41343-Texto Do Artigo-125157-1-10-20190710
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Resumo: Esse artigo trabalha a questão dos padrões estéticos impostos às mulheres e
como estes foram transferidos entre vários núcleos da sociedade através dos tempos,
analisando por meio de algumas teorias da comunicação.
Palavras-chave: Comunicação. Produtos Midiáticos. Estética. Feminino. Estudos
Culturais. Semiótica.
1. Introdução
Quando se inicia a processo de comunicação humana? Esta não é a questão deste artigo,
mas ela pode ajudar a chegar no tema que será trabalhado.
Podemos arriscar a dizer que praticamente junto com o início da comunicação inicia-se
também as divisões de gênero. O lugar da mulher dentro da sociedade é uma construção
cultural e, pensando na mulher ocidental, podemos regredir até o ponto em que o ser
humano se tornou sedentário e com a mulher ficou a responsabilidade de cuidar da casa
e dos filhos. Não há nada na biologia que justifique padrões comportamentais que foram
colocados como sendo característicos das fêmeas. Vemos isso sendo bem esclarecido no
livro “O Mito da Beleza” de Naomi Wolf (1992) em que, logo no início, a autora
trabalha a questão da poligamia masculina e a monogamia feminina serem inatas,
refutada por Evelyn Reed, Elaine Morgan e outros que estudaram um grupo de primatas
superiores e observaram que a iniciativa sexual partia das fêmeas. Outro exemplo seria
das sociedades matriarcais do Mediterrâneo (25000 a.C. até 700 a.C.) em que a lógica
de homens ricos e mais velhos se relacionando com mulheres jovens e “belas” era
invertida pela cultura local que defendia que as Deusas tivessem muitos amantes com
única função de servirem ao ventre divino. Por fim, temos o povo wodaabe da Nigéria,
onde as mulheres detêm o poder econômico e os homens que mantêm a obsessão pela
beleza.
Então, se o gênero, o sexo nem a evolução definem um padrão de comportamento
feminino, o que construiu realmente a obsessão da mulher pela beleza e seus padrões
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estéticos? Como estes passaram pela história com poucas mudanças significativas
utilizando o corpo da mulher como meio de comunicação de suas imposições?
Assim, chegamos a questão principal deste artigo.
2. As Deusas
Seguindo alguns séculos a frente temos estes três perfis femininos nos quais, de certa
forma as mulheres poderiam ser divididas.
A camponesa, enaltecida pelos trovadores do século XI (Eco, 2014), reúne todas as
características da mulher aspirada, similar a Maria, fértil e casta, porém inatingível.
Quanto mais a posse desta mulher é adiada, mais o homem a deseja e admira sua beleza.
Esta intangibilidade pode, de certa forma, justificar o culto à castidade feminina, à sua
pureza, garantindo que o filho que ela dará ao homem após o casamento será dele.
As artes plásticas da época retratam com frequência este corpo da virgem, da santa mãe
e da camponesa. Conforme aproxima-se do Renascimento outra figura emblemática
ganha espaço: a dama da corte, a mulher burguesa. Seu corpo é construído de forma a
exaltar a arte dos ourives e as leis da moda imperante nas cortes (Eco, 2014). Esta figura
construída pelas artes, sem marcas do trabalho no corpo, afinal sua vivência apenas se
destinava a cuidar de si e em parte dos filhos - muitas vezes acompanhados de amas,
passa a construir um referencial de beleza e moda para as mulheres da burguesia. Por se
tornar um parâmetro
Ela tem de fiscalizar tudo o que é e tudo o que faz porque o modo como
aparece para os outros, e em última instância para os homens, é de crucial
importância para o que normalmente se considera o êxito de sua vida. Seu
próprio senso de ser por si mesma é suplantado por um senso de estar sendo
apreciada, como ela mesma, por outro. (BERGER, 1999: 48)
E por sempre se sentir notada e admirada é que jamais pode decepcionar o olhar do
outro e não parecer com aquilo que se espera dela. A mulher pobre vê também a nobre
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como um referencial de beleza, mas inalcançável. Ainda assim, há uma categoria dentre
estas que merece destaque: a cortesã.
A cortesã é uma mulher de classe social mais baixa, porém não depende do homem para
garantir seu provento e, para se manter interessante para seus clientes, necessita - e pode
- construir uma apresentação pessoal mais próxima da burguesa, ainda que em uma
versão com adereços de menor qualidade. A nova figura central de padrão está
construída, não mais somente na mulher fisicamente apta a gerar um filho, mas aquela
capaz de criar uma ilusão visual que passe essa impressão: de mulher fértil e saudável.
