A Relação Entre o Desenvolvimento Humano, o Brincar e o Letramento Na Educação Infantil - Uma Perspectiva A Partir Da Pedagogia Histórico-Crítica

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A RELAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO, O BRINCAR E O

LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DA


PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Sonia Kaminski Souza1


Maria Tatiana da Silva2

RESUMO

O presente artigo analisa a importância do brincar no processo de ensino e


aprendizagem da criança na Educação Infantil. Utilizou-se como base teórica a
Pedagogia Histórico-Crítica, de Saviani (2013) e Gasparin (2012); a Psicologia
Histórico-Cultural de Vygotsky (1989; 1993); Lazaretti, Pasqualini (2022) e Pozas
(2011) e seus conhecimentos sobre Educação Infantil e o brincar como um direito e
meio para a aprendizagem significativa, além de ser um facilitador para que a
criança tenha acesso ao mundo letrado. Discorreu-se sobre a as leis e normas que
regulamentam e protegem a Educação infantil como um direito da criança.
Conceituou-se infância, o brincar e a inserção das brincadeiras, conduzidas com
intencionalidade pedagógica e planejamento, visando ao desenvolvimento integral
da criança: imaginação, criatividade, espontaneidade, atenção, senso crítico, seu
poder de raciocínio e sua inserção na cultura letrada. Diante do exposto,
considerou-se a necessidade de problematizar a banalização do brincar como uma
atividade livre, ressaltando a importância do professor prever em seu planejamento o
brincar como uma atividade dirigida, proporcionando um ambiente em que a criança
possa se comunicar consigo mesma e com o mundo, aceite a existência dos outros,
estabeleça relações sociais, construa conhecimentos, desenvolvendo-se
integralmente, e, ainda, considerando os benefícios que o brincar proporciona no
ensino e aprendizagem infantil.

Palavras-chave: Brincar. Pedagogia Histórico-Crítica. Educação Infantil.

1 INTRODUÇÃO

A brincadeira se constitui como essencial no desenvolvimento integral infantil,


pois é por meio dela que as crianças interagem e socializam com seus pares e com
o meio. Nesse contexto, o presente estudo tem a finalidade de proporcionar a

1
Educação Infantil. Smed - Departamento de Educação Infantil. E- mail:
[email protected].
2
Educação Infantil. Smed - Departamento de Educação Infantil. E-mail:
[email protected].
formação e reflexão sobre a concepção do brincar e sua importância nas práticas
pedagógicas na Educação infantil na perspectiva do letramento.
A discussão teórica se dá a partir da Pedagogia Histórico-Crítica, que traz
como finalidade da educação a promoção do ser humano e uma aprendizagem
significativa a partir do contexto social e cultural das crianças, defendendo uma
permutação de conhecimentos e não apenas um repasse do professor à criança. No
que se refere à Psicologia Histórico-Cultural, tem-se que o desenvolvimento
psicológico humano ocorre a partir da influência dos processos social e histórico por
meio da mediação da cultura.
Para tal, entende-se que é essencial que, em primeiro momento, esteja clara
a concepção de infância na atualidade, quais são os direitos de aprendizagens e
desenvolvimento das crianças e como a brincadeira se insere neste contexto, de
forma significativa.
Ressalta-se que o brincar não é simplesmente uma recreação, uma vez que
cabe ao professor refletir sobre esse instrumento facilitador que tem em mãos,
valorizando os conhecimentos prévios da criança, compreendendo que, por meio da
brincadeira, a criança vai se apropriar, entre outras coisas, do universo letrado.
Considera-se, todavia, que o brincar trata-se de uma das formas principais
que a criança dispõe para aprender sobre: os objetos que estão à sua volta, as
pessoas, si própria, bem como acerca dos elementos culturais, sociais e naturais. À
vista disto, compreende-se que o brincar é elemento fundamental no binômio educar
e cuidar, compreendido como forma organizativa do trabalho pedagógico.
A metodologia adotada para elaboração deste trabalho foi a bibliográfica,
visto que se realizou pesquisa teórica em livros, teses e revistas científicas que
tratam acerca da temática elencada para fundamentação teórica do documento.

