Projeto de Pesquisa - Marina

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 96

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE ENGENHARIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Marina Teixeira de Freitas

Usina termelétrica a partir de biogás como solução para redução dos impactos
ambientais oriundos do gás metano oriundo de aterros sanitários: um estudo de caso
feito no aterro sanitário do Ecotres - Conselheiro Lafaiete

Belo Horizonte
2024
Marina Teixeira de Freitas

Usina termelétrica a partir de biogás como solução para redução dos impactos
ambientais oriundos do gás metano oriundo de aterros sanitários: um estudo de caso
feito no aterro sanitário do Ecotres - Conselheiro Lafaiete

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Engenharia de Produção da
Universidade Federal de Minas Gerais como
parte dos requisitos à obtenção do título de
Mestre em Engenharia de Produção.

Orientador:
Coorientador:

Belo Horizonte
2024
(Espaço para dedicatória)

.
AGRADECIMENTOS
“epígrafe.”

autor
RESUMO

Com a finalidade de incentivar a colaboração de todos os indivíduos na prevenção de


acidentes de trabalho, placas como “Estamos há XXX dias sem acidentes”, “Nosso recorde é
YYY dias” aparecem estampadas em locais estratégicos de quase todas as empresas,
juntamente com práticas que almejam atingir o “acidente zero” ou que promovam rankings de
desempenho em segurança entre unidades, equipes ou mesmo indivíduos. Muitas vezes, até
mesmo troféus, premiações e recompensas, simbólicas ou financeiras, são oferecidas para
celebrar os bons resultados de segurança. Diante desse contexto, o objetivo deste trabalho foi
investigar como os trabalhadores de uma usina térmica que chegou a quase 7 anos sem
acidentes com afastamento, considerado um recorde pela empresa, lidavam com esse
resultado atingido. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa com a utilização da
Análise Ergonômica do Trabalho (AET) para coleta de dados e da Grounded Theory (GT) ou
Teoria Fundamentada para análise dos dados. Foram realizadas observações de campo,
análise de registros documentais e atas de reuniões, e entrevistas durante a jornada de trabalho
dos trabalhadores da usina ao longo de 1 ano e 8 meses. À medida que, ao longo das coletas
de dados, surgiam questões significativas para a pesquisa advindas das entrevistas,
observações ou documentos, entrevistas em autoconfrontação com base nas observações eram
realizadas para compreender as decisões dos trabalhadores. Dessa forma, este trabalho teve
como objetivo demonstrar como o recorde, por trás de uma lógica de supervalorização do
resultado, influenciou o comportamento dos trabalhadores e o enfraquecimento da segurança.
Como resultado, emergiram quatro casos de acidentes que ocorreram dentro deste período de
comemoração do recorde de segurança e que geraram controvérsias e mal-estar entre os
trabalhadores por causa do status atingido pela usina. Buscou-se também mostrar os caminhos
para o fortalecimento da segurança na usina.

Palavras-chave: Gestão da Segurança. Prevenção de Acidentes. Acidente Zero. Recorde.


ABSTRACT

With the purpose of encouraging everyone’s collaboration in the prevention of accidents at


work, plaques such as “We have been without accidents for XXX days”, “Our record is YYY
days” are stamped in almost all companies along with practices that aim to achieve the “zero
accident” or that promote safety performance rankings between production units, teams or
even individuals. Often even trophies, token awards and financial rewards are offered to
commemorate safety results. Based on this context, the objective of this work was to
investigate how the workers of a thermal plant that reached the result of almost 7 years
without accidents with lost time related to this result reached and considered by all as a
record. For that, qualitative research was carried out using the Ergonomic Work Analysis
(AET) for data collection and the Grounded Theory for data analysis. Field observations,
analysis of documentary records and minutes of meetings, and interviews were carried out
during the workday of the plant’s workers over a period of 1 year and 8 months. As,
throughout the data collection, significant questions for the research emerged from the
interviews, observations or documents, interviews of self- confrontation of information were
carried out to understand the workers’ decisions. Thus, this work aimed to demonstrate how
the record, behind a logic of overvaluation of the result, influenced the behavior of workers
and the weakening of security. As a result, four cases of accidents emerged that occurred
within this period of commemoration of the safety record and that generated controversy and
discomfort among workers because of the status achieved by the plant. An attempt was also
made to show ways to strengthen safety at the plant.

Key words: Safety Management. Accidents prevention. Vision Zero. Record.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS NA HISTÓRIA DA USINA.................................................... 25


FIGURA 2 – ACIDENTES COM AFASTAMENTO NA USINA ENTRE 1997 E 2018............................33
FIGURA 3 – QUANTIDADE DE HORAS DE OPERAÇÃO ENTRE 1987 E 2019................................. 33
FIGURA 4 – ENVOLVIMENTO DOS TRABALHADORES E DA HIERARQUIA COM A SEGURANÇA DE
ACORDO COM O TIPO DE CULTURA DE SEGURANÇA............................................................ 37

FIGURA 5 – PIRÂMIDE DE HEINRICH............................................................................................................... 45


FIGURA 6 – PIRÂMIDE DE BIRD........................................................................................................................ 46
FIGURA 7 – PIRÂMIDE DE DU PONT................................................................................................................ 47
FIGURA 8 – DIAMANTE DA PREVENÇÃO....................................................................................................... 50
FIGURA 9 – ELEMENTOS QUE EMERGIRAM NO CAMPO DE PESQUISA................................................... 57
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – RELATOS DE ACIDENTES INFLUENCIADOS PELO RECORDE........................................... 60


QUADRO 2 – ÚLTIMOS ACIDENTES COM AFASTAMENTO NA USINA..................................................... 61
QUADRO 3 – ACIDENTES SEM AFASTAMENTO E COM CONTROVÉRSIAS............................................. 69
QUADRO 4 – ACIDENTE SILENCIADO EM DECORRÊNCIA DO RECORDE............................................... 70
QUADRO 5 – ACIDENTE RESPONSÁVEL PELO FIM DO RECORDE............................................................ 74
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AET Análise Ergonômica do Trabalho


ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica
CCEE Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
CIS Comunicação de Incidente de Segurança
CIPA Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CMSE Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico
CNPE Conselho Nacional de Política Energética
CVU Custo Variável Unitário
CWP Central Water Plant)
EDT Espaço de Debate sobre o Trabalho
EPC Equipamento de Proteção Coletiva
EPE Empresa de Pesquisa Energética
EPI Equipamento de Proteção Individual
FUNDACENTRO Fundação Jorge Duprat e Figueiredo
FHOS Fatores Humanos e Organizacionais da Segurança
GT Grounded Theory
MME Ministério de Minas e Energia
MW Mega-watt
NR-10 Norma Regulamentadora nº10
NR-13 Norma Regulamentadora nº13
NR-20 Norma Regulamentadora nº20
NR-33 Norma Regulamentadora nº33
NR-35 Norma Regulamentadora nº35
OHSAS Occupational Health and Safety Assessment Series
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONS Operador Nacional do Sistema
REX Retorno de Experiência
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SGSST Sistemas de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho
SST Saúde e Segurança do Trabalho
SIN Sistema Interligado Nacional
UT Unidade de Treinamento
VAF Ventilador de ar forçado
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFOP Universidade Federal de Ouro Preto
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................20
CAPÍTULO 1 – A USINA TERMOELÉTRICA EM FOCO...................................................24
1 – Organização do trabalho operacional e ferramentas de gestão de segurança.....................26
1.1 Quadro de funcionários.......................................................................................................26

1.2 O setor de operação.............................................................................................................27

1.3 Estrutura organizacional da segurança................................................................................29

2 – O recorde.............................................................................................................................32

CAPÍTULO 2 – CULTURA DE SEGURANÇA BASEADA NOS FATORES HUMANOS E


ORGANIZACIONAIS E GESTÃO BASEADA NOS INDICADORES................................35
2.1 Cultura de Segurança baseada nos Fatores Humanos e Organizacionais (FHOS).............35

2.1.1 Cultura Integrada de Segurança.......................................................................................38

2.2 Indicadores de Segurança como ferramentas de gestão e prevenção de acidentes.............40

2.2.1 O alcance limitado dos Indicadores de Segurança...........................................................42

2.2.2 Pirâmides de acidentes.....................................................................................................43

2.2.3 Diamante da prevenção....................................................................................................48

CAPÍTULO 3 – PERCURSO INVESTIGATIVO...................................................................51


3.1 Contexto geral.....................................................................................................................51

3.2 Construção da demanda......................................................................................................52

3.3 Objetivos.............................................................................................................................54

3.4 A pesquisa qualitativa.........................................................................................................55

3.5 Materiais e métodos............................................................................................................57

CAPÍTULO 4 – A INFLUÊNCIA DO RECORDE NO COMPORTAMENTO DOS


TRABALHADORES................................................................................................................59
4.1 Os últimos acidentes na usina.............................................................................................60

4.2 O recorde e seus murmúrios...............................................................................................61

Caso 1: Potencial acidente grave.............................................................................................62


Caso 2: “Alguns pontinhos”.....................................................................................................65

4.3 O peso do recorde: quebrar ou não quebrar?......................................................................70

Caso 3: Suportando a dor.........................................................................................................71

4.4 O recorde e a sua proteção..................................................................................................73

Caso 4: Fim do recorde............................................................................................................74

CAPÍTULO 5 – O RECORDE E ESTÍMULO DO ACIDENTE ZERO.................................80


CAPÍTULO 6 – DO “PESO DO RECORDE” À PRODUÇÃO SAUDÁVEL DE
SEGURANÇA..........................................................................................................................89
CAPÍTULO 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................95
REFERÊNCIAS........................................................................................................................99
14

INTRODUÇÃO

O lixo tem sua história iniciada muito antes do que se pode imaginar. No início dos tempos, a
partir Durante o Paleolítico e parte do Neolítico o homem era nômade - Moravam em cavernas,
sobreviviam da caça e pesca, vestiam-se de peles e formavam uma população minoritária sobre a
terra. Qunado a comida naquele lugar esgotava, migrava-se para outros locais, e os seus "lixos",
deixados sobre o meio ambiente, eram logo decompostos pela ação do tempo.

À medida em que o homem passou a dominar o fogo, desenvolver ferramentas agrícolas e de


caça, começou também a desenvolver hábitos como construção de moradias, criação de animais,
cultivo de alimentos. Essa modificação de hábitos marca o a mudança do homem de nômade para
sedentário. A produção de lixo consequentemente foi aumentando, mas ainda não havia se
constituído em um problema mundial.

Naturalmente, esse desenvolvimento foi se acentuando com o passar dos anos. A população
humana foi aumentando e, com o advento da revolução industrial - que possibilitou um salto na
produção em série de bens de consumo - a problemática da geração e descarte de lixo teve um
grande impulso. Porém, esse fato não causou nenhuma preocupação maior: o que estava em alta
era o desenvolvimento e não suas consequências.

Entretanto, a partir da segunda metade do século XX iniciou-se uma reviravolta. A humanidade


passou a preocupar-se com o planeta onde vive. Mas não foi por acaso: fatos como o buraco na
camada de ozônio e o aquecimento global da Terra despertaram a população mundial sobre o que
estava acontecendo com o meio ambiente. Nesse "despertar", a questão da geração e destinação
final do lixo foi percebida mas, infelizmente, até hoje não vem sendo encarada com a urgência
necessária.

"O lado trágico dessa história é que o lixo é um indicador curioso de desenvolvimento de uma
nação. Quanto mais grandiosa for a economia, mais lixo o país irá produzir. Ë o sinal de que o
país está crescendo, de que as pessoas estão consumindo mais. O problema está ganhando uma
dimensão perigosa por causa da mudança no perfil do lixo. Na metade do século, a composição
do lixo era predominantemente de matéria orgânica, de restos de comida. Com o avanço da
tecnologia, materiais como plásticos, isopores, pilhas, baterias de celular e lâmpadas são presença
cada vez mais constante na coleta.
15

CAPÍTULO 1 – A USINA TERMOELÉTRICA EM FOCO

A usina termelétrica em estudo, que se localizava em Juatuba, Minas Gerais, teve o


início da sua construção em 1973 com o objetivo de proporcionar maior confiabilidade ao
sistema energético nos períodos hidrológicos desfavoráveis. Em 1978, a usina iniciou as suas
atividades de operação, tendo no ano seguinte uma redução gradual na geração devido ao
desaquecimento da economia brasileira e seu impacto no consumo de energia elétrica, bem
como as altas taxas pluviométricas em Minas Gerais. A necessidade de redução do consumo
de derivados de petróleo também foi um dos fatores que contribuíram para reduzir a produção
de energia térmica pela usina, uma vez que o combustível usado era o Óleo 2ª, um
combustível fóssil. Assim, em 1983, ocorreu uma desativação como medida de contenção de
custo, uma vez que naquela época a geração de energia a partir de usinas hidrelétricas
cobriam as necessidades do mercado (CACHAPUZ, 2006).
Em 1986, as condições hidrológicas desfavoráveis na região Sudeste levaram à
necessidade de reativação da usina. Desde então, a unidade permaneceu em operação por
vários anos. Em 2001, novamente em virtude da escassez de água acarretada pela falta de
chuvas, houve a intensificação das atividades da usina para suprir essa necessidade do
mercado. No entanto, em 2003, a usina reduziu novamente suas atividades devido à lei 9.648,
a qual definiu, entre outras coisas, as regras de entrada, tarifas e estrutura de mercado (PIRES,
2000) de energia elétrica. Dessa forma, a usina permaneceu até os seus últimos dias em
conservação parcial, ou seja, disponível para entrada em operação 24 horas após receber
solicitação do sistema elétrico, ou seja, o funcionamento dela passou a era intermitente.
Como mencionado, a usina em questão fornecia energia a partir da operação com óleo
combustível fóssil 2ª, um derivado do petróleo. Nos últimos anos, a participação do petróleo
na produção mundial de energia elétrica é pouco expressiva e tem sofrido um recuo devido ao
seu alto custo e a investimentos realizados na utilização de outras fontes, menos agressivas ao
meio ambiente, mais econômicas e mais estáveis (ANEEL, 2008). Isso tem impactou
diretamente no funcionamento da usina em estudo. No final de 2019, a usina foi desativada
totalmente. A Figura 1 retrata os principais momentos da história da usina.
16

Figura 1 – Principais acontecimentos na história da usina

Elaborado pela autora. Fonte: Dados da empresa (2019).

O alto risco e complexidade da atividade de operação e manutenção da usina gerava


grande preocupação e constante busca por melhorias em relação à segurança. Tratava-se de
uma planta industrial complexa onde, devido à própria natureza do processo, havia um
elevado risco, exigindo grande cautela por parte dos trabalhadores durante as atividades.
Estavam envolvidos no processo riscos elétricos, com tensões variando desde 24 Volts (em
corrente contínua) a
138.000 Volts (em corrente alternada); riscos mecânicos devido à presença de um grande
número de equipamentos; riscos físicos como temperatura, pressão, ruído, calor; riscos
químicos, devido ao trabalho com insumos químicos para o tratamento de água; e riscos de
acidentes. Todos estes fatores elevavam o potencial de risco que a força de trabalho estava
exposta, requerendo a adoção de medidas de segurança.
17

1 – Organização do trabalho operacional e ferramentas de gestão de segurança

Para compreender a organização do trabalho operacional e as ferramentas de gestão, será


apresentado quem eram os trabalhadores que formavam o quadro organizacional, o setor de
operação e a estrutura organizacional de segurança.

1.1 Quadro de funcionários

O quadro de funcionários próprios da usina era composto por 46 pessoas, divididas entre
os setores de operação, manutenção, planejamento e administrativo. Além do quadro próprio a
empresa contava com cerca de 20 funcionários terceirizados divididos entre as atividades de
limpeza, manutenção e portaria.
Durante o período da pesquisa, a usina operou em regime ininterrupto onde havia a
divisão entre funcionários que trabalham em horário administrativo e em turnos. O trabalho
em turno era delegado à equipe de operação, que possuía pelo menos três pessoas escaladas
em cada turno. Os demais operadores e restantes do quadro da empresa trabalhavam no
horário administrativo.
O foco desta pesquisa era a equipe de operação. No entanto, em alguns momentos houve a
participação da equipe de manutenção, uma vez que há atividades e processos em que eles
estão diretamente envolvidos.
A equipe de operação era subdividida entre as áreas de tratamento de água; caldeira;
turbina; painel mecânico e supervisão. Até os últimos dias de coleta de campo, ela
contava com 1 supervisor; 5 operadores de turbina; 2 operadores de painel; 2
operadores de caldeira; 4 operadores de T.A. (Tratamento de Água); 8 mantenedores; 1
pessoa responsável pela geração solar; e 1 pessoa alocada na área para trabalhar na área
administrativa, conforme Figura 2. Destes operadores, dois atuavam também como
operadores-programadores. Um dos operadores de turbina se desligou da empresa durante a
pesquisa, restando apenas 4 operadores de turbina. Além de atuarem nessas funções, a maioria
desses operadores encontravam-se em treinamento, sendo que havia 2 operadores treinando
painel; 6 operadores treinando caldeira; e 2 operadores treinando turbina. Dos mantenedores
que não estavam em treinamento, quando necessário, atuavam no T.A. (Tratamento de
Água), 1 pessoa que se encontrava em treinamento para essa área; 1 pessoa na turbina; e 2
mantenedores na caldeira, sendo que estes também
encontravam-se em treinamento nessa área.
18

A equipe possuía como função realizar a operação dos equipamentos e o


monitoramento do estado deles para que fossem identificados através das leituras de área e
dos testes a necessidade de reparos para manter a usina pronta para o funcionamento, uma vez
que a usina operava eventualmente quando solicitada pelo Sistema Elétrico Nacional por
motivo elétrico (quando havia estruturas de hidrelétricas em manutenção) ou energético
(quando havia escassez de água).
A equipe de manutenção era subdividida em mecânica, elétrica e instrumentação. Ela
contava com 1 supervisor; 5 mecânicos; 4 eletricistas; e 2 instrumentistas. Além destes, ainda
compunha essa equipe 8 mantenedores os quais desempenhavam atividades de operação e de
manutenção quando eram designados.
A equipe possuía como função realizar as manutenções preventivas e corretivas
necessárias para manter a usina pronta para o bom funcionamento quando solicitada.

1.2 O setor de operação

O setor de operação era responsável por executar a operação dos equipamentos quando
solicitado pelo sistema, testar os equipamentos quando a usina estava em stand by e solicitar
as manutenções necessárias para garantir o bom funcionamento da usina quando havia
demanda de produção de energia térmica.

O ingresso no setor
A contratação dos profissionais era realizada através de concurso público. Os
candidatos aprovados na seleção podiam ser direcionados para a função de técnico
mantenedor ou técnico operador e realizavam um curso de formação inicial na escola da
empresa.
Havia também, até meados dos anos de 1990, através de uma parceria realizada com o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), alguns trabalhadores que ingressaram
na empresa por essa via, onde os candidatos aprovados em processo seletivo do SENAI
entravam para realizar o treinamento de eletricista ou mecânico, passando por estágios na
manutenção, para posteriormente realizarem avaliações a fim de que fosse concretizada a
contratação. Após alguns anos na função e de acordo com as demandas, estes podiam optar
por se transferirem de setor passando a atuar na operação.
19

A formação
A concessionária de energia possui uma unidade de formação profissional própria e
era responsável por treinar os novos operadores e realizar os treinamentos de reciclagem
periódicos de todos os profissionais. Apesar de o treinamento inicial ocorrer nesta unidade de
formação, era na própria usina que eles adquiriam os conhecimentos sobre operação de uma
usina termoelétrica, pois o treinamento inicial recebido era voltado para operação de usinas
hidrelétricas e trabalho com eletricidade.
Na usina, os novos operadores começavam os seus treinamentos teóricos e práticos,
atuando sob supervisão nas atividades da área de recebimento de óleo e tratamento de água.
Conforme as demandas surgiam no setor e de acordo com o desenvolvimento da experiência,
avaliada pelo supervisor de operação, estes passavam a atuar posteriormente na área da
caldeira, turbina e por fim, no painel mecânico.

Os trabalhadores
O setor de operação era composto por um supervisor de operação e operadores
programadores, operadores de painel mecânico, operadores de turbina, operadores de caldeira
e operadores de tratamento de água e recebimento de óleo. Acima do supervisor encontrava-
se o gerente da unidade.
O supervisor era responsável pela gestão das atividades de operação. Os operadores
programadores possuíam a função de realizar a gestão das permissões de trabalho (PT) e
auxiliar na programação das manutenções dos equipamentos da operação. Assim, eles
constituíam um elo entre a manutenção e a operação. As demais funções eram encarregadas
de executar as atividades de operação.

Perfil dos operadores e jornada de trabalho


Na usina estudada, havia um total de vinte e quatro operadores. A média da idade dos
operadores na usina era de 40 anos sendo que o tempo médio na operação era de 18 anos.
Os profissionais trabalhavam em três diferentes regimes de horários: 07:00 às 15:00;
15:00 às 23:00; e 23:00 às 07:00, todos com um intervalo de uma hora para o almoço. Como a
usina era localizada na rodovia, os trabalhadores pegavam um ônibus especial concedido pela
empresa. Chegando à usina, eles tomavam café da manhã, colocavam o uniforme e iniciavam
as atividades. Próximo ao horário de ir embora, alguns operadores tomavam banho e trocavam
de roupa.
20

As atividades eram executadas de segunda a sexta-feira. Eventualmente, quando a


usina estava em operação, os operadores faziam horas extras para atender as demandas. Nos
finais de semana, havia escalas para que uma equipe ficasse de plantão, para realizar o
monitoramento dos equipamentos da usina.

1.3 Estrutura organizacional da segurança

A Norma Regulamentadora nº 10 (NR 10) estabelece os critérios gerais a que as


empresas com trabalho em instalações e serviços com eletricidade devem adotar. A principal
medida orientada nesta norma é a desenergização do sistema elétrico ao realizar intervenções
em equipamentos que possuem energias perigosas. Na usina, havia uma norma voltada para a
liberação de equipamentos contendo critérios gerais, como os pré-requisitos para cada função
da hierarquia, as regras de segurança para as atividades de liberação de equipamento e as
formas de configuração das equipes. Como a maior parte do tempo as atividades aconteciam
com a usina em conservação, o isolamento das estruturas energizadas era a principal condição
para a segurança nos trabalhos de manutenção os quais ocorriam intensamente com a usina
neste estado e desempenhavam uma das principais atividades dos operadores.
Outra norma seguida pela empresa era a NR 13, a qual estabelecia as condições para
segurança em empresas que contém caldeira e vasos de pressão. As principais atividades
estabelecidas por essa norma eram as inspeções periódicas da caldeira e vasos de pressão e os
testes hidrostáticos. Outras normas como a NR 33 (espaço confinado) e NR 35 (trabalho em
altura) também eram seguidas quando havia trabalhos com essas características.
Além dessas normas, havia os procedimentos operacionais dos equipamentos, as
denominadas Unidades de Treinamentos (Uts), as quais orientam a operação, isolamento e
testes dos equipamentos, e ferramentas de gestão de segurança descritas a seguir.

Bom dia
O Bom Dia é um e-mail que deveria ser lido por todos os trabalhadores da usina, não
se restringindo apenas ao setor de operação, no início de suas jornadas de trabalho onde havia
informações sobre as atividades realizadas na usina que necessitam de atenção, como
manutenções em andamento, finalizadas e necessitadas; e medidas de segurança tomadas em
decorrência de algum evento. Também eram informados sobre a ocorrência de acidentes e
recados da gerência ou superintendência.
21

Folha de Verificação
As leituras diárias de campo deveriam ser realizadas diariamente por cada operador do
turno. Essa tarefa tinha o objetivo de verificar se os parâmetros dos equipamentos se
encontravam com os valores especificados que eram anotados em um documento chamado
Folha de Verificação.

Testes dos equipamentos


Periodicamente, os operadores realizavam testes nos equipamentos para a verificação
do funcionamento e estado. Nessa tarefa, era comum identificar deficiências ou
disfuncionamentos os quais precisam ser reparados.

