Analise de Evidencias Comportamentais

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ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS

COMPORTAMENTAIS
(BEHAVIOR EVIDENCE
ANALYSIS) E
COMPORTAMENTO
CRIMINOSO
Elaboração

Paulo Renato Lima

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 7

UNIDADE I
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS.................................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
ANÁLISE, EVIDÊNCIA E INVESTIGAÇÃO...................................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
PRINCÍPIOS E PADRÕES DE PRÁTICA DE ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS.............................................. 20

UNIDADE II
CIÊNCIAS SOCIAIS E ANÁLISE DE CRIME................................................................................................................................................................ 32

CAPÍTULO 1
TIPOS DE ANÁLISE DE CRIME........................................................................................................................................................................ 32

CAPÍTULO 2
ASPECTOS PRÁTICOS........................................................................................................................................................................................ 38

UNIDADE III
VITIMOLOGIA E ASPECTOS HISTÓRICOS................................................................................................................................................................. 42

CAPÍTULO 1
VITIMOLOGIA......................................................................................................................................................................................................... 42

CAPÍTULO 2
VITIMOLOGIA E ASPECTOS HISTÓRICOS................................................................................................................................................. 57

UNIDADE IV
CRIMES SEXUAIS, PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA FORENSE............................................................................................................................. 62

CAPÍTULO 1
ASPECTOS E CONTEXTOS CONCERNENTES AOS CRIMES SEXUAIS......................................................................................... 62

CAPÍTULO 2
PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA FORENSE COM EXEMPLOS DE CASOS......................................................................................... 69

CAPÍTULO 3
CRIAÇÃO DE PERFIS, PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA FORENSE........................................................................................................ 77

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................................................................... 82

REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................................................... 83
APRESENTAÇÃO

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de
textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam
tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta
para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.

Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar


Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do
estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.

Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar


Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a
aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

6
INTRODUÇÃO

Em termos mais básicos, o perfil do crime é a inferência de traços distintos do criminoso


a partir de evidências físicas e/ou comportamentais. Por meio das evidências físicas
deixadas para trás em relação à atividade criminosa, como o cabelo e sêmen de um
criminoso, o criador de perfis criminais pode deduzir que o criminoso é um homem
com determinada cor de cabelo, talvez até mesmo de determinada raça.

Da mesma forma, a partir de evidências comportamentais, inferências sobre passado,


hábitos e personalidade do ofensor (conhecidas como traços do ofensor) também podem
ser possíveis. A metodologia análise de evidências comportamentais (BEA) sugere que o
exame das evidências comportamentais relacionadas ao crime ao longo do tempo, junto
com as características físicas, pessoais e psicológicas do infrator subsequente, revelem
correlações, padrões e propensões das características individuais do infrator. Alguns
traços pessoais e psicológicos podem ser estáveis ao longo de uma carreira criminosa,
alguns são determinados pela situação e alguns evoluirão (ou até mesmo decairão).

O criador de perfil está interessado não apenas na quantidade de exposição ao dano


em decorrência do estilo de vida da vítima, mas também na quantidade de exposição
que a vítima sofreu no momento real do ataque. A partir dessas informações, o criador
de perfil pode determinar a quantidade de exposição a que o agressor estava disposto
para adquirir a vítima. Isso é inerentemente útil para contextualizar o comportamento
de outros criminosos e as escolhas relacionadas ao crime.

Primeiramente, iniciaremos pelo BEA; após, trabalharemos aspectos gerais da questão


social e das análises de crime. Vitimologia também será um de nossos principais
enfoques. Por fim, as questões delicadas dos crimes sexuais serão abordadas, porém
não esgotadas.

Desse modo, sugerimos que não sejam negligenciadas as leituras complementares


sugeridas por nós, bem como o bom senso pela busca, de modo proativo, por informações
constantes na literatura técnica do setor. Tal busca pode ser feita de modo independente,
porém baseada nos conteúdos aqui relacionados. Para um material denso, que envolve
diversas áreas do conhecimento, faz-se necessária essa dedicação. Veja também, com
atenção, o item “Para (não) finalizar”, ao final deste material; ali há diversos temas e
figuras fundamentais, que também são importantíssimos para a análise de evidências
comportamentais e comportamento criminoso. Eles não foram contemplados, mas
poderão ser úteis para futuros estudos.

7
Introdução

Objetivos
» Apresentar contextos gerais relacionados à BEA.

» Correlacionar aspectos sociais com análise de crime.

» Descrever aspectos e conceitos gerais de vitimologia, psiquiatria e psicologia


forense.

» Destacar a importância da abordagem técnica e conceitual dos crimes sexuais.

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ANÁLISE DE
EVIDÊNCIAS UNIDADE I
COMPORTAMENTAIS

CAPÍTULO 1
Análise, evidência e investigação

Análise de evidências comportamentais (BEA)


BEA é geralmente consistente com a teoria de traço da personalidade dinâmica de
Allport, que enfatiza a consideração dos traços de personalidade padronizados de um
indivíduo à medida que mudam ao longo do tempo. O BEA é construído em torno da
noção de que os indivíduos são únicos e de que o exame dessas diferenças é altamente
revelador. Portanto, Turkey (2012) enfatiza o exame ideográfico sobre o nomotético.

A teoria dos traços de Allport também divide traços de personalidade e disposições


em três categorias gerais: cardinal, central e secundária.

» Traços cardinais: o pequeno número de traços dominantes, difusos e estáveis


que definem um indivíduo para os outros e orientam a maioria de suas
decisões (por exemplo, extremamente religioso, extremamente frugal,
narcisista e altruísta).

» Traços centrais: características centrais e tendências comportamentais


que descrevem com precisão um indivíduo, embora não dominem de
forma consistente seus processos de tomada de decisão e comportamento
subsequente (por exemplo, educado, inteligente, tímido e honesto).

» Traços secundários: preferências e humores transitórios que, muitas vezes,


são situacionais e, portanto, menos duradouros (por exemplo, fome, raiva,
impaciência ou nervosismo).

Embora essa teoria forneça plataforma teórica sólida para interpretações de BEA,
suas considerações também se tornam importantes ao tentar entender e explicar a
durabilidade das características inferidas do infrator ou ao comparar as características
evidentes em vários casos em esforços de análise de ligação.

9
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

Evidência comportamental definida

Evidência comportamental definida é qualquer evidência física, documental ou


testemunhal que ajude a estabelecer “se”, “quando” ou “como” uma ação ocorreu.
Qualquer forma de evidência física também pode ser evidência comportamental nas
circunstâncias certas. Outras evidências que Turkey (2012) nos apresenta são:
» Pegadas e impressões de calçados podem indicar presença (em pé, caminhando
ou correndo) e direção.
» Os padrões de manchas de sangue podem indicar presença, lesão, contato
ou movimento e direção.
» As impressões digitais podem indicar presença, contato e uso de um objeto.

» Sêmen e esperma podem indicar presença, contato, comportamento sexual


e ejaculação.
» Lesões podem indicar tipo de arma, presença, contato, quantidade de força
e até mesmo intenção.
» Os padrões de ligadura podem indicar estrangulamento, amarração e
resistência.
» Os testes toxicológicos podem indicar a presença de drogas, álcool ou toxinas
no sistema da vítima ou do agressor. Estes também têm impacto sobre
cognição, julgamento, estado de espírito e saúde – os quais influenciam o
comportamento. Imagens fotográficas e imagens de vídeo da mídia, câmeras
de segurança, telefones celulares, câmeras digitais e filmadoras operando
no momento de um evento podem fornecer documentação limitada, mas
específica de evidências comportamentais.

Para serem úteis, as evidências comportamentais devem ser examinadas e consideradas


como um todo, de forma direcionada e proposital, a fim de alcançar resultados
significativos. Não se pode presumir de forma inconsistente, sem foco ou com base
apenas nas percepções subjetivas da experiência. É aí que entra o BEA.
Sobre o método ser dedutivo, segundo Turkey (2012), vejamos mais detalhes:
» O BEA é um método ideodedutivo de análise de cena de crime e criação
de perfis criminais. Envolve o exame e a interpretação de evidências
físicas, vitimologia forense e características da cena do crime. Para fins de
determinação do perfil criminal, os resultados desses exames individuais

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ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

podem ser analisados quanto a padrões de comportamento e grupos que


sugerem características do infrator de relevância investigativa ou forense.
» O BEA é ideográfico no sentido de que se preocupa em estudar os aspectos
de casos individuais e infratores por meio das lentes da análise forense, não
de grupos de casos semelhantes e infratores presumivelmente semelhantes.
» É dedutivo porque inferências e conclusões não são teorias indutivas ou
previsões nomotéticas disfarçadas. Elas são baseadas no pensamento crítico,
no método científico e na lógica analítica.

As conclusões da BEA devem ser o resultado da compreensão mais completa dos eventos
que cercam a prática do crime. Uma análise de cena de crime ou perfil criminoso no
estilo BEA não resultará em conclusão, a menos que existam evidências para apoiá-la.
Em vez de confiar em estatísticas médias (inexistentes/abstratas) de infratores, os
criadores de perfis BEA conduzem o exame detalhado de uma cena e de comportamentos
relacionados para determinar quais características são evidenciadas. Essa abordagem
requer mais trabalho, mais estudo e mais humildade do que outros métodos alternativos
de criação de perfil. Em geral, as informações usadas para desenvolver um perfil BEA
são extraídas, pelo menos, dos seguintes exames individuais: análise forense, vitimologia
forense e análise da cena do crime (TURKEY, 2012).

Análise forense (A.K.A. Equivocal Forensic Analysis)


A análise forense, em geral, é a primeira etapa da BEA e se refere a exame, teste e
interpretação de toda e qualquer evidência física disponível. Uma análise forense completa
deve ser realizada na evidência física, para estabelecer a evidência comportamental
correspondente em um caso, antes que um perfil BEA possa ser tentado. Ainda segundo
Turkey (2012), não se pode oferecer perfil BEA com base em conjecturas não comprovadas
ou suposições mascaradas como fatos – até que os resultados da análise forense sejam
conhecidos, esse é o único tipo de informação disponível para o criador de perfil.

Uma análise forense completa é necessária para estabelecer os pontos fortes e os limites
das evidências físicas existentes. Essa demanda de limite garante a integridade do
comportamento e as características subsequentes da cena do crime, que serão analisadas
pelo criador de perfil do crime. Consequentemente, os comportamentos da vítima
e do agressor usados para criar um perfil devem ser estabelecidos a partir de fontes
confiáveis. A evidência comportamental não pode ser simplesmente presumida ou
inferida por aqueles sem educação, treinamento e experiência forense suficientes – ou
por aqueles com uma agenda. Isso significa compreender e aplicar o método científico
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Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

com relação à interpretação da evidência. Isso também significa contentar-se com


nada menos do que técnicas de reconstrução estabelecidas e aplicadas por cientistas
forenses qualificados (TURKEY, 2012).

Sobre os padrões de prática de análise de evidências de comportamento, falaremos


mais adiante, mas é importante dizer, conforme o autor-base para este capítulo, que
o método científico exige que os criadores de perfis criminais sejam céticos. Eles
devem trabalhar para refutar teorias, não prová-las. Eles devem abandonar teorias
refutadas e devem abraçar teorias que ainda não foram contestadas como as mais
válidas. Eles também devem saber o suficiente para reconhecer quando estão errados.

Uma análise forense competente requer reconstrução informada do crime. Existem mais
do que alguns criadores de perfis criminais que sofrem de bloqueio metacognitivo
nessa área; eles acreditam que, em virtude de serem criadores de perfis de criminosos,
também estão, de alguma forma, qualificados para realizar a reconstrução do crime.
Mesmo com as melhores intenções, ainda segundo o autor supracitado, as interpretações
das evidências comportamentais resultantes tendem a variar do intelectualmente
incompleto ao totalmente incompetente. Se um criador de perfis criminais também
não for um cientista forense e não for devidamente educado e treinado em métodos
de reconstrução de crimes e seus limites, ele não deverá seguir seu próprio conselho
ao buscar compreender e integrar uma imagem do comportamento relacionado ao
crime, a partir das evidências físicas.

Vitimologia forense

A vitimologia forense, de acordo com Turvey (2012b), é o estudo científico das


vítimas de crimes violentos; o objetivo é abordar questões investigativas e forenses.
Envolve o esboço preciso, crítico e objetivo do estilo de vida e das circunstâncias da
vítima, os eventos que acarretaram uma lesão e a natureza precisa de qualquer dano ou
perda sofrida. Estabelecer as características das escolhas da vítima de um ofensor em
particular pode causar inferências sobre fantasia, motivo, modus operandi, conhecimento
e habilidade. A vitimologia forense inclui avaliação do risco e exposição da vítima.

Análise da cena do crime

A análise da cena do crime (também conhecida como análise do crime) é o processo


analítico de interpretação das características específicas de um crime e das cenas de
crime relacionadas. As características potenciais da cena do crime, segundo Turkey
(2012b), devem ser estabelecidas ou pelo menos consideradas. Entre elas, incluem-se:

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ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

» método de abordagem;

» método de ataque;

» método de controle;

» tipo de local, natureza e sequência de atos sexuais;

» materiais usados;

» evidência de habilidade ou planejamento; e

» qualquer atividade verbal, atos de precaução, atos contraditórios, modus


operandi, comportamento de assinatura e a quantidade de tempo gasto na
prática do crime.

As características da cena do crime são interpretadas a partir de exame integrado


das evidências comportamentais estabelecidas e da vitimologia. Como dependem
de evidências, mas nem sempre há evidências completas disponíveis, nem todas as
características da cena do crime podem ser estabelecidas em todos os casos. Isso pode
limitar quaisquer descobertas subsequentes e, em alguns casos, pode até impedir
esforços significativos de criação de perfil. Os resultados da análise da cena do crime
podem ser usados para comparar casos para fins de análise de ligação ou podem ser
usados para apresentar um perfil criminoso (TURKEY, 2012).

Análise de evidência comportamental: metas e propósito

Talvez o equívoco mais comum sobre o perfil do criminoso seja desejar obter resultado
estático e inflexível, não muito diferente de diagnóstico clínico. O resultado é então
presumivelmente aplicado a um crime ou a uma série de crimes e pode ser usado para
sugerir precisamente o policial. Isso é evidenciado pela crença persistente, embora
imprecisa, de que existe padrão, perfil psicológico ou comportamental médio que
descreva um típico assassino em série, um estuprador típico ou até mesmo uma
cena de crime típica. Essa visão clínica da definição de perfil considera os grupos de
comportamento do ofensor e as classificações penais subsequentes, como possíveis
transtornos de saúde mental, os quais podem ser diagnosticados com o propósito de
recomendar o tratamento ou delinear a causa. Será posição altamente desejável se
alguém for profissional de saúde mental (TURKEY, 2012).

No entanto, ainda segundo Turkey (2012), os objetivos da avaliação e do tratamento


do ofensor não estão relacionados aos objetivos do perfil do criminoso. Os médicos
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Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

têm objetivos de tratamento; os criadores de perfis têm objetivos investigativos e


forenses explícitos. Os humanos aprendem, mudam e crescem. Os humanos também
são afetados pelo tempo, pelo lugar e pelos outros. Portanto, um perfil criminoso
processado dedutivamente não pode ser considerado como resultado estático e fixo,
que será verdadeiro para sempre. Ele deve evoluir e tornar-se mais refinado à medida
que é verificado em relação a novas evidências e a casos relacionados ao longo do
tempo. Desse modo, quando um novo delito for cometido, quando ocorrer um novo
ataque ou quando um novo corpo for localizado, a integridade do perfil do criminoso
deverá ser reavaliada, pois novas provas serão coletadas e analisadas.
Um perfil renderizado dedutivamente aprende. As novas informações não são usadas
para apoiar o perfil antigo, ou para classificar o infrator, ou para racionalizar suposições
investigativas. São usadas para traçar um perfil mais completo e preciso do criminoso
responsável pelo(s) crime(s) em questão. A análise de evidências comportamentais,
portanto, deve ser vista não como processo voltado para um resultado fixo, mas como
processo contínuo, dinâmico, crítico e analítico, que examina o comportamento do
ofensor conforme ele muda ao longo do tempo. Segundo Turkey (2012), trata-se de
um esforço criminológico, não clínico.
A primeira responsabilidade do criador de perfis criminais, em oposição ao clínico
orientado para o tratamento, é apurar os fatos, em investigação criminal, com o objetivo
de servir à justiça. O criador de perfis atende ao sistema de justiça; o clínico atende o
cliente/paciente. Esta é uma diferença importante em termos de obrigações éticas ao
considerar os objetivos e propósitos potenciais da análise de evidências comportamentais.
Com esse ônus em mente, uma investigação criminal de qualquer tipo deve começar
com a suposição de que todo ser humano no planeta é um suspeito; o conjunto suspeito
é universal. Um dos objetivos do BEA é auxiliar a investigação, em qualquer fase, na
passagem desse conjunto universal de características suspeitas para um conjunto mais
discreto de características suspeitas. Normalmente, ainda segundo as informações de
Turkey (2012), ele não pode apontar para uma pessoa específica ou individualizar
um suspeito de todos os outros. Pode, no entanto, fornecer informações sobre as
características gerais do(s) agressor(es) responsável(is). Esse tipo de percepção pode
ser usado para educar esforço investigativo, bem como advogados, juízes e júris em
contexto forense (por exemplo, processos criminais, processos civis e audiências públicas).

Análise de evidências comportamentais: contextos

A análise de evidências comportamentais tem dois contextos separados, mas iguais,


divididos não pelo método empregado para chegar a conclusões, mas sim por seus

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ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

objetivos e suas prioridades divergentes. Metas e prioridades, ainda de acordo com


Turkey (2012), são ditadas por uma necessidade que depende de quando, em determinado
caso, as habilidades do criador de perfil são solicitadas. Os dois prazos normalmente
incluem a fase de investigação, antes de um suspeito ser preso (ou antes de um réu
ser levado ao tribunal com ação judicial), e a fase de julgamento, enquanto o suspeito
está sendo julgado por um crime (ou levado a julgamento por danos).

A fase investigativa de um caso criminal recebe muita atenção da mídia e é o foco


principal da ficção popular sobre o assunto do perfil criminal. Com relação ao criador
de perfis criminais, fomos condicionados a pensar em casos de assassinato em série
não resolvidos e em locais remotos onde equipes de cientistas forenses trabalham
para recuperar restos mortais em decomposição. Os criadores de perfis costumam ser
caracterizados como indivíduos socialmente alienados, profundamente perturbados
por suas próprias percepções altruístas sobre as mentes dos criminosos desconhecidos
que estão caçando. Essa visão apresentada pela ficção e pela mídia não apenas é
completamente distorcida, mas também é apenas a primeira metade da equação. A fase
de teste é a segunda metade da equação, a qual tem recebido atenção muito menos
explícita na mídia e na literatura publicada. Embora seja igualmente importante, muitas
vezes falta o romance e o drama associados a casos seriados de alto perfil, tornando-os
menos comercializáveis (TURKEY, 2012).

Fase de investigação

A fase de investigação envolve a análise de evidências comportamentais dos padrões


de perpetradores desconhecidos de crimes conhecidos. Os criadores de perfis criminais
tendem a ser chamados para casos extremamente violentos, sexuais e/ou predatórios
quando o depoimento de testemunhas, confissões e/ou evidências físicas não foram
suficientes para levar a investigação adiante. A decisão de chamar um criador de perfil
para determinada investigação é tipicamente reativa, com as agências esperando meses
ou até anos (se houver) devido à falta de acesso a um criador de perfil ou à falta de
compreensão do que é o perfil criminal e de como este pode ajudar uma investigação.
Nessa fase, segundo Turkey (2012), os objetivos primários são:

» Avaliar a natureza e o valor das evidências forenses e comportamentais em


um crime específico ou em uma série de crimes relacionados.

» Reduzir o número de suspeitos viáveis na investigação criminal.

» Priorizar a investigação de suspeitos remanescentes.

15
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

» Ligar crimes potencialmente relacionados, identificando indicadores da


cena do crime e padrões de comportamento (modus operandi e assinatura).
» Avaliar o potencial de escalada de comportamento criminoso incômodo
para crimes mais graves ou violentos (assédio, perseguição, voyeurismo).
» Fornecer aos investigadores pistas e estratégias relevantes para a investigação.

» Ajudar a manter a investigação geral sob controle e sem distrações, oferecendo


percepções novas e imparciais.
» Desenvolver estratégias de comunicação, entrevista ou interrogatório ao
lidar com suspeitos.

Fase de teste

A fase de julgamento do perfil criminal envolve a análise de evidências comportamentais


de crimes conhecidos para os quais há um suspeito ou réu (às vezes, réu condenado).
Ocorre na preparação de audiências, julgamentos e processos pós-condenação. As fases
de culpa, penalidade e apelação do julgamento são momentos apropriados para o uso
de técnicas de criação de perfil, dependendo da evidência em questão. Novamente,
segundo Turkey (2012), os objetivos primários dessa fase são:

» Avaliar a natureza e o valor das evidências forenses e comportamentais para


um determinado crime ou uma série de crimes relacionados.
» Ajudar a desenvolver uma visão sobre a fantasia e as motivações do ofensor.

» Desenvolver visão sobre o motivo e a intenção do ofensor antes, durante


e depois da prática de um crime (níveis de planejamento, evidências de
remorso, atos de precaução etc.).
» Ligar crimes potencialmente relacionados, identificando indicadores da
cena do crime e padrões de comportamento (modus operandi e assinatura).

Estratégias de pensamento de análise de evidências


comportamentais

Para melhor atingir qualquer um dos objetivos da análise de evidências comportamentais,


um criador de perfis de criminosos deve, antes de mais nada, ser um pensador crítico
e analítico. Conforme já discutido, os criadores de perfil devem ter habilidades de
pensamento crítico fortes e bem afiadas, abordando os casos de forma objetiva e
metódica. Eles devem ter entusiasmo pelos detalhes, estar dispostos a questionar todas
16
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

as suposições e estar familiarizados o suficiente com a ciência forense e a investigação


criminal para fazer todas as perguntas certas.

Além disso, evidenciado pelos princípios e padrões de prática discutidos, os criadores


de perfis criminais também devem se conhecer. Eles devem saber quem são e ter
compreensão firme de sua própria personalidade. Eles devem ser capazes de distinguir
suas próprias necessidades, seus gostos, seus desejos e sua moralidade para que possam
perceber mais claramente as necessidades, os gostos, os desejos e as moralidade de um
determinado ofensor. Isso significa que os criadores de perfis devem saber quem eles
são, com nível extremamente irregular de conforto pessoal – eles devem fazer a si
mesmos todas as perguntas que fizeram sobre a vida da vítima. Eles devem conhecer
seus pontos fortes, seus medos, suas fantasias e suas fraquezas. Esse não é um ponto
simples ou trivial.

Na ausência de autoconhecimento e habilidades de pensamento crítico, os criadores


de perfil arriscam a transferência de seus próprios problemas, suas necessidades e sua
moralidade para um perfil. Vale a pena repetir que não é incomum que criadores de
perfis não treinados e indisciplinados criem perfis que dizem mais sobre suas próprias
necessidades do que sobre os padrões de comportamento que estão sendo traçados.
Para evitar essa armadilha e manter o processo BEA como esforço crítico, analítico e
objetivo, os criadores de perfil são aconselhados a seguir essas diretrizes gerais sobre
estratégias de pensamento.

Experiência de vida

Frequentemente, sugere-se que a idade promova experiência e sabedoria; este não é o


caso. Há um grande número de pessoas no mundo que não conseguem aprender com
seus erros ou sucessos. Em última análise, são privados de sabedoria ou conhecimento
aplicados de qualquer tipo. A experiência de vida não significa necessariamente
conhecimento ou percepção especial. Além disso, nem toda experiência investigativa
ou de aplicação da lei é igual. Observe as diferenças trazidas por Turkey (2012), apenas
como um exemplo comparativo:

» 15 anos na aplicação da lei;

» 15 anos como detetive de homicídios;

» 15 anos como detetive de homicídio em condado rural;

» 15 anos como detetive de crimes sexuais;

17
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

» 15 anos como detetive de crimes sexuais em um grande departamento de


polícia metropolitana;
» 7 anos no cargo; 8 anos em patrulha; e

» 3 anos em patrulha; 12 anos como guarda na prisão.

Embora cada exemplo represente 15 anos no que pode ser geralmente referido como
experiência de aplicação da lei, a natureza específica e a qualidade dessa experiência
são bastante variadas. A questão é que, antes de começarmos a aplicar a experiência
investigativa ou policial, ou aceitar as experiências de outra pessoa, como base para
nosso raciocínio, devemos ter compreensão da natureza precisa dessa experiência.
Posteriormente, o conhecimento obtido dessa experiência deverá ser medido, pesado e
aplicado de forma adequada, em vez de indiscriminadamente. Nem todas as experiências
são de igual qualidade ou medida, por mais semelhantes que possam parecer à primeira
vista (TURKEY, 2012).

Intuição e senso comum

Invariavelmente, o acúmulo de qualquer quantidade de experiência de vida leva à


intuição – saber ou acreditar sem o uso da razão ou de processos racionais e articuláveis.
Se temos uma crença ou algo que “simplesmente sabemos”, mas não somos capazes de
articular o raciocínio por trás disso, é provável que a intuição seja a culpada. Por mais
sedutoras que sejam, as intuições e os instintos viscerais podem ser extensões de
preconceitos, estereótipos e ignorância acumulada. Eles podem ser extremamente
prejudiciais aos esforços investigativos e devem ser deixados de fora de estratégia
investigativa, sugestões ou perfis finais, a menos que existam argumentos razoáveis e
articuláveis para sua inclusão (TURKEY, 2012).

É importante nunca usar a terminologia em um perfil que descreve o agressor como


doente, louco, maluco, canalha, inútil, imoral etc. Essa terminologia representa
julgamento moral baseado nos sentimentos pessoais do criador de perfil. Sentimentos
pessoais não têm lugar em perfil criminoso. Uma boa maneira de atingir a objetividade
é não usar adjetivos ou usá-los o mínimo possível ao descrever as características de
personalidade do ofensor (TURKEY, 2012).

