Veja, 25.11.24 (PCC e Pablo Marçal)

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BRASIL POLÍCIA

LIGAÇÕES (MAIS
QUE) PERIGOSAS
Ex-dirigentes do PRTB afirmam que o PCC controla
o partido e que a intenção da organização criminosa
nas eleições era conquistar a prefeitura de São Paulo
HUGO MARQUES
INSTAGRAM @LEONARDOAVALANCHE

ECOS Avalanche, ao lado de Marçal:


“Foi a maior fake news das eleições de 2024”

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DURANTE O PRIMEIRO turno da campanha para a
prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, então candidato
do PRTB, foi instado várias vezes por seus adversários a
explicar as supostas ligações de dirigentes de seu partido
com o Primeiro Comando da Capital (PCC), principal-
mente depois que se soube que um ex-presidente da sigla,
o empresário Tarcísio Escobar, havia sido indiciado pela
polícia por organização criminosa. Ele negou as acusa-
ções e explicou que seu nome foi envolvido por causa de
um antigo sócio que teria conexões com o tráfico de dro-
gas. Ficou o dito pelo não dito. O caso agora pode mudar
de patamar. No dia 10 de outubro, os advogados Joaquim
Pereira de Paula Neto e Patrícia Reitter de Oliveira foram
alvos de um atentado em Brasília. Eles trafegavam por
uma rodovia, quando perceberam que estavam sendo se-
guidos por dois homens em uma moto. O carro, blindado,
foi interceptado pelos desconhecidos, que dispararam vá-
rios tiros. Ninguém ficou ferido, mas a apuração sobre a
tentativa de assassinato trouxe à tona o que até agora tal-
vez seja o mais importante testemunho do nível de infil-
tração do crime organizado na política.
Ex-dirigentes do PRTB, Joaquim e Patrícia haviam
procurado a polícia de Brasília em julho, três meses antes
do atentado, para denunciar uma série de intimidações
que vinham recebendo. O autor das ameaças seria o atual
presidente do partido, Leonardo Alves de Araújo, conhe-
cido como Leonardo Avalanche. O motivo: uma disputa

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EMBOSCADA Os advogados Joaquim Pereira Neto,
ex-presidente regional do PRTB, e Patrícia Reitter,
consultora jurídica: a dupla sofreu atentado a tiros em
Brasília depois de revelar detalhes de uma suposta
infiltração da organização criminosa no partido

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interna pelo controle da legenda em São Paulo. Em de-
poimento, a advogada contou que o dirigente teria afir-
mado que mataria qualquer um que se colocasse contra
as decisões dele. Na época, Joaquim era presidente do
PRTB em São Paulo e Patrícia atuava como consultora
jurídica. Eles se desentenderam porque, segundo ela, ha-
via um acordo para que o candidato do PRTB à prefeitu-
ra paulistana fosse o Padre Kelmon, que ficou nacional-
mente conhecido na última eleição presidencial. Por ra-
zões ainda não muito bem esclarecidas, Leonardo teria
decidido romper o compromisso e impor o nome do ex-
coach Pablo Marçal. A dupla, que discordava da mudan-
ça, teria então sido destituída dos cargos, recebido amea-
ças e, por fim, sofrido o atentado. O que ninguém sabia é
que, depois disso, os advogados também passaram a re-
velar às autoridades segredos sobre supostas ligações do
partido com o crime organizado.
Joaquim já prestou depoimento ao Ministério Público.
Ele contou que logo após a escolha de Marçal como can-
didato, e diante do ruído que isso criou na legenda, foi
convidado por Leonardo Avalanche, o presidente do PR-
TB, e Tarcísio Escobar, o ex-presidente, para uma reu-
nião em Arujá, no interior de São Paulo. Lá armou-se al-
go que descreveu como uma espécie de “tribunal”. Ho-
mens armados teriam alertado que o casal iria deixar o
partido e deveria manter silêncio sobre o que tinha teste-
munhado. “Passei horas sendo intimidada por pessoas

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INSTAGRAM @PEKELMON

PREFEITURA Kelmon: o padre teria


sido a primeira opção do partido em SP

fortemente armadas”, disse a advogada Patrícia. Os ex-


dirigentes afirmaram que os participantes da reunião
eram todos membros do Primeiro Comando da Capital,
inclusive Avalanche e Escobar. Joaquim também contou
que, logo depois da indicação de Pablo Marçal, ouviu
uma conversa entre Avalanche e alguém que identificou
como sendo da cúpula do PCC. “Eles falaram assim para
o Leonardo: ‘A gente fez a parte suja, te colocamos aí e
agora você está rompendo? Não está cumprindo o acor-
do?’. Leonardo respondeu: ‘Não, Vossa Excelência, eu
não estou fazendo isso não’ .”

