Confesso Que Te Amo - Mariana Silva

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Copyright © 2024

Confesso que te amo

1ª edição

Todos os direitos reservados.

Os personagens e eventos retratados neste livro são


ficcionais. Qualquer semelhança com pessoas ou eventos
reais é coincidência e não foi pretendido pela autora.

Este e-book ou qualquer parte dele não pode ser


reproduzido ou usado de forma alguma sem autorização
expressa, por escrito, da autora. A violação desses direitos
autorais prevê sanções descritas na Lei nº 9.610/98.

Revisão: Gramaticalizando – Assessoria Literária


(@gramaticalizandoassessoria)

Leitura crítica: Gramaticalizando – Assessoria Literária


(@gramaticalizandoassessoria)

Leitura sensível: Iara Braga (@autoraiarabraga)


Diagramação: Mariana Silva (autoramarianasilva) Capa:
Ana Bizuti (@bizzu.art)

Ilustrações: Elen (@ly.arts_)

Carlos Miguel (@carlosmiguelartes)

Nya (@nyastellar)

Texto revisado segundo o acordo ortográfico da Língua


Portuguesa.

SUMÁRIO

Sinopse
Nota da autora

Nota da autora II

Avisos

Playlist

Prólogo

01

02

03

04

05

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Epílogo

Agradecimentos

Outras obras

Série Vinícola Campello: Vinhos e Vinagre

Spin-off Vinícola Campello

Série Vinícola Campello: Agridoce

Dinastica Cuco: Presidente Barbara Wilcox

SINOPSE

Ranço to lovers / Pais solos / Comédia romântica /


Protagonista forte / Grumpy x Sunshine / Slow burn /
Opostos que se atraem Dandara é uma mulher de
negócios que ergueu seu pequeno império com muito suor
e trabalho duro. Dona da rede de confeitarias DanDelícias e
de um canal no YouTube, Danda sempre se dedicou ao
trabalho para que seu filho, Rafael, pudesse ter tudo que
ela nunca teve. E ela não vai medir esforços para que Rafa
seja feliz, mesmo que para isso tenha que enfrentar o juiz
da vara criminal de Vilabela.

Hugo Alencar é um juiz ranzinza que tem dois propósitos


na vida: fazer um excelente trabalho e educar seu filho,
João Pedro, para que ele sempre ande na linha. Nada era
capaz de tirar o foco de Hugo, até Dandara aparecer e
enfrentá-lo no estacionamento de um colégio.

Depois de um primeiro encontro explosivo e arrebatador,


os dois juraram que jamais iam se colocar na presença um
do outro, mas a vida tem outros planos. Entre encontros e
desencontros, brigas e beijos, os dois vão descobrir que a
força da atração em algum momento vence o ódio, e irão
se entregar ao sentimento que os leva de encontro ao
outro.

Mas será que o sentimento é capaz de vencer os


obstáculos? Danda irá aceitar entrar no mundo de Hugo? O
juiz está disposto a mudar sua vida e abrir espaço para a
confeiteira?

NOTA DA AUTORA

Olá, carxs leitorxs!

Mais uma vez, sejam bem-vindxs ao mundinho fantasioso


que minha mente fértil é capaz de criar. Sempre apostei na
minha habilidade de escrever uma comédia romântica
curta, e, voilà. Apresento a vocês a história de Hugo e
Danda.

Quero começar dizendo que estou muito feliz em,


finalmente, pisar em terras brasileiras. Que delícia é poder
trazer a banda Djavú, bolo de fubá, cerveja Antarctica e TV
Globo na conversa.

Hugo e Danda chegaram para mim como todos os outros


personagens que não têm paciência de esperar sua vez:
chutando a porta e fofocando sobre absolutamente tudo.
Até mesmo sobre os filhos, mas isso é papo para outro dia.
Me diverti e ri muito com esse casal, tanto que terminei o
livro de coração quentinho. Espero que você se sinta assim
também. Esses dois comédias foram meu respiro em meio
à turbulência, e entreguei meu coração a eles, confiando
no processo.

Hugo e Danda, obrigada por não soltarem minha mão e


pela história de vocês. Obrigada por ensinarem que o amor
pode ser brega, que tem que ser leve e que, às vezes, a
gente até mesmo tem que abrir mão do que não cabe mais
e deixar entrar aquilo que nos serve e nos transborda.

Sem mais delongas, aproveitem!

NOTA DA AUTORA II

Vilabela é uma cidade fictícia que eu criei para ser pano de


fundo dessa história. Caso vocês se apaixonem pelo lugar,
me deixem saber, pois irei achar um terreno, fundar a
cidade e me tornar prefeita.

AVISOS

Esse livro pode possuir gatilhos para: abandono parental e


racismo.

Além disso, apresenta linguagem de baixo calão, cenas de


sexo explícitas, uso de drogas lícitas e violência física.
Nenhum comportamento é incentivado.

A classificação indicativa desse livro é para maiores de


dezoito anos.
PLAYLIST

Acesse a playlist do livro clicando aqui, ou escaneie o


código abaixo:

Dedico esse livro a todas vocês que acham que é tarde


demais para encontrar o amor.

Esqueça essa ideia. O amor chega quando a gente menos


espera.

Lembre-se sempre de cuidar de você. Amor-próprio em


primeiro lugar.

E para as mães solos, que lutam pela felicidade dos filhos,


essa é pra vocês.

PRÓLOGO

DANDARA

— Você precisa fazer força, Dandara! — O grito de Evelin


ecoa no quarto do hospital.

— Quando você estiver no meu lugar... Puta que pariu! —


Aperto sua mão e ofego quando a dor da contração irradia
do meu ventre, espalha-se pela lombar e quase me faz
desmaiar.

Isso é insuportável! Alguém precisa tirar esse menino de


dentro de mim!

— Tem que fazer força quando a contração vier, Dandara!


— a médica diz, zen, alheia ao meu sofrimento profundo.

Não consigo mais. Estou fraca, faz horas que estou nesse
quarto de hospital público, tentando colocar meu filho no
mundo. Inúmeras grávidas passaram por aqui e já estão
com seus bebês no colo, mas não tive a mesma sorte.

Só preciso descansar. Na real, acho que isso é a última


coisa que farei daqui para frente.

— Cadê a minha mãe? — pergunto à Eve, com minha voz


sumindo aos poucos.

— Já, já, chega. — Minha melhor amiga segura minha mão


e limpa o suor da minha testa. — Seu menino está vindo,
Danda. Precisa ser forte por ele. Você consegue.

Meneio um sinal positivo com a cabeça, embora não esteja


tão certa quanto à minha força.

Sinto a contração chegar e quero chorar, antecipando meu


sofrimento. Mas o Rafa precisa de mim para colocá-lo no
mundo. Vamos,

Dandara. Só mais um pouco e você vai ver o rostinho dele


e ouvir seu chorinho.

— É agora! — minha médica anuncia, percebendo os sinais


do meu corpo. — Faz força, muita força.

Aperto a mão de Eve, que solta um gemidinho, e reúno


toda energia que me resta. Respiro fundo e conto até três,
soltando o ar. Quando a dor chega, parecendo me
arrebentar de dentro para fora, eu invoco todas as forças
do Universo e grito alto, implorando para que meu filho
venha.

E, então, a dor passa. Some. Tudo acaba.

Mas não ouço seu choro. E, mesmo exausta, minha mente


fica em alerta. Por que ele não berrou? O que está
acontecendo?

— Segura seu filho, Dandara.

A médica coloca o pequeno corpo quente e sujo sobre meu


peito e meu coração para de bater por um segundo ao ver
meu neném, tão frágil, se contorcer. Está sereno, como se
não tivéssemos passado pelo momento mais angustiante
de nossas vidas. Ele sofrendo para nascer e eu lutando
para que ele viesse.

Suas mãozinhas se encolhem e ele abre e fecha a


boquinha. Parece assimilar a temperatura aqui de fora, os
cheiros diferentes e o colinho que irá acolhê-lo daqui para
frente.

— Por que ele não está chorando? — Ergo o olhar para a


doutora.

— O que aconteceu?

— Vamos examiná-lo, mas, às vezes, acontece do bebê não


chorar.

— Ela ergue os braços, e sei que vou passar a próxima hora


longe do meu filho. — Esse aqui não vai te dar nenhum
trabalho, Dandara. Será uma criança tranquila.

Aceno e olho mais uma vez para o rostinho dele.


— Amo você, meu bebê. Farei de tudo para que seja feliz.

01

DANDARA

QUINZE ANOS DEPOIS

Balanço os pés com impaciência e suspiro alto, checando


as horas no meu relógio de pulso. O diretor à minha frente
me repreende com o olhar, e minha vontade é de esganar
esse sujeito esnobe.

Trinta minutos de atraso. Isso é inaceitável!

— Dandara, tenho um monte de pepino para resolver. Não


quer remarcar? — Caio sugere, com uma calma mais falsa
que meus cílios.

Cínico.

— Olha só, Caio. Esperei um mês para essa reunião ser


marcada, o que é um absurdo, certo? — Tombo o tronco
para frente e batuco a ponta do indicador na mesa de
madeira. — Enquanto a gente não resolver essa situação,
não saio daqui.

Alinho minha coluna e ergo o queixo. Não vou abaixar a


cabeça para essa gente nariz em pé.

Faz um mês que o Rafa, meu filho, chegou em casa com


um olho roxo, depois de se envolver em uma confusão no
colégio. Ele demorou a contar o que aconteceu, e tive que
ameaçar vender aquele maldito PlayStation 5 para que
abrisse a boca. Não acreditei quando disse que se envolveu
em uma briga com um mauricinho, mas eu devia saber,
não é?

Quando coloquei ele nessa escola de gente rica, no início


desse ano, deveria ter me preparado para o momento que
alguma merda ia acontecer.

Mas ensinei meu filho a não recuar diante dos desafios


diários, e é por isso que estou aqui hoje. Porque eu,
Dandara Santos da Silva, não levo desaforo para casa.

Há um mês, exigi uma reunião com os pais do moleque que


teve a covardia de bater no meu filho, mas só hoje
consegui um horário na agenda dos queridos.

Meu desejo era ter ido para a polícia e denunciar o


ocorrido. Mas quando o Rafa contou, desanimado, que o pai
do encrenqueiro era juiz, entendi que era uma luta que
começava perdida. Ainda assim, insisti, no entanto, meu
filho bateu em retirada nessa batalha. Não podia enfiar ele
no carro à força, mesmo que fosse essa minha vontade. O
ódio que senti quando vi aquele roxo me faria voar no
pescoço do moleque e de seu papai juiz.

— Licença, diretor. — A secretária que me recepcionou


mais cedo abre uma fresta da porta e coloca a cabeça para
dentro da sala. — Ele está aqui.

Do jeito que ela fala, parece até que é um ídolo


adolescente do lado de fora. Pois, para mim, é só um
canalha que não sabe criar o filho e menospreza as
reuniões de pais.

E como assim está sozinho? Cadê a mãe do menino? Se


bem que sou mãe solo, então não posso julgar a ausência
de um dos genitores nesse encontro.
— Mande ele entrar, Pietra — Caio pede.

Pietra sai, e segundos depois retorna com o bacana a


tiracolo. Solto uma risada baixa, porque é claro que ele é o
oposto do que imaginei que seria. Cadê o velhote de cabelo
ralo e entradas na careca, com barriguinha de chope? Não
é possível que esse galego de quase dois metros e cheio de
músculos seja o tal juiz.

Alô, é da Globo[1] ? Sequestraram um ator para fingir ser


um pai em uma reunião escolar.

— Senhor Alencar, fique à vontade. — O diretorzinho se


mostra deslumbrado com a presença do sujeito. Para ele é
“senhor”, mas eu sou só Dandara. Não sou uma
celebridade, sei disso, só que tenho um nome até

conhecido na internet, por causa do meu trabalho, só que


aqui me tratam como se eu fosse um zé-ninguém. — Sinto
muito pelo incômodo, sei que é um juiz ocupado.

Sente muito? Caio tem que pedir desculpa por não ter
amparado meu filho ou nos comunicado sobre a briga na
hora que aconteceu, não por cumprir com sua obrigação de
reportar aos pais sobre confusões envolvendo os filhos.

— Não se sinta, Caio. — A voz grave do tal Alencar ressoa


na sala do diretor. — Quero saber qual é o problema. Nunca
fui convocado antes.

— O problema é que seu filho bateu no meu! — exclamo,


raivosa, perdendo a paciência com toda essa moderação
com que os dois conversam.

Não bastasse ter atrasado, o palhaço chega sem saber o


que acontece na vida do filho? Paizão do ano esse daí!
Vossa Excelência Alencar me encara como se tivesse
acabado de perceber minha presença aqui. Seus olhos
verdes estão esbugalhados e ele abre a boca, mas não diz
nada.

— Não foi bem isso. — O bundão do Caio tenta contornar,


só que pelo olhar dele, percebo uma pontadinha de culpa.
— Foi um desentendimento entre adolescentes e...

— Meu filho ficou uma semana e meia com o olho roxo! —

esbravejo.

Não estou nem aí se me acharem uma descontrolada, já


recebi esse rótulo há muito tempo. O que importa é que
ninguém vai agredir meu Rafa e deixar as coisas por isso
mesmo.

— Dandara... fica calma. — Caio ergue a mão, tentando


apaziguar os ânimos.

— Bateu? — Olha só, o Excelentíssimo Alencar está


surpreso com o resultado de sua própria negligência. — O
João Pedro agrediu seu filho?

Tem certeza?

— Acha que o Rafael é mentiroso?! — O que essa gente


pensa de nós?

— Minha senhora...

— Senhorita — corrijo a Vossa Magnificência, o juiz.

— Senhorita, não quis dizer isso sobre seu filho. Mas o João
não é nenhum selvagem. — Não gosto do tom de voz que
ele usa para falar, como se eu estivesse inventando uma
história de Carochinha[2].
— Meu senhor... — Abro minha bolsa e vasculho meus itens
pessoais, atrás do celular. Desbloqueio o aparelho, e o
silêncio se instaura na sala enquanto procuro por algo.
Abro a foto que estava buscando e ergo o telefone na
altura dos seus olhos. — Está vendo o mesmo que eu,
Vossa Senhoria? — Estreita o olhar para a imagem que
estou mostrando. — Isso são provas da agressão. Tive que
gravar, porque sei que você trabalha com evidências, não
é? E, além disso, a gente que é preto tem sempre que
provar o que fala.

Guardo o telefone, sem querer expor mais a foto que tirei


do hematoma de Rafa, pois sabia que precisaria em algum
momento.

— Não duvido da sua palavra. Só não acho que meu filho


tenha feito algo assim — o juiz esbraveja.

— Também não acredito que seja assim que tenha


acontecido. —

Caio estufa o peito com arrogância. Homenzinho canalha.


— Pode ter sido uma brincadeira que acabou mal e...

— O senhor, por acaso, apurou o que ocorreu naquele dia?


questiono, impaciente.

— Dandara, não havia necessidade. O próprio Rafael disse


que estava tudo bem. — Caio me olha como se eu fosse
um inseto incomodando sua paz.

— Por que não chama os envolvidos e tiramos essa história


a limpo?

— sugiro, tentando ter bons modos.


— Dandara...

— É uma boa ideia, Caio. — Por que parece que o tal


Alencar está no comando dessa reunião?

— Certo. — Ah, mas agora o leão Caio vira um gatinho


manso, não é mesmo? O diretor pega o telefone do gancho
e disca, finalmente fazendo algo de útil. — Pietra, mande
chamar o Rafael Santos da Silva e o João Pedro Becker
Alencar do 1°B.

Ele desliga o telefone e o clima de velório se instala na


sala. Giro o pescoço, sem vontade de olhar na cara de
nenhum dos dois, e encaro a parede onde estão exibidos
certificados e premiações que a escola recebeu ao longo de
sua história. Minutos depois, a porta se abre, e os dois
garotos entram por ela.

Rafa arregala os olhos, apavorado, assim que percebe a


presença do juiz Alencar. Caramba, Rafael! Não te ensinei a
ser mais corajoso? Parece um filhote de codorna.

Não me dou o trabalho de olhar para a cópia mais nova do


juiz, que vai até o pai com um ar de superioridade presente
em cada movimento seu.

— Meninos, estamos apurando o que aconteceu naquela


confusão do mês passado — Caio diz com a voz robotizada.
— Queremos esclarecer o ocorrido.

— Não foi nada...

— Rafael! — chamo a atenção do meu filho. — A verdade.

— Foi um desentendimento. — Rafa busca meu olhar e o


incentivo com um gesto para que continue. — Um amigo
do João Pedro fez um comentário racista, meu sangue
ferveu e fui tirar satisfação. Nós começamos a bater boca e
o João entrou no meio. A briga ficou séria e só senti uma
cotovelada acertando meu olho.

— Não foi...

— João Pedro! — o pai interrompe o garoto, erguendo a


mão. —

Tem certeza de que a cotovelada veio dele? — pergunta


para o meu Rafa.

— Sim, senhor. — Seguro e puxo a mão de Rafael quando


ele abaixa o olhar para responder. — O João Pedro me
acertou quando o Guilherme estava discutindo comigo.

— João Pedro? — O juiz encara o filho, esperando uma


explicação.

— É verdade, pai. — Espera aí! O menino está admitindo o


que fez?

Antes, ele não falou nada, e agora decidiu ser sincero?

O pai fica boquiaberto com a resposta, e seu olhar vidrado


indica que está confuso. Pois não deveria ser surpresa que
tem um filho sem educação e agressivo em casa, visto que
é um burguês cheio de arrogância, pelo que mostrou até
aqui. Esse cabelo penteadinho para trás e esse nariz
empinado já dizem tudo.

— Esse garoto tinha que ser expulso, Caio! — falo o óbvio,


irritada pelo fato do diretor não ter feito nada ainda.

— Não acho que a expulsão seja necessária, Dandara. —


Caio puxa o ar com força. — Um pedido de desculpas e...

— Pedido de desculpas?! — Só pode ser sacanagem.


— Dandara está certa, meu filho cometeu um ato de
violência. — O

juizinho perde a postura defensiva e age como o senhor da


lei. — Aceito a expulsão, se for o caso.

Caio parece ponderar, e posso ver as contas que faz na


cabeça. Noto quando conclui o prejuízo que terá se perder
esse aluno, um filho de juiz cheio da grana.

— Não será necessário, senhor Alencar. Uma suspensão de


três dias para os dois é o suficiente — Caio decreta.

— Suspensão? Para os dois? O que o Rafael fez de errado?


— Ergo o tom de voz. Isso é injusto pra caralho!

— Mãe... — Rafael segura meu braço e implora com o olhar


para que eu aceite a punição.

— Os dois irão pensar no que aconteceu, Dandara. Essa


reunião está encerrada, senhores. — Caio fica de pé e
aponta para a porta.

Engulo todo meu orgulho e a vontade de mandar todos


eles para a puta que pariu em nome do meu filho.

Seguro a mão de Rafa e o puxo para fora da sala.

— Vá buscar sua mochila. Estamos indo embora — ordeno


para ele, que me olha confuso.

— Mãe, a suspensão deve começar a valer só amanhã.

— Vou te levar embora, por hoje já deu, Rafael. Anda, vai


logo. —

Abano a mão no ar.


— Tudo bem. — Franze a testa. Ele vai ter rugas antes da
hora se continuar assim.

Pego o corredor à direita e entro na primeira porta em que


vejo escrito “banheiro”. Lavo as mãos e passo uma água na
nuca.

Tiro meu Ray Ban e um Bubbaloo de morango da bolsa.


Enfio o chiclete na boca e saio rebolando. Rafa vem até
mim com a mochila nas costas e abraço seus ombros.

Caminho me equilibrando no meu salto quinze e desço a


escada que leva até o estacionamento de braço dado com
meu filho.

— Mãe, eu disse que não precisava ter vindo — o


resmungão choraminga. — Olha só, todo mundo está
olhando para nós! Daqui a pouco vão reconhecer você. —
Aponta para uma janela que imagino ser sua sala.

Alguns curiosos estão apoiados no vidro, atentos aos


nossos passos.

— E qual é o problema? Ninguém pode saber que sua mãe


é o rostinho da DanDelícias? — Ele abaixa o olhar,
envergonhado. — O que eu disse sobre se preocupar com a
opinião dos outros? Danem-se eles, Rafa!

Hoje, vamos esquecer essa escola, ok? — Faço uma bola


com o chiclete e a estouro.

— Tudo bem.

Freio meus passos e coloco a mão na frente do peitoral do


Rafa quando ouço vozes saindo do corredor de carros logo
à frente.
— Por que não disse nada para mim, João Pedro? Achei que
me contasse tudo... Não foi assim que te criei.

— Pai, foi coisa boba. — Moleque atrevido! Como ousa


diminuir o que fez com meu filho? — Não preciso de um
sermão por causa dessa gente escandalosa, valeu?

Os últimos centavos de paciência que me restavam voam


para longe quando o ouço se referir a nós com tamanho
desprezo. Caminho até onde

eles estão e Rafael apressa o passo, me seguindo,


lamuriando sobre alguma coisa que não compreendo. Tudo
que ouço é “barraco”, e é isso mesmo que ele vai
testemunhar.

— Olha aqui, garoto! — Chamo a atenção do pai e do filho


ao elevar a voz, e os dois me olham assustados. — Essa
gente aqui paga esse colégio com o mesmo dinheiro que
vocês. Essa gente aqui ralou pra caramba para conseguir
chegar onde está. Essa gente aqui é trabalhadora e
honesta e não vai levar desaforo de mauricinho para casa!
Não me importo se é um juiz, Vossa Alteza. Se quer me
prender por desacato, a hora é essa. — Ergo os pulsos
unidos, mostrando ao juiz Alencar que não tenho medo se
decidir me levar presa. — Mas, com meu filho, ninguém
mexe! Vamos, Rafael!

Seguro o punho do meu bebê e o arrasto até a BMW


vermelha estacionada. Destravo o alarme e entramos,
recebendo os olhares dos alunos curiosos — que estão
apoiados na janela, assistindo tudo —, do juiz de araque e
de seu filho.

Aperto o volante com força, porque estou me tremendo


toda de pavor. Caraca, acabei de enfrentar um juiz
estadual!
Dandara, que todos os santos te protejam daqui para
frente.

02

HUGO

Desabotoo o paletó do terno e afrouxo a gravata, me


sentindo sufocado. Vilabela não escapa do calor que
condena a região litorânea do Rio de Janeiro. Estamos no
início do inverno e parece alto verão.

Ou, talvez, essa afobação que me agita tenha cerca de um


metro e meio, use saltos agulha e um maldito vestido que
a deixa parecida com uma felina colado na porra do corpo.

Aquela mulher atrevida meteu o dedo na minha cara!


Nunca fui tão insultado em toda minha vida. Deveria ter
dado uma carteirada[3] e prendido aquela maldita por
desacato.

O que me impediu foi o bom senso, porque João Pedro falou


merda e ainda estou processando toda a atitude de
moleque do meu filho.

Que educação concedi para esse menino, que o


transformou em um malcriado? Uma cotovelada?! Caralho,
meu filho bateu no colega de classe!

Isso é inaceitável. Não tolero esse comportamento de


bicho, e, a essa altura, ele deveria saber.

— Agressão, João Pedro?! — Aliso a barba e coloco a mão


no quadril, andando de um lado para o outro da sala de
estar.

— Pai, não foi assim... — Ele abaixa a cabeça. Espero que


seu constrangimento pelo que fez seja sincero.

Quinze anos atrás, quando assumi meu papel de pai solo,


sabia que seria um dia de cada vez e que ia errar pra
caralho. Minha meta sempre foi pesar essa balança para o
lado do acerto. Queria que João Pedro tivesse um
companheiro e uma figura de referência, tal qual meu pai é
para mim.

Mas há algum tempo tenho me perguntado se fui bem-


sucedido nessa empreitada, porque bater em um aluno é
algo que jamais aceitaria.

Sou a porra de um juiz que sempre o ensinou que seus atos


têm consequências, e ele não ficará impune por essa
palhaçada.

— E como foi? Seu cotovelo mexeu de forma involuntária?


— Abro dois botões da camisa social, procurando a porcaria
do controle do ar-condicionado.

— Claro que não! Foi um acidente.

Solto uma risada frouxa, sem acreditar em sua desculpa


fraca.

— Além disso, foi racista? Sabe que é crime e que não foi
essa a porra da educação que recebeu!

Será que tenho um racista dentro de casa? Puta que me


pariu!

— Não falei nada, pai! Foi tudo um mal-entendido...

— Não existem meias-palavras ou mal-entendido quando


se é racista, JP. Ou você é ou não é! — vocifero.
— Está certo, juiz Alencar — fala com desprezo.

— Disse a você para ficar longe daquele Guilherme


Monteiro, que ele não é boa pessoa. Conheço a família
Monteiro, a justiça está sempre atrás daquela gente —
aviso sério, e ele bufa para mim, sendo um menino
insolente que não reconheço. Não sei se é uma fase da
adolescência ou se não estou tão presente como deveria.

No último mês, a vara criminal de Vilabela recebeu um


caso complicado que gerou comoção nacional. Tivemos
que lidar com a imprensa enquanto o julgamento estava
em andamento, e o fórum da cidade virou um inferno.

Penso que fui negligente com ele ao depositar todo meu


foco nesse caso, mas não sei dizer se, por isso, ele passou
a agir como um selvagem, ou se faz tempo que estou
perdendo a sintonia com meu filho.

João Pedro e eu costumávamos ser parceiros. Ele sempre


me teve como referência. Me esperava para que
fizéssemos os deveres de casa juntos e aguardava ansioso
a chegada dos finais de semana, porque saíamos

para nos entreter no parque de diversões ou em qualquer


outro programa de pai e filho.

Mas de uns tempos para cá nossa relação estremeceu.


Queria encontrar uma razão para essa mudança súbita, só
que me vejo em um beco sem saída.

— Até onde eu sei, tenho o direito de escolher minhas


amizades!

Você vive se metendo na minha vida! Só queria paz. — Ele


vira e sai marchando.
No geral, sou o pai que negocia e resolve as coisas na base
da conversa, mas hoje não vai ser assim que vai funcionar,
porque o que JP fez foi um crime. Tanto a agressão quanto
o racismo.

Tolerei por meses seu comportamento errático, pensando


que seu problema era comigo, mas começo a cogitar que,
talvez, a raiz dos nossos desentendimentos esteja nele.

— Me dê seu celular. — Ele para no lugar diante da minha


ordem.

Gira nos calcanhares e tem um brilho de fúria no olhar.

— O quê?! — Eleva a voz, indignado.

— Seu celular. Três dias sem ele, JP. — Ergo a mão,


esperando.

— Não está falando sério!

— Não quero ser seu inimigo, mas não posso deixar que
sua atitude fique impune. — Me mantenho firme, pois não
vou criar um homem de merda dentro dessa casa.

— Você é o pior pai de todos! — ele berra, antes de pegar o


celular e o colocar com força em minha mão.

Deixo que vá para o quarto, pois não é um bom momento


para conversar.

Quero dizer que não levo sua fala a sério, mas ela me deixa
sem norte. Me faz pensar que falhei em ser seu pai.

Ou, talvez, seja a falta de uma figura feminina. Minha mãe


sempre esteve presente na vida do João, mas ela exerceu o
papel de avó. Lia Becker
é a mãe, e era ela quem deveria ter estado ao lado do
filho, só que escolheu abrir mão de uma vida ao lado de
João Pedro em nome da carreira de modelo.

Não sinto que tenho o direito de cobrá-la a cumprir esse


papel, uma vez que ela sempre deixou claro que não queria
ter um bebê dezesseis anos atrás. Eu que pedi a ela para
manter a gravidez. Eu que prometi que seria o pai do
menino e que ela não teria que se preocupar com a
educação de João.

Lia aparece em datas comemorativas quando quer, e


esporadicamente manda presentes vindos da Europa. A
cada três meses faz uma ligação, e temo que essa relação
não faça tão bem para ele. Afinal, está recebendo migalhas
de atenção de alguém que não o desejou.

Minha única alternativa para que JP lide com seus


sentimentos em relação à Lia foi colocá-lo para fazer
terapia desde os dez anos de idade, que foi quando notei
os sinais de que a falta da mãe começou a afetá-lo.

Nenhuma palavra servia de consolo para seus


desapontamentos quando ela prometia estar lá por ele e
não aparecia.

— Doutor Alencar, o senhor veio para o almoço? — Dona


Ana, nossa empregada, me vê parado, mas está alheia à
angústia que me faz sentir um miserável.

— Não vou ficar, Ana. Só estou de passagem. Tenho uma


pilha de processos esperando. — Ofereço um sorriso de
desculpas. — Venho para o jantar, avise ao João Pedro.
— Está certo, doutor.

Saio de casa, vou até o Volvo estacionado na calçada e


entro. Dirijo em direção ao fórum com a cabeça explodindo
ao tentar processar essa manhã infernal.

— Foi isso. — Termino de contar ao meu pai sobre o dia,


sem deixar nada de fora.

Depois de sair do trabalho, vim visitar meus pais e


desabafar sobre a briga com JP, pois não sei mais o que
fazer para me entender com ele.

— João Pedro tem o seu gênio, Hugo. — Ele abre sua


latinha de Antarctica.

José Carlos, o ex-juiz federal do Rio de Janeiro, tem dinheiro


para mandar trazer cerveja de qualquer lugar do mundo,
mas está sempre acompanhado da marca mais barata e
tradicional brasileira.

— Nunca respondi o senhor dessa forma, pai. — Encosto as


costas na poltrona e estalo o pescoço, tentando me livrar
da rigidez. — Acho que João sente falta da mãe.

— Quanto a isso não tenho dúvidas. — Meu pai descasca e


molda um pedaço de madeira. É assim que o antigo doutor
Avelar preenche seus dias desde a aposentadoria:
marcenaria e pintura. — Avisei a você, desde que o menino
nasceu, que era uma péssima ideia deixar a Lia ir embora,
Hugo.

Para ser sincero, meus pais me deram vários alertas sobre


Lia. Eles nunca aprovaram nosso namoro, mas fui teimoso
e ignorei os sinais de que ela não era uma boa pessoa para
mim. E, agora, meu filho tem que colher os frutos do meu
relacionamento frustrado.
— O senhor queria que eu fizesse o quê? — ralho, ficando
de pé.

Vou até o aparador e abro o uísque dele. Um destilado caro


e uma cerveja barata. Tudo na vida de José Carlos, ou Zeca,
como costumo chamá-lo, é questão de equilíbrio.

— Não deveria ter dado a ela uma escolha. — Seus olhos


castanhos se tornam frios. — Lia é mãe, deve agir como
tal.

— Ou eu era pai solo ou ela tirava o bebê. Você sabe que


Lia faria isso.

— Pela lei...

— Que se dane a lei! — E olha que meu trabalho é garantir


que a Constituição se cumpra. — O Brasil não permite
aborto, mas Lia daria um jeito de burlar a proibição. Ela não
queria ser mãe, e eu não podia forçá-la a

essa realidade. Lia iria culpar o menino pelo fracasso


profissional pelo resto da vida.

— E agora é o João quem paga o preço dessa escolha — me


repreende. — Claro que ele ia sentir falta da mãe em algum
momento. E, além disso, você fica enfurnado naquele
gabinete o dia todo...

— Nos últimos meses, o trabalho foi dobrado, você sabe...

— Sei, sei. O caso daqueles traficantes e o da adolescente.


Pobre coitada! — Balança a cabeça, lamentando o fim que
a garota levou.

Foi um crime truculento que mexeu com toda Vilabela. O


tio foi condenado pelo assassinato da jovem que tinha
apenas quinze anos. A mesma idade de João.
Garanti uns bons anos de cadeia para o filho da puta, mas
foi um processo cansativo, já que o advogado que ele
contratou era muito bom de oratória e retórica. Porém, o
júri foi unânime em sua decisão de condená-lo.

— Acha que não fui um bom pai? — Sento na cadeira ao


lado do meu velho, que está concentrado na escultura de
madeira.

— Creio que deu o seu melhor. Adolescentes não sabem


reconhecer isso nos pais. Você também teve suas fases,
Hugo. — Amansa o tom de voz. — Dê um tempo a ele, para
esfriar a cabeça. João Pedro errou e precisa entender e lidar
com o resultado de seu ato inconsequente.

— Até porque aquela leoa o colocou em seu lugar —


grunho ao recordar da maneira como a fera falou com meu
filho. Não tive reação na hora, mas ainda considero
algemar aquela mulherzinha que não sabe usar um
pronome de tratamento. — Nunca vi uma mãe tão
intransigente. Faltou educação àquela dita cuja.

— Que dita cuja? — Minha mãe entra na sala trazendo uma


bandeja com bolo e café.

Ela olha para o uísque na minha mão, me repreendendo


com o olhar na sequência. Bebo o último gole e sinto minha
garganta arder.

Pego a pequena xícara, porque Deus me proteja se recusar


seu café.

— Uma leoa que entrou no meu caminho, uma que espero


nunca mais ver — respondo, rangendo os dentes.

Impossível digerir aquela atitude de uma selvagem


desgovernada.
— Olha só, o juiz Alencar encontrou um desafio! — Minha
mãe afofa o penteado, ajustando os fios grisalhos. — Quem
é a santa?

— Mãe de um garoto da sala de João Pedro. — Mordo um


pedaço do bolo, mesmo sem fome, apenas para agradá-la.
— Teve uma confusão entre os meninos e ela convocou
uma reunião. Mas a tal Dandara agiu como uma
descontrolada.

— Dandara? — Minha mãe ergue a sobrancelha, dando-me


um olhar surpreso. — Não me diga que entrou em uma
briga com a dona da DanDelícias! — A velha parece
maravilhada.

— Conhece a mulher? — pergunto, convicto de que não


quero saber a resposta.

— Se for essa aqui... — Pega o celular.

Seus óculos, que ficam pendurados pela correntinha, logo


estão em sua cara, e minha mãe começa a digitar sem
pressa.

Espero com uma paciência imaculada, até que ergue o


aparelho e aponta para o visor.

— DanDelícias? — pronuncio o nome de uma página do


YouTube em voz alta.

Pego o telefone e dou play no vídeo que minha mãe abriu.


A voz esganiçada da mulher me irrita na mesma hora, e
não tem como a confundir.

Dandara, ou DanDelícias, como mostra o nome que li, é


dona de um canal com mais de três milhões de inscritos.
Ela está ensinando uma receita, que não quero prestar
atenção, mas acabo vendo todo o vídeo, para entender se,
ao menos, ela sabe o que está fazendo.

Queria que fosse um daqueles canais amadores que você


se pergunta como a pessoa sequer conseguiu abrir uma
câmera, mas é claro que para ter

toda essa gente querendo assisti-la na cozinha, a coisa


tinha que ser toda profissional.

— Quem vê essa voz de gata mansa nem imagina a fera


que a senhora DanDelícias é. — Entrego o telefone,
ultrajado por ter sido xingado por uma youtuber.

A mulher não tem um emprego sério? Brincando de ser


influenciadora tendo um filho de quinze anos para criar é
de foder!

Se bem que... Ela saiu cantando pneu em uma BMW, então,


talvez, essa coisa de internet seja mais lucrativa do que
imagino.

— Deixe de ser amargurado, é um canal excelente! —


minha mãe me censura. — Aprendi muitas receitinhas com
Danda, inclusive aquela torta de limão que tanto ama.

— Pois se é receita dessa mulher, não quero mais comer —


rebato, parecendo meu filho no quesito maturidade.

— É, também acho que comeu limão demais já. — A velha


tem a audácia de me responder com sarcasmo. — Está
mais azedo que laranja capeta verde.
Não estou azedo. Apenas desejo nunca mais esbarrar com
aquela criatura insolente na minha frente, e tudo certo.

Fico de pé e me despeço deles. Passei tempo demais aqui e


meu pai está certo: preciso estar com meu filho e
acompanhar sua vida de perto.

Já basta esse incidente com o tal Rafael. E ainda terei uma


conversa séria sobre a acusação de racismo.

Não posso acreditar que o deixei chegar a esse ponto.

— JP? — chamo sua atenção ao entrar na sala de jantar.

Ele ergue o olhar, em silêncio, concentrado em seu jantar.


Me incomoda sua atitude, mas ainda estou pisando em
ovos, por isso, não digo

nada.

Sento ao redor da mesa de jantar e começo a me servir. Ele


se apressa com as garfadas, pronto para sair.

— João...

— Só para você saber... — Fica de pé e bebe em goladas


longas o suco. — O comentário racista partiu de Guilherme,
não de mim. E não dei aquela cotovelada por querer. Ia,
sim, bater em alguém, mas não no Rafael, só que calculei
mal o golpe.

— Não justifica seu silêncio. Deveria ter vindo até mim


quando aconteceu. — Tento soar maleável, mas minha voz
sai rígida.

— Quando? Onde estava um mês atrás? E nas outras


semanas antes disso? — rebate, acusativo. — Nunca parou
para me entender, pai. Tudo que sabe fazer é julgar, como
se essa casa fosse seu tribunal.
Ele se vira e sai, sem me dar ao menos uma chance de
conversar.

Então é isso? João me considera um pai ausente, apesar do


meu esforço para sempre estar ao seu lado em todos os
momentos? Tentei ser um bom pai e falhei, e agora estou
sem rumo. Como reconquistar sua confiança em mim?

Minha cabeça pulsa de dor, sabendo que criei um problema


gigantesco com meu filho. Só espero não começar uma
guerra dentro da minha própria casa.

03

DANDARA

— Esse aqui é café com doce de leite. — Pego um


pouquinho do sorvete com a pazinha e entrego à Evelin.

Minha melhor amiga, e também sócia, prova a porção


singela do creme gelado.

— Hum... — Solta um som de quem está se deliciando. —


Agora sim, Danda! Aquele troço de pitaya pode ser
descartado. Esse aqui é o sabor do verão!

— Não sei. — Tampo o potinho da amostra que fiz e guardo


no congelador. — Queria um sabor refrescante para a nova
coleção.

— Fala como se fossem roupas e não sabores de sorvete. —


Eve me lança um sorriso arteiro. É impressionante como
anos de amizade parecem ter nos deixado tão parecidas.
Temos os trejeitos iguais, nosso tom de pele negra retinta é
o mesmo e nosso jeitinho expansivo combina. — O que o
moleque ali aprontou? — Aponta para Rafa, que está em
uma mesa da nossa confeitaria, com seus cadernos
abertos, junto de um colega de classe que veio entregar as
anotações da aula de hoje.

Quando comecei meu canal no YouTube há dez anos, não


tinha nenhuma ambição, nem sonhava alto. Afinal, tinha
um filho de cinco anos para criar e precisava me virar para
conseguir sustentar nossa casa, já que o progenitor de
Rafael sumiu no mundo antes mesmo dele nascer.

Mamãe — que ainda era viva — e papai queriam que eu


ficasse com eles até ter uma situação financeira melhor,
mas meus velhos precisavam de descanso. Já haviam
criado quatro marmanjos, eu e meus três irmãos, e

mereciam tranquilidade. Por isso, me mudei para um


barracão nos arredores de Vilabela.

Vendia brigadeiro na rua para pagar as contas, até que, um


dia, Evelin teve a brilhante ideia de abrir a câmera do
Samsung antigo que seu pai parcelou em doze vezes, e, na
brincadeira, fiz um vídeo ensinando a receita do brigadeiro.

É a receita mais básica do Brasil, mas eu atuava como se


fosse a Ana Maria Braga em um de seus programas
matinais e dava dicas profissionais.

Modéstia parte, meu brigadeiro era o melhor!

Eve postou essa brincadeira no YouTube, em um canal que


havíamos criado, apenas para entender como a plataforma
funcionava. Fomos dormir depois de entornar doze latinhas
de Antarctica. Acordei e fui trabalhar, esquecida de tudo.

Quando cheguei em casa à noite, Eve veio esbaforida bater


palmas na porta da minha casa, para mostrar que o vídeo
tinha viralizado.

Aparentemente, as dicas que dei de marca, panela e


chocolate em pó fizeram toda diferença para que o
brigadeiro saísse do ordinário para o espetacular.

Minha amiga ficou dias no meu pé, dizendo que eu levava


jeito.

Canais no YouTube estavam começando a pipocar e aquela


era minha oportunidade.

Acabei me rendendo à sua insistência. Durante o dia,


vendia brigadeiro no sinal, no campus da UERJ de Vilabela
e no ônibus. À noite, vestia meu singelo avental, abria um
sorrisão, mesmo cansada, e ia fazer vídeos ensinando as
receitas do caderninho roubado de minha avó.

“Roubado” entre muitas aspas, porque o coitado estava


largado na casa da tia Luzia quando o salvei, ainda na
adolescência.

Meus vídeos começaram a bombar e passei a receber uma


grana do YouTube. Eve era minha assistente e recebia sua
parte no lucro, claro.

Peguei o meu dinheiro e me enfiei em todos os cursos de


confeitaria que podia, equilibrando estudos, trabalho e
maternidade.

Com os cursos, decidi abrir uma confeitaria na cidade, ao


mesmo tempo em que investia em uma produção mais
elaborada nos vídeos.

Enfrentei altos e baixos na minha empreitada, quase fui à


falência no primeiro ano da confeitaria DanDelícias, mas,
graças a Deus e ao meu trabalho suado e de Eve,
conseguimos engatar a primeira marcha, depois a segunda
e a terceira, até começarmos a abrir filiais.

Hoje em dia são sete. Uma em Vilabela, duas no Rio de


Janeiro, uma em Minas, duas em São Paulo e uma em
Brasília. Ano que vem vamos inaugurar uma em Manaus e
duas na região Nordeste, assim que as obras ficarem
prontas.

Mas a melhor parte de toda essa loucura foi ter tido


sucesso o suficiente para garantir uma boa vida ao meu
filho. Nada faltará ao Rafa.

— Rafael foi se defender porque o mauricinho foi racista. —


Deixo evidente minha revolta. — Aquele diretor escroto deu
uma suspensão a ele a troco de nada!

— Às vezes, você mima demais o Rafael, sabia?

— Não mimei meu filho, apenas o defendi! — rujo.

— Ei, calminha, fera. — A vagabunda ri. Uma piranha sem


medo da morte, é o que ela é. — Estou dizendo que o Rafa
sabe se defender. Você precisa deixar ele voar para longe
das suas asas em algum momento.

— Sei disso, mas sabe como o mundo é cruel... Olha só


para ele. —

Aponto para meu nerdzinho. — Rafa ganhou medalhas em


Olimpíadas de Matemática e Ciências antes de entrar
naquele colégio de riquinhos, e é assim que o tratam? Será
que fiz errado ao mudar ele de escola esse ano?

— Não fez nada de errado, Danda. Bel sempre diz que o


Rafa está superfeliz com os novos amigos que fez e com os
professores que tem. —
Bel é a filha de Eve e também minha afilhada querida.

Ela e Rafa têm apenas dois meses de diferença, porque nós


duas somos melhores amigas a ponto de fazer a mesma
cagada e embuchar[4] sem ter condições de colocar uma
criança no mundo, aos dezenove anos. Porque sim,
nascemos no mesmo ano também.

Evelin ao menos teve suporte do pai de Maria Isabel, que


não fugiu da responsabilidade, acompanhou o crescimento
da filha e paga a pensão em dia. Evelin e ele nunca foram
um casal, mas são bons pais e amigos. Os

dois se entendem bem e minha amiga até mesmo foi


madrinha de casamento do Carlos, o pai da Bel.

Já eu, posso dizer que fiz meu filho com o dedo, porque o
desgraçado que tinha uma camisinha vencida e um caráter
duvidoso sumiu quando ouviu a palavra “grávida” sair da
minha boca.

— Ele falaria se quisesse sair de lá, não é? — Vou até o


caixa, para conferir como estamos de troco.

— Sim, ele falaria. Agora, relaxa, mãezona. Tenho certeza


de que ninguém mais vai mexer com sua cria.

— Por que Bel não vai para o colégio de Rafa? — peço mais
uma vez, mesmo já tendo decorado sua resposta.

— Porque ela está em uma escola boa e não tem interesse


em fazer parte de uma equipe de robótica. Além disso, as
amigas de Bel não mudariam com ela. — Deixo os ombros
cederem, sabendo que não tenho como protestar.

Essa foi a razão para eu colocar Rafael no São Bento. Eles


têm um excelente programa extracurricular voltado para
ciência e pesquisa.
— Está certo... — murmuro.

— Vou estar no escritório se precisar de algo.

Ela beija minha bochecha e sobe, balançando seus cachos.

Ajusto o avental e vou até a porta. Ouço os cochichos de


Rafael e de seu colega e vejo quando meu filho dá uma
cotovelada no garoto. Caminho até eles, estranhando a
cena, e paro próxima à mesa.

— Precisam de alguma coisa, garotos? — indago, solícita.

— Não é nada, tia... É só que...

— Camilo! — Rafael dá outra cotovelada na costela do


menino.

— Deixa seu colega falar, Rafa. — Lanço um olhar para ele,


o repreendendo.

— É que a galera gostou de saber que você é a mãe do


Rafael. —

Camilo arrasta a voz, com aquela preguiça adolescente


presente em seus

gestos. — Daí nossos colegas estão perguntando se a


senhora vai participar da gincana, porque todo mundo vai
querer ser da equipe vermelha, se for o caso.

Troco olhares com meu filho, porque ele não me falou de


nenhuma gincana na escola. Menos ainda que os pais
podiam fazer parte.

Desde quando comecei a trabalhar com internet, minha


decisão foi de não expor ele. Sabia que as consequências
para uma criança poderiam ser duras, então esperei Rafa
ter idade suficiente para decidir se queria fazer parte desse
meu universo.

Até hoje, ele não demonstrou nenhum interesse, e por isso


nunca apareceu em minhas redes sociais. Vez ou outra faço
um vídeo somente com a voz dele, mas é coisa boba.

Sendo assim, não me surpreende que ele tenha mantido a


identidade da mãe em sigilo para os colegas durante esses
seis meses que está frequentando o colégio.

— Entendi, Camilo. — Balanço a cabeça. — Mas é o bonitão


aí que tem que decidir. Se o Rafa quiser que eu vá, será um
prazer. — Pisco o olho para o Rafael, o deixando saber que
estou tranquila quanto à sua decisão. —

Vocês querem alguma coisa para lanchar? Aproveitem que


ainda não tem movimento, antes que o lugar encha.

— Pode ser daqueles bolinhos de morango com creme. —


Rafa faz um gesto, como se colocasse chantilly em algo,
para mostrar qual doce é.

— Tarte de morango — traduzo seu pensamento.

— Isso! — Ele estala os dedos e aponta para mim.

— Já volto. — Dou um giro nos calcanhares e vou até a


cozinha.

Preparo as tartes e também um café com creme que


combina perfeitamente com o paladar desses jovens, que
adoram uma dose extra de açúcar.

— Jojo, pode servir para os meninos? — peço à minha


garçonete que entra na cozinha. — Tenho que rechear os
macarrons e enrolar alguns brigadeiros.
— Claro, chefia. — A mulher negra de pele retinta e tranças
acena, pegando a bandeja da minha mão.

Passo o resto da tarde junto com os dois funcionários da


produção, confeitando e separando pedidos. Recebemos
encomendas para todos os tipos de eventos, e só hoje
despachamos docinhos para dois aniversários e um
casamento civil.

Quando estou terminando de limpar a bancada, Rafael


entra na cozinha com a mochila nas costas e uma cara de
cansaço.

— Vamos, bebê. — Tiro o avental e o penduro no gancho


pregado na parede.

— Mãe, já pedi para não me chamar assim! — reclama


como um velho rabugento.

— E já disse que você vai ser para sempre meu bebê. —


Aperto suas bochechas para implicar e ele reclama mais
ainda. — Sua tia Eve já fechou tudo?

— Lá na frente, sim. Ela fez isso antes de ir embora.

— Ótimo. — Pego minha bolsa e saímos pelos fundos.

Quando pulo, tentando alcançar a porta de enrolar, Rafa


estica a mão e me ajuda a abaixar, rindo, sendo o atrevido
que é.

— Tampinha. — Faz graça.

— Sua sorte é não ter puxado minha genética — murmuro


enquanto tranco o cadeado. — Nem sei como consegui te
parir, você me arrombou para vir ao mundo, Rafael. Já era
um gigante na barriga!

— Mãe, pelo amor de Deus! — exclama, envergonhado.


— Então, pizza hoje? — Engancho meu braço no seu e
andamos na direção do carro.

— A gente podia passar na casa do vô. Faz um tempo que


não vamos lá.

— Tem razão. Vou passar no bar do Joca e comprar as bolas


de carne que o velho gosta — sugiro, e ele acena,
aprovando a ideia.

Destravo a BMW e entramos.

— Mãe, sobre a gincana... — Rafa abaixa o olhar, largando


a mochila no assoalho.

— Não precisa se explicar, sei que é tímido. Não irei, e você


aproveita com seus amiguinhos. — Dirijo pela avenida
principal de Vilabela, prestando atenção no trânsito.

— Na verdade, ia te convidar para ir. — Lanço um olhar de


esguelha para Rafa, escondendo meu sorriso. — Não tenho
vergonha de você, mãe.

Só não queria ninguém me zoando, você sabe... Porque a


senhora é muito bonita.

— Ai, meu Deus! Queria esconder do mundo a mãe gostosa


que tem! — Gargalho e o vejo revirar os olhos negros para
mim. — Tem que me apresentar para os pais solteiros dos
seus coleguinhas, Rafael. Quem sabe, assim, te arrumo um
padrasto?!

— Porra, mãe! Nem brinca! — Rio do seu tom raivoso. —


Não é uma boa ideia, olha o que aconteceu com o pai do
João Pedro.

— Aquele ali não é um homem de verdade, é um ogro. —


Fico nervosa só com a menção do sujeito. — Por que tentou
defender o moleque, Rafa?

— Não defendi, falei a verdade. Não vi tudo que aconteceu


na hora da briga, só senti a cotovelada. E o comentário
bosta veio de Guilherme Monteiro, não de João Pedro —
começa a falar, nervoso. — Para ser justo, João nunca me
fez nada. O problema é com quem ele anda.

— Diga com quem andas e direi quem és. Não é o que está
na Bíblia?

— E desde quando a senhora é religiosa?

— Senhora está no céu, não sou tão velha assim. Trinta e


cinco anos bem vividos!

— Mãe... — solta mais um resmungo.

Estaciono na frente do bar e entro no estabelecimento para


fazer meu pedido. Depois de pagar pelas bolas de carne,
Rafa decide pedir a pizza

pelo aplicativo, porque sabemos que não vai sobrar nada


desse tira-gosto para nós, já que o meu velho vai comer
tudo sozinho.

Dirijo rumo à casa do meu pai e estaciono próximo à


calçada assim que chegamos.

Travo o alarme do carro e abro a porteirinha de madeira.


Papai mora sozinho nessa casa, já que Dominique, Daniel e
Diego, meus irmãos mais velhos, mudaram para a capital,
para ir em busca de emprego, e eu tenho minha própria
casa em Vilabela. Tentei convencer o teimoso a se mudar
para morar comigo, mas ele bateu o pé e disse que não ia.
O máximo que aceitou foi que eu fizesse uma reforma em
sua casinha.
Bato na porta e sou recebida pelo senhor de pele negra
clara e careca reluzente, que possui apenas alguns fiapos
escassos o coroando.

— Boa noite, senhor Valter. Antes de nos chutar daqui... —


Ergo a sacola, porque está com cara de poucos amigos. —
A gente trouxe bola de carne do Joca.

— Entra aí, bruxa. — Ele usa o apelido que me deu quando


eu era uma criança que gostava de pegar um monte de
ingredientes, juntar em um balde e fingir ser a Cuca do
Sítio do Pica-pau Amarelo. — E você, moleque? Não vai
parar de crescer?

— Ainda dá para espichar um pouco mais, vô. — Rafa


passa o braço nos ombros do velho e o conduz para dentro
da casa. — Senhor Valter, sabia que sua filha andou
batendo boca com o juiz de Vilabela?

— Rafael! — Mas que bela cobra peçonhenta eu criei!

— Que história é essa, Dandara? — Meu pai me fita com a


testa franzida, o que ressalta suas rugas.

— Estava defendendo nossa honra, pai. Você não vai


acreditar no que o filhote do juiz falou...

Coloco as cervejas sem álcool que comprei para ele na


geladeira e começo a tagarelar sobre a falta de respeito e
excesso de soberba dos Alencar.

04

HUGO
Flexiono os joelhos e balanço o pulso, sacudindo a raquete
de tênis no ar. Bato a ponta do equipamento no chão e
espero Murilo sacar. Meu amigo joga a bola no ar e rebate.
Corro até a rede e estico o braço, alcançando a bolinha e a
enviando de volta para o lado dele. Murilo a devolve com
agilidade, e golpeio na direção do borrão verde por reflexo.

Ele não consegue alcançar a bola que cai no fundo da


quadra.

— Filho da puta! — o engenheiro civil xinga.

— Não sabe perder, caralho?! — rebato, rindo.

Passamos mais meia hora jogando, até que meu corpo


chegue no limite do cansaço. É uma noite fresca, mas o
suor escorre em meu peitoral por conta do esforço físico.
Sento no canto da quadra e Murilo joga o corpo ao meu
lado, deitando de braços esticados na grama.

— Como está meu afilhado? — ele pergunta, ao passo que


tenta normalizar o ritmo da respiração.

— De castigo — respondo ríspido, ao me lembrar do nosso


desentendimento. Ainda não conversamos depois de
anteontem, porque estou recebendo um gelo do meu filho.
— JP pisou na bola e eu também.

— O que ele fez? — Murilo pega a garrafa de água e bebe


um gole.

— Teve uma briga no colégio e ele estava no meio. Um


moleque levou uma cotovelada do JP, mas ele diz que foi
sem querer — sintetizo.

— E não acredita no seu filho? — Finjo não ouvir seu tom de


desaprovação.
Tenho quarenta e três anos, não sou um moleque para ser
repreendido.

— JP e eu estamos nos desentendendo faz um tempo —


falo um pouco irritado. É uma situação bem merda não
reconhecer o garoto que criei praticamente sozinho. —
Acho que sente falta da mãe, ou de uma figura feminina na
vida dele.

— Avisei na época de faculdade que Lia não era flor que se


cheire, Hugo — diz em tom desgostoso.

— Vinte anos atrás, porra! — Massageio as têmporas,


tentando manter minha cabeça no lugar. Não quero pensar
no passado. — Estava apaixonado, me deixei levar, Murilo.
E, no fim de tudo, ganhei JP. Eu amo meu garoto,
entendeu?

Aos vinte e três anos, eu não pensava muito sobre onde o


relacionamento com Lia chegaria. A achei uma garota
interessante, que falava sobre filosofia e era cobiçada por
toda faculdade. Mesmo que todos ao meu redor dissessem
que ela não era uma boa pessoa, ouvi meu coração e me
deixei levar pela mulher charmosa por quem havia me
apaixonado.

Deveria ter me atentado a todos os alertas antes de pedi-la


em casamento.

— Sei disso. — Desfere um tapa leve no meu ombro, e esse


é seu jeito de me consolar. — Conversa com o João. Você o
conhece como ninguém, e sabe que seu filho não é uma
pessoa agressiva.

— Não é, mas João tem seus momentos de descontrole. A


terapeuta dele falou que queria conversar comigo, e tenho
medo do que vou ouvir —
desabafo.

— Não deve ser nada sério, Hugo. — Ele fica de pé e o


acompanho.

Coloco minha bolsa e a camisa no ombro e caminhamos


devagar para fora da quadra do nosso condomínio. Queria
ter me livrado desse filho da puta depois que nos
formamos, uma vez que achei que ele estaria em Milão à
essa altura. Porém, depois que o afilhado dele nasceu,
Murilo abandonou o sonho de construir um escritório de
engenharia na Itália da noite para o dia e decidiu morar a
três quadras da minha casa, para minha

infelicidade. Porque ele é um excelente amigo, mas vive


arrumando confusão com mulheres, sendo uma péssima
influência para o João.

— Sabe do que tu precisa? — Inalo o ar, tendo a certeza de


que não quero ouvir sua resposta. — Bo-ce-ta! — Faz um
gesto com as mãos no ar, como se tivesse descoberto vida
fora da Terra.

— Preciso que melhore seu vocabulário de merda —


retruco, impaciente.

— Olha se não é o próprio Aurélio[5], em carne e osso —


ironiza. —

É sério, há quanto tempo não transa? Vive enfurnado no


gabinete, lendo com uma lupa cada processo que chega na
sua mesa.

— Sabe o risco que corro se cometer algum erro, Murilo? —


Passo a mão no cabelo molhado de suor. — Mando prender
algum inocente se não tiver cautela.
— E eu posso derrubar um prédio se fizer uma conta
errada. Mas até hoje só ergui belas construções, e isso sem
abrir mão de sexo. É sério, sua cara é de quem já esqueceu
a anatomia de uma boceta há muito tempo.

— Tenho cara de ginecologista? E que papo ruim do


caralho! —

Tiro as chaves da bolsa sem paciência. — Mulher só traz


dor de cabeça.

Não preciso de mais problemas na minha vida.

— Tu é gay, cara?

— Caralho, irmão! É sério isso?!

— Olha o papo atravessado que você começou. — Esfrego


o rosto.

Esse infeliz está me tirando do sério. — Não tem nada


melhor que mulher nessa vida, Hugo!

— Pau no seu cu! — Puxo o ar com força, para não chutar


esse malandro até a casa dele.

— A tia Regina contou do seu encontro com a delicinha. —


Minha mãe dando com a língua nos dentes não é nenhuma
novidade. — Vi as fotos dela, Hugo, e, porra, aquela mulher
preenche os sonhos eróticos...

— Cala essa boca imunda, Murilo Belmonte! — Aponto o


indicador em riste na sua direção. — Não quero falar
daquela selvagem, e espero

nunca mais ver aquela mulher na minha frente.

— Não está mais aqui quem falou. — Ele ergue o braço,


tentando esconder um maldito sorriso.
— Vá colocar a cabeça no lugar e pare de ser um canalha.
— Abro o portão da minha garagem e entro. — E considere
um retiro espiritual, pois sua cabeça está mais poluída que
o Tietê em São Paulo.

— Tenho o endereço de um puteiro bom, juiz! — Ouço a


risada maldosa de Murilo antes de apertar o botão do
controle e fechar o portão.

Entro em casa e deixo a bolsa no sofá. Vou até meu quarto


e tiro de lá o telefone de João Pedro, que guardei no cofre.

Saio no corredor e paro na frente da porta de seu quarto,


que está entreaberta.

— João? — Bato na madeira, mas não tenho resposta.

Enfio a cabeça e espio o interior do cômodo. Está vazio.


Vou até a mesa do computador e coloco o aparelho na
superfície.

Giro o corpo, prestes a sair, quando um objeto em cima da


sua mesa de cabeceira chama minha atenção. Chego mais
perto, para conferir e ter a certeza de que meus olhos não
estão me enganando. É a porcaria de um celular! Que
merda é essa?

— Pai? — Ele está parado no batente, me olhando


apavorado.

— O que isso significa, João Pedro?! — Ergo o aparelho que


está novo, como se tivesse acabado de sair da caixa. —
Onde você conseguiu isso?

Sua expressão transmuta e ele veste uma máscara de ira


ao avançar em minha direção.
— Não é da sua conta! — Toma o celular da minha mão,
quase o derrubando no chão, tamanha raiva.

— Tudo que você faz é da minha conta! De onde veio o


telefone? —

Esfrego a barba áspera, tentando manter a cabeça no


lugar.

— Minha avó Lena mandou entregar aqui — ele retruca


com grosseria.

Lena é a mãe de Lia, o que significa que foi minha ex-


mulher a responsável pela compra do aparelho.

— Foi Lia quem comprou, não foi? Como você falou com
ela? —

questiono, já imaginando a resposta. — Pegou o celular de


Ana só para conversar com sua mãe? Inacreditável, João
Pedro!

— Já acabou o sermão? — Ele vai até a porta e a segura


aberta. —

Tenho que estudar para a prova final do bimestre.

— Está proibido de pedir qualquer coisa para a Lia, me


entendeu?

— Posso pedir o que quiser a ela! — Abro a boca para


retrucar sua atitude insolente, mas puxo o ar com força,
me controlando. — Você queria que ela não estivesse na
minha vida, não é? Fez de tudo para eu odiar minha mãe,
só que não conseguiu. Eu amo a Lia!

— Nunca faria nada contra sua mãe. E que bom que ela
está na sua vida, João — falo com uma calma fingida.
Passo pela sua porta e vou até minha suíte. Entro no
banheiro e ligo a ducha morna, tentando dissipar a tensão
dos meus ombros. Não consigo acreditar que Lia consegue
fazer um inferno na minha vida mesmo estando do outro
lado do oceano.

Se ela e JP estão se entendendo, então ótimo para nosso


filho. Mas fui eu que o criei sozinho por anos, enquanto a
mulher pulava de país em país, correndo atrás do sonho de
ser modelo.

E agora ela decidiu que quer ser uma mãe carinhosa e


passar por cima das minhas decisões? Que castigo de
merda é esse que estou recebendo?

Saio do banho e visto uma calça de pijama. Pego o celular,


entro no meu escritório e disco sem pensar muito, para não
desistir da ligação.

— Alô?

Sento na cadeira e coloco a mão fechada em punho sobre a


mesa, respirando fundo antes de falar qualquer coisa.

— Lia, por que enviou um telefone de presente para João


Pedro? —

Controlo meu tom de voz ao soltar a pergunta.

— Ah, oi, Hugo. É você, querido. — Ranjo os dentes ao


ouvir seu tom de voz doce. Ela sempre fala comigo
ronronando, como uma felina amansada, e me irrita sua
habilidade de esquecer como quebrou minha confiança e
meu coração anos atrás. — O João me pediu o telefone e
dei.

Todos os meninos da idade dele têm um.


— Isso não quer dizer nada! — sibilo, encarando o teto. —
João Pedro estava de castigo.

— Ele me contou. Não acha que pegou pesado demais? I’m


coming, just a second! [6] — ela grita para alguém, e noto
que está em algum lugar movimentado. Provavelmente,
em um desfile, ou qualquer porcaria dessas que uma
modelo internacional como ela faz. — Escuta, tenho que ir
agora.

Mas a gente se fala depois. Te ligo, ok?

— Não se dê o trabalho — rosno, antes de desligar a


chamada.

Suspiro e ligo meu notebook. Passo a próxima hora


concentrado em meu trabalho, pois é o melhor que posso
fazer.

Quando é quase meia-noite, fecho o tampo do computador


e pego meu telefone. Caminho até a cozinha e abro a
geladeira. Ana deixou uma vasilha com as sobras do
almoço separadas e a coloco no micro-ondas.

Abro meu WhatsApp enquanto espero a comida esquentar.


Tem uma mensagem de bom dia com um salmo e um link
da minha mãe. Quando clico, vejo que se trata de um vídeo
do canal daquela mulherzinha mal-educada, e quase envio
umas respostas grosseiras para dona Regina.

— Está querendo me irritar, mãe? — falo baixo, largando o


aparelho na bancada de mármore.

Quero apagar a imagem daquela leoa da minha cabeça.


Ninguém me tirou do sério com tanta facilidade quanto
Dandara com sua atitude petulante, e espero nunca mais
ver nada relacionado a ela na vida. Se a vir em alguma
reunião de pais, passarei longe.
Bem longe. O suficiente para evitar aquele olhar selvagem.

05

DANDARA

TRÊS SEMANAS DEPOIS

— O que achou do meu look? — Dou uma voltinha,


caminhando ao lado do meu filho no estacionamento da
sua escola.

— Ficou linda, mãe. Mas não precisava de tanto vermelho.


— Rio do seu comentário quando aponta para minha
legging vermelha e a camisa do Flamengo que combina
com a parte de baixo.

Queria ter feito pompons e pintado a cara com tinta, só que


meu filho me impediu de ir longe na produção.

— Está com raiva porque vim com o manto do Mengão. —


Trombo meu ombro no seu. — A culpa é sua, que quis ser
rebelde, vascaíno sofredor.

— Não enche! — grunhe, todo ressentido.

— Ei, você é a Dandara, da DanDelícias! — Viro o rosto na


direção da garota que acaba de me reconhecer. — Adoro
suas receitas, mas nunca acerto o ponto do brownie.

— O segredo principal é a temperatura do forno. Tem que


pré-aquecer a 180° e não pode deixar passar do tempo.
Não pode esquecer de vigiar — aconselho como uma velha
anciã.
— Vou fazer assim da próxima. — A jovem de cabelos
ruivos sorri.

— Posso tirar uma foto com você?

— Claro, querida.

Ela vem até mim e saca o telefone do bolso. Abre a câmera


e faz o clique antes de acenar e se afastar.

— Como consegue conviver com esse reconhecimento? —


Rafa pergunta ao meu lado, curioso. — Deve ser cansativo
e invasivo.

— A gente se acostuma. E nem sou tão famosa assim,


Rafa.

— DanDelícias? Você é a moça que minha mãe assiste


como se fosse novela das seis! — Uma outra garota solta
um gritinho agudo e Rafael me lança um olhar descrente.

A aluna vem até mim e tira uma foto para a mãe.


Passamos por mais cinco adolescentes, que me param para
bater papo, antes de adentrarmos o pátio principal do
colégio.

É aqui onde quatro grandes grupos estão reunidos, e o que


os diferencia é a cor da camisa que usam: vermelho,
amarelo, verde e azul.

— Vem, mãe. — Rafa me conduz pela mão até o grupo


vermelho.

