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ARTIGO ORIGINAL
Resumo Abstract
Objetivo: analisar um registro hospitalar de câncer pediátrico, Objective: to analyze pediatric cancer hospital records regarding
descrevendo a ocorrência de casos novos; verificar a relação com the occurrence of new cases; to verify the relation between sex, age,
sexo, idade, raça e extensão clínica da doença; relatar a mortalidade race, origin and the disease clinical extension; to describe the
das crianças com câncer; explorar a associação de casos novos com mortality of children with cancer; to explore the association of new
as variáveis demográficas propostas, extensão clínica da doença e cases with proposed demographic variables, disease clinical extension
status vital. and vital status.
Método: estudo observacional, descritivo, longitudinal em cri- Methods: observational, descriptive, longitudinal study in
anças até a idade de 14 anos completos, procedentes de Santa children up to 14 years old, from Santa Catarina. Three hundred and
Catarina. As 371 crianças portadoras de casos novos de câncer foram seventy-one new cases of cancer were treated in a regional reference
atendidas no ambulatório de referência regional entre 1994 e 1998, outpatient clinic (1994-98) and recorded according to the International
e registradas segundo a Classificação Internacional do Câncer na Classification of Childhood Cancer. Multiple Correspondence
Infância. Foi aplicada a análise de correspondência múltipla para Analysis was applied to evaluate the categorical variables.
avaliar as variáveis categóricas. Results: three-hundred and seventy-one new cases of cancer
Resultados: foram registrados 371 casos novos de câncer, com were recorded with constant distribution in each year. Cancer
distribuição constante por ano, no período estudado. O câncer affected preschoolers (41.5%) and males (55.8%). Leukemia was
ocorreu no pré-escolar em 41,5%, e no sexo masculino em 55,8%. A observed in 36.6% of the cases. Non-localized stage on the diagnosis
leucemia foi observada em 36,6%. O estádio não localizado da occurred in 55.7%. The death occurred in 55.7% of the cases with
doença na ocasião do diagnóstico ocorreu em 55,7%. Foram a óbito non-localized disease and 16.3% with localized disease. At the end
55,7% dos casos com doença não localizada, e 16,3% com doença of the study 58.8% of the children were alive.
localizada. No término do estudo, 58,8% das crianças estavam vivas. Conclusions: we observed more cases of cancer at pre-school
Conclusões: observa-se predomínio do câncer no pré-escolar e age and among male subjects. Leukemia is the most frequent type of
no sexo masculino. A leucemia é o câncer mais freqüente. A doença cancer. Non-localized disease predominates on the diagnosis. The
não localizada predomina na ocasião do diagnóstico. A freqüência death frequency is higher in the group with non-localized disease.
de óbito é mais elevada no grupo com doença não localizada. Há There is direct association with non-localized disease, living vital
associação direta com doença localizada, status vital vivo, escolar, status, school age, adolescent age, female, and for non-localized
adolescente e sexo feminino; e para doença não localizada, com disease with death vital status, infant age, pre-school age and male.
óbito, lactente, pré-escolar e sexo masculino.
J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (5): 409-14: neoplasias, pediatria, J Pediatr (Rio J) 2002; 78 (5): 409-14: neoplasia, pediatrics,
registros hospitalares, epidemiologia descritiva, análises descritivas hospital records, descriptive epidemiology, descriptive and
e exploratórias. exploratory analysis.
Introdução
O câncer na criança representa aproximadamente 2% pais causas de óbito por doença nesta faixa etária, e é
das neoplasias malignas. Constitui-se em uma das princi- responsável pela maior perda de potenciais anos de vida1.
Nas crianças, as neoplasias malignas diferem daquelas
observadas nos adultos, tanto em relação a sua freqüência
1. Professora do Dep. de Pediatria da Univ. Federal de Santa Catarina
(UFSC), Mestre em Ciências Médicas pela UFSC, Médica do Serviço de
quanto ao seu tipo histológico. O câncer na criança afeta as
Oncohematologia do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG), Florianó- células do sistema hematopoiético e os tecidos de sustenta-
polis, SC. ção, enquanto que, no adulto, afeta as células do epitélio
2. Professora Dra. do Departamento de Pediatria da UFSC, Coordenadora
do Serviço de Metabologia e Nutrição do HIJG, Florianópolis, SC. que recobrem os diferentes órgãos1-4.