O bom senso é melhor definido como bom julgamento nativo. Dito de outra forma,
refere-se ao conhecimento acumulado por um indivíduo; é útil, mas específico para
tomar decisões nos locais que frequenta. O bom senso, então, não é comum. O que é
socialmente aceitável, razoável e esperado nem sempre é transferido de um país para

18
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

outro, de um estado para outro, de uma cidade para outra, de um bairro para outro
ou mesmo de uma pessoa para outra. Portanto, usar nosso próprio senso comum,
nossos próprios olhos e nossas crenças para compreender o comportamento de outra
pessoa pode ser uma expedição ao absurdo. Supõe-se, incorretamente, que o ofensor
e o criador de perfil compartilhem percepção do que é bom senso, como se fossem
criaturas que habitam a mesma cultura. Por exemplo, na própria casa, é comum
remover o lixo e restos de comida para uma área externa à sala de estar. Isso faz todo
o sentido por razões de saúde e conforto. Contudo, se for acampar, essa mesma ação
fará menos sentido, pois, dependendo da localização, corre-se o risco muito real de
atrair predadores, alguns dos quais ameaçam a saúde ou a vida (TURKEY, 2012).

19
CAPÍTULO 2
Princípios e padrões de prática de
análise de evidências comportamentais

Os princípios da análise de evidências


comportamentais
Princípios são as verdades e proposições fundamentais que fornecem a base para
qualquer campo de estudo. Os princípios básicos da BEA, identificados pelos autores
e extraídos das ciências comportamentais e biológicas, incluem aqueles que estão
apresentado na tabela a seguir, embora certamente não estejam limitados a eles:

Tabela 1. Princípios da análise de evidências comportamentais.

Os indivíduos se desenvolvem de maneira única ao longo do tempo em resposta a fatores


biológicos, ambientais e psicológicos subsequentes. Por mais semelhantes que sejam seu
Princípio da passado e presente, duas pessoas nunca se desenvolverão exatamente da mesma maneira.
singularidade Isso ocorre porque cada pessoa nasce com um perfil genético e temperamento únicos, é criada
em sua própria cultura cercada por outros indivíduos de formação única e desenvolve uma
constelação única de associações em relação a prazer, dor, gosto e aversão.
Os indivíduos têm sua própria constelação única de associações em relação a prazer, dor, gosto
e aversão – independentemente do criador de perfil. Consequentemente, nenhuma vítima ou
agressor deverá ser tratado como espelho. O objetivo desse princípio é lembrar aos criadores
de perfis que existem certas armadilhas psicológicas que devem ser evitadas. Isso inclui
perfis personalizados; a atribuição de nossos próprios pensamentos e motivos (por exemplo,
fantasias sexuais, respostas ao perigo e sistemas de crenças) a outros. Os criadores de perfis
devem estar cientes de que as vítimas e os infratores agirão e escolherão de maneira diferente
da maneira que deveriam porque são diferentes. Os criadores de perfil também devem estar
cientes e proteger-se contra projeções e deslocamentos potenciais (esses conceitos estão
bem estabelecidos na literatura da ciência comportamental como mecanismos de defesa
psicológica). Ambos podem ocorrer subconscientemente e, portanto, sem que o criador de perfil
saiba no momento. A projeção ocorre quando atribuímos nossos próprios pensamentos e/ou
Princípio da
emoções inaceitáveis ou indesejados aos outros. O exemplo clássico é a infidelidade: aqueles
separação com pensamentos de infidelidade podem acusar seus parceiros de traí-los. Em contexto de
criação de perfil, o criador de perfil pode imbuir o comportamento do infrator e da cena do crime
que está examinando com todos os sentimentos indesejados que ele tem – resultando em perfil
que trata mais do criador do perfil do que do infrator. Esses perfis são mais comuns do que é
geralmente conhecido; isso pode ser um processo consciente ou subconsciente. O deslocamento,
entretanto, ocorre quando nossa mente redireciona a emoção de um objeto “perigoso” para
um objeto “seguro”. Os exemplos incluem ficar com raiva de uma vítima ou um agressor por
causa de uma discussão em casa ou transferir a raiva relacionada a sentimentos de frustração
sexual de um amante para a vítima ou o agressor. Isso também pode resultar em um perfil que
é mais sobre os conflitos e as frustrações do criador de perfil do que do infrator. Este é um
processo subconsciente e pode ser responsável por muitos dos perfis ricamente detalhados que
pretendem penetrar profundamente na mente dos “assassinos”.
O comportamento relacionado à ofensa, incluindo o modus operandi, não é estático. Pode evoluir, ou
descentralizar, com o tempo e com o cometimento de múltiplas ofensas. Também está subordinado
Princípio da
a fatores contextuais, como experiência da vítima e do agressor, destreza mental, influências
dinâmica
psicológicas (doença mental, humor etc.), toxicologia pessoal (drogas, álcool etc.) e local do crime.
comportamental Consequentemente, nem todo crime cometido pelo mesmo criminoso deve ser semelhante, e nem
todo criminoso sempre reflete as características evidentes na cena do crime que deixa para trás.

20
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

Motivo é o conceito que usamos para descrever as forças que agem sobre ou dentro de
uma pessoa para iniciar e direcionar o comportamento. Ninguém age sem motivação. Todo
Princípio da
comportamento tem causas e origens subjacentes. As origens podem ser conscientes ou
motivação
subconscientes, mas também podem ser o resultado de um raciocínio brilhante ou incompetente.
comportamental As decisões motivacionais, planejadas ou reacionárias, são fortemente influenciadas por
emoções, defeito mental, doença mental e uso de drogas e álcool.
O comportamento relacionado ao crime, como estupro e agressão, é “complexo e
multideterminado”, servindo a múltiplos objetivos e propósitos. Um único comportamento/
escolha/ação pode resultar de uma combinação de motivos. Considere um estuprador que opta
Princípio da
por trazer uma lanterna Mag-Lite pesada durante o cometimento do delito. Ela pode ter várias
multideterminação funções: fonte de luz, arma para ajudar a controlar a vítima, arma para punir a vítima ou para
inserção na boca, na vagina ou no reto da vítima em ato de substituição. Um comportamento, por
exemplo, o ato de trazer uma lanterna, tem várias funções para um único infrator.
Um infrator individual possui múltiplos motivos para cometer múltiplas ofensas ou mesmo para a
prática de uma única ofensa. Durante uma única ofensa, um estuprador em série pode evidenciar
variedade de comportamentos, como sádico, zangado e arrependido, mas então roubar a vítima
Princípio da para obter lucro. Em vários crimes, um assassinato em série pode estuprar uma vítima e depois
dinâmica esfaqueá-la até a morte para eliminar testemunha em potencial; um mês depois, pode sair do
motivacional seu caminho para atirar em um casal de homens estacionados e, em seguida, roubá-los, o que é
motivado pelo ódio contra homossexuais. Esse princípio deve impedir a classificação de infratores
específicos por causa de seus crimes conhecidos. Do ponto de vista investigativo e forense, ter
uma parte da imagem (crimes conhecidos) não é o mesmo que ter a imagem completa.
Os infratores diferentes podem invocar comportamento/escolha/ação igual ou semelhante por
motivos completamente diferentes. Por exemplo, alguns estupradores usam armas, mas nem
todos pelo mesmo motivo. Um agressor traz uma arma para proteção e não a mostra durante
Princípio o crime; outro agressor traz uma arma para obter e manter o controle sobre a vítima; e outro
da variação ainda precisa da arma como parte de uma fantasia, apontando a arma para a cabeça da vítima
comportamental durante o ato de estupro. Um comportamento, o ato de trazer uma arma, tem várias funções
para diferentes infratores. Esse princípio deve impedir que o criador de perfil presuma que um
comportamento sempre significará a mesma coisa. Uma arma nem sempre é um instrumento de
morte; um beijo nem sempre é um ato de intimidade.
Nem todos os resultados do comportamento são intencionais. As consequências nem sempre
são previstas. O julgamento pode ser prejudicado, a percepção pode ser alterada e acidentes
Princípio das
acontecem, por exemplo, as bombas podem explodir prematuramente ou não explodir; pode
consequências
ocorrer atolamento de armas; o objetivo pode ser pobre; o fogo pode queimar fora de controle
não intencionais ou extinguir-se rapidamente por falta de combustível. Isso deve impedir que o criador de perfil
presuma que a cena encontrada é a que foi planejada.
Refere-se ao fato de que as declarações das testemunhas não são inerentemente confiáveis
por uma variedade de razões. Primeiro, a memória não é um registro fixo de eventos. Ela muda
à medida que novas memórias são formadas. Também pode ser corrompida por “curva de
esquecimento”, foco da arma, identificação inter-racial, preconceito, sugestão, expectativa e
Princípio de tendência humana para “preencher as lacunas”. A memória também pode ser afetada pelo uso
corrupção de de substâncias que alteram a percepção, como drogas e álcool. Finalmente, as testemunhas
memória podem contar verdades parciais e mentiras por vários motivos, incluindo constrangimento.
Ademais, podem tentar ocultar seu envolvimento em um crime ou ocultar seu envolvimento
no crime em questão. Todas essas forças podem contribuir para corrupções conscientes e
subconscientes da memória, que devem impedir qualquer examinador forense de confiar em
uma única testemunha sem corroboração.
Os resultados dos exames forenses, incluindo perfis criminais, são tão confiáveis quanto as evidências
e o raciocínio subjacentes. O comportamento deve ser estabelecido de forma confiável. A lógica e o
Princípio da
raciocínio devem ser isentos de falácias. Se o comportamento foi assumido e não estabelecido ou se
confiabilidade a lógica tem falácias, o perfil é inválido. Esse princípio deve impedir o criador de perfil de presumir
fatos para fins de análise e de desconsiderar a lógica e o raciocínio falhos da análise.
Fonte: adaptada de Turkey, 2012, pp.129-132.

21
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

Padrões de prática de análise de evidências


comportamentais

Na análise de evidências comportamentais, os padrões de prática são as regras


fundamentais que estabelecem os limites da interpretação das evidências. Eles oferecem
um padrão para avaliar hábitos de trabalho aceitáveis e aplicação de métodos.
Para todos os examinadores forenses, eles são projetados especificamente para ajudar
a reduzir o preconceito, empregar a lógica analítica e o método científico, e formar
hipóteses e conclusões apenas de acordo com as evidências conhecidas. Nem é preciso
dizer que todos os médicos forenses têm o dever de buscar objetividade, competência
e profissionalismo em seu trabalho.

Os examinadores forenses devem desejar que suas descobertas sejam precisas e seus
métodos, confiáveis. Os padrões de prática definem um limite mínimo de competência.
Eles também ajudam a definir a função de um profissional e delinear mecanismo
para demonstrar suas instalações. Eles são uma bússola para os praticantes e uma tela
contra a qual aqueles que se perderam podem ser atrasados e educados. Desse modo,
o objetivo de definir padrões de prática não é apenas ajudar os profissionais a atingir
nível de competência, mas também fornecer aos revisores independentes uma base
para verificar o trabalho que pretende ser competente. Os padrões de prática definem
o padrão e são uma proteção contra a ignorância, incapacidade e incompreensão
disfarçada de ciência e razão. Em um campo no qual o argumento mais comum tende
a ser o de que as conclusões são precisas simplesmente por causa dos anos de trabalho
do profissional, deve ser evidente a necessidade de fornecer padrões de prática.

Foram diversas as pesquisas feitas por Turkey (2012), de autoria de educadores-profissionais;


o método científico, o raciocínio analítico e a objetividade são valorizados acima de
tudo. A emoção, a intuição e outras formas de preconceito que se apresentam como
conhecimento, entretanto, são evitadas. Com a ajuda desses trabalhos levantados pelo
autor retromencionado, os seguintes padrões de prática geralmente aceitos podem
ser oferecidos:

» Os criadores de perfis de criminosos devem esforçar-se diligentemente


para evitar preconceitos: as evidências físicas não podem estar erradas; não
pode ser perjurado; não pode estar totalmente ausente. Somente em sua
interpretação pode haver erro. Com essa observação simples, o dr. Paul Kirk
estava se referindo às influências de ignorância, imprecisão e preconceito
do examinador na reconstrução das evidências físicas e de seu significado.
A evidência está sempre lá, esperando para ser entendida. O examinador

22
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

forense é a lente imprecisa por meio da qual surge uma forma de entendimento.
Especificamente, existem pelo menos dois tipos de preconceito que devem ser
mitigados pelo examinador forense a fim de manter suas lentes profissionais
– preconceito do observador e viés de confirmação. O viés do observador
pode ser descrito como a tendência consciente ou inconsciente de ver ou
encontrar o que se espera ver ou encontrar. Em sentido prático, isso significa
que o examinador forense pode desenvolver expectativa de descobertas com
base nas informações e opiniões que aprendeu com a mídia popular, com
testemunhas e com opiniões e descobertas de outras pessoas. Essas influências
são particularmente insidiosas, porque, ao contrário da fraude aberta,
podem ser subconscientes. A menos que seja intencionalmente rastreado
ou reconhecido pelo examinador de alguma forma, as influências podem
empurrar ou arrastar as descobertas do examinador em uma direção específica.
O viés de confirmação pode ser descrito como a tendência consciente ou
inconsciente de afirmar teorias, opiniões ou descobertas anteriores. É um
tipo específico de viés do observador, no qual as informações e as evidências
são selecionadas para incluir aquelas coisas que confirmam uma posição
e para ignorar ativamente, não procurar ou subestimar a relevância de
qualquer coisa que contradiga essa posição. Geralmente, manifesta-se na
forma de procurar apenas tipos específicos de evidências que apoiem dada
teoria de caso (suspeita de culpa ou inocência) e expliquem ativamente as
evidências ou descobertas indesejáveis. Como afirmado anteriormente, pode
ser a seleção da evidência a ser examinada por pessoas que defendem uma
teoria específica ou por pessoas interessadas em “observar o orçamento”, de
modo que a evidência potencialmente justificativa não seja selecionada para
análise, porque isso custaria mais dinheiro ou exigiria muito tempo. Lutar
contra o viés de confirmação é extremamente difícil, muitas vezes porque
é institucional. Muitos examinadores forenses trabalham em sistemas nos
quais são recompensados com elogios e promoção por defenderem com
sucesso seu lado, mas a verdadeira ciência trata de qualquer situação para
além de defender com sucesso qualquer um dos lados. Consequentemente, a
maioria dos examinadores forenses que sofrem de viés de confirmação não
tem ideia do que é ou se é mesmo um problema. Embora essa diretriz seja útil
com relação ao bloqueio de material suspeito didático, os suspeitos podem
emergir naturalmente do conjunto de testemunhas do crime ou da cena do
crime. Esta é a informação que o criador de perfil deve ter. Em tais casos, a
adesão estrita aos padrões de prática, bem como aos princípios de pensamento

23
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

crítico, lógica analítica e método científico, será a melhor proteção do criador


de perfil. O que deve ser entendido por todos os examinadores forenses é que
o valor primário da ciência forense para o sistema de justiça (a parte forense)
é sua adesão ao método científico (a parte científica), e isso exige o máximo
de objetividade e solidez do método utilizado. O sucesso na comunidade
forense deve ser medido pela eliminação diligente de possibilidades, por
meio do método científico e da revisão por pares, não pela obtenção de
condenações.

» Os criadores de perfil do crime são responsáveis por solicitar todas as


evidências e informações relevantes para realizar vitimologia adequada,
análise da cena do crime ou perfil criminal: os criadores de perfis criminais
devem definir o escopo das evidências e informações de que precisam para
realizar reconstrução adequada, parcial, ou não, e fazer solicitação formal de
seu cliente, empregador ou agência solicitante. Ao receber essa evidência, eles
devem determinar o que foi disponibilizado e o que está faltando. Essa tarefa
básica é responsabilidade de todo examinador forense. Quando um criador
de perfis criminais não é capaz de basear suas descobertas em informações
completas conforme ele as define ou as entende, isso deve ficar claro como
parte de suas conclusões. Os pedidos básicos de informações devem incluir:

» uma lista de todas as agências que responderam à cena do crime e/ou


ajudaram na investigação até o momento;

» toda a documentação da cena do crime disponível, incluindo registros de


coleta e segurança, notas, esboços e fotos;

» todos os relatórios investigativos disponíveis e notas de todas as agências


respondentes/assistentes;

» todos os relatórios forenses, as notas e os resultados laboratoriais disponíveis


de todas as agências de resposta/assistência;

» todos os relatórios e as notas médicas disponíveis, incluindo fotos de lesões;

» todos os relatórios e as notas do médico legista disponíveis, incluindo fotos


de autópsia;

» todos os depoimentos investigativos e forenses relevantes de qualquer


processo judicial até o momento;

24
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

» uma lista de todas as testemunhas do crime ou da cena do crime;

» qualquer documentação de depoimentos de testemunhas, incluindo gravações,


transcrições e resumos investigativos; e

» todas as informações e o histórico disponíveis da vítima.

Os criadores de perfis criminais são responsáveis por determinar se as evidências que


estão examinando são de qualidade suficiente para fornecer a base para vitimologia
adequada, análise da cena do crime ou perfil criminal. A dura realidade é que os esforços
de processamento e documentação da cena do crime nos Estados Unidos costumam
ser péssimos, senão totalmente ausentes, e precisam de reforma maior. As cenas de
crime nos Estados Unidos são comumente processadas por técnicos empregados pela
polícia ou pessoal juramentado com pouca ou nenhuma educação formal, para não falar
do treinamento em ciências forenses e técnicas de processamento de cena de crime.
O treinamento forense em serviço disponível para a aplicação da lei normalmente
existe na forma de seminários de meio dia ou cursos de curta duração, ministrados por
não cientistas que, por conta própria, de forma alguma transmitem a disciplina e os
conhecimentos necessários para processar cenas de crime de forma adequada para os
fins de vitimologia, análise da cena do crime ou perfis criminais. A fim de determinar
se as evidências são de qualidade suficiente para fornecer a base para esses esforços,
as considerações mais importantes são as seguintes:

› A capacidade de identificar o item de evidência (número de evidência,


responsável pela coleta, local de coleta, descrição).

› A capacidade de, conceitualmente, se não literalmente, colocar o item


de volta na cena do crime, onde foi encontrado, em relação aos outros
itens de evidência. Isso é realizado por meio de esboços competentes e
documentação escrita e fotográfica relacionada. A memória não é um
substituto confiável para a documentação física.

› A capacidade de identificar todas as pessoas que manusearam o item após


sua coleta. A cadeia de evidências é segura e completa?

› A capacidade de identificar todos os testes realizados no item, quem


realizou os testes e os resultados.

Se a documentação da cena do crime e os esforços de processamento não forem


suficientes para permitir que o criador de perfis do crime estabeleça as considerações

25
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

mencionadas anteriormente, então esses esforços foram, na melhor das hipóteses,


inadequados. Os criadores de perfil devem tomar nota de tais deficiências em sua
análise e incluí-las em suas conclusões; podem até mesmo precisar explicar que não
podem derivar certas conclusões por causa delas. É importante observar que o criador
de perfil não pode saber absolutamente tudo sobre qualquer item de evidência; ninguém
pode. O desafio é considerar tudo o que se sabe ao fazer uma reconstrução e estar
preparado para incorporar novas informações à medida que elas vierem à tona.
Isso significa reconhecer que novas informações sobre qualquer item de evidência, ou
seu histórico, podem afetar quaisquer conclusões.

Os criadores de perfil do crime devem, sempre que possível, visitar a cena do crime: é
altamente preferível que o criador de perfis criminais visite a cena do crime. A seguir,
estão exemplos de informação que pode ser aprendida:

» Imagens, cheiros e sons da cena do crime; como a vítima e o agressor podem


ter experimentado tais aspectos.

» As relações espaciais dentro da cena.

» Observação de potenciais evidências de transferência em primeira mão.


Vegetação, solo, vidro, fibras e quaisquer outros materiais que possam ter
sido transferidos para a vítima ou suspeitos podem tornar-se evidentes
ou podem ser transferidos para o perfilador, fornecendo exemplos do que
procurar nas roupas ou no veículo de um suspeito.

O criador de perfil atento pode descobrir itens de evidência na cena anteriormente


perdidos e subsequentemente não coletados pelos esforços do técnico da cena do
crime. Isso é muito mais comum do que muitos gostariam de admitir e é uma das
razões mais importantes para visitar a cena do crime. Em muitos casos, contudo, não
será possível para o criador de perfis visitar a cena do crime. Isso ocorre por uma
série de razões práticas, incluindo limitações de tempo, limitações orçamentárias,
restrições legais, alteração do cenário por forças da natureza ou obliteração do cenário
por loteamento ou incorporação imobiliária. Se o criador de perfil não puder visitar
a cena do crime por qualquer motivo, isso deverá estar claramente refletido em suas
descobertas. Não se discute que a principal razão para documentar uma cena de
crime é fornecer reconstruções posteriores e esforços de análise comportamental.
Portanto, a incapacidade do criador de perfis criminais de visitar o local não impede
a análise da cena do crime e os esforços de definição de perfis criminais em toda a
linha. A documentação competente do local por técnicos forenses pode, ou não, ser

26
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

suficiente para resolver os problemas em questão. Cada caso é diferente e deve ser
considerado separada e cuidadosamente em relação a esse assunto.

O perfil do crime, a análise da cena do crime, as conclusões da vitimologia e suas


bases devem ser fornecidos por escrito: Hans Gross referiu-se ao papel crítico que os
esforços exatos, deliberados e pacientes na reconstrução do crime podem desempenhar
na investigação e resolução do crime. Especificamente, ele afirmou que apenas olhar
para a cena do crime não é suficiente. Além disso, o criador de perfis criminais, não
o destinatário do relatório (investigadores, advogados e tribunal), tem o ônus de
garantir que as conclusões sejam comunicadas de forma eficaz; isso significa anotá-los.
Significa que o criador de perfil deve ser competente em redação inteligível, e os
relatórios devem ser abrangentes no que diz respeito a exames realizados, achados e
conclusões. As conclusões comunicadas oralmente devem ser vistas como forma de
produto de trabalho abaixo do padrão. Eles são suscetíveis a conversões, alterações e
deturpações. Eles também podem perder-se no tempo. As conclusões escritas são fixas
no tempo, são fáceis de reproduzir e são menos suscetíveis à conversão acidental ou
intencional, à alteração e à deturpação. Um analista que prefere conclusões comunicadas
oralmente a conclusões escritas revela preferência pela mobilidade conclusiva.
Além de sua relativa permanência, as conclusões por escrito também fornecem ao
perfilador do crime a melhor chance de documentar métodos, conclusões, argumentos
e fatos subjacentes ao caso. Isso inclui uma lista das evidências examinadas, quando
foram examinadas e em que circunstâncias. Geralmente, um relatório escrito deve
incluir as seguintes informações (mas não precisa limitar-se a elas):

» seção de histórico preliminar, descrevendo o envolvimento do criador de


perfil no caso;
» seção de cadeia de custódia, descrevendo e detalhando as evidências que
foram examinadas ou incluídas no perfil;
» seção descritiva na qual o criador de perfil descreve detalhadamente os
exames realizados (por exemplo, análise forense, vitimologia, análise da
cena do crime), com consideração dos fatos e evidências;
» seção de resultados na qual o criador de perfil liste todos os resultados e as
conclusões, incluindo sua significância e limitações; e

» os usuários pretendidos do resultado final incluem detetives, juízes e jurados;


o relatório deve ser redigido de forma que não haja dúvidas na mente do
leitor sobre o que está sendo dito.

27
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

Se a análise da cena do crime ou o perfil do criminoso não puderem ser escritos de


forma lógica para facilitar a compreensão do usuário pretendido, então, além de não
ter valor, provavelmente também estarão errados.

Os criadores de perfis criminais devem demonstrar compreensão de ciência


comportamental, ciência forense e método científico: a análise da cena do crime,
a vitimologia e o perfil criminal são exames multidisciplinares das evidências
comportamentais com base nos princípios das ciências forenses e comportamentais.
Dado o nível avançado de conhecimento necessário, não está claro como um criador
de perfis criminais poderia realizar qualquer um desses exames com competência sem
receber uma linha de base de educação formal e treinamento contínuo nessas áreas de
cientistas forenses e comportamentais não policiais.

As conclusões da reconstrução devem ser baseadas em fatos comprovados: os fatos


não podem ser presumidos para fins de análise. Muitos criadores de perfis criminais
estão dispostos a fornecer certa interpretação do comportamento do delito com
base em comparações experienciais com casos não nomeados, suposições factuais
ou evidências físicas inexistentes. Se os fatos subjacentes não foram estabelecidos
por meio de documentação investigativa, documentação da cena do crime, exame
de evidência física ou depoimento corroborante de testemunha ocular, qualquer
reconstrução desses fatos não será inferência confiável ou válida de eventos; isso
inclui cenários hipotéticos.

A análise da cena do crime e as conclusões do perfil criminal devem ser inferências


válidas com base em argumentos lógicos e raciocínio analítico: no processo de estabelecer
os fatos que são adequados para análise, os fatos devem ser peneirados e distinguidos
de opiniões, conjecturas e teorias. As hipóteses indutivas devem ainda ser delineadas
a partir de conclusões dedutivas, e as conclusões devem fluir naturalmente dos fatos
fornecidos. Além disso, a reconstrução deve estar razoavelmente livre de falácias
lógicas e declarações incorretas de fatos.

A análise da cena do crime e as conclusões do perfil do crime devem ser alcançadas com
o auxílio do método científico: o método científico exige que observações cuidadosas
das evidências sejam feitas e que hipóteses sejam geradas. Posteriormente, serão
testadas contra todas as evidências conhecidas e os fatos aceitos. Subsequentemente, o
criador de perfil do crime deverá fornecer não apenas conclusões, mas todas as outras
teorias postuladas que foram falsificadas por meio de exames, testes e experimentos.
A falsificação, não a validação, é a pedra angular do método científico. As teorias que
não foram submetidas a nenhum teste, ou que aparecem em um relatório ou testemunho

28
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

em tribunal baseado apenas em ruminação e imaginação (experiência e intuição), não


devem ser consideradas inerentemente válidas ou confiáveis.