Nos embrenhamos no meio da multidão e nos esprememos


para caber no meio de toda essa gente. Rafael me explicou
que nas últimas semanas, eles tiveram competições
durante a tarde na escola, e cada vitória acumulou pontos
para o time. Foram jogos de futebol, vôlei e queimada.
No placar, o time vermelho está em segundo lugar, atrás
somente da equipe azul. Hoje será a final do futebol
masculino, e, além disso, terão competições com a
participação dos pais, como corrida com o saco e cabo de
guerra, e estou ansiosa para esse momento. Espero ajudar
o vermelhão a vencer.

— Vamos chutar a bunda desses azuis fracotes, Rafa! —


Dou um tapinha em seu ombro e ele balança a cabeça em
negação.

— Mãe, não fala isso em voz alta — chia entredentes.

— Sua mãe está certa, menino! Nós vamos arrancar


sangue desses azuis hoje. Eles nem vão saber de onde está
vindo tanta paulada. — Uma perua de cabelos loiros me
oferece uma piscadela confidente. — Sou Valéria, a
propósito. — Ela estende a mão e a cumprimento.

— Dandara. — Ofereço um aperto firme. — Gostei do


vestido. —

Aponto para a peça de estampa de zebra que usa, que não


combina muito com a tiara vermelha em seus cabelos.

— Vai começar. — Rafa me dá uma leve cotovelada e


aponta para o diretor que está embaixo do arco à nossa
frente. Esse canalha.

— Sejam bem-vindos, pais e responsáveis, à nossa 17ª


gincana interclasse! — o diretor inicia seu discurso. —
Estamos felizes por mais um evento realizado com sucesso,
e tudo graças à equipe maravilhosa do Colégio São Bento.

Enquanto o diretor palestra, procuro meu espelho na bolsa


e o batom. Retoco o vermelho em meus lábios, e quando
estou prestes a fechar o espelho, um vulto chama a
atenção atrás de mim.
Olho bem para o reflexo, para garantir que minhas vistas
estão boas ou se preciso ir ao oftalmologista.

Estou vendo muito bem, ao que parece, pois ali está Vossa
Excelência, o senhor juiz de araque, se misturando aos
piolhos do time azul.

— Hum, o juiz Alencar! — Fecho a tampa do espelho ao


perceber que Valéria notou minha movimentação. — É um
belo bumbum, não é? —

sussurra para que só eu ouça.

— Nem reparei, acredita? — Balanço os ombros, mostrando


indiferença.

Mas, sim, é um belo bumbum. Todo redondinho e


empinado. Será que ele malha ou a genética o favoreceu?

— Se eu não fosse bem-casada, investiria. Um partidão


desses dando mole por aí... — Valéria se abana.

Sinto Rafael apertar minha mão com força, indicando que


não está gostando nadinha desse papo de mulher
assanhada. Lanço um olhar feio para meu filho, porque
quero instigar essa fofoqueira a falar, e ele tem que ficar
de bico fechado para isso acontecer.

— Ele é pai do João Pedro do 1°B, certo? — Finjo estar


desinformada, desviando o olhar de Rafa. — Onde está a
mãe desse menino? Conhece ela?

Estou curiosa para saber sobre a mãe do garoto desde


aquele dia, porque não é comum que o pai esteja presente
nas reuniões sem a mãe do aluno ao lado. Pelo menos é o
que imagino.
— Menina, nem te conto! — Pois conte logo, Valzinha. — A
mulher mudou de país quando o garoto tinha semanas de
vida. Dizem as más línguas que ela só aparece duas vezes
no ano e logo some de novo.

Abro a boca, em choque, sem saber como me recompor


desse baque.

Uma coisa é o traste que me engravidou e fugiu da


responsabilidade quando contei sobre o Rafa, pois ele é
homem. Infelizmente, para macho, a gente dá

“oi” com as expectativas já baixas. Agora, uma mãe largar


o filho dessa forma? Isso não se faz.

— Mãe, vai começar. — Rafael me tira da inércia,


apontando para a quadra e me puxando para acompanhá-
lo.

Valéria nos segue, caguetando[7] outros pais e mães,


falando sobre a vida alheia, enquanto dou corda.

Rafa vai com os colegas de seu time até o centro da


quadra quando a disputa final do futebol está prestes a
começar. O lugar está lotado, e Valéria e eu nos
esprememos no meio da torcida vermelha, para conseguir
um lugar para sentarmos.

Quando o jogo contra o time amarelo começa, sou


dominada por uma energia competitiva destruidora. Cresci
com três irmãos, e se tem uma coisa que aprendi, foi a dar
meu sangue diante de qualquer disputa. Por isso, quando
dou por mim, já estou no murinho da arquibancada. Tiro da
bolsa o pacote de apitos que trouxe, escondido de Rafael, e
distribuo para a galera que acabei de conhecer. Val, que já
se tornou íntima, me ajuda a aquecer a torcida.
Um aluno do terceiro ano, que está do nosso lado, puxa um
coro com os gritos de guerra que eles criaram, enquanto o
pai de um dos alunos, que tem um pandeiro em mãos,
começa a tocar. Pronto, a balbúrdia é instaurada.

O jogo começa e gritamos bem alto quando nosso time


rouba a bola.

A torcida amarela, que está do outro lado da quadra, tenta


acompanhar

nosso ritmo, mas quem lidera essa bagunça da torcida


vermelha é Dandara Santos da Silva, e comigo ninguém
pode!

Quando Camilo, o amigo de Rafa, faz o primeiro gol para


nosso time, os urros e assobios que saem de nós são
ensurdecedores.

— Alguém precisa controlar esse bando de primitivos! —


Ouço um protesto feito em alto e bom som vir da equipe
azul, que está ao nosso lado.

Me viro para a mulher que fez o comentário infeliz e ergo


uma sobrancelha, fazendo uma expressão de deboche
antes de dar as costas para ela.

— Conheço essa daí, Silvana. — A voz esnobe de Vossa


Magnificência Alencar chega até mim. — Não vale a pena
perder seu tempo, é um bicho indomável.

Finjo que não foi comigo. Ele está se mordendo porque


abalei seu mundinho impecável ao mostrá-lo que o filho
perdeu as estribeiras e que, talvez, ele não seja o paizão
que pensou que fosse.

Continuo a pular e gritar, até que o primeiro tempo acaba


com um a zero para nossa equipe. Os times trocam de
lugar na quadra, enquanto nossa festa continua. O jogo
recomeça e seguimos os incentivando. Rafa não tem tanta
habilidade para finalizar a jogada e fazer gols, mas troca
passes com agilidade, e grito seu nome por diversas vezes,
dando instruções.

O segundo tempo é um baile da nossa parte. Fazemos mais


três gols, e quando o árbitro apita o final do jogo, nosso
grito de vitória ressoa na quadra.

Rafa vem até a arquibancada com a camisa na mão e um


sorrisão que me deixa feliz. Ok, talvez ele goste de estar
nesse colégio. Não preciso me preocupar tanto com sua
adaptação.

Meu receio vinha do fato de que já lidei com incontáveis


situações revoltantes de racismo, em que senti na pele a
discriminação. Lembro-me de quando fui fazer um curso na
Europa, há alguns anos, e era a única negra estrangeira
dentre os alunos. Mal consegui acompanhar as aulas,
porque tinha um francês muito básico, que estudei apenas
para essa viagem. Os professores eram uns bundões que
não ajudavam em nada, e foi difícil

chegar ao fim dos estudos sem me deixar abalar pela


sensação de ser humilhada a cada tentativa de fazer uma
receita perfeita.

Temi que Rafael sofresse o mesmo nesse colégio novo,


porque logo notei que, diferente da antiga escola, que
tinha mais negros, por conta do programa de bolsas, aqui a
maioria dos alunos é branco.

— Vai se voluntariar para a competição de pais? — Rafa


questiona, ofegante.

— Ainda pergunta? Vou ser a primeira da fila! — Ele solta


um riso baixo e se senta em um lugar vago.
O diretor e alguns professores, que reconheço das reuniões
de pais, se reúnem no centro da quadra.

— Bom, foi um jogo eletrizante, estou arrepiado até agora.


— Caio ergue o braço, como se quisesse provar o que falou.
— Parabéns, equipe vermelha! Vamos começar a
competição com os pais agora. Teremos corrida com saco,
corrida da colher, cabo de guerra e, por fim, faremos uma
caça ao tesouro diferenciada. Quem será o pai que irá se
voluntariar para a corrida de saco?

— Eu vou! — Vossa Senhoria ergue o braço, pronto para


representar o time azul.

Olho para o homem negro alto ao meu lado, que possui um


par de pernas que é quase do meu tamanho.

— Você vai ser nosso representante, amigo! — Cutuco o


ombro dele com a ponta da unha e aponto para a quadra.

— Entendido, patroa! — O homem faz graça e segue minha


ordem.

O juiz Alencar passa por mim, e pela primeira vez no dia,


seus olhos verdes gélidos encontram os meus. Sua
mandíbula bem-marcada está travada, indicando sua
tensão. Ofereço-lhe um sorriso doce e falso e balanço os
dedos no ar, acenando, o assistindo se afastar.

Os homens colocam os sacos de estopa nas pernas e se


posicionam, seguindo as instruções de um professor.

— Em seus lugares! — o professor de Educação Física grita.


Vocês vão correr, dar a volta nos cones e voltar.


Preparados? — Os pais acenam e ele apita alto, fazendo
com que as torcidas comecem a berrar um
“vai!” fervorosamente.

Meu coração bate forte quando o nosso representante


perde a primeira posição para o Alencar. Rosno quando o
juiz passa pela linha de chegada antes de todos, nos
derrotando nessa competição.

— Vai virar inimiga do cara? — Rafa está de pé ao meu


lado, e noto um sorriso divertido dançar em seus lábios.

— Eu e você somos inimigos de gente que nos despreza,


Rafael. Viu o jeito que o filho dele falou de nós?! Além
disso, o moleque te deu uma cotovelada.

— Mãe, o JP é um garoto cheio de problemas. Tem gente


que machuca porque está ferido demais para lidar com a
própria dor —

argumenta. — Ele não fez por maldade. E, além disso, a


cotovelada foi sem querer, pelo que ouvi da galera.

— Iiiih, qual foi?! Vai defender mauricinho agora? —


questiono com a sobrancelha erguida.

— Não é isso, só estou dizendo que ele não é uma pessoa


ruim. —

Rafael passa a mão em seu cabelo crespo de corte curto. —


É uma pessoa que está magoada.

— Certo. — Estalo a língua no céu da boca, ainda arisca. —


De onde vem tanta sabedoria, hein?

— Da senhora, Danda. — Porra, assim o moleque dificulta o


sermão, que estava prestes a dar, ao encher meu peito de
orgulho!

Estou criando bem meu menino, e é o que mais importa


para mim no fim do dia. Rafa vai se tornar um grande
homem. Ele me teve como pai e mãe, e sempre temi que
eu não bastaria, que chegaria o dia em que ele ia começar
a fazer perguntas sobre o pai. Rafael até teve curiosidade
para saber mais sobre o palhaço que me engravidou, e
respondi a verdade: o cara havia sumido no mundo quando
soube da gravidez.

Rafa não fez mais nenhum questionamento, o que me


deixou aliviada. Até porque, nunca mais tive notícias de
seu progenitor, então não seria capaz de saciar suas
dúvidas.

Estamos na última competição, que é a caça ao tesouro.


Não faço ideia de qual seja o placar, porque o diretor da
escola quis fazer suspense ao ocultar quantos pontos valia
cada disputa.

Agora, uma lista de objetos está na mão de Caio, que nos


manda ir em busca das coisas mais esdrúxulas em troca de
pontos.

Até aqui nos pediram um broche com a bandeira do estado,


foto tirada com polaroid, moeda de um país estrangeiro,
chaveiro comprado em uma praia do Nordeste e o diploma
de alguém que tenha se formado na UERJ. Ganha pontos
quem entregar primeiro o objeto ao diretor.

— O próximo e último item da lista é: a certidão de


nascimento de alguém nascido em um dia ímpar de
agosto! — Caio grita no microfone.

— Cacete, mãe, me fala que tu... — Rafa começa a falar,


mas já estou com a chave do carro na mão.
— Segura minha bolsa, Rafael! — A empurro para seu peito
e ele abraça a bolsa.

Saio em disparada e meu time abre caminho para mim.


Corro até o estacionamento, e quando estou prestes a
alcançar minha BMW, um braço se fecha em minha cintura
e me tira do chão.

Mas que...

— Essa vitória é minha, leoa selvagem. — O juiz filho da


puta me coloca atrás de si e passa na minha frente.

Ele acabou de... Ele me... Não consigo formular um


pensamento.

Aparentemente, meu corpo esqueceu de como é o toque


de um homem, porque meu cérebro está prestes a pifar,
processando o abraço dele. Tão firme... O juiz Alencar me
tirou do chão sem nenhuma dificuldade...

Dandara, se recomponha!

— Seu cu! — berro, furiosa, abrindo o carro e desviando


quando ele tenta entrar no meu caminho.

Ainda não consigo acreditar que esse canalha, salafrário,


teve a audácia de me carregar como se eu fosse uma
boneca de pano!

Ignoro o ocorrido e procuro os documentos de Rafa que


carrego comigo, como o cartão de vacinas e a bendita
certidão. Ergo o papel no ar e o beijo quando o encontro.

Fecho a porta e percebo que o juiz está correndo em


disparada no estacionamento, com o que deduzo ser a
certidão do filho em mãos. Coloco minhas pernas para
funcionar e corro.
O armário em forma de homem tem um excelente preparo
físico, mas ele não tem a equipe vermelha a seu favor.

— Agora! — grito da ponta da quadra, quando entramos.

Minha equipe fecha a passagem para o juiz Alencar, e ele


perde alguns segundos ao ter que dar a volta. Enquanto
isso, entro no corredor humano que se abre tal qual o Mar
Vermelho diante de Moisés. Combinei mais cedo, com
minha equipe, essa jogada, e acabo de usá-la a nosso
favor.

Ergo o braço e coloco o papel na mão de Caio dois


segundos antes do juiz.

— Olha, que coincidência! Os dois nascidos no dia quinze


de agosto. — Caio analisa a certidão. Grande descoberta! E
daí que João Pedro e Rafa nasceram no mesmo dia?
Acontece. — Mas Dandara entregou primeiro, então...

— Ela roubou! — O juiz Alencar está todo estressadinho. —


Fez a equipe fechar o caminho.

— Isso se chama estratégia, Vossa Magnificência. — Estufo


o peito, o rebatendo.

— O juiz Hugo Alencar tem um bom argumento... — Puta


que pariu, Caio é mesmo lambe-chão desse homem, não
é?!

— O juiz está com vergonha de ter perdido para uma


mulher, isso sim! — contra-argumento e toda minha equipe
faz barulho, o provocando.

Hugo, o qual acabo de descobrir o nome, me olha de cima


a baixo, com o nariz fino empinado, como se fosse um
soberano. Não abaixo a cabeça, ele tem que saber que sua
autoridade funciona apenas dentro das portas do fórum.
— Dandara, Dandara, Dandara! — Valéria puxa o coro e
nosso time incendeia, gritando meu nome, pressionando o
diretor.

Caio ergue as mãos, tentando apaziguar o pessoal, e, aos


poucos, as vozes vão diminuindo.

— A vitória é de Dandara! — Ele aponta para mim e nós


celebramos com apitos e gritos. — Vamos trazer a
somatória final para declarar o vencedor da gincana em
breve.

Caio se reúne com os professores e esperamos


apreensivos. Encaro Hugo, que tem uma expressão
rancorosa em sua face. O escaneio de cima a baixo, só
para provocá-lo, e aceno em negação, para dizer que ele
não é tudo isso perto de mim.

O diretor volta minutos depois com o microfone em mãos.


Arranha a garganta antes de começar.

— Agradeço a participação de todos vocês que vieram até


aqui e prestigiaram nossa gincana. Foi uma boa disputa.
Vamos começar com o pé direito nossas férias! — exclama,
animado. — Desejamos aos nossos alunos um bom
descanso, e semestre que vem voltaremos com tudo.
Agora, o principal do dia. A equipe vencedora da gincana
do São Bento é... — Faz suspense. — A equipe vermelha!

A gritaria é generalizada, e arrepio toda com a alegria dos


alunos, que se abraçam e pulam uns nos outros,
comemorando a vitória. Rafa vem até mim e nos
abraçamos, celebrando.

— Obrigado por ter vindo, mãe. Você foi a força desse time
hoje!
— Deixe de bobagem, menino. Vocês fizeram o principal
até aqui.

— Acaricio sua bochecha.

Eles vibram até o chão tremer, e sorrio orgulhosa ao ver


meu filho com seus novos amigos, feliz e arteiro.

Depois de todos começarem a se dispersar, Rafa volta a se


colocar ao meu lado, quando estou trocando telefone com
Valéria. Me despeço da minha nova amiga e caminho com
meu filho até o estacionamento.

— Mãe, minha turma vai fazer um churrasco na casa do


Camilo. A senhora deixa eu ir?

— Os pais dele vão estar lá? — questiono, séria.

— Claro, Danda.

— Então, pode.

Rafa congela os passos e me faz parar de andar quando vê


o juiz e seu filho logo à frente. O tal João Pedro está com a
cara emburrada, enquanto o pai passa a mão no rosto,
nervoso.

Meu filho acena na direção deles, e tento negar, mas ele


insiste em ir até os Alencar. Reviro os olhos e o sigo,
pensando que seu coração é bom demais para seu próprio
bem.

— Ei, João! A galera vai se reunir na casa de Camilo e me


pediram para te chamar. — Rafael usa toda educação que
lhe dei para fazer o convite.

Evito olhar para qualquer um dos Alencar. Essa é uma


situação um pouco chata, já que eles não têm minha
simpatia.
— Valeu, mas vou passar — João responde com o tom
rígido, antes de se virar e entrar no carro.

O juiz fica com cara de palerma, olhando de Rafa para


mim, e, por fim, seguro meu filho pelo pulso e o conduzo
até nosso carro.

— Eu tive que tentar — Rafa comenta, frustrado, parecendo


conversar mais consigo mesmo.

— Abra a janela desse carro, porque você está fedendo a


suor, porquinho. — Faço graça para quebrar o clima, e
Rafael nega com a cabeça antes de abaixar o vidro.

Não entendo por que meu filho insiste em defender esse


garoto, e só espero que ele não se magoe ao tentar se
aproximar do filho do juiz.

06

HUGO

— Obrigado, seu Joca — agradeço ao dono do bar, quando


ele nos serve com nossas cervejas.

— Onde está o JP, afinal? — Murilo questiona, tomando um


gole da bebida amarga.

— Deixei ele no clube com os pais de uns colegas. Eles


estavam chateados depois da derrota e decidiram esfriar a
cabeça — explico.

— Conversou com ele depois do episódio do celular? —


meu pai indaga, sisudo.
— Não, Zeca. — Estalo o pescoço, sentindo uma fisgada de
tensão.

— JP não me dá nenhuma abertura. Está instável e briga


por qualquer coisa.

— Vai acabar deixando seu filho escapar assim, Hugo. —


Sou repreendido pelo meu pai. — A adolescência é uma
fase complicada. Você também não era fácil de lidar nos
seus quinze anos.

Não respondo meu pai de imediato, porque paro e penso


na mulher cheia de energia que deu o sangue para que o
filho ganhasse uma gincana.

Me recordo da sua postura tensa ao parar na frente de João


Pedro, como se fosse dar o bote se meu filho ou eu falasse
alguma merda. E depois disso, ela saiu de mãos dadas com
sua cria, um gesto de pura cumplicidade.

Talvez, o problema não seja a fase da vida em que JP se


encontra.

Talvez, o erro esteja em mim. Tentei ser um bom pai e não


consegui.

Balanço a cabeça, me livrando do pensamento, e ergo o


olhar a tempo de ver uma leoa surgir na minha frente,
como se meu pensamento a convocasse.

Cacete, ela está me perseguindo?

Dandara entra no bar com uma outra mulher em seu


encalço. As duas estão rindo e conversando alto. Sua voz
morre, no entanto, quando o olhar ferino encontra o meu.

É um momento inoportuno para recordar do meu ato


insensato naquele estacionamento. Não sei que caralhos
passou pela minha cabeça para que eu abraçasse sua
cintura e a erguesse no ar, a tirando do meu caminho. Foi
um erro muito caloroso, o qual devo admitir que cometeria
mais uma vez.

Seu cheiro... Porra, seu corpo... Cada curva dele se


encaixou no meu por um maldito segundo e ansiei que o
tempo congelasse, para que gravasse a sensação de tê-la
em meus braços.

Deve ser a seca do caralho que estou, que está me fazendo


delirar.

Porque não vou admitir que meu tesão foi despertado por
essa criatura irritante.

— Olha se não é Vossa Magnificência, o juiz Alencar. —


Ousada, ela apoia a mão na nossa mesa e me lança um
sorriso perverso.

— Leoa selvagem, não sei se sabe, mas você se dirige a


um juiz como “Vossa Excelência” — rebato, tendo a mesma
expressão sarcástica que a sua.

— Ah, eu sei, Vossa Senhoria! — Me dá dois tapas no


ombro ao provocar. — E os senhores, quem são? — Ela se
vira para meu pai e Murilo.

— Murilo Belmonte, a seu dispor. — O pilantra segura a


mão da mulher e beija o dorso, a fazendo rir.

— Sou o pai desse homem aqui. — Zeca aponta para mim.


— José Carlos, prazer. — Ele e Dandara se cumprimentam
com um aperto de mãos.

— Sou Dandara, mãe do Rafael, um dos colegas de João


Pedro. E
essa é minha amiga e sócia, Evelin. — Ela aponta para a
mulher que a acompanha.

— É um prazer, Dandara. Minha mulher é sua fã, não perde


um vídeo seu. — Meu pai vai me tirar do sério hoje, estou
prevendo. — Puxa

uma cadeira e senta com a gente.

— Pai! — repreendo-o. — Não acho que elas queiram...

— A gente aceita o convite, seu José Carlos. — Dandara e


Evelin colocam duas cadeiras em nossa mesa e se sentam
como se fossem amigas de longa data.

Travo a mandíbula e bebo o conteúdo do meu copo de uma


só vez, expurgando as respostas que elaborei para colocá-
la em seu lugar.

— Pode me chamar de Zeca. — Velho bajulador do caralho!

— Zeca. — Dandara esbanja simpatia, o que me


surpreende, visto que comigo ela só oferece respostas
afiadas. — Ô, seu Joca! — Abana a mão no ar, chamando a
atenção do dono do bar. — Traz uma Antarctica geladinha e
uma Heineken, por favor.

— É pra já, Danda. — Joca vai até a geladeira.

— Conhece o Joca? — Murilo indaga, atento a cada gesto


da mulher.

É bom que ele desvie o olhar agora do decote dela, ou


arrancarei seus globos oculares como punição por ser um
canalha sem pudor.

Como se lesse meu pensamento, ele volta sua atenção


para a cerveja.
— Desde quando eu era menina, meu pai me trazia aqui
com meus irmãos. Ele comprava sua cervejinha aos
domingos e deixava a gente escolher um doce — Dandara
narra, tendo saudosismo na voz.

— Cruzes, Danda! Do jeito que falou, parece que o Valter


foi com Deus! — Evelin faz um sinal da cruz, espantando o
pensamento e entrando no assunto.

Percebo como seus gestos se assemelham aos de Dandara,


e o que as difere são alguns traços físicos. Evelin está
usando tranças, tem a pele negra retinta e é um pouco
mais baixa e curvilínea. Além disso, ela não tem a postura
de quem está prestes a atacar quem entrar em seu
caminho, como a que a youtuber ostenta.

— Deus me livre! — Dandara balança as mãos no ar. —


Aquele velho ainda vai viver uns bons anos, para me
atormentar com sua teimosia.

— Aqui, Danda. — Joca serve as cervejas delas e volta para


trás do balcão.

— Antarctica? — Meu pai parece se dar conta agora do


pedido de Dandara. — Achei que eu fosse o único cidadão
de Vilabela que apreciasse essa cerveja, mas encontrei
uma companheira de gole.

Companheira de gole? Está na hora de suspender o álcool


do velho, bebeu o suficiente por hoje.

— É a cerveja mais incompreendida pelos brasileiros. —


Dandara bebe um pouco e passa a pontinha da língua no
lábio superior, para limpar a espuma.

Ah, sim, essa língua atrevida...


— Concordo. Tentei ensinar isso para esse aqui... — Meu
pai aponta para mim. — Mas cresceu cheio de frescura.

— Deixa eu adivinhar. Só bebe cerveja artesanal. —


Dandara faz piada.

Descarto qualquer comentário, mas o olhar dela está no


rótulo da garrafa à minha frente, com ela confirmando seu
palpite ao ler as informações sobre a artesanal que estou
bebendo.

— Hugo, como é que faço uma chamada de vídeo com essa


porcaria? — Zeca grunhe, com os óculos de grau na ponta
do nariz, para tentar enxergar as letras do telefone.

— Chamada de vídeo para quê, pai? É sábado, esquece o


telefone.

— Não era ele que deveria estar falando isso para mim?

— Vou ligar para sua mãe. Ela vai ficar elétrica de saber
que a gente está tomando uma com a DanDelícias. — Meu
pai não pode estar falando sério!

— Deixa eu te ajudar, tio Zeca. — Murilo ergue a mão,


pedindo o telefone.

— Tenho certeza de que a Dandara não quer ser


incomodada —

rebato, já impaciente.

Essa criatura impertinente não tem outro lugar para estar?


— Não é incômodo, não, Vossa Regência. — Esse
tratamento sequer existe, leoa selvagem. — Se não se
importarem, eu e Eve vamos ficar.

Ela está me desafiando. Não há outra explicação para o


canto da sua boca estar erguido em um gesto discreto,
como se estivesse adorando testar minha paciência. A
parte fodida é que me deixo envolver por esse sorriso
sacana. Me pego admirando seus gestos, a forma como
cada movimento parece ser calculado para esbanjar
sensualidade.

Murilo faz a tal chamada, e reviro os olhos quando minha


mãe grita do outro lado da linha ao ver Dandara. Como
esperar uma reação diferente de Regina, quando ainda sou
atormentado com seu bom dia de salmo seguido de um
vídeo do canal DanDelícias? Desconfio que as razões para
que eu seja importunando logo cedo com a voz de Dandara
não sejam tão nobres assim, mas escolho não dizer nada.

Levanto e vou até o balcão para pedir outra cerveja, e


deixo o fã clube de Dandara enchendo sua bola na mesa.

— De jeito nenhum você fez isso! — Dandara joga a cabeça


para trás e gargalha.

Que som gostoso de ouvir.

— Juro pela vida do JP. — Ergo as mãos, abrindo os dedos


para mostrar que não estou brincando. — Era moleque e
tinha invadido o colégio para nadar na piscina. Meu pai já
era juiz na época, ele ia arrancar meu couro se soubesse
do meu delito, então, eu e meus amigos tivemos que sair
correndo e pular o muro de sunga e descalços.

— Vossa Beneficência é um delinquente também. — Ela


brinda a cerveja no ar, já está altinha[8].
— Por que não me chama apenas de Hugo? — Apoio os
braços cruzados na mesa e tombo o corpo para frente.

Se me perguntarem como chegamos a esse ponto, não


saberei dizer.

Em um minuto, eu estava reclamando com o Joca sobre a


risada escandalosa da mulher; no outro, estávamos os
cinco na mesa, gargalhando e matando tempo.

Quando começou a anoitecer, Murilo disse que ia levar


meu pai para casa, porque era hora dos remédios de
pressão do velho, e pedi a eles que buscassem o João e o
levasse para casa.

Por quê? Simples, quis muito ficar aqui. Fazia tempos que
não saía de casa, pois não é ideal que um juiz se exponha
tanto. Além disso, o trabalho toma boa parte dos meus dias
e quase não encontro tempo para relaxar.

Me surpreendi quando, ao ficar na companhia de Dandara


e Evelin, mal notei o tempo passar. Ao deixar nossa
discussão infantil de lado, permiti que ela me conhecesse
melhor, e Dandara fez o mesmo.

Quando Evelin foi embora com a justificativa de que


precisava buscar a filha em um aniversário, nós dois
permanecemos. A conversa fluiu como se fôssemos velhos
conhecidos, e cá estamos nós, prestes a fechar o bar com
Joca. Arrisco dizer que ela despertou minha simpatia, mas
não sei se irei tão longe.

— Se te chamo de Hugo, aí não vou ver sua cara de quem


está puto porque errei o pronome de tratamento. — Ela
cruza o belo par de pernas que tem, fazendo a saia subir, o
que deixa suas coxas à mostra.
Desvio o olhar antes de ser pego encarando aquilo que não
me pertence.

— Não fico puto. — Encosto a coluna na cadeira, me


espreguiçando.

— Fala sério! Vi na sua cara. Acha que sou uma ignorante


de tudo, aposto.

— Não é do meu feitio julgar alguém que mal conheço,


Dandara —

respondo sério.

— Sei... Não é esse seu papel na sociedade? Julgar? —


Ergue a sobrancelha, com aquele ar debochado. — Ei, Joca!
Aumenta esse som aí,

homem! — O dono do bar atende ao pedido dela. — Então?

— Meu papel é julgar baseado em evidências concretas. —


Aliso a barba e mantenho meu olhar cativo no seu. — Não
tenho nenhuma evidência para julgá-la, Dandara.

— Que tal essa daqui? Sou fã número um da Marrom. — Ela


pega a garrafa da minha cerveja e finge ser um microfone.
— Quando estou amando, sou mulher de um homem só.
Desço do meu salto, faço o que te der prazer. Mas, ó meu
rei, a minha lei você tem que saber. — Ela acompanha a
música da Alcione que toca nos alto-falantes do bar,
forçando uma voz anasalada.

Ainda bem que seu sustento vem da confeitaria. Não que


seja uma cantora ruim, mas não é das melhores também.

— Está mais para uma leoa selvagem do que uma loba — a


provoco, fazendo referência à canção, e ela dá de ombros.
— Fã número um da Alcione. Ok, mas ainda não é o
suficiente para eu te julgar.

— Tenho um canal com milhões de fãs, Vossa


“Indelinquência”. —

Bate os cílios como uma dama inocente. — Sou uma boa


mãe, ou tento ser.

— Perde o sorriso por um segundo.

— Acha difícil também? — Tomba a cabeça, sem entender.


— Ser mãe — elucido. — É um labirinto sem fim a
paternidade para mim. Quando acho que cheguei a algum
lugar, ergue-se uma nova muralha, com mais um desafio a
ser cumprido.

— Acho que vai ser assim pelo resto de nossas vidas —


Dandara suspira ao refletir.

— Desculpa a pergunta indelicada, mas onde está o pai do


Rafael?

— indago com cautela, já que não sei se a história com o


pai do garoto é boa de se ouvir.

Dandara bufa e cruza os braços, assumindo uma postura


defensiva.

— É uma boa pergunta. Queria ter uma resposta, mas o


que posso dizer é que o desgraçado saiu para comprar
cigarro quando soube da gravidez e nunca mais voltou. —
Ela entorna a bebida do copo de uma só vez, irritada como
uma fera.

— Sinto muito por isso. É uma merda dizer que,


infelizmente, é uma triste realidade no Brasil. — Ela acena,
concordando. — Qual é o nome dele?
— Te manca, cara! Não vou dar o nome do meu ex-
namorado para você ir atrás de algum processo contra ele.
— Tento não demonstrar surpresa ao ver que ela adivinhou
minha intenção tão rápido.

— Prometo não procurar o nome dele — falo com o tom


neutro.

— E eu sou botafoguense — rebate, sem acreditar na


minha palavra.

— Sua camisa do Flamengo não era nada discreta —


comento despretensiosamente. — Um nome. E nunca mais
falo nada sobre o sujeito.

— Você é curioso, hein?! — diz, agitada. — Ricardo Soares


Neto. É

um nome genérico.

— Nunca foi atrás dele?

— Não, e nem quero. Se achar alguma informação do


sujeito, por favor, não me diga nada. Não quero saber, me
ouviu? — A leoa aponta as garrinhas para mim, me
deixando saber que qualquer informação sobre seu ex é
dispensável.

— Em alto e bom som. — Meneio a cabeça, confirmando.

Se eu tivesse a opção de não saber nada sobre minha ex-


mulher, também o faria. Mas Lia está sempre à espreita.
Quando penso que vai se afastar de vez, ela aparece de
surpresa. Deixa migalhas de carinho para João Pedro catar
e acha que é o suficiente. Depois, quem tem que lidar com
a instabilidade do garoto sou eu.
Pensando bem agora... Suas visitas têm sido mais
frequentes do que eu gostaria. Só esse ano ela já esteve
aqui três vezes, o que foi uma surpresa desagradável.

O que essa mulher está aprontando? Alguma coisa tem aí.

— Vai falar sobre sua esposa? — Dandara joga verde,


subestimando minha capacidade intelectual.

— Vi você conversando com Valéria mais cedo. — Tento não


sorrir.

— Conheço aquela cobra criada, e ela gosta de destilar


veneno por onde

passa.

Valéria já havia me abordado nas poucas reuniões que


consegui participar no colégio. Veio fofocar sobre a vida de
todos os pais dos alunos da escola, me deixando irritado
com tanta frivolidade.

— Se não quiser falar, tudo bem. — Dá de ombros. — Mas


acho justo que compartilhe algo, já que me fez falar sobre
o pai do Rafa.

— Lia não queria ser mãe. Estávamos na nossa viagem de


lua de mel, em Verona, quando ela descobriu a gravidez. —
Rodo a tampinha da cerveja com a ponta do dedo, preso
em uma lembrança distante. Foi um momento de felicidade
tão volátil, que parece até que minha imaginação criou a
memória daqueles dias na Itália com Lia. — A primeira
coisa que ela disse foi: “vou tirar”. Meu chão se abriu, senti
a terra tremer sob meus pés. Implorei para que mantivesse
a criança, porque eu cuidaria dela.

Assumi o compromisso de criar o João sozinho. Lia queria


investir na carreira, uma criança não se encaixava em seus
planos. Nove meses depois, JP nasceu, e no mês seguinte
assinamos o divórcio e ela se mudou para Milão.

— Sinto muito por isso — murmura, envergonhada.

— Faz muito tempo. — Estou ansioso para dar fim a essa


conversa.

— Tem contato com ela? — indaga com cautela.

— Só quando é necessário. João Pedro é quem tenta


estabelecer uma conexão com a mãe. — Dandara
comprime os lábios e acena, dando o assunto como
encerrado.

— Até que você não é uma pessoa tão ruim, Vossa


Santidade. —

Sorri com leveza, dissipando a tensão.

— Vai ser sempre assim? Irá dizer o primeiro tratamento


que vier à sua cabeça?

— Está prometendo vir atrás de mim mais vezes para ter


minha companhia? — Engasgo quando a cerveja desce
pelo lugar errado, e ela ri da minha desgraça.

— Não foi o que quis dizer. Eu... — Coço a nuca, sem saber
como sair dessa situação constrangedora.

— Vou fingir que não implorou para ser meu amigo. — Ri do


meu desconcerto.

— Estávamos indo bem, não estrague o momento — digo,


dando um sorriso de canto.

— Está certo. Isso quer dizer que estamos deixando a briga


adolescente de lado?
— Estamos. — Brindo a garrafa no ar e ela faz o mesmo
com seu copo. — Sei que ainda desconfia do JP, mas posso
garantir que meu filho não agiu de má-fé. Dê a ele um
tempo, e ele irá abaixar a guarda e se desculpar — peço,
deixando o orgulho de lado.

— Acredito em sua palavra, mas ainda vou ficar de olhos


abertos.

Não quero saber de mais nenhuma confusão — responde,


deixando seu lado extrovertido para escanteio.

A noite se estende sem que nenhum de nós queira a


encerrar.

Dandara é mesmo uma caixinha de surpresas que me


desperta uma curiosidade traiçoeira.

Talvez, seja seu riso fácil. Se os confeiteiros têm alguma


receita secreta, essa mulher esconde a sete chaves os
ingredientes para a felicidade plena. Essa é sua receita
especial.

07

HUGO

— Isso é trapaça, JP! — exclamo, indignado, quando ele


atinge e ultrapassa meu carro, o fazendo rodar na pista.

— Você é terrível nisso, pai. — Ele gira e aperta os botões


do controle do videogame, enquanto tento alcançá-lo, mas
é tarde demais.
Perco feio a corrida do jogo virtual.

— Desisto. — Fico de pé. — Vou fazer nosso almoço depois


de ter sido humilhado pelo meu próprio filho.

Caminho até a cozinha e abro a geladeira. Pego o salmão


que deixei marinando e começo a preparar. É fim de
semana, folga da Ana, e João e eu costumamos almoçar em
um restaurante ou na casa dos meus pais, mas hoje eu
quis fazer algo para agradar meu filho.

Ontem, quando cheguei em casa, depois de pegar um


Uber, ele já estava aqui. Não contei sobre o encontro com
Dandara, já que não sei como reagiria. E não foi nada de
mais, sequer trocamos telefone ou marcamos de nos
encontrar no futuro. Foi só um papo bom, no fim.

Assim que meu filho me viu, pediu desculpas pela briga


que tivemos depois da gincana. JP ficou nervoso e quis me
culpar pela derrota, mas nos resolvemos. Decidi não
prolongar a discussão.

Hoje decidi cozinhar seu prato preferido e espantar de vez


a nuvem cinzenta entre nós.

— Pai, quero conversar com você. — João senta na


banqueta da ilha que divide a cozinha e a sala de jantar.

Seus ombros estão rígidos e sua respiração acelerada.


Começo a pensar besteira, porque sua reação me assusta.
Não é possível que ele tenha engravidado uma garota. Isso
não! Dei uma camisinha em sua mão quando completou
quinze, quase um ano atrás. Também tive uma conversa
embaraçosa e expliquei sobre os riscos de ser pai jovem.

— O que aconteceu? — Sou incapaz de controlar minha


tensão.
— A minha... Minha... — Encara os dedos, os entrelaçando,
indicando seu nervosismo. — Minha mãe me chamou para
passar as férias com ela e... Ela comprou a passagem. Está
tudo acertado.

Ah. É isso.

Empurro a saliva pela garganta com dificuldade. Não tenho


motivos para me sentir traído, mas é esse sentimento que
se espalha agora em meu peito, como um ácido que corrói
minhas veias.

No entanto, não o deixo saber sobre como me sinto.

— Não precisa ficar com medo de me falar sobre seus


planos e desejos, JP — digo, controlando meu
ressentimento. — É sua mãe. Se quer passar um tempo
com ela, jamais te impediria.

— Valeu, pai. — Seus ombros relaxam no mesmo instante.

— Quando é o voo? — Giro nos calcanhares e começo a


trabalhar no molho de maracujá. — Olhou seu passaporte?
E o seguro-viagem?

Precisa de uma autorização, pois você é menor de idade.

— Já está tudo certo. — O que significa que essa viagem foi


planejada há muito tempo e nenhum dos dois disse nada.
— O voo é quarta à noite.

— Levo você até o aeroporto — decreto, incisivo.

— Tudo bem.

— Ligue para seus avós e chame eles para almoçar aqui


hoje. Se quiser, convide seu padrinho também.

— Show! — Ele acena e o ouço sair.


Relaxo meus ombros e respiro fundo, fitando a luz do sol
refletida na piscina. Não tenho o que fazer, só deixar o
menino viver a vida.

Minha preocupação é somente com seu coração. Não quero


assistir Lia magoá-lo, mas aquela mulher é capaz de tomar
qualquer atitude precipitada sem pesar as consequências.

— Está preocupado com a viagem dele, não é? — Minha


mãe me entrega um copo de suco de melancia com
gengibre, sua especialidade.

— A senhora sabia e não me contou — acuso-a.

— Ele me contou há pouco tempo, Hugo.

Dona Regina senta na espreguiçadeira ao meu lado e


estica as pernas. Tapa o sol com o chapéu enorme e tira os
óculos escuros da cara.

— Não quer dizer que ele decidiu viajar agora. — Observo


João tomar impulso, correr e virar um mortal antes de cair
na piscina. Murilo o segue, parecendo um adolescente tal
qual meu filho. — Uma viagem para a Europa não é
planejada da noite para o dia.

— Vindo da sua ex-mulher, pode se esperar qualquer coisa,


Hugo.

Sabe que aquela ali não pensa, só faz o que dá na telha. —


Minha mãe deixa sua amargura vir à tona.

— Não tem nada que eu possa fazer agora. Ela já comprou


a passagem. — Giro o copo, balançando as pedras de gelo.
— Não vou brigar com meu filho porque quer ir ver a mãe.

— Certo. — Não parece satisfeita com minha afirmação,


mas o que posso fazer? É a vida dele. Passei da fase de
proibi-lo de algo.

Outro dia tirei o telefone de JP e o inferno baixou nessa


casa. Não vou arriscar mais uma discussão.

— Mãe, quero pedir um favor do fundo do meu coração. —


Ela abaixa os óculos até a ponta do nariz e me lança um
olhar desconfiado. —

Pare de me mandar vídeos da DanDelícias!

— Um pedido do fundo do coração? — Aceno um “sim”. —


Sequer tem um, Hugo Alencar Ferreira.

— Mãe! — protesto.

— É sério. Se tal órgão existe em seu corpo, só cabe João


Pedro dentro dele. Vive se lamentando pelos pais que tem
e, além disso, nunca arrumou uma namorada depois do
divórcio. — Quanto drama. — Ou seja, é um carrasco sem
coração que vive em função de cumprir a lei.

— A senhora precisa arrumar um hobby. Vou lhe presentear


com uma máquina de costura, que tal? — sugiro. — Mãe,
escolhi dedicar minha vida ao meu filho e ao trabalho. Não
preciso de uma mulher, ok?

— Se é trauma, uma boa terapia resolve — fala com


naturalidade.

Massageio as têmporas, tentando ser paciente, pois com


gente velha você precisa ir devagar.

— Não é trauma. Tentei por um tempo ter uma namorada,


mas é difícil encontrar alguém que seja paciente quando eu
precisar sair de um encontro se meu filho adoecer ou se
acidentar — explico com uma calma forçada. — Dizer que
acha uma graça um pai solo é fácil, mas na hora que as
coisas apertam, elas escapam.

— Tudo bem. Mas JP já é um jovem praticamente


independente.

Está na hora de sair à caça, Hugo.

— Sair à caça? — Que porra é essa? — Mãe, esquece esse


papo. Se eu estiver a fim de relacionamento, procuro um.
Agora, para de me mandar vídeo da Dandara como se
fosse uma mensagem subliminar.

Ontem nos entendemos e rolou uma conversa agradável,


mas isso não quer dizer que irei me tornar melhor amigo
da mulher. Menos ainda que ela vai despertar um interesse
romântico em mim.

Dandara? De maneira alguma. Ela é geniosa, não serviria


para mim.

Talvez, apenas talvez, eu tenha demorado meu olhar em


suas coxas definidas ou em seu decote. Para ser sincero,
pode ser que eu tenha desligado minha mente da nossa
conversa em alguns momentos para focar em sua boca
carnuda.

Isso quer dizer que não estou morto e que ela é gostosa.
Apenas isso.

— Só queria que você aprendesse a cozinhar, por isso


enviei os vídeos. — Faz um bico de cão largado na chuva
que não me comove. Essa velha é traiçoeira, sei bem. —
Pensou em fazer algo para o aniversário do João daqui um
mês? Faz um tempo que as festinhas dele andam bem sem
graça.
— Ele já tem quinze, não tem como pregar painéis de
super-heróis e convidar o vizinho do porteiro do dentista
dele para uma festa. A gente fazia isso quando ele era
bebê e celebrávamos por eu ter sido capaz de mantê-lo
vivo por mais um ano. — Estico meu corpo na
espreguiçadeira e tiro a camisa, afobado de calor.

Era para ser inverno nessa cidade, puta que pariu!

— Pois eu acho que esse ano, a gente deveria fazer algo


especial.

Em breve, ele irá para a faculdade, não vai ter mais tempo
para uma festa grande. — E, mais uma vez, ela tenta me
convencer com sua voz de pobre coitada.

Só que dessa vez darei razão à dona Regina. Quero


aproveitar com meu garoto antes dele entrar para uma
universidade. Só Deus sabe onde João irá ser aceito. Meu
desejo é que ele se inscreva para uma universidade no Rio
de Janeiro, para não ficar tão longe de casa, mas imagino
que ele esteja ansioso para cair no mundo e viver à sua
maneira.

É uma ideia amarga, porém é o ciclo da vida.

— Vamos fazer essa superfesta, dona Regina. Acione seus


contatos

— decreto, mesmo sabendo que posso estar me enfiando


em uma grande cilada.

— Isso! — Bate palmas, satisfeita. — Vou ligar para a moça


daquele salão de festas que tem na beira-mar. Aquele lugar
é um luxo. Separe um espaço na sua agenda essa semana.

Ela quase pula para fora da espreguiçadeira e sai correndo


para dentro da casa.
É essa a senhora de quase setenta anos que vive
reclamando de dor nos quadris?

Minha mãe volta com o telefone em mãos, mexendo sem


parar na tela.

— Vem cá — chamo sua atenção. — Percebeu como Lia


tem nos visitado com mais frequência nos últimos tempos?

— Nos visitado? — Bufa. — Ela não tem a audácia de olhar


na minha cara, porque sabe que desprezo sua presença
aqui. É você e João que a suportam.

Não colocaria assim. Tenho um filho com ela, apenas isso.

— Acha que ela quer mandar algum sinal?

— Sim. — Minha mãe abaixa o celular e assume um ar de


desprezo.

— Ela quer você de volta.

Solto uma risada alta. É uma ideia absurda, pois Lia sabe
que nunca mais seremos um casal. No dia em que
assinamos os papéis do divórcio, deixei claro que todo
amor que senti por ela um dia morreu.

Espero que ela não tenha esquecido meu recado.

08

DANDARA
— Bênção, madrinha. — Bel ergue a mão e a seguro em um
aperto.

— Deus abençoe, Bel. — Coloco uma de suas tranças atrás


da orelha. — Está cada dia mais linda, como pode?

— Entrei na academia, estou malhando igual uma cachorra.

— Olha a boca, Maria Isabel! — Evelin grita do andar de


cima. — É

seu pai que te ensina essas porcarias!

Minha amiga tem uma relação excelente com o pai de Bel,


mas isso não quer dizer que ela não irá culpá-lo pelas
falhas de caráter que minha afilhada apresentar.

— Evelin, você criou essa menina para ser um espelho seu.


— Faço uma bola com o chiclete e a estouro, encarando
minha parceira em silêncio por alguns segundos. — Ela é
sua imagem e semelhança.

— Se for assim, fique de olhos bem abertos perto dela —


Eve alerta, fazendo um gesto de “estou vigiando vocês”. —
Essa aí ainda tem que estudar. Antes de fazer qualquer
besteira na vida, quero esse diploma na minha mão.

— Sim, general Xavier. — Bel engrossa a voz e faz


continência para a mãe, que comprime os lábios.

— Vamos, o Rafa já está esperando. — Olho as horas na


tela do celular. — Não podemos chegar atrasadas.

— Juízo, viu? — Evelin aponta para nós duas.

— Se precisar de alguma coisa, me ligue que venho


correndo —

aviso, antes de mandar beijinhos no ar e sair.


Tirei o dia de folga para dar uma voltinha com os meninos,
que estão de férias, e deixei Eve no comando da
DanDelícias hoje. Porém, antes de irmos ao shopping,
temos outro compromisso.

Bel entra no banco de trás e assumo a direção. Rafael está


no banco do passageiro da frente e gira o tronco para
cumprimentar minha afilhada com um toque que é só
deles.

— Viu a luta ontem? — É a primeira coisa que Rafael


pergunta a ela.

— Não vem com essa! — Bel parece se defender.

— Disse que ele ia estrear com uma vitória. Aquele cara é


uma máquina. — Pelo canto de olho, noto meu filho erguer
a mão e abrir a palma. — Meus vinte reais.

Bel resmunga algo antes de tirar uma nota do bolso e


entregar a ele.

— Do que estão falando? — questiono, curiosa.

— MMA. Um lutador italiano fez a estreia dele ontem no


peso médio. Bel disse que ele não levava o cinturão, mas vi
as lutas de boxe do cara, ele é um monstro no ringue. —
Rafael liga o som e escolhe uma música.

— Como é o nome dele? — pergunto.

— Hades Salvatore — Bel é quem responde. — O que foi


aquele gesto que ele fez no final da luta?

— Acho que foi uma estrela, mas não sei... — Rafael dá de


ombros.

— Que salão é esse que a gente está indo?


— Vamos olhar o salão de festas para o seu aniversário,
Rafa.

Lembra? — indago com cautela e o ouço bufar.

— Ainda acho que é exagero, mãe. Parece até que vou


debutar —

resmunga como um velho ranzinza.

— Já fez seu book, princesa da mamãe? — Bel implica com


Rafa, e se inclina para frente, apertando sua bochecha.

— Não enche, garota! — ele ralha e se afasta do toque


dela.

— Ano passado você não teve uma festa. Esse ano, pensei
em te compensar. — Dou uma olhada no GPS, para saber
se estou no caminho certo.

— Sabe que não precisa disso — Rafael comenta, contido.

— Não precisa, mas vamos fazer mesmo assim — afirmo.

Se hoje em dia tenho condições de proporcionar a ele tudo


que me faltou, assim o farei.

Estaciono em uma vaga livre próximo ao salão de festas.


Saímos do carro e sou atingida pela brisa da maresia que
balança meus cachos. Tiro um óleo reparador de pontas da
bolsa e vou passando nos cabelos enquanto andamos em
direção ao local.

Quando entramos no grande salão, concluo que é um


espaço perfeito para o que tenho em mente, e a vista para
o mar deixa tudo mais encantador.

— Bom dia. Você deve ser a Dandara. — Uma mulher de


terninho caminha com elegância até nós. — Sou Juliana, a
responsável pelo aluguel do salão.

— Prazer, Juliana. — Estendo a mão e nos


cumprimentamos. — É

um lugar lindo.

— E quando está decorado fica ainda mais bonito. — Ela dá


uma piscadela. — Vou mostrar tudo para vocês, só estamos
esperando uma senhora que também quer checar o lugar.
Ah, lá está ela!

Acompanho a direção do olhar de Juliana, e qual não é


minha surpresa quando vejo a família Alencar passar pela
porta. João Pedro, a dona Regina — a qual reconheço da
ligação de vídeo — e Vossa Excelência, o juiz Alencar. Ele
não deveria estar no trabalho a essa hora da manhã?
Quem irá defender a cidade de Vilabela contra os vilões?

— Mas que surpresa agradável! Não acredito que estou


vendo DanDelícias em carne e osso. — Regina se aproxima
e abraça meus ombros com força, quase me esmagando,
como se fôssemos amigas íntimas. Jesus amado, de onde
vem tanta força?! — Como vai, minha querida?

— Tudo ótimo, dona Regina. — Eu, que nasci com o espírito


de vereadora em época eleitoral, não perco a oportunidade
de fazer amizade

com essa senhora. — É bom conhecê-la pessoalmente.

— Pode me chamar de Regina. — Ela segura minha mão e


dá dois tapinhas no dorso. — Hugo, JP e eu viemos marcar
uma data para uma festa.

— A senhora já esteve aqui depois da reforma? — Juliana


indaga, curiosa.
Olho de relance para o juiz Alencar e João Pedro, e é
impossível negar que são pai e filho. Têm a mesma
carranca no rosto, e estão com a sobrancelha franzida e
mordendo o canto interno dos lábios.

— Acho que não. — Regina gira no eixo, dando uma boa


olhada no espaço.

— Venham, vou mostrar tudo a vocês. — Juliana indica o


caminho e nosso grupo a segue, junto com os Alencar.

A funcionária do lugar começa a explicar tudo que fizeram


na reforma, ao derrubarem uma parede e ampliar o local.
Paredes de vidro oferecem uma visão deslumbrante do
lado de fora, e toda a iluminação foi trocada. Tem
banheiros o suficiente para uma festa com duzentas
pessoas, embora não seja esse o meu plano.

— É isso. Alguma dúvida? — Juliana se vira para nós com


um sorriso simpático.

— Tem vaga para agosto? — pergunto logo de cara.

— Sobre datas... — A mulher abre o celular e faz uma


expressão de quem está concentrada. — Como sabem,
nossa agenda é muito disputada.

Até ontem não tínhamos nenhuma vaga para esse ano,


mas houve uma desistência no dia dezessete de agosto. Eu
posso...

— É minha! — Todos ao meu redor me olham assustados


com o grito.

— Pago o dobro pelo aluguel. — Viro meu pescoço e fuzilo o


juiz maldito com o olhar.
Por que está escolhendo me tirar do sério tão cedo? Achei
que éramos amigos depois daquele dia em que bebemos e
conversamos sobre a

vida, poxa!

— Tenho certeza de que irá encontrar outro lugar tão bom


quanto esse, Vossa Alteza — profiro as palavras com
doçura.

— Quero esse daqui, leoa. — Ele aponta para o chão com


um sorriso de canto escroto.

Sabe o maior defeito de uma mãe solo que não transa há


meses porque a vida é corrida demais? O nível de tesão
dela é tamanho, que qualquer juiz mequetrefe de olhos
verdes seduzentes e sorrisinho sexy é capaz de fazer as
pernas dela tremerem.

Longe de ser o meu caso.

— Pago o triplo — rebato, afugentando o calor que


certamente vem do clima de Vilabela.

— Eu pago...

— Espera aí, pessoal. — Regina dá um passo à frente. —


Podemos achar uma solução boa para todos nós — diz em
tom apaziguador.

— Tem razão — falo e me viro para Juliana. — É possível


fazer duas festas em horários diferentes?

— Não costumamos fazer isso, porque o trabalho da equipe


de limpeza e até mesmo da decoração leva tempo... — Ela
abre um sorriso sem graça.

— E dividir o espaço em dois, para duas festas


acontecerem ao mesmo tempo? — Cruzo os braços e bato
os pés no chão.

Não posso acreditar que estou entrando em uma briga por


um salão de festas logo cedo.

— Posso ver com o dono...

— Por que não fazemos a festa dos dois em conjunto? —


Regina propõe, como se fosse uma ideia fantástica. — São
colegas de classe, os convidados seriam praticamente os
mesmos.

— Eu não acho...

— Por mim, tudo bem! — Rafael me interrompe.

Lanço um olhar de desagrado para ele. Sei bem o que esse


moleque está fazendo. Não quer ter toda atenção para si,
porque é envergonhado, e por isso está enfiando o João
Pedro na equação.

— JP? — Regina chama o neto, que está com o pensamento


em outra dimensão, tendo seu olhar de águia preso em
Isabel, quase babando na garota.

Esses hormônios adolescentes...

— João Pedro! — Hugo o chama e ele pisca os olhos,


voltando da viagem que estava fazendo à Lua.

— O quê? — João passa as mãos nos cabelos. — Ãn... Festa


com o Rafael? Claro, tudo bem — diz com a voz baixa.

Seu olhar desvia para o chão e ele enfia as mãos nos


bolsos do short, encolhendo os ombros.

Penso no que Rafael falou sobre ele ser um garoto


machucado, e também na história que Hugo contou sobre
a rejeição da mãe, e concluo que não posso ficar julgando o
menino pelo que fez.

Ainda quero uma explicação melhor para a cotovelada, e


um dia vou confrontar o juiz Alencar a esse respeito, mas,
por ora, decido abaixar um pouquinho minha guarda.

— Então, está fechado. Podemos negociar — falo para


Juliana. —

Rafa e Bel, podem esperar no carro. — Entrego ao meu


filho as chaves e eles saem, cochichando e rindo.

Juliana indica o balcão, que está do outro lado do salão, e a


sigo.

— Mãe, João, já venho! — Ouço a voz de Hugo atrás de


mim e ele logo nos acompanha.

— Quantas horas de festa planejaram? — Juliana indaga e


abre um bloquinho de anotações.

Ela faz perguntas a respeito da festa e falo tudo que


planejei. O juiz permanece calado, e imagino que não
tenha pensado em detalhes de decoração, número de
convidados e tudo mais.

Já eu, tenho esse planejamento todo na cabeça.

— Vou imprimir o contrato e volto. — A funcionária se


afasta e pega um corredor à direita.

— Tinha que entrar no meu caminho, não é, Vossa


Senhoria? —

Bato no ombro dele, falando em tom descontraído.

— É você que está sempre surgindo para me tirar do sério,


leoa —
devolve no mesmo tom.

— Não tinha que estar trabalhando?

— Digo o mesmo. — Ele cruza os braços, e o volume


muscular é tamanho que a camisa social parece prestes a
estourar.

— Sou uma empresária que faz o próprio horário. — Jogo os


cabelos para trás.

— E aí tirou a manhã para me atormentar?

— Sim, acordei e pensei “acho que Vossa Eminência está


muito calmo. O que posso fazer para piorar seu humor?”. —
Dou uma piscadinha e ele ri baixo. — Preciso do seu
contato para acertarmos os detalhes da festa.

— Por que não diz logo que quer me convidar para um


encontro?

Estou livre na sexta-feira à noite. — Debochado. — Anota


aí.

Pego o telefone e salvo o contato. Mando um “oi, Vossa


Alteza” e ele revira os olhos ao ler a mensagem.

— Foi bom negociar. — Ergo a mão e ele chega mais perto,


aceitando o cumprimento, cobrindo minha mão com seus
dedos longos.

Seu aroma de colônia e loção de barbear se espalha, e


inspiro fundo, apreciando sua escolha de perfume. Qual é o
meu problema hoje? É a menopausa? O climatério chegou?

— Qual será a forma de pagamento? — Juliana está de


volta e soltamos nossas mãos unidas de súbito.

— Pix — nós dois dizemos em uníssono.


Ele me lança um olhar autoritário, como se eu fosse recuar
diante de sua postura de rei.

— Deixa que eu faço essa cortesia, Vossa Excelência.

— Olha, ela sabe mesmo usar o pronome certo. — Uns


bons tapas na bunda colocariam esse juiz sarcástico no seu
lugar. — Eu pago pelo salão.

— Tudo bem, não vamos brigar por isso. — Ergo as mãos,


concedendo a ele essa honraria.

Hugo saca o celular e faz a transação. Assino o contrato e


pego minha cópia. Saímos para a rua e aceno para ele, me
despedindo.

— Foi bom negociar.

— Digo o mesmo, leoa.

Ah, querido juiz, se soubesse do que essa leoa é capaz...

Meneio a cabeça, me recusando a alimentar esses


pensamentos maliciosos envolvendo Hugo Alencar.

— Vamos, crianças? — Pego a chave com Rafa quando me


aproximo de onde o carro está estacionado.

Coloco os óculos escuros e entro na BMW vermelha com a


energia renovada.

— Deixa eu ver se entendi. O garoto que bateu no Rafa


terá uma festa junto com a dele? — Evelin ergue sua
sobrancelha delineada, me fitando como se eu tivesse
anunciado que sou amante e estou grávida do Neymar.

— Rafael concordou — elucido enquanto checo o caixa do


dia.

— Ele não me bateu por querer. — Rafael vem como um


raio defender o garoto.

— João ao menos se desculpou? — O silêncio do garoto


responde minha pergunta. — De qualquer forma, já está
feito.

Escondo de Eve a forma como João Pedro encarou sua filha,


como se fosse o último bombom da caixa de Ferrero
Rocher. Evelin seria capaz de atear fogo no salão só para
Bel não esbarrar com João de novo.

— Como foi o cinema? Gostaram do filme? — Minha amiga


muda de assunto.

— Foi massa, fazia um tempo que a Marvel não lançava um


filme tão bom.

Rafael começa a narrar sobre a obra que fomos assistir. Era


um filme com Hugh Jackman, aquele gostosão. Esse cara
foi minha primeira paixonite adolescente, eu tinha pôsteres
dele por todo quarto.

— E Bel? — Eve questiona.

— Deixei na sua casa. Ela se queixou que estava exausta


de andar o dia todo — explico. — Por que permitiu que ela
saísse com um salto plataforma?

— Discutir não adianta, você sabe. — Aceno, concordando.


— Ela tinha que sentir as bolhas se formando nos pés para
entender que é uma péssima ideia andar de salto por aí.
A tela do meu celular acende e leio a mensagem no visor.

Vossa Excelência

Dona Regina não para de me encher o saco com perguntas


sobre a festa.

O que respondo?

Dou uma risadinha e ergo o olhar, tendo as íris negras de


Evelin pousando em mim e um “v” se formando entre suas
sobrancelhas.

Faço cara de paisagem, fingindo que nada de mais


aconteceu, mas sei que leu ao menos o nome do contato,
já que deixei o celular à mostra.

— Podemos fechar tudo — anuncio depois de conferir o


valor total de vendas do dia.

— Rafa, checa se tranquei a porta do escritório — Eve


pede, ainda me olhando com desconfiança. Meu filho
atende ao pedido da madrinha e sobe a escada. —
Desembucha!

— Troquei contato com o juiz, para acertar os detalhes da


festa. Só isso. — Vou direto ao ponto, porque não tenho
nada a ocultar.

— Se esconder alguma coisa de mim, te caço, piranha —


avisa como se eu fosse mesmo deixá-la de fora de
qualquer assunto.

— Porque você conta tudo, não é, piranha? Inclusive, que


transou com nosso contador! — acuso, escondendo meu
divertimento ao ver Evelin esbugalhar os olhos.

— Quem contou? Foi a Joana, não foi? Não dá para confiar


em ninguém nessa confeitaria, é tudo um bando de traidor!
— amaldiçoa nossas funcionárias, indo em direção à
cozinha. — Se pegar o juiz gostosão, quero detalhes, ok?

— Eve!

— Qual foi? Tenho olhos e não sou de ferro. Viu o tamanho


daquele braço, Danda? Até eu tropeçaria só para cair
sentada naquele pau.

— E é por isso que sua filha tem a boca suja, está vendo?
— berro quando ela me dá as costas e sai.

Pego o celular quando Eve já está longe, abro a mensagem


e digito uma resposta.

Eu

Diga a ela que ainda estamos acertando todos os detalhes,


Vossa Regência.

Espero seu convite para um encontro, assim podemos


conversar melhor.

Só saiba que minha agenda é cheia, então precisa pedir


com carinho e com a voz aveludada.

Bloqueio a tela e escondo o telefone na bolsa.

Muito bem, Dandara. Voltou a ter a idade de Rafael ao rir


para um telefone por uma troca de mensagens besta.

09

HUGO
Olho a tela do celular mais uma vez, e considero
arremessar essa porcaria na parede, só para ver se coloco
minha cabeça no lugar.

Não vou admitir que estou esperando mais uma mensagem


daquela mulher indomável, visto que estamos desde ontem
sem trocar uma palavra.
DADOS DE ODINRIGHT
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seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
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Murilo anda me atormentando com seus convites de sair
para uma balada e caçar mulher. Insiste na ideia de que
ando muito sozinho, só que não tenho tempo ou disposição
para ficar inventando um papinho só para conseguir uma
transa.

Exceto que para Dandara, pareço tirar tempo do meu rabo.


E nem cogitei a ideia de sexo com ela. Não fico imaginando
aquela cabeleira espalhada em uma fronha, nem tenho
pensado no seu perfume cítrico...

Mas poderia a convidar para um jantar. Temos que decidir


sobre o aniversário de João e Rafael, afinal.

É isso. Seria como um jantar de negócios ou qualquer


merda assim.

Pego o celular e começo a digitar a mensagem, só que a


porta do meu gabinete é aberta de supetão.

— Já olhou o sistema hoje? — Flávia, minha assessora,


questiona séria. — Tem um processo aí que precisa da sua
atenção, docinho.

— Bom dia, raio de sol. É bom ter uma amostra do seu


excelente humor para começar o dia bem — ironizo. —
Todo processo precisa da minha atenção.

— Está na hora de trabalhar, juiz Alencar. Meu aniversário


de casamento é hoje, minha esposa vai encher a porra do
saco se eu me atrasar,

então faça seu serviço.

— Duvido que Angelina fará tamanha crueldade, ela é um


anjo. —
Flávia ergue uma sobrancelha com o comentário,
descrente.

Flávia e eu nos conhecemos quando tomei posse do cargo


de juiz em Vilabela. Ela é minha assessora desde o início e
criamos um companheirismo ao longo do tempo. A gente
está sempre na casa um do outro, para jantares, e conheço
bem sua esposa, Angelina, para saber que as palavras são
uma calúnia da minha assessora. A mulher é um doce de
pessoa.

— Angelina é o próprio Lúcifer, Hugo. Não se deixe


enganar. —

Balança o dedo e o aponta na minha direção.

— Isso é um pedido de socorro? — zombo.

— Claro que não! — Vai até a porta. — Ela é o amor da


minha vida.

Agora, mexe esse traseiro e cumpra com suas obrigações,


caralho!

— Melhore esse vocabulário, raio de sol! Isso aqui é um


ambiente sério de trabalho. — Ela ergue o dedo médio
antes de fechar a porta.

Largo o telefone, sem enviar nenhuma mensagem para


Dandara, e tiro o notebook do modo hibernar. Entro no
nosso sistema e começo a ler o processo que tem mais
urgência.

Meu coração bate como o de um touro quando leio o nome


de um dos réus, e perco a linha de raciocínio.

— Tem que ser a porra de uma coincidência! — grunho,


antes de procurar pelos dados do réu.
Afrouxo o nó da gravata quando uma caralhada de
processos nos quais ele foi condenado aparece. Rezo para
que não seja quem estou pensando, ou não saberei o que
fazer com a informação.

