Analise Do Comportamento

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Artigo de Revisão

TRABALHANDO PRÁTICAS PARENTAIS NA PSICOTERAPIA DE GRUPO:


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Thaís Cristina Gutstein Nazar1


Michele Quaglioto Tartari2
Tereza José Luiz Zamberlan3
Sidinei Santos Oliveira4

NAZAR, T. C. G.; TARTARI, M. Q.; ZAMBERLAN, T. J. L.; OLIVEIRA, S. S.


Trabalhando práticas parentais na psicoterapia de grupo: um relato de experiência.
EDUCERE – Revista de Educação, Umuarama, v. 22, n. 1, p. 36-48. 2022. :

RESUMO: Este trabalho constitui-se em um relato de experiência referente à condução


de um grupo psicoterápico, que foi baseado no Programa de Qualidade na Interação
Familiar – PQIF - (WEBER, 2014), realizado em um serviço-escola, atendendo a uma
demanda encaminhada pela Defensoria Pública de um município do interior do Paraná.
A intervenção aconteceu sob a forma de atendimento grupal em oito encontros, com
frequência semanal e duração de uma 1h30min cada. O programa foi seguido de acordo
com descrito no manual para aplicadores (WEBER, 2014). O público-alvo do programa
foram cuidadores (pais e ou avós) que, por algum motivo, tiveram as crianças acolhidas
pela justiça. O grupo psicoterápico objetivou a melhoria na qualidade das relações
familiares e práticas parentais, por meio de vivências e da psicoeducação,
instrumentalizando os participantes na promoção de um ambiente de acolhimento e de
afeto para receber as crianças no retorno ao convívio familiar.
PALAVRAS-CHAVE: Práticas parentais; Grupo psicoterápico; Família.

MANAGING PARENTAL PRACTICES IN GROUP PSYCHOTHERAPY: A


REPORT OF EXPERIENCE

ABSTRACT: This paper refers to an professional experience of the Psychology course


of the Based on Family Interaction Quality Program - PQIF (WEBER, 2014), conducted
at the Center for Applied Psychology, in response to a demand submitted by the Public
Defender of a municipality in the interior of Paraná, and was composed of eight meetings,
weekly frequency and one hour and thirty minutes duration, followed the program
according to the manual for facilitators. (WEBER, 2014) The target audience for the
program were caregivers (parents and grandparents) who for some reason had children
taken to justice. The psychotherapeutic group aimed at improving the quality of family
relationships and parental practices, through experiences and psychoeducation,
instrumentalising the participants in the promotion of a welcoming and affectionate
environment to receive the children in return to the family life.
KEYWORDS: Parental practices; Psychotherapeutic group; Family.

DOI: 10.25110/educere.v22i1.20227348
1
Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Rua XV de Novembro, 1299, Centro, Curitiba - PR, CEP: 80060-000. E-mail: [email protected]
2
Acadêmica do curso de Psicologia pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Praça Mascarenhas de
Morães, 4282, Centro, Umuarama - PR, CEP: 87502-210. E-mail: [email protected]
3
Acadêmica do curso de Psicologia pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Praça Mascarenhas de
Morães, 4282, Centro, Umuarama - PR, CEP: 87502-210. E-mail: [email protected]
4
Acadêmico do curso de Psicologia pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Praça Mascarenhas de
Morães, 4282, Centro, Umuarama - PR, CEP: 87502-210. E-mail: [email protected]

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PRÁCTICAS PARENTALES DE TRABAJO EN PSICOTERAPIA DE GRUPO:


RELATO DE UNA EXPERIENCIA

RESUMEN: El presente trabajo se refiere a un relato de experiencia en la conducción de


un grupo psicoterápico basado en el "Programa de Calidad en la Interacción Familiar -
PQIF (WEBER, 2014), realizado en el Serviço escola, atendiendo a una demanda
encaminada por la Defensoría Pública de un municipio del interior del Paraná, y fue
compuesto por ocho encuentros con frecuencia semanal y una hora y treinta minutos de
duración, se siguió el programa de acuerdo con el manual para facilitadores. (WEBER,
2014) El público objetivo del programa era cuidadores (padres y abuelos) que por algún
motivo tuvieron los niños acogidos por la justicia. El grupo psicoterápico objetivó la
mejora en la calidad de las relaciones familiares y prácticas parentales, por medio de
vivencias y psicoeducación, instrumentalizando a los participantes en la promoción de un
ambiente de acogida y afecto para recibir a los niños en el retorno a la convivencia familia.
PALABRAS CLAVE: Prácticas parentales; Grupo psicoterápico; Familia.