A análise da cena do crime e as conclusões do perfil criminal devem demonstrar


compreensão e distinção clara entre as descobertas individualizadas e todas as outras:
o conceito de identificação e individuação é frequentemente mal compreendido.
Identificação ou classificação é a colocação de qualquer item em uma categoria específica
de itens com características semelhantes. A identificação não requer nem implica
exclusividade. Individuação é a atribuição de exclusividade a um item. Para individualizar
um item, deve-se descrevê-lo de forma a separá-lo de todos os outros itens do universo.
Na apresentação das descobertas, os criadores de perfis usarão afirmações que sugerem
vários graus de confiança. Termos vagos ou termos da arte, como “provavelmente”,
“provável”, “identificar”, “corresponder”, “consistente com” e “grau razoável de certeza
científica”, estão entre aqueles usados para qualificar a certeza das descobertas.
Se desmarcada, essa linguagem pode enganar aqueles que pretende ajudar. As declarações
de confiança devem ser qualificadas e discutidas até o ponto de clareza absoluta. Sem
esclarecimento, as descobertas podem ser mal interpretadas e mal aplicadas. Se o criador
de perfis criminais fornecer resultados individualizados de qualquer tipo, a natureza
da singularidade e seu modo de estabelecimento devem ser claramente apresentados.
Quando o criador de perfil tiver dados, não poderão existir as seguintes dúvidas: se
os achados são individualizantes e qual o seu modo de determinação. O objetivo de
apresentar resultados é esclarecer as evidências, não as confundir.

Os criadores de perfis criminais devem demonstrar compreensão das condições de


transferência (princípio de troca de Locard e dinâmica de evidências): identificar
e individualizar evidências físicas é apenas uma parte da análise da cena do crime.
Igualmente importante é a necessidade de estabelecer a fonte da prova e as condições
de transferência para o local onde foi finalmente encontrada. Os criadores de perfil
não devem simplificar demais questões complexas, como o exame e a interpretação
de evidências físicas. Ademais, também não devem desconsiderar as circunstâncias
que podem mover, alterar ou obliterar essas evidências.

Quaisquer evidências, dados ou descobertas em que a análise da cena do crime ou


as conclusões do perfil do crime se baseiem devem ser disponibilizados por meio
de apresentação ou citação: não é aceitável que o criador de perfis criminais forneça
conclusões com base em bancos de dados fantasmas, pesquisa fantasma, evidência
fantasma ou comparações invisíveis. Dados, pesquisas e evidências devem ser detalhados
até o ponto em que outros revisores de seus trabalhos possam facilmente localizá-los

29
Unidade I | ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS

ou identificá-los, da mesma forma que citamos os esforços de outros em trabalhos


escritos. Dados, pesquisas e evidências que não possam ser duplicados ou identificados
pelo tribunal não devem chegar a conclusões forenses. Esses padrões mínimos de
prática devem ser aplicados à avaliação de qualquer método de análise da cena do
crime e do perfil do crime, tanto o geral quanto o especializado, a fim de demonstrar
a devida diligência. Se um criador de perfis criminais é capaz de atender a esses
padrões, então um nível mínimo de competência profissional foi realmente alcançado.
Subsequentemente, os destinatários de suas conclusões poderão ter certeza de que,
quaisquer que sejam os achados, poderão ser investigados de forma independente
e revisados quanto à confiabilidade, precisão e validade. É importante ressaltar que
um criador de perfil que não consegue escalar um dos degraus prescritos não terá
atingido esse limite. Ao falhar, eles deveriam ter suas descobertas questionadas, bem
como relatos e testemunhos subsequentes vistos com desagrado. Isso é repetido nos
capítulos que se seguem. É importante esclarecer que esses padrões de prática não
deixam ninguém para trás, mas exigem que todos mostrem seu trabalho. A análise da
cena do crime e o perfil do crime não são fáceis ou mecânicos. As conclusões devem
ser conquistadas; isso significa que a competência deve ser demonstrada, e a revisão
por pares, adotada. Um criador de perfil tem o dever de formular conclusões com todo
o alcance de tudo o que a ciência forense, o método científico e a lógica analítica têm
a oferecer. Sem essas ferramentas, os criadores de perfis correm o risco de não serem
capazes de reconhecer o analfabetismo forense e científico em si próprios ou em outras
pessoas. Esses padrões de prática também podem despertar a ira de alguns criadores de
perfis criminais que têm feito o trabalho com base na intuição e na experiência, talvez
por anos, os quais não estão acostumados a se explicarem ou a explicar seus métodos;
apenas declaram sua suposta vasta experiência. Se a revisão por pares e as críticas não
são bem-vindas à porta de uma conclusão, se, em vez disso, esses visitantes forem
recebidos com hostilidade e escárnio, então algo diferente de inépcia habita dentro
de você. Para ser mais claro, a ausência do método científico e da inferência lógica em
qualquer análise comportamental não deve ser motivo de orgulho, porque, em última
análise, é evidência de ignorância. É chamada de suposição uma análise da cena do
crime ou do perfil do criminoso na ausência de método científico, lógica analítica e
pensamento crítico. O sistema de justiça não é lugar para ignorância ou adivinhação.
Consequentemente, não é irracional esperar que qualquer pessoa que interprete as
evidências comportamentais de tal maneira esteja preparada para explicar o porquê.

Dessa forma, a análise de crime é um termo geral para um grupo relativamente


amorfo de procedimentos analíticos relacionados ao crime e ao comportamento

30
ANÁLISE DE EVIDÊNCIAS COMPORTAMENTAIS | Unidade I

criminoso. Embora o termo evoque noções típicas do analista policial sentado atrás de
um computador, extraindo tendências e links de crimes de um banco de dados, é uma
grande área que envolve muitos tipos diferentes de análise. Apesar desses critérios de
inclusão bastante amplos, este capítulo não discute todas as áreas de análise potencial,
mas examina, primeiro, as técnicas analíticas mais comumente chamadas de análise
de crime.

31
CIÊNCIAS SOCIAIS E
ANÁLISE DE CRIME UNIDADE II

CAPÍTULO 1
Tipos de análise de crime

Tipos de análise de crime


A análise do crime (AC ou CA em inglês) existe desde antes da época de Sherlock
Holmes, quando o público foi apresentado à análise de fatos e informações para
solucionar os crimes da época. Na verdade, desde que houve crime, houve quem
tentasse compreender as causas e os contextos do fato. Como “análise do crime” é um
termo muito amplo, engloba uma variedade de práticas diferentes, com diferentes
enfoques e resultados. Cada tipo tem características particulares que mudam ou
alteram sutilmente o propósito da análise. Ainda de acordo com Petherick (2014),
o foco central da análise do crime é:

» o estudo do crime (por exemplo, estupro, roubo e furto);

» os problemas de desordem (por exemplo, reclamações de ruído, alarmes de


roubo e atividades suspeitas); e
» as informações relacionadas à natureza de incidentes, criminosos e vítimas
ou os alvos (objetos inanimados, como edifícios ou propriedades) desses
problemas.

Os analistas criminais também estudam outras questões operacionais relacionadas à


polícia, como necessidades de pessoal e áreas de serviço policial. Assim, embora essa
disciplina seja a análise do crime, na prática ela inclui muito mais do que apenas o
exame do crime. Ao considerar o propósito geral da análise de crime, baseando-se na
literatura, Petherick (2014) informa que ela visa revelar problemas, analisando suas
causas potenciais e tentando prever seu desenvolvimento de forma adequada para
determinar o modo de direcionar melhor os recursos de aplicação da lei. A análise do
tipo aplicado também pode ajudar a direcionar recursos limitados, mas é menos voltada
para a previsibilidade; geralmente foca eventos que já ocorreram e tenta entendê-los

32
Ciências Sociais E Análise De Crime | Unidade II

em sua totalidade. Qualquer um ou todos os tipos podem ser usados ​​por uma agência,
mesmo no exame de incidentes únicos de crime.

A Tabela 2 mostra mais detalhes dos diferentes tipos de análises de crime:

Tabela 2. Tipos de análise de crime.

Os analistas de pesquisa (ARs) ocupam o papel acadêmico mais tradicional, cuja função
é estar familiarizado com as pesquisas acadêmicas mais recentes, realizar estudos
longitudinais e servir como bibliotecários da agência. Ao mesmo tempo em que se mantêm
atualizados com as pesquisas mais recentes que refletem as boas práticas, os ARs devem
Análise de pesquisa
informar ao departamento que certas políticas ou procedimentos estão atrasados ou que a
teoria atual ultrapassou a prática atual. Infelizmente, embora conselhos oportunos possam
ser fornecidos sobre as melhores práticas, mesmo isso pode ficar rapidamente desatualizado
com o lento giro das rodas burocráticas.

É tarefa dos analistas estratégicos (SAs) examinar as tendências do crime, e elas podem
ser encontradas em agências que possuem abordagem baseada em dados para direcionar
recursos. Esses analistas podem estar envolvidos no exame de tendências de longo prazo
e de dados com o objetivo de fornecer resultados de longo prazo. Esses analistas fornecem
dados nomotéticos que se relacionam a grupos em vez de indivíduos. Os objetivos principais
dos SAs são: auxiliar na identificação e análise de problemas de longo prazo, como
atividade de drogas ou roubo de veículos, e estudar e avaliar respostas e procedimentos.
Análise estratégica
Os tipos de procedimentos examinados incluem implantação e pessoal, redistritamento
de beats ou distritos, entrada e integridade de dados e processo de relato. O resultado da
análise estratégica do crime pode terminar em uma apresentação de “mesa redonda” das
descobertas para os oficiais comandantes, as principais partes interessadas; em alguns
casos, para o público. Exemplos disso incluem o “compstat” do Departamento de Polícia da
Cidade de Nova York (PDs) e as reuniões de análise de crimes do Departamento de Polícia de
Boston.

Os analistas táticos (ATs) estão mais envolvidos na interpretação do que os dois tipos
anteriores de analistas. Sua tarefa é associar pessoas ou suspeitos a eventos, pessoas a
pessoas e eventos a eventos. Duas das funções específicas dos ATs são fornecer recursos
de vinculação de casos e usar modelos estatísticos complexos para determinar onde um
criminoso em série pode atacar em seguida. Os analistas devem possuir uma riqueza de
Análise tática conhecimento e uma memória espaçosa devido à quantidade de materiais de caso que devem
ser lidos e processados. O papel do TA é fornecer informações específicas sobre eventos
criminais, tais como método e ponto de entrada, ações suspeitas, tipo de vítima, tipo de arma
utilizada e outras particularidades do crime em si, por exemplo, dia, data, hora e local. Depois
de compiladas, essas informações serão disseminadas para os policiais de patrulha e as
agências de detetives.

Sugere-se que os analistas operacionais (OAs) sejam mais parecidos com os investigadores.
Devem conhecer o suspeito, acompanhar as pistas e interagir com outras unidades da
mesma agência e também com agências externas. Deve-se notar que os OAs podem ser civis
em algumas jurisdições e, como tal, suas capacidades investigativas podem ser limitadas.
Análise operacional
Na verdade, algumas jurisdições podem nem mesmo usar OAs. Outros ainda podem estar
contando mais com esse tipo de analista de crime em um esforço para difundir funções e
liberar outros investigadores para tarefas que exijam pessoal juramentado, como prisão e
interrogatório de suspeitos.

Os analistas de inteligência (IAs) podem ser encontrados em agências policiais e militares,


bem como em outras “agências do alfabeto”, que são tipicamente administradas pelo
Análise de governo. Essas agências incluem a Agência Central de Inteligência, a Organização
inteligência Australiana de Inteligência de Segurança, o Instituto Nacional de Justiça e muitos outros. Os
IAs estão envolvidos no diagrama de relacionamento e associação (também chamado

33
Unidade II | Ciências Sociais E Análise De Crime

de análise de rede social), na análise financeira em lavagem de dinheiro e em outras áreas,


na análise de empresa criminal, análise de pedágio telefônico e análise relacionada à
atividade terrorista. Um objetivo relacionado à análise de inteligência é vincular e priorizar
informações e identificar relacionamentos, apontando outras áreas de investigação. Essas
informações podem vir do público, mas muitas delas são geradas pelas autoridades policiais
ou pelas próprias agências, sendo coletadas por meio de vigilância, informantes e redes de
informantes e observação participante.

Dependendo da jurisdição, um analista de crime (CA) pode ser um termo geral para
qualquer indivíduo, juramentado ou civil, que examina materiais de casos, dados de crimes,
tendências de crimes ou qualquer outro aspecto do crime com o objetivo de abordar questões
específicas. Em algumas jurisdições, uma CA incluiria alguém para vasculhar bancos de
Análise de crime dados de computador, como o Sistema de Análise e Ligação de Crimes Violentos, procurando
correspondências, e alguém para compilar informações sobre ameaças a funcionários
públicos em um esforço para determinar a veracidade dessas ameaças. O leitor deve estar
ciente de que o título e a distinção para vários tipos de analistas são ditados não apenas por
suas funções e responsabilidades, mas também pela jurisdição em que atuam.

O perfil do criminoso tem recebido muita atenção do público, da polícia, da academia e da


mídia. Como subtipo de análise aplicada do crime, o perfil do crime precisa ser descrito,
e o nexo do perfil da análise do crime deve ser explicado. Dadas as semelhanças, há
sobreposição necessária entre as duas práticas. Basta dizer que há dois tipos predominantes
de pensamento que ditam a maneira como as evidências são examinadas, quais sejam,
o tipo de conclusões tiradas e a especificidade dessas conclusões para o caso atual. O
primeiro tipo de pensamento é a indução. A indução depende de raciocínio estatístico ou
correlacional, em que a conclusão é uma questão de probabilidade. Os analistas que usam
esse raciocínio determinam o tipo geral de crime ou comportamento que estão examinando
e, em seguida, procuram pesquisas ou literatura sobre esse tipo de crime ou comportamento.
Os resultados dessa pesquisa são fornecidos como um “perfil” ou uma imagem agregada de
como o infrator pode ser. Como regra, esses relatórios podem ser abstratos, no sentido de
Perfil criminal que existem no pensamento, mas podem não ser representativos de nenhuma entidade física,
porque são um composto estatístico de possibilidades. O segundo tipo de pensamento é a
dedução. A dedução é baseada na noção de que, se pudermos determinar a exatidão factual
da evidência ou informação, certas conclusões podem ser verdadeiras desde que certas
condições sejam atendidas. O raciocínio indutivo é usado dentro de um processo dedutivo por
meio do qual surgem teorias ou hipóteses subsequentemente testadas contra a evidência
disponível no caso existente. Por causa disso, os processos dedutivos dependem fortemente
do método científico, um processo sistemático de obtenção de conhecimento por meio de
testes de hipóteses. Dentro de cada tipo de raciocínio, existe distinção entre (normalmente)
paradigmas teóricos concorrentes. Existem muitas dessas abordagens, mas elas podem
ser agrupadas por meio das mais básicas distinções, como análise investigativa criminal,
psicologia investigativa, análise de evidência comportamental, perfil geográfico e avaliações
diagnósticas.

A análise investigativa criminal (CIA) é o método de criação de perfil desenvolvido pelo


Federal Bureau of Investigation (FBI) dos EUA. É amplamente indutivo, e referências
frequentes são feitas em relatórios de pesquisa e na experiência da Unidade de Análise
Comportamental. Essa abordagem mudou significativamente ao longo do tempo, começando
como uma abordagem amplamente probatória com Howard Teten e Pat Mullany. Mais tarde,
John Douglas e Robert Ressler (ambos famosos por suas memórias populares sobre crimes
Análise de reais) assumiram as responsabilidades de criação de perfis, fazendo mudanças significativas
investigação no método; incluíram a linguagem usada para transmitir as características do perfil. A
criminal linguagem deveria ser mais amigável para a polícia, usando a classificação organizada
para explicar os infratores que planejaram seus crimes e limparam as evidências ou a cena
do crime, tendo sido bastante ordeiros em outros aspectos. Esses criminosos também
foram chamados de psicopatas. A classificação desorganizado foi usada para descrever
um agressor que era o oposto; deixando para trás evidências com pouco ou nenhum
planejamento, bastante desordenado em outros aspectos. Esses criminosos também foram

34
Ciências Sociais E Análise De Crime | Unidade II

chamados de psicóticos. Embora esse método possa ser descrito como predominante
entre os grupos de aplicação da lei, o programa de certificação oferecido pela International
Criminal Investigative Analysis Fellowship (ICIAF) não abrange o maior grupo de criadores
de perfis em todo o mundo. Embora os números reais sejam difíceis de determinar, seu site
(http://www.iciaf.org) afirma que eles têm 37 substitutos em todo o mundo. Atualmente, não é
mais necessário ser um agente da lei juramentado para ingressar, com o ICIAF , ingressaram
vários civis na última década. Talvez em função de seu status quase de celebridade, o método
foi amplamente criticado.

Preocupado com o grau em que o FBI confiava na experiência pessoal e na intuição, David
Canter, psicólogo britânico, desenvolveu um método amplamente indutivo; em vez de se
basear na experiência pessoal, depende de pesquisas publicadas para determinar as
características do agressor. De acordo com o site do programa (http://www.i-psy.com, 2013),
a psicologia investigativa (IP) envolve a aplicação de princípios psicológicos a todos os
aspectos de análise, investigação e acusação de crime. Apesar desse amplo mandato, grande
Psicologia
parte do produto de trabalho publicado gira em torno da criação de perfis. De fato, a IP criou
investigativa seu próprio jornal no Journal of Investigative Psychology and Offender Profiling. Com base na
disciplina de psicologia, a base da teoria da PI é excepcionalmente ampla e, muitas vezes,
envolve o teste estatístico de teorias e suposições usadas no processo de criação de perfil.
Essa base inclui análise dos diferentes tipos de agressão; suposição de homologia; validade
da tipologia de criminoso organizado e desorganizado do FBI; e comportamento geográfico
dos infratores.

A análise de evidências comportamentais (BEA) adota orientação dedutiva, embora uma


análise de relatórios individuais ainda revele certo grau de raciocínio para a melhor
explicação (método abdutivo de Charles S. Peirce). Esse método propõe que a evidência
física seja a pedra angular de todos os exames, que sustentam todos os outros níveis de
análise. Pode-se dizer que esse método se assemelha ao originalmente praticado pelo
FBI, quando Howard Teten e Pat Mullany eram os pilares do programa de criação de perfis
(conhecido como criminologia aplicada, no início dos anos 1970). Como já vimos em nossos
estudos (no primeiro capítulo de nosso material), o BEA usa um processo de quatro estágios,
o primeiro dos quais é a análise forense. O objetivo dessa etapa é garantir que uma coleta
completa e adequada dos materiais físicos disponíveis seja realizada com uma reconstrução
completa do evento do crime. Na vitimologia, é realizado estudo completo e detalhado da
Análise de
vítima, incluindo seu estilo de vida, hobbies, hábitos e rotinas. O objetivo final dessa etapa é
evidências
determinar de onde, exatamente, vêm as fontes de risco na vida da vítima. O terceiro estágio,
comportamentais características da cena do crime, envolve a determinação das características físicas exatas
da cena do crime. Isso inclui os seguintes aspectos: se é em ambientes fechados ou ao ar
livre, onde a vítima e o agressor se conheceram (referido como o ponto de contato), onde a
maioria das evidências físicas podem ser encontradas (a cena do crime principal), ou se é
simplesmente de onde o corpo veio para descansar (o lixão ou local de disposição). A última
etapa, características do ofensor, é interpretativa e inclui a compilação de todos os materiais
necessários, de modo que temas ou padrões são estabelecidos, sugerindo aspectos da
personalidade do ofensor ou associação com o evento criminoso. Embora muitos métodos
sejam expansivos em termos do que oferecem, a BEA sugere que apenas quatro recursos são
investigativamente relevantes, quais sejam, conhecimento da cena do crime, conhecimento
das vítimas, conhecimento de métodos e materiais e habilidade criminal.

O perfil geográfico poderá ser considerado uma forma de perfil apenas à medida que
atender a um aspecto central da definição. O perfil envolve tentativas de determinar as
características do criminoso e o crime, e o perfil geográfico envolve tentativa de discernir
apenas um elemento: a localização física. Para fazer isso, um algoritmo matemático
complexo interpreta todos os aspectos relevantes do crime, como a hora e a data do crime;
Perfil geográfico a localização física; a ordem do crime na série; e, dependendo do programa, os estilos de
caça e ataque do agressor. Muitos programas diferentes, baseados em computador, existem
para esse propósito. Depois de todas essas informações serem inseridas no computador, o
resultado será geralmente restrição de intervalo em torno dos locais do crime considerados
mais importantes dentro do algoritmo (geralmente ditado por um círculo ou alguma outra

35
Unidade II | Ciências Sociais E Análise De Crime

forma geométrica que defina os parâmetros de pesquisa), sendo possível acompanhá-lo


por estimativas de probabilidade, com o intervalo sugerido, indicando a base domiciliar
do infrator. Outros programas (Rigel, desenvolvido por Rossmo, por exemplo), fornecem
um mapa codificado por cores conhecido como superfície de Jeopardy, que é sobreposto
a um mapa topográfico para fornecer as prioridades de pesquisa. Normalmente, as cores
mais quentes, como o vermelho, indicam prioridade mais alta, e as cores mais frias, como o
azul, sugerem áreas de menor importância. Embora popular em dramas de televisão, foram
levantadas questões sobre a utilidade do perfil geográfico, mais notavelmente no caso
Washington Sniper, em que sua aplicação foi questionada com os infratores sem endereço
fixo.

Uma avaliação diagnóstica (DE) é um pouco mais difícil de descrever em termos de


abordagem unificada ou comum. Isso ocorre porque é o termo geral usado para descrever
a análise frequentemente ad hoc das características do infrator com base em princípios e
Avaliações teorias dentro dos campos gerais da psicologia e da psiquiatria. As análises individuais serão
diagnósticas fortemente influenciadas pela orientação teórica do indivíduo, sendo amplamente orientadas
pela personalidade geral e pelas teorias de aprendizagem, perspectivas humanistas/
cognitivas e filosofias alternativas/orientais. Embora historicamente mais prevalentes, as
perspectivas psicanalíticas podem não ser tão comuns hoje.

O perfil do criminoso é uma forma específica de análise do crime que visa inferir as
características de um criminoso a partir das evidências físicas deixadas para trás. Embora
a análise do crime aplicada (AC) possa certamente mergulhar em uma série de supostas
características da mesma maneira, também é o termo usado para descrever um tipo
particular de análise que visa dar certo significado a conjunto específico de informações. Isso
pode incluir o seguinte:
» exame de comportamento para determinar as deficiências investigativas e legais no
julgamento;
» exame de comportamento para fornecer ao advogado um conjunto de questões
comportamentais relevantes para levantar durante o processo de apelação;
» compilação de cronograma para examinar a veracidade de uma série de declarações de
testemunhas de determinado evento;
» de um crime ou série de crimes para determinar se existe algum risco para a vítima ou
vítimas, bem como a origem desse risco;
» exame do comportamento de uma vítima ou série de vítimas para determinar as práticas
de intervenção e reduzir ou eliminar o comportamento (geralmente referido como
Análise de crime gerenciamento de ameaças);
aplicada
» exame de uma série potencial de crimes para determinar quais, se houver, são obras do(s)
mesmo(s) infrator(es); e
» exame de um crime ou uma série de crimes para determinar a motivação do(s) infrator(es)
ou a escalada ou diminuição do(s) motivo(s) do(s) infrator(es) ao longo do tempo.
Embora não seja uma lista exaustiva, certamente dá ideia suficiente quanto ao alcance
das análises que poderão ser realizadas pelo AC aplicado no exercício das suas funções,
independentemente da organização que as utiliza. Então, o que separa o AC aplicado de
todos os outros tipos discutidos anteriormente, se houver alguma coisa? A análise de crime
aplicada refere-se ao processo de identificação, comparação, interpretação e relato dos
resultados do estudo ideográfico de um único caso; o objetivo é fornecer compreensão
holística de um crime ou uma série de crimes. Dado o escopo de seu envolvimento potencial
conforme discutido, pode-se dizer que as ACs aplicadas são um amálgama dos tipos
discutidos no início deste capítulo. Devem possuir o conhecimento acadêmico da AR e atuar
como bibliotecários para aqueles que buscam seus serviços. Eles devem saber sobre as
tendências do crime e o que constitui pico versus onda de crimes. Eles devem ser capazes de,
como o AT pode, associar várias pessoas a lugares e a outras pessoas em qualquer evento
criminal, independentemente do tipo de crime. As investigações do OA devem ser de segunda

36
Ciências Sociais E Análise De Crime | Unidade II

natureza, e a natureza e a utilidade da inteligência, independentemente do tipo, devem ser


reconhecidas e incorporadas ao processo analítico. O CA aplicado deve ter treinamento em
várias disciplinas diferentes e uma variedade de habilidades que possam ser utilizadas em
uma variedade de situações. Eles devem estar intimamente familiarizados com seu papel
e suas responsabilidades e saber em que momento termina seu dever e começa o de outra
pessoa. Eles devem falar uma variedade de linguagens técnicas diferentes, porque são
obrigados a interagir e se comunicarem com muitos especialistas diferentes, de muitos
campos diferentes. Eles são obrigados a interpretar e compreender relatórios de autópsia,
relatórios legais e relatórios de investigação e destilar esses relatórios em linguagem
comum para disseminação a qualquer número de indivíduos ou grupos. Isso pode variar de
amigos e familiares de vítimas ou infratores, advogados e outros especialistas jurídicos,
polícia ou administradores, entre outros. Como tal, eles devem possuir boas habilidades de
comunicação oral e escrita.

Fonte: adaptada de Petherick, 2014, pp. 2-7.

37
CAPÍTULO 2
Aspectos práticos

Respectivamente, áreas de aplicações e prevenção


de crimes
O número de áreas de aplicação é tão vasto e amplo quanto o número potencial de
perguntas sobre crime e comportamento criminoso. Por exemplo:
» Os problemas que surgem na mesa do AC podem ser de natureza específica
(qual foi o grau de planejamento neste crime)?
» Houve alguma cena de crime encenada neste crime?

» Qual é o motivo neste caso? Podem ser amplos e incluídos?

› O que aconteceu aqui?


› Quais são os principais locais, horários e eventos?