Mas quando abro todos os arquivos dos processos e me


deparo com a foto do sujeito, sei que o destino decidiu rir
da minha cara. Porque Rafael, por uma infelicidade da vida,
é a cópia do homem.

Ricardo Soares Neto.

Leio a extensa ficha de Ricardo, e a cada palavra que passo


os olhos, o desespero consome minhas entranhas. Furto,
assalto à mão armada e tráfico de drogas. Todos esses
crimes aconteceram no Rio de Janeiro, mas agora ele foi
cúmplice de um homicídio aqui em Vilabela. Preso em
flagrante. O filho da puta estava cumprindo a pena em
regime semiaberto e agora vai voltar para a cadeia.

Olha o tamanho dessa ficha criminal, inferno!

Porra, se Dandara descobrir o caminho que o pai de Rafael


tomou...

Isso se já não souber. Notícia ruim se espalha como praga


nessa cidade.

Ela deixou claro que não queria nenhuma informação sobre


Ricardo, no entanto, o nome dele apareceu para mim como
se fosse uma invocação.

Por que fui falar do cara naquele dia no bar do Joca?


E agora? Como vou olhar para ela sabendo tudo que sei
sobre seu ex-namorado? Que situação fodida!

— Não vai falar que merda aconteceu? — Murilo abre a


tampa do seu poke e joga molho shoyu por cima.

— Segredo de estado. — É a única resposta que posso dar.

Passei a tarde toda com a atenção dividida entre o trabalho


e a bomba que caiu no meu colo. Minha cabeça está
pulsando. Esse tipo de situação só acontece comigo!

Cada maldito minuto que passei com a bunda sentada na


cadeira, estudando como um condenado para passar no
concurso, advogando e virando a madrugada lendo... Tudo
isso parece inútil agora. Não imaginei que ser juiz era uma
profissão tão ingrata.

Meu Deus, o que Dandara vai pensar? Como ela vai ficar ao
receber a notícia?

— Tem a ver com a confeiteira? Você disse que decidiram


fazer a festa do JP e do Rafael juntos. Ela está te tirando do
sério? — Murilo acha

graça da situação.

Se ele ao menos soubesse o tamanho da confusão que


estou vivendo por causa de Dandara.

— É só uma festa. — Enfio uma porção de poke na boca. —


Não tem como eu perder a linha por isso.

— Amigo, mulheres fazem qualquer santo perder a calma,


não importa qual seja a razão — diz como se fosse o
pensamento mais sábio que consegue elaborar.

— Mulheres perdem a calma por homens como você, meu


caro —
respondo, meio aéreo.

Tiro o celular do bolso, pois não olhei esse aparelho desde


cedo.

Estive ocupado, me afundando em revolta. É difícil aceitar


que a vida tenha aprontado essa pegadinha comigo.

Vejo as mensagens de JP, que chegou em Barcelona há três


dias, depois de uma longa viagem. Ao deixar meu filho no
aeroporto, tive um aperto esquisito no peito. Não sei dizer
a origem da minha angústia. Talvez, seja medo de que ele
queira ficar com a mãe. É terrível ter que pensar nessa
possibilidade.

Respondo às mensagens de JP contando sobre seu dia.


Logo em seguida, abro a conversa com Dandara. Ela fez
uma pergunta sobre cores e tema, e quem sabe responder
isso é minha mãe.

Encaminho o contato de Dandara para dona Regina e dou


instruções claras para minha mãe se comportar. Largo o
telefone de lado, pois não quero mais pensar em nada.

Não vou lidar com a leoa agora. Não mesmo. Corro sério
risco de ser mordido, já que ela vai achar que fui atrás do
pai de Rafael, quando deu instruções claras para que não
fizesse isso.

E eu não fiz. Pelo menos, não antes de receber o caso dele.


Mas depois que ele apareceu como réu em um processo,
decidi procurar mais sobre o passado do tal Ricardo, e
pelas contas que fiz, o cara entrou no mundo do crime
pouco depois de Dandara engravidar. Começou com
pequenos furtos no Rio de Janeiro, depois passou por uma
penitenciária em
São Paulo, e foi transferido para o Rio de novo, até ser
preso aqui em Vilabela.

Atrevo-me a dizer que Danda livrou-se de uma vida difícil e


violenta quando o canalha saiu do seu caminho.

Mas não serei eu quem dará a ela a notícia, uma vez que
vai contra os princípios do meu cargo. A mim, só resta
fingir que nunca a conheci.

Tem que ser uma tarefa fácil. Mal convivi com a mulher.

Meu foco deve ser no meu trabalho, e para exercê-lo com


excelência, o melhor é esquecer que, por um instante, um
breve instante, quis colocar aquela mulher no meu colo e
puni-la por me fazer desejá-la.

— Ei, sabe se aquela amiga da confeiteira está solteira? —


Murilo questiona como quem não quer nada, e aceno em
negação ao imaginar suas intenções.

— Não faz isso, cara. Por favor, mantenha seu pau na


calça. —

Tento dissuadi-lo da ideia de dar em cima de Eve, porque,


depois, quem vai se foder serei eu, ao ter a amiga de
Danda no meu pé.

— Qual é, Hugo?! É uma nova lei na Constituição? Solteiros


não podem transar? — Ri com deboche.

— Não me teste, canalha — rebato, irritado. — Sério,


Murilo. Até essa festa passar, fique longe de Evelin.
Sei que ele não vai me dar ouvidos quando permanece em
silêncio, e tudo que me resta fazer é revirar os olhos,
torcendo para esse sem-vergonha levar um fora caso tente
algo com a sócia de Dandara.

Só assim para eu ter um pouco de paz.

Estou sentado no meu escritório, dentro de casa, com uma


cerveja pela metade, a gravata largada na mesa e a
camisa aberta.

Tento ler algum processo na minha frente, mas minhas


mãos estão coçando pela vontade de abrir outra página no
navegador.

Meu celular vibra em cima da mesa, me tirando da inércia,


e atendo a chamada de João Pedro, em alerta. É uma da
manhã aqui, o que significa que em Barcelona são seis
horas da manhã. JP não acorda cedo nem mesmo para ir à
aula.

— Alô?

— Oi, pai. Sabia que você estava acordado! — Relaxo os


ombros quando sua voz soa animada. — Hoje vou conhecer
o Lluís, acredita?

Está explicado. A empolgação do moleque deve estar nas


alturas.

— O estádio do Barça? — Minha mão pousa casualmente


no mouse e abro uma nova aba. — Incrível, filho! Está
gostando da viagem?

WWW.YOUTUBE.COM

— Demais, pai. A mãe está trabalhando, então não saímos


juntos ainda. — Engulo em seco, me segurando para não
falar nenhuma besteira.

Lia não devia ter tirado férias ou pegado menos trabalhos?


— Amanhã, a gente vai em um museu aqui.

— Traz uma lembrança para os seus avós, JP. — Barra de


busca: DanDelícias. Porra, Hugo! Não. Sai desse site agora!
— E lembra de carregar sua bombinha, asmático.

— Não enche, velho! Vou desligar, preciso me arrumar.

— Vai lá. A gente se fala. E me manda foto.

— Valeu.

JP desliga a chamada e agora tenho que encarar a escolha


errada que estou prestes a fazer.

Ainda dá tempo de sair. Levo o cursor do mouse até o “X”


vermelho no canto superior da página. Minha mente
gangorra entre fechar ou dar play na merda do vídeo.

Sou vencido pela curiosidade e aperto a barra de espaço,


fazendo a voz de Dandara ressoar na saída de som do
notebook.

— Bom dia, delicinhas. Como vocês estão? Espero que


bem. Mas se por acaso, seu ex chutou sua bunda, você
tropeçou no meio de uma multidão ou esqueceu de tirar o
frango do congelador, vem aqui que eu vou ensinar a
receita para esquecer as rasteiras que a vida dá: sorvete
de café espresso.

Assisto a porcaria do vídeo até o final, cativado pela sua


alegria e pelo sorriso fácil em seus lábios.

Não paro por aí, porque quero uma dose extra de tortura.
Vejo outro e mais um, até que meus olhos começam a
pesar e eu durmo em cima da mesa.
Sonho com a mulher sussurrando a receita do pecado no
meu ouvido.

10

DANDARA

Estico as pernas e apoio as costas no sofá da sala de dona


Regina. A mãe de Hugo me convidou para tomar um chá
em sua casa enquanto decidimos detalhes sobre a festa
dos meninos. Dona Regina chegou cedo em minha casa
hoje, e logo em seguida saímos para visitar algumas lojas
de decoração, mas odiamos tudo que vimos.

Faz uma semana que estamos conversando por telefone,


visto que Hugo decidiu me dar um gelo e sua mãe entrou
em contato comigo, dizendo que ficaria encarregada de me
ajudar com a montagem do aniversário.

Não faço ideia do que aconteceu ao juiz para me ignorar.


Em um segundo, estávamos conversando e nos
entendendo, e, no outro, ele passou a bola para a mãe e
não respondeu mais nenhuma mensagem minha.

Ele acha que vou perder meu sono por esse


comportamento imaturo?

Somos dois adultos, e se ele tem algum problema comigo,


então que venha me dizer. Ou não. Que fique ruminando
seu incômodo para lá. Tenho mais o que fazer.

É só que foi muito abrupto e estava me acostumando a


nossas trocas de mensagens. Por um instante, até mesmo
pensei que ele faria o tal convite para o encontro. Já tinha
escolhido a roupa para ir.

— O que acha de montarmos a mesa do bolo assim? —


Mostro para dona Regina a inspiração que vi na internet de
decoração de aniversário com o tema de Naruto.

Descobri que João Pedro também é fã do anime, assim


como meu Rafa. Então, Regina e eu decidimos que esse
será o tema do aniversário.

Rafael deu uma resposta sem graça quando perguntei o


que achou, e disse a

ele que queria ter tido uma menina. Ela certamente


mostraria mais entusiasmo. Mas ele sabia que era uma
brincadeira, porque o amo mais do que qualquer coisa
nessa vida.

— Acho perfeito. Talvez tiraria esses balões aqui, porque


são muito chamativos. Eles não são mais crianças. —
Regina aponta para uma coroa de balões na foto.

— Tem razão. — Aceno em concordância e faço essa


anotação no meu bloquinho. — Quanto ao bufê, tem algum
que prefere?

— Boa noite, mãe. — Me silencio, e um calafrio sobe em


minha coluna quando a voz grave de Hugo nos alcança. —
Trouxe bolo de... Ah, você! — Ele fecha a cara e parece
tenso ao me ver aqui.

Hugo, definitivamente, tem um problema comigo, e não


vou atrapalhar o bom humor de Vossa Excelência com
minha presença indesejada.

— Não se preocupe, estou de saída. — Começo a recolher


minhas coisas e as guardar de qualquer jeito na bolsa. —
Regina, a gente se fala amanhã. Vou entrar em contato
com um bufê que conheço. Talvez, a gente marque...

— Nada disso, Danda! — ela me corta. — Vamos tomar um


café. Se entendi bem, Hugo trouxe bolo de fubá da
Quitanda da vó Nena. É o melhor bolo de fubá com queijo,
me faz lembrar meus tempos de moça, quando eu visitava
a família no interior de Minas Gerais. — Regina sai
tagarelando em direção à cozinha, e como não quero
deixar a mulher falando sozinha, a sigo, passando de
cabeça baixa pelo juiz.

— O pai está onde? — ele questiona, e aposto que quer


uma desculpa para sair daqui.

— Lá nos fundos, na oficina dele. — Regina aponta para a


direção do jardim, o qual ela me apresentou mais cedo.

É uma bela casa, tem um clima intimista e faz lembrar


construções do interior do estado, com árvores frutíferas
plantadas e muitas flores.

Queria ter um quintal como esse, mas a vida corrida não


me permite. Seria impossível cuidar das plantas.

— Ok. — Hugo não faz nenhum movimento, e desvio o


olhar quando me encara.

Não sei se espera alguma atitude minha, mas a última


coisa que esse mundo vai testemunhar é Dandara Santos
da Silva pedindo a atenção de um homem. Por isso, o
ignoro e me aproximo de Regina.

— Vou passar um café especial para gente. — Ela abre os


armários e coloca a água para esquentar.

Ouço os passos de Hugo quando se afasta e abre a porta


de madeira, que range, denunciando que ele foi atrás do
pai.

— Não quis ter outro filho, Regina? — indago, refletindo que


um irmão ou irmã teria ensinado esse juizinho a conviver
em sociedade.

— Até queria, mas não podia. Tive uma complicação no


parto de Hugo, perdi o útero — suspira com pesar.

— Sinto muito, não sabia — murmuro, com o


constrangimento me atingindo.

— Não se sinta. Faz tanto tempo... — Ela coloca o pó e abre


o armário para pegar xícaras.

— Deixa que faço isso para você. — Tiro as xícaras de sua


mão e ela aponta para a mesa, para que eu as coloque lá.

— E você, Danda? Parou depois do Rafael? — questiona,


curiosa.

— Sim, um só é suficiente. E sabe como é... — Enrolo um


cacho no dedo, um pouco constrangida. — Não tive tempo
para namorar. Sou uma mulher de negócios, casada com
meu empreendimento. — Ergo a mão no ar e analiso
minhas unhas. Está na hora de fazer uma manutenção
neste esmalte. — Além disso, sei o meu valor. Homem para
me conquistar tem que ser com “H” maiúsculo, e precisa
entender que minha prioridade sempre será meu filho.

— Talvez, esse homem seja alguém que também tenha um


filho... —

Mexe as sobrancelhas de um jeito sugestivo.

— Dona Regina! — exclamo, surpresa. Ela nem mesmo


esconde que está falando do próprio filho.
— Que foi? Não acha ele bonito? Eu caprichei, menina! Fiz
com carinho. Lembro até do dia em que Hugo foi
concebido. O Zeca me...

— Dona Regina! — Seguro a risada. — A senhora deixe de


assanhamento! — Finjo a repreender.

— Estou velha, não morta. — Ela termina de preparar o


café e sinaliza para a mesa. Coloca o bolo que Hugo trouxe
no centro e me serve com um pedaço. — Mas me conte:
por que nunca mais namorou? Não diga que é só falta de
tempo.

— Mas é. Minha vida é uma montanha-russa e eu só entrei


no carrinho e estou seguindo o fluxo. — Mordisco um
pedaço do bolo, me deliciando com o gosto do queijo
derretido. Queijo... Será que é um sabor bom para um
sorvete? — Depois que minha mãe faleceu, só peguei na
mão de Deus e fui, Regina. Meus irmãos estavam no Rio,
estudando e trabalhando, e eu, a caçula e única mulher,
tomei a responsabilidade de cuidar do nosso pai, mesmo
tendo uma criança pequena. Depois veio o canal no
YouTube, a confeitaria... Se meu dia tivesse quarenta e oito
horas, então, talvez, eu conseguisse arrumar um
namoradinho. Mas, ainda assim, não quero alguém que me
dê dor de cabeça, entende?

— Está certa. — Ela segura minha mão por um instante. —


Por isso devia pegar o currículo de Hugo. Ele é um bom
sujeito, muito honesto, sabe matar barata e rato. Também
leva em restaurantes caros nos encontros.

— E quanto ao filho dele? — Lanço a pergunta, deixando


subentendido que estou me referindo à briga que envolveu
João Pedro e Rafa.

Regina deixa os ombros tombarem e balança a cabeça


devagar, envergonhada.
— JP não é assim. E sei que é um discurso que você deve
ouvir muito, mas conheço meu neto. Dê a ele uma chance
de se desculpar e explicar o que aconteceu naquele dia —
pede, ou melhor, suplica. — Se João agiu de má-fé, eu
mesma lavo a boca do menino com sabão.

— Não é necessário — dispenso, forçando um sorriso. —


Estou esperando o tempo dele.

Não vou ficar crucificando um adolescente. Confio no


julgamento de Rafael, porque o criei bem e o ensinei a
jamais aceitar qualquer tipo de intolerância. Se ele disse
que João Pedro não agiu com o propósito de machucá-lo,
vou dar um voto de confiança.

— Ele irá até vocês — Regina assegura.

— Regina, posso fazer uma pergunta? — Deixo que minha


curiosidade fale mais alto.

Desde que soube que a mãe do João o abandonou, me


pego pensando em como essa ausência afetou o menino.
Está claro que é um garoto instável, e por isso quero saber
mais sobre a tal Lia.

— Claro, querida.

— Como era... — Bebo um gole do café, tomando coragem.


—O

que pode me dizer sobre a mãe do João?

O olhar de Regina expressa puro desprezo. Parece que Lia


não tem muitos fãs na família Alencar, a não ser o próprio
filho.

— A única coisa boa que essa mulher fez na vida foi o João
— diz com o tom rígido. — Eu avisei, Dandara... Falei várias
vezes com Hugo que aquela mulher não prestava. Murilo
sempre vinha me contar que, na faculdade, havia rumores
de que Lia traía Hugo toda semana com um homem
diferente. Mas meu filho estava deslumbrado, não queria
ver o que estava à sua frente. Nunca gostei do jeito como
ela o tratava. Às vezes, sumia por alguns dias, viajava sem
dar satisfação, e todo final de semana estava em uma
festa. Lia dizia que era trabalho, mas nunca comprei essa
ideia.

— Então, por que ela estava com Hugo? — Penso que Lia
poderia ter apenas seguido sua vida de solteira.

Só que ela aceitou até mesmo se casar com alguém que, a


meu ver, não amava.

— Conveniência — cospe a palavra. — Quando Lia se


casasse, seria mais fácil arrumar trabalhos internacionais,
porque o risco de ser barrada na hora de conseguir um
visto se tornaria menor. O sonho dela sempre foi seguir a
carreira de modelo. Esse era seu propósito de vida.

— Lia nunca se arrependeu de ter deixado o João aqui?


Nunca quis voltar?

Eu mesma, quando viajo sozinha por mais de uma semana,


já sinto meu coração apertar longe do Rafa. Faço ligações
diárias quando estamos separados, só para ter certeza de
que ele está bem.

— Em uma dessas visitas esporádicas que Lia fez, percebi


que ela estava cheia de segundas intenções. — Dona
Regina esfarela um pedaço de bolo entre os dedos com
mais força do que o necessário. — Era Natal e ela veio
cinco dias antes. Achei estranho, porque, normalmente,
sempre chegava na noite do dia vinte e quatro. Decidi
passar o dia na casa de Hugo, onde ela tinha se
hospedado. Percebi que Lia não saía de perto do meu filho,
jogava charme para cima dele e o tocava de um jeito que
parecia despretensioso...

— Aí tinha coisa...

— Tinha mesmo. — Bebe seu café sem pressa, como quem


faz suspense. — Liguei para algumas amigas que
conheciam os Becker e poderiam me atualizar sobre a vida
de Lia. Ela havia sido dispensada pela agência que cuidava
de sua carreira, estava sem receber trabalhos há dois
meses.

— Jesus! — Me sirvo com mais bolo, sem querer que Regina


pare de contar a história. — Contou para o Hugo?

— Não. — Acena em negação. — Meu filho poderia ter


amolecido o coração, perdoado as atitudes ridículas dela, e
fiquei com medo de não acreditar... Então, fui até ela e
joguei umas verdades em sua cara. Disse que sabia de
suas intenções e que não ia permitir que enfeitiçasse meu
filho mais uma vez. Além disso, estava ali para proteger
meu neto, porque sabia que no segundo que outra agência
a contratasse, Lia ia sumir de novo. Não deu outra.

— Ela viajou de novo? — Cruzo as pernas e inclino o tronco


para frente, pronta para o ápice da narrativa.

— No dia primeiro de janeiro já estava dentro de um avião!


— Dá um tapinha leve na mesa, indignada. — Mas meu
aviso foi firme, e Lia

nunca mais tentou nenhuma gracinha para cima de Hugo.


Pelo menos, não na minha frente.

— Acha que o Hugo voltaria se ela tentasse algo? — Não


que eu tenha muito interesse nas intenções do juiz...
— Hoje em dia, não mais. Ao longo dos anos, meu filho
percebeu a mulher cruel com quem se envolveu. — Faz um
sinal, erguendo as mãos, como se agradecesse aos céus
pela mudança de atitude de Hugo.

Mudo de assunto na sequência, antes que dê a entender


que estou interessada na trajetória de Vossa Excelência até
aqui. Passamos mais um tempo batendo papo, até que
decido ir embora. Como deixei o carro na revisão ontem,
terei que pegar um Uber.

— Preciso ir. Vou marcar para visitarmos três bufês semana


que vem. — Pego minha bolsa e começo a procurar o
telefone.

— Combinado. — Regina bate palminhas, animada. — Hugo


pode te levar, não precisa pedir esses carros de aplicativo.
— Aponta para meu celular, porque sabe que estou sem
minha BMW.

— Não precisa, vou...

— Te levo embora, Dandara — Hugo me interrompe ao


entrar com o pai.

— Pego um Uber — respondo curta e grossa.

Noto Regina e Zeca trocando olhares, percebendo o clima


estranho entre nós.

— Vilabela anda muito violenta. Só hoje estive em três


audiências de assalto à mão armada. — Hugo me segura
pelo cotovelo e vai me conduzindo para fora da casa. —
Até amanhã. — Acena para os pais.

— Hugo, não vou ser assaltada por um Uber — digo


entredentes, puxando meu braço para que solte, enquanto
tento acompanhar seus passos.
— É o Brasil, Dandara. Tudo é possível! — Ele me larga e
abre a porta do carro parado na enorme garagem,
apontando para dentro.

Entro, porque não tenho nenhum orgulho, e também quero


entender qual é o problema com esse zé-mané para ter
ignorado minha mensagem e

estar agindo estranho.

Hugo pega a avenida principal de Vilabela. Até agora, não


perguntou meu endereço, e quero saber como irá chegar
até minha casa.

— O clima hoje...

— Ah, para o quinto dos infernos, Vossa Regência! — ralho


quando ele tenta puxar um papo sobre o clima. — Jura que
não tem nada melhor para dizer? Que tal uma explicação a
respeito do vácuo que me deu por uma semana inteira?

— Danda...

— Ra! — completo. — Para você é Dandara — enfatizo o


“Ra”.

— Dandara. — É quase um rosnado. — Só achei que a


melhor coisa a se fazer seria você e minha mãe
organizarem a festa. Não tenho habilidade para essas
coisas de decoração.

— Poderia ter dito — falo, impaciente. — Mas me deixou


enviar mais três mensagens como uma bela otária. —
Observo a paisagem em nosso entorno e noto que ele sabe
para onde está indo. Mas, como?

— Sinto muito por isso. Estive ocupado com o trabalho —


diz, como se tivesse acabado de inventar essa desculpa.
— Não estou nem aí. Faz o que quiser da sua vida. Conheci
você quase ontem, não me deve explicação. — Tento
mostrar minha indiferença.

A verdade é que não devia ligar para nada que ele pensa
ou faz.

Conheci esse homem da pior forma, em uma reunião na


qual precisei esperar por sua boa vontade para aparecer.
Depois disso, só tive provas de sua arrogância e dualidade
de comportamento.

Estou pouco me fodendo para o juiz Hugo Alencar! Era o


que eu deveria dizer a mim mesma, mas acontece que
quando não está sendo tão babaca, ele é uma boa pessoa.
Bom de papo e engraçado. Hugo foi em busca de um salão
de festas para o filho, o que significa que é prestativo.

Que tipo de pai faz isso? Posso afirmar que quase nenhum.

Por isso, fiquei animada para conversarmos mais e


conhecê-lo a fundo. Minha decepção veio, no entanto,
quando ele cortou minhas

expectativas pela raízes, ao me ignorar.

— Nossos filhos farão uma festa de aniversário juntos,


Dandara.

Eles são colegas de classe — fala como se isso significasse


algo para mim.

— E nosso contato começa e termina em João Pedro e


Rafael. Foi uma ideia ruim fazer essa festa compartilhada,
só que os meninos concordaram, por isso, não vou
cancelar. Mas saiba que, por mim, eu não faria desse jeito
— falo demais, porque estou nervosa.
É ele. Hugo Alencar me tira do sério. Jamais seremos
capazes de nos entender, nem mesmo como amigos. Entre
nós acontecerá sempre uma disputa de território
sangrenta, no sentido figurado, e o melhor a se fazer
depois desse aniversário será fingir que não nos
conhecemos um dia.

— Leoa selvagem! — ele amaldiçoa baixinho, depois de um


tempo em silêncio.

— Como é? Late mais alto que não ouvi — ironizo.

— Não sabe resolver seus problemas como uma pessoa


civilizada?

— Hugo para o carro na frente da minha casa e me fita


furioso.

— Não tenho nenhum problema, Vossa Senhoria. Só me


diga como sabe meu endereço, para eu saber se devo fazer
uma denúncia no MP[9],

porque teve acesso a informações pessoais de uma cidadã


de bem. — O

encaro com desconfiança.

— Trouxe minha mãe aqui hoje.

— Pois veja só! Uma senhora tão educada e polida pariu


um filho sem nenhuma gentileza, que não pôde sequer dar
um bom dia quando esteve aqui. — Abro a porta e saio.
Giro o corpo e abaixo o tronco para olhar nos seus olhos. —
Passe bem, Vossa Alteza.

Fecho a porta com força e ouço seu xingamento. Hugo


ainda tem a audácia de abaixar o vidro e buzinar.

— Não sabe fechar uma porta? — grita, impaciente.


Ergo a mão toda aberta no ar e abaixo o mindinho, o
anelar, o indicador e o dedão, deixando erguido só o dedo
médio, o qual finjo ser um

batom ao passar nos lábios. E, então, aponto o dedo do


meio para ele, enérgica.

Dou as costas e saio rebolando. Pego a chave na bolsa e


entro, sendo recebida por latidos raivosos.

— Você ouviu essa palhaçada, Buda? — Abaixo e pego o


pinscher no colo, enquanto ele continua latindo, nervoso. —
É por isso que continuo solteira, porque não tenho
paciência para homem. Nenhum presta. — Ele rosna e todo
seu corpinho treme. — Tem razão, você é um macho
bonzinho.

— Acaricio sua cabeça e entro em casa.

Deixo a bolsa pendurada no bolseiro e as chaves no


aparador.

— Rafa! — chamo, mas não tenho resposta.

Coloco Buda no chão, subo as escadas em espiral e vou até


seu quarto. A porta está aberta e Rafael está em sua mesa
de estudos com os fones de ouvido na cabeça.

Cutuco seu ombro e ele pula na cadeira, levando a mão ao


coração.

— Porra, mãe! Quer me matar? — Tira os fones e


massageia o peito, como se estivesse tendo um ataque
cardíaco.

— Chamei e você não respondeu. — Olho para o material


espalhado na mesa e abro um sorriso. — Um novo
aeromodelo?
— Bel me deu de aniversário. Presente adiantado. —
Espalha as peças da miniatura do avião que está
montando.

— Ainda tem espaço para colocar? — Vou até sua coleção


de aeromodelos, passando o olho por cada um deles.

— Vou arrumar um. — Viro-me para ele, que ajusta os


óculos e lê o manual de instruções.

— O que quer de jantar? Hoje vou cozinhar para nós.

— Arroz piamontese e bife — pede, e aceno.

— Quando estiver pronto, te chamo. Vê se não coloca esse


fone tão alto.

Saio do quarto e desço para a cozinha. Começo a preparar


o jantar, me concentrando em cada etapa da receita, e
faço isso até esquecer a discussão ridícula com o juiz.

Aquela reunião que fiz questão de convocar semanas atrás


valeu mesmo a pena? Se não fosse por ela, não teria
conhecido esse ordinário, salafrário...

Inspiro fundo.

É, eu não teria o conhecido...

11

HUGO
Apoio o tornozelo esquerdo no joelho direito e abro os
braços no encosto do sofá, tentando parecer
despreocupado. No entanto, sinto um peso gigante
tensionar meus ombros. Meu olhar passeia pelo
consultório, sem que eu consiga encarar a psicóloga. Sinto
que estou sendo julgado, e é justo, visto que adiei esse
momento, com medo do que poderia ouvir.

— Hugo, quero esclarecer que não costumo conduzir


minhas sessões envolvendo a família no processo. Sempre
trabalho a autonomia do adolescente — Helen, a psicóloga,
explica com seriedade. — Mas pode ser que, em algum
momento, eu convoque os pais para uma conversa, quando
acredito que isso pode me ajudar a entender melhor a
rotina dos meus pacientes mais jovens. Por isso, te chamei
aqui.

— Tudo bem, Helen. Sinto muito que Lia não possa estar
presente

— digo, apenas para que ela saiba que convoquei a mãe


dele também.

Mandei uma mensagem para Lia na época em que a


psicóloga solicitou nossa presença em uma das sessões,
porque Helen queria a presença dos dois. Mas sabia que a
mãe do João ia ignorar esse convite, e assim ocorreu. Ela
sequer respondeu dizendo que não poderia estar aqui.

— Imaginei que ela não viria. — Não consigo traduzir seu


tom. —

Hugo, como disse ao João Pedro, meu objetivo não é abrir a


vida do seu filho para você. Somente o faria se ele corresse
algum perigo ou precisasse de alguma intervenção. Apenas
desejo entender um pouco mais sobre a relação entre você
e a mãe do João.
Sou incapaz de esconder meu desagrado. Essa é uma
conversa que dispensaria em qualquer outra ocasião, pois
falar de Lia acaba com meu bom humor.

Como sou uma pessoa impaciente, então é de se esperar


que a próxima hora será uma merda para mim.

— Não temos uma relação. — Aliso o queixo, pensando no


que mais dizer. — Lia e eu somos ligados pelo João Pedro, e
é isso.

— Compreendo. — Helen meneia a cabeça. — Com que


frequência vocês se falam? E qual o teor da conversa?

— Uma vez por mês, em média. Só ligo para Lia quando ela
faz algo que desagrado. — Sei que falei demais quando
Helen faz uma anotação em seu caderno.

A partir de então me vejo falando sobre os


desentendimentos entre mim e Lia, sentindo o peso da
culpa sempre que recordo de todas as vezes que João
Pedro nos flagrou discutindo no telefone ou quando fiz
algum comentário sobre o comportamento irresponsável da
mãe em sua frente.

Sei que isto não é o ideal. Se eu alimentar uma mágoa no


meu filho, serei visto como alguém rancoroso que não
superou o fim do relacionamento, o que está longe de ser a
verdade. Além disso, Lia pode me acusar de alienação
parental.

No fim, não preciso que Helen me diga nada para que


perceba parte dos equívocos que me levaram a me
distanciar do meu filho. Está claro que João ama a mãe, e
se permito que minha raiva de Lia fique entre meu filho e
eu, acabo o afastando. Não importa o quão machucado eu
tenha saído desse casamento, isso não diz respeito ao JP.

Mas devo admitir que vai ser penoso manter uma postura
imparcial em relação à Lia perto do João quando desprezo
cada atitude dela. Apenas farei isso porque é o melhor para
ele.

Olho mais uma vez para o painel que indica a partida e a


chegada dos voos do Aeroporto Santos Dumont.

Depois da conversa que tive com Helen, considerei pedir


para meus pais buscarem o João, porque tinha muito o que
digerir. Não foi um bate-

papo agradável, e odiei cada segundo em que tive que me


abrir e expor cada faceta do meu relacionamento
conturbado com Lia.

Entendo as intenções da psicóloga, no entanto, espero


nunca mais ser convocado para outra sessão dessa.

Invejo Dandara nesse momento, porque sei que jamais


será obrigada a duelar com esses sentimentos de
amargura e rancor. Ela não precisa conviver com o cara
que partiu seu coração e dividir a atenção do filho com ele.
Diferente de mim.

Ando em direção a uma lanchonete e peço um café.


Deveria mesmo ter pedido à Regina e ao Zeca para virem,
mas a saudade do meu moleque falou mais alto.

Sento em uma mesa livre e bebo o café superfaturado com


calma. A tela do meu celular acende, indicando uma
mensagem da minha mãe. Penso ser mais um link dos
vídeos de Dandara, porque a velha não me ouviu e
continua me intoxicando com uma dose diária da
confeiteira, mas não é esse o conteúdo que recebo.

Para meu completo desespero, no meu visor está uma foto


que foi tirada agora da mulher. Aparentemente, Danda e
minha mãe estão em uma loja de itens de festa, fazendo
compras para o aniversário. É só uma foto inocente, nada
de mais, certo?

Errado, porque dona Regina apontou a câmera para a leoa


selvagem no instante em que ela estava de costas, na
ponta dos pés, tentando alcançar algo no alto da prateleira.
O vestido, que já é curto, parece ter subido, e não consigo
evitar o pensamento libertino que se forma em minha
mente.

Se estivesse lá, minha única reação seria me colocar atrás


de Dandara e pousar a mão em sua cintura. Fingiria ser um
gesto despretensioso, e, talvez, ela congelaria, surpresa.
Será que cederia à provocação ou me mandaria para a
casa do caralho?

Talvez, a segunda opção, tendo em vista que, no momento,


ela me odeia. Foi a mensagem que passou quando ergueu
o dedo médio para mim, pouco mais de uma semana atrás,
na frente de sua casa, e saiu rebolando aquela bunda
empinada sem olhar na minha direção.

Me livro dos devaneios com a confeiteira quando o nome


de João aparece na tela.

— Oi? — atendo sua chamada, já de pé.

— Oi, pai. Cadê você? Já peguei minha mala.

— Estou chegando. Portão A3, certo? — Ando apressado,


ansioso por revê-lo.
— Isso. Estou esperando você. — João desliga a chamada.

Confesso que durante esses dias fiquei apavorado com a


ideia de que ele fosse me ligar e dizer que não voltaria
mais. Eu não poderia fazer nada, porque se esse fosse seu
desejo, brigar não resolveria a situação. Mas seria uma
rasteira fodida da vida.

Por isso, é um alívio ter a certeza de que JP pisou em solo


brasileiro.

Assim que me aproximo do portão, o vejo parado, vestindo


uma camisa do Barcelona e com a mala ao lado. Chego
perto e ele abre um sorriso curto ao notar minha presença.
Abraço seus ombros, mas JP não retribui de imediato. Acho
que fazia muito tempo desde nossa última troca de
carinho.

— É bom ter você de volta, moleque. — Seguro seus


ombros e o afasto, o avaliando da cabeça aos pés. — Como
foi a viagem?

Pego sua mala e a arrasto em direção à saída. JP me segue,


caminhando ao meu lado.

— Foi incrível, pai! Visitei aquele bairro gótico de


Barcelona, o Museu Nacional de Arte da Catalunha e as
praias... — começa a narrar, empolgado.

Ouço atento cada palavra sua. João não para de falar nem
mesmo quando entramos no carro e dirijo em direção a
Vilabela.

Não me passa despercebido o fato de que Lia aparece


muito pouco em seu relatório, o que me faz questionar em
quais momentos ela esteve ao lado dele na viagem, ou se
permitiu que nosso filho perambulasse sozinho pela cidade.
Não duvidaria da última hipótese, e teremos uma conversa
séria se foi esse o caso.

— E no sábado passado fui a um desfile da mãe — João


termina de contar sobre seus dias em Barcelona. — Pai,
deveria ver ela na passarela!

— Meu interesse em assistir Lia fazer qualquer coisa é


inexistente. —

Parece um anjo, de tão linda! Foi por isso que se apaixonou


por ela, não foi?

— Que pergunta é essa, João Pedro?! — questiono, nervoso,


esquecendo por um segundo minha resolução de não
erguer a muralha quando o assunto for Lia.

— Pode falar que tu ficou encantado com ela anos atrás. —


O fito de esguelha, ainda confuso quanto ao rumo da
conversa.

João nunca usa esse tom confidente para falar da mãe


comigo, porque sabe que não há a menor chance de eu
demonstrar qualquer interesse nela.

Começo a temer pelo que virá na sequência, e, na minha


cabeça, repito várias vezes que devo conduzir essa
conversa com paciência.

— Não lembro de nada, João. Faz anos desde que conheci a


Lia. —

Foco na rodovia à nossa frente, torcendo para que ele não


diga mais nada.

— Mas não a acha bonita? — Crispo os lábios, fazendo uma


contagem mentalmente para manter a calma.
— Está tentando dizer algo, João? — Controlo meu tom de
voz.

— Sei lá... — Parece prestes a fazer uma confissão ou


desabafo, mas hesita por alguns segundos. — A mãe me
contou a história de vocês quando estávamos tomando
café em uma lanchonete famosa de Barcelona. Ela estava
empolgada, e acho que fiquei inspirado com o que ouvi.

Respira, Hugo. Respira. Não deixa essa mulher entrar na


sua cabeça. Embora esteja evidente a armação de Lia, não
sei seu real objetivo ao entrar na mente de João assim, mas
os ventos sopram más notícias vindo em minha direção. É
bom que eu me prepare, porque essa mulher vai aprontar
alguma merda em breve.

— Sua mãe estava compartilhando uma lembrança do


passado dela, João — explico com cautela, medindo as
palavras. — Apenas isso. Não lembro muito do nosso
namoro — minto, porque essa é uma memória

amarga que tenho. Ainda me recordo da festa que a turma


de engenharia do Murilo fez no fim de um semestre da
UERJ. Foi onde conheci a Lia. Ela entrou naquela casa e
pensei mesmo estar vendo um anjo. Todos pararam para
prestar atenção em seu caminhar gracioso. Se ao menos
eu soubesse que aquela miragem era uma imagem falsa,
que não havia nada doce em suas ações... — Sabe que nós
nunca seremos um casal, não é?

E, com minhas palavras, o clima entre nós esfria, como se


eu tivesse acabado com algum sonho seu. Noto quando
João gira o pescoço e passa a prestar atenção na estrada.
Ele cruza os braços e sinto a tensão que vem dele.

— É, eu sei — diz baixo, com irritação na voz.


Lá vamos nós de novo, voltando para a estaca zero da
nossa sintonia.

12

DANDARA

— Dani, pode diminuir o tamanho dessa unha — peço à


minha manicure, quase chorando. — Não posso deixar elas
crescerem.

Está aí a única coisa que me deixa triste na confeitaria: não


poder usar unhas grandes.

— Pode deixar, Danda.

— Que horas vai me contar que o juiz te deixou em casa na


sexta passada, Dandara? — Giro o pescoço na direção de
Eve tão rápido, que quase tenho um torcicolo.

— Quem contou? — questiono, para saber a língua de


quem terei que cortar fora.

Aposto que foi a dona Conceição, aquela fofoqueira


intrometida.

Tudo que ela faz é ficar na janela, tal qual uma


namoradeira, vigiando a vida dos outros.

— Não importa. — Evelin balança a mão no ar e senta na


cadeira de espera do salão. — Desembucha, piranha!

Sempre marcamos de vir juntas para um dia de princesa.


Fazemos hidratação e pintamos os cabelos para tapar os
brancos, além de ajeitarmos as unhas. Mas estou
começando a me arrepender de ter trazido essa linguaruda
comigo hoje.

— Você saiu com um juiz? — Carla, nossa cabeleireira,


surge como uma assombração em busca de mais
informações.

Estreito os olhos para Evelin, lhe dando um aviso de que


ela estará ferrada quando estivermos a sós.

— Não saí com ninguém! — replico, impaciente. — Aquele


homem é insuportável, é impossível ficar em um ambiente
com ele por mais de dez minutos.

— Mas ele deixou você em casa — Evelin rebate.

— E daí? Foi só uma carona, porque meu carro estava na


revisão —

respondo.

— Ele é gostoso? — Dani abre um sorriso maroto para Eve.

— Um bração desse tamanho, amiga. — Evelin ergue as


mãos e começa a afastá-las. — Um metro e noventa e
poucos. Cabelo loiro e olhos verdes que, minha nossa! —
Se abana, derretendo na cadeira.

— A grosseria é proporcional à beleza — retruco, tentando


soar indiferente.

— Está admitindo que ele é bonitão, safada? — Carla


provoca, rindo.

— E vocês estão parecendo um bando de cachorras no cio


— sibilo.

— Tu é casada, Carla Maria. Te orienta!


— Olha ela, toda nervosinha! — Evelin faz graça. — No seu
lugar, eu já tinha caído de boca, Danda.

— Sei bem, piranha — provoco e ela dá de ombros.

Suporto mais longos minutos de gracinhas e comentários


sobre os atributos físicos do juiz Alencar, até que Dani
termina de pintar minhas unhas com o esmalte vermelho
que escolhi.

Pagamos pelos serviços e nos despedimos das meninas.

Meu telefone toca quando nos aproximamos do carro,


estacionado perto da calçada, e o pego na bolsa. O nome
de Regina aparece no visor e atendo. Deve estar ligando
para saber a respeito das amostras de docinhos que
prometi dar a ela, para decidirmos quais servir no
aniversário.

— Oi, Regina. Tudo bem? — Evelin me lança um olhar mal-


intencionado ao ouvir o nome da mãe de Hugo. — Vou
levar os docinhos agora para você provar.

— Oi, Danda. Como vai, querida? Estou ligando justamente


por isso. Peguei uma gripe terrível, acredita? — Ela tosse
do outro lado da linha. Posso jurar que é um gesto forçado,
mas logo desfaço o pensamento.

A mulher está doente, Dandara, tenha mais consideração!


— Acho melhor não vir aqui, senão vai se contaminar. Mas
pode deixar com o Hugo na casa dele. Amanhã, vou levar o
JP, que veio passar a noite aqui comigo, e pego os doces.

Ela não pode me ver, mas está recebendo o neto na sua


casa? Estou sentindo cheiro de armação.

— Regina... — tento contestar, mas ela me interrompe.


— Avisei ao meu filho. Hugo já saiu do fórum, está em
casa. Pode ir até lá. Muito obrigada, viu? — Desliga o
telefone sem me deixar argumentar.

Olho para Evelin, tendo nela a salvação para esse pequeno


contratempo.

— Vai levar uma encomenda para o juiz. — Faço soar como


uma ordem.

— De jeito nenhum! — Balança o indicador, negando com


veemência. — Maria Isabel está me esperando para a levar
até a casa do pai. Se eu atraso um minuto, aquela garota
começa a ligar sem parar.

— Então vou chamar um motoboy. — É a solução mais


inteligente.

— E deixar com que ele arruíne nossa amostra? Cadê a


empresária que preza pela qualidade do produto e serviço?

— Hoje, ela está de folga!

Entro no carro que saiu da revisão dois dias atrás e ela me


segue.

— Você deveria...

Ligo o som e deixo o volume no máximo, com a voz de Raí


Saia Rodada abafando a de Evelin.

— É palhaçada! Só pode ser uma brincadeira de mau


gosto! —
exclamo, indignada, quando o décimo motoboy que tento
contato não atende. — Sexta-feira à noite, Dandara,
esperava o quê?

Vou marchando até a cozinha e abro a geladeira, onde


deixei os docinhos. Pego as caixinhas, porque não é uma
porcaria de amostra que vai estragar meu dia.

Fecho a confeitaria e entro no carro. Coloco a bolsa e os


doces no banco do passageiro e dirijo rumo ao endereço
que Regina enviou por mensagem.

Dou uma risada irônica ao perceber onde isso vai dar. Claro
que ele ia morar em um condomínio luxuoso que é quase
uma cidade dentro de Vilabela.

Forneço meu nome ao porteiro e minha entrada é liberada.


Olho ao meu redor, julgando todas as casas pomposas por
onde passo. Aposto que tem ator da Globo morando aqui.

Levanto o vidro do carro em um gesto automático. Sempre


que entro em um bairro de rico ou em um condomínio
como esse, lembro da primeira vez que peguei minha BMW
e dirigi livre e animada com minha nova aquisição. Na
época, levei o Rafa para um shopping frequentado pela
nata da sociedade de Vilabela, mas assim que saímos para
o estacionamento e liguei o alarme, um segurança nos
abordou e pediu o documento do carro.

Achei esquisito, só que não me dei conta que era mais uma
daquelas situações em que um racista duvida que um preto
conquistou algo com o suor do trabalho.

A sensação de transitar por esse condomínio é a mesma


que me dominou naquele dia: como se eu não pertencesse
a esse lugar. Espero nunca mais ter que pisar aqui, pois é
uma vizinhança bem esquisita. Penso que se eu gritar
“boleto atrasado” ou “vim cortar a luz por falta de
pagamento, dona”, as pessoas daqui vão me olhar
confusas.

Entro na rua da casa do juiz Alencar e estaciono perto da


calçada.

Pego os doces, saio do carro e subo a escada curta. A


enorme porta de madeira é aberta no instante em que
chego ao último degrau.

Meu ventre pisca e palpita com a visão à minha frente.

O homem está sem camisa, e gotículas de água escorrem


em seu torso. Hugo não é do tipo trincado, mas tem muito
volume muscular.

Engulo em seco, lutando para não descer os olhos, mas é


impossível.

O caimento do short cinza permite que eu veja as veias da


região ventral, e seus pelos formam um caminho até o
umbigo. Começo a hiperventilar quando, ao escorregar o
olhar um pouco mais para baixo, percebo que não tem uma
cueca ali embaixo. O ar está entrando e circulando livre ali,
e o...

Ai, meu Deus!

Juro que tento não encarar, mas é como ir a Paris e tapar


os olhos ao passar pela Torre Eiffel.

— A vista está do seu agrado, leoa? — A voz rouca flutua


até me atingir como um tapa na cara.

Isso é pela falta de vergonha, sua depravada!

Quase desfaleço. Espero o momento em que o Espírito


Santo vai descer e me tirar daqui, porque quero sair a
qualquer custo dessa situação embaraçosa.
— Não sei do que está falando. — Não, Dandara? Tem uma
baba escorrendo da sua boca, cadela!

Ergo o olhar, pois não vou me deixar abalar por esse desvio
de conduta. Se ele quiser me dar voz de prisão por ter o
encarado, ofereço meus pulsos com orgulho.

Hum, algemas! Será que...

Toma outro tapa, desvirtuada!

— Não sabe? — Cruza os braços e contrai os bíceps,


abrindo um sorrisinho arrogante.

Boa jogada, Vossa Excelência, mas não cairei em tentação


mais uma vez. Vou manter meus globos oculares
paradinhos.

— Toma aqui. Sua mãe pediu para entregar. — Estico os


braços, lhe entregando as duas caixinhas com docinhos.

— Entra. — Faz soar como um comando.

— Vou ter que recusar. Só vim deixar os doces. Aviso que,


infelizmente, não tive tempo para colocar um laxante. Pode
comer à vontade. — Giro o corpo, pronta para sair, mas ele
segura meu braço e o puxa com força.

Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus


resolvem se encontrar... [10]

Nem mesmo Manoel Carlos[11] teria escrito uma cena tão


novelesca como essa. Nossas respirações sincronizadas, o
olhar raivoso em sintonia, nós dois prontos para
estrangular um ao outro... Só falta o beijo furioso, juiz
Alencar.

Ô, Dandara! Acorda, mulher!


— Está precisando ser domada, leoa selvagem — profere
com a mandíbula travada.

— Nunca, “Merendíssimo”. — Puxo o braço e lhe dou as


costas. —

E só para constar... — Giro o pescoço e o encaro com


maldade. — A selvagem aqui sabe usar o pronome. — Faço
uma pequena reverência. —

Meritíssimo. — Mando um beijo no ar e saio requebrando o


quadril.

Quando entro na BMW, ligo o ar-condicionado no máximo,


me livrando do calor infernal que me domina.

Preciso marcar minha ginecologista urgente. Só pode ser


menopausa.

13

HUGO

Assim que entro no refeitório do fórum, um silêncio


sepulcral se instaura e os funcionários saem como ratinhos
em fuga do ambiente.

Flávia é a única que permanece, me direcionando um olhar


cortante ao beber seu café sem pressa.

— Que foi, porra?! Meu rosto é tão bonito assim? —


pergunto sem paciência.
— Que bicho te mordeu hoje, Meritíssimo? — minha
assessora questiona no mesmo tom.

Trinco o maxilar ao ouvir o “Meritíssimo”. Só me faz pensar


naquela maldita selvagem que entrou no meu caminho.

Minha vida era um mar sereno antes de Dandara surgir e


me tirar a paz em cada segundo que estamos no mesmo
ambiente.

Ainda não contei a ninguém sobre o processo do pai de


Rafael, e nem posso. Por isso, tento manter distância dela,
pois não sei como encará-la sabendo do passado de merda
do seu ex.

Isso não impediu a leoa de adentrar no meu território e


avançar em minha direção.

Deveria ter tido mais cuidado, mas quando ela apareceu


em minha porta, me olhou com as íris ardendo de desejo e
umedeceu os lábios carnudos, perdi a cabeça. Quis prensar
aquela mulher na primeira superfície que vi e lhe ensinar
uma boa lição sobre os perigos de atentar meu juízo.

Eu deveria desprezar essa maldita e sua atitude insolente,


mas meu pau discorda do pensamento.

— Nenhum, Flávia — respondo com atraso. — Por que a


pergunta?

— Todo mundo está comentando sobre a última audiência.


Você arrancou o couro do advogado. Xingou cada
funcionário que apareceu no teu caminho hoje... — Bebe o
café com calma, mas o olhar afiado não a abandona. —
Continue assim e vão abrir uma investigação por abuso de
autoridade.
— Repreendi o advogado porque ele elaborou uma defesa
de merda para o cliente e não tinha nenhuma evidência
que alegasse a inocência que tentava provar. — Encho
minha garrafa de água, tentando afugentar os
pensamentos coléricos que perpassam minha mente. — E
se os funcionários desse lugar fizessem o trabalho do jeito
certo, ninguém precisaria de sermão. — Fecho a garrafa e
vou até a porta. — Tem cinco minutos para voltar para sua
mesa — aviso sério, antes de me afastar.

Entro no gabinete e fecho a porta, sem querer ninguém me


importunando.

Quando já é quase hora do expediente encerrar, desligo


tudo e pego o telefone. Sinto um calafrio quando leio o
nome de Dandara na tela.

Confuso, abro a conversa. Ela enviou a lista de convidados


para o aniversário.

Bufo e aperto para encaminhar a mensagem para minha


mãe. Mas, ao invés disso, abro a lista sem querer, e
quando leio o primeiro nome, meu sangue ferve.

— Filha da mãe!

Recolho todos meus pertences, e estou prestes a sair atrás


da mulher infernal, quando Flávia entra sem bater.

— Tem um processo urgente. — Aponta para o notebook


em cima da mesa.

— Fica para segunda, raio de sol. — Tento passar por ela,


mas Flávia me impede.
— Agora, docinho. Não ouviu “urgente” sair da minha
boca? —

Abre um sorriso singelo, como se não tivesse acabado de


me dar uma ordem que não lhe cabe.

Emito um grunhido baixo, antes de colocar meu traseiro na


cadeira e abrir o processo.

Estaciono de qualquer jeito perto da calçada e saio furioso


do carro.

Abro a porta da confeitaria, que está vazia, e procuro por


ela em todos os cantos.

— Falei para Evelin trancar essa porcaria! Olha só, a gente


já está fecha... — Dandara vem da cozinha xingando, mas
se cala ao me ver parado. — O que você quer aqui? —
Limpa as mãos no avental e coloca um cacho para dentro
da touca que usa.

— Recebi sua lista de convidados. — Encontro seu olhar e a


deixo saber, apenas com o gesto, que não estou nada
satisfeito com o que fez.

— Ok. E daí? — Sua indiferença inflama ainda mais minha


fúria. —

Se tiver alguma reclamação, fale com sua mãe. Não é ela


que representa o João Pedro nesse evento? — Tem a
ousadia de me dar as costas e sair andando.

A sigo até a cozinha e me deparo com uma bagunça em


sua bancada.

— Está dizendo que minha mãe colocou o nome de Lia na


lista?! —

indago, sem acreditar nessa ideia.


Dona Regina sabe que eu jamais aceitaria esse convite.

— Não. Coloquei porque ela é mãe do menino. Mas se


tivesse lido toda a mensagem, teria visto os dizeres:
“preciso da sua aprovação até amanhã de manhã”. —
Dandara me fita com amargura, pegando um saco na
sequência e começando a colocar um creme colorido em
um bolinho. —

Agora, se me der licença, tenho muito o que fazer.

— Se ousar entrar em contato com Lia, cancelo essa festa


sem hesitar — aviso sério.

— Seria uma excelente ideia! — ralha, colocando o saco de


lado. —

Assim não teria que olhar para essa sua cara arrogante e
esse nariz empinado!

— Leoa selvagem!

— Juiz malcriado!

— Você me tira do sério, Dandara! — Levo os dedos até o


cabelo, perdendo o resto de calma que tinha. — É mal-
educada, age como uma adolescente e mima o seu fil...

Antes de terminar a frase, sou atingido por algo cremoso e


frio que gruda na minha camisa social.

Puta que pariu! Ela não fez isso. Não. Não pode ser!

Olho para a altura do meu bíceps e vejo o cupcake coberto


com um creme açucarado escorregar pela manga da
camisa até cair no chão.

A encaro e suas narinas estão infladas, ao passo que bufa


como um touro, prestes a avançar.
— Não. Fala. Do. Meu. Filho! — Aponta o dedo fino na
minha direção.

Não penso muito no meu próximo passo. Antes que dê por


mim, um bolinho está em minha mão e vou na direção
dela, que sai correndo ao redor da bancada.

— Vem aqui, Dandara! — Ela dá pulinhos, tentando se livrar


da sandália de salto.

Estou prestes a alcançá-la quando Dandara retoma a


corrida. Ela pega outro bolinho da bandeja e o arremessa,
me atingindo na altura do peitoral.

Aumento o ritmo dos meus passos, até enlaçar meu braço


em sua cintura e esmagar o bolinho em seu decote.

— Me solta, seu atrevido! — Esperneia, e estico o braço


livre para pegar outro cupcake. — Esse não! — berra. — Só
os de cobertura rosa, porque estão fora da data de
validade.

Mas antes que tenha a chance de pegar outro, ela escapa


dos meus braços e dispara até o balcão que está fixo na
parede.

— Não vai fugir, leoa! — rujo, aproximando-me.

— Alto lá! — Ela gira o corpo, apontando um tubo para


mim. —

Isso é chantilly. — Assume uma postura feroz.

— Manda ver! — Abro um sorriso canalha e dou dois passos


antes dela apertar o tubo, fazendo uma espuma branca
sujar a parte da frente da minha camisa.

Dandara tenta escapar, mas estico o braço e a abraço


contra mim, espalhando todo chantilly em seu avental.
Grudo o bolinho em seu ombro enquanto ela se debate.

— Me deve um chantilly, desgraçado! — grunhe,


espremendo mais da espuma branca doce em meu cabelo
e rosto.

Me limpo, ao mesmo tempo em que espalho a sujeira em


sua face e ombros.

Quando me dou por satisfeito, a solto e removo o que


restou de chantilly do meu rosto. Ela pega um pano e o
esfrega na cara, tirando o excesso de massa e cobertura de
seu corpo.

— Estúpido de merda! — Dandara rosna, retirando a touca


suja.

Avanço vagaroso em sua direção, pensando em qual


sentença conceder a ela pela bagunça que causou.

— Mulherzinha indomável!

— Miserável! — rebate, vindo em minha direção, pronta


para mais um embate.

— Atrevida. — Dou um passo.

— Cínico. — Para na minha frente.

Quero dizer que nosso próximo ato é impensado, que não


desejo isso, que as coisas que faremos em um segundo
serão um erro de rota, mas não é.

Não quando sou atraído em sua direção como se uma força


magnética forte agisse sobre nós.

Uma respiração é o que tomo antes de enjaular sua cintura


com meus braços e tomar sua boca para mim. Ela não
resiste. Pelo contrário, aprofunda o beijo, me entregando
tudo de si.

Com meus toques quentes e firmes, Dandara se derrete em


meus braços, ao passo que eu procuro algo em que me
agarrar. E é nessa busca que minha mão escorrega até sua
bunda e a suspendo, colocando Dandara sentada no
balcão. Aperto suas coxas, trazendo seu quadril para a
beira da superfície. Sua saia sobe e enfio minha mão no
tecido.

Minha boca está dormente, mas não desgrudo dela. Porque


seu beijo tem sabor de oásis, algo que buscaria sempre
que a necessidade de me embriagar pulsasse em minhas
veias.

Suas unhas arranham minha nuca e puxo seu lábio inferior


com os dentes. Estou em êxtase, meu coração bate forte
contra a caixa torácica, e fazia tempo que não me sentia
tão... vivo. É tão bom que quase esqueço porque não
deveria beijar Dandara.

Quase.

Me afasto dela, caindo em queda livre ao lembrar de toda


merda que me fez ficar distante de Dandara nos últimos
dias.

— Qual é?! Meu beijo é tão ruim? — ela questiona,


ofegante, com um sorriso de canto que me quebra.

— A gente não podia...

Dandara fecha a cara e tenta me empurrar, só que não


consigo me mexer. Deveria, mas sou incapaz.

— É por causa do filho da puta do Ricardo, não é? —


questiona, raivosa.
— Como você sabe?

— Dona Conceição. — Franzo a testa, sem entender a


resposta. —

Minha vizinha fofoqueira. Aquela dedo-duro sabe de


qualquer nascimento, falecimento, prisão ou briga antes
mesmo de acontecer. Ela veio falar que prenderam um
sujeito com o nome do pai de Rafael aqui em Vilabela.

— Como essa mulher tem notícia de tanta coisa?

— Vai saber, Hugo. — Ela desce da bancada. — Te disse


para não procurar nada sobre o cara, não foi?

Ajusta as roupas, termina de limpar a sujeira em seu corpo


e me encara com uma dúvida em sua feição.

— Não procurei — respondo, enfim, ainda preso em um


estado de desorientação.

Foi um beijo qualquer para Dandara? Porque, porra, acho


que meu pau vai ficar duro por uma semana!

— Então, como sabe? — Morde o canto do lábio, me


inspecionando.

— Sou o juiz do caso.

Arregala os olhos, surpresa no primeiro instante. Em


seguida, une as sobrancelhas e balança a cabeça, como se
aceitasse o fato.

— Não quero saber nada sobre o assunto. Por mim, ele


pode apodrecer na cadeia. — Ela bate a palma de uma mão
no dorso da outra algumas vezes, em um gesto que diz
“não estou nem aí”. — Sobre a mãe de João Pedro, vou
considerar sua explosão como um veto. Agora, se me der
licença, preciso trabalhar. Tenho uma encomenda atrasada
para terminar.

— Mas... Como... — Essa maldita está me dispensando.

Dandara aponta na direção da saída, esperando que eu me


retire.

— E, um aviso, Vossa Senhoria. — Limpa as mãos no


avental e coloca os sapatos. — Da próxima vez que me
oferecer um tratamento frio, ao invés de estabelecer uma
conversa adulta, não serei tão benevolente.

Recolho o que me restou de orgulho e saio da cozinha.

Que noite insana do caralho! Vim aqui em busca de briga e


me atraquei com a mulher em uma cozinha.

E nem é isso que me deixa puto. O motivo da minha zanga


é porque estava pronto para ir até o fim.

Descontaria toda raiva que essa mulher me despertou


tendo meu pau fundo nela.

14

DANDARA

DUAS SEMANAS DEPOIS

— Quero comer um juiz.

— Vara criminal? — Daniel, meu irmão do meio, não


demonstra surpresa com minha fala.
— É. — Escondo o rosto nas mãos, dominada por uma
vergonha inédita.

Duas semanas atrás eu estava na confeitaria, terminando


um pedido que havia sido feito de última hora, quando a
DanDelícias foi praticamente invadida por um juiz
enfurecido.

Devo confessar que coloquei o nome da mãe de João Pedro


na lista de convidados para provocar uma reação sua, mas
não imaginei que ele ia aparecer no meu trabalho. Menos
ainda que iria me sujar inteira com o chantilly e depois me
levar às nuvens com seu beijo perverso.

Aquele beijo... Minha nossa! Quase não consegui manter


minhas pernas firmes, estava bamba e sem fôlego, mas fiz
de tudo para parecer indiferente. Hugo não terá o que quer
tão fácil depois de ter agido com frieza por dias.

Quando eu soube da notícia de Ricardo, tudo fez sentido.


Imagino que Hugo estava se corroendo por algum dilema
moral, e por isso decidiu parar de falar comigo. Mas ele
podia ter dito algo, como, sei lá: “olha, Dandara, não sei se
posso ser seu amigo”, e eu diria: “ok, Vossa Regência”, e
cada um seguiria para seu lado.

— Dizem que os da vara criminal são os melhores. —


Daniel me encara, bebericando um gole do seu café.

É sábado, dia da festa de aniversário dos meninos, e Daniel


chegou ontem à noite, para se hospedar em minha casa.

— Acabou de inventar isso — acuso-o com humor. — Que


horas Dom e Diego chegam?

— Na hora da festa. Talita não está se sentindo bem, então


vão esperar um pouco para pegar a estrada.
Talita é a esposa de Dom e está grávida do seu segundo
filho. A mais velha é Maria, com sete anos de idade. Diego
é nosso irmão mais novo e também tem um casal de
crianças.

Daniel é o único solteiro e sem filhos. Acho que ainda tem


receio de apresentar alguém para nossa família, porque
quando se assumiu gay, a reação do nosso pai foi péssima.
Levou anos para seu Valter começar a descascar camadas
do preconceito que construiu ao longo da vida.

Só que ele e Daniel ainda precisam fazer as pazes e deixar


a mágoa que ficou entre eles ir embora. Eles se falam, têm
uma relação de pai e filho, mas ainda existe uma barreira
invisível entre os dois.

— Como está com a notícia do traste? — ele indaga, com


raiva.

— Queria ter ido pro túmulo sem saber — retruco, ainda


irritada com dona Conceição, por ter me parado na rua
para fazer fofoca. Essa é uma informação que eu
dispensava. — Não sei se devo contar ao Rafa.

— Ele pode descobrir pela boca de outra pessoa.

— E pode ser que ele nunca saiba. — Pego um pão de


queijo e o mastigo devagar, pensando sobre o que fazer. —
Hoje não é dia de pensar nisso, temos uma festa para
curtir! — declaro, espantando os pensamentos ruins.

— O juiz que você quer jantar é o pai do garoto que faz


aniversário com Rafael? — Abre um sorrisinho malicioso.

— Esse mesmo. E tem mais. — Faço suspense e Daniel se


aproxima, para ouvir melhor. — A gente se beijou.
— Ai, Dandara! Por que não me contou antes? — me
repreende, rindo. — Como foi? Está parecendo uma
adolescente, toda animadinha.

Começo a narrar desde o momento em que Hugo chegou


na confeitaria, e Daniel ri quando chego na parte da
história em que expulsei o juiz do meu estabelecimento.

Depois de um tempo, Rafael acorda e começamos a ajeitar


os últimos detalhes antes da festa.

Coloco o último docinho na mesa do bolo e dou dois passos


para trás, admirando o resultado final da decoração.

Vou até a cozinha e descarto a caixa de doces, roubando


uma coxinha no caminho. Retorno ao salão no instante em
que Rafael passa pela porta com Evelin e Bel.

— Uau, mãe, ficou perfeito! — Meu filho escaneia o lugar


com um sorriso contido no rosto. — Obrigado por isso.

Vem até mim e me abraça, me tirando do chão.

— Fico feliz que tenha gostado. Fiz tudo com muito carinho.

Tento conter minha emoção ao me afastar e segurar seus


ombros.

Parece que foi outro dia que carreguei um bebê


pequenininho e sereno nos braços, depois de passar horas
sofrendo para trazê-lo ao mundo.
As noites em claro, tentando fazê-lo dormir, são uma
lembrança distante agora, quando vejo o rapaz alto e todo
engomadinho na minha frente.

— Não vai chorar agora, madrinha. — Bel empurra Rafa


para o lado e me dá dois beijinhos nas bochechas. — A
senhora está um arraso com esse vestido. Dá uma voltinha.

Giro no eixo, para mostrar o vestido midi, que tem uma


fenda e estampa de onça. Nos pés coloquei uma sandália
com um saltinho grosso, para não correr o risco de
desequilibrar.

Quando fui entregar os convites na escola, duas semanas


atrás, depois da volta das aulas, notei que algumas das
dondocas, mães dos alunos, andam sempre arrumadas e
embelezadas, e quero estar apresentável para não passar
vergonha.

— Você também está linda, Bel. — Aponto para seu vestido


jeans coladinho. — Fiquem à vontade, meninas. Rafael e eu
vamos ficar ali, recebendo alguns convidados.

— Mãe! — ele resmunga enquanto o puxo pelo braço até a


porta. —

Deixa que o João Pedro faz isso quando chegar.

— O aniversário é dos dois, Rafael. Olha lá, seus tios estão


vindo.

— Aponto para Dom, Diego e as famílias deles que se


aproximam.

— Cada vez que venho aqui, você cresceu uns dez


centímetros, moleque. — Dom puxa Rafael pelos ombros e
o esmaga em um abraço. —
Feliz aniversário, nerd! Espero que goste do presente.

— Obrigado, tio. — Meu filho ajusta os óculos no rosto.

— Feliz aniversário, Rafinha. — Talita tenta abraçá-lo, mas a


barriga protuberante dificulta o gesto. — Está linda, Danda.
— Vem até mim. — E a decoração ficou incrível. — Passeia
o olhar pelo salão.

— Obrigada, Tali. E esse neném, como está? — Pouso a


mão em seu ventre.

— Cada dia mais pesado — ela se queixa.

— Olha só quem está virando um homenzinho! — Nos


viramos na direção da voz de Diego. — Outro dia peguei
você no colo, garoto, e agora está fazendo dezesseis!

— Vocês estão ficando velhos, é fato, tio.

— Rafael! — o repreendo pela audácia, e ele ri.