2 INFÂNCIA E O PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO


INFANTIL

A criança faz uso de brincadeiras como forma de aquisição de


conhecimentos, isto posto, tem-se que “[...] o conteúdo fundamental da brincadeira
protagonizada são as relações humanas, que são objeto de apropriação e
elaboração pela criança por meio de sua representação no contexto lúdico”
(PASQUALINI, 2013, p. 17-18). Para pensarmos no processo de ensino,
aprendizagem e desenvolvimento das crianças da Educação Infantil, faz-se
necessária a compreensão das especificidades do meio em que estamos inseridos,
e dos indivíduos que os constituem, as crianças.
Pozas (2011) assevera que nem sempre existiu a consciência da
particularidade infantil que temos hoje, a qual diferencia a criança do adulto e como
alguém que tem uma história, é produzida pela cultura e constrói nas relações com
os outros e com o mundo, “dessa maneira, o jogo e a brincadeira assumem papel
relevante em seu crescimento” (POZAS, 2011, p. 17). Nesse sentido, educação é
fundamental no processo de apropriação da cultura humana, de suas
transformações e na apropriação dos atributos especificamente humanos.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil traz a definição
de criança como um:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas


cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona
e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
(BRASIL, 2010, p. 16)

Dessarte, a Educação Infantil surge, do ponto de vista legal, defendida pela


Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) e pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (BRASIL, 1996) como a primeira etapa da Educação Básica,
cuja finalidade é o desenvolvimento integral da criança.
Arcabouço legal e concepções historicamente construídas implicam a
responsabilidade de tornar as instituições educacionais em espaços privilegiados de
convivência, construção de identidades coletivas e de ampliação de saberes e
conhecimentos de diferentes naturezas, que se evidenciam por meio de questões
inerentes à “[...] práticas que atuam como recursos de promoção da equidade de
oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que
se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância”
(BRASIL, 2010, p. 17).
O acesso ao conhecimento tem dupla função, a criança simultaneamente se
apropria da herança cultural enquanto constrói as operações mentais essenciais
humanas. Caminhando no mesmo sentido, a Pedagogia Histórico-Crítica defende a
educação como o “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens” (SAVIANI, 2013, p. 13).
Entende-se que não basta a criança falar, é necessário que ela saiba a
função social da fala, para que possa relacionar e interagir com o outro e com o
meio, expressar suas necessidades e desejos, assim, a criança, com a mediação do
professor, apropria-se progressivamente de vários conhecimentos, como:

[...] discriminar cores, memorizar poemas, representar uma paisagem


através de um desenho, consolar uma criança que chora etc., não são
constituições universais biologicamente determinadas e esperando o
momento de amadurecer. Elas são histórica e culturalmente produzidas nas
relações que estabelecem com o mundo material e social mediadas por
parceiros mais experientes. (BRASIL, 2013, p. 86)

Nesse ponto de vista, considera-se relevante que se proporcione à criança o


conhecimento acerca do uso social da leitura e da escrita, que vai além da
decodificação de palavras e frases. Nesse sentido, as brincadeiras auxiliam no
letramento na Educação Infantil, visto que contribuem significativamente para que as
crianças compreendam a funcionalidade da linguagem escrita, de forma mais
prazerosa. Letramento é a condição ou o estado assumido por aquele indivíduo que
aprende a ler e a escrever. É mais do que codificar e decodificar símbolos, é
interpretar o que está lendo e saber entender o significado que aquela leitura mostra.
Assim, o brincar possibilita incluir a criança no mundo letrado, interpretando o mundo
por meio do faz de conta, ilustrações de livros, entender o mundo a sua volta.
Vygotsky (1993) afirma que as brincadeiras de faz de conta se tratam de
meios facilitadores no que diz respeito às descobertas dos processos de leitura e de
escrita, pois a criança pode realizar hipóteses e explorar sua criatividade. Bem
como, envolve e desenvolve as capacidades de interpretação da criança, amplia
progressivamente seu léxico e o domínio da língua.
Na educação infantil, assim como ocorre em diferentes contextos sociais, as
oportunidades de aprendizagem da leitura e da escrita são construídas por
meio de práticas de letramento localmente desenvolvidas por participantes
de um determinado grupo social. (NEVES, CASTANHEIRA; GOUVEIA,
2017, p. 220)

Considera-se que o letramento na Educação Infantil se evidencia pelas


primeiras aproximações com a linguagem escrita e pela construção de sentidos e
significados relacionados às práticas sociais de leitura e de escrita do grupo cultural
ao qual a criança pertence. Nessa perspectiva, tem-se que é preciso que o professor
faça as mediações pertinentes, para que a criança seja provocada pelos textos de
seu entorno e atue sobre eles.