Mesmo questões específicas podem exigir análise completa da situação para fornecer
cenário que vise à resolução de consultas específicas de casos. Embora alguns possam
caber na competência do analista de crime aplicado, eles não serão discutidos aqui.
Certos crimes não serão de prevalência suficiente para exigir o envolvimento de um AC
nem sua escala justificará o custo financeiro ou logístico. Os roubos de baixo valor são
apenas um exemplo. Outras áreas, como o crime do colarinho branco, embora sejam
áreas importantes de interesse criminológico, também não serão discutidas mais adiante.
Devido à natureza dessa ofensa, qualquer exame desse tipo de atividade provavelmente
será realizado por contadores forenses ou uma variedade de analistas de negócios.
É com base na experiência do autor que a análise de crime é aplicada de modo mais
adequado para crimes violentos e interpessoais repletos de informações de muitas
fontes, como vítima, testemunhas, provas documentais, físicas etc. (PETHERICK, 2014).
Como tal, a discussão que vem se limita a essas áreas, com algumas exceções. Observe
na Tabela 3 que há sobreposição entre muitas áreas, de modo que a análise de uma
questão criminal pode vir a ser usada em uma questão civil envolvendo prevenção de
crime, avaliação de risco ou ambos:
Tabela 3. Prevenção de crime, avaliação de risco ou ambos.

Um crime é geralmente definido como qualquer ato ou omissão que constitua violação da lei,
de modo que será punível. A gama de possíveis ofensas é considerável e variará, em parte,
Casos criminais
com o tempo e o local. Por exemplo, o termo “regra prática” é referência ao espancamento
permissível de uma esposa pelo marido, contanto que o interruptor (bastão ou outro objeto

38
Ciências Sociais E Análise De Crime | Unidade II

semelhante) não fosse mais grosso do que seu polegar. Embora isso possa ter sido permitido
há centenas de anos, a maioria das nações ocidentais e desenvolvidas consideraria isso forma
de violência doméstica hoje, e o crime seria punível por lei. Antes de 1990, o stalking como
crime não era reconhecido, embora as leis “anti-stalking” tenham se espalhado rapidamente
nos Estados Unidos, na Austrália e em muitos outros países depois dessa época. Como
resultado, o que é permitido hoje pode ser ofensa amanhã, e a paisagem mudará com o passar
do tempo. Em geral, certos crimes, como assassinato e agressão sexual, serão contra a lei.
Deve-se notar, entretanto, que há exceções a essa regra geral. Por exemplo, em muitos países
do Oriente Médio, as mortes por honra ainda são permitidas quando os perpetradores do sexo
masculino matam membros femininos da família ou esposas por indiscrições, muitas vezes
tão menores quanto usar o tipo errado de roupa. De acordo com a lei jordaniana, o artigo 340
isenta o homem da pena se ele matar sua esposa ou parente após a descoberta de adultério;
o artigo 98 permite uma pena reduzida se ele cometer o crime com fúria, desde que a vítima
tenha se envolvido em atos ilícitos ou perigosos (O site http://www.change.org tem uma petição
internacional contra essas leis). No Irã, o artigo 630 permite que o marido mate a esposa caso
suspeite de adultério. Além disso, o que é crime em um contexto ou uma situação pode ser
desculpado pelo direito penal em outro contexto. O homicídio, a morte de uma pessoa por
outra, pode ser assassinato intencional e sem desculpa legal ou pode ser legítima defesa,
desde que a resposta seja proporcional à ameaça e ao indivíduo temido por sua segurança ou
a segurança de outro. O ponto aqui é simples: as leis mudam com o tempo e o lugar, e o assunto
da análise provavelmente também mudará com o tempo e entre os lugares. No entanto, alguns
exemplos de crimes que podem ser analisados incluem perseguição (por exemplo, gestão de
ameaças, avaliação de risco, criação de perfil, vitimologia), homicídio (por exemplo, intenção,
planejamento, criação de perfil, avaliação de risco, autodefesa e provocação) e agressão sexual
(por exemplo, avaliação de risco, gerenciamento de ameaças, vitimologia, criação de perfis).

Os casos civis giram em torno de relações privadas, como dívidas, multas não pagas, danos
e perdas, discriminação, arrendamento, divórcio, custódia e várias questões de relações de
trabalho. Dois desses exemplos dos arquivos dos autores envolvem caixas de banco que
processaram suas respectivas instituições financeiras por trauma psicológico em decorrência
de repetidos assaltos à mão armada. Após cada evento, houve uma falha em informar
adequadamente a equipe e, subsequentemente, em aumentar a segurança física para
Processos cíveis impedir eventos futuros. Esses casos envolveram avaliação de prevenção de crime do local,
entrevista com os clientes, o que incorporou avaliação psicológica separada indicando trauma
psicológico, e exame da literatura para prevenir roubos a banco (incluindo, por exemplo,
treinamento, resposta da equipe durante eventos, a disposição física do ambiente, emprego
de guardas de segurança). Em outro tipo de avaliação civil, o analista determinará o grau de
responsabilidade de um licenciado, gerente ou proprietário por danos ocorridos a clientes ou
terceiros que utilizem suas instalações. Isso é chamado de responsabilidade de premissas.
A responsabilidade das instalações é a responsabilidade civil incorrida pelos proprietários,
os quais têm relação especial com seus clientes, locatários e clientes, não fornecendo
segurança razoável e adequada. Pode envolver questões criminais, em que a ação civil
decorra de processo por dano ou morte; pode, por sua vez, ser usada para alavancar a ação
civil. Tem havido aumento no uso de segurança privada para controlar as instâncias de crime
e incivilidade como resultado do fracasso da aplicação da lei estadual em produzir o mesmo
resultado, proporcionando a aplicação da linha de frente do comportamento antissocial,
especialmente em áreas regularmente utilizadas pelo público, como shoppings, distritos de
Responsabilidade entretenimento, boates e, em alguns locais, escolas e universidades. Subsequentemente,
das instalações há aumento nas reivindicações de responsabilidade das vítimas por danos causados em
decorrência de atos criminosos. Dado o foco dos analistas aplicado sobre o crime e a
criminalidade, faz sentido que sua função possa ser ampliada para incluir as perdas e danos
que resultem do comportamento criminoso. Desse modo, eles poderão relatar ou testemunhar
os danos decorrentes do crime. Geralmente, há duas questões principais envolvidas na
avaliação da responsabilidade das instalações:
» O primeiro problema é a previsibilidade; previsibilidade está relacionada à capacidade
de prever a probabilidade de que algo ocorrerá. Diferente da previsão concreta, a
previsibilidade realmente trata de determinar se um evento era, ou não, mais provável.

39
Unidade II | Ciências Sociais E Análise De Crime

» A segunda questão é a terribilidade. Se uma ofensa era previsível, a segunda questão será:
“Esse evento teria sido ruim se os mecanismos apropriados tivessem sido usados?”.
Existem dois componentes específicos de terribilidade:
» O primeiro componente é a dissuasão geral e busca estabelecer se os infratores desse
tipo de crime (ou qualquer tipo de crime) seriam dissuadidos se medidas fossem
implementadas. Os guardas de segurança privada são um exemplo de dissuasão geral.
» O segundo componente é a dissuasão específica; esse criminoso em particular, nesse
ambiente particular, teria sido dissuadido de cometer esse crime em particular? A
dissuasão específica justifica exame detalhado do caso e de todas as suas peculiaridades.
Isso envolve avaliação de psicopatologia, vitimologia, motivação do infrator, ambiente
físico, natureza da área (por exemplo, comercial, industrial, residencial) e tipos de crime
comuns nessa área. Isso é crítico, pois a dissuasão específica não pode ser assumida
automaticamente em relação à dissuasão geral. Por exemplo, um guarda de segurança
estático é um impedimento geral para assaltos a bancos porque isso efetivamente fortalece
o alvo e aumenta o risco do crime (Instituto Australiano de Criminologia). No entanto, um
guarda estático desarmado pode ser visto como pequeno inconveniente para um grupo
de ladrões fortemente armados, que estão bem preparados e sabem que determinada
instituição tem grande reserva de dinheiro no momento do ataque pretendido. A dissuasão
específica, nesse caso, pode não ser alcançada se a única medida for a segurança privada
solitária.

“Prevenção do crime”, assim como “análise do crime”, é um termo abrangente e inclui


muitas abordagens diferentes para prevenção e gerenciamento de ampla gama de crimes e
comportamentos criminosos.
A prevenção situacional do crime visa minar a estrutura de oportunidades para o crime,
aumentando os riscos e reduzindo as recompensas. A prevenção do crime no desenvolvimento
aborda o problema do crime, identificando comportamentos e atitudes aprendidas cedo na
vida, que podem predispor alguém ao crime e a outros padrões antissociais. A prevenção do
crime na comunidade busca mudar as condições sociais que contribuem para a criminalidade
em comunidades residenciais. Qualquer uma das abordagens para a prevenção do crime
poderá ser alcançada mediante pesquisa e teoria relevante para problemas específicos
do crime de uma área. Essas aplicações podem, ou não, envolver exame detalhado dessa
Prevenção do crime área, incluindo fatores socioeconômicos, etnia, fatores demográficos, como idade e tipos
específicos de crime. Tal exame pode parecer necessidade óbvia para que se saiba em qual
pesquisa confiar, mas nem sempre pode ser o caso. Restrições orçamentárias e de tempo,
ou a dependência de dados do censo (que podem estar desatualizados), são apenas alguns
exemplos para a não realização de estudo aprofundado de comunidades específicas. O tipo
de análise solicitada também pode ditar a adequação de uma análise de crime aplicada. Por
causa de seu foco ideográfico, a análise aplicada pode ser mais adequada para uma avaliação
de prevenção ao crime de instituição financeira, que tenha sido repetidamente submetida
a assaltos à mão armada, do que para o exame de uma comunidade e seus problemas de
crime. A gestão de ameaças, que visa reduzir ou eliminar comportamentos de perseguição,
incorpora elementos de prevenção de crime situacional, independentemente de o interventor
ter histórico de prevenção de crime. Ademais, pode ser inteiramente baseada em teorias e
práticas de prevenção de crime situacional.

Quando os investigadores se deparam com série potencial de crimes e nenhuma indicação


da identidade do criminoso, ou se a série é obra de um ou mais criminosos agindo em
Ligação de caso conjunto, podem ser feitas tentativas de vincular os crimes por meio do comportamento e das
evidências disponíveis. É uma prática difícil, dependendo da disponibilidade de evidências
físicas, da natureza e da força dos links usados para avaliar a similaridade.

A avaliação de risco tem sido historicamente praticada por psicólogos forenses e psiquiatras,
embora isso esteja mudando cada vez mais. Hoje, policiais, conselheiros de drogas e álcool,
Avaliação de risco educadores, investigadores fiscais, funcionários dos correios, criminologistas e muitos outros
estão conduzindo avaliações de risco. “Risco” é um termo nebuloso, e as práticas atuais

40
Ciências Sociais E Análise De Crime | Unidade II

mudaram de conceituações gerais de risco para avaliações mais direcionadas da violência,


incorporando estratégias de gestão. Como analistas aplicados também devem ser leitores
vorazes de literatura e pesquisa, eles terão compreensão substancial de quais fatores
contribuem para o crime e as instâncias específicas de criminalidade – os chamados fatores de
risco. Portanto, estão bem posicionados para determinar o nível de risco presente em qualquer
situação. Como um exame aprofundado do caso terá sido feito, eles estarão intimamente
familiarizados com as coisas que sinalizam perigo e também saberão aquelas coisas que
podem contribuir para a segurança ou mitigação do risco. Essas coisas são conhecidas
como fatores de proteção e podem incluir emprego estável, boa rede social com forte apoio,
percepção, resiliência e boa segurança pessoal.

Por razões óbvias, qualquer identificação de psicopatologia deve ser limitada àqueles com
formação em psicologia e outras áreas da saúde mental. No entanto, se um caso não foi
avaliado anteriormente, e o analista aplicado está realizando o primeiro exame sério, ou se
a evidência de psicopatologia foi previamente negligenciada ou perdida, o analista poderá
estar em melhor posição para identificar não apenas a evidência de disfunção, mas também
o que isso pode indicar. Se identificadas, as informações podem ser repassadas para análises
e diagnósticos adicionais e mais completos por pessoa devidamente qualificada. Evidências
de psicopatologia podem fornecer informações essenciais para o desfecho de um caso. Essa
Avaliação da psicopatologia inclui toda a gama de transtornos psicóticos, tanto orgânicos quanto induzidos
psicopatologia por drogas; os transtornos de personalidade, particularmente o Eixo II, Grupo B; e qualquer
outra condição psicológica que possa afetar o comportamento e a cognição. Sempre que
possível, essa avaliação deverá ser realizada no(s) agressor(es) e na(s) vítima(s) para fornecer
imagem completa. Em um dos casos do autor, o indivíduo que acabou se tornando vítima de
homicídio havia sido previamente diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial
e transtorno de personalidade limítrofe, com características de personalidade histriônica e
psicose induzida por drogas. Esses fatores combinados, por um longo tempo, com extenso
histórico de conflito com parceiros interpessoais, resultaram em caso de homicídio explosivo
com seu então parceiro, em 2009, o que resultou em sua morte.

Fonte: adaptada de Petherick, 2014, pp. 9-11.

Em resumo, Petherick (2014) informa que “analista de crime” é um termo geral usado
para descrever variedade de indivíduos envolvidos em vários e diferentes estágios da
investigação do crime e de problemas relacionados ao crime. “Análise de crime” é um
termo abrangente usado para descrever vários tipos de análise, incluindo:

» mapeamento geoespacial do crime;

» análise de inteligência;

» análise de pesquisa; e

» análise estratégica.

A análise aplicada do crime é um tipo específico de análise que envolve o processo de


identificação, comparação, interpretação e relatório dos resultados do estudo de um
único caso para responder a perguntas forenses ou investigativas. É um amálgama de
muitos outros tipos de análise de crime, mas, em vez de considerar o crime ou os tipos de
crime como problema social geral, o foco está em um único caso; o intuito é desenvolver
compreensão das interações entre o agressor, a vítima e o local (PETHERICK, 2014).

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VITIMOLOGIA
E ASPECTOS UNIDADE III
HISTÓRICOS

CAPÍTULO 1
Vitimologia

Definição de vitimologia
A vitimologia, de acordo com Petherick e Ferguson (2014), é uma especialidade que
existe dentro do campo geral da criminologia e é definida como o estudo científico dos
danos físicos, emocionais e financeiros que as pessoas sofrem por causa de atividades
ilegais. Em geral, os vitimologistas pertencem a um dos três subgrupos principais:
vitimologia geral, vitimologia interacionista e vitimologia crítica.
Vitimologia geral refere-se ao estudo mais amplo daqueles que sofreram danos ou
perdas, como resultado de crime, acidente de trânsito, desastre ou qualquer outra causa.
Os vitimologistas gerais identificam e desenvolvem medidas e ferramentas preventivas
para as vítimas, bem como enfocam os remédios e as causas. Os vitimologistas
interacionistas (também conhecidos como vitimologistas penais ou positivistas)
preocupam-se, principalmente, com as interações entre a vítima e o agressor. Na
verdade, muito do trabalho inicial de vitimologistas, como Mendelsohn, advogado
romeno; von Hentig, advogado alemão; e Schaefer, advogado húngaro, fala sobre
a interação entre a vítima e o agressor e os níveis de culpabilidade que podem estar
associados à relação entre os dois (PETHERICK; FERGUSON, 2014).
A violência pode ser evitada e superada. Entretanto, enfrentar de forma eficaz esse mal
tão devastador e cheio de complexidade demanda ações multidisciplinares alinhadas e
comprometidas com os mesmos objetivos. Assim, é essencial o empenho de entidades
públicas, educacionais e organizações da sociedade civil na prática de políticas públicas,
programas, planos e ações de prevenção. Devem ter o objetivo de combater as causas,
intervindo nos aspectos que geram e contribuem para o aumento de acontecimentos
dessa natureza.
Ações sociais só apresentam eficácia na vida do indivíduo quando trabalham em seus
diferentes aspectos de forma simultânea. Dito isso, é imprescindível atuar em unidade
42
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

com vários setores para tentar criar padrão de proteção total, levando justiça social e
estabelecendo a cultura de paz. Paralelamente a isso, é fundamental intensificar esforços
com o objetivo de empreender ações e operações sociais que fomentem o alinhamento
entre ações de cunho governamental e não governamental, evitando a desintegração
de forças. Para a eficácia das medidas preventivas, é de extrema necessidade a atuação
em todos os âmbitos: regional, nacional e global. No que diz respeito ao âmbito
regional, são indicadas as ações coletivas, abrangendo setores da educação, da saúde e
da assistência social, organizações sem fins lucrativos, associações formais e informais
e líderes de comunidades, entre outros, formando parcerias sólidas.

Reforçando o fato de que a violência é decorrente de inúmeras causas, com origens


biológicas, psicológicas e sociais, é essencial a atuação de forma sistemática em todas
essas esferas. Portanto, de acordo com o relatório da OMS (2002, p. 16), as medidas
preventivas devem:

» tratar de fatores de risco individuais e adotar medidas para modificar os


comportamentos individuais de risco;

» influenciar relacionamentos pessoais próximos e trabalhar para criar


ambientes familiares saudáveis, assim como oferecer ajuda profissional e
apoio às famílias que apresentam disfunções;

» monitorar locais públicos, como escolas, locais de trabalho e bairros, e


adotar medidas para tratar de problemas que possam acarretar a violência;

» lidar com a desigualdade de gênero e com as atitudes e práticas culturais


adversas; e

» lidar com os fatores culturais, sociais e econômicos mais abrangentes, que


contribuem para a violência, adotando medidas para mudá-los, inclusive
medidas para acabar com o descompasso entre o rico e o pobre e para
garantir acesso igual a bens, serviços e oportunidades.

A vitimologia crítica desenvolveu-se, em grande parte, em resposta às deficiências


da vitimologia interacionista/positivista, que sofria de muita preocupação com as
vítimas culpáveis. Dentro desse paradigma, o próprio termo “vítima” passa a ser objeto
de análise; quem está fora do molde tradicional de vítima corre o risco de ser ignorado,
ter seus serviços negados e ser marginalizado. Esse ramo do aprendizado foi chamado
de “vitimologia”, mas é questionável se denotá-lo como doutrina ou ciência específica
é justificado ou se deve considerá-lo parte integrante do problema geral do crime.

43
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

Esse conflito sobre o lugar da vitimologia dentro do grande esquema da criminologia


foi resolvido com uma série de artigos de periódicos, textos e organizações profissionais
dedicadas ao assunto. Portanto, pode-se dizer que a vitimologia é, hoje, disciplina
discreta de mérito próprio, com teorias e pesquisas que formam um corpo central de
conhecimento. No entanto, quando relacionada especificamente às vítimas de crime,
ainda seria lógico argumentar que se enquadra no campo geral da criminologia – o
estudo do crime e dos criminosos (PETHERICK; FERGUSON, 2014).

Acerca desse assunto, Petherick e Ferguson (2014) trazem uma série de definições que
são fundamentais para nossos estudos:

» Precipitação da vítima: o termo “precipitação da vítima” foi usado pela


primeira vez por Marvin Wolfgang para descrever uma situação em que a
vítima iniciou as ações que, em última instância, acarretaram o seu dano ou
sua perda. Os casos precipitados pelas vítimas são tradicionalmente vistos
como aqueles em que o protagonista, que se tornou a vítima, inicialmente
usou arma mortal ou desferiu golpe. De forma mais geral, porém, a
precipitação da vítima pode incluir qualquer número de situações em que
a última vítima tenha iniciado ou instigado os eventos que causaram a sua
morte. Isso nem sempre inclui violência física real. Apesar dos protestos
de muitos, a precipitação da vítima não é o equivalente funcional de culpar
a vítima. Em vez disso, representa uma tentativa de compreender plena
e completamente o acontecimento criminoso e o comportamento da
vítima e do agressor e como isso contribuiu para a vitimização em geral.
Mais importante ainda, os elementos que contribuíram para ou precipitaram
o crime podem contextualizar ainda mais o comportamento do infrator,
como o que ele estava fazendo ou reagindo em determinado momento, ou
outras considerações analíticas ou probatórias importantes, como o estado
emocional do infrator ou sua motivação. Na tentativa de determinar o número
de homicídios precipitados pelas vítimas, Wolfgang estudou homicídios na
Filadélfia, reunindo dados entre 1948 e 1952. Nesse sentido, descobriu que
mais de um quarto dos homicídios estudados foram precipitados pela vítima.
Cerca de duas décadas depois, Curtis, em 1973/1974, descobriu que, nos
Estados Unidos, 22% de todas as autorizações e 14% das não autorizações
foram precipitadas pela vítima. Pesta descobriu que 18% (n = 35) dos casos
estudados em Ohio foram precipitados pela vítima. Parece, então, que a
precipitação desempenha papel significativo, pelo menos, em homicídios.
Há ainda a discussão de duas variantes de precipitação:

44
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

› O primeiro é a precipitação passiva, em que a vítima possui características


que evocam resposta de seu agressor. A vítima pode ser introvertida
ou emocionalmente retraída ou pode pertencer a determinado grupo
com o qual o agressor discute. Alternativamente, as características são
imaginadas e a provocação percebida é uma fabricação ou deturpação da
realidade pelo agressor.

› O segundo tipo é a precipitação ativa, em que a vítima assume papel ativo e


se engaja em comportamento que elicia resposta. Isso inclui os casos em que
a vítima é o agressor inicial, mas sofre mais danos ou perdas. Dependendo
do tipo de comportamento envolvido, se a vítima instigou o evento, pode
ser difícil determinar o que cada parte fez, por que o fez e a legalidade
de suas ações. Indiscutivelmente, é esse tipo que vem à mente com mais
frequência durante as discussões sobre precipitação. Há ainda a crítica
do conceito de precipitação e como ele é usado nesse campo, sugerindo
que chegou a hora de reexaminar o conceito de homicídios precipitados
pela vítima. Ele observa que muitos dos problemas de precipitação giram
em torno da extração de dados relevantes, de arquivos de casos, para
determinar adequadamente a presença e a natureza da precipitação. Esse
problema existe não apenas nos casos em que as informações disponíveis
são limitadas e a precipitação é difícil de determinar, mas também nos
casos em que as informações são abundantes, e os detalhes, ricos. Polk
observa que essas preocupações não representam problema com a teoria
da precipitação em si, mas com dificuldades em sua medição, investigação
empírica e análise. Como tal, esses problemas podem aplicar-se mais ao
domínio ex post facto do estudo da precipitação do que ao estudo ideográfico
de casos isolados.

» Fatores de risco para vitimização: numerosos trabalhos detalham


amplamente uma série de fatores de risco propostos para se tornar vítima
de crime violento. Coletivamente, esses trabalhos sugerem que existem
certos fatores que podem predispor alguém a se tornar vítima de um crime,
variando de provocação, precipitação da vítima e fraqueza biológica a
retardo mental; também podem ser imigrantes, possuir baixa escolaridade
ou inexperiência, entre outros. Embora algumas dessas explicações possam
ter sido historicamente convincentes, outras se tornaram redundantes ao
longo do tempo, em conjunto com a crescente quantidade de pesquisa e
compreensão na área. Quando se trata do risco de vítima, a realidade é

45
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

que algumas de nossas atitudes e crenças podem estar deslocadas, dada a


realidade de figuras de crime em todo o mundo. Por exemplo, acredita-se
que estar entre amigos ou dentro dos limites seguros de sua própria casa são
fatores de proteção contra a violência. Essas afirmações parecem totalmente
plausíveis, dados os fatores de risco percebidos, como a prevalência de
violência por estranhos e o que é psicologicamente “seguro”. Como seres
sociais, não gostamos de pensar que nossos próprios amigos ou conhecidos
podem representar um risco para nossa segurança, e “a casa de um homem é
o seu castelo” – é um axioma que deve oferecer todos os níveis de segurança
que podemos desejar ou merecer. No entanto, os números oficiais de
crimes sugerem que, estatisticamente, corremos o maior risco de certos
crimes na companhia de pessoas que conhecemos e em uma residência.
Para ilustrar isso, dados do Instituto Australiano de Criminologia revelam
que, dos homicídios cometidos em 2010, 61% ocorreram dentro de uma
residência; ocorrendo também dentro de residências 63% das agressões
sexuais registradas. Por homicídio, 54% das vítimas foram mortas por
alguém classificado como familiar ou amigo íntimo. Nos Estados Unidos, em
2010, a maior proporção de infratores era conhecida pela vítima em alguma
capacidade (colega de trabalho, íntimo, parente etc.), sendo responsável por
6.294 incidentes; a segunda maior proporção de infratores foi classificada
como desconhecida (5.944 incidentes). Estranhos perpetraram apenas 2.211
incidentes. Os dados do Crime Survey for England and Wales mostram que
as mulheres, em comparação com os homens, correm mais risco de serem
mortas por alguém que conhecem (78% versus 54%, respetivamente); a
maioria das mulheres é morta por um atual ou ex-parceiro (51%), enquanto
os homens são mais propensos a serem mortos por amigo ou conhecido
(39%). Embora sejam apenas alguns exemplos, eles ilustram a natureza
equivocada de nossos medos sobre onde exatamente residem os riscos.
Apesar dessa probabilidade estatística, no entanto, não é apropriado em
nenhum caso simplesmente identificar alguém conhecido pela vítima como
o perpetrador potencial até que todas e quaisquer possibilidades tenham
sido exaustivamente examinadas e que teorias alternativas tenham sido
excluídas. Segue aqui um estudo mais aprofundado dos fatores de risco
pelos principais tipos de crimes. O leitor é advertido de que esta não é, de
forma alguma, a palavra final sobre o assunto. Deve-se buscar estatísticas
locais para entender as taxas básicas de crimes por tipo, localização e
relacionamento.

