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NEGÓCIO DE IMPACTO SOCIAL COM GESTÃO

DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: UM ESTUDO DE


CASO BRASILEIRO DA REDE JUSTA TRAMA1

Márcia Lima Santos de Cezere2


Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos3
Ana Clara Aparecida Alves de Souza4

1 INTRODUÇÃO
Os negócios de impacto social (NIS) têm encontrado substancial espaço para crescimento e
fortalecimento no Brasil, acompanhando a tendência de outros países. Esses negócios adotam
formas próprias de condução da gestão de suas atividades. Um dos caminhos possíveis para a
sua gestão é seguir os princípios da economia solidária (EcoSol).
Essa não é uma prática nova. Sua origem se deu no movimento cooperativista britânico
estabelecido em decorrência da primeira Revolução Industrial (Singer, 2002), mas, na contem-
poraneidade, tem sido resgatada em conjunto com outras práticas de negócios, de modo que suas
premissas podem indicar uma melhor forma de estabelecer vínculos com trabalhadores, fornece-
dores, consumidores e outras partes envolvidas, de maneira a primar pela justiça nessas relações.
Considerando uma perspectiva tríplice de sustentabilidade, este estudo buscou com-
preender como os impactos sociais, ambientais e econômicos se relacionam na percepção de
stakeholders (entendidos como atores sociais de interesse nas atividades de uma determinada
organização) de um NIS atuante no campo da EcoSol. Na possibilidade de junção desses dois
universos, foi identificada a oportunidade de analisar como os stakeholders de um NIS gerido
com princípios da economia solidária percebem os impactos sociais, ambientais e econômicos
de suas atividades.
Ao abordar os NIS, a literatura muitas vezes não explicita claramente o que são os impactos
sociais, ambientais e econômicos, denominando-os como impacto social, socioeconômico ou
socioambiental. Essas denominações evidenciam como o impacto social engloba os demais
impactos, resumindo-os em uma única nomenclatura. Vale ressaltar que, de acordo com IIzuka,
Varela e Larroudé (2015, p. 386), “embora os resultados financeiros sejam, relativamente, fáceis
de medir, o nível social e ambiental é muito mais difícil de determinar”.

1. DOI: http://dx.doi.org/10.38116/espp5
2. Mestra em administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: <[email protected]>.
3. Professora adjunta da PUCRS. E-mail: <[email protected]>.
4. Pesquisadora da PUCRS. E-mail: <[email protected]>.
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Da mesma forma, não é possível compreender, objetivamente, as percepções dos stakeholders


com relação a cada um desses impactos, visto que há o interesse da realização do objetivo social
e igualmente o retorno financeiro. Pagnussatt et al. (2018) analisam, em um negócio tradicio-
nal,5 as diferentes percepções no plano local, diferenciando os impactos sociais, ambientais e
econômicos gerados pela implementação de pequenas centrais hidroelétricas. Como resultado,
evidenciam-se as divergências entre as percepções em um mesmo grupo de stakeholders sobre a
caracterização dos impactos. Com isso, a lacuna desta pesquisa centra-se em discorrer sobre
esses impactos a partir das diversas perspectivas de um NIS.
Foi desenvolvido um estudo qualitativo, com a realização de 29 entrevistas com os diferentes
atores envolvidos com o NIS, abarcando todo o território brasileiro, mais especificamente em
Porto Alegre (RS), Tauá (CE), Pará de Minas (MG), Porto Velho (RO) e Ponta Porã (MS).
Além disso, foram coletados dados secundários em documentos e fotografias, para compreender
de forma mais ampla as percepções com relação aos impactos gerados pelo NIS. Os resultados
destacam a observância de impactos sociais, ambientais e econômicos, ressaltando, adicional-
mente, a presença dos princípios da EcoSol na gestão dos empreendimentos analisados.
Este texto está estruturado em cinco seções, iniciando-se por esta introdução, seguida pela
seção 2, de revisão de literatura, na qual são destacados NIS, EcoSol e a noção de stakeholders
nessa junção. O método, na seção 3, apresenta como a pesquisa foi conduzida, bem como o
caso escolhido para análise. A seção 4 dá conta da discussão dos resultados. Finalmente, na
seção 5, são apresentadas as considerações finais.

2 REVISÃO DE LITERATURA
Com vistas a discorrer sobre a temática apresentada e buscar substância conceitual para a
questão identificada, foram revisadas contribuições da literatura que tratam de concepções
a respeito de três abordagens principais: a noção de NIS, a compreensão sobre as bases da EcoSol
e o conceito de stakeholders, que, juntos, compõem a problemática de interesse desta pesquisa.

2.1 NIS
Diferentes nomenclaturas associadas são encontradas na literatura como resultado de pesquisa
sobre NIS, tais como: negócios para a base da pirâmide (bottom of the pyramid – BoP), empresa
social, negócios inclusivos e negócios sociais. Comini, Barki e Aguiar (2012) identificaram
três concepções que buscam definir um NIS. A primeira é a concepção europeia, que se refere
à abordagem de empresa social cuja origem está em associações e cooperativas, destacando
as relações entre as organizações da sociedade civil com as funções públicas. A segunda é a
concepção norte-americana, que utiliza a nomenclatura negócio social ou unidade de negócio
de empresa comercial, com a lógica de mercado voltada para o público da BoP. A terceira é a
concepção dos países emergentes, contemplando América Latina e Ásia, com o termo negócios
inclusivos, que abarca as iniciativas para a inclusão social e a redução da pobreza.

