A Posição Nas Relações Amorosas Abusivas Contribuições Da Psicanalise

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CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

Revista Conhecendo Online: Humanas e Sociais


ISSN: 2359-5256 (Online)

A POSIÇÃO FEMININA NAS RELAÇÕES AMOROSAS ABUSIVAS: CONTRIBUIÇÕES


DA PSICANÁLISE
Fabíola Macedo Alves1
Valesca do Rosário Campista2
RESUMO: Neste resumo evidencia-se que na contemporaneidade a discussão acerca das
relações amorosas abusivas ganhou contornos de evidência, reforçando a necessidade de que essa
questão seja tratada a partir de diferentes aspectos. Observa-se que no âmbito jurídico e legal
surgiram políticas públicas, representadas na forma de leis de proteção e amparo à mulher vítima
de relações abusivas permeadas pelas mais diversas formas de violência. Pelo viés de uma
discussão teórica, pretende-se lançar luzes sobre as relações abusivas, estabelecendo reflexões
que permitam pensar para além da realidade social e jurídica, e para realizar este propósito
recorreremos aos conceitos propostos pela Psicanálise. Almeja-se com este estudo, sobretudo,
abordar visões dominantes, legitimadas pela sociedade e marcadas por uma cultura que coloca a
mulher como coadjuvante nas diferentes experiências vivenciadas. Este artigo tem o intuito de
mostrar a importância do processo analítico, como mecanismo importante que possibilita reflexão
acerca da posição feminina de assujeitamento as relações abusivas, visando mudanças e
reposicionamentos por parte das mulheres, de modo a reconduzirem seu desejo a partir de novas
possibilidades, inclusive rompendo experiências devastadoras e propondo-se a novas direções.
Palavras Chave: Relação amorosa abusiva; Devastação; Feminilidade; Posição histérica;
Psicanálise.

THE FEMALE POSITION IN ABUSIVE LOVE RELATIONSHIPS: CONTRIBUTIONS OF


PSYCHOANALYSIS

ABSTRACT: In this summary, it is evident that in contemporary times the discussion about abusive
love relationships has gained contours of evidence, reinforcing the need for this issue to be
addressed from different aspects. It is observed that in the legal and legal scope, public policies have
emerged, represented in the form of laws of protection and support for women who are victims of
abusive relationships permeated by the most diverse forms of violence. Through a theoretical
discussion, it is intended to shed light on abusive relationships, establishing reflections that allow
thinking beyond the social and legal reality, and to accomplish this purpose, we will resort to the
concepts proposed by Psychoanalysis. The aim of this study is, above all, to address dominant
views, legitimized by society and marked by a culture that places women as supporting actors in
different experiences. This article aims to show the importance of the analytical process, as an
important mechanism that allows reflection on the female position of subjection to abusive
relationships, aiming at changes and repositioning by women, in order to redirect their desire from
new possibilities, including breaking through devastating experiences and proposing new directions.

1
Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: [email protected]

2 Doutora em Psicanálise pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Docente da Graduação em Psicologia da Universidade Estácio de Sá –Polo
Campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro. Brasil. Psicóloga do Hospital Ferreira Machado – Campos dos Goytacazes. Rio de janeiro. Brasil. E-mail:
[email protected]
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Keywords: Abusive love relationship; Devastation; Femininity; Hysterical position; Psychoanalysis.

1. Introdução

Os relacionamentos amorosos abusivos e o aumento dos índices de violência contra a


mulher ganham proporções cada vez maiores na atualidade, desse modo, torna-se
relevante propor meios que aprofundem essa problemática, tendo em vista sua
complexidade que envolve questões de gênero, além dos fatores culturais e políticos que
permeiam o problema.
Apesar dos avanços na legislação e das políticas públicas de enfrentamento violência
contra a mulher ainda é preciso evoluir no processo de emancipação feminina, favorecendo
a compreensão de sua subjetividade e possibilitando o acompanhamento psicológico que
possibilite seu reposicionamento pessoal e social.
Este trabalho tem como objetivo, compreender a partir do viés da psicanálise a as
relações amorosas abusivas, a permanência da mulher e sua dificuldade de rompimento
nos ciclos devastadores vivenciados.
A abordagem da Psicanálise pretende ampliar a discussão do assunto, apresentando:
o conceito de relações abusivas e suas diferentes dimensões que envolvem todo tipo de
violência (física, moral, psicológica). A seguir, compreender o conceito de feminilidade e de
histeria, funcionamentos psíquicos responsáveis pela dificuldade de rompimento da mulher.
Por último, apresenta-se através do acompanhamento psicológico, o repensar sobre
posturas, a abertura a novas possibilidades que permitam o reposicionamento feminino sob
uma perspectiva mais independente.
Desse modo, espera-se que a pesquisa possa contribuir para o desdobramento dos
questionamentos surgidos em relação ao tema mencionado, permitindo ampliar discussões
a partir de novas dimensões, expandindo o assunto para além dos aspectos objetivos e
sociais, considerando as particularidades que envolvem o funcionamento da subjetividade
feminina.