46
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

» Homicídio: os termos “homicídio” e “assassinato” são frequentemente usados ​​


indistintamente, embora os dois atos sejam distintos tanto por lei quanto
por definição. “Homicídio” é um termo clínico que simplesmente se refere
a casos em que uma pessoa mata outra, sem considerações de intenção ou
legalidade. Por outro lado, “assassinato” é um termo jurídico que descreve
o assassinato de uma pessoa por outra com intenção e sem justificativa
legal (ao contrário, por exemplo, de matar em legítima defesa ou durante a
guerra). Em países onde as armas de fogo são comuns e/ou permitidas por
lei, um argumento para manter o direito de guardá-las tem como premissa
a noção de que elas são um impedimento global e específico para o crime.
Para que isso fosse verdade, os supostos infratores teriam de saber que uma
arma de fogo poderia estar presente (impedimento global) em determinada
residência ou na posse de determinado indivíduo (impedimento específico).
Outro argumento comum é que a posse de arma de fogo proporciona autodefesa
– nivelando o campo de jogo entre as vítimas e os agressores armados.
As evidências desse efeito são menos do que convincentes, entretanto, com
muitos estudos mostrando que a presença de arma de fogo em casa aumenta
o risco de vitimização. Essa exposição aumentada provavelmente seria o
resultado da probabilidade estatística de as vítimas serem mortas por aqueles
que conheciam e do maior potencial de fatalidade resultante de ferimento
causado por bala em relação a outros tipos de armas. Há estudo anterior,
de 1993, que examinou o risco de homicídio em 420 casos no Condado de
Shelby, Tennessee; King County, Washington; e Cuyahoga County, Ohio.
Em sua análise univariada, o álcool foi consumido por mais membros das
famílias onde ocorreram homicídios em comparação com controles pareados.
O uso de drogas ilícitas também foi mais comumente relatado. A violência
anterior foi relatada em 31,8% das famílias com homicídio, em comparação
com 5,7% dos controles. Prisões anteriores ou brigas físicas fora de casa
também estavam relacionadas a homicídio por arma de fogo, assim como
armas múltiplas mantidas em casa e arma carregada ou destrancada. Para a
análise multivariada, seis variáveis foram retidas: a casa é alugada, o sujeito
do caso ou sujeito de controle morava sozinho, qualquer membro da família
já bateu ou se machucou durante uma briga em casa, qualquer membro da
família já foi preso, qualquer membro da família usou drogas ilícitas, e havia
uma ou mais armas mantidas em casa. Muitas dessas variáveis parecem estar
relacionadas a uma atitude antissocial geral ou a padrão de comportamento,
o que significa que podem ser simplesmente características observáveis de

47
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

um padrão psicológico ou emocional subjacente entre as vítimas. Dito de


outra forma, pode ser que as casas onde são guardadas armas de fogo
tenham maior probabilidade de envolvimento em outros empreendimentos
criminosos ou de contato com pessoas que estão. Com base no trabalho de
Margo Wilson e outros, Campbell, em 2012, buscou identificar os riscos de
homicídio para mulheres por meio do desenvolvimento da ferramenta Danger
Assessment (DA). Com base em trabalho anterior no campo da violência
doméstica, Campbell ficou convencida de que precisava conduzir exploração
baseada em dados dos fatores de risco para homicídio de parceiro íntimo;
o intuito foi validar o DA, determinar pontuação ponderada e identificar
quais outros fatores de risco para homicídio de parceiro íntimo podem ser
importantes. Ademais, buscou-se identificar os fatores de risco para além de
qualquer violência íntima anterior, que já era considerada fator importante
no assassinato de parceiro íntimo.

» Ataque: dependendo da jurisdição, a definição de agressão inclui qualquer


aplicação de força, violência a uma pessoa ou dano psicológico, podendo
incluir ameaças. Algumas legislações também incluem a aplicação de calor,
luz, força elétrica ou gás, entre outros. Os dados do Australian Institute of
Criminology, de 2012, sobre assaltos revelam que é mais provável que um
ataque ocorra dentro de uma residência (48%), seguido pela comunidade
(32%); em seguida, varejo (12%), recreativa (5%) e outros espaços e locais
(3%). Tanto para homens quanto para mulheres, a faixa etária de maior risco
é de 15 a 24 anos, seguida por 25 a 44 anos. Coletivamente, os anos entre
15 e 44 anos representam o maior risco. As crianças muito pequenas e os
idosos apresentam o menor risco de agressão. Outro conhecido, estranho
e família compreendem 95% dos tipos de relacionamento; 6% dos tipos de
relacionamento são desconhecidos. Há maiores probabilidades de as mulheres
serem agredidas por um membro da família do sexo masculino ou por
outro conhecido, enquanto é mais provável que os homens sejam agredidos
por um estranho, seguido por outro conhecido. Talvez um dos maiores
fatores de risco para agressão seja o álcool. Esse recurso é quase universal,
e a idade de risco tanto para perpetração quanto para vitimização se alinha
com a idade em que ocorre a maior parte do consumo de álcool. Embora
a causalidade não possa ser inferida diretamente, a ligação é certamente
forte, e as evidências são consideráveis. Dearden e Payne, no ano de 2009,
observam que muitas agendas de pesquisa apontaram o álcool como fator

48
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

relacionado ao aumento dos níveis de violência e que muitas vítimas e


agressores relatam o uso de álcool antes ou durante os casos de violência.
O British Home Office conduziu uma análise da ligação entre o álcool e a
violência, entre 1995 e 1999, com estimativa de 1,2 milhão de casos de
agressão relacionados ao álcool na Inglaterra e no País de Gales. Isso equivale
a 40% dos casos violentos envolvendo álcool. Embora isso também incluísse
“furtos de captura” e roubos, verificou-se que um terço envolvia agressões a
estranhos; um terço envolvia agressão por alguém conhecido; e um quarto
relacionava-se a agressões domésticas. Deve-se notar que essas últimas
categorias podem ser melhor descritas como violência doméstica (discutida
a seguir), mas elas permanecem na ampla classe de crimes de agressão.

» Violência doméstica: para o propósito desta discussão, violência doméstica


é definida como qualquer violência ocorrida em ambiente residencial,
envolvendo relação íntima ou familiar atual ou anterior. Certos estereótipos
emergem, como o do marido agressivo e autoritário e a vítima feminina
subjugada e submissa, embora a realidade desse crime seja provavelmente
muito menos polarizada. Embora muitas pesquisas tenham se concentrado em
agressores do sexo masculino e vítimas do sexo feminino, estão disponíveis
relatórios de agressores do sexo feminino com vítimas do sexo masculino,
bem como violência doméstica do mesmo sexo entre homens e mulheres.
As vítimas muitas vezes são submetidas a uma série de lesões físicas (que
podem, ou não, ser relatadas), bem como a uma série de traumas psicológicos e
emocionais, de depressão e ansiedade a transtorno de estresse pós-traumático,
tornando-se não apenas um problema de justiça criminal, mas também um
problema de saúde. Somando-se a isso, as vítimas de violência doméstica
costumam figurar em outros tipos de crime, como perseguição e homicídio.
Curiosamente, a ligação entre violência doméstica e homicídio é ainda
sugerida nos números que relatam declínio nos homicídios em todo o mundo,
associado, em parte, ao declínio da domesticidade (taxas de divórcio mais
altas e taxas de casamento decrescentes). Deve-se notar, porém, que com
aumento no acesso a cuidados médicos de emergência primários (paramédicos
e outro pessoal médico de primeira resposta) e melhor atendimento médico
de segundo nível (departamentos de emergência e pessoal cirúrgico), a
taxa de morte por crimes interpessoais violentos diminuirão, acarretando
mortes que, de outra forma, seriam classificadas como homicídio, homicídio
culposo, e assim por diante. Revisão da literatura revela que, embora uma

49
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

série de fatores de risco supostos tenham sido identificados, nem todos são
o resultado de análise empírica; há alguma inconsistência entre os fatores
que identificam o risco de ofensa ou vitimização.

No ano de 2004, instituído pela portaria GM/MS n. 936/2004, iniciou-se a base de


estruturação da Rede Nacional de Prevenção da Violência, por meio do Ministério
da Saúde, implantando núcleos de prevenção à violência. Esses núcleos têm
como objetivo principal fortalecer e consolidar as ações executadas nesses locais,
como também melhorar a qualidade das informações sobre a violência e sobre os
acidentes.

No tocante à violência doméstica e familiar contra a mulher, essa portaria representou


grande avanço por parte do governo, ao passo que possibilitou que qualquer serviço
de saúde pudesse prestar o devido atendimento à mulher vítima de agressão, tanto
no setor privado quanto no setor público de saúde. Assim, o profissional que prestar
atendimento a uma mulher, em razão de violência doméstica ou sexual, terá de notificar
o serviço de vigilância epidemiológica ou a secretaria municipal de saúde.

A partir disso, é formada a base de dados sobre a violência contra a mulher, sendo
possível traçar um perfil das pessoas que sofrem desse tipo de violência e o perfil
das pessoas que o praticam. Com isso, criam-se políticas públicas para atender essas
mulheres e saber com precisão o tamanho desses problemas.

A Lei n. 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi aprovada em 7
de agosto de 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, viabilizando aos
órgãos competentes a obtenção de melhores mecanismos de prevenção, enfrentamento
e coibição da violência doméstica e familiar contra as mulheres. Por intermédio dela,
podemos criar medidas para promover a igualdade do gênero e reduzir as diferentes
formas de vulnerabilidade que causam tanto prejuízo à mulher.

Antes de entrarmos no tema central sobre a lei, cabe explanar brevemente a circunstância
que a motivou. Para isso, precisaremos voltar alguns anos. A criação da Lei Maria
da Penha não aconteceu da noite para o dia; levou anos até ser implantada em nosso
sistema judiciário. Até a década de 1980, não havia no Brasil, no âmbito judiciário,
alguma lei específica para proteger as mulheres desse tipo de violência. As mulheres,
então, uniram-se e criaram seus movimentos por todo o país. Saíram às ruas, nos anos
1970, protestando e gritando “quem ama não mata”, expondo cartazes com imagens
de violência sofrida por elas. Assim, pela primeira vez, iniciou-se a construção de algo
para enfrentar a violência contra a mulher.

50
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

Após a redemocratização do Brasil, no ano de 1985, foi criada a primeira delegacia


especializada no atendimento às mulheres, mas isso ainda não era suficiente; nos anos
1990, os movimentos sociais criados pelas mulheres voltaram a se manifestar. Junto
com eles, os movimentos feministas começaram a ganhar força, exigindo medidas mais
eficazes e duras em relação à violência e à discriminação contra as mulheres.
A partir disso, vieram as conquistas legislativas:
» A Lei n. 8.930/1994, que caracteriza o estupro e o atentado violento ao
pudor como crimes hediondos; isso significa crimes de extrema gravidade
e inafiançáveis.
» A Lei n. 9.318/1996, que aumentou ainda mais a pena de crimes cometidos
contra mulheres grávidas, crianças, idosos ou enfermos. Mesmo com esses
avanços significativos, ainda não tínhamos algo específico feito para as
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Isso mostra que nossa sociedade ainda tinha pensamento cultural de que a violência
praticada dentro do ambiente privado e doméstico era assunto interno (a velha frase
“em briga de marido e mulher, não se mete a colher”) e de que o Estado e a sociedade
não poderiam interferir. Para exemplificar essa estrutura cultural, em 1997 perdeu a
validade (foi revogado) o artigo 35 do Código de Processo Penal, o qual determinava:
“A mulher casada não poderá exercer o direito de queixa sem consentimento do marido,
salvo quando estiver dele separada ou quando a queixa for contra ele”.

Prosseguindo ainda nos pontos levantados por Petherick e Ferguson (2014), temos:

» Estupro: enquanto as definições históricas de estupro incluíram casos de


conhecimento sexual de mulher forçada contra sua vontade, as definições
mais recentes incorporaram linguagem neutra em relação ao gênero,
incluindo atos heterossexuais e homossexuais que não a penetração no pênis.
O estupro, portanto, é um tipo específico de agressão sexual que envolve a
penetração com o pênis. Na Austrália, em 2001, o Instituto Australiano de
Criminologia resumiu vários fatores de risco para violência sexual e agressão
sexual de várias fontes. Eles determinaram que as mulheres jovens eram
mais frequentemente vítimas de agressão sexual: as mulheres representavam
79% das vítimas que se reportavam à polícia, e 46% eram mulheres com
menos de 20 anos de idade. Nos mesmos dados, quase metade das vítimas
foram abusadas sexualmente por alguém conhecido por eles (geralmente
um não membro da família), como namorado, marido, parceiro anterior ou

51
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

outro homem conhecido. No entanto, os agressores eram mais propensos


a serem membros da família do que estranhos nas denúncias de agressões
sexuais. Esses ataques ocorreram com mais frequência em locais residenciais
privados, como casas, apartamentos ou hotéis (65%). Ademais, 40% das
mulheres pesquisadas relataram que o álcool foi fator para a agressão, o que
significa que a vítima ou o perpetrador (ou ambos) estavam bebendo antes
da agressão; nesse casos, a vítima acreditava que o álcool fora motivo de
sua vitimização. Pesquisas internacionais sobre violência contra mulheres,
inclusive no Canadá, nos Estados Unidos, na Nova Zelândia e na Austrália,
em geral descobriram o seguinte: as mulheres têm maior probabilidade de
serem vítimas sexuais de alguém que conhecem; números significativos são
vítimas de mais de uma agressão sexual; as mulheres jovens correm maior
risco; ferimentos físicos e armas frequentemente não estão presentes; poucas
mulheres contam a alguém sobre a agressão; e ainda menos relatórios à polícia.
Também há alguma indicação de que as pessoas com deficiência intelectual,
aquelas com doença mental e aquelas em instituições correcionais correm
risco maior. Indivíduos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros também
correm risco maior de violência sexual, assim como as trabalhadoras do
sexo que trabalham nas ruas em vez de em bordéis.

As pessoas que trabalham em todo o sistema de saúde têm importante e estratégico


papel no diagnóstico, na aproximação, na prevenção e no tratamento dos danos
resultados das diferentes formas de violência que ocorrem hoje dentro do sistema
carcerário. Uma aproximação mais confortável no primeiro momento, e com a devida
atenção dos agentes especializados, pode dar coragem à pessoa assistida de modo que
ela revele a sua real situação e busque assegurar seus direitos nos órgãos de saúde e
justiça, reprimindo novas agressões. Para que isso ocorra, cada vez mais precisamos de
treinamento adequado dos agentes de segurança, visando à diminuição desses problemas.

Esse tipo de ocorrência pode até mesmo acontecer antes ou ao longo do encarceramento.
A vida de uma detenta ou o período em que ela está nessa condição muitas vezes se
confunde com a história de sua vida. Elas nos mostram que há relação muito forte
entre a vida antes e após a entrada no sistema carcerário. Mais de 95% dessas mulheres
que estão no sistema prisional já sofreram algum tipo de violência na juventude, no
matrimônio ou nas mãos de autoridades policiais. Com isso, analisamos que isso começa
desde cedo, tanto em questões sociais como educacionais; 75% já sofreram algum tipo
de agressão em pelo menos duas dessas possibilidades; 35% sofreram violência nessas
três possibilidades.

52
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

Há também a prática de violência organizacional, que, em sua maioria, é feita por


agentes do Estado contra as mulheres encarceradas, o que é regularmente relatado
pelas ONGs da sociedade. Aqui temos um agravante, pois aqueles que deveriam, de
alguma forma, proteger, ou ao menos cuidar para que nada acontecesse com elas, são
exatamente os que cometem esse crime.

No âmbito da perseguição, os autores Petherick e Ferguson (2014) informam:

» Perseguição: independentemente de elas realmente sofrerem agressão


física, as vítimas de perseguição muitas vezes estão sujeitas a uma série de
efeitos psicológicos e físicos, como respostas de estresse crônico, o que pode
acarretar outros efeitos, por exemplo, diminuição da função imunológica ou
aumento da ansiedade ao longo do tempo. Em um dos primeiros trabalhos
sobre stalking, alguns autores, na década de 1990, observaram que pelo
menos metade dos stalkers ameaça suas vítimas, embora a maioria dos
stalkers (25-35%) não seja fisicamente violenta. Isso foi espelhado por outro
pesquisador, em 2012, o qual observou que entre 30% e 60% das vítimas são
ameaçadas de violência e que cerca de 25-50% dos stalkers realmente atacam
suas vítimas, ainda que a taxa de homicídio entre vítimas de perseguição
seja inferior a 2%. Isso sugere que as ameaças ocorram com mais frequência
do que a violência real e que a taxa de homicídio por esse crime seja baixa.
No entanto, isso precisa ser moderado pelo fato de que os acusados de
homicídio nem sempre serão acusados de outros crimes que cometeram; os
promotores podem optar pela(s) ofensa(s) mais grave(s) ou mais fáceis de
provar em tribunal. Apesar disso, a frequência de violência física observada
acima foi consistentemente estabelecida em outros estudos. Na Austrália,
alguns estudiosos, em 2008, pesquisaram aleatoriamente 3.700 homens e
mulheres do papel eleitoral em Victoria para determinar várias facetas de
sua vitimização por perseguição. Destes, 432 entrevistados relataram ter
sido perseguidos (12%), e 75 (17,4%) foram submetidos a ataques físicos
por um perseguidor. Essas vítimas eram mais propensas à perseguição por
mais tempo ou desde idade mais jovem, bem como eram mais propensas
à espionagem ou a abordagens indesejadas. Dos agredidos, 53 (71%) eram
mulheres; os stalkers eram predominantemente do sexo masculino (n = 66;
88%). Em casos de violência, ex-íntimos estavam em maior risco (n = 31;
41%), seguidos por conhecidos (n = 14; 19%), familiares/amigos (n = 10;
13%) e colegas de trabalho (n = 6; 8%). Os estranhos superaram os colegas
de trabalho em 14 casos (19%). A maioria das vítimas de violência também

53
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

foi ameaçada (n = 55; 73%), e, em minoria dos casos, o agressor tinha


doença mental (n = 17; 37%). Coletivamente, em 61 casos (81%), a vítima
e o agressor eram conhecidos, o que sugere que as vítimas de violência de
assédio estão mais sob risco do que aqueles que conhecem em algum nível.

O termo “stalking” é proveniente da palavra em inglês stalk, que significa perseguir


obsessivamente, atacar ou vigiar constantemente. Recentemente, foi adicionado o artigo
147-A no Código Penal, direcionado à ação de “perseguir alguém, reiteradamente e
por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-
lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua
esfera de liberdade ou privacidade”.

Continuando nos pontos levantados por Petherick e Ferguson (2014), temos:

» Vitimologia – Uma abordagem sugerida: como em muitas áreas, a


quantidade de informações disponíveis e a qualidade dessas informações são
ditadas pelo caso em questão. Isso inclui o cuidado e a atenção dispensados
anteriormente por outras pessoas envolvidas no caso, a quantidade de
informações coletadas e retidas pela própria vítima e a quantidade de
informações disponíveis em outras fontes. Por exemplo, a menos que a
vítima tenha mantido documentos relacionados ao histórico médico e
psicológico, ou tenham sido objeto de descoberta de outras partes, essas
informações podem, na melhor das hipóteses, ser recebidas de terceiros,
tendo sido fornecidas por aqueles que ouviram de alguém, que ouviram de
outra pessoa, aspectos do que é tradicionalmente considerado informação
confidencial. Por causa disso, não existem regras rígidas e rápidas sobre
o que estará disponível, mas existem boas diretrizes gerais pelas quais
podemos determinar o que deve ser procurado. Como acontece com todas
as áreas de consideração probatória, as questões de validade, confiabilidade e
suficiência devem estar na vanguarda de qualquer análise. Se houver mais de
uma vítima, ou precipitação da vítima, uma vitimologia precisará ser criada
para cada pessoa envolvida. O que se sabe sobre cada um, a qualidade e a
quantidade da informação determinada são ditados pela fonte da informação,
junto com uma infinidade de outros fatores. Cada uma das seções abaixo
fornece orientação para um tipo de conteúdo que deve ser incluído na
vitimologia forense e quais informações específicas devem ser registradas em
cada uma delas. A fonte das informações deve ser claramente identificada,
e as diferenças entre fatos, opiniões e suposições devem ser declaradas.

54
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

Da mesma forma, aquelas coisas que são fatos do caso devem ser delineadas
a partir das opiniões do analista.

» Inclusões administrativas: antes de delinear as características da vítima


e a avaliação do risco apresentado à vítima, quando o crime ocorreu, é
importante abordar uma série de elementos administrativos que afetam
as conclusões. O vitimologista deve incluir seu próprio nome e os dados
de contato, a data do exame, bem como os dados da parte solicitante da
elaboração do laudo. Devem ser incluídas perguntas específicas feitas ao
vitimologista, como: “A agressão foi precipitada pela vítima?”. Além disso,
deve ser listada cada informação obtida, bem como qualquer informação
solicitada, mas não fornecida. É uma etapa crucial, pois permite que o analista
e aqueles que utilizam o relatório sequenciem quando ele foi escrito em
relação a quando outras evidências foram descobertas, analisadas, e assim
por diante. Tal inclusão também será útil para o vitimologista caso ele seja
solicitado a elaborar ou testemunhar suas descobertas. Essa inclusão também
determinará se uma cadeia de custódia para as evidências foi mantida. Um
cabeçalho em execução e números de página sempre devem ser incluídos nos
relatórios para evitar confusão caso as páginas sejam perdidas ou misturadas
com outros relatórios forenses.

» Demografia: informações básicas sobre a vítima devem ser registradas


aqui, incluindo, no mínimo, nome(s), idade, sexo, altura, peso, cor do
cabelo, cor dos olhos e marcas/características/tatuagens de identificação.
Quaisquer nomes, nomes anteriores, pseudônimos ou outras particularidades
de identificação da vítima devem ser investigados e registrados. Se a vítima
tiver vários pseudônimos, devem ser detalhadas as horas em que ela fora
conhecida por determinados nomes. Onde o sistema de justiça estiver
presente, será necessário verificar o histórico criminal desses outros nomes.
A idade da vítima deve ser registrada com base em fontes estabelecidas ou
válidas, como certidão de nascimento ou carteira de motorista. Deve-se ter
cuidado ao confiar na palavra de outras pessoas, porque elas podem não
ter acesso a informações factualmente precisas ou podem simplesmente
estar relatando sua percepção de idade ou outro material demográfico.
Embora pareça senso comum, a adoção de alguns nomes cristãos ou
abreviações neutras quanto ao gênero (como Sam, Casey, Charlie e Jamie,
entre outros) e outras circunstâncias (como travestis ou vítimas transgêneros,
por exemplo) demonstram que é prudente registrar o sexo biológico da

55
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

vítima e seu gênero identificado em quaisquer outros registros. A altura da


vítima também deve ser incluída. Se a vítima for falecida, isso geralmente
será relatado na autópsia (se estiver disponível para o analista) ou poderá ser
relatado em sua carteira de motorista. A altura tende a flutuar pouco com
o tempo, portanto esse valor deve ser relativamente confiável, desde que a
fonte seja precisa e não muito datada. Tal como acontece com a altura, o peso
também será normalmente informado na autópsia; se a vítima já faleceu,
a autopsia seria uma boa fonte. Ao contrário da altura, no entanto, o peso
pode flutuar muito com o tempo, então o peso atual deve ser estabelecido
em comparação com os pesos anteriores e, se houver indicadores confiáveis
disponíveis, com os pesos médios. Períodos de perda e ganho de peso podem
ser indicativos de turbulência psicológica ou emocional, vitimização anterior,
como molestamento ou agressão sexual, uso e abuso de drogas ou uso de
medicamentos prescritos. A cor do cabelo pode variar muito com o tempo
como resultado de processos naturais de envelhecimento ou mecanismos
artificiais, por exemplo, a coloração do cabelo. Tal como acontece com o
peso, é aconselhável cobrir qualquer variedade de cores de cabelo, terminando
com o que a vítima tinha ao morrer. Em casos seriados, isso pode ajudar a
estabelecer padrões com base nos critérios de seleção da vítima, juntamente
com outras informações demográficas. Outros dados demográficos básicos,
como a cor dos olhos, devem ser incluídos para completar o quadro da
aparência geral da vítima, incluindo detalhes sobre quaisquer marcas de
identificação, tatuagens ou outras características distintivas.

Em suma, as vítimas de crimes vêm em todas as formas. De acordo com Petherick e


Ferguson (2014), alguns contribuem sem saber para a sua própria vitimização; alguns
são o agressor inicial; e alguns não têm ideia de quando estão em perigo até que seja
tarde demais. Avaliar as vítimas com base em suas verdadeiras características e na série
de eventos que levaram à sua vitimização não é sinônimo de culpa da vítima; em vez
disso, é um passo importante para compreender a natureza dos eventos que cercam sua
morte e contextualizar as ações do ofensor. Os fatores de risco para crimes violentos
são muitos e variados, mas geralmente estão relacionados à presença de criminosos
e a comportamentos ilegais; à exposição a álcool, drogas e violência; à ameaça ou
consumação de violência no passado.

56
CAPÍTULO 2
Vitimologia e aspectos históricos

Fatores de proteção para muitos tipos de crime também existem, incluindo resiliência,
elementos interpessoais e contextuais. Ao avaliar uma vítima de crime violento, os
vitimologistas forenses são encarregados de compilar muitos detalhes, de muitas fontes,
para entender a natureza exata da pessoa e de sua vitimização. Histórias demográficas,
psicológicas, médicas, criminais e de relacionamento são elementos importantes a serem
incluídos em vitimologia, junto com qualquer vitimização anterior, avaliação de lesões
e avaliação de risco, incorporando fatores dinâmicos e estáveis. Se forem compilados
de forma completa e diligente, esses relatórios poderão ajudar a formar conclusões
sobre como a vítima chegou à situação violenta ou criminal, de onde provavelmente
provêm os riscos em suas vidas e, portanto, os possíveis suspeitos (PETHERICK;
FERGUSON, 2014).

Sobre essas questões, Petherick e Ferguson (2014) fornecem mais detalhes, conforme
consta na Tabela 4:

Tabela 4. Vários aspectos históricos importantes para a análise vitimológica.

