Bem Estar em Anestesiologia

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Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Conselho Federal de Medicina

Bem-estar
ocupacional em
anestesiologia

Editor
Gastão F. Duval Neto

Brasília
2013
Copyright © 2013 - Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36
Botafogo – Rio de Janeiro/RJ
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Publicação também disponível no site: http://www.portalmedico.org.br
Conselho editorial
Antônio Fernando Carneiro
Desiré Carlos Callegari
Hammer Nastasy Palhares Alves
Ronaldo Laranjeira
Suporte institucional
Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA)
Conselho Federal de Medicina (CFM)
Confederação Latino-Americana de Sociedades de Anestesiologia (Clasa)
World Federation of Societies of Anaesthesiologists (WFSA)

Supervisão editorial – Paulo Henrique de Souza


Copidesque/revisor – Napoleão Marcos de Aquino
Projeto gráfico e diagramação – Leandro Rangel
Tiragem - 5.000 exemplares

Catalogação na fonte: Rameque Figueiredo (CRB 1ª Região/2653)

Sociedade Brasileira de Anestesiologia.


Bem-estar ocupacional em anestesiologia / Editor: Gastão F. Duval Neto.
Brasília: CFM, 2013.
476 p.

ISBN 978-85-87077-33-2

1- Saúde ocupacional e princípios. 2- Responsabilidades institucionais e


médicos. 3- Riscos biológicos. 4- Aspectos interdisciplinares e saúde ocupa-
cional. I – Duval Neto, Gastão F. II – Título.

CDD 617.96
CDU 362:617.96
Sumário
Apresentação ................................................................................. 7
Prefácio da SBA .............................................................................. 9
Prefácio da WFSA .......................................................................... 11
Introdução ...................................................................................... 15
Parte 1 – Princípios e fundamentos em saúde
ocupacional .................................................................................... 17
Avaliação do bem-estar ocupacional dos
anestesiologistas em diferentes partes do mundo ......................... 19
Gustavo Calabrese Torchiaro

O estresse médico causado por situações de


emergência: a fadiga e sua correlação com doenças,
suicídios e erros médicos ............................................................................... 55
Flávio Veintemilla Sig-Tú

Fatores envolvidos no desenvolvimento da


dependência química em anestesiologistas ....................................... 89
Roger Moore Addison

Síndrome de burnout em anestesiologistas:


a realidade atual ............................................................................................... 155
Pratyush Gupta, Florian Nuevo

Medindo o bem-estar profissional em


anestesiologistas: estruturas conceituais e atributos do
instrumento ........................................................................................................ 189
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho

Residentes de anestesiologia: importância do bem-


estar ocupacional ............................................................................................ 201
Helena Maria Arenson-Pandikow, Florentino Fernandes Mendes

O bem-estar profissional dos anestesiologistas ............................. 227


Pirjo Lindorsf
Parte 2 – Responsabilidades institucionais
com o bem-estar ocupacional de médicos
(anestesiologistas) ................................................................... 263
Correlação entre bem-estar ocupacional do anestesiologista
e a segurança do paciente cirúrgico ..................................................... 265
Gastão Fernandes Duval Neto

Parte 3 – Riscos biológicos e saúde ocupacional .......... 307


Radioproteção para os anestesiologistas ........................................... 309
Antônio Fernando Carneiro, Onofre Alves Neto

Riscos mecânicos ocupacionais em anestesiologia ...................... 319


Antenor Muzio Gripp, Luiza Alves Castro Arai

Riscos ergonômicos ocupacionais ......................................................... 333


Luiz Alfredo Jung

O anestesiologista e os riscos biológicos ........................................... 357


Antônio Fernando Carneiro, Fabiana A.P. Bosco Ferreira

Exposição a anestésicos inalatórios ...................................................... 373


Maria Angela Tardelli, Carlos Rogério Degrandi Oliveira, Edno Magalhães

Exposição a agentes químicos .................................................................. 391


Rogean Rodrigues Nunes, Cristiane Gurgel Lopes Farias

Acidentes perfurocortantes: orientação para


o anestesiologista ............................................................................................ 411
Oscar César Pires

Parte 4 – Aspectos interdisciplinares na saúde


ocupacional ............................................................................... 415
Dependência química entre anestesiologistas ............................... 417
Hammer Nastasy Palhares Alves, Luiz Antonio Nogueira Martins, Daniel Sócra-
tes, Ronaldo Laranjeira

Aspectos éticos e jurídicos das situações de


má-prática médica .......................................................................................... 447
Desiré Carlos Callegari
Apresentação

A saúde e o bem-estar ocupacional dos médicos brasileiros são


pontos de preocupação do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Na atualidade, vivemos um tempo de grandes transformações so-
ciais, culturais, econômicas e políticas que impactam diretamente
na relação médico-paciente, no modo como fazer medicina e na
vida pessoal e profissional dos colegas que cumprem sua missão
nos hospitais, prontos-socorros, ambulatórios e postos de saúde.

De forma geral, a ausência de políticas públicas que valorizem


o papel do médico na assistência e a falta de investimentos na
saúde acabam por produzir um quadro de desestímulo e pressão
sobre o profissional que, infelizmente, em algumas situações se
torna vítima desse descaso. Em meio às necessidades reais dos
pacientes e à indiferença dos gestores, o médico tem sido em-
purrado rumo à brutalização de sua postura, ao estresse físico e
emocional e à busca de soluções equivocadas para atenuar suas
dificuldades diárias.

Entre os anestesiologistas, esse problema assume proporção re-


levante, por conta de características da especialidade. Contudo,
o fenômeno não é isolado e deve ser combatido. Atento à gravi-
dade implícita a esse fato, o CFM – em parceria inédita com a So-
ciedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) – criou uma Comissão
Nacional para Assistência Ética e Médica do Paciente Médico com
Dependência Química, anunciada no término do I Simpósio Inter-
nacional de Saúde Ocupacional dos Anestesiologistas, realizado
em Brasília, em setembro de 2013.

Este livro é um dos primeiros produtos deste grupo. Os artigos


compilados oferecem dados relevantes para a formulação de um
diagnóstico do problema e apontam caminhos para futuras estra-
tégias de enfrentamento. Num primeiro momento, os anestesio-
logistas compõem o grupo focal, mas breve se espera estender
esses benefícios e serviços gerados pela abordagem à classe mé-
dica como um todo.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 7


Como ocorreu com iniciativa similar, conduzida no âmbito do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cre-
mesp), que serviu de espelho para a proposta atual, o CFM e a
SBA estão confiantes de que podem contribuir de forma decisiva
para ajudar os médicos em crise, dando-lhes nova oportunidade.
Assim, nossas entidades farão a diferença, sendo ponto de apoio
para a reconstrução de vidas e carreiras.

Roberto Luiz d’Avila Desiré Carlos Callegari


Presidente do CFM 1º secretário do CFM

8 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Prefácio da SBA

A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) municia seus asso-


ciados – e a literatura médica – com esta obra sobre as condições
laborais necessárias para garantir um elevado grau de segurança
e qualidade de vida no trabalho, alertando sobre a necessidade
imperiosa da proteção da saúde dos médicos, ensinando a pro-
mover o bem-estar físico, mental, social e moral, bem como a pre-
venção, detecção, condutas de abordagem/tratamento e controle
dos acidentes e/ou doenças decorrentes da prática da medicina,
possibilitando, assim, a redução das condições de riscos.

Podemos dizer que a Comissão de Saúde Ocupacional da SBA


atinge sua maioridade no momento em que consegue ultrapas-
sar os perímetros internos da anestesia e, em associação com o
Conselho Federal de Medicina, Confederação Latino-Americana
de Sociedades de Anestesiologia e Federação Mundial de Socie-
dades de Anestesiologistas, idealiza, projeta e executa a descrição
de diversos temas pertinentes à saúde da classe médica, em uma
única obra, publicada em três idiomas – português, espanhol e
inglês.

Temos efetiva consciência da importância deste trabalho, motivo


pelo qual se tornou tão prazeroso. Esperamos suscitar no leitor
o entendimento sobre a necessidade de uma mudança de atitu-
de pessoal, especialmente no tocante a seu comportamento nos
hospitais, clínicas e no próprio lar, possibilitando-lhe, a partir das
recomendações constantes nesta publicação, que o bem-estar
proporcione realização profissional, aliada à felicidade pessoal.

Airton Bagatini
Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 9


Prefácio da WFSA

Todas as pessoas experimentarão estresse durante suas vidas. Es-


tresse, afinal, é concomitante com a vida moderna e seja qual for
o seu tipo de trabalho é provável que experimente momentos de
estresse extremo. Infelizmente, na atualidade, o estresse parece
estar começando na infância, quando, na escola, pressões são
exercidas para que o aluno tenha sucesso (“saia-se bem”), sendo
capaz de pintar, ler, tocar um instrumento musical e atuar em uma
peça teatral – e tudo isto antes que complete 6 anos de idade. A
vida se torna, assim, fantasticamente competitiva, de forma que
os pais procuram forçar seus filhos e gabar-se sobre as metas im-
possíveis atingidas, que, em paralelo, aumentam o estresse em
outros.

O estresse é naturalmente relacionado a ganhos, moradia, educa-


ção, trabalho, percepção de sucesso e, então, à doença e à morte.
Às vezes, para muitos, não parece haver escapatória e isto é ver-
dadeiro em todas as partes do mundo e na maioria das culturas.
Portanto, se a isto adicionarmos o estresse de ser quase totalmen-
te responsável pela vida de alguém (como o anestesiologista fre-
quentemente o é!), não será realmente surpreendente que muitas
pessoas de nossa profissão sucumbam às pressas deste estresse.

Seres humanos são falíveis por definição e, por isto, todos co-
metemos erros. A vida moderna não permite que erremos, haja
vista que tudo o que dá errado deve ser atribuído a uma falha
de alguém ou de uma organização, e estes devem pagar por seu
engano. Fato que aumenta o estresse de indivíduos que, frequen-
temente, sem razão óbvia erram.

Assim, ao aceitar que todos os anestesiologistas vivem sob es-


tresse de várias intensidades, temos que encontrar meios para
reconhecê-lo e, a partir daí, lidar com esta condição. Minha expe-
riência é a de que algumas pessoas saem e tocam violino, alguns
tentam punir uma bola de squash amassando-a contra uma pare-
de e outros encontram almas gêmeas com as quais podem falar e

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 11


explorar a situação em que estão colocados. Outros, erroneamen-
te, negam a si mesmos esta trégua e a ignoram ou voltam-se para
o álcool ou para as drogas intentando remover o problema. Isto
nunca funciona a médio e longo prazo. Bem mais preocupantes
são as culturas, que podem ser nacionais ou apenas institucionais,
que consideram fraqueza a verbalização de experiências estres-
santes, causando inibição e terríveis problemas futuros.

Nas últimas décadas, mais e mais anestesiologistas têm procura-


do meios de mitigar o estresse em si próprios e em seus colegas.
Este é agora um tópico comum em conferências internacionais de
anestesiologia e diversos artigos têm sido publicados. Infelizmen-
te, isto não é suficiente e há ainda uma taxa inaceitável de fadiga
extrema ou mesmo suicídio em nossa profissão.

Gastão Duval Neto, que preside o Comitê de Saúde Ocupacional


da World Federation of Societies of Anaesthesiologists (WFSA),
com a ajuda da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, da Confe-
deração Latino-Americana de Sociedades de Anestesiologia e da
WFSA criou um livro maravilhoso para tentar ajudar nossa profis-
são. Juntou os mais reconhecidos líderes na área, que escreveram
capítulos cuidadosamente pesquisados e que mostrarão como o
estresse pode ser reconhecido, convivido e, finalmente, vencido.
Mas esta publicação vai além de apenas examinar o estresse e in-
clui o todo que caracteriza o bem-estar profissional em todas as
suas formas.

Esperamos que seu conteúdo seja lido pelos colegas, esposas,


maridos, gerentes e integrantes de outras disciplinas médicas, o
que lhes permitirá visão mais abrangente e atual sobre os estres-
ses passíveis de ocorrência em nossa profissão.

Lembro um colega mais velho me dizer, quando iniciei meu treina-


mento em anestesia, que “anestesia ou é tremendamente simples ou
simplesmente tremenda!” Apesar de declaração banal, contém cer-
ta verdade básica, contudo o mais preocupante é a facilidade de
substituir a palavra “vida” por “anestesia” nessa declaração. Este é,

12 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


portanto, tema que exige cuidadosa análise por todos os que traba-
lham na área da anestesiologia, com vistas a garantir que eventos
na vida pessoal ou no trabalho não prejudiquem os profissionais
envolvidos nem tampouco os pacientes sob seus cuidados.

Esperamos que este lançamento permita as pessoas perceberem


que não estão sós nestes estressantes tempos difíceis, que a ajuda
está disponível e que, ao utilizá-la, tal fato não será deletério para
sua carreira futura – ao contrário, poderá salvá-la.

David J. Wilkinson
Presidente da World Federation of Societies of Anaesthesiologists

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 13


Introdução

A publicação Bem-estar ocupacional em anestesiologia baseia-se


na definição do termo, emitida pela Organização Mundial da Saú-
de em 2005: “É a percepção de um indivíduo sobre a sua posição
na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais
está inserido e em relação às suas metas, expectativas, padrões e
preocupações”.

O principal objetivo deste trabalho é abordar os distúrbios


patológicos da situação de bem-estar ocupacional em aneste-
siologistas (diagnóstico, prevalência, profilaxia e abordagens te-
rapêuticas), baseado em evidências epidemiológicas publicadas
na literatura atual, as quais afetam de maneira complexa e, por
vezes, gravemente, a saúde física e psíquica, as crenças pessoais e
as relações sociais do anestesiologista, além de evidenciar direta
correlação com a segurança dos pacientes anestésico-cirúrgicos
submetidos a seus cuidados clínicos. Seu conteúdo foi desenvol-
vido em três sessões básicas: princípios e fundamentos em saúde
ocupacional, responsabilidades institucionais com o bem-estar
ocupacional de médicos (anestesiologistas), riscos biológicos e
saúde ocupacional e aspectos interdisciplinares na saúde ocupa-
cional.

É importante salientar que o estudo das alterações patológicas


da situação de bem-estar ocupacional em anestesiologia, em am-
biente laboratorial ou clínico, é altamente complexo e difícil devi-
do a sua natureza multifatorial, principalmente no que se refere à
fadiga ocupacional e suas consequências, as quais variam ao lon-
go do tempo em diferentes indivíduos (caráter de individualidade
da patologia), e pela sobreposição de outras condições associadas
a mesma, tais como depressão/estresse psicogênico, síndrome de
burnout, dependência química, idealização suicida, entre outras.

É de vital importância a conscientização de que os médicos, entre


eles os anestesiologistas, são treinados para exercer sua prática
voltados para a saúde do seu paciente, sendo que frequentemente

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 15


ignoram a própria saúde, bem como as condições de seu bem-es-
tar ocupacional.

Para os anestesiologistas esta obra deve ser considerada como um


grande passo para o equacionamento dos problemas de saúde
ocupacional consequentes às alterações do seu estado de bem-
estar ocupacional, os quais estão solicitando atitudes e soluções,
baseado na premissa de que: “Estar ciente do problema é o primeiro
passo para resolvê-lo”.

Portanto, este livro visa estimular o desenvolvimento de ações


efetivas, por parte das entidades mundiais envolvidas com a anes-
tesiologia, em prol da saúde ocupacional dos anestesiologistas e
da segurança dos pacientes anestésico-cirúrgicos.

Na oportunidade agradeço à Sociedade Brasileira de Anestesio-


logia (SBA), ao Conselho Federal de Medicina (CFM), à Confedera-
ção Latino-Americana de Sociedades de Anestesiologia (Clasa) e à
World Federation of Societies of Anaesthesiologists (WFSA), que
perceberam a importância deste projeto e dispensaram total su-
porte ao seu desenvolvimento.

Ao trabalho voluntário e de elevada competência de todos os au-


tores que enfrentaram o desafio proposto. À elevada qualidade
do trabalho desenvolvido pela equipe de editoração e informática
da SBA, sob a liderança de sua gerente, Mercedes Azevedo, bem
como à equipe do CFM responsável pela impressão deste livro.
À excelência da revisão dos textos e respectivas traduções, sob
responsabilidade do prof. dr. Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho.

Gastão F. Duval Neto


Editor

16 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Parte 1
Princípios e fundamentos em
saúde ocupacional
Avaliação do bem-estar ocupacional dos
anestesiologistas em diferentes partes do
mundo
Gustavo Calabrese Torchiaro
Presidente da Confederação Latino-Americana de Sociedades de Anestesiologia
(Clasa), coordenador da Comissão de Riscos Profissionais da Clasa

1. Introdução
Os riscos ocupacionais e estilo de vida relacionados com a prática da
anestesiologia são motivo de preocupação na comunidade inter-
nacional de anestesiologia representada pela World Federation of
Societies of Anaesthesiologists (WFSA) e suas filiais, sobre os riscos
ocupacionais e estilo de vida relacionados à prática da anestesio-
logia. Por isso, o Comitê de Bem-estar em Anestesiologia da WFSA
realizou uma pesquisa mundial – Proffessional Wellbeing Work Party
– para alertar anestesiologistas sobre os riscos a que são expostos e
elaborar estratégias para melhorar sua qualidade de vida.

2. Evolução histórica
No início do século XX, a maior preocupação relacionada aos ris-
cos ocupacionais em anestesia eram os incêndios e explosões em
sala de cirurgia, ocasionados pelo uso de agentes inalatórios in-
flamáveis. Mais tarde, a contaminação do ambiente cirúrgico e a
inalação crônica dos gases anestésicos ganharam destaque.

A partir da década de 80, os riscos de exposição a agentes bio-


lógicos e a dependência química entre anestesiologistas torna-
ram-se o foco das pesquisas. Atualmente, muitos são os fatores de
risco ocupacionais estudados, incluindo risco biológico, abuso de
opioides, estresse ocupacional, síndrome de burnout e padrões de
trabalho exigidos. A realidade atual dos anestesiologistas é ilus-
trada por jornadas de trabalho excessivas em ambientes estres-
santes, grandes pressões para maior produtividade e exposição

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 19


frequente a variados fatores de riscos físicos, químicos, biológicos
e ergonômicos.

Essas situações resultam em danos à saúde, segurança e rendi-


mento do profissional, além de afetarem a sua qualidade de vida
e a de seus familiares. Motivo pelo qual, entre todas as áreas da
saúde, a anestesiologia apresenta “alto risco ocupacional”

3. Classificação
Atualmente, classificam-se os riscos ocupacionais em anestesiolo-
gia de acordo com o tipo de agente ou situação desencadeante,
destacam-se 1:

Riscos relacionados à natureza da prática da anestesiologia


••Estresse ocupacional crônico
••Transtornos psicossociais
••Dependência de fármacos
••Ergonomia

Riscos relacionados aos agentes biológicos


Infecções transmitidas pelos pacientes portadores dos seguin-
tes patógenos: vírus: hepatite B, hepatite C, HIV, bactérias, fun-
gos, outros.

Riscos relacionados a agentes físicos e segurança


••Radiação ionizante (RX)
••Radiação não ionizante (laser)
••Ruídos e vibrações
••Temperatura
••Ventilação
••Iluminação
••Cargas elétricas de alta e baixa voltagem
••Incêndios
••Gases comprimidos (cilindros)

20 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Riscos relacionados ao planejamento de trabalho (organi-
zacionais)
••Organização e teor do trabalho
••Modelo de trabalho
••Calendário, carga horária, densidade de tarefas
••Violência

Riscos relacionados a agentes químicos


••Alergia ao látex
••Exposição aos anestésicos inalatórios (riscos reprodutivos)

4. Quais desses fatores causam maior impacto na reali-


dade do anestesiologista, atualmente?
A pesquisa Proffessional Wellbeing Work Party 2 realizada pelo Co-
mitê de Bem-estar em Anestesiologia da WFSA, liderado pelo bra-
sileiro professor dr. Gastão Duval Neto, relata a realidade mundial
dos problemas ocupacionais enfrentados pelos anestesiologistas
e identifica diferenças regionais, destacando o estresse ocupacio-
nal, incluindo a síndrome de burnout, e problemas relacionados à
forma de organização do trabalho.

Do you believe that “Physician Burnout Syndrome” is a problem of


concern in your society?

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 21


Are the members of your Society aware of the concep of
“Working Time Regulations”?

Do you believe that substance abuse is a substantial problem


amorg anesthesiologists in your Society?

Does your Society have a particular group working on the subject


“Professional Wellbeing of Anesthesiologists?

22 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Estresse ocupacional crônico
Estresse ocupacional crônico é definido como as reações físicas
e emocionais que ocorrem quando as exigências profissionais
excedem a capacidade, recursos e necessidades do anestesista 3. O
estresse excessivo que ultrapassa a tolerância do organismo pode
ocasionar graves consequências, como piora no desempenho
profissional, com repercussão na segurança do anestesista e de
seu paciente, desgaste da saúde e comprometimento da vida fa-
miliar 3-6.

Incidência
A incidência de estresse ocupacional na população médica é de
28% 7 e entre os anestesiologistas essa incidência é claramente
mais alta, situando-se em 50% na Europa 8 e em 59% até 96% na
América Latina 9-11. Resultados semelhantes foram encontrados
em outras pesquisas que relacionam o estresse ocupacional a di-
versos aspectos da complexa atividade profissional do anestesio-
logista. A falta de controle sobre sua jornada de trabalho foi citada
em 83% dos casos, o comprometimento da vida familiar em 75%,
os aspectos médicos e legais em 66%, os problemas de comunica-
ção em 63% e os problemas clínicos em 61% 12.

O sistema de trabalho foi citado em 58%, o manuseio de pacien-


tes críticos em 28%, as situações de crise em anestesiologia/deci-
sões de emergência em 23%, o lidar com a morte em 13%9, pro-
blemas relacionados a forma de organização do trabalho em 42%,
responsabilidades administrativas em 41%, conflitos pessoais em
35%, conflitos nas relações profissionais em 25%, conflitos fora
do ambiente de trabalho em 23% e problemas médico-legais em
2,8% 13.

Entre os residentes de anestesiologia, os maiores problemas fo-


ram relacionados ao manuseio de pacientes críticos, óbito de pa-
cientes, dificuldades de equilibrar a vida pessoal e as exigências
profissionais 14,15.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 23


Mecanismo de ação
Ciclo do estresse
O estresse ocupacional crônico se instala de forma dinâmica e o
ciclo contínuo de estresse degrada o organismo de modo gradual
e permanente 3. Muitos fatores podem desencadear o ciclo de es-
tresse ocupacional do anestesiologista, destacando-se 5-6,16-21:

••tipo de especialidade;
••complexidade do trabalho;
••ambiente estressante;
••falta de controle sobre a própria rotina;
••comprometimento da vida familiar;
••possíveis problemas médico-legais;
••desequilíbrio das expectativas profissionais;
••insegurança no trabalho.

Impacto do estresse ocupacional


Quando os fatores estressantes previamente citados acumulam-
se e ultrapassam a tolerância do organismo, o estresse excessivo e
nocivo se instala e pode ocasionar impacto importante na saúde,
vida profissional e familiar 5,6.

Impacto sobre a saúde


O impacto do estresse ocupacional na saúde produz um desgas-
te gradual e permanente dos sistemas biológicos e pode causar
doenças físicas, transtornos psíquicos, distúrbios comportamen-
tais e alterações intelectuais 3,5,6.

a) doenças físicas: destacam-se a fadiga crônica, úlcera gastro-


duodenal, gastrite, hipertensão, arritmia, angina, doenças mus-
culoesqueléticas, doenças neurológicas, diminuição da imuni-
dade, distúrbios reprodutivos e aumento do risco de abortos
espontâneos 3,5,6.

24 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Na América Latina, os efeitos mais prevalentes ocorrem em nível 9:
••trato gastrointestinal, com destaque para a gastrite, com in-
cidência de 45% e úlcera gastroduodenal, com 11%;
••cardiovascular, com destaque para hipertensão em 23%, ar-
ritmia em 13%, angina em 5%, infarto agudo do miocárdio em
3% 9.

b) transtornos psíquicos: deterioração psíquica emocional, como a


ansiedade em 19%, angústia em 43% e depressão em 31%. Situa-
ções que podem aumentar o risco de suicídio 9.

Destaca-se que a incidência de depressão entre anestesiologistas


e residentes da área é maior que a presente na população em ge-
ral, sendo registradas incidências de 11%, 31% e 40%, respectiva-
mente 9.

c) distúrbios comportamentais: alcoolismo em 44%, consumo de


psicofármacos em 16%, abuso de drogas em 1,7% e comporta-
mento agressivo 9.

d) alterações intelectuais: dificuldades de concentração, diminui-


ção da capacidade de vigília, qualidade do desempenho alterada.

Impacto familiar
É caracterizado por dificuldades para equilibrar a vida familiar,
isolamento, falha no relacionamento com os filhos, dificuldades
no relacionamento conjugal, falta de apoio emocional, divórcio e
destruição da família 1-4.

Impacto no emprego
Entre outras características, destacam-se a falta de interesse no
trabalho, absenteísmo, insatisfação, má qualidade de trabalho e
possibilidade de erros médicos, que podem ocorrer por negligên-
cia e resultarem problemas legais. Todas essas situações denigrem
a imagem do profissional e, por vezes, ocorre o abandono ou mu-
dança de especialidade médica, aposentadoria prematura e, em

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 25


casos extremos, problemas jurídicos civis ou penais que podem
levar ao suicídio 3,5,6.

O que podemos fazer a partir de agora em relação ao es-


tresse ocupacional?
O diagnóstico precoce, tratamento médico e psicológico, quando
necessários em casos sintomáticos, são essenciais. Devem-se visar
alterações significativas na qualidade de vida, incluindo mudança
de hábitos alimentares, sono, descanso, relaxamento, satisfação
e oportunidades de maior participação no trabalho. São instru-
mentos para alcançar essas mudanças: cronogramas de trabalho
adequados, equilíbrio entre a vida familiar, profissional e social,
exigência de infraestrutura adequada, proteção ocupacional e hu-
manização do ambiente de trabalho.

Recomendações
Para a redução da prevalência de estresse ocupacional crônico
e suas consequências recomendam-se medidas preventivas em
relação aos fatores estressantes. Considera-se uma doença ocu-
pacional quando gerada por uma “responsabilidade compartilha-
da”, e a prevenção deve ser realizada a partir de três perspectivas:
nível pessoal, nível da equipe, nível institucional 15.O conceito de
prevenção primária é eliminar e/ou reduzir estressores; a preven-
ção secundária é a tentativa de detecção precoce da depressão e
ansiedade; e a terciária envolve a reabilitação e recuperação de
pessoas que sofreram 3,5,6,15.

Nível individual 15
Recomenda-se um processo pessoal de adaptação às expectati-
vas diárias:

••sem negação da situação;


••evitar isolamento;
••diminuir a intensidade da vida;

26 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


••encontrar um equilíbrio entre a família, os amigos, o descan-
sar e o trabalho;
••se necessário, buscar aconselhamento psicológico profissio-
nal.

Nível de equipe 15
Os colegas de trabalho são a chave para o diagnóstico e apoio.

Deve-se exigir que as empresas contratantes apresentem um pro-


grama de saúde ocupacional para o anestesiologista, um espaço
para conversas e discussões entre os profissionais com apoio pro-
fissional para melhorar as relações interpessoais, buscar um am-
biente de trabalho mais humano e solidário, menos competitivo.

Nível institucional 15
As empresas devem possuir um programa de saúde ocupacional
para o anestesiologista que inclua a prevenção de fatores estres-
santes, apoio psicológico, apoio a doenças físicas, prevenção e
tratamento de possíveis alterações comportamentais, abuso de ál-
cool e drogas, além de um programa de saúde mental específico15.

Atitudes positivas da instituição:

••certificar-se de que a quantidade de trabalho está em equilí-


brio com as habilidades e recursos do anestesiologista;
••observar que as atividades realizadas possuam um signifi-
cado. Para tanto, deve-se estimular e criar oportunidades para
que os profissionais utilizem todas as suas habilidades;
••definir claramente os papéis e responsabilidades do aneste-
siologista;
••permitir que os anestesiologistas participem do processo de
decisão de alterações que influenciam seu trabalho;
••melhorar a comunicação;
••reduzir as incertezas, ter clareza nos planos de carreira e
oportunidades de emprego no futuro;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 27


••proporcionar oportunidades para a interação social entre os
trabalhadores;
••estabelecer horários de trabalho compatíveis com as deman-
das e responsabilidades dos seus anestesiologistas;
••viabilizar o equilíbrio entre os momentos de trabalho, vida
familiar e social;
••melhorar as medidas de proteção dentro do centro cirúrgico;
••melhorar a infraestrutura de trabalho.

Síndrome de burnout
Diversas doenças físicas e mentais podem ser associadas ao es-
tresse ocupacional. A síndrome de burnout (anglicanismo bem
estabelecido) ou “ser queimado”, definida como a resposta física e
emocional ao estresse ocupacional 8,22-24, se destaca no panorama
atual. Burnout afeta a qualidade de vida e desempenho do profis-
sional. Os anestesiologistas podem ser incluídos na lista de profis-
sionais acometidos pela síndrome de burnout 1,8,24-34, caracteriza-
da pela exaustão emocional, despersonalização, sentimentos de
incompetência profissional e não cumprimento de metas 5,6,24-34.

Fatores de risco
A síndrome de burnout está associada ao desequilíbrio crônico e
cumulativo entre as demandas psicológicas e profissionais, além de
outros fatores relacionados à organização laboral, tais como 22-34:

••sobrecarga de trabalho;
••injustiça;
••falta de reconhecimento pelo trabalho realizado;
••conflitos de valores;
••dificuldades de relacionamentos entre os profissionais da
equipe;
••perda do controle sobre as tarefas executadas;
••burocracia excessiva e outras particularidades institucionais,
ambientais e pessoais.

28 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Motivos causais
No perfil de fatores estressores presentes no estresse ocupacional
destacam-se o vínculo empregatício de 7-10 anos, extensas jorna-
das de trabalho, plantões noturnos, sobrecarga de trabalho 35-40,
comprometimento, atuação em tarefas que exigem grande respon-
sabilidade (fator de grande preocupação dos chefes de serviços de
anestesiologia, uma vez que leva a um aumento em 51% na inci-
dência de síndrome de burnout 33), falta de controle sobre sua roti-
na, sua vida pessoal e familiar, relações interpessoais inadequadas e
fadiga crônica de trabalho 24-34.

Como se desenvolve?
O processo ocorre de forma insidiosa, progressiva, cumulativa
e crônica com tendência à negação. Em sua evolução, ocorre o
desgaste do idealismo pela falta de reconhecimento e realização
profissional, levando à exaustão emocional, despersonalização e
desvalorização e indiferença profissional que afeta a qualidade de
vida dos profissionais e a qualidade do atendimento ao pacien-
te 24-34.

Nesse processo de burnout há certa ironia, porque o profissional


que antes apresentava entusiasmo, ideias inovadoras, esforço,
energia e grandes expectativas ao deparar-se com as dificuldades
e ausência de resultados por períodos prolongados é levado à
frustração e ao desenvolvimento de variados efeitos físicos, psico-
lógicos, comportamentais, profissionais e pessoais.

Efeitos 24-34
Entre os sintomas da síndrome de burnout, destacam-se:

••Físicos: fadiga, distúrbios do sono, cefaleia, impotência, dis-


túrbios gastrointestinais;
••Psicológicos: irritabilidade, ansiedade, depressão, desespe-
rança;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 29


••Comportamentais: agressividade, conduta defensiva, cinis-
mo, abuso de drogas;
••Profissionais: absenteísmo, queda do desempenho, descom-
prometimento;
••Pessoais: comunicação deficiente, isolamento e déficit de
concentração.
Com a evolução da síndrome de burnout, graves consequências
podem ocorrer, tais como:
- acidentes automobilísticos relacionados à pesada jorna-
da de trabalho, principalmente durante a madrugada;
- diversos transtornos psicológico-psiquiátricos, desta-
cando-se a depressão, ansiedade e angústia;
- abuso de drogas como mecanismo de fuga;
- ideação suicida.

A prevalência de suicídio em pacientes em estágios avançados da


síndrome de burnout é seis vezes maior do que na população em
geral, consequência grave e temida 6.

Recomendações
Considera-se uma doença ocupacional quando gerada por uma
“responsabilidade compartilhada”, e a prevenção deve ser reali-
zada a partir de três perspectivas: nível pessoal, nível da equipe,
nível institucional 15.