— Cria de Dandara mesmo. Debochado assim! — Kelly,


esposa de Diego, se aproxima com Luara, sua filha, no colo.
— Parabéns, Rafa!

Trocamos abraços e cumprimentos e eles se afastam, indo


até a mesa que Diego se acomodou quando chegamos
mais cedo. Enquanto isso, Rafa e eu conversamos com
mais alguns convidados que vão se aproximando.

Minutos se passam, e estou distraída com Valéria, minha


amiga perua, quando sinto um perfume familiar próximo a
mim. A conversa perde importância quando me inebrio
com seu cheiro másculo.

Faz duas semanas que não o vejo, por causa da correria da


volta às aulas junto com os preparativos do aniversário.
Mas parece que foi ontem mesmo que suas mãos fortes
apertaram minhas coxas e seu beijo quente acendeu todos
os meus sentidos.

— Dandara! Rafael! — Giro os calcanhares, ficando de


frente para Hugo. — Sentimos muito pelo atraso, tivemos
um contratempo. — Aponta para a família atrás de si.

Espero que o contratempo não seja a aparição surpresa de


Lia. Não enviei nenhum convite, estava blefando quando fiz
a lista, mas JP pode tê-la convidado. No entanto, não vejo
ninguém diferente os acompanhando, então imagino que
ela não saiu do seu aconchego para prestigiar o filho.

— Dandara, você está maravilhosa! — Regina vem até


mim, olhando deslumbrada para o vestido. — Linda,
querida!

— Obrigada, Regina — respondo, lisonjeada.

Ela não é a única que está admirando minha escolha de


roupa. Noto o juiz demorar os olhos na abertura da peça,
engolindo em seco quando suas íris param em minhas
coxas.

— Precisa de alguma ajuda? — Regina indaga, solícita.

— Está tudo em ordem, só entre e aproveite. — Me viro na


direção de Hugo e João Pedro. Receosa, ergo os braços
abertos na direção de João, que arregala os olhos. Um
segundo depois, ele se aproxima e nos abraçamos, um
pouco sem jeito. É um gesto distante, mas é um passo
rumo a um acordo de paz. — Feliz aniversário, João Pedro!
Que seu caminho seja iluminado e cheio de felicidade.

— Obrigado, Dandara. — Ele recua e sorri, envergonhado.


— Pelas felicitações e pela festa também. Ficou incrível.
— Que bom que gostou. Tentei reproduzir seus gostos pelo
que sua avó disse. Até mesmo fiz uma receita nova de
docinho. Bombom de

chocolate branco com frutas vermelhas. Espero que goste.


— Ofereço um sorriso.

— Vo-você fez para mim? — Não entendo seu nervosismo,


e fico ainda mais confusa quando seus olhos se enchem de
água. — Desculpa, eu preciso...

João Pedro sai em disparada, e olho para o ponto onde


sumiu, sem entender o que aconteceu. Fito Hugo em busca
de respostas, e ele parece tão perdido quanto eu. Dá um
passo à frente, para ir atrás do filho, mas Rafael entra em
seu caminho.

— Deixa que eu falo com ele — Rafa diz, como se não


desse margem para contestação.

— Rafael! — Tento ser a voz de sua consciência.

— Está tudo bem, mãe.

Ele toma o caminho por onde João Pedro sumiu e nos deixa
aqui, com um clima esquisito pesando. Sempre que diz
respeito ao João, não sei como agir, fico tensa e confusa
com as reações do menino.

— Fiz algo de errado? — questiono, ainda nervosa.

— Pelo contrário, Dandara. — Zeca pousa a mão em meu


ombro, me confortando. — Acertou em cheio, confeiteira.

Dou um breve aceno, aceitando suas palavras e deixando


meus ombros relaxarem.

— Bom, vou atrás de uma empadinha de alho-poró. Estou


morrendo de fome. Vamos, Zeca? — Regina enlaça o braço
no do marido e os dois se afastam, me deixando a sós com
Hugo.

— Desculpa se falei besteira, não imaginei que ele fosse


reagir assim — peço.

— Não tem que se desculpar. Meu pai está certo, o que


você fez foi grandioso, e JP deve achar que não merece. —
A voz de Hugo escapa embargada.

— É só um docinho — cicio.

— Para ele, é muito mais que isso.

— Entendo — suspiro. — Vou ver se está tudo em ordem


com os garçons e a comida, espero que se divirta.

Começo a me afastar, mas Hugo segura meu cotovelo e


gira meu corpo.

— Danda, eu... A gente pode conversar?

— Se for sobre o que aconteceu naquela cozinha, esquece,


Hugo —

falo da boca para fora, visto que eu mesma sou incapaz de


apagar a memória.

— Acredite, eu tentei. — Tenta sorrir, mas não há nenhum


resquício de humor em sua feição. Seu olhar encontra o
meu e um arrepio se alastra pelo meu corpo ao ver um
brilho ardente ali. — É impossível deixar para lá, fingir que
não aconteceu. Beijar você foi como sair de um estado de
torpor de anos. — Sua testa está franzida e Hugo mantém-
se compenetrado em cada palavra que sai de sua boca.

Minhas pernas tremem pelo impacto do que diz e chego a


hiperventilar.
— Hugo, temos uma festa para conduzir, não vamos falar
sobre isso aqui — sussurro, tentando mostrar um
autocontrole que não possuo.

— Tem razão. — Ele solta meu braço. — Mas isso não acaba
aqui.

O timbre rouco de sua voz me faz pensar que o que disse é


uma promessa.

Uma nada inocente.

15

RAFAEL

Procurei em cada canto desse salão e não encontrei o João.


Estou perdendo as esperanças quando caminho até o
último lugar que ainda não olhei. Ele só pode estar aqui.

Saio pela porta do fundo e a brisa marítima me toma de


assalto.

Assim que olho para o lado direito, o vejo apoiado na cerca


de madeira do deck. Me aproximo devagar, como se o cara
fosse um bicho do mato prestes a fugir.

— JP? — chamo, e ele vira, assustado.

Seus olhos estão vermelhos e ele limpa o rosto com força.


Merda, ele está chorando! Não sei como o consolar, então
vou fingir que tudo está normal.
— Precisa de alguma coisa? — Desvia sua atenção para o
mar.

— Cara, é nossa festa de aniversário. — Enfio as mãos nos


bolsos da calça e ando devagar, até parar ao seu lado.

Apoio os braços na superfície áspera e fico olhando o sol se


pôr no horizonte vasto.

— Não queria nada disso — retruca, sendo o mal-educado


que Danda o acusa de ser.

— Nem eu, aceitei por minha mãe — confesso.

— Não tem que fazer nada para agradar os seus pais.

— Nem tem que agir para desagradar eles sempre —


rebato.

Que cacete! Por que insisto em querer ser amigo desse


cara? Ele já deixou claro que me odeia. Desde que entrei
na escola nova, João me lança uns olhares de desprezo.
Mas, sei lá, queria provar que ele não sabe nada sobre mim
e que sou gente boa.

Talvez, no início, eu tenha tido uma queda por ele, mas o


sentimento passou tão rápido quanto chegou. Me apaixono
por alguém diferente todo dia. Bel diz que tem a ver com
meu ascendente do mapa astral, que segundo ela é o signo
de gêmeos.

Minha mãe não fala nada, até porque ela não sabe que sou
bissexual.

Não achei o momento certo para contar ainda. Fico com


medo da reação do vô. Seu Valter tem um pezinho no
conservadorismo, e Danda me confidenciou sobre como ele
reagiu quando o tio Dani contou sobre sua sexualidade.
— Não me leve a mal, mas a gente nem se conhece,
Rafael. Não é meu amigo para ficar me dando lição de
moral. — É, eu deveria mandar ele se foder.

Mas, ainda assim, aqui estou eu, parado. Bem como ele,
que já poderia ter dado meia-volta e me deixado falar
sozinho.

— Você me deve uma. Pela cotovelada no olho — retruco.

— Não foi por querer. — Agora, ele abaixa a bola. — Não foi
minha intenção te acertar. O Guilherme falou alguma
merda racista na hora e eu ia socar o filho da puta. Não vi
que você estava atrás de mim quando subi o cotovelo.

— Então você foi me defender do seu melhor amigo? —


Forço uma gargalhada. — Desculpa, mas acho que a gente
tem uma amizade, sim.

Uma bem peculiar.

— Guilherme não é meu melhor amigo, ele só não larga do


meu pé

— reclama. — Por que você quer tanto ser meu parceiro,


velho? E por que sua mãe fez um docinho para mim? Fui
babaca com os dois.

— É, foi mesmo. Mas lembra da aula de ética e moral sobre


valores e família? — pergunto, lembrando das palavras da
professora. — Somos também frutos do meio. Era alguma
merda assim. Se eu sou um cara de boa, é por causa da
Danda. Ela me ensinou a não julgar um livro pela capa.

Tu parece um livro do Stephen King, mas o conteúdo deve


ser uma autobiografia daquela cantora loira dos Estados
Unidos.
— Não fode, Rafael! — Ele fica nervoso, o que me faz rir.

— Minha mãe me ensinou a ver além do que as aparências


mostram.

Não gostou de mim porque tomei seu lugar de melhor


aluno da sala. — Ele ergue o dedo médio, e sua irritação
prova meu argumento. — Viu? Nem negou que sou o
melhor.

— E daí? Não é o fim do mundo.

— Para você, é. — Passo a mão em meu cabelo crespo e


coço a nuca. — Cara, podíamos ser os melhores, se seu
orgulho não fosse tão grande.

— Ser o melhor aluno da sala era a única coisa que eu fazia


bem, Rafael. — Abaixa o olhar. — Depois que me tirou isso,
não consegui encontrar meu lugar naquele inferno —
confessa.

— E por que você tem que ser o melhor em alguma coisa?


Isso é ridículo.

— Diz isso porque é fácil para você. — João Pedro se afasta


da cerca de madeira e vira de costas. — Tem um monte de
prêmios e um futuro brilhante pela frente. Não tenho
merda nenhuma! Nem mesmo um sonho.

— E eu sou culpado por isso? Por que tirei seu brilho? — Rio
com sarcasmo. — Não sei por que vim aqui, tu é um
babaca.

— Nunca disse o contrário.

— Fica aí achando que a vida vai parar para você


choramingar porque não tem o rei na barriga. Enquanto
isso, tem uma festa acontecendo lá dentro para você. Uma
que Danda deu o sangue para conseguir fazer de um jeito
que agradasse todo mundo. — Faço meu discurso de ódio,
esperando que o JP reaja.

— Por que ela fez isso, afinal? Dandara deveria me odiar.

— Ela não odeia ninguém. Talvez, o cara que me deu a


vida, mas, fora ele, Danda abraça o mundo, JP — explico
com orgulho. — Ela é assim.

Mesmo que você tenha a deixado triste por ter se referido


a nós de um jeito

maldoso, ela vai fingir que não foi atingida e colocar um


sorriso no rosto.

Porque ela te vê como quem você é: um adolescente


perdido.

— Não mereço isso. — Cruza os braços e desvia o olhar.

— É, não merece. — Vou até ele. — Então, por que não


começa a mudar essa atitude até merecer?

— Rafael, faço terapia desde os dez anos. Se eu soubesse o


que fazer para deixar de ser um cuzão, já teria feito.

— Ei, canalhas. — Bel aparece na porta com a postura de


menina malvada de sempre. — A festa é lá dentro.

— A gente está indo — respondo, fazendo um sinal para ela


vazar daqui.

Maria Isabel me ignora ao manter os pés plantados no


chão. E é por essas e outras que digo que essa garota é a
irmã que eu não pedi a Deus.

Garota irritante do caralho! Amo ela, mas, mesmo assim...


— Seu Valter chegou e está à sua procura. — E agora ela
está usando meu avô como desculpa para que a gente a
siga.

— Vamos, Rafael. — Espera, de onde vem essa voz mansa


de João Pedro? Ele estava prestes a me atirar no mar e ir
junto...

Não tenho chance de pedir mais cinco minutos de


conversa, não quando ele passa por Bel, olha nos olhos
dela e some para dentro do salão.

— Perdi alguma coisa, Maria Isabel? — questiono, porque


estou sentindo que tem um clima diferente no ar.

— Nesse momento, está perdendo uma rodada de camarão


empanado que está sendo servido.

Ela gira e a sigo, rumo ao salão. Caramba, quando foi que


essa festa encheu tanto?

Não gosto de ser o centro das atenções, sempre fico na


minha, estudando ou jogando videogame. Estar aqui hoje
vai exigir muita energia e boa vontade da minha parte,
mas faço isso pela minha mãe. Porque ela faz coisas
demais por mim, então é justo que uma vez no ano eu a
agrade.

— Aí está você, amigão. — Fico confuso quando João Pedro


vem até mim, abre um sorriso e abraça meu ombro, como
se fôssemos melhores amigos. — Valéria está vindo para
cá, e essa mulher é cismada comigo. Ela quer me
apresentar a filha mais nova de qualquer jeito. Finge que a
gente está ocupado para eu fugir dela — explica,
sussurrando.

— Em troca de quê? — É, quem está no poder da situação


agora é o Rafinha.
— Como assim? — Ele olha apavorado para a multidão.

— Estava me esculachando minutos atrás, agora, quer um


favor —

falo sério.

— Esculachando? — Bel eleva o tom de voz ao meu lado.

— Não foi assim, eu só... — JP olha para Valéria e depois


para mim.

— Qualquer coisa — diz, desesperado.

— A partir de hoje, iremos estudar juntos para todas as


provas. Até o final do ensino médio — ofereço.

— Por que quer isso? Não faz sentido — rosna.

— Não quer ser o melhor em algo? Para mim, não faz


diferença ter o título de mais inteligente da turma, pois sei
do meu potencial, João Pedro.

— Sou meio convencido, mas só porque me esforço demais


para chegar em algum lugar. — Você estuda, batalha para
ser o melhor, e em troca cessa essa birra infantil.

Inseguro, João rói a unha, ao passo que toma uma decisão


rápida, porque Valéria está cada vez mais perto.

— Temos um acordo — afirma.

— Então, vamos ali cumprimentar nossos colegas — falo


alto, para Valéria ouvir, e saio com JP e Bel no encalço.

A mulher não consegue nos alcançar quando a gente


praticamente corre para longe dela.
Depois disso, João Pedro não abandona nosso lado. Na
primeira hora da festa, ele diz que está fugindo da mulher
casamenteira. Só que no

restante do tempo, apenas se diverte comigo e Bel,


esquecendo qualquer implicância que tinha comigo.

16

HUGO

Assisto João Pedro zanzar pelo salão de festas com Maria


Isabel e Rafa ao seu lado, e uma pontada de alívio se
espalha em meu peito ao ver meu filho sorrir e se divertir
em seu dia especial. Mas sei que, em breve, esse bom
humor vai acabar.

— Hugo, é hora dos parabéns — Dandara nos chama,


gesticulando a mão, e fico de pé, acompanhado de meus
pais e Murilo, que chegou pouco depois de nós.

— Acha que esse ano vai ser como os outros? — Murilo


questiona, tocando meu ombro em um gesto de consolo.

— Não sei — respondo, sentindo a tensão enrijecer meus


ombros.

Vou até JP ao mesmo tempo em que Dandara alcança


Rafael. Aceno para meu filho na direção da mesa, onde o
bolo de três andares feito por Danda está, e ele
acompanha Rafael.

Fico surpreso quando Dandara segura meu pulso e me


puxa até o lado de JP, enquanto ela mesma fica próxima ao
filho. Troco olhares confusos com ela, que tem sua atenção
nos nossos convidados.

— Boa tarde, pessoal — ela começa um pequeno discurso.


— Quero agradecer a todos que estão aqui para prestigiar
o aniversário dos nossos meninos. — Meu coração
descompassa por um instante, ao sentir todo carinho que
vem de sua fala. Miro JP, que tem o olhar baixo, como se
estivesse envergonhado. — Não vou falar muito, ou esse
moleque aqui me passa um sermão por constrangê-lo na
frente dos colegas. — Ela e Rafa trocam um sorriso de
provocação e sinto um toque de inveja ferroar meu

peito. Queria tanto que as coisas entre João e eu fossem


leves assim. — É

isso. E agora... Parabéns pra você...

Dandara puxa o coro e todos nós acompanhamos,


cantando e batendo palmas. Troco olhares com minha mãe,
que tem a mesma expressão apreensiva que eu ao fitar o
JP.

Em todas as festas que fizemos para o João, tudo corre


bem até a hora do “Parabéns”. A partir daí, é como se a
realidade de que a mãe não está presente o atingisse, e
João perde toda alegria, saindo da mesa assim que a
cantoria cessa. Nem mesmo corta o bolo. Apenas some, se
isolando de todos.

Lia esteve somente em três aniversários, mas, mesmo


assim, João espera por ela todos os anos.

Quando o nosso canto acaba, arrisco olhar de esguelha


para o meu filho, e noto suas mãos fechadas em punho.
João encara um ponto vazio na multidão, como sempre faz,
e sei que está travando uma batalha interna, pronto para
sair correndo.
— Façam um pedido! — Danda diz, animada, alheia à
tristeza que consome meu JP.

Rafael curva o tronco e assopra as velas, mas João


permanece inerte.

Busco o olhar de minha mãe, desesperado, mas ela apenas


meneia a cabeça com pesar.

Meu filho faz menção de passar por mim, e sei que vai
correr para longe, mas a voz de Maria Isabel o trava.

— Qual é, esquentadinho?! O pedido só funciona se


assoprar as velas, sabia? — a garota provoca.

Ele a fita, ainda aéreo, até que desiste de fugir. Hesitante,


me encara antes de assoprar suas velas.

As palavras ficam entaladas em minha garganta e sinto


meus olhos arderem. João não sai do meu lado, ele fica.
Pela primeira vez em anos, ele fica.

Todos aplaudem e assobiam, e Danda se aproxima do bolo


já com uma faca em mãos. Ela pega dois pratinhos e corta
dois pedaços,

entregando um ao Rafa e o outro para o João Pedro.

— Já sabem como funciona. — A confeiteira abre um sorriso


animado. — O primeiro pedaço é para a pessoa mais
especial da vida de vocês.

— E é por isso que esse é seu, mãe. — Rafa retribui o gesto


de cumplicidade dela, que pega o bolo e o abraça.

João não diz nada, apenas se vira para mim com um sorriso
tímido e entrega o pratinho, me emocionando um pouco
mais.
— Obrigado, asmático — sussurro e ele revira os olhos,
antes de rir.

Pego um garfinho que Danda me entrega, enquanto os


convidados começam a se servir com docinhos e dispersar.
Rafael puxa João Pedro para o lado de Maria Isabel e os três
saem correndo em direção ao playground que Dandara
alugou para a festa.

— Algo de errado? — ela indaga quando ficamos só nós do


lado de cá da mesa.

— Ele não fugiu. — Aponto para João. — JP sempre dava um


jeito de se esconder depois desse ritual nos aniversários,
mas, hoje, ele ficou até o fim.

Dandara ergue o canto dos lábios, satisfeita, antes de


colocar um pedaço de bolo na boca. Provo uma pequena
porção também, sendo atingido por uma explosão de
sabores.

É equilibrado, com um toque azedo de frutas vermelhas. A


massa...

Puta que pariu! Tão macia que pareço estar comendo


nuvem.

— Caralho! — exclamo, incapaz de colocar em palavras o


quanto esse bolo está divino. — Dandara... Meu Deus!

— Ah, como é bom ter novos fãs! — diz, petulante, rindo. —

Aproveite a festa, Hugo.

Passa por mim e vai em direção à família, cortando o clima


de intimidade que eu estava prestes a criar. Por que essa
maldita está fugindo de mim desde que cheguei? É pelo
beijo? Será que assim como eu, ela não consegue esquecer
aquele momento de fraqueza em sua confeitaria?

— Você arrumou confusão com um juiz, Dandara? Irmã,


assim fica difícil te defender! — Dominique, o irmão de
Dandara, ri, quando termino de contar sobre o dia em que
nos conhecemos.

A maioria dos convidados já foi embora, ficando somente


minha família e a dela reunidas em uma mesa grande,
aproveitando o restinho do tempo que temos juntos.

João, Maria e Rafael estão entretidos com os óculos de


realidade virtual; e nós, adultos, trocamos histórias
engraçadas, levemente alterados pela cerveja que
consumimos ao longo da festa.

Dona Regina terá que dirigir hoje.

— Não ia deixar esse juizinho de araque me rebaixar, Dom


Danda retruca, ácida.

— Fiquei com cara de palhaço na frente do meu filho. —


Finjo a censurar, e ela dá de ombros, pouco se importando.

— Ca-ce-te! — Evelin grita de repente, chamando a


atenção de todos. — Fala sério, piranha! Essa música? — se
dirige a Dandara, que ri, aumentando o volume da caixinha
de som que Diego colocou no centro da mesa.

— Rubi, nave do som, faz a pedra, vem pra cá! [12] —


Kelly, a cunhada de Dandara, puxa o coro e levanta da
mesa.

Evelin e Danda a acompanham, e as três vão para o centro


do salão e começam a dançar ao som de uma música que
nunca ouvi antes, mas que fala sobre um tal de DJ Gilmar.

A letra da canção pouco importa agora, porque meus olhos


estão grudados na leoa que requebra o quadril e rebola,
antes de abraçar a cintura de sua sócia e as duas girarem
pelo salão, rindo e se divertindo.

Ela está alheia à forma como meus olhos não conseguem


desviar dos seus movimentos, que parecem ser calculados
para me envolver em sua

aura de sedução. Qual foi a última vez que alguém


despertou tamanho fascínio em mim? Anos, ou, talvez,
nunca desejei antes uma mulher como desejo Dandara.

Chego a sonhar acordado com minhas mãos escorregando


em seu quadril e a trazendo para perto de mim. Meu
coração maltrata meu peito quando uma bomba de
hormônios circula em minha corrente sanguínea, e acho
que estou adoecendo de tesão. Isso é possível?

Mas é muita covardia vê-la se mover de um jeito tão


sensual e ter que ficar parado, apenas a assistindo.

— Não é, Hugo? — Meu pai me tira do estado hipnótico que


me encontrava.

— É, sim — respondo, sem ao menos saber qual pergunta


foi feita.

— Preciso ir até o banheiro.

Levanto da cadeira de supetão e caminho em direção à


porta dos fundos. Saio para a noite fresca e respiro fundo,
tentando ignorar o calor que transpira em meus poros.

O que eu não daria agora para que meu corpo suado


estivesse grudado ao dela?

— Caralho, o que foi... — Murilo surge na porta, e ao


encará-lo, percebo que está tão perturbado quanto eu.

Não, esse canalha não quer a mesma mulher que eu, ou


arrebento a cara dele agora!

— Qual é o seu problema, cuzão? — pergunto, pronto para


enfrentá-lo.

— É que ela... — Dou um passo para frente, já erguendo a


mão na direção do seu colarinho. — Aquela Evelin...

Cesso meu movimento, aliviado ao ouvir o nome da amiga


de Dandara.

— Tu vai se foder assim como eu se cair em tentação,


irmão. —

Coloco a mão em seu ombro, o consolando. — Pense se


quer esse problema para sua vida.

— Qual foi, Hugo?! É só mais uma mulher, cara. — Rio em


sua cara, porque se Evelin for como Dandara, jamais será
só mais uma.

— Vou ali, preciso fazer uma coisa — aviso, voltando para o


salão.

Procuro a confeiteira que estremeceu minha sanidade


minutos atrás, pronto para perder a linha com ela. Isso não
pode ficar assim. Não vou conseguir dormir ou comer,
sendo consumido por esse desejo pulsante.
Vou acabar com a raça dessa leoa, ela não perde por
esperar.

Tiro o celular do bolso, pensando em uma desculpa fraca


para usar.

— Danda, é a Juliana no telefone. — Aponto para o


aparelho, como se estivesse em ligação com a funcionária
que nos apresentou o salão.

Ela me fita, perdida, mas me segue quando indico a porta


que leva até o estacionamento.

— O que aconteceu? Alguém reclamou do som? — Soa


preocupada.

— Não sei dizer. — Caminho para o mais longe que consigo


do salão de festas.

— Me dê o telefone, eu fal... — Antes que termine a frase,


seguro seu quadril e a pressiono contra a parede. — Hugo...
— Olha na direção da porta.

— Tu acaba comigo, Dandara. — Guardo o telefone antes


de segurar seu rosto e beijá-la, esquecendo do perigo que
a gente corre de ser pego.

Ela abraça minha nuca e me puxa, colando nossos corpos.


Aperto sua bunda com força, alucinado de excitação.

Meu apetite só aumenta à medida que minha mão desce,


roçando na pele desnuda de sua coxa. Colo meu quadril ao
seu, e ela solta um gemido baixinho ao constatar que me
deixou duro com tanta facilidade.

Afasto nossos lábios por um segundo, antes de devorá-la


em mais um beijo profundo, desses que tira nosso fôlego.

— Hugo, a gente não... — Afasta meus ombros.


— Não, não, não. Agora não — peço em desespero. — Só
mais um pouco, por favor.

Danda amassa o tecido da minha camisa em seus dedos ao


me puxar e retomar o beijo. Quero muito ir além, e acho
que vou perder a cabeça se não tiver essa mulher para
mim. Minhas mãos chegam a tremer quando permito que
meu polegar escorregue na lateral de seu seio.

Sei que ela está tão perdida quanto eu, porque Dandara se
esfrega em mim sem nenhuma vergonha, mesmo que
alguém possa nos flagrar a qualquer momento.

— A gente... — Ela se afasta, sua respiração está tão


acelerada quanto a minha. — Temos que voltar.

Aceno que sim, mas não consigo me mover. Não tem como
entrar e encarar sua família quando meu pau está duro e
tudo que penso é em prender essa mulher em um quarto e
realizar todas as fantasias que ando tendo com ela.

— Pode ir na frente — digo, ainda lutando para colocar


minha cabeça no lugar.

Dandara acena e se afasta. Assisto-a ajeitar o vestido e


respirar fundo algumas vezes, antes de passar pela porta.

Preciso colocar minha cabeça no lugar, inferno! Isso não


está certo, a cada dia que passa estou perto de cometer
algum crime em nome de Dandara.

Já chega. Essa história encerra aqui. Não posso arriscar


minha reputação assim.
17

HUGO

Está calor. Um calor dos infernos. E nem é só pelos vinte e


seis graus Celsius que fazem nessa cidade. É pela visão
incendiária a cinco metros de mim, que me deixa em
estado febril.

Não deveria ter aceitado a ideia descabida da minha mãe


para virmos à praia, mas não tinha nada melhor para fazer
e achei que seria bom enfiar o pé na areia e beber uma
água de coco para me recuperar da festa de ontem. Depois
daquele beijo, fiquei transtornado. Mal consegui disfarçar
quando entrei no salão, e quando João, sonolento, veio me
chamar para irmos embora, agradeci aos céus por ter uma
desculpa para escapar da festa, ou ia agarrar aquela
mulher mais uma vez no meio de sua família.

Também precisava recuperar meu bom senso, visto que


passei boas horas da madrugada com o pensamento fixo
naquela confeiteira sedutora e em seu vestido de onça.
Aquilo não era uma peça qualquer, era um tiro à queima-
roupa que dizimou minha honra.

As fantasias que me consumiram enquanto eu girava na


cama fizeram de mim um criminoso. Cometi atos atrozes
em pensamentos, imaginei sua bunda redonda empinada
para mim, ao passo que seus gemidos ecoavam entre
quatro paredes.

Foi um inferno ter que colocar minha cabeça no lugar.

Hoje, acordei decidido a esquecer Dandara e sua bunda,


seu cheiro e seu olhar ferino. Por hoje, eu deixaria meu pau
em paz e tentaria não pensar nela e no tesão do caralho
que a lembrança dos beijos de ontem me trazem.
Vim até a praia para ver se o mar levava Dandara embora
do meu pensamento, mas as forças da natureza tinham
outros planos para mim ao

colocar essa mulher mais uma vez na minha frente. Lá está


ela, com sua família gigantesca, ignorando o fato de que
estou aqui, tão perto.

Regina, Zeca e até mesmo João Pedro foram até lá e


cumprimentaram todos eles. Me limitei a oferecer um
aceno breve, visto que a confeiteira não pareceu satisfeita
ao notar minha presença. Percebi que torceu o nariz
quando nos entreolhamos.

Tentei fingir que ela não me abala também, mas qual é a


chance?

Ainda mais depois que tirou aquele vestido transparente e


ficou só de biquíni. Ela lambuzou o corpo com algum
produto oleoso e se esticou na toalha fina, embaixo do sol.
Parecia tranquila, totalmente alheia ao estado de excitação
que causou em mim, ao virar de costas e deixar a bunda
para o alto.

Agora, estou com uma toalha cobrindo o volume do meu


short, lendo um panfleto de uma loja de açaí que uma
moça entregou, lutando contra meu corpo, que é castigado
pelo desejo de senti-la.

— Vou dar um mergulho — anuncio depois de um tempo.


Preciso esfriar minha cabeça.

Minha mãe acena, enfiando outro biscoito Globo na boca,


antes de beber um gole do seu Guaravita, enquanto meu
pai toma sua cerveja, sem dizer nada.

Miro João Pedro, que está afastado, jogando bola com


Rafael e Maria Isabel. Pelo visto, eles se entenderam na
noite de ontem, e espero que meu filho aproveite essa
segunda chance que lhe foi dada.

Tiro a camisa e a penduro no guarda-sol. Passo pela família


de Dandara e os cumprimento mais uma vez. A maldita se
apoia nos cotovelos e abaixa os óculos, mordendo os lábios
e sorrindo ao me encarar. Demora seu olhar em mim, e
confesso que aprecio a forma como seus olhos escurecem
ao passear pelo meu peitoral.

— Boa tarde, Vossa Regência — ela atiça, ronronando.

— Dandara — respondo, tentando soar indiferente.

Caminho até o mar e paro, testando a temperatura da


água. Gelada.

Ando um pouco mais, até o mar alcançar minha cintura.


Mergulho fundo e

subo, tirando o cabelo da testa. Dou braçadas e nado no


embalo das ondas calmas do mar de Vilabela.

A quietude das águas salinas é quebrada quando uma


sereia emerge, trazendo consigo a expressão do pecado na
feição.

— Está aproveitando o dia, Vossa Excelência? — Dandara


fica de pé e ajeita o biquíni minúsculo.

— Sim, e você? — Desvio o olhar para frente, para não


pensar em seu corpo quente, que agora tem cheiro de
protetor misturado ao sal do mar.

— Também — ela concorda, chegando mais perto. —


Queria agradecer pela festa de ontem. Até que foi uma boa
ideia. Rafa e João Pedro se entenderam bem.
— Não tem que me agradecer, você organizou a festa toda
com minha mãe. Eu que sou grato pelo trabalho incrível
que fizeram — digo, e sou sincero.

Nunca vi JP tão animado com um aniversário. Ontem,


quando estávamos voltando para casa, ele tinha uma
vasilha com o que sobrou de alguns docinhos em mãos.
Enquanto comia, narrou com entusiasmo sobre a música e
uma máquina que Dandara alugou, em que eles tinham
que pisar em setas conforme elas apareciam no visor. Meu
filho estava em êxtase, e não vou cansar de agradecer a
Danda por isso.

— Então, acho que é isso. Foi uma boa jornada juntos. —


Ela captura o cantinho da boca e parece querer falar algo
mais.

— Uma boa jornada? Agora, você é coach, Dandara? —


rebato, me sentindo deslocado.

Parece que ela está dando adeus, como se nunca mais


fôssemos nos ver, mas acabamos de nos conhecer. Ela não
vai se livrar de mim após ter despertado uma curiosidade
tremenda de saber sobre o ponto final onde as curvas do
seu corpo levam. É, eu falei que não ia mais me permitir
cair no charme dela, mas depois de vê-la aqui hoje, entendi
que é impossível resistir a Danda.

Quero ela. A forma como minhas mãos a exploraram não


foi o suficiente para entender o recado?

— Só estou dizendo que foi uma experiência legal ter


dividido esse momento com você. — Ela bate a ponta do
indicador no meu ombro, dando um sorriso brincalhão.

— Podemos dividir mais momentos, leoa — instigo.


— Ah, é? — Abre e fecha as mãos na água, desviando o
olhar. —

Como o... Ahhh!

Ela dá um pulo e segura meus ombros com força,


esmagando seu peitoral contra o meu, olhando assustada
para a água.

— Que foi? O que aconteceu? — Fico em alerta, tentando


entender o motivo de seu temor.

— Algum peixe ou tubarão passou por mim! — choraminga,


fincando as unhas em minha pele.

É difícil ignorar seu corpo molhado contra o meu, tendo


apenas um biquíni me impedindo de senti-la por inteiro.
Porra, vou ficar de pau duro dentro do mar?!

— Não tem tubarão ou peixe no mar de Vilabela. — Tento


não rir.

— Provavelmente, foi uma alga.

Ergue o olhar furioso, como se desaprovasse a ideia de


estar sendo contestada. A ira logo dá lugar à surpresa
quando Dandara nota seu agarre em meu corpo. Afasta as
mãos, como se levasse um choque, e dá um passo para
trás, abaixando o olhar, sem graça.

— Desculpa. Foi o susto, eu não... — Pigarreia, erguendo o


queixo.

— Acho que vou voltar, a água está muito fria. — Aponta


na direção da areia, onde sua família está.

— Dandara! — chamo quando se afasta. Ela gira o olhar e


me fita, curiosa. — Sexta-feira, oito da noite.
— O quê? — Estreita o olhar.

— Te pego em casa, leoa. — Pisco o olhar para ela, que


segura os lábios com os dentes, contendo o sorriso.

— Vou pensar no seu caso, Vossa Senhoria! — exclama


com leveza, voltando a caminhar em direção à praia.

Pensar. Em que parte do meu discurso ela se perdeu? Não


percebe que não é uma escolha? Dandara irá a um
encontro comigo, nem que para isso eu tenha que dançar
Macarena[13] vestindo uma sunga de onça.

Espero que não chegue a esse ponto.

18

DANDARA

— O que você acha? — Encontro o olhar de Eve pelo


espelho do meu quarto e espero sua resposta.

— Acho que estava passando da hora de você liberar a


preciosa —

diz com naturalidade.

— Evelin! — a repreendo, lançando-lhe um olhar de aviso,


para que não faça mais nenhum comentário desmedido. —
Estou falando do vestido.

— Aponto para a peça que tem um fundo preto, estampada


de rosas e com as alças finas.
Não sei se o lugar escolhido por Hugo é chique. Pelo que
Regina falou, ele costuma levar mulheres em restaurantes
elegantes, mas espero que não seja daqueles em que
inúmeros talheres ficam sobre a mesa e que preciso saber
sobre etiqueta para usá-los.

Um frio se espalha em meu estômago quando uma


insegurança nada bem-vinda me consome. Somos de
mundos tão diferentes, e se eu fizer alguma bobagem ou
falar besteira?

Hugo é um juiz, fez uma faculdade, carrega um diploma.


Ele deve ser culto, certamente. Ouve Mozart ou qualquer
outro artista clássico, cujo nome não tenho ideia de qual
seja.

Será que foi um erro aceitar ir a esse encontro? E se ele me


achar simples demais, diferente das mulheres que costuma
levar para um jantar?

E se ele perceber que meu linguajar não é nobre?

— Você está linda, piranha. Como sempre — ela suspira e


abre um sorriso cúmplice, me tirando dos devaneios.

— Faz tanto tempo que não vou a um encontro. — Abro a


tampa do batom e passo o bastão rosa nos lábios,
limpando as imperfeições. — Não sei o que fazer — digo
baixinho, expressando meu nervosismo.

Faz mais de um ano, ou talvez dois, desde que alguém me


levou para um jantar ou algo assim. E foi algo bem casual,
coisa de uma noite. Tenho a sensação de que com Hugo as
coisas serão diferentes, já que temos um pequeno histórico
de interações. Algumas desastrosas, outras bem quentes.

E é em nome dessas últimas que aceitei seu convite para


sairmos hoje.
Temos assuntos inacabados e estou pronta para colocar os
pingos nos “is”.

— Acho que vocês já ensaiaram para o que vem aí, não é?


— Eve provoca.

Contei a ela sobre o beijo na confeitaria, já que ela viu a


filmagem de Hugo entrando na DanDelícias. Evelin tem a
mania de conferir as câmeras de segurança no dia
seguinte, para garantir que não houve nenhuma
movimentação estranha na loja depois que fechamos. E foi
assim que ela descobriu que o juiz foi atrás de mim, como
uma besta que havia acabado de sair da jaula.

A sorte é que não temos nenhuma câmera na cozinha, ou


ela teria assistido uma cena um tanto quanto quente.

Também deixei escapar sobre o nosso momento de amasso


na festa, e agora Evelin sabe de tudo.

— Foram só alguns beijos. E, além disso, não sei se hoje vai


rolar algo. É só um experimento. — Checo mais uma vez
meu reflexo.

Dou uma afofada nos cachos, que estão soltos, e calço a


sandália de salto fino.

— Mas você quer? — Ô, criatura curiosa!

— Não sei, Eve! — exclamo, com sua fala elevando ainda


mais minha ansiedade.

Meu celular apita em cima da cama e ela trata logo de


pegar e ler o que tem ali, sem me dar chances de alcançá-
la.

— Vossa Excelência enviou uma mensagem. — Evelin ri.


— Deixa de meter o nariz onde não deve! — Vou até ela e
tomo o telefone da sua mão.

Leio a mensagem de Hugo, que avisa que está na porta da


minha casa, e meu estômago congela.

— O que você disse ao Rafael? — Eve aponta na direção do


quarto onde meu filho está.

— Que tenho um encontro. — Dou de ombros. — Nunca fui


de esconder as coisas dele.

— E ele?

— Demorou uns dois dias para se recuperar do baque.


Ficou de cara fechada e resmungando pelos cantos, quis
saber sobre o cara, e essa foi a única explicação que não
ofereci — admito, sem sentir um pingo de culpa.

— Não sei como ele vai reagir se souber que é Hugo —


sussurro, como se as paredes tivessem ouvidos.

— E se ele descobrir pela dona Conceição?

Mordo a ponta da unha, pensando nessa hipótese. Não


havia considerado minha vizinha fofoqueira, e para esse
cenário hipotético não tenho uma solução.

— Não vou pensar nisso agora. Vou indo, antes que Rafael
saia do quarto. — Estou mesmo saindo de fininho da minha
própria casa?! Que comportamento absurdo, Dandara! —
Não me siga! — ordeno a ela, que revira os olhos para
mim.

Coloco o celular e meus documentos dentro de uma bolsa


pequena e saio do quarto.

Ando passo a passo, devagar, tentando não fazer barulho,


mas falhando ao ter os saltos batendo contra o piso das
escadas.

Rafael parece não ouvir, deve estar com aqueles fones de


abafar ruídos, estudando.

Abro o portão e me deparo com o conversível branco


estacionado perto da calçada. Hugo está escorado no
carro, e não seguro o suspiro ao vê-lo tão bonito. Está
vestindo um conjunto social azul-marinho e a camisa

branca tem dois botões abertos. Os fios loiro-escuros estão


penteados para trás, e o sorriso que abre faz aquele
calorão surgir no meio das minhas pernas.

Ok, não é menopausa. Está aí o monumento responsável


por todo esse fogo!

— Boa noite, Meritíssimo. — Deixo escapar uma risadinha.


— Você está... razoável.

— Razoável? — Estala a língua no céu da boca, em um


sinal de desagrado. — Espero que tenha um adjetivo
melhor até o fim da noite. —

Ele desencosta do carro e abre a porta. — Entre, cara leoa.

— Hum... Gostei. — Passo por ele e aliso seu blazer. — Bem


cavalheiro.

Sento no banco de couro e aspiro o cheiro de luxo. Hugo


assume a direção e pega o caminho para a avenida
principal de Vilabela.

— Como foi a semana? — pergunta para quebrar o silêncio.

— Você é ruim de papo — acuso, me divertindo. — Qual é?!


Tem que ter um assunto mais interessante, além do clima e
saber como foi minha semana. Meus dias foram iguais aos
da semana passada. — Simulo um bocejo e ele meneia a
cabeça em um sinal de negação.

— Que tal isso? — Me fita com um olhar misterioso. — Você


acha que os peixes têm medo dos peixes fantasmas?

Gargalho alto, tombando a cabeça para trás. Ok, essa foi


inesperada!

— Não sei — respondo, intrigada. — Quero pensar que não.


Minha vez. Se você tivesse uma banda, como chamaria?

Hugo alisa a barba, pensando no questionamento.

— Hugo e os ETs psicóticos. — Solto mais uma risada


escandalosa.

— Deus, tu sabe ser divertido! — Respiro fundo,


recuperando o ar.

— Achei que seria o “tiozão do pavê”, mas está me


surpreendendo.

— Sou uma boa companhia, Danda. Vou provar para você.

Ele gira o pescoço e dá uma piscadela que me faz derreter


por dentro.

— O que estava ouvindo? — Aponto para o som do carro,


fugindo do seu flerte.

— Pode ligar. — Sinaliza para que eu vá em frente.

Aperto o botão que dá vida ao rádio e aumento o volume. A


voz potente de Tim Maia ressoa no veículo, nos envolvendo
com sua melodia gostosa.

— Vi o tempo passar, o inverno chegar outra vez — começo


a cantarolar a letra de Você, e ele me olha de esguelha. —
Vai, juiz.

— Todo pranto sumiu, um encanto surgiu, meu amor. — Ele


aponta o indicador para mim e depois para si, pedindo que
cantemos juntos a próxima estrofe.

— Você! É mais do que sei, é mais que pensei, é mais que


esperava, baby! — berramos o verso a plenos pulmões, nos
envolvendo com a letra da canção. — Sou feliz, agora. Não,
não vá, embora, não.

Rimos juntos e suspiramos em sincronia, deixando que Tim


siga a música sozinho.

— Hugo e os ETs psicóticos não sobreviveria a um show se


fosse o cantor — implico. — Devo confessar que estou
surpresa. Achei que gostasse de sertanejo.

— Até gosto, mas ouvi sertanejo o suficiente na vida. — Ele


para de falar ao estacionar na frente de um restaurante.

Sei que é um lugar caro e chique quando vejo o manobrista


na entrada. Hugo dá a volta e abre a porta para mim.
Seguro sua mão e permito que me conduza para dentro.

A luz quente deixa um clima aconchegante no ambiente, e


o chão de mármore polido me permite enxergar com
nitidez o reflexo do teto acima de nós. As paredes de vidro
oferecem uma visão ampla do céu noturno, e as estrelas do
lado de fora são o toque especial para esse encontro.

— Esse lugar é lindo, Hugo! — falo, maravilhada com cada


detalhe ao meu redor, desde a arquitetura até as pinturas
penduradas.

— Escolhi uma mesa do lado de fora. Espero que não se


importe —
diz, parando na frente do maître. Olha só, Dandara. Está
sabendo o que é maître! — Boa noite. Tenho uma reserva
no nome de Hugo Alencar.

— Boa noite, senhor Alencar. Senhora. — O jovem


funcionário oferece um sorriso cortês.

— Senhorita — o corrijo com leveza.

— Perdão, senhorita. Me acompanhem, por favor — ele diz,


indicando o caminho.

O seguimos até as mesas que estão do lado de fora do


salão. A noite fresca de Vilabela deixa o clima perfeito.

O maître entrega o cardápio e explica sobre alguns pratos.


Se afasta, nos deixando a sós para fazer nossa escolha.

— Boa noite — o garçom nos aborda um tempo depois. —


Já sabem o que vão querer?

Faço meu pedido baseado em pratos que soam familiares,


e Hugo também dita o que quer ao garçom, que se afasta
após anotar tudo.

— Então... Você estava dizendo que ouviu o suficiente de


sertanejo na vida — retomo nossa conversa.

— Sim. Quando fui aprovado para o concurso de juiz, a


vaga era em Goiânia. Morei alguns anos lá — narra. — O
primeiro carro que comprei na época foi um fusca. Era um
sonho de moleque ter um desses, mas me arrependi
amargamente. O vidro do carro não descia de jeito nenhum
e o rádio só pegava as estações locais. Por isso, ouvi muito
sertanejo, pois era o que tocava na FM de lá.

— Quanto tempo morou em Goiânia? — questiono,


interessada.
— Cinco anos. Depois pedi transferência. Foi uma época
difícil, JP

não se adaptou ao clima — Hugo lembra com pesar. —


Quando a transferência saiu, quatro anos atrás, lembro de
chegar em casa com um pacote do salgadinho favorito dele
e um monte de guloseimas. João tinha

doze anos, e eu quase nunca deixava ele comer essas


coisas. Mas, naquele dia, pouco me importei com isso. O
olhar de felicidade dele fez tudo valer a pena.

— Porque, no fim do dia, estamos fazendo de tudo por eles.


Trocamos olhares de cumplicidade e ele acena,


concordando.

— Agora, vamos falar de algo que realmente importa. —


Ele tamborila os dedos na mesa, fazendo suspense. Fico
nervosa com o que está por vir, pensando que dirá algo
sobre o pai do Rafael, mas ele me surpreende mais uma
vez ao dizer: — Se pudesse falar com golfinhos, o que diria
a eles?

— Caraca, Hugo! De onde vem esse repertório de


perguntas? —

questiono, impressionada com seu esforço de não deixar a


noite cair no tédio.

— Sou uma caixinha de surpresas, Dandara.

Perco a graça quando sua voz escapa rouca, e minha


mente trata de tecer um cenário em que o desembrulho e
desvendo todos os segredos que existem por trás da casca
de juiz ranzinza.
Muito cedo, Danda. Muito cedo.

O garçom serve nossas bebidas e a conversa continua,


comigo respondendo suas perguntas aleatórias e
devolvendo com outras. Mal vejo o tempo passar, porque o
assunto não acaba. Falamos sobre nossas vidas, carreira,
maternidade e paternidade, e até mesmo sobre os animais
que tivemos.

Quando o tópico relacionamentos chega, estamos no final


da sobremesa.

— Então, você não teve nada sério depois do divórcio? —


indago com cautela.

— Não. Apenas relacionamentos passageiros. A verdade é


que ninguém está pronto para um pai ou mãe solo. — Ele
enfia um pedaço do suflê de chocolate na boca, sem dizer
mais nada.

Aceno, concordando, pois vivi essa realidade na pele.

— Mas você teve outras namoradas antes da sua ex-


esposa? — Ele faz um sinal positivo, erguendo o polegar. —
Qual foi a declaração mais esdrúxula que já recebeu?

Hugo pensa por alguns segundos, e, em seguida, sua


expressão se ilumina ao se lembrar de algo.

— Promete não rir? — pede, erguendo o canto dos lábios.

— Não vou prometer algo que tenho certeza de que não


irei cumprir.

Você mesmo já está rindo!

— É, talvez não vá mesmo. — Bebe um golinho de água e


respira fundo. — Foi no final do ensino médio, da minha
primeira namorada. Ela enviou um carro de som para
minha escola tocando Como eu quero, do Kid Abelha,
enquanto o cara lia uma declaração brega e melosa no
alto-falante.

Foi o momento mais embaraçoso da minha vida.

Mordo o lábio inferior, tentando não rir, mas meu


diafragma treme e solto uma gargalhada histérica. Tento
tapar a boca para não fazer barulho, mas é uma história
hilária.

— Ai, meu Deus! — Me abano, recuperando o ar e lutando


para me manter séria. — Isso foi bom, na verdade. Ela
mostrou que te amava de verdade. Olha só... — Aponto em
sua direção, já recuperada da crise de risos. — O amor é
brega, Hugo.

— Fala isso porque aposto que nunca recebeu um desses —

provoca.

— Não mesmo, mas acho que seria a prova de amor mais


bonita que alguém teria me dado — digo, mantendo o
semblante sóbrio.

— Qual foi a declaração mais marcante que você recebeu?


— ele questiona, tendo sua total atenção em mim.

Mordo o canto interno da boca e suspiro.

— Nenhuma — cicio.

— Nenhuma? Não pode estar falando sério — rebate,


indignado.

— A coisa mais bonita que um homem fez para mim foi


quando ele, aos cinco anos de idade, cantou Por você em
uma homenagem ao Dia das
Mães na escolinha — narro com orgulho. — Mas declaração
de amor romântica... — Nego com a cabeça. — Nada.

— Não se fazem mais homens como antigamente — brinca.

— Seu tempo comigo está acabando, Vossa Excelência. —


Olho no relógio, fingindo cronometrar os minutos. — Tem
mais algum coelho para tirar da cartola e me impressionar?

— Agora que você falou... — Ele procura por algo ao nosso


redor e ergue a mão, chamando a atenção do garçom. —
Tenho algo para mostrar.

Será minha cartada final. Mas está na minha casa. — Ele


troca olhares sugestivos comigo, e meu ventre revira,
furioso, dominado pela expectativa.

— Aceita vir comigo?

Como digo a ele que esse convite seria aceito no segundo


em que o vi parado na porta da minha casa?

19

DANDARA

— Uma coleção de discos de vinil? — Abro a boca,


maravilhada, quando Hugo apresenta com orgulho todos os
vinis que colecionou durante a vida.

Quando aceitei seu convite para vir até aqui, não imaginei
que essa seria sua cartada final, e confesso que estou, de
fato, impressionada. Tem até discos da Alcione aqui!
O lugar é bem aconchegante. Tem uma estante com alguns
livros, um sofá e poltronas, além de uma janela que vai de
cima a baixo, com vista para seu jardim.

Ao fundo da pequena biblioteca há uma vitrola antiga, e


sua coleção está exposta como um prêmio, o qual demorou
anos para conseguir.

— Gosta de música, não é? — Ele tira o blazer e deixa em


uma das poltronas, vindo até mim. Passa os dedos em um
disco dos Novos Baianos, esperando minha resposta.

— Adoro. Se tivesse a chance, gostaria de aprender a tocar


algum instrumento. Talvez, pandeiro — respondo,
caminhando com ele ao meu lado.

— Não deve ser difícil. Dizem que aprender um instrumento


é como andar de bicicleta. — O encaro de canto de olho,
sem compreender o que diz. — Você nunca esquece —
elucida.

— Não posso palpitar quanto a isso. — Giro o corpo,


cessando meus passos. — Não sei andar de bicicleta.

— De jeito nenhum! Como assim não sabe?!

— Não sabendo. — Dou de ombros. — Meus pais estavam


ocupados demais para ensinar. Tinha que contar com a boa
vontade dos meus irmãos, que aprenderam com os
moleques da rua. Mas nenhum deles quis me ensinar,
então nunca aprendi.

— Isso é inaceitável, Dandara! — Ainda está estarrecido, o


pobre juiz.

— Pois acredite se quiser. — Vou em direção à estante de


livros, curiosa. — O que tem de bom aqui? Vou pegar algo
emprestado, preciso ler mais.
— Depende do que você gosta. Tem nacionais e
internacionais.

Aposto que vai se entreter com esse. — Tira da prateleira


um livro com o título de Senhora. Já ouvi falar quando
estava no ensino médio, mas admito, com vergonha, que
pulei a leitura. Estava mais interessada em beijar na boca
embaixo da escada da quadra do colégio. — Ou esse. — Me
entrega Dona Flor e seus dois maridos.

— Algum motivo especial para as recomendações? — Abro


uma página aleatória do último livro.

— Não sei, só uma impressão.

— Nunca se dera assim; tão solta, tão fogosa, tão de gula


acesa, tão em delírio. — Fecho o livro por um instante,
sentindo um acanhamento inesperado.

Hugo ri da minha reação ao ler o trecho e toma o livro da


minha mão, abrindo na página que eu estava marcando
com o dedo.

— Teu rabo de sereia, tua barriga cor de tacho, teus peitos


de abacate — ele continua. — Tu cresceu, Flor, está mais
opulenta, tu é gostosa da cabeça aos pés. Vou te dizer: já
colhi muita xoxota em minha vida...

— Minha nossa! — Tapo a boca, como se as palavras sujas


tivessem saído de mim.

— Talvez, essa não seja a melhor escolha. — Hugo contém


seu divertimento, desviando o olhar e guardando o livro. —
Se não tivesse um filho, ia perguntar se é virgem. Está
muito tímida, Dandara.

— Deixa de ser babaca! — Empurro seu ombro de leve, e


ele segura meu pulso quando tento me afastar.
— Vai dizer que ninguém nunca disse umas besteiras assim
no pé do seu ouvido... — Meu coração bate selvagem
quando ele afasta meu cabelo e abaixa o rosto. A ponta do
seu nariz toca meu pescoço e estremeço, com os pelinhos
da minha nuca arrepiando. — A julguei mal quando
imaginei que gostasse de uma sacanagem? — questiona
com maldade, roçando os lábios em minha pele sensível.

— Depende de quem está sendo sacana. — Jogo gasolina


no fogo que ele acende. No fundo da minha mente, um
questionamento surge, o que me faz recuar. — João Pedro?
— pergunto baixinho.

— Está na casa dos avós, quis passar o fim de semana lá.


— Segura meu rosto e olha no fundo dos meus olhos, me
hipnotizando com as íris verdes que agora brilham,
expressando uma ânsia que dissipa qualquer outra
preocupação que eu fosse colocar em palavras. — Te juro
que ia levar você para casa, respeitar seu tempo,
conquistar sua confiança e não ser um filho da puta... Mas
quero você, Danda. Muito!

— Se precisa da minha autorização assinada para pular


etapas, eu dou, Vossa Excelência. — Aproximo minha boca
da sua e mordo de mansinho seu lábio inferior, fazendo
com que sua respiração escape pesada.

— Não seja por isso. Agora, se sua necessidade é de um


incentivo a mais...

Minha xoxota está molhadinha, sabia? — Faço graça.

Todo resquício de zombaria some no instante em que seus


lábios demandam os meus com brutalidade. Me agarro a
ele, em busca de equilíbrio, porque minhas pernas
bambeiam diante do toque feroz.
Hugo não me deixa respirar, toma todo meu fôlego,
enquanto sua mão boba vai descendo até minha bunda.
Minhas costas encontram a parede e ele me cerca,
imponente.

Sua barba áspera arranha meu pescoço quando desce com


a boca.

Arfo com sua mordida em meu decote. Hugo entra de vez


em minha cabeça, ao erguer o olhar e entregar o desejo
visceral que sente com o gesto.

Estou tão envolvida com a forma como seu corpo vai pouco
a pouco dominando o meu, que quase não ouço o som do
zíper sendo aberto.

Estremeço quando sobe a ponta do indicador por minha


coluna agora desnuda, e não me contenho quando abre o
fecho do sutiã. Ondulo meu tronco, pedindo por mais,
ansiando para que vá fundo.

Hugo segura a barra do vestido que bate no meio das


coxas e sobe, o tirando. Me livro do sutiã e tiro as sandálias
com o dedão do pé. É o que consigo fazer antes de nos
atracarmos em mais um beijo fervoroso.

As mãos grandes exploram meu corpo, desgovernadas, ao


passo que sua boca vai descendo até alcançar... Oh, céus!
Isso!

Sua língua macia gira ao redor do meu mamilo, e acho que


seria capaz de gozar apenas assim: com ele chupando meu
peito, enviando ondas de prazer por todo meu corpo.

— Não achei que fosse ver essa leoa tão mansa. — Abro os
olhos e vejo Hugo espalmar as mãos no meu traseiro, me
suspendendo, e enrosco as pernas em sua cintura.
Irritação me toma, porque ele ainda está vestido e preciso
senti-lo, quero saber se sua pele está tão febril quanto a
minha.

Minhas costas vão de encontro ao sofá macio e grande que


está no canto da biblioteca.

Sua respiração pesada bate contra minha pele à medida


em que trilha um caminho de beijos e mordidas até a altura
da minha intimidade.

Sou engolida pela visão obscena de seu rosto entre minhas


pernas.

Apoiado nos cotovelos, o assisto puxar a carne da minha


coxa com os dentes, chupando em seguida.

Um frenesi delicioso me arrebate quando ele desce


devagar minha calcinha, me expondo por inteira. Me
mantenho firme ao vê-lo ajoelhar no chão e aproximar a
boca da minha boceta. Nenhuma cena é uma melhor
contemplação do que um homem ajoelhado, prestes a
chupar... Oh, céus!

— Hugo! — solto um gemido vigoroso quando sua língua


áspera escorrega por todo meu canal.

Ele suga meu clitóris, o chupa com gula, me deixando


perdida em sua boca, mostrando toda sua experiência com
o sexo oral. Já fui chupada

algumas vezes antes, mas era sempre uma preliminar,


como se o boquete fosse uma obrigação que o cara quer
logo se livrar.

Mas isso aqui... Porra, isso é gostoso pra caralho! Estou


sendo agraciada com sua língua massageando meu nervo
inchado, que pulsa devido a toda atenção que recebe.
Hugo me lambe como se estivesse se deliciando com o ato,
e faz um calor infernal brotar do meu ventre e se espalhar
por todo meu corpo.

Assisti-lo enquanto me proporciona um prazer tão


alucinante é uma ideia ruim. Muito ruim. Porque quando
nossos olhares se encontram, sou sugada pela intensidade
que encontro ali. É como se ele quisesse gravar cada
reação minha, a forma como me dá prazer.

Deixo meu tronco cair e encaro o teto, absorvendo cada


gota de satisfação que sua boca oferece. Perco a fala, o ar
e a razão quando, dentro de mim, tudo parece prestes a
explodir. Agarro seus fios e o mantenho no lugar, me
entregando ao momento.

E, então, ele para.

— Não! — resmungo quando sua boca me abandona. — Por


que você...

— Prometo te compensar por isso. Mas, agora, vai ter que


confiar em mim.

Hugo fica de pé e escala o sofá até que nossos olhos


estejam paralelos. Dedilha meu ventre e desce com a mão
até alcançar minha boceta. Estimula o clitóris, e começo a
rebolar, sem nenhuma vergonha, ansiando pelo orgasmo
que não me entregou.

Ele enfia dois dedos em meu canal, e é o suficiente para


me atiçar e fazer meu útero formigar.

Desabotoo sua camisa, não entendi por que o filho da mãe


ainda está vestido. Ele segura minha nuca e me beija mais
uma vez, metendo seus dedos em mim com mais avidez.
Hugo massageia o clitóris com o polegar, ao passo que
continua me fodendo com os dedos, me deixando
extasiada. Tudo que sei sobre sexo

agora parece uma vaga lembrança quando ele demonstra


tamanha maestria ao me conduzir.

Arfo, com minha respiração escapando em pequenas


lufadas, sendo mais uma vez dominada pela ânsia de me
perder em pecado.

— Se tu parar... — choramingo contra seus lábios.

— Vai fazer o quê? — E para provar que não sou párea para
ele, Hugo tira os dedos de dentro de mim, frustrando-me
mais uma vez.

Ele fica de pé e começa a se despir. Assisto-o, mordendo os


lábios, pronta para ser possuída por esse homem. A cada
peça que tira do seu corpo, Hugo vai me mostrando que
sou apenas uma gatinha indefesa diante de sua
imponência. Ele tem postura de rei, soberano, e me
submeto a ele para que faça o que quiser de mim.

Quando Hugo abaixa a cueca e liberta a ereção, deixo um


silvo baixo escapar, ao constatar a grossura de seu pau.
Minha boceta palpita, minha libido dá três mortais, e meu
alter ego vadia, que está no cio, solta foguetes.

Minha boca chega a salivar.

— Está com cara de quem vai avançar, leoa — provoca.

Hugo tira da calça uma embalagem metálica e a rasga com


os dentes. Encapa a ereção com a camisinha e se coloca
sobre mim.
Posso sentir a cabeça roliça do seu pau se esfregar em
minha entrada. Hugo provoca, roça a glande entre meus
lábios, me deixando sensível e ansiosa para o momento em
que irei tê-lo fundo.

— Tu vai mesmo me deixar na mão, juiz? — atiço, não


suportando mais a espera.

— Estava testando quanto quer meu pau. — Abre um meio


sorriso, sendo um grande canalha. — Agora que sei que
está doidinha por ele, vou te comer como nenhum outro
homem que passou por sua cama foi capaz de fazer.

E dito isto, ele empurra o pau para dentro de mim com


força, quase me rasgando toda ao me penetrar duro.

— Porra! — solto uma lamúria ao me agarrar a ele,


tentando me acostumar com a sensação de ter sua rigidez
latejando dentro de mim, sendo sufocada por minhas
paredes internas. — Se mexe, caralho, isso é bom demais!
— imploro, guiada pela explosão de hormônios que me
golpeia.

— Tu é quente pra cacete! — rosna, estocando


devagarinho, enquanto me acostumo com a sensação.

— Hugo... — Abafo o gemido e ele toma minha boca para


um beijo.

Quase engasgo quando começa a acelerar, e prendo as


coxas em seu quadril. Sua mão não demora a encontrar
minha coxa e ele me abre, só para meter mais fundo.

Hugo mordisca meu ombro e deixa beijos curtos em minha


pele, até alcançar meus seios. Abocanha meu pequeno
monte, torturando meu bico rígido com os dentes antes de
sugar. Mama, ganancioso, e em resposta me esfrego nele,
tendo meu clitóris roçando em seu púbis.
Me contraio, involuntariamente, o sugando para dentro de
mim, tendo sua grossura me invadindo em um vaivém
ritmado, que aumenta a cada segundo que ele me fode.

— Caralho, Dandara! Não aperta assim, desgraçada! —


xinga, transtornado de tesão.

— Vai perder o controle já? — Ofego quando ele se


descontrola, me penetrando em estocadas selvagens que
me dilaceram de dentro para fora.

Quem precisa de boceta? Se ele quer me arrombar, então


que o faça.

— Vem por cima. Quero ver tu sentar no meu pau. — Ele


desliza a ereção para fora e me puxa pelo punho, erguendo
meu tronco. Hugo senta no sofá, e engatinho até estar de
frente a ele. — Assim não. Quero ver esse seu rabo gostoso
rebolar.

Giro de costas, acatando seu pedido. Ele segura o pau, e


me apoio em seus joelhos, descendo devagar, até tê-lo
atolado dentro de mim.

Começo a subir e descer, com minha boceta engolindo seu


membro duro.

Hugo fecha uma mão em meu seio, enquanto a outra


desce até alcançar meu clitóris. Ele massageia e estimula
tanto meu peito quanto minha carne sensível, e me
entrego às sensações.

Nossos sons eróticos preenchem a biblioteca, nossos


corpos começam a transpirar e nosso calor se mistura. Ele
segura meus cachos com firmeza e gira meu rosto, me
beijando.
Sou resumida a gemidos agudos e baixos, suor e luxúria.
Subo e desço, cavalgando livre, tendo seus dedos
experientes me massageando e elevando meu prazer, me
deixando torpe.

— Abre a boca! — ele ordena e sigo o mestre.

Hugo enfia dois dedos entre meus lábios, e os chupo, os


lambuzando com saliva. Ele os usa para tocar meus
mamilos, ao passo que continua girando o indicador e o
dedo médio da outra mão em meu clitóris.

Sinto que estou perdendo o controle, e meu peito está


sendo golpeado pelo meu coração, enquanto uma
quantidade absurda de adrenalina preenche minha
corrente sanguínea.

Isso vai ser intenso demais, e acho que não vou aguentar.
A sensação é potente, avassaladora.

— Hugo, acho melhor... — Ele belisca meu nervo de leve, e


emito um som de lamento que mais parece um gemido. —
Não, isso não vai dar...

Não vai dar... — choramingo, mas não paro. — É demais...


Demais... —

Tento segurar seu pulso e o afastar da minha boceta, mas


ele é mais forte que eu.

— Tu queria gozar, não é? Vai ter que suportar.

Quero dizer que ele é malvado por me deixar assim, no


limite, só que eu mesma não faço nada para impedi-lo. Ao
invés disso, intensifico meu rebolado, girando, subindo e
descendo, ao passo que Hugo me masturba mais rápido.
Arrepio como um gato selvagem quando ele morde o lóbulo
da minha orelha e seu hálito quente me atinge.

Estou ciente do pau indo fundo em mim cada vez que


nossos quadris se chocam, bem como seus dedos girando e
pressionando meu clitóris.

Desestabilizada, só me deixo levar. Me entrego às


sensações, explodindo e vibrando, arrebatada por um
orgasmo intenso, que me faz jorrar em seu pau em
esguichos fortes.

Meu primeiro instinto é querer parar, mas o braço dele se


fecha ao redor da minha cintura como ferro e ele mete
mais algumas vezes, espalhando todo líquido da
ejaculação, antes de gozar e esporrar na camisinha.

Perco as forças e o ar e encosto minhas costas em seu


peitoral.

— Sinto muito por isso... — murmuro, ao passo que minhas


bochechas esquentam de vergonha.

— Se for se desculpar por ter gozado tão gostoso, nem


começa. —

Ele luta para manter a respiração no controle. — Porra, isso


foi muito bom!

Quanto tempo precisa para uma segunda rodada?

— Está falando sério?

— Quinze minutos, e a gente recomeça.

Tento rir, mas não tenho energia. No entanto, quando ele


começa a fazer carinho no meu braço, meu corpo traiçoeiro
corresponde prontamente, e sei que em menos de quinze
minutos iremos fazer uma bagunça nessa biblioteca.
20

HUGO

Observo pela vitrine a mulher que se equilibra em um par


de saltos ao servir as mesas com um sorriso largo no rosto.

Pareço a porra de um obcecado, mas não consigo parar de


admirá-la.

Faz pouco mais de uma semana desde que ouvi seus


gemidos, senti seu corpo e me afundei em Dandara. Oito
dias que parecem ter se arrastado, porque tudo que pensei
durante esse tempo é que precisava vê-la mais uma vez.
Mesmo que tenhamos trocado mensagens durante a
semana, ainda assim não foi o suficiente para mim.