3. Professora Dra. do Departamento de Informática da UFSC. O tratamento deve ser realizado por uma equipe inter-
Artigo submetido em 06.03.02, aceito em 19.06.02. disciplinar, em centros oncológicos especializados, e pla-
409
410 Jornal de Pediatria - Vol. 78, Nº5, 2002 Câncer pediátrico:... - Silva DB et alii
nejado de acordo com o tipo histológico e com o estadia- anças com suspeita clínica bem fundamentada de maligni-
mento clínico do câncer5. dade, e com diagnóstico por imagem em área não acessível
É prioritária a criação e padronização de centros de ao diagnóstico microscópico, também foram incluídas nes-
registro de câncer para a implementação das pesquisas te estudo. Considerou-se como critérios de exclusão a
clínicas e epidemiológicas. Os estudos epidemiológico e criança portadora de neoplasia maligna secundária ao tra-
etiológico dos cânceres pediátricos são escassos, quando tamento quimioterápico ou radioterápico; criança com di-
comparados aos do adulto3,6. Estes centros fornecem sub- agnóstico de neoplasia maligna, que chegou a este serviço
sídios básicos para o estabelecimento de estratégias efici- para realizar uma modalidade terapêutica específica, e que
entes no atendimento ao paciente oncológico, e no aprimo- retornou, posteriormente, ao serviço de origem; recidiva de
ramento de atividades relacionadas ao controle do câncer tratamentos realizados em outros serviços e perda de segui-
em termos de saúde pública6-9. mento.
Os centros de registro devem adotar uma mesma classi- A Classificação Internacional de Doenças para Oncolo-
ficação para que seja possível a realização de estudos gia (CID-O) foi o procedimento empregado para codifica-
comparativos nacionais e internacionais. Os objetivos são ção da morfologia (histologia)19. A Classificação Interna-
determinados pela sua natureza, ou seja, registros de câncer cional do Câncer na Infância (CICI), que o categoriza de
de base populacional (RCBP) e registros hospitalares de acordo com a sua morfologia em doze principais grupos de
câncer (RHC)8,9. diagnóstico, foi utilizada para tabulação e análise dos
O RCBP tem uma atividade mais complexa, e seu dados20.
principal propósito é avaliar o impacto do câncer em uma A extensão da doença foi avaliada através do estadia-
determinada população3,10,11. mento clínico para todos os grupos de diagnóstico, exceto
Os RHC coletam dados de todos os pacientes atendidos para leucemia (não empregável)21.
no hospital com diagnóstico confirmado de câncer, e visam, A coleta dos dados foi realizada no período de junho a
principalmente, o aprimoramento da assistência médi- julho de 2000, nos prontuários do serviço de oncohemato-
ca8,10,12. logia (SOH) do HIJG e do serviço de arquivo médico
Este estudo se propõe a analisar um registro hospitalar (SAME) do referido hospital, através de ficha apropriada.
de câncer pediátrico em um centro de referência de Santa As informações incompletas foram resgatadas pela pes-
Catarina, no que concerne à ocorrência de casos novos de quisadora e pelo serviço social por meio de contato pessoal
neoplasias malignas primárias, em relação à idade, sexo, ou telefônico com os pais, parentes, Secretarias de Saúde
raça ou cor, extensão clínica da doença e status vital. dos municípios envolvidos e com os cartórios de registro
civil.
As variáveis utilizadas neste estudo foram: idade; sexo;
Método
cor ou raça (segundo classificação estabelecida pelo Insti-
Esta pesquisa foi um estudo observacional, descritivo e tuto Brasileiro de Geografia e Estatística)22, tipo histológi-
longitudinal, realizado no Hospital Infantil Joana de Gus- co da neoplasia maligna primária (de acordo com a CICI)20,
mão (HIJG), da Secretaria de Estado de Saúde de Santa extensão clínica da neoplasia maligna primária (segundo o
Catarina (SES-SC). Este é um Hospital-Escola, terciário, estadiamento clínico específico para cada tipo histológico)
de referência regional no atendimento às neoplasias malig- e status vital.
nas na criança.