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Conceituando relacionamento abusivo


O relacionamento abusivo abrange questões associadas ao sofrimento psíquico entre
as partes envolvidas, essa pesquisa irá enfatizar os relacionamentos amorosos entre casais
heterossexuais. Nesse tipo de relação, ocorre o predomínio do homem exercendo papel
controlador sobre a mulher que assume uma postura de aceitação, diante disso.

Relacionamento abusivo. Este é o termo atual utilizado para designar um


relacionamento afetivo amoroso em que há quaisquer abusos, sejam eles
psicológicos ou emocionais, físicos, sexuais ou econômicos. Tais abusos
podem ocorrer de forma concomitante ou separadamente, ainda que todos
possam acarretar consequências psicológicas (MARQUES, 2005, p.71).

A relação abusiva se estende a um conjunto de ações violentas nas diversas esferas


(física/sexual, emocional, econômica) desencadeando prejuízos psicológicos graves, e o
consequente sofrimento psíquico. Considera-se que nesse tipo de relação às mulheres
assumem predominantemente, a posição de passividade, tornando-se receptoras dos atos
abusivos, caracterizados por alguma forma de violência.
De modo geral, o comportamento amoroso masculino apresenta dificuldades de
fundir adequadamente as correntes afetiva e sensual. Desse modo, o homem necessita
depreciar a mulher que se constitui como seu objeto de desejo, pois existem componentes
perversos em seus objetivos sexuais.
É esta a origem de sua necessidade de um objeto sexual depreciado, de
uma mulher eticamente inferior, a quem não precise atribuir escrúpulos
estéticos, que não o conheça em seu outro círculo de relações sociais e que
ali não o possa julgar (FREUD, 1996, p.191).

O homem necessita colocar a mulher numa posição de inferioridade, pra que assim,
possa exercer seus desejos de forma livre, sem restrições morais e julgamentos. Esse
modo de ser masculino corresponde a incapacidade que o homem tem em equilibrar as
dimensões afetivas e sexuais, necessitando, pois, de um objeto sexual depreciado para
satisfação de seus desejos sexuais. “É naturalmente, tão desvantajoso para uma mulher
se um homem a procura sem sua potência plena como o é se a supervalorização inicial

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dela, quando enamorado, dá lugar a uma subvalorização depois de possuí-la”


(FREUD,1996, p.191).
Na relação sexual onde o homem concebe a mulher como objeto depreciado, ela
estará numa posição inferiorizada, desvalorizada, tornando-se insatisfeita com tal posição.
Entretanto, muitas vezes ela permanece vinculada a essa condição devido a necessidade
de vivenciar uma relação objetal.
As mulheres civilizadas geralmente não transgridem a proibição da atividade
sexual durante o período em que têm de esperar e, assim, estabelecem a
ligação íntima entre proibição e sexualidade. Os homens geralmente
desrespeitam essa proibição se podem satisfazer a condição de depreciar o
objeto e, em consequência, mantêm essa condição em seu amor mais tarde,
na vida (FREUD, 1996, p.192).

Destaca-se que as ações abusivas alcançam proporções que transcendem aspectos


sociais e culturais da realidade objetiva, resultando na desestruturação psíquica dos
sujeitos envolvidos, principalmente das mulheres que vivenciam tais experiências,
ressaltando as fragilidades e dificuldades de rompimento, tendo em vista o significado que
a relação amorosa assume para a vida delas.

Segundo Paiva & Figueiredo (2003, p.167) “o relacionamento abusivo é


caracterizado pela recorrência significativa de atos de violência”. Dessa forma, entende-
se que o relacionamento considerado abusivo se estabelece de forma violenta e antiética
entre os envolvidos, havendo a imposição de uma das partes que tende a exercer domínio
sobre a outra parte considerando-a limitada e vulnerável.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso de
força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra
pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar
em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou
privação. A definição dada pela OMS associa intencionalidade com a
realização do ato, independentemente do resultado produzido (KRUG;
DAHLBERG, 2002, p. 1.165).

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Assim, é possível estabelecer uma associação entre as relações abusivas e o uso de


violência, visto que esta, pode acontecer de diversas maneiras, tendo consequências
complexas sobre os sujeitos envolvidos, principalmente a mulher, tendo em vista as
especificidades que constituem seu funcionamento psíquico e subjetivo. Destacaremos
nesse trabalho os desdobramentos psicológicos envolvidos nesse tipo de relacionamento.
Existe um ciclo do relacionamento abusivo que são séries de ações comuns
entre os agressores e acontecem em três fases. No primeiro momento, a
construção da tensão no relacionamento se dá através da agressão verbal
com gritos, xingamentos, ameaças até explodir para a segunda
fase,denominada de explosão da violência. Esta se apresenta em forma de
espancamentos, murros, chutes, é o momento em que as agressões
atingem níveis elevados, e, no entanto, é considerado de curta duração
porque, consequentemente, o agressor entra na terceira fase, onde se
instala o arrependimento. Durante esta fase, nomeada de lua de mel, o
agressor se arrepende de todo o mal que causou e sente remorso de perder
a companheira, que finda por perdoar. Como o próprio nome já diz isso é
um ciclo. Cada vez que uma mulher passa por esse percurso, mais
fragilizada psicologicamente e mais desacreditada de si mesma, ela fica
sendo de extrema importância o apoio de uma terceira pessoa para auxiliá-
la no rompimento do ciclo do abuso (MARTINS; ALBERTIN, 2018, pp. 3 - 4).