Nota de serviço
A nota de serviço era um documento digital que deveria ser preenchido toda vez em
que havia a necessidade de solicitação de manutenções. As tarefas de leituras diárias de
campo e os testes de equipamento eram grandes responsáveis pela identificação desses
reparos, portanto, era comum notas de serviço serem abertas após a realização dessas tarefas.

Permissão de Trabalho (PT)


A Permissão de Trabalho (PT) era um documento preenchido por um membro da
equipe de manutenção e deveria ser avaliado pelos operadores e liberado por estes após os
procedimentos de bloqueio de equipamentos, denominados de sequência de manobras. Este é
um dos documentos exigidos pela NR 10 para trabalhos que envolvem eletricidade e deveria
ser preenchido, verificado e assinado todas as vezes que um equipamento necessitava de
intervenção.

Treinamentos de operação
Os operadores permaneciam em constantes treinamentos relacionados a operação dos
equipamentos. Estes treinamentos envolviam a leitura das Uts e acompanhamento prático dos
operadores mais experientes. Após uma avaliação do supervisor, estes passavam a
desempenhar atividades de operação do equipamento a que eram designados para treinamento
sob supervisão de um operador experiente.
22

O supervisor de operação estudava e avaliava a melhor forma de distribuir a equipe de


operação de forma com que houvesse o contato entre experientes e novatos em determinadas
funções para possibilitar esse aprendizado.
Em decorrência do pouco funcionamento da usina nos seus últimos anos e pela
aposentadoria de alguns trabalhadores experientes, esses treinamentos ocorriam de forma
mais lenta. Os operadores em treinamento conseguiam vivenciar a prática de operação
somente quando a usina estava em funcionamento ou durante os testes dos equipamentos.

Reunião Setorial de Operação


Uma vez por mês, os operadores reuniam-se na sala de operação para a reunião
setorial onde era apresentada a pauta da última reunião da CIPA, o andamento das resoluções
dos assuntos da reunião setorial anterior e a pauta da reunião do mês. Eram discutidos
assuntos envolvendo a operação, equipamentos, procedimentos, segurança e outros dentro do
contexto da usina.

Momento de segurança
Às segundas-feiras antes dos trabalhadores da usina começar as suas atividades, o
gerente da unidade realizava uma reunião de segurança com o objetivo de apresentar algum
assunto para reflexão dos trabalhadores. Esse assunto podia ser algum acidente ocorrido na
unidade ou em outras empresas ou questões de saúde apresentados através da leitura de textos,
apresentação de slides ou vídeos.

Equipamentos de Proteção
Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) eram utilizados obrigatoriamente
quando havia necessidade. São eles: capacete isolante; protetor auricular; óculos de proteção;
uniforme anti propagação de chamas; luva de algodão; luva de borracha isolante; luva de
proteção (cobre e protege as outras duas); cinto paraquedista; bota de proteção; máscara de
proteção.
Além dos EPIs, o uso dos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs) era obrigatório
quando havia a necessidade de acordo com a tarefa, como as fitas de isolamento de área e
cerquites.
23

Treinamentos de segurança
Algumas Normas Regulamentadoras estabeleciam a periodicidade de treinamentos de
segurança. Na usina, ocorriam os treinamentos da NR 10, NR 20, NR 33 e NR 35 ministrados
pelos próprios trabalhadores da usina aptos para isso. Além de possuir o conteúdo
estabelecido por essas normas, esses treinamentos de segurança continham assuntos
relacionados aos problemas da usina, casos de incidentes e situações vivenciadas pelos
trabalhadores.

Comunicado de Incidente de Segurança (CIS)


Com o objetivo de registrar os incidentes de segurança, era utilizado um formulário, já
implantado há muitos anos, que era preenchido e entregue ao setor de segurança do trabalho.
Setor este que ficava responsável pelo registro no sistema geral da empresa. Os eventos
registrados na CIS podiam ser acidentes, quase acidentes, falhas de processo ou danos nos
equipamentos que poderiam colocar a vida dos trabalhadores em risco.

Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA)


A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) é estabelecida pela NR 5 e
tinha como objetivo atuar na prevenção de acidentes e adoecimentos oriundos do trabalho. A
mesma contava com representantes dos trabalhadores de cada setor e do empregador se
reunindo duas vezes por mês, sendo uma reunião para discutir os assuntos pertinentes à
segurança e outra reunião para realizar a investigação dos incidentes registrados na CIS.

2 – O recorde

A usina estudada atingiu o recorde de seis anos consecutivos sem acidentes com
afastamento, quase chegando a sete anos. De acordo com os registros de acidentes da empresa
fornecidos pela CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), o último acidente com
afastamento foi registrado em 2013 (Figura 2). Portanto o recorde ocorreu de 2013 a 2019 e
era admirado por toda a empresa que considerava a unidade estudada um exemplo de
segurança para todas as outras unidades.
24

Figura 2 – Acidentes com afastamento na usina entre 1997 e 2018

Elaborado pela autora. Fonte: registros da empresa (2018).

Uma peculiaridade nesses registros é que o último acidente registrado em 2013


ocorreu em outra unidade operativa da mesma gerência da usina, o que leva a concluir que a
unidade estudada está sem sofrer acidentes com afastamento há 10 anos, uma vez que o
último registro ocorreu em 2009.
Os gestores também se surpreendiam com o desempenho de 2014, que foi o quarto ano
com o maior número de horas de funcionamento da história da usina (Figura 3). Nesse ano
também ocorreu uma revitalização da usina para reformar a caldeira e revisar o gerador,
chegando a trabalhar na unidade mais de 100 funcionários terceirizados que foram
contratados especificamente para este objetivo. Durante a revitalização houve alta
rotatividade de funcionários contratados.

Figura 3 – Quantidade de horas de operação entre 1987 e 2019

Elaborado pela autora. Fonte: registros da empresa (2018).

Em 2015, a concessionária de energia homenageou a usina com um troféu pela


chegada aos 3 anos sem acidentes com afastamento. O mesmo aconteceu nos anos seguintes.
25

Diante desse cenário de bons resultados de segurança, e com o desejo de manter os


seus índices, além de absorver as práticas que levaram ao recorde, os gestores da unidade
levaram essas questões para a Fundacentro-MG1, fato este que deu origem à atual pesquisa.
A questão em torno do recorde permanecia viva na empresa. Mensalmente, em uma
reunião, onde os gestores de segurança discutiam sobre os resultados de segurança, a usina era
mencionada de forma positiva, e como referência em virtude dos bons indicadores. Diante
desse contexto, o objetivo da pesquisa é compreender como o coletivo se relacionava com
esse resultado alcançado trazendo também elementos para a reflexão acerca do incentivo aos
recordes de segurança.

1
A Fundacentro é uma instituição pública Federal que tem por atribuição realizar pesquisas, estudos e promover
ações educativas relacionadas à saúde e segurança dos trabalhadores.
26

CAPÍTULO 2 – CULTURA DE SEGURANÇA BASEADA NOS FATORES HUMANOS


E ORGANIZACIONAIS E GESTÃO BASEADA NOS INDICADORES

Este capítulo apresenta uma breve revisão de literatura sobre cultura de segurança e
gestão baseada nos indicadores para auxiliar na compreensão das discussões realizadas nesta
pesquisa. É importante esclarecer que a base deste trabalho está fundamentada na abordagem
dos fatores humanos e organizacionais da segurança para que se possa compreender a
interação entre os trabalhadores, incluindo gestores, na segurança, bem como a relação da
segurança com as outras áreas da gestão, identificando condições que podem favorecer ou
dificultar a evolução da cultura de segurança. Dessa forma, busca-se discorrer de forma ampla
os aspectos centrais da cultura de segurança baseada nessa abordagem.

2.1 Cultura de Segurança baseada nos Fatores Humanos e Organizacionais (FHOS)

Essa abordagem busca valorizar a identificação e implementação de condições que


favoreçam a participação dos trabalhadores e dos coletivos de trabalho na construção da
segurança industrial através da compreensão sobre o que condiciona a atividade humana e da
ação sobre a concepção das situações de trabalho e da organização (DANIELLOU et al.,
2010). A abordagem da FHOSI traz o entendimento de que uma cultura se dá através da
experiência compartilhada de práticas que se repetem e convergem. A partir dessa
compreensão, no que tange à cultura de segurança, é possível compreender que essa
abordagem se fundamenta no engajamento dos gestores em favor da convergência entre as
informações compartilhadas e as práticas, se traduzindo pela consciência compartilhada de
que cada trabalhador possui apenas uma parcela de informações, habilidades e competências
essenciais para a segurança. Dessa forma, constroem-se práticas de discussão, da confrontação
e da integração de diferentes lógicas a partir da contribuição de todos os trabalhadores para a
prevenção, fortalecendo, consequentemente, a segurança e a qualidade de produção. E como
essa abordagem se fundamenta sempre no engajamento das pessoas, em todos os níveis da
empresa, ela traz o entendimento de que a estrutura organizacional de uma empresa pode
dificultar ou sustentar esse engajamento coletivo (DANIELLOU, et al., 2010).
O termo cultura de segurança surgiu após dois acidentes que não podiam ser
compreendidos exclusivamente por comportamentos inadequados dos trabalhadores
envolvidos, mas foram resultantes de uma acumulação de falhas organizacionais. Trata-se dos
acidentes envolvendo a explosão da nave espacial Challenger e da usina nuclear de
Chernobyl,
27

ambos ocorridos em 1986. Os investigadores desses desastres evidenciaram que havia uma
incompatibilidade entre as maneiras de fazer e de pensar compartilhadas entre os
trabalhadores e a segurança das operações (ICSI, 2017). A cultura de segurança é
desenvolvida através das práticas dos trabalhadores, sendo essas maneiras de pensar e de agir;
ou seja, é construída pelo coletivo (SIMARD, 2010). Atualmente, há mais de 50 definições de
cultura de segurança (ICSI, 2017), no entanto essa pesquisa ficará restrita ao conceito trazido
pela abordagem dos Fatores humanos e Organizacionais da Segurança Industrial (FHOSI).
Esse conceito surgiu como uma alternativa às abordagens tradicionais de segurança
que eram fortemente utilizadas nas empresas e organizações de alto risco e que consideravam
de forma limitada a dimensão humana no desenvolvimento da segurança (ROCHA et al.,
2016).
A construção de uma cultura de segurança exige uma abordagem cultural na gestão da
segurança, pelo fato de envolver relações entre trabalhadores que muitas vezes apresentam
diferentes lógicas dentro de um mesmo sistema. Dessa forma, é evidente que não é uma tarefa
fácil construir essa unidade de cultura. No entanto, cabe ressaltar que é a dinâmica das
relações entre os trabalhadores responsáveis pela construção da cultura de segurança que
possibilita que as maneira de pensar e de agir se tornem coletivas, compartilhadas, recíprocas
e aceitas (SIMARD, 2010).
A cultura de segurança se interessa, portanto, pela articulação da responsabilidade da
segurança através dos ofícios e da organização. Isso é possível ser observado em organizações
muito confiáveis, ou seja, com bons resultados de segurança, onde há o compartilhamento dos
objetivos de segurança por todos os trabalhadores (DANIELLOU; BOISSIÈRES, 2010). O
alinhamento é um caminho construído pelos dois lados, o da alta gerência com os objetivos da
organização, e da base, representando o que os operadores esperam da empresa
(AMALBERTI, 2016).
Além das interações entre os trabalhadores que colaboram para o aprendizado, o
desenvolvimento de uma cultura de segurança repousa também sobre a experiência repetida
de comportamentos convergentes os quais podem ser os diferentes sinais utilizados pelos
trabalhadores, como mensagens, formas de escuta, decisões, alocações de recursos; e os sinais
emitidos pela direção e a hierarquia na mesma direção. E sabendo que essas convergências
não ocorrem de forma espontânea, a cultura de segurança deve supor que as contradições
possam ser esclarecidas e debatidas e que as arbitragens sejam explícitas e periodicamente
reexaminadas (DANIELLOU; DUGUÉ; GRALL, 2010). Essas arbitragens são as regulações
que os trabalhadores utilizam para lidar com as contradições. Portanto, para que a cultura de
28

segurança possa se desenvolver ela precisa de espaços onde seja possível o surgimento de
conflitos construtivos (ANTONSEN, 2009).
Podem-se observar quatro tipos de cultura de segurança definidos de acordo com as
interações entre os trabalhadores e com o envolvimento desses trabalhadores em relação à
responsabilização pela segurança, conforme Figura 4 (SIMARD, 2010).

Figura 4 – Envolvimento dos trabalhadores e da hierarquia com a segurança de acordo com o


tipo de cultura de segurança

Fonte: SIMARD, M. (2010).

Na cultura fatalista há a forte crença de que os acidentes são uma fatalidade e


inevitáveis levando os trabalhadores a optarem por não tomar atitudes para poder evita-los,
convencidos de que os acidentes acontecerão de qualquer modo. Esse tipo de cultura
encontra-se atualmente marginalizado, no entanto ele ainda se apresenta em certos ofícios ou
contextos, como por exemplo, no setor de transporte rodoviário e no setor de trabalho
doméstico. Neste tipo, o gerenciamento das questões de segurança é pouco ou não envolvido
em segurança.
Na cultura de ofício há a crença da hierarquia de que a prevenção de acidentes de
trabalho é responsabilidade dos trabalhadores. Os trabalhadores presentes nesse tipo de
cultura de segurança são os mais implicados nas questões de segurança e desenvolvem boas
estratégias para lidar com as negociações de práticas informais para efetivar a segurança. No
campo da manutenção, esse tipo de cultura é ainda predominante apesar do desenvolvimento
de sistemas de gerenciamento da segurança. Neste tipo, o gerenciamento das questões de
segurança é também pouco ou não envolvido em segurança.
Na cultura gerencial existe a crença de que a hierarquia deve se ocupar do dossiê da
segurança e do posto de trabalho elaborando e desenvolvendo medidas de segurança, técnicas,
29

normas e procedimentos. O envolvimento dos operadores nas questões de segurança se limita


às suas responsabilidades de aplicar essas medidas na execução do trabalho. É o tipo de
cultura de segurança dominante nas grandes empresas de setores de risco elevado.
E na cultura de segurança integrada existe o estado onde o gerenciamento continua a
assumir o comando da ação em matéria de segurança, sendo fortemente implicado e
desenvolvendo medidas de segurança, técnicas, normas e procedimentos, bem como práticas
para favorecer o forte envolvimento dos operadores nas atividades de gestão da segurança e
na aplicação rigorosa de medidas de segurança. Muitas organizações evoluíram em direção a
esse tipo de cultura nos últimos anos e conseguiram melhorar, significativamente, seu
desempenho no controle de riscos.
É importante ressaltar que a cultura de segurança tem a característica de estar sempre
em constante evolução, podendo apresentar, portanto, uma mistura de aspectos pertencentes a
diversos tipos. Mesmo assim, há normalmente um tipo que se caracteriza como sendo o
dominante daquele coletivo de trabalho (SIMARD, 2010).
Adotar uma abordagem de desenvolvimento de cultura de segurança possibilita evitar
o raciocínio limitado em termos de prevenção e que considera a atribuição dos
comportamentos observados somente aos indivíduos. Essa abordagem permite compreender e
identificar as características de uma organização que influenciam positivamente ou
negativamente o envolvimento dos trabalhadores com a segurança (ICSI, 2017), além de se
basear em ações de sensibilização aos riscos e à segurança e em retorno de experiência do
campo, fortalecendo o compartilhamento de informações e a aprendizagem individual e
coletiva (ROCHA et al., 2016).

2.1.1 Cultura Integrada de Segurança

A complexidade e os perigos dos ambientes de trabalho, as estratégias de negócios de


algumas empresas, bem como as limitações da cultura gerencial de segurança levam cada vez
mais a uma urgente necessidade nas organizações de uma evolução em direção à cultura
integrada de segurança (SIMARD, 2010). Essa se caracteriza pela situação em que os gestores
continuam assumindo a frente das ações e decisões de segurança, mas com diferencial de que
eles buscam desenvolver diversas práticas que favorecem a participação dos trabalhadores em
atividades de gerenciamento e práticas para a aplicação de medidas de segurança, ou seja, ela
apresenta dois trabalhadores-chave os quais arquitetam esse estágio: os gestores líderes e os
trabalhadores (SIMARD, 2010). Nessa cultura, os líderes compreendem a decisão dos
30

trabalhadores dando espaço e autonomia a eles, de forma com que todos estejam envolvidos
(NASCIMENTO et al., 2016).
Ao contrário de uma cultura gerencial onde a liderança age de modo diretivo
descendente (top down), na cultura integrada de segurança os gestores líderes ao mesmo
tempo em que atuam de modo diretivo também atuam de modo participativo/ascendente
(bottom up) (SIMARD, 2010). Trata-se de uma gestão baseada na articulação equilibrada
entre o ascendente e o descendente (NASCIMENTO et al., 2016) onde há a dinâmica top
down enquadra as orientações, definições de objetivos e alocação de recursos; e a dinâmica
bottom up engloba o retorno de informações advindas da realidade do trabalho de campo
como, por exemplo, retorno de experiência em relação aos eventos indesejáveis; alertas sobre
regras desconexas com a realidade e ações de risco; dentre outros (DANIELLOU; DUGUÉ;
GRALL, 2010).
Os modos de pensar da liderança, em uma cultura de segurança integrada, são
marcados pela presença de três traços: a oposição à ilusão de controle e ao viés do otimismo,
o que faz com que haja a consciência de que más surpresas podem acontecer a qualquer
momento e para lidar com elas é necessário manter sempre um alto nível de vigilância tanto
da hierarquia quanto dos trabalhadores2; a certeza de que o controle de riscos nunca é
confiável e que sistema se torna confiável através de um processo de melhoria contínua; e a
adoção de um estilo de liderança diretiva-participativa, onde há a colaboração da hierarquia e
dos trabalhadores (SIMARD, 2010), sendo a segurança um assunto de todos (NASCIMENTO
et al., 2016).
Essas importantes convicções levam a liderança a praticar o gerenciamento de
segurança apresentando os seguintes pontos: a atribuição da segurança como um dos
principais valores da organização; a construção da credibilidade da administração para ganhar
a confiança e o respeito dos trabalhadores a fim de contar com a participação destes; a oferta
de meios que suscitam a participação dos trabalhadores; e a oferta de meios que suscitam a
aplicação de regras e procedimentos (SIMARD, 2010).
A participação dos trabalhadores na gestão de segurança se manifesta de duas
maneiras: na aplicação de regras e procedimentos e na proatividade para a segurança
individual e coletiva. Os trabalhadores, portanto, participam à sua maneira, articulando a
segurança normatizada e a

2
Como todos os esforços possíveis são feitos para manter a segurança, essa forma de pensar favorece a aceitação
dos acidentes que porventura aconteçam. No entanto, pouco se diz como lidar com a situação tratada nesta
dissertação: os sentimentos e forma de agir quando a segurança atinge um desempenho tão elevado que passa a
31
ser festejada como recordes!
32

segurança em ação ((DANIELOU et al., 2010), as quais são duas vias fundamentais para a
construção da segurança (NASCIMENTO et al., 2016).
A segurança normatizada é aquela proporcionada pelas regras, normas, procedimentos,
leis e a segurança em ação é aquela atribuída à inteligência adaptativa dos trabalhadores
(AMALBERTI, 2016), ou seja, é a capacidade individual de expertise dos trabalhadores
(AMALBERTI et al., 2018). Nessa articulação, os trabalhadores dispõem de margens de
manobra, de liberdade de ação com a possibilidade de construção das regras de trabalho de
modo contínuo (FALZON; 2016).
Dessa forma, na cultura integrada de segurança, os gestores estimulam e canalizam a
capacidade de iniciativa dos trabalhadores como estratégia para fortalecer o nível de
conformidade das regras (SIMARD, 2010), ou seja, favorecendo a participação dos
trabalhadores para que as regras se tornem pertinentes a eles. É um estado em que a
organização se desenvolve através da integração de processos reflexivos abertos à inovação
dos próprios trabalhadores (FALZON, 2016). As iniciativas de segurança dos trabalhadores
ou das equipes a partir das explicitações de suas dificuldades ou de sugestões dadas por eles
se tornam um objeto de avaliação, de registro e de compromisso a fim de dar uma resposta
(DANIELLOU; DUGUÉ; GRALL, 2010). É este o estado que deve ser buscado pelas
organizações.

2.2 Indicadores de Segurança como ferramentas de gestão e prevenção de acidentes

A tradicional abordagem de avaliação de desempenho de segurança tem como base as


medições e análises estatísticas de dados como, por exemplo, número de lesões e problemas
de saúde, frequência de acidentes e taxas de gravidade, custos de acidentes, número de quase
acidentes ou danos associados a um desempenho de segurança insatisfatório (SGOUROU et
al., 2010). Estes processos de acompanhamento e medição de desempenho embasados em
conjuntos de indicadores e resultados de desempenho fazem parte dos sistemas de gestão
baseados na melhoria contínua (SILVA et. al., 2012).
Muito frequentemente, acredita-se que uma das formas de alcançar melhorias nos
resultados de segurança ocorre através do controle sistemático do local de trabalho a partir da
produção e do acompanhamento de indicadores. Para a obtenção deles, o desempenho em
saúde e segurança do trabalho é medido e avaliado através de auditorias e inspeções
retratando o desempenho relacionado à prevenção de acidentes (SGOUROU et al., 2010),
adoecimentos e falhas de processo.
33

Os sistemas de gestão de segurança e saúde no trabalho (SGSST) podem ser


entendidos como ferramentas gerenciais que contribuem para a melhoria do desempenho da
segurança e saúde do trabalho, em consonância com o atendimento das legislações vigentes,
aumento da produtividade, diminuição de acidentes, credibilidade perante a opinião pública e
crescente conscientização quanto à segurança e à saúde dos trabalhadores e parceiros da
organização (OLIVEIRA; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2010).
A primeira tentativa de sucesso com o objetivo de estabelecer uma referência
normativa para implementação de um SGSST visando à melhoria contínua das condições do
meio ambiente de trabalho foi a criação, em 1996, da norma britânica BS 8800. Alinhada com
os conceitos e diretrizes das normas da série ISO 9000 (Sistema da Qualidade) e série ISSO
14000 (Gestão Ambiental) esta norma desencadeou o processo de desenvolvimento das
normas denominadas OHSAS (Occupational Health and Safety Assessment Series). Em 1999
foi publicada a norma OHSAS 18001, desenvolvida para o gerenciamento das obrigações de
Saúde e Segurança no Trabalho (SST) substituída posteriormente pela versão de 2007 com
algumas alterações referentes a novas exigências e requisitos para investigação de acidentes
(OLIVEIRA; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2010).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também apresenta a ILO-OSH 2001
que são diretrizes para a implantação de SGSST com o objetivo de atuar como um manual de
auxílio às organizações como meio de alcançar melhorias no desempenho de saúde e
segurança no trabalho SST. São diretrizes de caráter voluntário e não passíveis de certificação
desenvolvidas em conformidade com os princípios acordados em âmbito internacional e
definidos pelos constituintes tripartidos da OIT. Essas diretrizes têm como principal objetivo
contribuir para a proteção dos trabalhadores contra riscos e para a eliminação de lesões
relacionadas ao trabalho, doenças, incidentes e mortes (OIT, 2001). A ILO-OSH 2001
estabelece também a necessidade de monitoramento e medição do desempenho do SGSST
através de indicadores.
A definição de indicadores de desempenho em SST e seu acompanhamento é um dos
quesitos relacionados a boas práticas para um SGSST. Acredita-se que a definição,
implementação e monitoramento dos indicadores permite a visualização do estado em que se
encontra o sistema de gestão de segurança e saúde e consequentemente a autoavaliação da
performance e o estabelecimento de planos de ação para possíveis correções dos objetivos e
metas estabelecidos (OLIVEIRA; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2010). Os indicadores são
medidos e controlados seguindo uma metodologia para a coleta, tratamento e análise dos
dados e avaliação da informação (SILVA et. al., 2012) para que possam passar por
auditorias e
34

receberem certificações de programas de gestão. Essas taxas podem englobar incidentes como
acidentes, quase acidentes, bem como falhas de processo e outros fatores estabelecidos pelas
organizações.
Os indicadores de segurança podem ser divididos em reativos e proativos. Os
indicadores reativos são os que se baseiam nos acidentes, doenças e outros resultados
indesejados, como exemplo as estatísticas sobre ocorrência de acidentes, ou seja, são eventos
que já aconteceram. Em relação aos indicadores proativos, estes se relacionam com potenciais
eventos que podem acontecer antecipando-os permitindo aos gestores o acompanhamento dos
objetivos de segurança (PERNAS, 2012).
As taxas de frequência e de gravidade são os indicadores de segurança mais
frequentemente monitorados os quais se enquadram como indicadores reativos.