Um aspecto da vitimologia que pode ser difícil de adquirir é o histórico médico da vítima, porque isso é
considerado forma de informação privilegiada, privada e confidencial. Algumas vítimas que sobrevivem
à vitimização podem ser totalmente diretas com essas informações, enquanto outras podem relutar
em fornecê-las. Caso a vítima tenha falecido em jurisdição na qual o sigilo médico se estenda além da
Histórico morte, as informações de terceiros poderão ser o limite de conhecimento sobre quaisquer questões
médico médicas que contribuíram para o dano ou a morte da vítima. Dessa forma, o analista deve ter cautela
em quaisquer interpretações feitas em decorrência dessas informações. Em determinado caso, uma
vítima do sexo feminino, de homicídio precipitado pela vítima, alegou ter autismo. No entanto, nenhum
arquivo médico real refletiu esse diagnóstico, e as únicas fontes de informação foram as próprias
alegações da vítima, que foram comunicadas a uma série de outras pessoas.
Como o histórico médico, o histórico psicológico pode ser difícil de obter, porque também está
sujeito à confidencialidade. Também como no histórico médico, algumas vítimas mantêm registro
detalhado de seu contato com psicólogos, psiquiatras e outros profissionais de saúde. Isso pode ser
especialmente verdadeiro quando existe outra psicopatologia, como quando a vítima acredita que
está sendo envenenada, visada ou assediada; a maneira de registrar isso e expor o ofensor ocorre
História mediante documentação extensa. Anotações e histórias detalhadas podem servir para reforçar
psicológica ainda mais, em suas próprias mentes, seu status de vítima ou alvo. Outros, como aqueles que tiveram
relacionamentos com a vítima no passado, podem fornecer boas informações gerais sobre como a
vítima respondeu a certos desafios na vida, sobre uso de drogas e álcool, características gerais de
personalidade e uma série de outras características importantes. Mais uma vez, deve-se ter cautela
ao considerar essas informações pelo valor de face. A informação mais ideal é aquela corroborada
por várias testemunhas independentes ou para a qual existe outra confirmação.
Conforme discutido acima, em relação aos vários tipos de crime, histórico de comportamento
antissocial ou contato com o sistema de justiça podem aumentar o risco de vitimização para
História do certos crimes. O contato prévio com o sistema de justiça criminal pode representar uma atitude
sistema de antissocial geral ou indicar uma gama mais diversa de comportamento criminoso, apontando para
justiça risco aumentado de vitimização devido a associações de exposição a criminosos e/ou a outras
populações em risco. Histórias de ofensas podem ser usadas para educar o analista quanto ao tipo
de comportamento da vítima ou do ofensor durante eventos passados, b​​em como em relação aos

57
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

tipos de coisas a que eles possam ter sido expostos. O envolvimento em crimes violentos pode ser
incomum para alguém que cometeu apenas atos de crimes menores contra a propriedade, e essa
mudança precisa ser investigada e contabilizada, pois pode responder a perguntas críticas sobre
tempo e local associados ao problema. A evidência de um histórico de vítima ou ofensor também
pode ser útil para as estimativas de mitigação do risco de uma pessoa em particular. Se ocorrer
um homicídio e o agressor estiver envolvido em agressão relacionada ao álcool, cerca de 20 anos
antes, isso representará grande diferença em relação a um agressor que está em prisão preventiva
por agressão há apenas 2 meses. Um exame dessa história pode ser altamente instrutivo para
determinar a versatilidade e a especialização criminosa, podendo fornecer mais informações sobre
redes criminosas e associados.
Drogas e álcool desempenham papel tanto na vitimização quanto na ofensa; a relação entre álcool
e violência foi discutida anteriormente. Como tal, é fundamental determinar o grau em que as
drogas e o álcool podem ter desempenhado papel como fator contribuinte, por exemplo, embotar
a capacidade da vítima de fazer julgamentos racionais, sua capacidade de avaliar os riscos em seu
ambiente ou sua capacidade de se defender. Essa história incluiria substâncias lícitas e ilícitas.
Não deve ser feito apenas o registro de quaisquer drogas ilegais ou adquiridas ilegalmente (como
medicamentos prescritos, obtidos fora dos serviços médicos legítimos, bem como narcóticos). Tanto
os medicamentos prescritos legalmente quanto os não prescritos e sua origem, quando possível,
devem ser discriminados, incluindo o tipo, a dosagem e o histórico de ingestão, principalmente se
Histórico de
a não adesão a uma dosagem prescrita/recomendada for indicada. Além disso, os medicamentos
drogas e álcool prescritos também devem ser listados, incluindo, quando possível, o tipo de medicamento(s), a
dosagem do(s) medicamento(s), a frequência com que as prescrições são fornecidas, quando
a última receita foi fornecida e se as prescrições foram usados em relação à data de emissão.
Isso pode fornecer informações sobre o uso e o abuso potencial. Quando houver evidência de
uso de múltiplas drogas, as interações medicamentosas deverão ser pesquisadas e listadas. Se
o medicamento for prescrito legitimamente, a condição para a qual foi administrado deverá ser
identificada, se possível. Isso também deve ser verificado em relação à toxicologia na autópsia ou
durante a intervenção médica após o crime, de modo que toda e qualquer substância no sistema da
vítima seja identificada e que seus efeitos sejam contabilizados.
Os comportamentos dos criminosos e das vítimas não ocorrem no vácuo e não ocorrem isoladamente.
Ocasionalmente, o evento que leva ao envolvimento de um vitimologista não será o primeiro desse
tipo. Como resultado, é possível – e até provável – que os mesmos comportamentos que culminaram
em um evento criminoso grave ou violento tenham sido evidentes, vistos ou experimentados por
outras pessoas anteriormente. Realmente não há limite para o número de indivíduos que podem ter
testemunhado, ouvido falar ou experimentado o histórico de relacionamento relevante de uma vítima.
As testemunhas podem ser aqueles a par das reações da vítima em relação a rejeição e abandono,
histórico de violência, disposição e temperamento. Parceiros íntimos anteriores podem fornecer
visão sobre os seguintes aspectos:
» comportamentos agressivos e de enfrentamento, riscos e fatores de proteção;
Histórico de » a equipe de segurança pode fornecer informações sobre o comportamento de um usuário sob a
relacionamento influência de álcool;
» empregadores e colegas podem fornecer informações vitais sobre o desempenho no trabalho;
» amigos e familiares podem informar o analista sobre relacionamentos anteriores e sua função ou
disfunção.
Obviamente, é necessário ter cuidado e muita discrição com relação à fonte e à certeza das
informações fornecidas. Essas informações devem ser compiladas cronologicamente com o
máximo de detalhes possível. Ademais, podem ser comparadas às informações médicas, sobre
drogas e álcool, vitimizações anteriores e outras informações vitimológicas. Sempre que possível, a
documentação primária deve ser usada para complementar as informações fornecidas verbalmente
por pessoas conhecidas da vítima ou testemunhas do crime.
Sempre que possível, todos os esforços devem ser feitos para estabelecer histórico residencial que
História inclua endereço, tipo de moradia e status do proprietário/aluguel. O método, a origem e o destino
residencial dos pagamentos feitos devem ser determinados por meio de documentação primária, como extratos
bancários e cartão de crédito. O vitimologista está em busca de fatos que possam ter colocado a

58
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

vítima em contato com os infratores ou em ambiente no qual certos crimes sejam mais comuns. Os
dados básicos sobre a taxa de criminalidade das áreas em que a vítima residiu devem ser obtidos
e levados em consideração em quaisquer determinações de risco e ameaça. O nome e a identidade
de quaisquer indivíduos que compartilharam acomodação com a vítima ajudarão em uma série de
determinações, e esforços devem ser feitos para estabelecer a história criminal e relacional desses
indivíduos. Também pode ser prudente, em circunstâncias nas quais seja permitido ou possível,
entrevistar vizinhos, bem como agentes imobiliários ou proprietários que alugaram propriedades às
vítimas. Muitas vezes, eles podem fornecer informações valiosas sobre as várias facetas da vida da
vítima e, possivelmente, da morte.
Informações de empregos atuais e anteriores devem ser buscadas e totalmente escrutinadas.
Isso ajudará a estabelecer coisas como níveis básicos de renda, se a vítima vivia acima de suas
possibilidades, fontes potenciais de ameaças ou danos e informações vitais sobre personalidade
e comportamento daqueles que encontraram a vítima em vários contextos diferentes. Como cada
pessoa normalmente tem vários domínios de personalidade diferentes (persona do trabalho, persona
da família, persona social etc.), conversar com colegas de trabalho e empregadores pode fornecer
Histórico de
uma peça valiosa do quebra-cabeça da vítima. As informações coletadas devem ser comparadas
empregos com o curriculum vitae ou currículo da vítima, se disponível. As informações obtidas do histórico
de empregos muitas vezes podem ser comparadas com outras informações financeiras ou com o
histórico residencial, o que ajuda a estabelecer um quadro geral de quem foi a vítima e de como
viveu a vida. As ameaças do meio ambiente podem, em teoria, vir de qualquer direção, com qualquer
número possível de influências; portanto, quanto mais diversas forem as fontes de informação, mais
completo será o quadro geral.
O histórico financeiro e o histórico de empregos são considerados vinculados em muitos níveis,
para muitas finalidades. A situação financeira de uma pessoa é ditada em grande parte pela renda
do emprego. No entanto, a renda complementar de outras fontes (legítimas e ilegítimas) deve ser
História identificada e contabilizada. Qualquer receita “fora dos livros” ou “por baixo da mesa” pode ajudar
financeira a explicar a vitimização ou a identificar outras vias de investigação que devam ser consideradas e
excluídas como relevantes. Se o vitimologista tiver a chance de passar um tempo com os pertences
da vítima, então coisas como extratos bancários e de cartão de crédito poderão fornecer informações
sobre o que estava entrando, o que estava saindo, de onde vinha e para quem estava indo.
Em um mundo conectado, uma variedade de tecnologias é fonte potencialmente rica de informações
sobre vítimas e vitimização. Nossa pegada digital geralmente é muito mais extensa do que
acreditamos; uma variedade de informações é mantida on-line, para recuperação, por praticamente
qualquer pessoa com acesso ou conhecimento de computadores e da internet. Com o aumento de
modalidades pelas quais as vítimas se conectam ao mundo digital, mais fontes de informação sobre
elas e seu comportamento se tornam disponíveis. O número de dispositivos e tipos de conexão são
ditados por recursos financeiros, emprego, conhecimento técnico e necessidade etc., portanto
uma primeira etapa crucial é determinar o número e o tipo de dispositivos da vítima. Em alguns
casos, o acesso ao próprio dispositivo pode ser limitado, por exemplo, quando é propriedade de um
empregador ou quando o dispositivo é levado por um criminoso porque contém informações sobre
ele ou sua relação com a vítima. Mesmo que informações sobre a atividade do navegador possam
estar disponíveis no próprio dispositivo, outras informações, especialmente as de empresas de
História telecomunicações, serão difíceis de obter sem causa legal e papelada necessária. Como tal, uma
tecnológica imagem detalhada terá de ser compilada a partir das informações disponíveis. Computadores,
tablets, smartphones, outros telefones celulares e até mesmo consoles de jogos podem fornecer
imagem da atividade on-line e do comportamento, o que pode ser fundamental para determinar
algumas informações materiais sobre a vítima e os danos sofridos. Historicamente, o e-mail era
comumente a fonte mais rica dessas informações, embora qualquer número de redes sociais,
clientes de mensageiro ou navegadores da web possam gerar inteligência volumosa e valiosa de
materiais. As listas de amigos, cookies, caches, favoritos do navegador, e-mails e mensagens de
texto de redes sociais são fundamentais para fornecer imagem holística sobre a vítima, sobre
seu eu cibernético e sobre seu comportamento on-line. Pode parecer lógico supor que, como uma
pessoa não usa a internet, não possui computador ou publica nada sobre si mesma on-line, essas
informações não estariam disponíveis. Essa suposição seria incorreta. Informações sobre qualquer
pessoa podem ser postadas por qualquer outra pessoa, em seu nome e sem seu consentimento, para
fins bons ou ruins. Um exemplo disso vem dos arquivos de um caso de cyberstalking: a vítima afirmou

59
Unidade III | Vitimologia E Aspectos Históricos

veementemente que não haveria nenhuma informação sobre ela na internet. Ela estava inflexível de
que, por não ter postado nada, não haveria nada. Demorou menos de 10 segundos para encontrar
uma foto dela on-line, vinculada a um perfil de modelo.

Fonte: adaptada de Petherick; Ferguson, 2014, pp. 73-77.

Ainda sob a ótica geral da vitimologia, Petherick e Ferguson (2014) trazem mais alguns
pontos importantes:

» Vitimização anterior: em alguns casos, a vitimização em estudo não


será a única instância, o único evento ou único tipo de vitimização a que
um indivíduo foi exposto. Algumas vítimas terão sofrido muito nas mãos
de outras, seja em apenas um tipo de crime (vítimas repetidas de violência
doméstica), seja em crimes múltiplos (abuso infantil, violência doméstica,
perseguição e estupro). Como a reação de alguém às condições atuais pode ser
influenciada por experiências anteriores, é necessário narrar extensivamente
qualquer história de dano ou perda. Isso deve, no entanto, ser limitado
aos tipos de comportamentos anteriores que possam ser ou são relevantes
para o caso. Por exemplo, uma acusação de direção sem licença pode não
ser relevante para perseguição, a menos que tenha sido demonstrado, de
alguma forma, que ambos fazem parte de um padrão geral de comportamento
antissocial. É fundamental que isso seja documentado com o máximo de
detalhes possível, com documentação de apoio fornecida quando possível
e necessário.
» Feridas: a natureza, localização e gravidade de quaisquer ferimentos devem
ser observadas e contabilizadas. Uma avaliação dos ferimentos pode ser
incrivelmente instrutiva para tomar outras decisões sobre como a vítima
reagiu ou o que aconteceu durante o ataque. Essas informações podem
ser obtidas da vítima, quando houver documentação de apoio disponível
(como fotos de feridas), de um médico, da equipe de emergência médica
ou da autópsia, caso tenha sido vítima de homicídio. Várias evidências
documentais – de traumagramas a fotografias e vídeo – também podem estar
disponíveis. Os tipos de ferimentos que podem ser infligidos, categorizados
e documentados são tantos e variados quanto a natureza das armas que os
podem causar. Quando um indivíduo tenta se defender de um ataque, não
é incomum encontrar lesões defensivas na vítima. Se a vítima possuir arma
própria, revidar, retaliar ou desarmar o agressor, o agressor inicial também
poderá apresentar esses ferimentos. A natureza das lesões defensivas é
ditada pelo tipo de arma, a maneira como foi empunhada, os movimentos

60
Vitimologia E Aspectos Históricos | Unidade III

específicos da vítima e o contato com seu ambiente, o agressor ou a arma.


Por exemplo, se uma faca foi empunhada em movimento de punhalada
para baixo, ferimentos nas mãos da vítima podem estar presentes onde ela
tentou agarrar a faca ou podem ser vistos na parte interna dos antebraços.
Uma arma contundente, como taco de beisebol, pode causar ferimentos por
esmagamento na cabeça (o taco foi balançado em movimento descendente
sobre a cabeça) ou pode quebrar o nariz da vítima ao acertar o seu rosto.
Uma avaliação dessas feridas por um profissional médico, considerando-se
se as feridas são de natureza defensiva ou ofensiva, pode ser muito instrutivo
ao reconstruir o comportamento que ocorreu no local. Independentemente
da natureza ou do tipo da lesão, é necessário examinar todas as lesões a
quaisquer partes envolvidas e prestar contas da fonte, incluindo o indivíduo
responsável e a arma envolvida. Lesões defensivas podem falar sobre a
maneira como a vítima foi abordada, o grau de familiaridade entre a vítima
e o agressor ou a quantidade de advertência que a vítima recebeu antes do
ataque. Da mesma forma, a idade das lesões deve ser determinada quando
possível. Há diferença entre abrasão nova e velha; a última será enrugada
em torno das bordas da ferida. Um hematoma recente geralmente parece
mais escuro e pode ter bordas bem definidas, enquanto um hematoma mais
antigo será mais amarelo e difuso.

» Avaliação de risco: deve incluir uma determinação do nível de risco


apresentado pelos fatores de risco e proteção (normalmente) estáveis da
vítima e os fatores de risco e proteção dinâmicos que estavam presentes
no momento da ofensa. De modo geral, os dois tipos de riscos (estáveis e
dinâmicos), bem como quaisquer fatores de proteção ou atenuação, devem
ser avaliados em conjunto, fornecendo avaliação completa do risco geral,
que geralmente é apresentado como alto, médio ou baixo risco. Depois
de apresentar as informações acima e a avaliação de risco da vítima, o
vitimologista deverá assinar e datar o relatório e manter cópias para seus
próprios registros.

61
CRIMES SEXUAIS,
PSICOLOGIA E UNIDADE IV
PSIQUIATRIA FORENSE

CAPÍTULO 1
Aspectos e contextos concernentes
aos crimes sexuais

Perfis criminais
Turvey (2012a) diz que os criadores de perfis criminais devem ser totalmente versados
na prevalência, natureza e variedade de crimes sexuais que possam ser encontrados
na pesquisa e no tratamento de casos. Prestam-lhe um péssimo serviço aqueles que
ingressam na profissão sem conhecer o assunto, e aqueles que evitam estudar o assunto
farão melhor abandoná-lo imediatamente. Não se pode ser um investigador criminal
competente ou um criador de perfis criminais sem exposição significativa e apreciação
saudável da sexualidade humana e de suas manifestações criminais. O termo “crime
sexual” geralmente se refere a qualquer confluência de atos criminosos e sexuais.
Em alguns casos, a atividade sexual é inerentemente criminosa, como aquela que
envolve a falta de consentimento. Em outros casos, a atividade sexual ocorre entre as
partes “consentidas”, mas ainda envolve um crime, como acontece com a prostituição,
em certas jurisdições.
Aqueles que cometem crimes sexuais são corretamente chamados de criminosos sexuais.
No entanto, os criminosos sexuais não são todos iguais. Eles são variados; cada um
com sua própria constelação de comportamentos, motivos e capacidades, existindo
em um amplo continuum de intensidade e severidade. Atualmente, ainda segundo
Turvey (2012a), a principal causa dessa mesma falta geral de conhecimento preciso
é a aceitação acrítica de filmes, televisão e relatos de crimes na mídia – ficção e não
ficção. Em particular, o autor fica continuamente surpreso com o fato de o cinema e
a televisão serem vistos como fontes confiáveis de informação, mesmo entre aqueles
que absolutamente sabem mais. Isso resultou em:
» educação mal informada;

» legislação mal informada;

62
Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

» esforços de investigação;

» julgamentos mal informados; e

» ideias mal informadas sobre o tratamento.

Ao longo da história, cada cultura procurou definir o comportamento sexual inaceitável


(por exemplo, criminoso) da forma que melhor refletisse as atitudes e crenças
prevalecentes. Essas determinações e penalidades relacionadas não são, de forma
alguma, uniformes ou estáticas, diferindo e evoluindo radicalmente entre as culturas
e gerações. Obviamente, então, o conceito de crimes sexuais é dinâmico, originando-
se da moralidade cultural específica do tempo, em oposição a valores universais
amplamente aceitos. Historicamente, isso é evidente quando o estado legisla contra
a atividade sexual entre adultos consentidos, sendo mais tarde forçado a admitir seu
preconceito e reverter seu posicionamento. Isso fica mais claro à medida que outras
ofensas e suas exceções culturais são discutidas (TURVEY, 2012a).

Acerca dessas questões, a Tabela 5 traz um panorama geral e conceituações relevantes


para fins de nossos estudos:

Tabela 5. Aspectos e questões gerais dos crimes sexuais.

Um fator importante a ser considerado é o consentimento. O consentimento se refere ao ato de


dar permissão com plena consciência das consequências. Em alguns casos, a vítima pode, mas
não deseja, dar consentimento para o contato sexual, como é o caso de quase todos os crimes
com estranhos (exceto aqueles que envolvem profissionais do sexo, em que consentir no contato
Consentimento sexual com estranhos faz parte da descrição do trabalho). No entanto, estranhos não cometem
a maioria dos crimes sexuais; a maioria é cometida por um conhecido, amigo, parente ou até
mesmo por um íntimo. Em outros casos, a vítima está disposta, mas não pode dar consentimento,
como é o caso quando a vítima é muito jovem ou prejudicada por drogas, álcool ou algum defeito
mental.

A idade é fator de consentimento quando a vítima é legalmente vista como muito jovem para
dar consentimento. Desse modo, muitas sociedades afirmam que seus cidadãos devem atingir
a idade mínima antes de serem considerados maduros o suficiente, conhecedores o suficiente
ou simplesmente conscientes o suficiente para assinar contratos, tomar decisões médicas por
si próprios e consentir com a atividade sexual. Dado que a idade de consentimento varia de
Era
uma jurisdição legal para outra, ser acusado de um crime sexual e rotulado como culturalmente
“desviante” pode ser apenas uma questão de viver no CEP errado e despertar a ira do promotor
local. Isso ocorre porque o agressor sexual de uma jurisdição é, muitas vezes, o parceiro íntimo
legal de outra – e porque, mesmo quando é um crime, o promotor tem ampla discrição nos “casos de
consentimento”.

O álcool é uma droga; é uma substância que causa alteração fisiológica ao entrar no corpo.
Mencionamos drogas e álcool em nossa discussão apenas porque os alunos, junto com muitos
profissionais, não incluiriam a droga álcool se usássemos apenas o termo “drogas”. Essa separação
Drogas e álcool inadequada existe porque o entendimento profissional e coloquial do termo “droga” é bastante
desigual. Em alguns casos, as drogas são intencionalmente, embora sub-repticiamente, dadas à
vítima por um agressor para facilitar o estupro. Na verdade, existem muitos tipos diferentes de
drogas de “estupro”, incluindo sedativos, pílulas para dormir e, mais especificamente, Rohypnol.

63
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

Todos eles podem incapacitar as vítimas, induzir o sono e causar perda de memória, dependendo
do tipo e da dosagem. No entanto, a droga número um é o álcool; junto com outros efeitos
colaterais bem conhecidos, reduz as inibições, prejudica o julgamento e, em última análise, impede
o consentimento informado. Também é verdade que o álcool geralmente não requer um parto sub-
reptício – as vítimas ingerem álcool em excesso regularmente e por própria vontade. Na verdade,
o álcool é frequentemente usado recreacionalmente por causa de seus efeitos narcóticos, e não
apesar deles. No entanto, isso cria um ambiente de maior risco, favorecendo a ocorrência de certas
atividades, especialmente dentro de grandes grupos de estranhos (por exemplo, bares e certos
tipos de festas). Embora se refira especificamente à intoxicação por álcool, as questões discutidas
na literatura permanecem as mesmas em relação a outras drogas que causam defeitos mentais
semelhantes. O estado temporário de ser incapaz de avaliar racionalmente a natureza da própria
conduta é referido como incapacidade mental.

Em muitas jurisdições, é crime ter contato sexual com pessoa incapaz de consentir em razão de ser
física ou mentalmente deficiente. Deficiência física ou mental refere-se a qualquer doença física
ou mental ou defeito que cause estado permanente de incapacidade de avaliar racionalmente a
Deficiência
natureza de sua própria conduta. Um exemplo de deficiência física que exclui a possibilidade de
física ou
consentimento é estar em coma, e há muitos casos envolvendo profissionais de saúde acusados
mental e condenados por estuprar pacientes em várias enfermarias de coma. Um exemplo de deficiência
mental que exclui a possibilidade de consentimento é o retardo mental (ou deficiência de
desenvolvimento), que é acompanhado por QI abaixo da média e baixo funcionamento cognitivo.

Os agressores sexuais são variados, cada um com sua própria constelação de comportamentos,
motivos e capacidades, existindo em amplo continuum de intensidade e severidade. Alguns
ofensores são fixos ou preferenciais, com atração patológica de longo prazo pelo comportamento
sexual desviante que remonta à adolescência. Outros podem ser chamados de regredidos, sendo
o desvio um interesse temporário ou experimental em resposta a ansiedade, conflito, estresse ou
crise em seus relacionamentos adultos. Tudo isso se reflete, necessariamente, em sua história e na
natureza dos crimes que cometem. Considere os seguintes tipos de crimes sexuais (discutidos em
nenhuma ordem específica), com o entendimento de que esta não é uma lista completa: estupro/
agressão sexual. Dependendo da jurisdição legal, os termos “estupro” e “agressão sexual” podem
ser usados quase que indistintamente, mas isso é impróprio do ponto de vista criminológico. O
estupro é uma penetração sexual não consensual. “Agressão sexual” é um termo que geralmente
se refere a qualquer contato sexual não consensual. Portanto, é possível que uma vítima seja
abusada sexualmente sem ser estuprada (penetrada). Nenhum deles requer força ou prova de
força, apenas intenção criminosa por parte do agressor e a ausência de consentimento por parte
da vítima. Como o crime de homicídio, geralmente há diferentes graus de estupro ou agressão
sexual, com níveis crescentes de severidade e penas associadas, definidas explicitamente nos
estatutos criminais. Há muitas variações para relacionar aqui, portanto os leitores são incentivados
Tipos de crimes a consultar suas leis penais locais. Nesse contexto, os dados relatados pelo Departamento de
sexuais Justiça dos EUA, Bureau of Justice Statistics, fornecem o seguinte: nos Estados Unidos, houve
aumento de 25% no total de estupros e agressões sexuais relatados entre 2005 e 2007 (de 190.600
a 248.300 casos). As vítimas relatadas eram mais frequentemente mulheres (236.980, ou 95%, de
todos os casos relatados), e os agressores relatados eram, na maioria, não estranhos, como amigos,
conhecidos e íntimos (58%). Curiosamente, 91% (226.410) dos casos notificados não envolveram
arma de qualquer tipo, sendo a arma de escolha a faca, em 3% (6.280) dos casos notificados. As
armas de fogo foram as armas de escolha menos relatadas, em menos de 1% do total de casos.
Os motivos são as necessidades emocionais, psicológicas e materiais que impulsionam e são
satisfeitas pelo comportamento. A intenção é o objetivo que orienta o comportamento. O motivo
é a necessidade geral, e a intenção é o plano específico. Muitos estupros são cometidos para
satisfazer à necessidade emocional ou psicológica de um estuprador de expressar poder, raiva ou
desejo sádico. O lucro também pode ser um complemento, pois a criação de oportunidade para
roubar a vítima pode desempenhar algum papel. Nesses casos, poder, raiva, sadismo e lucro são os
motivos possíveis (sem nenhuma linha clara entre eles), e o estupro é a intenção.
No Brasil, a Lei n. 8.930/1994 caracteriza o estupro e o atentado violento ao pudor como crimes
hediondos; isso significa que são crimes de extrema gravidade e inafiançáveis. Consumar atos
sexuais com menor de 14 anos é crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código
Penal. As consequências são graves, visto que a lei prevê penas que podem, inicialmente, variar

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Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

de 8 a 15 anos. Para configurar o estupro de vulnerável, basta que o indivíduo tenha qualquer nível
de relações sexuais com pessoa menor de 14 anos (com ou sem penetração). Este é o terceiro ano
consecutivo que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresenta essa análise dos microdados
de estupros. Para os dados de 2020, analisamos 60.926 registros de violência sexual no Brasil,
sendo 16.047 de estupro e 44.879 de estupro de vulnerável, que vieram dos boletins de ocorrência
registrados pelas polícias civis. Os registros de microdados indicam aumento nos números
informados pelos estados nas tabelas apresentadas anteriormente, em que os registros de vítimas
no último ano somam 60.460 casos. O trauma sofrido pelas vítimas deixa muitas sequelas na vida
e na saúde dessas pessoas, resultando em sérios efeitos nas esferas física e/ou mental, em curto
ou ao longo do tempo. Vítimas de estupro podem sofrer lesões nos órgãos genitais, contusões
e fraturas, alterações gastrointestinais, infecções no órgão reprodutor, gravidez indesejada e
contração de doenças sexualmente transmissíveis. Nas questões psicológicas, o estupro pode
resultar em diversos transtornos, tais como depressão, disfunção sexual, ansiedade, transtornos
alimentares, uso de drogas ilícitas, tentativas de suicídio e síndrome de estresse pós-traumático.
Apesar do número elevado de casos no país, a pandemia parece ter contribuído para a redução
dos registros de violência sexual, o que não necessariamente significa a redução da incidência.
Isso porque crimes sexuais, em sua maioria, não são notificados, e a falta de pesquisas periódicas
das vítimas e medo ou constrangimento os tornam ainda mais difíceis de identificar. Estudos que
sugerem as hipóteses sobre as razões desse fato têm ganhado espaço. Discutem-se os aspectos
como construção coletiva de pactos que ocultam e silenciam esses crimes, a chamada cultura do
estupro; ainda há o compartilhamento de práticas de masculinidade violentas que transcorrem
essas ações.