É importante destacar que o saber das crianças, baseado em suas


experiências do cotidiano, pode contribuir para a estruturação do início da
ação pedagógica, mas não é condição para ela. Isto por duas razões:
primeiro, porque as experiências dos alunos são baseadas no senso
comum, referem-se ao conhecimento “em-si” e a forma de conhecimento
que a escola deve dedicar-se a desenvolver é o conhecimento “para-si”. A
segunda razão, decorrente da primeira, é que a escola, dedicando-se ao
saber erudito, nem sempre encontrará nos interesses imediatos e nos
conhecimentos prévios dos alunos os conteúdos que a escola deve
transmitir e isso não significa que por isso não deva criar as necessidades e
oferecer os conhecimentos históricos e elaborados. (MARSIGLIA, 2011, p.
24)

O letramento na Educação Infantil trata-se de “compreender que se ensina


para que as crianças sejam sujeitos capazes de expor, argumentar, explicar, narrar,
além de escutar atentamente e opinar, respeitando a vez e o momento de fala”
(CAMPOS, 2018, p. 130).
Nesse sentido, Kishimoto (2010) explicita que:

As crianças adquirem a linguagem falada, ouvindo e interagindo com outros


na linguagem da família ou comunidade, brincando de faz de conta em casa
ou na escola. A aprendizagem da linguagem escrita pode ocorrer em casa
ou na escola, por meio de escrita e leitura de cartas e cartões, internet,
catálogos, cartas, receitas, guias de TV, lista de supermercado, jornais,
jogos eletrônicos, de tabuleiro, livros, revistas, jornais ou até fazendo um
trabalho doméstico. O letramento/ literacia visual vai emergindo nos
primeiros anos de vida, quando a criança cria e compreende os textos
visuais e multimodais. Desenhando, pintando ou modelando, as crianças
criam elaboradas representações multimodais com diversos materiais, como
paus, areia, brinquedos e objetos de uso doméstico, que são usados para
representar outras coisas. Nos cenários do jogo dramático, desenham
formas significativas visuais ou gestuais, com materiais, como papel,
tesoura e cola para fazer colagem, cortar ou moldar. (KISHIMOTO, 2010, p.
25)

É muito importante que a criança, antes de tudo, tenha um contato


encantador com a leitura e a escrita, para que ela entenda a importância dessas
habilidades e saiba como usá-las na prática. Dessa forma, ela terá um fascínio muito
maior pelo que está aprendendo e saberá aplicar estes conhecimentos.
Ao brincar a criança interage com seus pares e com o meio, explora sua
imaginação, se comunica por meio de gestos e sons. Durante as brincadeiras a
criança, ao estabelecer combinados, regras e objetivos, desenvolve sua capacidade
de comunicação, interação social, raciocínio lógico, atenção, imitação, memória,
concentração, memória, consciência, percepção, pensamento, vontade, formação de
conceitos e emoção, bem como amadurecem “[...] algumas capacidades de
socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e
papéis sociais” (BRASIL, 1998, p. 22).

3 A INTENCIONALIDADE DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular, o brincar é


definido como um Direito de Aprendizagem e Desenvolvimento, visto que (BRASIL,
2017).

Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e


tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e
diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua
imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais,
sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. (BRASIL, 2018, p.
40)

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2009),


as interações e brincadeiras aparecem nos eixos estruturantes das práticas
pedagógicas, se tratando de vivências e experiências realizadas pelas crianças que
podem “construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e
interações com seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens,
desenvolvimento e socialização” (BRASIL, 2017, p. 35).
Elkonin (1998) compreende o brincar como uma possibilidade de atividade
lúdica, que tem como característica geral a reconstituição não utilitária das relações
humano-sociais (funções, tarefas e normas), por meio de uma situação imaginária,
caracterizando a brincadeira como uma atividades em que o objetivo se encontra no
próprio processo e não no resultado da ação, sendo mediado por regras implícitas.
No mesmo sentido, Leontiev (2001) traz a brincadeira cuja estrutura e seu
objetivo estão no próprio processo de brincar.