Por isso, elaborei uma ideia que na minha mente soa


perfeita, no entanto, não sei se ela irá aprovar.

Abro a porta e um sininho toca, avisando da minha entrada


na confeitaria. Danda, que está do outro lado do balcão,
ergue o olhar, e sua feição expressa surpresa ao me ver
aqui. Caminho até ela e paro, apoiando as mãos no balcão.

— Bom dia, Vossa Regência. Posso ajudar? Veio pelos


cupcakes? Se for, aviso que estão em falta. Não poderá
fazer nenhuma bagunça hoje —

diz, ardilosa.

— Bom dia, leoa. Não vim pelos cupcakes, e sim pela


confeiteira responsável por eles — respondo, agindo como
um cavalheiro atencioso, o que é uma surpresa, visto que,
no fórum, todos me conhecem por minha intransigência.

— É mesmo? — Ela apoia o queixo no dorso das mãos e


umedece os lábios. — No que posso ser útil?

— Quero saber se está livre agora. Tenho uma surpresa


para você.

— E o que é? — Danda torce um cacho do seu cabelo com


o indicador.

Um pigarro ao nosso lado nos faz sobressaltar, e mal notei


que estávamos tão próximos.

— Evelin. — Arranho a garganta ao cumprimentar a amiga


de Dandara, ficando sério. — Bom dia.

— Bom dia, seu juiz. — Evelin abre um sorrisinho maldoso.


Espera, ela sabe o que aconteceu entre Danda e eu?
Porque é isso que seu gesto transparece. — Atrapalho
algo?

— Nada. — Dandara abaixa e abre a portinha da vitrine.


Tira de lá um brownie e me entrega. — Hugo estava
fazendo o pedido dele.

— E também fazendo um convite — emendo, e Dandara


me olha feio. — Vim saber se Danda está disponível.

— É claro que sim! — Evelin dá a volta no balcão e se


coloca ao lado da amiga. — Hoje, o movimento está
tranquilo, e daqui a pouco a gente fecha. Pode ir, eu dou
conta. — Dá um tapinha no ombro de Dandara, que lhe
lança um olhar atravessado.

— Mas eu tenho que...


— Tem que sair — Evelin interrompe a amiga. — Vai dar
uma volta, respirar um ar puro. — Empurra o ombro de
Danda, que rosna algo inteligível antes de tirar o avental e
ir para a cozinha.

— Ei! — Evelin chama minha atenção. — Estou de olho em


você, viu, juiz? Tu não é rei, as leis brasileiras se aplicam a
você. E sabe qual é a sua maior lei? — Me fita com
seriedade e aceno uma negação. — Artigo primeiro,
parágrafo único da Constituição dos Homens Solteiros:
jamais desrespeite uma mulher que tem uma amiga de
longa data. Me ouviu?

— Sim, senhora — digo firme. — Não sou ordinário assim,


Evelin.

— Tiro a carteira do bolso e pego uma nota. — Pelo


brownie. — Ergo para ela.

— Ah, não. É por conta da casa — dispensa, sem fazer


menção de pegar o dinheiro.

— Não posso aceitar. Anda, cobra aí.

— Pode aceitar, sim. — Danda vem da cozinha com a bolsa


no ombro. — Vamos?
— Vamos. — Guardo a carteira e pego o brownie, o
aceitando como brinde.

Seguimos para o lado de fora, e ela logo percebe o que


planejei ao ver as duas bicicletas presas no suporte do Jeep
que peguei com meu pai.

— Você vai me ensinar a andar de bicicleta? É isso mesmo?


— Sua voz vai se tornando aguda à medida que a emoção
toma conta dela.

— Se quiser, é claro.

Abro a embalagem do brownie e mordo um pedaço, que


derrete em minha boca. Caralho, é muito bom!

— Precisa ter paciência comigo — Danda avisa, quase


quicando no lugar por conta da empolgação. — Não
acredito que vou aprender a andar de bicicleta!

Meu foco no doce não me prepara para seu próximo ato, já


que ela segura meus ombros e beija a maçã do meu rosto.

Isso foi... inesperado. Não imaginei que ficaria tão feliz por
isso.

Dou a volta no carro, e quando noto meus lábios erguidos,


desfaço o sorriso, disfarçando. Ô, porra! Chega de ficar
mostrando os dentes por aí.

É só um passeio de bicicleta.

— Se você fosse criança, teria uma rodinha nessa bike. Mas


peguei emprestada com minha mãe, que não tem essa
proteção, então vamos ter que pular etapas. — Ela revira
os olhos para mim. — Primeiro, tem que
montar. Acho que você é muito boa nisso — provoco,
piscando um olho para Danda.

Estamos na orla de Vilabela, que possui uma ciclovia.


Escolhi um lugar que estivesse mais vazio, para encorajá-la
um pouco mais.

— Não me venha com essas insinuações — responde,


mordendo os lábios.

Dandara segura no guidão e passa a perna no quadro.


Empina a bunda e apoia um pé no chão, quase não o
alcançando, visto que a baixinha aqui tirou suas sandálias.
Seguro a bicicleta para que não caia, e nossos braços se
roçam.

— Agora, precisa achar seu ponto de equilíbrio. Não pode


parar de pedalar, senão vai cair, ok? — Ela acena e tira os
pés do chão, colocando-os no pedal. Ainda a seguro
enquanto Danda testa seu equilíbrio. — Tem que pedalar,
sabe, para a bicicleta se mexer...

— Eu sei — fala com a mandíbula trincada, e um vinco


surge entre suas sobrancelhas. — Não me larga!

Solto o guidão, mas mantenho a mão na ponta do banco.


Danda vacila e a bicicleta quase perde o rumo. No entanto,
ela se endireita e pedala com mais segurança.

— Danda, olha pra frente, não para o chão! — ordeno,


mantendo a calma ao sentir sua tensão.

Ela ergue os olhos, e o movimento tira sua concentração,


fazendo-a girar o guidão. Dandara apoia o pé no chão
antes de cair.

— Calma, vai dar certo. — Respira fundo e balança os


ombros.
— Sei que sim, confio em você.

Ela busca meu olhar e lhe ofereço um sorriso cúmplice.


Danda sobe no banco e começa a pedalar mais uma vez.
Tremula, mas logo se endireita e segue, comigo segurando
o banco.

— Não é tão difícil! — Danda parece tão alegre que sua


leveza me contagia.

Se olhar para o passado e toda birra que cultivei dela no


início, devo admitir, com certo constrangimento, que meu
problema com ela era inveja.

Sim, invejei seu espírito livre, sua energia e também o


relacionamento que tem com Rafael. A verdade é que ele
não sente falta de um pai, como João sente da mãe, e isso
é algo que não posso mudar. Acho que uma criança sempre
vai ansiar pelo amor materno, não sei...

Não que eu tenha enfrentado algum conflito com meu filho


essa semana. Depois do momento de tensão no carro, com
a menção da mãe, não nos desentendemos mais, e talvez
eu deva isso a Dandara.

A forma como ela e sua família conduziram o aniversário,


deixando meu garoto à vontade e até mesmo o
incentivando na hora de assoprar as velas, pode parecer
pouca coisa, mas para mim e para o JP foi muito.

Porque ele, por um momento, parou de pensar no que


poderia ter sido e aceitou as coisas como elas são.

— Uma pausa? — Danda pede antes de apoiar os pés


descalços no chão.

Seguimos nossa pequena aula com ela andando e parando


em alguns momentos, até que Danda começa a se sentir
segura.

Quando ela já está acostumada com o peso e o movimento


da bicicleta, decido que é hora de deixá-la independente.

— Está tudo certo? — pergunto, e vejo-a focar no caminho.

— Sim, isso é incrível! — Solto devagar o banco e a sigo.


Ela pedala, alheia ao fato de que agora está andando
sozinha. — A gente devia fazer isso... Você soltou?!

Olha para trás, em pânico, e o guidão balança. Dandara


começa a cair para o lado, em câmera lenta, e corro para
alcançá-la. Tudo que consigo fazer é segurar seu corpo,
antes de nos esborracharmos na calçada.

Não me contenho. Gargalho sem nenhuma vergonha ao tê-


la agarrada a mim, sem ter sofrido nenhum arranhão.
Dandara me acompanha, rindo alto, com as pernas
enroscadas na bicicleta.

— Estava indo tão bem. — Me recupero, puxando o ar


devagar.

— Fiquei com medo e perdi o rumo.

Ergue os olhos ardilosos, o que me deixa perdido.

Ter seu peito contra o meu e minha mão em sua bunda me


faz reviver memórias de dias atrás, de quando esmaguei
seus seios, que couberam perfeitamente em minhas mãos.
Ela estava linda, se perdendo no sexo...
— Está pensando safadeza, Vossa Excelência? — zomba,
rindo.

Então, agora, ela só usa o pronome correto? — Não é hora


de fantasiar, tem crianças por perto — assopra as palavras.

— Não tenho culpa, você está em cima de mim. E adoro


quando fica nessa posição, leoa — murmuro, rouco, e tiro
um cacho do seu rosto, ansiando por beijá-la bem aqui,
sem me importar com nada.

— Vamos voltar para a lição, assanhado.

Ela desembola as pernas e ergue a bicicleta, ficando de pé.


Me oferece a mão como ajuda e a seguro, impulsionando o
corpo para cima.

Há quanto tempo eu não me divertia tanto assim?

— Eu amo morar tão perto do mar, sabia? — Danda estica


as pernas, enfiando os dedos dos pés na areia.

Depois de algumas horas andando de bicicleta, nos demos


por satisfeitos e as guardamos. Nenhum de nós estava
disposto a ir embora, então compramos um coco e viemos
para a beira do mar, apreciar a vista.

— Também gosto — respondo.

O cheiro de maresia nos envolve e o vento sopra,


balançando seu cabelo. Sim, estou encarando Danda,
encantado com sua beleza.

— Me sinto dentro de uma novela das nove. — Ela me fita


com uma expressão divertida na face. — Que foi? — Seu
sorriso some quando nota minha encarada.

— Quero te beijar — confesso em um sussurro e ela prende


a respiração por um segundo.
— Aqui? — Escaneia a praia, que está quase vazia.

Algumas pessoas correm na orla, mas sentados na areia


somos só nós, visto que essa é uma parte pouco visitada
da praia.

— Aqui — afirmo.

Ela não diz nada, e me aproximo, testando. Quero saber se


deseja o mesmo, e Danda se entrega. Fecha os olhos
quando nossos lábios roçam um no outro e cede quando
peço passagem com a língua.

Apoio uma mão na lateral de seu rosto e a outra fecho em


sua cintura. É um beijo calmo que, embalado pelo clima de
paz da praia, me faz querer parar o tempo.

Tem algo diferente nela. Cada vez que estou com Dandara
é como receber um choque anafilático e ser trazido à vida
pouco a pouco. Estava vivendo no automático até ser
convocado para uma reunião com essa leoa.

Desde então, as coisas não foram as mesmas.

— Vou te levar para um lugar — decreto quando o beijo se


torna pouco perto do que meu corpo anseia.

— Para onde? — Ela passa a pontinha da língua em minha


boca, me instigando.

— Qualquer lugar. Decido no caminho. — Levanto e a puxo


para mim pela mão. — Tu vai ser minha perdição, leoa.
Tenho certeza disso.

— É o efeito Dandara, Vossa Excelência — brinca.

Sei bem. E a parte fodida é que estou adorando o impacto


que essa mulher causou em minha vida.
21

DANDARA

DIAS DEPOIS

— O que o senhor achou desse lugar? — indago ao meu


pai, que está sentado do lado oposto da mesa.

Trouxe seu Valter para almoçar em um restaurante novo


que inaugurou na cidade, e hoje teremos um dia de pai e
filha. Rafael foi para uma festa com Bel, por isso, decidi sair
com meu velho.

Na verdade, meu plano inicial era fazer um passeio no


parque com o juiz Alencar, mas ele precisou ajudar os pais
com algumas pequenas reformas que estão fazendo em
casa.

Pois é, a gente está se aproximando. Parecemos dois


jovens ingênuos e irracionais que se encontram escondidos
pela cidade e trocam mensagens longe dos olhares alheios.

Apenas Evelin sabe que o juiz e eu não paramos de nos


falar, e ela sempre vem me pedir por atualizações dos
nossos encontros casuais. Tenho para mim que Rafael
desconfia de nós dois, mas não disse nada até agora.

— Finalmente achei uma tilápia boa! — Meu pai lambe as


pontas dos dedos depois de se esbaldar com o peixe e o
molho rosé.

— Mas fritura é com moderação, seu Valter. Lembra do que


a médica falou? — Aponto séria em sua direção. — Vem cá,
o senhor tem feito as caminhadas?

— Todo dia de manhã, bruxa. — Me lança um olhar de


desprezo, porque odeia que eu chame sua atenção.

Mas é o ciclo da vida. Em algum momento, pais começam a


ser teimosos, enquanto seus filhos passam a ter que vigiá-
los.

— Estava pensando em passar no asilo e dar um “oi” para


os nossos amigos.

Por mais que não vá admitir em voz alta, meu pai adora ir
até o asilo da cidade e jogar dama com os velhos. Costumo
ir com ele quando minha agenda está livre, e ajudo no que
precisam quando organizam eventos para angariar fundos.

Sinto que é meu jeito de ajudar a comunidade onde nasci e


fui criada.

— Agora? — Seu Valter bebe depressa o resto do seu suco.


Vamos lá, ver o que aqueles vascaínos sofredores estão


aprontando!

Vou até o caixa e pago nossa conta. Caminho devagar com


meu pai até o carro, que está estacionado na beira da
praia. Assim que entramos e ligo o motor, seu Valter me
surpreende ao engatar uma conversa.

— Quais são as intenções daquele juiz, hein?! — Aperto o


volante, surpresa. — Vocês estão namorando, por acaso?

— Que ideia, pai! — Rio, um tanto nervosa. — Mal nos


conhecemos. De onde veio essa história?

— Dandara, posso ser ignorante para muitas coisas, mas


não para isso. Sei quando um sujeito está se engraçando
para cima de uma mulher —

discursa com rigidez. — Lembra do que aconteceu quando


você foi se envolver com gente de família rica?

Solto o ar pela boca, ao lembrar do relacionamento


desastroso de anos atrás. Eu tinha dezenove anos e estava
trabalhando como secretária em um escritório de
contabilidade, quando conheci um cara lindo e cheio da
grana, que carregava um sobrenome nobre. Iago era um
dos clientes do escritório, também era mais velho e tinha
um sorriso charmoso.

Me rendi a ele e às suas promessas. A gente começou a se


relacionar, e, ingênua que fui, não percebi que Iago sempre
me levava para lugares afastados da cidade. Quando eu
falava sobre conhecer sua família, ele desviava o assunto.

Até que um dia, estávamos passando o dia em uma praia


no Rio de Janeiro e encontramos sua família por lá. Quando
Iago os ouviu o chamando pelo nome, ficou mais branco
que uma folha de papel.

Entendi seu temor no segundo em que sua mãe parou na


nossa frente e começou a amaldiçoar até o vento. Tudo que
saiu da boca daquela mulher foram ofensas racistas, do
tipo: “gente de classe não se envolve com a ralé, Iago”,
“essa preta promíscua seduziu meu filho” e coisas piores
que não quero nem lembrar. O palerma ficou apenas
ouvindo as ofensas da mãe e não fez nada para parar
aquele show de horrores.

Juntei minhas coisas e saí correndo dali. Peguei o primeiro


ônibus para Vilabela e vim o caminho todo chorando.
Quando cheguei em casa, desabafei com meus pais, e eles
queriam ir atrás do sujeito e da família, para fazer pagá-los
pelo crime que cometeram.
Mas sabe como é... Família abastada sai impune sempre.
Até fiz uma denúncia contra a mulher, que foi arquivada
por falta de provas um tempo depois.

Então, entendo o temor do meu pai, pois ele sabe o estado


miserável que fiquei por conta desse episódio.

— A história é diferente, pai — falo depois de um tempo


refletindo.

— Não sou a mesma garota ingênua de anos atrás. Jamais


permitiria que alguém passasse por cima de mim. Nem
mesmo um juiz.

Acho que o jeito como avancei para cima de Hugo naquele


estacionamento, no dia em que nos conhecemos, foi um
recado bem dado.

Nunca mais vou tolerar nenhum comportamento


preconceituoso.

— Espero que esteja certa, Dandara, ou mando seus irmãos


atrás do palhaço — resmunga como um velho ranzinza.

— Pai! Sei me cuidar. — Piso com força no freio, ao parar no


estacionamento do asilo. — Não fala nada disso para o
Rafael, ok? Hugo e eu estamos nos conhecendo, mas não
quer dizer nada...

— Estou de olho em você, bruxa.

— Se quer falar de algo sério, vamos conversar sobre você


e Daniel

— rebato, sem papas na língua.

Meu pai sai do carro em silêncio, e o sigo até o portão de


entrada do asilo.
— Não sei do que está falando — ele diz, se fazendo de
desentendido.

— Estou falando do clima estranho que fica entre vocês


sempre que se encontram. O senhor fica de cara virada e
Daniel coloca um bico enorme no rosto. — Toco a
campainha e esperamos alguém nos atender. — Pai, o
mundo mudou! Está deixando seu filho agoniado com esse
tratamento indiferente.

— Tem que entender meu lado, fui criado de um jeito


diferente... —

Gesticula com as mãos, nervoso.

— Entendo, mas não é tão difícil assim. — Cruzo os braços


e batuco o pé no chão. — Ou você ama Daniel
incondicionalmente, ou é um velho conservador chato. A
gente já leva umas lapadas duras da vida por ser preto,
pai, então, não seja ainda mais cruel com sua cria.

— Quer dizer que se Rafael dissesse que é gay, ia aceitar


fácil? —

Sei que ele está amolecendo, já que está conversando sem


me atacar, o que é uma vitória.

— Olá... Ah, meu Deus! Achei que tinham esquecido nosso


endereço! — Gabi, uma das enfermeiras do asilo, nos
recebe com bom humor. — Entrem, fiquem à vontade!
Chegou em boa hora, seu Valter. O

campeonato de damas acabou de começar.

Caminho com meu pai para dentro e dou dois beijinhos nas
bochechas de Gabi, a cumprimentando.
— Cadê sua mãe? — indago à enfermeira. — Faz meses
que ela promete aparecer na confeitaria e até hoje nada.

— Na cozinha. Onde mais? — Gabi diz o óbvio.

Milena, sua mãe, é uma cozinheira de mão cheia, que


sempre prepara as melhores refeições para os idosos.
Mesmo depois de assumir a direção do asilo, ela não
abandona a cozinha por nada.

— Vou ali ver o que aqueles velhos estão aprontando. —


Gabi aponta para a roda de senhores reunidos no meio do
jardim. — Fiquem à

vontade, vocês já são de casa.

Assisto a garota se afastar e me viro para seu Valter,


pronta para encerrar o nosso assunto anterior.

— Só para o senhor saber, o Rafael gosta de meninos e


meninas. Ele é bi.

Seu Valter franze o cenho por um segundo, mas logo


desfaz a carranca.

— Ele disse isso quando? — especula.

— Ah, não, o Rafa não me contou ainda. Mas eu sei —


anuncio, orgulhosa do meu sexto sentido, que tenho
certeza de que funciona muito bem.

Rafael não precisa contar, já percebi em seus gestos que


ele é bissexual. O jeito como olha para os garotos e as
garotas de sua idade diz tudo.

— Sabe como?

— Sabendo, ora — retruco. — Mas vou esperar o momento


dele para que possa se abrir. Independentemente de
qualquer coisa, amo meu filho, e nada vai mudar entre nós.
É o que deveria fazer também.

Dou dois tapas no braço dele, antes de apontar para o


centro do burburinho que se forma no asilo. Seguimos até
os idosos, que estão concentrados no jogo de damas, e
logo meu pai é chamado para participar.

Espero que meu pequeno sermão tenha algum efeito nessa


cabeça-dura. Papai e Daniel merecem uma segunda
chance, e quero que minha família seja feliz por completo,
sem nenhuma mágoa pesando entre nós.

22

HUGO

DUAS SEMANAS DEPOIS

— Isso aí no seu rosto é um sorriso? — Flávia me para no


corredor do fórum quando estou chegando do meu horário
de almoço.

Guardo o celular no bolso, pois não vou confessar que


estava rindo da mensagem de Dandara contando sobre a
confusão entre suas vizinhas, porque a dona Conceição
aprontou mais uma.

— Estou feliz porque não verei sua cara por aqui nos
próximos trinta dias — implico, mantendo o tom sério para
disfarçar.

— Sei que vai chorar ao colocar a cabeça no travesseiro


hoje, porque entrarei de férias — minha assessora devolve.
— Não se preocupe, estarei naquela festa chata daqui uma
semana, com um monte de gente apática e esnobe.

— Aquele jantar na casa do Adilson? — indago.

Recebi o convite para esse evento. Todo ano, algum desses


figurões do mundinho do Direito reúne juízes, advogados e
desembargadores prestigiados para se exibir e falar de
suas obras para a sociedade.

Não diria que sou amigo dessa gente, mas costumo marcar
presença apenas para socializar e não fazer papel de
babaca antissocial. Sei lá, soa certo aturar a arrogância
deles por uma noite, só para não os ter espalhando ofensas
a meu respeito.

— Esse mesmo. — Flávia acena, confirmando. — Deus nos


proteja.

— É só uma noite. — Paro para refletir sobre a festa, e uma


ideia se forma em minha mente. — Podemos levar
convidados, não é?

— Tenho certeza de que Zeca, Regina e João Pedro serão


bem-vindos, como todo ano. — Me olha confusa, visto que
sempre os levo de qualquer forma.

— Talvez, eu convide mais alguém — informo, animado


com a ideia.

Espero que Danda aceite. Não sei, parece certo levá-la.


Iremos assumir para nossas famílias que estamos saindo
juntos, uma vez que essa coisa de ficar se encontrando
escondido já deu para mim.

Somos dois adultos que têm o direito de se relacionar com


quem quiser. Vai ser difícil conversar com JP sobre meus
encontros com Dandara.
Mesmo que nas últimas semanas a gente tenha se
entendido melhor, sei que irei estremecer nossa relação ao
revelar que estou saindo com a mãe de Rafael.

— É mesmo, raio de sol? — Flávia zomba. — Achou uma


mulher que aguente seu humor? Me diga o nome, talvez eu
envie um pedido para o Vaticano, solicitando a canonização
dessa santa.

— Vai para a sua mesa, Flávia. — Perco a paciência e ela ri.


— Está precisando de serviço, não é? Pois ande, procure
algo para protocolar.

— Vou perguntar à dona Regina, tenho certeza de que ela


vai me dar a informação completa. — Flávia me dá as
costas e se afasta.

— Flávia — chamo-a ao me recordar de uma dúvida que


preciso sanar. — Requisitei ao Ministério Público algumas
informações sobre o caso de tentativa de homicídio
daquele traficante, mas ainda não as recebi.

Esse é o caso do ex de Dandara. O MP já fez a denúncia,


mas faltavam alguns documentos. Não posso deixar nada
passar, ou daqui a pouco me acusam de ser imparcial, se
descobrirem que estou me relacionando com a ex de um
dos réus.

— Vou entrar em contato com o promotor — diz séria, e


meneio um sinal positivo antes de ir até minha sala.

Pego o celular e envio uma mensagem para Dandara sobre


a festa.
Eu

Preciso conversar com você, mas tem que ser


pessoalmente.

Leoa

Não faz isso!

Diga agora.

Ou vou pegar meu carro e ir até o fórum em busca de


respostas!

Eu

Relaxa, não é nada importante.

Apenas um convite que quero fazer.

Leoa

Então faça logo!

Eu

Mais tarde. Preciso trabalhar.

Estou concentrado no meu notebook, terminando de


analisar alguns processos que precisam de um pouco mais
de atenção.

Faz uma hora que Flávia e grande parte dos funcionários do


fórum foram embora, mas fiquei, pois quero finalizar esses
processos ainda hoje.

Estou lendo um pedido de habeas corpus quando a porta


do meu gabinete é escancarada e uma leoa selvagem
entra, rugindo por ela.
— Faça o convite! Agora! — Dandara comanda, como se
fosse capaz de arrancar um pedaço meu se não atender à
sua ordem.

— Como você chegou até aqui? Nenhum segurança te viu


passar?

Quando fico até tarde no trabalho, peço aos seguranças


que me avisem da chegada de algum visitante, porque
prefiro ir até a entrada para ver do que se trata, para não
correr nenhum risco. Tendo o cargo de juiz, posso dizer que
consegui alguns poucos inimigos ao longo da minha
carreira.

— Joguei meu charme, Vossa Excelência. — Ela muda a


postura e alinha a coluna, andando pelo gabinete como
uma felina que reconhece o espaço.

— Que tipo de charme? — Estreito o olhar, arredio.

— Ciúmes? — Me fita por sobre os ombros, lançando-me


uma piscadela atrevida.

— Nunca. — Fico de pé e dou a volta na mesa. Afrouxo a


gravata e ela recua dois passos, perdendo o ritmo da
respiração. — Eu me garanto, Dandara.

Tranco a porta, avançando em sua direção. Tiro a gravata


devagar e ela mantém sua atenção no meu gesto.

Danda se entrega fácil. Nunca pensei que ela ia facilitar


minha vida, mas adoro que seja assim. Nada me excita
mais do que ver a necessidade crua escrita em seu olhar
ardente.

E ela me tem fácil assim, ao me deixar saber o quanto me


deseja.
— Como foi o dia hoje? — pergunto, e ela rola os olhos,
sabendo que estou a provocando com um papo chato. — O
meu foi estressante.

Preciso de uma distração. — Enrolo a gravata na mão e


caminho vagaroso até ela. — Algum dia se perguntou como
seria transar no gabinete do juiz da cidade, Dandara?

Paro em sua frente e seguro seus punhos, os deixando


unidos.

Começo a enrolar minha gravata ao redor deles e dou um


nó firme, a imobilizando.

— Para ser sincera, nunca. Tenho um problema com figuras


de autoridade. Não gosto que me mandem fazer nada —
provoca, piscando um olho.

— É mesmo? — Elevo suas mãos unidas, mostrando que


ela está sob minha mercê. — Acho que isso está prestes a
mudar.

Ergo seus braços ao segurar a gravata e a pressiono contra


a parede.

Tomo sua boca em um beijo bruto, e ela devolve, dando


início ao nosso duelo de quem vai submeter quem em seu
jogo de sedução.

Nesse jogo, a vantagem é minha, pois tenho seus punhos


imobilizados.

Giro-a pelo quadril e junto seus cabelos em um rabo de


cavalo. Beijo seu pescoço e desço com a mão até a saia.

— Tenho um jantar para ir, cheio de gente chata e


mesquinha. —
Subo o tecido até que sua bunda esteja exposta. — Quero
que vá comigo.

— Gente chata? — esnoba, e dou um tapa em sua nádega,


tirando sua pose de marrenta. — Não sei...

Noto que está hesitando e não provocando. Aliso a carne


macia do seu traseiro e beijo com suavidade seu pescoço,
para deixá-la relaxada.

Danda tomba a cabeça para trás e começa a se remexer,


impaciente.

— Quero mostrar para aquelas pessoas a mulher incrível


que está ao meu lado. — Seus ombros enrijecem e não
compreendo o motivo da tensão, mas tento convencê-la
mesmo assim. — Dandara?

— Hum? — ela suspira.

— Finja que sou seu trofeuzinho e desfile comigo por aí. —


Ela ri, mas se cala quando deslizo a mão para a parte
interna da sua coxa.

— Tentador... — geme quando afasto a calcinha e enfio dois


dedos em sua boceta. — Muito tentador.

— Sim ou não?

— Sim, sim. Cacete, Hugo!

— Foi um pedido, leoa? — Retiro os dedos, impaciente, e


subo de vez sua saia. Arranco meu cinto, ávido, e
desabotoo a calça. — Responde.
— Dou mais um tapa em sua bunda, forte, e dessa vez ela
geme alto.

— Sim — choraminga, ao passo que enrolo o cinto em seu


lindo pescoço fino, com cuidado para não a arranhar.

— Muito bem. — Beijo seu pescoço. — Fica quietinha,


porque não quero saber de nenhum filho da puta ouvindo
seus gemidos indecentes.

— Sim, senhor juiz.

Paro na frente da academia e buzino para JP, que está


conversando com algum aluno na entrada. Ele acena, se
despedindo, e entra no carro.

— Como foi a aula? — pergunto enquanto ele ajusta o


cinto.

— Foi boa. Mês que vem tem um campeonato no Rio, e o


professor está pegando pesado com os alunos que vão
participar. — Ele coloca a mochila no assoalho do carro.

— Já pensou em ser nadador profissional? — questiono,


estabelecendo uma conversa calma antes de dar a notícia
a ele.

— Algumas vezes, mas, sei lá... — Dá de ombros. — Quero


ir para a faculdade também.

— Para fugir do seu velho, não é? — implico.

— Não seja dramático — responde, brincando.

— Tenho que te contar uma coisa — comento, cauteloso. —


Semana que vem teremos um jantar.

— Pai... — reclama, mas o baque ainda está por vir.


— Vou levar a Dandara. — Embaralho as palavras, mas sei
que ele entendeu, porque fica em silêncio absoluto.

Quase posso ouvir as engrenagens do seu cérebro rodando


quando João começa a processar a novidade.

— Como... como amiga? — Sua voz treme, e, por um


segundo, me entristeço por decepcioná-lo.

— Não, João. Dandara e eu estamos... — Reluto em achar


as palavras certas. — Estamos saindo.

— Tipo... — Noto-o fechar as mãos em punho. — Vocês


estão namorando?

— Ainda não, mas pode ser que aconteça. — Sou sincero,


porque não há motivo para que eu não faça um pedido.

Se as coisas continuarem como estão, se ela me quiser


assim, então serei um homem feliz ao ter Dandara como
parceira.

— Pai, você não... Não pode... — Parece se perder nas


palavras, e fico tenso só de imaginar o que vem aí.

— Olha, JP, sei que queria ver sua família completa, tendo
sua mãe conosco todos os dias, mas... — Me calo, pois
estava prestes a falar o que não devo.

— Mas o quê? — Seu tom é de súplica.

— Sua mãe e eu não nos amamos, filho — floreio a


verdade. Para ser sincero, meu único sentimento por Lia é
desprezo. — Faz anos que nossa relação chegou ao fim.

— Pai, você... A minha mãe não é a mesma que conheceu.


Ao menos tentou conversar com ela? Talvez, ela queira ter
nossa família de volta e... — Seguro o volante com força,
lutando para não perder a linha.
João não tem culpa. Estou certo de que aquela mulher
perversa fez a cabeça do meu filho nos últimos tempos.
Essas palavras de João saíram de Lia em algum momento
do passado, e minha fúria deve ser direcionada a ela.

— JP, não amo a sua mãe. Entenda isso. Eu e ela não


funcionamos

— respondo sério. — Esquece essa ideia, ok?

— Tanto faz — diz, emburrado, e respiro fundo, pronto para


mais um tratamento de gelo.

Mas, dessa vez, isso não vai ficar assim. Faço essa
resolução enquanto dirijo, e no instante em que estaciono o
carro na garagem, pego meu celular.

João sai do carro batendo a porta e deixo que vá na frente.


Ele precisa lidar com a frustração sozinho, e não há nada
que eu possa fazer.

Disco o número de Lia, pronto para mais um embate.

— Oi, querido. Que surpresa! — Reviro os olhos diante de


seu tom de voz doce.

— Lia, não sei o que anda dizendo para o JP, mas quero que
pare. —

Travo o maxilar ao proferir as palavras. — Não mexa com a


cabeça do menino mais do que já fez. Você é a mãe dele,
deveria desejar a felicidade do seu filho.

— Hugo, do que você...

— Você engana o João Pedro, não a mim! — rujo, olhando


para os lados, me assegurando de que estou sozinho. —
Está proibida de falar qualquer coisa sobre mim e você
para o garoto. Esqueça que algum dia nos relacionamos e
que tive alguma consideração por você, antes que a gente
tenha que resolver as coisas na justiça.

Desligo a chamada antes dela ter chance de fazer um dos


seus dramas e entro alvoroçado na minha casa.

É impressionante como mesmo estando em outro


continente, Lia consegue me tirar do sério.

23

DANDARA

Meu olhar está fixo no telefone, que tem o contato de Hugo


na tela há algum tempo, e considero informar a ele que
não irei mais.

Apoio os braços no balcão de mármore da minha cozinha e


troco o peso da perna, cogitando fazer a chamada.

— Não está pensando em desistir, não é? — Evelin está


parada no arco de entrada do cômodo, com os braços
cruzados, me encarando, ameaçadora.

— E se eu disser que sim?

Aceitei o convite de Hugo para a tal festa, mas estou


reconsiderando.

Meu nervosismo é como uma faca de ponta afiada que me


cutuca a cada minuto em que o horário marcado para a
festa começar se aproxima.
— Demorei horas para fazer essa maquiagem, de jeito
nenhum você vai desistir, sua piranha! — exclama,
delicada como um coice de mula.

— Só vai ter madame e engravatado nessa festa, Eve. —


Vou até a geladeira e pego uma garrafa de vinho,
desejando espantar o nervosismo com álcool, mas ela a
toma da minha mão. A encaro, irritada, mas Eve não se
deixa abalar. — Tudo que consegui foi concluir o ensino
médio. Não sei falar de Aristóteles, dadaísmo ou qualquer
outra merda que essa gente conversa.

— Parece que sabe mais dessas coisas do que quer admitir.


— Ri com escárnio. — Danda, vai mesmo se colocar para
baixo assim? Está menosprezando tudo que conquistou até
aqui! — Larga o vinho na bancada

e segura meus ombros. — São só pessoas, não vão te


morder. Mas, se isso acontecer, você morde de volta.

— Tem razão. — Solto o ar pesadamente pela boca. — Não


sei por que estou assim. Nunca fui insegura.

— Eu sei. Você está gostando do juiz e quer impressionar


ele. Mas ele já está aqui, ó... — Gira minha mão e aponta
para a palma. — Caidinho por você.

— Não diga bobagem! — Recolho a mão. — Ainda estamos


nos conhecendo, Eve.

— Sei bem o jeito de vocês se conhecerem — retruca com


malícia.

— Não é só sexo — rebato. — Alguns dias saímos só para


aproveitar a companhia um do outro, e não acontece nada
além disso. Estou conhecendo o Hugo de verdade. Lembra
daquela cena em Shrek, sobre cebola e camadas? É isso.
— Mãe? — Ouço Rafael chamar do andar de cima.

— Aqui na cozinha — respondo.

Ele desce as escadas e para no arco de entrada do cômodo


ao me ver arrumada, com um vestido longo branco, que
possui desenhos geométricos coloridos, e uma sandália de
salto branca.

— Tu vai sair de novo? — Sargento Rafael dá as caras.

Quase dou uma risada quando ele alinha a coluna e estufa


o peito, tentando mostrar que ele é o homem da casa. O
moleque franzino não coloca medo nem no Buda.

— Abaixa a crista, franguinho. — Apoio a mão no balcão e


bato o pé no chão. — Ainda precisa tomar muito whey
protein para meter o apavoro em alguém. E, sim, vou sair.
Algum problema?

— Mãe, esse homem que leva a senhora para os lugares e


só traz tarde da noite... — Rafa coça a cabeça, um gesto
típico que acontece sempre que fica nervoso. — É o pai de
João Pedro, não é? Está de caso com o juiz?

— Não estou de caso com ninguém. Vigia esse seu


linguajar, entendeu? — o repreendo. — Hugo e eu
estamos... — Pigarreio, tentando achar a palavra certa. Não
sei como explicar esse limbo entre “estou trepando com o
pai do seu colega de classe” e “o juiz e eu temos um
relacionamento sério”. — Nos conhecendo.

É uma péssima expressão, mas foi o que me veio à mente.

Rafael revira os olhos e tira os óculos para esfregar o rosto.

— Nunca te proibi de namorar...


— Veja só, Evelin! — digo com ironia. — Ele nunca me
proibiu de namorar! Ó, céus! O que fiz para merecer um
filho tão bondoso?

— Mãe, o que estou dizendo é que você namora quem


quiser! — ele esbraveja. — Só que estamos falando do pai
de João Pedro. Por mais que eu e ele estejamos em paz,
não quer dizer que João vai amar a ideia de ter você como
madrasta.

Fico temerosa, porque Rafael é um adolescente um pouco


imaturo, mas, ainda assim, está certo. Sei que João vai
odiar a ideia de me ver com seu pai, e é por isso que
estava agora há pouco pensando em desistir de ir nessa
festa.

No entanto, uma hora ele será confrontado com minha


presença em algum evento. Talvez, a gente se esbarre na
padaria, ou João nos pegue no flagra no portão de sua
casa, e, por isso, o melhor a se fazer é arrancar esse Band-
Aid de uma vez.

— Hugo e eu somos dois adultos e temos liberdade de


fazer nossas escolhas. João Pedro terá que lidar com isso —
afirmo com seriedade.

— E você? Está pronta para lidar com ele? — Rafael


retruca.

Se eu fosse uma mãe do mal, colocava um esparadrapo na


boca desse moleque intrometido.

— Sim, Rafael. Estou. — Vou até meu celular e o pego,


pronta para chamar um Uber. — Tem algo mais que queira
acrescentar ao sermão? —

Ergo o olhar para meu filho, o deixando saber que não


estou satisfeita com esse enfrentamento.
— Sim. — Rafa parece mais corajoso do que é. — Traga
esse bundão para conversar com seu filho, ele tem que
pedir autorização.

Tento não rir com seu senso de superproteção e apenas


aceno, concordando.

— Se precisar de algo, pode me ligar. A casa da sua


madrinha está a um quarteirão de distância, caso tenha
alguma urgência e eu não atenda o telefone de imediato.
Tem comida pronta na geladeira e não fique até tarde no
videogame. — Dou uma lista de instruções, e ele acena,
saindo de fininho. — É mole? — Viro-me para minha amiga,
que se manteve em silêncio. — Virou adolescente e acha
que é dono do mundo.

Buda surge latindo na porta da cozinha, e tenho certeza de


que meu cachorro concorda comigo.

— Se quiser trocar, trago sua afilhada para morar aqui —


Eve sugere e finjo estremecer.

— Não, eu dispenso.

Nós rimos, porque conhecemos bem aquela garota. Maria


Isabel é do tipo que não dá ponto sem nó e tem a língua
afiada. Veio a esse mundo pronta para virá-lo do avesso.

Saio do Uber e ergo o olhar para a enorme casa à frente.


Repito mentalmente várias vezes que consigo fazer isso e
sair viva, pois preciso desse incentivo para seguir em
frente.
— Danda! — Giro o corpo na direção da voz de Murilo, que
dá uma pequena corrida para me alcançar. — Que bom ver
você aqui.

Relaxo os músculos dos ombros um pouquinho, ao ver um


rosto familiar. No último mês, Murilo e eu nos esbarramos
em algumas das vezes em que Hugo e eu saímos juntos.
Batemos papo e nos aproximamos um pouco, por isso, fico
mais tranquila quando ele me acompanha até a entrada.

— Achei que fosse vir com Hugo — ele sonda.

— Pois é. Mas disse a ele que viesse na frente com João


Pedro, para preparar o garoto. Não sei como ele vai reagir à
minha presença ao lado do pai — confesso, esfregando
uma mão na outra.

— Ele vai se acostumar — fala em tom de consolo e me


sinto péssima por isso.

Não queria me abalar pelo que os outros pensam de mim.


Já ouvi coisas terríveis na vida por ser preta e mãe solo.
Passei por cima de todas as pessoas ruins e pobres de alma
e conquistei uma boa vida. Mas aqui estou, mais uma vez,
temendo o julgamento alheio. É como se todo trabalho de
amor-próprio que fiz fosse jogado no lixo.

— Vem comigo. — Murilo oferece o braço e o enlaço nele,


como se fosse meu bote salva-vidas.

Acompanho Murilo, que toca o interfone e informa seu


nome. Subo as escadas ao seu lado e deparo-me com a
porta de madeira aberta. Não tem ninguém na sala
principal, mas ouço vozes vindo do fundo da casa.

Saímos para uma área do tamanho de um campo de


futebol, que possui uma piscina, churrasqueira e uma
pequena quadra. Tudo está decorado, como se alguém
fosse debutar aqui hoje. Tem luzes penduradas, flores
espalhadas e arranjos de mesa. Por Deus, que tipo de
jantar é esse?!

Certamente, algo feito para agradar todas essas dondocas


e mauricinhos, que riem daquela forma livre e leve que só
quem tem muita grana sabe rir.

Uma música do estilo Bossa Nova sai de caixinhas de som


e garçons passam por nós, servindo petiscos e bebidas.

— Quem está vigiando a OAB[14], se está todo mundo


aqui? —

indago, e Murilo solta uma risada ao meu lado.

— O Adilson, que é dono da casa, tem amigo pra caralho.

— Quem tem amigo demais não tem amigo nenhum —


digo o que penso e Murilo para por um segundo,
contemplando minha resposta.

— Tem razão, sábia Danda. — Dou um tapa leve em seu


ombro diante do tom debochado e ele ri.

— Eu assumo daqui, vacilão. — Estremeço ao ouvir a voz


daquele que tem permeado meus pensamentos mais
profundos e também os

profanos.

Sua mão se fecha com posse em minha cintura e Hugo me


puxa para perto de si, fazendo com que Murilo me solte.

— Como vai, meu caro amigo? — Murilo questiona em tom


provocativo.

Os dois se cumprimentam sem que Hugo me solte por


nada.
— A gente se viu ontem e já está carente? — Hugo zomba.

Cristina está atrás de você. — Noto a expressão de Murilo


distorcer em uma careta de desgosto e imagino que não
seja alguém agradável. — Vê se não deixa essa mulher
chegar perto de mim, ou juro que sou capaz de dar voz de
prisão a ela.

— Quanto tu quer para isso? — O melhor amigo de Hugo


está falando sério.

— Não vou fazer isso. É uma festa. — Hugo me puxa e o


acompanho. — Recomendo que dê uma volta.

Nos afastamos de Murilo, e de longe avisto seu Zeca,


Regina e João Pedro em uma mesa no jardim.

— Hugo, acho que não... — Paro de andar. Um nó se forma


em minha garganta e estou tremendo. — Não sei se devia
ir até lá...

— Danda, é só meu filho — Hugo me tranquiliza. Pousa as


mãos em meu rosto e acaricia minhas bochechas com os
polegares, passando confiança com o gesto. — Dê uma
chance a ele. Conversei com JP, ele não vai fazer nenhum
escândalo.

— Tudo bem. — Respiro fundo e coloco um sorriso no rosto.


Você falou o quê?

— Que estamos nos conhecendo melhor. — “Nos


conhecendo”. De novo essa expressão tão vazia de sentido
que não traduz tudo que vivemos nas últimas semanas.
Desde nosso primeiro encontro, Hugo e eu dividimos uma
cumplicidade e sincronia que nunca havia experimentado
antes. Ele entende minhas batalhas, eu compartilho de
suas dores, e, aos poucos, fomos nos

conectando de uma forma tão leve, que temo que nossa


bolha possa ser estourada e que a realidade pese sobre
nós. Por isso, hesitei mais cedo, mas já estou aqui e vou
enfrentar meu medo de uma vez.

Hugo segura minhas mãos e nos aproximamos da mesa.


Assim que chego perto de sua família, recebo olhares
calorosos de Regina e Zeca.

Enquanto isso, João Pedro encara nossas mãos unidas,


como se quisesse desfazer o contato com a força do
pensamento.

O menino coloca um bico no rosto e cruza os braços, mas


não diz nada.

— Boa noite, seu Zeca. Regina. — Aceno a mão para eles.


— Oi, João Pedro.

— Boa noite, Danda — Zeca e Regina respondem em


uníssono.

— Dandara. — A voz de João não entrega nenhuma


emoção. No entanto, ele fica de pé, como se ansiasse por
sair daqui. — Vou atrás do Vitor — anuncia.

João Pedro sai e o acompanho com o olhar, até que some


na multidão. Giro os olhos e encontro as íris cor de
esmeralda sobre mim, expressando a aflição de Hugo. Ergo
o canto dos lábios para tranquilizá-lo.

— Não foi tão ruim assim — digo, trocando o peso das


pernas.
— Danda, vem comigo que vou te apresentar à Carmélia!
— Regina pula da cadeira e segura meu braço, me
afastando de Hugo.

— Porra, mãe, acabei de...

Regina larga um tapinha na orelha de Hugo, que se cala, a


olhando em choque.

— Olha a boca, menino! — ela pragueja, me levando para


longe deles. — Agora que estamos só nós duas, me deixa
perguntar... Estão namorando?

— Não, Regina. — Sua carinha se desmancha em


decepção. —

Estamos... — Fico em silêncio, sem querer repetir mais uma


vez que Hugo e eu estamos nos conhecendo.

É notícia velha.

— Carmélia, olha só quem está aqui! — Regina dá um grito


estridente, balançando a mão para uma senhora de
cabelos grisalhos e vestido cor de ipê amarelo.

— Jesus amado! É a DanDelícias! — A tal Carmélia vem até


mim, batendo palminhas animadas, e no primeiro
momento recuo diante de tamanha animação.

Mas, logo em seguida, ela começa a narrar com carinho


sobre todas as receitas que preparou do meu canal e
trocamos figurinhas sobre culinária. Carmélia me conta
sobre os quitutes que ainda prepara seguindo os passos de
sua avó, e faço a ela uma promessa de que, um dia, iremos
gravar um vídeo juntas.

O que me faz lembrar que na semana que vem tenho uma


reunião no Rio de Janeiro e uma gravação com um
influenciador culinário, para fazermos um vídeo para as
redes sociais.

Quase ia me esquecendo. Minha cabeça estava tão focada


nessa festa de hoje, que negligenciei meus compromissos
de trabalho.

Minha atenção desvia de Carmélia para João Pedro, que


está a alguns metros de nós. Ele leva um copo até a boca e
bebe todo conteúdo de uma só vez. Posso estar muito
enganada, mas tenho quase certeza de que aquilo não é
refrigerante.

— Não é, Danda? — Regina demanda minha atenção, e a


fito, tentando recuperar a parte da conversa que perdi.

— É, sim... — falo, incerta, torcendo para que ela não


espere de mim uma resposta mais elaborada.

Quando volto a encarar o ponto onde vi João, ele não está


mais lá.

— Mãe, se me der licença, vou roubar a Danda. — Hugo me


segura pela mão e me afasta das senhoras fãs da
DanDelícias. — Vem cá. —

Abraça minha cintura e aproxima a boca, deixando um


beijo curto e casto em meus lábios.

Vou ficar mal-acostumada com essas demonstrações de


afeto espontâneas.

— Boa noite, Vossa Excelência. — Passo os braços ao redor


de seu pescoço e suspiro, arrebatada pela beleza desse
homem.

Encarar o verde de seus olhos é admirar campos


verdejantes. Seu olhar é profundo e agora brilha com uma
dose extra de felicidade.

— Boa noite, leoa. Está tudo bem? — Capto preocupação


em seu tom de voz e penso que está preocupado com a
reação de João Pedro.

Para ser sincera, isso não importa tanto. O que me aflige é


ter visto o garoto ingerir uma bebida que parecia alcoólica.
Mas não posso denunciá-lo por aquilo que é apenas uma
suspeita minha e correr o risco de ser alvo da ira de João.

— Tudo ótimo. Estava um pouco nervosa, mas já passou. —

Entrelaço nossos dedos, me deleitando com o toque.

— Ora, se não é o juiz Alencar! — Fico na ponta dos pés e


olho por cima do ombro de Hugo, vendo um senhor de
cabelos ralos e barba espessa parado atrás de nós.

Hugo gira e me coloca ao seu lado, mantendo nossas mãos


unidas.

— Doutor Aloísio, como vai? — Hugo o cumprimenta com


um tom educado mais falso que nota de três reais. —
Dandara, esse é Aloísio, desembargador do Rio de Janeiro.

— Prazer. — Estendo a mão e trocamos um aperto.

— O prazer é meu — Aloísio responde. — Ouvi sobre o caso


que caiu no seu colo semana passada, daquele
estelionatário — se dirige ao Hugo, dando início a uma
conversa longa e chata que envolve termos técnicos do
Direito, os quais não compreendo.

Depois que Aloísio se afasta, um advogado se aproxima, e


pela próxima meia hora, ofereço sorrisos forçados, acenos
curtos e murmúrios do tipo “hum” e “uhum” sempre que se
dirigem a mim.
Em dado momento, o assunto fica complicado demais para
que eu compreenda algo, e peço licença ao Hugo e aos
advogados, indo em busca de Regina e Zeca para me
entreter. Ao menos, a mãe de Hugo conta histórias
constrangedoras sobre o filho e rimos juntas.

— Oi. Conheço você de algum lugar. — Uma morena de


pele bronzeada segura meu braço e me analisa como se eu
fosse um animal exótico. — Você é aquela blogueirinha?

Desaprovo seu tom de voz, pois parece estar zombando do


que faço, mas ergo o queixo, para não ser rebaixada por
alguém que mal conheço.

— Sou — respondo com altivez.

— Veio fazer a cobertura do evento? — Não escondo a


surpresa e quase tenho vontade de rir.

Festa estranha, com gente esquisita, já dizia Renato Russo.

— Não, querida. Estou acompanhando o juiz Hugo Alencar.


— Abro um sorriso falso.

— Hugo? — Não esconde seu choque e me olha de cima a


baixo, como se reparasse em mim pela primeira vez. —
Uau! Depois que terminamos, achei que ele nunca mais
fosse achar alguém do mesmo nível.

Sou Camila, a propósito. Sei que estou sendo presunçosa,


mas você sabe...

— Não sei, e nem quero mais ouvir o que tem a dizer, só


que ela segura meu braço e me impede de afastar. — É
difícil achar alguém que tenha dois doutorados com tão
pouca idade. — Joga os cabelos para trás, se achando o
último biscoito do pacote.
— Impressionante... — Meneio a cabeça.

— Eu sei! — Camila ri, e logo concluo que os doutorados


não serviram de nada, visto que não entende o que é
sarcasmo. — Acho que o Hugo acabou se intimidando.
Além disso, eu não tinha tempo para nosso namoro. Tinha
que apresentar simpósios internacionais. Guilherme, vem
aqui, honey[15]. — Será que ela nota meu olho tremendo
de ansiedade?

Quero sair logo daqui.

Tudo piora quando um homem se aproxima e me fita da


mesma forma que Camila fez.

— E você é? — ele questiona, ácido.

— Ela é a nova namorada do Hugo, acredita? — Camila


responde por mim. — Você se formou em quê?

Seu questionamento me pega desprevenida, e pela


primeira vez na noite me sinto envergonhada. Perto dos
meus amigos e família, o fato de eu não ter um diploma
nunca foi um problema para mim. Mas aqui, no meio dessa
gente, soa como um certificado de que não pertenço ao
mundo deles.

Procuro a Regina na multidão, ansiando por sair dessa


conversa, e é quando vejo João Pedro mais uma vez.

Ele sobe as escadas que levam ao interior da casa,


trôpego. Se apoia no corrimão ao tropeçar nos próprios
pés, e vejo quando bebe de uma taça do que imagino ser
champanhe. João entra pela porta dos fundos e não
consigo ficar parada, apenas assistindo.

O garoto está bêbado.


— Com licença, preciso resolver um assunto — digo com
educação para os dois intrometidos, antes de ir atrás de
João.

Chego à cozinha, onde os garçons transitam, e não vejo


nenhum rastro de JP.

— Oi. — Bato no ombro de um dos funcionários que tem


uma bandeja em mãos. — Você viu um garoto loiro passar
por aqui?

— Foi por ali, dona. — O homem aponta para um corredor à


esquerda. — Mal se aguentava em pé, acho que ele não
está bem.

— Obrigada, vou checar ele.

Pego a direção que o rapaz apontou e me deparo com duas


portas fechadas. A primeira está trancada e vou para a
próxima. Abro e encontro João debruçado no vaso. O cheiro
de álcool misturado a vômito está impregnado no banheiro.

— João — chamo com cautela, pensando no que fazer com


esse adolescente que encheu a cara.

JP ergue o olhar, que está avermelhado. Suas pálpebras


quase se fecham e ele mal consegue manter o rosto
erguido. Não é hora de dar nenhum sermão, embora ele vá
ouvir poucas e boas do pai, quando Hugo souber.

Por quanto tempo perdi esse menino de vista, para que


chegasse nesse estado?

— Dand... — Ele não completa meu nome, porque outra


ânsia o toma.

Pego a toalha de rosto e a molho na torneira. Agacho ao


seu lado e coloco o pano em sua nuca e depois na testa.
Espero até que coloque tudo para fora, e, então, João Pedro
suspira.

— Ainda está enjoado? — pergunto em tom brando.

— Não... Quero... Dormir — resmunga tão baixo que mal o


ouço.

João fecha a tampa do vaso e escora a cabeça na superfície


dura.

Tento pensar em alguma alternativa que não envolva Hugo


por enquanto, porque ele vai perder a linha e o menino
precisa de cuidados agora.

Murilo. É isso.

— João, vou atrás do seu padrinho. Preciso que fique aqui,


ok? Não saia por nada! — aviso como se conversasse com
uma criança.

— Tudo bem. — Está tão cansado que dizer essas palavras


lhe custa muita energia.

Saio do banheiro em busca de Murilo. Meu olhar afiado não


falha quando o encontro de pé, perto da quadra, afastado
da multidão. Desço as escadas e caminho até ele, que está
conversando com uma loira. Apresso os passos, e quando
chego perto, percebo que Murilo está desconfortável,
olhando para todos os lados, como se buscasse sair da
conversa. É um bom sinal, assim não irei interromper nada
ao pedi-lo um favor.

Aproximo-me deles, mas paro de andar quando chego


perto o suficiente para ouvir a fala infeliz da mulher.

— Não sabia que Hugo tinha fetiche pela empregada da


casa. Ele desceu o nível com essa gente favelada e suja,
Murilo. — É a merda que sai da boca dela. — Aquela mulher
ao menos terminou o ensino médio?

Minha primeira reação é negação. Tento me convencer de


que ouvi errado, ou de que não é sobre mim a quem ela se
refere. Mas, então, a ficha

cai, e entendo que é mais um daqueles momentos em que


a cor da minha pele é motivo para que algum racista
canalha diminua meu valor.

Sinto uma fúria descomunal se alastrar em meu peito e


fecho as mãos em punho, para não dar na cara dessa
vagabunda. Engulo o bolo em minha garganta, porque não
sou esse tipo de pessoa. Nunca vou me encolher e recuar
diante de um filho da puta, nem mostrar como fui afetada.

O olhar de Murilo se fixa em mim e ele segura o braço da


mulher com força, a girando para que ela me veja aqui.

— Fala essa merda de novo! — ele vocifera. — Na cara da


Dandara!

Vamos ver onde está sua ousadia agora, Cristina.

Então, essa é a tal Cristina?

— E-eu... — A desgraçada perde toda postura soberba ao


me encarar. — Não foi o que quis dizer...

— Ah, eu sei muito bem o que quis dizer, querida! — me


exalto, segurando o braço dela firme . Cristina me olha com
espanto e minhas mãos coçam, pela vontade de largar um
tapa em seu rosto, para ela aprender a nunca mais abrir a
boca para falar merda. — Eu só não te ensino uma lição,
porque não vou sujar minha mão com gente escrota como
você. Apenas torça para que a gente nunca mais se
esbarre, ou farei esse ácido hialurônico sair da sua boca na
base da unhada, entendeu? — A babaca fica calada, com
uma expressão de sonsa em sua face. — Entendeu, porra?!
— Chacoalho seu braço, apertando-o com mais força.

— Sim — ela choraminga como uma cadela.

— Vem comigo, Murilo!

Dou as costas para eles e espero que o amigo de Hugo me


siga.

Murilo logo está ao meu lado, acompanhando meus passos.

— A gente vai falar com Hugo...

— Esquece o Hugo agora, Murilo! — brado, anestesiada,


ainda sem acreditar que ouvi aquela filha da puta fetichizar
empregadas domésticas, quando minha mãe foi uma, e
fazer um comentário racista do caralho. —

Preciso da sua ajuda para outra coisa.

— Danda. — Murilo segura meu braço e me obriga a


encará-lo. —

Tem que ser agora! — impõe.

— Por que amanhã deixa de ser crime o que ela fez? —


ralho, impaciente, porque tem um adolescente quase
desmaiado precisando da nossa ajuda. — João Pedro está
passando mal, preciso de você.

O semblante de Murilo muda em um segundo e ele


arregala os olhos, preocupado.

— O que aconteceu?

— Ele está bêbado.


Ouço seu xingamento baixo e sei que está pensando no
problemão que isso pode representar na vida de João.

Subimos os degraus a passos largos e entro no banheiro


com Murilo.

João Pedro está quase inconsciente, mas abre os olhos


quando nota nossa presença.

— João Pedro. — Murilo segura seu rosto e mede seu


estado de embriaguez.

— Vamos levá-lo embora — digo, elaborando nossos


próximos passos. — Veio de carro?

— Sim, mas Hugo...

— Já disse para esquecer o Hugo! — profiro entredentes. —


Vamos levar o João embora no seu carro. Olha se ele trouxe
alguma chave.

— Eu tenho uma chave reserva da casa deles. — Murilo


parece aéreo, e imagino que esteja assustado com o que
João fez.

— Ótimo. Levamos João Pedro, a gente cuida dele e avisa


ao Hugo quando o garoto já estiver dormindo — explico
minha ideia para Murilo.

Soa terrível, mas o melhor a se fazer é garantir que João


ficará bem e acalmar a fera antes dele enfrentar o filho.

— Vem, João. — Murilo passa o braço de João por seus


ombros e o segura pela cintura. — Vamos te levar para
casa, moleque.
24

DANDARA

— Você e o meu pai estão namorando? — João questiona


com a voz arrastada, com seu hálito de bebida soprando
em minha face.

Murilo e eu estamos o carregando até sua cama, já que ele


mal suporta o peso do próprio corpo.

Saímos às pressas da festa, e na hora de colocar João no


carro foi custoso. Antes mesmo de abrirmos a porta, ele
conseguiu empurrar Murilo e começou a esbravejar que iria
até o pai tirar satisfações. Chegou a dar dois passos e
tropeçou. Creio que a queda o despertou, pois veio o
caminho todo falando coisas desconexas.

— Vamos deixar essa conversa para depois, que tal? —


respondo com candura.

— Não me leve a mal... Tu é legal, seu filho também... Eu


nem merecia a gentileza de vocês. Só que... — Ele ajoelha
e seus braços escorregam.

Não tento erguê-lo, visto que já estamos em seu quarto,


segundo Murilo disse. João engatinha até a cama e senta,
encarando o teto.

— Acha que consegue dar um banho nele? — sussurro para


Murilo.

— Sim — confirma e vai até o guarda-roupa de João.


— Tu é gente boa, como eu disse — João Pedro continua. —
Só que eu queria minha família junta, saca? Mas meus pais
se odeiam. — Soluça.

Ofereço a ele um sorriso triste, e me viro, disfarçando a


decepção que sua fala me causa. As palavras dele me
fazem pensar que, talvez, nunca

vamos conseguir nos entender. E pode ser que eu não


queira ser a pessoa que fica no meio dessa relação
conturbada entre Hugo, Lia e João.

Essa noite foi um teste que não consegui concluir. Não


gosto das pessoas com quem Hugo tem contato, porque
são esnobes e algumas delas racistas. Não consigo me
encaixar na vida de João Pedro, e eu seria apenas mais um
motivo de briga entre Hugo e seu filho.

Somos de mundo diferentes. Temos sintonia na cama, e


pode ser que a gente se entenda fora dela, quando não
temos que encarar a vida real e podemos ser somente
Hugo e Dandara. Mas aí, então, nossas realidades tão
distintas se chocam e causam um tumulto em nossa
relação.

Vou até a cozinha e tomo a liberdade para abrir a geladeira


de Hugo.

Pego uma garrafa de água gelada, procuro nos armários


um copo de plástico e o deixo na bancada.

Um tempo depois, Murilo aparece na ponta do corredor,


com a camisa toda molhada e aberta.

— Deu muito trabalho? — indago, com um sorriso sem


graça.
— Um pouco. Foi como voltar quatorze anos atrás, quando
Hugo e eu estávamos nos virando para manter esse
menino vivo. — Aponta na direção do quarto ao comentar
com nostalgia.

— Vou ver se ele consegue beber um pouco de água. —


Encho o copo e caminho até o quarto.

Bato na porta, e leva um tempo até João abrir. Ele está com
um pijama, e seus olhos avermelhados estão quase
fechados.

— Toma, bebe um pouquinho, JP. — Ergo o copo e ele toma


tudo de uma só vez.

— Você é sempre assim? — questiona, rouco.

— Assim? — Tombo a cabeça, sem compreender.

— Atenciosa com quem não merece.

Sinto meu coração encolher. Rafael estava certo: João é um


garoto machucado que não sabe lidar com sua própria dor.
E não posso ser alguém que vai magoá-lo ainda mais.

— Você é merecedor de todo cuidado que recebe, JP. Só


precisa aceitar isso.

— Posso... Posso pedir algo? — Desvia o olhar para o


próprio pé, deixando transparecer sua vergonha.

— Claro. — Tento encorajá-lo.

— Pode me abraçar?

Quase choro. Sua dor me atinge como uma avalanche e


acho que nunca vi tanta vulnerabilidade em alguém. E
entendo... Compreendo de imediato o que ele precisa.
Um abraço de mãe. Aquele caloroso e cheio de carinho,
que a gente precisa para se sentir protegido do mundo.
Acho que ele nunca deve ter sentido esse afeto vindo da
própria mãe, ou, se aconteceu, foi em momentos raros. É o
que penso depois de ouvir a súplica em seu pedido.

Abro os braços, sem hesitar, e João me abraça, se


agarrando a mim, dizendo em silêncio que era disso que
ele precisava.

— Rafa tem muita sorte de ter você — ele cochicha.

— Seu pai também te ama, João. — Acaricio seus cabelos.

— Eu sei. Mas não é a mesma coisa — diz com a voz


embargada. —

Ele vai me matar.

— Vai nada. Vou conversar com ele, tudo bem?

Ele acena e logo se afasta, limpando o rosto, tentando


disfarçar o choro.

— Obrigado, Danda — fala, constrangido.

— Imagina, não tem que agradecer. Agora, vá dormir.

João acena e vai até a cama, se jogando no colchão. Fecho


a porta do quarto e volto para a cozinha.

Segundos depois, a porta da sala é aberta por um Hugo


agitado.

Imagino que Murilo o tenha avisado em algum momento.

— Onde ele está? — questiona, bufando, e penso que


correu da garagem até aqui.
— Dormindo. — Ele avança antes de eu entrar em seu
caminho e impedi-lo de ir até o quarto. — Hoje não, Hugo.

— O moleque bebeu, porra! Ele passou de todos os limites!


— Dá um passo para o lado, só que o acompanho.

Hugo me encara, e fúria brilha em suas íris, mas mantenho


o queixo erguido e a postura firme.

— Hoje não — decreto. — Ele está mal. Esfria a cabeça,


amanhã vocês conversam. Se quer salvar sua relação com
seu filho, não é sendo um cuzão que vai conseguir.

— Cuzão? — Ele ri com ironia. — E se fosse o Rafael no


lugar dele?

— Eu faria o que acabei de fazer. — Dou um passo à frente,


estufando o peito. — Cuidaria do meu filho e deixaria o
sermão para quando os dois estivessem prontos para
conversar.

— Ouve ela, cara. O moleque já deve estar dormindo, fica


na sua —

Murilo apazigua.

Hugo infla as narinas e me fita colérico por mais alguns


segundos, antes de virar e caminhar, a passos duros, até
seu bar. Pega um uísque, serve um copo e bebe.

— Preciso ir — anuncio.

Pego minha bolsa e abro o aplicativo para pedir um carro.

— Levo você — o juiz ordena, como se tivesse algum tipo


de poder sobre mim.

— Não — rebato, exausta demais para me explicar.


— Não foi uma pergunta — ele afronta.

Ótimo, voltamos à estaca zero da nossa relação, na qual


ele veste uma máscara de arrogância e sai desfilando por
aí.

— Já pedi um Uber e ele está vindo — informo. — Obrigada


pela ajuda de hoje, Murilo. — Vou até o amigo de Hugo e o
abraço, mantendo uma certa distância. — Se abrir a boca
para contar sobre Cristina, eu falo mal de você na internet
— sussurro em tom de ameaça, para que só ele possa
ouvir.

A cabeça de Hugo tem que focar no João agora, os dois têm


muito o que conversar. Das minhas batalhas, cuido eu, e
ainda vou pensar no que é melhor a se fazer em relação
àquela ordinária.

— Estou perdendo algo aqui? — Hugo questiona,


enciumado, o que me faz revirar os olhos.

— A única coisa que está perdendo é a oportunidade de


ficar calado

— retruco, sem disposição para oferecer uma resposta


educada. — Até mais, tenham uma boa noite.

Acho meu caminho até a saída, sem precisar de nenhum


deles me acompanhando. No entanto, assim que coloco os
pés para fora, sinto um puxão no braço, com Hugo me
obrigando a encará-lo.

— A gente conversa amanhã — fala como se eu fosse sua


funcionária e devesse a ele meu precioso tempo.

— Não temos nada para conversar. — Me solto de seu


agarre.
— Do que você está falando? — Sua voz vacila. — Temos
muito para conversar.