O abuso sexual de crianças é uma subclasse particular de agressão sexual, referindo-se a qualquer
Abuso sexual contato sexual com criança ou adolescente abaixo da idade de consentimento. Inclui amplo
infantil espectro de crimes sexuais criminais, de incesto a pedofilia, e representa a maior porcentagem de
criminosos sexuais condenados.

Bestialidade, também conhecida como zooerastia, refere-se a qualquer ato sexual com
animal; zoofilia, ou bestialidade preferencial, refere-se a uma preferência clara por se envolver
sexualmente com animais. Em algumas jurisdições, bestialidade ou molestamento e crueldade
de animais são crimes por si só. Em outros, a bestialidade pode ser tratada como crime contra a
propriedade, e o infrator será acusado apenas de invasão.
Deve-se notar que, historicamente, a bestialidade tem sido tratada como fenômeno
Bestialidade extremamente raro, sem muitos ofensores preferenciais. Abundam os estudos de caso de
adolescentes rurais curiosos e inexperientes. No entanto, a internet oferece aos pesquisadores
ferramenta valiosa para pesquisar o assunto com mais precisão e discernimento. Por causa da
janela recente oferecida por comportamento e preferências sexuais humanas pela internet, a
bestialidade está entre os muitos tipos de crimes sexuais, os quais estão entrando em uma era de
pesquisas mais precisas. No mínimo, aprendemos que é mais comum e mais preferencial do que
foi sugerido anteriormente.

Voyeurismo é uma das muitas ofensas sexuais sem contato, como masturbação em público e
assédio sexual. Refere-se a interesse sexual ou prática de espionagem de pessoas envolvidas em
comportamentos íntimos ou privados, como despir-se, praticar atos sexuais, urinar ou defecar. Isso
inclui “perpetradores olhando pelas janelas com a esperança de ver pessoas em vários estados
de nudez; tirar fotos de outras pessoas em banheiros; e ver os outros em camarins sem o seu
conhecimento” (TORRES; VAN DER WALT, 2009, p. 459). As definições de voyeurismo no sentido
clínico não conseguiram acompanhar a cultura e a tecnologia, dada a prevalência de reality shows
de TV com temática sexual e a facilidade com que a pornografia orientada para o voyeur pode ser
Voyeurismo
vista, mesmo não intencionalmente, na internet. Nesse sentido, a proliferação de sites dedicados
explicitamente ao prazer voyeurístico criminoso e não criminoso revela que ver esse tipo de
material é amplamente atraente, tornando-o menos estatisticamente e culturalmente incomum
(ou desviante) do que se entendia anteriormente. Como acontece com a maioria dos crimes
sexuais discutidos neste capítulo, há espantosa falta de material de referência e pesquisa de
qualidade, com legislação e modelos de tratamento desenvolvidos com base em vinhetas de casos
pouco examinadas. Espera-se que, com o advento da internet e da tecnologia de comunicação
relacionada, melhores pesquisas e percepções estejam no horizonte.

65
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

Como mencionado anteriormente, fetiche sexual é a atribuição de significado erótico ou


sexual a um objeto inanimado não sexual ou a uma parte do corpo não sexual. Entre os objetos
frequentemente procurados como fetichistas estão sapatos, sutiãs, calcinhas etc. Às vezes,
na busca por objetos fetichistas, ocorre o roubo de casa quando o indivíduo procura sutiãs
ou calcinhas usadas pelas mulheres. Quando o roubo é cometido no todo ou em parte para
reunir tais itens para fins sexuais, pode ser apropriadamente referido como roubo de fetiche.
Vale ressaltar que os ladrões fetichistas preferem objetos e roupas usadas; eles não podem
simplesmente comprar perfume, roupas ou outros itens na loja para satisfazer a seus desejos
em particular. Os itens devem ter sido possuídos anteriormente, tocados ou, de outra forma,
Roubo de possuídos por alguém (geralmente uma pessoa específica) para que haja significado maior na
fetiche aquisição. No entanto, os itens levados não precisam ser sujos ou usados recentemente, já que
muitos ladrões de fetiche tiram roupas, por exemplo, diretamente de varais ou de secadores
públicos. Embora a verdadeira prevalência de roubos de fetiche seja desconhecida, como as
agências de aplicação da lei não mantêm essas estatísticas, o fetichismo em si tende a começar
durante a adolescência ou mesmo antes. Ele persiste pela maior parte da vida do indivíduo.
Frequentemente, esses indivíduos são tímidos e socialmente retraídos. Eles podem ter vergonha
da dependência de seu fetiche particular e, portanto, tentam manter seu fetiche em segredo. Tal
como acontece com a bestialidade, a janela recente oferecida ao comportamento sexual humano
e às preferências, pela internet, leva o fetichismo em todas as suas formas para uma era de
pesquisa mais precisa.

A necrofilia se refere a uma excitação sexual persistente associada com os mortos ou à atividade
sexual com os mortos. Revisão da literatura para o termo revela carência de terminologia
consistente, bem como total falta de qualquer pesquisa significativa. Em vez disso, o assunto da
necrofilia parece raramente ser abordado por profissionais legítimos e, mesmo assim, a cobertura
é fraca, desinformada e profundamente enganosa. O que se pode dizer é que os casos verificáveis
são bastante raros. Na maioria das vezes, a necrofilia entra na consciência pública por meio de uma
das seguintes formas:.
» Primeiro, muitas vezes é revelado como complemento das atividades de assassinos sexuais que
violam sexualmente os cadáveres de suas vítimas. Às vezes, isso é feito para pura gratificação
Necrofilia sexual; às vezes, é feito para humilhação motivada pela raiva do cadáver. Além disso, em
algumas jurisdições, a necrofilia é considerada fator agravante que aumenta a gravidade das
acusações criminais associadas ao homicídio.
» Em segundo lugar, a necrofilia é frequentemente revelada como parte de um escândalo
funerário, em que funcionários atuais ou ex-funcionários cometeram atos sexuais em corpos sob
seus cuidados. Certamente, existem outros casos, mas esses são os mais comumente relatados.
Embora atualmente a necrofilia seja considerada um desvio de perspectiva legal como parte dos
estatutos de “abuso de um cadáver”, algumas pessoas não estão satisfeitas com a leniência das
sentenças resultantes.

Em muitas jurisdições, é crime oferecer dinheiro para sexo, receber dinheiro para sexo, transportar
pessoas para fins de prostituição (também conhecido como tráfico) ou viver dos ganhos de uma
prostituta. Em outras palavras, muitas vezes é crime ser prostituta, solicitar os serviços de uma
prostituta, traficar prostitutas ou “cafetá-las”. Isso não é universal, pois existem formas legalizadas
de prostituição em muitos países, geralmente restritas a determinada área. Isso não quer dizer que
todos concordem com a prostituição ou com o uso dos serviços de prostitutas, mas sim que ela é
Prostituição/ claramente aceita e incentivada por muitos. É até uma característica do recrutamento em alguns
casos. Não há como negar isso, pois a evidência existe e existe há gerações. A única questão é
solicitação/
o que isso significa. Embora seja mais do que justo classificar a constelação de crimes sexuais
tráfico sexual associados à prostituição como desviantes da perspectiva legal, é difícil classificá-los como
desviantes da perspectiva ideológica. Existem várias razões para isso, a saber:
» Primeiro, eles são amplamente prevalentes, implicando ampla aceitação por grandes setores da
sociedade.
» Em segundo lugar, as graves consequências negativas para os envolvidos e para a sociedade em
geral são amplamente ignoradas, quase sem protestos públicos.

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Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

» Terceiro, muitos dos responsáveis ​​pela aplicação da lei aplicam de forma seletiva os estatutos
da prostituição. A aplicação da lei geralmente está ciente de onde ocorre a prostituição e quem
está envolvido, mas não está disposta a fazer prisões devido à falta de recursos e à motivação
pública insuficiente.
» Em quarto e último lugar, a constelação de crimes sexuais associados à prostituição é
tacitamente aceita por muitos governantes e militares que apoiam, encorajam e, em última
análise, dependem dos serviços de prostitutas.

De acordo com pesquisa e revisão da literatura conduzida por alguns pesquisadores, em 2004,
três fatores são associados às preferências sexuais dos estupradores. Eles são descritos como:
ambiente familiar sexualmente impróprio, uso de pornografia durante a infância e adolescência e
fantasias sexuais desviantes durante a infância e adolescência. Um ambiente familiar sexualmente
impróprio refere-se àquele que envolve os seguintes aspectos: testemunhar comportamento
Questões de incestuoso dentro da família; ser vítima de comportamento incestuoso; e testemunhar sexo
desenvolvimento promíscuo dentro da família.
A convergência dessas circunstâncias cria uma base perfeita para o desenvolvimento e a nutrição
de preferências sexuais desviantes por meio de modelagem e aprendizagem vicária. Essas
preferências são, então, reforçadas por ciclo de fantasia, uso de pornografia ou “adereços” sexuais
e gratificação física e liberação química alcançada durante a masturbação. Deve-se notar que esse
ciclo recapitula como os comportamentos não criminosos também são desenvolvidos e nutridos.

Há muito mais agressores sexuais masculinos do que femininos, e os homens são muito mais
agressivos. No entanto, deve-se admitir que os valores culturais têm desempenhado um papel aqui.
As mulheres são tradicionalmente vistas como vítimas, e os homens são tradicionalmente vistos
como agressores. Essa generalização colore e contextualiza tudo sobre o estudo do crime sexual.
Se um homem, ao passar por um apartamento, observar uma mulher se despindo diante da janela,
será preso como observador. Se uma mulher parar para ver um homem se despindo diante da janela,
o homem será preso como exibicionista. A essência da questão é simplesmente que as mulheres
são menos propensas a comportamentos que ofendam a sociedade, e a sociedade se recusa a se
ofender com atos cometidos por mulheres, os quais, se cometidos por homens, acarretariam prisão
e condenação. Embora esses cenários sejam certamente verdadeiros nas circunstâncias certas,
também é verdade que o agressor sexual feminino não é tão raro quanto os proverbiais dentes de
galinha. O abuso sexual tem sido historicamente visto como crime masculino contra mulheres,
Ofensoras crianças e adultas, em que os homens cometem aproximadamente 95% dos crimes sexuais nos
sexuais Estados Unidos. A resistência cultural tem dificultado a identificação de crimes sexuais cometidos
femininas por mulheres. Embora casos de abuso sexual de crianças, praticados por mulheres, tenham sido
documentados desde os anos 1930, as mulheres agressoras sexuais permaneceram bem escondidas.
Em casos de abuso sexual feminino, ou o abuso não é descoberto por muitos anos ou, se descoberto,
é rejeitado ou desacreditado. Foi apenas a partir de meados da década de 1980 que uma pequena
amostra de agressores sexuais do sexo feminino foi descrita na literatura científica; somente a partir
da década de 1990 esse grupo foi estudado de forma mais sistemática. Historicamente, esses crimes
foram subnotificados e não identificados pelas vítimas e facilmente dispensados por adultos.
O abuso sexual por mulheres tende a ser minimizado e justificado como extensão do papel de
nutrir da mulher, em vez de prejudicial ou agressivo. Tudo isso se combina para demonstrar que
os agressores sexuais do sexo feminino são historicamente mal compreendidos, amplamente
subnotificados, visto que homens e mulheres desempenham papéis de gênero (seja experimentando
vitimização, seja participando de um júri ou conduzindo pesquisas sexuais) e são cada vez mais
comuns no sistema de justiça criminal conforme a sociedade adquire consciência.

A tecnologia não causa crimes sexuais, mas pode facilitar isso; a tecnologia é moralmente neutra.
Uma pistola, um spray de pimenta e um conjunto de algemas fixadas no cinto de um policial servem a
um propósito, enquanto as mesmas ferramentas, no kit de um estuprador, podem servir a outro.
Crimes sexuais
Um banco de dados pesquisável de nomes, endereços e e-mails é uma coisa para um velho amigo
e tecnologia de
da faculdade, outra coisa para um vendedor, e outra para um criminoso sexual. A tecnologia da
comunicação computação, a internet e os mundos virtuais são praticamente iguais a qualquer outra ferramenta ou
ambiente –prontos para serem abusados por aqueles com intenções criminosas. Qualquer outra visão
tende a remover a responsabilidade pessoal em favor de culpar algo externo pelas escolhas criminosas.

67
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

Não faltam aqueles que desejam usar a internet e as tecnologias de comunicação relacionadas
para a exploração sexual de várias populações de vítimas. As novas tecnologias de comunicação
e informação criaram uma revolução global nas comunicações, no acesso à informação e na
distribuição de mídia. Essas novas tecnologias de comunicação e informação estão facilitando
a exploração sexual de mulheres e meninas em âmbito local, nacional e transnacional. A
exploração sexual de mulheres e crianças é uma crise global de direitos humanos, a qual está
Mundos sendo agravada pelo uso de novas tecnologias. Usando novas tecnologias, predadores sexuais e
virtuais e cafetões perseguem mulheres e crianças. Novas inovações técnicas facilitam a exploração sexual
exploração de mulheres e crianças, porque permitem que as pessoas comprem, vendam e troquem facilmente
milhões de imagens e vídeos de exploração sexual de mulheres e crianças. Essas tecnologias
permitem que os predadores sexuais prejudiquem ou explorem mulheres e crianças de forma
eficiente e anônima. A acessibilidade e o acesso às tecnologias de comunicação globais permitem
que os usuários realizem essas atividades na privacidade de suas casas. O aumento de tipos de
mídia, formatos de mídia e aplicativos diversifica os meios pelos quais os predadores sexuais
podem alcançar suas vítimas.

Fonte: adaptada de Turvey, 2012a, pp. 487-503.

68
CAPÍTULO 2
Psicologia e psiquiatria forense
com exemplos de casos

Psicologia e psiquiatria forense


Psicologia e psiquiatria são dois campos intimamente relacionados, mas têm algumas
diferenças importantes. Ambos os campos contam com as ciências comportamentais.
Os psiquiatras são médicos que se especializaram em psiquiatria depois de concluírem a
faculdade de medicina. Eles podem avaliar pacientes, diagnosticar doenças (psicológicas e
médicas) e prescrever medicamentos. Os psicólogos são médicos no âmbito de doutorado.
Eles estudaram psicologia e têm vários níveis de treinamento na realização de pesquisas.
Eles também são qualificados para executar e interpretar medidas psicológicas, como
avaliações de personalidade, testes de inteligência e testes neuropsicológicos. Existem
profissionais em psiquiatria forense e psicologia que ganharam sua especialização por meio
da experiência, mas atualmente há expectativa de que alguém tenha educação e treinamento
avançados para se qualificar como especialista nessas áreas (McGRATH; TORRES, 2012).
No trabalho forense, ainda de acordo com Mcgrath e Torres (2012), o cliente pode
ser o tribunal (para avaliação ordenada pelo tribunal) ou pode ser um dos advogados
(contrata-se um especialista para realizar a avaliação de determinado indivíduo).
A pessoa (um réu) avaliada no contexto forense pode se recusar a cooperar, e o psicólogo
ou o psiquiatra forense podem ter de completar a avaliação com base apenas em
informações colaterais, embora isso não seja comum. Informações colaterais confiáveis
são importantes em avaliações clínicas e forenses e são essenciais em avaliações forenses.
Uma armadilha para o clínico é desempenhar funções tanto terapêuticas quanto forenses
com a mesma pessoa. As diretrizes éticas geralmente recomendam evitar tal cenário.
É difícil, ou impossível, manter uma mentalidade objetiva quando você teve, ou tem,
um relacionamento contínuo com uma pessoa que tem interesse na opinião de um
especialista. Por exemplo:
» Como um psiquiatra pode manter a neutralidade objetiva ao avaliar seu
próprio paciente quanto a danos psicológicos quando sabe que o paciente
está em apuros financeiros?
» Como um clínico pode fornecer terapia contínua para alguém que pode
manter sintomas (consciente ou inconscientemente) que podem acarretar
ganhos financeiros em ação judicial pendente em que ele ou ela é testemunha
especialista do paciente?

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Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

Esses conflitos éticos devem ser reconhecidos e resolvidos, conforme ressalta Mcgrath
e Torres (2012). Os profissionais de saúde mental forense podem realizar avaliações
em casos civis e criminais. Os casos civis envolvem questões relacionadas a bens ou
atos ilícitos (lesões ou alguma outra perda que possa ser resolvida por meio de ação
judicial). Algumas avaliações envolvem avaliações de risco e da custódia dos filhos, por
exemplo. Os casos criminais, por outro lado, são aqueles que envolvem ato criminoso.
Algumas avaliações criminais comuns são responsabilidade criminal no momento da
ofensa (sanidade) e competência para comparecer a julgamento.

Insanidade e competência para ser julgado

A incapacidade de ser julgado costuma ser equiparada à insanidade,. A competência


para comparecer a julgamento está relacionada à capacidade atual do réu de compreender
sua situação jurídica (por exemplo, acusações, resultados possíveis) e de auxiliar um
advogado em sua defesa. Insanidade (ou responsabilidade criminal) está relacionada
ao estado mental do réu no momento da ofensa. Existem diferentes padrões em
diferentes jurisdições, mas geralmente uma pessoa precisa ser capaz (no momento do
crime) de entender que o que ela estava fazendo era errado ou contra a lei. Muitos
presumem que uma doença mental grave torne a pessoa incompetente ou insana,
mas também não é o caso. Embora doença mental grave (como esquizofrenia ou
transtorno bipolar) ou defeito mental (como retardo mental ou trauma cerebral) seja
pré-requisito, tal transtorno deve, então, causar incapacidade de atender aos critérios
legais de competência para ser julgado ou de responsabilidade criminal. Comumente,
acredita-se que alguém que foi absolvido por motivo de insanidade “escapou impune”
(McGRATH; TORRES, 2012).
Na realidade, a defesa contra insanidade raramente é usada e ainda mais raramente é
bem-sucedida. Quando isso resulta em absolvição, o indivíduo geralmente é encaminhado
a estabelecimento seguro de saúde mental. Ainda segundo os autores supracitados, é
fato bem conhecido nos círculos jurídicos que os indivíduos que alegam insanidade
com sucesso são geralmente hospitalizados (mantidos em estabelecimento de saúde
mental) por muito mais tempo do que teriam sido encarcerados se tivessem alegado
ou sido condenados no julgamento.

Exemplo de caso: Andrea Yates

O caso de Andrea Yates é bem conhecido, tanto por causa dos aspectos psiquiátricos
quanto por causa das questões relacionadas com o testemunho psiquiátrico. É ilustrado
de características típicas e atípicas relacionadas à avaliação de saúde mental forense.

70
Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

Yates era mãe de cinco filhos, com idades entre 6 meses e 7 anos. Ela sofria de depressão
(que se acredita ser depressão pós-parto) e psicose há algum tempo; havia sido tratada
com medicamentos antipsicóticos e antidepressivos. Em 1999, ela havia tentado suicídio
por overdose, tomando os medicamentos de seu pai.

Em março de 2001, seu pai faleceu. Parece que ela começou a piorar a partir de
então. Ela foi hospitalizada e liberada para atendimento ambulatorial pouco antes dos
homicídios. Dois dias antes dos assassinatos, foi vista por seu psiquiatra, que diminuiu
sua medicação antidepressiva, mas a impediu de tomar antipsicóticos. Em 20 de junho
de 2001, depois de seu marido sair para trabalhar, Yates metodicamente afogou seus
cinco filhos. Então, ligou para o 911, para relatar o que tinha feito, e para o marido
no trabalho.

Yates foi levada sob custódia, e o juiz emitiu ordem de silêncio sobre o caso. Yates disse
aos examinadores que acreditava não ser uma boa mãe, que a marca do diabo estava
escondida sob seus cabelos e que seus filhos sofreriam no inferno. No momento de sua
prisão e encarceramento, o psiquiatra da prisão relatou que Yates não tinha nenhuma
percepção de sua doença mental; estava “profundamente” deprimida e psicótica (sem
contato com a realidade). Por exemplo, ela achava que os desenhos animados que seus
filhos assistiam ‘estavam enviando mensagens para eles’.

Andrea Yates relatou ao psiquiatra que começou a ouvir vozes após o nascimento de
seu primeiro filho. Ela também disse que ouviu rosnados e relatou “sentir” que estava
na presença de Satanás. Além disso, argumentou que as crianças não estavam bem
(espiritualmente) e que a culpa era dela. Ela estava convencida de que eles estavam
condenados a sofrer no ‘fogo do inferno’. O psiquiatra teve a impressão de que Yates
estava alucinando (ouvindo vozes) durante a entrevista.

Yates acreditava que seus filhos seriam atormentados e morreriam no fogo do inferno
se não fossem mortos. Yates foi diagnosticada com depressão maior, com características
psicóticas, com início pós-parto (psicose pós-parto). O psiquiatra da prisão informou
durante o julgamento que Andrea Yates foi a paciente mais doente que ela já tratou.
Um psicólogo realizou testes neuropsicológicos em Yates enquanto ela estava
encarcerada. A opinião do psicólogo foi que ela sofria de esquizofrenia e transtorno
depressivo comórbido.

Em caso de destaque como esse, questões relacionadas à competência para ser julgado
rapidamente vêm à tona, e a defesa moveu-se para que Yates fosse considerada
incompetente. Em setembro de 2001, um júri deliberou mais de dois dias, depois de

71
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

ouvir o depoimento de especialistas de defesa e promotoria, para determinar se Yates


tinha “um entendimento racional e factual dos processos contra ela” e a capacidade de
trabalhar com seus advogados. O júri considerou Yates competente para prosseguir
com o seu caso legal. Um júri diferente ouviria mais tarde o caso criminal. Parecia não
haver dúvida de que Yates estava psiquiatricamente muito doente. A questão para o
tribunal era se ela atendia aos critérios da lei do Texas para uma defesa por insanidade.
O estatuto do Texas exige que a pessoa (como resultado de doença mental grave) não
soubesse que o que estava fazendo era errado no momento em que o fez.

A ex-enfermeira Andrea Yates foi presa, em 20 de junho de 2001, após ligar para a
polícia de Houston e relatar que havia afogado seus quatro filhos e sua filha na banheira.
Yates é retratada aqui com seus filhos e marido, Rusty Yates:

Figura 1. Ex-enfermeira Andrea Yates e sua família.

Fonte: Mcgrath; Torres, 2012, p. 104.

Vários especialistas em defesa testemunharam que, em sua opinião, Yates era incapaz
de distinguir o certo do errado no momento em que matou seus filhos. Yates foi
condenada por assassinato capital na morte de três de seus filhos e sentenciada à prisão
perpétua. Um recurso foi interposto em 6 de janeiro de 2005, e a Primeira Corte de
Apelações do Texas anulou sua condenação. Após novo julgamento, em 26 de julho
de 2006, Yates foi declarada inocente por motivos de insanidade pelas mortes de três
de seus filhos, Noah, John e Mary.
72
Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

Exemplo de caso: Jeffrey Dahmer

Em alguns casos, profilers treinados pelo FBI entraram na água da avaliação de saúde
mental forense. Um dos primeiros casos registrados, e certamente um dos mais notórios,
foi o de Jeffrey Dahmer. Esse caso envolveu profissionais de saúde mental e perfis do
FBI. Em 22 de julho de 1991, policiais prenderam Jeffrey Dahmer. Um homem algemado
escapou do apartamento de Dahmer e foi localizado por dois policiais de Milwaukee.

Ao ser interrogado, o homem relatou encontro com um homem que o deixou muito
desconfortável e deu à polícia o endereço do apartamento. Jeffrey Dahmer abriu a
porta. Fotos de corpos e partes do corpo (incluindo cabeças) foram encontradas no
apartamento. A investigação subsequente revelou uma onda de mortes de 13 anos.
Dahmer matou 17 vítimas entre 1978 e 1991. Seu modus operandi era convidar homens
ou meninos homossexuais para seu apartamento e drogá-los. Quando eles estavam
incapacitados, Dahmer os estrangulava. Ele relatou ter feito sexo com alguns corpos
e, ocasionalmente, ter comido partes do corpo.