Nível pessoal 15
A prevenção pessoal é realizada por meio do conhecimento, edu-
cação, antecipação e controle dos fatores de estresse. A negação
deve ser evitada para não retardar o diagnóstico e a interven-
ção. É muito importante diminuir a intensidade da vida cotidiana,
aprender a dizer “não”, aprender a delegar. Deve-se ter em mente
que a principal dificuldade é a resistência, por parte do médico,
em admitir que existe um problema emocional e/ou psicológico,
para posterior aceitação do papel de paciente.

30 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Além disso, devem-se buscar alterações na qualidade de vida, in-
cluindo a mudança de hábitos alimentares, sono, descanso, lazer
e família, fatores essencialmente protetores contra a síndrome de
burnout.

Nível da equipe 15
Colegas de trabalho possuem um papel importante:

1. São os únicos capazes de realizar diagnóstico precoce da si-


tuação, pois geralmente são os primeiros a notar, antes mesmo
do próprio indivíduo;
2. Podem oferecer apoio e compreensão, uma vez que “viven-
ciam” situações semelhantes;
3. Podem estimular o hábito da reflexão e prestar assistência
dentro e fora do ambiente de trabalho.

Nível institucional 15
Empresas que tenham anestesiologistas em seu quadro de fun-
cionários devem desenvolver programas de saúde ocupacional
que incluam um programa de saúde mental, e oferecer aconse-
lhamento psicológico para os profissionais que apresentarem sin-
tomas da síndrome de burnout.

A instituição deve traçar estratégias para o reconhecimento e


diagnóstico precoce dos indivíduos em risco, e oferecer tratamen-
to médico e psicológico, em casos sintomáticos.

Organização do trabalho
O cenário de trabalho dos anestesiologistas sofreu grandes mu-
danças nos últimos tempos, devido aos efeitos da globalização
econômica, das novas regras e tendências de mercado e dos mo-
delos de gestão em administração de saúde 41,42. Nesse contexto,
os riscos ocupacionais relacionados com a organização do traba-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 31


lho tornam-se mais importantes, com destaque para os horários
de trabalho 1,37-40.

Fator de risco
Os fatores de risco ligados aos horários de trabalho inadequados
evidenciam um desequilíbrio entre a carga horária de trabalho e o
tempo para descanso e lazer 1,15,37-40.

Fatores causais
A jornada de trabalho do anestesiologista é marcada pelo excesso
de horas trabalhadas por dia/semana, no período diurno e notur-
no, horas extras, jornada prolongada, plantões noturnos seguidos
por trabalho durante todo o dia, levando a intensa sobrecarga de
trabalho, sem ambientes adequados para descanso médico 1,37-40.

Efeitos
Horários de trabalho inadequados podem desencadear distúr-
bios do ritmo circadiano, distúrbios do sono, fadiga, alterações
cardiovasculares, digestivas e interferir na vida familiar; portanto,
podem causar impactos principalmente sobre a saúde do pro-
fissional, fato que mais tarde se refletirá em seu desempenho e
na segurança ocupacional e do paciente 43,45. Alterações no ritmo
circadiano levam a alterações da digestão, sono, temperatura cor-
poral, secreção de adrenalina, pressão sanguínea e frequência car-
díaca e alterações comportamentais 46.

A fadiga pode afetar a saúde, causando transtornos do humor, de-


pressão, cefaleias, tonturas, perda de apetite e problemas diges-
tivos 46,47. Podem também causar problemas ginecológicos, como
irregularidades menstruais, trabalho de parto prematuro 48-50, res-
trição do crescimento intrauterino resultando em PEG (pequeno
para a idade gestacional 51), doença hipertensiva específica da ges-
tação 52.

32 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


A fadiga afeta a segurança, levando a respostas inadequadas, com
tendência a selecionar alternativas de comportamentos mais ar-
riscados que aumentam as chances de “erro humano” 1, situação
de grande relevância na anestesia porque o “erro humano” esteve
envolvido em situações de insegurança para o paciente em 83%
dos casos 53,54, sendo que o cansaço contribuiu para 50% dos erros
médicos 55, 60% dos erros na prática da anestesia 56 e 86% dos er-
ros no gerenciamento da anestesia 43. Além disso, o cansaço foi re-
lacionado em 2% 53, 3% 57 e 6% 58 com incidentes críticos em anes-
tesia e em 10%, com erros de administração de medicamento 54.

As alterações nos padrões e horários de dormir e despertar geram


distúrbios do sono. A privação de sono acumulada e redução da
duração do sono REM, o sono reparador, pode levar à queda na
qualidade do sono, que pode progredir para “déficit de sono” e,
em seguida, para privação de sono 59. Fato que pode afetar a saú-
de por causar distúrbios imunológicos 60, gastrointestinais 61, en-
docrinológicos (hidratos de carbono) 62, queda no desempenho
psicomotor 63 e contribuir para o “erro humano” causando impac-
to sobre a segurança dos pacientes 46. É importante salientar que
existem picos de vulnerabilidade ao sono entre as 2 e as 7 da ma-
nhã 64, são esses os momentos-chave, nos quais a alteração do pa-
drão do sono e/ou sua privação, padrões de trabalho irregulares e
interrupções constantes do sono durante um plantão noturno em
anestesiologia apresentam maior vulnerabilidade e aumentam a
tendência humana de cometer erros.

A fadiga também pode estar associada a lesões e acidentes ocu-


pacionais durante os plantões noturnos, aumentando em 50% o
risco de exposição a sangue contaminado (HIV, hepatite B e C) 65.

Recomendações
Aplicar normas que regulem limites de horas de trabalho na prá-
tica anestésica, como limites de horas por dia, horas contínuas ou
com intervalos para descanso, horas extras e horas trabalhadas no
período noturno, rodízio de plantões, momentos para descanso
entre os plantões, folgas semanais, férias anuais 1,66.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 33


Pode-se recomendar aos anestesiologistas que voluntariamente
iniciem os seguintes cuidados 1,15,66:

••trabalhar entre 48-50 horas/semanais ou menos;


••não trabalhar mais do que 5 ou 6 horas sem intervalos breves
para descanso;
••não trabalhar mais que 10 horas consecutivas no dia;
••equilibrar a duração dos turnos de trabalho com o convívio
familiar;
••evitar mais de dois plantões noturnos de 12 horas por sema-
na;
••distribuir adequadamente os dias de folga;
••não trabalhar por dois turnos consecutivos;
••não assumir outro turno sem que haja um intervalo de pelo
menos 10 horas entre os turnos;
••após a realização de plantões de 24 horas, o anestesiologista
deve descansar e restaurar seu sono nas 24 horas seguintes;
••em um turno de 8 horas deve haver um intervalo de 30 mi-
nutos;
••em turnos de 12 horas, dois descansos de 30 minutos em
que um deles possa corresponder a um intervalo para refeição
adequada;
••evitar manter os plantões noturnos após os 55 anos;
••tirar férias anuais de 15 dias a cada 4 meses;
••ter sala de descanso bem estruturada, que possa ser utiliza-
da para um cochilo nos intervalos, e um refeitório e local para
leitura com condicionamento do ar, sem ruídos e poluição am-
biental 66.

Abuso de drogas
Nos últimos anos a comunidade internacional de anestesiologia
apresenta efetiva preocupação com relação ao bem-estar ocupa-
cional, evidenciada pela pesquisa Professional Wellbeing Working
Party conduzida pelo Comitê de Bem-estar em Anestesiologista
da WFSA, que demonstrou que 42,9% das sociedades de aneste-

34 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


siologia consideram o bem-estar do profissional um grande pro-
blema. Na América Latina, os problemas relacionados ao uso de
drogas, abuso, vícios, dependência química e dependência de
fármacos e substâncias psicoativas são crescentes entre médicos,
principalmente entre anestesiologistas 67.

O abuso de drogas entre anestesiologistas é um problema grave


e complexo, que envolve a dependência das drogas utilizadas na
prática anestésica, as mesmas que o profissional administra em
seus pacientes 67-73.

Incidência
Nos últimos anos, os problemas de consumo de drogas entre anes-
tesiologistas ganharam destaque. Estudos como os de Barreiro re-
latam maior tendência dos anestesiologistas em comparação aos
clínicos para o consumo de drogas e substâncias psicoativas 74. Hu-
ghes e Paris relatam que o consumo de opioides é mais comum
entre os anestesiologistas que em outras especialidades 75,76. Es-
tatísticas reais sobre o abuso, vício e dependência química entre
médicos e, especialmente, entre os anestesiologistas são difíceis de
obter. Por isso, as informações são extraídas em sua maior parte dos
estudos retrospectivos e/ou dos dados fornecidos por programas
de tratamento em estudos prospectivos.

Em diferentes estudos retrospectivos desenvolvidos nos Estados


Unidos da América (EUA), a incidência de abuso de drogas entre
anestesiologistas variou de 1% a 5% 77-79. Nos EUA, apenas 4% dos
médicos são anestesiologistas. No entanto, representavam de 12
a 14% dos médicos internados em programas de tratamento para
dependência química 80. Destes, 50% tinham menos de 30 anos,
um terço era composto por residentes e os opioides eram a droga
“preferida”, sendo o fentanila mais utilizada 80.

Um estudo que contemplou 133 programas de residência médica


em anestesiologia nos EUA mostrou incidência de abuso de 1%
entre os especialistas e de 1,6% entre os residentes 81.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 35


Entre os médicos em tratamento por abuso de drogas, 33,7% são
residentes de anestesiologia. Assim, a incidência nesse grupo é
7,4 vezes maior que a dos residentes de outras especialidades mé-
dicas 82.

As características marcantes no perfil dos anestesiologistas farma-


codependentes são: 50% têm menos de 35 anos, com altas taxas
entre os residentes, 67%-88% são do sexo masculino, 75%-96%
são da raça branca, 76%-90% apresentam dependência de opiá-
ceos como droga principal e em 35%-50% dos casos ocorre asso-
ciação de fármacos ou uso de múltiplas drogas, 33% têm história
familiar de abuso de drogas e 65% estavam associados a departa-
mentos acadêmicos 83.

Estudo realizado pela Clasa, em 2000, revelou que 16% dos anes-
tesiologistas da América Latina fazem uso de drogas ilícitas, 1,3%
sofrem de abuso de opiáceos e 0,4% utilizam sedativos e hipnóti-
cos 9. Relatório recente (2013) do Comitê de Riscos Ocupacionais
da Clasa mostra que foram registrados em seu banco de dados
156 casos de abuso de drogas nos últimos 10 anos, sendo 121 re-
lacionados com opiáceos, 20 com sedativos e 15 com hipnóticos 84.
Foram também registradas 140 consultas por abuso de drogas,
principalmente do consumo de opiáceos 84.

Fatores de risco
O abuso de drogas é uma situação complexa, afetada por diversos
fatores gerais e específicos.

Fatores gerais
São aqueles que se relacionam com qualquer tipo de dependência
de drogas e estão relacionados com a predisposição genética, fa-
tores psicossociais, biológicos, história pessoal e/ou familiar de
abuso de drogas 71-73. A predisposição genética contribui para a
progressão da dependência, momento em que se estabelece uma
base bioquímica cerebral relacionada com alterações no circuito
neurológico e mediada por receptores dopaminérgicos 71-73. A histó-

36 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ria pessoal é caracterizada pela utilização experimental, que au-
menta o risco de evoluir para o vício. A história familiar é fator im-
portante, pois representa uma suscetibilidade para o abuso 71-73.

Fatores específicos
No caso dos anestesiologistas, os fatores específicos são 71-73:

1. A especialidade tem um ritmo de trabalho intenso, que alte-


ra o estilo de vida do profissional e causa importante desgaste
físico e mental, caracterizado pelo sofrimento diante de gran-
des pressões e jornadas excessivas de trabalho, pela fadiga e
privação do sono, causando estresse ocupacional crônico e,
possivelmente, síndrome de burnout;
2. Disponibilidade, facilidade de acesso e falta de controle so-
bre as drogas;
3. Opiáceos são fármacos potentes e viciantes;
4. Falta de controle sobre as medicações psicoativas;
5. Curiosidade em experimentar seus efeitos;
6. Falta de autoestima;
7. Negação da situação.

Consequências
Deve-se entender a evolução do problema desde o consumo da
droga, abuso da droga, drogadição até que a dependência quími-
ca torna-se uma realidade na vida do anestesiologista, que, dete-
riorado, pode se envolver em graves problemas pessoais, familia-
res, profissionais e legais 71-73.

Consequências pessoais
Consequências pessoais são muito importantes e graves em al-
guns casos, levando a uma deterioração progressiva de suas

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 37


condições de vida e saúde, síndrome de abstinência, possibilida-
de de uma recaída, comorbidades com transtornos psiquiátricos,
principalmente ansiedade e depressão e morte por overdose ou
suicídio 71,73,85-88.

Morte e suicídio
As recaídas são frequentes entre anestesiologistas com histó-
ria prévia de dependência de opiáceos, bem maiores que entre
os viciados em drogas não opioides e álcool 89. A incidência de
recaídas em anestesiologistas que retornam às atividades variou
de 19% para 26% 90 até 40% 91, sendo a morte o desfecho da pri-
meira recaída em 16% 92 dos casos.

O risco específico de morte por suicídio relacionado à overdose


de drogas foi duas vezes mais elevado entre os anestesiologistas,
e o risco de morte relacionado à droga foi três vezes maior entre
os anestesiologistas quando comparados aos clínicos, especial-
mente nos primeiros 5 anos de residência 93.

O relatório de 2013 do Comitê de Riscos Profissionais da Clasa re-


velou, por meio de sua base de dados, que nos últimos 10 anos, na
América Latina, 141 mortes foram relacionadas a drogas, sendo
94 suicídios e 47 overdoses; 6 mortes pelo uso de propofol e 135
por opiáceos 84. Das 135 mortes por opiáceos, 118 foram entre es-
pecialistas e 15 entre residentes 84.

Essa realidade é semelhante a encontrada em países saxões, que


mediante levantamentos realizados durante 10 anos observaram
285 mortes, sendo 10% relacionadas à overdose 94. Num levanta-
mento de 5 anos, foram 16% dos 44 casos 92; e em dois anos foram
26 mortes no New York Hospital 95. Recentemente, na Austrália e
Nova Zelândia foram registrados 44 casos de abuso de opiáceos,
sendo que 24% tiveram a morte como desfecho 88. Em última aná-
lise, o suicídio por overdose ou morte relacionada a drogas são
hoje um dos riscos ocupacionais mais significativos em anestesio-
logia 1.

38 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Consequências familiares
As consequências também afetam a vida familiar, com altas taxas
de divórcio, que chegam a 24% em anestesiologistas deteriorados
pelas drogas, em comparação aos 5% nos não usuários de drogas.
O uso de drogas entre familiares de anestesiologistas é mais fre-
quente nos casos em que o profissional é drogadito 71-73,95.

Consequências do trabalho
Devemos também observar que este problema pode afetar a ca-
pacidade de trabalho e impedir que o profissional desempenhe
suas funções diárias, além de oferecer menor segurança ao pa-
ciente, com maior incidência de acidentes anestésicos e erros por
negligência. A dependência pode exigir o abandono da especiali-
dade, com difícil retorno 71-73,95.

Consequências legais
As consequências legais para o anestesiologista são polêmicas,
pela complexidade da doença e pelas diferenças legislativas entre
os países. As leis de determinados países consideram o profissional
com abuso ou viciado em drogas como não capacitado e exigem
a mudança de especialidade médica, após se submeterem a um
processo de recuperação. Se um anestesiologista apresentar trata-
mento bem-sucedido, com boa recuperação, mantendo controles
normais, o empregador não pode negar-lhe um emprego 71-73.

Comportamentos 15, 96,97


Que comportamentos tomar ante uma suspeita?

Quando se suspeita que um profissional apresenta drogadição,


deve-se obter informações administrativas, clínicas e farmacêuti-
cas para abordar o profissional a ser investigado. A seguir, após
confirmação da dependência, é efetuada a intervenção, pois o in-
divíduo apresenta uma doença e necessita de tratamento. Esse

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 39


passo deve ser realizado por uma comissão hospitalar e uma co-
missão da sociedade ou federação de anestesia para introdução
do profissional em programas de tratamento.

O tratamento deve ser realizado por equipe multidisciplinar: psi-


quiatra, clínico geral, neurologista, nutricionista especialista em
dependência, assistente social etc., envolvendo o viciado e sua fa-
mília. Esta etapa pode levar meses ou anos, dependendo do caso
e da família.

Retorno ao trabalho
Esta fase é crucial, pois nela ocorre a decisão sobre o restabele-
cimento das atividades profissionais. Este processo de reinserção
contempla diferentes cenários simultaneamente: trabalho, família
e sociedade. O retorno é controverso, sendo um processo difícil
para o anestesista quimicamente dependente de opiáceos e que
ainda está em recuperação. Portanto, os casos devem ser indivi-
dualizados 86, 96.

Recomendações 15,96,97
O que fazer a partir de agora?

Não há como garantir que o abuso de substâncias psicoativas não


causa dependência. Por isso, a única forma de proteção absoluta é
evitar o uso de quaisquer drogas ilícitas. Para tanto, uma estratégia
global envolvendo anestesistas, sociedades e/ou associações de
anestesiologia, autoridades de saúde e empregadores é crucial.

Políticas preventivas
Os programas devem se basear nas estratégias de prevenção con-
junta:
••educação, informação, divulgação,
••identificação dos anestesiologistas em risco potencial de
drogadição,

40 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


••gestão do estresse ocupacional,
••adaptação dos cronogramas de trabalho,
••controle rígido e contínuo das medicações psicoativas,
••políticas de respaldo para o anestesiologista e sua família.

Conclusões
Estamos diante de uma dura e preocupante realidade para os
anestesiologistas, que leva à deterioração de suas condições de
vida e saúde, lesa sua família e causa danos irreparáveis, motivo
pelo qual devemos assumir a responsabilidade compartilhada a
partir de três perspectivas:

1. O anestesiologista deve atualizar-se sobre os temas referen-


tes à saúde ocupacional.
2. As instituições médicas devem apresentar programas de
prevenção e proteção com o objetivo de identificar potenciais
viciados, controlar os fatores de risco e a distribuição dos fár-
macos.
3. As sociedades de anestesiologia devem assumir o papel de
protagonistas mediante políticas integrais sobre os temas:
•• informação e educação;
•• proteção do colega doente;
•• programa de reabilitação;
•• respaldo econômico para o colega e sua família.

Além disso, o Programa de Saúde Ocupacional para os especialis-


tas é indispensável.

Reflexões
O vício é uma doença para toda a vida, seus efeitos agudos po-
dem ser superados, mas suas consequências deixam suas marcas
permanentes em cada vítima.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 41


Apesar dos avanços significativos no entendimento sobre o abuso
de drogas, do apoio tecnológico e da abordagem terapêutica uti-
lizada atualmente para lutar contra esta doença, ela ainda repre-
senta um grande problema ocupacional para anestesiologista 96.

5. Estratégias
A pesquisa Professional Wellbeing Working Party realizada pelo Co-
mitê de Bem-estar em Anestesiologia da WFSA evidencia a falta
de estratégias institucionais relacionadas ao bem-estar do anes-
tesiologista, onde 81% não têm comitês ou grupos de trabalho
dedicados a esses temas. Por isso, sugere-se que as sociedades de
anestesiologia ou federações desenvolvam uma política institu-
cional por meio de um comitê ou comissão de saúde ocupacional,
capaz de estudar os problemas referentes ao tema e planejar es-
tratégias para sua melhoria.

1. Cada sociedade ou federação de anestesiologia deve contar


com um comitê ou comissão de saúde ocupacional 15, 98

Estratégia principal visa identificar os fatores de risco à saúde,


quantificando-os, desenvolver estratégias para melhorá-los ou
interrompê-los, estabelecer políticas de educação/ prevenção, es-
tabelecer acordos para o tratamento e, se possível, organizar um
fundo de ajuda ao anestesista e sua família e prover recursos eco-
nômicos para o tratamento.

2. Programa Integrado de Saúde Ocupacional 98

O Programa Integrado de Saúde Ocupacional tem como objetivo


programar ações para atingir as condições de trabalho adequa-
das para garantir o bem-estar e a saúde dos anestesiologistas. As
ações devem ser realizadas pelas comissões de saúde ocupacio-
nal de cada sociedade ou federação de anestesia, e executadas
por cada instituição respeitando suas particularidades de traba-
lho e do país onde está inserida.

42 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Deve ter como objetivo geral promover o mais alto grau de bem-
estar físico, psicológico e social ao anestesiologista, controlando
e prevenindo a ocorrência de acidentes e/ou doenças ocupacio-
nais.

E como objetivos específicos:

1. Estudar as condições de trabalho e saúde do anestesiologista


para identificar os fatores de risco a que está exposto em seu tra-
balho diário;
2. Desenvolver e atualizar um mapeamento dos fatores de risco
para reconhecer fatores causais, número e tempo de exposição;
3. Estabelecer vigilância e controle de riscos, de acordo com as
prioridades estabelecidas pelo mapeamento,e realizar exame mé-
dico uma vez por ano, obrigatoriamente;
4. Estabelecer um sistema de levantamento periódico de informa-
ções estatísticas;
5. Planejar e organizar as atividades de trabalho de acordo com os
fatores de risco prioritários, considerando a atenção ao ambiente
de trabalho e as pessoas nele envolvidas. Diretrizes que orientem
sobre horas de trabalho e descanso, análise de infraestrutura am-
biental e segurança;
6. Organizar atividades de capacitação de acordo com os fatores
de risco presentes na instituição;
7. Compartilhar responsabilidades entre os diferentes níveis de
organização para assegurar um processo de melhoria contínua na
saúde e segurança;
8. Avaliar o impacto das ações sobre a incidência de acidentes e
doenças ocupacionais;
9. Definir atividades preventivas, visando melhorar as condições
de trabalho, saúde e qualidade de vida para o anestesiologista.
Políticas de profilaxia com orientações claras sobre prevenção e
proteção, além de protocolos específicos de gestão de risco, são
necessárias;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 43


10. Criar padrões de segurança e vigilância para ajudar a prevenir
acidentes de trabalho e doenças ocupacionais;
11. Planejar, organizar e desenvolver eventos para treinamento.
Programa de educação para o anestesiologista e família;
12. Procurar atenção médica adequada e oportuna diante de aci-
dentes de trabalho, doenças ocupacionais ou desenvolvimento
de outros transtornos. Importância dos acordos entre instituições
médicas para cuidados relacionados à saúde mental, toxicode-
pendência etc.

Reflexão final
Apesar das melhorias nos padrões de segurança, tecnologia de
ponta e novas drogas, os anestesiologistas continuam sofrendo
os danos causados pelos riscos ocupacionais de sua especialida-
de. Deve haver uma preocupação genuína e consciência coletiva
em relação a essas questões ocupacionais para que estratégias
efetivas sejam estabelecidas, priorizando a educação contínua,
políticas de prevenção, proteção e apoio, aplicação de normas e,
em última análise, exercício digno da especialidade, com o obje-
tivo final de saúde e qualidade de vida adequadas para os anes-
tesiologistas. Assim, médicos se especializam para contribuir com
os cuidados da saúde dos pacientes, mas muitas vezes esquecem
de cuidar da própria saúde 1,2,96,99.

44 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Referências
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54 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


O estresse médico causado por situações de
emergência: a fadiga e sua correlação com
doenças, suicídios e erros médicos
Flavio Veintemilla Sig-Tú
Departamento de Anestesiologia,
Grupo Hospitalar Kennedy, Guayaquil, Equador

Introdução
Os pacientes devem ser atendidos por equipes médicas bem pre-
paradas, capazes de atuar da melhor forma possível para o desfe-
cho adequado do caso.

A grande diferença da anestesiologia em relação às demais es-


pecialidades médicas está na atenção constante para possíveis
emergências e urgências, preocupação refletida na saúde ocupa-
cional dos anestesiologistas, pressionados a exercerem sua ativi-
dade sem margem para erros.

O médico deve possuir todo o conhecimento, habilidades práti-


cas, destreza e atitude profissional para exercer a medicina, mes-
mo em situações adversas, a qualquer hora do dia, mantendo
constante o padrão de qualidade de atendimento exigido pelos
pacientes e pela instituição.

Manter a atenção constante para situações de urgência é difícil, e


durante plantões de 12 ou 24 horas o grau de atenção do aneste-
siologista é variável. Porém, existe uma preocupação mundial em
relação à segurança do paciente, e o anestesiologista assume um
compromisso de manter-se alerta e capaz de conduzir qualquer
situação de crise presente na sala de cirurgia. Esse alto nível de
exigência profissional se reflete em danos à saúde ocupacional e
o objetivo principal deste capítulo é encontrar meios de oferecer
aos pacientes o melhor atendimento possível sem prejuízos à saú-
de dos profissionais.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 55


Fadiga na prática médica
O anestesiologista é um profissional altamente capacitado, trei-
nado para tomar decisões importantes e realizar procedimentos
complexos de forma rápida. Atualmente, o anestesiologista dis-
põe de recursos tecnológicos avançados para diagnóstico e trata-
mento de pacientes. O rendimento do anestesiologista deve man-
ter-se constante, independentemente da hora do dia e da jornada
de trabalho pesada, objetivo difícil quando o profissional está so-
brecarregado e permanece de sobreaviso por longos períodos, no
hospital ou em casa.

A síndrome de burnout foi definida pelo psicólogo e psicanalista


Freudenberger e por Maslach 1 como a associação da fadiga, des-
gaste emocional e despersonalização 2,3 relacionados especifica-
mente ao trabalho, diferente da depressão, que está relacionada
com a vida profissional e pessoal do indivíduo.

Os líderes de diferentes áreas de atuação, como os preceptores


em residências de anestesiologia, estão expostos a diversas for-
mas de estresse ocupacional que podem desencadear a síndrome
de burnout. Pesquisa realizada com 102 anestesiologistas afirma
que, desses, 28% já apresentaram burnout e, baseados no questio-
nário de Human Services Survey, uma versão do Maslach Burnout
Inventory (MBI-HSS) 4-7, 59% dos entrevistados apresentaram alto
risco de burnout 8. Esses profissionais apresentam grande predis-
posição ao estresse ocupacional, possivelmente muitos deles não
exercem mais aclínica da anestesiologia, porém existem outros
diversos fatores estressantes, tais como: necessidade de melho-
rar os cuidados ao paciente, salários cada vez menores, cortes no
orçamento de estímulo ao ensino e pesquisa, recursos limitados e
maiores exigências profissionais, riscos legais, formação de profis-
sionais que buscam a excelência, equipes despreparadas ou falta
de pessoal e falta de compreensão das autoridades administrati-
vas.

Em comparação com outras especialidades, como ginecologia-


obstetrícia 5, otorrinolaringologia e oftalmologia 9, os anestesio-

56 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


logistas apresentam maior cansaço, risco de despersonalização e
exaustão emocional.

A fadiga é considerada um estado físico, emocional e psicológico


influenciado por fatores incontroláveis pelo médico, pois além dos
pacientes o anestesiologista também lida com grupos de indiví-
duos, sejam eles funcionários do hospital, administrativo ou fami-
liares. Essas relações interpessoais levam ao desgaste pelo grande
número de pessoas envolvidas no processo de comunicação e por
seu comportamento heterogêneo. A fadiga também pode ser defi-
nida como sintoma de uma doença aguda ou crônica 10.

TABELA 1. Fadiga e suas causas na equipe médica


Fadiga
Causas intra-hospitalares

Grupos humanos
Recursos tecnológicos
Falta de medicamentos
Falta de treinamento
Instabilidade no emprego
Excesso de trabalho: horas e qualidade

Causas extra-hospitalares

Instabilidade familiar
Influência dos amigos
Insatisfação com a moradia

Atualmente, promove-se a busca do êxito constante, causando


grande ansiedade aos médicos, que se questionam qual o real sig-
nificado do sucesso: boa remuneração, jornada intensa de traba-
lho, status acadêmico e social ou ótima relação médico-paciente.
Na realidade, o médico bem-sucedido é aquele com competên-
cias técnicas, atitudes e habilidades, inclusive a de gerenciar com
respeito e responsabilidade sua equipe, criando um ambiente de
trabalho saudável que se reflete em melhores relações interpes-
soais, redução do desgaste laboral e, consequentemente, redução
do risco de fadiga.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 57


Ao avaliar fatores qualitativos e quantitativos, além da subjetivi-
dade humana, percebe-se que não são necessárias horas para a
realização de um trabalho difícil, mas mesmo pequenos esforços
quando realizados por períodos prolongados podem se tornar um
trabalho árduo. Esta situação ocorre em anestesiologia, onde os
plantões são estressantes pela extensa carga horária de trabalho
que pode ou não ser intensificada pela gravidade dos pacientes.

Porém, a forma como o médico encara suas horas de plantão tam-


bém é importante. Para médicos menos experientes, com menor
capacidade técnica para resolver situações de crise, os plantões
são mais estressantes, pois há grande preocupação com a não
maleficência. Assim, a fadiga e estresse emocional gerados pelos
plantões são maiores, independentemente das horas trabalhadas.

É indiscutível que as inovações e descobertas científicas


aprofundaram os conhecimentos sobre as ciências biológicas.
Os conceitos de genoma humano 11, clonagem 12, cirurgia robó-
tica 13,14 e diversos outros fizeram da tecnologia uma ferramenta
essencial no trabalho médico. Anestesistas podem e devem
utilizar da tecnologia a seu favor para exercer suas atividades,
porém nada substitui o sólido conhecimento médico, haja vista
que são muitas as situações onde faltam recursos tecnológicos,
medicamentos e ambiente adequado para o atendimento médi-
co eficiente, o que gera estresse profissional, desencadeando, por
sua vez, fadiga e indiferença. Indivíduos com elevada autoestima,
criatividade e capacidade de resolver problemas podem tornar a
adversidade uma inspiração. Mesmo assim, a longo prazo as si-
tuações adversas e a escassez de recursos podem levar à fadiga e
depressão, com consequências imprevisíveis.

Existem três formas reconhecidas de fadiga 15:

a. transitória: causada por restrição do sono ou por períodos de


atenção prolongados;

b. cumulativa: causada por restrições moderadas de sono ou


por horas extras de atenção durante dias consecutivos;

58 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


c. circadiana: há redução do rendimento profissional durante a
noite, especificamente dependente do ciclo circadiano.

A fadiga, em todas as suas formas de apresentação, está direta-


mente ligada à segurança no transporte terrestre, aéreo, maríti-
mo, espacial e no trabalho em indústrias químicas e nucleares 16-19.
Existem muitos exemplos desastrosos das grandes consequências
causadas por erros humanos. Em 1920, Stiles, psicólogo do sono,
descreveu que a fadiga era uma alteração do equilíbrio entre a
destruição e renovação 20, sendo resultado transitório, mas limi-
tante, de maus hábitos.

Na pesquisa realizada por meio de questionários enviados a 647


anestesiologistas, 49% relataram ter cometido um erro médico
atribuído à fadiga; desses, 63% sugeriram que esse erro seria re-
sultado do excesso de trabalho, que influenciou na ausência de
uma avaliação pré-anestésica adequada em 14% dos casos 21.

Para a realização de um procedimento de alto risco, o profissional


deve estar em suas melhores condições físicas e mentais. Porém,
o debate a respeito da fadiga médica não deve ser realizado ape-
nas em relação a procedimentos de alto risco, pois procedimentos
de baixo risco realizados por profissionais acometidos pela fadiga
podem tornar-se muito perigosos. Para o melhor desempenho
profissional é necessário que o cérebro e o corpo estejam bem e
em harmonia. Em 20% dos acidentes com transportes terrestres
o condutor apresentava fadiga, incidência essa que ultrapassa os
números de acidentes causados por uso de álcool e drogas 22.

Conhecendo os diferentes tipos de fadiga, sabe-se que mesmo


que não ocorra excesso na carga de trabalho apenas a alteração
do ciclo circadiano e alterações nas horas de descanso e sono
podem levar à fadiga. O sono apresenta efeito sistêmico e está
envolvido na liberação de hormônios e enzimas, no processo de
memorização, vigília, atenção, decisão, observação, comunicação
e percepção 23-28, que afetam diretamente a capacidade de análi-
se, formulação do pensamento e tomada de decisão. Além disso,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 59


a integração do raciocínio e habilidades práticas é afetada pela
redução da agilidade ou precisão nos procedimentos.