— Não temos! Pense bem no que vai falar ao seu filho, é


meu último conselho — aviso séria, apontando o dedo em
sua cara.

Giro no eixo e desço alguns degraus antes dele me


alcançar.

— Por que está agindo assim?

Abro a boca, pronta para inventar alguma desculpa


qualquer, mas o aplicativo manda uma notificação,
informando que o meu motorista chegou.

— Tenha uma boa noite, Hugo.

Termino meu caminho até a calçada. Entro no carro e


encosto a cabeça na janela, levando a mão até o peito.

O motorista dirige em silêncio. Ou, talvez, ele esteja


falando, mas não ouço nada, porque estou tentando não
chorar.

Queria muito que entre Hugo e eu as coisas dessem certo,


mas existe um abismo entre nossos mundos, e ultrapassá-
lo parece ser impossível.

Vivo uma realidade, Hugo outra, e estou cansada demais


para lutar contra isso.

Me dói pensar que, talvez, a melhor solução seja acabar


com o que está acontecendo entre nós de uma vez, antes
que alguém saia machucado.
25

DANDARA

— Dandara, que prazer receber você no meu estúdio! —


Lucas exclama com animação quando me vê entrar em sua
casa.

A gravação do nosso vídeo acontecerá aqui, e toda sua


equipe de produção está a postos, ajustando os últimos
detalhes para começarmos.

Lucas é um jovem influenciador negro que tem se


destacado por fazer receitas de comidas de rua de diversos
países, mostrando como são mais simples do que a gente
pensa.

— Você é muito mais alto pessoalmente, Lucas. O mundo é


mesmo injusto, olha só para isso! — Ele ri do meu
comentário. — Uns tendo muito, outras tendo tão pouco. —
Aponto para mim, fazendo graça com minha estatura. — A
propósito, esse aqui é meu irmão, Daniel. Ele vai ser meu
assistente hoje.

Daniel e Lucas trocam um aperto de mãos. Meu irmão leva


mais tempo do que o necessário para soltar a mão de
Lucas, e é inacreditável que ele vá começar com
assanhamento logo cedo!

— Prazer, Daniel — Lucas diz com polidez. — Fiquem à


vontade para ajeitar tudo que precisam. A Vivi vai
conversar um pouquinho com vocês sobre como será a
dinâmica hoje. — Ele aponta para a mulher negra de
cabelo raspado que está dando instruções para uma
garota.

— Certo, vou lá falar com ela. — Seguro Daniel pelo pulso e


saio puxando meu irmão para longe da tentação.

— Dandara do céu! Por que não me disse que Lucas era


enorme assim? Nossa, imagina aquelas mãos te
segurando...

— Não quero imaginar nada, Daniel! — digo entredentes. —


Foca no que veio fazer aqui.

— Iiiih, que amargura é essa? Tudo isso por causa do juiz


da vara criminal?

Meu coração dispara e meu peito é invadido por uma


angústia profunda. Faz uma semana que não troco uma
palavra sequer com Hugo.

Disse a ele que não tínhamos mais o que conversar, e não


foi da boca para fora.

Quando acordei no dia seguinte à festa, fui colocar minha


cabeça no lugar e pensar sobre o que aconteceu. E a
verdade é que escolho não ter que conviver com aquela
gente. Não me encaixo na realidade absurda que Hugo
vive, onde o status e a cor da pele ditam o valor da pessoa.

Que exemplo estaria dando para o Rafa ao aceitar me


submeter a situações desconfortáveis em nome do homem
que gosto? Não, isso é inaceitável.

Além disso, ouvir de João Pedro o quanto ele deseja que os


pais fiquem juntos me colocou para baixo. Percebi que por
mais que eu tente entrar na vida dos Alencar, sempre
haverá um abismo entre João e eu. E não quero ser a
pessoa que receberá olhares de julgamento e pesar do
garoto.

Por isso, decidi que o melhor a ser feito é me afastar de


Hugo.

Ignorei todas as suas mensagens e ligações essa semana,


na esperança de que ele entenda meu recado e uma hora
desista.

No entanto, isso não quer dizer que essa foi uma decisão
fácil. Fingir que Hugo não existe é impossível, e isso me fez
pensar que, talvez, eu tenha me apegado a ele mais do
que deveria.

Gosto dele. Pra cacete. Muito mesmo. Tanto que me permiti


chorar por ele quando jurei que jamais choraria por um
homem depois que o genitor de Rafael me abandonou.

Essa semana foi estressante, tudo de errado aconteceu.


Queimei fornadas de cookies, briguei com fornecedores,
quebrei um salto e tive uma crise de rinite alérgica.

Parece que a vida está me mostrando que longe dele tudo


fica cinza.

— Já disse para não tocar nesse assunto, Daniel —


murmuro, inconsolada.

— E eu disse que você está se equivocando. Poderia


resolver esse assunto com uma conversa, mas preferiu
ficar se lamentando pelos cantos.

— Meu irmão ergue a sobrancelha e me julga com o olhar.

Ignoro sua postura e vou até a mulher que Lucas indicou.

— Oi, Vivi. Eu sou a...


— DanDelícias! Minha nossa, não acredito que está mesmo
aqui! —

Ela me puxa para um abraço e deixa dois beijinhos em


minhas bochechas.

— É ainda mais linda pessoalmente.

Sorrio diante da sua gentileza.

— Obrigada, Vivi — respondo, bobinha com o elogio. — O


Lucas me disse que você tinha algumas coisas para
resolver comigo.

— Ah, sim. Ele é seu assistente? — Aponta para Daniel.

— Por hoje, sim — confirmo.

— Então, vamos lá. É o seguinte... — Daniel e eu estamos


atentos às instruções que Vivi oferece.

Passei a semana praticando a receita que faremos hoje. É


um doce chileno chamado Torta mil hojas, que me
conquistou por levar doce de leite.

Claro que errei a mão em todas as minhas tentativas de


reproduzir a receita, e fico nervosa de pensar que posso
fazer merda hoje, porque estou com a cabeça em Vilabela,
naquele juizinho salafrário que me tirou o sossego.

Depois da conversa com Vivi, deixo meus pertences em


uma poltrona e sigo até a bancada da cozinha, pronta para
começar a gravação.

Lucas é muito gentil e engraçado e me deixa à vontade.


Por um milagre divino e graças à parceria de Lucas durante
a gravação, a receita fica perfeita, e depois de encerrarmos
tudo, desligamos as câmeras e nos deliciamos com a torta.
— Escuta, até quando pretende ficar aqui no Rio, Danda? —
o influenciador questiona quando estamos só eu, ele e
Daniel conversando.

— Até amanhã. Vou embora cedo, não quero pegar trânsito


respondo.

— Se decidir estender sua estada, amanhã à tarde vai ter


uma roda de samba no Batuque Carioca. — Hum, roda de
samba é meu ponto fraco.

— E os caras que vão tocar sempre colocam no repertório


uma da Alcione.

— Porra, você está tocando no meu coração! — Lucas ri do


meu pequeno drama. — Não sei...

— O que me diz, Daniel? — Ele se direciona ao meu irmão.

— Digo que estaremos lá. Não é, Dandara? — O olhar pidão


de Daniel é quase o suficiente para me fazer aceitar.

Mas não sei se estou no clima de festejar. Se eu for nessa


roda de samba, ficarei o tempo inteiro pensando no quanto
gostaria que ele estivesse lá.

É sério, já está insuportável ter Hugo dominando meus


pensamentos assim.

— Vamos pensar com carinho no convite, prometo. —


Daniel faz cara feia diante da minha resposta, mas o
ignoro.

Depois de ajudar Lucas e sua equipe com a bagunça da


cozinha, nós fazemos algumas selfies e postamos em
nossas páginas.
Daniel e eu nos despedimos e vamos embora, em direção à
casa do meu irmão, que é onde me hospedei desde ontem
à noite, quando cheguei na capital do Rio de Janeiro.

Passo uma parte do caminho com o olhar preso na praia de


Ipanema, lembrando do dia em que deixei que o juiz
entrasse na minha vida.

Deveria ter dito “não” quando ele falou que ia me levar


para um encontro, mas quis muito aquilo. Desejei
ardentemente provar Hugo, e agora que o fiz, não consigo
deixar de pensar no quanto ele é bom para mim.

— Você estava tão feliz gravando. Por que está com essa
cara de velório agora? — Daniel reclama, ao me entregar
uma taça de vinho.

Sentamos em seu sofá depois de tomar um banho e


colocar nossos pijamas. Ele pediu comida por delivery, e
enquanto não chega, estamos aqui, esparramados no
estofado, descansando depois do longo dia.

— Se você soubesse tudo que aquele homem fez por mim,


entenderia meu lado. — Bebo um gole do vinho rosé,
apreciando o amargor misturado à doçura. — Ele é aquele
um em um milhão, Daniel.

— E você está deixando ele escapar por bobagem. — Meu


irmão afaga meu joelho, falando em tom ameno.

— Não é bobagem. Você sabe como é ter que conviver com


o desprezo. Hugo vem com uma bagagem, e não sei lidar
com isso. —
Massageio a têmpora, tentando me livrar dos meus
pensamentos.

Por que esse homem está grudado em minha mente


assim?

— Então sua resposta madura é ignorar ele e bloquear o


homem das suas redes sociais?! — Bufa. — Estou
impressionado. Esperaria isso de uma adolescente, não de
uma mãe de trinta e cinco anos.

— Pareceu a melhor saída. — E, por causa disso, me


submeti a uma agonia sem fim. — Sabe de uma coisa? Nós
vamos nessa roda de samba.

Tenho certeza de que não vou pensar naquele homem se


estiver sambando até os pés doerem.

— E quando tocar Alcione? Aí é que vai esquecer ele de


vez? —

ironiza, sabendo que é impossível.

Na verdade, será pior ainda, mas não vou ponderar sobre


isso agora.

— Vou mandar mensagem para o Lucas. — Levanto e saio


em busca do meu telefone. — Amanhã você trabalha?

Daniel é enfermeiro, e sua escala de plantão é um pouco


confusa para eu acompanhar.

— Não. Estou de folga até domingo, lembra?

— Pronto! Então, está combinado. — Digito uma mensagem


para Lucas. — Amanhã, vamos nos acabar de dançar!

Ideia perfeita, Dandara! Só espero que a experiência não


seja desastrosa.
Mas qual é a chance de dar errado?

26

HUGO

— Quanto tempo ainda vai ficar assim comigo? Já pedi


desculpa pelo que fiz — João Pedro lamuria quando
estamos tomando café da manhã.

Sim, ele pediu. Há seis dias, quando conversamos sobre


sua irresponsabilidade ao ingerir bebida alcoólica. Sempre
temi que algo assim pudesse acontecer, porque jovens são
destemidos e inconsequentes. Já recebi vários casos de
acidente de trânsito envolvendo um adolescente ao
volante, por isso, passei horas conversando com João
Pedro, tentando entender seus motivos e alertando mais
uma vez sobre o risco de beber com tão pouca idade. Nos
entendemos e esse assunto foi encerrado.

Mas ele está pensando que minha irritação agora ainda é


direcionada a ele, quando, na verdade, estou puto com
uma mulher insolente que sumiu sem deixar rastros.

— E eu desculpei, João. Estou pensando no trabalho, só


isso.

Quando Murilo me mandou mensagem naquele sábado,


falando sobre João estar bêbado, saí daquela festa
correndo, bravo porque ninguém me avisou antes. Cheguei
aqui pronto para acabar com a raça do garoto, mas, ao
invés disso, recebi uma chamada de atenção de Dandara.
Depois, a assisti ir embora, jurando que não tínhamos nada
para conversar.

Não achei que ela estivesse falando sério, só que durante a


semana, ela não atendeu nenhuma ligação minha, não
respondeu minhas mensagens e não estava na confeitaria
quando fui procurá-la.

Sei que ela está ocultando algo de mim, pois Danda não é
de se esconder assim. Mas ela segue no voto de silêncio, e
essa merda está me matando.

Perguntei aos meus pais se eles viram algo fora do comum


durante a festa, e eles negaram.

É uma agonia sem fim. Estou desesperado. Dandara vai me


pagar por me deixar nesse estado. Mal consegui trabalhar,
correr, malhar ou comer nos últimos dias, esperando que
ela aparecesse. Pregar o olho foi difícil.

Isso não se faz.

Quando eu colocar as mãos naquela leoa fujona, ela vai se


arrepender do dia em que decidiu se esconder em sua toca
sem dar explicações.

— Bom dia, família Alencar. — Murilo passa pela porta


carregando sua raquete, com a roupa esportiva toda
branca e um boné na cabeça.

Deveria pegar de volta a chave que dei ao filho da puta,


depois que agiu pelas minhas costas no sábado passado.

— Não vou jogar tênis hoje — falo ao perceber sua intenção


em vir aqui. — Não me enche a porra do saco, se possível.

Murilo estanca no lugar e estreita os olhos, me analisando


como se eu fosse um bicho no zoológico.
— Qual é seu problema, caralho?! Dei bom dia. — Ele larga
a bolsa de academia no meu sofá.

— Nenhum. — Bebo o último gole do café puro e abro o


celular, em busca das notícias do dia, fugindo do
interrogatório.

— Qual foi, JP? — Murilo cumprimenta o afilhado, o


abraçando. —

O que aconteceu com esse canalha?

— Não sei, padrinho. Ele está estranho desde domingo


passado —

João o responde, incerto.

— Nada aconteceu. Por que não cuida da sua vida? —


Levanto e deixo a xícara na pia.

— Cadê a confeiteira? Aposto que ela sabe que bicho


mordeu o juiz Avelar. — Murilo ri.

— Essa é uma ótima pergunta! — Exalo o ar, frustrado. —


Se souber onde aquela maldita se enfiou, faça as honras de
compartilhar a informação comigo.

— Espera, então é isso? — Murilo perde a graça. — Não


estão se falando? É por causa da... — Fica em silêncio,
fazendo cara de quem falou demais.

— Você está me escondendo alguma coisa — constato


quando não conclui o pensamento. — Que porra aconteceu
naquela festa?

— Não sei se devo...

— Não sabe? — ironizo.


Avanço em sua direção, pronto para fazer ele falar na base
do soco, se for preciso. Murilo foge como um covarde da
briga, pulando do meu sofá como se fosse um praticante
de parkour, e corro atrás dele.

— Calma, inferno! Não precisa correr, eu conto! — ele


berra, e paro, esperando sua resposta. — Cristina.

— O que aquela infeliz fez dessa vez? — Toda vez que ouço
qualquer coisa sobre Cristina, é sempre alguma baixaria
que vai me tirar uns dias de vida pelo estresse causado por
sua falta de caráter.

— Ela disse algo do tipo: “Hugo tem fetiche pela


empregada”, e Danda ouviu. — Murilo trava a mandíbula,
furioso.

O pego pela gola da camisa e puxo esse ordinário, para


que me olhe nos olhos e entenda o quanto está fodido.

— Por que você está falando isso só agora, seu filho da


puta?! —

sibilo com frieza, embora meu sangue esteja fervendo,


inundado de ira. —

Era para ter me procurado no segundo que ouviu essa


merda, porque aquela desgraçada ia ser presa tendo todos
os convidados como testemunhas.

— E-eu tentei... Mas Dandara pediu que eu não fizesse


nada, porque estava mais preocupada com o João. Depois,
ela me ameaçou, naquela hora que veio me abraçar antes
de ir embora — narra, nervoso, gesticulando com as mãos.
— Tu vai denunciar a Cristina, está me ouvindo? A primeira
coisa que vai fazer quando passar por aquela porta... —
Aponto para a saída. — É

ir para a delegacia e contar para o delegado tudo que


ouviu. Entendeu? Não sei como Dandara te ameaçou, mas
você sabe que sou capaz de fazer pior.

— Abro um sorriso frio e Murilo engole em seco, acenando


positivamente.

— Agora, me ajude a achar essa confeiteira infeliz.

Solto sua camisa e encontro o olhar tedioso de João Pedro.


Não é a primeira vez que ele nos vê prestes a entrar em
uma briga corporal, esse é o nosso “bom dia” costumeiro.

— Você já procurou nas redes sociais, pai? — Levo alguns


segundos para compreender ao que ele se refere.

— Está ajudando seu pai a encontrar a Danda? — Pesco o


tom de desconfiança na pergunta de Murilo.

— Não aguento mais essa cara fechada dele, como se


estivesse com dor de barriga todo dia. — Moleque atrevido,
merecia um bom castigo!

Abro o telefone e procuro a página de Dandara, mas não a


encontro.

— Acho que ela apagou.

Mas por que ela faria isso? Deletar um perfil tão grande...

— Ela te bloqueou — João afirma, com seu celular em


mãos. Vem até mim e ergue a tela. Ali está o perfil dela,
intacto. Filha da mãe! — Ela postou alguns stories. — Volta
a olhar para o aparelho. — Parece que ontem estava
gravando com um cara que é influenciador e cozinheiro.
— E hoje? — questiono com urgência.

— Não tem nada ainda — JP responde, concentrado no


celular.

— Fica de olho nas redes dessa mulher. Eu e seu padrinho


vamos visitar um velho amigo meu. — Visto minha camisa,
que estava pendurada na cadeira, e pego as chaves do
carro. — Delegado Fernando vai amar conhecer você,
Murilo.

Depois de garantir que a denúncia contra Cristina foi feita,


voltei com Murilo para minha casa, e estamos tentando
localizar Dandara há algumas horas, sem ter que entrar em
contato com Evelin ou Rafael. Eles, possivelmente, a
avisariam da minha busca.

Já tomei um banho frio, para tentar aliviar os pensamentos


e amenizar minha ansiedade, mas foi em vão. Tudo que
preciso é colocar as mãos naquela confeiteira malandra e
lhe ensinar uma boa lição sobre fugir sem prestar
esclarecimentos sobre os fatos.

— Acho que sei onde ela está. — João ergue o olhar depois
de ler algo em seu celular. — Aquele tal influenciador com
quem ela estava gravando, postou nos stories uma foto
com Dandara e o irmão dela, o Daniel. Ele colocou a
localização. Estão em um barzinho que se chama Batuque
Carioca.

Saco meu celular do bolso e procuro o endereço.

— Rio de Janeiro?! — Uma hora e meia de distância. Que se


foda, vou caçar a maldita no inferno! Ela me deixou
miserável por uma semana, sentindo sua falta, e deve ser
punida pelo ato. Porra, como me agoniei todos esses
malditos dias sem uma notícia dela! Só sabia que estava
bem por meio de Rafael, que reportava sobre Danda para
JP. — Se eu não voltar até a noite, você vai dormir no seu
padrinho, João Pedro. Fica de olho nesse moleque, Murilo.

Vou até o quarto, escolhendo a primeira roupa que vejo.

Ah, Dandara, não sabe com quem mexeu, leoa!

27

HUGO

Estaciono o carro na primeira vaga que vejo quando noto


que estou me aproximando do tal Batuque Carioca.

Desço do carro e travo o alarme, passando o olhar pelo


lugar que está abarrotado de gente. Desvio do pessoal que
está na calçada, sendo atingido pelo cheiro de fumaça que
vem dos fumantes que batem papo, e entro no ambiente
de dois andares.

Procuro Dandara e o irmão com o olhar, enquanto me


aproximo do ponto de origem da música.

Estanco meus passos quando, daqui de cima, vejo ela no


andar de baixo, sambando, girando o corpo com leveza e
rindo. Seu estado de felicidade e regozijo é o completo
oposto da forma como fiquei essa semana, ao imaginar que
ela repudiava minha presença e sem entender o motivo.
Agora sei que é por causa do que Cristina disse, e posso
imaginar o que Dandara sentiu ao ser rebaixada daquela
forma.

Mas ela não tinha o direito de sumir sem me dar uma


chance de consertar as coisas.
Desço os degraus, ou ao menos tento, já que tem gente
impedindo a passagem. Não a perco de vista, e Dandara
dança e rodopia, livre. Sua saia está colada em sua bunda,
como se fosse uma segunda pele, e a peça sobe cada vez
que ela balança o quadril. Ela abaixa a peça minúscula,
sem se importar com o fato.

Vários olhares predatórios pairam sobre ela. Um bando de


urubus que não tem medo de perder os olhos se delicia
com a forma como ela rebola.

Quando a música acaba, ela para e abana o rosto, rindo. O


cara que reconheço ser o influenciador coloca a mão na
cintura dela e fala alguma coisa ao pé do seu ouvido.

É como atear fogo em minhas veias, que são inundadas por


um ciúme irracional. Crispo os lábios e puxo o ar, como se
dependesse do ato para não avançar no pescoço do
desgraçado.

Abro caminho entre as pessoas, recebendo xingamentos,


mas pouco me fodendo para o que estão chiando.

O olhar dela finalmente encontra o meu, e Dandara até


tenta fugir, porém, já estou a um braço de distância dela.

A seguro pelo cotovelo e puxo seu corpo de encontro ao


meu.

— A gente vai acertar nossas contas agora — afirmo em


tom duro, trincando o maxilar.

— Não temos nada para acertar! — Ela tenta se


desvencilhar do toque, mas não a solto.

— Temos, sim, fujona. — Puxo Dandara comigo, que me


acompanha com dificuldade, visto que ela usa saltos.
Vejo as placas de banheiro e tomo minha decisão sem
pensar muito.

Paro na frente do primeiro segurança que esbarro no


caminho e tiro a carteira do bolso. Odeio ter que fazer isso,
mas estou furioso com essa criatura e não quero pensar
nas consequências dos meus atos agora.

— Ninguém entra nesse banheiro pela próxima meia hora


— digo a ele, mostrando a carteirinha funcional que indica
meu cargo de juiz. — Ele está em manutenção.

— Você que manda, chefia. — O segurança ergue os braços


depois de ler meu documento, em um gesto apaziguador.

Abro a porta e puxo Dandara para dentro.

— Hugo...

— Cai fora! — ordeno ao homem que está lavando as


mãos. — O

banheiro está interditado.

— Estou indo, chefe. — O cara embola a fala e sai,


tropeçando nas pernas.

Fecho a porta e a tranco com a chave que está na


fechadura. Seguro os ombros de Dandara e pressiono seu
corpo contra a madeira. Ela me fita com os olhos
arregalados.

— É essa sua resposta madura? Fugir? — rosno, a


cercando.

— Disse a você que não tínhamos nada para conversar —


explica como se fosse uma excelente justificativa.
— Então é isso? Tu some sem ao menos dizer o porquê,
vem se divertir como se tivesse se livrado de um fardo e
esquece tudo que aconteceu entre nós? — Seguro sua
mandíbula e ergo seu rosto para que veja no meu olhar o
desespero que senti longe dessa filha da mãe. — Estava na
merda e você seguindo sua vida, toda soltinha, nas rodas
de samba do Rio de Janeiro... Que maldade, Dandara!

— Não, não foi assim — nega veementemente, balançando


a cabeça.

— A gente não funciona, Hugo.

Meu coração bate com fúria, parecendo querer sair do


peito, golpeado pelo peso da sua rejeição. Mas não coloco
esse sentimento para fora. Não em palavras.

— Você não me quer? Pode falar. — Passo o polegar em


seus lábios, sentindo a textura, como se fosse a última
chance que eu tivesse de fazer isso. — Vou entender. Mas
só se for assim, Dandara. Porque se tiver me deixado de
escanteio por ter ficado insegura com o que Cristina fez,
vou te esculachar aqui mesmo. Porque você deveria ter me
dito, não sumido. Era para ter confiado em mim.

— Como você... — Sua expressão se fecha e seus lábios


formam uma linha rígida. — Murilo é um baita fofoqueiro!

— É, mas se não fosse por ele, eu nunca ia saber, não é?


Você ia falar? — Aproximo o rosto do dela, enfrentando
Dandara.

— Não! — rebate.

Tudo bem, gosto disso nela, da habilidade que tem em me


enfrentar.
— Responde, então. Não me quer mais ou fugiu por causa
do que ela disse? — Sua respiração sai densa e absorvo
cada gesto seu, que começa a me entorpecer e dominar
meus sentidos.

Chega a ser covardia a forma como ela me fez ajoelhar e


me render ao seu charme. Agora, sou um miserável se
Danda não está por perto.

— Hugo...

— Fala que não me deseja mais, Dandara. — Subo de


mansinho as pontas dos dedos por sua coxa nua, e Danda
suspira profundamente. — Mas se for me chutar da sua
vida, tem que ouvir umas verdades antes.

Roço a ponta do nariz em sua bochecha, descendo o rosto


até seu pescoço, e ela vai relaxando.

— Verdades? — Mal ouço sua voz, visto que está absorta na


forma como a toco.

— É. Tem que saber que está sendo maldosa. Estou


fascinado pelo seu cheiro... — Aspiro seu perfume cítrico,
que se infiltra em minhas narinas e me alucina. — Sua
risada, seus gemidos... — Enfio a mão em sua saia, e com o
polegar acaricio sua virilha. — E seu espírito. Enquanto
isso, você está me esnobando. É cruel.

— Não, não fala assim, Excelência — ronrona. — Eu só...

— Só não me quer. É isso? Confessa. Diz que quer aqueles


urubus que estavam te rondando na pista — grunho ao
apertar sua bunda, irado ao lembrar dos olhares cheios de
luxúria que pararam nela. — É deles que você gosta, não
de mim? Não é, Dandara? Cansou... Porra, tu sumiu por
uma semana sem me dar uma explicação!
— Tem que aprender a lidar melhor com a rejeição, Hugo...
— É, a mão dela se enfiando em meu cabelo e me puxando
para perto mostra mesmo o quanto ela me rejeita.

— Não ouvi até agora você falar que é para eu sumir daqui
e nunca mais te procurar. — Volto a encará-la, esperando
que diga algo, mas ela não o faz. — Ou abre a boca agora e
me enxota de uma vez da sua vida, ou...

— Ou o quê? — Danda passa a língua nos lábios e sorri com


travessura.

— Sabe bem. Tem cinco segundos para sair, Dandara. —


Afasto-me dela e dou uma chance para que passe pela
porta. — Cinco...

— É que eu sinto sua falta, mas...

— Quatro.

— Não vai dar certo.

— Três.

— Somos muito diferentes.

— Dois.

— Tem razão, vou atrás daqueles caras.

Ela coloca a mão na maçaneta, mas seguro seu punho e


ergo seu braço.

— Porra nenhuma! — vocifero antes de beijar sua boca com


fúria, porque ela me tira do sério.

Dandara corresponde com igual intensidade, projetando o


quadril para frente e esfregando-o contra o meu,
decretando sua necessidade sem dizer nenhuma palavra.
Não sei o que me deixa tão enfeitiçado por ela. Acho que,
talvez, seja a forma como segura meu rosto quando nos
beijamos, ou como seu corpo se cola no meu quando ela
tenta, em vão, nos fundir.

Sua língua embala a minha, meus dentes cravam em seu


lábio inferior e puxo-o, antes de voltar a dominá-la em um
beijo furioso.

Embrenho a mão em seus fios e seguro firme, tombando


sua cabeça para cima. Seu pescoço está à minha
disposição e mordo sua pele antes de sugar e lamber,
deixando minha marca. Amanhã, ela vai perder a linha
comigo e me xingar por isso, mas não ligo. Disse que ela ia
aprender uma lição, e agora vou garantir que vai se
lembrar de cada ato meu daqui para frente.

Dandara vai se perdendo, sua respiração escapa


entrecortada e suas mãos seguram meus braços em um
aperto forte, como se precisasse de algo para se segurar.

Escorrego a mão até seu decote e afasto a blusa e o sutiã


apenas o suficiente para expor seus peitos.

— Espera, a gente... Merda! — Não deixo que reclame ou


proteste.

Sugo seu mamilo, esfomeado, e ela arqueja, absorvendo a


sensação de ter minha boca mamando seu peito, a levando
às alturas. Faço o mesmo com o outro seio e enfio a mão
em sua saia, escorregando os dedos na parte interna da
sua coxa, até alcançar a boceta.

— Puta que pariu! — exclamo, ainda mais enraivecido. —


Estava sem calcinha no meio de toda essa gente?!

— E-eu... — gagueja.
— Veio aqui atrás de outro, Dandara? — Puxo sua saia para
cima, deixando o tecido embolado em sua cintura, a
expondo.

É difícil engolir o fato de que qualquer um poderia tê-la


hoje. É

desesperador pensar que perdi minha chance de provar a


ela que posso dar tudo que Dandara quiser.

— Não! — choraminga.

— É aquele influenciador? — Meto dois dedos nela, que me


recebe com facilidade, visto que já está excitada.

— Não, Hugo... Oh, porra! — xinga, ofegante, ao passo que


meus dedos a fodem em um entra e sai acelerado.

Danda não percebe que minha ânsia por fazê-la gozar é


para provar que posso dar a ela o que precisa. Sou incapaz
de elaborar uma explicação coerente para tamanho
desespero, mas quando consegui pensar com razão no que
diz respeito a Danda? Até aqui fui guiado por essa pequena
Afrodite, sedutora e sexy, e apenas me permiti fazer tudo
que tive vontade em relação a ela.

O problema é que com Dandara tenho vontade de fazer


tudo, ir fundo, mergulhar de cabeça, enquanto ela me
chuta para fora de sua vida com facilidade.

— Quer que eu pare? — Massageio seu clitóris, erguendo o


canto do lábio, sabendo que é a última coisa que vai me
pedir, por estar tão entregue

e extasiada.

— Se fizer isso, vou dar na sua cara.


Tiro os dedos de dentro dela e os levo até a boca,
chupando e sentindo seu gosto. Ela me encara, estarrecida,
e trava a mandíbula.

— Vai. Bate — instigo, segurando sua mão e a espalmando


no meu rosto. — Bate se você é uma mulher de palavra.

Dandara sequer hesita. Abre todos os dedos e larga um


tapa ardido na lateral da minha face. Giro o rosto,
absorvendo o impacto, sorrindo como um grande filho da
puta masoquista, satisfeito por sua ousadia.

Volto a encará-la, e seu peito sobe e desce acelerado,


enquanto me fita com um misto de satisfação e
preocupação.

Ela segura minha nuca e me puxa para um beijo, como se


tentasse amansar toda zanga que fez brotar em meu peito.
Tateia meu corpo até alcançar o botão do short e o abre.
Abaixa o zíper e enfia a mão por dentro da cueca, me
arrancando um gemido ao tocar meu pau duro, o
massageando.

— Sinto muito pelo tapa — sussurra, ofegante.

— Não, você não sente. Nem deve se desculpar. — O ar fica


preso em minha garganta quando seu polegar circula a
cabeça do meu pau.

Tiro a carteira do bolso, sem paciência para arrastar a


espera, porque ela masturba tão gostoso, que me faz
querer ter sua boceta no lugar da mão.

O tesão está insuportável. Pego a camisinha e guardo a


carteira. Rasgo o envelope com os dentes e ela toma o
preservativo da minha mão. Pelo visto, estamos os dois
com pressa.
Dandara desce meu short e cueca o suficiente para libertar
meu pau.

O masturba com calma, em um sobe e desce


enlouquecedor. Ela coloca a camisinha com rapidez, e
pouso a mão em sua bunda, a suspendendo e a
pressionando contra a porta.

Seguro minha ereção rígida, que lateja pelo desejo


implacável de me afundar em Dandara. Sem cerimônia,
roço a glande em seus grandes lábios, antes de meter de
uma só vez, arrancando um grito de agonia dela, que

comprime as pálpebras, absorvendo a sensação de ter meu


pau enfiado até o talo.

— Olha para mim — peço, minha voz escapando sufocada.


— Estou te machucando, meu bem?

Mal consigo formular a pergunta, porque, porra, sua boceta


está estrangulando meu pau, e minha vontade é de me
mover, descontar toda inquietude dos últimos dias em uma
foda violenta.

Dandara pisca os olhos e os abre. Suas íris incendiárias me


levam ao descontrole e deslizo para fora dela antes de
estocar mais uma vez. Mais bruto e forte, a faço engasgar
com a própria saliva.

— Você vai acabar comigo — choraminga, tocando sua


testa na minha. — Continua, Meritíssimo. — Raspa o lábio
no meu e arrasta as unhas por meu couro cabeludo,
guiando meu rosto até seu peito.

Chupo seu bico rígido, e ela acaricia meu cabelo, como se


agradecesse por fazê-la se sentir bem.
É com esse gesto que ela me quebra, racha toda minha
casca de durão, me faz sucumbir à sua manha.

Me enterro em seu canal estreito, metendo fundo e


espalhando a excitação que escorre por suas pernas. Está
cada vez mais molhada, provando o quanto quer isso.

Trepar com Dandara é como entrar no paraíso e esquecer


qualquer inferno que tenha me atormentado um dia na
vida.

Conduzo meu quadril para trás e para frente, e todo


pensamento ruim que tive desde que a vi pela última vez
vai desaparecendo. Estamos aqui mais uma vez, nos
entregando ao momento, e tento provar a ela que nos
encaixamos, que Dandara e Hugo funcionam muito bem.

Ela só tem que querer ficar do meu lado.

Me queira, Danda. Me escolha. Anseie por mim bem como


faço contigo.

— Está gostoso? — Mordo a curva do seu seio e deixo


chupões ali também.

— Uhum... — geme em um som que mistura lamento e


lascívia.

Seguro seu quadril e a trago de encontro a mim,


aumentando a velocidade das estocadas. O corpo de
Danda chacoalha e vibra a cada vez que ela me tem fundo
dentro de si. Aperto sua bunda, amassando a carne, e
Danda fecha as coxas em meu quadril em resposta.

Afasto um cacho que está pregado em seu rosto suado.


Danda mantém nossa troca de olhares, e encará-la é
desconcertante. Tem segredos guardados ali, dúvidas que
se misturam ao seu tesão escrachado.
Ela fecha os olhos, e sua boceta contrai e alarga, para me
receber mais fundo e mais selvagem. Sou bombardeado
por uma dose de adrenalina insana que serpenteia minhas
fibras.

Um frenesi incontrolável toma conta de mim e acelero o


ritmo do vaivém, me perdendo e me encontrando em
Dandara. Meto sem comedimento, preenchendo cada canto
de sua boceta quente e molhada.

Dentro do banheiro do bar, o calor é denso, transpira em


nossos poros. O barulho das nossas pélvis chocando uma
na outra ecoa, misturado aos nossos gemidos graves.

É bem aqui que me perco, dominado por seu olhar felino,


pelo encontro de nossas peles, pelo seu beijo, seu toque
dominador e suas carícias. Seu polegar desliza por minha
bochecha e sobrancelhas, como se estivesse decorando
meus traços.

— Você é tão lindo quando trepa...

— Você é linda sempre, leoa. — A beijo mais uma vez, e


meu peito se expande para caber todas as sensações que
ela me causa.

— Hugo... Hugo, por favor...

Meu coração trepida. Danda me faz sentir um homem vivo


apenas por chamar meu nome.

Grudo seu tronco ao meu e seus seios ficam esmagados


contra o tecido fino da minha camisa. A cada entra e sai do
meu pau, Danda se esfrega em mim, desesperada.

Minhas pernas começam a arder, mas não paro. Penetro-a


com dureza, e Danda me recebe, com suas paredes
vaginais estrangulando meu pau e me deixando a ponto de
explodir.

Quando Danda rebola em meu pau, gemendo em


desespero, sei que está perto.

— Deixa vir, leoa. Se entrega, goza com meu pau fundo em


você —

falo como se fosse um comando.

Sua boceta se fecha ao redor do meu membro e ela grita,


ruge alto, tremendo e se agarrando a mim, dominada pelo
êxtase.

Sua expressão de prazer é o suficiente para que eu seja


arrebatado pelo gozo. Esporro na camisinha, relaxando.

Danda se aninha a mim como um bicho-preguiça e me


embriago com seu aroma misturado ao meu, sentindo um
alívio enorme por tê-la mais uma vez em meus braços.

28

DANDARA

Espreguiço todo meu corpo, e meus músculos rígidos


protestam, me fazendo lembrar da noite passada.

Hugo estava insaciável e não se contentou com o banheiro


do bar.

Assim que ajeitei minhas roupas, ele segurou meu pulso e


me arrastou para fora daquela roda de samba. Entrei em
seu carro, tendo um juiz furioso ao meu lado. Hugo não
disse uma palavra sequer quando parou em um hotel e fez
o check-in, e eu não o questionei sobre o que estava
fazendo, não parecia uma boa ideia.

A verdade é que sabia o que ele queria de mim e, para ser


sincera, também precisava disso. Transar até ficar
esgotada.

Foi o que fizemos durante as últimas horas, até


adormecermos, com ele abraçando minha cintura. Parecia
querer se certificar de que eu não ia fugir.

Pisco os olhos, tentando abri-los, e giro na cama. Tateio ao


meu lado e percebo que está vazio. Esfrego o rosto e
separo as pálpebras. Ele está sentado em uma poltrona
virada para a praia, com a porta da varanda aberta e as
cortinas tremulando pela brisa do mar que chega até nós.

Levanto da cama e pego sua camisa que está no chão.


Coloco-a em meu corpo e caminho até ele. Pouso a mão
em seu ombro e a escorrego pelo peitoral musculoso.
Curvo o corpo e beijo seu pescoço, mas ele não reage ao
toque.

— Em uma escala de zero a dez, quão bravo está? —


cochicho, usando todo meu charme para amenizar a fera.

Hugo bufa e balança a cabeça, ainda mantendo sua


atenção na vista do lado de fora.

— Não existe uma escala para quão puto eu estou,


Dandara — diz em tom frio.

— O que esperava que eu fizesse? — Dou a volta na


cadeira e paro de frente a ele.
Subo em seu colo, meio desajeitada, e Hugo permite que
eu fique assim. Não é a melhor ideia do mundo, visto que
eu estou sem calcinha e minha boceta está roçando no
tecido do seu short, mas ignoro o fato, focando na
conversa.

— Esperava que me contasse o que aconteceu. — Abraço


sua nuca, só que ele não me toca, e isso me incomoda. Sei
que está irritado por tê-lo ignorado, no entanto, me senti
mal depois daquela noite. Não consegui imaginar como me
encaixaria em sua vida, principalmente depois do que João
Pedro disse. — Não confia em mim — ele afirma quando
fico em silêncio.

— Não é isso, Hugo.

— É o que parece — fala ríspido. — Se confiasse, teria


contado sobre Cristina, ou o que quer que tenha feito você
se afastar. Não quero você só para sexo, Dandara. Ainda
não entendeu? Quero ser a pessoa em quem confia para
dividir os fardos, quero que conte sobre seu dia para mim e
que reclame comigo sobre o preço do leite condensado ou
qualquer outra bobagem que deseje compartilhar.

— Hugo, naquela festa houve uma sequência de


acontecimentos que me fizeram questionar se funcionamos
juntos — confesso, triste.

— Eu fiz algo de errado? — Ele ameniza o tom, e seu olhar


demonstra pavor.

— Não.

— Me deu a chance de provar que podemos fazer essa


relação funcionar? — Sua feição volta a endurecer.

— Não me encaixo no meio daquela gente com quem você


convive
— confesso, sentindo um bolo entalado em minha
garganta. É difícil falar

sobre minhas inseguranças. — Não tenho um diploma, um


doutorado... Não sei falar de arte, leis ou sobre a alta do
dólar. Sou diferente de Camila.

— Quem? — Hugo me fita como se nunca tivesse ouvido o


nome antes.

— Camila, a sua ex que tem dois doutorados — murmuro.

— Dandara, Camila e eu tivemos um caso curto de duas


semanas. —

Ele acena em negação. — Aquela mulher é insuportável.

— Mas ela faz parte do seu círculo social. A maioria das


pessoas com quem convive é igual a ela.

Percebi que vivo em uma bolha social, com pessoas que


tiveram que batalhar para conquistar seus bens, e isso é
diferente da bolha onde ele cresceu, o que pode ser um
problemão para nós.

— Que se fodam todos eles, Dandara! Estou falando de


você e eu.

Você não quer ver eles nunca mais? Ótimo, esqueço que
aquela gente existiu. Nunca gostei deles mesmo. O que
mais te incomodou?

— A Cristina...

— Vai pagar pelo que fez, pode acreditar. — Ele esfrega a


barba, como se falar dela o incomodasse fisicamente. —
Murilo fez a denúncia que você deveria ter feito naquele
sábado.
— Denúncia? — Rio em escárnio. — Não vai dar em nada.

Afasto as mãos dele, mas Hugo segura meus punhos e me


puxa para perto.

— Esqueceu quem é o juiz da vara criminal daquela cidade,


caralho?! — profere, irritado. — Está vendo? Você não
confia em mim.

— Tem mais... — sussurro, petrificada com a intensidade do


verde de suas íris, que estão escurecidas.

— Claro que sim — diz, impaciente.

— João Pedro. — Mordo o canto interno da boca,


ponderando se devo contar o que ouvi. — Ele estava muito
fragilizado, falou sobre querer

a família junta e... João sente falta da mãe, essa é uma


história mal resolvida de anos. Não quero bagunçar ainda
mais a cabeça do menino.

— Lia e eu não temos nenhum assunto mal resolvido. E é


claro que João Pedro vai querer isso, Dandara. — Hugo
exala o ar, dominado pelo cansaço. — João recebe doses
pequenas de atenção da mãe, que nunca são suficientes,
mas que o deixam ansiando por mais. Imagine isso como
receber uma amostra grátis de poucos miligramas de um
doce, e desejar mais, porém, quando chega ao mercado,
quase nunca tem. Cada dia você vai ficar mais frustrado e
ansioso para que o estoque seja renovado. E

quando isso acontece, quer comprar logo todos os pacotes.

— Não sei se é uma boa analogia, afinal, afeto não se


compra. Mas entendo seu ponto — suspiro e deixo os
ombros caírem. — Ainda assim... É
complicado estar no meio de toda essa confusão familiar.

— Não está me dando a oportunidade de provar a você que


sou digno de sua confiança. — Hugo meneia a cabeça em
negação, desapontado. — Não posso controlar o que João
Pedro sente, mas sou capaz de fazer meu filho entender
que meu desejo é diferente do sonho adolescente dele. E
posso garantir a você que João se acostumaria com a ideia
de ter uma madrasta, Dandara. Se desse uma chance a
ele. E a mim.

Mas estou vendo que sua cabeça está feita.

Hugo abraça minha cintura e nos coloca de pé. Fica de


costas e vejo a tensão em seus ombros.

Odeio o clima que fica entre nós, queria que minha cabeça
não ficasse voltando para aquela noite, quando tudo
desandou. Porque, no fim, o que importa é isso aqui: eu,
ele e nossa vontade de fazer nossa relação funcionar.

— Vou tomar um banho, e, se quiser, te levo para casa do


seu irmão.

É lá que você está ficando, não é? — questiona, ainda de


costas, e meu peito comprime com a decepção em sua voz.

— Sim — respondo baixinho.

— Imaginei.

Hugo vai em direção ao banheiro do quarto e fico parada.


Abraço meu próprio corpo, perdida. Fazia tempos que a
dúvida não me assolava,

sempre fui muito certa das decisões que tomava.

Mas, nesse momento, um gosto de fel se espalha em


minha boca ao imaginar que nunca mais o verei. Passei a
semana me corroendo, ansiosa, sentindo falta dele, e todas
as preocupações e medos tornaram-se insignificantes
diante do desejo que senti de abraçá-lo mais uma vez e
esquecer todo obstáculo que criei na minha mente
medrosa.

E, agora, testemunhando a agonia a qual submeti nós dois,


todos os temores parecem pequenos perto do nosso desejo
de ficar juntos.

Não quero Hugo fora da minha vida, isso é estupidez. E


deixá-lo ir embora é covardia.

Nunca fui covarde.

Ando até o banheiro, me livrando da camisa pelo caminho.


Abro a porta e ele gira o corpo ao notar minha presença. O
vidro do box está embaçado, e ainda assim tenho um
vislumbre da imagem deliciosa que é uma contemplação
para minha visão.

Hugo está nu, em toda sua glória, exalando sua essência


máscula.

Água escorre por seu torso, e acompanho o caminho que


as gotas fazem até chegarem em seu pau.

Passo a ponta da língua nos lábios, salivando de vontade


de colocá-lo na boca, querendo me desculpar pelo sumiço
fazendo ele gozar para eu lamber tudo.

— Porra, Dandara! Assim não vai dar certo — diz, com a


voz rouca reverberando no cômodo, atiçando minha libido.
— Pare de me olhar desse jeito, caralho!

Esqueço que estou ardida e cansada de todo sexo da noite


anterior.
Entro no box e me enfio debaixo da água. Deslizo as mãos
em seu peitoral e dou uma lambida na gotícula que escorre
em seu pescoço. Um som grave vibra em sua garganta, e
sorrio, satisfeita.

— Você está certo, Excelência. Não deveria ter deixado o


medo me abalar. E, certamente, não deveria ter fugido de
quem quero tão bem. —

Seguro sua nuca, fico na ponta dos pés e roubo um beijo


curto seu. — Fui para aquele bar tentar esquecer você. Não
consigo parar de pensar em tudo

que podemos experimentar juntos ainda. Se o fardo de


viver ao seu lado é ter que aguentar toda aquela gente,
tudo bem, me acostumo.

— Não precisa se acostumar com a presença de ninguém, a


não ser o João. E Murilo, além dos meus pais. — Ele segura
minha cintura e inverte nossas posições, me prendendo
contra a parede.

— E Carmélia. Gostei dela. — Enrosco uma perna em sua


coxa e o puxo para perto, tendo sua ereção roçando contra
mim.

— Carmélia fica, então. — Pela primeira vez desde que nos


encontramos, o vejo sorrir, mesmo que seja um repuxar
tímido no canto de seus lábios. — Tudo que me importa é
você, Danda. — Borboletas batem asas em meu estômago
quando o ouço dizer meu apelido assim, de maneira tão
vulnerável e carinhosa. — Você é mais esperta, linda e
interessante que todas aquelas pessoas. Não me importo
de abrir mão dos eventos sociais, se isso significar dividir
uma tarde de sábado ao seu lado, enquanto a gente anda
de mãos dadas pela orla de Vilabela.
— Está fantasiando um futuro ao meu lado, Vossa
Excelência? —

Tento soar brincalhona, mas meu interior implora de


joelhos para que ele diga sim.

— Com certeza, leoa. É o que mais quero. Tudo que precisa


é me aceitar como seu. — Meu. Sim, sim, todo meu. — Seu
namorado. Aceita namorar comigo, Dandara?

— Aceito! — Seguro seu rosto e o tomo para um beijo


carregado de adoração, tendo meu peito preenchido de
ternura e um calor reconfortante.

Pensei que relacionamentos não seriam para mim depois


que tive um filho. Negligenciei essa parte da minha vida e
não tinha mais planos para um futuro ao lado de um
homem que entendesse como a maternidade funciona,
mas Hugo compreende minhas batalhas. E sei que posso
contar com ele, simplesmente sinto isso em meu coração.

— Espera, tenho que ajoelhar. — Ele cessa o beijo e fica de


joelhos.

Penso que seu próximo ato será a síntese do romantismo,


mas perco o ar quando segura minha bunda e lambe meu
clitóris, deixando minhas pernas bambas.

— Jesus... — Ofego quando sua língua morna desliza por


toda minha extensão.

— Aceita ser minha namorada, Danda? — repete com


malícia, antes de sugar meu nervo rígido.

— Pedindo assim, fica difícil... Caralho! — Tombo a cabeça


para cima, absorvendo a sensação perfeita de ter Hugo me
chupando. — Sim, sim! Deus!
Me perco e me entrego, tomando tudo que ele tem a
oferecer, dizendo sim a Hugo quantas vezes for preciso.

29

HUGO

Nunca senti tanto medo em minha vida, e isso vem de


alguém que já enfrentou traficantes no tribunal. A verdade
é que esse cenário é bem mais assustador.

Por um momento, achei que Dandara ia me rejeitar, mas


ela veio até mim, entregue, para dentro daquele chuveiro,
e não poderia a deixar escapar mais uma vez. Ela tinha que
ser minha.

Namorada. Não imaginei que estaria rindo feito um tolo por


ter uma namorada, depois de anos sem me apaixonar por
ninguém.

Espera! Apaixonado? É isso? Eu... Cacete, me perdi assim


por essa mulher?

Não é hora de pensar nisso, Hugo. Olhe à sua frente, tem


um problemão para resolver.

Depois de sairmos do hotel, deixei Danda na casa do irmão,


para que pegasse seu carro. Prometi encontrá-la em sua
casa, porque ela me disse que eu deveria conversar com
Rafael, já que ele parecia enciumado pelo fato da mãe
estar saindo às escondidas há pouco mais de um mês.

Era só uma conversa com o garoto, o que poderia dar


errado?
Descobri a resposta ao chegar em sua casa e me deparar
com um tribunal à minha espera. Agora, o cenário é o
oposto do que enfrento todos os dias, porque aqui eu sou
réu e essas pessoas são o júri.

Tenho que montar minha defesa logo. Danda deveria ter


avisado que eu precisaria de um advogado, porra!

Olho para a feição de Rafael, depois para seu Valter, o pai


de Dandara, em seguida para Evelin e Maria Isabel.

Posso fazer isso.

— Então... — Seu Valter quebra o silêncio. — Você quer


namorar minha filha?

— Sim, senhor — afirmo sem titubear.

— Por que quer isso? — Rafael questiona, sisudo.

— Porque gosto dela. — Péssima resposta, Hugo.

É o que noto quando todos eles reviram os olhos. Cadê


Dandara com esse café que foi fazer?

— Ouviu isso, Bel? — Evelin cutuca a filha com o cotovelo.


— Ele gosta dela.

— Homens. — Maria Isabel bufa em resposta.

O pinscher de Danda, chamado Buda, começa a latir alto


ao meu lado, como se exigisse uma justificativa melhor.

— Dandara é... — Desvio o olhar para meus dedos na


mesa.

Pigarreio e recomeço, criando um discurso que expresse


meu real sentimento: — Quando conheci a Danda, foi como
ligar um interruptor dentro de mim. Ela me fez sentir o que
há muito tempo estava adormecido.

Paz, alegria, agitação, medo, raiva... Muita raiva. — Ouço


Valter arranhar a garganta. — Dandara é luz, cor e
coragem — acrescento. — Ela me faz querer desbravar o
desconhecido, ao mesmo tempo que me deixa ansioso
para apreciar a calmaria que vem dela. Sou apaixonado por
sua filha, seu Valter. Estou disposto a fazer o possível para
nunca magoá-la, Rafael. E

prometo cuidar bem dela, Evelin e Bel.

Fito cada um deles ao encerrar meu discurso e ouço


alguém fungar atrás de mim. Olho na direção do choro e
Danda está limpando uma lágrima, rindo com alegria.

— Eu tenho o namorado mais fofo do mundo! — Fico de pé


e abro os braços para minha Danda, a recebendo quando
se aconchega em mim. —

Também sou apaixonada por você, Vossa Excelência. Por


cada detalhe seu.

Ela aproxima os lábios para um beijo, mas é interrompida


por mais um pigarro do pai. Toco meus lábios em sua testa,
um gesto mais respeitoso, e abraço seus ombros, a
mantendo perto de mim.

— A gente vai ver como isso vai ser com o tempo, Hugo —
Rafa resmunga e aceno.

Sei que será necessário um trabalho árduo para conquistar


a confiança dele, porque quer o melhor para a mãe, e
estou com ele nessa, embora não perceba ainda. Mas irei
me empenhar, porque tudo que mais quero agora é estar
com minha confeiteira e aproveitar o que o futuro nos
reserva.

— Estou de olho em você, doutor — seu Valter balbucia,


com a cara fechada.

— Faça minha madrinha feliz e estamos entendidos, juiz


Alencar —

Bel avisa e sua mãe acena, concordando.

— Acabou o interrogatório? — Dandara indaga, os


pressionando. —

Tinha convocado apenas Rafael para essa reunião, vocês


vieram de intrometidos. Então, é bom que deixem o meu
namorado em paz. Agora, vamos tomar um café da tarde,
trouxe coxinha e bolo.

Namorado. Uma palavra e já estou sorrindo de novo. A fito,


com seu olhar brilhando, e tenho a certeza de que desde
João Pedro, nunca recebi um presente tão precioso da vida.
Por isso, farei de tudo para merecer o coração de Dandara,
e nunca irei deixá-la escapar.

Porque meu coração nunca bateu tão forte por alguém


como bate por ela.

— Não foi tão ruim, certo? — Danda questiona.

Estamos no jardim de sua casa, sentados nos balanços que


ela tem aqui. O vento sopra suave e a luz da Lua banha
Dandara, que sorri com suavidade. Linda, incrivelmente
perfeita.

— Não, não foi — concordo.


— Acho que vou ter uma recepção menos calorosa do que
a sua. —

Abaixa o olhar, suspirando pesarosa.

Seguro e ergo seu queixo, para que me encare.

— Ele vai entender, meu bem — asseguro. — Aliás, foi João


Pedro que me ajudou a encontrar você.

Cruzo os braços e tento não rir.

— É mesmo?

— É. Porque, pelo visto, fui bloqueado das suas redes


sociais. —

Finjo estar bravo, e a filha da mãe ri. — Quanta


maturidade, Dandara!

Bloquear no Instagram?! — Reviro os olhos para ela, que


gargalha.

— Me perdoa. Estava brava, não pensei muito no que ia


fazer —

pede, ainda me sacaneando ao manter o sorrisinho no


rosto.

— Da próxima vez que fizer isso, vou vir com um alto-


falante na sua casa. — Seguro sua nuca e dou um selinho
em seus lábios. — Coloco um outdoor na sua porta. Dona
Conceição terá assunto para fofocar por um mês inteiro.

— Deus me livre! — Faz o sinal da cruz, espantando a


ameaça. —

Não ouse me fazer passar vergonha.


— Me desbloqueie, então. Não sei como viver sem seus
vídeos confeitando um macarron ou um... Como é o nome
daquele doce com banana e doce de leite?

— Banoffee.

— Isso aí! Preciso de vídeos de banoffee para o meu dia


ficar zen.

— Vídeos de confeitaria trazem paz, não é? — Danda


balança as pernas.

— Especialmente se tiverem minha confeiteira de um


metro e meio por trás deles — declaro.

Foda-se, vou ser brega mesmo! Não é assim a paixão?

Ergo a mão e respiro fundo, antes de bater na porta do


quarto de João Pedro.

— Estou aqui.

Giro o corpo e o vejo parado na ponta do corredor, com o


cabelo molhado e uma toalha sobre os ombros.

— Nadando a essa hora? — Vou até meu filho e pego a


toalha.

Seco seus cabelos, como fazia quando ele tinha cinco anos
e entrou na natação.

— Não sou mais um bebê, pai — ele resmunga,


envergonhado.
— É minha criança — brinco. — Vim aqui mais cedo e você
não estava.

— O padrinho me levou ao shopping. A gente foi ao


cinema. —

Afasto a toalha e o fito. — Comi muito doce e porcaria.

— É mesmo, moleque? E está dedurando aquele canalha


com orgulho? — repreendo-o com leveza.

— Foi só um dia, pai — responde, se defendendo.

— Tem algo que a gente precisa conversar. — Fico sério e


seu sorriso morre.

João acena, como se aceitasse o fato, mesmo que eu não


tenha dito nada.

— Você e Dandara estão namorando? — adivinha.

— Tem bola de cristal, garoto? — Tento manter o clima


ameno.

— Era meio óbvio que ia acontecer. Você está “afinzasso”


dela. —

Ele dá de ombros.

— Não te incomoda?

— Para ser sincero, um pouco. Mas já conversei com minha


terapeuta há muito tempo sobre a chance de você namorar
alguém. —

Mostra uma maturidade que nunca havia visto. — Além


disso, Rafael tem sido um excelente conselheiro. Sei que na
semana passada fiz merda, mas, em alguns dias, meus
pensamentos me destroem, pai...
Sinto um aperto no peito ao vê-lo se abrir assim, se
mostrar tão gigante e ao mesmo tempo tão frágil. Sei que
não posso tirar todo sofrimento de João e garantir sua
felicidade sempre, mas me corrói saber que uma parte de
sua mágoa sempre estará ali e só será curada quando ele
se resolver com a mãe.

Cabe a João decidir se vai se agarrar ao pequeno fio de


esperança que alimenta ou deixar a mãe ir de vez,
cortando uma relação que claramente não o deixa bem.

— Estou sempre aqui por você, meu menino. — Abraço


seus ombros. — Sabe disso, não sabe?

— Sei, sei. E, para ser sincero, você é um grande sortudo.


— Ele recua. — Dandara é uma pessoa incrível.

Sorrio para João, me sentindo em paz ao ter sua


cumplicidade de volta. Paternidade é isso: alguns dias são
mais difíceis que outros, mas jamais vou desistir de tentar.

Tirei a sorte grande dezesseis anos atrás, tenho certeza


disso.

30

DANDARA

DUAS SEMANAS DEPOIS

Que aquele juiz mequetrefe é um safado sem-vergonha,


isso eu já sei, mas, ultimamente, ele tem se saído um belo
folgado.
É a terceira vez na semana que me pede para buscar o
João Pedro na escola. Não que eu me importe, mas o garoto
fica emburrado durante todo caminho e sempre nega meus
convites para ficar na confeitaria.

Não sei mais o que fazer para conquistar a simpatia de


João. Acho que só me resta dar tempo ao tempo. Faz só
duas semanas desde que Hugo e eu estamos namorando
oficialmente, então ainda é cedo para que o garoto me veja
como alguém que merece seu apreço.

Até mesmo Rafael ainda tem um pé atrás com esse


relacionamento, e estou tentando ser paciente com os dois
adolescentes.

Estaciono do lado de fora do colégio e noto uma


movimentação esquisita de alunos na esquina da rua. Um
grupo está reunido em círculo, alvoroçado, em torno de
algo que não consigo identificar o que é. A gritaria chega
aos meus ouvidos. Eles berram “briga, briga” como um
canto de guerra, o que me faz sair apressada do carro.

Não é possível que seja o que estou pensando. Briga na


saída da escola? Por que esses jovens têm que arrumar
confusão por coisa pequena?

Saio correndo, pronta para intervir, porque sinto que é meu


dever enquanto namorada de um juiz. Na minha cabeça faz
sentido.

É só quando chego perto o suficiente da confusão que


percebo uma cabeleira loira-escura se sobressair no núcleo
do grupo formado.

— Não é possível uma coisa dessas — rosno baixinho. —


Acabou a balbúrdia! — grito antes de assoviar alto.
Alguns poucos alunos percebem minha presença e se
dispersam rapidinho, mas a briga continua.

Inferno! É mesmo o João Pedro que está segurando o


colarinho de um outro estudante ruivo. E, atrás dele, está
Rafael, o segurando e o impedindo de avançar, enquanto o
moleque ruivo que discute com JP é contido por dois
garotos.

— Eu vou arrebentar sua cara, seu arrombado do caralho!


— João vocifera, apontando o dedo na cara do seu
oponente.

— Pode vir, seu merda! — o ruivo devolve.

Tento empurrar os alunos que ficaram para chegar até eles,


e alguns saem do meu caminho quando veem a adulta
aqui.

— Tu vai pedir desculpas para ele, Guilherme!

Espera! Guilherme? O garoto que xingou Rafael naquela


outra briga?

— Que foi? Ofendi seu namoradinho? — O tal Guilherme ri.


Todo mundo sabe que esse aí é uma bichinha!

— Acabou a confusão! — grito, puta por ter que ouvir esse


moleque ofender meu filho mais uma vez.

Me coloco entre os projetos de anarquistas e ergo os


braços, os impedindo de avançar.

— Mãe? — Rafael arregala os olhos.

— Todo mundo circulando. Vocês têm dez segundos para


saírem daqui, ou chamarei a polícia! — comando aos
espectadores curiosos, que um a um começam a pegar
suas mochilas e sumir de vista. — O que está acontecendo
aqui?

Viro para meu filho, que solta João Pedro. O garoto parece
menos tenso, mas ainda encara o tal Guilherme com um
brilho mortal no olhar.

— Esse filho da puta cuspiu merda pela boca! — Inspiro


fundo, considerando questionar Hugo sobre quem ensinou
JP a falar tanto palavrão.

Aposto minha BMW que foi o padrinho do garoto.

— Só falei a verdade, que esse viadinho precisa de uma


boceta. —

Meu corpo todo congela quando percebo que o Guilherme


aponta para o meu filho.

Meu cérebro ainda tenta elaborar uma reação quando João


Pedro passa por mim e dá um soco no garoto sem que eu
possa impedi-lo.

— João! — Seguro o menino pela cintura e o afasto de


Guilherme.

Pareço estar impedindo um filhote de hiena de avançar no


colega de classe, porque ele rosna e se debate, com os
braços erguidos no ar.

— Tu some da minha frente ou eu quebro todos os seus


dentes, seu saco escrotal!

— João Pedro! Acabou! — Olho nos olhos dele e mantenho


minha feição rígida, para que ele saiba que não vou tolerar
esse comportamento na minha frente. Depois, viro para o
moleque babaca que só sabe falar bosta e ergo o queixo. —
Se dirigir mais uma ofensa para o Rafael ou o João Pedro,
você e sua família vão responder na justiça.

— Quem você pensa...

— Que eu sou? — completo a frase do ordinário, rindo com


escárnio. — Pode imaginar que não sou ninguém, mas
tenho milhões de pessoas me assistindo todos os dias.
Além disso, conheço o juiz da cidade.

Com um vídeo meu denunciando seu comportamento, esse


circo acaba! —

Não sei se deveria estar enfrentando um adolescente


assim, só que ele precisa aprender sobre ação e
consequência. Esses jovens de hoje não estão prontos para
prestar contas sobre seus atos, no entanto, comigo não
funciona assim. — Todo mundo entrando nessa escola
agora. Vamos resolver isso com o diretor!

Aponto para o portão do colégio.

— Mas, mãe...

— Não vou, Dandara!

— Você não manda em mim.

Rafael, João Pedro e Guilherme dizem em uníssono.

Tiro o celular do bolso da minha calça jeans e abro o


Instagram.

Começo a gravar um vídeo, porque sei que eles se


preocupam demais com a
imagem.

— Hoje, estou aqui na frente do colégio... — digo para a


câmera.

— Já estou indo! — Rafael é o primeiro a ceder, e sai


marchando, puxando João Pedro consigo.

Olho para o ruivo audacioso e sorrio sem humor, esperando


que ele se mova. O moleque fecha a cara e pega a
mochila, indo atrás dos dois garotos.

Deus me dê forças para não avançar em nenhum deles


hoje.

— É a segunda suspensão que vocês levam em menos de


um ano!

— repreendo-os assim que entramos no carro. — Isso é


inaceitável!

— Se você não tivesse ido até o Caio, isso não teria


acontecido —

João Pedro retruca, e ele não sabe onde está se metendo.

Esse garoto ainda não viu meu pior.

— João, fica na sua! — Rafael o alerta, porque me conhece


bem.

— E você ia sair impune, não é? — indago ao menino.


— Sim. Todo dia acontece uma briga em algum colégio do
Brasil.

Não é nada de mais. — João Pedro decide ignorar o aviso.

Dirijo por um caminho diferente e pego a rota que nos leva


até a delegacia de polícia. Estaciono na frente do batalhão
da Polícia Civil e destravo as portas.

— Você acha que porque seu pai é juiz, a lei não se aplica a
você, não é? — Olho para João pelo espelho retrovisor. —
Entre aí e confesse o que aconteceu hoje. Vamos chamar
Hugo aqui e ver o que acontece.

— Ele está ocupado demais para ligar — João Pedro fala


com a voz baixa e embargada.

Troco olhares com Rafael, que dá de ombros, sem querer se


meter.

Respiro fundo e dou partida no carro, dirigindo em direção


à confeitaria. Não ligo se essa não é a vontade do filho de
Hugo, é o que ele

precisa.

— Para onde você está indo? — João indaga, pronto para


atacar alguém.

— Vocês não estão estudando juntos? — questiono, pois faz


um tempo que ele e Rafa têm passado algumas tardes na
biblioteca da escola, para repassar o conteúdo. — Vão
passar a tarde na DanDelícias e vou acompanhar de perto
os dois.

Rafael me contou sobre a conversa deles no aniversário e


comecei a dar um crédito para João depois que ele
confessou que estava defendendo meu filho naquela briga
de meses atrás.

Hoje testemunhei seu senso de justiça ao vivo, ao vê-lo


enfrentar aquele racista homofóbico de peito aberto.

Só que não posso aplaudir o que ele fez. João vai arrumar
problemas na vida se continuar resolvendo as coisas na
base do soco.

Paro o carro na minha vaga de sempre e Rafael e eu


saímos. João Pedro fica dentro do carro, como se
protestasse contra minha decisão de trazê-lo, e esperamos
até que ele deixe a teimosia de lado.

— Pede almoço para três — peço ao Rafael, que pega o


telefone e entra para a confeitaria.

Três minutos é o tempo que a birra do encrenqueiro dura,


até que sai do carro pisando firme no chão.

Paro na frente de João, impedindo seu caminho, e ele me


fita furioso.

— Sinto muito que a vida não seja do jeito que você quer —
falo com severidade. — Mas você precisa superar isso e
seguir em frente. Seu pai está dando o melhor por você.

— Você não é...

— Sua mãe? — Cruzo os braços e mantenho nosso contato


visual, o censurando com o olhar. — Não sou mesmo,
porque, se fosse, você estaria de castigo por um mês
depois dessa palhaçada. Não estou aqui para tomar o lugar
de ninguém, mas eu gosto do seu pai e nós dois
merecemos uma chance de sermos felizes. — Me calo e
inspiro profundamente. Dou um passo para trás e relaxo
minha postura. Não quero dizer algo que vou me
arrepender. — Não quero ser sua inimiga, João Pedro. Só
que você tem que abaixar sua guarda e estar disposto a
me conhecer.