2.2.1 O alcance limitado dos Indicadores de Segurança

As organizações enfrentam vários riscos que podem levar a acidentes de trabalho e


acidentes de processo ou industriais (DANIELLOU; SIMARD; BOISSIÈRES, 2010). Os
acidentes de processo estão ligados à operação do processo produtivo da empresa podendo
afetar as instalações, os trabalhadores, o meio ambiente, podendo atingir a população em
geral. Já os acidentes de trabalho são aqueles que possuem origens que poderiam desencadear
em um acidente industrial; ou aqueles com origens muito distantes do processo produtivo.
Essa última classificação sustenta a ideia de que os riscos de acidentes não são
revelados pelos resultados de segurança expressos em indicadores como taxas de frequência
global de acidentes de trabalho, porque esses índices descrevem somente o que já aconteceu.
Da mesma maneira, as ferramentas guiadas pelos indicadores estatísticos de frequência ou
gravidade utilizados com muita frequência podem não ser suficientes para gerar um sistema
que permita capturar os fatores que desencadeiam o acidente e assim não geram ações que
permitam resolver os problemas de forma efetiva (LA GARZA; POY, 2009), uma vez que na
maioria das vezes, os indicadores não contemplam a realidade de trabalho (ROCHA;
MOLLO; DANIELLOU, 2019) retratando uma falsa sensação de segurança (ANTONSEN,
2009).
Embora os indicadores possam expressar bons resultados, há casos em que a segurança
pode estar comprometida. Isso se explica através do entendimento de que essas taxas, na
verdade, geram as seguintes consequências: agrupam nos mesmos números os acidentes de
processo e os acidentes de trabalho; enfatizam mais as reflexões sobre os acidentes leves e
que ocorrem com mais frequência em relação aos acidentes graves e muito raros;
produzem
35

diagnósticos muito simples para acidentes de processo, sendo que estes possuem um conjunto
de origens e causas técnicas organizacionais que devem ser levadas em consideração;
reforçam ações que tratam o comportamento humano levando a subestimação de ações sobre
as instalações da empresa (DANIELLOU; SIMARD; BOISSIÈRES, 2010).
A história dos acidentes industriais retrata a armadilha que os indicadores de
segurança oferecem através dos casos de empresas que passaram um longo período de tempo
sem a ocorrência de acidentes ou incidentes reforçando o fato de que mesmo que os
números expressos em indicadores retratem um cenário com resultados positivos os acidentes
graves podem ocorrer como, por exemplo, na plataforma Deepwater Horizon e na Refinaria
Texas City, empresas que estavam há anos sem acidentes (RODRIGUES et al., 2011; BP,
2007; BP 2010). Portanto, essas ações voltadas para a melhoria da segurança e que utilizam
indicadores para análise e decisão sobre quais ações devem ser implementadas são
ineficientes, uma vez que contemplam apenas uma parte dos problemas e não evitam
acidentes com consequências graves e menos frequentes (HUDSON, 2007). Para atingir essa
eficiência na gestão de segurança, os incidentes menos graves e quase acidentes devem ser
tratados conforme o nível de relevância e influência que cada um possui para a geração de
acidentes graves (MERCADO, 2019).
Além dessa limitação que os indicadores sofrem em relação à realidade em relação aos
riscos de acidentes, eventos como quase acidentes e falhas de processo podem também não
ser revelados pelos indicadores de gestão habituais, uma vez que muitos deles são conhecidos
pelos operadores de campo, mas não se revelam espontaneamente pelos sistemas de
informação existentes (DANIELLOU; SIMARD; BOISSIÈRES, 2010) mostrando-se
ineficientes também em captar as situações de campo (AVEN; KROHN, 2014).
Portanto, sabendo que aspectos importantes dos riscos não são contemplados pelos
números, é necessário que os sistemas de gestão de segurança evoluam no sentido de se evitar
uma gestão de segurança baseada apenas em indicadores, onde se caminha para uma cultura
gerencial de segurança, uma vez que esse tipo de gestão pode ignorar um risco real ou levar a
tomadas de decisões baseadas em crenças e suposições (AVEN; KROHM, 2014).

2.2.2 Pirâmides de acidentes

A preocupação com a prevenção de acidentes é um assunto que faz parte da reflexão


na vida do homem há muito tempo, talvez até antes do que já sabemos, uma vez que ele
sempre teve que lidar com riscos de alguma forma, seja executando uma atividade de trabalho
ou fora
36

dele. Após a segunda Revolução Industrial, no final do século XVIII, os riscos e a segurança
passaram a preocupar não só aqueles que faziam o trabalho, como também, aqueles que o
projetavam ou administravam (HOLLNAGEL, 2014).
Herbert William Heinrich foi um influente especialista na área da segurança e exemplo
histórico da preocupação com a prevenção de acidentes. Suas reflexões têm sido a base do
ensino e das práticas relacionados à segurança há muitas décadas (MANUELE, 2011;
BUSCH, 2021). Ele atuou como Superintendente Adjunto da Divisão de Engenharia e
Inspeção da Travellers Insurance Company, uma empresa que existe ainda hoje e que oferece
seguros de acidentes para indústrias de diversos setores. A função de Heinrich era revisar
relatórios e recomendações dos fiscais que coletavam as informações diretamente nas
empresas, acrescentando melhorias e escrevendo uma carta ao segurado. Ele também
participou de vários estudos relacionados a segurança dentro da Travellers, deixando como
legado duas das metáforas mais icônicas da segurança: a Teoria dos Dominós e o Triângulo
ou Pirâmide de Acidentes (BUSCH, 2021).
Um dos objetivos dos seus primeiros estudos era descobrir os custos diretos e indiretos
dos acidentes. Com a intenção de formular algo prático para que seus clientes pudessem usar
em suas práticas diárias e para gerar economia a longo prazo para a empresa onde trabalhava,
ele avaliou as causas de acidentes a partir dos registros dos seguros industriais que ele coletou
no final da década de 20 (DEKKER, 2018). Foram estudadas as causas de 75.000 acidentes e
os primeiros resultados desse estudo foram publicados no “The 44rigino f Accidents”, em
março de 1928, onde foi apresentada proporção 88:10:2 que postula que a proporção de
causas diretas de acidentes são 88% atribuídos a “atos inseguros”, 10% a “condições
inseguras” e 2% são acidentes inevitáveis (BUSCH, 2021).
No mesmo ano, mais tarde, Heinrich apresentou a proporção 1:29:300 (Figura 5),
outra ideia publicada no artigo “The Foundation of a Major Injury”, baseada em algumas das
descobertas feitas no artigo anterior (BUCSH, 2021). De acordo com a sua teoria, a cada 300
acidentes, 29 acidentes apresentam ferimentos leves e 1 ferimento grave (MANUELE, 2011;
HOLLNAGEL, 2014; DEKKER, 2018; BUSCH, 2021). Essa pesquisa mostrou que houve
muito mais acidentes sem ferimentos do que acidentes com ferimentos, sejam eles, leves ou
graves e deu origem a famosa Pirâmide de Acidentes.
37

Figura 5 – Pirâmide de Heinrich

Elaborado pela autora. Fonte: BUSCH, C. (2021).

Em 1934, foi publicado pela Travellers um folheto sobre como os acidentes


acontecem, apresentando outra ideia de Heinrich: o modelo dominó. Essa teoria afirmava que
um acidente ocorre em cinco etapas, das quais as três primeiras representavam as causas,
sendo elas, o ambiente social e ancestralidade; a culpa da pessoa; o ato inseguro e risco
mecânico e/ou físico; o acidente; e a lesão. O modelo propõe que quando o primeiro dominó
cai, os outros o seguem; e para evitar um acidente, é necessário retirar o dominó que o
precede (BUSCH, 2021).
Essas conclusões foram publicadas no livro “Industrial Accident Prevention”, que
contou com quatro versões, sendo a primeira publicada em 1931 e a última publicada em
1941. Na primeira versão, Heinrich atribui 88% dos acidentes a causas de natureza
fiscalizadora, apesar de já falar em “fracasso do homem”, e na versão de 1941, a “atos
inseguros”. Essa última versão também enfatizou o papel e a responsabilidade da gestão na
prevenção de acidentes, no entanto, a origem dos acidentes ainda eram atribuíveis mais ao
homem do que diretamente aos gestores (BUSCH, 2021).
De acordo com Busch (2021), embora a mensagem que Heinrich se propôs a transmitir
em relação a proporção de acidentes e a teoria dos dominós fosse mais equilibrada, houve má
interpretação do seu estudo de forma que o fator comportamental e a culpa dos trabalhadores
se sobressaíssem como causas diretas dos acidentes influenciando outros estudos baseados
nessa ideia behaviorista.
38

Um desses estudos é o de Frank E. Bird Jr que, anos depois, se interessou em dar


continuidade ao estudo de Heinrich. Ele trabalhava como diretor de segurança da Lukens
Steel Co. quando liderou uma pesquisa de 7 anos que analisou 90.000 acidentes. O resultado
foi uma nova pirâmide de acidentes com a proporção 1:100:500, sendo 1 ferimento
incapacitante para 100 ferimentos leves para 500 acidentes com danos materiais. Em 1966, ele
publicou o livro “Damage Control”, onde ele criou a conhecida “Pirâmide de Bird”, com base
em mais 1,5 milhão de acidentes relatados por 297 empresas, trazendo uma nova proporção,
1:10:30:600 (Figura 6), sendo 1 ferimento grave ou fatal para 10 acidentes com ferimentos
leves para 30 acidentes com danos materiais para 600 quase acidentes (BUSCH, 2021).

Figura 6 – Pirâmide de Bird

Elaborado pela autora. Fonte: BUSCH, C. (2021).

A recomendação de Bird é a da eliminação da base da pirâmide para garantir que nada


chegue ao nível de acidentes graves ou fatais. Segundo ele, ao tratar a base os outros níveis
poderiam ser reduzidos. E esse tratamento também deveria ser focado no controle de
conformidade dos comportamentos dos trabalhadores.
Essas duas abordagens influenciaram outros estudos de desenvolvimento de outras
pirâmides (ICNA, 1969; FLETCHER; TYE; PEARSON, 1974; SKIBA, 1979; DUPONT,
1990) e influenciam até hoje as estratégias gerenciais para prevenção e redução de acidentes
com foco na eliminação das causas que contribuem para a ocorrência de lesões.
39

Em 1979, Fletcher e Douglas defenderam os programas de Controle Total de Perdas


com o objetivo de reduzir e eliminar todos os acidentes que prejudica o sistema produtivo. E
para implementar programas de Controle Total de Perdas é necessário agir desde a prevenção
de lesões até o controle total (FIGUEREDO JUNIOR, 2009).
No final da década de 90, com base nos estudos anteriores, a empresa Du Pont lançou
a Pirâmide de Desvios acrescentando mais um nível: o nível dos desvios. Na sua proporção,
para cada 30.000 desvios, ocorrem 3.000 incidentes, 300 acidentes sem afastamento, 30
acidentes com afastamento e 1 acidente fatal (Figura 7). Nessa abordagem, o foco é a atuação
no tratamento de desvios para promover a segurança evitando um grande acidente fatal.

Figura 7 – Pirâmide de Du Pont

Elaborado pela autora. Fonte: LANÇA, S. B. C. (2016).

Os acidentes graves da pirâmide estão relacionais aos acidentes com afastamento,


representados pela taxa de LTI (Lost Time Injury). E muitas empresas estão apresentando
cada vez mais os números de LTI como medidas de desempenho total de lesões (O’NEILL;
MCDONALD; DEEGAN, 2015).
As proporções descritas pelas pirâmides de acidentes são usadas para chegar à
distribuição de diferentes tipos de ocorrências em um determinado período de tempo,
normalmente um ano. E isso é usado como referência para determinar se o número de
acidentes em uma empresa é alto ou baixo, fazendo parte de relatórios anuais. A interpretação
que se faz das pirâmides é que quanto mais grave for o resultado, menor é o número de
ocorrências na
40

base e, inversamente, quanto menor o número de acidentes na base, maior é a probabilidade


de acidentes graves. Com isso, acredita-se que quanto mais anomalias forem identificadas,
mais acidentes poderão ser previstos e evitados (HOLLNAGEL, 2014). Assim, as pirâmides
contribuíram também para a visão de que, através de um modelo de gestão de identificação,
controle e tratamento dos desvios, é possível evitar acidentes (FIGUEREDO JUNIOR, 2009),
podendo chegar ao zero acidente grave, mesmo que essa meta não tenha sido a intenção de
Heinrich.

2.2.3 Diamante da prevenção

Após os acidentes graves de Texas City e Deepwater Horizon, a pirâmide de acidentes


foi revisitada e foi observado que, apesar de ter havido bons resultados de segurança com
redução de acidentes de trabalho, o número de lesões graves e acidentes fatais mostrou um
declínio muito mais lento, chegando a conclusão de que olhar para o triângulo inteiro está
errado (MANUELE, 2008), uma vez que desvia a atenção da gestão colocando mais energia
na prevenção de acidentes menos graves.
A pirâmide mistura diferentes indicadores para segurança operacional e de processo
(HOPKINS, 2008; ICSI, 2019). Porém, as organizações enfrentam vários tipos de riscos que
podem levar a diferentes graus de acidentes como, acidentes de trabalho relativamente
frequentes e leves; acidentes de trabalho graves, podendo ter mortes; ou acidentes maiores,
que são os acidentes industriais ou de processo que podem afetar funcionários, instalações,
população e o meio ambiente, representando a maior ameaça às pessoas e à sobrevivência da
organização (ICSI, 2019).
A interpretação equivocada da pirâmide de acidentes estabeleceu o mito de que
eventos menores e eventos sérios são proporcionais entre si, e que se houver a redução da
base da pirâmide haverá a redução do topo também. No entanto, na base existem, ao mesmo
tempo, eventos leves que não têm ligação com o processo; e eventos que poderiam facilmente
ter se tornado algo muito mais sério por estarem ligados ao processo, ou seja, são acidentes
leves ou quase acidentes com potencial para se tornar acidentes graves (ICSI, 2019).
Quando as práticas de segurança dedicam todos os seus recursos e tempo para
gerenciar os eventos menores da pirâmide, isso tem um efeito muito limitado ou nenhum
efeito na prevenção dos eventos mais graves (ICSI, 2019). Isso é o indicativo do que
aconteceu em Texas City (HOPKINS, 2018), por exemplo. A pirâmide se torna uma
armadilha (ICSI, 2019), porque nem todos os eventos que estão na base do triângulo têm o
potencial de se transformarem em
41

algo sério (BUSCH, 2021), portanto as ações de prevenção devem dar mais atenção à pequena
parte da base que se refere aos eventos que se as circunstâncias se modificassem um pouco,
acidentes mais sérios poderiam ter acontecido (ICSI, 2019). Ou seja, a base da pirâmide
necessita passar por um filtro.
Em verdade, a pirâmide de acidentes precisa evoluir para o Diamante de Prevenção
(figura 8), uma vez que a base da pirâmide necessita ser filtrada. É necessário que se
compreenda que alguns eventos menores apresentam alto potencial para ser sérios. Esses
devem ser compreendidos, observados, analisados e desvendados (ICSI, 2019), ou seja, esses
eventos merecem atenção e tratamento para a prevenção efetiva.
Alguns caminhos podem ser adotados para promover a compreensão das situações ou
eventos menores que estão na base do Diamante e que podem evoluir para eventos maiores
com consequências graves, como por exemplo, analisar a atividade sob o olhar da Ergonomia
Francesa buscando identificar como os trabalhadores se desdobram para atingir os resultados
desejados em determinada tarefa, o que interfere nessa dinâmica e como eles conseguem ter
bons resultados. Promover Espaços de Debate sobre o Trabalho (EDT) é outro caminho que
pode ser adotado e que possibilita o tratamento desses eventos do Diamante de Prevenção.
Também é possível através da avaliação e da discussão dos sinais fracos, uma vez que isso
possibilita a promoção do aprendizado coletivo acerca dos pequenos sinais que antecedem os
eventos, educando a percepção de risco dos trabalhadores.
42

Figura 8 – Diamante da Prevenção

Elaborado pela autora. Fonte: ICSI (2019).

Esse capítulo tratou de dois temas centrais para a compreensão da discussão e da


proposta feita pela pesquisa. As teorias apresentadas colaboram para a reflexão e explicação
dos efeitos gerados pela supervalorização do recorde de segurança atingido pela usina; para a
compreensão da necessidade de abandonar as velhas práticas de gestão de segurança baseada
em números; e para o esclarecimento sobre a importância da participação dos trabalhadores na
construção de uma cultura de segurança baseada no diálogo com a aceitação da voz dos
trabalhadores.
43

CAPÍTULO 3 – PERCURSO INVESTIGATIVO

Neste capítulo, apresentaremos os métodos utilizados durante a pesquisa, refletindo


sobre os acontecimentos durante o percurso investigativo. Para melhor entendimento dos
contextos da demanda inicial, dos estudos de casos e das metodologias escolhidas, serão
apresentados casos que ilustram a relação dos trabalhadores com o recorde e como eles se
ajustam no sentido de manter o status alcançado pela empresa.

3.1 Contexto geral

A pesquisa que deu origem a esta dissertação foi realizada em uma usina produtora de
energia térmica localizada em Juatuba, Minas Gerais. Apesar de a planta e alguns
equipamentos importantes serem bastante antigos e de estarem sofrendo considerável
concorrência com as usinas eólica e solar na época da pesquisa, a usina em estudo continuava
à disposição do sistema elétrico brasileiro. A idade da planta, a complexidade da operação e
manutenção dos equipamentos, e um período de cinco anos3 consecutivos sem acidentes com
afastamento, chamaram a atenção para uma investigação.
Por esse motivo, gestores da usina buscaram ajuda acadêmica para compreender a
relação entre o período sem acidentes com afastamento e as reuniões setoriais do setor de
operação. Este contato inicial possibilitou a formação de um comitê gestor da pesquisa,
formado por pesquisadores da Fundacentro-MG, Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), para acompanhar o trabalho
acadêmico e prático realizado pela autora.
O momento em que a usina enfrentava também era um fator relevante desse contexto.
A planta estava com a operação e o quadro de funcionários reduzidos, com previsão de
aposentadoria de trabalhadores experientes. Apesar disso, mesmo com a baixa solicitação de
operação para fornecimento de energia elétrica ao sistema, a usina mantinha as suas
atividades diárias concentradas na manutenção, testes de equipamentos e treinamentos. Um
fato evidente é o trabalho coletivo que caracterizava o estado de manutenção da usina em
conservação

3
Quando a pesquisa foi solicitada pelos gestores, a usina já tinha completado cinco anos de recorde. Ao longo da
investigação de campo, foi possível acompanhar a marca de seis anos consecutivos e um acidente dias antes da
usina completar sete anos sem acidentes consecutivos.
44

parcial. No entanto, ainda não eram bem compreendidos como os fatores que colaboram para
a configuração dessa coletividade se combinavam e se transformavam diante deste contexto.
Apesar de a concessão da usina finalizar em 2023, foi decidido pela direção da
concessionária o encerramento das atividades em dezembro de 2019 devido aos elevados
custos do petróleo e aumento da oferta de energias alternativas.

3.2 Construção da demanda

A demanda que deu origem à essa pesquisa partiu do Técnico de Segurança do


Trabalho e dos gestores da empresa. Ela se enquadra na busca pela explicação de como se
construía a segurança na usina incorporando as contribuições geradas pelos próprios
trabalhadores. O relato que o Técnico de Segurança trouxe aos pesquisadores é o fato de que
eles não sabiam explicar como se deu a construção dos resultados de segurança que a usina
vinha atingindo ao longo dos últimos anos, uma vez que enxergavam a presença de riscos que
poderiam gerar acidentes. Segundo ele, os gestores, bem como ele próprio, concordavam que
os próprios trabalhadores faziam a gestão desses riscos, porém eles não entendiam como isso
era feito.

“[...] Eu não entendo qual é a organização que eles têm para poder trabalhar do
jeito que eles trabalham e conseguir passar por isso sem se acidentar” (Técnico de
Segurança, 13 anos de experiência).

De acordo com uma hipótese dada pelo Técnico de Segurança, os resultados de


segurança atingidos pela usina se caracterizavam por uma relação com a reunião setorial de
operação, pois se tratava de um momento onde os operadores possuíam liberdade para debater
os problemas do cotidiano e as dificuldades que eles possuíam no trabalho buscando uma
solução.

“[...] Eles “quebram o pau”, discutem, mas no final eles chegam em uma conclusão
que tudo indica que é a melhor para aquela situação que está sendo tratada” (Técnico
de Segurança, 13 anos de experiência).

Essa hipótese era baseada no conhecimento que ele possui em relação à bibliografia
sobre segurança, especialmente a espaços de debate sobre o trabalho e seus benefícios para a
segurança no trabalho.
45

“[...] Eu comecei a ver características daquilo que o Raoni descreveu como espaço
de debate sobre o trabalho na reunião setorial que acontecia aqui [no setor de
operação]. Se é isso aqui que o Raoni viu lá na França e que vale tanto para
segurança, de repente a gente tem alguma coisa aqui que ultrapassa o tempo que eu
estou aqui na usina e que vem se construindo ao longo desse tempo. Uma forma de
trabalhar, que é construída coletivamente entre eles e que tem valido para a
segurança tanto quanto para os procedimentos. [...] Por isso que eu acreditei que
havia ali [na reunião setorial de operação] uma demanda que poderia ser
explorada e que de repente ajudaria a explicar porque a gente fica tanto tempo sem
acidente mesmo no ambiente que tudo indica que nós estamos em uma situação
onde o risco está aí presente e o acidente pode acontecer” (Técnico de Segurança,
13 anos de experiência).

A pesquisa se iniciou pela busca da compreensão da relação entre a construção da


segurança na usina e a reunião setorial de operação. Essa era uma reunião com
aproximadamente uma hora e meia de duração que ocorria mensalmente na sala de controle.
Era uma ferramenta de gestão usada para informar e discutir assuntos da operação
relacionados à segurança, atividade, organização do trabalho e informativos da administração.
Cada setor da usina possuía uma reunião setorial.
A hipótese, já diagnosticada pelo Técnico de Segurança do Trabalho, foi agravada ao
longo da pesquisa uma vez que o Supervisor de Operação declarou que a reunião setorial
precisava de ajustes para melhor colaborar para a segurança e também porque uma parte dos
operadores se mostraram insatisfeitos com essa ferramenta.
No entanto, durante a pesquisa outra questão se destacou após uma apresentação na
Semana Interna de Prevenção de Acidentes (SIPAT) sobre um tema que cabia no contexto da
usina. Foi abordado o caso do acidente que aconteceu na plataforma de petróleo Deepwater
Horizon, no Golfo do México e sua comemoração de 7 anos sem acidentes antes do evento.
Dentro das reflexões sobre esse caso, foi mencionado sobre a falha dos indicadores de
segurança em agrupar em um mesmo patamar riscos com potenciais diferentes e sobre a
ilusão que eles geram mascarando a realidade4.