Feminilidade segundo a Psicanálise


A construção da feminilidade é um enigma a ser desvendado, visto que não se trata
apenas da distinção anatômica. Freud aponta que existem características sexuais que
aparecem nos homens e nas mulheres. De acordo com o pai da psicanálise, existe no
sujeito indicações inatas de bissexualidade, o que permite entender que a masculinidade,
assim como a feminilidade é constituída para além dos aspectos anatômicos e fisiológicos,
ou seja, constrói-se a partir da formação da estrutura psíquica do sujeito. Observa-se
também que os comportamentos associados a masculinidade ou a feminilidade resultam
de construções sócio-históricas, determinados culturalmente.

Uma posição de passividade assumida na vida sexual pode influenciar em maior ou


menor grau o comportamento feminino ao longo da vida, definido a partir de uma hierarquia
social onde a mulher é colocada como assujeitada e a hegemonia atribuída ao masculino.

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A supressão da agressividade das mulheres, que lhes é instituída


constitucionalmente e lhes é imposta socialmente, favorece o
desenvolvimento de poderosos impulsos masoquistas que conseguem,
conforme sabemos, ligar eroticamente as tendências destrutivas que foram
desviadas para dentro (FREUD, 1996, pp.116-117).

A psicanálise tenta compreender especificamente como se constrói a feminilidade


na mulher a partir do seu desenvolvimento infantil e apontando a bissexualidade como
característica inata. A sexualidade feminina se constrói após a fase fálica, a partir do
reconhecimento das diferenças sexuais entre meninos e meninas, deslocando-se do objeto
fálico associado ao clitóris para o órgão genital genital.
A menina, portanto, tem que modificar a zona erógena onde centralizava seu desejo,
assim como, a partir do desdobramento do Édipo também tem que deslocar o amor dirigido
à a mãe para a figura do pai. Esse processo de mudanças que ocorre na vida infantil da
menina influencia na construção de sua feminilidade e na estrutura psíquica histérica. Freud
(1996, p.121) considera que (...) “os sintomas histéricos derivam de fantasias, e não de
ocorrências reais”.
Na fase fálica a menina constrói sua feminilidade realizando o caminho inverso ao
do menino, se afasta da mãe para eleger o novo objeto de desejo, se aproximando da figura
paterna, assim, a subjetividade feminina é construída a partir da relação estabelecida com
a castração e o falo. A menina renuncia o primeiro objeto de amor que é representado pela
figura materna, elegendo o pai como figura responsável por preencher o vazio que a
menina sente, tanto em relação ao distanciamento da mãe, quanto em relação a falta fálica
identificada a partir do reconhecimento da diferença entre os sexos, originando o
sentimento de “inveja do pênis”.
Acredito havermos encontrado esse fator específico, e, na verdade, no lugar
onde esperávamos encontrá-lo, pois se situa no complexo de castração.
Afinal, a distinção anatômica [entre os sexos] deve expressar-se em
consequências psíquicas. Foi uma surpresa, no entanto, constatar, na
análise, que as meninas responsabilizam sua mãe pela falta de pênis nelas
e não perdoam por terem sido, desse modo, colocadas em desvantagem
(FREUD, 1996, p.124).

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Dessa maneira, o reconhecimento da diferença sexual provoca nas meninas sentimento


de inferioridade diante da falta fálica, influenciando na construção da estrutura psíquica
feminina. Segundo Freud (1996), a descoberta da castração vai influenciar na subjetividade
da menina apresentando-lhe três possibilidades no seu desenvolvimento psíquico: inibição
sexual ou neurose, complexo de masculinidade e a construção da feminilidade normal.
A menina a partir da constatação de que as mulheres são castradas se distancia da
mãe, e constrói a fantasia de inferioridade em relação aos meninos, diante disso, a
sexualidade feminina pode se desenvolver de forma mais suprimida, adormecida em
relação aos homens. Assim, a censura pode vir a se tornar uma posição assumida pela
mulher diante da castração, influenciando no desenvolvimento psíquico da mulher.
O complexo de castração nas meninas também inicia ao verem elas os
genitais do outro sexo. De imediato percebem a diferença e, deve-se admiti-
lo, também a sua importância. Sentem-se injustiçadas, muitas vezes
declaram que querem “ter uma coisa assim também”, e se tornam vítimas
da inveja do pênis; esta deixará marcas indeléveis em seu desenvolvimento
e na formação de seu caráter, não sendo superada, sequer nos casos mais
favoráveis, sem um extremo dispêndio de energia psíquica. O fato de a
menina reconhecer que lhe falta o pênis, não implica, absolutamente, que
ela se submeta a tal fato com facilidade (FREUD, 1996, p.125).