INTRODUÇÃO
Educar uma criança é um processo desafiador, por isso, os pais e os cuidadores
precisam estar atentos a uma série de fatores importantes relacionados ao
desenvolvimento humano, tais como alimentação, abrigo e educação. Além desses, outros
fatores fundamentais são os sociais, os cognitivos e os psicológicos (MACARINI et al.,
2010).
Apesar das mudanças contemporâneas no conceito de família e em seus modelos
e configurações, essa instituição ainda ocupa um lugar de destaque na intermediação entre
o indivíduo e a sociedade (MACARINI et al., 2010; LINS et al., 2015). Gomide (2014)
argumenta que “[...] a família ainda é o lugar privilegiado para a promoção da educação
infantil.” (GOMIDE, 2014, p. 9).
Nesse sentido, é pertinente o seguinte questionamento: Como amar, educar,
ensinar e estimular tudo ao mesmo tempo? Encontrar o equilíbrio entre o amor e a
disciplina e entre a exigência e a responsividade é imprescindível para que se possa
cumprir a tarefa de ser pai ou mãe (WEBER, 2005), já que, como afirma Sidman (2001),
“[...] as pessoas tornam-se pais sem que ninguém as tenha ensinado como dar conta desta
responsabilidade.” (SIDMAN, 2001, p. 250).
Pais e cuidadores “[...] fazem uso de várias estratégias e técnicas para orientar o
comportamento dos seus filhos, denominadas de práticas parentais.” (LINS et al., 2015,
p. 46). Muitas vezes, esses modelos seguem padrões intergeracionais, ou seja, os pais
educam baseados no modelo de educação que receberam de seus genitores (WEBER,
2018).

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Os comportamentos humanos, na ótica de Skinner (1976), ocorrem em função


da interação com o ambiente. Os pais cumprem um papel importante nesse contexto, já
que, ao mudarem seu próprio comportamento com relação aos filhos, proporcionam um
novo ambiente que apresentará novos comportamentos. Dito de outro modo, quando os
pais são capazes de compreender as relações de contingências envolvidas na interação
familiar e nas práticas de educação, isso se refletirá no comportamento dos filhos
(WEBER; BRANDERBUR; SALVADOR, 2006).
Levando-se em conta o panorama apresentado, evidencia-se a importância de se
pensar programas que trabalhem os aspectos presentes nas práticas parentais a fim de
torná-las mais assertivas e adequadas. Essas ações são fundamentais, haja vista que “[...]
incluir os pais num processo de reflexão e aprendizagem, pode ajudá-los a desenvolver
um repertório adequado de interação com seus filhos, e assim contribuir para prevenir ou
amenizar dificuldades de suas crianças.” (WEBER, 2014, p. 7).
Por meio de programas de interação entre pais/cuidadores e filhos, é possível
oferecer condições de mudança de comportamentos, crenças e atitudes que favorecem
práticas parentais assertivas em detrimento das interações coercitivas, com vistas a
proporcionar relacionamentos saudáveis que correspondam a padrões de interação
positivos (WEBER, 2018).
Um desses programas é o Programa de Qualidade e Interação Familiar – PQIF,
doravante – (WEBER, 2018), que se apresenta como uma proposta de intervenção junto
a grupos de pais. O seu objetivo é prevenir problemas de relacionamento, psicológicos,
emocionais e comportamentais. Esse programa serviu como subsídio para as práticas
deste relato de experiência, que consistiu em uma intervenção realizada na prática de
estágio orientado, por meio de grupo psicoterápico com pais encaminhados pela
Defensoria Pública cujas crianças foram retiradas de seu convívio e encontram-se
abrigadas em uma Casa Lar municipal.
O escopo da intervenção foi oferecer aos pais e cuidadores o aprendizado sobre
práticas parentais positivas que podem favorecer o processo de educação/criação das
crianças e melhorar a qualidade da interação familiar, quando os menores retornarem a
seus lares de origem. Desse modo, neste relato, são apresentadas as experiências
vivenciadas durante a realização do grupo psicoterapêutico. Para apresentar os resultados,
este texto foi assim organizado: esta introdução, que contextualiza o tema e o foco do
estudo; a metodologia, que explicita o lócus de pesquisa, os participantes e os

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instrumentos utilizados; a discussão dos dados, que consiste em uma análise das ações
realizadas; as considerações finais e as referências bibliográficas.