4
A palestra foi apresentada pela pesquisadora. A escolha deste tema ocorreu devido ao fato de que alguns
documentos já estavam sendo analisados, dentre eles os registros de acidentes e as atas da reunião setorial de
operação. E após várias entrevistas com os trabalhadores, observação dos documentos e das discussões nas
46

Dias depois da SIPAT, um trabalhador confessou que concorda com o cuidado que se
deve ter com os bons resultados de segurança exemplificando um acidente que aconteceu com
ele, que poderia ter gerado afastamento e acabado com o recorde comemorado pela usina se
ele tivesse optado por relatar. Mas, não foi o que aconteceu.
Ao aprofundar essa questão com os trabalhadores em entrevistas e na reunião setorial
de operação, emergiram outros casos de acidentes que ocorreram durante os últimos seis anos
e que repercutiram com discórdias entre os trabalhadores em relação a necessidade de
afastamento e um caso de silenciamento de um acidente para evitar o fim do recorde e a
responsabilidade por isso. Dessa forma, foi constatada a necessidade de aprofundamento
dessa questão, uma vez que tal situação pode representar o início de um estágio patológico
prejudicial à cultura de segurança. A hipótese defendida aqui é a de que o recorde pode
influenciar os trabalhadores nas suas decisões de registro.

3.3 Objetivos

O objetivo geral dessa pesquisa é investigar como o coletivo se relaciona com o


recorde alcançado em segurança e os efeitos disso, partindo-se dos casos que emergiram no
campo a respeito das discordâncias quanto à caracterização de eventos a serem declarados
como acidentes e silenciamento para a manutenção do período de 6 anos sem acidentes com
afastamento.
Para adentrar a complexa interação de fatores que caracterizam esse contexto,
pretendemos aprofundar nas seguintes questões:
Evidentemente, qualquer e toda redução da frequência e gravidade de acidentes é
sempre benvinda, mas como evitar que as conquistas obtidas nessa luta pela segurança se
transformem em um peso, sendo vivido como fonte de ansiedade? Como algo que foi pensado
como um estímulo positivo se torna um peso que traz sofrimento?
Como evitar que o medo de sofrer o próximo acidente leve à fragilização do sistema
de prevenção, atrapalhando o processo de aprendizagem que levou à produção de segurança?

reuniões setoriais, foi observado que na usina ainda aconteciam acidentes, mas eles não eram aparentemente tão
graves para entrarem na contagem do recorde.
47

3.4 A pesquisa qualitativa

Estudar trabalhadores inseridos em um contexto de trabalho, onde as interações sociais


fazem parte do tema central da pesquisa, se enquadram nos temas de difícil análise empírica.
Sabe-se que o processo de trabalho é composto pelas variabilidades presentes nele, sua
organização, as dificuldades dos operadores, os mecanismos de regulação, o funcionamento
das proteções, dentre outros fatores os quais devem ser levantados e compreendidos para que
se compreenda de fato o trabalho (ALMEIDA; VILELA, 2010). A literatura relacionada a
acidentes de trabalho, em sua maioria, se baseia apenas em números e ferramentas de gestão.
A ideia inicial do estudo foi utilizar uma abordagem diferenciada a qual possibilitasse, a partir
de estudos empíricos, englobar o contexto social em que se insere o objeto (MINAYO, 1994)
além de compreender a complexidade em torno dos trabalhadores e da organização.
O campo de pesquisa apresenta alguns elementos que poderiam ser objeto de análises
quantitativas como, por exemplo, a quantidade de horas da usina em funcionamento e a
frequência de tarefas simples ou complexas. No entanto, essa pesquisa recorre à metodologia
qualitativa a qual possibilita uma abertura multimetodológica. Dessa forma, a coleta de dados
foi baseada na Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e a análise desses dados foi baseada
no conceito da Grounded Theory (GT) ou teoria fundamentada.
A AET é uma metodologia descritiva-qualitativa fundamental para compreender a
complexidade do trabalho a partir da observação das situações reais de trabalho de forma a
entender as maneiras como os trabalhadores se comportam ao exercer a atividade
(CARVALHO; MENEGON, 2014). A partir de uma abordagem baseada na perspectiva
antropocêntrica, o que a torna diferenciada (SZNELWAR, 2001), essa análise considera a
distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real uma vez que é neste espaço que se
inscreve a realidade da atividade. Ela busca, portanto, analisar as estratégias de regulação e
antecipação que os trabalhadores utilizam para lidar com essa distância (GUÉRIN et al.,
2001). O trabalho prescrito, também chamado de tarefa, é tudo aquilo que o trabalhador deve
fazer e que é passado para ele em forma de instruções. Já o trabalho real, também chamado de
atividade, é tudo aquilo que de fato o trabalhador faz e como faz para atingir os objetivos da
empresa.
O processo da AET parte de uma demanda e a sua condução é uma construção que se
elabora e toma forma ao longo do percurso o que faz com que cada ação ergonômica seja
singular. Alguns pontos durante o percurso são fundamentais, como a análise da demanda
buscando compreender o contexto, as tarefas envolvidas, os disfuncionamentos para que se
necessário, reformular a demanda. O ergonomista deve também interagir com os
trabalhadores
48

para analisar o processo técnico e produtivo a partir de entrevistas. É importante também que
se levantem os traços do funcionamento da empresa, como características da população, da
produção, indicadores de saúde e segurança, etc. Outro ponto importante são as observações
abertas, as quais podem ser realizadas ao mesmo tempo em que se interage com os
trabalhadores a fim de identificar um pré-diagnóstico. A partir disso, é possível definir um
plano de observações sistemáticas focando tudo que interage com as hipóteses já levantadas
com o objetivo de validar esses dados. Os registros das situações são recursos indispensáveis
para o sucesso da análise os quais contam com gravações das entrevistas individuais, coletivas
e de autoconfrontação, filmagens das situações de trabalho e fotografias. Dessa forma, tem-se
um diagnóstico a respeito da situação analisada, bem como um diagnóstico global sobre a
influência da organização (GUÉRIN et al., 2001).
Portanto, a abordagem metodológica utilizada para coleta de dados nessa pesquisa foi
baseada na AET com o intuito de identificar os principais fatores técnicos e organizacionais
que influenciam na segurança. Em um primeiro momento, buscou-se familiarizar com os
processos e contexto para posteriormente aproveitar todas as oportunidades de análise sem a
preocupação de seguir as etapas em uma sequência lógica, uma vez que o percurso de uma
pesquisa de campo é sempre incerto (TAROZZI, 2011), utilizando-se de recursos como
câmeras, gravador e caderno de anotações. Buscou-se abordar o maior número possível de
trabalhadores, respeitando aqueles que não se dispuseram para participar das entrevistas.
Para a análise dos dados, o conceito da GT foi utilizado como base. Trata-se de uma
metodologia que preconiza o surgimento de uma teoria complexa e articulada que nasce a
partir dos dados que emergem no campo através das observações acompanhadas de uma
reflexão do pesquisador. Os dados coletados na realidade vivida pelo pesquisador
fundamentam essa teoria emergente, ou seja, ela é uma teoria enraizada, firme à terra que
pode ser entendida como a realidade (TAROZZI, 2011).
O percurso da pesquisa foi dotado de um “vai e vem” no sentido de seguir um ponto
de partida de forma não ordenada e constante, retornando em algumas passagens, mas sempre
em um nível diferente e mais alto (TAROZZI, 2011) para entender a realidade de trabalho,
aprofundar os casos e construir a teoria.
49

3.5 Materiais e métodos

A pesquisadora esteve presente em campo, acompanhando as reuniões setoriais e os


operadores na sala de controle nas áreas de operação durante um ano. Esse acompanhamento
foi realizado cerca de seis horas diárias, na maioria das vezes no primeiro turno ou turno
comercial, pelo menos duas vezes por semana. A escolha dos dias e dos turnos era realizada
com o objetivo de acompanhar as reuniões setoriais e também por sugestões dadas pelos
próprios operadores e gestores, os quais indicavam quando aconteceriam atividades
consideradas por eles como sendo relevantes para a pesquisa.
O contexto de trabalho e a complexidade das atividades de operação eram
desconhecidos pela pesquisadora o que levou à necessidade de um período de familiarização
com os termos e conceitos utilizados pelos operadores e para o conhecimento geral da
operação, o qual foi possível a partir da imersão naquele contexto. Este período se
caracterizou por leituras em documentos sobre os processos de operação, observações globais
e abertas das atividades de operação e entrevistas individuais e coletivas.
Incialmente foram feitos registros de diversas situações sem julgamento de relevância,
uma vez que ainda não havia familiaridade com o contexto. Posteriormente, ao longo dos
meses, surgiram registros os quais foram julgados pelos operadores e gestores como sendo
importantes para aprofundamento na pesquisa, uma vez que estavam diretamente ligados à
segurança. O esquema (Figura 9) a seguir apresenta os elementos que emergiram ao longo da
pesquisa.

Figura 9 – Elementos que emergiram no campo de pesquisa

Elaborado pela autora. Fonte: dados da pesquisa (2019).


50

As primeiras observações ocorreram em abril de 2018, permitindo uma exploração


inicial da organização do trabalho da operação e um contato mais próximo com as equipes e
com o processo de trabalho na usina. O início das visitas a campo ocorreu com o
acompanhamento da reunião setorial de operação, onde foi apresentada a equipe de operação
e o objetivo da pesquisa. Ao longo da pesquisa também foram observados treinamentos,
reuniões e atividades de operação.
Eram realizadas anotações em um bloco durante o dia da visita para depois serem
repassadas para o computador e realizar a análise. Eram coletadas verbalizações e
informações importantes para o contexto da pesquisa durante o acompanhamento. As
perguntas consecutivas a respeito das verbalizações eram realizadas durante o
acompanhamento ou o mais breve possível após o acompanhamento, uma vez que certas
atividades não podiam ser interrompidas. Foi concedido à pesquisa acesso a documentos da
empresa que contém registros de acidentes e informações a respeito das pautas das
reuniões setoriais de operação. Essas
informações eram analisadas e posteriormente esclarecidas pelos trabalhadores.
Foram realizadas entrevistas individuais, coletivas e de autoconfrontação a respeito de
eventos históricos e situações da usina para compreensão do contexto, além de entrevistas a
respeito das situações observadas em campo e dos casos. À medida que surgiam demandas
para serem aprofundadas, as entrevistas foram realizadas de forma mais focalizada a respeito
de cada assunto, também de forma coletiva e individual.
51

CAPÍTULO 4 – A INFLUÊNCIA DO RECORDE NO COMPORTAMENTO DOS


TRABALHADORES

A sociedade atual vem valorizando a competição e a meritocracia de forma a impor


um padrão de comportamento que valoriza aqueles que alcançam o primeiro lugar,
privilegiando ou destacando o mais forte ou habilidoso e utilizando, muitas vezes, os
perdedores como exemplo negativo. Isso leva à assimilação da imagem das pessoas que
conseguem atingir esse patamar à de herói (RUBIO, 2001). Neste contexto, com o objetivo de
alcançar sempre os melhores resultados, essa prática deixou de apresentar a superação do
próprio limite para se tornar a superação do resultado do adversário, levando a uma luta
constante das pessoas que conseguem essa vitória para manter a posição de destaque (RUBIO,
2006).
No âmbito da segurança do trabalho, a busca pelos melhores resultados é um dos
objetivos a ser atingido. Os rankings de segurança constituem a estratégia gerencial comum
para redução de acidentes. Muitas vezes, essas práticas são acompanhadas de troféus,
premiações e até mesmo recompensas financeiras.
Esse capítulo retrata como os trabalhadores se relacionam com o resultado de
segurança alcançado pela usina cujo status é o de um recorde indicando que este pode
influenciar no comportamento dos trabalhadores levando a tolerância ou silenciamento de
acidentes, além de gerar um mal-estar entre a equipe após a ocorrência de algum acidente. Por
trás de uma lógica de supervalorização deste resultado, dois acidentados foram acusados de
proteger o recorde por causa do não afastamento; e outro acidentado escolheu não declarar o
evento para não acabar com o recorde, situação revelada pelo próprio trabalhador. Os quatro
casos mostrados no Quadro 1 são discutidos neste capítulo e ilustram essa realidade.
52

Quadro 1 – Relatos de acidentes influenciados pelo recorde


Caso 2: Corte no Caso 4:
Caso 1: Queda Caso 3: Queda
dedo da mão Perfuração no pé
Tempo de
5 anos 5 anos 6 anos 6 anos
recorde
Tipo de
Sem afastamento Sem afastamento Silenciado Com afastamento
acidente
Repercussão
Controvérsia Controvérsia - Fim do recorde
interna
Elaborado pela autora. Fonte: dados da pesquisa (2019).

4.1 Os últimos acidentes na usina

Através dos registros de acidentes, é notável que a usina vem construindo ao longo dos
anos boas práticas que favorecem a segurança, uma vez que os resultados apontam que houve
poucas ocorrências ao longo dos últimos 10 anos.
Os acidentes mais graves que ocorreram na história da usina foi um acidente com
queimaduras geradas por um arco elétrico, em 2003, com 90 dias de afastamento; e um
acidente com esmagamento e fratura do polegar, em 2009, com 77 dias afastamento. Em
2006, houve uma morte em acidente de trânsito, que não consta no gráfico mostrado
anteriormente (item 2.1.3) uma vez que este se trata apenas de acidentes com afastamento.
Essas ocorrências fazem parte dos acidentes que incidem sobre o indicador de acidentes com
afastamento, bem como acidentes com tempo de afastamento menores, como por exemplo,
um acidente com incidência de corpo estranho no olho de um mecânico em 2001, com 4 dias
de afastamento; um ferimento no dedo, em 2008, com 2 dias de afastamento; e uma contusão
do dorso e do ombro durante uma movimentação de carga em 2009, com 3 dias de
afastamento. O último acidente com afastamento registrado ocorreu em 2013 com um
terceirizado em outra unidade da mesma gerência. O quadro abaixo sintetiza esses exemplos
de acidentes com afastamento.
53

Quadro 2 – Últimos acidentes com afastamento na usina


Tempo de
Ano Consequência do acidente
afastamento

2001 Projeção de corpo estranho no olho 4 dias

2003 Queimaduras geradas por arco elétrico 90 dias

2008 Ferimento no dedo 2 dias

2009 Contusão do dorso e do ombro 3 dias

2009 Esmagamento e fratura do polegar 77 dias

Elaborado pela autora. Fonte: dados da pesquisa (2019).

Em 2015, a direção homenageou a usina com um troféu pela chegada aos 3 anos
consecutivos sem acidentes com afastamento. O mesmo ocorreu nos anos seguintes dando à
usina o “status” de exemplo de segurança. Após o último acidente com afastamento registrado
em 2013, outros acidentes ocorreram nos últimos anos, no entanto, sem afastamento, como
um acidente em 2017 com um operador que sofreu queda ao pisar na tampa de um poço
levando a escoriações nas costas e membros inferiores; e outro que ocorreu no mesmo ano
com um operador que sofreu corte no dedo necessitando realizar suturas no local do
ferimento; e em 2018 ocorreu um acidente com um mecânico que sofreu queda de mesmo
nível causando inchaço das mãos e dores fortes nos braços e ombros. Com exceção deste
último, esses acidentes foram registrados através de um formulário para registro e
comunicação de eventos, sejam eles, acidentes ou quase acidentes.

4.2 O recorde e seus murmúrios

Ao longo da investigação, ao analisar a relação dos trabalhadores com o resultado


atingido pela usina, oi identificado que o recorde se tornou, em algumas situações após a
ocorrência de acidentes, discórdia entre os trabalhadores. Os casos discutidos abaixo,
revelados através das observações das atividades, diálogos entre os trabalhadores e
entrevistas, devem ser entendidos como parte deste contexto. Eles esclarecerão como o
recorde pode gerar acusações entre os trabalhadores quando os acidentes não geram
afastamentos ao mesmo tempo em que levam parte dos trabalhadores a acreditar que esses
casos deveriam gerar afastamento.
54

Caso 1: Potencial acidente grave

Quando a usina é acionada para fornecimento de energia ao sistema, a equipe de


operação tem 24 horas para colocá-la em funcionamento. Antes da partida, os operadores
verificam os componentes da caldeira através de um check-list e ligam os primeiros
equipamentos, como os ventiladores de ar forçado (VAFs), por exemplo. Ao ligar um VAF, o
operador deve verificar a válvula de abertura do dumper de descarga do ventilador indicada
pela movimentação da haste.
Em um dia de partida da unidade, o operador de caldeira, ao se dirigir para o local
onde é possível verificar essa movimentação, caminhou olhando para cima em direção ao
dumper. No meio do caminho havia uma tampa de acesso à tubulação de descarga da CWP
(Central Water Plant) que estava mal posicionada. Essa tubulação se localiza no piso
subterrâneo e a profundidade entre a abertura do acesso ao piso subterrâneo é de
aproximadamente 5 metros. Ao pisar nessa tampa, o operador de caldeira caiu e se apoiou
com os dois braços nessa abertura evitando a queda no chão do piso subterrâneo.

“[...] Na hora que eu caí, acho que o braço abriu, aí eu travei. E não fui parar lá em
baixo” (Operador de caldeira, 6 anos de experiência).

Segundo este operador, sua perna bateu nos degraus de uma escada que há neste acesso que
ficou com um hematoma e inchaço. Após isso ele comunicou o incidente ao técnico de
segurança e buscou atendimento médico logo em seguida. Ao ser atendido, foi tirada uma
radiografia da perna do operador que foi avaliada pelo médico, cuja decisão após essa
avaliação e do questionamento a respeito da atividade do operador foi de fazer a liberação
para o retorno ao trabalho, não necessitando de afastamento.

“[...] Tirei radiografia e o cara [médico] disse que não precisava de atestado não. E
disse que estava tranquilo. Foi só uma batida, né? Não ia gerar afastamento. [...]
No outro dia eu estava aqui partindo a usina, andando para lá e para cá. Foi só
uma pancada. Quando eu caí eu bati minha canela em um degrau de ferro, ficou um
pouco inchado, nem gelo eu coloquei. No outro dia não tinha mais nada na canela.”
(Operador de caldeira, 6 anos de experiência).
55

O operador relata que ele retornou à usina no mesmo dia, porém, como estava no final
do seu turno, ele não retomou a atividade de operação de caldeira, ficando na sala de controle.

“Já estava no fim do dia, né? E eu fiquei na sala. Nem voltei para área não. O
pessoal que assumiu lá a partida” (Operador de caldeira, 6 anos de experiência) .

O acidente foi registrado via formulário de comunicação de incidentes da empresa e


posteriormente, foram tomadas algumas ações propostas na reunião de investigação de
incidentes realizada pela CIPA, como por exemplo, o reforço da tampa de acesso à tubulação
de descarga da CWP.
No entanto, o que era para ser um assunto resolvido segundo critérios técnicos tornou-
se alvo de conversas informais entre os trabalhadores, uma vez que parte deles acredita que o
acidente foi grave e deveria ter gerado afastamento. Além disso, eles acusaram o acidentado
de não querer se afastar para não quebrar o recorde, ou seja, ele foi acusado de influenciar a
decisão do médico.

“[...] Na época, o pessoal disse assim: “você não está querendo afastar para não
perder o índice [recorde]”. Eu disse que não foi nada disso e que o médico disse que
eu tinha condições de voltar ao trabalho. O pessoal estava achando que eu não
queria me ausentar para a gente não perder os 3, 4, 5 anos sem acidentes com
afastamento. [...] A gente estava naquele negócio de conseguir o índice, né. Não sei
se na época já tinha 3 e ia para o quarto ano. Ou já tinha o quarto e ia para o
quinto. Se caracterizasse como acidente com afastamento ia para a estaca zero, né.
Eu disse: “não teve nada disso”. Se eu não estiver sentindo boa condição de
trabalhar eu não vou vim. Não estou preocupado com índice. Estou preocupado
com a saúde” (Operador de caldeira, 6 anos de experiência).

Em conversa com um médico, o critério utilizado para caracterizar o afastamento é a


gravidade do ferimento, o estado físico do acidentado e a natureza da atividade que é
analisada com base nas informações obtidas durante o atendimento.

“Eu avalio o ferimento, o estado da pessoa... Pergunto sobre a atividade também.


Se não for afetar a atividade eu não afasto. Mas se for alguma coisa grave, não tem
jeito” (Médico, 8 anos de experiência).
56

Os gestores afirmam não influenciar os trabalhadores a manterem o resultado ao


buscar atendimento médico, mas acreditam que eles têm certo grau de influência na decisão
do médico. A verbalização abaixo ajuda na compreensão desse pensamento da gestão.

“Então, é aí que tá. Você é uma médica. Acabei de chegar aqui na frente e te falei
que estou com dor de barriga hoje. Você pode até me perguntar detalhes do produto
dessa dor de barriga, do resultado dessa dor... Você não viu. Você está acreditando
no que eu estou te falando. Aí você entende assim: “ah, então tá bom, eu vou te dar
15 dias de afastamento”. O outro é aqui: “estou com um corte no meu dedo”. E aí,
o que você faz? Sou operador. E o que isso aí implica? Nada. Ou ele pode falar
assim: “ah, isso aqui vai acabar comigo...”. A decisão é dele. Ninguém colocou
nada na cabeça dele. Eu não estava na porta do consultório para conversar com o
médico. O gerente não estava lá. A decisão foi dele” (Técnico de Segurança, 12
anos de experiência).

Eles também acreditam que este contexto de um resultado de segurança valorizado por
todos os motiva a “colaborarem” com esforço para a fim de que o recorde seja mantido.

“Na hora lá [do atendimento médico], isso é um comprometimento de todos. Não


tem nada escrito e a gente não obriga a pessoa a ter afastamento ou não. [...] Se
tivesse um ambiente desmotivado ele ia pedir uma semana, aí o médico já sapeca
uma semana [sobre o acidente discutido aqui]. Foi potencialmente grave, ele ralou
todo, ele disse que estava um pouco dolorido, mas estava bem para trabalhar.
Entendeu?” (Engenheiro gestor, 13 anos de experiência).

No caso do acidente discutido aqui, o fato de ter sido um acidente em um local onde a
queda no chão pudesse causar danos maiores ao acidentado devido à altura entre o acesso à
tubulação e o chão do subsolo levou alguns trabalhadores a suporem que o acidentado
estivesse sentindo fortes dores na perna e que isso poderia ser motivo de afastamento. O
entendimento desses trabalhadores pode ser explicado pelos casos de acidentes anteriores ao
recorde onde o acidentado foi afastado após uma queda sem ferimentos visíveis.

“[...] Você já viu a altura lá [do local do acidente]? Ele podia ter quebrado a perna”
(Mecânico, 13 anos de experiência).

Com o passar dos dias, este caso foi esclarecido através das reuniões setoriais e
conversas informais considerando esse argumento de que, na verdade, a gravidade deste caso
57

está no potencial do acidente que poderia ter acontecido e que poderia voltar a acontecer caso
não houvesse o reforço da tampa no devido local.

“Comigo foi de leve a médio, porque teve uma pancada na canela. Mas ele tem
potencial para ser mais grave. Porque se eu não tivesse travado na tampa ali eu
tinha caído em cinco metros, meu pé podia ter ficado preso numa escada e o corpo
ter ido, se eu tivesse caído direto eu poderia ter quebrado algum membro inferior”(
Operador de caldeira, 6 anos de experiência).

Este caso ilustra o fato de que, por trás de alguns acidentes, o recorde pode aparecer
como elemento causador de discórdia entre os trabalhadores da usina, uma vez que houve
acusações a respeito da influência do acidentado na decisão do médico quanto ao afastamento.

Caso 2: “Alguns pontinhos”

“Acidente mesmo nunca tive não. Só esse” (Operador de painel, 30 anos de


experiência).