A percepção da diferença anatômica entre os sexos marca a castração e faz com


que a menina se sinta inferiorizada diante da constatação da falta fálica, esse fato será o
ponto de partida para construção da subjetividade da mulher. A falta em relação ao menino
fará com que a menina se coloque numa posição de inferioridade, influenciando na
construção de uma estrutura psíquica voltada ao preenchimento do vazio desencadeado
pela falta colocada pela castração.
Frente à castração, a mulher assume uma posição constante de procura por algo
que possa preencher o vazio deixado pela falta fálica. Ela tentará compensar ou ocultar de
alguma forma o sentimento de inferioridade instaurado a partir da descoberta da castração.
Esses fatos diferenciam a subjetividade feminina, posto que é marcada por acontecimentos
da vida infantil, tendo desdobramentos na formação da personalidade da mulher e no seu
posicionamento como sujeito em diversas esferas, principalmente nas relações amorosas.

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A identificação da mulher com sua mãe permite-nos distinguir duas


camadas: a pré-edipiana, sobre a qual se apoia a vinculação afetuosa com
a mãe e esta é tomada como modelo, e a camada subsequente, advinda do
complexo de Édipo, que procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao
pai. Sem dúvida justifica-se dizermos que muita coisa de ambas subsiste no
futuro e que nenhuma das duas é superada no curso do desenvolvimento.
A fase da ligação afetuosa pré-edipiana, contudo, é decisiva para o futuro
da mulher: durante essa fase são feitos os preparativos para a aquisição das
características com que mais tarde exercerá seu papel na função sexual e
realizará inestimáveis tarefas sociais (FREUD, 1996, p.133)

Desse modo, o entendimento de que existe uma diferença anatômica entre os sexos
é uma das grandes descobertas na vida infantil da sexualidade feminina e deixará
consequências. Inicialmente podemos destacar o inconformismo diante de sentir-se
castrada, assim como, o desejo de ter o mesmo órgão sexual que o do menino, entende-
se que tais consequências desencadeadas pela “inveja do pênis” exercerão influências
sobre o desenvolvimento da sexualidade na menina, juntamente com a construção da sua
feminilidade.
A descoberta da diferença sexual traz para as meninas o complexo de castração.
Elas passam por um período em que acreditam terem o falo ou que este ainda iria crescer
e, posteriormente, reconhecem a diferença entre os órgãos sexuais. Todavia, elas se
comportam como se tivessem perdido o falo, trazendo consigo a ideia de castração. A
constatação sobre a perda fálica leva a menina leva ao desenvolvimento de complexos de
inferioridade em relação ao menino.
Nas meninas, a castração desencadeia sentimentos complexos relacionados a
autodepreciação e desvalorização, visto que acreditam na infância terem sido punidas
através da castração. A perda dos órgãos genitais, promoverá sentimentos de inferioridade
em relação a si próprias, só entendem posteriormente que a ausência do falo é
característica comum de todas as mulheres e percebem que a ausência não ocorreu por
conta de um castigo.
Entende-se que a natureza feminina está, portanto, vinculada ao desenvolvimento
de sua sexualidade que ocorre na vida infantil. As vivências originadas com a relação
afetiva com os pais, bem como as descobertas sexuais desencadeiam sentimentos e

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fantasias que associadas formarão a personalidade feminina constituída por inúmeras


especificidades.
A mulher histérica e a vivência nas relações amorosas
A histeria corresponde a uma estrutura psíquica caracterizada por uma dissociação
psíquica entre uma ideia e o afeto associado a mesma. O afeto se desloca e passa se
localizar no corpo como representação simbólica de um conteúdo recalcado. Os sintomas
se manifestam de diferentes ordens, entre os quais ocorre a somatização, sendo que a
atividade exercida pela mente histérica torna-se limitada e carregada de afeto.
Em nossa opinião, “entre os histéricos podem-se encontrar pessoas da mais
lúcida inteligência, da maior força de vontade, do melhor caráter e da mais
elevada crítica”. Nenhuma parcela de uma dotação mental sólida e autêntica
é excluída pela histeria, embora as realizações efetivas com frequência se
tornem impossíveis por causa da doença. (FREUD, 1996, p.251)
Entende-se que a histeria portanto, não se trata de um transtorno mental que separa
o sujeito da realidade racional, ou mesmo que comprometa a sua capacidade de raciocínio.
A histeria pode dificultar ou impossibilitar o exercício da autonomia, a tomada de decisões
e a execução de ações por parte dos sujeitos.
Compreende-se que os sintomas histéricos são resultantes de manifestações de
conteúdos inconscientes, externalizados como forma de amenizar o conflito psíquico.
Desse modo, é importante enfatizar que as ações histéricas são conduzidas por resíduos
de ideias que são dotadas de afeto, sendo traduzidas sob a forma de sintoma.
A parte inconsciente expelida pela mente na histeria é sobretudo
sugestionável, em virtude da pobreza e incompletude de seu conteúdo
representativo. Mas em alguns pacientes histéricos também a
sugestionabilidade da mente consciente parece basear-se nisso. Eles são
excitáveis por causa de sua predisposição inata; neles, as representações
novas são muito nítidas (FREUD, 1996, p.257).
A sugestionabilidade é um dos sintomas identificados nas pacientes histéricas, elas
se colocam numa posição de maior passividade e projetam nos outros possibilidades para
resolução de seus conflitos internos. A esfera afetiva, é altamente marcada pela intensidade
e impulsividade, compondo um aspecto inato da personalidade histérica.