METODOLOGIA
Local
A intervenção em grupo foi desenvolvida como parte das atividades realizadas no
Estágio Supervisionado Curricular Obrigatório Específico – ESCOE I – na área da
Psicologia. Os acadêmicos atuaram como coordenadores/aplicadores, sendo orientados
pela supervisora de estágio e docente do curso.
Os encontros aconteceram em um serviço-escola de uma universidade privada
localizada no Sudoeste do Paraná, na sala destinada ao atendimento de grupos. Esse local
é climatizado, tem um espaço amplo, bem iluminado e mobiliado com cadeiras escolares
do tipo universitária.

Participantes
Participaram dos encontros 13 cuidadores (sendo 10 pais e 3 avós) que foram
encaminhados pela Defensoria Pública municipal. Esses sujeitos perderam
provisoriamente a guarda dos filhos e netos em decorrência da violação de algum direito
das crianças ou dos adolescentes. As crianças e os adolescentes foram direcionados para
o acolhimento institucional na Casa Lar municipal e podem receber visitas dos
pais/avós/cuidadores enquanto aguardam a decisão das autoridades competente para a
determinação do desabrigamento. Os participantes foram convidados a participar do
grupo terapêutico. Os critérios de inclusão foram: desejar participar de maneira
voluntária e ter algum vínculo com crianças que se encontram em situações de
acolhimento institucional provisório e que tenham sido vítimas de algum tipo de
violência.

Instrumentos
Para a condução do grupo psicoterapêutico, foi utilizado o Manual para
Aplicadores do PQIF (WEBER, 2014). Foram realizados oito encontros que
contemplaram vivências, leituras de textos, metáforas e explicações teóricas sobre os
temas trabalhados, discussões, esclarecimento de dúvidas e compartilhamento de
experiências, incluindo ainda tarefas de casa e autorregistros. No Quadro 1, cada encontro
foi descrito, indicando-se o tema, os objetivos e as atividades realizadas.

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Outro instrumento foi a Escala de Qualidade na Interação Familiar – EQIF,


doravante – (WEBER; BRANDENBURG; SALVADOR, 2009), que é composta por 40
questões com respostas tipo escala likert, as quais avaliam nove itens da interação
familiar: seis abordam aspectos positivos (envolvimento, regras de monitoria,
comunicação positiva dos filhos, clima conjugal positivo, modelo parental e sentimento
dos filhos) e três aspectos negativos (comunicação negativa, punição corporal e clima
conjugal).

Quadro 1: Descrição dos temas, objetivos e atividades realizadas no Programa de Qualidade na interação
familiar (PQIF)
Encontro 1

Tema Objetivos Atividades

Princípios da aprendizagem Trabalhar com as noções de - Preenchimento da ficha de inscrição;


princípios da aprendizagem e - Apresentação dos coordenadores;
com a operacionalização dos - Definição do contrato;
comportamentos. - Dinâmica da teia para apresentação dos
participantes;
- Discussão sobre expectativa dos pais;
- Explicação teórica sobre o processo e o
princípio de aprendizagem;
- Atividade ilustrativa da explicação teórica:
“qua qua- palmas-bum”;
- Para finalizar o encontro, explicação da tarefa
de casa.

Encontro 2

Tema Objetivos Atividades

Regras e limites Mostrar aos pais a necessidade de - Atividade: “Quem vai para a lua”;
regras claras, consistentes e - Explicação teórica sobre as regras e limites;
coerentes, bem como a - Atividade: “A instrução de uma tarefa”;
necessidade de monitoria do - Discussão sobre a tarefa de casa;
comportamento da criança para - Treino de habilidades;
propiciar um desenvolvimento - Explicação da tarefa de casa.
infantil saudável.