4. A celebridade
Com a chegada da Revolução Industrial, o final do século XIX e início do século XX, o
capitalismo foi ganhando força e o acesso ao consumo conquistando espaço. Junto
vieram algumas invenções que revolucionaram a vida em sociedade, como o cinema e a
televisão. Esta nova forma de propagação de imagens ajuda a construir uma nova
categoria na sociedade: as celebridades. Os filmes fazem com que seus atores ganhem
um nível de reconhecimento muito mais amplo do que havia com as peças de teatro e
óperas. A celebridade, apesar de se tornar alguém também de uma classe social alta,
passa a ocupar o espaço que antes era dominado pelo nobre ou burguês no referencial
popular.
O cinema e a televisão vão se afastando aos poucos das artes vanguardistas e se unindo
as mídias de massa. O que antes era arte passa a servir ao consumo comercial. Nos
primeiros sessenta anos do século XX as celebridades femininas muito pareciam com as
mulheres das pinturas renascentistas, lânguidas e curvilíneas. Conforme esta vai
ganhando espaço no mercado de trabalho e se afastando dos afazeres vinculados à sua
figura, como a maternidade e os cuidados da casa, fica mais fácil que a mulher não se
identifique mais na imagem da mulher fértil, matrona, sedentária em casa. Pensamento
confirmado por Gilles Lipovetsky em “A terceira mulher” (2000:139): “O reino da
magreza faz eco a essas transformações, exprime a recusa da identificação do corpo
feminino à maternidade, o enfraquecimento da consideração social ligada à mulher mãe,
correlativamente, a valorização social da mulher ativa, independente.”
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A partir da década de 1970 começam a ganhar espaço como referência de beleza as top
models; mulheres altas, muito magras e, na maioria das vezes brancas e loiras. Assim os
padrões estéticos estabelecidos migram de vez para o mercado de consumo, o lugar de
fala destas mulheres não têm vínculo algum com o mundo artístico, mas sim com o
mundo publicitário, as revistas de moda e seus milhares de anúncios de produtos de
beleza, roupas e afins. Deste ponto em diante, até os dias atuais, reforça-se cada vez
mais um pensamento resumido por uma frase de Helena Rubinstein (empresária e
cosmetóloga): “Não existe mulher feia, existe mulher preguiçosa”, incutindo na mulher
comum um sentimento de culpa maior ainda, pois, se ela não se encaixa no padrão de
beleza estipulado não é por culpa da natureza ou genética, mas dela própria que se
divide em duas para trabalhar e cuidar da família, mas que deveria se dividir em três
para conseguir cuidar de sua aparência.
Sendo assim, a função da mulher na sociedade sempre foi guiada pela sua aparência.
Primeiro, seu poder de se tornar esposa e mãe dependia de ser visualmente saudável e
fértil, atualmente este critério continua, mas sua aparência também deve ser bela, limpa
e magra para passar a imagem de uma mulher ativa e independente e conquistar uma
vaga no mercado de trabalho. A mulher não pode apenas ser uma coisa ou outra, ela
deve abarcar tudo para, quem sabe, receber alguma credibilidade.
231), razão pela qual as pessoas acompanham a vida das celebridades e seus padrões de
vida e de beleza viram referência.
Ainda assim, segundo Yves Winkin (1998), “se todo comportamento individual se
torna, de certo ponto de vista, um comportamento social (cultural), isso quer dizer
também, em contrapartida, que a cultura não pode ser entendida como uma entidade
puramente supra-individual” (p.71). Entre o comportamento individual e o social há
mais um fator, as identidades formadas através das construções discursivas, em seu
artigo, Coiro cita Stuart Hall, que afirma que estas construções discursivas emergem de
jogos de poder e, sendo assim, a identidade só se constrói a partir da relação com o
Outro, aquilo que não é, que falta (Coiro, 2014: 243).