Uma forma de tentar reduzir os efeitos da fadiga e privação do


sono é reduzir o ritmo da execução das tarefas, numa atitude co-
nhecida como compensação velocidade-precisão 29, porém isso
não garante a manutenção da qualidade e segurança do serviço.
Esse mecanismo de compensação é estudado pela neurociência
e descreve o efeito da alta velocidade na qualidade de execução
dos trabalhos – como exemplo, uma corrida automobilística na
qual um piloto visualiza uma curva acentuada e enfrenta o di-
lema: diminuição (opção 1) ou manutenção da alta velocidade
(opção 2). A análise levanta dois extremos com seu custo-alvo: na
opção 1 os movimentos lentos atrasam a realização do objetivo,
mas oferecem maior segurança, enquanto na opção 2 o objetivo
é alcançado rapidamente às custas de maiores riscos de perda de
controle do veículo 30, sendo menos segura. Neste caso, a escolha
é realizada ao pesarem-se os riscos e as consequências.

Aplicada à medicina, essa situação pode ser evidenciada pelas


pressões administrativas, econômicas e psicológicas para que o
profissional, mesmo na vigência de fadiga e privação do sono,
mantenha a sua produtividade, atendendo um maior número de
pacientes e casos complexos para provar sua capacidade, às ex-
pensas da segurança do paciente e da saúde física e mental do
próprio anestesiologista.

As ofertas de trabalho podem ser aceitas por vantagens financei-


ras ou relacionadas aos horários. O ciclo de sono e vigília é uma
função fisiológica do organismo, essencial para a manutenção da
eficiência cognitiva, porém os indivíduos apresentam diferenças
em seus relógios biológicos (horários de dormir e despertar), pa-
drões cognitivos, endocrinológicos e de expressão genética que
afetam seu estilo de vida. Os indivíduos podem ser classificados
de acordo com seu cronotipo, existindo aqueles que preferem
exercer suas atividades cedo (CE), tarde (LC) ou intermediários
(IC); caso essa particularidade não seja respeitada durante a esco-

60 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


lha do trabalho, o anestesiologista enfrentará uma incompatibili-
dade fisiológica intensificada pela carga de trabalho excessiva 31,32.

Suicídio entre a população médica


A medicina é uma profissão nobre e intensa, com o ideal de pre-
servar e melhorar a vida humana, mas, paradoxalmente, tornou-
se uma profissão de risco para o indivíduo que a executa. A inci-
dência de suicídio entre a população médica supera a incidência
da população em geral 33,34. O próprio mentor da anestesiologia
moderna, o dentista Horace Wells, que defendia o uso de
clorofórmio como analgésico, suicidou-se em 1848 35.

O suicídio, assim como o burnout, é o resultado de uma cadeia de


eventos que seguem um processo lógico iniciado com ideias sui-
cidas seguidas pela ideação suicida, planos de suicídio, prepara-
ção do suicídio e, finalmente, tentativa de suicídio e/ou morte 36. A
tendência suicida é diferente entre as profissões. Na Inglaterra,
nos períodos entre 1979-1980 e 1982-1983 as maiores incidências
de suicídio estavam entre os médicos, veterinários, farmacêuti-
cos, dentistas e agricultores. Após 2005 ocorreu grande alteração
nessa incidência e os índices mais altos encontram-se atualmente
entre os profissionais que realizam trabalhos manuais, mostrando
a influência das forças econômicas em sua determinação 37.

Durante a escolha profissional, alunos que pretendem estudar


medicina após vivenciarem uma doença própria ou de um familiar
têm maior risco de apresentar em burnout em relação aos alunos
que fazem sua escolha baseada no altruísmo, curiosidade intelec-
tual, autonomia profissional e interesse nas relações humanas 38.
Os estudantes de medicina, em razão do complexo e prolongado
estudo, associado às pressões econômicas, apresentam mais sin-
tomas relacionados à exaustão que os estudantes de outras áreas
de formação 39-42.

Estudar medicina é um negócio arriscado e caro, sendo que mui-


tos acadêmicos precisam trabalhar em outras áreas para pagar sua

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 61


faculdade e exibirão exaustão ainda nesse período. Geralmente, o
que ocorre é uma predisposição que se manifesta durante a facul-
dade, associada aos fatores estressantes ao longo da vida profissio-
nal, podendo resultar em graves consequências (Figura 1) .

Figura 1. A corrida do burnout

Como ilustrado na corrida do burnout, do seu início até a possibi-


lidade de desfechos fatais existem várias etapas sensíveis e vul-
neráveis, e o reconhecimento do problema em suas fases iniciais
permite intervenção precoce. Durante a faculdade de medicina, a
incidência de ideias suicidas varia de 10,7% a 31,4% 39-44, apresen-
tando maior risco de suicídio entre as mulheres 45, com tendência
de aumento da incidência ao longo dos anos de vida médica41,
mas em geral os alunos estão cientes e apresentam controle sobre
esses pensamentos.

Normalmente, os alunos não procuram ajuda por medo do jul-


gamento da família, sociedade ou universidade. Durante a facul-
dade a influência familiar atua como fator protetor, porém com
a graduação e início da residência médica, imersos no ambiente
hospitalar, os médicos podem apresentar maior tendência suicida
e menor capacidade de reconhecimento sobre o que está aconte-
cendo. Além disso, nesse momento as expectativas financeiras e

62 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


pessoais em relação ao fim da especialização médica e o medo de
ser julgado por seus chefes como incapaz de concluir a residência
fazem com que os médicos, nesse período, não procurem ajuda.
Outro elemento importante é a facilidade na obtenção e uso de
fármacos, que pode levar o médico a explorar seus conhecimentos
a respeito dos efeitos, doses e vias de administração para planejar
uma morte sem sofrimento, o que o difere da população em geral,
que utiliza outros métodos para suicídio.

Até 1995, as medicações mais utilizadas por médicos para come-


ter suicídios eram os barbitúricos, desde então os opioides são
as drogas mais utilizadas, especialmente por anestesiologistas 46.
Outro fator importante é que um em cada 15 anestesiologistas
sofrem de abuso de drogas ou álcool, sendo a drogadição mais
comum em residentes e chefes de áreas 47,48.

Torre et al, após uma análise de 40 anos, constatou que todas


as causas de morte apresentam menores índices na população
médica em relação à geral, exceto uma, o suicídio. A população
médica apresenta maior risco de suicídio, sendo 70% maior entre
homens e 250% a 400% maior entre as mulheres médicas 37 em
relação à população em geral 49.

Médicos suscetíveis a esse fenômeno devem ser reconhecidos e


avaliados, pois existem vários fatores possivelmente envolvidos.
Como todos os estudos a esse respeito são retrospectivos ainda
existem muitas lacunas no conhecimento a respeito desse tema. A
presença de fatores de risco antes mesmo do início da faculdade,
como doenças mentais, fatores psicossociais e traços de persona-
lidade podem moldar o perfil do médico em risco de cometer sui-
cídio (Figura 2) 50,51. Alterações no humor e depressão associados
ao abuso de álcool e drogas são pontos a serem considerados.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 63


Figura 2. Suicídio na população médica e seus fatores predispo-
nentes

Fatores psicossociais como estresse ocupacional e conflitos exis-


tenciais podem fazer o médico questionar sua escolha profissio-
nal, gerando grande ansiedade, o que exige o apoio no meio fa-
miliar e profissional. As mulheres são mais suscetíveis ao conflito
entre trabalho e família, pois em muitos casos precisam abrir mão
dos cuidados com os filhos e com a casa em nome da profissão; se
a isso forem somadas demandas crescentes na profissão e remu-
neração inadequada, a situação pode tornar-se insustentável e ela
pode optar por abandonar a profissão em benefício do bem-estar
familiar.

Anestesiologistas apresentam maior risco de morte porque seu


trabalho é realizado em circunstâncias ímpares, como: exposição
a gases anestésicos, radiação ionizante, medicamentos controla-
dos, estresse, plantões noturnos, exposição a fluidos e secreções

64 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


corporais, longas horas de trabalho e privação de sono. Na tentati-
va de comparar os riscos entre médicos anestesiologistas e outras
especialidades que atuam fora do centro cirúrgico, Alexander et
al 52 analisaram dados de mais de 80 mil mortes. Não houve dife-
rença significativa entre câncer e doenças cardíacas como causas
ou riscos de mortalidade, porém para os anestesiologistas hou-
ve maior risco de suicídio (risco relativo [RR] = 1,45; intervalo de
confiança de 95% [IC] = 1,07-1,97), abuso de drogas (RR = 2,79, IC
95% = 1,87 - 4,15), morte por doença cerebrovascular (RR = 1,39,
IC 95% = 1,08-1,79) e outras causas (RR = 1,53, IC 95% = 1,05-2,22).

A capacidade de resolver os problemas presentes ao longo da


vida pessoal e profissional depende, entre outros fatores, da per-
sonalidade do médico. Assim, existem tipos de personalidade que
aumentam o risco de suicídio, como as disritmias e os transtornos
obsessivos compulsivos, autoculpa, introversão, ansiedade e vul-
nerabilidade 53. Profissionais que se consideram autossuficientes e
passam uma imagem de confiança para o mundo externo, porém
internamente estão cientes de seus conflitos, embora os neguem
e não busquem ajuda, são os mais vulneráveis ao suicídio.

Estresse como parte da anestesiologia


No cotidiano da sociedade, inúmeras pessoas desempenham as
mais diferentes tarefas e exercem diversas profissões, muitas ve-
zes expondo sua vida a riscos ocupacionais. O Instituto Nacional
de Saúde e Segurança Ocupacional (Niosh), agência federal nor-
te-americana responsável pela pesquisa e recomendações para a
prevenção de doenças ou lesões relacionadas ao trabalho, consi-
dera que a integração das características trabalho-trabalhador é
a principal causa de estresse ocupacional quando a capacidade,
recursos e necessidades do trabalhador em seu trabalho não coin-
cidem 54. Niosh propõe um modelo sobre como os fatores envolvi-
dos no estresse ocupacional levam a lesões e doenças (Figura 3).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 65


Figura 3. Niosh modelo de estresse ocupacional

Existem profissões que, por suas características específicas, estão


mais relacionadas a elevados riscos de estresse ocupacional e ris-
co de vida, dentre elas:

••esportes: mergulhadores, paraquedistas, pugilistas, lutado-


res, toureiros, alpinistas;
••segurança pessoal e industrial: guardas, policiais;
••transporte: motoristas, pilotos, técnicos em aeronavegação;
••saúde: médicos e enfermeiros, principalmente quando
trabalham em centros cirúrgicos, unidades de emergência e
cuidados intensivos;
••administrativo: gerentes, contadores, executivos, corretores
da bolsa de valores;
••indústria: operários na linha de produção, construção;
••vários: atividades que exigem o confinamento, como os tra-
balhadores no alto-mar, militares.

A escolha profissional individual depende de vários fatores, sendo


os mais importantes a afinidade com a profissão, associada à ca-

66 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


pacidade, habilidade e identidade. Essa escolha está muito ligada
à personalidade e modo de trabalhar. Assim, algumas pessoas se
identificam com profissões com altos níveis de exigências e altas
pressões, e se forem alocadas em atividades de menor intensida-
de não apresentarão o mesmo desempenho e interesse, podendo
até mesmo apresentar sintomas de depressão; para uma empresa,
a pior coisa que pode acontecer é um funcionário infeliz com sua
função, pois em uma fábrica, por exemplo, a qualidade do produ-
to pode cair, exigindo controles mais rígidos; em um hospital os
pacientes não receberão a atenção e atendimento que esperam
dos profissionais que não estão satisfeitos.

A liberação de cortisol, catecolaminas e outras substâncias en-


dógenas está relacionada com o ritmo circadiano; da mesma for-
ma, a distribuição das tarefas profissionais ao longo do dia não é
homogênea. Existem momentos em que, normalmente, os níveis
hormonais e de catecolaminas estaria reduzido, porém devido ao
estresse laboral e a atenção necessária para a execução de deter-
mina tarefa ocorre a descarga de mais catecolaminas, para con-
trabalancear. Esse efeito também pode ser alcançado pelo uso de
substâncias estimulantes.

O estresse é um mal necessário em determinados momentos do


trabalho para obtenção do melhor desempenho. Porém, caso a
intensidade ou duração do estresse seja excessiva, o médico pode
reduzir seu nível de atenção e apresentar fadiga, o que repercute
negativamente em suas capacidades técnicas e não técnicas. Os
momentos de maior estresse para o anestesiologista são variáveis,
mas estudos relatam que 5% dos anestesiologistas encontram-se
em condições de estresse constante 55,56. O médico estressado não
é, necessariamente, um mau médico, contudo em situações de
crises ele pode perder o controle 55.

Qualquer atividade profissional está sujeita a certo nível de


estresse, independentemente de julgamentos individuais. No en-
tanto, existem profissões onde mesmo pequenas atividades apre-
sentam nível de estresse tão elevado que não podem ser compa-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 67


radas com outras. O nível de estresse profissional está relacionado
ao nível de responsabilidades 57-62, e médicos que atuam em proce-
dimentos cirúrgicos são mais suscetíveis. Embora todas as ativida-
des devam ser realizadas com responsabilidade, quando existem
vidas em risco, seja a do profissional ou a daquele que recebe o ser-
viço, as consequências de cada ação são mais graves e isso deve ser
considerado quando se estuda a fadiga (Figura 4) 63-65.

Figura 4. Estresse nas profissões de maior risco

Cientes da existência de profissões que realmente apresentam


maior grau de estresse, medidas preventivas para atenuar esse
efeito devem ser tomadas. Isso pode ser feito mediante melhor
informação e atualização dos profissionais em relação às suas ati-
vidades, organização e distribuição do tempo de forma adequada
e melhoria do grupo de trabalho, tornando a atividade mais efi-
ciente e reduzindo a incidência de erros (Figura 5).

68 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Figura 5. Estresse e fatores atenuantes

Uma profissão com riscos ocupacionais semelhantes à medicina,


devido às exigências de formação, capacidade de decisão, aten-
ção e eficiência, é a dos pilotos aeronáuticos; ambas apresentam
riscos inerentes à profissão e devem ter, inclusive, remuneração
semelhante (Tabela 2). Recursos humanos e materiais são o apoio
necessário diante do estresse, bem como é fundamental a cons-
trução de um ambiente de trabalho adequado66-69.

Tabela 2. Anestesiologistas x pilotos


Pergunta Número de residentes
Foque na missão de ambos, pilotos
e médicos, para analisar aqueles
Quem salva mais vidas, pilotos ou
que possuem mais vidas sob sua
médicos? 60, 63
responsabilidade. 75% disseram que
os médicos salvam mais vidas.
Há uma percepção de que são
profissões relacionadas a riscos,
Pilotos e médicos devem ter
61
responsabilidades e dinheiro. A
remunerações semelhantes? 64
tendência é que a remuneração
médica seja maior.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 69


Sugere-se a utilização de uma lista
de verificação na medicina, como
Pilotos morrem, médicos não 62, 65
a utilizada pelos pilotos, a fim de
reduzir a incidência de erros.
O uso de uma lista de verificação para
os pilotos é obrigatória; por questão
Qual trabalho é melhor, do piloto ou
de segurança também deve ser
do médico? 63, 66
obrigatória em determinadas áreas
da medicina.
O treinamento de cada um deve ser
Os pilotos usam checklists, por que os analisado e avaliações de controle
médicos não? 64, 67 devem ser feitas para garantir suas
habilidades e atualização.
Argumenta-se que a remuneração
O que os médicos podem aprender dos pilotos não está de acordo com
com os pilotos? 65, 68 a responsabilidade e os riscos dos
pilotos.
Analisa-se o interesse dos pilotos em
Quem é mais profissional, um piloto melhorar a segurança da aviação e
ou um médico? 66, 69 compara-se o interesse médico em
realizar o mesmo.

Plantões e o estresse
A assistência hospitalar é um serviço contínuo que pode ser com-
parado com as atividades que requerem atenção 24 horas por dia,
tais como: geradores de energia, militares, policiais, fornecedores
de combustíveis, bombeiros, comunicações, transportes etc. O
exercício dessas atividades exige mudanças fisiológicas dos pro-
fissionais. A luz é o sincronizador mais potente do sistema nervo-
so central (SNC), funciona como um estímulo na retina, seguindo
através da via espinotalâmica até o núcleo supraquiasmático do
hipotálamo, o centro regulador do ritmo circadiano 70, 71, permitin-
do ao SNC perceber se é dia ou noite para sincronizar a liberação
de hormônios, atividade digestiva, função imunológica 72,73,50,51,
humor, níveis de vigília e desempenho profissional. Os trabalha-
dores de saúde que exercem sua profissão dentro dos hospitais
devem ser capazes de trabalhar dia ou noite; a equipe médica

70 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


precisa trabalhar durante turnos noturnos para os quais não está
fisiologicamente preparada, pois o SNC está programado para re-
duzir a vigília e o desempenho durante esse período.

Durante a noite, quando o SNC está programado para o descanso


do corpo, também ocorre maior incidência de acidentes automo-
bilísticos. Numa casuística de 12.535 acidentes, a maior incidência
foi relacionada com a população jovem, fadiga (15%) 22 e com as
primeiras horas da madrugada, sem que houvesse relação com
o uso de álcool 74,75. Se a esses fatores forem somadas a elevada
carga horária de trabalho prévia e a alta responsabilidade em suas
profissões, os riscos se elevam.

Os plantões geram certa ansiedade no médico, relacionada aos


perigos e ameaças possíveis no trajeto até o trabalho (Tabela 3) e,
principalmente, a necessidade de realizar atendimentos médicos
a qualquer hora. Essas preocupações desencadeiam alterações
fisiológicas, como diminuição da modulação simpática cardíaca
durante a noite, alta ansiedade, depressão e desatenção 76, dados
confirmados por um estudo que acompanhou internos durante
três meses, cuja rotina era realizar 10 plantões de 33,5 horas por
mês, sendo cada plantão seguido por dois dias de folga.

Atualmente, existe preocupação em relação ao nível de estresse


entre os residentes de anestesiologia, que podem vivenciar estres-
se maior do que o vivenciado pelos demais componentes do staff,
possivelmente pela árdua jornada de trabalho associada à preocu-
pação em relação a sua curva de aprendizado teórico e prático. Os
preceptores de programas de residência também são mais afeta-
dos pelo estresse; sua capacidade de liderança é muito exigida nas
atividades de docência, gerenciamento do programa e manuseio
clínico do paciente 5. A síndrome de burnout é composta pela tría-
de fadiga/queda do desempenho, desgaste emocional e desperso-
nalização, e apresenta incidências semelhantes entre residentes e
preceptores, chefes de residências médicas 77,78 . Os residentes, por
estarem em processo de treinamento e aprendizado e serem mais
jovens, são considerados capazes de tolerar maior carga horária

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 71


semanal, o que, associado ao consumo de álcool e à exaustão,
contribui para o desenvolvimento de burnout 79-81.

Os médicos são muito sensíveis ao ambiente de trabalho. As ca-


racterísticas psicossociais desse local (Figura 6) influenciam o seu
desempenho. Esses profissionais espelham suas vidas, autoestima
e satisfação em seu trabalho; por isso, locais impróprios geram in-
satisfação e possivelmente isolamento dos funcionários, por um
gerenciamento inadequado do ambiente de trabalho 80.

Figura 6. O ambiente de trabalho e sua influência sobre o burnout

É indiscutível que um hospital não é o melhor ambiente de


trabalho, pois existem ameaças contínuas à saúde dos profissionais
(Tabela 3), às quais se pode adicionar: convívio com doentes ter-
minais, acidentes, sofrimento, morte e tentativas de tratamento
sem sucesso, responsabilidade sobre as decisões que definem a
qualidade de vida de seus pacientes. Todos esses fatores afetam

72 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


significativamente a vida dos médicos; muitos, por suas caracte-
rísticas de personalidade, conseguem sozinhos atenuar os efeitos
desses fatores. No entanto, outros procuram meios externos de
compensação para tolerar ou assimilar melhor essas adversida-
des, sendo o abuso de drogas, fumo e álcool os recursos frequen-
temente utilizados na tentativa de relaxar 82,83.

Tabela 3. Ameaças nosocomiais ao médico


Ameaças
Biológicas Vírus, bactérias, fluidos
Mecânicas Hematomas, cortes, colisões
Químicas Vapores, gases, alérgenos
Sons, luzes, temperatura, raios x, laser, eletricidade,
Físicas
má postura
Pessoais Abuso de drogas, fadiga, estresse

Existem condições consideradas de risco para o desenvolvimento


de burnout nos médicos, como indivíduos que apresentam expec-
tativas profissionais que ultrapassam os limites reais; profissionais
jovens e solteiros; pessoas com baixa autoestima ou que se con-
sideram vítimas em relação a seus colegas podem diminuir gra-
dualmente sua eficiência e estão em perigo iminente. O local de
trabalho também pode ser considerado como fator de risco para
burnout, a presença de hierarquias rígidas e altas exigências por
parte do empregador são fatores negativos.

Ao médico devem ser oferecidas as melhores condições de tra-


balho possíveis, pois a satisfação com o trabalho afeta a relação
médico-paciente e a qualidade do atendimento. Sabe-se que
existe uma relação direta entre exaustão, qualidade de vida dos
profissionais e erros médicos por níveis inadequados de atenção.
Shanafelt et al realizaram estudo com 7.905 cirurgiões e desco-
briram que 15% deles reconheceram ter cometido erro médico
significativo. Desses, 70% atribuíram o erro a um fator individual,
como falta de tempo na tomada de decisões, estresse, burnout,
falta de concentração ou fadiga 84. Portanto, o bem-estar deve ser
organizacional e pessoal.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 73


Em um hospital, além dos atendimentos prestados à população
também se desenvolvem atividades de ensino, docência ou tu-
toriais, realizados em horários variáveis. A fadiga e privação do
sono tem impacto negativo nos alunos 85-89, ou seja, após uma car-
ga horária extenuante a capacidade de memória e aprendizado
dos médicos está comprometida 90-92 e, por isso, as informações
transmitidas não serão armazenadas de forma adequada, geran-
do uma situação difícil onde o preceptor acredita que seus alunos
captaram a informação e a utilizarão para o bem de seus pacien-
tes, mas na realidade o conhecimento não foi absorvido. Além
disso, os horários em que acontecem as aulas e discussões clínicas
também podem afetar a qualidade da atenção, pois o corpo hu-
mano é geneticamente programado para dormir quase à força no
ciclo circadiano, das 3 às 7 horas da manhã e das 13 às 16 horas
da tarde 93,94, e apresenta os maiores níveis de vigília das 9 às 11
horas e das 21 às 23 horas. Qualquer atividade que realizamos no
hospital pode ser afetada pela fadiga, sono e alteração do ciclo
circadiano, e o único tratamento para a fadiga é o sono 95.

Comparando atividades não relacionadas à profissão médica,


como a condução de veículos, a American Automobile Associa-
tion (AAA) publicou, em 2010, relato onde 27% dos motoristas
entrevistados revelaram ter, no último mês, dirigido com sono,
com dificuldade em manter os olhos abertos; desses, 41% ador-
meceram em algum momento e dos entrevistados 10% relata-
ram ter adormecido ao volante pelo menos uma vez no último
ano 96. Dirigir cansado é como dirigir sob a influência de álcool
em concentrações sanguíneas muito próximas aos níveis legal-
mente permitidos 97. Esses exemplos ensinam indiretamente que,
independentemente da capacidade, a fadiga e a privação do sono
podem levar à perda da atenção, percepção e vigília. No caso dos
profissionais de saúde, o trabalho por noites consecutivas retarda
a análise de monitores 98 e existe um momento no qual, por maior
que seja a experiência e conhecimento do profissional, quando o
cansaço físico e mental superar a capacidade de manter-se alerta,
perde-se o controle da situação.

74 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


As situações críticas vivenciadas pelos anestesiologistas na sala
de cirurgia podem ser comparadas às situações vivenciadas pelos
pilotos, considerados os aspectos humanos, econômicos e mone-
tários 52,63-69.

Erros, moral, ética e o médico


A prática da medicina é difícil e complexa, sabe-se que a palavra
erro aplicada à prática médica gera impacto profundo, com con-
sequências significativas. Erro médico é o ato de imprudência,
imperícia ou negligência que causa consequências graves ou po-
tencialmente graves para o paciente, e que é ou foi julgado como
errado por profissionais com conhecimento e capacidade técni-
ca 99.O erro médico é diferente da complicação, evento adverso
evitável, porém de risco previamente conhecido após tratamento
médico ou procedimento cirúrgico 100-102.

O erro, da mesma forma que o sucesso, é o resultado de uma


sequência de eventos – e qualquer fator que afete a sequência
afetará também o resultado. Quando se fala em erro médico, se
considera apenas a situação do paciente, e não as circunstâncias
vivenciadas pelo médico, que podem ter afetado seu julgamento.
Em medicina nem todos os erros levam a consequências fatais.
No entanto, há especialidades em que o erro não é permitido, a
anestesiologia e a cirurgia são bons exemplos.

No relatório de Kohn (1999), utilizado como referência em relação


aos erros médicos, consta que cerca de 100 mil pacientes morre-
ram por complicações que poderiam ter sido evitadas 103. Somado
a isso, estudos relatam que a fadiga e o sono em residentes foram
as principais causas de erros médicos 103-108.

Para a prática clínica da anestesiologia, o médico deve estar em


suas melhores condições físicas, psíquicas e emocionais para con-
seguir integrar e aplicar todos os seus conhecimentos, destrezas
e habilidades. Um profissional que apresente fadiga, burnout,
privação do sono e indiferença em relação ao paciente está mais

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 75


propenso a erros. Residentes e especialistas estão cientes de que
o número de plantões, carga de trabalho e condições de trabalho
no hospital podem ser fatores decisivos para a qualidade do de-
sempenho do anestesiologista em situações críticas. Assim, é ne-
cessária a análise dos motivos (obrigatoriedade pela instituição,
falta de organização, motivos financeiros ou pessoais) pelos quais
os anestesiologistas aceitam essa pesada rotina.

Em algumas instituições, os plantões são uma forma de remunera-


ção adicional e, por isso, os médicos optam por sobrecarregarem
sua agenda com vistas a maior retorno financeiro, às custas de que-
da na qualidade do atendimento médico e exaustão pessoal. Ou-
tros médicos fazem plantões não por razões financeiras, mas por
vontade própria, ligada a traços de personalidade e estilo de vida
– o excesso de trabalho faz parte de sua realidade. Por sua vez, a
falta de organização em relação aos recursos disponíveis por parte
da administração hospitalar e departamentos das especialidades-
contribuem para maior desgaste emocional no trabalho.

Portanto, os anestesiologistas não devem trabalhar em condições fí-


sicas, mentais ou organizacionais inadequadas, vez que existe o com-
promisso do médico para com o paciente de oferecer o tratamento
adequado, com todos os cuidados necessários e conhecimento ba-
seado em evidências. A vida humana é considerada um bem.

Alfred Sauvy em seu livro O custo e o valor da vida humana 109,110 re-
lata os critérios relacionados à vida quando avaliadas caracterís-
ticas sociais, religiosas, raciais, políticas, econômicas e profissio-
nais. Uma carga horária pesada e suas responsabilidades podem
ser negociadas para aumentar a disponibilidade de tempo em
família 111-113 e para melhorar a qualidade de atendimento aos pa-
cientes.

Conclusões
Vidas humanas são salvas a cada dia graças a novas descobertas
nas ciências médicas e biológicas. Os anestesiologistas devem se

76 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


esforçar diariamente para ampliar seu conhecimento e entender
melhor tudo o que ocorre com o seu paciente. Estudos em física,
química e ciências da computação são importantes para a área
médica e conhecimentos sobre formas de liderança e adminis-
tração hospitalar vêm modificando conceitos e diretrizes para
melhor orientar os médicos. Os médicos sabem mais sobre seus
pacientes do que sobre si mesmos, não reconhecem a situação de
risco ocupacional em que se encontram e confundem deveres e
obrigações com a fadiga latente que os levará, em algum momen-
to, a um desfecho previsível. Por isso, é necessário intervir e alte-
rar o comportamento dos médicos e seus colaboradores, visando
maior qualidade de vida para os profissionais e melhor qualidade
de atendimento e segurança para os pacientes.

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Fatores envolvidos no desenvolvimento da
dependência química em anestesiologistas
Roger Moore Addison
Profissional Wellbeing Committe e of WFSA
Associate Professor of Anesthesiology, University of
Pennsylvania and Chair Emeritus,
Department of Anesthesiology, Deborah Heart and Lung Center

O problema
Por várias razões, as discussões sobre o possível uso e abuso de
medicamentos por anestesistas e outros profissionais da área mé-
dica têm sido geralmente silenciadas e contidas. Infelizmente, o
público está se tornando ciente deste problema por meio de fon-
tes independentes de notícias sobre os quais a profissão médica
tem pouco ou nenhum controle 1,2. É óbvio que nenhuma pro-
fissão gostaria de chamar a atenção negativa, especialmente na
visão dos órgãos públicos. Paralelamente, se o problema existe,
uma intencional falta de atenção pode desestimular o desenvol-
vimento de métodos de intervenção e estratégias de tratamento.
Portanto, como primeiro passo, a negação deve ser posta de lado
e faz-se necessário responder a pergunta diretamente: anestesio-
logistas apresentam um problema? Décadas de literatura pare-
cem fornecer resposta definitiva para esta questão.

Um importante estudo publicado em 1974 3 pesquisou as causas de


morte de 211 anestesiologistas que eram membros da Sociedade
Americana de Anestesiologia e viviam nos Estados Unidos da Amé-
rica (EUA) e Canadá. Esta pesquisa foi simplesmente parte de uma
série de estudos de natureza semelhante para avaliar quaisquer
aberrações nas causas de morte entre anestesiologistas 4,5. Não
surpreendentemente, cada pesquisa teve resultados semelhantes.
A mortalidade dos anestesiologistas, em comparação com uma
coorte do público em geral, mostrou uma taxa de morte reduzida
em todas as categorias, incluindo doenças cardiovasculares, aci-
dentes e doenças malignas. No entanto, quando os suicídios fo-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 89


ram avaliados, os anestesiologistas mostraram uma taxa de morte
três vezes maior do que a coorte da população normal. Mortes
por overdose de drogas não foram separadas de suicídios.

Estudo recente 6 comparou a mortalidade dos anestesiologistas


com uma coorte de internistas entre 1979 e 1995. Os resultados
mostraram níveis significativamente mais elevados de mortali-
dade para os anestesiologistas em quatro áreas diferentes: 1) os
acidentes vasculares cerebrais, 2) infecções virais da imunodefi-
ciência humana e hepatite viral para anestesiologistas masculi-
nos, 3) suicídio e 4) duas vezes e meia maior taxa de mortalidade
relacionada às drogas. Em relação aos óbitos devido às drogas,
anestesistas estavam em maior risco durante os cinco anos após a
faculdade de medicina, mas a taxa de mortes de drogas em anes-
tesiologistas continuou a exceder internistas ao longo de suas car-
reiras. As conclusões do estudo foram: ”O abuso de substâncias
e suicídio representam riscos ocupacionais significativos para os
anestesiologistas” 6.

Além da tragédia pessoal da perda de vidas, o estudo também


aponta a perda pessoal e econômica produzida por essas mortes.
Algo em torno de 1.583 anos de vida profissional foram perdidos
devido ao suicídio e 2.108 anos de vida profissional foram perdi-
dos devido às mortes por drogas. Em pesquisa nos programas de
residência médica em anestesiologia dos EUA, entre 1997 e 2001,
80% dos programas apresentaram pelo menos um residente com
problemas de abuso de substâncias e quase 20%, uma morte 7.
Certamente, muitos outros relatos existem tanto para anestesio-
logistas quanto para enfermeiros anestesistas, que também apre-
sentam problemas com drogas e taxas de suicídio mais elevadas
do que o público em geral. É raro um profissional de anestesiolo-
gia que não sabe de pelo menos um colega que morreu por suicí-
dio ou drogas. Obter um valor exato sobre o percentual absoluto
de profissionais afetados pelo abuso de drogas é difícil e pode va-
riar bastante, dependendo do estudo analisado 8.