5. Negócios tradicionais têm o propósito de maximizar e rentabilizar os lucros.

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Na América Latina, conforme Comini, Barki e Aguiar (2012), não há definição quanto à
distinção entre negócios sociais e negócios inclusivos. No Brasil, negócio inclusivo seria uma
subcategoria de negócio social, e, atualmente, não há diferenciação na constituição legal ou
no formato jurídico e regime tributário entre NIS e negócios tradicionais. Por sua vez, países
como Reino Unido, Itália e Estados Unidos reconhecem essas organizações híbridas e oferecem
vantagens e incentivos (Iizuka, Varela e Larroudé, 2015).
Na Europa, em uma perspectiva mais geral, há diversas ações que fomentam a criação de
NIS, de acordo com informações do Comitê Econômico e Social Europeu (Cese). O estudo
fomentado por Cese (2017) apresenta a evolução recente da economia social na União Europeia
e nos 28 Estados-membros no que diz respeito a criação de emprego, promoção do desenvolvi-
mento sustentável, adequação dos serviços às necessidades e distribuição mais justa do rendimento
e da riqueza. Considera-se importante esse movimento de dar um tratamento diferenciado à
economia social como forma de estimular e valorizar as potencialidades desse segmento.
Em essência, os negócios sociais são modelos de empresas que buscam resolver um
problema social, recorrendo a mecanismos utilizados no mercado tradicional da criação e da
venda de produtos e serviços que atendem às reais necessidades do mercado voltados para a
população em vulnerabilidade social, em vez de apenas maximizar o lucro. Para Yunus (2008,
p. 35), o negócio social é uma “oportunidade multidimensional dos seres humanos”, com vistas
a “identificar o verdadeiro ser humano e reconhecer os seus desejos multifacetados”. Ainda
segundo o autor, o negócio social é uma abordagem organizacional com a vocação de reduzir
a pobreza e oferecer oportunidades para as pessoas terem meios de produção e sobrevivência.
Em consonância, Comini, Barki e Aguiar (2012) afirmam que esse tipo de negócio objetiva a
inclusão de desfavorecidos e está mais vinculado à realidade de pequenas e médias empresas.
Considerando-se o sistema capitalista, na visão de Yunus (2008), há uma distinção nos
objetivos e nos interesses das corporações. Em uma extremidade, procura-se a maximização
dos lucros, visando gerar mais riqueza para os empresários, que são as chamadas empresas que
maximizam os lucros (EML), isto é, os negócios ou empresas tradicionais; na outra ponta, há
organizações sem fins lucrativos para cumprir objetivos sociais. Os negócios sociais conseguem
oferecer um equilíbrio, visto que são empreendimentos com um propósito primordialmente
social, mas que se dedicam a ser autossustentáveis financeiramente (Yunus, 2008).
Em publicação seminal para o campo, Yunus, Moingeon e Lehmann-Ortega (2010)
introduziram o conceito de modelo de negócios sociais como um parâmetro específico para
esse tipo de negócio. Com base na análise de diferentes negócios sociais no grupo composto
por empresas sociais da Grameen Danone Foods Limited – GDFL, de Bangladesh, os autores
concluem que os modelos de NIS são extensões daqueles derivados de negócios regulares,
tendo como elemento adicionado a equação do lucro social, responsável por propor e criar
valor para todas as partes interessadas, em vez de apenas para os clientes.
Thompson e McMillan (2010, p. 292) apontam o surgimento de um novo setor econômico
global, referindo-se a um tipo de empresa que proporciona a “redução da pobreza por meio da
criação de negócios que busquem simultaneamente lucros e riqueza social”. Essa configuração

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de empresa forma os NIS, que, na visão dos autores, podem proporcionar desenvolvimento
à economia e à sociedade, criando um ciclo virtuoso na expectativa de atenuar os problemas
sociais e aumentar o número de beneficiários para, consequentemente, aumentar os lucros.
Isso significa mais retorno para os empreendedores e mais investimentos no negócio, visando
ampliar a abrangência da organização. Considerando-se as particularidades propostas pelos NIS
em comparação aos negócios tradicionais, os princípios da EcoSol podem somar-se àqueles,
tornando a gestão mais participativa e as relações mais horizontais e justas.
A noção geral de impacto dos NIS pode ser ampliada quando se discutem os aspectos mais
amplos de impacto que dão conta de questões não apenas sociais, mas também ambientais e
econômicas. Nesse sentido, partindo de uma concepção tradicional, mas aplicável em configu-
rações organizacionais diferentes, entende-se que os impactos sociais podem ser compreendidos
como as consequências sociais geradas a partir da implementação de algum negócio. Assim, o
impacto social é considerado algo experimentado ou sentido, de forma cognitiva ou corporal
(física). Essa percepção pode ocorrer no nível individual, de uma unidade econômica (família),
de um grupo social (círculo de amigos), de um local de trabalho (empresa ou agência governa-
mental), de uma comunidade ou da sociedade em geral. Esses níveis são afetados de diversas
maneiras por um impacto ou ação causadora de impacto (Vanclay et al., 2015). Barki (2018)
contextualiza o impacto social mediante ações realizadas pela população da periferia. Esses
negócios promovem impactos em diferentes frentes a partir do surgimento e do fortalecimento
de diversas iniciativas.
No grande escopo de impacto social, Vanclay (2002) apresenta impactos que podem ser
relacionados à dimensão ambiental e econômica. Assim, seguindo a orientação desse autor, neste
trabalho os impactos serão agrupados em sociais, ambientais e econômicos. Como impactos
sociais, Vanclay (2002) aponta aqueles relacionados: i) à saúde e ao bem- estar social; ii) aos
apectos institucionais, legais, políticos e de equidade; iii) às questões de gênero; e iv) às questões
culturais. No que tange aos impactos ambientais, têm-se os impactos relacionados à qualidade
de vida no ambiente. Nos impactos econômicos, consideram-se os impactos relacionados ao
bem-estar econômico e material. Tais impactos podem ser tanto positivos quanto negativos no
processo de desenvolvimento de um NIS, a depender dos encaminhamentos de sua atividade.
Entretanto, sempre se buscarão, desde a origem que move esses negócios, e alinhando-se a
princípios da EcoSol, efeitos sobre as relações que sejam conectados com preceitos positivos
e justos.