Encontro 3

Tema Objetivos Atividades

Consequências para Fazer os pais perceberem que, - Discussão sobre o autorregistro;


comportamentos adequados normalmente, eles prestam mais - Atividade: “Foco no erro”;
atenção nos erros e nos defeitos - Leitura do texto: “o cachorro e o
de seus filhos do que nos acertos açougueiro”;
e nas qualidades. - Explicação teórica sobre consequências para
Ensinar os participantes a comportamentos adequados (Reforço);
observarem e valorizarem os - Discussão sobre a tarefa de casa;
comportamentos adequados dos - Atividade: Treino de habilidades;
filhos. Refletir que disciplinar - Explicação da tarefa de casa.

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não significa somente focar nos


erros e punir, mas incentivar e
motivar para o comportamento
adequado.

Encontro 4

Tema Objetivo Atividades

Consequências para Informar e alertar sobre - Discussão sobre autorregistro;


comportamentos inadequados problemas que podem surgir com - “Teatro pais e filhos”;
o uso de punições exageradas e - Explicação teórica sobre as consequências
inadequadas, bem como para comportamentos inadequados (punições);
apresentar formas alternativas e - Discussão sobre a tarefa de casa;
efetivas para os comportamentos - Treino de habilidades;
inadequados. - Leitura do texto: “Pense bem”;
- Explicação da tarefa de casa.

Encontro 5

Tema Objetivos Atividades

Relacionamento afetivo e Sensibilizar os pais para a - “Você conhece bem o seu filho”;
envolvimento empatia com os filhos, mostrando - Explicação teórica sobre o relacionamento
a importância de se demonstrar o afetivo e envolvimento;
afeto, de participar e de se - Leitura da historinha: “Paternidade
envolver efetivamente na vida responsável”;
dos filhos. Refletir sobre a - Treino de habilidades;
qualidade da relação com os - Explicação do autorregistro.
filhos.

Encontro 6

Tema Objetivos Atividades

Voltando no tempo Provocar uma reflexão sobre a - Discussão sobre o autorregistro;


educação que os participantes - “Relaxamento”;
receberam em sua infância, - “Voltando no tempo”;
analisando as diferenças de - Explicação sobre análise intergeracional;
contexto da época em que eram - Leitura do texto: “perdão”;
crianças e a atual, além de - Explicação da tarefa de casa.
discutir sobre a transmissão
intergeracional das práticas
parentais.

Encontro 7

Tema Objetivos Atividades

Autoconhecimento e modelo Propiciar a auto-observação - Discussão sobre o tema do encontro anterior,


como pessoa antes de serem pais, “Voltando no tempo”;
dando ênfase às qualidades de - Relaxamento;
cada um. - “Autorretrato em sucata”;
Levar os participantes a se - Explicação teórica sobre autoconhecimento;
perceberem como modelos de - Discussão sobre a tarefa de casa;
comportamento para os filhos. - Explicação teórica sobre modelo;
- Leitura do texto: “A casa dos mil espelhos”;
- Explicação da tarefa de casa.

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Encontro 8

Tema Objetivos Atividades

Revisão e encerramento Revisão de todos os conteúdos - Discussão sobre o autorregistro;


trabalhados no programa e - “Labirintos da vida”;
feedback dos participantes sobre - Leitura do texto: “Homenagem a todas as
o aproveitamento dos temas e do mães e pais”;
grupo em geral. - Feedback;
- Entrega certificados;
- Confraternização;
- Encerramento.
Fonte: Elaborado com base em Weber (2014).