Um relatório em um programa de tratamento de abuso de drogas


para médicos descobriu que, enquanto os residentes de aneste-

90 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


sia compõem apenas 4,6 % de todos os residentes nos EUA, estes
foram responsáveis ​​por mais de 33 % dos médicos no tratamen-
to 9. Em paralelo, outro estudo descobriu que a taxa de abuso de
medicações entre anestesistas foi de apenas 1% e 1,6% para os
residentes (ver Tabela 1 para substâncias abusadas)10. Seja qual for
a percentagem real, o que pode variar de ano para ano, a perda
de até um médico representa uma tragédia pessoal e profissio-
nal. Dentre as drogas mais comumente abusadas, não é listado
o álcool, devido à legalidade do seu consumo e a dificuldade em
quantificar o abuso. Entretanto, a dependência de álcool é tão im-
portante quanto as outras drogas, especialmente entre a popula-
ção mais velha de anestesiologistas.

Tabela 1. Números brutos de profissionais com abuso de drogas


e as drogas de escolha para os residentes e docentes, como relata-
do em uma pesquisa em anestesia (adaptado da ref. 2).

Droga Número de residentes Número de docentes


FENTENIL 73 16

SUFENTENIL 12 4

COCAÍNA 7 2

OXIDO NITROSO 5 0

MEPERIDINA 3 0

MIDAZOLAM 3 0

DIAZEPAM 2 1

KETAMINA 2 1

HALOTANO 2 0

PROPOFOL 1 1

OUTROS 23 9

Todos os estudos citados relatam avaliações de anestesiologistas


nos EUA e Canadá. Portanto, pode-se argumentar que o suicídio,
dependência de drogas e burnout são apenas um problema isola-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 91


do na América do Norte. No entanto, quando se avalia a literatura
internacional, estes resultados são universais entre anestesiolo-
gistas e outros prestadores de cuidados de anestesia. A Finlândia
tem sido um país com grande capacidade em apontar a questão
do suicídio entre os anestesiologistas 11-13, embora a discrimina-
ção entre suicídio e mortes por overdose acidental de drogas de
abuso não tenha sido realizada. Na verdade, a falta de separação
entre suicídio, overdose de drogas destinadas a profissionais e
dependentes de drogas não é normalmente disponível em estu-
dos de mortalidade mais retrospectivos. Dinamarca e Suécia 14,15
também têm tido interesse na mortalidade do anestesiologista.
No Paquistão 16 estes problemas estão sendo reconhecidos na
população médica em geral, especialmente em médicos do sexo
feminino. França 17, Canadá 18 e Grã-Bretanha/Irlanda 19 também
alertam com relação para essas questões. A Associação Médica do
Canadá, ao reconhecer este problema, desenvolveu um guia de-
talhado para o bem-estar médico18. A lista de países que reconhe-
cem oficialmente a existência de um problema com seus médicos
anestesiologistas também inclui a Austrália/Nova Zelândia 20, o Bra-
sil 21 e a China 22. Na verdade, o problema da fadiga com burnout
contribuindo para a dependência de drogas e suicídio médico
está finalmente sendo reconhecido em todo o mundo.

Com tais estatísticas alarmantes, é de se esperar que pudesse


haver um alerta mundial sobre este problema. No entanto, o seu
reconhecimento é uma etapa inicial de desenvolvimento de me-
didas eficazes para aliviar as causas que levam a tais resultados. A
World Federation of Societies of Anaesthesiologists (WFSA) está
tomando um papel de liderança em chamar a atenção para esses
problemas e garantir tanto a segurança como a saúde de nossos
pacientes por meio de mecanismos para melhorar a saúde e segu-
rança dos nossos anestesistas 23.

Em 2010, o Professional Wellbeing Work Party da WFSA realizou


uma pesquisa dentre os 120 profissionais da WFSA objetivando
identificar a incidência de problemas de saúde ocupacional entre
os membros das sociedades nacionais e avaliou as intervenções

92 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


que cada sociedade tinha adotado para tratar a saúde ocupacio-
nal do anestesiologista. Embora os resultados mostrem amplo
reconhecimento de um problema, com mais de 90% das socie-
dades nacionais relatando a síndrome de burnout em seus mem-
bros, apenas 14% haviam desenvolvido algum tipo de estratégia
de enfrentamento para combater esta síndrome 23. É evidente que
o primeiro passo para atacar este problema é descobrir os princi-
pais fatores que podem fazer com que um anestesista se torne um
usuário de substâncias.

Fatores genéticos
A genética, durante a última década, tem se tornado cada vez
mais importante para a anestesiologia por várias razões. Agora
já podemos reconhecer uma ligação genética para o desenvolvi-
mento de hipertermia maligna. Muitas variações genéticas têm
sido relacionadas a uma predisposição para o aparecimento des-
ta enfermidade, sendo a mutação genética mais comum a que
ocorre no gene 1 Ryanodine Type (RYR1) do cromossomo 19 24,25.
Do mesmo modo, a ocorrência de vômitos pós-operatório 26, in-
suficiência renal 27, hemorragia 28 e acidente vascular cerebral 29
pode ter uma conexão ampla de variações genéticas. O efeito dos
agentes anestésicos sobre os pacientes é, em parte, modulada
por meio do controle genético. Existem diferenças conhecidas na
sensibilidade à anestesia entre os mamíferos, com base nas dife-
renças da composição genética. Em particular, uma série de es-
tudos realizados com ratos mostram que variações de um único
gene podem produzir diferenças significativas no estado hemo-
dinâmico anestésico e sensibilidade ao propofol 30,31. Diferenças
na sensibilidade da anestesia foram também observados com ad-
ministração intravenosa 32 e por via intratecal de fentanil 33, bem
como com remifentanil intravenosa 34.

Embora exista informação contraditória na literatura, parece que


pacientes ruivos podem ter uma variação recessiva no gene co-
nhecido como o gene do receptor de melanocortina-1, que pode
estar relacionado com a resistência a anestesia 35-37, embora nem

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 93


todos os estudos apoiem essa observação 38. O grande objetivo na
genômica é prever a resposta de um paciente ao uso de um agen-
te antes mesmo deste ser utilizado, e isso pode estar no horizonte
dos novos achados.

Na verdade, já em 2003 39 um editorial sobre o uso da genômica


em anestesia apontou a direção para onde se está indo. Seus au-
tores afirmam: “Genômica perioperatória procura aplicar aborda-
gens de genômica funcional para revelar as razões biológicas por
que pacientes similares podem ter significativamente diferentes
resultados clínicos após a cirurgia. Para o médico, estes resultados
podem traduzir-se em breve num perfil genômico de risco identi-
ficando possíveis marcadores da resposta inflamatória, trombose
vascular e neurológica, ao estresse perioperatório, com implica-
ções que vão desde individualização, testes pré-operatórios, oti-
mização fisiológica, perioperatório e tomada de decisão, as op-
ções de abordagens, de monitorização e utilização de recursos de
cuidados intensivos” 39 – no entanto, também apontam os riscos e
preocupações éticas associadas a esta nova fronteira.

Vendo a importância da genômica no presente e no futuro da


anestesiologia, não deve haver nenhuma surpresa quando este
avanço desempenhar a pré-seleção dos profissionais da área que
podem apresentar maior risco para o desenvolvimento de abuso
de drogas e dependência. Uma expectativa é de que a genética
possa ser responsável por mais de 50% de predisposição de um
indivíduo para o desenvolvimento de dependência ao álcool 40-43,
ao mesmo tempo que também pode desempenhar significativo
papel na dependência à nicotina 44,45 e outras drogas 46,47.

Genômica do vício baseado em estudos com gêmeos e


familiares
O primeiro indício de uma possível ligação genética para o vício
veio de estudos populacionais comparativos, e dos resultados de
estudos com gêmeos bivitelinos e univitelinos. O objetivo des-
ses estudos foi determinar a concordância do alcoolismo em um

94 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


dos gêmeos com a taxa de ocorrência de alcoolismo no outro. Se
o alcoolismo estava ligado a fatores genéticos, os conjuntos de
gêmeos monozigóticos podem vir a ter uma taxa de concordân-
cia maior do que os gêmeos dizigóticos. Os resultados positivos
neste sentido apontariam para a possibilidade da presença de
genes com um papel no abuso de substâncias 40,48-50. No entanto,
continuou a existir divergência no que diz respeito à importância
relativa da natureza (genética ) versus alimentar (ambiente) no de-
senvolvimento da dependência 51.

Atualmente, a conclusão é que o vício decorre de uma interação


de fatores e que, quanto mais estável for o ambiente, menos efeito
tem a predisposição genética para o desenvolvimento de depen-
dência. A principal limitação em fazer afirmações definitivas sobre
a importância dos genes e do ambiente é que há uma infinidade
de variáveis ​​de confusão, que podem estar relacionadas ​​com a
composição do indivíduo e com o ambiente físico e psicossocial
no qual vive. Outro método utilizado para avaliar o possível papel
dos genes na dependência foi a utilização de estudos de família.
Nesses estudos, famílias identificadas com um número de mem-
bros viciados de múltiplas gerações têm comparações feitas entre
a taxa de dependência na nova geração e estimativas de compar-
tilhamento genético do mesmo genoma entre as gerações 52,53.
Mais uma vez, os fatores ambientais dificultam a separação entre
os fatores puramente genéticos, mas, apesar desta dificuldade, os
resultados apontam para forte ligação genética com o vício.

Os estudos em animais também apontam para o envolvimento


genético na predisposição para o vício. Ratos mutantes com um
único ponto de mutação que torna os receptores de acetilcolina
mais sensíveis à nicotina, produziram uma resposta elevada mes-
mo com doses baixas de nicotina e uma tendência para depen-
dência 54. Este estudo forneceu evidências de que para aqueles
indivíduos geneticamente predispostos, ao abusar de uma subs-
tância, mesmo com baixo nível de exposição, este uso poderia in-
duzir um padrão de dependência. Sabe-se que uma vez que um
fármaco é usado, ocorrem alterações na fisiologia e bioquímica
cerebral 55.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 95


A predisposição genética pode ser responsável por induzir essas
mudanças em um momento anterior na vida e com menos expo-
sição à droga, o que poderia explicar por que algumas pessoas
podem abusar de uma droga sem se tornar dependentes, en-
quanto outras se tornam dependentes quase que imediatamente.
No entanto, vários outros fatores também estão em jogo, servin-
do tanto para aumentar as chances de vício como proteger contra
o vício. Os mais recentes trabalhos sobre variações genéticas em
roedores está começando a descobrir as razões para as diferenças
na resposta aos agentes anestésicos 30,31.

Genômica na dependência ao álcool


A descoberta de uma ligação genética para o vício, baseada em
estudos de gêmeos e familiares, levaram a grande avanço na
determinação da predisposição genética para o vício – a busca
para o gene ou genes que causam a dependência. Métodos de
sequenciamento de genes têm evoluído muito e melhorado ao
longo da última década, permitindo que as pesquisas sobre a ge-
nética do vício tornem-se mais esclarecedoras. No entanto, apesar
destes métodos para investigação, ainda estamos numa fase ini-
cial de descoberta nesse campo. Com as melhorias na tecnologia
e na capacidade de sequenciar todo o genoma também ocorre o
aumento na dificuldade em analisar as enormes quantidades de
dados gerados. Talvez algumas claras evidências de um vínculo
genético direto ao abuso de substâncias vem da pesquisa sobre a
genética do alcoolismo 56,57.

Os estudos sobre a ligação genética com a dependência de álcool


têm tomado uma série de diferentes direções. Uma abordagem
é baseada na realização de análises genéticas em membros da
família, tanto as com alta taxa de abuso de substâncias como as
que parecem estar livres do alcoolismo. Outro foco é a análise de
DNA com base em partes do genoma possivelmente envolvidos
no vício, e suas variações genéticas, que podem aumentar o risco
de dependência. Como seria de se esperar, achar esta “agulha no

96 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


palheiro” é difícil, mas mesmo assim há avanço na identificação
de variações no genoma, mais frequentemente encontradas em
pessoas com vícios.

Uma abordagem semelhante foi tomada numa base individual,


em que um único gene foi avaliado comparativamente em gru-
pos de pessoas com e sem dependência, independentemente das
taxas de similaridade familiar. Como seria de se esperar, a dificul-
dade desta abordagem tem sido a necessidade de predeterminar
os genes para avaliar, ou seja, quais são suspeitos de estar rela-
cionados ao vício. O valor destes estudos parece ser maior para
os genes envolvidos no metabolismo do álcool, os quais serão
adiante discutidos.

Análises mais amplas de todo o genoma estão sendo realizadas,


porém todos os três bilhões de nucleotídeos que compõem o ge-
noma humano não estão sendo testados. Ao invés disso, grandes
partes do genoma são sequenciadas 58,59, permitindo uma iden-
tificação mais específica das variações genéticas, denominadas
polimorfismos de nucleotídeo único, que predispõem ao desen-
volvimento de dependência. Com base nestes métodos, foram lo-
calizados muitos sítios genéticos que parecem desempenhar um
papel no desenvolvimento da dependência 56,57.

Para o alcoolismo sozinho, vários sítios de genes estão envolvidos


(ver Tabela 2), tanto de forma direta quanto indiretamente por
meio de traços neurofisiológicos 60. Na realidade, pode haver até
100 ou mais genes que podem influenciar o risco de dependência
e é a interação sutil destas variações genéticas em combinação
com fatores ambientais e outras que, finalmente, determina a pre-
disposição de um indivíduo. Portanto, não há uma exata variação
genética que efetivamente levará ao vício, mas esse subgrupo ge-
nético pode estar em maior risco em determinadas circunstâncias.
Isto é particularmente importante salientar, vez que pode haver a
possibilidade de avaliação individual de cada anestesiologista. Ter
predisposição genética para a dependência não é o mesmo que
ter a dependência e suas consequências.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 97


Tabela 2. Alguns dos muitos genes envolvidos na dependência
do álcool. A interação complexa de diversos traços genéticos em
combinação com outros fatores parece ser o determinante princi-
pal que conduz a um indivíduo se tornar viciado em comparação
com o outro. Os genes mais fortemente implicados no desenvol-
vimento ou proteção do alcoolismo são os envolvidos no metabo-
lismo do álcool – álcool desidrogenase e aldeído desidrogenase.
Em menor medida, genes que codificam para o ácido gama-ami-
nobutírico, neurotransmissor (Gaba) e seus receptores e subuni-
dades estão ligadas ao alcoolismo (adaptado da referência 69).

ALGUNS ALELOS LIGADOS AO ALCOOLISMO


GENES DO METABOLISMO DO ÁLCOOL – ALGUNS SÃO PROTETORES
ADH1B
ADH1B
ADH1A
ADH4
ADH1C
ADH5
ADH6
ADH17
ALDH2
GENES DE CODIFICAÇÃO PROTEICA
GABRA2
GABRG1
GABRA1
GABRG3
GABRR1
GABRR2
GABRR3

98 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Genes no metabolismo do álcool
Como indicado na Tabela 2, existe uma relação muito próxima en-
tre as variações de sequências genéticas, metabolismo do álcool
e alcoolismo. As duas principais enzimas envolvidas no metabo-
lismo do álcool são a álcool-desidrogenase (ADH) e o acetaldeído
desidrogenase (ALDH). O metabolismo do álcool é mostrado na
Figura 1.

Figura 1. Esquema simplificado do metabolismo do etanol. Etanol


é convertido para acetaldeído, utilizando a enzima álcool-desidro-
genase (ADH) em conjunto com uma coenzima, a nicotinamida
adenina dinucleotídeo (NAD+). O acetaldeído é oxidado a ácido
acético, com a ajuda da enzima acetaldeído de sidrogenase.

O primeiro passo é a conversão da molécula de álcool para o ace-


taldeído, por meio da utilização de álcool-desidrogenase (ADH) e
coenzima nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+). A seguir, o
metabolismo do acetaldeído ocorre com a sua conversão em ácido
acético, utilizando o gene controlador da enzima NAD+. Os genes
que desempenham um papel importante nesta sequência meta-
bólica têm profundo impacto sobre a proteção de um indivíduo ao
alcoolismo. A maioria das pessoas tem um alelo chamado ADH1B
que provoca uma conversão lenta de álcool para acetaldeído, mas
alguns grupos da população, tais como os asiáticos, bem como
muitos indivíduos, têm um alelo variante denominado ADH1B*2,
que aumenta a taxa de conversão e conduz a um aumento rápido
de acetaldeído – alelo variante muito comum em pessoas com as-
cendência da Ásia Oriental e nos povos do Oriente Médio 61-63.

O alelo ADH1B*2 também tem sido encontrado em menor per-


centagem de ancestrais de africanos e europeus, mas, como ocor-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 99


reu com as populações asiáticas, os indivíduos que têm a variação
genética mostraram um efeito protetor muito significativo contra
o desenvolvimento do alcoolismo 64. A presença do alelo só não
foi associada com uma menor quantidade de álcool consumido,
definido como o número máximo de bebidas consumidas duran-
te um período de 24 horas, mas também com uma diminuição
global no risco de desenvolver a dependência ao álcool .

A maioria das pessoas utilizam um tipo de ALDH chamada ALDH2


para metabolizar o acetaldeído a ácido acético de forma rápida e
eficiente. No entanto, em certas populações, como os asiáticos,
um alelo variante do acetaldeído desidrogenase normal (ALDH2),
do gene chamado ALDH2*2, é produzido, porém é apenas 8% tão
eficiente quanto ALDH2 na conversão de acetaldeído em ácido
acético. Na verdade, cerca de 50%-70% da população japonesa
tem essa variação genética, também encontrada em populações
europeias e africana , embora menos comum 63,65. Em um estudo
desenvolvido com homens chineses alcoolistas, apenas 12% tive-
ram o alelo ALDH2*2, enquanto 48% dos homens chineses não
alcoolistas tiveram a variante protetor66.

O acetaldeído é tóxico para os seres humanos, de modo que para


os indivíduos com os alelos ADH1B*2 e ALDH2*2 o efeito do con-
sumo de álcool é a produção de altos níveis séricos de acetaldeí-
do, que por sua vez produzem a “síndrome do flush”, na qual o
rosto fica hiperemiado e os sintomas desagradáveis ​​de náusea,
vômito, palpitações e cefaleia ocorrem 63. Estes sintomas servem
para proteger o indivíduo do alcoolismo, pois reforçam negativa-
mente o uso do álcool. Na verdade, um efeito semelhante é pro-
duzido com a droga antialcoolismo Antabuse ou Dissulfiram, que
produz rápida elevação de acetaldeído após o consumo de álcool.
Estas predisposições genéticas que protegem contra o alcoolismo
podem ser superadas por influências sociais para as pessoas com
um único alelo ALDH2*2 em seu genoma 62. No entanto, quando o
indivíduo tem dois alelos ALDH2*2, as chances de se tornar alcoo-
lista são praticamente zero, devido a graves sintomas sistêmicos
do acetaldeído não metabolizado.

100 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Embora os alelos ADH1B*2 e ALDH2*2 sejam as variantes gené-
ticas primárias encontradas para a proteção contra o alcoolismo,
outras variantes também desempenham um papel possivelmen-
te menor. A maioria destas variações genéticas ocorrem nos ge-
nes fechados, associados com o ADH e os genes ALDH, e acredita-
se que têm a função, principalmente, de alterar a expressão ativa
destes genes, em vez de um efeito direto independente. Alguns
dos genes relacionados a tal atividade são ADH4, ADH1C, ADH5,
ADH6 e ADH7. Curiosamente, contrariamente aos alelos ADH1B*2
e ALDH2, estas variações genéticas estão ligadas a uma predispo-
sição para o desenvolvimento da dependência ao álcool 67-69.

Genes que afetam o alcoolismo através da codificação de


proteínas
Embora alguns genes que afetam o metabolismo do álcool te-
nham efeito importante sobre o risco de desenvolver o alcoo-
lismo, outras variações genéticas que codificam as subunidades
de neurorreceptores que respondem ao neurotransmissor ácido
γ-aminobutírico (Gaba) também têm sido implicadas como tendo
um papel no risco de alcoolismo e outros vícios 70-74. A lista das
variantes do gene do Gaba que têm sido associadas com vícios
são listadas na Tabela 2. Parte da dificuldade em determinar se
uma variação genética é protetora ou coloca um indivíduo em
maior risco de dependência se confunde com a observação de
que os receptores do Gaba podem ser submetidos a mudanças
no paciente viciado – tanto molecularmente como em resposta
fisiológica.

Outros sistemas de neurotransmissores têm também sido impli-


cados na dependência, incluindo a dopamina, a serotonina e a
acetilcolina, mas o envolvimento é complexo e não é claro neste
momento. Por exemplo, sabe-se que a dopamina, que serve como
um neurotransmissor dentro do sistema límbico, é ativa no senti-
do de reforçar comportamentos viciantes, devido ao efeito sobre
os centros de prazer do cérebro. Em ratos, o comportamento de
busca é aumentado quando uma subunidade do receptor de ace-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 101


tilcolina nicotínico límbico está presente, mas o comportamento
de procura da droga está ausente quando uma variante genética
faz com que não haja subunidade no neurônio dopaminérgico.
Nos seres humanos uma variação de um receptor muscarínico
colinérgico, que está envolvido na memória e cognição, também
pode aumentar o risco de alcoolismo, bem como outras depen-
dências de drogas e desordens psiquiátricas 75-79.

Genômica na dependência de opiáceos e outros vícios a


drogas
Embora a evidência de uma ligação genética para o vício ao ál-
cool seja muito forte, não há evidências de forte predisposição
genética aos vícios de outras substâncias. Para opioides, como
acontece com o álcool, estudos com gêmeos têm sido realiza-
dos para fornecer evidências indiretas de uma ligação genética
para a dependência de narcóticos. A premissa de um estudo 80
foi baseada na observação de que alguns dos efeitos colaterais
dos narcóticos são desagradáveis​​. Os doentes que eram geneti-
camente semelhantes, tal como gêmeos, puderam ser previstos
em uma concordância semelhante nos seus efeitos secundários.
Além disso, os indivíduos que perceberam o efeito de um opiá-
ceo como uma experiência negativa podem também estar prote-
gidos contra o desenvolvimento de um vício, de maneira similar
ao álcool, para aqueles que têm os alelos ADH1B*2 e ALDH2. Os
resultados do estudo foram ligeiramente turvos, indicando que
não apenas existe hereditariedade significativa para os efeitos
colaterais, como depressão respiratória (30%), náusea (59%), sen-
sação desagradável a droga (36%), como também que os fatores
familiares desempenham um papel nos efeitos secundários de se-
dação (29%), prurido (38%) e sensação agradável à droga (26%).
As conclusões gerais dos autores 80 e editor 81 eram as de que a
genética afeta a resposta dos indivíduos aos opioides, mas que
o ambiente e os fatores demográficos também desempenharam
papel fundamental. Os fatores genéticos poderiam ser responsá-
veis ​​por até 50% dos efeitos colaterais como náuseas, e esse efeito
adverso pode muito bem ser protetor contra o desenvolvimento

102 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de uma dependência. Outros estudos também apoiam um papel
na predisposição genética para o desenvolvimento da dependên-
cia de drogas opioides 82,83. Os genes envolvidos em respostas a
opioides são mostrados na Tabela 3, apesar de a correlação dessas
variantes genéticas com uma predisposição para desenvolver de-
pendência do opioide não ser tão forte quanto a ligação genética
encontrada com o alcoolismo.

Tabela 3. Alguns dos genes que poderiam desempenhar um pa-


pel na dependência de opiáceos. Múltiplos fatores, incluindo a
demografia ambiental e interação com fatores genéticos, atuam
de forma obscura para produzir a predisposição para dependên-
cia de narcóticos.
GENES POSSIVELMENTE ENVOLVIDOS NA RESPOSTA A OPIÁCEOS
OPRM1 – FORTE ASSOCIAÇÃO – MODULAÇÃO DO RECEPTOR MU
UGT2B7
ABCB1 – GENE P-GLICOPROTEÍNA
HTR3B
COMT
POMC
OPRK1 – TAMBÉM ASSOCIADO COM A DEPENDÊNCIA AO ÁLCOOL –
MODULAÇÃO KAPPA

O gene OPRM1 acopla a proteína G no receptor opioide mu, que,


por sua vez, é o alvo principal de todos os opiáceos. Variações nes-
se gene parecem ser responsáveis, pelo menos em parte, pelas
variações individuais observadas na dependência de opiáceos
e capacidade de resposta 83. A importância do polimorfismo do
OPRM1 no que se refere à relação sinérgica de propofol utilizado
com o remifentanil para anestesia foi explorado em um grupo de
pacientes submetidos a sedação para endoscopia 84.

Os resultados foram importantes e os pacientes que tinham um


único polimorfismo de nucleotídeos (A118G) no gene de mu 1
(OPRM1) não foram capazes de mostrar resposta sinérgica ao re-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 103


mifentanil, quando adicionado a uma infusão de propofol. Apesar
da importância da modulação dos receptores mu em efeitos de
opioides, a modulação genética do receptor opioide kappa pode
também desempenhar papel importante na genética da respon-
sividade e dependência de opiáceos. Os receptores de opioides
kappa são encontrados no sistema límbico neuronal dopaminér-
gico e constituem os centros de reforço de prazer do cérebro.

Como indicado anteriormente, este sistema pode também estar


envolvido no risco de dependência do álcool. No entanto, a im-
portância deste sistema e do receptor kappa não é clara neste
momento e exige mais estudos para elucidar a sua importância.
Além disso, a dependência de cocaína e propofol pode muito
bem estar ligada às variações genéticas que afetam este sistema.

Visão geral genética


Com a evidência científica continuamente em evolução, a im-
portância da genética na predisposição de um indivíduo para o
abuso de substâncias não pode ser menosprezada. Obviamente,
os fatores não genéticos podem distorcer alguns desses estudos,
mas, em geral, a genética é considerada como tendo papel signi-
ficativo. Todo o estudo de fatores genéticos em vícios ainda está
no seu início, mas as pesquisas apontam para uma predisposição
genética definida para muitos indivíduos. Acredita-se que 50% da
predisposição de um indivíduo a tornar-se viciado em uma subs-
tância está baseado em fatores genéticos. No entanto, deve ser
salientado desde o início que a predisposição genética não é fator
causal direto para o desenvolvimento de dependência.

Simplificando, a genética por si só é importante modificador que


pode aumentar ou diminuir as chances de um indivíduo tornar-se
viciado. Genética não é um absoluto no que diz respeito ao saber
se certos genes vão proteger completamente ou causar a droga-
dição. Apesar dessa incerteza, à medida que mais informações
sobre a importância da genética na predisposição para o vício se
acumulam, maiores serão as pressões para realizar exames e veri-

104 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ficar os médicos que possivelmente podem estar predispostos ao
vício e redirecionar suas escolhas.

Figura 2. Existem fatores genéticos comuns, bem como fatores


genéticos específicos (SGF) que influenciam o vício de cada subs-
tância. Junto com os fatores genéticos, há alteração substancial
das influências genéticas por fatores ambientais e demográficos
(adaptado da referência 85).

Quando a nossa compreensão rudimentar da genética relaciona-


da ao vício começa a se solidificar, um modelo que parece fazer
sentido é mostrado na Figura 2, adaptado a partir de um artigo de
Edwards 85. Isto indica grosseiramente a esquematização da nossa
compreensão atual a respeito de como os genes desempenham
importante papel no desenvolvimento da dependência. Existem
grandes fatores genéticos comuns que predispõem para todos
os tipos de comportamentos de dependência, e os códigos ge-
néticos que fornecem essa predisposição generalizada parecem
existir perto dos alelos que também predispõem um indivíduo a
ser de risco.

As variáveis ​​genéticas secundárias trabalham em conjunto com o


principal variante genético para vícios específicos, como o álcool,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 105


opioides e nicotina. Os fatores genéticos específicos (SGF) ou afe-
tam o metabolismo da substância alvo ou afetam a forma como a
substância interage com o receptor final. Finalmente, deve ser en-
fatizado que, além da predisposição genética, outros fatores são
importantes no componente de qualquer pessoa, em particular
para o abuso de drogas e dependência química. Fatores genéticos
podem ter até 50% da predisposição causal, mas os outros 50%
são diretamente atribuíveis à capacidade de enfrentar e supor-
tar as muitas tensões encontradas no ambiente do indivíduo. No
caso do anestesiologista, esses fatores de estresse são comuns no
trabalho e na sala de operação moderna.

Fatores de estresse profissional – o ciclo vicioso


Há um ciclo vicioso na rotina do anestesista que tende a derru-
bar os mecanismos de enfrentamento e aumentar as chances de
o profissional fazer má utilização de uma substância a fim de lidar
com o estresse. O ciclo começa tipicamente com a fadiga física, o
que parece ser parte integrante da prática anestésica moderna. A
fadiga leva a erros médicos, que, por sua vez, por meio da autor-
recriminação e/ou um processo de imperícia, levam ao estresse e
aumento da fadiga emocional (ver Figura 3). Qualquer um desses
fatores pode levar um anestesista a procurar uma maneira de ali-
viar o estresse. Com a disponibilidade de drogas, um caminho que
é, infelizmente, selecionado, muitas vezes se torna abuso de dro-
gas, que por sua vez leva a uma espiral de vício. O papel de cada
um destes fatores será discutido individualmente.

Figura 3. Fadiga leva ao aumento do risco de cometer um erro


médico. Erros médicos levam a um estado de estresse elevado e
podem resultar em ações judiciais de negligência médica, que
também produzem alta tensão. Estresse provoca fadiga emo-
cional e predispõe para a realização de mais erros. Sem o apoio
adequado e mecanismos de enfrentamento no local para quebrar
este ciclo, a reação disfuncional do anestesiologista pode ser abu-
so de substâncias, neutralização ou suicídio.

106 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Fadiga
A fadiga, para o anestesiologista, pode ter origem física, mental
ou emocional. Não raro todas as três têm importante papel cau-
sador da síndrome de burnout. Embora o ciclo vicioso de fadiga,
erro médico, imperícia e estresse possa ser inserido em qualquer
ponto, a origem mais comum para este ciclo é a fadiga.

Na última década, o papel da fadiga na causa de erro humano du-


rante a prestação de cuidados de saúde tornou-se cada vez mais
reconhecida. Nos EUA, a preocupação de que os residentes mé-
dicos sobrecarregados de trabalho podem causar danos ao pa-
ciente grave e até mesmo a morte foi responsável pelo fato de o
Conselho de Acreditação de Pós-Graduação em Educação Médica
por em prática limitações rigorosas sobre as horas de trabalho dos
residentes em 2003. Desde este ano, as normas para as horas de
serviço foram refinadas e elementos-chave, a partir de julho de
2011, são apresentados na Tabela 4 86.

Apesar de os cortes das horas de trabalho de residentes estarem


sendo postos em prática, o mesmo não ocorre para os anestesio-
logistas experientes. A falta de regras de trabalho para o aneste-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 107


siologista torna-se ainda mais preocupante quando vista no con-
texto dos maiores números de anestesiologistas mais antigos que
continuam a praticar ativamente. Uma excelente revisão da fadiga
em pontos de anestesia para o risco de fadiga na especialidade de
anestesiologia é baseada não só na falta de sono, mas também na
perturbação do ritmo circadiano, quando há mudanças de turno
de trabalho entre o dia e a noite 87.

Tabela 4. Elementos do Conselho de Acreditação de Pós-Gra-


duação em Educação Médica. Restrições sobre médicos re-
sidentes versus horas de serviço. Regras adicionais fornecem
modificações dessas regras com base em ano de residência.
Efetivo: 1 de julho de 2011 (adaptado: http://www.acgme.org/
acgmeweb/tabid/271/GraduateMedicalEducation/DutyHours.
aspx).

ACGME - NORMAS DE TRABALHO DOS RESIDENTES


1) NÚMERO MÁXIMO DE HORAS DE TRABALHO POR SEMANA – 80 HORAS
POR 4 SEMANAS
2) HORAS DE PLANTÃO – CONTAGEM DE ATÉ 80 HORAS
3) PELO MENOS UM DIA LIVRE NA SEMANA
4) MÁXIMO PERÍODO DE FUNCIONAMENTO NÃO DEVE EXCEDER 16 HORAS
NO PRIMEIRO ANO
5) MÁXIMO PERÍODO DE SERVIÇO É DE 24 HORAS NO SEGUNDO ANO OU
ACIMA
6) MÍNIMO DE 8 HORAS LIVRES ENTRE UM TURNO E OUTRO
7) SOBREAVISO NÃO MAIS FREQUENTE QUE CADA TRÊS NOITES

Fadiga e falta de sono


A documentação do efeito adverso que a falta de sono tem
sobre o desempenho é reconhecida tanto na área da saúde 88-90
como na literatura industrial 91,92. As principais preocupações que
cercam o efeito da fadiga no desempenho são as que apresentam
deficiência de vigilância e tempo de reação, ambas fundamentais
para a prestação de cuidados de anestesia segura 93,94. Apesar

108 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


da anestesia segura exigir agilidade contínua e atenção com a
capacidade de reagir rapidamente em caso de problemas, a fadiga
prejudica não só o tempo de reação, mas também a capacidade
de manter uma atitude de alerta95,96.