Quando a usina não está em funcionamento gerando energia para o sistema elétrico, ou
seja, em conservação parcial, a operação e a manutenção se responsabilizam por garantir que
a usina esteja em boas condições para operar quando for solicitada pelo sistema. Para isso, a
equipe de operação realiza os testes nos equipamentos além de identificar quais os
equipamentos necessitam de reparo. E a equipe de manutenção se responsabiliza por realizar
as manutenções solicitadas pela operação ou as que já são programadas pelo setor. Os
operadores são divididos em turnos e no horário comercial, sendo que nos turnos fica pelo
menos um operador de cada área (tratamento de água; caldeira; turbina e painel mecânico) e
no horário comercial, além dos operadores do turno ainda se encontra um operador-
programador e o supervisor de operação.
Em um dia durante o segundo turno da usina em conservação parcial, o operador do
painel mecânico estava na sala de controle e teve que ir à área da turbina para trocar um
cilindro de hidrogênio. Para realizar essa tarefa, ele precisava girar uma válvula que estava
muito apertada dificultando a sua atividade. Então, ele teve a ideia de ir até a oficina pegar um
tubo para ser utilizado como alavanca com o objetivo de facilitar a abertura da válvula.
Quando ele utilizou o tubo, ao bater com a mão no tubo para empurrar uma chave de abrir
válvula, ele sofreu um corte no dedo devido a uma rebarba neste tubo. Na verdade, a
válvula não estava
58

rígida. O operador estava tentando girar ela para o lado contrário de abertura. Além disso,
essa não é uma tarefa rotineira do operador de painel.
Segundo este operador, como houve sangramento e o corte foi um pouco profundo ele
decidiu buscar atendimento médico para dar alguns pontos. O procedimento da empresa, em
caso de acidentes, é buscar o atendimento na rede pública, mas este foi realizado em um
hospital particular devido à demora no atendimento no estabelecimento público onde ele já
havia passado pela triagem e classificado como “verde” pelo hospital, o que quer dizer que
não era grave e não necessitava de urgência. Ao ser atendido, o operador recebeu dez micro
pontos no dedo.

“Quando tem acidente o plano de atendimento manda levar para lá [rede pública].
[...] O atendimento muito demorando, muita gente na fila... Na triagem dele
[operador], ele precisava tomar uns pontinhos no dedo, mas mesmo assim foi
classificado como verde. Ele ia ficar lá para o fim da fila. Não era tão urgente”
(Operador de caldeira, 6 anos de experiência).

A decisão do médico após a análise e tratamento do ferimento e do questionamento a


respeito da atividade do operador foi de fazer a liberação para o retorno ao trabalho. Portanto,
o operador não necessitou de afastamento e ele pôde continuar suas atividades. Segundo o
operador, ele retornou à usina no mesmo dia.
Este acidente foi registrado via formulário oficial da empresa e posteriormente,
algumas ações foram implementadas após serem propostas na reunião de investigação de
incidentes realizada pela CIPA com o objetivo de eliminar este tipo de evento novamente.
No entanto, entre os trabalhadores também houve murmúrios a respeito deste caso.
Isso porque parte deles acreditam que este acidente deveria ter sido um acidente com
afastamento e que a decisão quanto ao afastamento teria sido do próprio acidentado, ou seja,
subentende-se que parte dos trabalhadores acreditam que o acidentado teria influenciado a
decisão do médico. Esse murmúrio permanece até o momento.

“Eu ainda acho que era para ter afastado” (Mecânico, 13 anos de
experiência).

Ao compreender com esses trabalhadores o motivo pelo qual eles acreditam que o
afastamento deveria ter sido dado ao acidentado o fato de ter tido um corte com necessidade
de sutura apareceu como critério de afastamento, uma vez que eles acreditam que poderia
haver o
59

risco de infecção durante a atividade, sendo, portanto, necessário o afastamento de alguns dias
para que o ferimento se cicatrizasse como verbalizado por um trabalhador.

“Teve que dar ponto. Podia ter infeccionado” (Mecânico, 13 anos de experiência).

O trabalhador acidentado acredita que não há o risco de infecção na atividade de


operador de painel, uma vez que as tarefas, em sua maioria, envolvem observação das
informações no painel, controle do mesmo, liberação de documentos e outras atividades
administrativas.

“Assim, a minha atividade, como é aqui no painel, unidade parada, é mais aqui no
painel. Não tem muito trabalho manual igual vai na caldeira. Então eu também não
usaria a mão de forma que pudesse abrir o ponto e infeccionar o machucado,
entendeu? Eu podia continuar trabalhando com aqueles pontinhos” (Operador de
painel, 30 anos de experiência).

De acordo com a opinião de um médico, para a atividade do operador acidentado na


usina e discutido aqui, não era necessário o afastamento.

“[Sobre o corte do operador] foram micro pontos, realmente não atrapalha... Isso
pelo o que você está dizendo sobre a atividade dele” (Médico, 8 anos de
experiência).

Entre os trabalhadores da usina, em decorrência dos acidentes com afastamento


ocorridos anteriormente ao recorde e devido a forma como ocorreu este acidente, eles
acreditam que o operador não quis o afastamento para não quebrar o recorde da usina.

“O cara não quer destruir [recorde] uma coisa que é tão valorizada pelo grupo que
ele faz parte. Que é ficar sem acidente, de mostrar que aqui se faz diferente com
relação à segurança e que isso tem dado certo. Porque ninguém aqui perderia o
emprego por isso. Agora, eu vi o que aconteceu com o operador. Ele poderia, se ele
quisesse, ter afastado [...]. Eu só posso levantar hipóteses. Eu acredito [...] que ele
não quis ser a pessoa que iria acabar com essa marca que tanto eles se orgulham.
Agora, você sabe o que aconteceu no dia? Ele estava girando a válvula para o lado
errado” (Técnico de segurança, 12 anos de experiência).
60

Ao questionar o médico sobre a possibilidade da influência de trabalhadores em suas


decisões a respeito do afastamento, este declarou que há casos onde ele se deparou com
pacientes pedindo para que fosse concedido o afastamento e que isso normalmente ocorre em
dias próximo a feriados. No entanto, o mesmo declara não ter tido experiência com pacientes
pedindo para não serem afastados.

“[Sobre pessoas pedirem afastamento] ah, tem demais. Tem gente que pede para
afastar sim, principalmente perto de feriado. [...] Agora, para não afastar, nunca
vi” (Médico, 8 anos de experiência).

Este é mais um caso que retrata o impacto que o recorde pode gerar no coletivo de
trabalho uma vez que, neste caso, também houve esse murmúrio e discordâncias em relação
ao critério de afastamento utilizado no caso. Esse impacto pode não ser observado em todos
os casos uma vez que tudo indica que isso ocorra quando há ambiguidade interpretativa a
respeito dos acidentes.

“Acaba gerando um comprometimento. Aí aquele [acidente] que pegou na


“beirada”, podia ter caído tanto para um lado quanto para o outro [ter afastamento
ou não], entendeu?” (Engenheiro gestor, 13 anos de experiência)

É possível observar também o esforço que o coletivo faz na tentativa de manter o


resultado indicando tolerância a pequenos acidentes.
61

Quadro 3 – Acidentes sem afastamento e com controvérsias

Acidentes Caso 1: Queda Caso 2: Corte no dedo

Consequência Dores na perna Sangramento no dedo

Decisão do Comunicação e busca por Comunicação e busca por


trabalhador atendimento médico atendimento médico

Radiografia; liberação do retorno Suturação; liberação do retorno ao


Decisão do médico
ao trabalho trabalho

Critério médico para a Avaliação de radiografia e Avaliação da condição do


tomada de decisão condição do acidentado acidentado e atividade

Alguns trabalhadores
Alguns trabalhadores
argumentaram que o médico não
argumentaram que o médico não
Repercussão interna deu afastamento em decorrência
deu afastamento em decorrência de
de suposta influência do
suposta influência do acidentado
acidentado

Critério coletivo para


Suposição de dores fortes Necessidade de suturação
o afastamento

Característica do ambiente onde


Razão para o critério Risco de infecção durante a
ocorreu o acidente (altura de 5
coletivo atividade
metros)
Esclarecimento de que para a
Esclarecimento de que a seriedade atividade de operação do painel
Esclarecimento
deste caso está no acidente (função do acidentado) não há risco
coletivo da
potencial e não no acidente de infecção, ao contrário das
controvérsia
ocorrido atividades de operação de turbina e
caldeira, bem como de manutenção
Elaborado pela autora. Fonte: dados da pesquisa (2019).

No Quadro 3, uma síntese dos principais elementos que envolveram os dois casos de
acidentes sem afastamento detalhados acima, evidenciando: as consequências de cada
acidente para o acidentado; as decisões tomadas pelos acidentados após os acidentes; as
decisões dos
62

médicos que atenderam os trabalhadores; os critérios que os médicos utilizaram para tomar as
decisões; os critérios utilizados pelo coletivo para defender o afastamento; as razões para a
adoção dos critérios de afastamento pelo coletivo; e os posteriores esclarecimentos que
ocorreram sobre cada acidente para que o coletivo compreendesse os motivos pelo não
afastamento.

4.3 O peso do recorde: quebrar ou não quebrar?

“Só mais esse ano sem acidente” (Engenheiro gestor, 13 anos de experiência).

Os resultados da investigação, ao analisar a influência do recorde na decisão dos


trabalhadores, identificaram também que essa convivência no âmbito de um resultado de
segurança aclamado como um recorde pode levar a decisão de tolerar acidentes na intenção de
manter a imagem da empresa e proteger a imagem pessoal. O caso discutido abaixo, revelado
através de um relato voluntário por parte de um mecânico, deve ser entendido como parte
deste contexto. Ele esclarece que incentivar ou supervalorizar o recorde pode gerar um peso
para os trabalhadores na tentativa de manter o resultado. Abaixo um resumo (Quadro 4) dos
principais elementos presentes no caso.

Quadro 4 – Acidente silenciado em decorrência do recorde


Acidente Caso 3: Queda
Consequência Dores no ombro e no braço
Silenciar e buscar atendimento médico após o
Decisão do trabalhador
expediente
Critério utilizado para a Atividade administrativa programada para o dia
tomada de decisão (não requeria esforço físico)
Razão da decisão do Responsabilidade pela quebra do recorde;
trabalhador “acidente pessoal”
Elaborado pela autora. Fonte: dados da pesquisa (2019).
63

Caso 3: Suportando a dor

No início da jornada, o ônibus que transporta os trabalhadores da usina os deixa na


portaria e vai embora. Em dias de chuva, o ônibus normalmente aguarda até que todos passem
o crachá na catraca e os leva até o local próximo aos prédios da manutenção e operação. Essa
distância da portaria até a este local equivale a aproximadamente 150 metros. Nem todos os
trabalhadores descem de ônibus após passarem o crachá preferindo ir a pé até os seus locais
de trabalho. Assim que os trabalhadores chegam aos seus devidos prédios, estes se dirigem
aos vestiários para vestirem o uniforme de trabalho o qual é a uma calça, uma camisa
antichamas e uma botina de segurança. Ainda há os equipamentos de proteção individual,
porém estes são obrigatórios apenas em algumas áreas de risco.
Em um dia de chuva leve, o mecânico desceu do ônibus, passou o seu crachá na
catraca e logo após passar o seu crachá ele permaneceu por alguns poucos instantes indeciso
se desceria de ônibus ou a pé até o seu local de trabalho. Quando ele decidiu descer de ônibus,
com o intuito de não atrasar os seus colegas e deixar que o motorista de ônibus o esperasse,
ele correu para alcança-lo mais rapidamente. Nessa época, havia dias em que ocorriam chuvas
ao longo do dia e isso fez com que parte do concreto no chão ao redor da portaria sofresse a
formação de lodo. Ao passar correndo por este local com presença de lodo, o mecânico
escorregou e caiu batendo fortemente o seu ombro e braço direito no chão.
Segundo este mecânico, um dos seus colegas o ajudou a levantar, pois ele ficou no
chão por alguns segundos, e depois disso eles se dirigiram até o ônibus. Os outros colegas
perguntaram se ele estava bem e se havia machucado, mas ele afirma que comunicou aos seus
colegas que estava bem, pois logo após essa ocorrência ele não sentiu dores. No entanto, o
mesmo relata que duas horas depois o seu braço e ombro começaram a doer bastante o
incomodando durante o trabalho levando-o até a ter dificuldades para levantar os braços.
Neste momento, em que surgiu o incômodo da dor, ele confessa que ficou em dúvidas se
comunicaria a gestão sua necessidade de procurar atendimento médico. A sua decisão foi a de
não comunicar e suportar a dor até o final de sua jornada.

“Porque se eu for no hospital e tiver que afastar, quantos dias de afastamento vai
ser? Aí a usina vai zerar aquela placa ali, então eu fiquei na dúvida. [...] Mas se
fosse em outra situação, se não tivesse isso aí [o recorde] eu iria [...]” (Mecânico,
12 anos de experiência).
64

Ao expor os motivos pelos quais o levou a tomar essa decisão de não comunicar as
dores no braço e no ombro, ele se preocupou com a questão do tempo sem acidentes com
afastamento que a usina atingiu, pois ele não queria ser a pessoa responsável pela quebra do
recorde. Na verdade, ele não tinha certeza se o médico daria a ele o afastamento, mas para
evitar o que para ele é um constrangimento, ele preferiu suportar a sua dor até o final do dia.
Segundo ele, essa dor foi suportável porque naquele período ele estava fazendo atividades
administrativas as quais não requeriam esforço físico como uma atividade de manutenção.
Após a sua jornada de trabalho ele foi até a uma farmácia comprar remédios para amenizar as
suas dores.

“Se tivesse em uma atividade que me demandasse fazer assim um pouco mais de
esforço eu acho que não conseguiria fazer. [...] Atividade de desmontar
equipamento, mais braçal mesmo. Essa semana eu estava fazendo coisa mais
administrativa mais no computador. Estava mais tranquilo [...] (Mecânico, 12 anos
de experiência).

Caso ele quisesse ser atendido por um médico para que o seu estado fosse avaliado ele
teria que registrar o seu acidente através do procedimento de comunicação da usina, porém
nem mesmo esta comunicação formal ele quis fazer, uma vez que, segundo ele, para ele o
acidente que aconteceu naquele dia foi muito imprevisto e pessoal. Na visão dele, o fato de
ser pessoal marcaria a sua imagem caso o recorde fosse quebrado. Além disso, ao fazer essa
comunicação formal ele teria que passar por uma investigação de acidentes realizada pela
CIPA que analisaria o ocorrido e naquele momento em que ele escorregou ele estava usando o
seu tênis de uso pessoal. O que ele chama de acidente pessoal é explicado por ele como um
acidente em que ele ajudou a provocar. No acidente dele o lodo, o tênis sem uma boa
aderência e a sua decisão de correr possibilitaram a ocorrência do acidente.

“[...] Como foi uma coisa muito mais pessoal ali... [...] Tem acidente que não tem
jeito. Acontece. Você tá ali, entendeu? No processo ali... Mas o acidente ali que
você foi a causa raiz disso ali, você carrega isso aí, é complicado” (Mecânico, 12
anos de experiência).

Este caso retrata o peso que o recorde pode gerar para os trabalhadores da usina uma
vez em que há a preocupação em relação a repercussão interna e externa gerada pela quebra
do recorde e o sentimento de fracasso perante os colegas. Este peso pode não recair sob todos
os trabalhadores ou em qualquer tipo de acidente uma vez que quando se trata de
acidentes
65

notavelmente graves, ou seja, aqueles com ferimentos que incapacitam o retorno ao trabalho,
podendo apresentar também perdas materiais, não há dúvidas quanto ao afastamento.
Fazer parte do coletivo que colabora para que o recorde a cada dia seja superado
aparece como uma decisão realizada pelo mecânico no momento em que surge o
questionamento quanto ao rompimento desta imagem da usina. Isso demonstra que o coletivo
age com coerção, mesmo que de forma involuntária. É possível fazer uma alusão ao mundo
do esporte onde a dificuldade que os protagonistas possuem em relação à derrota está ligada a
posição que essa condição assumiu na cultura contemporânea ocidental onde a derrota é a
sombra social (RUBIO, 2006).

Por trás do peso há, portanto, a grande responsabilidade que os trabalhadores sentem de
sempre agir de modo que um acidente não aconteça e devido à forma com que a quebra do
recorde pode repercutir dentro da unidade. Isso revela a dificuldade tanto do ponto de vista
individual como social em lidar com uma expectativa não realizada (RUBIO, 2006).

“Eu acho que é uma marca bacana, mas é uma responsabilidade muito grande que
a gente tem para poder manter isso aí. [Quando acontece um acidente]. Você acaba
ficando exposto. [...] A questão de afastar: você fez a usina perder ali 6 anos sem
acidente. Não sei. É uma coisa que para mim ficaria essa marca aí. [...] O pessoal
aqui, até em tom de brincadeira, ficaria [dizendo] “o cara que zerou a placa ali”.
Então você acaba levando um pouco essa marca. [...] Então eu tenho essa
preocupação. Eu acho que todo mundo tem essa preocupação. Ninguém quer
carregar isso” (Mecânico, 12 anos de experiência).

4.4 O recorde e a sua proteção

“Teve uma ocorrência e ele [operador] foi imprudente, né? [...] Um procedimento
errado dele. A usina funcionando. [...] Ele tinha que trocar o filtro [de óleo, de acordo
com o procedimento]. Mas, não precisava trocar o filtro porque não estava sujando
[de óleo]. [...] O outro operador já tinha olhado isso e falou que não precisava. Ele
foi trocar o filtro. Não esperou um ajudante. Para trocar, tinha o procedimento que
você tinha que esperar decantar [o óleo] e ele não esperou. E, na hora, ele abriu
uma válvula errada para ele escorrer [o óleo] mais rápido. Aí ele abriu essa válvula
para ele abrir a tampa [do reservatório]. E nele abrir a tampa com um machado ou
algo assim [porque estava com vácuo], esse óleo veio e derramou no corpo dele e
no rosto, inclusive. E atingiu o outro ajudante lá. Aí ele lavou o rosto, mas o erro
dele foi lavar o rosto com produto químico, no caso um desengraxante. Até que ele
[desengraxante] não atinge a pele, mas aí deu conjuntivite química. O médico
deu dois dias [de
66

afastamento] para ele. Aí ele veio trabalhar. [...] Aí ele teve que voltar no médico
para renunciar aquele atestado. Aí ele conseguiu anular o atestado de afastamento.
Foi um acidente. Não foi nada grave, mas teve isso aí do desconforto do recorde”
(Programador de Manutenção, 30 anos de experiência).

Outro resultado da investigação, ao analisar a relação dos trabalhadores com o recorde,


evidenciou que em algumas situações pode levar a decisão de retornar ao médico para trocar o
atestado na intenção de manter o resultado atingido pela empresa. A verbalização acima,
revelada através de um relato voluntário após a apresentação desses resultados para os
trabalhadores, se trata de um acidente não analisado nessa pesquisa que ilustra esse retorno ao
médico. Nesse caso, o cancelamento do atestado de afastamento foi efetivado. Já o caso
discutido abaixo, revelado através da comunicação do acidente, deve ser entendido também
como parte desse contexto. Ele esclarecerá que incentivar ou supervalorizar o recorde pode
influenciar os trabalhadores a abdicar os seus direitos com a intenção de manter o resultado.
No Quadro 5 há um resumo dos principais elementos presentes no caso.

Quadro 5 – Acidente responsável pelo fim do recorde


Acidente Caso 4: Perfuração do pé
Consequência Sangramento; dor; e inchado do pé
Comunicar ao gestor e buscar atendimento
Decisão do trabalhador
médico imediatamente
Injeção para aliviar a dor; prescrição de vacina; e
Decisão do médico
afastamento de 2 dias
Critério utilizado pelo
médico para o Possibilidade de infecção
afastamento
Comparecimento ao trabalho no outro dia mesmo
Atitude do trabalhador
com o atestado
Motivo da atitude do
Possibilidade de “ajuste” do atestado
trabalhador
Elaborado pela autora. Fonte: dados da pesquisa (2019).

Caso 4: Fim do recorde

“Parece que quanto maior o recorde, maior o desconforto [de sofrer um acidente]”.
(Programador de Manutenção, 30 anos de experiência)
67

Após o almoço, por volta das 13h, uma equipe de auxiliares mecânicos, parte do
quadro de funcionários terceirizados fixos, estava realizando uma atividade já programada
quando foram interrompidos por um gestor que solicitou o exercício de outra demanda.
Tratava-se de um serviço de recolhimento de resíduos de materiais composto por pallets,
tábuas e fragmentos de madeira. Foi contratada também uma empresa terceirizada de
transporte de resíduos. A equipe tinha que colocar essa sucata dentro de uma caçamba tipo
roll on.
Então, a equipe se dirigiu até o local para recolher os resíduos. No momento em que
eles chegaram lá, o entrevistado relatou que estava chovendo forte e que eles esperaram a
chuva amenizar. Nesse pequeno período de tempo, a equipe responsável pelo serviço tentou
negociar com o gestor e com o motorista do caminhão para que essa atividade fosse realizada
em outro dia, uma vez que, segundo ele, o tempo era muito curto. No entanto, essa negociação
não foi possível porque a empresa de transporte cobraria por mais um dia de aluguel e o
gestor da usina não liberou mais um dia de contratação.

“A caçamba chegou umas 13h. Só que até 16:30 era um tempo curto para a gente
carregar. [...]Eu falei que não dava para a gente fazer aquele trem naquele prazo
não. [...]Eu falei com o caminhoneiro”. "Isso aqui não aconteceu de a gente
carregar carga no mesmo dia não". Aí ele foi lá e falou que ligou no patrão dele. Só
que aí ele falou que se pegasse e deixasse a caçamba tinha que pagar mais por dia
que ela ia ficar. Aí não sei como aconteceu, ninguém concordou aqui [na empresa].
Isso aí eu não sei como funciona isso” (Auxiliar mecânico, 7 anos de experiência).

Segundo outro gestor, a empresa poderia ter comparecido no período da manhã, mas
chegaram à usina após o almoço. Como a negociação não foi possível e eles precisavam
retirar os resíduos naquele mesmo dia para não perder o contrato, foi decido que o serviço
deveria ser realizado naquele espaço de tempo disponível.

“Eles [empresa contratada] alegaram o seguinte: o pessoal do contrato da


caçamba, eles têm que entrar e sair no mesmo dia. Só que o cara já estava
agendado e poderia ter trazido ela de manhã. Não. Deixou para vir depois do
almoço. Como a pilha era grande, né. Então eles [equipe terceirizada da usina] se
sentiram pressionados. Não que alguém pressionou eles, mas eles acharam muita
coisa para pouco tempo” (Supervisor de Operação, 27 anos de experiência).

A equipe, portanto, deu início ao recolhimento dos resíduos por volta das 13:30. A
estratégia adotada por eles para cumprir a atividade a tempo foi a de intensificar a velocidade
e
68

de colocar a maior quantidade de material possível com a ajuda de uma garra que veio na
caçamba. No entanto, não era possível carregar alguns resíduos com essa garra, sendo
necessária a movimentação da sucata com as próprias mãos.

“O que nós fizemos, com aquela pressa também, né, de carregar porque já era
quase final de expediente e estava muito molhado, folha, pedra... Aí a gente começou a
jogar rápido. Entendeu? [...] Veio uma caçamba com garra, aí pegou por cima [ele
se refere ao monte de sucata que estava no chão]. Aí ficou foi os “final” que não
tem como pegar com a garra [ele se refere ao restante de sucata que sobrava no
chão]. Estava podre e quebrava [por isso não tinha como pegar com a garra]”
(Auxiliar mecânico, 7 anos de experiência).

Durante a atividade, um dos terceirizados teve que entrar e circular dentro da caçamba
e em cima de pilhas de sucata para auxiliar os colegas. Por volta das 14:55, ele escorregou e
pisou com força em uma tábua com prego que perfurou o solado da sua botina atingindo o seu
pé esquerdo próximo ao dedo médio do pé. Segundo ele, houve sangramento e dores no local
do ferimento, então ele comunicou a ocorrência a um dos gestores que o levou a um posto de
saúde próximo.