DISCUSSÃO
Diante da relevância do tema proposto, destaca-se que os conteúdos contemplados
no grupo terapêutico consideraram elementos relacionados ao desenvolvimento de
crianças e adolescentes e às práticas parentais, de modo que tais sujeitos tenham seus
direitos garantidos. As ações descritas no Quadro 1 não se restringem apenas a
instrumentalizar os responsáveis pelas crianças e adolescentes, mas também contribuem
profissional e cientificamente para a prática dos psicólogos.
O grupo terapêutico foi realizado durante as atividades de estágio supervisionado,
que se constituem em momentos importantes para o acadêmico, pois, por meio delas, é
possível aproximar teoria e prática e vivenciar o exercício profissional, com a segurança
do suporte dado pelos professores supervisores (PIMENTA; LIMA, 2006; SILVA;
GASPAR, 2018).
A aplicação do PQIF (WEBER, 2014) como proposta de intervenção na situação
apresentada exigiu dos estagiários mais do que experiência e domínio da teoria. Foi
necessário investir no acolhimento dos participantes, envolver-se na preparação e na
realização dos encontros e, sobretudo, demonstrar empatia e sensibilidade para que os
participantes entendessem aquele espaço como seu e se sentissem respeitados em suas
diferenças pessoais e culturais.
O trabalho em grupo é extremamente produtivo, pois nele as pessoas trocam
experiências, compartilham vivências e buscam a identificação com os demais membros,
tornando-se um ambiente de proteção, de confiança e um espaço em que podem expressar
seus pensamentos, angústias e aprendizados. Sendo um ambiente “controlado” e com
objetivos definidos, o coordenador pode reforçar as respostas adequadas, aumentando as
chances desses comportamentos serem repetidos em outros contextos (DELITTI;
DERDYK, 2008).

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Alvarenga, Weber e Bolsoni-Silva (2016) realizaram um estudo que sintetizou os


achados das diferentes pesquisas sobre as relações entre cuidados parentais e
desenvolvimento socioemocional infantil. De acordo com os pesquisadores, a noção de
“[...] sensibilidade dos pais às contingências vigentes na interação pais-filhos, parece
destacar-se como um aspecto crucial.” (ALVARENGA; WEBER; BOLSONI-SILVA,
2016, p. 5). Nesse sentido, os autores recomendam que as intervenções que visam a
favorecer o desenvolvimento socioemocional infantil incluam estratégias que aumentem
o controle antecedente e consequente exercido pelo comportamento dos filhos, bem como
que ampliem o conjunto de habilidades parentais necessário para esses contextos. É
fundamental que futuras investigações esclareçam as intervenções que focalizam esse
aspecto específico da interação pais-filhos, haja vista que podem contribuir para
trajetórias e desfechos desenvolvimentais positivos na infância e na adolescência.
Já para Alberto et al. (2008), a psicoterapia não pode ser o modo por excelência
da atuação profissional, nem na atenção individual, nem no modelo do profissional
liberal. Para os autores, o psicólogo deve ocupar um espaço político e público, de modo
a compreender os processos de subjetivação produzidos na sociedade brasileira e o
diálogo com as referências teóricas conectadas às distintas realidades essa realidade (CFP,
2003). Isso significa que o psicólogo que trabalha em entidades que atendem a crianças e
adolescentes em situação de risco deve entender e atuar sob a perspectiva de que esses
sujeitos necessitam das políticas sociais básicas a fim de se garantir a proteção integral,
que é fundamental para o seu desenvolvimento.
Nesse sentido, as intervenções psicológicas no contexto das políticas públicas em
situações de abrigamento constituem-se como um espaço necessário para a atuação da
Psicologia. O acolhimento de crianças em situação de violação de direitos está previsto
no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, doravante): “As medidas de
proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos
nesta Lei forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado,
por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, em razão de sua conduta.” (BRASIL,
1990).
Durante o desenvolvimento do programa, foi possível observar que a
vulnerabilidade social aparece como fator determinante no acolhimento das crianças, o
que está em harmonia com a afirmação de Serrano (2011), para quem, na maioria das
vezes, as crianças e os adolescentes são acolhidos por motivos relacionados à negligência,
às condições socioeconômicas desfavoráveis e ao abandono. Além disso, podem ser