Embora o ambiente da sala de operação seja normalmente cal-


mo e os pacientes geralmente estáveis, isso funciona contra o
anestesiologista cansado, permitindo o desenvolvimento de falsa
sensação de segurança e diminuição do estado de alerta. Quan-
do surge um problema, a fadiga atrapalha o reconhecimento de
sua existência e diminui as respostas necessárias para corrigi-lo.
Quando os anestesiologistas tiveram privação do sono e foram
comparados com anestesistas descansados durante um simula-
dor de atendimento ao paciente por mais de 4 horas, houve re-
duções marcantes no desempenho psicomotor, humor e nível de
alerta nos médicos privados do sono 97.

Um estudo comparou o desempenho neurocomportamental em


grupos de residentes após uma noite de grande carga de traba-
lho no plantão, depois de uma noite de tranquila carga de traba-
lho no plantão, e após a ingestão de álcool 98. Os resultados não
foram surpreendentes: uma noite pesada de plantão produziu o
mesmo comprometimento no desempenho como se um nível de
0,05% de álcool no sangue. Da mesma forma, outros encontraram
o mesmo nível de álcool no sangue (0,05%), equivalente a 17 ho-
ras sem dormir para medições de desempenho. Se a privação de
sono for alargada para 24 horas, a lesão é equivalente a um nível
de 0,1% de álcool no sangue 99. Apesar do desempenho ficar signi-
ficativamente comprometido a partir da descoberta de um nível
de álcool no sangue equivalente aos encontrados nestes estudos,
nenhuma preocupação semelhante foi tomada em relação à pro-
teção do paciente e do atendimento prestado por um profissional
que vem trabalhando continuamente por mais de 24 horas.

Para o anestesiologista mais velho, o desafio de privação de sono


e fadiga em seu desempenho clínico pode ser agravado. Um estu-
do de anestesiologistas com mais de 65 anos, sobre a incidência
de ações judiciais de negligência, indica que o anestesista mais

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 109


velho tem maior risco de ser processado 100​​. Os fatores causais
não foram elucidados, mas houve a sugestão de que algum dos
mesmos detrimentos de desempenho que ocorrem com a fadiga
pode também desempenhar um papel no processo de envelheci-
mento. Para agravar, o prejuízo adicional de fadiga pode ser causa
de crescente preocupação para o anestesiologista idoso. Na ver-
dade, o estresse autorreconhecido de ser obrigado a participar de
plantões foi fator primordial para muitos anestesiologistas idosos
decidirem se aposentar 101,102.

Da fadiga e do ritmo circadiano


A fadiga não é causada apenas por falta de sono, mas também por
interrupção do ciclo sono/vigília, ou ciclo circadiano normal. Uma
vez que a maioria dos anestesistas trabalha durante a noite, a per-
turbação do ritmo circadiano é quase normal. O ritmo circadiano
é um ciclo interno modulado pelo núcleo supraquiasmático do
hipotálamo, que por sua vez é diretamente afetado pela secreção
de melatonina pela glândula pineal. Secreção de melatonina é es-
timulada pela luz e pela falta de escuridão, que é como a sincroni-
zação entre o ritmo circadiano e o ciclo de dia/noite ocorre.

O sistema circadiano mantém processos bioquímicos, fisioló-


gicos e comportamentais do corpo em um ciclo de cerca de 24
horas. Tais parâmetros, como a temperatura do corpo e alteração
da pressão arterial durante um período de 24 horas, têm base no
ciclo circadiano. Em indivíduos com um ciclo normal de vigília-
sono do ritmo circadiano, o corpo pode se antecipar hormonal e
fisiologicamente a mudanças ambientais regulares. No entanto, a
alteração do calendário do ciclo vigília-sono em face de um ritmo
circadiano estabelecido, o que ocorre com os anestesiologistas
quando periodicamente realizam deveres de plantão noturno,
pode ser prejudicial para a função normal do corpo e a capaci-
dade de prestar o melhor atendimento ao paciente. A razão pela
qual a interrupção do ciclo circadiano é importante é o desenvol-
vimento de fadiga ao médico anestesista, pois quando o ciclo é
normalmente mais baixo, entre 2h e 4h, a vigilância e o desempe-
nho também são mais baixos 103.

110 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


A sonolência, também regida pelo ritmo circadiano, está em seu
pico durante a noite, entre 1h-7h da manhã e no início da tarde.
O ciclo pode ser a causa da diminuição observada na capacida-
de de os médicos de emergência intubarem rápida e eficazmente
os doentes durante a noite, em comparação com o dia 104,105. Da
mesma forma, a colocação de cateter peridural por anestesiolo-
gistas resultou em mais perfuração da dura-máter durante a noite,
principalmente depois da meia-noite, se comparada com o dia106.
Por isso, os médicos de mudança do turno diurno para o noturno
encontram uma forma de “jetlag”, que pode ter efeitos adversos
significativos sobre o seu desempenho psicofisiológico, com par-
ticular ênfase para o estado de alerta e vigilância.

No que diz respeito ao abuso de substâncias por anestesistas, o


ciclo circadiano parece ter um envolvimento significativo. Duran-
te certas porções do ciclo circadiano, a busca de álcool e drogas
aumenta. Não só o consumo de álcool é modulado pela hora do
dia com base no ritmo circadiano 107 como também é aumenta-
do em indivíduos cujo ritmo circadiano tem sido perturbado por
trabalho de turnos diversos ou de fuso horário após viagens 108,109.
Ao mesmo tempo que o álcool e outras drogas é modulado pelo
ciclo circadiano, as drogas também têm efeito direto sobre o ciclo
circadiano normal ao suprimir os níveis de corticosterona no plas-
ma, por meio da interrupção da função do eixo hipotálamo-hipófise.
Acredita-se que o efeito do álcool e das drogas sobre este eixo
possa ser mediado pelos chamados “genes relógio” que regulam
o ciclo circadiano 110,111.

Os “genes relógio” também podem ser críticos para controlar a


propensão a consumir álcool para aliviar o estressa112,113. Da mes-
ma forma, os opioides e a cocaína também têm efeitos diretos
sobre o alívio do estresse 114-117. Assim, as respostas de estresses
normais, que são exagerados durante certos períodos do ciclo
circadiano ou quando o ciclo é interrompido, são aliviados em
parte por meio do uso de drogas e álcool. A redução do estresse
associado com abuso de substância serve como um reforço posi-
tivo que estimula ainda mais droga, comportamento de busca e
atrapalha ainda mais o ritmo circadiano normal. Para o anestesio-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 111


logista cansado que tem um ciclo circadiano interrompido devido
à mudança de dia/noite e que encontra estressores adicionais, du-
rante a prestação de cuidados clínicos de anestesia, voltar-se para
o abuso de substâncias pode ser o mecanismo inadequado para
aliviar o estresse.

Fadiga e erros médicos


A associação entre a fadiga em anestesiologistas e as chances de
que cometam um erro de julgamento ou prática é firmemente es-
tabelecida em cerca de 50% dos anestesiologistas pesquisados,​​
admitindo que eram responsáveis ​​por cometer um erro médico
se estivessem cansados 118-121. O reconhecimento do alto risco de
cometer um erro levou as sociedades nacionais em todo o mundo
a fazer recomendações específicas para formas de reduzir o traba-
lho excessivo gerador de fadiga e consequente dano ao paciente.

Os EUA 122, a Austrália e a Nova Zelândia 20, o Canadá 18, bem como
a Grã-Bretanha e Irlanda 123, foram os líderes tanto em reconhecer
o problema como em tentar lidar com o mesmo. No entanto, des-
de a implementação de mecanismos para evitar a fadiga, as me-
didas são tomadas em um nível local e a aderência das recomen-
dações tem sido variável. A preocupação com os danos potenciais
aos pacientes levou a Fundação de Segurança do Paciente em
Anestesia a dedicar um boletim inteiro para diferentes aspectos
deste problema 124.

De particular interesse é a fadiga em programas de residência, vez


que mesmo com a redução de horas de trabalho a privação do
sono é comum em muitos estágios 125. Não só há uma perda da
função cognitiva com a perda de sono durante um único período
de 24 horas, mas também um efeito cumulativo com a privação
de sono 126-128. Representando grande preocupação para os anes-
tesiologistas, uma das deficiências mais importantes que acom-
panham a fadiga da perda de sono foi a de vigilância. A perda de
vigilância em anestesia traduz-se em erros médicos e danos po-
tenciais ao paciente. Em um estudo com 380 médicos residentes,

112 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


houve associação direta entre o reconhecimento de que existiu a
fadiga e a ocorrência de grandes erros médicos 89. Além disso, o
mesmo estudo constatou que o reconhecimento de um residen-
te com relação ao sofrimento emocional foi fator independente
associado com a ocorrência de erro médico. O estresse emocio-
nal é comum quando um residente comete um erro médico 129
e, portanto, um ciclo vicioso interno é gerado, no qual um erro
cometido por causa de fadiga leva ao sofrimento, o que aumenta
as chances de que outro erro será feito. O resultado final é um alto
nível de estresse e depressão – que pode levar à dependência de
drogas ou ao suicídio para alívio do sofrimento.

Fadiga e burnout
O conceito de burnout, originalmente usado para descrever os
usuários de drogas que haviam atingido o fundo do seu vício, foi
expandido para incluir as pessoas que trabalham e que responde-
ram negativamente ao trabalho crônico pleno de tensões emo-
cionais e interpessoais 130,131. As três dimensões principais que
definem o burnout são exaustão, cinismo e ineficácia profissional.
O elemento-chave que leva ao esgotamento, considerado como
o mais importante, é um estado de exaustão que ocorre nos ní-
veis físico, emocional e mental 132. É a combinação de carga de
trabalho e exigências emocionais no trabalho, que servem como
geradores de estresse e que levam à burnout 131.

Estes mesmos fatores de estresse também têm sido associados


a várias formas de abuso de drogas e dependência química. As
populações mais jovens, abaixo de 30 anos de idade, parecem es-
tar em maior risco de esgotamento em relação aos trabalhadores
mais idosos 131. Portanto, não é surpreendente encontrar uma alta
taxa de burnout e ideação suicida na população de estudantes de
medicina altamente estressados 133.

Entre os profissionais de anestesia, são os estagiários, residentes


e anestesiologistas recém-formados os mais suscetíveis à burnout
e a voltarem para as drogas como um mecanismo de enfrenta-
mento. Esta descoberta foi comprovada por pesquisa concluída

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 113


em 1.508 residentes de anestesiologia nos EUA 134. Quarenta e um
por cento dos formandos em anestesia foram considerados com
alto risco de burnout. Além disso, os fatores que pareciam estar
mais estreitamente relacionados com o risco de burnout foram ser
do sexo feminino, trabalhar mais de 70 horas por semana e beber
mais de cinco doses de bebida alcoólica por semana. De grande
preocupação para a segurança do paciente foi a constatação de
que 33%, com altas pontuações de burnout, também admitiram
vários erros em prescrever medicações, em oposição aos forman-
dos com baixa pontuação de burnout que tinham apenas uma
taxa de erro de medicação (0,7%) 134. O risco de um erro médico
por nossos colegas cirurgiões também é maior quando estão em
estado de exaustão 135, fazendo com que um erro médico – por
si só – provoque estresse significativo e fadiga, que em seguida
pode predispor a mais erros médicos. A comparação dos estagiá-
rios que tiveram melhores resultados ao dar anestesia, em relação
às normas de cuidados em anestesia, mostrou significativa corre-
lação inversa entre os formandos em anestesia, com altos escores
de burnout e suas pontuações (ver Figura 4).

114 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Figura 4. Residentes em anestesiologia que tinham as maiores
pontuações de burnout também tiveram as notas mais baixas
(adaptada das referências 134 e 138).

Apesar de alguma proteção contra o burnout com a idade, todos


os médicos parecem estar em risco 136, com uma estimativa
de que 35% mostram sinais de esgotamento 137. Um grupo de
anestesiologistas mais velhos, que parece estar em risco especial
para o cansaço, são os médicos chefes acadêmicos. Em pesquisa
com 93 destes profissionais, apenas 32% relataram elevada
satisfação no trabalho, enquanto 28% preencheram os critérios
para burnout e outros 31% estavam com nível moderado 138.

Vinte e oito por cento também relataram estar pensando em


deixar o cargo no ano seguinte ou em dois anos. Tais resultados
indicam uma crise na liderança em anestesiologia. A saúde da
profissão depende de encontrar uma maneira de ajudar todos os
anestesiologistas a lidarem com as condições de trabalho cada
vez mais difíceis. Certamente, abordagens alternativas, constru-
tivas, para lidar emocionalmente com o estresse do trabalho de-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 115


vam ser encontradas para evitar que os nossos colegas entrem no
grupo de abuso de drogas e suicídio 139.

Erros médicos
Quando um novo médico faz o juramento de Hipócrates, fica claro
que sua principal preocupação ao cuidar de um paciente será a de
não fazer nenhum mal: ”Por Apolo, o médico (...) Eu vou manter
esse juramento. Eu vou seguir aquele sistema de regime que, de
acordo com a minha capacidade e julgamento, considero para o
benefício de meus pacientes, abstendo-me de tudo o que é noci-
vo e malicioso”.

Como médicos, o conceito de não fazer mal evoluiu para um nível


de autoimposição de perfeccionismo que não tolera erros. Claro
que “errar é humano”, mas assumindo o estado de perfeccionismo,
livre de erros, um médico adota uma filosofia fadada ao fracas-
so. Esforçar-se para o perfeccionismo é um objetivo nobre e que
os pacientes esperam. Alcançar o perfeccionismo é praticamente
impossível, apesar desta expectativa. A prestação de cuidados em
anestesia, por sua própria natureza, é baseada em uma combina-
ção de arte e ciência. A grande variabilidade clínica na resposta de
um paciente a uma droga, ou intervenção, nem sempre pode ser
prevista e há um momento na carreira de cada anestesista no qual
uma previsão incorreta será feita e o dano ao paciente irá ocorrer.
Para o médico, que só quer o melhor para seu paciente, cometer
esse erro é um dos maiores fatores de estresse que encontrará na
vida. O estresse é agravado se o anestesiologista percebe que o erro
resultou de própria culpa, devido ao cansaço ou por ter esquecido
uma parte óbvia de informações. Quando isso ocorre, o médico tem
de enfrentar a realidade de que não é perfeito, o que compromete
sua autoimagem de imunidade e pode ser devastador para sua au-
toconfiança. Na verdade, o médico com mais autocrítica pode estar
em risco particularmente elevado de cometer um erro 140.

A perda da autoimagem pode destruir a própria base do médico,


e até mesmo levá-lo a abandonar o tratamento clínico. Portanto,

116 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


não é surpreendente que esta situação tem sido rotulada como a
síndrome da “segunda vítima” 141. A vítima principal é o sofrimen-
to do paciente, mas este sofrimento é também transmitido ao
médico. Na tentativa de lidar com o próprio sofrimento e culpa,
o médico pode muito bem se render ao uso de álcool ou outras
substâncias e, eventualmente, até mesmo ao suicídio. Na verdade,
o abuso de drogas e alcoolismo em circunstâncias de maior es-
tresse ou depressão, após a ocorrência de um erro médico, pode
muito bem ser a causa principal no aumento da taxa de suicídio
nos médicos – e especificamente em anestesistas 142.

Muitas vezes, o médico que ruma para o abuso de drogas e suicí-


dio toma essa atitude se não encontra outro caminho à frente e
nem ajuda para lidar com o erro. Ter empatia e compreensão com
os colegas, discutir o erro de forma não acusatória e profissional,
são de grande valia para fazer com que o médico consiga lidar
com o problema. A intervenção dos colegas é especialmente útil
se as discussões estão centradas sobre as formas de aprender com
os erros, e como evitar erros semelhantes no futuro 140.

Ao tomar medidas positivas para atacar o erro, a autoacusação e


recriminação podem ser silenciadas. No entanto, apesar das reco-
mendações para uma intervenção imediata após uma catástrofe
intra-operatória 143, há poucas evidências científicas que susten-
tam a necessidade de tal medida 144,145. A falta de evidência do be-
nefício a longo prazo de um interrogatório precoce deve impedir
tal orientação, vez que não permite a ventilação da ansiedade, a
raiva e a preocupação de que poderia ser potencialmente incapa-
citante 146.

Tão importante quanto ter discussões abertas com os colegas é


ter uma conversa cara a cara com o paciente prejudicado ou sua
família. Talvez, no âmbito emocional, uma conversa com o pacien-
te ou sua família seja um dos momentos mais difíceis que um mé-
dico pode suportar. Os médicos, muitas vezes, sentem que expor
o seu erro não só diminui sua imagem aos olhos do paciente, mas
também aumenta o risco de um processo por imperícia. Muito

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 117


pelo contrário! Um processo por imperícia é bem mais provável
quando o médico evita o paciente e a família, pois será visto como
distante e indiferente. Além de admitir abertamente o erro, tan-
to para ele como para o paciente, o médico realiza uma proteção
contra a culpa, que é difícil de se atingir. Sem a absolvição aberta e
a aceitação interior de ter cometido um erro, os médicos sensíveis
e reflexivos podem encontrar formas disfuncionais de lidar com
sua culpa, como o abuso de drogas e o suicídio 141.

As consequências emocionais em um médico, ao cometer um


erro, podem ser duradouras e profundas. Evidências da ligação
entre a ocorrência de um erro médico e o desenvolvimento de
repercussões emocionais e profissionais para anestesiologistas fo-
ram relatadas em uma pesquisa com 300 anestesistas na Inglater-
ra, depois de experimentar uma morte no intraoperatório 147. Dos
251 anestesiologistas que responderam, cerca de 92% já haviam
experimentado uma morte intraoperatória. Embora a maioria
dessas mortes fossem esperadas e não evitáveis, muitos dos anes-
tesiologistas ainda sentiam altos níveis de estresse. Apesar da ten-
são logo após o ocorrido, continuaram o turno e a dar anestesia
para outros pacientes. Na continuação do trabalho, mais de 10%
tiveram a sensação de que suas habilidades profissionais foram
comprometidas pela experiência. Além disso, cerca de 35% indi-
caram um sentimento de responsabilidade pessoal para a morte.

A pesquisa revelou que 71% dos anestesiologistas acharam pru-


dente cessar a prestação de cuidados a outros pacientes por 24
horas após uma morte intraoperatória – mas, na realidade, menos
de 25% conseguiram. A conclusão do estudo foi a de que a perda
de um paciente no intraoperatório, esperada ou não, foi um even-
to altamente estressante para muitos anestesiologistas e atenção
deve ser dada à prestação de apoio psicológico e descontinuação
de seu trabalho 147. Outra pesquisa com 1.600 anestesiologistas
britânicos e irlandeses 148 encontrou resultados semelhantes: 40%
dos anestesiologistas que tiveram uma catástrofe intraoperatória
possuíam um senso de responsabilidade pessoal, o que foi agra-
vado se um erro de julgamento possivelmente possa ter contri-

118 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


buído para a catástrofe; 24% sentiram que o tempo de recupera-
ção levou dias, mas, motivo de maior preocupação, cerca de 7%
tiveram sentimentos de culpa por vários anos e 1% abandonou a
especialidade de anestesiologia.

A pesquisa mais recente sobre o impacto de catástrofes periope-


ratórias em anestesiologistas nos EUA fornece evidência adicional
de longo prazo e impacto emocional profundo que um evento
adverso pode produzir 149: a American Society of Anesthesiologis-
ts (ASA) enviou, para 1.200 membros escolhidos ao acaso, um in-
quérito que teve taxa de resposta de 56%. Dos respondentes, 84%
estiveram envolvidos em pelo menos uma catástrofe intraopera-
tória, geralmente uma morte inesperada ou ferimentos graves.
Mais de 70% reviveram o acontecimento com os sentimentos de
culpa e ansiedade (ver Figura 5).

Figura 5. Percentagem de anestesiologistas que mostram


impacto emocional após uma catástrofe intraoperatória (figura
adaptada da referência 149).

Em menor grau, o estresse de ter uma experiência adversa levou


à depressão, insônia e medo de possível processo. Fato de grande
preocupação é que mais de 10% dos participantes consideraram

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 119


mudar de carreira e 5% foram para o lado do abuso de substância,
como ajuda para lidar com o problema. As conclusões são dramá-
ticas. A ocorrência de significativo evento adverso no intraopera-
tório leva a um efeito devastador sobre o anestesista. No entanto,
não apenas existe um impacto imediato de experimentar uma
catástrofe intraoperatória, haja vista que para muitos anestesiolo-
gistas a marca emocional é de longa duração 149,150.

O tempo necessário mais indicado para a recuperação emocional,


nesta pesquisa, foi de uma semana, embora cerca de 12% tenham
declarado não ter sido de todo modo afetados (ver Figura 6). Na
outra extremidade da escala, 19% dos participantes indicaram
que nunca se recuperaram totalmente. Colocando em perspec-
tiva, um em cada cinco anestesiologistas que experimentaram
um episódio adverso continuou a remoer o estresse e a culpa as-
sociada com aquela catástrofe por um período bastante prolon-
gado. Quando outros estressores são adicionados ao estresse já
preexistente, sem adequados mecanismos de enfrentamento, o
abuso de drogas pode ser visto como uma medida para lidar com
a turbulência emocional.

O reconhecimento pela Associação de Anestesistas da Grã-Breta-


nha e Irlanda deste problema profundo levou a uma importan-
te monografia que está sendo desenvolvida a respeito de como
grandes catástrofes na prática da anestesia devem ser tratadas 151.
Recomendações sobre a melhor forma de lidar com um significa-
tivo evento adverso intraoperatório são detalhadas consideran-
do-se o grande impacto que um evento como esse tem sobre o
estado emocional do anestesista.

120 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Figura 6. O tempo que demorou para conseguir a recuperação
emocional depois de ter experimentado uma catástrofe intraope-
ratória (figura adaptada da referência 149).

   

É evidente, a partir do estudo de Gazoni 149, que 5% dos anestesio-


logistas incorreram no abuso de substâncias como uma maneira
de lidar com um desastre médico. Com base nestes resultados, al-
gumas recomendações foram sugeridas para ajudar o anestesista
a lidar com isso 152.

Em primeiro lugar, uma avaliação séria deve ser realizada por gru-
pos de anestesiologia – e organizações de cuidados de saúde –
sobre como lidar com a programação operacional da assistência
ao médico imediatamente após este ter experimentado uma ca-
tástrofe intraoperatória. Devido ao abalo emocional e distração
produzida por um evento do tipo, o profissional deve fazer uma
pausa que pode ajudar a evitar uma “terceira vítima” resultante
dessas circunstâncias infelizes. A “terceira vítima” pode ser o pró-
ximo paciente do anestesiologista, que neste momento se apre-
senta distraído e estressado.

Em segundo lugar, os grupos de anestesia e organizações de saú-


de precisam ser pró-ativos na criação de um sistema de apoio
para o anestesiologista, bem como fornecer apoio no âmbito de
saúde mental para evitar que o praticante se volte para os meca-
nismos disfuncionais intentando lidar com a perturbação emocio-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 121


nal. Em terceiro lugar, como parte de um programa de bem-es-
tar, o departamento de anestesia e organização de saúde precisa
acompanhar o estado mental de cada profissional, pois o com-
prometimento psicológico e o abuso de drogas são dois resulta-
dos duradouros significativos de um evento adverso. Parte deste
programa de monitoramento a longo prazo deve ser a oferta de
programas educacionais voltados para os métodos de como lidar
com o estresse. Finalmente, uma avaliação formal da eficácia e do
impacto sobre o profissional deve ser feita, com dicas e recomen-
dações sobre a forma crítica que o incidente deve ser encarado.
No momento, há indícios de que tais atividades podem ser úteis,
mas falta comprovação científica 152.

Devido ao impacto a longo prazo de um erro médico ou catás-


trofe intraoperatória no anestesista típico, pode-se esperar certa
hesitação para que relate um evento como esse. Um estudo des-
cobriu que havia barreiras na atitude e no caráter emocional para
relatar um evento adverso 153. Quando apresentado um cenário de
paciente com reação anafilática, por exemplo, devido a um erro
do anestesista, há mais barreiras em relatar o incidente se compa-
rado com a reação anafilática quando não há culpa sentida pelo
profissional.

As principais barreiras nos estudos eram o receio de “se meter em


encrencas”, a ação disciplinar, sendo responsabilizado por colegase
não querendo que o caso seja discutido em reuniões 153. O aumento
da reticência em relatar uma catástrofe intraoperatória pode causar
ao anestesiologista um isolamento, tornando-o ainda mais intro-
vertido e culpado. A ausência de mecanismos de enfrentamento
e uma resposta disfuncional pode ser o resultado. A maioria dos
anestesiologistas gostaria de fazer parte da divulgação do erro mé-
dico e envolver-se mais na equipe, porém esse tipo de sistema é
raro 154. De fato, evidências indicam que, mesmo quando um médi-
co incompetente é reconhecido na prática, outros médicos relutam
em relatar as suas preocupações às autoridades 155.

A situação de um anestesiologista em admitir um erro de julga-


mento ou habilidade a um paciente ou a família deste parece ser a

122 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


forma mais ativa de lidar com tal situação. Este treinamento deve
ser incorporado em cada programa de residência médica. Adicio-
nalmente, com o intuito de prevenir o abuso de substâncias ou o
suicídio como um modo de lidar com a culpa e ansiedade, a edu-
cação sobre como lidar com os erros médicos deve fazer parte de
todo programa de treinamento. Cada instituição deve possuir um
sistema de apoio no local, para ajudar o profissional nestes tem-
pos difíceis.

Processos médicos
O processo de negligência é um resultado infeliz e emocional-
mente desgastante para um profissional envolvido com um erro
médico, levando dano ao paciente 156. Não é apenas o sentimento
de superar a culpa de ter cometido algum erro, ou ter tido um
resultado adverso, mas o estresse de lidar com um processo de
acusação. Uma resposta típica, vista em mais de 95% dos médicos
que recebem a notificação de um processo de negligência pen-
dente, é o sofrimento emocional grave que se intensifica à medi-
da que o processo avança 157. De fato, a sensação inicial de raiva e
pavor é equivalente a qualquer grande evento negativo de vida,
como a perda de um cônjuge ou de um emprego 158.

A tensão é amplificada por respostas psicológicas secundárias, tais


como insônia, depressão, sentimentos de insegurança, sentimen-
to de inadequação, intensificação dos sintomas físicos de doen-
ças já existentes, desenvolvimento de novas doenças e o abuso
de álcool ou outras substâncias para redução da tensão. Sem um
sistema psicologicamente favorável de lidar, o profissional utiliza
a família, amigos e colegas de trabalho para tentar aliviar estes
sentimentos. É, portanto, compreensível que as tensões possam
muito bem acabar em vício e/ou suicídio 159.

Infelizmente, os anestesiologistas parecem estar particularmente


em risco para estes resultados psicológicos adversos, provavel-
mente devido às suas personalidades. Na verdade, anestesiologis-
tas envolvidos em processos médicos têm sido apontados como

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 123


estando em maior risco de suicídio do que outras especialidades
médicas. Em um estudo, cerca de 2,2% cometeram ou tentaram
cometer o suicídio 160. Quando comparados a outros médicos,
anestesiologistas não são processados ​​mais frequentemente 161.
De fato, as descobertas indicam que, numa base anual de especia-
lidades, enquanto 7,4% de todos os médicos tinham um processo
por imperícia e 1,6% necessitou fazer um pagamento de indeniza-
ção, os anestesiologistas detinham menos processos e pagamen-
tos menos frequentes. No montante médio pago em processos de
negligência, o dos anestesistas foi pouco menos de US$ 100 mil
e o de outras especialidades, pouco menos de US$ 300 mil 161. As-
sim, o maior risco de suicídio e abuso de substâncias não pode ser
atribuído a uma maior taxa de processos judiciais ou pagamentos
mais altos.

Os anestesiologistas idosos constituem um subgrupo especial


para o risco de processos. Em uma pesquisa com anestesiologis-
tas de várias idades, os com mais de 60 anos geralmente tinham
semanas de trabalho mais curtas do que seus colegas mais jovens,
embora 5% deles continuassem a trabalhar de 70 a 79 horas por
semana. Não houve diferença estatisticamente significativa nas
horas trabalhadas entre homens e mulheres. Além disso, os anes-
tesiologistas mais velhos pareciam prestar atendimento a casos
menos complexos 101. Portanto, com menos quantidade e com-
plexidade nos casos pode-se esperar que o número de processos
diminuiria para o anestesiologista mais velho. Mas os resultados
expressaram o oposto, como revela um estudo no Canadá 100 que
demonstrou existir uma correlação entre o anestesista com idade
superior a 65 anos e a ocorrência de processos em tribunal. Tanto
o risco de um processo de negligência quanto a maior gravidade
da lesão ao paciente foram os achados nos cuidados prestados
por um anestesista mais velho. Apesar desses resultados, a maio-
ria dos processos por erro médico contra anestesiologistas é in-
fundada 162,163.

124 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Figura 7. A relação entre os processos legais a cada ano, entre
1993-2002, e as faixas etárias dos anestesiologistas. Os anestesio-
logistas com mais de 65 anos tiveram maior propensão, em segui-
da, seus colegas mais jovens (figura adaptada da referência100).

Para os anestesiologistas mais velhos (ver Figura 7), o aumento do


número de ações judiciais pode apontar para mais erros que es-
tão sendo cometidos. Não é possível estabelecer as causas exatas
desta diferença. Fadiga e disfunção cognitiva podem ser as cau-
sas, mas até que isso seja provado a corrida para “aposentar” anes-
tesiologistas mais velhos é prematura164. No entanto, é preciso
reconhecer que os anestesiologistas mais velhos também estão
em risco de suicídio e abuso de substâncias quando enfrentam
processos, e, como seus colegas mais jovens, precisam de siste-
mas de apoio no local para ajudá-los a lidar com as tensões mais
frequentes de um processo.

Fatores que facilitam o consumo de drogas


Ao avaliar as drogas de escolha que os anestesiologistas fazem
uso (ver Tabela 1), é evidente que são facilmente obtidas na prá-
tica da anestesia e mais frequentes que as drogas de rua ilegais.
Além disso, novas drogas são introduzidas anualmente na prática
anestésica, e também incluídas na lista de drogas de abuso. Um
caso em questão é o propofol, que tem se tornado uma droga
abusada por anestesistas 165-167. Há muito se suspeita que o fator
principal relacionado ao abuso de drogas por anestesiologistas

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 125


é sua fácil acessibilidade na prática diária normal 168,169. Portanto,
não seria inesperado que a droga encontrada é comumente usa-
da por anestesistas em suas práticas diárias. Em alguns programas
de residência, décadas atrás, o uso pessoal do agente anestésico
foi incentivado como uma maneira de entender melhor “o que o
paciente apresentou”. Obviamente, com o conhecimento atual
dos efeitos de dependência, tais práticas são inaceitáveis.

Existem essencialmente dois métodos para evitar que uma medi-


cação de uso diário se torne um fator de dependência em aneste-
siologistas: 1) o rígido controle na liberação de medicamentos; 2)
o teste de drogas de toda a equipe. Não são infalíveis, mas cada
um pode ter certas vantagens. No que diz respeito ao controle de
distribuição de droga, já existem sistemas automatizados 170, tais
como o estojo “Med-station”, que dispensam uma droga só após o
praticante inserir uma senha individualizada. Também requer um
segundo médico para digitar sua senha pessoal, visando compro-
var o testemunho da eliminação da droga não utilizada no final
de um caso. A revisão da utilização de drogas comparada com os
registros de anestesia irá transformar quaisquer discrepâncias que
precisem ser investigadas 171.

Um método alternativo é a assinatura de um profissional específi-


co a cada vez que uma substância viciante for utilizada, e devolvida
à farmácia, se não usada. As comparações entre o documentado
na ficha de anestesia e a quantidade de fármaco libertado indica-
riam discrepâncias que poderiam apontar uso e abuso de subs-
tâncias 172-176. No entanto, com qualquer sistema desta natureza, o
viciado pode efetivamente esconder a quantidade de drogas que
desviou. Uma das formas mais insidiosas de desviar drogas para
uso pessoal é por substituição de uma solução não anestésica, tal
como soro fisiológico. O paciente, portanto, não recebe a droga
documentada e deve sofrer as consequências, que podem incluir
a consciência transoperatória ou dor pós-operatória 177. A menos
traumática para o paciente é a indicação de que mais de uma dro-
ga está sendo usada para um determinado doente do que real-

126 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


mente informado, mas esses padrões relativamente maiores de
uso de drogas podem ser descobertos se bem investigados 178.