2.2 Fundamentos e princípios da economia solidária


Nas bases fundamentais da EcoSol, tem-se uma contraposição entre solidariedade e competição
na economia. A competição pode ser positiva, mas, na configuração do sistema capitalista atual,
gera efeitos sociais negativos ao antagonizar o que se entende como “vencedores” – aqueles
que acumulam vantagens – e “perdedores” – aqueles que acumulam desvantagens em com-
petições futuras (Singer, 2003). França Filho (2007) destaca que a noção de economia plural
corresponde à ideia de uma economia que admite uma pluralidade de formas de se produzir

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e distribuir riquezas. A adoção desse modo de conceber o funcionamento da economia real


amplia a noção de econômico para além da visão dominante da economia de mercado. Assim,
é possível perceber certas singularidades, próprias às práticas de EcoSol.
Fundamentalmente, conforme Singer (2002), principal nome relacionado a essa temática
no Brasil, a EcoSol pode ser compreendida como outro modo de produção que tem como
princípios básicos a propriedade coletiva ou associada do capital e, adicionalmente, o direito
à liberdade individual. Nesse sentido, a solidariedade na economia, para Singer (2002), só
pode se configurar a partir de uma organização igualitária, na qual, por meio de associação, é
possível produzir, comerciar, consumir e poupar. Essa associação se dá entre iguais, em vez do
estabelecimento de contrato entre desiguais.
Entre as práticas identificadas no campo da EcoSol, encontram-se diferentes categorias
sociais e diversas modalidades de organização, tais como unidades informais de trabalho e
geração de renda, associações de produtores e consumidores, cooperativas populares, empresas
recuperadas por trabalhadores, sistemas locais de troca e bancos comunitários. De modo geral,
elas podem ser dedicadas à produção de bens, à prestação de serviços, à comercialização e ao
crédito (Kuyven, Gaiger e Silva, 2020; Silva, 2020a).
Singer (2002) aponta que a administração na EcoSol ocorre pela noção de autogestão
(democraticamente, as decisões são tomadas em assembleia), diferentemente da heterogestão
da economia capitalista (hierárquica, com níveis sucessivos de autoridade). A autogestão exige
que os trabalhadores da empresa solidária, além de cumprirem suas tarefas, se preocupem
com os problemas gerais da empresa, em um interesse comum que permite uma cooperação
inteligente e benéfica para todas as partes. França Filho (2007) ressalta, como segunda voca-
ção dessa economia, a construção conjunta da oferta e da demanda, que vai muito além da
combinação de diferentes lógicas econômicas, traço que singulariza as práticas de EcoSol como
fundamentos de outra economia.
As origens da EcoSol datam de um momento histórico um pouco depois do surgimento
do capitalismo industrial. Seu aparecimento se deu como reação ao amplo empobrecimento dos
artesãos em decorrência da difusão de máquinas e da organização fabril da produção. Pode-se
destacar o protagonismo do britânico Robert Owen para o cooperativismo nesse processo,
bem como a experiência francesa com Charles Fourier. Como formas diversas, têm-se o coo-
perativismo de consumo, o cooperativismo de crédito, as cooperativas de compra e venda e as
cooperativas de produção (Singer, 2002). No Brasil, essa configuração de práticas econômicas
ganha força especialmente a partir da década de 1990 (Ferrarini, Gaiger e Schiochet, 2018;
Kuyven, Gaiger e Silva, 2020; Silva, 2020b).
Cattani et al. (2009), ao discorrerem sobre “a outra economia”, apresentam-na como
alternativa material e humana superior à economia capitalista. Algumas designações podem
ser utilizadas nessa perspectiva, tais como EcoSol, economia do trabalho, novo cooperativismo,
empresas autogestionárias e outras. Os autores compreendem que essas são realizações inova-
doras, associadas a novos valores e princípios, que se opõem às práticas excludentes, social e
ambientalmente predatórias.

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Ferrarini, Gaiger e Schiochet (2018) lembram que os empreendimentos econômicos


solidários permitem metabolizar de forma inovadora racionalidades diferentes, ancestrais.
É o caso dos povos e comunidades tradicionais. Nas periferias urbanas, a EcoSol também ganha
força a partir das suas organizações comunitárias. Cooperativismo, autogestão, solidariedade e
justiça podem ser destacados como princípios básicos da EcoSol (Singer, 2003), e tais princípios
são considerados como centrais nesta pesquisa, com vistas a melhor compreender a dinâmica
de gestão do caso analisado.

2.3 A noção de stakeholders relacionada a NIS e EcoSol


Considerando-se organizações dos mais diversos tipos, é possível reconhecer que todas terão
diversos atores e instituições conectados. Nesse sentido, Carroll e Buchholtz (2003) com-
preendem stakeholders como um conjunto de sujeitos e instituições que compõem as partes
“interessadas” que afetam e são afetadas pelas atividades de uma organização. Esse conceito
passa pela compreensão do envolvimento de um indivíduo ou grupo que participa de deter-
minadas ações e decisões, por interesse, direito ou reivindicação.
As diversas formas de organização humana envolvem um processo de criação e distribuição
de valor, em sentindo amplo, por meio das interfaces existentes entre variados interlocutores.
Conforme Rodrigues e Wada (2011), a gestão dessas interfaces pode ser gerada pelo reconhe-
cimento do seu valor intrínseco ou pela expectativa dos respectivos impactos no desempenho
organizacional, sendo que, em princípio, essa opção estará intimamente ligada à natureza
do respectivo propósito e aos valores fundamentais explícita ou implicitamente assumidos.
A gestão dos stakeholders é considerada um desafio, uma vez que é fundamental equilibrar
interesses possivelmente conflitantes, especialmente quando eles vêm de grupos e culturas
diversos ou exercem poder e influência desigual (Friedman e Miles, 2006).
No que tange às empresas sociais, considera-se que cada stakeholder tem suas próprias
perspectivas e percepções sobre o impacto dessas organizações com base nas interações que
têm com o negócio (Chan, Mook e Kislenko, 2015), de modo que todas as partes interessadas
podem influenciar a visão do impacto social. Em todos os modelos de negócios, independen-
temente do formato, sempre haverá a figura do stakeholder, representado pelos indivíduos com
relação direta ou indireta com o empreendimento.
De acordo com Sabatier et al. (2017), as empresas sociais (formas organizacionais híbridas)
precisam equilibrar as expectativas de várias partes interessadas, correndo o risco de satisfazer
as demandas de um lado e violar as de outros, assim como comprometer a autenticidade do
objetivo social das partes interessadas. Além disso, as empresas podem ser confrontadas com
percepções variadas de resultados bem-sucedidos e com tensões entre os acionistas e os demais
atores de interesse (Wang et al., 2016).
Assim, os stakeholders envolvidos com o NIS podem ser trabalhadores, empreendedores,
clientes, fornecedores e a comunidade em que o negócio está inserido. Dependendo do tipo
de NIS, é possível que haja oportunidades para diversos trabalhadores, cada um com suas
peculiaridades. Certamente não há um tipo único de trabalhador com características definidas