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apontadas as práticas parentais inadequadas adquiridas pela própria experiência na


condição de pais ou pelos modelos recebidos pelos próprios genitores (WEBER, 2018).
Sabe-se que, com a promulgação do ECA, muitas práticas utilizadas na educação
atualmente não são permitidas, como as punições que os professores aplicavam aos
alunos. Weber (2014) explica que “[...] disciplinar não é sinônimo de punir.” (WEBER,
2014, p. 15); assim, estabelecer exigência e responsividade parece ser o caminho mais
adequado na educação de crianças e adolescentes. Apesar disso, não existem receitas
prontas, uma vez que nem os filhos, nem os pais são iguais ou têm a mesma visão sobre
disciplina.
Segundo os princípios da Análise do Comportamento, é possível aprender por
observação/modelo, por regras/instrução e por experiência/treino. Já a mudança de
comportamento pode ser realizada por meio do treinamento dos pais. Desse modo, se os
pais forem treinados, consequentemente, haverá um reflexo no comportamento dos filhos
(WEBER, 2018).
Com relação ao grupo terapêutico foco deste estudo, inscreveram-se 16 pessoas,
mas, no primeiro encontro, compareceram apenas 13 pessoas, os quais responderam ao
EQIF, utilizado a fim de conhecer a qualidade da interação familiar dos participantes. Em
geral, a EQIF também é respondido pelas crianças, contudo, não foi possível proceder
dessa forma neste estudo. No último encontro, esse instrumento foi aplicado novamente,
porém, somente cinco participantes estavam presentes e apenas quatro responderam a
escala no início e no final do grupo. Ao comparar os resultados das escalas, percebeu-se
maior acuidade de percepção das práticas positivas e negativas, ou seja, os participantes
foram capazes de se autoanalisarem de forma mais adequada com base em suas
realidades, conforme indica o Quadro 2.

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Quadro 2: Relação participantes, resultado do EQIF no primeiro (pré-teste) e no último encontros (pós-
teste)
Participantes Resultado EQIF (pré-teste) Resultado EQIF (pós-teste)

A. B. Aspectos positivos: 124 Aspectos positivos: 125


Aspectos negativos:13 Aspectos negativos: 13

E. L. M Aspectos positivos: 106 Aspectos positivos: 100


Aspectos negativos: 14 Aspectos negativos: 09

V. A. S. Aspectos positivos: 127 Aspectos positivos: 110


Aspectos negativos: 14 Aspectos negativos: 19

S. S Aspectos positivos: 119 Aspectos positivos: 100


Aspectos negativos: 22 Aspectos negativos: 12
Fonte: Os autores.

Embora os resultados comparativos apresentados no Quadro 2 pareçam mínimos,


é válido lembrar que conforme o ECA (Brasil, 2014) prevê em seu art. 98, o acolhimento
institucional ocorre como medida de proteção aplicável sempre que crianças e
adolescentes tiverem seus direitos ameaçados ou violados, seja por ação ou omissão da
sociedade ou Estado, ou, ainda, por falta, ameaça, abuso dos pais/responsáveis ou devido
à sua conduta, ou seja, estavam em contexto de vulnerabilidade. Os pais analisados nesta
pesquisa estavam com os filhos sob a guarda do Estado, e a aplicação do PQIF
demonstrou a importância da intervenção com esses sujeitos, já que precisam de muito
auxílio para o desenvolvimento de práticas parentais adequadas, opostas a realidade em
que perderam a guarda dos seus filhos mesmo que provisoriamente.
De acordo com Nazar et al (2020), mesmo que tenha havido uma melhora nos
resultados pós-teste ou pós-intervenção, trata-se de resultado interessante, posto que esses
familiares estavam sem suas crianças, as quais estavam abrigadas. Uma hipótese para esse
resultado é a questão dos participantes terem conhecimento sobre práticas socialmente
aceitáveis, porém, no dia a dia não as utilizam. Outra possibilidade é referente ao
instrumento de autorrelato que limita a observação da mudança de comportamentos, haja
vista que se parte da análise de que os resultados analisados quantitativamente, deixando-
se de identificar os processos envolvidos e como ocorrem de fatos tais mudanças. Ainda,
a questão de ter filhos acolhidos e após algum tempo estar inserindo-se no grupo pode
oportunizar a aprendizagem de comportamentos mais funcionais aos pais. Além disso,
De acordo com Vila (2019), sabe-se que medidas de autorrelato estão sujeitas a vieses
por diversos fatores, por se tratarem de medidas de topografia de comportamento, que
nem sempre correspondem aos comportamentos das mães no ambiente natural. Ressalta-
se que, em programas de intervenção de cunho analítico-comportamental, medidas de

