BMT 75 Negocio Impacto
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1 INTRODUÇÃO
Os negócios de impacto social (NIS) têm encontrado substancial espaço para crescimento e
fortalecimento no Brasil, acompanhando a tendência de outros países. Esses negócios adotam
formas próprias de condução da gestão de suas atividades. Um dos caminhos possíveis para a
sua gestão é seguir os princípios da economia solidária (EcoSol).
Essa não é uma prática nova. Sua origem se deu no movimento cooperativista britânico
estabelecido em decorrência da primeira Revolução Industrial (Singer, 2002), mas, na contem-
poraneidade, tem sido resgatada em conjunto com outras práticas de negócios, de modo que suas
premissas podem indicar uma melhor forma de estabelecer vínculos com trabalhadores, fornece-
dores, consumidores e outras partes envolvidas, de maneira a primar pela justiça nessas relações.
Considerando uma perspectiva tríplice de sustentabilidade, este estudo buscou com-
preender como os impactos sociais, ambientais e econômicos se relacionam na percepção de
stakeholders (entendidos como atores sociais de interesse nas atividades de uma determinada
organização) de um NIS atuante no campo da EcoSol. Na possibilidade de junção desses dois
universos, foi identificada a oportunidade de analisar como os stakeholders de um NIS gerido
com princípios da economia solidária percebem os impactos sociais, ambientais e econômicos
de suas atividades.
Ao abordar os NIS, a literatura muitas vezes não explicita claramente o que são os impactos
sociais, ambientais e econômicos, denominando-os como impacto social, socioeconômico ou
socioambiental. Essas denominações evidenciam como o impacto social engloba os demais
impactos, resumindo-os em uma única nomenclatura. Vale ressaltar que, de acordo com IIzuka,
Varela e Larroudé (2015, p. 386), “embora os resultados financeiros sejam, relativamente, fáceis
de medir, o nível social e ambiental é muito mais difícil de determinar”.
1. DOI: http://dx.doi.org/10.38116/espp5
2. Mestra em administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: <[email protected]>.
3. Professora adjunta da PUCRS. E-mail: <[email protected]>.
4. Pesquisadora da PUCRS. E-mail: <[email protected]>.
Economia Solidária e Políticas Públicas
2 REVISÃO DE LITERATURA
Com vistas a discorrer sobre a temática apresentada e buscar substância conceitual para a
questão identificada, foram revisadas contribuições da literatura que tratam de concepções
a respeito de três abordagens principais: a noção de NIS, a compreensão sobre as bases da EcoSol
e o conceito de stakeholders, que, juntos, compõem a problemática de interesse desta pesquisa.
2.1 NIS
Diferentes nomenclaturas associadas são encontradas na literatura como resultado de pesquisa
sobre NIS, tais como: negócios para a base da pirâmide (bottom of the pyramid – BoP), empresa
social, negócios inclusivos e negócios sociais. Comini, Barki e Aguiar (2012) identificaram
três concepções que buscam definir um NIS. A primeira é a concepção europeia, que se refere
à abordagem de empresa social cuja origem está em associações e cooperativas, destacando
as relações entre as organizações da sociedade civil com as funções públicas. A segunda é a
concepção norte-americana, que utiliza a nomenclatura negócio social ou unidade de negócio
de empresa comercial, com a lógica de mercado voltada para o público da BoP. A terceira é a
concepção dos países emergentes, contemplando América Latina e Ásia, com o termo negócios
inclusivos, que abarca as iniciativas para a inclusão social e a redução da pobreza.
Na América Latina, conforme Comini, Barki e Aguiar (2012), não há definição quanto à
distinção entre negócios sociais e negócios inclusivos. No Brasil, negócio inclusivo seria uma
subcategoria de negócio social, e, atualmente, não há diferenciação na constituição legal ou
no formato jurídico e regime tributário entre NIS e negócios tradicionais. Por sua vez, países
como Reino Unido, Itália e Estados Unidos reconhecem essas organizações híbridas e oferecem
vantagens e incentivos (Iizuka, Varela e Larroudé, 2015).