A outra abordagem proposta para diminuir o abuso de substân-


cias entre anestesistas é o teste de drogas. Apesar de muitas in-
dústrias usarem rotineiramente este teste para os empregados,
uma ideia semelhante de teste de drogas para médicos em alto
risco de abuso não tem sido aceita 179. Devido a questões impor-
tantes sobre o abuso de substâncias em anestesistas mais jovens,
particularmente os residentes em treinamento, algumas institui-
ções começaram a instituir o teste de urina aleatória, como um si-
nal de alerta e como um impedimento 180,181. A eficácia do teste de
drogas como um elemento repressor tem sido comprovada para
profissionais sob vigilância para o abuso de drogas no passado –
principalmente por causa das consequências adversas graves de
ter um teste de urina positivo 182,183.

Os programas de residência médica do Hospital Geral de Massa-


chusetts 180 e da Cleveland Clinic 181 usaram esta ferramenta, ba-
seada na crença de que os residentes informados sobre o efeito
que um teste positivo pode ter em sua carreira profissional evi-
tariam ativamente qualquer forma de abuso de substâncias. O
resultado da experiência do Hospital Geral de Massachusetts foi
a redução da taxa de abuso de substância antes do estudo, de
1-2% para 0%. Apesar da existência de questões metodológicas
no estudo, concluiu-se que o custo de US$ 50 mil da implemen-
tação deste teste era mínimo quando comparado com o custo de
vidas perdidas ou produtividade de profissional/ano em um único
residente. Essa avaliação é particularmente relevante quando se
pensa no contexto de aumento da preocupação de que uma vez
viciado, especialmente para narcóticos, um anestesista deve ser
redirecionado para longe da prática da anestesiologia 184.

Não importa qual eventual mecanismo seja encontrado para evi-


tar o abuso de drogas dentro de nossa área, não há dúvida de que
pelo menos alguns profissionais se tornem dependentes, princi-
palmente graças ao fácil acesso e à falta de prestação de contas
dos medicamentos que estão sendo utilizados.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 127


Fatores psicológicos pessoais
Embora a genética e muitos outros fatores desempenhem papel
importante no desenvolvimento do abuso de substâncias, assim
como na ideação suicida, traços de personalidade preexistentes
desempenham significativo papel. Questões relativas à genética,
em oposição a fatores ambientais e demográficos no desenvolvi-
mento da dependência de drogas, têm significativa importância
no desenvolvimento dos traços de personalidade. Na análise final,
ambas desempenham papéis importantes. Quando os indivíduos
com abuso de substâncias são avaliados, mais de 50% parecem
ter algum transtorno de personalidade 185. O fato de que as pes-
soas com transtorno de personalidade têm essa alta incidência de
abuso de drogas tem levado a algumas hipóteses de que o abuso
de drogas é simplesmente uma forma de automedicação, refor-
çada por melhorias no estado psicopatológico interno 186.

A depressão é frequentemente encontrada como comorbidade


nos médicos em risco de abuso de drogas e suicídio, mas a difi-
culdade consta em avaliar se foi a depressão que levou ao vício ou
se o inverso 187,188. No entanto, tal como em estudos de genética,
a depressão é significativamente maior quando existe uma histó-
ria familiar de depressão 189,190. Além disso, os médicos em geral
tendem a ter comportamentos específicos, o que os torna mais
vulneráveis ​​à depressão (ver Tabela 5) 159. A falta de sono levando
à fadiga já foi discutida em relação à saúde em geral, mas a má
nutrição, a falta de tempo para a rotina de exercícios, o uso de
cafeína frequente, bem como o isolamento social, devido a um
desejo de ser deixado sozinho para se recuperar quando de folga,
tudo conspira para produzir cansaço e fazer com que o indivíduo
recorra ao uso de substâncias.

128 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Tabela 5. Comportamentos listados que acredita-se aumentar
a probabilidade de um médico se voltar às drogas para aliviar o
estresse e burnout. A maioria dos comportamentos são resultado
direto de antecipar os desejos dos pacientes previamente aos do
profissional.

Contador de comportamentos médicos produtivos

Falta de sono

Falta de nutrição adequada

Falta de exercícios físicos

Falta de interação social positiva

Dependência a estimulantes, como cafeína

Questões de higiene ignoradas por período prolongado

Além disso, os traços psicológicos pessoais também podem in-


fluenciar um médico a abusar de substâncias. Os médicos, muitas
vezes, se escondem atrás de uma síndrome de perfeccionismo, que
não permite a possibilidade de cometer erro algum. Quando os er-
ros inevitavelmente acontecem e a máscara do perfeccionismo é
destruída, ele tem a desagradável tarefa de enfrentar a realidade
de sua vulnerabilidade, o que para alguns é intolerável 191. Além dis-
so, um viciado médico tem a visão de sua dependência como algo
controlável e profissional, sem consequências 192. Só depois que sua
carreira, reputação e vida pessoal tenham sido arruinadas, o pro-
fissional percebe que o controle que pensou ter era imaginário. O
anestesista também desenvolve a síndrome do perfeccionismo e
adota uma abordagem única para o atendimento ao paciente. É
esta consciência que, em parte, levou à mortalidade de pacientes
submetidos a cuidados de anestesia durante as últimas três déca-
das. No entanto, tal atitude também provoca a necessidade inexo-
rável de nunca relaxar a vigilância, o que, por sua vez, exige longas
horas de trabalho na sala de cirurgia, fadiga e burnout.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 129


Os anestesiologistas também querem ter o controle completo,
mas em ambiente de sala de operação, onde é somente uma par-
te da equipe, o controle é dividido. Discussões sobre a temperatu-
ra do ambiente, nível de ruído na sala, quando devem ser realiza-
das transfusões e uma infinidade de outras questões que surgem
diariamente tendem a corroer as relações interpessoais suaves.
Quanto maior o estresse, maior a tendência para neutralização.
Independência e isolamento também integram a composição
psicológica de muitos anestesiologistas. A capacidade de agir de
forma independente e ter autonomia pode muito bem ter sido
um dos motivos pelos quais os estudantes de medicina são atraí-
dos para a profissão de anestesiologia. No entanto, essa mesma
independência e isolamento torna difícil para o anestesiologista
estender a mão e pedir ajuda. Se os mecanismos de enfrentamen-
to internos não estão no lugar, o anestesista conturbado pode re-
correr a outras formas de lidar com o estresse.

Exposição crônica subterapêutica e indireta a drogas


Embora altamente controverso, outro fator que pode aumentar as
chances de um anestesista se tornar viciado é a exposição crônica a
níveis subterapêuticos das drogas anestésicas utilizadas na prática,
principalmente por poder sensibilizar as vias cerebrais que causam
dependência, em seguida, predispor a comportamento de busca
destas drogas 193. Como exemplo, está bem estabelecido que a
exposição a drogas causa alterações nas vias neuronais 194-196. Mui-
tas substâncias são abusadas devido aos seus efeitos em diminuir
o estresse ou aumentar os sistemas de recompensa neurais. Estes
efeitos são modulados por meio da indução da alteração dos níveis
normais de neurotransmissores, tais como ácido gama-aminobu-
tírico, dopamina e serotonina. No entanto, mais obscura é a pos-
sibilidade de que níveis muito baixos de exposição aos fármacos
podem também induzir mudanças semelhantes e predisposição
para o abuso.

Ao produzir mudanças no nível dos neurotransmissores, a falta


de exposição por um período poderia se manifestar com sinto-

130 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


mas de abstinência 197,198. Especificamente o propofol e o fentanil,
exalados pelo paciente em quantidades moleculares e inalados
pelo anestesiologista, são considerados possível causa de predis-
posição para o vício. Exposição prolongada de agentes inalatórios
exalados pelo paciente podem também ativar outra vias neuro-
nais dormentes que causam dependência. Há toda uma área da
medicina que estuda a dependência, chamada de epigenética,
que está explorando o conceito de que a exposição a drogas pode
afetar ativamente a expressão genética de alelos, que por sua vez
aumentam a predisposição ao vício.

Epigenética foi originalmente discutida em 1942 199, como forma


com que as várias drogas podem alterar a expressão genômica
sem alterar a sequência de DNA. Pensa-se que as drogas agem
sobre a expressão genômica por meio de dois mecanismos – me-
tilação de ADN existente, que altera a função de modificação de
DNA e das proteínas que cercam o ADN, o que, por sua vez, altera
a expressão do genoma 200,201. Se a substância de abuso pode al-
terar a química cerebral via expressão genômica, de modo que a
falta da droga produza sintomatologia, pode-se compreender as
origens do vício. Quando isso ocorre com a exposição indireta a
níveis subterapêuticos de agentes anestésicos, pode-se entender
as preocupações levantadas em relação à saúde e segurança do
anestesista.

Comportamento de procura de drogas em face dos sintomas de


abstinência é simplesmente uma tentativa de restabelecer a quí-
mica do cérebro “normal”, que foi alterada a partir de exposição ao
fármaco anterior. Para o anestesiologista que foi involuntariamen-
te exposto repetidamente e não “se sentiu bem”, os sintomas de
abstinência podem não ser identificados. Pode-se compreender
que mesmo uma única exposição a substâncias que restabelecem
a “normalidade” poderia desencadear um comportamento vician-
te. Atualmente, a ocorrência de predisposição viciante a exposi-
ção subterapêutica para agentes anestésicos permanece hipoté-
tica, mas plausível.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 131


Resumo
Abuso de substâncias, vício, burnout e suicídio são os riscos ocu-
pacionais dos anestesiologistas. Embora estes problemas sejam
reconhecidos há décadas, alguns países tomaram medidas cons-
trutivas para intervir e evitar a perda de vidas, a perda de profissio-
nais, de horas de trabalho e de trauma emocional. A causa para a
espiral descendente é multifatorial. A genética é cada vez mais re-
conhecida como fator crítico para o desenvolvimento de depen-
dência. Os resultados de familiares e estudos populacionais suge-
rem que a contribuição da genética pode ser tão elevada quanto
50% para a predisposição e o desenvolvimento de dependência
de substâncias.

A genética também tem importante papel na proteção contra a


dependência, seja por metabolismo de substâncias de abuso, seja
por alteração na forma que as substâncias interagem com os re-
ceptores neuronais. No entanto, ter uma predisposição genética
não faz com que uma pessoa se torne um viciado. Muitos fatores
demográficos, ambientais e individuais podem modificar tanto a
predisposição quanto os efeitos protetores da genética . A inves-
tigação sobre esta complexa interação da genética e o abuso de
substâncias deve progredir ativamente, devendo ser melhor en-
tendido nos próximos anos.

Além das variações genéticas, muitos outros aspectos podem


levar os anestesiologistas à dependência, incluindo os diversos
estressores encontrados na sala de cirurgia moderna. Também
é causa de estresse a expectativa de perfeição, parte central da
formação médica. As longas horas de trabalho e o cansaço físico,
mental e emocional servem para reduzir a resistência de um anes-
tesista e sua capacidade de enfrentamento.

A fadiga é forte fator independente que aumenta a probabilida-


de de um erro médico, o que acrescenta ainda mais tensão. Além
disso, as ocorrências catastróficas na sala de cirurgia, devidas a
erro médico ou não, têm grandes efeitos, e de longo prazo, so-
bre o anestesista. Se ocorrer um processo por imperícia, os anes-

132 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


tesiologistas parecem ser desproporcionalmente afetados, com
consequente comportamento de busca às drogas e ao suicídio.
Parcelas dessas respostas podem em parte ser atribuídas a traços
de personalidade, muitas vezes encontrados em anestesiologis-
tas, como o perfeccionismo, isolamento e independência. Parte
dessas respostas podem também ser devidas à falta de sistemas
de apoio institucionais, de modo que as drogas são vistas como a
única saída para o estresse.

Finalmente, como causa ainda não provada que predispõe ao


abuso de substâncias entre os anestesistas, é constante exposição
indireta de drogas exaladas pelo paciente. Fentanil, propofol e to-
dos os agentes inalatórios são exalados por pacientes em peque-
nas quantidades, quando se recuperam dos efeitos da anestesia.
Embora as concentrações dos fármacos sejam em dose subtera-
pêutica, tem sido proposto que estes fármacos secundariamente
inalados pelo anestesista podem induzir vias neuronais e predis-
por comportamentos viciantes e, talvez mesmo, sintomatologia
de abstinência. Embora plausível, essa explicação necessita maio-
res esclarecimentos.

O problema da fadiga, abuso de drogas e suicídio entre os anes-


tesistas está finalmente recebendo a atenção em todo o mundo.
A Federação Mundial de Sociedades de Anestesiologistas está
assumindo um papel ativo em apontar que esse problema não
é isolado a nações específicas, mas sim universal. Somente pelo
reconhecimento do problema poderão ser desenvolvidos passos
para intervir e prevenir sua ocorrência.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 133


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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 153


Síndrome de burnout em
anestesiologistas: a realidade atual
Pratyush Gupta
Membro do Comitê de Bem-Estar Ocupacional da WFSA
Florian Nuevo
Membro do Comitê de Bem-Estar Ocupacional da WFSA

Bem-estar dos anestesiologistas


A intrigante relação entre trabalho e vida pessoal pode se mani-
festar positivamente em um indivíduo, resultando em bom enga-
jamento no trabalho e uma vida plena de prazer. Ou, em paralelo,
pode negativamente impactar na vida social e bem-estar psicoló-
gico e resultar em estresse e síndrome de burnout. Com presente
interesse em “Weingologia”, que é a ciência que estuda o bem-es-
tar, esperamos entender mais dessa intrigante relação entre tra-
balho e vida pessoal.

Neste capítulo, gostaríamos de revisar o bem-estar pessoal dos


anestesiologistas, focando na síndrome de burnout. É esperado
dos anestesiologistas que evitem os níveis de estresse nos pacien-
tes em procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Ironicamente,
com o passar do dia, o profissional é exposto a estresse indevido
graças aos diversos riscos inerentes de qualquer ato anestésico e
procedimento cirúrgico, agravado com a pressão para produzir e/
ou falta de recursos no ambiente de trabalho.

O incremento dos princípios econômicos no cuidado à saúde


no final do século XX e início do XXI inevitavelmente direciona
a introdução de práticas para aumentar a eficiência dos aneste-
siologistas 1. A pressão da competitividade econômica em cresci-
mento e a necessidade de fazer mais com reduzida força de tra-
balho estão associadas com a emergência de mais casos difíceis.
Esta transformação tem impactado no bem-estar ocupacional do
anestesiologista 2.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 155


A anestesiologia é uma especialidade médica que nas últimas
décadas tem se diferenciado com grandes avanços no cuidado
com a segurança do paciente. Graças a inovação na farmacologia,
monitorização e abordagens clínicas, tanto taxas de morbidade
como mortalidade tiveram significante melhora. Porém, danos
secundários cometidos aos pacientes, por erros ocasionados por
anestesiologistas, continuam a existir apesar desses vários avan-
ços. Uma causa de erro bem documentada na literatura médica é
o nível de fadiga do profissional 3.

Assim, visamos criar um alerta sobre a síndrome de burnout entre


a comunidade médica e, especialmente, discutir sua prevalência
entre os anestesiologistas em diferentes partes do mundo. Litera-
tura disponível foi revisada,bem como a magnitude do problema,
seus fatores causais, efeitos no trabalho e na vida dos anestesio-
logistas globalmente e os seus vários mecanismos. A maioria dos
trabalhos disponíveis focaram nos aspectos negativos do estresse
e burnout no ambiente de trabalho.

Gostaríamos, ainda, de incentivar uma mudança de foco para fu-


turas pesquisas em anestesia sobre os traços positivos de envol-
vimento com o trabalho/engajamento e os prazeres no trabalho.
Tentamos levantar várias preocupações no trabalho do anestesio-
logista e como ele poderia lidar melhor com isso.

Em Ética a Nicômaco 4, escrita em 350 A.C., Aristóteles cita sua eu-


daimônica teoria da felicidade. Afirma que a felicidade (e também
o bem-estar) é a única coisa que os humanos desejam como pro-
pósito, e não riqueza, honra, saúde e amizade. Observou que a
busca por riqueza, honra ou saúde tem como único objetivo ser
feliz. E acreditava que a virtude traz realização, e a realização traz
felicidade.

Aristóteles também acreditou na importância de certos bens e


sorte na aquisição de bem-estar. Em relação à virtude (moral e
excelência intelectual) e bem-estar fisiológico (ex.: saúde), que
considerou “bens interiores” (ex.: eles existem no indivíduo), a
busca da felicidade também requer “bens externos” como amigos,

156 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


riqueza, poder político e segurança (o que Aristóteles chama de
“prosperidade externa”). Prosperidade externa e bem-estar fisio-
lógico dependem de certa maneira da fortuna, o que significa que
a felicidade de um indivíduo pode ser minada, em até certa ex-
tensão, por má sorte 5. Com este plano histórico, podemos achar
qualquer paralelo no qual os anestesiologistas de hoje buscam
bem-estar no trabalho?

Um novo termo, “Weingologia”, tem sido proposto com o objeti-


vo de promover o bem-estar no trabalho. Esperamos que estudos
científicos e estudos clínicos futuros nos ajudem a criar consciên-
cia e interesse neste tópico, permitindo desenvolver uma especia-
lidade independente ou, mesmo, ser parte importante nos currí-
culos de medicina.

O que é a síndrome de burnout


Burnout é um termo psicológico que se refere à exaustão prolon-
gada e queda no interesse no trabalho. É específico para o traba-
lho e ocorre em indivíduos que não tiveram nenhuma psicopato-
logia preexistente e comumente encontrada em profissões que
demandam doação e cuidado. O termo burnout, em psicologia, foi
criado por Herbert Freudenberger em artigo de 1974, intitulado
Staff burnout 6, presumivemente baseado no romance A burnt-out
case, de Graham Greene, publicado em 1960 e que descreve um
protagonista que, sofrendo de exaustão, deixa seu trabalho e se
aventura na floresta africana.

Muitas definições e teorias arriscam descrever o burnout e os sin-


tomas associados que coletivamente são chamados de “síndrome
de burnout”. Tem sido difícil descrever a síndrome, vez que é com-
posta por sintomas subjetivos e difíceis de objetivar. Simplesmen-
te, a síndrome de burnout é um estado de ser, no qual os indiví-
duos são incapazes de lidar com as demandas do ambiente de
trabalho, sentimento de falta de energia e perda de interesse no
resultado de seus trabalhos. O quanto um profissional pode che-
gar no estado de burnout depende de sua capacidade individual
de lidar com o estresse.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 157


A avaliação mais amplamente aceita para quantificar o burnout
é o Maslach Burnout Inventory (MBI), desenvolvido por Maslach
e Jackson em 19817. Eles definiram a síndrome de burnout como
tendo três dimensões: exaustão emocional, despersonificação e
sentimento de falta de realização pessoal 8.

Exaustão emocional (EE) é o componente central desta síndrome


e, para fins práticos, o termo burnout é sinônimo de experiência
de exaustão.

Despersonificação (DP) é a tentativa de colocar distância entre o


indivíduo e o serviço, ignorando ativamente as qualidades que o
fazem pessoas únicas e engajadas. É caracterizada por uma atitu-
de negativa e indiferente frente aos seus pacientes. Sentimento
de falta de realização pessoal (RP) aparece quando a eficiência é
comprometida pela falta de capacidade adequada de lidar com a
situação. Um alto nível de burnout é definido pelo alto nível de EE,
alto nível de DP e baixo nível de RP.

Na décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID


10) o termo “burnout” foi descrito no código Z.73.0 como “esgo-
tamento” 9. A ocorrência de síndrome de burnout em diversas
ocupações, por exemplo, serviço social, professores, enfermeiros,
trabalhadores de laboratório, terapeutas, médicos e dentistas, po-
liciais e oficiais prisionais, administradores, aeromoças e mesmo
governantas, estudantes e pessoas desempregadas também foi
descrita 10. Na maioria dessas profissões, a combinação entre cui-
dado, aconselhamento, cura e proteção tem importância central.

Fatores de estresse ocupacional, psicossocial e psicomental para


a etiopatogenia do burnout têm sido discutidos, como pressão no
trabalho, carga horária elevada, falta de autonomia e agressivida-
de, pressões econômicas e múltiplas tarefas como trabalho, famí-
lia e atividades de lazer. Além disso, a importância dada a compe-
tência pessoal, particularmente no chamado setor terciário, está
continuamente aumentando (ex.: comunicabilidade, capacidade
de trabalho em equipe, tolerância à frustração, orientação sexual
e flexibilidade).

158 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


O clima na medicina também está mudando: a pressão na produ-
ção faz com que haja diminuição no tempo de contato médico-
paciente, aumento no trabalho burocrático, diminuição do gasto
do governo, diminuição em recursos médicos e aumento no valor
das faculdades de medicina 11. Concomitantemente, os pacientes
exigem maiores demandas, apresentando maiores expectativas e
não mais tendo o mesmo respeito que tinham com os médicos.
Todos esses fatores não só contribuem para a baixa satisfação no
trabalho, mas podem também causar uma queda na autonomia e
perda de controle de médicos.

Indubitavelmente, uma alta satisfação no trabalho pode se tor-


nar grande aliada contra o desenvolvimento de burnout. Quando
os médicos “investem” em seu trabalho – no qual inclui tempo,
esforço, empatia ou atenção – recebem a gratidão dos pacientes
e apreciação após consulta. Quando há êxito no tratamento, os
ganhos e perdas são balanceados e igualmente existem. A falta de
retribuição contribui para a perda deste equilíbrio.

De acordo com o modelo de tensão no trabalho 10, consagrado na


medicina ocupacional por muitos anos como estresse – um alto
nível de tensão pode resultar no acúmulo de estresse psicomen-
tal/psicossocial e baixo nível de tolerância a estresse, que neste
conceito pode ser considerado como “estresse negativo”. Quando
esse “estresse negativo” se torna crônico e não é lidado adequa-
damente, há efeitos adversos na saúde. Não só fatores sociais e
psicológicos têm um papel, mas também fatores bioquímicos e
biológicos. Mudanças endocrinológicas e hormonais, particular-
mente um aumento permanente nos níveis de cortisol e distúr-
bio no sistema de controle do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal,
também estão sendo avaliados.

Risco de burnout entre médicos


O risco de burnout é influenciado não somente por fatores
estressantes e déficits em recursos pessoais, mas acima de tudo
por um sistema de “suporte social” e estratégias de defesa.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 159


As características primárias de personalidade que levam a burnout
incluem: idealismo, perfeccionismo, timidez, insegurança, instabi-
lidade emocional, incapacidade de relaxar.

Os fatores negativos que influenciam na tolerância individual ao


estresse são: falta de estratégias ou estratégias inadequadas para
lidar com o estresse, expectativas desapontantes/experiências
negativas, suporte inadequado devido à falta de relações sociais,
falta de gratidão do paciente e risco de litígio.

Um estudo de Reeve et col.12 distingue dois tipos de residentes


em anestesia julgados como exitosos ou não exitosos, baseado
na avaliação de anestesistas experientes e comparando suas ca-
racterísticas pessoais. Os residentes de sucesso demonstraram ter
mais desapego, rapidez mental, determinação, estabilidade, alto
padrão, autossuficiência, abertura e autocontrole – características
pessoais que podem proteger contra a percepção do estresse.

Acredita-se que o suporte social pode proteger contra uma vida


laboral estressante. Entretanto, quando há menos tempo para
gastar com a família, a oportunidade de ajudar o companheiro
se torna limitada. O tempo fora do trabalho tem sido identificado
como contribuinte na redução do burnout, como demonstrado
em clínicos gerais de meio expediente que têm menos efeitos de
esgotamento quando comparados aos de período integral13.

Diferenças entre os gêneros neste contexto merecem comentá-


rios. Médicas podem estar envolvidas na organização da casa e
da família em maior grau que seus parceiros do sexo masculino.
Logo, podem ter maior apoio social, mas também maior sobre-
carga no trabalho e menos tempo para si mesmas. A questão do
gênero, contudo, não foi demonstrada como forte preditor de
burnout14. Maslach 8 pesquisou 2.247 homens e 3.421 mulheres
durante a implementação do modelo do MBI e concluiu não haver
diferença significante.

Os médicos são os menos capazes de admitir que estão sobre


estresse 11. O autocuidado não integra o seu treinamento profis-

160 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


sional e está tipicamente mais baixo em sua lista de prioridades.
De fato, muitos médicos não têm seus próprios clínicos gerais. A
precoce detecção dos problemas previne a deterioração futura de
sua saúde física e mental e, mais especificamente, o desenvolvi-
mento de burnout.

Manifestações da síndrome de burnout


Sintomas da síndrome de burnout incluem distúrbios na concen-
tração e memória (perda de precisão, desorganização), perda de
autonomia e mudanças na personalidade (perda no interesse,
cinismo e agressividade). Distúrbios severos são compostos por
ansiedade e depressão que pode culminar em suicídio. A presen-
ça de drogadição (ex.: álcool, medicamentos) também tem sido
associada com burnout 15,16.

A tendência sobre abuso – álcool, drogas e medicações – pode


afetar até 10% dos profissionais de saúde em algum momento de
suas vidas. O acesso a medicações e o autotratamento da dor au-
mentam o risco de vício 17,18.

Sintomas depressivos são frequentemente consequência da sín-


drome de burnout, com possível desfecho desastroso, como o sui-
cídio 19. O acesso a drogas em combinação com estes sintomas
pode explicar porque esta tragédia é mais prevalente entre pro-
fissionais da área da medicina do que em outros profissionais. Os
sintomas somáticos comuns 10 são cefaleia, distúrbios gastrintesti-
nais (sensibilidade estomacal, diarreia) ou distúrbios cardiovascu-
lares – como taquicardia, arritmia e hipertonia.

Consequências sociais se manifestam como resultado do desgas-


te no local de trabalho, bem como problemas sexuais e isolamen-
to social. Pela perspectiva social, há um risco aumentado para
períodos de ausência do trabalho e invalidez precoce. Tudo isso
coloca não só o indivíduo em risco, mas também compromete a
segurança do paciente.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 161


A despersonificação e redução do comprometimento pessoal
pode ter efeitos devastadores. Uma atitude mais cínica pode re-
sultar em diminuição na preocupação com a empatia em relação
aos pacientes, uma perda no comprometimento com o trabalho,
irritabilidade e perda da paciência 11.

O sentimento de falta de competência que vem associado com o


burnout pode resultar em decréscimo subjetivo e objetivo na ava-
liação da performance em médicos e enfermeiros. Os pacientes
têm menor aderência aos conselhos dos médicos quando estes
apresentam baixa satisfação no trabalho, ou são tristes, cínicos ou
irritáveis.

Contudo, médicos com baixa satisfação no trabalho foram asso-


ciados com prescrição inapropriada de medicamentos e conduta
física antiética, como relações sexuais com pacientes, violação da
confidencialidade do paciente ou prescrição para si mesmo.

Diagnóstico diferencial
Se torna necessário separar as desordens psiquiátricas primárias.
Por exemplo, aquelas independentes do meio externo do esgota-
mento. Além do mais, doenças somáticas crônicas, como infecções
(ex.: hepatite viral), endocrinopatias (ex.: desordens tireoidianas,
doença de Addison), doenças autoimunes, tumores ou a chamada
síndrome da fadiga crônica (SFC) devem ser consideradas.

A diferenciação entre burnout e SFC pode, entretanto, se tornar


impossível pelos sintomas similares e o curso comparável da
doença 10. Entretanto, consideramos que burnout é especifica-
mente relacionado com o trabalho (diferentemente das outras
desordens que podem preexistir ou não apresentam relação com
trabalho). A síndrome de burnout não é reversível imediatamente
ao afastamento das atividades estressantes laborais, e requer
ferramentas de reabilitação de cunho emocional/social para
retornar a normalidade (o oposto do SFC, que é revertido com o
descanso adequado e o afastamento das atividades estressantes).

162 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Novamente, o burnout parece ser um fenômeno qualitativo, en-
quanto o SFC parece ter natureza mais quantitativa.

Prevalência
Muitos estudos relataram altos níveis de burnout entre médicos,
com uma morbidade psicológica atingindo valores de 19% a
47% quando comparados com uma taxa de 18% em trabalhado-
res na população em geral 11. Para médicos de família ou clínicos
gerais, a maioria dos estudos relata grau moderado de burnout,
especialmente relacionado à exaustão de dimensão emocional.
Estudos em diversos países da Europa ocidental, incluindo Suí-
ça, Itália e França, reportaram prevalência de 20% a mais de 50%.
Anestesiologistas também apresentam nível moderado de bur-
nout, com alta satisfação no trabalho compensando os aspectos
negativos estressores. Entretanto, a literatura não é consistente
acerca de quais especialidades médicas apresentam maiores per-
centuais de burnout.

Prevenção
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os níveis
de prevenção podem ser divididos em primários (evitar contato/
remover os fatores que podem levar os pacientes à doença), secun-
dários (detecção precoce – intervenção a doenças manifestadas)
e terciários (lidar com as consequências da doença – reabilitação
e profilaxia da recaída). Esses conceitos de comportamento para
prevenção são mostrados na literatura como o foco da prevenção
primária e são os “mandantes” da psicologia 10,11.

Medidas para melhorar a administração do estresse incluem 10,11,20-23:


••aconselhamento e aprendizagem de técnicas de relaxa-
mento;
••delegação de responsabilidades (aprender a dizer “não”);
••hobbies (esporte, cultura e natureza);
••autocuidado (exercício, nutrição e medicação);

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 163


••manter relacionamentos sociais estáveis, gastando tempo
com a família e amigos;
••profilaxia da frustração (reduzindo falsas expectativas).

Destaque-se que a religião e a espiritualidade podem apresentar


função potencialmente protetora.

Medidas no local de trabalho:


••criação/manutenção de um ambiente “saudável”
••programação do tempo,
••liderança baseada na comunicação,
••valores, motivações e objetivos;
••motivação e orientação para indivíduos aprenderem e au-
mentarem suas capacidades;
••reconhecimento de performance – apreciação, programas de
recompensa, dinheiro;
••treinamento de administradores (papel chave do chefe em
prevenção de burnout).

Estratégias de orientação pessoal:


••realizar testes de aptidão antes do treinamento para o tra-
balho;
••criar grupos de apoio, conduzindo programas específicos,
acompanhando as pessoas do grupo de risco (ex.: grupos para
médicos e professores);
••manter ocupação adequada – monitoramento médico/psico-
lógico (ex.: estabelecimento de checape especial relacionado
com o estresse no trabalho e detecção precoce do problema).

O engajamento 24 representa o objetivo desejado para qualquer


intervenção para burnout. Isso promove um sistema no qual há
melhora na energia dos trabalhadores, no seu vigor e resiliência,
bem como no envolvimento e absorção com as tarefas do traba-
lho, assegurando a dedicação e sucesso no mesmo.

164 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Um processo estrutural, Cret (civilidade, respeito e engajamento
no trabalho) 25, demonstrou aumento na civilidade entre os tra-
balhadores, transformando em melhorias no cinismo dimensional
de burnout, satisfação, engajamento e confiança no trabalho. Ava-
liações regulares de bem-estar em empregados geram evidência
de melhoria na saúde e bem-estar na organização, adicionalmen-
te servindo como indicador de áreas de deficiências e possíveis
problemas.

Burnout é mais que somente exaustão. Há cinco mais possíveis


fatores de estresse no trabalho além da sobrecarga que pode afe-
tar o desenvolvimento de burnout. Nestas condições, um checape
organizacional é efetivo caminho para mostrar outras possíveis
causas.

Maslach et col. 8 propuseram seis áreas de “trabalho individual”:


carga horária sustentável, possibilidade de escolha e controle, re-
compensa e reconhecimento apropriados, comunidade de traba-
lho acolhedora, justiça e trabalho digno. Este modelo foca no grau
de sintonia e dessintonia entre a pessoa e o ambiente de trabalho.
Quanto maior o distanciamento ou dessintonia entre a pessoa e o
trabalho, maior a probabilidade de desenvolver burnout.