“[...] Nós jogamos a parte maior dos pallets todas lá dentro. Só que tinha muita
folha e molhado, né? E a gente estava pegando elas no final. Aí de repente eu fui lá
e escorreguei em um pallet. [...] Aí tinha uma tábua com prego e eu pisei em cima.
Aí quando eu fiz assim já estava escorrendo sangue. Tinha furado o meu pé. Eu
falei: nossa! Aí daí para lá a gente ligou aqui no gestor. Aí o ele veio cá e me levou
para a assistência e depois me levou para a Policlínica” (Auxiliar mecânico, 7 anos
de experiência).

No atendimento, o médico limpou a ferida e aplicou uma injeção para aliviar dores,
determinou dois dias de afastamento e prescreveu duas doses de vacina antitetânica para
serem tomadas na manhã do dia seguinte. Segundo o trabalhador acidentado, no momento em
que o médico informou sobre a necessidade de afastamento o mesmo chegou a alegar que
aquele ferimento não o impediria de trabalhar, porém o médico permaneceu com a sua
decisão.

“Eu falei [para o médico: Não, eu posso ir trabalhar normal" (Auxiliar mecânico, 7
anos de experiência).
69

Ao expor os motivos que o levou a dizer ao médico que o afastamento não seria
necessário ele se preocupou com o resultado atingido pela empresa. Naquele dia, havia
poucos dias para a usina atingir 7 anos sem acidentes com afastamento e ele não queria
prejudicar esse resultado.

“É chato porque eu não queria que... Quebrou o recorde de acidente por causa de
mim. É chato. Eu não fiquei gostando disso não. Só que no outro dia o meu dedo já
amanheceu inchado. Aí mesmo assim eu vim na parte da tarde [...] porque tipo
assim, para evitar esse trem [fim do recorde]” (Auxiliar mecânico, 7 anos de
experiência).

No dia seguinte, o dono da empresa que a usina contrata e que é o chefe oficial do
trabalhador acidentado ligou para o supervisor para comunicar que o acidentado ia
comparecer para trabalhar. O motivo que o levou a ter essa tomada de decisão, segundo o
supervisor, era o de evitar com que a usina ficasse prejudicada em relação ao resultado
atingido. Nesse momento, o supervisor expôs a sua opinião dizendo que se foi uma decisão
técnica ela deveria ser mantida, porém se o acidentado estiver se sentindo bem para trabalhar
ficaria a critério pessoal do mesmo voltar ao médico para solicitar outro atestado alegando a
sua aptidão para o trabalho.

“Porque estava naquele... O pessoal aqui naquela preocupação e o índice, não sei o
quê, e o índice e tal?" E ele [acidentado] estava lá preocupado. O supervisor dele
da empresa lá veio me perguntar... Eu falei: "Para mim, a voz legal aí é a do
médico e ele analisou que ele precisa ficar dois dias afastado, então por mim ele
tem que ficar em casa. Agora, isso é uma decisão pessoal. Se ele acha que está bem
e tal, ele pode até comparecer, mas ele precisaria de passar no médico e o médico
atestar essa condição dele”. Aí ele disse: "Ah, ele vai passar lá agora". Porque ele
tinha que tomar vacina antitetânica”. (Auxiliar mecânico, 7 anos de experiência)

Então, durante a manhã, o acidentado foi tomar as vacinas e solicitou outro atestado ao
médico. No período da tarde, com os dois atestados em mãos o acidentado compareceu para
trabalhar. Enquanto ele estava no vestiário trocando de roupa o supervisor de operação que
ficou sabendo da entrada dele na usina compareceu para conversar sobre as condições físicas
que ele se encontrava. Segundo o supervisor, quando ele pediu para o trabalhador acidentado
retirar a sua botina para que ele visse seu pé ele percebeu que este teve dificuldades por causa
do inchaço e das dores. Ele questionou o trabalhador sobre sua condição para andar e este
chegou a dizer que estava “pisando de lado”. Então o supervisor, vendo a sua real condição,
70

pediu para que ele fosse embora argumentando que assumir aquela situação seria um ato ilegal.
Por fim, o acidentado foi embora para a casa se recuperar. “

"Deixa eu ver o seu pé. Tirou a botina até com dificuldade e tal. Aí eu perguntei: "O
que você está pretendendo? Por que você veio? "Ah, porque eu não quero
atrapalhar as coisas na empresa aí, o índice”. Eu falei: [...] eu estou vendo aqui o seu
pé inchado, você está conseguindo pisar? "Não. Estou pisando de lado”. Pois é,
você vai ter condição de desempenhar as atividades que você normalmente faz com
o pé no chão? “Não”. Pois é, se a gente assumir isso aqui vai ser um ato ilegal. Eu
não vou aceitar que você continue aqui não. Já estou com o carro aqui e vou te
deixar na portaria. [...] Aí antes eu falei com ele, me passa aí o que você tem em
mãos. Aí ele me passou o atestado e já tinha pegado lá o atestado de
comparecimento. Ou seja, ele ia apresentar o atestado de comparecimento e ia
rasgar o outro atestado. Eu disse: Me dá os dois (Supervisor de Operação, 27 anos
de experiência).

Esse caso dá sustentação a afirmação de que o recorde pode gerar um peso para os
trabalhadores e retrata o esforço que pode ser realizado pelos trabalhadores em algumas
situações para proteger o resultado atingido pela empresa.
Nesse caso específico, o acidentado optou por se esforçar na tentativa de fazer parte do
coletivo que colabora para a superação do recorde a cada dia. Isso pode ser verificado no
momento em que ele solicita ao médico um novo atestado para cancelar o atestado de
afastamento. Por dessa decisão dele há a grande responsabilidade que ele sentiu pelo fim do
recorde gerado por um acidente que ele sofreu.

“Ah, você fica com aquele trem na cabeça, né? Nossa o que foi que eu fiz? Mas não
foi porque eu quis. Aconteceu. Entendeu? A gente não quer que aconteça assim,
entendeu? A consciência ficou meio pesada. [...] Você achar que foi você que fez
alguma coisa. “[...] Estava muito molhado com folha. Você não enxergava direito.
Na rapidez... Foi aí que aconteceu esse trem aí. Hora que eu pisei, nossa... Aquele
trem foi lá no osso do dedo. Furou com a minha bota. No que furou eu fui lá puxei
assim, olha. Doeu. Questão de 20 min o meu pé parece que ficou dormente. “Para
tirar a botina ficou doendo” (Auxiliar mecânico, 7 anos de experiência).

Ao ser questionado sobre como foi a repercussão dentro da usina nos dias seguintes, o
acidentado relatou ter sido alvo de piadas e comentários compartilhados em um aplicativo de
mensagem que associavam o acidente dele com o fim do recorde.
71

“[...] Fizeram videozinho meu aí... Um vídeo do meu pé furado. [...] Riram, né. Mas
eu deixei esse trem de lado” (Auxiliar mecânico, 7 anos de experiência).
72

CAPÍTULO 5 – O RECORDE E ESTÍMULO DO ACIDENTE ZERO

Estimular o recorde é uma boa estratégia em favor da prevenção de acidentes e do


fortalecimento da cultura de segurança?
Como observado, o peso do recorde decorre da preocupação que os trabalhadores
possuem em relação à quebra do mesmo. E isso está relacionado ao fato de que trabalhar não
é apenas agir com a finalidade de atingir os objetivos da empresa, é também viver
junto (DEJOURS, 2004), o que pode também desandar em uma coerção do coletivo
(DEJOURS, 2004a). Nesse sentido, seria de grande ganho para a cultura de segurança se a
concessionária de energia repensasse a respeito dessa prática de estimular entre as unidades
uma competição por melhores resultados de segurança.
De fato, o desempenho em relação à segurança na usina é bom. Isso é possível de se
comprovar através da convivência com os trabalhadores e até mesmo desses resultados
expressos em indicadores. De acordo com os registros de acidentes da usina, o último
acidente grave, tipo de acidente que não tem como não ser notado e não pode ser escondido
ou suportado pelo acidentado, ocorreu em 2009. Os outros acidentes que ocorreram foram de
baixo potencial de gravidade mesmo com afastamento, não apresentando tampouco potencial
de danos às instalações ou de levar a acidentes industriais.
O recorde é uma prática comum do esporte que não deveria existir na vida
organizacional. Da mesma forma que acontece no mundo esportivo essa lógica de
supervalorização do resultado é uma construção ideológica que circula através da mídia
(BROHM, 1993, 1995 apud RUBIO, 2006), no caso da usina, reproduzidos pelos meios e
formas de divulgação dos resultados. Ele se torna um peso, pois impõe o pensamento de que
tem que se superar sempre, a todo o momento, pois o outro pode vencer.
A permanência de seis anos sem acidentes com afastamento traz a ideia para os
trabalhadores de que o zero é absoluto e isso não existe na vida (DEKKER, 2018). O mundo
não é harmônico, linear e previsível e ele não corresponde às nossas expectativas de modo a
fluir em direção à meta zero. E, como não dominamos a natureza e conhecemos todas as
variáveis e falhas possíveis, os nossos projetos podem falhar em algum momento, entretanto,
é preciso compreender que a falha é uma forma de ensinamento (PETROSKI, 2018).
Aprendendo com as falhas podemos nos aperfeiçoar, o que, de forma tendencial, fazem os
acidentes diminuírem, mas sem atingir o ponto do zero absoluto.
Diante do absoluto, as pessoas reais não encontram espaço, uma vez que é um mundo
de infalibilidade, perfeição e rigidez (LONG, 2022). Ninguém quer se tornar aquele que
73

destruiu esse imaginário de que na usina há pessoas que conseguem manter o acidente zero
como se fossem super-heróis, ou seja, de que são infalíveis. Por trás dessa lógica há a ideia de
que o acidente zero é um estado permanente e de que pessoas podem nunca errar. Isso explica
esse sentimento de não querer ser aquele que vai derrubar o recorde, como se o fim deste
colocasse em questão a própria existência dos indivíduos que o produziram. O sentimento é
de fracasso total diante de uma falha e isso traz a sensação de que tudo o que foi feito no
passado perde o sentido. Isso afetou não só os trabalhadores diretamente envolvidos com as
atividades, como também o gestor da unidade, como observado na fala do gerente da unidade
após a apresentação dos resultados desta pesquisa:

“Isso era um peso até para mim. Até quando eu ia ter que manter
isso? A gente passa a ser visto como incompetente quando acaba”.
Gerente da unidade

Assim, instaura-se na empresa um processo patológico que não decorre da negação


dos riscos e da atribuição de acidentes à fatalidade, mas sim, paradoxalmente, do sucesso no
mais alto grau de um sistema que chegou ao acidente zero durante quase 7 anos.
As consequências negativas que acabam de ser expostas nesta pesquisa não resultam
de reproduções da literatura acerca da visão zero de acidentes. Pelo contrário, elas foram
impostas pelas situações que emergiram na usina e que foram vivenciadas pelos
trabalhadores. É provável que haja o contra-argumento afirmando que esses efeitos não
necessariamente podem ocorrer em todas as situações de trabalho e que o peso do recorde não
afeta todos os trabalhadores, uma vez que pode existir aqueles que não se sentiriam
5
pressionados pelo resultado ou pelo coletivo de trabalho. No entanto, os exemplos que
surgiram no campo evidenciam o contrário, o que nos leva a crer que há sim efeitos negativos.
Haveria outra maneira mais saudável, vale dizer, humana, para lidar com a
possibilidade de que a ocorrência de um evento infeliz, o acidente, não seja
considerado de maneira puramente negativa, que coloque em questão a capacidade de agir
em segurança dos homens?

5
Após a finalização das coletas de dados em campo e da análise, os resultados dessa pesquisa foram
apresentados aos trabalhadores da usina, incluindo operadores, mantenedores e gestores. Um dos trabalhadores
alegou que o recorde não o impediria de comunicar um acidente que resultaria em afastamento. Isso de fato pode
acontecer, porém, no caso da usina, não representa o coletivo, uma vez que emergiram quatro relatos de
acidentes onde o recorde esteve presente de alguma forma.
74

Essa é uma discussão que acompanha os homens pelo menos desde Aristóteles (322
a.C) sobre a possibilidade de um homem ser virtuoso. Em resposta aos sofistas que defendiam
ser impossível ensinar a virtude ou saber se um homem é virtuoso, pois ele sempre pode
fracassar, Aristóteles defende que as virtudes podem ser adquiridas através do exercício,
mesmo se, eventualmente, desgraças possam ocorrer. Em outras palavras, o homem só se
torna virtuoso com a prática. E isso deve ser um agir contínuo uma vez que é praticando a
virtude que um homem se torna virtuoso. “As coisas que temos de aprender, antes de poder
fazê-las, aprendemo-las fazendo” (ARISTÓTELES; 322 A.C). No contexto da usina, é
errando que o trabalhador se torna capaz de errar menos ao longo de sua vida profissional.
Isso não quer dizer que os acidentes devem acontecer mais para que eles diminuam. Mas
implica em aceitar os acidentes que acontecem para aprender com eles, pois é através dessa
aprendizagem que a usina se tornará capaz de produzir mais segurança e de sofrer menos
acidentes. Isso desenvolve a capacidade de agir bem e de fazer boas escolhas nas próximas
situações de trabalho.
Mas, em um cenário onde reina o absoluto não há flexibilidade e nem movimento em
direção a virtude de errar menos. Se houver uma infração ou resultado indesejado, o
responsável deve ser punido (LONG, 2022) ou ele é pressionado e julgado pelo coletivo que
incorporou esse absoluto.
Dekker (2018) faz uma reflexão sobre a visão do acidente zero ser um produto das
construções sociais do pensamento iluminista e da continuação das práticas religiosas.
Segundo o autor, épocas passam e a humanidade não deixa de acreditar e seguir crenças. Essa
capacidade que o homem tem de criar sistemas de crenças pelos quais viver vem da
necessidade do atendimento das questões humanas fundamentais e existenciais para conseguir
consolo e segurança através de orientações, ou seja, um sistema de crenças que oferecem
regras (DEKKER, 2018).
Um exemplo disso são os mandamentos pregados nas práticas religiosas e que podem
ser vistos aqui como regras. E essas são sempre conectadas com os problemas da existência
humana do período em que se vive. Desse modo, os sistemas de crenças não são estáticos uma
vez que evoluem à medida que a sociedade se desenvolve para lidar com as preocupações das
práticas da vida cotidiana (DEKKER, 2018).
À medida que a sociedade se desenvolvia e sob a forte influência do Iluminismo,
movimento que valorizava a razão em substituição da fé, via-se que os problemas práticos do
cotidiano não eram respondidos por essas crenças religiosas, incluindo as questões de
proteção e segurança, por exemplo. O pensamento iluminista descartava o teocentrismo, os
dogmas, as crenças e o misticismo, uma vez que somente passou a ser válido aquilo
que podia ser
75

comprovado cientificamente. As explicações de outrora de que um acidente com causas


ocultas ou não esclarecidas ocorria devido a forças superiores tornaram-se empiricamente
questionáveis. E quando não podiam ser racionalmente provadas eram refutadas. Dessa
maneira, os acidentes começaram a ser compreendidos como sendo atos feitos pelo homem,
não sendo mais atos de Deus (DEKKER, 2018).
Portanto, a religião foi negada e começou-se a recorrer a outras formas de explicar,
adivinhar, prever e prevenir os acidentes utilizando os métodos científicos. Mas, o que
poderia ter sido um avanço foi apenas uma substituição, porque surgiram outras crenças que
apareceram na forma de regras, procedimentos, regulamentos e estatutos de segurança.
Outro exemplo visível de crenças estabelecidas para atender a segurança são as “regras de
ouro” existentes em muitas empresas, e que também está presente em muitas religiões, como
os Dez Mandamentos da Lei de Deus estabelecidos pela Igreja Católica. Essas regras de
ouro são introduzidas, seguidas e policiadas pelas autoridades uma vez que foram
institucionalizadas como a coisa certa a se fazer. É visível que um sistema de crença foi
substituído por outro (DEKKER, 2018). Nesse sentido, podemos relembrar a interpretação
de Latour (1994) sobre a modernidade ser apenas um projeto que falhou, porque ela não
funciona de acordo com as regras estabelecidas por ela. Mesmo diante de um mundo que
é interligado, os modernos defendiam a separação das áreas do conhecimento, ou pelo
menos, considerá-las separadamente, insistindo na ideia de purificação, pois acreditavam que
isso seria modernidade. No entanto, a falha da modernidade se dá por causa da
multiplicação do que ele chama de híbridos que é essa ligação entre um tema e outro,
uma área do conhecimento e outra. É impossível separar os temas da ciência uns dos
outros, e, sobretudo, não se consegue separar ciência, crença e interesses sociais. E insistir
nisso é fracassar a todo instante (LATOUR, 1994).
Paralelamente a essa institucionalização de uma nova crença surgiram causas poéticas
que as estimulam a seguir em frente e serem obedecidas, como a visão zero de acidentes,
porque as pessoas precisam de uma causa para poderem agir e zelar por ela (DEKKER,
2018).
A visão zero de acidentes também apresenta fortes traços de pensamento ideológico e
fundamentalista presente em muitas religiões ocidentais em que a obediência rigorosa e literal
a um conjunto de princípios fundamentais é pregada. Sob o argumento da erradicação do
risco, o zero assume um significado religioso nas empresas onde é pregado (LONG, 2022).
Assim como a religião, para não consistir apenas em uma coletânea de práticas estabelecidas e
sentimentos moralistas, é preciso afirmar alguma coisa para defender a visão zero mesmo que
essa afirmação pareça obscura, superficial ou perversa (GEERTZ, 1989). E a não obediência
desses princípios culmina em sofrimento, visto como causa de más escolhas humanas, sendo
76

justa a retribuição que se segue a essas escolhas (DEKKER; LONG; WYBO, 2014), como
punições, por exemplo.
O Iluminismo promoveu a superioridade da ciência e uma visão utópica de que todos
os problemas da humanidade poderiam ser resolvidos e a sociedade poderia ser aperfeiçoada
através da ciência (DEKKER, 2018). É o mesmo sentimento presente que justifica a
existência da religião: a aspiração de que é preciso dar conta de tudo o que é diferente,
estranho, misterioso; ou de acreditar que é possível dar conta dessas coisas (GEERTZ, 1926).
A ciência se tornou, portanto, uma nova religião. E a visão zero acidentes lança uma realidade
futura como meta com a imagem de que essa é tangível e alcançável podendo a sociedade
atingir a perfeição ao mesmo tempo em que resultam em confusão e cinismo entre a força de
trabalho (DEKKER, 2018).
A confusão pode ser explicada pela flexibilidade interpretativa dos acidentes onde, em
algumas situações, os trabalhadores se deparam com o dilema do reportável e não reportável,
do tolerável e do não tolerável. Um mesmo acidente pode ser considerado grave para um
trabalhador e para outro pode ser considerado leve; um mesmo evento pode ser considerado
como um acidente ou como um quase acidente, porque, conforme Vaughan (2002), cada
indivíduo interpreta informações dentro de uma “visão de mundo” ou quadro de referência
desenvolvido a partir da atividade prática, ou seja, do que ele já experenciou e viveu no
mundo organizacional ou social. Se já fez parte da história da usina considerar uma queda sem
lesão como um quase acidente ou acidente leve sem necessidade de ser reportado, por
exemplo, e um trabalhador presenciou ou participou dessa decisão, isso molda o quadro de
referência dele de modo que passa a orientar a construção do sentido e da escolha quando ele
vivencia outro evento similar. E a repetição reforça a sua visão de mundo (VAUGHAN,
2002). Outro trabalhador, que não presenciou essa decisão, quando se depara com o mesmo
tipo de evento, pode classificar de forma contrária, considerando-o de maior gravidade. Além
disso, quando essa diferença de percepção é exposta, surge uma controvérsia concretizando
ainda mais a confusão, como ilustrado nos casos 1 e 2 desta pesquisa.
As controvérsias resultam de posições divergentes sobre um determinado assunto (LA
GUARDIA, 2016). Nos dois casos houve divisão de opinião em relação à necessidade de
afastamento do acidentado. No primeiro caso, a característica do local onde aconteceu o
evento e casos anteriores na história da usina onde o mesmo tipo de consequência (dores sem
lesão aparente) culminaram em afastamento serviram como quadro de referência de
parte dos trabalhadores de modo que eles interpretaram que o acidentado deveria ter sido
afastado. No segundo caso, o tipo de tratamento médico recebido (suturação) e a
possibilidade de infecção
77

do ferimento levaram parte dos trabalhadores a defenderem o afastamento, enquanto outros


compreendiam, conforme suas visões de mundo, que não era necessário afastar o trabalhador.
Essas contradições deram origem a debates formais e informais dentro da usina por
causa da flexibilidade interpretativa dos acidentes ocorridos. Mas, antes que esses debates
surgissem, murmúrios transcorriam na unidade dando forma a uma confusão invisível, uma
vez que suposições eram feitas sobre as decisões do médico e do próprio acidentado e
confrontava diretamente com a visão de mundo de alguns trabalhadores sobre o que eles
achavam certo a fazer. O surgimento dessas controvérsias acontecia quando esses murmúrios
se transformavam em assuntos formais e eram debatidos pelos trabalhadores em espaços onde
eles podiam perguntar sobre os casos, expor suas opiniões e ouvir a visão dos gestores e do
acidentado. Até que aparentemente a maioria dos trabalhadores compreendessem e aceitassem
as decisões tomadas diante de cada caso a confusão ainda permanecia instaurada, mas agora
de forma visível.
O esclarecimento do primeiro caso foi o de que a seriedade do evento estava no
acidente potencial e não no acidente ocorrido. Mesmo que o trabalhador tenha caído após
pisar em uma tampa de acesso mal posicionada no chão e tenha sofrido dores e hematoma na
perna que bateu na escada localizada abaixo dessa tampa, o exame de radiografia não
sinalizou nenhum critério para afastamento. Mas, caso o trabalhador não caísse da forma
como ele caiu, com os braços se apoiando na entrada do acesso, a possibilidade de sofrer uma
lesão grave seria muito alta. No segundo caso, o esclarecimento foi o de que mesmo que o
acidentado tenha sofrido corte no dedo com necessidade de suturação, para a atividade de
operação do painel (função do acidentado) não haveria necessidade de afastamento porque
não há risco de infecção, ao contrário das atividades de manutenção e operação de caldeira e
turbina.
Na usina, os trabalhadores tiveram a oportunidade de discutir sobre os acidentes e
obter o esclarecimento, pois faz parte da cultura ter esse diálogo entre os trabalhadores em
espaços formais, como a Reunião Setorial de Operação. Mas, em outras empresas, essa
conduta pode não existir e isso significa que a confusão permanece no coletivo de trabalho. E
quando um novo acidente acontece, em um contexto de supervalorização do acidente zero ou
recordes de segurança, os trabalhadores se sentem confusos por presenciar casos similares
onde as classificações foram diferentes, como ilustra a fala de um trabalhador questionando o
seu colega sobre um evento presenciado por eles: “Pois é, aquilo foi ou não foi acidente?”
É preciso compreender, no entanto, que mesmo que esse diálogo tenha sido positivo na
usina no sentido de alinhamento entre os trabalhadores, as decisões no sentido de ajustar os
78