Na Europa, em uma perspectiva mais geral, há diversas ações que fomentam a criação de
NIS, de acordo com informações do Comitê Econômico e Social Europeu (Cese). O estudo
fomentado por Cese (2017) apresenta a evolução recente da economia social na União Europeia
e nos 28 Estados-membros no que diz respeito a criação de emprego, promoção do desenvolvi-
mento sustentável, adequação dos serviços às necessidades e distribuição mais justa do rendimento
e da riqueza. Considera-se importante esse movimento de dar um tratamento diferenciado à
economia social como forma de estimular e valorizar as potencialidades desse segmento.
Em essência, os negócios sociais são modelos de empresas que buscam resolver um
problema social, recorrendo a mecanismos utilizados no mercado tradicional da criação e da
venda de produtos e serviços que atendem às reais necessidades do mercado voltados para a
população em vulnerabilidade social, em vez de apenas maximizar o lucro. Para Yunus (2008,
p. 35), o negócio social é uma “oportunidade multidimensional dos seres humanos”, com vistas
a “identificar o verdadeiro ser humano e reconhecer os seus desejos multifacetados”. Ainda
segundo o autor, o negócio social é uma abordagem organizacional com a vocação de reduzir
a pobreza e oferecer oportunidades para as pessoas terem meios de produção e sobrevivência.
Em consonância, Comini, Barki e Aguiar (2012) afirmam que esse tipo de negócio objetiva a
inclusão de desfavorecidos e está mais vinculado à realidade de pequenas e médias empresas.
Considerando-se o sistema capitalista, na visão de Yunus (2008), há uma distinção nos
objetivos e nos interesses das corporações. Em uma extremidade, procura-se a maximização
dos lucros, visando gerar mais riqueza para os empresários, que são as chamadas empresas que
maximizam os lucros (EML), isto é, os negócios ou empresas tradicionais; na outra ponta, há
organizações sem fins lucrativos para cumprir objetivos sociais. Os negócios sociais conseguem
oferecer um equilíbrio, visto que são empreendimentos com um propósito primordialmente
social, mas que se dedicam a ser autossustentáveis financeiramente (Yunus, 2008).
Em publicação seminal para o campo, Yunus, Moingeon e Lehmann-Ortega (2010)
introduziram o conceito de modelo de negócios sociais como um parâmetro específico para
esse tipo de negócio. Com base na análise de diferentes negócios sociais no grupo composto
por empresas sociais da Grameen Danone Foods Limited – GDFL, de Bangladesh, os autores
concluem que os modelos de NIS são extensões daqueles derivados de negócios regulares,
tendo como elemento adicionado a equação do lucro social, responsável por propor e criar
valor para todas as partes interessadas, em vez de apenas para os clientes.
Thompson e McMillan (2010, p. 292) apontam o surgimento de um novo setor econômico
global, referindo-se a um tipo de empresa que proporciona a “redução da pobreza por meio da
criação de negócios que busquem simultaneamente lucros e riqueza social”. Essa configuração
de empresa forma os NIS, que, na visão dos autores, podem proporcionar desenvolvimento
à economia e à sociedade, criando um ciclo virtuoso na expectativa de atenuar os problemas
sociais e aumentar o número de beneficiários para, consequentemente, aumentar os lucros.
Isso significa mais retorno para os empreendedores e mais investimentos no negócio, visando
ampliar a abrangência da organização. Considerando-se as particularidades propostas pelos NIS
em comparação aos negócios tradicionais, os princípios da EcoSol podem somar-se àqueles,
tornando a gestão mais participativa e as relações mais horizontais e justas.
A noção geral de impacto dos NIS pode ser ampliada quando se discutem os aspectos mais
amplos de impacto que dão conta de questões não apenas sociais, mas também ambientais e
econômicas. Nesse sentido, partindo de uma concepção tradicional, mas aplicável em configu-
rações organizacionais diferentes, entende-se que os impactos sociais podem ser compreendidos
como as consequências sociais geradas a partir da implementação de algum negócio. Assim, o
impacto social é considerado algo experimentado ou sentido, de forma cognitiva ou corporal
(física). Essa percepção pode ocorrer no nível individual, de uma unidade econômica (família),
de um grupo social (círculo de amigos), de um local de trabalho (empresa ou agência governa-
mental), de uma comunidade ou da sociedade em geral. Esses níveis são afetados de diversas
maneiras por um impacto ou ação causadora de impacto (Vanclay et al., 2015). Barki (2018)
contextualiza o impacto social mediante ações realizadas pela população da periferia. Esses
negócios promovem impactos em diferentes frentes a partir do surgimento e do fortalecimento
de diversas iniciativas.