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que esteja envolvido com um NIS, visto que esse modelo de negócio é plural. Desse modo,
um NIS pode gerar oportunidades de trabalho e renda para pessoas em vulnerabilidade social,
ajudando-as a garantir a sua sobrevivência e o sustento de sua família.
Por sua vez, um NIS também pode empregar pessoas que não buscam somente uma fonte
de renda, mas acreditam no propósito de um empreendimento e desejam promover mudanças
de ordem pessoal e coletiva (Barki, 2015). Na tentativa de entender o grande interesse de
organizações e instituições de ensino em compreender sobre NIS, Barki (2015, p. 16) sugere
que, entre tantas alternativas possíveis, a mais plausível seja “a busca de um propósito de vida
por parte crescente da sociedade”, que vai além do dinheiro, mas também busca fazer o bem.
A exemplo dessa perspectiva, Siqueira (2015) preocupou-se em investigar as relações
de confiança e de poder dos stakeholders internos das cooperativas de coleta e tratamento de
resíduos sólidos, no contexto dos princípios da EcoSol. Os resultados evidenciaram que, na
relação entre confiança e poder, as variáveis caminham lado a lado. Assim, aspectos como
utilitarismo, confiança relacional, confiança mútua foram identificados, bem como formas
diferentes de poder, considerando uma tipologia: i) autocrática; ii) instrumental; iii) de tran-
sição de autocrática para missionária; e iv) missionária.
Diante do exposto, pode-se perceber a complexidade posta na compreensão da visão de
impacto de stakeholders de um NIS com gestão de EcoSol, foco desta pesquisa.

3 MÉTODO
Parte-se de um estudo exploratório com o objetivo de entender como os impactos sociais,
ambientais e econômicos se relacionam na percepção de stakeholders de um NIS atuante no
campo da EcoSol. Um estudo exploratório se caracteriza por oferecer informações sobre o
objeto de pesquisa, a fim de conhecer tudo que o cerca, proporcionando entendimentos e
descobertas (Gil, 2017).
Para alcançar o objetivo, optou-se pela análise em profundidade de um estudo de caso
único instrumental (Stake, 1998), ou seja, um caso que, pela sua expressividade, permite ana-
lisar como um fenômeno de interesse se comporta. De acordo com a estrutura desta pesquisa,
a justificativa para o estudo único é por ser o NIS um caso revelador, visto que a investigação
foi realizada com indivíduos distribuídos em uma abrangência nacional, compostos por uma
diversidade cultural e social, com distinta organização da rotina de trabalho, papéis diferentes
na cadeia produtiva e, em certos casos, de alguns lugares com difícil acesso à comunicação.
Nessa situação, o objetivo é captar as circunstâncias e as condições de uma situação cotidiana,
tornando-se importante pela possibilidade de identificar as lições que podem oferecer sobre
os processos sociais relacionados a algum interesse teórico.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com roteiro não estruturado, mas
tendo como suporte as categorias definidas a partir da literatura. A seleção dos 29 entrevistados,
residentes em cinco regiões do Brasil, foi feita por meio da técnica bola de neve, iniciando com
uma das empreendedoras-fundadoras. Foram entrevistados trabalhadores, clientes, fornecedores,
comunidade e empreendedora-fundadora.

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Adicionalmente, foi realizada uma análise de documentos para compor a caracterização do


objeto de estudo. Para categorização de dimensões de impacto social, ambiental e econômico,
foram consideradas as composições sinalizadas conforme Vanclay (2002). A análise de dados
foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo, com o uso do software ATLAS.ti.

3.1 Caso analisado: rede Justa Trama


O caso analisado nesta pesquisa trata-se da Justa Trama, uma cooperativa central de algodão
agroecológico que atua com abrangência nacional no território brasileiro, com sede em Porto
Alegre (RS). A Cooperativa Central Justa Trama (CCJT) nasceu no 5o Fórum Social Mundial,
em 2005, quando um grupo de pessoas teve a ideia de implementar um negócio, associando
a geração de renda e a solidariedade. A CCJT é classificada como cooperativa de 2o grau, por
ser composta por uma cadeia produtiva que inclui outras cooperativas, em um processo que se
inicia no plantio do algodão agroecológico e vai até a comercialização de peças confeccionadas
com este e outros insumos. A figura 1 apresenta as áreas de atuação da Justa Trama no Brasil
e suas respectivas atividades produtivas.

FIGURA 1
Áreas de atuação do NIS no Brasil e suas respectivas atividades produtivas

Fonte: Cooperação... (2018).


Obs.: F igura cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos
originais (nota do Editorial).

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Justa Trama

A CCJT possui aproximadamente quinhentos cooperados (Nespolo, 2020), sendo homens


