangente e que a sua riqueza reside no modo como promove a reflexão crítica, criativa e ética
numa perspetiva de transversalidade de saberes. Pensando na possibilidade de uma articulação
entre as diferentes áreas do saber mediadas pelas práticas filosóficas, os professores de filosofia
do Agrupamento de Escolas em que me encontrava a lecionar, decidiram em conjunto, promover
a participação dos alunos na escola, despertando o gosto pela filosofia e alertando para a sua
utilidade. Especialmente com estes objetivos em mente, pensámos numa estratégia em que cada

285
aluno criava uma caixa sobre algum tema ou conceito trabalhado nas disciplinas de Psicologia,
Comunicação e Relações Interpessoais, Área de Integração e Filosofia, que seria apresentada na
escola nos dias da filosofia, numa exposição intitulada “Queremos Muros?” Os alunos criaram
caixas com os mais variados temas, explorando diferentes problemáticas e alertando para
questões/problemas do mundo contemporâneo, como por exemplo o terrorismo, a violência
doméstica, as necessidades educativas especiais, a vacinação, a alimentação, entre outros. Os
trabalhos foram expostos na escola com a contribuição dos alunos e professores. Os alunos
tiveram a possibilidade de apresentar de forma mais detalhada os seus trabalhos a alguns colegas.
No final, a avaliação da atividade feita pelos alunos foi positiva, de um modo geral destacaram a
participação na escola, a discussão coletiva dos trabalhos, a sistematização final dos temas, que
em seu entender contribuiu para aprofundar conhecimentos já lecionados em sala de aula e
desenvolver a capacidade criativa na elaboração da caixa.

Esta experiência foi também marcada pela participação numa ação de formação realizada na escola,
intitulada de “jornadas pedagógico-didáticas da filosofia” e que tem a particularidade de ser pensada
e promovida todos os anos (já vai na XIX jornada) pelos professores de filosofia deste agrupamento.
O processo de formação decorreu num clima de aprendizagens mútuas, num modelo de autoformação,
onde se refletia e trabalhava em conjunto sobre temas e problemas do ensino da filosofia. Foi uma
experiência muito enriquecedora, porque permitiu uma participação ativa de todos os formandos que
se envolveram em acesas discussões, moderadas pelos professores organizadores das jornadas em
determinadas alturas e pelos professores apresentadores noutras. As apresentações foram realizadas
pelos professores formandos, sobre experiências e estratégias que se encontravam a desenvolver em
sala de aula ou no meu caso, a apresentação e discussão deste trabalho de investigação. Esta
oportunidade para expor o meu trabalho, conduziu a uma discussão sobre os fundamentos,
pressupostos e viabilidade do Programa nas escolas. Os professores começaram por questionar se o
Programa não reduzia a filosofia a uma metodologia, o que foi fruto de um acesso debate, onde se
concluiu que apesar de a proposta se alicerçar na metodologia e portanto nas diferentes possibilidade
de aplicabilidade das práticas filosóficas em contexto escolar, ela contém a dimensão ativa do filosofar.
O que se procura, mais do que conhecer ou aplicar é praticar. Os professores também fizeram
sugestões para integrar a filosofia com crianças na escola. O que se verificou é que todos consideravam
que o programa deveria ser uma oferta de escola (extra curricular), cuja finalidade consistiria em levar
os alunos a praticar a filosofia com professores da área.

286
Para além do trabalho desenvolvido com os alunos e colegas do ensino secundário iniciei um
projeto na rádio, com uma amiga (educadora de infância e atualmente professora convidada, no
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa) intitulado “Penso, logo existo”. Trata-se de
um programa em permanência na rádio ZIGZAG (Antena 1), em diferido que funciona em
podcast, no qual são trabalhadas diversas temáticas que passam pelas problemáticas da vida, da
felicidade, da beleza, da arte, do viver em sociedade, etc…Em cada sessão do programa
participam oito crianças entre os cinco e os dez anos, que se envolvem e partilham ideias e
opiniões numa comunidade de investigação filosófica, procurando novos saberes e
conhecimentos, modos de ser e estar em sociedade. Com este programa pretendemos criar uma
interação com o público-alvo, mobilizando familiares, educadores e professores para a utilização
dos materiais pedagógicos que vão sendo disponibilizados nos diferentes episódios do programa.
As histórias, excertos de filmes, músicas, sons do quotidiano vão sendo exploradas através de
dinâmicas e atividades que podem ser desenvolvidas em pequenos e grande grupo em variados
contextos, designadamente em sala de aula. Salienta-se o carácter interativo do programa
radiofónico, designadamente no apelo à participação dos ouvintes, através de e-mail para a rádio.
Temos como finalidade motivar as crianças a dialogarem umas com as outras e com os adultos
de maneira organizada sobre assuntos importantes para a sua vida: justiça, verdade, liberdade,
identidade, responsabilidade, direitos/deveres, regras, educação, bem, mal, paz, guerra, etc. Este
programa não procura dar respostas absolutas e definitas para os problemas em causa, mas sim
envolver os participantes e ouvintes num processo de questionamento e de reflexão com base no
respeito mútuo, nos seus saberes e na aceitação da diferença. Assim, a análise de uma questão ou
problema exige um posicionamento crítico da parte dos participantes e ouvintes praticantes que
não se esgota na opinião; antes procura as raízes e os fundamentos da problemática em estudo, o
que pressupõe o uso da criatividade na procura de soluções ou caminhos possíveis e o
desenvolvimento da capacidade de julgar eticamente as intenções e as consequências que lhe
estão associadas (Giovacco-Johnson, 2010). O programa tem vindo a ser desenvolvido numa
dinâmica participativa onde o grupo de participantes se tem mostrado interessado e motivado
para continuar as gravações como demonstram os seguintes testemunhos:

Quando voltamos a gravar outra vez (L- 7 anos)


Gostei muito, quando é que voltamos à rádio outra vez (C- 6 anos)
Foi giro, gostei de conhecer os meninos (M- 6 anos)

287
Este envolvimento dos participantes que tem decorrido num ambiente diferente do habitual
mostra a importância de proporcionar oportunidades, alternativas, inovadoras e novos ambientes
de ensino/aprendizagem às crianças. Pelo exposto, é visível o impacto da formação em filosofia
com crianças e jovens no meu desenvolvimento pessoal e profissional, proporcionando novas
ideias e perspetivas de trabalho com as crianças e com os jovens. Ainda no âmbito das práticas
filosóficas, também introduzi no ensino superior em algumas unidades curriculares, que tenho
apoiado algumas estratégias que aprendi na formação. Como por exemplo, a utilização do diálogo
com o sentido de construir conhecimento em conjunto, os debates temáticos orientados por uma
pergunta ou problemática inicial, a técnica da leitura partilhada e a desconstrução de preconceitos
e valorização das diferenças. Neste campo o trabalho desenvolvido teve por base a compreensão
de determinados conceitos e a relação intrínseca entre as ideias que os estudantes se encontravam
a estudar, procurei neste caso específico providenciar modelos de como encarar as tarefas.
Considero que este tipo de trabalho tem contribuído para uma gestão mais democrática da sala
de aula e uma diversificação das estratégias com base no diálogo e no ritmo de aprendizagem
dos aprendentes.

Quando iniciei este trabalho de pesquisa estava convicta da importância de introduzir o programa
de filosofia nas escolas desde o pré-escolar, enquanto disciplina autónoma no currículo. O
trabalho de pesquisa que realizei aliado a estas experiências no campo da filosofia prática levou-
me a questionar esta ideia pré-concebida. De acordo com Willingham (2007), e tendo em conta
os resultados da pesquisa e o trabalho que tenho vindo a desenvolver no terreno nesta área,
considero que o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e ético deve fazer parte do
currículo e não de um programa paralelo ao currículo. Neste sentido, o desafio das práticas
filosóficas coloca-se no campo da formação de professores. Várias investigações (e.g. Darling-
Hummond & Bransford, 2005; Mouzinho, Caena & Valle, 2015) mostram que as competências
dos professores são cruciais para a aprendizagem dos estudantes. A sociedade atual exige que os
professores sejam capazes de preparar os seus alunos para um pensamento de ordem superior,
entendido nas suas múltiplas dimensões. No cenário atual os desafios que se colocam aos
professores são muitos e variados, de acordo com o relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional da Educação para o Século XXI (Delors, 1996) refere-se a necessidade de a
educação se perspetivar de acordo com a realidade, ensinando os indivíduos a pensar para viver
melhor consigo mesmo e com os outros. Destacam-se quatro pilares da educação: aprender a

288
conhecer, a fazer, a viver e a ser. Para fazer face a estes desafios, onde o conhecimento das coisas
não é suficiente, por exemplo, não chega saber matemática, é necessário pensar
matematicamente; possuir soluções e respostas é insuficiente, é necessário inventar outras
soluções e outras respostas (Vieira-Tenreiro, Vieira, Sá – Chaves, & Machado, 2014). É
imprescindível um novo tipo de preparação que permita aos professores pensar e atuar para além
das diretrizes curriculares, o que implica “instituir as práticas profissionais como lugar de
reflexão e de formação” (Nóvoa, 2009, p. 27). Valoriza-se no professor a sua capacidade crítica
e criativa mediada por competências de tipo reflexivo, que lhe permitam avaliar e aprender
através das suas práticas. Neste sentido, parece-nos pertinente promover o conhecimento da
filosofia e da investigação filosófica na formação inicial dos professores e da sua continuidade,
numa perspetiva de educação ao longo da vida. Neste campo, consideramos que as universidades
têm um papel importante a desempenhar, designadamente no campo da fundamentação e da
articulação entre a prática filosófica e a educação. Quanto a mim, pretendo continuar a investigar
e a trabalhar nesta área, pelo que tenho como grande finalidade construir uma proposta de
inserção das práticas filosóficas na formação de professores com base nos dados obtidos na
literatura na área e com a colaboração de professores e investigadores.

289
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