Brincar dá à criança oportunidade para imitar o conhecido e para construir o


novo, conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia se
aproxime ou se distancie da realidade vivida, assumindo personagens e
transformando objetos pelo uso que deles faz (SILVA, 2009, p. 7).

O brincar deve estar previsto no planejamento do professor, visto que a


brincadeira “não é instintiva, mas precisamente humana, atividade objetiva, que, por
constituir a base da percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos,
determina o conteúdo de suas brincadeiras” (LEONTIEV, 2001, p. 120).
A brincadeira se constrói nas relações interpessoais e supõe uma
aprendizagem social, visto que está relacionada diretamente ao meio e às relações
vivenciadas pela criança. É preciso que as brincadeiras sejam orientadas e
organizadas para que se possa constituir como fonte de desenvolvimento de novas
capacidades cognitivas.

A qualidade dessa vivência social não se garante pelo simples fato de a


criança brincar. A brincadeira, tanto quanto qualquer outra experiência social
requer a mediação do adulto, que assume um papel organizativo na
trajetória de apropriações e objetivações realizadas pela criança. É por meio
desta mediação que ela, ao brincar, integra física, emocional e
cognitivamente a complexa atividade social. Portanto, ao brincar a criança
reproduz as relações sociais e as atividades dos adultos num processo de
exteriorização determinante de mudanças qualitativas em sua
personalidade. Brincar não apenas porque é divertido, embora também o
seja, mas o faz, acima de tudo, para atender a um dos mais fortes apelos
humanos: o sentido de pertença social. (ARCE; DUARTE, 2006, p. 40)

O brincar, dentro da Pedagogia Histórico-Crítica, é uma atividade dirigida,


entendendo a criança como um ser ativo que em suas relações trocam e produzem
novos saberes e não “como seres passivos, como se não tivessem suas próprias
intenções e significações ao brincar” (MONTEIRO; DELGADO, 2014, p. 109-110).
É fundamental que as crianças sejam inseridas em atividades compartilhadas
e dirigidas pelo professor, que precisa propiciar condições de que a criança possa
questionar, formular hipóteses, expressar-se, conviver, explorar, participar,
conhecer-se e conhecer o mundo. “No entanto, as crianças só manifestaram essas
qualidades no seu desenvolvimento se não as privarmos dos processos de ensino”
(PASQUALINI; LAZARETTI, 2022, p. 50).
O planejamento é entendido como algo fundamental na prática do professor,
problematizando a banalização do lúdico como uma atividade livre, sem orientação e
sem objetivos, pois considera-se essencial que o professor tenha intencionalidade
nas ações e nas brincadeiras realizadas com as crianças da Educação Infantil.
Nesse sentido, reforça-se a necessidade da existência de conexões entre as
atividades lúdicas e seus elementos com as demais atividades propostas às
crianças, “o que deve ser princípio orientador do professor no planejamento das
ações de ensino” (PASQUALINI; LAZARETTI, 2022, p. 66).
Gasparin (2012), ao propor uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica,
mostra que o ponto de partida do planejamento do professor torna-se a realidade
social mais ampla. Parte-se do contexto das crianças como um todo para as
especificidades da turma e destas para a sua totalidade novamente, processo que
Saviani (1999) chamou de dialética do processo pedagógico e leva o educando a
perceber que os conteúdos a serem estudados estabelecem relação com a
realidade e com a totalidade da prática social, cultural e histórica.
Nesse processo, o professor entra em contato com a realidade de suas
crianças, tendo como objetivo central proporcionar condições para que esses
indivíduos tenham consciência e conhecimento de seu meio e avancem em suas
realidades histórico-sociais, assim, se perceberem como sujeito com uma história.

4 O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DA


PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Considera-se necessária a elaboração teórica sobre a natureza, o conteúdo