Dahmer decidiu declarar-se culpado, mas insano (disponível na lei de Wisconsin),


e foi a julgamento. Ele foi considerado culpado em 1992 e condenado a 15 penas
consecutivas de prisão perpétua. Em novembro de 1994, enquanto Dahmer estava
na prisão, outro recluso o matou. No julgamento de Dahmer, especialistas de defesa e
acusação ofereceram opiniões sobre sua sanidade. A insanidade era difícil de vender,
pois Dahmer não tinha doença mental diagnosticável grave (no âmbito de psicose),
apesar da natureza bizarra de seus crimes.

Embora Dahmer tenha, inicialmente, entrado com confissão de inocente por motivo
de insanidade, ele mudou para confissão de culpado, mas insano. Um não culpado por
motivo de julgamento de insanidade é uma absolvição; um julgamento culpado, mas
insano, é veredicto de culpado. Consequentemente, isso resultaria no cumprimento
da pena de Dahmer em instalação psiquiátrica sob a jurisdição do departamento de
correções em Wisconsin. Uma vez “curado” (não exigindo hospitalização psiquiátrica),
ele seria enviado para prisão regular.

Como mencionado anteriormente, um ex-criador de perfis do FBI avaliou Dahmer


para a defesa. Foi um cenário essencialmente desconhecido antes do julgamento de
Dahmer. Robert Ressler, um dos membros mais notáveis da Unidade de Ciência
Comportamental do FBI, havia-se aposentado do FBI em 1990. Em uma de suas
memórias de coautoria, I Have Lived in the Monster, ele descreve sua entrevista/avaliação
de Dahmer. O resultado da avaliação da condição mental de Dahmer foi relevante para

73
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

a confissão de Dahmer como culpado, mas insano, e deveria ter sido conduzido por
psiquiatra qualificado ou psicólogo.

O tribunal rejeitou o argumento de insanidade de Jeffrey Dahmer. Em 28 de novembro


de 1994, outro recluso, no Columbia Correctional Institute, em Wisconsin, assassinou
Dahmer.

Figura 2. Jeffrey Dahmer – Condenado a 15 sentenças consecutivas de prisão perpétua, em 17 de fevereiro de 1992.

Fonte: Mcgrath; Torres, 2012, p. 107.

O ponto importante é que Ressler, que não é psicólogo nem psiquiatra, parecia
disposto a oferecer o que acreditava ser uma opinião de especialista quanto à
responsabilidade de Dahmer na prática de seus crimes. Além do fato de que Ressler
se baseou em dicotomia que nunca foi validada e é essencialmente inútil de qualquer
perspectiva, investigativa ou científica, ele atribuiu significado psicolegal com certeza
implícita aparente a uma ferramenta investigativa. Entretanto essa não é uma prática
aceitável.

Exemplo de caso: O. C. Smith

O dr. O. C. Smith era um médico conhecido localmente e, em certa época, foi o


legista do Condado de Shelby, Tennessee. O dr. Smith deixou o trabalho em 1º de
junho de 2002, um sábado à noite, e foi encontrado várias horas depois por um
guarda de segurança. O médico foi amarrado com arame farpado a uma grade de
janela, em uma escada externa, e tinha dispositivo explosivo em volta do pescoço.
74
Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

Ele também teve queimaduras químicas em partes do rosto devido a um material


cáustico supostamente jogado pelo agressor. Afirmou ter sido atacado por um
homem e amarrado com arame, como se tivesse sido crucificado. O homem falou
rapidamente com ele e saiu: “Empurre, puxe, torça e você morre. Bem-vindo ao
corredor da morte”.

Um esquadrão antibombas removeu o dispositivo. Eles determinaram que o dispositivo


era real e poderia ter explodido. A polícia local, o Bureau de Álcool, Tabaco e Armas
de Fogo (ATF) e o FBI realizaram, cada um, sua própria investigação do caso.
Esse nível de interesse surgiu, em parte, porque, três meses antes, outro artefato
explosivo havia sido deixado em um corredor do prédio onde o dr. Smith trabalhava.
Além disso, um ano antes, uma carta havia sido enviada ao gabinete do procurador do
distrito ameaçando o referido médico. No entanto, no início da investigação sobre o
ataque ao dr. Smith, os investigadores federais estavam formando a opinião de que ele
não estava dizendo a verdade. O caso do dr. O’Brien C. Smith (Figura 3) é interessante
em vários aspectos.

» Em primeiro lugar, apresenta dilema investigativo: o médico foi uma vítima


ou um mentiroso?

» Em segundo lugar, sem realmente ter entrevistado o dr. Smith, um psiquiatra


forense tentou apresentar testemunho, no julgamento, de que o médico
sofria de doença mental, cujo diagnóstico consistia em querer ser vítima
de um crime.

» Terceiro, um ex-criador de perfis do FBI apresentou relatório para a acusação


em que parecia ter chegado perto de oferecer opinião psicológica.

Conforme observado, os investigadores federais duvidaram da história do dr. Smith


por várias razões. Por um lado, embora um produto químico cáustico tenha sido jogado
em seu rosto, não atingiu seus olhos. Além disso, embora o arame farpado tenha
sido enrolado várias vezes ao redor do rosto e da cabeça do dr. Smith, os ferimentos
eram limitados. Além disso, os investigadores desconfiavam de sua alegação de ter
sido derrotado, especialmente quando ele era conhecido por carregar uma arma de
fogo na ocasião. Por outro lado, não havia dúvida de que o dispositivo preso a seu
peito era um explosivo vivo e poderia ter explodido. Smith foi preso por mentir
às autoridades federais e por posse ilegal de dispositivo explosivo. Eles avançaram
com as acusações no tribunal federal. Em última análise, as autoridades locais não
fizeram essas acusações.

75
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

Figura 3. Dr. O. C. Smith fotografado enquanto recebia atenção médica na noite em que foi encontrado, em 2002.

Fonte: Mcgrath; Torres, 2012, p. 108.

O dr. Park Dietz apresentou um relatório ao gabinete do procurador-geral e estava


preparado para testemunhar para a acusação. Em sua opinião, o dr. Smith sofria de
doença mental reconhecida pelo dr. Dietz –transtorno de vitimização factícia. Embora
outros tenham usado o termo “vitimização factícia”, ele teve uso limitado no contexto
de ser uma doença mental diagnosticável.

76
CAPÍTULO 3
Criação de perfis, psicologia
e psiquiatria forense

Psicólogos forenses e psiquiatras como criadores


de perfis
Determinar o perfil do criminoso, como praticado por muitos, é considerado mais arte
do que ciência. É claramente uma coleção de proficiências, com poucos profissionais
envolvidos em perfis criminais em tempo integral. É mais bem considerado um
aspecto da prática de um indivíduo equilibrado. Um aspecto significativo do perfil do
crime é o conhecimento do comportamento humano e a habilidade de interpretar seu
significado, embora a maioria dos criadores de perfil não tenha formação formal ou
formação em ciências comportamentais (McGRATH; TORRES, 2012).

Na verdade, a polícia muitas vezes olha com desconfiança ao incluir um psicólogo ou


psiquiatra em uma investigação, delegando seu envolvimento como penúltimo recurso;
os paranormais geralmente ocupam o nicho de último recurso. Psicólogos forenses e
psiquiatras têm compreensão e treinamento únicos em processos mentais, fisiologia,
pensamento, comportamento humano e psicopatologia. Por causa disso, ainda segundo
McGrath e Torres (2012), os profissionais de saúde mental forense podem estar
bem posicionados para adquirir mais educação relacionada a investigações e ciências
forenses, o que lhes permitiria revisar as evidências disponíveis e oferecer avaliação
informada (perfil criminal) do tipo de indivíduo que pode cometer determinado ato
criminoso. Cabe a eles, assim como a todos os profissionais, não exagerar ou ir além
do que as evidências permitem.

O criador de perfil treinado em comportamento pode oferecer conselhos investigativos,


incluindo estratégias proativas e, às vezes, estratégias de entrevista, no caso de o
infrator ser capturado. A menos que as estratégias sejam formuladas cuidadosamente,
em algumas circunstâncias esse último papel pode infringir a ética profissional.
O profiler treinado comportamentalmente, ainda de acordo com os autores supracitados,
também pode ser utilizado no âmbito de teste para informar a estratégia legal. Para
criar um perfil competente, psiquiatra ou psicólogo forense precisam ter experiência
adequada à avaliação de criminosos a fim de obter conhecimento aplicado de indivíduos
antissociais, especialmente aqueles que se enquadrem na categoria de desvio sexual e
criminosos sexuais.
77
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

Psicólogos e psiquiatras podem ter muito a oferecer quando tomam o cuidado de limitar
a contribuição investigativa a opiniões sustentáveis e evitar a mera especulação; insights
investigativamente relevantes devem ser o objetivo da consulta, não a compilação
de conjecturas psicodinamicamente interessantes, mas, em última análise, inúteis.
A psiquiatria forense e a psicologia forense compartilham várias características com
o perfil do infrator, conforme apresentado na Tabela 6:

Tabela 6. Psiquiatria, psicologia forense e perfil do infrator.

A psiquiatria forense, a psicologia forense e o perfilamento podem ser baseados em princípios


científicos, mas a aplicação real de habilidade, educação, treinamento e experiência para um
caso específico é uma arte. Ao avaliar uma pessoa em ambiente forense, o psicólogo ou psiquiatra
confiam na ciência da área (critérios diagnósticos, teorias de comportamento etc.). A aplicação
dessa base científica depende da habilidade do praticante; por sua vez, a habilidade do praticante
A prática é
depende de educação, treinamento e experiência da pessoa. Não deveria ser diferente com um
uma arte criador de perfis criminais. Embora aceite que a prática de um campo seja uma arte, confiar no
conhecimento experiencial de alguém, na ausência de mentalidade ou abordagem científica,
abre a porta para o erro. Por exemplo, não faz muito tempo que aprendemos que o Sol girava em
torno da Terra ou que havia dicotomia “organizado/desorganizado” que ajudava a determinar as
características dos assassinos em série.
Habilidades de pensamento crítico são extremamente importantes para os três campos. Deve-
se estar disposto a questionar todos os aspectos de um caso. O criador de perfil não deve
simplesmente revisar relatórios ou informações para inclusão em seu perfil, mas deve revisar
criticamente os dados, garantindo que os resultados ou as inferências sejam razoáveis e apoiados
pelas evidências. Não se pode presumir os fatos de um caso. Deve-se estar disposto a questionar
os “fatos” fornecidos e as evidências conforme necessário. Se o criador de perfil perguntar
Necessidade
a um investigador se a vítima tinha outro fator significativo e a resposta for que o outro fator
de pensamento
significativo já foi considerado e “liberado”, o criador de perfil deverá perguntar em que base e
crítico avaliar, para sua própria satisfação, se o SO está claro. Se o investigador estiver incomodado com
essa abordagem, os autores devem sugerir que não desejam os serviços de um criador de perfis
qualificado. Incrivelmente, os criadores de perfil do FBI, fazendo análise equívoca da morte na
explosão do USS Iowa, declararam a um comitê do Congresso, que estavam empenhando esforços
em uma investigação fracassada, já que não era comum de suas práticas examinar criticamente
informações fornecidas a eles por terceiros.
O criador de perfil/psiquiatra/psicólogo deve (idealmente) trabalhar em conjunto, mas
independentemente, com a agência que o contratou. A pressão sutil para encontrar o que o cliente
deseja precisa ser escrupulosamente resistida. Os resultados de não seguir isso devem ser
óbvios. Um exemplo trágico de pressão interna foi o impasse do Branch Davidian em Waco, Texas.
Nesse cenário, um criador de perfil do FBI foi pressionado a mudar sua avaliação de como David
Análise
Koresh responderia a várias táticas de cerco. O criador de perfil recomendou negociar com Koresh
independente enquanto os supervisores favoreciam “pressão tática” no complexo. Depois de ser informado de
que seus memorandos alertando contra abordagem agressiva estavam “amarrando suas mãos”,
ele escreveu outro memorando apoiando estratégia mais agressiva. Esse memorando foi parte do
argumento para utilizar um ataque de gás no complexo, que resultou em perda significativa de
vidas.
Obviamente, ter acesso a todos os dados disponíveis contribuirá para opinião mais informada. Assim
como o psiquiatra ou psicólogo forense desejará revisar todos os registros disponíveis e entrevistar
Revisão de o réu em processo criminal antes de formar uma opinião, o criador de perfil desejará visitar a cena
todos os dados do crime (se possível) e revisar todos os dados disponíveis relacionados à vitimologia, à perícia
disponíveis e às evidências. Se, por algum motivo, isso não for possível, a omissão e os motivos deverão ser
claramente elucidados no relatório. Todas as partes envolvidas devem ser claramente informadas
sobre o que foi feito, o que não foi feito e o porquê.

78
Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

Assim como um psicólogo/psiquiatra forense não deve formar opinião com base apenas em sua
Confiança experiência, o criador de perfil precisa ter o cuidado de fazer inferências a partir dos dados do caso
nos fatos de em questão. O psiquiatra ou psicólogo forense não faria diagnóstico com base em um sintoma, não
caso ou casos importa quantas vezes possa ter visto o sintoma em determinado diagnóstico. De maneira análoga, o
específicos fato de a maioria dos homicídios ser intrarracial pouco diz a um profiler em caso específico, a menos
que haja outros indicadores relevantes para a raça.
Psiquiatras forenses, psicólogos ou criadores de perfis podem ser defensores de suas opiniões,
mas não devem defender nenhum dos lados em arena adversarial (legal) ou mesmo no âmbito
Necessidade
investigativo. Não é função do criador de perfil ajudar um lado específico a prevalecer ou ajudar
de evitar
uma entidade específica a provar algo. O único dever do criador de perfil é apresentar opiniões
advocacy consistentes com os fatos do caso. Abundam as pressões sutis para assumir uma posição de
advocacy, e a melhor defesa é a conscientização.
O psiquiatra ou psicólogo podem diagnosticar doença mental e prescrever tratamento. Em
alguma data posterior, o médico poderia ser questionado em tribunal, durante ação judicial ou
ação criminal não relacionada ao tratamento, sobre qual era o diagnóstico. O praticante deve
considerar o contexto. Se depor como testemunha de fato, dará o diagnóstico no prontuário médico.
Se testemunhar como perito, o médico deverá responder que não tem opinião forense, pois o
Diferenças
paciente nunca foi examinado para depor tribunal. A avaliação do paciente seria (e deveria) ser
contextuais marcadamente diferente nos dois contextos (tratamento versus forense). O criador de perfil precisa
entender a diferença entre renderizar um perfil investigativamente útil e um perfil que atenda a
um limite de nível de tribunal, transmitindo valor probatório. É impróprio oferecer perfil criminal
desenvolvido para fins investigativos em tribunal e sugerir que ele atenda aos padrões de um
processo judicial, a menos que o perfil tenha sido desenvolvido inicialmente para esse padrão.
Tanto o perfil quanto a prática psiquiátrica ou psicológica forense precisam ser realizados de maneira
ética. Os profissionais dessas áreas precisam tomar os devidos cuidados para que outros não usem
indevidamente seu produto de trabalho e não representem de maneira materialmente falsa sua
experiência. Além disso, o criador de perfil precisa entender que seu perfil não pode e não deve ser
Prática ética usado para indicar a culpa de determinado indivíduo. Se for questionado se uma pessoa específica
“se encaixa” em um perfil, será razoável fazer tal indicação, mas deve esclarecer que “encaixar” perfil
não é a mesma coisa que fazer identificação. O padrão não é diferente do padrão para um criminalista
que oferece opinião de que dois fios de cabelo são uma “combinação”. Não tentar adicionar o que uma
“correspondência” significa de uma perspectiva científica é enganar o júri.
Um psiquiatra ou psicólogo forense que gostaria de buscar perfis como parte de seu repertório
profissional precisaria ter experiência adequada na avaliação de criminosos para obter
O que um conhecimento aplicado de indivíduos antissociais, especialmente aqueles que se enquadrem na
psiquiatra categoria de desvio sexual e criminosos sexuais. Precisaria obter conhecimento extra nas ciências
forenses e em questões investigativas para ser capaz de entender o que será e o que não será útil
ou psicólogo
para o investigador no campo. Os caminhos que alguém pode seguir para obter tal conhecimento
forense
são variados e não existe currículo acordado. Quantidade significativa de trabalho pode ser
precisa para realizada por meio da leitura de textos aplicados e dos cursos disponíveis on-line, em faculdades e
traçar perfil universidades, e por meio de organizações profissionais. Uma ressalva é que o praticante precisará
competente? usar suas habilidades de pensamento crítico para eliminar cursos ou programas duvidosos. Fazer
curso de criação de perfil, de um dia, com alguém que afirma que você aprenderá o que precisa
saber para criar perfil competente, provavelmente não ajudará em nada.
Um psicólogo forense ou psiquiatra que atua como criador de perfis pode consultar autoridades
policiais, promotores ou advogados de defesa sobre questão específica relacionada à definição de
perfis ou em “caso arquivado”. Também pode atuar como parte de equipe multidisciplinar (criador
Papel do
de perfis + investigadores + cientistas forenses) envolvida em investigação atual. O psiquiatra/
psicólogo
psicólogo-profiler pode fornecer interpretações investigativamente relevantes relacionadas aos
forense ou comportamentos da cena do crime e à vitimologia, com a palavra-chave sendo “relevante”. Opinar
psiquiatra que a mutilação vaginal é uma tentativa inconsciente, por parte do assassino, de voltar ao útero
como criador pode atender às necessidades do profiler, mas não é provável que seja de muita ajuda para o
de perfil investigador que está tentando resolver o crime. Em contraste, inferir (se garantido) que a castração
de um menino em agressão sexual foi tentativa de desfazer ato homossexual, transformando o
menino em menina, pode economizar o tempo dos investigadores, evitando que se concentrem em

79
Unidade IV | Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense

homossexuais declarados como suspeitos. O psiquiatra forense/psicólogo-profiler pode


servir como consultor para outros profilers, reivindicando experiência adicional nas ciências
comportamentais, assim como um profiler mais proficiente nas ciências forenses pode entreter
na área de especialização do psiquiatra. Um psiquiatra/psicólogo forense também pode educar
outros criadores de perfis não psiquiátricos sobre as armadilhas psiquiátricas da criação de perfis
(discutidos a seguir). Por último, o psiquiatra/psicólogo forense pode atuar como pesquisador,
usando seu conhecimento das ciências do comportamento como nexo para a pesquisa em perfis de
infratores aplicados, uma área até agora negligenciada por todas as disciplinas.
Armadilhas
Qualquer que seja o histórico educacional e de treinamento do criador de perfil, existem certas
psicológicas
questões ou problemas dos quais ele deve estar ciente e fazer esforços para evitar ou minimizar seu
e criador de efeito no produto de trabalho.
perfil
Os criadores de perfis, como todos os outros seres humanos, estão sujeitos a preconceitos, tanto
conscientes quanto inconscientes. Seja por não gostar de pedófilos, seja por não gostar de homens
que abusam fisicamente de mulheres, é preciso estar atento para não permitir que preconceitos
pessoais influenciem um perfil. A questão não é que precisamos acabar com todos os sentimentos
Tendência
negativos, mas sim que precisamos de perspectiva madura, minimizando o número de noções
preconcebidas (mal concebidas?). Pode-se ver as fotos da autópsia de um cadáver mutilado e
exclamar que o autor do crime está doente, mas isso não é útil para a investigação e pouco contribui
para colocar o criador de perfil na mente do agressor.
Transferência é um termo psicanalítico para o fenômeno que ocorre quando um paciente se
relaciona com um terapeuta de maneira que imita outros relacionamentos do passado do paciente.
Um exemplo é quando um paciente do sexo masculino interage com um terapeuta como se ele fosse
o pai do paciente. Contratransferência é o termo para um fenômeno semelhante ( os sentimentos
que o paciente evoca no terapeuta). Em sentido menos formal, pode-se falar sobre transferência
em outras situações, embora psiquiatras e psicólogos discutam os detalhes. Os autores sugerem
que é possível para um profiler experimentar transferência em um caso (como poderia acontecer
Transferência com qualquer pessoa na equipe de investigação ou jurídica). Em outras palavras, o criador de
perfil pode reagir inconscientemente a um caso com base em alguma faceta que o atinja. Essa
ênfase injustificada pode afetar o julgamento do criador de perfil e a direção de perfil resultante.
O problema pode estar relacionado ao material de caso anterior ou a aspectos da vida pessoal do
criador de perfil. Por exemplo, o criador de perfil pode ter tido um relacionamento ruim com seu
pai e, inconscientemente, supor que o agressor em um caso seja um homem, mesmo que não exista
evidência para indicar o sexo. A necessidade inconsciente é de punir o pai, mas isso é jogado no
produto de seu trabalho.
“Projeção” é um termo psicanalítico para atribuir a outros pensamentos, sentimentos ou motivos
de si mesmo. Por exemplo, um homem pode sentir atração sexual pela esposa de seu amigo. O
homem, então, diz ao amigo que é melhor cuidar de sua esposa, pois ela parece estar atraída por
ele. É possível (na opinião dos autores) que um criador de perfil projete parte de seus problemas
inconscientes em/para uma cena de crime ou avaliação de vitimologia. Por exemplo: uma profiler
feminina tem sentimentos ambivalentes sobre a maternidade. Ela tem um filho adolescente que é
difícil de controlar e se ressente com a criança, desejando não ser responsável por ela. Ao avaliar
a vitimologia em um caso no qual uma menina de 12 anos tenha sido abduzida, a criadora de perfil
se concentrará em alguns sinais de que a mãe e a vítima não se davam bem, seguindo uma via de
análise de caso inconscientemente projetada para provar que a mãe queria livrar-se da criança.
Projeção Todas as questões mencionadas (parcialidade, transferência e projeção) só podem ser minimizadas,
não totalmente eliminadas de forma realista. Os criadores de perfis em potencial são advertidos
a se conhecerem, a se manterem saudáveis tanto mental quanto fisicamente e a ter vida com
gratificação fora da criação de perfis. A conferência de casos com colegas costuma ser útil para
limitar o preconceito, a transferência e outras questões. Por uma questão de clareza, essas questões
nunca podem ser totalmente negadas, mas, por meio da conscientização delas e de seu impacto,
podemos minimizar os efeitos prejudiciais. O psiquiatra ou psicólogo forense têm muito a oferecer
ao campo em desenvolvimento do perfil comportamental. Podem trazer aspecto tecnicamente
proficiente das ciências comportamentais para a mesa profissional. Alguns psiquiatras e psicólogos
forenses, mas não todos, serão bons criadores de perfis comportamentais, assim como alguns

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Crimes Sexuais, Psicologia E Psiquiatria Forense | Unidade IV

investigadores e cientistas forenses, mas não todos, serão bons criadores de perfis. Se alguém
estiver disposto a investir o esforço extra necessário para se educar nas ciências forenses básicas
e nas questões investigativas, o campo do perfil do infrator terá muito a oferecer ao psiquiatra ou
psicólogo forense e muito a ganhar com sua experiência.

Fonte: adaptada de McGrath; Torres, 2012.

Em suma, McGrath e Torres (2012) informam que a psicologia forense e a psiquiatria


envolvem a aplicação das ciências do comportamento a questões jurídicas. Perguntas
psicolegais comuns que os profissionais de saúde mental forense respondem:

» risco de reincidência de ofensa sexual futura;

» competência para ser julgado; e

» responsabilidade criminal/sanidade no momento da ofensa.

Além disso, psicólogos forenses e psiquiatras, com seu conhecimento do comportamento


humano, podem adicionar perspectiva única, na forma de perfis de infratores, às
investigações em andamento. Psicólogos forenses e psiquiatras são profissionais de
saúde mental especificamente treinados, com níveis definidos de educação, contato
com o paciente, licenciamento e certificação.

Nem todo mundo que se autodenomina psicólogo ou psicólogo forense na comunidade


de criação de perfis pode atender a esses padrões. Aqueles que empregam profilers devem
ser particularmente cautelosos com os indivíduos que disfarçam seus conselhos com
vestimentas psicológicas para sugerir legitimidade, incluindo os chamados psicólogos
investigativos e médiuns. Psicólogos forenses e psiquiatras têm compreensão única e
treinamento em processos mentais, fisiologia, pensamento, comportamento humano e
psicopatologia. Por causa disso, profissionais de saúde mental forense podem estar bem
posicionados para adquirir mais educação relacionada a investigações e ciências forenses,
permitindo-lhes revisar as evidências disponíveis e oferecer avaliação informada (perfil
criminal) do tipo de indivíduo que pode ter cometido determinado ato criminoso.
No entanto, eles também devem operar dentro de limites éticos e diretrizes estabelecidas
(McGRATH; TORRES, 2012).

81
PARA (NÃO) FINALIZAR

Não pare no meio do caminho!


Ingenuidade é acreditar que um assunto se encontra esgotado sempre ao final de
determinado livro, material ou estudo. Este é um meio de pesquisa para que seus
estudos continuem e prossigam sempre avançando.

E é dessa maneira, para enriquecer os conhecimentos do aluno dedicado, que nos


esforçamos em oferecer conteúdo de grande valia para aprimoramento do curso e
da disciplina. Claramente não é uma forma de esgotar o assunto, já que o conteúdo e
os artigos aqui citados estão baseados em outros, os quais, por sua vez, tomaram por
consulta outros, e assim sucessivamente.

Assim, indicamos os conteúdos para dar cadência aos seus estudos de temáticas para
pesquisas (não tratadas ou não necessariamente aprofundadas neste material de apoio):

Sobre as questões gerais de análises de evidências comportamentais:

» Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a


análise de evidências empíricas. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
urbe/a/ryxkpKFM7SQvtWQCP7vQ9BD/?lang=pt. Acesso em: 27 nov. 2021.
» A importância da psicologia criminal na investigação policial.
Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1519-94792012000100005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em:
27 nov. 2021.
» Labirintos da medicalização do crime. Disponível em: https://doi.
org/10.1590/S0104-12902016165278. Acesso em: 27 nov. 2021.
» Violência e cidadania: práticas sociológicas e compromissos sociais.
Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/ycrrp/pdf/
santos-9788538603863.pdf. Acesso em: 27 nov. 2021.
» Psicologia criminal: perfil psicológico para auxiliar investigações
criminais. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/bitstream/
handle/11338/5025/TCC%20Juliana%20Marcela%20Bertoldo.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 27 nov. 2021.
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REFERÊNCIAS

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Você também pode gostar