Apesar de parecer que a carga horária pode ser o fator primário


para burnout, isso não é verdade em todos os casos – outras áreas,
como justiça, controle, coleguismo, podem se tornar o ponto crí-
tico! Pesquisas clínicas e projetos têm por objetivo avaliar a inte-
ração dessas seis áreas com a contribuição, o desenvolvimento
futuro e expansão da Weingologia.

Estudos sobre burnout entre anestesiologistas


Na Romênia, uma pesquisa 26 acerca da prevalência de síndrome
de burnout foi desenvolvida com médicos intensivistas anestesis-
tas cuja média de trabalho era de 70 horas. Altos níveis de burnout
usando a escala MBI foram achados em 29,85% dos participantes,
com níveis moderados em 53,03% e baixos níveis em 17,12%. Alto

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 165


nível de EE foi achado em 34,2%; DP, em 38,4% e baixo nível de RP,
em 37,7% dos integrantes da pesquisa. Foi observada significân-
cia estatística (p=0,027) de maior EE em anestesiologistas mulhe-
res (média de 23,82) quando comparadas com médicos do sexo
masculino (média de 19,53).

Carga horária, específico trabalho de anestesiologia/intensivismo


e aborrecimentos diários foram achados como preditores de de-
senvolvimento de EE. O trabalho administrativo entre intensivis-
tas foi achado como forte preditor de DP. Os pontos chaves da
dificuldade no trabalho foram relacionados principalmente no
trabalho com pacientes críticos (vítimas de trauma, sepse, expo-
sição a contaminação, queimados e morte encefálica), no traba-
lho sobre pressão,no fato de estar alerta e ativo todo o tempo,nas
expectativas de bons resultados na questão de salvar vidas, no
manter-se atualizado com novas tecnologias e tratamentos mo-
dernos,no ter tempo para continuar os estudos médicos e no es-
tar sempre perto dos pacientes, parentes e colegas.

Os médicos atendentes tiveram maiores quantidades de horas


trabalhadas por semana que os residentes, porém o nível de es-
tresse não foi significantemente diferente. Tirando o fato de os
médicos intensivistas/anestesistas romenos trabalharem mais
horas por semana que outros especialistas, não foi observada a
relação entre essa independente variável e o burnout.

A exaustão é um resultado de fadiga física, mental e emocional. E


a pesquisa lista várias causas de exaustão: demandas de trabalho
(severidade dos problemas dos pacientes), falta de comunicação
com diferentes pessoas em diferentes níveis da escala profissional
(chefes médicos, subordinados, colegas e pacientes), recompen-
sas injustas ou insatisfatórias, muita responsabilidade e pouco
suporte, e a necessidade de prontamente adquirir novas habilida-
des e conhecimentos.

Todos esses achados reforçam a necessidade de maior número


de médicos romenos anestesistas/intensivistas – objetivando

166 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


reduzir a carga horária –, bem como educação médica continuada
e educação do controle do estresse. Uma limitação deste estudo
foi que somente 15% dos médicos estudados foram pesquisados.
Portanto, os resultados podem não ser representativos de toda a
população médica romena de anestesistas/intensivistas.

Um estudo com médicos franceses intensivistas achou maior inci-


dência de burnout 27quando comparado com o estudo romeno re-
tromencionado. Usando o MBI, um nível alto de burnout foi identi-
ficado em 46,5% dos estudados, 23,3% reportaram um nível baixo
de burnout e 30,2% indicaram um nível moderado. Cerca de 50%
dos intensivistas com alto nível de burnout expressaram o desejo
de abandonar seus trabalhos. Entretanto, para os que desejavam
ficar, burnout levava a menos produtividade e efetividade no tra-
balho. Consequentemente, isso foi associado com a diminuição
da satisfação e a redução do comprometimento com o trabalho e
a organização. Conflitos com colegas de trabalho (com outro in-
tensivista ou enfermeiro) estavam associados com alto nível de
burnout. Em contraste, a boa qualidade das relações com a equipe
da enfermagem estava associada com baixos índices de burnout.

A prevalência de estresse e burnout em anestesiologistas da Uni-


versidade da Bélgica foi estudada por Nissen et col. 28 Usando a es-
cala Psychological State of Stress Measure (PSSM-A) 29, revelaram
moderado nível de estresse em anestesistas, não maior que em
outros grupos profissionais (a média de estresse em anestesistas
foi de 50,6; em policiais, 50,6; em executivos, 51,3; níveis maiores
que 60,0 representam estresse severo). Quase 17,9% dos aneste-
sistas estavam no grupo de alto estresse e 72,8% e 9,3%, respec-
tivamente, nos grupos de médio e baixo estresse. Os residentes
– do terceiro ano – em anestesia mostraram alto nível de estresse
(este ano de treinamento é particularmente crítico, pois é quan-
do os residentes começam a trabalhar sem supervisão na sala de
operação, chamando por ajuda quando os problemas aparecem).

Os problemas de saúde mais frequentemente reportados (escala


de saúde física 30, para identificar algumas consequências nega-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 167


tivas de saúde) foram cefaleia (15%), dor estomacal (12,5%), dor
intestinal (7%) e úlceras (6%). A média do escore de burnout (MBI –
Emotional Exhaustion Subscale) foi 27 (variação de 10±59), o que
corresponde a moderado nível de acordo com os resultados nor-
mativos. Dos anestesistas, 40,4% foram alocados no alto nível de
burnout e 44,4% e 15,2%, respectivamente, nos grupos de médio
e baixo burnout.

Surpreendentemente, anestesiologistas abaixo dos 30 anos de


idade mostraram os maiores níveis de burnout. A falta de autono-
mia e falta de suporte/qualidade de supervisão, diminuindo a ca-
pacidade do indivíduo de lidar com situações estressantes, pode
explicar os altos níveis de exaustão emocional achados neste gru-
po de jovens anestesistas. A utilização do Questionário de Contro-
le e Condições de Trabalho (WOCCQ) 31 revelou que os anestesis-
tas sentiram falta de controle principalmente na administração de
seu tempo (horas extras, dificuldade de dar uma pausa e planejar
questões não clínicas como aulas, pesquisas científicas etc.), plani-
ficação do trabalho (dificuldade em evoluir nos compromissos do
dia, frequentes mudanças durante a jornada) e os riscos.

Foi também achada correlação negativa entre estresse e controle


do estresse. Os homens indicaram maior autonomia e controle so-
bre os riscos. As situações problemáticas mais frequentes (“Proble-
matic Job Situations Questionnaire”, desenvolvido pelos mesmos
autores do WOCCQ) relacionam-se à organização do trabalho:
35% (ex.: compromissos não preditos, falta de coordenação com a
equipe, duração dos dias de trabalho, supervisão inapropriada); às
situações difíceis inerentes ao trabalho: 25% (ex.: difícil intubação
ou extubação); às relações conflituosas interpessoais:17% (ex.: fal-
ta de comunicação com a equipe, com o cirurgião etc.); às dúvidas
ou pressão na responsabilidade: 16% (ex.: medo do erro humano
ou competência inapropriada) e às preocupações na carreira: 7%.
As situações problemáticas no trabalho e os caminhos para lidar/
resolver tais obstáculos serão também citadas no decorrer deste
trabalho.

168 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Interessantemente, anestesiologistas sentem-se mais confiantes
sobre seu futuro quando comparados a outros trabalhadores. Os
autores discutem que os níveis de estresse podem ser diminuídos
com uma maior autoridade e alta satisfação no trabalho 32,33. No
estudo, anestesistas reportaram níveis altos de satisfação, desa-
fios, comprometimento e autonomia no trabalho, o que pode tor-
nar os níveis de estresse mais moderados. Na conclusão, propõem
que a maioria dos estressores revelados no estudo eram fatos que
o hospital e o departamento administrativo poderiam manejar de
alguma forma, vez que os aspectos mais importantes foram a ad-
ministração do trabalho e do tempo.

Consultores especialistas podem dar apoio aos residentes quan-


do os problemas surgirem. Conferências sobre acidentes e inci-
dentes, nos quais os anestesiologistas apresentam situações crí-
ticas por eles encontradas, poderiam dar a oportunidade para
descarregar essa sobrecarga e o estresse emocional. O simulador,
que é cada vez mais usado para o treinamento do manejo de crise,
pode ser utilizado para melhorar a comunicação e as estratégias
de resolução de problemas.

Na Áustria, Lederer et col. 34 tentaram avaliar a relação entre o local


de trabalho e burnout em 89 anestesiologistas de hospitais uni-
versitários. As condições de trabalho foram investigadas por meio
do “Instrument for stress-relatedjobanalysis” 35 (Ista, versão 5.1,
versão curta, VdfHochschulverlag AG, ETH Zurique, Suíça). Neste
estudo, alta carga de trabalho foi verificada em 45 (50,6%) anes-
tesistas, moderadamente alta em 32 (36%) e baixa em 12 (13,5%).
Três (3,4%) anestesistas – dois do sexo masculino e um do sexo
feminino – foram diagnosticados com a síndrome de burnout.
Todos estavam no mesmo grupo etário (31-40 anos). Essa faixa
etária lida com o estresse não somente no local de trabalho (alta
pressão na performance-carreira/promoção/menos experiência),
mas também em esferas privadas (ex.: confrontamento com o
crescimento das crianças, busca por bens e propriedades, morte
de parentes). Pessoas de meia idade são facilmente suscetíveis a
desenvolver uma “grande sede pela vida”, conectada ao medo de

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 169


perda de algo importante. Adicionalmente, 25% (23 de 89) dos
participantes foram classificados com risco de desenvolver a sín-
drome de burnout.

Anestesistas com risco para burnout tinham mais queixas físicas,


maior insatisfação com o trabalho e falta estatisticamente signifi-
cante de perda de PA. E também reportaram diminuição na habi-
lidade de resolver problemas. Anestesistas fora do risco de desen-
volver a síndrome mostraram significantemente maior regulação
das possibilidades no seu local de trabalho, estando aptos para
lidar, ao mesmo tempo, com altas complexidades sem perder o
controle.

De acordo com o Ista, a disponibilidade de recursos, bem como a


influência do indivíduo no local de trabalho e escala de trabalho,
e a habilidade para contatar e comunicar com outros integran-
tes da equipe, pareceram importantes protetores contra o desen-
volvimento da síndrome de burnout, além de também ter forte
influência na satisfação no trabalho. Importante notar que, com
pertinência à interpretação da DP, os autores afirmam que a des-
personificação serve inicialmente como mecanismo protetor para
evitar fadiga emocional, mas subsequentemente afeta a relação
médico-paciente.

Concluem com a noção de que o ambiente de trabalho e suas im-


plícitas condições contribuem para o desenvolvimento de síndro-
me de burnout de uma forma maior do que a estrutura pessoal.
Portanto, a prevenção nas características do local de trabalho(ex.:
mudança nas condições) tem efetiva importância na prevenção
da síndrome e significante maior relevância quando comparada
com a prevenção comportamental – ex.: maiores comportamen-
tos saudáveis em indivíduos 36.

Na Turquia, pesquisa baseada no MBI e na “Perceived Stress Sca-


le” 38, com 159 residentes em anestesiologia 37, foi conduzida para
identificar a razão da maior incidência de suicídio e burnout entre
os residentes (14 cometeram suicídio nos cinco anos anteriores ao

170 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


estudo). Foi revelado que o estresse é maior nos primeiros anos de
residência.

Como na Turquia o número de anestesiologistas estava muito


abaixo do necessário, enfermeiros anestesistas e técnicos pre-
dominavam no país. Apesar do treinamento, esses enfermeiros e
técnicos tiveram maior capacidade de lidar com situações mais
críticas, sem a ajuda do residente. A falta de controle entre os re-
sidentes estava causando sentimentos de inadequação e baixos
escores de sucesso pessoal.

O estresse percebido foi decaindo com idades mais elevadas. Os


idosos e o sexo feminino foram associados com menos exaustão
emocional e despersonificação, respectivamente, e ambos foram
associados com alta realização pessoal. Interessantemente, ter
dois ou mais filhos foi associado com realização pessoal maior,
menor despersonificação e exaustão emocional.

Na Austrália, foi conduzida uma pesquisa com 422 anestesistas39


para avaliar os níveis de estresse e satisfação no trabalho. Os
maiores níveis de estresse reportados ocorreram na faixa etária
de 41-50 anos. Anestesistas com idades entre 30-60 anos tiveram
maior capacidade de priorizar a questão casa/trabalho que os
mais jovens ou mais velhos. Anestesiologistas do sexo feminino
reportaram maior nível de estresse na escala analógica visual e
tendiam a reagir a situações estressantes com mais raiva e delírio
que os homens. Priorizavam a problemática casa/trabalho de
melhor forma que os anestesiologistas homens e consideravam
que um grupo unido era o elemento mais importante para reduzir
o estresse no trabalho.

O tempo restrito (pressão de deixar tudo em tempo, chegar cedo


para avaliação pré-anestésica, trabalhar horas incertas) foi o fator
que mais contribuiu para o estresse, bem como o enfrentamento
de problemas com colegas e parceiros – ou o fato de estar irritado.
Ter assistentes experientes e melhor organização no trabalho foi
avaliado como o melhor método para reduzir o estresse no am-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 171


biente de trabalho. Numa escala de 0 a 10, a pesquisa encontrou
média do nível de estresse de 4,1 e nível de satisfação no trabalho
de 7,1.

Os componentes de satisfação na especialidade foram a prestação


de serviços de alto padrão e o imediatismo de efeitos e praticidade.
No entanto, a percepção sobre a importância do seu trabalho tem
sido cada vez mais inexistente. A falta de reconhecimento de cole-
gas cirurgiões e o ser considerados como desnecessários, ao invés
de ativos, também por equipes de gestão do hospital, foram cita-
dos por muitos como áreas de descontentamento. O estudo iden-
tificou que o burnout não era incomum no grupo de anestesistas
australianos. Entretanto, foi notado que os anestesistas tiveram
indicadores de burnout considerados consistentes com outros
grupos clínicos, mas na extremidade inferior da escala de burnout.
Exaustão emocional alta, níveis elevados de despersonificação e
baixos níveis de realização pessoal foram observados, respectiva-
mente, em 20%, 20% e 36% dos entrevistados.

Na Índia 40, cerca de 41,7% dos anestesistas (num total de 115 en-
trevistados) sentiram-se sobrecarregados na maioria das vezes e
29,6%, às vezes. Cerca de 50% sentiam estar estressados, embo-
ra as horas diárias de trabalho média variassem entre 5-12 horas.
Apesar de 47,2% estarem satisfeitos com seus ganhos, apenas
1,7% afirmaram receber excelente remuneração, e 26,1% acredi-
tam receber remunerações inadequadas. Quase 60% dos anes-
tesistas tinham bom relacionamento com os cirurgiões e quase
metade sentiram que não recebiam o devido reconhecimento por
seus serviços.

Sessenta e um anestesistas relataram passar tempo de qualidade


com a família, apesar dos apertados horários de trabalho. Indepen-
dentemente do estresse, excesso de trabalho e sacrifícios pessoais,
alto número de profissionais (82,6%) gostava do próprio trabalho.
Sintomas somáticos foram reportados, como dor nas costas (n =
19), doença do refluxo (n = 14), hipertensão (n = 12), diabetes melli-
tus (n = 8), depressão (n = 4) e doença coronariana (n = 2).

172 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Os autores concluíram que as boas relações interpessoais, habi-
lidades de comunicação e alto quociente emocional são neces-
sários para os anestesistas, além de prosperar e sair de férias pe-
riódicas com a família. A limitação deste estudo foi a de que foi
realizado com participantes de uma conferência regional. Portan-
to, não pode ser representativo de toda a população.

Na Nigéria, 55 anestesistas foram pesquisados 41 ​​ para avaliar os


níveis de satisfação no trabalho e estresse. Dos 46 participantes,
não houve diferenças de gênero na satisfação ou insatisfação no
trabalho, porém os entrevistados mais velhos (faixa etária de 40-
49 anos) tiveram maior satisfação. No geral, 27 (58,7%) dos anes-
tesiologistas estavam satisfeitos (grau 3-5 na “Likert Scale”) com o
seu trabalho; 8,7% estavam muito satisfeitos (grau 5) e 6,5%, mui-
to insatisfeitos (grau 1). As horas gastas no trabalho por semana
– por anestesiologistas, abaixo do nível do consultor – contabiliza-
ram 75h-88h. No último ano, 54,3% tinham saído de férias e ape-
nas 34,8% praticavam, de alguma forma, uma atividade esportiva.

A pressão para fazer as coisas em tempo (causa principal), as lon-


gas horas de trabalho com quantidade de sono insuficiente e a
situação de emprego (médicos chefes, residentes e idosos que
tiveram trabalho futuro incerto) foram os principais estressores
identificados. É preocupante o fato de que 21,4% (6 de 28) dos
participantes consideraria optar por sair do programa de resi-
dência em anestesiologia, enquanto 32,6% estavam prontos para
buscar outra carreira se lhes tivesse sido dada nova oportunidade.
O estresse foi aliviado com base na religião ou ajuda espiritual. Os
autores concluem sugerindo que ter um tempo definido aumen-
taria a satisfação no trabalho.

Foi realizada uma pesquisa na Finlândia 42 para medir o grau de


estresse e burnout entre 550 anestesistas (dos quais 328 respon-
deram), bem como as consequências do estresse entre eles. O
“Occupational Stress Questionnaire” modificado 43, MBI e uma sé-
rie de outros questionários foram utilizados. A média de idade do
grupo foi de 47 anos. Sessenta e oito por cento dos anestesistas

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 173


sentiram-se estressados. O estresse percebido aumentou com a
carga de trabalho (p = 0,02). Os principais motivos de estresse fo-
ram: trabalho (em 64%), trabalho e a família combinados (48%),
saúde (17%), família (16%), relações pessoais (13) e questões fi-
nanceiras (12%).

Limitações de tempo, sobrecarga de trabalho, questões de or-


ganização e do medo de causar prejuízo aos pacientes foram as
principais “preocupações no trabalho”. Sintomas relacionados
com estresse incluíram cansaço, irritação, bocejos, distúrbios do
sono, sensação de frio, distúrbios de memória e cefaleia. Não
surpreendentemente, verificou-se queda estatisticamente signi-
ficativa nestes sintomas após um período de duas semanas de
férias. Sexo feminino e faixa etária mais jovem tinham níveis mais
elevados de estresse. Carga de trabalho de plantão afetou signi-
ficativamente os níveis de EE e burnout, com EE relatado por 32%
de menor carga de trabalho e 68% nas categorias mais altas de
cargas de trabalho, enquanto o burnout foi observado em 18% e
45%, respectivamente.

Não foram registradas diferenças estatisticamente significativas


de gênero em relação a burnout. Estar de plantão foi a razão
mais frequentemente relatada para a privação de sono.
Alarmantemente, quase 25% dos entrevistados (o que na
população em geral gira em torno de 10%) tiveram o pensamento
de suicídio, enquanto 2% o planejaram. Anestesistas tiveram altos
níveis de eficácia profissional, explicados por suas longas carreiras
e boas habilidades profissionais, diminuindo, assim, o indicador
de burnout.

Os autores citam que na Finlândia o suicídio (17%) e os acidentes


(11%) foram causas importantes de morte entre anestesistas, em
comparação com outros médicos e a população em geral. O cro-
nograma de um anestesista continua ainda a depender dos ho-
rários de cirurgiões e outras questões, diminuindo seu controle
profissional e eficácia.

174 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


O estudo conclui propondo que intervenções são necessárias
para encurtar o período de trabalho de plantão, limitar o turno da
noite e monitorar os níveis de estresse relacionados ao trabalho,
mediante métodos que possam realizar uma detecção precoce.

Nos Estados Unidos da América 44 um estudo transversal em todo


o país, com 117 cadeiras de especialização em anestesiologia, foi
realizado para identificar potenciais fatores de estresse e a inci-
dência de burnout. Quase 59% das matérias estavam em risco de
gerar a síndrome de burnout. Os fatores principais foram a preo-
cupação com a retenção de conhecimento e a questão financeira.

Dos 93 entrevistados, 34% relataram alta satisfação com o traba-


lho atual, embora a mesma tenha caído significativamente nos
últimos cinco anos. Quando o equilíbrio na vida profissional foi
avaliado, 44% manifestaram insatisfação moderada a alta, e ape-
nas 13% afirmaram o mesmo nível de insatisfação com seu salário.
Os participantes demonstraram nível moderado de controle so-
bre suas vidas profissionais e uma visão favorável sobre esta ques-
tão. Das 93 matérias de anestesiologia, 26 (28%) preencheram os
critérios para alto nível de burnout, com um adicional de 29 (31%)
na categoria moderada a alta de burnout. Idade, sexo, tempo da
matéria, tempo de trabalho semanal e eficácia percebida não di-
feriram entre as matérias no alto risco, quando comparadas com
as categorias de menor risco.

Os profissionais com cargos mais elevados relataram risco maior


de deixar o cargo nos próximos dois anos, demonstrando meno-
res escores de eficácia pessoal e baixa satisfação no trabalho atual,
sendo os mais afetados por estressores enfrentados pelo departa-
mento. Pontuações de apoio do cônjuge também foram significa-
tivamente menores no grupo de alto risco de burnout, pela falta
de compreensão às horas extras de trabalho exigidas. Diminuição
da satisfação do trabalho atual e baixo apoio do companheiro fo-
ram identificados como preditores independentes de risco eleva-
do de burnout neste estudo.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 175


O estresse relacionado com preocupações orçamentárias e as
questões de acreditação/confiança associados com o programa
de residência estavam entre as maiores fontes de estresse. Repre-
senta especial preocupação, aqui, o fato de que as cadeiras de
anestesiologia exibiram maior taxa de burnout em comparação
com as de ginecologia/obstetrícia 45, otorrinolaringologia 46 e of-
talmologia 47, em estudos semelhantes. O grau de despersonifica-
ção e exaustão emocional foi maior em cadeiras de anestesiologia
do que em cadeiras desses outros departamentos. A importância
da orientação adequada de lidar com o estresse e os desafios ad-
ministrativos também foi discutida 48.

Os autores sustentam a ideia de que os médicos que cultivam o


bem-estar pessoal e profissional são menos propensos a desen-
volver burnout ou, pelo menos, a diminuir o seu impacto sobre
suas vidas 49. O desenvolvimento do bem-estar deve ser estimu-
lado ao longo da carreira, sempre tomando cuidado para minimi-
zar a gratificação prorrogada utilizada com tanta frequência por
médicos 50.

No Canadá, um estudo de 945 anestesiologistas foi realizado 51


para avaliar a satisfação geral com o trabalho. A atitude dos cirur-
giões e pacientes perante os anestesiologistas também foi ana-
lisada. Dos entrevistados, 75% classificaram sua satisfação como
alta (classificação 4 e 5 na “Likert Scale”). Dos anestesiologistas,
10% estiveram totalmente satisfeitos, enquanto 1% da amostra
ficou totalmente insatisfeita. A média de horas de trabalho por
semana foi de 59 ± 12 horas.

A satisfação no trabalho entre os anestesiologistas foi significa-


tivamente associada com o estímulo intelectual, a boa qualida-
de do atendimento aos pacientes e a interação com os mesmos.
Comparando anestesiologistas, funcionários e residentes, os resi-
dentes estavam mais satisfeitos em geral. Não houve diferenças
significativas na satisfação entre os sexos ou entre mais velhos
e mais novos anestesistas. Engajamento em qualquer subespe-
cialidade de anestesia, – por exemplo, dor crônica, UTI etc. – não

176 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


foi associado com aumento significativo na satisfação global de
emprego.

Apenas 45% dos participantes se sentiram altamente reconheci-


dos pelos cirurgiões, afetando significativamente a satisfação no
trabalho. Os que se sentiram altamente reconhecidos por seus co-
legas cirurgiões relataram 87% de satisfação geral em compara-
ção com 65% dos que não o fizeram (P = 0,001). Dos entrevistados,
63% relataram reconhecimento dos pacientes do anestesiologista
como médico. O reconhecimento, pelo paciente, do anestesiolo-
gista como médico resultou em maiores níveis de satisfação no
trabalho global (82% contra 63%, P = 0,001).

Os autores concluem que o constante estímulo intelectual permi-


te maior qualidade de atendimento, melhorando a relação com os
pacientes, e a prestação de assistência adequada na sala de cirur-
gia deve aumentar a satisfação no trabalho. Isso se traduziria em
redução da incidência de burnout entre os anestesiologistas ca-
nadenses 28,32,33. Melhorar a forma como os anestesiologistas são
reconhecidos por cirurgiões, ajudando a comunicação, identifi-
cando as áreas de insatisfação e corrigi-las também deve, a longo
prazo, contribuir para o aumento da satisfação profissional entre
esses profissionais.

No Brasil, um estudo 52 foi realizado no Rio Grande do Sul para


avaliar e comparar a percepção de qualidade de vida entre anes-
tesistas e médicos não anestesistas que trabalham na capital,
bem como nos diferentes hospitais da cidade. Foram utilizados
três questionários específicos, incluindo o “World Health Organi-
zation-Quality of Life Group” (WHOQOL-BREF) 53.

Anestesistas tiveram níveis no WHOQOL-BREF significativamen-


te mais baixos em comparação com os não anestesistas nos se-
guintes aspectos: físico, psicológico, social, relacionamento, meio
ambiente e qualidade de vida geral. Evidenciou-se que a sua
“qualidade de vida” foi inferior em muitos aspectos da análise. A
participação reduzida em eventos científicos, pior relacionamen-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 177


to com os colegas e menos tempo de graduação foram fatores
significativos observados na pesquisa.

O estudo destacou significativo impacto da atitude do cirurgião


perante o anestesiologista e sua satisfação profissional – resul-
tado também observado no estudo anterior 51. Relações sociais
(mais tempo de leitura, fazer amigos, relações familiares) também
foram demonstradas 54 como ferramentas para reduzir o estresse,
haja vista que a confiança dos anestesiologistas em suas relações
e competências pessoais e intelectuais para lidar com demandas
diárias superam até mesmo o apoio dos colegas ou patrões.

Na Suécia 55, um estudo qualitativo foi realizado para verificar as


dificuldades no trabalho a partir da própria perspectiva dos anes-
tesistas e examinar como lidam com situações percebidas como
difíceis e potencialmente estressantes.

Curiosamente, a pesquisa revelou duas maneiras principais de


como os anestesistas lidam com as dificuldades. O primeiro mé-
todo consistiu em tentar resolver efetivamente o problema, en-
quanto o segundo visou encontrar uma estratégia para minimizar
o estresse, apesar do problema não ser resolvido. Os principais
problemas identificados foram as dificuldades inerentes à aneste-
sia, como casos ou situações difíceis, tomar decisões eticamente
difíceis e falta de respeito por parte de outros médicos/cirurgiões.

Várias estratégias para a resolução de problemas descritos foram


simplificadas, começando a partir da tarefa mais óbvia e simples
– a busca de apoio de colegas –, delegação de trabalho e boa co-
municação com os cirurgiões e funcionários. As estratégias de en-
frentamento foram abordadas em aceitar situações difíceis, como
parte integrante do trabalho, reconhecendo as próprias limita-
ções (competência individual e do sistema de saúde), dizendo
“não” a exigências excessivas e limitando as tarefas àquelas que
podem ser feitas com segurança.

Os autores concluem haver ampla evidência de que o trabalho dos


anestesistas é difícil e potencialmente muito estressante. Por isso,

178 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


precisam de estratégias de enfrentamento para o bom funciona-
mento. Anestesistas, especialmente os jovens (tempo de trabalho
limitando sua exposição clínica total, em seus anos de formação),
às vezes podem não ter a experiência necessária para alguns dos
casos mais difíceis que porventura encontrarão. Por conseguinte,
devem desenvolver a capacidade de lidar com a incerteza e o erro,
qualidade pessoal que pertence ao profissionalismo 56. Jovens
médicos também devem ser ajudados a se tornar especialistas sa-
tisfeitos com o próprio trabalho, consequentemente desfrutando
dos frutos de seu trabalho e possibilitando o bem-estar e segu-
rança de seus pacientes 57.

O Comitê de Bem-Estar Profissional (CBP) da World Federation of


Societies of Anaesthesiologists (WFSA) está ativamente envolvido
em pesquisa e desenvolvimento de metodologias para promover
o bem-estar no trabalho entre anestesistas em todo o mundo.

Na primavera de 2010 a CBP realizou uma investigação 2 envol-


vendo 120 sociedades da WFSA, por meio de um questionário
cujo objetivo era identificar a incidência de problemas de saúde
ocupacional entre os membros de determinada sociedade e as
abordagens utilizadas por aquelas sociedades para tratar a saúde
ocupacional dos anestesiologistas. Os resultados mostraram que
mais de 90% das sociedades nacionais de anestesia considera-
ram a síndrome de burnout como efetivo problema entre os seus
membros, mas apenas 14% haviam desenvolvido algum tipo de
estratégia para enfrentá-lo.

O CBP da WFSA também organizou uma sessão especial sobre


“Bem-estar profissional em anestesistas” no Congresso Mundial
de Anestesiologia – realizado em 2012 em Buenos Aires, Argen-
tina. Os tópicos abordados incluíram suicídio, dependência quí-
mica, envelhecimento e desgaste entre os anestesistas. Existe a
necessidade de criar a consciência sobre burnout e estresse em
nossa profissão, bem como utilizar as leis/recomendações/legis-
lações com o suporte de organizações mundiais e órgãos executi-
vos (WFSA, OMS, ASA, governos centro-provinciais etc.).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 179


Conclusão
A síndrome de burnout em anestesistas está rapidamente se tor-
nando grande desafio, com prevalência considerada em torno de
20%-50% em todo o mundo. Burnout tem sido preferencialmente
vista em profissões envolvidas com o cuidado humano. Os anes-
tesiologistas, por condicionamento profissional, parecem ser um
grupo vulnerável. Eles se sentem obrigados a atender a maioria
das necessidades de assistência ao paciente no período periope-
ratório, raramente obtendo benefícios para si mesmos. As cres-
centes demandas de trabalho em face da gratidão não atendida
dos pacientes, bem como dos colegas médicos, pode se manifes-
tar como estresse e burnout entre os anestesistas.

A despersonificação tem sido utilizada como importante compo-


nente de burnout por Maslach e colaboradores na elaboração do
MBI. No entanto, sentimos que existe uma linha tênue entre ser
atencioso para com a segurança dos nossos pacientes, por um
lado, e em ir além, sendo ligado excessivamente com o trabalho
em benefício ao paciente, por outro.

A espera de recompensa ou gratidão após envolvimento íntimo


vem naturalmente, e também o estresse das expectativas não sa-
tisfeitas. Ser rígido, cínico, sincero demais, perfeccionista e emo-
cionalmente apegado com os pacientes sob nossos cuidados
pode realmente resultar em “personalização” e se tornar, com o
passar do tempo, um espectro de burnout. Assim, até certo ponto,
ser seguro no trabalho e trabalhar com uma “abordagem neutra
para um e todos” é aqui proposto como um dos meios para com-
bater o burnout.

É proposto ter uma resposta imparcial, impessoal, na maior par-


te do trabalho de anestesia, incluindo avaliação pré-operatória,
planejamento, execução, procedimentos, gestão de pós-operató-
rio e tratamento de situações críticas, sem infligir negativamente
dano ao paciente. Quando o cuidado é composto pela ausência
de emoções, ego, autoestima ou orgulho, os resultados podem
realmente se tornar melhores para o paciente, bem como para o
médico assistente.

180 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Uma limitação para essa teoria de “personalização” pode ser a ob-
servação da alta incidência de burnout em jovens residentes em
anestesia, que podem não ter ainda trabalhado durante tempo
suficiente para acumular estresse. A combinação de baixa realiza-
ção pessoal, incidentes críticos e falta de apoio social/profissional
adequado pode precipitar um esgotamento mais rápido nesta
população.

A falta de maturidade (recursos pessoais de enfrentamento) nos


jovens residentes e a responsabilidade de fazer tarefas comple-
xas de forma independente podem, frequentemente, empur-
rá-los para situações de alto risco, somando-se a seus níveis de
estresse e, finalmente, burnout. Por isso, defendemos ser a hora de
afastar-se do modelo “personalização“ para, na verdade, um dos
“despersonalização”. Desenvolvimento de ferramentas e pesqui-
sas com correlação negativa de altos índices de “personalização”
como um componente de burnout, em vez de despersonalização,
seria uma medida adequada nesse sentido.