social e a estrutura do brincar, pois “a conduta autorregulada e o domínio de regras;
o descentramento cognitivo; a gênese da imaginação; a apropriação de modelos de
relação humana” (PASQUALINI; LAZARETTI, 2022, p. 63).
Para Vygotsky (1994), é enorme a influência que as brincadeiras exercem no
processo de desenvolvimento das crianças, favorecendo as aprendizagens
significativas. Além disso, as brincadeiras promovem interações entre bebês e
crianças, dando-lhes o suporte necessário para o desenvolvimento da identidade em
direção à autonomia.
Vygotsky (1989; 1993) entende que a criança nasce com funções psicológicas
consideradas elementares e é por meio da cultura, das vivências e experiências
adquiridas que essas funções psicológicas se tornam superiores. Assim, a criança
passa a ter comportamentos conscientes, a possuir a capacidade de planejar suas
ações e realizá-las a partir de propósitos pré-determinados e a desenvolver o
pensamento abstrato. Por esse ângulo, tem-se que o professor, por meio da
brincadeira, vai realizar propostas com intencionalidade pedagógica, a partir da Zona
de Desenvolvimento Proximal, estabelecendo relações entre pensamento e
linguagem oral da leitura e da escrita.
Nesse contexto, a brincadeira contribui significativamente para a superação
das funções elementares, desempenhando função essencial para todo o processo
de aprendizagem e desenvolvimento da criança. Segundo Arce e Duarte:

A brincadeira de papéis influencia decisivamente o desenvolvimento global


da criança. Ao brincar, ela aprende a ser e agir diante das coisas e das
pessoas, pois é a partir das ações práticas realizadas que os processos
internos se estruturam, orientando outras ações práticas, mais autônomas e
complexas, que enriquecerão os processos internos e assim
sucessivamente. Portanto, as brincadeiras infantis destacam-se no vasto
campo social que circunscreve a vida da criança e que representa a base do
desenvolvimento de todos os atributos e propriedades humanas. (ARCE;
DUARTE, 2006, p. 39)

É também por meio de jogos e brincadeiras que a criança vai aprender quais
são as regras que organizam as relações entre as pessoas do seu grupo e o papel
que cada uma desempenha, o que contribui para sua aprendizagem e
desenvolvimento.

[...] o desenvolvimento infantil é concebido, na teoria histórico-cultural, como


um fenômeno histórico e dialético, que não é determinado por leis naturais,
universais, mas encontra-se intimamente ligado às condições objetivas da
organização social; e não se processa de forma meramente linear, [...] em
cada momento de sua existência o ser humano se relaciona com a
realidade de uma determinada maneira. (PASQUALINI, 2013, p. 76)

Oliveira (1993) explicita que, na brincadeira de faz de conta, a criança é


levada a agir num mundo imaginário (o ônibus que ela está dirigindo na brincadeira
por meio de cadeiras enfileiradas, por exemplo) onde a situação é definida pelo
significado estabelecido pela brincadeira (o ônibus, o motorista, os personagens,
etc.) e não pelos elementos reais concretamente presentes.
Os brinquedos, nesse sentido, servem como a representação de uma
realidade ausente e ajudam a criança a separar objeto e significado. Isso se constitui
num passo importante no percurso que a levará a ser capaz de, como no
pensamento adulto, desvincular-se totalmente das situações concretas. Portanto, a
organização de práticas que favoreçam o envolvimento das crianças em
brincadeiras, principalmente aquelas que possibilitem a criação de situações
imaginárias, tem nítida função pedagógica.
A brincadeira de papéis, segundo Pasqualini e Lazaretti (2022), precisa ser
incentivada na escola, envolvendo as distintas funções e ações do professor,
observando como as crianças brincam, quais são seus enredos, atentando-se aos
conteúdos e a lógica da situação imaginária, incrementando também a brincadeira
com recursos, materiais, conhecimentos a respeito das atividades laborais.
Um momento que oportuniza provocar argumentos e ideais que complexifica
o enredo e enriquecem o repertório de vivências das crianças, “propor situações que
se possam desdobrar em enredos a partir de um conteúdo específico, instigando o
interesse na compreensão de novos fenômenos, objetos e práticas sociais”
(PASQUALINI; LAZARETTI, 2022, p. 66).
Nesse sentido, Gasparin (2012) nos mostra que as crianças já possuem
conhecimento de conceitos cotidianos e brincadeiras muito antes de serem
estudados de maneira específica nas instituições educacionais. São conhecimentos
de grande experiência empírica.
Nessa perspectiva, considera-se que:
As crianças assimilam esse mundo, a cultura humana, assimilam pouco a
pouco as experiências sociais que essa cultura contém, os conhecimentos,
as aptidões e as qualidades psíquicas do homem. É essa a herança social.
Sem dúvida, a criança não pode se integrar na cultura humana de forma
espontânea. Consegue-o com a ajuda contínua e a orientação do adulto –
no processo de educação e ensino. (MUKHINA, 1996, p. 40)