acidentes para permanecer com o excelente resultado de segurança podem se tornar cada vez
mais arriscadas tolerando acidentes.
Essa prática de reclassificação de riscos pode ser perigosa quando passa a “normalizar
desvios” e considerar anomalias como “riscos aceitáveis” (VAUGHAN, 2002; VAUGHAN,
2004), mecanismo cuja consequência é a conversão da incerteza em certeza transformando as
controvérsias em curso, mudanças na estimativa de riscos e níveis de tolerância para desvios
em fatos institucionais (VAUGHAN, 2004). O caso 3 ilustra essa institucionalização da queda
sem lesão aparente como um risco aceitável, uma vez que mesmo que o trabalhador tenha
escolhido silenciar, outros presenciaram a situação e aquilo não foi discutido da mesma forma
como os outros dois casos anteriores.
A confusão também acontece porque a meta zero não significa necessariamente um
compromisso com zero acidentes em todos os graus de gravidade (ZWETSLOOT et al.,
2013), como no contexto da usina em estudo, onde o resultado é direcionado apenas aos
acidentes com afastamento. E o cinismo decorre pelo senso que os trabalhadores possuem de
que os acidentes continuam existindo mesmo diante de um programa de acidente zero
implementado. Os trabalhadores ridicularizam essa meta (SHERRATT; DAINTY, 2017).
As crenças se relacionam com a realidade de duas maneiras: através dos fatos ou do
desejo de determinada realidade (GEERTZ, 1989). A crença no “zero” pode gerar a ilusão de
acreditar ser possível viver em um mundo sem sofrimento levando a esforços para fazer o
sofrimento "desaparecer de vista" (DEKKER; LONG; WYBO, 2014), o que pode ser
verificado em casos de silenciamento de acidentes.
A crença no zero também apresenta raízes no mito de que ao evitar qualquer acidente
leve ou desvios, evita-se acidentes mais graves. Isso leva a acreditar que quanto menos
acidentes acontecem, o que sobra são incidentes e esses recaem sobre o comportamento
humano. Essa é uma crença, fruto da má interpretação da Pirâmide de Heinrich e que
influencia os engenheiros até os dias de hoje (BUSCH, 2021). Essa prática explica a
permanência no mito do acidente zero, uma vez que alimenta e reforça essa crença. E essa
lógica parece estar mais ao lado das máquinas do que dos trabalhadores, porque a máquina
pode quebrar, mas o humano não. Existe a transferência para o comportamento, de modo que
os gestores pensem que se aconteceu um acidente é porque o comportamento não foi
controlado. Isso também é um efeito da ilusão retrospectiva, uma vez que ela gera a impressão
de que era possível ter evitado um acidente fortalecendo objetivamente a ideia de que o
comportamento poderia ter sido mudado e que o resultado teria, assim, sido diferente. No
entanto, nem mesmo uma máquina e processos nunca serão absolutos ou definitivamente
estáveis (PETROSKI, 2018). Assim, por trás dessa
79

lógica, a engenharia acredita que a meta zero acidente é possível. Dito isto, é evidente que
eles não enxergam que é um processo de aprendizagem contínua. Com isso, o trabalhador é
culpado pela falta de percepção e por não apresentar bom comportamento.
Chegados a estes pontos, é evidente que o mito do acidente zero limita a cultura de
segurança a uma cultura de contabilização da frequência dos acidentes e quase acidentes a
qual se explica pela forma fácil de compreensão, instrumentalização e comunicação ao
público (AMALBERTI, 2016). Essa prática também carrega efeitos deletérios e
desumanizadores por trás dos esforços para gerenciar e empurrar os números o mais baixo
possível produzindo mais sofrimento, em vez de menos (DEKKER, 2018). A cultura do zero
pode, então, paradoxalmente, produzir novos tipos de sofrimento, como a punição de
trabalhadores envolvidos em incidentes (DEKKER; LONG; WYBO, 2014), sendo esta
voluntária ou involuntária. E pode ainda aumentar a probabilidade de acidentes graves
(SHERRATT; DAINTY, 2017), uma vez que impede o diálogo aberto na organização e uma
cultura que possibilita o aprendizado (LONG; 2022).
É necessário compreender que essa visão desencoraja os trabalhadores e a liderança
para a elaboração de melhores práticas. O discurso do dano zero não promove o resultado
almejado; ele promove dinâmicas ocultas associadas à sua promoção (LONG, 2022)
ocultando a realidade, como foi demonstrado neste trabalho. As pessoas tendem a se
concentrar nos números e não na visão que deveria inspirar mudanças reais na prática para as
pessoas diretamente relacionadas a execução do trabalho (SHERRATT; DAINTY, 2017).
Portanto, o abandono dessa prática possibilitará que, quando ocorrer um acidente, se o
acidentado precisar se afastar por dois dias, que se afaste sem se preocupar com a
contabilização nos índices da empresa. Deve-se ter em mente que não há nada grave nisso,
pois o acidente é leve. Sendo assim, ele na verdade, não quebra o recorde. Isso é uma falha
dos indicadores ao querer nivelar um acidente industrial, como por exemplo, no contexto da
usina, a uma explosão de caldeira com uma queda no chão, como foi o caso do acidente do
mecânico. Acidentes como esses não deveriam ser avaliados de forma negativa, como se fosse
algo contra a capacidade que os trabalhadores da usina já demonstraram ter ao longo desses
anos.
Na verdade, o recorde só será quebrado quando houver um acidente grave. E mesmo
assim, quando esse acidente grave acontecer, ninguém deve se sentir culpado, porque não
existe acidente zero, não existem pessoas que não erram e o acaso também pode fazer parte da
gênese de um acidente. A crença do acidente zero joga contra a segurança. Enquanto um
acidente não acontece, nós ficamos adormecidos na ilusão de que estamos seguros, estáveis e
de que não vamos falhar. Não é porque a empresa atingiu o recorde que ele deve permanecer.
Os
80

trabalhadores da usina e da concessionária devem, portanto, absorver a ideia de que quando


um acidente com afastamento acontecer, seja este afastamento longo ou curto, isso não os
diminui, mas eles devem, claro, aprender com a ocorrência e seguir em frente.
É importante salientar nesta discussão que não defender o zero não significa aceitar o
dano. É claro que a intenção de utilizar o recorde como compromisso para a eliminação de
acidentes assim como a ideia de que os programas de acidente zero são uma forma de tomar
uma atitude em relação ao sofrimento não é totalmente ruim ou errada. Mas, essa intenção
precisa ser ajustada no sentido de aliviar o sofrimento. A luta pela segurança não pode se
transformar em um peso, sendo vivida como fonte de ansiedade. Fazendo uma alusão ao
surgimento da visão zero durante o Iluminismo, a qual se compara à forte crença nos dogmas
religiosos acompanhados da rígida obediência às leis divinas, o que era antes caracterizado
pelos trabalhadores como confissão, arrependimento e perdão passa a serem enxergadas sob
os rótulos de reportagem, divulgação e restauração (DEKKER, 2018).
Dessa forma, os trabalhadores da usina podem readquirir o bom senso de estar lutando
pela segurança sabendo que o acidente pode acontecer sem criar essa relação com os
acidentes com afastamento. A filosofia torna-se outra, a de que não existe o absoluto, mas
existe o tornar- se melhor. Deve haver a compreensão e a aceitação de que os erros são como
um avesso indissociável da inteligência humana (AMALBERTI, 2016). Uma pessoa pode
sofrer um acidente ou cometer um erro a qualquer momento e é possível tornar-se melhor
errando. A preocupação, portanto, muda. A cultura de segurança passa a ser a de não festejar
recordes em vez de viver constantemente sem tranquilidade, consumindo a energia dos
trabalhadores com a preocupação de acabar com o resultado alcançado.
Manter a segurança não permite relaxar em nenhum momento, mas a preocupação é
direcionada aos riscos e seu controle, não ao recorde. E os rituais passam a incentivar mais a
aproximação social levando os trabalhadores da mágoa para a cura e reconhecendo a
verdadeira realidade existente. Isso consequentemente vai oferecer um ambiente de
compaixão e justiça social (DEKKER, 2018) porque está ao nosso alcance promover alívio do
sofrimento oferecendo solidariedade, humanidade, integridade e colegialidade (DEKKER;
LONG; WYBO, 2014).
81

CAPÍTULO 6 – DO “PESO DO RECORDE” À PRODUÇÃO SAUDÁVEL DE


SEGURANÇA

Nos dois capítulos anteriores, foi demonstrado e explicado como o que foi pensado
como estímulo positivo se tornou uma fonte de sofrimento. O recorde de quase 7 anos
atingido pela usina se transformou em algo rígido e absoluto que não poderia ser mais
quebrado. Os bons resultados deixaram de ser motivadores da equipe e o “peso do recorde”
passou a alimentar um processo contrário, de fragilização da segurança e de criação de
conflitos entre colegas. Esses efeitos negativos do zero acidente e da valorização do recorde
indicam a necessidade de mudanças, talvez mesmo de serem abandonados como objetivos
centrais. Essas práticas se mostraram perversas e já são reconhecidas como uma estratégia
inviável, uma vez que vivemos em um mundo complexo, onde o trabalho ocorre em
condições de convivência mútua com sistemas técnicos, financeiros, culturais e políticos
(HOLLNAGEL, 2014), cujas inter-relações estão longe de serem previsíveis e controladas.
Incontestavelmente, a luta pela segurança e os bons resultados traduzidos em redução
da frequência e gravidade de acidentes é sempre benvinda. Entretanto, isso deve acontecer de
modo que as vitórias alcançadas não se transformem em um fardo. Para evitar que o medo de
sofrer o próximo acidente leve à fragilização do sistema de prevenção, é extremamente
importante que a organização abandone qualquer tipo de ranking de segurança entre as
unidades, não somente os relacionados com acidentes. Um primeiro motivo para justificar
essa medida é que comparação entre unidades de produção é sempre injusta, pois suas
histórias e as condições nunca serão iguais. Depois, por ser uma taxa, e uma taxa requer um
denominador que é maleável6 (DEKKER, 2018). E outro motivo é que a definição de acidente
ou lesão é variável e manipulável (DEKKER; TOOMA, 2021) e isso pode acontecer com a
definição de

6
Segundo Dekker (2018), O que é medido pode ser manipulado e é medido por uma razão fazendo com que as
pessoas se preocupem com esse número em particular, pois ele tem implicações que vai além do número,
significando algo para elas. E à medida que ocorre uma manipulação para atingir uma meta, essa medida perde
qualquer conexão com a segurança. Por exemplo, se a meta é zero acidentes, os trabalhadores começam a ajustar
seus comportamentos e decisões para não registrar acidentes e atingir o resultado, mesmo que prejudique a
saúde, segurança e o bem-estar no ambiente de trabalho, pois esse resultado pode significar que o ambiente é
seguro e que os trabalhadores cumprem as normas e os procedimentos ou que os gestores possuem um
desempenho acima da média, pois conseguem controlar bem os acidentes. Essa prática se torna ainda mais
atraente quando gera bônus para os gerentes responsáveis.
82

qualquer outro conceito que se queira colocar em evidência em segurança, uma vez que
determinada prática pode fazer sentido para um grupo e para o outro não.
Além do abandono dos rankings de segurança e da meta zero acidente, a mentalidade
da usina deve mudar. O objetivo da empresa deve ser ter o menor número possível de
acidentes ou situações indesejadas, mas reconhecendo que eles nem sempre são evitáveis. E,
quando acontecerem, devem ser oportunidade de aprendizagem genuína e não de execração
pública do acidentado que quebrou o recorde.
O caminho saudável que propomos para a empresa seguir é agir aperfeiçoando as
práticas já existentes utilizando meios que consideram a experiência dos trabalhadores como
parte fundamental na produção de mais segurança como os Espaços de Debate sobre o
Trabalho (ROCHA, 2014), que é uma ferramenta que foi desenvolvida com base nos fatores
humanos e organizacionais para a discussão e o tratamento das situações de trabalho
envolvendo riscos (ROCHA; MOLLO; DANIELLOU, 2019); e a identificação de sinais
fracos que são sinais de alerta de riscos, erros e possibilidade de resultados prejudiciais
(LIMA et. al, 2022). Também são compreendidos como anomalias que podem não ter
nenhuma conexão clara e direta com risco ou perigo potencial ou que acontecem raramente
(VAUGHAN, 2002). E quando se fala em sinais fracos é necessário dar atenção às situações
normais (HOLLNAGEL et al., 2006) ou aquilo que dá certo na segurança (HOLLNAGEL,
2014), ou seja, aquilo que acontece todos os dias e na maior parte do tempo.
É importante lembrar que a resiliência de um sistema é estabelecida pela capacidade
de ajustar seu funcionamento antes, durante ou após alterações e perturbações, de modo que
possa dar continuidade à operação necessária em condições esperadas e inesperadas de forma
eficiente e segura (HOLLNAGEL, WOODS, LEVESON, 2006). Em outras palavras, um
sistema é resiliente quando as pessoas inseridas nele conseguem perceber que algo mudou
repentinamente e que isso poderia trazer resultados negativos como acidentes, danos materiais
e desperdícios; ao mesmo tempo essas pessoas sabem responder a essa mudança no tempo
certo e da forma certa de modo que o sistema continue operando satisfatoriamente. Portanto, a
resiliência é possível em virtude da capacidade humana de detectar, interpretar e responder às
variações do sistema (RANKIN et al., 2014), que podem conter sinais fracos.
Para que esse desenvolvimento seja possível, as pessoas precisam, portanto, ser
“educadas” para reconhecer os primeiros sinais de alerta para que pequenos erros não se
tornem acidentes (VAUGHAN, 2004), elas precisam compreender a mudança gradual para a
falha. No entanto, os treinamentos tradicionais não se enquadram como solução para essa
demanda, porque detectar sinais fracos depende de conhecimento, experiência, suposições e
interpretação
83

(BUSCH, 2021), ou seja, conforme o trabalhador desenvolve expertise através da experiência


naquele determinado sistema. Eles emergem no próprio mundo do indivíduo, sendo a sua
detecção, portanto, uma concretização situada e momentânea (LIMA et. al, 2022). A educação
dos trabalhadores precisa acontecer dentro das situações trabalho para que eles conheçam
todas as possibilidades de decisões que precisarão tomar; os possíveis erros do sistema e
como lidar com eles; os sinais fracos; e as características do sistema em cada situação.
Sabemos que nem sempre é possível inserir um trabalhador em uma situação real para
treinamento e uma maneira eficaz que permite antecipar falhas e erros e que pode contribuir
para a detecção de sinais fracos é utilizar a experiência coletiva e o compartilhamento de
experiência entre os trabalhadores através dos Espaços de Debate sobre o Trabalho (ROCHA,
2014). O desafio aqui é respeitar e seguir os princípios propostos pelo método para
possibilitar bons resultados para a segurança, para a saúde do coletivo de trabalho e para a
performance da organização (ROCHA; DANIELLOU; MOLLO, 2019). É também uma
forma de facilitar a interação e construir conexões entre as pessoas da empresa e um exemplo
de auto-organização (DEKKER, 2018).
Não menos importante, é necessário educar também os gestores para que a detecção de
um sinal fraco seja aceita quando ela acontecer. Geralmente, o “lançador de alerta” é
desconsiderado ou coibido, com o tempo aprendendo a ficar calado na organização. E quando
há uma controvérsia, o sistema tenta amenizá-la ou fazê-la desaparecer de vista para que não
se discuta mais, principalmente se ela estiver relacionada com ações tomadas pelas
hierarquias mais altas. Mas, como a proposta aqui é fazer evoluir a segurança considerando os
fatores humanos e organizacionais nas ações estratégicas de prevenção de acidentes, da
mesma forma que deve haver o incentivo ao reporte de acidentes e quase acidentes, deve
haver o incentivo à comunicação de sinais fracos. E isso deve ocorrer de forma que eles sejam
voluntários, não punitivos, protegidos (DEKKER, 2018) e que recebam atenção ou sejam
tratados. Ou seja, os sinais de alerta devem ser encorajados e reconhecidos em sua gravidade e
urgência (LIMA et al., 2015).
A usina deve desenvolver, portanto, a mentalidade de uma organização pronta para
receber “más notícias” ou sinais de alerta, como já fazem as organizações de alta
confiabilidade que reconhecem que por trás de um acidente havia sinais de alerta do que
estava para acontecer e que, se fossem tratados, o acidente poderia ter sido evitado
(HOPKINS, 2021). Nessas organizações, conforme exemplifica Hopkins (2021), os gestores
suspeitam quando há um grande número de boas notícias e buscam investigar as más notícias
que estão escondidas questionando as boas. As más notícias, são na verdade, boas notícias
uma vez que significa que
84

o sistema de comunicação está funcionando e possibilitando que soluções sejam mobilizadas.


Essas soluções podem ser debatidas ou elaboradas coletivamente através dos Espaços de
Debate sobre o Trabalho.
Quando há o reconhecimento e a detecção de sinais fracos, há o desafio sobre o que
fazer com eles (BUSCH, 2021; LIMA et. al, 2022). Aqui, nós propomos que eles sejam
colocados como centro de um debate coletivo envolvendo o maior número possível de
trabalhadores para juntos eles possam decidir qual sinal tem maior prioridade no momento
para levantar soluções. Inevitavelmente, nesse processo haverá aprendizagens e as soluções
serão mais aderentes às condições do trabalho real.
No contexto da usina, a Reunião Setorial de Operação, prática presente, é uma
ferramenta que pode ser adaptada para se transformar em um Espaço de Debate sobre o
Trabalho (EDT). A ideia é possibilitar que a discussão a respeito do trabalho esteja atrelada ao
poder de agir dos trabalhadores no tratamento das situações colocadas como pauta, não
ficando somente sob o poder de agir dos gestores (ROCHA, 2017). É fundamental, no
entanto, que se construa confiança entre os gestores e os trabalhadores através de canais que
promovam a participação e, de forma facilitada, o relato de eventos e situações do cotidiano,
principalmente as que oferecem riscos, ao mesmo tempo em que envolva o trabalhador na
definição de ações corretivas (WALTER et al., 2014).
Para que a reunião setorial se torne um EDT, é preciso que estejam presentes cinco
características fundamentais para encorajar a discussão de assuntos relacionados ao trabalho.
A primeira característica é a capacidade das hierarquias mais altas em questionar os próprios
limites da organização concebida pelos gestores. Isso significa que deve fazer parte da
conduta da gestão assumir uma postura de aceitação de opiniões diferentes para que os erros e
as transgressões no trabalho possam ser revelados pelos trabalhadores sem julgamentos e
punições (ROCHA, 2017). A empresa deve estar disposta a fazer sacrifícios, uma vez que
pode envolver a limpeza de ações engessadas na segurança identificadas pelos trabalhadores
como desnecessárias, como regras excessivamente rígidas. Além disso, será necessário
trabalhar com a apresentação, discussão e aceitação de formas particulares de trabalho, desde
que seja benéfica para o coletivo de trabalho. O que torna um sistema complexo adaptável e
resiliente é sua capacidade de encontrar novas maneiras de fazer as coisas e para isso é
necessário a presença de deferentes opiniões, formações e experiências (DEKKER, 2018).
A segunda característica é a presença de um gestor que conduz o espaço de debate
com a postura de garantidor e animador do debate, organizando e oferecendo condições para
que aconteçam as discussões; e articulando o conteúdo das situações com os interlocutores de
todas
85

as esferas da empresa para que quando não for possível fazer um tratamento local, seja
realizado em outras esferas (ROCHA, 2017). Essa é uma forma de facilitar as conexões locais
operacionalmente, estruturalmente e socialmente.
A terceira característica é a co-construção do método, ou seja, devem ocorrer
adaptações particulares conforme as especificidades de cada empresa ou do coletivo de
trabalho, como os meios e recursos a serem utilizados e os tratamentos das situações
(ROCHA, 2017), otimizando a eficiência local.
A quarta característica é possibilidade de que recursos estejam disponíveis, isso
significa que os trabalhadores devem ter a autonomia e possibilidade de agir sobre as
situações discutidas a partir de recursos disponibilizados pela empresa para o tratamento das
situações (ROCHA, 2017), de forma que a auto-organização seja facilitada. Essa também é
uma forma de criar condições para a motivação intrínseca dos trabalhadores de fazer algo bem
e com autonomia (DEKKER, 2018).
E a quinta característica é que o debate deve ser baseado na confrontação com o real,
apresentando ao mesmo tempo a participação constante dos trabalhadores e possibilidade de
ação. O debate deve ser focado no que os trabalhadores fazem realmente durante a atividade,
ainda que sejam transgressões de regras e procedimentos. Dessa forma, o espaço de debate
torna possível o conhecimento da atividade real, evidenciando as vulnerabilidades da empresa
e suas causas para que estas possam ser tratadas de forma eficiente (ROCHA, 2017).
As características mencionadas facilitam a promoção da segurança como um princípio
orientador e compartilhado, incluindo todas as camadas de liderança, removendo o controle
autoritário e descendente de todas as pessoas e atividades, oferecendo meios, tempo e
oportunidades de comunicação (DEKKER, 2018).
A reunião setorial da forma como é feita já possibilita que o grupo discuta sobre os
assuntos envolvendo a atividade. Para a segurança isso é positivo, uma vez que permite o
compartilhamento de experiências e de informações importantes sobre a atividade, riscos e
estratégias para lidar com eles e diferentes percepções e opiniões sobre algo. Os casos 1, 2 e 4
apresentados nesta pesquisa chegaram a ser discutidos pelos trabalhadores nas reuniões
setoriais de operação, espaço onde puderam esclarecer as controvérsias envolvendo os dois
acidentes que não entraram na taxa de acidentes com afastamento. No entanto, no caso 2, a
controvérsia não chegou a ser totalmente resolvida. Mas, seria de grande ganho para o
coletivo de trabalho, se esse caso fosse o centro de um Espaço de Debate no Trabalho, por
exemplo. Haveria, portanto, esclarecimento sobre a controvérsia e a real gravidade do caso e
os trabalhadores aprenderiam coletivamente com a situação do acidente, como ele ocorreu e
como
86

poderia ter sido evitado. Uma estratégia que a usina pode adotar é separar um momento
dentro da reunião setorial único e exclusivo para o EDT ou programar outro momento para
acontecer esse espaço. Assim, os trabalhadores podem ter tempo e oportunidade de discutir
um assunto pertinente à realidade de trabalho de forma separada dos vários assuntos que são
apresentados na reunião.
Dessa forma será possível concentrar mais energia no compartilhamento de
experiências com o coletivo de trabalho sobre os sinais fracos e na educação dos
trabalhadores para sua detecção e relato. Vale ressaltar que o EDT pode ter como assunto
selecionado para debate tanto situações com um potencial percebido maior do que outras, ou
seja, situações que são um grande desvio da situação “normal”, como também aquelas
situações priorizadas de alguma forma pela organização (BUSCH, 2021). Inicialmente, até
que todos os trabalhadores consigam compreender de fato o que são os sinais fracos a ponto
de já conseguirem praticar a identificação deles, essa segunda opção de assunto a ser discutido
nos EDTs será de grande valia para a implementação dessa ferramenta. Também é importante
frisar que não é uma regra que em todos os EDTs tenha a discussão sobre um sinal fraco. No
entanto, discutir coletivamente sobre os sinais fracos da usina é um dos caminhos de melhoria
das práticas de segurança, uma vez que auxilia na educação da percepção dos trabalhadores
para que eles consigam reagir a sinais fracos (WEICK & SUTCLIFFE, 2001), no tratamento
real dos relatos e na produção saudável de mais segurança.
É importante salientar que a palavra dos trabalhadores é essencial para a segurança, pois são
eles que vivenciam o interior dos sistemas sociotécnicos o que os tornam mais aptos a analisar
as anomalias, os déficits, as incoerências e os perigos, e alertar sobre eles. À medida que os
trabalhadores vão se tornando mais experientes, adquirindo uma vivência de longa duração na
organização, eles adquirem uma bagagem história da evolução daquele sistema, uma
familiaridade muito grande e que também acontece com a interação entre o coletivo ao se
interrogarem e debaterem sobre os modos de funcionamento do sistema (LLORY &
MONTMAYEUL, 2014), muitas vezes, vivenciadas no quotidiano de forma informal. Dessa
forma, será possível formalizar o que já acontece o tempo todo, mas agora com a participação
dos gestores.
87