Tendo o dito acima, chegamos a outra proposta do estudos culturais que é o circuito
cultural, que articula consumo, produção, regulação, identidade e representação (Coiro,
2014: 248). Como todo estudo cultural deve ser visto conforme sua procedência,
podemos ter aqui como exemplo anúncios publicitários protagonizados por
celebridades. A representação está vinculada a sistemas simbólicos, como as imagens
geradas pelos anúncios de uma produção, por exemplo um perfume; “estes sistemas
geram identidades que lhes são associadas e têm um efeito de regulação na vida social,
promovendo, assim, o consumo”(Coiro, 2014: 248). Este circuito cultural reforça
padrões estéticos ao mesmo tempo que gera uma necessidade de segui-los, fazendo com
que a mulher se posicione diante de certas normas de beleza estabelecidas e exigindo
que esta ocupe um certo espaço em relação a esta demanda.
Outro linha de raciocínio que pode ser seguida é a defendida por Boris Cirulnik, autor
que trabalha com a questão do encantamento. Cirulnik, em seu livro “Do sexto sentido”,
em certo momento volta ao mundo vivo antes da convenção do verbo, afirmando que
sua estruturação é feita pela sensorialidade que lhe dá forma e como a evolução não
conhece marcha-atrás (p.16-17). Trazendo este pensamento para o tema do artigo,
temos uma figura de mulher deusa e mãe sendo concebida antes mesmo do
entendimento científico do homem, e de sua verbalização, sobre a fertilidade; também
fica entendido que, após verbalizada, a imagem da mulher apenas poderá retornar ao
símbolo criado pela sociedade e nunca ao estado animal original. Em outro momento, o
autor levanta a questão da ordem e coexistência dentro de uma vida em coletivo,
fazendo um paralelo com uma matilha de lobos e como estes se sujeitam a algumas
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submissões para manterem o status quo. Talvez possamos ver aqui o mesmo lugar da
mulher em sociedade, até que ponto esta não se sujeita ao lugar de mãe e esposa que é
colocada ou se rende aos padrões de beleza para não ser excluída de sua matilha? Esta
situação levantaria mais um ponto colocado por Cirulnik, o estar-com para ser, a
pressão paradoxal do ser vivo (p. 92); nesta condição o ser humano se torna capaz de
agir sobre o corpo e as emoções do outro e também de deixar que outros ajam sobre si.
Por mais lógico e envolvente que estes raciocínios pareçam, vai muito além da intenção
deste artigo, seguindo um viés que pode levar a pontos distantes do intencionado aqui.
Porém, ao falar de semiótica, o autor atinge pontos mais congruentes a nossa temática.
Cirulnik afirma que o olfato e o toque são os principais canais de informação,
entretanto
Mais para frente ainda afirma que “uma imagem visual ou sonora pode constituir uma
percepção semiótica, uma forma percebida que põe na expectativa de uma
representação”(p.99).
E não há como entrar na semiótica sem conversar com o trabalho de Lucia Santaella. A
autora trabalha em seu livro “Estética: de Platão a Peirce” pontos muito importantes
para o entendimento do padrão estético, estabelecido no passado e de certa forma
mantido até atualmente.
A palavra estética vem do grego e significa sentir, no parâmetro das percepções físicas.
Ligamos muita a palavra ao campo das artes, esta que Platão tratava como sendo uma
ilusão e enganação por alimentar paixões, e Aristóteles afirmava ser reparadora de
deficiências e uma contribuição moral à sociedade. Ainda nos gregos, a beleza era
muito relacionada a harmonia, tanto cósmica (bem e mal) quanto das formas (p.33).
Portanto a proporção sempre foi de maior agrado aos olhos, segundo São Tomás, por
agraciar a mente com ordem e unidade (p.35).
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Ainda assim, o estudo da estética não pode e nem deve ser fixado apenas no sentir; para
Peirce este pensamento se divide em três categorias: Primeiridade (sensação),
Secundidade (percepção) e Terceiridade (reflexão). Ele já organizava o pensamento
como signo, o que faz com que a racionalização da estética passe necessariamente pelas
etapas citadas anteriormente, a questão acaba chegando ao ponto de que “(...) a estética
não está voltada para o que é belo ou não belo, mas sim para aquilo que deveria ser
experimentado por si mesmo, em seu próprio valor” (p.130). O foco acaba sendo aqui
na arte, mas é algo que, como vimos anteriormente, acabou migrando para outros
setores não elitistas. E Santaella continua: “o ideal estético é nutrido pelo cultivo de
hábitos de sentimento. Sendo as obras de arte aquelas coisas que encarnam qualidades
de sentimento, os hábitos de sentimento só podem ser cultivados através da exposição
de nossa sensibilidade às obras de arte” (p.150). Este sentir, esta estética, só é
construído em cima da manifestação constante de certo padrão de beleza frente às
pessoas. Os hábitos de pensamento
(...) são difíceis de serem modificados (...) visto que nossos pensamento e nossas
crenças funcionam como guias para a conduta.(...) Não há nada mais profundamente
enraizado no espírito humano do que os hábitos de sentir. Enquanto o pensamento e a
ação podem se modificar através de argumentos lógicos ou da força do bom senso, os
hábitos de sentimento só se modificam através do sofrimento ou da exposição constante
do sentimento a objetos ou situações capazes de produzir sua regeneração.