No grande escopo de impacto social, Vanclay (2002) apresenta impactos que podem ser
relacionados à dimensão ambiental e econômica. Assim, seguindo a orientação desse autor, neste
trabalho os impactos serão agrupados em sociais, ambientais e econômicos. Como impactos
sociais, Vanclay (2002) aponta aqueles relacionados: i) à saúde e ao bem- estar social; ii) aos
apectos institucionais, legais, políticos e de equidade; iii) às questões de gênero; e iv) às questões
culturais. No que tange aos impactos ambientais, têm-se os impactos relacionados à qualidade
de vida no ambiente. Nos impactos econômicos, consideram-se os impactos relacionados ao
bem-estar econômico e material. Tais impactos podem ser tanto positivos quanto negativos no
processo de desenvolvimento de um NIS, a depender dos encaminhamentos de sua atividade.
Entretanto, sempre se buscarão, desde a origem que move esses negócios, e alinhando-se a
princípios da EcoSol, efeitos sobre as relações que sejam conectados com preceitos positivos
e justos.
que esteja envolvido com um NIS, visto que esse modelo de negócio é plural. Desse modo,
um NIS pode gerar oportunidades de trabalho e renda para pessoas em vulnerabilidade social,
ajudando-as a garantir a sua sobrevivência e o sustento de sua família.
Por sua vez, um NIS também pode empregar pessoas que não buscam somente uma fonte
de renda, mas acreditam no propósito de um empreendimento e desejam promover mudanças
de ordem pessoal e coletiva (Barki, 2015). Na tentativa de entender o grande interesse de
organizações e instituições de ensino em compreender sobre NIS, Barki (2015, p. 16) sugere
que, entre tantas alternativas possíveis, a mais plausível seja “a busca de um propósito de vida
por parte crescente da sociedade”, que vai além do dinheiro, mas também busca fazer o bem.
A exemplo dessa perspectiva, Siqueira (2015) preocupou-se em investigar as relações
de confiança e de poder dos stakeholders internos das cooperativas de coleta e tratamento de
resíduos sólidos, no contexto dos princípios da EcoSol. Os resultados evidenciaram que, na
relação entre confiança e poder, as variáveis caminham lado a lado. Assim, aspectos como
utilitarismo, confiança relacional, confiança mútua foram identificados, bem como formas
diferentes de poder, considerando uma tipologia: i) autocrática; ii) instrumental; iii) de tran-
sição de autocrática para missionária; e iv) missionária.
Diante do exposto, pode-se perceber a complexidade posta na compreensão da visão de
impacto de stakeholders de um NIS com gestão de EcoSol, foco desta pesquisa.
3 MÉTODO
Parte-se de um estudo exploratório com o objetivo de entender como os impactos sociais,
ambientais e econômicos se relacionam na percepção de stakeholders de um NIS atuante no
campo da EcoSol. Um estudo exploratório se caracteriza por oferecer informações sobre o
objeto de pesquisa, a fim de conhecer tudo que o cerca, proporcionando entendimentos e
descobertas (Gil, 2017).
Para alcançar o objetivo, optou-se pela análise em profundidade de um estudo de caso
único instrumental (Stake, 1998), ou seja, um caso que, pela sua expressividade, permite ana-
lisar como um fenômeno de interesse se comporta. De acordo com a estrutura desta pesquisa,
a justificativa para o estudo único é por ser o NIS um caso revelador, visto que a investigação
foi realizada com indivíduos distribuídos em uma abrangência nacional, compostos por uma
diversidade cultural e social, com distinta organização da rotina de trabalho, papéis diferentes
na cadeia produtiva e, em certos casos, de alguns lugares com difícil acesso à comunicação.