e mulheres que atuam como agricultores, fiadores, tecedores, costureiras, artesãos, coletores e
beneficiadores de sementes, distribuídos em uma abrangência nacional.
Diante desse contexto, a CCJT foi escolhida por sua importância, representatividade e
desempenho, sendo um caso de NIS que atua com diversos stakeholders, em rede e em cadeia,
e adota princípios da EcoSol em sua gestão e suas relações. Em rede, ao aproximar os atores
de um mesmo segmento, viabilizam tanto o processo de produção como o de comercialização,
com o objetivo de realizar as atividades em comum e obter melhores negociações, envolvendo
várias etapas e segmentos da EcoSol. A CCJT é conhecida como a primeira cooperativa de 2o
grau de algodão agroecológico do mundo (Cooperação..., 2018).
O empreendimento é amplamente reconhecido por órgãos e instituições. Em 2015, rece-
beu o Prêmio Sandra Magalhães, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), como reconhecimento das melhores práticas de EcoSol no Brasil. Outro prêmio
foi da Fundação Banco do Brasil, como tecnologia social,6 além do certificado de empreen-
dimento solidário do governo do estado do Rio Grande do Sul e da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (Senaes), órgão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Muitas
pesquisas de mestrado e doutorado são desenvolvidas com a CCJT, por ser uma iniciativa
que trabalha em rede, em prol de construir uma economia de inclusão e distribuição justa de
renda. Em 2019, o NIS recebeu o prêmio de melhor tecnologia social em geração de renda
pela Fundação Banco do Brasil, sendo primeiro lugar na categoria geração de renda e terceiro
lugar na categoria gestão comunitária e algodão agroecológico. No mesmo ano, a premiação
da Revista Cláudia, rendeu homenagens e divulgação do projeto nas categorias mulher, meio
ambiente e geração de renda (Nespolo, 2020).
A CCJT forma um sistema de produção totalmente ecológico e sustentável, fazendo
parte da rede de EcoSol. Dessa forma, de acordo com as características apresentadas neste
trabalho, é possível apontá-la como caso relevante a ser estudado na temática de NIS, por ser
um empreendimento que nasceu prioritariamente com o propósito de gerar benefício social
aos públicos interessados e à sociedade na qual está inserido, beneficiar os trabalhadores, ser
economicamente autossustentável e distribuir aos cooperados excedente de renda. Pode-se
confirmar essas características por ser uma instituição criada com o propósito de unir e forta-
lecer os atores da cadeia produtiva de algodão agroecológico.
Além disso, a Justa Trama é economicamente autossustentável, e, quando há excedente
do resultado financeiro das atividades do ano, denominado como sobras, é distribuído às
cooperativas e associações que fazem parte da CCJT, podendo ser essa sobra distribuída aos
trabalhadores ou reinvestida no negócio.
No quadro 1, podem-se observar os objetivos, a missão e os valores da CCJT, em que
se apresentam elementos que fazem relação com o conceito de NIS e princípios de gestão da
EcoSol, foco deste trabalho (Cooperação..., 2018).

6. Para mais informações sobre experiências de tecnologia social, ver Zucoloto e Pereira (2020).

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QUADRO 1
Objetivos, missão e valores da Justa Trama
Objetivos Missão Valores

Articular e integrar os empreendimentos da


Articular empreendimentos de EcoSol, com cadeia produtiva da fibra ecológica, por meio do
foco na geração de trabalho e renda para os plantio, transformação, produção e comerciali-
Ser referência nacional e internacional
empreendimentos envolvidos diretamente zação, promovendo a EcoSol, a sustentabilidade,
de cadeia produtiva integrada de
na produção e nas comunidades nas quais a agroecologia, o comércio justo, o consumo
fibras ecológicas da EcoSol.
estão inseridos, trazendo aos envolvidos consciente, a preservação do meio ambiente e a
equidade de gênero e social. distribuição justa de renda para seus associados
e sociedade em geral.

Fonte: Cooperação... (2018).

Diante do exposto, a cooperativa foi escolhida por sua importância, representatividade


e desempenho, além de caracterizar um caso de NIS com princípios de EcoSol na gestão,
sobretudo por possibilitar a investigação dos impactos sociais, ambientais e econômicos e
suas percepções pelos stakeholders representados pelos trabalhadores, clientes, fornecedores,
comunidade e empreendedora.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


O fato de proporcionar a inclusão e a valorização de cooperados e associados na cadeia pro-
dutiva, eliminando os atravessadores do processo e viabilizando um preço justo na negociação
dos insumos e dos produtos, já reforça o entendimento de que a organização estudada pode
ser considerada um NIS com princípios de EcoSol. Além disso, têm-se as suas iniciativas sus-
tentáveis ambiental e socialmente, bem como a distribuição dos resultados excedentes do ano,
entre os cooperados e associados. Os papéis e responsabilidades que os cooperados têm com
o negócio, unindo função operacional e de gestão com poder de decisão, também dialogam
intrinsecamente com bases da economia solidária.
Vários são os atores sociais que fazem parte da cadeia produtiva de algodão agroecológico
do NIS em questão, sendo agricultores, agrônomos, fiadores, tecedores, costureiras, artesãos,
coletores e beneficiadores de semente. Fazem parte também as pessoas que trabalham na área
administrativa do NIS, no transporte dos insumos e produtos, na orientação técnica dos
agricultores, na manutenção dos equipamentos, além de consumidores/clientes, comunidade,
pesquisadores e apoiadores (Nespolo, 2020).
Os resultados desta pesquisa evidenciaram a relevância da gestão de um NIS com princípios
da EcoSol, sendo possível identificar a dinâmica de cooperativismo de produção, autogestão,
comércio justo e solidariedade. Tais dinâmicas estão presentes nos impactos sociais, ambien-
tais e econômicos percebidos pelos stakeholders desse NIS. Com vistas a ilustrar o processo
de resultados e análise, são destacadas algumas das falas que evidenciam tanto os impactos
quanto a presença da EcoSol como parte da gestão do NIS. Inicialmente, pode ser destacado
o depoimento de um agricultor que fornece algodão orgânico para a cooperativa.

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Justa Trama

Uma confecção [NIS] pode ter um diferencial de outra confecção, de algo que é convencional, mas
a pessoa também tem que entender que ali está embutida a questão social, a questão ambiental, a
questão de ter um produto diferente. Foi um grupo de agricultores que esteve envolvido naquele
processo produtivo. Tem alguma coisa por trás daquele produto, não é só um produto qualquer.
Então, tem que ver o que tem por trás. Talvez um preço a mais que você pagar por uma camisa, por
exemplo, comprar uma camisa [do NIS] que vai custar quarenta reais, ao invés de você comprar
outra parecida por trinta ou trinta e cinco reais, porque não teria o mesmo valor social e ambiental
que tem uma roupa do NIS. Você vestirá consciência, não é só uma roupa qualquer (Entrevista
com agricultor fornecedor 1, grifo nosso).