Dou as costas para o garoto e deixo que decida o que fará


daqui para frente. Não cabe a mim forçar minha entrada
em sua vida.

Abro a porta da confeitaria e vou até Rafael, que está


sentado em uma das mesas do fundo. Ele tira um caderno
da mochila e o abre, espalhando seus materiais.
— Quer falar sobre o que aconteceu? — pergunto com
cautela, tentando passar tranquilidade a ele.

— Foi um mal-entendido, mãe. Nada... — Ele se cala


quando o sino da porta toca.

João Pedro entra com um bico na cara e vem até nós. Joga
a mochila no chão e senta na cadeira livre, com as pernas
abertas e a postura de marrento, olhando para os lados.

— Estava no meio de uma briga e quer dizer que foi um


mal-entendido? — Volto minha atenção para Rafa e ouço
João bufar.

— Se não falar nada, eu falo — João ameaça Rafael.

— Fica de bico calado, isso não é da sua conta! — meu filho


se exalta e aponta o dedo na cara dele.

— Parou! — interfiro, antes que vire outra discussão. — Se


quiser dizer algo, estou aqui — me dirijo ao meu filho. —
Daqui a pouco, o almoço de vocês chega.

Giro o corpo, mas, antes mesmo de dar um passo, a


confissão de Rafael me faz travar no lugar:

— Eu sou bi.

Contenho meu sorriso de satisfação ao ver que meu garoto,


enfim, se encorajou, e forço uma expressão de tédio antes
de fitá-lo.

— Eu sou uma confeiteira, Hugo é um juiz e sua madrinha


tem a boca suja. — Ergo a sobrancelha para ele, que
estreita o olhar. — Estou dizendo que era óbvio, Rafael.
Mas estou feliz que tenha se aberto. Quer que eu organize
um chá revelação da sua sexualidade? — João Pedro ri, mas
força uma tosse para disfarçar.
— Não, mãe. Estou bem assim — Rafa resmunga, voltando
sua atenção para seu caderno.

— Se precisarem de algo é só chamar. Fique à vontade,


João Pedro.

— Me afasto deles e vou em direção à minha cozinha.

Preciso estar no meu lugar de paz para esquecer essa


tensão de hoje.

— Aqui, entregue a eles. — Dou uma bandeja a Jojo,


segurando minha risada, e ela a carrega com cuidado.

Passei a tarde confeitando bolos no pote, e quando vi os


corantes alimentícios na bancada, não resisti e coloquei em
prática meus pensamentos intrusivos.

Fiz cupcakes com um restinho de massa e os deixei


assando. Os decorei e agora me ponho atrás da bancada,
atenta a cada passo que Jojo dá na direção da mesa dos
meninos.

Ela entrega os cupcakes e sai de mansinho, lançando uma


piscadela na minha direção.

Rafa e JP pegam os bolinhos, e assim que meu filho morde


um pedaço, começo a rir. Rafael olha incrédulo para a
sobremesa, e depois me procura com o olhar. Acena uma
negativa antes de abrir um sorriso.

João Pedro estica o pescoço para o bolinho de Rafael, e


logo que nota do que se trata, dá uma gargalhada.
A massa do bolinho é rosa, roxo e azul, remetendo às cores
da bandeira do orgulho bissexual.

Rafael mostra o dedo do meio para João, que devolve


espelhando seu gesto. Mais alguns minutos se passam, até
que Hugo chega na confeitaria quando estamos quase
fechando. Avisei a ele por mensagem que João estava aqui.

Suspiro, e vê-lo de terno faz meu útero palpitar. Em alguns


raros momentos, não acredito na beleza do homem que
tenho ao meu lado.

Mas sou tão gostosa quanto ele, e é o que importa.

— Boa noite, leoa — diz com a voz sedutora.

— Boa noite, Vossa Excelência.

Deixo um beijo casto em seus lábios, mas nossa troca de


carinhos dura pouco, porque ouço sons de simulação de
vômito atrás de nós.

Olho por sobre os ombros de Hugo, e tanto Rafa quanto JP


fazem uma careta de nojo.

— Façam isso longe da gente — meu filho reclama.

— Querem contar ao juiz o que aconteceu na escola?

Os olhos de João Pedro arregalam, ao passo que Hugo me


encara com questionamentos em sua expressão.

— Alguém vai falar algo? — Hugo olha para nós três, mas
estou dando uma chance para João ser sincero.

Ele respira com dificuldade, seu peito sobe e desce


acelerado e não consegue olhar na direção do pai.
— Briguei na escola — João, enfim, confessa, tomado pelo
constrangimento.

— Você fez o quê?! — Hugo esbraveja, mas rapidamente


dou a volta na bancada e me coloco em sua frente.

— Ele já se arrependeu. — Busco o olhar de Hugo e há um


brilho furioso ali.

Repreendo-o em silêncio e dou um aceno curto, esperando


que ele recue. A comunicação deles nunca irá funcionar se
ele sempre se exaltar assim.

Hugo me encara por alguns segundos, antes de deixar os


ombros cederem.

— A gente conversa sobre isso em casa — meu namorado


diz, amenizando o tom.

— Rafael, fecha as portas dos fundos — peço ao meu filho


e ele sai arrastando JP consigo. Quando somem de vista,
volto a fitar o Hugo. —

Pega leve. Tem que corrigir ele, sei disso. Mas não grita,
nem perde a razão.

JP é só um adolescente.

— Vou tentar, mas não estava pronto para isso — Hugo


confessa, deixando escapar uma pontada de culpa em sua
fala.

— Diálogo, respeito e carinho. E muita paciência. — Abraço


sua cintura e apoio o queixo em seu peitoral. Ele me
envolve em seus braços e acaricia minha bochecha,
sorrindo. — É tudo que precisa.

— Obrigado. — Beija a pontinha do meu nariz. — Por existir


na minha vida.
— Mas que honra receber um figurão em nosso
estabelecimento! —

Evelin brinca ao descer a escada que leva ao seu escritório.


— É um privilégio tê-lo aqui, senhor juiz. Já recebeu nosso
cartão fidelidade?

— Cartão fidelidade? Ninguém me deu um. — Hugo entra


na zombaria.

— É bom que esteja aqui, porque facilitou meu trabalho. —


Ela chega até nós e cruza os braços, o encarando, pronta
para enfrentá-lo. — Se eu souber que foi tu que deu meu
número para aquele palhaço, vou te estrangular agora! —
Eve ameaça.

— Mas eu não tenho seu número! — ele se defende.

— Se está se referindo ao Murilo, eu dei seu número —


confesso, sem nenhum arrependimento.

Os dois ficam se olhando, como se quisessem se trancar


em um quarto por horas sempre que se veem. Essa tensão
sexual precisa ser resolvida logo.

— Piranha! — Eve xinga.

— A rainha do cardume — retruco, e ela segura para não


rir. — Sei que queria isso, então fiz um favor. Agora, vocês
se resolvam.

— Não vou pensar nisso agora, Danda. — Eve pega o


molho de chaves da bolsa. — Amanhã temos a reunião por
vídeo com os gerentes, para apresentar as estratégias para
o Natal. A partir daí, você já sabe.

— Sei... — suspiro.

— O que acontece? — Hugo nos fita com dúvida.


— A temporada de vendas do Natal é oficialmente aberta,
Vossa Excelência. Trabalho triplicado. — Faço um soquinho
no ar, forçando uma animação.

Não posso reclamar muito, já que é minha época preferida


do ano.

Por isso, dar meu sangue para garantir boas vendas é o


preço que pago sorrindo. Além disso, preciso ter certeza de
que o bônus para os nossos funcionários será rechonchudo
esse ano.

— Vamos! Quero ver o capítulo de hoje da novela,


revelações serão feitas — Eve nos apressa, e vou atrás da
minha bolsa.

Rafa e JP voltam para o salão e nos ajudam a fechar tudo.


Me despeço dos Alencar, ouvindo mais protestos quando
deixo um beijo estalado nos lábios de Hugo. Aceno e os
vejo entrar no carro.

Espero que Hugo me ouça e tenha mais paciência. Tudo


que João Pedro precisa é de um pouco de atenção.

31

HUGO

UMA SEMANA DEPOIS

Estou prestes a jogar meu celular em uma dessas piscinas


à minha frente, porque Dandara não atende minhas
ligações. Como pode uma mulher que vive na internet, que
está sempre com o aparelho em mãos e posta o dia todo,
simplesmente ignorar as chamadas do namorado?

Guardo o telefone quando João se aproxima, com os


cabelos molhados, a mochila nos ombros e uma medalha
de ouro no pescoço. Abro um sorriso de orgulho e o abraço.
O cheiro de cloro no moleque foi substituído por um aroma
de xampu e colônia, e, por um segundo, penso que João se
perfumou todo com segundas intenções, mas logo desfaço
o pensamento. Por qual motivo ele iria caprichar na
produção assim?

— Parabéns, campeão! — celebro e ele ri.

— Obrigado, pai. — João pega a medalha e olha para o


metal reluzente com orgulho. — Hoje foi acirrado. Queria
ter levado os cem metros rasos, mas...

— Você foi incrível, João! — Não escondo minha alegria


com seu resultado.

Hoje foi dia de competição estadual, e João Pedro


participou de cinco categorias. Quase conseguiu os cem
metros, como queria, mas imagino que o cansaço tenha
freado o JP.

Além disso, João tem asma desde que é criança. Ele pratica
natação apenas para melhorar sua qualidade de vida, mas
meu filho está ciente de suas limitações. Por isso, uma
medalha de ouro em uma competição como essa é uma
grande conquista.

Abraço seus ombros e caminhamos juntos até o


estacionamento.

Abro a boca para sugerir um almoço em família, mas João


me surpreende com seu pedido.
— Pai, pode me deixar na casa da Evelin hoje?

Franzo a testa, confuso quanto ao seu pedido. Qual o


interesse de João com a sócia de Dandara?

— Evelin? — questiono, tentando encontrar uma


explicação.

— É... — Mexe no cabelo, envergonhado. — Rafael vai estar


lá e...

— Engole em seco. — Maria Isabel também.

Espera. Ele está constrangido por causa da amiga de


Rafael? É isso?

Tem alguma coisa acontecendo entre eles? Não, claro que


não. Os três estão se tornando amigos, apenas isso. Estou
criando cenários imaginários.

— Tudo bem — concordo.

Assim, aproveito e passo na casa de Dandara e checo se


minha namorada está apenas me ignorando. Se for esse o
caso... Bom, a gente se resolve à nossa maneira. Porque
ela sabe que odeio quando some sem deixar rastros, e faz
mais de uma semana que não a vejo, já que está sempre
ocupada, entrando e saindo de reuniões, gravando vídeos e
montando uma cozinha temporária em função do Natal. Ou
seja, nunca tem tempo para mim.

Caralho, virei um namorado carente no auge dos meus


quarenta e três anos! É o cúmulo do absurdo.

— Vamos. — João entra no carro, ansioso, e começo a


desconfiar de suas intenções.

Dou a volta para entrar, mas antes de colocar a mão na


maçaneta, meu telefone toca. Leio o nome na tela e reviro
os olhos.

— O que você quer, Lia? — questiono, deixando claro


minha impaciência.

— Bom dia, querido — ronrona, e ergo o olhar para o céu


azul e sem nuvens, pedindo aos anjos que me deem
paciência. — Quero saber quais são os planos para o Natal
esse ano. Estou com saudades.

Solto uma risada fraca, porque não é possível que esteja


ouvindo uma coisa dessas. É sábado, e a última coisa que
queria era estar ouvindo a

conversa fiada da minha ex-esposa.

Poderia estar comendo minha namorada e enchendo


aquela bunda gostosa de tapas, mas aqui estou, preso
nessa conversa desagradável mais uma vez.

— Saudades do seu filho, eu espero. Você pode ligar para o


João e falar sobre seus sentimentos com ele. Tem meu
número apenas para situações de emergência. — Afasto-
me do carro, para garantir que JP não esteja ouvindo. — Se
insistir em ligar para falar merda, irei bloquear seu contato
e nunca mais nos falaremos. Tchau, Lia.

Desligo a chamada sem querer ouvir mais nada e entro no


carro.

Dirijo rumo a Vilabela, sem saber o que fazer pelo resto do


dia. Havia reservado a tarde para ficar com JP, porém, fui
dispensado sem precedentes.

Quando estaciono na frente da casa de Evelin, Rafael


aparece no portão, como se fosse receber João. Saio do
carro e escoro na lataria. Tiro os óculos do rosto e assobio,
chamando a atenção do garoto.
— Rafa, onde sua mãe está? — questiono.

— Lá em casa. Parece que está testando receitas novas


para o Natal.

— Ele cumprimenta João, que tira a medalha do pescoço


para mostrar ao amigo.

Amigo. Nem parece que poucos meses atrás fui convocado


para uma reunião e descobri que esses dois haviam se
enfiado em uma briga. Agora que tudo foi esclarecido, fico
feliz de ver a amizade que os dois têm cultivado. Não
queria forçar a proximidade deles, caso não tivessem se
entendido; e seria chato todos os churrascos que viessem
se fossem rivais.

— Qualquer coisa, me liga, João — aviso, e ele faz um sinal


de positivo com a mão antes de entrar.

Assumo a direção mais uma vez e dirijo por um quarteirão


antes de chegar à casa de Dandara. Abro a porta, e assim
que piso no concreto, meu olhar é atraído para a vizinha
fofoqueira que fica na calçada o dia todo, varrendo.

— Bom dia, dona Conceição — cumprimento por educação,


e a senhora acena, cheia de sorrisos.

Toco o interfone, e a primeira coisa que ouço é o latido fino


de Buda. Um cachorro mais estressado que toda a torcida
do Vasco junta, que

tem nome de monge. Vai entender...

— Quem é? — Dandara atende, já impaciente.

— Seu namorado. Se é que você lembra que tem um.

— Deixa de ser dramático! — retruca.


O portão é aberto e entro, fechando-o na sequência. Passo
pela porta de entrada, tomando liberdade para invadir seu
espaço, trancando Buda do lado de fora.

Encontro Danda na cozinha, de costas, concentrada em


todos os ingredientes que estão espalhados na bancada.
Na caixinha de som que está em cima de uma banqueta
toca Alcione bem baixinho.

Abro um sorriso de canto ao vê-la, enfim, depois de quase


perder a cabeça por sentir tanta falta dela.

— Está me assustando. Entrou de fininho, não disse nada.


— Ela se vira e abre um sorriso malicioso. — Agora fica aí,
respirando baixinho, apenas me analisando. Parece um
stalker.

— Estou admirando minha mulher em seu habitat. Posso?


— Me aproximo e abraço sua cintura.

— Como foi a competição?

— Ele conseguiu uma medalha de ouro no nado de costas


anuncio com soberba.

— Que orgulho do meu enteado! — Abro um sorriso largo


ao ouvir tanto carinho em sua fala.

Enfio os dedos em seu cabelo, louco de saudade. Beijo seus


lábios, sem dar tempo para que ela proteste, e Danda se
segura em mim, se deleitando tanto quanto eu.

— Sinto muito se não te respondi — ela pede quando cesso


nosso contato. — Estou estressada e cansada. Não queria
descontar meu mau humor em você.
— Sabe que não ligo para isso. Era só me explicar e eu
entenderia.

— Deixo um beijo casto em sua testa. — O que está


aprontando aí?

— Estou tentando fazer um mousse diferente, mas não tive


sucesso.

— Ela gira e volta a atenção para sua pequena bagunça.

Despretensiosamente, colo meu corpo no dela e passo as


pontas dos dedos na sua coxa, na altura da barra do
vestido.

— De que é o mousse? — Beijo seu ombro e ela estremece.

Tão minha que se entrega sem nenhuma hesitação.

— De... Hum... De...

— Eu conheço esse ingrediente aqui. — Giro o objeto de


metal com uma tampa e leio o rótulo. — Chantilly. Você me
sujou todo com isso.

— Invadiu minha confeitaria pronto para brigar naquela


noite. —

Fica de frente para mim, me encarando com o olhar


provocativo. —

Esperava o quê?

— As coisas que imaginei ao ver você cheia de creme,


leoa... —

Seguro sua cintura e a coloco sentada no balcão.

— Tenho que trabalhar, Vossa Excelência.


— Vai trabalhar melhor quando eu te relaxar. — Abaixo as
mangas do seu vestido e beijo seu pescoço. — Senti sua
falta essa semana.

Porque estou entregue a essa mulher e ela comanda cada


ação minha. Vou dormir pensando em Danda e acordo
desejando-a ao meu lado.

Mal consigo viver o presente, porque fico ansiando pelo


futuro, quando a terei ao meu lado sem ter que me
despedir na porta da sua casa.

E é meu desespero que tento entregar a ela agora.

Talvez, esteja jogando sujo ao chupar sua pele sensível e


arrancar seus gemidos baixos, mas nunca prometi ser
justo.

Abaixo o tecido o suficiente para ter seus peitos expostos,


e ela se prova uma boa garota por estar sem sutiã. Sempre
pronta para ser bem-comida.

— Vou te ensinar a melhor receita de todas. — Abro a


tampa do chantilly e espremo um pouco nos meus dedos.
Ela segura minha mão e lambe, e sufoco um gemido ao ter
sua língua molhada me tocando. Aponto o tubo para seus
mamilos e aperto a tampinha, deixando um monte do
creme em cada um dos seus seios. — Dandara com
chantilly.

Ela apoia na bancada e empina os peitos, à espera. Passo a


língua no creme e chupo. O sabor doce se espalha em meu
paladar, mas melhor que isso é o som obsceno que sai dos
seus lábios.

Sugo seu mamilo, ávido, girando a língua. Sua respiração


descompassa e Danda segura meus cabelos com força.
Abocanho o outro seio e mamo, limpando todo rastro do
doce. Chupo com pressão, estou aqui para deixar minha
mulher bem, lembrar que ela me tem sempre que quiser.

Para tudo. Sou de Dandara de um jeito que seria doloroso


se ela decidisse me largar.

É insano, a conheci poucos meses atrás, mas essa mulher


se encaixou em minha vida como se o espaço dela ao meu
lado sempre estivesse reservado.

Mordo seu decote, fazendo Dandara se perder nos


xingamentos e palavrões. Mantenho o olhar fixo em sua
expressão de prazer, gravando essa imagem perfeita na
minha mente. Puxo o bico do seu seio com os dentes, antes
de ajoelhar diante dela.

— Minha mãe sempre dizia que a gente deve rezar antes


das refeições. — Subo a barra do vestido e beijo sua coxa
com calma. —

Obrigado, Deus, pela sobremesa apetitosa que colocou na


minha mesa!

— Você não tem limit... Oh, cacete! — grita alto quando


afasto a calcinha e dou uma lambida em sua boceta.

— Deliciosa.

Ergo o olhar e a vejo morder o lábio. Danda fecha os olhos


e se entrega quando começo a chupar e sugar tudo dela.

Sinto uma satisfação preencher meu peito, porque minha


agonia se resumia a esse momento. Tudo que precisava era
assistir ela se perder por mim.
32

DANDARA

UM MÊS DEPOIS

— Ivana, preciso dessa encomenda de chocolate para


amanhã! —

digo em tom firme, segurando minha testa.

Por que não podemos passar um Natal sem ter um


problema na confeitaria? Já tivemos atraso com as
entregas nas filiais do Rio e em São Paulo, um erro na
produção das embalagens e, agora, um fornecedor
importante fez confusão com meu pedido.

E ainda é novembro.

— Eu sei, Danda. Estou fazendo o possível para enviar a


tempo, mas a máquina estragou e tivemos que consertar.
Prometo que você é a primeira da fila. Assim que a
produção concluir, vamos despachar — fala em tom de
desculpas.

Exalo o ar com força e massageio os ombros. Não tenho


muita escolha a essa altura.

— Tudo bem, mas olha só. Fala com o Adriano que não
posso esperar muito tempo mais. — Me refiro ao dono da
fábrica de chocolate que conheci em um evento de
confeitaria.

Os produtos dele são excelentes, e ele nunca havia


atrasado uma entrega, mas, justo agora, na época de
Natal, em que minha produção não para e os pedidos
chegam aos montes, esse imprevisto aconteceu.

— Pode deixar, Danda. E, mais uma vez, sinto muito.


Nos despedimos e desligo a chamada. Não tenho trinta
segundos para respirar antes da Evelin abrir a porta em um
rompante.

— Está na hora de gravar, DanDelícias! — avisa,


esbaforida. — Já está tudo pronto lá embaixo.

Respiro fundo e dou a volta na mesa de seu escritório.

A cozinha da confeitaria foi reservada para que a gente


fizesse algumas gravações hoje. A produção de Natal não
está acontecendo aqui.

Todo ano alugamos um espaço maior e contratamos alguns


funcionários temporários para dar conta dos pedidos dessa
época do ano. Só por isso temos nossa cozinha disponível.

Descemos a escada juntas e vejo que o ambiente já está


decorado com pisca-pisca e bolas natalinas, com nossa
equipe de gravação a postos e todos os equipamentos de
iluminação e som em seu devido lugar.

— Respira e tenta não demitir ninguém esse ano — Evelin


avisa, e só não a mando à merda, porque preciso da minha
sócia e amiga para chegar sã ao fim do dia.

— Nunca demiti alguém — me defendo.

— Porque eu não deixei, Dandara! — ralha. — Vai, sua hora


de brilhar.

Dou a volta na bancada que preparei com todos os


ingredientes das receitas que vamos gravar hoje.
Chocotone, pavê, mousse e panetone também.
Estalo o pescoço e deixo que a assistente de produção
coloque o microfone e todos os aparatos em mim.

Vai ser um dia intenso.

— E não esquece: se fizer essa receita, é só marcar


DanDelícias nas redes sociais! Feliz Natal, meus amores! A
gente se vê na próxima. — Abro um sorriso e aceno para a
câmera.

— E... corta! — Joice, minha produtora, anuncia, me


fazendo respirar aliviada.

Não acredito que sobrevivi a mais de cinco horas de


gravação, trocando de figurinos e tendo que estar atenta
ao forno, ao mesmo tempo em que preparava o mousse.

Mas, acabou.

Esse foi o terceiro dia de gravações e também o último.


Quero me estirar no chão da cozinha e descansar depois de
tanto trabalho.

Ao invés disso, ajudo Joice e sua equipe a desmontar tudo.

— Obrigada, pessoal — agradeço quando eles entram no


carro e se despedem. — Acho que vou desmaiar. — Viro
para Evelin, que aparenta estar tão exausta quanto eu.

— Pensa pelo lado positivo: acabou. — Ela apoia o braço


em meus ombros e arrastamos os pés para dentro da
confeitaria.

Assim que sentamos em uma cadeira ao redor de uma das


mesas, o sininho bate, indicando um novo cliente.

Resmungo baixinho, sem querer levantar daqui. Mas antes


que o faça, noto quem acabou de entrar e suspiro. Relaxo,
deixando minha bunda plantada na cadeira.
Se ele quiser, se serve sozinho.

— O apocalipse zumbi começou e não me avisaram? — O


juiz Alencar faz graça. — Boa noite, meu bem.

Ele vem até mim e coloca as mãos em meus ombros.


Começa a massagear meus músculos e o alívio é
instantâneo.

— Se parar a massagem, nosso namoro termina agora —


murmuro, fechando os olhos e me entregando à sensação
de relaxamento.

— Não seria insano a esse ponto. — Hugo beija o topo da


minha cabeça. — Tenho uma surpresa para vocês. E não
podem recusar.

— Estou sentindo cheiro de cilada — Evelin diz,


desconfiada.

— Isso depende. Um final de semana em uma pousada,


com um lago artificial, tudo incluso, até mesmo os
passeios, com um chalé por família, é cilada? — Hugo
indaga.

— O quê? Quem pagou por isso? A gente não pode ir, tem
muito trabalho! Quem são as famílias? — Viro-me para ele,
processando a informação.

— Eu paguei, vocês precisam de uma folga e já conversei


com sua equipe, e todos nós vamos. Meus pais, nossos
filhos, Murilo, Evelin e Bel.

São quatro chalés. — Hugo para ao meu lado e beija minha


bochecha. Esse malandro está tentando me ludibriar e vou
ceder fácil à ideia dele. — Dois dias. Sua produção vai viver
quarenta e oito horas sem você.
— Me fala quem foi que fez esse complô com Vossa
Excelência. —

Tento ficar séria, mas, sem sucesso.

— É segredo — ele sussurra. — Não pensa muito. Vai dar


tudo certo, confia.

— Ela não vai pensar, já aceitou. — Evelin levanta de súbito


da cadeira e vai correndo em direção à escada. — Quando
a gente sai?

— Amanhã cedo! — Hugo berra, porque ela já está longe.


Ele volta a me encarar, ainda com um sorrisinho de canto.
— Pode dizer que sou o melhor namorado do mundo.

— Você é o melhor namorado do mundo. — Seguro seu


rosto e o beijo com calma.

— O que significa que você não vai me odiar em cinco


segundos, quando eu der uma notícia ruim.

Sua expressão enrijece e sei que vem merda. Hugo puxa a


cadeira e senta de frente para mim. Afrouxa o nó da
gravata e exala o ar com força.

— O que aconteceu? — indago, já alarmada.

João Pedro tem melhorado muito nas últimas semanas, e


parece aceitar bem nosso namoro. Depois daquela briga
que o garoto se envolveu, pouco mais de um mês atrás, ele
parece ter se acalmado, o que me faz pensar que o
problema de Hugo não é com o filho.

Então só pode ser...

— Primeiro, quero saber se deseja ouvir as notícias. — Me


olha com cautela.
— Tenho a sensação de que não. Mas agora que iniciou,
estou curiosa. É sobre Ricardo, não é? O que o pai do
Rafael aprontou dessa vez?

— Esse nome só vem carregado de problemas.

— Ele não fez nada de novo. A audiência de instrução e


julgamento aconteceu. Ricardo foi condenado, Danda. Não
tinha nenhuma defesa para ele, eu... — Deixa os ombros
caírem, em derrota. — Sinto muito.

— Não se desculpe por fazer seu trabalho. Honestamente,


isso não muda nada em minha vida. Exceto que se o Rafael
perguntar sobre o pai, terei uma resposta para dar. Claro
que vou odiar ter que contar isso a ele, e sei que Rafael
não vai receber bem... — Esfrego o rosto, sem acreditar
que foi com esse tipo de homem com quem me envolvi.
Como não percebi nada na época? — Espero, de coração,
que ele nunca pergunte nada do pai.

— Também torço por isso. — Hugo abraça meu ombro e faz


carinho em meu cabelo. — Acho que ele nunca vai querer
saber do pai, Danda.

Você foi tudo que esse moleque um dia precisou na vida.

— É, você está certo. — Ergo o olhar e forço um sorriso. —


Chega dessa história. Fim. Acabou, ok? Agora temos que
arrumar as malas.

— Sim, leoa. — Ele segura minha nuca e aproxima o rosto.


— Não esquece do biquíni.

— É mesmo, tarado? — zombo. — Sei bem o que quer.

— Você, Danda. — Mordisca meu lábio. — Quero você, de


todas as formas, vinte e quatro horas por dia.
Sorrio como uma boba apaixonada, me derretendo mais
uma vez pelo homem que a cada dia tem se infiltrado mais
em meu coração.

33

HUGO

— Espera. — Seguro a mão de Danda, a impedindo de


entrar no quarto. — Quero capturar sua reação quando vir.

Tapo sua visão e abro a porta do chalé, a conduzindo para


dentro. O

teto da nossa acomodação é em formato triangular e alto.


A cama tamanho king está na parede direita, e, à
esquerda, tem uma lareira com um sofá à frente. A parede
do fundo é de vidro e tem uma vista para as montanhas da
serra próxima a Vilabela.

Liberto a visão de Dandara e ouço sua exclamação de


surpresa, enquanto ela adentra o quarto. Trago as malas
para dentro e a observo estudar o lugar com calma. Danda
gira no eixo, devagar, e o brilho em seu olhar me traz alívio
ao saber que fiz a escolha certa.

Percebi como minha mulher estava cansada nos últimos


tempos, e que a carga de trabalho do final do ano estava a
afetando.

Admiro muito Dandara por se dedicar tanto ao que ama e


por ser uma excelente estrategista. É nítido suas
habilidades para gerenciar um negócio tão grande como a
confeitaria e a página do YouTube.
No entanto, minha leoa precisava de uma pausa, por isso,
organizei tudo com a ajuda da minha mãe. Deveria saber
que dona Regina ia se incluir na viagem, mas não me
importei. Aliás, foi minha a ideia de chamar todo mundo.
Uma pena seu Valter não ter aceitado, só que ele disse que
iria visitar os filhos no Rio.

Então, eu só precisava separar todos em um chalé e ter


minha Danda só para mim, e deu certo no fim.

— Eu amei! — Ela bate palminhas antes de vir correndo em


minha direção.

Seguro Danda e a puxo para meu colo, ao passo que ela


enrosca as pernas em minha cintura e me beija, totalmente
entregue.

Me perco em seu sabor, na forma como ela me conduz, me


dominando apenas com um toque. Minha, só minha. A
mulher que chacoalhou minha vida e me ensinou sobre
resiliência e paciência. Sou grato a cada força do Universo
que colocou Dandara em meu caminho.

— Fico feliz que tenha gostado. Mas não viu o principal,


leoa.

Cheiro seu cangote. Caralho, adoraria acordar com esse


cheiro no meu travesseiro todo dia! Todo dia? Porra, é isso
mesmo? Ter Danda na minha cama a cada maldito segundo
da minha existência? Calma! Não é assim, não. Preciso dar
um passo de cada vez.

— Qual é o principal? — Me olha com desconfiança.

— Vem. — Seguro sua mão e a puxo para o lado de fora.

Aqui tem um deck de madeira, e na parede do canto está


uma jacuzzi.
— Hugo! — Ela abre a boca, em choque. — Não quero sair
daqui nunca mais!

— Essa parte é segredo, porque só nós temos uma dessa.


— Abraço-a pela cintura e a puxo para mim. — Tudo por
você, meu bem.

— Você tem o direito de me pedir o que for, Vossa


Excelência. —

Ela segura a gola da minha camisa e aproxima a boca da


minha. — Sou toda sua hoje.

— Achei que já fosse.

Danda me beija com paixão e aquece meu corpo como um


sol de verão. Sou convidado a me afundar nela, desfrutar
de seu corpo e me deixar levar pela essência do pecado
que minha Danda carrega.

— Vamos de novo, mas, dessa vez, acelera aos poucos —


instruo Dandara. — Não precisa ter medo, é só um jet ski.

— Claro, só um jet ski — ironiza, e seu corpo exala tensão.

— Danda... — Olho por cima dos ombros e noto nossas


famílias e amigos sentados na beira da lagoa, longe,
entretidos em suas próprias atividades. — Precisa relaxar,
meu bem.

Deslizo a mão por sua coxa e ela estremece. Subo até a


curva da sua bunda e beijo seu pescoço com suavidade,
porque faço o possível para ela ficar bem.
— Você está me distraindo. — Ela deixa escapar um
gemido baixo quando mordisco sua pele. — Não vou
conseguir fazer nada assim.

— Vai, sim. E quem está me distraindo é você. — Abraço


sua cintura coberta pelo colete salva-vidas e a puxo para
mais perto, tendo sua bunda roçando em mim. — Devagar.
Acelera aos poucos.

— Sua mão está em mim, como espera que eu faça algo?


— rosna.

— Parei. — A contragosto, deixo de tocá-la, para que foque


no que tem que fazer.

— Acelerador — diz, concentrada.

Danda respira fundo e gira devagar o acelerador do jet ski,


que começa a se mover e a deslizar mais devagar dessa
vez. A tensão vai se dissipando dos ombros dela à medida
em que assume o controle do veículo e acelera aos poucos.

Ouço seu gritinho de felicidade rasgar o ar enquanto


deslizamos na água, que respinga por onde a gente passa.
Dandara para no meio da lagoa e noto seu peito subir e
descer de felicidade.

— Disse que você conseguiria — elogio, e ela meneia a


cabeça, concordando.

— Você é meu maior incentivador, sabia? — Gira o pescoço


e me encara com carinho, fazendo meu coração errar as
batidas.

Talvez, sejam os raios de sol batendo em seu rosto, ou o


brilho sincero em seu olhar, mas algo em sua feição me
fascina de um jeito diferente, como se a enxergasse pela
primeira vez de novo.
Ela é linda. Linda em sua essência, em sua fisionomia e em
cada gesto seu. Tem um coração bondoso e feroz, que tem
me guiado em sua direção há bastante tempo.

E é esse coração que tem feito o meu bater mais forte,


com vivacidade, me deixando à sua mercê.

— O que foi? Ficou sério de repente. — Ela perde a diversão


e me fita preocupada.

— Nada. — Balanço a cabeça, sem saber como expressar a


ela a grandeza do sentimento que nutro por essa
confeiteira que ganhou meu coração. — É hora de voltar —
digo com leveza.

— Não sei manobrar, você vai trocar comigo.

Ela solta o guidão do jet ski e nós invertemos as posições


de um jeito desajeitado. Ligo o motor e conduzo o jet ski
em direção ao deck.

— Sim ou não? — pergunto alto.

— O quê?

— Apenas diga. Sim ou não?

— Sim!

Acelero um pouco mais e viro bruscamente o veículo, que


faz a água subir e respingar em Evelin, Maria Isabel, João e
Rafa, que estão sentados na madeira, com as pernas na
água.

— Filho da puta! — Evelin berra.

— Porra, pai! — João protesta.

— É sério isso? — Rafael resmunga.


— É só água, algodões-doces. — Bel fica de pé e dá um
pulo de ponta.

Danda está rindo atrás de mim, e aproveito sua distração.


Giro o tronco, seguro sua cintura e a jogo na água, sem que
tenha tempo de protestar.

— Canalha! — ela esbraveja ao emergir.

— Me dá o colete, vou devolver.

Danda tira a proteção, me entrega e volta a nadar.

Conduzo o jet ski até a beira da água, onde pegamos mais


cedo. Tiro o meu colete e devolvo o meu e o dela ao
funcionário que está no quiosque de aluguel.

Ando até minha família e vejo que Dandara já saiu da água.


Ela está esticada na espreguiçadeira, ao lado de Murilo, e
me sento aos seus pés.

— Bati um papo com o rapaz da recepção da pousada e ele


disse que tem um restaurante bom no pé da serra — meu
pai fala, com sua latinha de Antarctica em mãos. — Parece
que vai ter uma noite de forró hoje. O que acham?

— É uma excelente proposta, sogro — Danda, a queridinha


dos meus pais, responde. — Não é, Hugo?

— É, sim, leoa.

E eu vou discordar da minha mulher? Não perdi a cabeça


ainda.

— Ouvi dizer que eles têm a melhor caipirinha — dona


Regina celebra.

— E as mulheres mais bonitas, eu espero. — Murilo se


anima.
— Você está dormindo com Rafael e JP, como pretende sair
com alguém desse bar? — questiono o óbvio.

— Para quem está muito a fim, qualquer hora é hora, e


qualquer lugar é propício, meu amigo. — Todos nós
emitimos murmúrios de censura e ele ri.

Que show de falso puritanismo, Hugo. Transou com


Dandara em um bar carioca.

O pior para minha moral é admitir que eu faria de novo,


sempre que tivesse a chance.

Estico os braços na borda da jacuzzi, mirando o sol se


pondo no horizonte. Ouço os passos de Dandara, que
aparece em meu campo de visão e para na minha frente,
enrolada em seu roupão.

— Tenho uma surpresa, mas, para isso, precisa fechar os


olhos —

comenta, maliciosa.

— O que é?

— Se eu contar, não será surpresa. Anda. — Abana as


mãos, impaciente.

Sigo seu comando e cerro as pálpebras, atento aos sons de


sua movimentação. Sinto o leve ondular da água quando se
junta a mim na jacuzzi e arrepio quando seus dedos tocam
minha coxa.

— Pode abrir — ela sussurra.


Obedeço, e quando o faço, quase tenho um ataque
cardíaco. Danda fecha as coxas ao redor do meu quadril, e
seguro sua bunda. Ainda estou atordoado com a visão da
minha mulher nua, com seus peitos livres e nenhuma
calcinha tapando sua boceta.

— Dandara... — Minha voz sai grave.

— Não é só para você olhar, sabe? — Segura meu rosto e


me obriga a encará-la.

Não me dá chance de resposta ao me tomar para um beijo


que começa calmo. Trago seu quadril de encontro ao meu e
nossos torsos estão grudados.

Seus mamilos intumescidos roçam contra minha pele


molhada, despertando todos os meus sentidos. Sangue é
bombeado por minhas veias com ferocidade, meu pau já
está duro e sei que ninguém nunca teve tamanho domínio
sobre minhas reações como Dandara.

Meto dois dedos de uma só vez em sua boceta e ela


arqueja, puxando meu lábio com força.

— E se alguém aparecer aqui no fundo do chalé? —


pergunto. Não é minha intenção fazê-la parar, e sim
confessar sua depravação. — Podem pegar a gente aqui.

— Não é excitante? — Ela ri, perversa. — A ideia de alguém


poder flagrar nós dois... — Danda segura minha mão e sai
do meu colo. — Senta na beirada.

Apoio-me na madeira do piso ao redor e sento, fazendo o


que ela manda. Danda tira minha sunga e expõe meu pau,
fechando os dedos ao redor dele. Um som de satisfação se
prende em minha garganta quando ela começa a me
masturbar devagar.
— Danda...

— Imagina só, Vossa Excelência, se alguém chega e vê um


homem da lei sendo tocado assim? — Me olha com malícia.
— E se formos pegos no instante em que minha boca
estiver aqui? — Faz um círculo com o polegar na cabeça do
meu pau e perco o ar.

— Estaríamos muito ferrados... Oh, porra! — xingo alto


quando sua boca cobre meu pau e ela o chupa, mostrando
que está se deliciando com o ato.

Danda ergue seu olhar obsceno ao pincelar sua língua


quente por toda minha extensão. Não sei o que me deixa
mais em êxtase: se é sua cara safada ou a forma como
suga meu membro, colocando tudo que consegue na boca.

Todos meus neurônios estão derretendo com a onda de


calor que invade meu corpo. Impulsiono o quadril para
cima e seguro seu cabelo, a conduzindo, e Danda me
engole por inteiro.

— Que boca gostosa... — Amor.

Travo meus lábios antes de deixar escapar, porque não


quero assustá-la. Talvez, para Dandara, seja cedo, e ela
não esteja pronta para ouvir que meus sentimentos por ela
mudaram, amadureceram. Talvez...

Porra, tão perfeita! A cabeça do meu pau está fundo em


sua garganta e ela não para. Seu rosto lindo está suado, os
olhos marejados e ela mama meu pau com gosto, sem
parar.

— Dandara, é melhor parar ou eu vou... Cacete! — Ela


intensifica a sucção, essa maldita do caralho.
Tombo a cabeça para trás, apenas absorvendo o boquete
perfeito que minha Danda faz. Honestamente, não ligo se
alguém aparecer, se o Papa descer aqui ou se o mundo
acabar. Só preciso que ela continue assim. Bem assim.
Lambuzando meu pau com sua saliva, masturbando-me em
movimentos urgentes, tudo na medida certa para eu
perder o controle.

— Me deixa engolir tudo, Excelência? — A desgraçada finge


inocência ao fazer o pedido com candura, antes de rodar a
língua por minha glande e descer pelo meu pau.

— Só não para... — Quase engasgo quando ela coloca tudo


de uma vez na boca.

Um calafrio fodido sobe por minha coluna e enrijeço os


músculos quando o orgasmo me consome, potente, e gozo
em sua boca.

— Vem cá! — Ofego e a faço erguer o corpo.

Beijo seus lábios, sentindo o gosto do gozo neles. Puxo


Danda e a faço sentar, trocando nossas posições.

Ajoelho na banheira e arreganho suas pernas, expondo sua


boceta molhada.

— A visão daqui de cima é incrível. — Faz graça,


acariciando meus fios.

Beijo a parte interna de suas coxas, deixando alguns


chupões em sua pele. Trago seu quadril para perto da
borda e tenho um vislumbre de sua língua umedecendo os
lábios, como se estivesse salivando.

Abocanho sua boceta e Danda sufoca um gemido.


Escorrego a língua por seu canal molhado e inchado, que
pulsa em minha boca. Sugo seu clitóris e ela choraminga
baixo. Alço o olhar e a vejo morder a mão para se silenciar.

— Tu vai fazer barulho. — Dou um tapa em sua coxa e


Danda protesta. — Ficou falando sobre alguém aparecer,
agora, quero ver sua coragem para fazer o que é proibido,
Dandara. — Meto dois dedos em seu canal quente. —
Geme, filha da puta!

— Hugo... — balbucia quando massageio seu clitóris com o


polegar.

— Mais alto, quero ouvir você.

Tomo sua boceta com a boca, a castigando com lambidas e


sugadas, ainda tendo meus dedos dentro dela.

Mexo as pontas dos dedos e Danda grita, extasiada, me


deixando satisfeito por arrancar um som de luxúria dela.

Dandara é meu pecado e minha salvação. Com ela não há


pudor, estou entregue ao meu lado mais profano e carnal.
Ela também é a pureza dos meus dias, quando me recebe
com seu sorriso alegre e sua sabedoria.

— Merda! — xinga quando a chupo com ânsia, girando a


língua em seu nervo rígido, que lateja ao receber meu
toque.

Sua boceta encharca e Danda deita na madeira, molenga.


Arqueia o tronco e emite sons impuros quando aumento a
velocidade com que meus dedos entram e saem dela.

— Quieta... — Assopro seu clitóris e seguro seu quadril


quando Danda rebola, ávida.

Fecho os lábios ao redor do ponto pequeno e duro e chupo,


mantendo meus dedos dentro dela e os girando, buscando
seu descontrole.

Danda se contrai e berra em liberdade ao ter o orgasmo a


consumindo e amolecendo seu corpo.

Minha Danda. Só minha.

Meu amor.

34

DANDARA

Apoio a cabeça no peitoral de Hugo, escondendo dele o


sorriso que abro ao ser dominada por uma sensação de paz
que nunca senti antes.

Dançamos ao embalo de Moça bonita, de Geraldo Azevedo,


e mesmo estando fora de ritmo, visto que a banda toca a
música em um compasso agitado, não quero acelerar
nossos passos. Quero ficar assim, aproveitando a calma da
noite.

— Acho que não devemos dançar coladinhos assim, moça.


Seu pai pode implicar com esse pobre rapaz e vir acertar
as contas por desvirtuar a filha tão cedo. — Ergo o olhar e
ele ri de sua pequena encenação.

— Imagina se meu pai descobre tudo que já fez com essa


pobre moça, doutor? — É minha vez de brincar.

Hugo coloca o dedo indicador na frente dos lábios, para


sinalizar que esse é nosso segredo.
— Está feliz por hoje? — ele pergunta, segurando meu
rosto e fazendo carinho em minhas bochechas.

— Estou feliz por tudo — digo com candura. — Desde que


entrou na minha vida, você me tirou do piloto automático e
me mostrou que eu ainda tenho muito para viver.

Fico na ponta dos pés, porque não estou usando saltos na


presença dele, e agora nossa diferença de altura é
contrastante. Beijo seus lábios e abro os olhos.

Hugo me fita, ansioso, e tem sido assim desde que


chegamos aqui na serra. Ele parece prestes a dizer algo
mais em alguns momentos, mas recua

e não fala nada.

Pode ser que Hugo esteja tentando se expressar, assim


como eu. Faz alguns dias desde que percebi como sua
presença em minha vida é tão natural e leve. Meu peito
carrega a certeza de que desejo que ele fique em minha
vida, e meu coração bate forte sempre que o vejo.

Faz tempo que percebi também que a chama da paixão


tem dado espaço à calma e à paciência do amor maduro.

É, eu o amo. Como nunca achei que fosse amar alguém. E


é amedrontador, mas também me faz sentir corajosa.
Agora, mais do que nunca, sinto que tenho coragem para
me entregar para alguém, sem medos ou receios. Estou
pronta para ir fundo nessa relação e arriscar sonhar com
um futuro longínquo.

— Quer ir lá fora tomar um ar? Vi que eles têm um arco de


flores bem bonito. — Ele aponta para a porta lateral do
barzinho e aceno.
Entrelaço nossos dedos e saímos para o pequeno jardim
que rodeia o local. Trocamos olhares apaixonados e
sorrimos sem nenhum motivo aparente.

Hugo me conduz até o arco, mas quando nos


aproximamos, percebo que já tem um casal ali, aos beijos e
amassos.

— Aquele é... — Tapo a boca de Hugo e o puxo para trás de


uma árvore, segurando a risada.

Ele tenta desvencilhar do meu toque, mas aperto a mão e


aceno em negação algumas vezes, impedindo-o de fazer
algum movimento.

Faço isso porque, se minha visão estiver funcionando bem,


o tal casalzinho é João Pedro e Maria Isabel, e sei que o
homem irado ao meu lado quer ir lá confrontar o filho.

— Não fala uma palavra, ou vou te jogar naquela lagoa


quando chegarmos à pousada — sussurro em tom de
ameaça. — Entendeu?

Seus olhos estreitam e as narinas inflam, mas ele meneia a


cabeça, concordando.

Sinalizo para que a gente volte para o bar e aponto para


que ele vá na frente, tomando o caminho mais longo, que
impede João e Bel de nos ver aqui.

Hugo bufa quando destampo sua boca e sai marchando. O


sigo, dando mais uma olhadinha para trás e vendo Maria se
derreter toda nos braços de JP.

Meu namorado impaciente vai até a mesa, onde Zeca e


Regina estão, junto de Rafa. Me atento aos seus
movimentos bruscos quando senta e pega a cerveja,
deixando clara sua inquietação ao beber um copo de uma
vez.

Está agitado, e posso imaginar no que está pensando: sexo


na adolescência e os riscos de uma gravidez precoce.
Penso que é isso, porque, talvez, seria a primeira coisa que
passaria pela minha cabeça. Mas, diferente de mim, Hugo
não racionaliza sobre o que irá dizer ao filho, e precisei
afastá-lo do cenário para que esfriasse a cabeça antes de
fazer merda.

João Pedro e Maria Isabel. O que Evelin vai pensar?

— Onde está a sua madrinha? — questiono ao meu filho,


me sentando ao seu lado.

— Ela e Murilo sumiram por aí — Rafael fala com tédio.

— Sumiram? Uma bruxa pegou eles e os transportou para


outra dimensão? — zombo, cutucando sua costela.

— Mãe, isso não é possível. Seria necessário um buraco de


minhoca para que um ser humano viajasse no espaço-
tempo — elucida, abrindo um sorrisinho presunçoso.

— Entendi, nerdzinho. — Aperto sua bochecha para


implicar, e ele resmunga, afastando minha mão.

— Sei bem o que esses dois estão fazendo — dona Regina


diz com uma expressão maliciosa. — Na minha época de
jovem, eu costumava sumir com o Zeca, mas a gente ia
fazer...

— Mãe! — Hugo a corta, e seguro a risada diante do seu


desconcerto.
Depois de meses convivendo com essa senhora
espirituosa, acabei me acostumando com seus comentários
proibidões, que não deixam de ser engraçados.

— Pelo visto, muitos casais estão se formando aqui hoje.


Será que colocaram alguma coisa na água do bar? — Ergo
meu copo e finjo o analisar.

Ouço Hugo bufar mais uma vez, e ainda não sei como esse
homem não virou um touro, visto que em seus momentos
de raiva, isso é tudo que sabe fazer.

— Como assim, Danda? — Regina me fita, com o faro de


fofoqueira apurado.

— Nada, dona Regina. Só pensando alto... — Contenho meu


divertimento, afinal, será engraçado ver a reação de Evelin
quando souber.

Quero colocar ela e Hugo em uma sala e ver qual deles vai
fazer uma palestra sobre prevenção mais longa para o
filho.

Troco olhares com Rafael, e ele pisca o olho para mim,


também segurando a risada. Com o gesto, concluo que
meu filho sabe o que está acontecendo.

— Eu vou... — Hugo fica de pé subitamente.

— Vai se sentar e bater um papo com a gente. — Perco a


graça e o repreendo com o olhar. — É isso que fará.

Seus lábios crispam, mas Hugo cede e senta. Bate as


pernas no chão, olha em volta e passa as mãos nos fios
loiro-escuros.

Pelo visto, terei que voltar mais cedo para a pousada.

— E se eles estiverem transando?

Reviro os olhos para o soldado parado em posição de


guarda, que olha pela janela desde que chegamos aqui.

Depois de meia hora conversando com os pais de Hugo e


com o Rafa, decidi que o melhor seria voltar para cá, visto
que o meu namorado estava prestes a sair em busca do
filho e puxá-lo pelos braços.

Vir para o chalé não foi a melhor ideia, porque ele continua
preso nesse estado de agonia, espiando o lado de fora a
cada três minutos, esperando ansioso o filho voltar.

O chalé de João Pedro, Rafael e Murilo fica a cem metros


daqui. Ele não vai conseguir ver nada, então o melhor a se
fazer é esquecer.

— Santo Cristo, Hugo! — esbravejo. — Foi só um beijo!

Abro minha mala e tiro de lá a camisola de cetim e renda


que comprei há pouco tempo.

— Eles estão com os hormônios à flor da pele! — Tiro meu


vestido enquanto o ouço montar seu sermão. Serei sua
cobaia para que ele ensaie tudo o que dirá a João. — Sei
que sexo vai acontecer na vida dele, mas João Pedro
precisa ser responsável. Ele tem uma camisinha? Está no
prazo de validade? — Me descalço e visto a camisola. —
Fralda é caro, sabia?

— Bom, eu tive um filho, se serve para algo — murmuro.

Solto a presilha que prendia uma parte do meu cabelo e


massageio meu couro cabeludo, aliviando a pressão que o
penteado causou.

— Eu deveria ir falar com ele. Preciso ter essa conversa e...


— Hugo gira nos calcanhares e para de falar ao me ver.

— Que foi? Tem algo de errado com a roupa? Está rasgada?


Sabia que esses tecidos finos seriam um problema.

Abaixo o olhar, procurando algum furo ou desfiado na peça,


mas não encontro nada.

— Você está... — Nos entreolhamos e vejo seu olhar


escurecer. —

Seus peitos... — Engole a saliva devagar.

Então é isso?

— Juiz tarado. — Estalo a língua no céu da boca, fingindo o


repreender. — Continue seu discurso sobre gravidez na
adolescência, estava interessada.

Junto um amontoado de cachos e balanço, me deleitando


com a sensação de ter tanto poder sobre esse homem. Ele
sequer tenta disfarçar ou esconder o quanto me quer. Está
nítido em seu olhar tão cristalino.

— Posso... — Morde os lábios, me provocando. — Posso


mostrar o que aprendi sobre fazer bebês.

— Estou esperando.

Hugo avança como um felino e me beija com paixão,


reivindicando aquilo que já é dele: minha total entrega.
35

HUGO

Olho para o meu filho no banco de passageiros ao meu


lado, buscando coragem para falar sobre o que tem me
corroído desde que o vi beijar Maria Isabel.

Dandara pode ter me distraído ontem à noite, no entanto,


hoje, ao sentarmos ao redor da mesa de café da manhã da
pousada, quando vi a troca de olhares entre João e Bel,
meu medo retornou a me consumir.

Vim dirigindo todo caminho pensando no que falar, e


quando deixei Danda e Rafael em casa, dez minutos atrás,
percebi que não tenho mais como fugir disso.

Principalmente, porque acabamos de entrar em nosso


condomínio e sinto que vou deixar o assunto de lado se
sairmos do carro antes que algo seja dito.

— João, temos que conversar. — Quase atropelo as


palavras.

— Sobre o quê? — Está distraído em seu celular, não prevê


o sermão que está por vir.

— Camisinha. — A palavra sai tão baixa que não sei se me


escutou.

— Ah, pai! Fala sério! — É, ele escutou. — De novo isso? A


gente... Eca! A gente já teve essa conversa!
— Quero saber se está usando. Desculpa, João Pedro, mas
preciso falar sobre sexo e prevenção com você! — Por que
esse tópico tem que ser tão embaraçoso?

Eu deveria ter me preparado melhor para palestrar sobre


puberdade, mas não consigo ser um pai perfeito em tudo.

— Pai, sei me prevenir — balbucia. — Por que esse papo


agora?

— Eu... — Paro de falar ao estacionar na calçada da nossa


casa.

Respiro fundo e decido que o melhor é ir direto ao ponto. —


Vi você e a Maria Isabel naquele bar.

— Vo-você... — O olho de soslaio e percebo seu


desconcerto. —

Co-como?

— Foi sem querer. Saí com Dandara e... a gente foi até o
jardim.

— E-eu... — Não consegue falar nada.

Ele sai do carro apressado quando estaciono, abraçado à


mochila, e não sei mais o que fazer. Cacete, deveria ter
conversado com Danda antes!

Ela saberia agir melhor do que eu.

Abro a porta e vou atrás dele.

— João, espera! — Subo apressado a escada da entrada.

João destranca e abre a porta, agitado, como se quisesse


correr e se esconder debaixo da cama.
— Pai, só me deixa... — Ele dá um passo para dentro e
congela no lugar.

Termino de subir os degraus, confuso quanto à sua reação.


Assim que adentro minha casa, entendo o motivo da sua
surpresa.

Fecho as mãos em punho, tenso com a visita inesperada e


indesejada que está sentada no sofá, como se minha casa
pertencesse a ela também.

Meu sangue ferve, e só não a expulso daqui agora porque


meu filho está presenciando a cena.

— Mãe? — João Pedro está tão perdido quanto eu.

Como essa mulher entrou aqui?

— Oi, meu querido! — Lia levanta e caminha desfilando até


meu filho, com um sorriso imenso no rosto. — Estava
morrendo de saudades. —

Dissimulada.

Ela o puxa para um abraço e, hesitante, João retribui. É o


gesto mais impessoal e frio que já os vi trocar.

— Quem te deixou entrar? — indago, sem me importar de


soar rude.

Ela invadiu minha propriedade sem um aviso prévio e eu


não quero Lia aqui.

— Não seja um homem das cavernas, Hugo! — Lia ri, e pelo


visto perdi a piada. — Qual é, rapazes?! Esperava uma
recepção mais calorosa.

Coloca um bico na boca, e agora, sim, acho graça na


situação.
Porque só pode ser uma brincadeira de mau gosto ela
chegar sem ser convidada e esperar ser recebida com café,
trufas e amenidades.

— Responde minha pergunta, Lia! — Ergo o tom de voz,


sem cair no seu jogo.

Essa mulher está aprontando alguma merda, tenho certeza


disso.

Natal é daqui um mês, e o aniversário de João já passou.


Não consigo achar uma explicação razoável para sua
aparição.

— João Pedro me deu uma chave da última vez, não se


lembra? E o porteiro já me conhece. — Olho na direção de
João, que desvia a atenção para o chão, denunciando sua
culpa. É claro que decidiu esconder de mim essa
informação, porque sabe que eu jamais concordaria. — Não
tem por que ficar estressado, darling[16]. Vai ser divertido,
você vai ver.

— O que vai ser divertido? — Franzo a testa, prevendo que


não quero saber sua resposta.

— Minha estada. — Ela faz soar como se fosse a ideia mais


genial do mundo.

— Só por curiosidade... — Cruzo os braços e aliso a barba,


tentando manter a calma. — Quanto tempo você pretende
ficar? — Passo o olhar pela sala e vejo suas malas no canto
do cômodo, imaginando sua resposta.

— Essa é a melhor parte. — Vai até nosso filho e abraça o


ombro dele. — Tempo indeterminado.

É então que gargalho. Rio alto, até perder o ar, e inspiro


fundo, tentando me recuperar.
— Você é engraçada, Lia. — Sorrio, irônico, sem querer
acreditar no que ouvi.

— Não entendi. — Me olha com desagrado e percebo que


está falando sério.

— João Pedro, vai desfazer sua mala. — Aponto para o


quarto dele.

João me encara, temeroso, e parece querer falar algo, mas


desiste e obedece à minha ordem.

Quando ouço a porta do seu quarto ser fechada, saio


pisando firme até o lado de fora, e Lia vem atrás de mim.
Fecho a porta de vidro e me afasto dela, mantendo uma
distância entre nós, pois respirar o mesmo ar que ela já me
deixa puto.

— Que porra é essa, Lia?! Perdeu a cabeça?

— Hugo, qual foi? Fiz uma surpresa tão boa e você me


recebe assim? — Soa ofendida.

Minha ira faz meus nervos formigarem e preciso de toda


paciência que Dandara me ensinou a ter nos últimos meses
para não perder a razão.

— Não tem nada de bom nessa surpresa, Lia. E se João


Pedro te deu uma chave, não quer dizer que pode entrar e
sair quando quiser. — Tento explicar com calma para que
ela entenda.

— Hugo... — Lia se aproxima, mas dou dois passos para


trás, mantendo nossa distância. — Senti falta de vocês.
Quero me aproximar e consertar as coisas.

Abro e fecho a boca algumas vezes, incapaz de colocar em


palavras o absurdo que ela acabou de expressar.
— Lia, não vou discutir com você. Vai pegar suas malas,
arrumar um hotel e viver seus delírios longe daqui. —
Caminho rumo à sala, mas ela segura meu braço e sou
impedido de me afastar.

— Hugo, por favor... Me ouve. João e eu conversamos nos


últimos tempos. Ele disse que sente falta da família dele.

— Sente falta do quê, inferno?! — Me livro do seu toque


com repulsa. — Eu sou a família do João, já que você nos
abandonou quando ele

nasceu! — Bato no peito. — Eu troquei as fraldas dele,


alimentei, brinquei e eduquei. Posso afirmar com orgulho
que sou o responsável por quem ele é.

— Eu sei, eu sei. — Anda de um lado para o outro,


mordendo a unha. — Mas podemos fazer diferente agora.
Nosso filho precisa de nós dois juntos...

— E você decidiu isso agora? — Enfio os dedos no couro


cabeludo, sentindo uma comichão insuportável. —
Dezesseis anos depois chegou à conclusão de que a família
é importante para ele? Uau, estou impressionado!

— Olha, sei que vai levar tempo, mas a gente pode fazer
terapia...

— Você... — Travo a mandíbula, desesperado para sair


desse cenário. Não quero admitir que isso é real. Não pode
ser. — É meu último aviso. — Aponto o dedo em riste em
sua direção. — Pega as suas malas e some da minha casa.
Seu assunto é com João Pedro.

Passo por ela, irritado, frustrado e incrédulo.

— Arrumou outra mulher? É isso? — Seu questionamento


vem carregado de indignação.
— Não arrumei outra mulher. — Giro e olho dentro dos
olhos de Lia. — Arrumei a mulher.

— Você... Você a ama? — Não acredito no seu tom choroso.

— Amo! Dandara é a mulher da minha vida, entendeu? Ela


me faz feliz, me deixa em êxtase sempre que está comigo
e eu... — Tento não sorrir ao pensar na dimensão do que
aquela confeiteira me causou. — Vou casar com ela um dia.
Porque não tem nada que eu queira mais na minha vida do
que a companhia dela. A cada maldito segundo, anseio por
estar com Danda. — Volto a ficar sério ao encará-la. — Mas
mesmo se não tivesse encontrado Danda, não haveria a
menor possibilidade de você viver sua ilusão, Lia. Separou
nossos caminhos quando disse que ia tirar João Pedro do
seu ventre. Foi quando entendi que tínhamos anseios e
ambições diferentes, e que eu jamais conseguiria olhar na
sua cara de novo sem lembrar dessa frase saindo da sua
boca naquele quarto de hotel.

— Não pode me julgar...

— Chega! Não há desculpas ou reconciliações nesse


cenário. Fez sua escolha dezesseis anos atrás. Colha os
frutos que plantou. E, pela última vez, vai embora!

Entro pela sala de jantar e deixo Lia falando sozinha. Fecho


a porta do meu quarto e a tranco. Tenho vontade de
quebrar tudo que vejo para libertar toda fúria que senti nos
últimos anos.

Cada maldita noite que sentei, exausto, no chão da sala e


chorei, implorando para ter forças para continuar,
enquanto João chorava sem parar e eu não sabia o que
fazer, Lia não estava lá.

Isso é insano, quero acreditar que os últimos minutos


foram uma invenção da minha cabeça. Essa mulher não
pode estar falando sério.

Tiro o celular do bolso e a primeira coisa que faço é ligar


para Danda. Preciso ouvir sua voz e esquecer os últimos
dezesseis anos de solidão.

Não existe vazio se Danda está comigo. Ela me preenche,


faz minha vida mais feliz.

— Atende, Dandara! — peço em desespero, mas a ligação


cai na caixa postal. — Rafael! Ele está com a mãe.

Ligo para o filho de Danda, grato ao dia que ela decidiu que
seria útil salvar o contato de toda sua família.

— Alô? — Rafa atende, confuso.

— Rafael, é o Hugo. Preciso falar com sua mãe. — Tento


camuflar meu desespero.

— Ih, Hugo! Estou na casa da minha madrinha, e a mãe foi


visitar meu avô. Ela está sem telefone. Quando entramos
em casa, Danda deu falta do aparelho. — Ah, porra! Era só
o que me faltava.

— Tudo bem. Se encontrar com ela, diga que eu liguei.

— Beleza. Tchau.

Desligo a ligação e jogo o celular na cama. Esfrego o rosto


e ando em círculos, sem saber o que fazer.

Minutos depois, alguém bate na porta, e abro, imaginando


ser João.

— O que você ainda está fazendo aqui? — Esfrego a testa,


minha cabeça pulsa de dor.

Tudo por culpa dela.


— Não tem nenhum hotel disponível, Hugo — rebate.

— Uma cidade do tamanho de Vilabela não tem a porra de


um hotel? É isso que está dizendo? — Chega, já tive o
suficiente. — Não tem um hotel cinco estrelas, é isso que
você quer dizer. Tudo bem, Lia, pode ficar aqui. Eu saio.

Vou até meu guarda-roupa e tiro uma mochila de lá. Coloco


itens pessoais e pego um cabide que tem um terno
pendurado. Que se foda, não preciso me submeter a isso!

— Hugo, espera!

Vou até o quarto de JP e bato na porta. Ele abre, e estranho


ao ver sua cara inchada e o semblante abatido.

— O que aconteceu? — pergunto, preocupado.

— Nada — rebate, seco. — O que você quer?

— Vou dormir na casa dos seus avós hoje — aviso.

— Posso ir com você?

— Pode ficar aqui, filho. Não vou brigar — o tranquilizo.

— Quero ir com você. — Ele parece conter as emoções, e


não sei o que o deixou assim, mas não vou negar um
pedido seu.

— Arruma suas coisas, eu te espero. — João entra no


quarto e me viro para Lia. — Não segue a gente, não tenta
entrar em contato com meus pais ou comigo e não fala
mais nada. Amanhã de manhã, eu vou passar aqui, e se
ainda estiver nesta casa, vou ligar para meu advogado e
orientá-lo a entrar com uma ordem de restrição contra
você. Entendeu? Suma e deixe a chave que tem com o
porteiro.
— Por favor, não faça isso. — Lágrimas de um choro falso
descem pelo seu rosto, e sinto muita pena por ela ter
percebido agora que a vida não espera ninguém. Ela
simplesmente acontece.

— Entendeu ou não? — questiono com o tom de voz duro.

Lia meneia a cabeça em um sinal positivo e abaixa o olhar.


Deixo que João passe na frente quando sai do quarto.

As coisas estavam indo bem demais para ser verdade. Eu


deveria ter previsto essa merda. Todas aquelas ligações e a
voz manhosa do outro lado da linha... Lia já estava
planejando essa palhaçada há bastante tempo.

— Não acredito que essa va...

— Mãe! — corto a fala de dona Regina, apontando


discretamente com a cabeça na direção de João Pedro, que
está deitado no sofá.

— Você deveria fazer o que disse — meu pai resmunga,


balançando a cabeça em negação. — Aquela mulher tem
que ser mantida longe de vocês. Entre com a ordem de
restrição, Hugo — sussurra.

— Pai, não vou pensar nisso agora — respondo no mesmo


tom. —

Ainda estou em choque, processando tudo que ouvi.


Amanhã vejo isso.

— Tudo bem — ele diz, pouco satisfeito.


— Podem ficar aqui o tempo que precisar. — Minha mãe
oferece dois tapinhas de consolo.

— Obrigado. — Forço um sorriso.

Saio da sala e vou até o quarto de visitas. Tomo um banho


rápido e deito na cama. Ligo a TV, em busca de algo para
distrair a mente.

Pego meu celular e não há nenhuma resposta de Danda


para as inúmeras chamadas e mensagens que enviei. Fico
agoniado, porque precisava dela agora.

— Pai? — João entra no quarto, hesitante. — O que você


está vendo aí?

— Nada, moleque. Por que não escolhe algo de bom? —


indago em tom ameno, pensando com preocupação no que
pode ter lhe deixado amuado.

Não quis comer nada quando chegamos à casa dos avós e


está em silêncio desde que saímos de casa. Quero muito
saber o que se passa em sua cabeça.

João pega o controle e deita ao meu lado. Coloca um filme


de super-herói e começamos a assistir juntos.

— Acha que ela vai ficar aqui em Vilabela? — João


pergunta, sem muita emoção.

— Não sei. Vamos ter que esperar, filho.

Ouço seu suspiro. Alguns minutos do filme se passam, e


pela quietude, imagino que ele já tenha dormido.