Nessa situação, o objetivo é captar as circunstâncias e as condições de uma situação cotidiana,
tornando-se importante pela possibilidade de identificar as lições que podem oferecer sobre
os processos sociais relacionados a algum interesse teórico.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com roteiro não estruturado, mas
tendo como suporte as categorias definidas a partir da literatura. A seleção dos 29 entrevistados,
residentes em cinco regiões do Brasil, foi feita por meio da técnica bola de neve, iniciando com
uma das empreendedoras-fundadoras. Foram entrevistados trabalhadores, clientes, fornecedores,
comunidade e empreendedora-fundadora.
FIGURA 1
Áreas de atuação do NIS no Brasil e suas respectivas atividades produtivas
6. Para mais informações sobre experiências de tecnologia social, ver Zucoloto e Pereira (2020).
QUADRO 1
Objetivos, missão e valores da Justa Trama
Objetivos Missão Valores
Uma confecção [NIS] pode ter um diferencial de outra confecção, de algo que é convencional, mas
a pessoa também tem que entender que ali está embutida a questão social, a questão ambiental, a
questão de ter um produto diferente. Foi um grupo de agricultores que esteve envolvido naquele
processo produtivo. Tem alguma coisa por trás daquele produto, não é só um produto qualquer.
Então, tem que ver o que tem por trás. Talvez um preço a mais que você pagar por uma camisa, por
exemplo, comprar uma camisa [do NIS] que vai custar quarenta reais, ao invés de você comprar
outra parecida por trinta ou trinta e cinco reais, porque não teria o mesmo valor social e ambiental
que tem uma roupa do NIS. Você vestirá consciência, não é só uma roupa qualquer (Entrevista
com agricultor fornecedor 1, grifo nosso).
Esse relato alinha-se aos impactos sociais que Vanclay (2002) destaca como relacionados
à saúde e ao bem-estar social, de modo que o agricultor toma consciência sobre os danos dos
venenos para a sua produção e saúde e conecta, adicionalmente, uma reflexão sobre educação
e convivência com o semiárido, onde habita. A questão educacional é também relatada por
uma das trabalhadoras de cooperativa, ao destacar a representatividade que o NIS tem no
impacto aos jovens da comunidade do entorno. Noções mais amplas sobre EcoSol e finanças
solidárias, com a constituição de um banco comunitário de desenvolvimento (Silva, 2020b),
também são compartilhadas.
Aqui da comunidade (...), todos conhecem [o NIS] e a líder, daí fazemos festas de Natal, feiras,
brechós que unem toda a comunidade. Um dos objetivos [do NIS] dentro da comunidade é tirar
o jovem do meio da rua, para este jovem ver que existem outras oportunidades. Temos palestras com
médicos, dentistas e todos os tipos de assuntos que têm necessidade de serem esclarecidos, fazemos
parcerias para passar este esclarecimento para a comunidade. O NIS é visto por dar oportunidade
para as pessoas virem aqui, conversarem, esclarecerem e tentarem uma nova perspectiva da vida
(Entrevista com trabalhadora de cooperativa 1, grifo nosso).
No mês da mulher, a gente trouxe uma palestrante e ela falou sobre os direitos da mulher. Talvez a
gente traga esse ano de novo. Eu já tenho o olhar ampliado da pessoa como um todo. Uma coisa que
eu percebo, (...) se uma pessoa vem me pedir um microcrédito, eu já pergunto direto: “tu sabes
o que é um banco comunitário? Sabe o que é uma moeda social? Conhece a economia solidária?”,
como forma de aproximação e que ela saiba a que se refere (Entrevista com pessoa da comunidade
3, grifo nosso).
Observa-se que há, nesse processo, um vínculo de solidariedade que se estende para além
da dinâmica interna do NIS. Esse acesso a conhecimento compartilhado com os jovens do
entorno do local onde ocorre a produção e com as mulheres é também uma socialização de
riquezas que o NIS produz, pois trata de partilhas sociais. Desse modo, o tipo de economia aí
desenvolvido é plural, ao permitir, além de pluralidade nas formas de produzir, que também
sejam plurais os processos de distribuição de riquezas alcançadas com o trabalho cooperativo
e solidário, como reflete França Filho (2007).