No trecho dessa entrevista, observam-se as questões do impacto social positivo decorrente


da solidariedade em relação aos envolvidos no processo, no caso, o agricultor, e do impacto
sobre o consumidor da confecção feita com o algodão orgânico (impacto ambiental) plantado
em uma das cinco regiões brasileiras conectadas ao NIS. Tem-se, adicionalmente, a questão
da preocupação ambiental atrelada ao comércio justo do item confeccionado, cujo preço será
definido conforme os princípios sociais envolvidos (impacto econômico). A invocação da cons-
ciência a partir da relação de produção e consumo indica o laço de solidariedade estabelecido
na cadeia produtiva. Percebe-se que o empoderamento na gestão do NIS, desde a produção,
a confecção, chegando ao consumidor, fica evidente na expressividade dessa fala.
Resgatando o que aponta Yunus (2008), os negócios sociais recorrem à criação e à venda
de produtos e serviços que atendem às reais necessidades do mercado, voltados para a popu-
lação em vulnerabilidade social, em vez de apenas maximizar o lucro. Nesse caso, atende-se
à necessidade dos produtores e dos clientes com as vestimentas, mas não em uma dinâmica
de produção em massa, desconectada dos stakeholders e dos impactos sociais, ambientais e
econômicos que contribuem para vulnerabilidades sociais.
Alinhada com essa perspectiva, tem-se uma fala adicional que destaca tecnologias alternativas
e cuidados com questões ambientais que impactarão também questões sociais e econômicas,
as quais, nessa conexão, são indissociáveis.
As tecnologias alternativas têm comprovado que é possível você produzir sem necessariamente
ter que usar esse pacote de veneno, de coisas que, pelo contrário, tem é causado danos à saúde das
pessoas. O principal é fazer a relação tanto na parte educacional, de convivência no semiárido
de forma sustentável, como na questão da saúde, que é saber quais os impactos que essa minha
ação vai causar na minha saúde, se vai ser para o bem ou para o mal (Entrevista com agricultor
fornecedor 2, grifo nosso).

Esse relato alinha-se aos impactos sociais que Vanclay (2002) destaca como relacionados
à saúde e ao bem-estar social, de modo que o agricultor toma consciência sobre os danos dos
venenos para a sua produção e saúde e conecta, adicionalmente, uma reflexão sobre educação
e convivência com o semiárido, onde habita. A questão educacional é também relatada por
uma das trabalhadoras de cooperativa, ao destacar a representatividade que o NIS tem no
impacto aos jovens da comunidade do entorno. Noções mais amplas sobre EcoSol e finanças
solidárias, com a constituição de um banco comunitário de desenvolvimento (Silva, 2020b),
também são compartilhadas.

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Aqui da comunidade (...), todos conhecem [o NIS] e a líder, daí fazemos festas de Natal, feiras,
brechós que unem toda a comunidade. Um dos objetivos [do NIS] dentro da comunidade é tirar
o jovem do meio da rua, para este jovem ver que existem outras oportunidades. Temos palestras com
médicos, dentistas e todos os tipos de assuntos que têm necessidade de serem esclarecidos, fazemos
parcerias para passar este esclarecimento para a comunidade. O NIS é visto por dar oportunidade
para as pessoas virem aqui, conversarem, esclarecerem e tentarem uma nova perspectiva da vida
(Entrevista com trabalhadora de cooperativa 1, grifo nosso).

No mês da mulher, a gente trouxe uma palestrante e ela falou sobre os direitos da mulher. Talvez a
gente traga esse ano de novo. Eu já tenho o olhar ampliado da pessoa como um todo. Uma coisa que
eu percebo, (...) se uma pessoa vem me pedir um microcrédito, eu já pergunto direto: “tu sabes
o que é um banco comunitário? Sabe o que é uma moeda social? Conhece a economia solidária?”,
como forma de aproximação e que ela saiba a que se refere (Entrevista com pessoa da comunidade
3, grifo nosso).

Observa-se que há, nesse processo, um vínculo de solidariedade que se estende para além
da dinâmica interna do NIS. Esse acesso a conhecimento compartilhado com os jovens do
entorno do local onde ocorre a produção e com as mulheres é também uma socialização de
riquezas que o NIS produz, pois trata de partilhas sociais. Desse modo, o tipo de economia aí
desenvolvido é plural, ao permitir, além de pluralidade nas formas de produzir, que também
sejam plurais os processos de distribuição de riquezas alcançadas com o trabalho cooperativo
e solidário, como reflete França Filho (2007).
Os clientes do NIS percebem também os seus amplos impactos, reconhecendo uma con-
tribuição para o desenvolvimento social. Há uma percepção de que apoiar as ações do NIS e
consumir os seus produtos permite que tais clientes somem a uma microrrevolução nos modos
de pensar questões nos três aspectos, social, econômico e ambiental, em constante consonância
e alinhados também ao pensamento externalizado pela empreendedora.
A gente não faz um apelo ao consumo, a gente faz um apelo para que as pessoas reflitam de onde
é que vem a sua roupa, se, de fato, ela é necessária. E, se ela é necessária, aqui estamos nós para
oferecer um produto orgânico, que não contaminou o planeta, que tem esses princípios da justiça
social (Entrevista com a empreendedora, grifo nosso).

O benefício que se faz para a sociedade é principalmente a evolução. Eu acredito que eu não consigo
fazer a grande revolução, mas eu faço a microrrevolução, (...) por meio do meu negócio ficar mais
próximo dos meus filhos, comprar do pequeno produtor e incentivar o consumo do orgânico, valo-
rizar o consumo local, dessas cooperativas de mulheres. Eu acho que tudo isso são as microrrevoluções
que são possíveis da gente fazer. Esses pequenos atos que pouco a pouco a gente vai mudando em
nosso entorno e quem sabe incentivando uma outra pessoa a pensar diferente, olhar diferente e com
isso ela também fazer a mesma mudança. (...) Pensando só em negócios, a gente tem uma relação
com o NIS de cliente-fornecedor, mas eu sempre, até se tu olhares nas nossas redes sociais, a gente
não só divulga nossos produtos, mas a gente divulga toda a causa envolvida com eles. Então, assim, eu
sempre divulgo o NIS como nosso parceiro (Entrevista com cliente 1, grifo nosso).