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Ao afirmarmos isso, já estamos reconhecendo a sexualidade como um dos principais


componentes da histeria. Veremos que o papel que desempenha nela é ainda maior e que
contribui das mais diversas maneiras para a constituição da doença. (FREUD, 1996, p.262).
Melman (2003), afirma que os sintomas histéricos atuais estão associados às
mudanças verificadas na sociedade e em novos modos de organização estabelecidos
culturalmente. Destaca a busca desenfreada dos sujeitos pelo reconhecimento e aceitação
e as denomina como sendo sintomas sociais, frutos do meio histórico atual.
Os sintomas expressados pela mulher histérica são carregados de significados, eles
resultam da angústia inerente a condição humana, resultando do processo de recalcamento
do desejo inconsciente. Assim, entende-se que os sintomas carregam consigo mensagens
subjetivas, por isso, é fundamental atentar-se para isso, principalmente no intuito de
compreender a posição assumida pelas mulheres histéricas diante da vida.
A mulher tende a se colocar numa posição de submissão e assujeitamento em
relação ao domínio colocado pelo homem no relacionamento afetivo. Essa posição pode
comprometer a tomada de atitude por parte da mulher que pode manter-se numa relação
subordinada, de modo a satisfazer o desejo do outro, acreditando que essa seja a maneira
pela qual manterá o relacionamento.
“Este estado de sujeição é, em consequência, muito mais frequente e mais intenso
nas mulheres que nos homens” (...). (FREUD, 1996, p.202). Entende-se que a posição de
assujeitamento predomina na posição feminina nas relações amorosas, visto que as
mulheres tendem a, diante da falta, se colocarem como objeto do outro de modo a satisfazer
seu desejo de compensar algo que falta.
A psicanálise acredita que descobriu grande parte do que fundamenta a
rejeição narcísica das mulheres pelos homens, a qual está tão entremeada
com o desprezo por elas, ao chamar a atenção para o complexo de
castração e sua influência sobre a opinião em que são tidas as mulheres.
(FREUD, 1996, p.207)

A mulher tende a passar a vida em torno de substituição para compensar o vazio


deixado a partir da falta fálica.

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A partir do Édipo constrói a identificação com o pai e diante da proibição na vivência do


amor pelo pai passa a procurar nos relacionamentos amorosos homens que possam
substituir a figura paterna.
Aprendemos na análise de muitas mulheres neuróticas que elas passam,
em sua infância, por uma fase em que invejam nos irmãos o seu símbolo de
masculinidade e se sentem em desvantagem e humilhadas devido à falta
dele em si mesmas (na verdade devido à sua proporção diminuta). Incluímos
essa “inveja do pênis” no “complexo de castração”. (FREUD, 1996, p.211)

De acordo com Freud a neurose feminina está associada a “inveja do pênis”, ou seja,
ao sentimento de inferioridade desenvolvido em função da descoberta da falta do falo no
período que corresponde ao complexo de castração que ocorre a partir da diferenciação
genital infantil. Assim, a estrutura psíquica neurótica feminina se constrói a partir da falta,
do vazio, que gera insatisfação na mulher e a busca por preencher a falta.
É fundamental destacar o desejo insatisfeito como sendo um dos principais sintomas
da mulher histérica. O sintoma será sempre endereçado ao outro, ou seja, coloca-se a
expectativa no outro, como se a outra pessoa fosse capaz de corresponder ao ideal
esperado e satisfazer os desejos intrínsecos a mulher.
Entende-se a estrutura histérica como sendo uma estrutura predominantemente
feminina, justificando a posição assumida pelas mulheres nos diversos percursos de vida,
sobretudo nas relações amorosas. Dessa maneira, as mulheres tendem a permanecer
sustentando relações amorosas conflituosas, marcadas pelo desprazer em função do seu
desejo maior que é a satisfação dos seus desejos idealizados, verifica-se assim, o
permanente conflito psíquico entre prazer e desprazer tendo em vista que a realização
plena é um desejo inalcançável a humanidade.
Assim, em função do desejo, a histérica submete-se a experiências desprazerosas
consideradas uma forma de satisfação do desejo, tendo em vista que a satisfação total do
desejo não é possível de ser concretizada. O prazer é concebido como algo possível de ser
obtido, ainda que a partir da vivência de experiências não totalmente agradáveis. “Então,
pautado pela observação que relata no texto, Freud concluiu que essa capacidade de
repetir uma experiência desagradável está associada à sensação de produzir uma prazer
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mais direto” (COSTA, 2013, p.103).


A mulher em uma posição histérica coloca-se numa incessante busca, ou seja,
procura suprir o vazio da falta projetando em diversas áreas da vida, sobretudo na área
afetiva. A fantasia e as idealizações direcionam seus pensamentos a espera para serem
realizadas, isso não sendo possível permanecem promovendo inquietação permanente.
A histérica tende a exercer ações que a colocam em renúncia ou sacrifício diante do
outro.
A histérica prefere, assim, culpar-se, considerar-se como portadora de uma
falta, de uma enfermidade, que a faria só servir como refugo, que a conduz
a se interditar a figura de verdade nesse mundo. É para defender seu
parceiro e, também defender a confiança depositada no Outro, que ela se
sacrifica desta maneira, levando até o grotesco uma representação assim
exposta (...)” (COSTA, 2013, p.118).