Os clientes do NIS percebem também os seus amplos impactos, reconhecendo uma con-
tribuição para o desenvolvimento social. Há uma percepção de que apoiar as ações do NIS e
consumir os seus produtos permite que tais clientes somem a uma microrrevolução nos modos
de pensar questões nos três aspectos, social, econômico e ambiental, em constante consonância
e alinhados também ao pensamento externalizado pela empreendedora.
A gente não faz um apelo ao consumo, a gente faz um apelo para que as pessoas reflitam de onde
é que vem a sua roupa, se, de fato, ela é necessária. E, se ela é necessária, aqui estamos nós para
oferecer um produto orgânico, que não contaminou o planeta, que tem esses princípios da justiça
social (Entrevista com a empreendedora, grifo nosso).
O benefício que se faz para a sociedade é principalmente a evolução. Eu acredito que eu não consigo
fazer a grande revolução, mas eu faço a microrrevolução, (...) por meio do meu negócio ficar mais
próximo dos meus filhos, comprar do pequeno produtor e incentivar o consumo do orgânico, valo-
rizar o consumo local, dessas cooperativas de mulheres. Eu acho que tudo isso são as microrrevoluções
que são possíveis da gente fazer. Esses pequenos atos que pouco a pouco a gente vai mudando em
nosso entorno e quem sabe incentivando uma outra pessoa a pensar diferente, olhar diferente e com
isso ela também fazer a mesma mudança. (...) Pensando só em negócios, a gente tem uma relação
com o NIS de cliente-fornecedor, mas eu sempre, até se tu olhares nas nossas redes sociais, a gente
não só divulga nossos produtos, mas a gente divulga toda a causa envolvida com eles. Então, assim, eu
sempre divulgo o NIS como nosso parceiro (Entrevista com cliente 1, grifo nosso).
Em relação às mulheres que fazem parte [do NIS], que a gente observa muito, muito marca-
damente, é um empoderamento dessas mulheres. Eu acho que o fato de elas fazerem coisas que
elas fazem, ocupar os lugares que elas ocupam, (...) acho que esse empoderamento talvez seja o
mais significativo que a gente observa. Eu acho muito importante a força do poder feminino assim,
porque é uma organização basicamente feminina (...). E essas mulheres, com essa organização
delas, conseguiram se colocar num lugar importante, dar visibilidade para essa comunidade de
forma positiva e potente, que passa a ser vista a partir da experiência de uma forma diferente, e todos
ganham com isso (Entrevista com pessoa da comunidade 2, grifo nosso).
O impacto social observado nesse relato dialoga com o que Vanclay (2002) indica como
impactos relacionados aos aspectos institucionais legais, políticos e de equidade. A escola
passa a ser parte estendida do local de trabalho, facilitando os processos de maior dedicação e
tranquilidade para a produção das mães, o que reverbera no impacto econômico da produção
da cooperativa e na renda dessas pessoas.
A empreendedora, uma das fundadoras do NIS, compartilha a satisfação que o trabalho
cooperativo árduo gera ao longo de todos os anos de atividade. A sua fala reflete o reconheci-
mento dos impactos gerados pelos stakeholders e a sua própria realização.
Eu posso dizer, eu tive muitos convites de estar em outros lugares, estar também dando outros tipos
de contribuição, mas eu gosto, sabe, eu gosto de levantar, ir na cooperativa, de a gente programar a
produção, de a gente cortar, de a gente ver a peça pronta, de falar com cada um dos elos, de poder
estar lá junto com os agricultores, de estar com eles, conversar nas dificuldades que têm. Isso me fez
tão feliz, que tu não podes imaginar (Entrevista com a empreendedora, grifo nosso).