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Justa Trama

A cliente entrevistada destaca a cooperativa de mulheres, ressaltando a relevância da igual-


dade de gênero, que possibilita a todas as pessoas encontrarem meios para evoluir e melhor
desenvolver as sociedades, conforme observado por Vanclay (2002) nos impactos sociais.
Ao desenvolver as bases do que se tornaria o Grameen Bank, em Bangladesh, o professor e
economista Muhammad Yunus (2008) fez também essa consideração de gênero, vendo que o
empoderamento de mulheres permitiria impactos sociais significativos em toda a comunidade.
No caso do NIS analisado nesta pesquisa, a cooperativa Univens, em Porto Alegre, parte da
rede Justa Trama, destina atenção às mulheres que atuam na produção conectando-se também
com as demandas familiares destas.
A escolinha nasceu há doze anos por causa das mães que trabalhavam [no NIS]. Elas não tinham
onde deixar as crianças, então elas se uniram com o apoio do NIS e conseguiram fazer essa escola
de educação infantil. Antigamente, era um “cuida-se de criança”, mães que vinham cuidar dos
filhos dos outros por pouco dinheiro, e agora se tornou uma coisa maior. Agora, é uma escolinha
conveniada da prefeitura, legalizada no SMED [Secretaria Municipal Educação]. A prefeitura
paga os salários dos educadores e dos demais funcionários (...). Ela se transformou numa escola
quando começou a vir mais criança, outras mães que trabalhavam na economia solidária, aquelas
que saíam para vender bolo na rua, outras que iam fazer faxina, só que não tinham onde deixar as
crianças, aí começaram a deixar aqui. Aí, não foi somente as pessoas do NIS, ficou maior, porque
vieram muitas outras crianças para cá (Entrevista com pessoa da comunidade 1, grifo nosso).

Em relação às mulheres que fazem parte [do NIS], que a gente observa muito, muito marca-
damente, é um empoderamento dessas mulheres. Eu acho que o fato de elas fazerem coisas que
elas fazem, ocupar os lugares que elas ocupam, (...) acho que esse empoderamento talvez seja o
mais significativo que a gente observa. Eu acho muito importante a força do poder feminino assim,
porque é uma organização basicamente feminina (...). E essas mulheres, com essa organização
delas, conseguiram se colocar num lugar importante, dar visibilidade para essa comunidade de
forma positiva e potente, que passa a ser vista a partir da experiência de uma forma diferente, e todos
ganham com isso (Entrevista com pessoa da comunidade 2, grifo nosso).

O impacto social observado nesse relato dialoga com o que Vanclay (2002) indica como
impactos relacionados aos aspectos institucionais legais, políticos e de equidade. A escola
passa a ser parte estendida do local de trabalho, facilitando os processos de maior dedicação e
tranquilidade para a produção das mães, o que reverbera no impacto econômico da produção
da cooperativa e na renda dessas pessoas.
A empreendedora, uma das fundadoras do NIS, compartilha a satisfação que o trabalho
cooperativo árduo gera ao longo de todos os anos de atividade. A sua fala reflete o reconheci-
mento dos impactos gerados pelos stakeholders e a sua própria realização.
Eu posso dizer, eu tive muitos convites de estar em outros lugares, estar também dando outros tipos
de contribuição, mas eu gosto, sabe, eu gosto de levantar, ir na cooperativa, de a gente programar a
produção, de a gente cortar, de a gente ver a peça pronta, de falar com cada um dos elos, de poder
estar lá junto com os agricultores, de estar com eles, conversar nas dificuldades que têm. Isso me fez
tão feliz, que tu não podes imaginar (Entrevista com a empreendedora, grifo nosso).

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Quanto à gestão da rede, a empreendedora destaca o desafio contínuo de orquestração de


todas as cadeias e elos. Singer (2002) destaca que a autogestão exige que os trabalhadores da
empresa solidária cumpram suas tarefas, mas também se preocupem com os problemas gerais
do negócio, em um interesse comum que permite uma cooperação inteligente e benéfica da
qual usufruirão todas as partes.
A gente está querendo muito fazer um processo mais intenso de formação na gestão mesmo. Até a
gente está colocando isso com a perspectiva de acontecer em cada um dos elos, não só para aqueles
que estão na direção, mas para que todos os nossos associados incorporem mais, estudem, tenham mais
detalhamento de cada um dos elos. Então, a gente tem muito esse desafio colocado (Entrevista
com a empreendedora, grifo nosso).

Nesse sentido, ressalta-se que, além de pensar nos impactos de ordem social, econômica
e ambiental, alinhar tais esforços com vistas a uma gestão democrática e justa, na qual todas as
partes se sintam acolhidas em reciprocidades, é também um desafio agregado. Nesse sentido,
o NIS busca deixar seus stakeholders cientes de que a gestão também depende da participação
ativa de todos, a fim de que haja a possibilidade de contribuir para redução da pobreza e de
buscar, simultaneamente, lucro e riqueza social, como é estabelecido por Thompson e McMil-
lan (2010) como fundamento de um NIS. A fala de um dos fornecedores deixa evidente que
a mensagem é compartilhada em toda a cadeia.
Como a gente é um elo [do NIS], a gente tem que estar participando das decisões com relação a
definição de valores, quanto é que pode ser uma roupa de algodão, com um preço que seja justo
para o agricultor e justo para toda a cadeia, para não se tornar também um produto, lá no consu-
midor, que seja impossível dele poder consumir, em termos de valor (Entrevista com fornecedor
3, grifo nosso).

Observa-se a preocupação de alinhamento da gestão democrática com os impactos sociais


e econômicos possíveis a partir das definições. Os impactos das atividades, nas três esferas, são
reconhecidos em tudo o que o NIS e a sua rede realizam.
Só tenho a dizer que todas as ações que a gente faz, a gente vê que tem um resultado positivo, tanto
ambiental, social e econômico. Porque naquele momento que você está trabalhando junto com a
comunidade, você está dando a oportunidade de se envolver com o negócio, abrir portas para as
pessoas estarem trabalhando, porque muitas vezes as pessoas sabem fazer alguma coisa, têm aptidão
para aquilo, mas está lá isolada, sem perspectiva nenhuma, porque ela não sabe chegar. Então,
você abre as portas, você tem um resultado. Esse resultado não é para mim, é para a comunidade
(Entrevista com fornecedor 4, grifo nosso).