Foram consideradas neoplasia maligna ou câncer as
O estudo foi delineado de acordo com as diretrizes e neoplasias malignas primárias de qualquer topografia e as
normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres de comportamento incerto do SNC.
humanos13, e foi aprovado pela comissão de ética em
O termo comportamento incerto foi utilizado para defi-
pesquisa em seres humanos da Universidade Federal de
nir as neoplasias com comportamento agressivo pela sua
Santa Catarina.
localização, porém em áreas não acessíveis ao diagnóstico
A população de estudo incluiu 371 crianças com idade
histopatológico.
de até 14 anos completos, procedentes de Santa Catarina, e
diagnosticadas no período de janeiro de 1994 a dezembro A ocorrência de casos novos foi o termo determinado
de 1998. Estas crianças foram atendidas no ambulatório e para referir a freqüência de casos novos e, desta maneira,
enfermaria do serviço de oncohematologia (SHO) do HIJG, diferenciar do estudo de base populacional, o qual utiliza
sendo acompanhadas clinicamente até julho de 2000. incidência.
A amostra incluiu todos os casos novos de neoplasias O termo status vital foi empregado para definir a condi-
malignas primárias de qualquer topografia, e as de compor- ção clínica da criança portadora de neoplasia maligna
tamento incerto do sistema nervoso central (SNC), de primária no término do estudo, e foi categorizado em: vivo,
forma similar a outros estudos14-16. fora de tratamento; vivo, em tratamento; e óbito.
A confirmação diagnóstica foi efetuada utilizando-se Os grupos etários foram categorizados segundo a clas-
exames citomorfológicos ou histopatológicos, além de es- sificação adotada pela Faculdade de Medicina da Universi-
tudos citoquímicos e/ou imunohistoquímicos17,18. As cri- dade de São Paulo23.
Câncer pediátrico:... - Silva DB et alii Jornal de Pediatria - Vol. 78, Nº5, 2002 411
A extensão clínica da neoplasia maligna primária foi drão de associação identificado e representado graficamen-
definida de acordo com o estadiamento clínico, e determi- te. À medida que se inclui uma nova dimensão na ACM,
nada pela extensão da doença no local primário, presença aumenta-se numericamente o percentual de inércia. A pri-
de metástases regionais e à distância. Neste estudo, foi meira dimensão é a de maior inércia25.
considerada doença localizada os estádios I e II, e doença Na ACM, o status vital foi categorizado em vivo e óbito,
não localizada, os estádios III e IV. devido à baixa freqüência de crianças vivas em tratamento.
Os procedimentos estatísticos utilizados foram as medi-
das descritivas24, as tabelas de freqüência e análise de
correspondência múltipla (ACM)25. A ACM foi emprega- Resultados
da para investigar a existência de associação entre as
Foram registrados, no período de janeiro de 1994 a
variáveis categóricas: grupo etário, sexo, extensão clínica
dezembro de 1998, 371 casos novos de crianças portadoras
da doença e status vital. Quando se pretende estudar um
de neoplasias malignas primárias. A perda de seguimento
fenômeno complexo, com múltiplas variáveis, cujas rela-
ocorreu em cinco casos. A casuística analisada foi compos-
ções e inter-relações se quer conhecer, estão indicadas
ta de 366 (98,7%) crianças de cor branca e 5 (1,3%) de cor
como ferramentas analíticas as análises multivariadas. A
preta. Em relação ao sexo, 207 (55,8%) crianças pertenci-
ACM é uma das técnicas de análise multivariada que
am ao masculino, e 164 (44,2%) ao feminino.
possibilita avaliar simultaneamente um conjunto de variá-
veis categóricas, segundo sua intensidade e grau de associ- A neoplasia maligna primária mais freqüente (Tabela 1)
ação entre elas. Os resultados estatísticos oriundos da ACM foi a leucemia (36,6%), seguida pelos tumores do SNC e
são: uma ampla tabela de freqüências, conhecida como miscelânea de neoplasias intracranianas e intra-espinhais
tabela de Burt, e uma representação gráfica simplificada (21%) e pelos linfomas e neoplasias reticuloendoteliais
dos dados. Esta representação gráfica pode ser mostrada em (12,9%).