Cabe ao professor entender que sua função, a partir das perspectivas da


Pedagogia Histórico-Crítica, “consiste em aprofundar e enriquecer essas
concepções, ou retificá-las, esclarecer as contradições, reconceituando os termos de
uso diário” (GASPARIN, 2012, p. 18).
Lazaretti (2016) expõe que a brincadeira, na condição de atividade guia, é
absolutamente crucial, para a promoção de um ensino desenvolvente, que se
garantam as condições materiais e espaço-tempo-reais para que os coletivos
infantis se engajem em brincadeiras protagonizadas. “Por isso afirmamos: queremos
brincadeira na escola!” (LAZARETTI, 2016, p. 65). A autora ainda completa que
“brincar significa representar o papel de um adulto, protagonizando suas funções
sociais de trabalho, mediante a reconstituição sintética e generalizada de atividades
sociais com apoio na transferência de significados de um objeto a outro”
(LAZARETTI, 2016, p. 65).
Nesse contexto Elkonin (1998) aponta que a atividade lúdica em suas
múltiplas expressões e possibilidades e sobre os processos psíquicos que ele
mobiliza, provoca e forma na criança, notadamente: a conduta autorregulada e o
domínio de regras; o descentramento cognitivo; a gênese da imaginação; a
apropriação de modelos de relação humana por meio da protagonização de papéis
sociais; e a formação de motivos de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do levantamento bibliográfico, foi possível identificar que a brincadeira


contribui significativamente para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança na
Educação Infantil. O brincar é um dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento
da criança, além de ser uma das principais formas de comunicação consigo mesma
e com o mundo, de aceitação acerca da existência de outros, de estabelecimento de
relações sociais e de construção de conhecimentos, bem como facilita a inserção da
criança no mundo letrado.
Conclui-se que o brincar auxilia no processo de letramento da criança na
Educação Infantil, uma vez que, brincando, a criança compreende a funcionalidade
da linguagem escrita, de forma mais prazerosa. Um grande exemplo são as
brincadeiras de faz de conta, que permite às crianças descobrir os processos de
leitura e de escrita, não apenas como decodificação de símbolos, mas também de
interpretação e leitura de mundo, pois a criança pode realizar hipóteses e explorar
sua criatividade.
A Pedagogia Histórico-Crítica, nessa perspectiva, traz que é necessário que a
criança tenha acesso aos conhecimentos historicamente elaborados, nesse caso, o
professor é visto como um mediador, que precisa, cotidianamente, planejar, refletir
sobre sua prática pedagógica, para que sejam realizadas propostas e
encaminhamentos que considerem o contexto social e cultural das crianças. Nesse
contexto, o brincar possibilita as relações sociais de forma significativa, uma vez que
a criança se desenvolve nas interações, relações e prática cotidianas.
A Psicologia Histórico-Cultural traz questões relacionadas à influência dos
processos sociais, históricos e culturais no desenvolvimento infantil. Nessa
perspectiva, o professor precisa planejar e mediar suas ações educativas na
Educação Infantil, buscando que, por meio da brincadeira, a criança possa aprender
e se desenvolver dentro das suas possibilidades.
A partir da observação dos aspectos analisados sobre a importância do
brincar na educação infantil para o desenvolvimento integral da criança, o presente
trabalho traz a relevância da problematização da banalização da brincadeira na
Educação Infantil utilizada de forma livre, sem planejamento e mediação do
professor.
É necessário que o professor proporcione a estrutura para estimular a criança
a criar possibilidades para que as brincadeiras aconteçam, observando o brincar das
crianças e disponibilizando o que está lhe faltando, dessa forma, precisa estar atento
para propiciar às crianças materiais a deixar as brincadeiras mais complexas.
Considera-se a necessidade de orientação e organização do professor nas
brincadeiras, para que se possa constituir como fonte de desenvolvimento de novas
capacidades cognitivas.
Em suma, para que a existência do brincar na educação infantil seja uma
prática que possibilite o desenvolvimento integral das crianças, é necessário que o
professor promova a interação, mediação e organização de ambientes para que o
brincar possa acontecer. Nesse aspecto, considera-se essencial planejar
brincadeiras e jogos, sendo que, considerando a realidade de espaço disponível,
contribui-se para o sucesso da brincadeira e até para ampliação dessas atividades e
do número de crianças participantes.

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