CAPÍTULO 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A usina termoelétrica estudada comemorava cinco anos sem acidentes com


afastamento quando, na busca pela compreensão de como o coletivo se regulava para manter
bons resultados de segurança, solicitou esta pesquisa. À princípio, esperava-se que a Reunião
Setorial de Operação fosse responsável pela produção de segurança e compartilhamento de
experiências entre os operadores. No entanto, a prática revelou que a reunião, apesar de ser
importante e valorizada pelos trabalhadores, ainda precisava de ajustes para ser uma
ferramenta de segurança eficaz; e ao longo dessa investigação, outra questão emergiu
evidenciando que o resultado que a usina atingiu em relação aos acidentes com afastamento, e
considerado um recorde de segurança, estava influenciando no comportamento dos
trabalhadores. De alguma forma, esse resultado estabeleceu um meio coercitivo dentro da
usina em favor do recorde gerando um peso para os trabalhadores. Eles desejavam manter o
resultado e quando acontecia algum acidente ninguém queria ser a pessoa responsável pelo
fim do recorde.
Uma vez que foram analisados casos de acidentes que aconteceram na usina dentro
desse período onde se manteve o excelente resultado de segurança, colocaram-se as questões:
evidentemente, qualquer e toda redução da frequência e gravidade de acidentes é sempre
benvinda, mas como evitar que as conquistas obtidas nessa luta pela segurança se
transformem em um peso, sendo vivido como fonte de ansiedade? Como algo que foi pensado
como um estímulo positivo se tornou um peso que traz sofrimento? E como evitar que o medo
de sofrer o próximo acidente leve à fragilização do sistema de prevenção, bloqueando o
processo de aprendizagem que levou à produção de segurança?
A pesquisa procurou compreender, portanto, como o recorde pode influenciar nas
decisões dos trabalhadores e no comportamento dos mesmos diante dos acidentes. A partir
dessa compreensão, e visto que essa prática de supervalorizar o resultado alcançado pode
levar ao silenciamento de acidentes, este trabalho trouxe como reflexão a relação do incentivo
e a necessidade de ter que se superar a todo o momento com a ideia de acidente zero. Ideia
essa já questionada por outros pesquisadores devido à certeza de que acidentes podem
acontecer a todo o momento, uma vez que é impossível lidar com todas as variabilidades do
meio, com a complexidade do mundo em que vivemos, e com o fato de que o homem pode
errar a qualquer momento.
Vimos que esse ambiente de manutenção do posto de destaque gerou peso para os
trabalhadores e influenciou as decisões e os comportamentos em pelo menos quatro casos de
acidentes dentro da usina. Presenciamos esses mecanismos durante a repercussão do último
88

acidente quando a usina estava quase atingindo 7 anos sem acidentes com afastamento.
Portanto, concluímos que a concessionária de energia deve repensar a respeito dessa prática
de estimular entre as unidades uma competição por melhores resultados de segurança. Ainda
que fosse somente dentro de um contexto produtivo com uma única filial, esse tipo de
estratégia pode causar danos para a cultura de segurança, como a instauração do silêncio
organizacional e do mergulho na ilusão de que os bons resultados de segurança refletem a
realidade da planta e garantem a segurança.
As práticas ligadas aos números e indicadores fazem da usina uma organização que
cultiva uma cultura gerencial de segurança, o que consequentemente a torna estagnada e
limitada em termos de segurança. Os bons resultados que foram atingidos podem estar
mascarando potenciais riscos de acidentes, uma vez que se estabelece um clima de
competição entre as unidades ocorrendo à proteção ao recorde, e não a prevenção de
acidentes. Portanto, a organização precisa evoluir e passar a incorporar práticas baseadas em
fatores humanos e organizacionais e que caminham em direção a uma cultura integrada de
segurança.
O desempenho da usina em relação à segurança é bom. Os registros mostraram que o
último acidente grave ocorreu há mais de 10 anos e os outros acidentes que ocorreram foram
de baixo potencial de gravidade. Mas, o recorde é uma referência ao esporte que não deveria
existir na vida organizacional, nem mesmo os rankings de segurança. Isso se torna um peso
porque impõe o pensamento de que é necessário se superar a todo momento, porque o
fracasso pode vir e o outro pode vencer. E lidar com o fracasso é difícil para qualquer ser
humano.
Recordes de segurança e comemorações de X dias sem acidentes do trabalho (ou
apenas acidentes com afastamento) resgatam a visão zero de acidentes que é um mito da
segurança que precisa ser combatido, uma vez que ele limita a cultura de segurança a uma
cultura de contabilização de acidentes e quase acidentes; estimula a manipulação dos números
empurrando-os para mais baixo possível; abre espaço para punições, julgamentos e mal estar
entre os trabalhadores, produzindo sofrimento no trabalho; estimula o silêncio organizacional;
e pode contribuir de forma significativa para o aumento da probabilidade de acidentes graves.
Essa visão desencoraja os trabalhadores e a liderança para a elaboração de melhores práticas
de segurança, mesmo que a intenção por trás dessa estratégia seja a de promover práticas que
colaboram para a prevenção.
Posto isso, para impedir que todos esses efeitos negativos se façam mais presentes e
molde a cultura de segurança, a usina deve abandonar essa prática. Isso permitirá que quando
ocorrer um acidente, se o acidentado precisar se afastar por dois dias, que se afaste sem se
preocupar com a contabilização nos índices da empresa. Também possibilitará que a usina se
89

atente aos riscos presentes na realidade e que podem gerar acidentes de maior potencial de
gravidade em vez de ficar adormecida na ilusão de que está segura, estável e de que não vai
falhar mais. Outro benefício é o da aprendizagem constante, porque os acidentes, em vez de
gerar julgamentos e sentimento de fracasso pela perda do status, vai ensinar uma lição
importante para a segurança e que pode ser aprendida por todos. É importante salientar que
abandonar a meta de zero acidentes não significa aceitar os acidentes e parar de buscar
a prevenção! Pelo contrário, significa reconhecer a realidade de trabalho dando abertura para
os trabalhadores relatarem mais casos e praticarem ações que colaboram para o tratamento
mais efetivo dos riscos que permanecem mascarados na organização por causa da valorização
dessa visão. A filosofia torna-se outra, a de que não existe o absoluto, mas existe o tornar-se
melhor. Aristóteles nos ensina isso há milênios afirmando que nós só nos tornamos melhor
através da prática. Quando fazemos o que tem que ser feito para melhorar a segurança,
tornamos ela melhor e mais fortalecida a cada dia. Essa conduta vai ao encontro com o ciclo
de melhoria contínua tanto pregado nas organizações.
Não somente essas comemorações e a visão zero acidentes devem ser abandonadas,
mas qualquer tipo de ranking de segurança estimulado entre unidades, uma vez que isso já
instaura um processo de competição e preocupação com os números que serão relatados;
porque comparações entre unidades de produção são injustas, pois trata-se de histórias,
condições e preocupações diferentes; e também por causa de diferenças de percepção e de
concepção teórica entre os trabalhadores de unidades diferentes.
Dessa forma, as práticas devem incentivar mais os relatos de acidentes, valorizar a
aprendizagem organizacional e facilitar a aproximação social. Recomendamos que a usina
busque vivenciar a Abordagem dos Fatores Humanos e Organizacionais da segurança
industrial que defende a identificação e implementação de condições que facilitam a
contribuição positiva dos trabalhadores e coletivos de trabalho. Assim, propomos dois
caminhos que a usina deve seguir para fortalecer a cultura de segurança: a implementação de
Espaços de Debate sobre o Trabalho (EDT) e o estímulo a detecção de sinais fracos.
Em relação aos Espaços de Debate sobre o Trabalho, a reunião setorial pode ser
adaptada para se transformar nessa ferramenta ou ela pode ser implementada de forma
independente da reunião. Para que se estabeleça um EDT, é necessário que esteja presente
cinco características que favorecem o debate e estimula a participação dos trabalhadores. São
elas: capacidade das hierarquias mais altas em questionar os próprios limites; a presença de
um gestor que conduz o espaço de debate com a postura de garantidor e animador do debate;
co- construção do método; possibilidade de que recursos estejam disponíveis; e debates
baseados
90

na confrontação com o real, ao mesmo tempo que apresenta a participação constante dos
trabalhadores e possibilidade de ação.
Os Espaços de Debate sobre o Trabalho possibilitarão a utilização da experiência
coletiva e o compartilhamento de experiência entre os trabalhadores; além de formar um
caminho que possibilita o desenvolvimento da capacidade de detecção de sinais fracos pelos
trabalhadores, que é o outro caminho proposto para fortalecer a segurança. Esse
desenvolvimento é possível quando as pessoas são “educadas” para reconhecer os primeiros
sinais de alerta de uma mudança gradual para a falha. Essa capacidade não se desenvolve com
treinamentos tradicionais, e sim à medida que os trabalhadores desenvolvem expertise no
contexto em que está inserido. Portanto, essa educação em detecção de sinais fracos implica
em fazer os trabalhadores compreenderem o que é sinal fraco. Isso requer tempo e
experiência, sendo também um processo situado e íntimo de cada um. Sabendo disso, o EDT
pode ser, portanto, a alternativa para lidar com o fator tempo e uma forma de iniciar o
desenvolvimento de capacidade nos trabalhadores, uma vez que poderão ser discutidas as
situações reais de trabalho abordando possibilidades de decisões que são necessárias tomar
durante uma ação; os possíveis erros do sistema e como lidar com eles; os sinais fracos; e as
características do sistema em cada situação.
Para finalizar, sugerimos para trabalhos futuros iniciar a construção da prática dos
Espaços de Debate sobre o Trabalho com foco na educação dos trabalhadores na detecção de
sinais fracos. Também sugerimos o desenvolvimento de mais pesquisas sobre práticas
baseadas na abordagem dos Fatores Humanos e Organizacionais da segurança, uma vez que
ainda não há muitos exemplos práticos que possam servir de exemplo e inspiração para as
organizações.
91

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (Brasília, DF). Atlas de Energia Elétrica


do Brasil. 3 ed. Brasília, 2008.

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (Brasil). Aprova alteração dos Módulos


1, 6 e 8 dos Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional
– PRODIST. Resolução Normativa No. 664, de 16 de Junho de 2015. [Brasília], 2015.

ALMEIDA, I., & VILELA, R. A. G. Modelo de análise e prevenção de acidente de trabalho:


MAPA. Piracicaba: CEREST, 2010.

AMALBERTI, R. Gestão da segurança: teorias e práticas sobre as decisões e soluções de


compromisso necessárias. Botucatu: FMU-UNESP, 2016.

AMALBERTI, R. et al. Gestão de segurança em sistemas complexos e perigosos - teorias e


práticas: uma entrevista com René Amalberti. Revista brasileira de saúde ocupacional, São
Paulo, v. 43, p. 9, 2018.

ANTONSEN, S. Safety Culture: Theory, Method and Improvement. Ashgate Publishing, 2009.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. 4 ed.
São Paulo: Nova Cultural, 1991.

AVEN, T., KROHN, B.S. A new perspective on how to understand, assess and manage risk
and the unforeseen. Reliab. Eng. Syst. Safety, v. 121, p. 10, 2014.

BOISSIÈRES, I. Prólogo. In: DANIELLOU, F.; SIMARD, M.; BOISSIÈRES, I. Fatores


humanos e organizacionais da segurança industrial: um estado da arte. Cadernos da Segurança
Industrial, ICSI, Toulouse: 2010.

BP. The BP US Refineries Independent Safety Review Panel. The Report of the BP US Refineries
Independent Safety Review Panel, 2007. Disponível em: http://sunnyday.mit.edu/Baker-panel-
report.pdf

BP. Deepwater Horizon Containment and Response: Harnassing Capabilities and Lessons
Learned., 2010. Disponível em: http://www.noia.org/wp-content/uploads/2015/12/BP-Lessons-
Learned-Report.pdf

BRASIL. Secretaria de Inspeção do Trabalho. NR - 10: Segurança em instalações e


serviços em eletricidade. Brasília, DF, Portaria MTPS n.º 508, de 29 de abril de 2016.

. NR - 13: Caldeiras, vasos de pressão e tubulações e tanques metálicos de


armazenamento. Brasília, DF, Portaria GM n.º 1.082, de 18 de dezembro de 2018.

. NR - 20: Segurança e saúde no trabalho com inflamáveis e combustíveis. Brasília,


DF, Portaria MTb n.º 860, de 16 de outubro de 2018.

. NR 33 -: Segurança e saúde nos espaços confinados. Brasília, DF, Portaria MTE n.º
1.409, de 29 de agosto de 2012.
92

. NR - 35: Trabalho em altura. Brasília, DF, Portaria MTb 1113, de 21 de setembro


de 2016.

. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Benefícios da Previdência Social e das outras


providências, Brasília, DF, ago. 1991.

BUSCH, C. Reappraising H. W. Heinrich – More than triangles and dominoes. New York:
Routledge, 2021.

CACHAPUZ, P.B.B. Usinas da Cemig: a história da eletricidade em Minas e no Brasil, 1952-


2005. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2006.

CARVALHO, A. L.; MENEGON, N. L. A pertinência dos documentos prescritos nas


atividades dos profissionais de manutenção industrial: o caso de uma indústria
automobilística. Gestão e Produção, v. 21, p. 143-155, 2014.

DANIELLOU, F.; DUGUÉ, B.; GRALL, J. Os pontos-chave FHOS da política de segurança


industrial. In: DANIELLOU, F.; SIMARD, M.; BOISSIÈRES, I. Fatores humanos e
organizacionais da segurança industrial: um estado da arte. Cadernos da Segurança Industrial.
Toulouse: ICSI, 2010.

DANIELLOU, F; SIMARD, M. A organização, suas forças e suas fraquezas. In:


DANIELLOU, F.; SIMARD, M.; BOISSIÈRES, I. Fatores humanos e organizacionais da
segurança industrial: um estado da arte. Cadernos da Segurança Industrial. Toulouse:
ICSI, 2010.

DANIELLOU, F.; SIMARD, M.; BOISSIÈRES, I. Fatores humanos e organizacionais da


segurança industrial: um estado da arte. Cadernos da Segurança Industrial. Toulouse: ICSI,
2010.

DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Produção, São Paulo, v. 14, p. 27-34, 2004.

DEJOURS, C. Patologia da comunicação, situação de trabalho e espaço público. In:


LANCMAN, S.; SZNELWAR, L. I. (org). Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.

DEKKER, S. The Safaty Anarchist: Relying on human expertise and innovation, reducing
bureaucracy and compliance. New York: Routledge, 2018.

DEKKER, S; LONG, R.; WYBO, J. Zero vision and a Western salvation narrative. Safety
Science, v.88, p. -219-223, 2014.

DEKKER, S; TOOMA; M. A. Capacity index to replace flawed incident-based metrics for


worker safety. Labour Rev. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/ilr.12210>.

DE LA GARZA, C.; POY, M. Seguridad y salud laboral, seguridade industrial: desafíos de un


enfoque de prevención sustentable. Laboreal, v. 5, p. 95-105, 2009.
93

DOUGLAS, M.; WILDAVSKY, A. Risk and culture: an essay on the selection of


technological and environmental dangers. Berkeley: University of California Press, 1982.

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Informe técnico EPE-DEE-IT-066 -


Preços de Referência dos Combustíveis para as Usinas Termelétricas. Disponível em: <
http://epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-
abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-307/topico-405/EPE-DEE-IT-066_A-
1%20e%20A-2_2018_v0.pdf> Acesso em: 15 Jan. 2019.

FALZON, P. Ergonomia construtiva. São Paulo: Blücher, 2016.

FIGUEREDO JUNIOR, J. V. Prevenção e controle de perdas: abordagem integrada. Natal:


IFRN Editora, 2009.

GEERTZ, C. 1926. A interpretação das culturas. 1.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2015.

GRANJO P. Quando o conceito de «risco» se torna perigoso. Análise Social, v.41, p. 1167-
1179, 2006.

GUÉRIN, F. et. al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São
Paulo: Edgard Blücher; Fundação Vanzolini, 2001.

HOLLNAGEL, E. Safety I and safety II – The past and future of safety management.
Ashgate: Ashgate Publishing, 2014.

HOLLNAGEL, E.; WOODS, D.; LEVESON, N. C. Resilience engineering: Concepts and


precepts. Aldershot, Reino Unido: Ashgate, 2006.

HOPKINS, A. Failure to learn: the BP Texas City refinery disaster. Sydney: CCH, 2008.

HOPKINS, A. A practical guide to becoming a “high reliability organisation”. Austrália:


AIHS, 2021.

HUDSON, P. Implementing a safety culture in a major multi-national. Safety science, v. 45, p.


697-722, 2007.

ICSI - Institut pour une culture de sécurité industrielle. BESNARD, D.; BOISSIÈRES, I.;
DANIELLOU, F.; VILLENA, J. The essentials of Safety Culture. ICSI, Toulouse, França (ISNN
2554-9308), 2017. Disponível em: http://www.icsi-eu.org/docsi/fr/the-essentials-of-safety-culture-
f534?id_cible=6. Acesso em: 20 de janeiro de 2022.

ICSI - Institut pour une culture de sécurité industrielle. DANIELLOU, F.; DESCAZEAUX, M.
O Essencial. Da prevenção dos acidentes graves, fatais e tecnológicos ampliados. ICSI,
Toulouse, França, 2019. Disponível em: https://www.icsi-eu.org/sites/default/files/2021-
04/Icsi_essentiel_PO_prevencao_acidentes_graves_fatais_tecnologicos_ampliados_2019_0.pdf.
Acesso em: 20 de janeiro de 2022.

INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). Guidelines on occupational safety


and health management systems, ILO-OSH 2001 Geneva, International Labour Office, 2001.
Disponível em:
94

<https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_protect/@protrav/@safework/documents/n
ormativeinstrument/wcms_107727.pdf>. Acesso em: 20 Fev. 2019.

LA GUARDIA, M. Quando as luzes se apagam... A gestão coletiva dos riscos na manutenção


em rede energizada. 2016. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Escola de
Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.

LATOUR, B. Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos


Irineu da Costa.. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

LIMA, F. et al. Barragens, barreiras de prevenção e limites da segurança: para aprender com a
catástrofe de Mariana. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v.40, p. 118-120, 2015.

LIMA, F. et al. La perception des signaux faibles : propositions pour l'analyse de l'activité
dans les organisations à risques. In: CONGRÈS SELF, 56. Geneve. 2022 . Anais... Geneve:
Société d'Ergonomie de Langue Française.

LIMA, M. T. S.; SOUZA, C. S. Discorrendo Sobre o Uso das Termelétricas no Brasil. Revista
Ciência e Natura, Santa Maria, v. 37, p. 17–23, 2014.

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Plano Nacional de Energia 2030. Brasília,


2007.

LONG, R. Por amor ao zero: A falibilidade humana e o risco. Tradução de Gilval Menezes,
Caio Pimenta e Anderson Sacramento Neto. São Paulo: Editora Nelpa, 2022.

MANUELE, F. Reviewing Heinrich. Dislodging Two Myths From the Practice of Safety.
Profissional Safety, 2011. Disponível em:
https://aeasseincludes.assp.org/professionalsafety/pastissues/056/10/052_061_F2Manuele_10
11Z.pdf. Acesso em:10 jan 2022.

MERCADO, M. P. Diagnóstico de Cultura de Segurança: Análise de Metodologia Aplicada em


Plataformas Offshore de Produção. 2019. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção).
COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

MINAYO, M. C. S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S.


Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

NASCIMENTO, A. et al. Construir segurança: do normativo ao adaptativo. In: FALZON, P.


Por uma ergonomia construtiva. São Paulo: Blücher, 2016.

OHSAS. OSHAS 18001: 2007. Occupational Health and Safety management systems.
Requirements. OSHAS, 2007.

OLIVEIRA, O. J.; OLIVEIRA, A. B.; ALMEIDA, R. A. Gestão da segurança e saúde no


trabalho em empresas produtoras de baterias automotivas: um estudo para identificar boas
práticas. Revista Produção, v. 20, p. 481-490, 2010.

OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRCO (ONS). O que é ONS? Disponível em:


<http://ons.org.br/paginas/sobre-o-ons/o-que-e-ons> Acesso em: 15 Jan. 2019.
95

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Sistema de Gestão da


Segurança e Saúde no Trabalho: Um instrumento para uma melhoria contínua. Tradução em
língua portuguesa. 2011. Disponível em: <
http://www.dnpst.eu/uploads/reltrabalhadorios/reltrabalhadorio_oit_2011_miolo.pdf> Acesso
em: 10 Fev. 2019.

PETROSKI, H. Success through the failure: the paradox of design, Princeton University New
Jersey: Press, 2018.

PETROSKI, H. To engineer is human: the role of failure in successful design, First Vintage.
New York: Books Edition, 1992.

SILVA, E. H. D.R. et.al. Os sistemas de gestão em segurança e saúde no trabalho em auxílio à


prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Revista de Gestão em Sistemas de Saúde, São
Paulo, v. 1, p. 157-172, 2012.

ROCHA, R. Do silêncio organizacional aos espaços de debate sobre o trabalho: efeitos sobre
a segurança e sobre a organização. In: LIMA, F. P. A.; RABELO, L. B. C.; CASTRO, M. G.
L (Org). Conectando saberes: dispositivos sociais de prevenção de acidentes e doenças no
trabalho. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2015.

ROCHA, R. Atividade coletiva na redução da carga de trabalho: uma articulação entre


regulações quentes e frias. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional , v. 42, p. 1-13, 2017.

ROCHA, R.; DANIELLOU, F.; MOLLO, V. O retorno de experiência e o lugar dos espaços
de discussão sobre o trabalho: uma construção possível e eficaz. Trabalho & Educação, v. 23,
p. 61-74, 2014.

ROCHA, R.; MOLLO, V.; DANIELLOU, F. Work debate spaces: a tool for developing a
participtrabalhadory safety management. Applied Ergonomics, v. 46, p. 107-114, 2015.

. Contributions and conditions of structured debates on work on safety construction.


Safety Science , v. 113, p. 192-199, 2019.

RUBIO, K. O imaginário esportivo contemporâneo: o atleta e o mito do herói. São Paulo:


Casa do Psicólogo, 2001.

RUBIO, K. O imaginário da derrota no esporte contemporâneo. Psicologia e Sociedade, v. 18,


p. 86-91. 2006.

SGOUROU, E., et al. Assessment of selected safety performance evaluation methods in


regards to their conceptual, methodological and practical characteristics. Safety Science, Vol.
48, 8, p. 1019-1025, 2010.

SHERRATT, F.; DAINTY, A. Construction safety: a zero paradox? Policy and Practice in
Health and Safety, Reino Unido, 2017.
96

SIMARD, M. A cultura de segurança. In: DANIELLOU, F.; SIMARD, M.; BOISSIÈRES, I.


Fatores humanos e organizacionais da segurança industrial: um estado da arte. Cadernos da
Segurança Industrial.Toulouse: ICSI, 2010.

PERNAS, J. P.S. Indicadores de gestão do risco: Estudo de caso. 2012. Dissertação


(Mestrado em Segurança e Higiene do Trabalho) – Escola Superior de Ciências Empresariais,
Instituto Politécnico de Setúbal, Setúbal, 2012.

SZNELWAR, L. I.Prefácio. In: GUÉRIN, F. et. al. Compreender o trabalho para transformá-
lo: a prática da ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher; Fundação Vanzolini, 2001.

TAROZZI, M. O que é a Grounded Theory? Petrópolis: Vozes, 2011.

VAUGHAN, D. Signals and interpretive work: The role of culture in a theory of practical
action. In: CERULO, K.A. Culture in Mind: Toward a Sociology of Culture and Cognition.
New York: Routledge. 2002.

VAUGHAN, D. Organizational rituals of risk and error. Organizational Encounters with


Risk, Bridget Hutter and Michael Power. New York and Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.

WALTER et al. Construction of safety reports categories in high reliability organizations


in Argentina. Contribution of simulation to validation of event ́s scenarios”.
Human Factors in Organizational Design and Management. XI
Nordic Ergonomis Society Annual Conference. Dinamarca, Copenhagen, 17-20 de agosto
de 2014.

WEICK, K, E; SUTCLIFFE, K.M. Managing the Unexpected: Resilient Performance in an


Age of Uncertaint. 2d. Jossey-Bass, 2007.

ZWETSLOOT, G.I.J.M. et al. The case for research into the zero accident vision. Safety
Science, v.58, p. 41-48, 2013.

Você também pode gostar