— Pai, te amo — confidencia, um tanto grogue, me fazendo


prender o ar.
Todo esforço do mundo para criar meu garoto valeu a pena.
Não poderia ter escolhido um destino diferente. Não
mesmo. Eu amo o JP e faço tudo para vê-lo feliz.

36

DANDARA

Toco o interfone de Hugo mais uma vez e não tenho


nenhuma resposta. Olho no relógio de pulso, quase
desistindo de tentar recuperar meu telefone por ora.

Ontem, pouco depois de chegar em casa, senti falta do


meu celular.

Procurei em todos os lugares, até concluir que havia


esquecido no carro dele, pois lembro de ter deixado no
suporte da porta do Volvo.

No entanto, não tive tempo de ligar para Hugo do celular


de Rafa, porque meu filho recebeu uma ligação de
Dominique, dizendo que ele havia trazido o pai para casa e
que seu Valter não estava se sentindo muito bem.

Peguei meu carro e fui checar o que estava acontecendo.


No final, era só fraqueza, porque o velho simplesmente
esqueceu que deve comer.

Fazia algumas horas desde sua última refeição.

Quando voltei para casa, exausta, tudo que consegui fazer


foi capotar na cama e dormir. Sequer vi a hora que meu
filho chegou da casa da madrinha.
Acordei perdida, e decidi vir para a casa de Hugo pegar o
telefone logo, porque o dever chama e tenho que dar conta
do trabalho agora que o fim de semana acabou.

Chamo o interfone pela última vez, prestes a desistir,


quando a porta é aberta.

Mas o que...

Sangue foge do meu corpo quando a loira de olhos verdes


aparece no meu campo de visão, enrolada em uma toalha
e com os cabelos

molhados.

O ar fica preso em minha garganta e minhas mãos


tremulam ao lado do corpo quando entendo o que isso
significa. Não, não, não... Isso não pode estar acontecendo
comigo! Como aquele mercenário teve coragem?!

— Bom dia. — A mulher me escaneia de cima a baixo, e


vejo em seu olhar o desprezo que já presenciei tantas
vezes em minha vida. — Posso ajudar?

Ergo a coluna e recupero minha dignidade, sem me deixar


abalar por uma pessoa que não tem importância alguma
para mim.

— Onde o Hugo está? — questiono, a olhando da cabeça


aos pés, bem como fez comigo.

— Ocupado. Sabe como é, a gente tinha muito assunto


para colocar em dia. Passamos a noite inteira nos
entendendo. Ele está recuperando as energias. — Sorri com
maldade e se abana, fingindo sentir calor. Não posso
acreditar no que estou ouvindo. Ela está insinuando que
eles transaram?

Isso não... Não pode... — Sou Lia, a propósito. — Ergue a


mão para me cumprimentar, como se fosse do meu
interesse saber sua identidade.

Espera... Lia?

— Ah, você é a mãe ausente — digo com escárnio e seu


semblante fecha. — Já ouvi falar de você. Sabe como é,
notícia ruim espalha rápido.

Fala para o pai do seu filho que... Quer saber? Não fala
nada. Já perdi tempo demais aqui.

Dou as costas e desço a escada, furiosa, rosnando


xingamentos baixinho, amaldiçoando o dia em que Hugo
Alencar cruzou meu caminho.

— Que bom que você chegou, Danda! A cozinha está uma


loucura, tem um pedido... O que foi? — Evelin me olha
preocupada quando entro na confeitaria, e não suporto
mais guardar meus sentimentos.

Desabo em um choro triste e ela corre até mim, abraçando


meus ombros. Soluço, sendo amparada pela minha melhor
amiga, que acaricia minhas costas com delicadeza.

— Aquele filho da puta... — amaldiçoo, ainda tomada pelo


choque ao relembrar a cena que encontrei.

Hugo jurava odiar aquela mulher! Como ele foi me trair


com ela?

Tudo que ele me disse foi uma mentira? E eu caí tão fácil
em seu papinho...
— O que aconteceu, Danda? Está me deixando assustada.
— Segura meu rosto e limpa as lágrimas com o polegar.

— Lia e Hugo... Eles... Acho que eles transaram. — Fungo, e


meus olhos ardem, marejados.

— Aquele desgraçado teve a audácia de trair você?! — Seu


grito de indignação faz meus tímpanos doerem.

— Não sei... Não faço ideia do que aconteceu... — Afasto-


me dela e limpo o rosto. — Estou tão confusa... Hugo não
parecia ser esse tipo de homem.

— Mas o que você viu?

— Lia abriu a porta da casa dele. — Encaro Eve, segurando


minhas lágrimas. — Ela estava de toalha. Me recebeu como
se fosse dona da casa.

— E ele? — Ergue uma sobrancelha, desconfiada.

— Não o vi. Só queria sair de lá. — Abraço meu próprio


corpo, amargurando em decepção.

Como saí da felicidade extrema ao desengano?

— Ô, Danda! — Eve dá um passo em minha direção quando


o barulho da porta abrindo desvia nossa atenção.

Meu coração dispara e meu estômago embrulha ao vê-lo


entrar com uma cara de paisagem. Ainda tem a audácia de
sorrir ao me ver! Hugo se aproxima de mim, mas Evelin
entra em seu caminho, o enfrentando e o impedindo de me
alcançar.

— É melhor dar meia-volta, ou terá que me levar presa por


desacato à autoridade, juiz Alencar! — ela vocifera.

— O quê?! — Ele a observa, confuso.


Não tenho forças para reagir, embora queira brigar e
expulsá-lo daqui a chutes e vassouradas. Como ele pôde
fazer isso comigo? Não tolero traições, nunca fui o tipo de
mulher que perdoa uma merda colossal como essa.

— Você ouviu certo. Pode ir embora ou vou chamar o


segurança! —

Evelin aponta para a porta, e eu fico me perguntando a que


segurança ela se refere, já que não temos nenhum.

— Dandara, isso é uma brincadeira? — Hugo tenta


contornar Evelin, mas ela dá um passo para o lado, o
acompanhando, sem deixar que venha até mim. — Evelin,
pode me deixar falar com minha namorada?

— Namorada?! — repito, irritada. — Esse namoro acabou,


Hugo!

Passe para fora dessa confeitaria e não volte nunca mais!


Vá viver sua vida perfeita com sua família perfeita e feliz.

Dou as costas a ele e corro para o banheiro. Tranco a porta,


torcendo para que ele não me siga.

Bem maduro, Dandara.

Vou até a pia e molho minhas mãos. Jogo água em minha


nuca e respiro fundo. Não vou me deixar abalar. Tenho uma
confeitaria que depende de mim, estou sem tempo para
desmoronar por causa de um homem que não soube dar
valor à mulher que tinha.

— Dandara, ele já foi. — Ouço a voz de Evelin do outro lado


da porta.

Destranco a fechadura e saio. Respiro fundo algumas


vezes, junto meu cabelo em um coque e alinho a coluna.
— Vamos esquecer esse juiz. Temos muito trabalho a fazer
— falo com convicção, mesmo que meu coração esteja
dilacerado.

Só queria ir para casa e me encolher na cama.

— Amiga, acho que você deveria ouvir o que ele tem a


dizer. — Ela me entrega meu telefone, e imagino que o
canalha tenha o deixado aqui.

— Vai defender o homem? É sério? — Caminho em direção


à cozinha.

Tento ligar o celular, mas noto que está sem bateria.


Inferno, o dia de hoje não está sendo nada bom!

— Não é isso, Danda... — Ouço os passos de Eve me


seguindo. —

Você mesma disse que não viu Hugo na casa dele hoje, só
a ex-esposa.

— E ela estaria lá sozinha? — praguejo.

Largo o celular na bancada e vou atrás da minha touca.

— Talvez? — Eve responde, incerta. — Qual é, Danda?!


Você conhece ele, não a tal Lia. Pensa bem...

— Evelin, não vou pensar em nada agora! — exclamo,


brava. —

Estamos atoladas de pedidos. Cadê a Jojo? — Coloco meu


avental e abro o armário em busca de luvas.

— Aqui, chefia. — Jojo surge na porta, carregando uma


bacia de morangos higienizados.
— Vá para o seu posto de trabalho e não me infernize mais
com essa história. Não tenho tempo para pensar naquele
juiz e em suas desculpas —

ordeno à Evelin, que ergue as mãos em um gesto


apaziguador. — Leva meu telefone e o coloca para
carregar.

Eve pega o celular e sai sem dizer mais nada.

Sei que posso estar exagerando na reação, mas foi um


choque encontrar aquela mulher quase nua na casa de
Hugo. O que eu deveria pensar? Na minha concepção, se
você conceder o benefício da dúvida para um homem, ele
vai encontrar uma maneira de entrar na sua mente e te
ludibriar.

Além disso, meu histórico para homens é duvidoso. Perdi a


virgindade e fiz um filho com um homem que está preso e
tive um namorado racista. É nítido que não sei fazer boas
escolhas para mim mesma.

Mas eu deveria ao menos ouvir a explicação dele, não é?


Eve está certa, acreditar na palavra de alguém que mal
conheço soa estúpido. Acho que deixei minha insegurança
falar mais alto de novo, pensando que ele cederia fácil à
Lia porque eles têm um filho juntos, e, na minha cabeça,
Hugo faria de tudo pela felicidade de JP. Até mesmo dar
uma chance à ex-esposa.

Será mesmo? Não, Hugo não faria isso... Faria?

Chega de pensar nisso, Dandara! Foca no seu trabalho, é o


que mais importa agora.
37

HUGO

— Fodeu! — Flávia arregala os olhos assim que chego


perto.

— Não falei nada, porra! — Abro a porta do gabinete e


largo minha pasta na poltrona.

— Fodeu de vez! — A ouço gritar, e sei que está rindo da


minha reação desmedida.

O que devo fazer se aquela confeiteira me tira do sério em


cada oportunidade que tem? Saí da casa dos meus pais
mais cedo para entregar seu celular, sendo um namorado
prestativo, e volto da confeitaria solteiro e com uma
acusação de ser traidor.

Puta que pariu, que segunda-feira dos infernos!

Afrouxo a gravata e sento na cadeira. Ligo o notebook, que


leva tempo demais para criar vida.

Mulherzinha geniosa e desconfiada! Sequer me deu uma


chance de explicar o que aconteceu. Só entendi a raiva de
Dandara quando Evelin começou a apontar o dedo na
minha cara e me chamar de infiel. Ela me acusou de ter
traído Danda com Lia, e pedi que ela me explicasse a que
se referia. Evelin contou que a confeiteira esteve em minha
casa logo cedo e deu de cara com Lia de toalha.

Posso imaginar as merdas que saíram da boca da minha


ex-esposa, e Dandara se equivocou ao acreditar nela
rápido demais. Já havia a alertado sobre a falta de caráter
da mãe de João Pedro, só que ela quis acreditar em Lia
ainda assim.

Deveria ter expulsado aquela mulher a qualquer custo da


minha casa. Foi impulsivo da minha parte ter saído de lá e
a deixado usufruir do meu espaço por uma noite.

O porteiro do condomínio me avisou que ela foi embora


pouco depois que Dandara saiu, mas, ainda assim, Lia
permaneceu tempo suficiente para causar um estrago.

Que se dane, não vou ficar pensando nessa merda! Se


Dandara quiser, ela que me procure. Não vou me humilhar
e pedir perdão por um pecado que não cometi.

— Você deveria se desculpar — Murilo fala com a boca


cheia de yakisoba.

— Não fode! — reclamo, afastando meu prato de comida e


pegando a cerveja. — Vou me desculpar pelo quê,
caralho?! Ela não estava com o telefone. Não é minha
culpa se não leu minhas mensagens antes de vir aqui e
tomar conclusões precipitadas.

Quando o convidei para vir até minha casa, foi porque


precisava que alguém me dissesse que estou certo. Ao
invés disso, estou tendo que ouvir ideias insanas vir de
Murilo.

— Hugo, quando uma mulher diz que você errou, a coisa


mais sensata a se fazer é dizer “sinto muito”. Duas
palavras mágicas que resolvem qualquer problema. — Ele
deve pensar que é um sábio monge depois dessa filosofia
de boteco.

— Não fiz nada de errado, não vou pedir desculpas. — Bebo


a cerveja, que desce amargando mais que o normal.

— Se é de motivo que precisa, posso te dar um. Todo


mundo avisou que você deveria resolver a situação com
Lia. — Fica sério de repente. —

A mulher prende o João Pedro em uma gangorra emocional


há anos, e os danos para o garoto já estão estampados na
nossa cara. Agora, Lia

estremeceu seu namoro. O que mais ela precisa estragar


para você se tocar que precisa tomar uma atitude?

— João Pedro quer a mãe na vida dele, Murilo. Eu devo


impedir meu filho disso? Logo eu, que sei todas as
implicações judiciais de alienação parental? — Apoio os
cotovelos na mesa e seguro a testa, tendo minha dor de
cabeça ampliada.

Massageio as têmporas, sem acreditar que estou mesmo


vivendo esse pesadelo. Lia decidiu que queria viver seu
conto de fadas quando eu estava nos céus e havia
esquecido sua existência. E, agora, minha vida se
transformou em um inferno por causa dela.

— Apenas resolva essa situação. Você é inteligente e sabe


que a lei é rígida com pais negligentes. Dê a ela um
ultimato. João Pedro...

— Chamou? — Meu filho entra pela porta principal com as


chuteiras nos pés e a camisa no ombro.

— Como foi o treino hoje, JP? — Murilo muda o tópico,


poupando João do assunto denso e sério.
— Não fiz nenhum gol, foi uma merda! — João reclama. —
Qual o motivo do clima de velório? E por que meu pai está
com cara de quem dormiu na casinha do cachorro?

— Levou um pé na bunda da namorada. — O desgraçado


do Murilo ri.

— Dandara? — João abre a boca, em choque. — Mas por


quê, pai?

O que aconteceu? — Seu desespero é palpável, e não


imaginava que essa seria sua reação.

Ele se afeiçoou à confeiteira? João Pedro, o mesmo que


ficou bêbado a ponto de dizer a Dandara que queria sua
família reunida?

— Disseram a Danda que seu pai traiu ela. — Lanço um


olhar de aviso para Murilo, para que não continue.

Não estou tentando proteger Lia, e sim meu filho da


decepção de saber a pessoa traiçoeira que a mãe é.

— Quem disse? — João Pedro senta à mesa e parece um


delegado prestes a estabelecer um interrogatório.

— Não importa, filho — digo quando Murilo abre a boca


para responder. — Dandara acreditou na palavra dessa
pessoa e não na minha.

— Foi minha mãe, não foi? — Ele fecha os punhos e sua


expressão de revolta acende um alerta em mim.

— JP, esquece isso! — peço, pelo bem dele.

— Pai, você gosta da Danda, não é? Quer ficar com ela?

Não preciso pensar muito na resposta, porque a verdade é


que mesmo que ela esteja furiosa comigo e eu queira
estrangular o pescocinho daquela mulherzinha impossível,
ainda assim a desejo mais que tudo.

Eu amo a Dandara por inteiro. Até mesmo quando tenta me


expulsar de sua vida.

Se for deixar de lado minha raiva, devo admitir que desde


que ela me deu as costas hoje, estou desesperado. Quero
acreditar que é um momento de ira seu, e que quando
passar, vamos nos resolver. Porque não aceito que nós dois
chegamos ao fim quando sequer tive a chance de dizer a
ela como me sinto, de declarar todo meu amor e adoração
à pequena criatura que revirou minha vida e me mostrou
que meu coração ainda é capaz de bater forte por alguém.

— Olha só a cara dele de apaixonado, João Pedro! — Murilo


bate na mesa, animado. — É claro que ama aquela mulher,
porra!

— Então vá atrás dela, pai. Recupere sua namorada. Não


pode... Não pode desistir de Dandara. — Parece ser um
pedido desesperado seu, e quem sou eu para julgar meu
filho?

Cair no charme de Dandara é tão fácil quanto o ato de


respirar.

— Ela não quer saber de mim, João.

No auge dos meus quarenta e três anos, aqui estou eu,


coberto de inseguranças e medo.

— Tem que tentar, juiz Alencar — Murilo incentiva.

— Vocês dois podem cuidar da vida de vocês, que tal? —


retruco, querendo encerrar de vez o assunto.
Honestamente, estou perdido, consumido por sentimentos
conflitantes. Quero dar um beijo furioso em Dandara,
chacoalhar ela e gritar que a amo e que nunca magoaria
seu coração, e que é nisso que tem que acreditar. Por outro
lado, penso que o melhor é dar espaço a ela, até que
decida me procurar para termos uma conversa honesta e
madura.

Que confusão do caralho!

38

JOÃO PEDRO

Não deveria estar aqui. Meu pai vai me passar um sermão


quando souber que estou matando aula, mas é por uma
boa razão. Estou fazendo isso por ele, afinal. E por mim,
sendo sincero.

Passo pela porta da confeitaria e o movimento de pessoas


indo e vindo me deixa desorientado. O lugar tem enfeites
brilhantes de Natal espalhados, e o cheiro de chocolate
paira no ar.

— João? — Dandara equilibra uma bandeja em mãos e me


fita, confusa.

— Oi, Danda. Será que a gente pode conversar? — Aperto


as alças da mochila, dominado pelo nervosismo.

Dandara tem todos os motivos para me odiar e me


expulsar daqui sem me ouvir. Fui um cuzão com ela na
primeira vez que nos vimos, e falei muita merda desde
então. Não vou me justificar, seria pior. Cometi muitos
erros com ela e Rafael, mas quero acreditar que sou
merecedor de uma segunda chance.

— Claro. — Ela deixa a bandeja no balcão. — Vem comigo.


Aponta para a escada, mas, antes de subirmos, Danda


segura o braço da garçonete que passa por nós. — Jojo,
pode trazer um chocolate quente com uma pitada de cravo
e canela para o escritório? Quando estiver livre, claro.

— Sim, chefia. Daqui a pouco, eu levo.

— Obrigada. — Dandara sorri. — Vem, João.

A sigo até o andar de cima e Dandara abre a porta do que


imagino ser o escritório. Caminho, mesmo me sentindo
deslocado, pensando no

pedido que ela fez à funcionária.

— Cravo e canela no chocolate quente... — falo em voz


alta, encarando a parede colorida.

— Seu preferido, não é?

Mordo os lábios, controlando minhas emoções. Nunca fui


bom em mostrar tudo que sinto. A verdade é que odeio
parecer um fraco, sensível e chorão, e por isso não sei
reagir ao fato de que ela sempre está atenta aos meus
gostos.

Não é com todos que Dandara age assim. Já presenciei


ocasiões em que alguém a tratou mal e ela devolveu na
mesma moeda, ou pior. Então, por que ela ainda é
atenciosa comigo se já disse coisas ruins a ela?

— Você deveria me odiar. — Coloco em palavras o


sentimento que me corrói dia e noite desde que ela e meu
pai começaram a namorar. — Fiz muita merda e fui
ignorante desde o início. Por que não me despreza ou me
xinga? Ao invés disso, se preocupa em saber meus gostos,
Dandara...

— João, você não é uma pessoa ruim. É apenas um garoto


perdido.

— Ela toca com suavidade meu braço, me obrigando a


olhar em seus olhos carregados de compaixão. Não mereço
seu afeto.

— Como sabe disso? Talvez, eu seja um merda que quer


destruir a felicidade dos outros. — É isso aí, João. Entre na
defensiva mais uma vez, acabe com suas chances de
consertar seus erros.

— Se isso é verdade, então, por que veio aqui falar em


nome do seu pai? — Ela me tira do eixo ao adivinhar
minhas intenções. — Está matando aula só para tomar
chocolate quente? Correndo o risco de ser pego pelo juiz
Alencar e ter que ouvir um discurso longo sobre a
irresponsabilidade que cometeu?

Rio fraco ao constatar que, em pouco tempo, ela já sabe as


manias do meu pai, como se o conhecesse a uma vida
inteira.

— Não fala nada para ele — peço em desespero.

Já cumpri minha cota de xingos do ano.

— Tem minha palavra — Danda promete. — Então... Veio


advogar a favor de Hugo?

— Sim, eu vim. — Me encho de coragem para os próximos


passos que darei.
No entanto, antes que eu diga algo, alguém bate na porta e
Danda a abre.

— O chocolate, chefia. — A garçonete entrega a Dandara


uma xícara com a bebida fumegante.

— Obrigada, Jojo. — Ela fecha a porta de novo e entrega a


mim o chocolate quente.

— Valeu. — Seguro com cuidado e bebo um pequeno gole.


— Meu pai me disse uma parte do que aconteceu, e sei que
minha mãe agiu com maldade.

— João...

— Me escuta — digo com calma. — Até outro dia, eu vivia


uma ilusão. Desejava ter minha mãe ao meu lado, sonhava
com uma família feliz e completa, e era difícil aceitar que
isso não aconteceria. Sempre amei o Natal, porque era
quando Lia iria aparecer e tudo ficaria bem, por dois ou três
dias. Era o tempo que ela suportava ficar ao meu lado. —
Abro um sorriso triste.

— Não diga isso.

— É a verdade. — Engulo o bolo que trava minha garganta.


Domingo, ouvi ela e meu pai conversando, sabe? Pulei a


janela do quarto, vencido pela curiosidade. Foi só então
que descobri que Lia nunca me desejou. É como se uma
venda tivesse sido tirada dos meus olhos. — Deixo a xícara
na mesa quando minhas mãos começam a tremer. A voz do
meu pai falando que minha mãe queria me tirar de seu
ventre toca sem parar na minha cabeça desde aquele dia.
— Percebi que lutei a minha vida toda por uma ilusão que
alimentei por anos. Queria muito que minha mãe me
amasse...
— Nada disso é sua culpa. Você tinha que vir a esse
mundo, JP. —

Danda segura minhas mãos. — Seu pai não seria o homem


que é, se não

tivesse você. E, para ser sincera... — Pensa um pouco. —


Tenho orgulho de Hugo e da dedicação dele em busca da
sua felicidade.

— Nunca duvidei do amor que ele tem por mim. — O amor


de Hugo é a tábua de salvação nesse oceano revolto que é
minha vida. — E hoje entendo que ele e minha mãe...
acabou. Eles nunca serão um casal, e a verdade é que não
desejo isso ao meu pai. — Danda ri, mas tapa a boca,
demonstrando culpa. — O que Lia fez a vocês foi cruel.
Nem eu, que sou um adolescente imaturo, agiria assim
para separar um casal. Meu pai adora você, Danda. Ele não
fez nada de errado, estávamos juntos a noite toda, na casa
dos meus avós. Confia em mim — suplico, quase me
ajoelhando.

Se for preciso implorar dessa forma, eu o farei. Porque a


verdade é que sou eu quem desejo que Dandara não saia
de nossas vidas. Porque ela me ofereceu suporte quando
precisei. Danda me acolheu e deu afeto, coisa que nunca
tive da minha mãe. Meu relacionamento com Lia sempre
foi impessoal, enquanto Danda é calorosa e compassiva.

— Acredito em você. Na verdade, já ia conversar com seu


pai.

Ontem, depois que meu sangue esfriou, percebi que agi de


forma impulsiva.

— Danda relaxa os ombros. — E li as mensagens dele à


noite. Hugo já havia explicado tudo.
— Quer dizer que vocês vão se acertar? — Abro um sorriso
largo, que logo se desfaz quando ela acena em negação.

— Não sei dizer — suspira. — Seu pai deve estar bravo


comigo, e, além disso, tenho minhas dúvidas quanto ao
nosso futuro.

— Não quer estar com a gente mais? Foi algo que eu fiz?

— Não! — É rápida na resposta. — Claro que não, João. Mas


não sei se seu pai e eu queremos as mesmas coisas,
entende? Tem outros aspectos envolvidos nesse namoro...

Adultos não deveriam saber o que fazer? Parece que


Dandara e meu pai estão mais perdidos que eu na vida. O
que falta para eles perceberem que se gostam de verdade?

— Entendo. Mas você ama meu pai?

— João... — Danda hesita.

Ela ama, mas não vai admitir. Talvez, eu devesse dar um


empurrão e fazer meu pai perceber que ele e Danda
precisam dar um passo adiante no namoro.

— Tudo bem. Não precisa dizer nada. — Pego minha xícara


e bebo o restante do líquido em um gole. — Sei que vão se
entender. — Na verdade, anseio para que se resolvam logo.
— Meu pai nunca foi tão feliz, Danda. E tudo por sua causa.
Sei que ele me ama e que é grato por ter me escolhido,
mas é diferente. Existe o juiz Alencar antes de Dandara e
existe a melhor versão dele, que veio depois de você.
Pensa com carinho no que quer, por favor.
— Vou pensar. Prometo.

— Preciso ir agora. Obrigado por me ouvir.

Ela me puxa para um abraço inesperado, e mais uma vez


não sei reagir ao seu carinho, então retribuo um pouco sem
jeito.

— Tenha mais fé em você, JP. — Dou um breve aceno,


mesmo sem saber como fazê-lo.

Estou tentando achar meu valor no mundo desde que me


entendo por gente, e, honestamente, tudo que fiz até aqui
foi ferrar com tudo.

Essa aqui é minha chance de fazer algo de bom para


alguém.

— Pai? — chamo ao entrar em casa depois da aula.

Já passa das cinco, e hoje foi um daqueles dias chatos em


que o período de aula é integral.

Estou fodido. Pela postura tensa dele, imagino que o diretor


já tenha dito que não entrei na escola no horário certo.

Hugo permanece parado, com o olhar fixo na piscina da


nossa casa, sem dizer nada.

— Pai? — Tento mais uma vez. — Alô?

Ele move os ombros e gira o corpo, como se levasse um


susto.

— João, não vi você chegar. — Ele parece distante, como se


só seu corpo estivesse presente. — Como foi a aula?

— Normal — respondo sem prolongar o assunto. — Você e


Danda conversaram?
— Não, e não deveria se preocupar com isso. — Ele franze
a testa.

— Está com fome?

— Pai... — Largo a mochila no sofá, porque temos assuntos


mais importantes a tratar. — Ela é a mulher da sua vida ou
não? — Porque foi essa a declaração que ouvi dele quando
estava brigando com minha mãe.

— O que está querendo dizer, João?

— É ou não? Por que o senhor está aí parado, esperando


uma solução cair do céu, ao invés de ir atrás dela?! —
exclamo, nervoso.

— Seu filho está certo. — Vovó passa pela porta dos


fundos, e nem mesmo notei sua presença. — Oi, meu neto
querido. Estava ali colhendo hortelã para fazer um chá.

— Oi, vó.

— E então, Hugo Alencar? O que tem a dizer em sua


defesa? —

Dona Regina começa a preparar o chá com calma,


enquanto espera uma resposta do meu pai.

— Mãe, o que quer que eu faça?

— Isso é com você. — A vó dá de ombros. — No meu


tempo, o amor era mais dramático, sabe? Era perfeito.
Cartas de amor, serenatas, essas coisas... Ninguém
duvidava quando um homem se dizia apaixonado, porque
ele gritava para o mundo inteiro.

Não sei se era assim mesmo que as coisas funcionavam,


mas o discurso de dona Regina parece acender uma luz em
meu pai, que está com cara de quem elabora um plano de
ação.

— Tenho uma ideia, e ela é horrível. — Meu pai está prestes


a cair na gargalhada. — Mãe, vou precisar da ajuda do Zé
da pamonha. Ainda tem o contato dele?

39

DANDARA

Estou mais zonza que barata depois de levar baforada de


inseticida.

Vilabela será palco de um evento mundial de mountain


bike e a cidade está recebendo uma horda de turistas. O
movimento na confeitaria aumentou significativamente, o
que é ótimo para nosso faturamento, mas estamos
trabalhando dobrado aqui. Além desse pico de clientes,
ainda tem a produção de Natal, que está a todo vapor.
Evelin já se demitiu três vezes só hoje, alegando que vai
perder a cabeça com algum fornecedor a qualquer
momento.

Equilibrar todas essas responsabilidades tem tomado todo


meu tempo e não consegui conversar com Hugo ainda.
Mas, em contrapartida, seu filho e eu tivemos um bate-
papo surpresa. Confesso que não esperava que João Pedro
fosse aparecer aqui, como fez dois dias atrás. Fiquei
desconcertada quando abriu seu coração e pediu para que
eu confiasse em seu pai. Ele estava afetado com nossa
briga, o que me pegou de surpresa.
Nos últimos meses, João e eu nos aproximamos e nos
conectamos, só que imaginei que ainda teríamos um longo
caminho pela frente até que nossa conexão fosse algo
próximo ao que uma madrasta e um enteado têm,
considerando que conseguiria conquistar sua cumplicidade.

Mas João me mostrou aquilo que Rafa já tinha dito há


meses: o filho de Hugo é só um garoto sensível que
esconde sua vulnerabilidade para que ninguém possa
magoá-lo. Foi o que me mostrou ao matar aula para
interceder pelo pai, porque quer vê-lo feliz.

E, para ser sincera, tudo que mais queria era ter corrido até
meu juiz quando João saiu daqui, e pedir desculpas por não
ter acreditado nele.

Deveria ter dado uma chance para que Hugo explicasse


essa história quando veio na confeitaria.

Meu instinto sempre fica em alerta quando diz respeito a


homens, e acabei agindo por impulso. Estou ansiosa desde
nossa briga, mas espero que não tenha arruinado as coisas
entre nós. Queria ter conversado com Hugo ou enviado
uma mensagem para dizer que ele não sai do meu
pensamento, que me equivoquei e que o amo e sinto sua
falta. Só que não tenho tempo para fazer nada. Saio do
trabalho, chego em casa e me jogo na cama. Nem mesmo
meu filho tenho visto.

— Danda, a Lúcia está no telefone. — Jojo faz cara de quem


comeu maionese estragada ao se aproximar com o celular
em mãos.

Olho ao meu redor, para as inúmeras mesas que precisam


da nossa atenção, e depois para o celular. Lúcia é uma
cliente antiga que sempre encomenda nossos bolos para
datas comemorativas. O problema é que ela fica meia hora
na ligação, pedindo para eu repetir ao menos cinco vezes
os sabores de recheio e massas de bolo que temos.

Não tenho muito tempo para ela agora, mas, ainda assim,
pego o telefone.

— Oi, Lúcia. — Tento soar solícita.

— Oi, Danda. Querida, quero encomendar um bolinho


simples para o “mêsversário” do meu netinho. — Nunca é
simples. No mês passado, ela pediu um bolo de dois
andares com a decoração da Turma da Mônica.

Fiquei uma tarde inteira cortando e modelando pasta


americana. — Qual sabor de recheio tem mais saída?

— Que tal experimentar o recheio de crocante de


amendoim, Lúcia?

Você nunca pediu antes e ele é delicioso. — Equilibro o


telefone entre o ombro e a orelha, deixando as mãos livres
para limpar a sujeira de uma mesa.

— Não sei. E se o Juliano for alérgico a amendoim? —


Juliano é o genro dela. Ele é casado com Manu, filha de
Lúcia, há dois anos. Todos os momentos especiais da vida
desses dois foram celebrados tendo a DanDelícias nos
bastidores, e por isso sei tudo sobre o casal. — Não tem
alguma opção azedinha?

— Tenho a de limão siciliano com geleia de frutas


vermelhas. A senhora encomendou esse sabor no
aniversário da Manu, lembra? — Abro a porta da cozinha
com a bunda, tendo uma bandeja cheia de vasilhas em
mãos.

— Não me lembro muito bem, mas acho que o pessoal


gostou. Não sobrou nadinha do bolo nesse aniversário. —
Deixo a bandeja na pia.

— É uma excelente opção, e combina com a massa de


baunilha. —

Pego os brownies de nozes que acabaram de ficar prontos,


para repor o estoque da vitrine.

— Ah, não. Massa de baunilha já usamos nas últimas


encomendas.

— Vou até a vitrine e agacho. Organizo a fileira de brownies


enquanto Lúcia toma seu tempo para pensar. — E se for
massa de leite em pó?

— Pode ser que...

— ATENÇÃO, DANDARA! — Quase deixo o telefone cair pelo


susto que levo quando ouço meu nome ser chamado em
um alto-falante. —

Dandara, essa mensagem é para você! — Espera, essa é a


voz de Murilo?

— Ô, Danda... Hum... Tem um... — Jojo está olhando para o


lado de fora, coçando a nuca e trocando o peso nas pernas.
— Aquilo é um carro de som?

— O quê?! — berro, tendo desespero consumindo minhas


entranhas.

— O que foi, Danda? — Ai, merda! A chamada com Lúcia!

— Lúcia, preciso desligar. Tenho que resolver um problema


urgente.

— Desligo a chamada sem dar a ela a chance de protestar.

Por favor, Universo, se for um pesadelo, me acorde agora!


— Dandara! Venha receber sua mensagem. — Vou jogar
Murilo embaixo desse carro. Puta merda!

— Que palhaçada é essa? — Evelin desce a escada como


um furacão.

Todos os clientes estão prestando atenção no circo armado


do lado de fora da confeitaria. Quero me enfiar em um
buraco e me esconder, mas não consigo me mover.

— Aquele é o seu namorado? — Jojo aponta para o vidro.

— Dandara, a gente sabe que você está aí dentro! —


Alguém aumenta o volume do carro e reconheço o arranjo
de Réu confesso, do Tim Maia.

— Vai dar um jeito nisso. Agora! — Evelin segura meu


braço e me permito ser conduzida para fora, porque ainda
estou presa em um estado de torpor, incrédula.

Reúno todo meu autocontrole para não rir ao passar pela


porta da confeitaria e me deparar com a cena à minha
frente. Um carro bordô antigo está parado na calçada, com
um desenho de pamonha na porta. Murilo está no banco do
motorista com um microfone ligado ao sistema de som do
carro em mãos. Balões vermelhos e brancos ornamentam
os espelhos retrovisores.

— Dandara, seu xodó tem uma mensagem especial para


você! —

Murilo anuncia no microfone, e quando a porta de trás do


carro é aberta, três rapazes vestidos com um terno saem
de lá.

Não acredito que Rafael está metido nessa conspiração


para me envergonhar em público!
Meu filho estende um tapete vermelho na calçada e João
Pedro vem atrás dele, espalhando pétalas de rosas
vermelhas pelo chão. Hugo para ao lado do carro com um
buquê de rosas na mão e meu coração dispara ao ver um
sorriso lindo em seu rosto.

Ele estende a mão para Murilo, que entrega o microfone a


ele. O juiz arranha a garganta e incorpora o espírito Sidney
Magal, me lançando uma piscadinha em forma de flerte.

Penso que vou ter um ataque de coração aqui e agora, não


sei se dominada pela vergonha ou pela emoção.

— Dandara, essa é sua mensagem de amor — ele diz no


microfone e ouço assobios vindos de trás de mim. — Há
alguns meses, fui convocado para uma reunião de pais e
não imaginei que sairia de lá com minha vida revirada do
avesso. Isso porque uma leoa cheia de energia, geniosa e
também dona do coração mais bondoso que já conheci, me
enfrentou, apontando o dedo na minha cara e dizendo
umas boas verdades. — Coloco

as mãos nas bochechas, as sentindo quentes. — Estou aqui


para confessar meu crime, Vossa Excelência, Dandara
Santos da Silva. Confesso que me apaixonei, confesso que
meus dias sem você não são mais os mesmos e confesso
que te amo. Se você quiser me prender por esse delito, a
hora é agora! — Ele usa as palavras que lhe disse naquele
estacionamento quando nos conhecemos.

Hugo entrega o buquê a João Pedro e tira uma algema do


bolso.

Ergue os punhos unidos no ar e vem até mim. Meu coração


trepida dentro do peito e meu sorriso amplia. Chego perto
dele e pego as algemas. Prendo uma em seu pulso e a
outra no meu, nos unindo em todos os sentidos.
— Somos dois criminosos, Vossa Excelência. Porque te amo
até mesmo quando é brega. — Nós dois rimos e ele pousa
a mão livre em meu rosto.

— Quer namorar comigo, leoa? De novo? — pede com a


voz mansa.

— Direi “sim” todas as vezes que pedir.

Hugo beija meus lábios e a música muda para Serenata, da


rainha Marília Mendonça.

Somos ovacionados por nossa plateia, que bate palmas e


assobia.

É, Danda, foi você mesma que disse: o amor é brega.

40

HUGO

UM MÊS DEPOIS

— Que sobremesa é essa? — Aponto para a travessa que


Dandara acabou de colocar na geladeira.

— Torta. — Ela abre um sorriso singelo.

— O que aconteceu com o pavê de Natal? — reclamo, já


que ela tirou de mim a chance de fazer a típica piada
natalina.

— Papai Noel tirou do cardápio, Excelência — zomba.


— Acha que vai dar certo reunir toda essa gente? Minha
família e a sua em um só lugar... — Vou até Danda e abraço
sua cintura, pressionando-a contra a bancada da cozinha
dela.

— Está tentando argumentar desde que decidimos


convidar todos eles para passar o Natal aqui. — Ela
desabotoa um dos botões da camisa, dando um ar informal
à minha aparência. — Isso tudo porque não quer ser motivo
de chacota depois daquele carro de som.

Reviro os olhos. Não me envergonho do que fiz, foi uma


excelente ideia, mas o barulho que veio depois me tirou do
sério.

Quando percebi que tinham pessoas gravando na hora, dei


um aviso sério à pequena multidão sobre a lei de uso de
imagem, para que o vídeo não circulasse na internet, e os
fiz apagar do telefone, um por um. Para o meu trabalho,
seria péssimo se, de repente, meu rosto circulasse pelas
redes sociais, porque um juiz da vara criminal pode se
tornar alvo fácil de bandidos que querem acertar as contas
depois de cumprir pena.

Ser uma autoridade na cidade parece ter surtido efeito, e


nada foi colocado na internet. Mas meu discurso não
impediu Evelin de repassar o vídeo que ela fez para os
familiares de Dandara.

E agora que eles estão vindo para o Natal, sei exatamente


o que esperar de cada um, porque minha namorada já me
avisou que não devo aguardar por misericórdia. Serei o
alvo de piadinhas a noite toda.

— Você deveria me defender. Ou faço de novo, e dessa vez


alugo uma kombi de ovos — ameaço.

— Você não ousaria!


— Sim, eu ousaria. — Seguro firme sua cintura e beijo seu
pescoço.

— Amo seu perfume. — Desço a mão até a bunda dela e


grudo nossos quadris. — E esse vestido vermelho está
indecente. Você está irresistível, meu amor.

Ouço alguém pigarrear e me afasto de Dandara. Me coloco


ao seu lado e encontro Rafael nos repreendendo com o
olhar.

— Isso é uma casa de família, seu juiz — ele censura.

— Eu sei, sinto muito. — Tento ficar sério, pois não quero


tirar a autoridade que ele imagina que tem sobre a mãe.

— Vocês ainda não tomaram banho? — Dandara diz em


tom de advertência. — Cadê o João Pedro? Já deveriam
estar prontos a essa hora!

— A gente se empolgou. — Rafael perde a postura de


durão e encolhe os ombros. — Foi ideia da senhora colocar
aquela cesta de basquete no fundo da casa.

— Pois não me faça tirá-la de lá e furar aquela bola. Passa


para o banheiro, agora, e tire todo esse sebo do corpo! —
ela ruge, apontando para as escadas, e Rafael sai em
disparada.

João Pedro passa como um raio, o seguindo, já que,


provavelmente, ouviu o pequeno sermão da minha felina
raivosa.

— Ninguém passa ileso da sua fúria — brinco, enrolando


um cacho seu no dedo. — Que horas os cariocas chegam?

— Daqui a pouco. Exceto Dom, que disse que não viria esse
ano. A bebezinha deles ainda é muito novinha — Danda
explica.

A filha de Dominique e Talita nasceu há algumas semanas,


e lembro bem dos primeiros meses de vida de um bebê.
São sempre os mais complicados e cansativos para os pais.

— Sente falta de alguma fase da maternidade? —


questiono.

Danda começa a organizar alguns petiscos em vasilhas, e


dobro as mangas para ajudá-la.

— Não sei. Cada fase tem suas dores e alegrias, não é? Mas
era tão gostosinho quando o Rafael tinha só dois anos e
ainda estava descobrindo o mundo. — Seus olhos ficam
vidrados quando mergulha na lembrança. —

Quando ele aprendia uma nova palavra, me olhava e eu


celebrava com ele, o que o fazia abrir aquele sorriso com
poucos dentes.

— Eles são uns anjos quando ainda não sabem falar “faz
um pix, velho”. — Despejo um pouco de amendoim salgado
em uma vasilha.

— Como o João está? — Danda fica séria, e entendo de


imediato o teor da pergunta.

— Ele e a mãe conversaram. — Solto o ar pela boca, ao


relembrar de tudo que João contou sobre esse encontro. —
Pelo que soube, Lia se forçou a se aposentar, porque não
estava conseguindo trabalhos na Europa.

Então, ela veio mesmo para ficar. Vai morar com os pais no
Rio de Janeiro por enquanto, e chamou João para morar
com ela.

— E João? — Danda me olha, preocupada.


— Ele ainda está muito sentido com o que descobriu. Eu
não deveria ter dito aquilo. — Encaro minhas mãos sobre a
bancada, pensando na discussão com Lia. Se eu soubesse
que João ouviria, não teria sido tão impulsivo. Me senti um
canalha quando meu filho veio confessar que estava
escutando tudo. — Perdi a cabeça e falei demais.

— Não se culpe tanto, Hugo. — Ela alisa meu braço, me


consolando. — João vai passar por cima de tudo isso.

— Ele está bem magoado, Danda. E a conversa com a mãe


só piorou tudo. Lia tentou manipular João, falou que eu sou
um mentiroso e que,

desde que ele nasceu, a proibi de ver o filho.

— O quê? — grita, indignada.

— Acredita? João saiu de lá furioso, e a partir daí eles não


se falaram. Até onde eu sei.

— Talvez, seja o melhor para ele agora. — Ela oferece um


sorriso, e aceno, concordando.

— A propósito, o processo de Cristina está em andamento.


— Danda retorce sua expressão em uma careta ao ouvir o
nome. — Ela será condenada. Mas arrumou um advogado
bom, que adora entrar com recursos. Não se preocupe, o
promotor daqui não foge de uma boa briga.

Ela não vai sair impune.

O interfone toca e Dandara sai apressada para atender.


Levo os petiscos e os coloco em cima da mesa de jantar,
que está posta com uma decoração impecável.

O silêncio é quebrado quando a família dela passa pela


porta. Todos eles estão falando ao mesmo tempo, alto, e
não compreendo nenhum assunto que esteja estabelecido.
Eles se calam, no entanto, ao me verem aqui, de pé, e me
preparo para o que vem a seguir.

— Olha só, se não é o Zé da pamonha! — Daniel é o


primeiro a se manifestar, e forço um sorriso curto.

— Alexa, tocar Tim Maia, Réu confesso! — Diego abre


espaço entre as pessoas e vem até mim. — Parabéns,
cunhado! Renovou nosso estoque de piadinhas prontas,
esse é o melhor Natal de todos.

Ele me cumprimenta com um aperto firme de mãos.

— Às ordens, Diego. — Entro no clima, porque lutar contra


a zombaria é inútil.

— Aí, tio, achei daora o carro de som! — Maria Isabel fala


com sinceridade.

Encaro-a, vislumbrando a cena que vi naquela pousada


mais de um mês atrás. João e eu não conversamos mais
sobre aquele beijo, mas todo mundo percebeu como os
dois se aproximaram, e deixei camisinhas na

mesa de cabeceira do meu filho, para garantir que ele


pense com consciência no que fará quando estiver com
Bel.

Evelin me degolará se meu filho engravidar a menina dela.

— Onde eu coloco isso aqui? — Eve entra carregando uma


travessa coberta com alumínio e Danda a conduz até a
cozinha.

— É, amigão, provou mesmo que é digno da minha Danda.


— Seu Valter passa por mim, dando um tapinha em meu
ombro, e escondo meu contentamento ao ouvir suas
palavras. — O que tem para comer aqui?

— Chegamos! — Minha mãe passa pelo batente de braços


dados com meu pai. — O portão estava aberto.

— Buda! — Danda vem correndo da cozinha, batendo os


saltos de plataforma no chão, chamando pelo cachorro.

Vou atrás dela, porque se esse cachorro inventar de sumir


na noite de Natal, vou deixá-lo com dona Conceição por
uma semana. Aquela vizinha fofoqueira não vai dar paz
para os ouvidos do pinscher.

— Buda! — chamo no jardim.

— Ai, merda! — Ouço o grito de desespero de Dandara vir


da rua e apresso os passos, com o coração na boca.

— Que foi? O que aconteceu? — Vasculho a rua com os


olhos, esperando o pior, porém, não encontro nada.

— Olha o que aquele safado está fazendo! — Danda aponta


para uma árvore.

Mesmo na penumbra, vejo a safadeza que o cachorro


aprontou. Não é possível uma coisa dessas. O portão ficou
cinco minutos aberto e ele achou uma cachorra para
cruzar?!

— Você não castrou esse cachorro, Dandara? — sibilo.

— Não! — ela resmunga. — Vira de costas, sinto que estou


atrapalhando os dois.

— É sério? — Ela segura meus ombros e me obriga a girar.


— Não acredito nisso! Eles não estão nem aí se a gente
está aqui.
Ficamos os dois palhaços parados, de costas, para a cena
sensual que acontece atrás de nós, esperando até que os
pombinhos se deem por satisfeitos.

Que dia me imaginei parado em uma calçada, tendo que


aguardar um cachorro trepar?

— E se ele engravidar a cadela? — falo baixinho e Danda


emite um muxoxo.

— Se enxerguei bem, aquela é a cadelinha da dona


Conceição.

— Dandara, você... — Que belo presente de Natal! — Você


deixou Buda engravidar a cachorra da dona Conceição?!

— Não fala assim da dona Conceição. — Faz graça.

— Você entendeu — cicio.

— Queria que eu tirasse ele à força? — rebate. — Meu


cachorro tem necessidades.

Buda late alto e giramos o corpo em sincronia. O cachorro


entra abanando o rabo, como se dissesse que acabou o
que tinha para fazer e que podemos voltar para nossa ceia.

— Mimou demais esse pinscher. Ele acha que é o rei dessa


casa —

reclamo, acompanhando Danda.

— E você é duro demais com ele. Pega leve.

Começamos a discutir como se Buda fosse nosso filho, e


não um cachorro que age por instinto. Não trago à tona
nenhum papo sobre a possibilidade de termos um filho,
porque está evidente que discordaríamos em tudo. E
também porque acho que passou minha hora e que sou
velho para trocar fraldas. Estou bem com um filho e um
enteado.

A conversa cessa quando entramos e Danda vai dar


atenção à minha família, enquanto eu converso com seus
irmãos e Valter.

Nossa noite de Natal é agitada, regada à muita conversa,


comida e bebida. Brincamos de amigo-oculto ladrão, em
que cada um tem que escolher um item dos presentes que
trouxemos. Os participantes têm direito

de roubar o presente do outro uma vez, até que todos os


itens tenham sido escolhidos. Termino a brincadeira com
um vinho que Diego trouxe.

Quando é início da madrugada, Diego e a família se


despedem, junto com seu Valter. Eles irão dormir na casa
do patriarca Santos da Silva. Meus pais vão logo depois.
Maria Isabel pede à mãe para ficar aqui, e Evelin cede. A
mulher se despede na sequência e sai com Daniel, que irá
passar a noite acomodado na casa de Eve.

Sobramos eu, Danda, Rafael, João Pedro, Bel e Buda.

— Crianças, vamos subir. — Dandara segura minha mão e


me conduz até as escadas. — Se comportem e não
durmam tarde.

— Pode deixar, mãe. — Rafael acena.

Subo os degraus com a mão entrelaçada a dela e vamos


juntos até seu quarto.

Fecho a porta e Danda tira os sapatos. Caminha até a


varanda do quarto e abre as portas de vidro. O vento suave
faz as cortinas balançarem e a luz da Lua recai sobre ela.
Ainda não sei dizer como tirei a sorte grande de ter essa
mulher como companheira. Antes de Dandara, minha vida
era robotizada. Todos os dias levava a mesma rotina chata
e cansativa, sem nunca fazer algo diferente. Sem muita
emoção, vivia do trabalho para casa, vendo as pessoas de
sempre.

Então, um dia, essa leoa cruzou meu caminho e seu brado


furioso balançou minha realidade e me fez ver tudo que
havia perdido no caminho.

Estava deixando a vida passar sem aproveitar o que ela


pode me oferecer.

Com Dandara, cada dia é uma nova chance de ser feliz.


Porque se a tenho comigo, tenho motivos de sobra para me
alegrar.

— Olha só, eles não esperaram dois minutos antes de


aprontar. — A risada de Danda me tira de órbita.

Ando até ela, que está escorada no balaústre, assistindo


algo no andar de baixo. Acompanho a direção do seu olhar
e vejo João Pedro e Bel deitados no gramado, observando
as estrelas.

— Nada de sermão hoje, Vossa Excelência. — Cutuca meu


ombro.

— Não ia dizer nada. — Fito o jovem casal, e o único


sentimento que me toma agora é deleite. Estou feliz que
João esteja vivendo sua primeira paixão, pois é uma
sensação incrível.

Mas nada se compara à sensação de encontrar o amor da


sua vida.
— Vem cá. — Abraço Dandara pela cintura e viro de costas
para o jardim. — Te amo muito, sabia?

Tiro um cacho de seu rosto, admirando sua beleza divina.


Os olhos castanhos brilham quando Danda sorri e passa os
braços por meus ombros.

— Também amo você, meu amor. — Deixa um beijo casto


em meus lábios. — Muito.

Beijo Dandara, selando nossa declaração, guardando em


meu peito a certeza de que é com essa mulher que
passarei o resto da minha vida.

EPÍLOGO

DANDARA

DOIS ANOS DEPOIS

Bato na porta do quarto de João Pedro e espero alguns


segundos.

— Pode entrar! — ele grita e abro.

Encontro meu enteado travando uma batalha com a


gravata, e seu rosto avermelhado indica que está há
bastante tempo preso nessa luta incessante.

— Posso ajudar? — pergunto, apontando para o tecido


enrolado em sua mão.

— Por favor. — Ele ergue o braço e me entrega a gravata.


Ajeito a peça ao redor do seu pescoço e dou um nó. Ajusto
a altura e aliso a camisa, alinhando tudo em seu devido
lugar.

— Você está lindão, JP. — Sorrio para meu enteado, que


retribui o gesto sem muita empolgação.

— Valeu, Danda. — Volta a olhar sua imagem no espelho. —


Queria que ela estivesse aqui, sabia?

Suspiro, sensibilizada com sua mágoa. E a verdade é que


não posso dizer que a recíproca é verdadeira, porque não
sei se é.

— Ela não está, mas sua família, sim. — Dou um soquinho


leve em seu ombro, tentando melhorar seu humor. — Qual
é?! Não somos o suficiente? Além disso, é sua formatura.
Fique feliz, garoto. Nunca mais vai ter que pisar na escola!

— É, mas agora vem a faculdade... — João Pedro pega o


paletó do terno na cama e o veste. — Queria ir para a
mesma universidade que o Rafa.

— E você vai. Daqui algumas semanas, vamos celebrar a


conquista de vocês. — Vou até ele. — Vai ficar carequinha,
porque vamos passar um trote nos dois!

— Nem pense nisso! — ele protesta e rio de seu desespero.

— Vamos, eles estão esperando a gente.

Pegamos o corredor da nossa casa, indo em direção à sala.


Hugo e João Pedro vieram morar com Rafael e eu há cerca
de um ano e meio, quando um evento inesperado uniu
nossas vidas ainda mais.

Acontece que Buda não foi o único que procriou naquele


Natal de dois anos atrás. Assim como meu cachorro, Hugo
e eu nos empolgamos e esquecemos a camisinha. Meu
anticoncepcional decidiu falhar justamente nesse dia, e
aqui estamos nós, com uma miniatura nossa, tão geniosa
quanto o pai e agitada como a mãe.

— Ei, princesa! — João Pedro faz uma voz fina quando


chegamos ao primeiro andar. — Vem aqui com seu irmão
preferido, Lili.

Ele estica a mão para Elisa, que passa do colo do pai para o
do irmão sem hesitar.

— Irmão preferido? — Rafael força uma risada. — Nos seus


sonhos, João Pedro.

— Você é o segundo preferido, Rafael. É o suficiente. —


Minha garota balbucia algo incompreensível e João ri. —
Está vendo? Lili concordou.

— Vamos andando, antes que eu perca a linha com esse


garoto atrevido — Rafael ralha, caminhando em direção à
porta.

Meu marido segura minha mão e pisca, sorrindo. Marido,


porque nos casamos quando eu estava grávida de três
meses. Quando Hugo me pediu em casamento, achei que
fosse somente por causa da gravidez, mas aceitei, porque
ele é meu grande amor e sabia que, em algum momento,
estaria em um altar com ele.

Acontece que ele só precisava de uma desculpa para


adiantar o casamento, e nunca vi esse homem tão feliz e
realizado como no dia em que trocamos alianças. Hugo
dançou funk com meus irmãos, cantou no karaokê e deu
várias cambalhotas na pista de dança. Não bastasse toda
essa empolgação, ele disse a noite inteira que aquele era o
dia mais feliz da vida dele.
— Linda. — Me faz dar uma voltinha, e me sinto adorada
diante de seu olhar de veneração.

Não me senti tão bonita assim depois que Elisa nasceu.


Estrias marcaram minha barriga, que ficou flácida, e passar
pelo puerpério pareceu uma batalha sem fim. Havia dias
que tudo que sabia fazer era chorar.

Mas eu tinha o melhor companheiro ao meu lado, e Hugo


me abraçou e me lembrou o quanto era amada a todo
momento. Ele acordava todas as noites comigo e me
acalmava quando achava que ia perder a cabeça. Ele foi
um pai para Elisa. Um que Rafael não teve. Porém, meu
filho nunca se amargurou por sua irmã ter aquilo que lhe
foi negado.

Aliás, ele e Hugo se tornaram bons amigos desde então.


Hugo o ajudou a montar um armário maior para sua
coleção de aeromodelos, o aconselhou quando Rafael não
queria me ouvir e o ajudou nas lições do colégio sempre
que pôde.

Nós cinco nos tornamos uma família. Aprendemos uns com


os outros, erramos, celebramos e vivemos um dia de cada
vez.

E, hoje, chegamos ao fim de mais uma etapa. Juntos.

— O casal vai vir, ou é para o recém-habilitado ali pegar o


volante?

— Rafael aponta para a garagem e Hugo e eu saímos


apressados.

O desejo de João Pedro desde que tirou a carteira de


habilitação é dirigir, mas queremos que ele vá com calma,
porque João se empolga demais e, às vezes, ultrapassa
alguns limites de velocidade.
— Rafael, como fecha essa merda? — João grunhe, lutando
com o cinto da cadeirinha de Elisa.

— João Pedro, o palavrão, filho! — Hugo o repreende antes


de assumir o volante.

— Sai daí, vacilão. Está fazendo errado. — Rafael afasta JP


da cadeirinha e os dois começam uma discussão sobre
quem é o melhor irmão mais uma vez.

Ligo o som e aumento o volume, para impedi-los de


seguirem com a briga. Não obstante, começo a cantarolar
Jeito Sexy, do Fat Family, com meu timbre arranhado,
vendo pelo retrovisor os dois fecharem a cara para mim.

Giro o tronco, tendo minha atenção na menininha que ri


para a performance que ofereço.

— Oh, baby, dance, dance, dance. Vem mexendo assim,


não pare, pare, pare. — Elisa bate as perninhas e
mãozinhas, gargalhando. — Essa daí vai ser cantora.
Podem anotar.

— Danda, ela é só um bebê que tem fascínio por qualquer


barulho

— Hugo diz, descrente.

— Não chama minha cantoria de qualquer barulho. — Lhe


dou um tapa na nuca e ele resmunga baixinho.

— Eles já são dois rapazes, amor. — Miro João Pedro e


Rafael, que estão do outro lado da pista, dançando com
Elisa no colo, enquanto seus colegas de classe fazem a
maior farra com a menina.

Meu plano era levá-la embora quando a festa começasse,


porque minha pequena costuma dormir cedo. Mas quando
ameacei afastá-la dos irmãos, Lili começou a chorar e se
debater. A única coisa que a deixou calma foi entrar no
meio da bagunça dos alunos.

— Eles são. — Sinto seu respirar, por estar com a cabeça


apoiada em seu peitoral. — E, em breve, vão sair de casa.

— Criamos eles para o mundo, não é? — Apoio o queixo em


seu torso e Hugo beija minha testa.

— Sim. — Acaricia minha bochecha. — E pensar que a


gente se conheceu porque eles se meteram em uma
confusão na escola...

— Parece que foi há uma década aquela reunião. — Deixo


uma risadinha escapar.

— Olha o Caio do outro lado da pista. Será que imaginou


que estava juntando um casal naquele dia? — Hugo brinca
e aceno em negação.

— Acho que ele queria estar no meu lugar, sabia?

— E acho que não imaginaria ninguém em seu lugar. —


Segura meu rosto e rouba meu ar com um beijo profundo e
vagaroso. — Você é a mulher da minha vida, Dandara.

— Você é o amor da minha vida, Vossa Excelência. Se


quiser me prender por amar você incondicionalmente, a
hora é agora.

Hugo gargalha e o acompanho, com meu peito vibrando,


preenchido de uma alegria indescritível.
Sou uma mãe, e durante muito tempo, achei que era tudo
que seria em minha vida. Achei que esse era o papel que
iria exercer com maestria, e, para ser sincera, eu o fiz. Fui
tudo que o Rafael precisou em sua infância e adolescência.

Mas agora admito que, ao dedicar minha vida ao meu filho,


fechei as portas do meu coração para que outros amores
chegassem. Até Hugo aparecer.

Ele me fez perceber que havia outras partes de mim para


serem amadas e notadas. E ele as amou e as notou como
ninguém. Com ele, sou Dandara por inteiro. Mulher,
esposa, confeiteira e companheira. Também sou insegura,
irritadiça e, principalmente, sou dele. Assim como ele é
meu.

Esse é só o começo da minha história com o juiz ranzinza


que atravessou meu caminho, e a vida é muito mais doce
com ele ao lado.

FIM!

AGRADECIMENTOS

Mal consigo acreditar que coloquei mais uma obra nesse


mundo.

Dandara e Hugo, obrigada por surgirem em minha vida e


me divertirem tanto com o jeitinho de vocês!

Quero deixar aqui o meu agradecimento, mais uma vez, à


Flavinha, minha psicóloga. Um dia, ela lerá esse livro, como
ela mesma diz, e saberá o quanto sou grata por cada
sessão que me faz amadurecer um pouco mais.

Agradeço à Alice, minha querida revisora. Sempre volto lá


trás, na primeira versão de Vinhos e Vinagre que você
revisou, e me recordo do peso que suas palavras tiveram
para me fazer acreditar que eu poderia fazer isso, que sou
boa em escrever. E cada dia você me incentiva a melhorar
um pouco mais.

Agradeço à Evelin Regina, beta número um, que de fato lê


até minha lista de compras se eu pedir. Você me dá forças
todos os dias para seguir em frente. Espero que minha Eve
tenha sido do seu agrado, e saiba que estarei aqui sempre
por ti, meu amorzinho.

Agradeço também à Mariane, que me incentivou a escrever


essa comédia romântica antes do previsto. Foi o que eu
precisava para me reencontrar e me expressar da forma
como necessitava naquele momento.

E, mais uma vez, obrigada a você, leitora, que me


acompanha desde o início e me incentiva a seguir firme.

Obrigada de todo coração!

OUTRAS OBRAS

SÉRIE VINÍCOLA CAMPELLO:

VINHOS E VINAGRE
Aisha costuma dizer que a vida dela é feita de reviravoltas
e surpresas. Mas uma coisa é certa: nessas voltas que o
mundo da ruiva deu, parar na Itália, ganhar uma família e
cultivar uma amizade inabalável com o charmoso Dante
Moretti é algo que ela escolheria viver mil vezes.

Já Dante gostaria que a vida dele desse apenas uma


guinada, e que nessa guinada, a melhor amiga de olhos
bicolores se abrisse para todo o amor que ele tem para
oferecer. Mas enquanto esse acontecimento parece ser
apenas um sonho distante, a pergunta que o agrônomo não
cansa de se fazer é: vale mesmo a pena arriscar uma
amizade tão bem construída para lutar por um amor que
parece cada dia mais impossível?

SPIN-OFF VINÍCOLA

CAMPELLO
“Eu fiz um excelente trabalho, não acha? Para que você me
odiasse?”

Durante o primeiro semestre de seu curso, Kira Moretti se


empenhou arduamente para alcançar o posto de melhor
aluna da sala. A garota destemida e atrevida nunca havia
enfrentado um competidor à altura.

Até ele aparecer.

Zayan Castelli carrega um passado doloroso a sete chaves


e nunca foi capaz de mostrar suas vulnerabilidades para
ninguém.

O jovem irritadiço e dono de uma mente brilhante assumiu


uma única missão quando pousou os olhos em Kira: a faria
provar o mais puro desprezo e ela aprenderia a odiá-lo dia
e noite, enquanto os dois disputassem o posto de aluno
número um da turma de psicologia da Universidade de
Florença.

Kira nunca soube o que fez Zayan oferecer apenas rancor,


mas aceitou prontamente entrar nesse campo de batalha.

Um acordo silencioso foi feito, uma guerra estrondosa foi


travada, e cada vez mais eles provaram um ao outro como
poderiam se odiar profundamente.

Até que um dia a situação saiu do controle.

Um tapa. Uma detenção. E vários segredos prestes a serem


revelados.

A receita perfeita para o caos.

O que acontece quando duas pessoas que se detestam são


forçadas a trabalharem juntas?

É verdade que o amor e o ódio andam de mãos dadas?


O que esperar do encontro de dois corações machucados?
O caos?

Ou finalmente a calmaria?

SÉRIE VINÍCOLA CAMPELLO:

AGRIDOCE
Nunca mais se apaixonar. Essa foi a resolução de Anita
Salvatore depois que foi abandonada pelo noivo uma
semana antes do seu casamento.

A decepção amorosa fez com que ela se fechasse para


qualquer relacionamento. E, durante alguns anos, Anita foi
bem-sucedida ao afastar qualquer homem que tivesse
potencial para quebrar seu coração. Até conhecer ele.

Antonio Campello é um playboy despreocupado, que nunca


namorou e repudia a ideia de ter algum relacionamento
sério na vida. Ele estava satisfeito em se dedicar somente
à vinícola da família, mas isso foi até Anita começar a
trabalhar lá.

Tudo iniciou com uma aposta, que despertou o lado


competitivo de ambos. Incapaz de assumir uma derrota,
Antonio tenta a todo custo chamar a atenção da diretora
que está fugindo de complicações. E é nesse jogo de cão e
gato que os dois percebem que possuem mais em comum
do que imaginavam. A proximidade entre eles vai despertar
um sentimento que, até então, estava adormecido.

Até onde Antonio irá para conseguir o que quer? E quanto


tempo Anita será capaz de resistir àquilo que deseja com
tanto ardor?

Casal cão e gato | Slow burn | Found family | Playboy


x Diva
DINASTICA CUCO:

PRESIDENTE BARBARA

WILCOX

Barbara Wilcox é uma engenheira marítima que assumiu o


comando da Península do Sul, um novo país reconhecido
pela ONU.

Por conta das imposições do pai durante sua vida, Barbie


passou muito tempo afastada de Ken, seu irmão gêmeo.
Só, que diferente dele, assumir uma posição de poder
nunca foi um problema para ela. Barbara sempre almejou
grandes conquistas, e não vai hesitar em enfrentar quem
entrar em seu caminho.

Oito anos atrás, ela conheceu Owen Scholes, um


engenheiro de TI e o futuro Almirante da Península do Sul.
Barbara acreditava que a relação dos dois nunca iria
avançar, já que foi proibida pelo pai de se relacionar com
alguém. O que ela não sabia era que Owen e seu pai
firmaram um acordo que envolve casamento e filhos.

Essa é a primeira de muitas descobertas que a nova


presidente da Península do Sul irá encarar. Uma rede
perigosa de segredos está formada.

Barbara confrontará inimigos desconhecidos e terá que


aprender a confiar nas pessoas ao seu redor para evitar o
fim do seu país.

[1] Referência à emissora de TV.

[2] Termo popular usado para descrever uma história que


foi muito bem contada e que parece verdade.

[3] Carteirada é mostrar a carteira profissional para


demonstrar que tem um cargo de autoridade.

[4] Engravidar.

[5] Referência ao dicionário Aurélio de língua portuguesa.

[6] Estou indo, só um segundo!

[7] Dedurando.

[8] Bêbada.

[9] Ministério Público.

[10] Referência à música Pela luz dos olhos teus,


interpretada por Miucha e Tom Jobim, que foi tema da
novela Mulheres Apaixonadas.

[11] Manoel Carlos é um autor de novelas famosas do


Brasil.
[12] Trecho da música Rubi, da banda Djavú.

[13] Música famosa do grupo Los Del Rio, que tem uma
dança muito conhecida.

[14] Ordem dos Advogados do Brasil.

[15] Aqui é usado como apelido e significa algo como


“querido”.

[16] Querido.
Document Outline
Sinopse
Nota da autora
Nota da autora II
Avisos
Playlist
Prólogo
01
02
03
04
05
06
07
08
09
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40
Epílogo
Agradecimentos
Outras obras
Série Vinícola Campello: Vinhos e Vinagre
Spin-off Vinícola Campello
Série Vinícola Campello: Agridoce
Dinastica Cuco: Presidente Barbara Wilcox

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