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observação direta podem ser úteis para uma avaliação multimodal das variáveis
envolvidas (inclusão de diferentes modalidades para avaliar comportamentos) em
diferentes fases pesquisa.
A principal limitação encontrada no estudo foi a redução do número de
participantes. A desistência foi motivada por muitos fatores, tais como: a necessidade de
ir semanalmente ao local dos encontros, o custo financeiro com o transporte, os horários
oferecidos e a expectativa que algumas pessoas apresentavam de que pudessem receber
algum privilégio, como agilizar o processo de devolução da guarda dos filhos. Em função
disso, como recorte do trabalho, optou-se por considerar apenas os dados dos que
responderam ao pré e ao pós-teste do EQIF.
Nesse sentido, o grupo psicoterapêutico baseado no PQIF confirmou-se como uma
possível estratégia de intervenção para ser trabalhada com o público em questão.
Ademais, os resultados percebidos durante a realização dos encontros, tais como o
desenvolvimento de autoconhecimento, favorecem a aquisição de autonomia e a
capacidade de realizar mudanças, de modo que os comportamentos sejam repletos de
reforçadores positivos e que se reduzam as estimulações aversivas. Esses momentos são
tão importantes para a discriminação de contingências relacionadas ao ambiente familiar
e à melhora na qualidade de interação que Farias, Fonseca e Nery (2018) asseveram que
há casos em que os pais recuperaram a guarda dos menores durante a realização das
atividades de grupo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a realização de oito encontros do grupo terapêutico anteriormente relatado,
pôde-se verificar que, inicialmente, havia uma expectativa de que, de alguma forma, os
coordenadores do grupo pudessem auxiliar no processo de reaver a guarda das crianças.
Aos poucos, contudo, ficou claro que os encontros estavam direcionados à melhoria na
qualidade das relações familiares e práticas parentais, aspectos até então ignorados, uma
vez que o padrão de muitos pais/avós/cuidadores é reproduzir com os filhos/netos as
práticas que os pais e avós tiveram com eles.
Nos demais encontros, foi possível observar que os participantes passaram a
interagir mais, cada um a seu modo, o que contribuiu para o enriquecimento e o
fortalecimento do vínculo com os estagiários coordenadores e com os demais
participantes. Houve momentos em que a emoção tomou conta da razão e situações

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pontuais de vivências foram expostas, enriquecendo os encontros (DELITTI; DERDYK,


2008). A relação entre os participantes e a interação com os coordenadores/aplicadores
foi importante para lidar com a diversidade e as particularidades do grupo.
Com relação à formação de um modo geral, perceber o avanço e a apropriação das
técnicas e de alguns termos característicos da Análise do Comportamento por parte dos
integrantes foi extraordinário. Nos relatos, foi possível visualizar que os participantes
puderam materializar, nas situações vivenciadas em casa, o que aprenderam nos
encontros, indicando que são capazes de utilizar na prática as mudanças de
comportamentos necessárias nos diversos contextos. É importante lembrar que alguns
cuidadores não tiveram a possibilidade de aplicar os conhecimentos adquiridos no
programa, pois não estavam com a guarda das crianças, apenas tinham contato com elas
nas visitas à Casa Lar.
Fazer parte do programa, especialmente com pessoas de extrema vulnerabilidade
de toda ordem, e vivenciar a realidade de terapeuta ou coterapeuta proporcionou aos
acadêmicos muito aprendizado, sendo uma tarefa significativamente gratificante. Poder
contribuir, mesmo que minimamente, na vida dessas pessoas agregou conhecimentos para
ambas as partes, seja para os estudantes em formação acadêmica, seja para a comunidade
atendida. Os saberes foram multiplicados, pois os participantes estavam abertos às
demandas que surgiram e que podem sempre surgir na relação de terapeuta/cliente.
Em conclusão, ressalta-se a importância da realização de mais trabalhos como
este, tanto no que se refere à preparação do estagiário como futuro terapeuta, quanto ao
benefício proporcionado à comunidade, por tratar-se de uma atividade de extensão
universitária.

REFERÊNCIAS
______. Programa de qualidade na interação familiar: manual para facilitadores. 2. ed.
Curitiba: Juruá, 2014.
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Recebido em: 19/09/2022
Aceito em: 21/10/2022

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