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A “parte suja” que teria sido feita pelo PCC, de acordo
com o advogado, foi a operação que possibilitou a eleição
de Avalanche como presidente do partido. A organização
criminosa teria falsificado a identidade de 32 pessoas. O
estatuto do PRTB determina que a escolha dos membros
do diretório nacional deve ser definida por votos dos fi-
liados mais antigos. Os falsos militantes teriam recebido
dinheiro para se passar pelos antigos, depois foram leva-
dos a Brasília, onde ocorreu a votação que elegeu Ava-
lanche no início do ano — denúncia que está sendo apu-
rada pela Polícia Civil de São Paulo. Para provar a cone-
xão dos atuais dirigentes com o PCC, Patrícia apresentou
uma gravação em que Tarcísio Escobar fala de sua fideli-
dade à organização criminosa. “Doutora, vou te dizer
uma coisa: eu nunca vou botar a minha organização em
risco”, diz a gravação exibida pela advogada, suposta-
mente enviada pelo ex-presidente do PRTB. “Eu tenho
duas famílias: a minha e a do PCC. Então eu nunca vou
jogar o nome da minha organização em risco. Em nada,
em nada, pode tentar falar à vontade, qualquer pessoa,
que eu não vou colocar, eu sei muito bem o que eu tenho,
o compromisso que eu tenho.” O áudio está em modo
acelerado e ainda não há como ter certeza de que a voz é
realmente de Escobar.
Procurado por VEJA, o ex-presidente do PRTB disse
que não se lembra de ter gravado o tal áudio, mas ao mes-
mo tempo não descarta a possibilidade de ter enviado a

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REPRODUÇÃO
ÁUDIO Escobar, ex-dirigente: mensagem,
se existiu, era apenas um alerta

mensagem à advogada como um alerta. “Pode ter sido al-


go assim: ‘olha, doutora, tem que tomar cuidado, aqui, ti-
po alertando, São Paulo, como que é’. É complicado, sabe
como é o dia a dia em São Paulo, para o empresário, para
um político, é complicado. Se tem o PCC então, piorou.
Se nós não tomar cuidado...”, ressalta Escobar. Joaquim
explicou que ao tentar ingressar na política paulistana
lançando a candidatura do Padre Kelmon, o PCC não
pretendia fraudar contratos, lavar dinheiro ou operar es-
quemas de corrupção, mas sim influenciar. Depois do
atentado em Brasília, o ex-dirigente conta que voltou a

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conversar com membros do PCC para saber quem da or-
ganização teria encomendado sua morte. E quem seriam
essas pessoas? “É gente muito rica. Tem uma parte admi-
nistrativa e outra operacional”, resume o advogado, sem
revelar a identidade dos criminosos com os quais mante-
ve contato. É tudo muito estranho.
Pablo Marçal, que não avançou ao segundo turno por
uma margem ínfima de votos, sempre afirmou desconhe-
cer as supostas ligações entre o partido e o crime organi-
zado. Joaquim afirma que isso não é verdade. “O Marçal
sabia de tudo, sabia que o Tarcísio representava o PCC e
que tinha seis pessoas do PCC andando com a gente”, diz
o advogado. “E ele sabia porque eu falei para o advogado
dele, o doutor Tassio. A reunião com ele foi um mês antes
da eleição”, acrescenta (leia a entrevista ao lado). Procu-
rado, o ex-coach disse que “isso é lenda”. O advogado de-
le, Tassio Renam, não se pronunciou. Leonardo Avalan-
che garantiu que nunca ameaçou ninguém e que as su-
postas ligações do partido com o PCC jamais existiram.
“Não temos relação alguma com o crime organizado. Is-
so foi a maior fake news das eleições de 2024”, afirmou.
Pode ser. O fato é que as autoridades têm nesse caso a
oportunidade de esclarecer se tudo se resume a uma in-
triga eleitoral que ainda não terminou, o que não parece
ser o caso, ou se o crime organizado realmente conseguiu
penetrar na política da maior e mais importante cidade
da América Latina. ƒ

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“ELES QUEREM INFLUENCIAR O PODER”
Em entrevista a VEJA, o advogado Joaquim Pereira Neto, ex-presi-
dente do PRTB de São Paulo, afirma que o PCC assumiu o coman-
do do partido, diz que o Padre Kelmon era o candidato inicialmente
escolhido pelo grupo para disputar a prefeitura da capital e que a
chegada de Pablo Marçal provocou um racha na organização.