No que se refere à relação amorosa, a histérica permanece muitas vezes na


oscilação entre querer continuar na relação e querer o rompimento da mesma, essa
ambivalência é um dos aspectos marcantes na estrutura psíquica da mulher histérica.
Dessa forma, a posição histérica é muitas vezes indefinida, sustentando seu percurso com
fantasias inalcançáveis.
Em vários momentos são perceptíveis as colocações que parecem
demonstrar que o lugar da condição histérica é um lugar inventado, e
resultante da aglutinação de opostos; ou uma ambivalência. É como se a
histeria fosse uma história sem começo nem fim (COSTA, 2013,p.119).

A reconstrução da posição feminina diante das relações amorosas abusivas


As reflexões e questionamentos propostos pela Psicanálise podem ser aplicados a
tratar de questões da complexidade das relações humanas, sobretudo, as relações
amorosas abusivas vivenciadas pela mulher, oferecendo contribuições acerca da
subjetividade, de modo a minimizar o sofrimento psíquico. O entendimento de como é
construída a feminilidade, assim como os aspectos relacionados ao inconsciente e o
funcionamento da estrutura histérica oferecem possibilidades de redirecionamento da
postura feminina nos relacionamentos afetivos de forma a desconstrução de estigmas,
rompendo com posições assujeitamento nos relacionamentos.
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Como mostra Souza e Pimenta (2014, p.9) “a empreitada da psicanálise é a de


marcar a barra do sujeito, reintroduzi-lo no campo do seu desejo e manejá-lo de um modo
oposto ao da ciência, enquanto sujeito do inconsciente e de linguagem”. A Psicanálise,
portanto, apresenta considerações que contribuem para o entendimento da feminilidade
para além das questões de gênero, centrando-se no entendimento sobre o percurso
atravessado para a construção da subjetividade feminina. Torna-se necessário enfatizar
que as concepções acerca da subjetividade feminina estarão sempre passíveis de
transformação e reposicionamento.
Considerando a feminilidade e partindo do processo subjetivo que a constitui é
possível compreender a posição histérica da mulher frente os relacionamentos amorosos.
A mulher histérica se coloca inconscientemente numa posição desfavorável e desvantajosa
em relação ao homem, sendo assim, ela tende a projetar no relacionamento amoroso uma
forma de realização pessoal, através do reconhecimento por parte do outro. “Na busca por
ser amada, desejada essas mulheres repetem um sem limite do gozo, do gozo suplementar,
um gozo devastador. Almeja a simbolização do desejo materno, anseia pelo significante
que a defina como mulher” (WOBETO, 2013, p. 183).
Conferir a mulher o título de vítima só legitima a visão dela como ser vulnerável,
assim como a incapacita ou paralisa no sentido de pensar sobre sua posição enquanto
sujeito na relação vivenciada, limitando a reflexão acerca de novas possibilidades diante da
vida. O sistema jurídico ao conceber a mulher como exercendo apenas a posição de vítima
reforça a dificuldade de se pensar a respeito da posição feminina, e ainda o repensar de
novas possibilidades para que a mesma consiga elaborar os impactos ocasionados pela
vivência de relações abusivas e devastadoras.
Ou seja, a posição de vítima, que é o que legitima um pedido de auxílio e
proteção externos, oferecidos pelos dispositivos jurídicos, pode desembocar
numa situação em que a mulher surge no lugar de vulnerabilidade. Isto
porque, ao falarem sempre de si mesmas através das cenas nas quais
surgem vitimizadas, elas acabam por encobrir qualquer outro traço de sua
singularidade (CERRUTI, 2008, p.1055).

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A desconstrução da posição de vítima torna-se essencial para o processo de


rompimento do ciclo que caracteriza o relacionamento abusivo. O reconhecimento da
posição assumida na relação amorosa, mesmo que tenha sido de submissão diz respeito
ao ideal que a mulher gostaria de alcançar, desse modo, nenhuma postura na relação é
neutra, inconscientemente a mulher quer chegar a algum lugar na relação amorosa e isso
a faz assumir um papel, movida pela idealização do outro e de sustentar a ideia de que
necessita do outro para se sentir completa.

Para modificar essa estrutura dominante culturalmente, é preciso que se considere


a totalidade da questão que envolve a mulher e as relações abusivas. A lei é um avanço
significativo, porém é necessário avançar nessa causa, de modo a construir uma rede de
apoio as mulheres que possa contribuir no processo de desligamento do relacionamento
vivenciado, assim como, oferecer suporte para que elas possam levantas possibilidades
para se reposicionarem de forma a minimizar angústias e sofrimento psíquico.
Nesse sentido, a psicanálise pode ser parceira dos operadores jurídicos,
sustentando a definição de um sujeito marcado pela falta, que o define em
sua condição desejante, e também alertando para os riscos da pretensão de
suturar essa falta com modos uniformizados de resposta. No que se refere
ao tema que vimos discutindo, questionando a eficácia de políticas públicas
que conferem à mulher uma posição vitimizada. (CERRUTI, 2008, p.1072).