Adicionalmente, como impacto ambiental das atividades, destaca-se o reconhecimento


de contribuição inclusive para a redução do desmatamento por meio de melhores práticas.
As queimadas são, muitas vezes, questões culturais passadas entre as gerações, mas que podem
ser repensadas por seus efeitos ambientais, promovendo maior qualidade de vida como impacto
nesses ambientes (Vanclay, 2002). Percebe-se uma consciência mais ampla de que a terra
onde se produz para fornecer é também a terra de onde saem os alimentos para as famílias.

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Negócio de Impacto Social com Gestão de Economia Solidária: um estudo de caso brasileiro da rede
Justa Trama

Nesse sentido, os impactos sociais, ambientais e econômicos se configuram de forma integrada,


apresentando um resultado final mais satisfatório para os envolvidos.
Porque todo o tempo que tem esse trabalho, reduziu muito desmatamento aqui na região, porque
com o algodão não pode desmatar, não pode queimar, como aquela cultura antiga de derrubar a
mata para plantar. Então, não pode fazer esse tipo de plantio. Então, quando os agricultores ade-
riram essa proposta, deixaram de desmatar, fazer queimadas e usar veneno. Então isso é um impacto
positivo grande (...). Quando ele produz o algodão, não está produzindo só o algodão, ele tem que
produzir o milho, o feijão que ele come, o gergelim que ele come, batatas, jerimum, melancia e outros
produtos que ele leva para a feira também. É tudo produzido ali naquela área, porque, quando ele
vai se transformar em um agricultor ecológico, não é só a área do algodão, é toda a propriedade
dele. Tudo que ele produzir ali vai ser considerado orgânico, porque o manejo é um só. O manejo
orgânico é feito em toda a propriedade, não é só na área do algodão (Entrevista com fornecedor
5, grifo nosso).

Finalmente, conforme Vanclay (2002) considera, os impactos econômicos abrangem


impactos relacionados ao bem-estar econômico e ao bem-estar material, mas não devem estar
destituídos dos impactos sociais e ambientais.
Antes, eu não tinha muito como sobreviver. Eu sou de família humilde. Agora, graças a esse trabalho,
eu já tenho a minha casa (...), uma parte foi quando houve o assentamento na reforma agrária,
onde comecei a construir, e agora, com a plantação do algodão e tudo, eu vou reformando aos
poucos. Graças a Deus, eu já posso dizer que tenho a minha casa. Além disso, tem mais meio de
comunicação, um estilo de vida melhor. Tem mais com o que a pessoa se locomover de um canto
para o outro, essas coisas. Antes, a locomoção era por meio de cavalo ou de bicicleta. Agora, já
tem mais oportunidades de se locomover de um canto para o outro. Eu tenho uma motinha
para eu andar, antes era de bicicleta ou a pé, aí, tudo isso para mim foi uma benção dada por Deus
(Entrevista com fornecedora 6, grifo nosso).

Na verdade, tu tens uma renda bem boa, que vem a agregar. Porque quando dizem assim: “ah,
cooperativa todo mundo ganha pouco”. Não, todo mundo ganha muito bem. Todo mundo ganha,
razoavelmente, um salário que qualquer outro lugar [paga]. Não é um salário mínimo, um salário
pequeno, não. E tu tem a chance de fazer teu salário ser maior (Entrevista com trabalhadora da
cooperativa 2, grifo nosso).

É possível ter um valor justo para cada uma das etapas do processo produtivo e chegar ao final com
um valor que esteja dentro da realidade do consumidor; algo que, por ser justo para cada etapa, ele
chega no final e acaba sendo acessível aos que produzem. Então, tem esse princípio da justiça
social (Entrevista com a empreendedora, grifo nosso).

As citações apresentadas e analisadas nesta pesquisa evidenciam, portanto, como os


stakeholders do NIS pesquisado percebem os impactos positivos da rede em suas vidas. Não se
negam, por sua vez, os desafios cotidianos de manutenção das atividades e das relações sociais
estabelecidas, mas ressalta-se como os princípios da EcoSol, que permeiam a configuração de
um NIS, podem levar ao estabelecimento de uma ampla e justa cadeia de trabalho que prima
pela produção orgânica, pelo cooperativismo, pela autogestão e pela justiça.

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Economia Solidária e Políticas Públicas

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados apontam para a percepção positiva dos stakeholders do NIS estudado
quanto aos impactos sociais, ambientais e econômicos de suas atividades, destacando a forte
presença de princípios da economia solidária nesses impactos, uma vez que esta está presente
na gestão do negócio. Nesse sentido, compreende-se que é possível pensar em novas configu-
rações de negócios, como é o caso dos NIS, sem abandonar relações e práticas solidárias que
buscam tornar as relações de trabalho mais acolhedoras e justas.
Assim, foram verificadas ao longo do texto questões essenciais relacionadas aos pontos
trazidos adiante.
1) Relações sociais trabalhistas, como a solidariedade entre os envolvidos no processo
de produção.
2) Consciência ambiental quanto ao correto manejo e eliminação dos agrotóxicos.
3) Consciência a partir da relação de produção e consumo.
4) Socialização de riquezas e rendas.
5) Igualdade de gênero.
6) Prática da justiça social, bem como outras fundamentais para alinhamento tanto ao
que propõe a literatura de negócios de impacto social quanto ao que prega a economia
solidária na sua essência.
Como contribuições para a literatura, este artigo associa a discussão contemporânea de
negócios de impacto social, considerando as três esferas da sustentabilidade (social, econômica
e ambiental), à discussão já consolidada de economia solidária, indicando os pontos de con-
vergência desses dois universos a partir de princípios comuns na prática da gestão. Buscou-se
ainda estimular o diálogo de outras análises a partir da inquietação motivadora deste estudo.
Como contribuições para a prática, entende-se que o caso analisado permite grande
inspiração para outros negócios semelhantes e ressalta como é possível, mesmo em um país
de dimensões continentais como o Brasil, estabelecer uma rede de solidariedade e atenções múl-
tiplas, tanto na esfera do mercado quanto na esfera das pessoas envolvidas e do meio ambiente.
Sugere-se, para pesquisas futuras, ampliar o entendimento das implicações dos princípios
de gestão de EcoSol em diferentes segmentos de NIS e estabelecer comparativos com negócios
e circuitos produtivos que não adotem tais princípios.

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