Como o senhor chegou à presidência do PRTB em


São Paulo? Conheço Leonardo Alves, o Leonardo Avalanche,
presidente nacional do partido, há dez anos. Ele é um captador
de clientes para escritórios de advocacia. Ele me disse em janei-
ro que ia presidir o PRTB e me chamou para ajudar. Me filiei no
início do ano. A sede funcionou no meu escritório de advocacia
por dois meses. Nessa época, ainda não tinham o Pablo Marçal
como candidato em São Paulo.

E qual era exatamente a sua atuação dentro da legen-


da? O Leonardo tinha um acordo com o Tarcísio Escobar. Ele me
apresentou o Tarcísio como líder do PCC. Leonardo falou pra mim:
“Ele vai cuidar do partido em São Paulo, ele é o chefe do PCC. Fiz
um acordo com ele”. Ficamos alinhados em colocar Padre Kelmon
como candidato a prefeito de São Paulo. Poucos dias após Tarcísio
assumir a presidência, a imprensa fez o vínculo dele com o PCC.
Era preciso afastá-lo. Em março, fui nomeado presidente do PRTB
em São Paulo. Fui uma espécie de presidente “postiço” até junho.

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O senhor disse ao Ministério Público que o PCC esta-
va por trás do partido? Eles faziam jantares lá no escritório.
Eu não participava, porque tinha medo do que estava acontecen-
do. Mas sabia que tinha muito criminoso dentro do partido. Eu
sabia, eu estava vendo tudo. O Escobar disse que estava no par-
tido representando um grupo criminoso e ele tinha que fazer tudo
pelo grupo criminoso, que era o PCC.

Ele falou isso? Falou. Tenho um áudio dele para provar. Disse
isso quando começaram as divergências sobre quem seria o
candidato a prefeito de São Paulo. A chapa seria Padre Kelmon e
Pastor Manoel. Já tínhamos feito até vídeo do Padre como candi-
dato. Briguei com Leonardo Avalanche quando ele disse que
Pablo Marçal seria o candidato. Ele e o Tarcísio Escobar também
se desentenderam por conta disso.

Foi nesse contexto que ele gravou o áudio assumindo


que era do PCC? Ele estava justificando que não era o crime
organizado que estava fazendo aquilo com a gente (troca de can-
didato). Tarcísio estava explicando que estava levando a culpa
por decisões do Leonardo Avalanche, que teria quebrado o acor-
do com o PCC.

Pablo Marçal sabia dessas conexões do partido com


o PCC? O Pablo Marçal sabia que o Tarcísio representava o
PCC e que tinha seis pessoas do PCC andando com a gente. Eu
falei isso para o doutor Tassio, advogado dele. A reunião foi um

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mês antes da eleição. No lançamento da candidatura do
Marçal, o Leonardo até usou a camiseta “Salve”. É uma sau-
dação entre os integrantes do grupo.

Qual seria o objetivo do PCC ao tentar conquistar


a prefeitura de São Paulo? Nunca vi eles falando em
fraudar contrato da Prefeitura, nunca ouvi eles falando de
roubar dinheiro, nada. O que eles (PCC) queriam é montar
estrutura para eleger vários deputados federais nas próxi-
mas eleições. Eu nunca ouvi eles falando de droga, de lava-
gem de dinheiro. Eles querem influenciar o poder.

Por que o senhor saiu do partido? Antes do primeiro


turno, eu e a Patrícia fomos submetidos ao “tribunal do cri-
me” em Arujá. Nos levaram para uma reunião. Homens arma-
dos nos intimidaram. O recado era sair do partido e não falar
nada. Também disseram que eu traí o Leonardo Avalanche.
Desde então, estou com um “X” nas costas.

O senhor está dizendo que o PCC é o mentor do


atentado? Depois do atentado, conversei com o pessoal
do PCC em São Paulo. Eu tenho o telefone de alguns deles,
liguei para dois. Eles disseram: “Doutor, não foi a gente,
não temos nada contra o senhor, o senhor não fez nada
contra nós”. É gente muito rica, não vou dizer nomes. Eles
têm uma parte administrativa e outra operacional. São
muito organizados.

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