O acompanhamento psicológico as mulheres que vivenciam situação de violência ou


mesmo as que já conseguiram romper com o relacionamento abusivo é importante para o
repensar de sua posição como sujeito, reavaliar suas escolhas, posturas e redirecionar
suas ações, possibilitando o maior enfrentamento das situações e na tomada de decisões,
desenvolvendo autonomia e permitindo o redirecionamento das mulheres na esfera afetiva.
Torna-se importante destacar que a atuação da psicologia no contexto de políticas públicas
destinadas a mulheres não deve se manter a ações de acolhimento e aconselhamento
como formas de minimizar o sofrimento psíquico. Sendo assim, é preciso que o psicólogo
vá além e pense na mulher dentro de uma questão macro, considerando perspectivas
sociais, possibilitando que a mulher possa repensar sobre sua condição na sociedade de
forma crítica, se colocando como sujeito independente, capaz de se posicionar e assumir
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diferentes papéis sociais.


O trabalho do analista seria contribuir para que a mulher assumisse sua posição
subjetiva dentro do relacionamento, tornando conscientes os conteúdos que estão no seu
inconsciente e dessa forma ressignificar sua existência, elaborando suas questões
referentes ao gozo e aplicando novos direcionamentos a sua vida.
A apresentação da exigência de gozo em primeiro plano submete os corpos
a uma "lei de ferro"14, cujas consequências, é preciso acompanhar, uma
vez que as denúncias de violência contra a mulher têm aumentado, o que
se observa após a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei11.340). Há uma
reincidência de violências e denúncias, bem como a tentativa de retirada da
“queixa” (processo) por parte das mulheres. (SOUZA; PIMENTA, 2014, p.5).

Observa-se desse modo, que a resistência por parte das mulheres em aceitar o
acompanhamento psicológico torna-se um evento comum, tendo em vista que existe uma
barreira inconsciente que atua na ordem do desejo, do gozo e que muitas vezes o coloca
em primeiro plano, dificultando o rompimento de situações de violência mas que ao mesmo
tempo oferecem um ganho secundário na visão subjetiva da mulher.
O amor e a devastação são pontos importantes na clínica com mulheres. Na
falta do amor, o parceiro sintoma se manifesta com a devastação. Desta
forma, o gozo feminino, ilimitado, em excesso, tem efeito de devastação, ao
passo que o encontro com um homem, pelo acesso do amor, pode autorizar
alguma inscrição que limite esse gozo (SOUZA; PIMENTA, 2014, p.6).

As relações amorosas adquirem aspectos devastadores na medida em que a mulher


assume uma posição de levar seu desejo até as últimas vias, satisfazendo suas pulsões,
concretizando seus desejos na busca incansável pelo gozo ilimitado, mesmo que isso tenha
consequências devastadoras e traumatizantes. “Ou seja, a mulher, enquanto parceiro-
sintoma de um homem, não poderá mudá-lo, como muitas demandam, mas terá que se
haver com a sua própria mudança frente à relação de violência” (SOUZA; PIMENTA, 2014,
p.8).

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Freud aponta que o sujeito que quer viver o amor coloca-se numa posição de
extremismos, ao mesmo tempo vivencia fascinação e servidão pelo objeto de amor. Desse
modo, para a mulher, tudo que ela fizer em função do outro será válido, coloca-se na
posição que o outro determinar para vivenciar seu desejo de viver o amor.
A mulher se coloca como objeto de gozo do homem para que ele possa satisfazer
seus desejos e como consequência o homem lhe oferece proteção para seu desamparo e
preenche a falta, o vazio que sente. Dessa maneira, muitas mulheres matem-se na posição
de servidão como forma de satisfazer seu desejo em relação a este estar associado a
companhia do outro.
Freud a partir do conceito de narcisismo, aponta que as mulheres sentem a
necessidade de se sentirem amadas, sendo assim, permaneceriam em relacionamentos
abusivos, não porque amam o homem ou acreditam na sua mudança, mas pelo desejo de
serem amadas, mesmo que para viverem esse desejo tenham que se submeter a relações
tóxicas.
A fantasia feminina é se sentir plena e completa a partir da realização de seu desejo
de ser amada pelo outro, se sentir completa, preencher vazios, assim deposita na relação
amorosa a solução para se sentir segura e amparada. As mulheres que sofrem violência
querem na verdade continuar vivendo seu desejo, o seu gozo, o de ser amada, elas
demandam do amor do outro para não se sentirem fragilizadas.
O entendimento da permanência das mulheres nos relacionamentos abusivos não
ocorre pela via da objetividade, indo para a via da fantasia. Trata-se de questões
inconscientes que integram a subjetividade feminina, direcionando o desejo e colocando o
relacionamento como necessidade, depositando no mesmo a concretização da
completude, idealizada pela mulher.
Muitas mulheres suportam a violência, a dor na tentativa de realizarem o desejo de
viverem o amor, isso as fazem acreditar que tenham que passar pela dor para conseguirem
realizar o desejo de serem amadas, como se sentissem que após a dor serão
recompensadas (ganho secundário).