Nesse sentido, ressalta-se que, além de pensar nos impactos de ordem social, econômica
e ambiental, alinhar tais esforços com vistas a uma gestão democrática e justa, na qual todas as
partes se sintam acolhidas em reciprocidades, é também um desafio agregado. Nesse sentido,
o NIS busca deixar seus stakeholders cientes de que a gestão também depende da participação
ativa de todos, a fim de que haja a possibilidade de contribuir para redução da pobreza e de
buscar, simultaneamente, lucro e riqueza social, como é estabelecido por Thompson e McMil-
lan (2010) como fundamento de um NIS. A fala de um dos fornecedores deixa evidente que
a mensagem é compartilhada em toda a cadeia.
Como a gente é um elo [do NIS], a gente tem que estar participando das decisões com relação a
definição de valores, quanto é que pode ser uma roupa de algodão, com um preço que seja justo
para o agricultor e justo para toda a cadeia, para não se tornar também um produto, lá no consu-
midor, que seja impossível dele poder consumir, em termos de valor (Entrevista com fornecedor
3, grifo nosso).
Na verdade, tu tens uma renda bem boa, que vem a agregar. Porque quando dizem assim: “ah,
cooperativa todo mundo ganha pouco”. Não, todo mundo ganha muito bem. Todo mundo ganha,
razoavelmente, um salário que qualquer outro lugar [paga]. Não é um salário mínimo, um salário
pequeno, não. E tu tem a chance de fazer teu salário ser maior (Entrevista com trabalhadora da
cooperativa 2, grifo nosso).
É possível ter um valor justo para cada uma das etapas do processo produtivo e chegar ao final com
um valor que esteja dentro da realidade do consumidor; algo que, por ser justo para cada etapa, ele
chega no final e acaba sendo acessível aos que produzem. Então, tem esse princípio da justiça
social (Entrevista com a empreendedora, grifo nosso).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados apontam para a percepção positiva dos stakeholders do NIS estudado
quanto aos impactos sociais, ambientais e econômicos de suas atividades, destacando a forte
presença de princípios da economia solidária nesses impactos, uma vez que esta está presente
na gestão do negócio. Nesse sentido, compreende-se que é possível pensar em novas configu-
rações de negócios, como é o caso dos NIS, sem abandonar relações e práticas solidárias que
buscam tornar as relações de trabalho mais acolhedoras e justas.
Assim, foram verificadas ao longo do texto questões essenciais relacionadas aos pontos
trazidos adiante.
1) Relações sociais trabalhistas, como a solidariedade entre os envolvidos no processo
de produção.
2) Consciência ambiental quanto ao correto manejo e eliminação dos agrotóxicos.
3) Consciência a partir da relação de produção e consumo.
4) Socialização de riquezas e rendas.
5) Igualdade de gênero.
6) Prática da justiça social, bem como outras fundamentais para alinhamento tanto ao
que propõe a literatura de negócios de impacto social quanto ao que prega a economia
solidária na sua essência.
Como contribuições para a literatura, este artigo associa a discussão contemporânea de
negócios de impacto social, considerando as três esferas da sustentabilidade (social, econômica
e ambiental), à discussão já consolidada de economia solidária, indicando os pontos de con-
vergência desses dois universos a partir de princípios comuns na prática da gestão. Buscou-se
ainda estimular o diálogo de outras análises a partir da inquietação motivadora deste estudo.
Como contribuições para a prática, entende-se que o caso analisado permite grande
inspiração para outros negócios semelhantes e ressalta como é possível, mesmo em um país
de dimensões continentais como o Brasil, estabelecer uma rede de solidariedade e atenções múl-
tiplas, tanto na esfera do mercado quanto na esfera das pessoas envolvidas e do meio ambiente.
Sugere-se, para pesquisas futuras, ampliar o entendimento das implicações dos princípios
de gestão de EcoSol em diferentes segmentos de NIS e estabelecer comparativos com negócios
e circuitos produtivos que não adotem tais princípios.
REFERÊNCIAS
BARKI, E. Negócios de impacto: tendência ou modismo? GVExecutivo – Sociedade e Gestão,
v. 14, n. 1, p. 14-17, jan.-jun. 2015.
______. A periferia no centro. GVExecutivo, v. 17, n. 3, p. 18-21, maio-jun. 2018.
CARROLL, A. B.; BUCHHOLTZ, A. B. (Org.). Business and society: ethics and stakeholder
management. Ohio: Thomson South – Western, 2003.