dois ou três eixos ou dimensões. Em duas dimensões, pode- A neoplasia maligna primária na criança apresentou-se
se observar o padrão de associação em plano relacional, e no pré-escolar em 41,5% (destes, 61,0% ocorreu no sexo
em três, em um espaço relacional. Da análise destes resul- masculino e 39,0% no feminino); no escolar em 24%
tados, é possível identificar padrões de associações existen- (50,6% no sexo masculino e 49,4% no feminino); no
tes entre as variáveis analisadas. A intensidade do padrão de adolescente em 18,3% (58,8% no sexo masculino e 41,2%
associação está relacionada ao percentual de inércia alcan- no feminino); e no lactente em 16,2% (46,7% no sexo
çado neste procedimento, e que depende das características masculino e 53,3% no feminino). Não foram observados
dos dados em análise. O percentual de inércia expressa o casos de neoplasia maligna primária no neonato no período
grau da variabilidade total dos dados, explicado pelo pa- estudado.
Tabela 2 - Distribuição das crianças portadoras de neoplasias malignas primárias, segundo o grupo de diagnóstico e o grupo etário
Grupo etário
Lactente Pré-escolar Escolar Adolescente Total
n % n % n % n % n
Tabela 3 - Distribuição das crianças portadoras de neoplasias malignas primárias, segundo o grupo de diagnóstico e a extensão
clínica da doença
Extensão clínica da doença
Grupo de diagnóstico Localizada Não localizada Total
n % n % n
Em relação ao câncer, é necessário ao profissional da 9. Mirra AP. Registros de câncer na América Latina. Rev Bras Cancerol
saúde estar atento ao diagnóstico precoce, para detectar a 1997;43:1-11.
10. Eichenberg A, Kapees DS, Petry C, Silva A, Tatsch P, Jacques L, et
doença ainda em uma fase localizada, assim como para o al. Características dos registros de câncer e o impacto potencial no
rápido encaminhamento aos centros oncológicos pediátri- controle da doença no Brasil. R Med PUCRS 1999;9:11-17.
cos especializados7,26. 11. Parkin DM, Luir CS, Whelan SL, Gao Y-T, Ferlay J, Powel J. Cancer
incidence on five continents Cuba. IARC Sci Publ 1992;120:210-13.
No registro de câncer realizado no Paraná16, foi descrita 12. Centro de Tratamento e Pesquisa Hospital do Câncer A.C. Camargo.
percentagem de 49,4% de doença não localizada, ao ingres- Registro hospitalar de câncer 1994. Disponível em http://
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de diagnóstico com percentuais mais elevados de doença 13. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n.251
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não localizada foram os tumores do sistema nervoso simpá- envolvendo seres humanos [site na Internet]. Disponível em http://
tico, sarcoma de partes moles, tumores renais, linfomas e www.cepsh.ufsc.br/originais/Res25197.doc. Acessado 26 de
neoplasias reticuloendoteliais16. setembro de 2002.
Na ocasião do diagnóstico, neste estudo, 104 crianças 14. Marsden HB. The classification of childhood tumours. IARC Sci
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(44,3%) apresentavam doença localizada, e 131 (55,7%), 15. Birch JM, Marsden HB. A classification scheme for childhood
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sistema nervoso simpático apresentaram as maiores fre- adolescência. Curitiba: LPCC; 2000.p.20.
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qüências de doença não localizada, na ocasião do diagnós- 1989.
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neoplasias malignas primárias em relação à extensão clíni-
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localizada, 83,7% estavam vivas e 16,3% foram a óbito. Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 1996.
Nas crianças com doença não localizada, somente 44,3% 20. Kramárová E, Stiller CA, Ferlay J, Parkin DM, Draper GJ, Michaelis
J, et al. International Classification of Childhood Cancer. Int J
estavam vivas, e 55,7% foram a óbito (Tabela 3), enfatizan-
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do a importância do diagnóstico precoce. 21. Hudson MM, Donaldson SS. Hodgkins disease. In: Pizzo PA,
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22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Departamento
ocorrências verificadas31, poderíamos concluir que há uma de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais
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adolescente e sexo feminino. Ressalta-se que a evidência de socioeconômica 2000;4:197.
um padrão de associação não se constitui em uma relação 23. Marcondes E, Machado DVM, Setian N, Carrazza FR. Crescimento
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Acta Oncol Bras 1995;15:202-6. CEP 88025-301 Florianópolis, SC