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Abrir mão do desejo é algo angustiante e conflituoso para as mulheres e por isso idealizam
que a mudança ocorrerá por parte do outro.
O rompimento do relacionamento abusivo exige um enfrentamento por parte da
mulher, de forma a assumir a responsabilidade de sua vida, elaborando suas questões e
aprendendo a lidar com seus desejos e angústias. Faz-se necessária a conscientização de
que não se deve atribuir a mudança ao outro, sendo preciso elaborar as questões da ordem
do desejo, manejando-o de forma equilibrada, reposicionando-se diante da vida e das
(im)possibilidades que a constituem.

Considerações finais
O artigo apresentou a problemática dos relacionamentos abusivos enfatizando a
posição feminina diante destas relações, abordando aspectos além das questões jurídicas
e sociais. Desse modo, entende-se que a posição de permanência ou a dificuldade de
rompimento das relações abusivas por parte da mulher está para além de aspectos da
consciência, pois se assim o fosse a ruptura ocorreria de maneira mais pragmática.
Tendo em vista a dificuldade, que as mulheres tem de assumir um posicionamento
de modo a romper com as relações amorosas devastadoras, compreende-se, que se trata
de algo para além da consciência, ou seja, trata-se da estrutura do inconsciente feminino,
que funciona de modo particular, sendo movida pelo desejo e direcionado por energias
pulsionais.
A pesquisa foi centrada na dimensão do funcionamento psíquico inconsciente.
Entretanto, torna-se necessário considerar que a subjetividade feminina embora apresente
predominantemente um funcionamento histérico, ocorre as particularidades na forma de
produzir os sintomas e vivenciar as situações, não sendo possível previsões deterministas
e nem um modelo classificatório para designar sentimentos e conflitos internos.
Entende-se que o papel de vítima atribuído à mulher por parte das leis, da sociedade
de modo geral e muitas vezes por parte da própria mulher dificulta a ruptura da situação de
sofrimento vivenciada.

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O discurso de vitimização reforça a ideia da mulher como sendo um ser limitado e


fragilizado, tornando-se um obstáculo para a tomada de decisão, de modo a assumir um
posicionamento diante de uma relação que tende apenas a ampliar o sofrimento psíquico.
Através das contribuições da Psicanálise, compreende-se que a desconstrução da
posição de vítima torna-se muito importante para que a mulher se sinta convocada a tomar
parte da situação abusiva vivenciada. Desse modo, possa rever-se como ser ativo,
constituído por desejos e capaz de se reposicionar diante da vida, assumindo o
protagonismo da mesma, abrindo-se a novas possibilidades e experiências,
reposicionando-se sempre que sentir necessário, assim, reafirma-se que a análise contribui
na convocação, dando lugar de voz ao sujeito, contrariando o silenciamento que a
sociedade e as leis produzem.
Diante dessas questões mencionadas, constatou-se que o inconsciente permeia sim
a persistência de mulheres em namoros abusivos, tendo em vista o peso que o
relacionamento amoroso tem na vida das mulheres de modo geral, sendo colocado como
fundamental para a completude feminina. Os questionamentos foram propostos, com o
intuito de contribuir na reflexão acerca da feminilidade e das possibilidades de
redimensionamento da mulher, sobrepondo-se a lógica de dominação masculina,
apontando-a como um agente que pode se colocar na relação.
Abdicar do desejo de vivenciar a relação amorosa e do ideal de se sentir amada e
completa é algo que desencadeia angústia no universo psíquico feminino. Portanto, é
preciso, segundo a psicanálise, tornar consciente os discursos do inconsciente, de modo a
provocar o entendimento do sujeito como sendo capaz de dar continuidade ao seu percurso
de vida de maneira autônomo, anulando a dependência depositada na relação amorosa,
de forma a minimizar o sofrimento e a aposta em novas experiências.
A feminilidade construída em bases frágeis a partir da lógica falocêntrica, alicerçou-
se sob uma condição de castração, se tornando um dos pilares que norteiam a estrutura
psíquica histérica. Dessa forma, inconscientemente instalou-se no feminino, a necessidade
de reconhecimento por parte do doutro, de sentir-se capaz de se fazer amar e alcançar a
completude perdida na castração.
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Observa-se que que a identificação com o objeto amoroso é sustentada por


questões do próprio sujeito, ou seja, acompanha a mulher ao longo da sua trajetória de
construção da feminilidade. Sendo assim, a busca por concretizar o desejo fálico de
preencher o vazio deixado com a castração, consolidou-se como uma das bases que
direcionam as pulsões dos desejos do inconsciente feminino.
Tendo em vista as questões que foram pontuadas neste artigo, buscou-se colaborar
no questionamento das relações estabelecidas entre o sujeito frente ao objeto amoroso,
principalmente quando se trata de relações abusivas por parte do homem e posições de
assujeitamento por parte da mulher. Faz-se necessário a ruptura da posição feminina e a
elaboração da mesma, incentivando a atuação feminina diante da necessidade de
libertação dos relacionamentos devastadores.

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