(SANTAELLA, 1994: 150)
6. Considerações Finais
O lugar da mulher na sociedade sofreu grandes alterações no último século, mas, por
mais que tenha conquistado um grande espaço na sociedade, conquistando direitos
como o de voto, de trabalhar, a pílula anticoncepcional, sua imagem permaneceu
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vinculada a figura daquela que gera o filho, que o alimenta e dá carinho e educação por
muito mais tempo. O hábito de sentir a mulher neste lugar dentro da cultura é muito
mais enraizado em nosso pensamento do que temos consciência. Nos anos 1970, com o
surgimento das topmodels de magreza extrema, que fugiam do padrão da mulher
curvilínea e visivelmente fértil, talvez tenhamos tido um princípio do sofrimento
necessário para desconstrução do sentimento vinculado a esta imagem. Ao levar para
um extremo que, hoje em dia, é questionado, pudemos repensar a significação deste
corpo feminino para a cultura ocidental.
Ainda que lutando contra os padrões estabelecidos, a mulher continua se deparando com
hábitos de pensamento que vieram replicados da cultura cotidiana para as artes e depois
para as mídias impressas, até chegar nas redes sociais e comunicação virtual usada em
larga escala atualmente. Gilles Lipovetsky também toca neste ponto em seu livro “A
terceira mulher: permanência e revolução do feminino” ao afirmar que
O que vemos é o culto do belo sexo, como chama Lipovetsky, ganhar novas dimensões
ao entrar na era das massas. Com o desenvolvimento da cultura industrial e midiática,
entramos na fase da democratização e mercantilização da beleza feminina (p. 129).
Ainda que tenha conquistado novos espaços, a sedução e o poder feminino continuam
intrinsecamente vinculados a sua aparência física. Ou pior, tudo que faz recebe o crédito
ou o descrédito referente à sua beleza, sua aparência estética.
Esta imagem, anteriormente ligada a figura etérea das deusas, depois as belas pinturas
produzidas por grandes nomes das artes ou ainda a figura famosas por seu trabalho
artístico no cinema, hoje apenas se prende a mídia que tal imagem consegue alcançar.
Anúncios de produtos que promovem a beleza de uma certa pessoa para vender
produtos destinados a melhorar a aparência, ou ainda, pessoas que buscam a fama por
meio do uso da internet e suas ferramentas, se expondo para – quem sabe – ganharem
dinheiro com sua imagem, na maioria das vezes tentando alcançar esse status referencial
de beleza localizado nos anúncios publicitários de forma geral.
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O culto a beleza feminina e aos seus padrões não atende mais ao sagrado de sua
fertilidade, ao seu encantamento natural, mas sim ao poder alcançado de venda. O corpo
da mulher, que nunca pertenceu a si, mas sim ao olhar do outro, agora serve de
ferramenta de mercantilização de produtos que a levam a desejar imagens irreais que a
levam a mais um ciclo de consumo, conceituando assim o circuito cultural citado
anteriormente neste artigo.
A mulher não deseja mais seguir o padrão de beleza estabelecido para se assemelhar a
uma mulher capaz de dar ao marido os filhos esperados; também não constrói sua
imagem em cima da figura de uma mulher multitarefa que cuida da casa, trabalha e
ainda se mantém magra e bonita; ela quer simplesmente poder entrar na calça da moda,
usar a mesma maquiagem da atriz do filme, exibir em suas redes sociais suas últimas
aquisições da moda.
Os padrões de beleza talvez não tenham mudado tanto, mas sim os significados que
damos a eles e como os adequamos a sociedade em que vivemos, os adaptando para
servir da melhor maneira a cultura contemporânea.
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Referências
LIPOVETSKY, G. . São
WILKINSON, Philip. Guia ilustrado Zahar: mitologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2010.
WOLF, Naomi. O mito da Beleza: como imagens de beleza são usadas contra as
mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
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