A maioria dos estudos surpreendentemente revelou que os anes-


tesistas têm alta satisfação no trabalho e que são muito contentes.
No entanto, a falta de controle sobre o trabalho e a falta de orga-
nização no local de trabalho gera significativo estresse e burnout
entre os anestesistas. O papel da comunicação, o trabalho em
equipe/camaradagem com os colegas e pessoal de enfermagem,
a disponibilidade de assistência especializada e, mais importante,
a intervenção de gestão de pessoas para melhorar e organizar as
condições de trabalho para os anestesistas parecem ser algumas
medidas recomendadas.

Os homens parecem ter maior nível de autonomia e controle so-


bre os riscos, enquanto as mulheres são vistas como tendo maior
incidência de exaustão emocional, com maior tendência de bur-
nout. Se qualquer especialidade, por exemplo, a anestesia, tende
a ter maioria de mulheres em comparação com o número de ho-
mens que nela militam, isto poderia inclinar os números em favor
de uma maior incidência. Por isso, pode ser prudente direcionar
mais recursos, apoio social e iniciativas para a reabilitação de

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 181


anestesistas do sexo feminino, e impedir o aumento da prevalên-
cia de burnout em nossa especialidade.

Resumo
Um novo termo “Weingologia” foi cunhado para promover a im-
portância deste assunto no ambiente de trabalho atual. A Wein-
gologia se refere, praticamente, em se afastar de um “modelo de
burnout” negativo e se aproximar de um saudável e encorajador
“engajamento no trabalho”. Estudos que podem nos ajudar a guiar
as intervenções necessárias para reduzir os aborrecimentos diá-
rios permitem que tenhamos maior controle sobre o nosso tempo
e trabalho, bem como promovem um ambiente positivo de enga-
jamento. A “teoria da personalização” tem sido proposta como um
obstáculo à liberdade para trabalhar, e a despersonalização pode
realmente ser benéfica. Políticas nacionais para prevenir e tratar a
síndrome de burnout e patologias relacionadas no profissional de
saúde devem ser desenvolvidas.

182 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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188 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Medindo o bem-estar profissional em
anestesiologistas: estruturas conceituais e
atributos do instrumento
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho
TSA/SBA, instrutor corresponsável pelo CET Integrado da SES
do Estado de Santa Catarina

Bem-estar subjetivo como um estado afetivo


A definição clássica de bem-estar subjetivo inclui os conceitos de
felicidade e satisfação com a própria vida. Em sentido mais am-
plo, o bem-estar subjetivo depende de experiências prazerosas,
baixos níveis de humores negativos (ansiedade, frustração, de-
pressão, por exemplo) e altos níveis de satisfação com a própria
vida. As experiências positivas englobadas pelo conceito clássico
de bem-estar são os elementos que tornam a vida uma experiên-
cia gratificante. Neste capítulo, o foco das medidas de bem-estar
subjetivo será o bem-estar ocupacional.

Seguindo o conceito clássico, Diener e colaboradores desenvol-


veram uma escala com cinco itens destinados a medir a satisfação
com a vida 1, com escores possíveis entre 5 e 35 pontos. Em pes-
quisa envolvendo cidadãos estadunidenses, pontuações acima
de 25 pontos demonstraram níveis de satisfação com a própria
vida maiores do que a maioria dos indivíduos.

As pesquisas baseadas no conceito clássico mostraram que viver


em um país rico e possuir recursos para atingir objetivos pessoais
são fatores preditivos de maior felicidade. Também são fatores
determinantes de bem-estar subjetivo o temperamento caracte-
rizado por baixos níveis de preocupação, o desenvolvimento de
objetivos realistas e significativos, as relações sociais sólidas e as
perspectivas pessoais positivas 2. As pesquisas sobre o bem-estar
subjetivo identificaram diversos componentes, agrupados em do-
mínios 3 – listados no Quadro 1.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 189


Conclui-se, portanto, que o bem-estar subjetivo, mais que felici-
dade e satisfação com a própria vida, inclui diversas facetas, agru-
padas em, pelo menos, quatro domínios. Além disso, o conceito
de bem-estar também pode ser visto sob o ponto de vista de
diferentes atividades e situações pessoais do indivíduo, como o
trabalho, a vida em família, suas próprias aspirações de bem-estar,
sua saúde, finanças etc. É esta estrutura complexa que caracteriza
o conceito de bem-estar subjetivo como amplo e multifacetado.
Isto significa, em termos de mensuração, a necessidade de uso de
diferentes instrumentos destinados a medir os diversos subcons-
trutos englobados no construto de bem-estar subjetivo.

Quadro 1. Componentes do bem-estar subjetivo


Afeto Afeto Satisfação Satisfações
prazeroso desprazeroso com a vida específicas
Desejo de mudar
Alegria Culpa e vergonha Trabalho
de vida
Satisfação com a
Júbilo Tristeza Família
vida atual
Ansiedade e Satisfação com o Lazer
Contentamento
preocupação passado Saúde
Satisfação com o
Orgulho Raiva Finanças
futuro
Percepções
de pessoas
Felicidade Depressão significativas em Própria
relação à vida do
indivíduo
Êxtase Inveja Grupal

Bem-estar ocupacional
Ao contrário da visão clássica de bem-estar subjetivo como um
processo puramente afetivo, outros investigadores incorpora-
ram dimensões não afetivas ao conceito de bem-estar. Estas di-
mensões, como o comportamento e a motivação, aumentaram
o espectro do construto do bem-estar subjetivo e permitiram a
derivação de modelos conceituais para o bem-estar subjetivo

190 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ocupacional. Os principais modelos a incorporar dimensões não
afetivas ao conceito de bem-estar subjetivo foram os de Ryff e co-
laboradores 4 e de Warr e colaboradores 5, brevemente descritos
a seguir.

O modelo de bem-estar de Ryff


O modelo de bem-estar de Ryff e colaboradores caracteriza-se por
ser independente do contexto. Foi elaborado a partir de estrutu-
ras conceituais multidimensionais de funcionamento psicológico
positivo e identifica seis dimensões para o bem-estar:

1. autoaceitação: possui uma atitude positiva em relação a si mes-


mo; reconhece e aceita múltiplos aspectos seus, incluindo boas e
más qualidades; sente-se positivo em relação às suas experiências
de vida;

2. relacionamentos interpessoais positivos: possui relações sa-


tisfatórias de confiança com os outros, está preocupado com o
bem-estar dos outros, capaz de forte empatia, afeto e intimidade;
entende o dar e o receber próprios das relações humanas;

3. autonomia: é autodeterminado e independente, capaz de re-


sistir às pressões sociais para pensar e agir de determinadas ma-
neiras, regula o comportamento a partir de convicções interiores,
avalia-se por padrões pessoais;

4. domínio ambiental: tem senso de domínio e competência na


gestão do ambiente, controla o conjunto complexo de atividades
externas, faz uso efetivo das oportunidades que o cercam, é capaz
de escolher ou criar contextos adequados às suas necessidades e
valores pessoais;

5. Objetivos na vida: tem objetivos e um senso de direcionamen-


to, sente que há um significado para sua vida presente e para o
seu passado, tem crenças que dão propósito de vida, tem metas e
objetivos para sua existência;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 191


6. crescimento pessoal: possui sentimento de desenvolvimento
contínuo, vê a si mesmo como um ser em crescimento e expan-
são, está aberto a novas experiências, tem objetivo de concretizar
seus potenciais, vê melhora em sua pessoa e em seu comporta-
mento ao longo do tempo, está em constante mudança, de forma
a refletir imagem de mais autoconhecimento e eficácia.

O modelo de bem-estar ocupacional de Warr


Warr e colaboradores 6 focaram a criação de seu modelo de bem-
estar em um domínio específico: o ocupacional. Para estes auto-
res, o conceito de bem-estar ocupacional confunde-se com o de
saúde mental no trabalho e possui quatro dimensões primárias:
bem-estar afetivo, aspirações, autonomia e competência. Uma
quinta dimensão secundária, o funcionamento integrado, abran-
ge as dimensões primárias e reflete o funcionamento da pessoa
como um todo.

Figura 1. Eixos principais para a medida do bem-estar afetivo

O bem-estar afetivo limita-se aos sentimentos expressos como


sentir-se bem ou mal. Uma outra dimensão foi identificada em
alguns estudos e nomeada excitação 7. Das diversas facetas do
bem-estar afetivo, o eixo prazer-desprazer parece ser o mais
influente. A excitação não se correlaciona com os demais eixos
do construto 8, de forma que não é levada em consideração
nas medidas de bem-estar afetivo. A aspiração é um conceito
relacionado com motivação intrínseca e refere-se ao interesse
do indivíduo por seu trabalho. Em sua forma mais positiva,

192 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


caracteriza-se pela disposição do indivíduo em buscar desafios
crescentes no âmbito ocupacional. Em sua forma mais negativa,
é representada pela apatia e conformidade com o status quo do
ambiente ocupacional. A autonomia refere-se à capacidade de
o indivíduo manter e seguir suas opiniões e crenças dentro do
ambiente ocupacional, resistindo a pressões contrárias às suas
convicções viscerais. A competência refere-se à capacidade do
indivíduo em lidar com os problemas do ambiente ocupacional e
de manter-se eficaz, apesar das adversidades.

Fatores ambientais também influenciam a saúde mental ocupacio-


nal. Nove grupos foram identificados por Warr e colaboradores 6:
1. oportunidade para controle do próprio trabalho;
2. oportunidade para uso de habilidade próprias;
3. metas geradas externamente;
4. variedade do conteúdo e da localização do trabalho;
5. clareza de informações no ambiente de trabalho;
6. disponibilidade de dinheiro e de recursos materiais;
7. segurança física;
8. oportunidades para relacionamentos interpessoais;
9. valorização social e profissional.

Esses fatores ambientais, segundo Warr, atuam como promoto-


res de saúde mental no ambiente de trabalho até determinado
ponto, a partir do qual o efeito se torna constante. Alguns fatores,
quando operando em intensidade maior que a desejável, podem
influir negativamente na saúde mental do trabalhador. Em uma
analogia com vitaminas, Warr exemplifica fatores como as vitami-
nas A e D, que tomadas em excesso podem ter efeitos colaterais
graves, em contraste com as vitaminas C e E cujas doses, mesmo
altas, não predispõem o indivíduo a reações de toxicidade. Den-
tro deste conceito, os fatores AD (também iniciais de additional
decrement) e CD (constant effect) determinam a forma não linear

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 193


das curvas saúde-mental fator ambiental. Dos fatores acima re-
lacionados, apenas a disponibilidade de dinheiro e recursos ma-
teriais, a segurança física e a valorização social e profissional não
influenciam negativamente a saúde mental quando em excesso.
Na Figura 2, representa-se uma curva típica dos efeitos de fatores
ambientais sobre a saúde ocupacional.

O modelo de bem-estar ocupacional de van Horn e


colaboradores
Van Horn e colaboradores 9 elaboraram um modelo conceitual
baseado nos modelos de Ryff e Warr. Testado em uma coorte de
professores, este modelo possui cinco dimensões: afetiva, profis-
sional, social, cognitiva e psicossomática. A análise fatorial con-
firmatória mostrou que essas dimensões traduzem um conceito
subjacente mais geral. Baseados neste modelo, os autores con-
cluem que o bem-estar ocupacional é, na verdade, um conceito
amplo constituído de diferentes facetas que formam o núcleo
conceitual.

Medindo o bem-estar-ocupacional
Em medicina, a pesquisa sobre o bem-estar ocupacional tem sido
direcionada principalmente à investigação da prevalência de dis-
túrbios mentais entre profissionais de saúde. Depressão, uso de
drogas e álcool, distúrbios do humor, tendências suicidas e sín-

194 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


drome de fadiga extrema (burnout) têm se mostrado prevalen-
tes entre médicos e demais profissionais de saúde em geral 10 e,
especialmente, entre anestesiologistas e médicos residentes de
anestesiologia 11. Faltam, entretanto, instrumentos para a medida
do construto do bem-estar ocupacional do anestesiologista. Esta
seção pretende descrever os principais elementos do desenvolvi-
mento de medidas de bem-estar ocupacional.

O planejamento da pesquisa
O processo de planejamento deve envolver quatro fases, cada
qual representada por uma pergunta 12:

1. necessidades do pesquisador: que dúvidas fundamentais devem


ser resolvidas pela pesquisa? – nesta fase, o usuário da pesquisa
deverá determinar que construto, conceito abstrato ou variável
latente constituirá o foco da medida;

2. análises: que tipo de análises estatísticas serão aplicadas aos da-


dos para obter as respostas desejadas? – nesta fase, o pesquisador
deve determinar que tipo de análises serão mais apropriadas. Esta
etapa é de fundamental importância, vez que é a partir dela que
se determinam os tipos de escalas, o tamanho da amostra e as
covariáveis pertinentes;

3. extração dos dados: que tipo de dados devem ser extraídos e ta-
bulados para permitir as análises propostas? – nesta fase, os tipos
de variáveis e respectivas escalas devem ser determinadas, bem
como eventuais transformações programadas para permitir o uso
dos dados de forma a obter resultados válidos e confiáveis nas
análises programadas;

4. itens: que questões precisam ser criadas para elucidar os dados


necessários para a solução das questões principais do estudo? –
esta fase é crucial e deve ser realizada com técnicas apropriadas,
como os grupos de foco 13 e o método Delphi 14-17.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 195


Indicadores psicométricos
Duas facetas devem ser obrigatoriamente estimadas quando da
descrição de uma ferramenta de avaliação: a confiabilidade e a
validade.

Confiabilidade
A confiabilidade assume diferentes formas:

a) consistência interna, ou reprodutibilidade. Os resultados são


reproduzíveis quando aplicados a amostras semelhantes. O coe-
ficiente alfa de Cronbach é uma medida clássica da consistência
interna de um instrumento de avaliação;

b) confiabilidade teste-reteste garante que a medida é estável


quando aplicada em momentos distintos;

c) confiabilidade entre examinadores: a medida não é dependen-


te das pessoas que a aplicam, produzindo resultados altamente
correlacionados quando aplicados por diferentes examinadores
simultaneamente;

d) confiabilidade paralela, verificada pela correlação entre duas


formas de um mesmo instrumento, aplicadas a populações dis-
tintas.

Validade
Além das validades de face e de conteúdo determinadas a partir
da análise do instrumento por especialistas antes de sua aplica-
ção, outras formas de validade podem ser estimadas:

a) validade convergente: o instrumento produz medidas forte-


mente correlacionadas com as obtidas por outro instrumento
destinado a medir o mesmo construto;

b) validade discriminante: o instrumento é capaz de discriminar


entre construtos distintos;

196 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


c) validade preditiva: a medida produzida pelo instrumento é ca-
paz de predizer desfechos.

A robustez do instrumento de medida é tanto mais forte quanto


mais robustos forem os seus indicadores de validade e confiabili-
dade.

Conclusões
O bem-estar ocupacional parece ser um construto único, compos-
to por facetas relacionadas a afeto, competência social, saúde físi-
ca e motivação intrínseca. O bem-estar de anestesiologistas ainda
não pode ser medido, dada a inexistência de ferramentas espe-
cíficas que abordem todas as facetas identificadas do construto
“bem-estar ocupacional”. A construção de tal instrumento deve se-
guir os procedimentos técnicos preconizados para a produção de
instrumentos de avaliação de construtos psicossociais.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 197


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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 199


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200 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Residentes de anestesiologia: importância
do bem-estar ocupacional
Helena Maria Arenson-Pandikow,
Ph.D., profª. dra. associado IV do Departamento de Cirurgia
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Florentino Fernandes Mendes
Ph.D., prof. dr. adjunto III de Anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre,
Hospital Santa Casa de Porto Alegre

Introdução
As questões ligadas à qualidade de vida representam, hoje, uma
prioridade para os profissionais de países desenvolvidos. No Brasil,
a literatura do mundo leigo e, em especial, a mídia, vêm difundindo
e popularizando a importância da mudança de hábitos nocivos de
vida. Daí, resultarem programas inovadores e sistemáticos na busca
pela valorização da saúde e bem-estar coletivo 1,2. Nesse processo,
a saúde ocupacional dos profissionais médicos também vem rece-
bendo enfoques preventivos institucionais, uma vez que o desgas-
te físico e mental, inerente às atividades assistenciais, compromete
a qualidade do seu desempenho junto à comunidade.

Contudo, no âmbito da anestesiologia e por mais que se aponte


a prevalência continuada de doenças psicopatológicas ligadas ao
exercício da atividade, elas não causam o devido impacto. Para a
maioria dos nossos profissionais existe um abismo entre as preo-
cupações mais prementes no espectro de vida profissional e fami-
liar e um futuro incerto. Novas áreas de prática tornam o merca-
do de trabalho na especialidade muito estimulante e vantajoso.
Assim, uma recompensa oferecida agora será prontamente aceita
em detrimento da promessa por algo maior em futuro remoto. No
entanto, e apesar dessa momentosa realidade, a qualidade de vida
dos nossos profissionais, comparativamente, permanece aquém
dos médicos de outras especialidades 3. Por conseguinte, o jovem
em formação “pega o jeito de atuar da equipe na qual deseja fazer

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 201


parte” e incorpora padrões e cultura vigente. Considerando que o
prazer no trabalho se traduz em felicidade e bem-estar, o objetivo
deste capítulo é discutir princípios e fundamentos relacionados
com o bem-estar do médico, especificamente, residente de anes-
tesia.

Desenvolvimento
Impacto do problema e causas determinantes
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de
vida é a percepção que cada indivíduo tem no contexto da cultura
e do sistema de valores em que vive, levando em conta suas me-
tas, suas experiências, seus padrões. O período de especialização
em anestesiologia incorpora mudanças abruptas comportamen-
tais nos indivíduos as quais, dependendo do grau de imaturidade
emocional do médico residente e/ou portador de baixa resiliência,
podem provocar graves crises de saúde física e mental. O Quadro
1 apresenta os desencadeantes, sendo que as repercussões do es-
forço de adaptação estão representadas na Figura 1.

Quadro 1. Fatores causais


• Jornadas longas/sobrecarga de atividades
• Pacientes complexos/cirurgias de grande porte
• Atividade NÃO condizente com o nível de formação e valores
• Princípios éticos discutíveis nas relações de trabalho
• Erro médico/o médico residente como segunda vítima
• Falta de apoio de preceptores/ênfase na formação de profissionais
operacionais
• Processo de reciclagem dos preceptores insuficiente/repasse de ritmos e
lógica de trabalho alheia à residência médica
• Saúde: distúrbios do sono e alimentares, resfriados/gripe de
repetição, gastrite, LER (lesões por esforço repetitivo)/Dort (distúrbios
osteomusculares relacionados ao trabalho)/ferimentos das mãos, entorses
do tornozelo e do pé, fraturas do pé, do tornozelo e do antebraço
• Mecanismos de segurança inapropriados/ergonômicos/acidentes
• Exposição a agentes nocivos: físicos (luz, ruído, temperatura, umidade,
radiações); químicos (substâncias orgânicas, inorgânicas, resíduos, voláteis);
biológicos (vírus, bactérias, protozoários)

202 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


• Hábitos digitais como norma de vida. Troca do real pelo virtual (redes
sociais como forma de aproximação, de resgate, de compartilhamento);
• Dificuldade na concentração/lapsos de memória
• Dúvidas quanto à escolha da especialidade/incertezas sobre o futuro e
onde trabalhar; incapacidade para reagir/sofrimento psíquico (estresse,
ansiedade, depressão, drogadição, estafa, burnout)
• Sentimento de injustiça/desmoralização
• Morte do prazer no trabalho com predomínio do senso de obrigação
Fonte: referências 1, 3 a 5.

Posto que o atributo resiliência seja entendido como a capacidade


de adaptação de um indivíduo ao estresse de forma saudável, sig-
nifica que deva ser voltado para que os objetivos pessoais sejam
alcançados, com um custo físico e psicológico mínimos. Segun-
do vários autores, é recomendável instituir critérios para a de-
tecção precoce de riscos emergentes de fadiga aguda e crônica
e dos níveis de estresse ocupacional durante a prática clínica dos
anestesiologistas, nos programas de treinamento de residentes 6 ,
na identificação de medidas capazes de promover a resiliência 7 e
o bem-estar do médico 8.

Figura 1. Efeitos do estresse e repercussões do esforço de adap-


tação

Fonte: referências 9 a 11.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 203


Comportamentos e sintomas emocionais identificáveis requerem
reconhecimento e tomada de providências cabíveis. Porém, é pre-
ciso priorizar uma revisão acurada do nosso modelo de trabalho
e de convivências para modificar fatores que podem aumentar o
prazer pelo trabalho e, paralelamente, mitigar a conjunção das
crises vigentes em áreas econômicas, social, ambiental, política e
de valores pessoais.

A Figura 2 oferece uma representação dos principais determinan-


tes do modus operandi do anestesiologista. Idealmente, numa
primeira abordagem cada leitor deveria eleger um cunho de sua
preferência e assumir iniciativas e mudanças preventivas para mi-
nimizar riscos biopsicossociais em sua equipe de trabalho.

Figura 2. Nexo técnico epidemiológico de bem-estar e saúde do


médico em especialização em anestesiologia

Burnout
É uma síndrome que se refere a um tipo de estresse crônico ocu-
pacional e institucional integrado por atitudes e sentimentos
negativos (Quadro 2), sendo prerrogativa dos profissionais que
mantêm uma relação constante e direta com outras pessoas, so-
bretudo quando a atividade é considerada de ajuda (médicos, en-
fermeiros, professores, juízes e policiais).

204 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Primeiramente, foi denominada por Freundenberg 12, sob a pers-
pectiva social-psicológica de Christine Maslach 13, autora do In-
ventário Maslach Burnout. A síndrome de burnout é um construto
em investigação que integra problemas relacionados ao traba-
lho e campos profissionais. Não existe ainda uma definição para
esta síndrome; mas há consenso em considerá-la “quando a rela-
ção indivíduo-trabalho é bloqueada”. A associação entre condi-
ções de trabalho e a ocorrência de doenças físicas e transtornos
mentais vem sendo objeto de estudo desde a metade do século
passado, porém, o reconhecimento clínico de tal relação ainda é
pequeno. Segundo revisão de Benevides-Pereira 14, a incidência
de “burnout” (traduzida como “queimar-se” ou “incêndio interno”)
varia entre 30% a 47%, sendo que no Brasil a ocorrência aparece
apenas na faixa de 10%, o que pressupõe falta de pesquisa ativa,
ou seja, não foi estudado/não pode ser achado!

Quadro 2. Burnout - Tríade de dimensões


I - Exaustão emocional
• Fadiga intensa/colapso emocional
• Nível de exigência percebido além de seus limites
• Extinção da resistência ao estresse

II - Despersonalização
• Distanciamento emocional/baixa coesão social
• Indiferença pelo trabalho/usuários; queda do respeito pelo paciente
• Olhar desfocado de quem perdeu o rumo
• Baixa coesão social
• Perda da identidade (armadura da saúde mental)
III - Eficácia profissional
• Falta de perspectiva para o futuro
• Frustrações frequentes
• Sentimentos de incompetência
• Baixa autoestima
Fonte: referências 9 a 11.

Burnout e depressão
Facilmente se rotula como deprimido o indivíduo que é portador
de fadiga crônica. De fato, na constelação sintomática depressiva

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 205


pode haver sobreposição de fatores de ansiedade-estresse-de-
pressão-burnout 15,16.

Sabe-se da intensificação de quadros depressivos em conexão


com as exigências do mundo contemporâneo que pede veloci-
dade, gente bem-sucedida e bonita, gozo pleno e felicidade facil-
mente ao alcance. O que poderia/deveria ser uma possibilidade
vira quase obrigação 1. Ou seja, é preciso saber fazer da vida uma
festa e desconversar finitude e limites. E o depressivo que recusa
essa festa vive numa bolha psicossocial se sentindo rejeitado. O
sofrimento dobra ao sentir-se jogado mais fundo na imobilida-
de. Nesse cenário, é preciso cultivar uma série de sensibilidades
para evitar a lógica da produção do “sempre há mais um na lista
de atendimentos” do centro cirúrgico.

Diferenças entre burnout, estresse e depressão


••No burnout a “depressão” seria temporária e orientada para
uma situação precisa na vida (trabalho). Pode ser o resultado de
estresse incessante, porém não significa que se instala devido
ao estresse em demasia. O indivíduo estressado pode manter as
coisas sob controle e consegue, ao finalizar tarefas, se sentir re-
feito. Dessa forma, o jovem estabelece um padrão de vida que o
força para dentro de uma linha de atuação. A sua formação pro-
fissional também se faz apressada e incompleta e, dependendo
da pessoa, o quadro gera muito sofrimento psíquico.
••Na depressão vigoram sentimentos de culpa que afetam to-
das as áreas da vida do indivíduo. A insônia acontece na fase
terminal do sono.
••No burnout, se existe algum sentimento de culpa, tende a ser
realista; o indivíduo atribui sua indecisão e inatividade à fadiga;
a insônia tende a ser no início do sono. Assim, a instalação
da depressão, embora precoce, é sutil e lenta. Os sintomas
e sinais não aparecem de forma linear e, na sua maioria, são
subestimados, surpreendendo aos que convivem quando
eclodem. A demora no reconhecimento do problema torna
difícil o diagnóstico diferencial 15,16.

206 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


A frustração no trabalho abre brechas para o isolamento e aliena-
ção mental, grande causa, e não consequência, de sentimentos
de infelicidade. Segundo Turkle 17, quanto mais solitária e indivi-
dualista a pessoa se torna, tanto mais idealiza as possibilidades
de interação pela internet – o atualmente grande recurso “dos
juntos-sozinhos”. A internet representa, na atualidade, o grande
espelho para refletir desejos, interesses e inclinações de muitos
internautas – afastando-os de sua comunidade física.

Iacovides e colegas 18 afirmam que “burnout” parece não estar


relacionado a profissões específicas, mas sim à maneira como se
organiza o trabalho, independentemente da atividade exercida.
Outros 19 sustentam que o determinante fundamental parece ser
a impossibilidade encontrada por pessoas profundamente empe-
nhadas em atingir um ideal (aqui representado por engajamento
completo no trabalho) para alcançar determinada meta. Assim, o
entendimento do conceito de vulnerabilidade 20 torna-se necessá-
rio para qualificar risco psicossocial.

Vulnerabilidade
•• O risco de estar exposto a situações de crise (exposição);
••O risco de não ter recursos necessários para lutar contra estas
situações (incapacidade);
••O risco de estar sujeito a sérias consequências como resulta-
do das crises (potencialidade).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 207


Estes espaços estão superpostos e acabam por reforçar a vulnera-
bilidade individual, ou seja, os indivíduos não têm a mesma vul-
nerabilidade em diferentes contextos (Figura 3).

Figura 3. Fatores determinantes da vulnerabilidade

Fonte: adaptado segundo referências 18 a 20.

Padrão organizacional no trabalho/instituição


Os médicos residentes, no seu relacionamento de aprendizagem,
são interagentes do estresse vivido nas atividades do periopera-
tório. O modelo de conexão real incorpora atitudes e hábitos de
seus preceptores 21, 22 e demais profissionais atuantes na área. As-
sim, cabe considerar que os desafios e os problemas, inevitáveis
no período de formação, encontrem solidariedade, inclusive re-
cursos humanos qualificados para classificar a situação e dar res-
paldo apropriado.

Contudo, a adesão às recomendações para detectar precocemen-


te a presença nefasta do estresse ocupacional indica que a deci-
são pela estratégia precisa ser unanimemente acatada por todos
os componentes da equipe de trabalho.

208 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Existe, em contrapartida, a negação cultural explícita e implícita
de muitos profissionais – de que cabe à chefia do serviço ou à
coordenação da residência médica o controle pelo todo (gestão,
ensino e assistência).

A ocorrência da negação de problema é mérito das instituições


excessivamente burocratizadas, que geram assistência burocrati-
zada e com viés ético ditado pela racionalização, que impõe cri-
térios na escolha dos fármacos, solicitação de exames, recursos
humanos disponíveis, complexidade, prática ambulatorial, hos-
pitalização abreviada, entre outros. As características físicas e de
organização do trabalho em anestesia, dependendo do contexto 20,
reforçam a vulnerabilidade.

O desenvolvimento de processos avaliativos é vital para fortalecer


a imagem profissional do anestesiologista e para estabelecer uma
visão de crescimento do conjunto de necessidades qualitativas
indissociáveis da segurança e confiança no seu trabalho. Dados
obtidos em oficinas, simpósios e levantamentos sucessivos, rea-
lizados em nosso meio, apontaram para fatores intervenientes
na qualidade do convívio e do trabalho no perioperatório. A va-
lorização desses, ao longo do exercício de sucessivas lideranças,
promoveu ações corretivas nos aspectos organizacionais (equipa-
mentos), ambientais (infraestrutura para convívio) e os ligados ao
relacionamento (equipes assistenciais e pacientes) e de ensino.

As figuras 4 a 6 sumarizam os elementos avaliados e retornos obti-


dos em levantamentos de dados, simpósio e grupos de trabalho 23,24.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 209


Figura 4. Oficina de atualização da inter-relação do perioperatório

APA (avaliação pré-anestésica), APO (avaliação pós-anestésica)


SR (sala de recuperação), CTI (centro de tratamento Intensivo)
Nota: fatores preponderantes, vinculados aos baixos escores, estão relacionados à
organização do trabalho e melhoria na divisão de tarefas, tempos/ritmos/duração das
jornadas e estrutura hierárquica.
Fonte: referências 23 e 24.

210 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Figura 5. Simpósio: Otimização da inter-relação do perioperató-
rio resultado geral. Proposta para mudanças de responsabilidade
compartilhada em cada setor

APA (avaliação pré-anestésica), APO (avaliação pós-anestésica). Escala de avaliação de 0-10.


TI – Tecnologia da informação. Escala de avaliação de 0-10.
Fonte: referência 24.

A oficina foi uma rodada intensiva para criar uma moldura dos
problemas que afetam a qualidade do trabalho no perioperatório.
No pentágono estão alinhados seis pontos de consenso para bus-
car maior equilíbrio interno.

A Figura 6 apresenta dados sobre os pareceres dos anestesistas


(2006) diagramados segundo Ishikawa na porção superior da es-
pinha. No eixo inferior, em etapa subsequente da enquete, fica-
ram definidas as principais ações corretivas do sistema organiza-
cional vigente, multidisciplinar e outras necessárias para balizar
prospectivamente serviços seguros, sustentáveis e satisfatórios
nos diversos setores do perioperatório.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 211


Figura 6. Reforma prospectiva embasada nos comentários
críticos das enquetes

APA- Avaliação pré-operatória ambulatorial. UBC- Unidade bloco cirúrgico. CCA- Centro
cirúrgico ambulatorial. CO- Centro obstétrico. RX – Radiologia. HD- Hemodinâmica. Urpa-
Unidade de recuperação pós-anestésica. Radio- Radioterapia.
Fonte: referência 23.

A utilização de questionários e a realização de oficinas multidis-


ciplinares diminuíram os espaços de desconhecimento entre ser-
viços, determinaram reformas relevantes para a melhoria da qua-
lidade de vida dos profissionais e aumentaram a legitimidade da
presença do anestesiologista no período perioperatório.

Entretanto, outro fator não menos importante a assinalar prosse-


guiu desatendido: o conhecimento sobre o bem-estar dos médi-
cos residentes de anestesia. No geral, os recursos disponíveis de
avaliação mensuram o desenvolvimento dos residentes (Figura 7),
ações técnicas e as humanas (interacionais no trabalho).

212 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Figura 7. Critérios utilizados para balizar prospectivamente o pro-
cesso formativo dos médicos residentes nas diferentes áreas de
treinamento

As pontuações qualitativas, culturais, comportamentais e de atitude representam um so-


matório interligado das áreas de treinamento e ensino sob supervisão de médico aneste-
sista, da medicina interna, da enfermagem e do setor administrativo.
Fonte: Fórum de ensino: como avaliar e aprender anestesiologia nos tempos atuais.

Mediante enquete local e entrevistas personalizadas (Anexo 1) foi


feita uma abordagem complementar com foco no desempenho e
percepção de qualidade. Dessa forma, e segundo a ótica dos en-
trevistados, obtivemos um desenho que retratou a atual residên-
cia de anestesia no HCPA.

Em síntese, as não conformidades mais frequentes, detectadas


nas entrevistas realizadas com médicos residentes, estão bem
relacionadas com o mundo do trabalho: sobrecarga de tarefas,
fadiga extrema, relacionamento precário com cirurgiões, muita
ansiedade, pouco tempo livre para o estudo, horas de repouso,
lazer e sono insuficientes, alimentação inadequada.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 213


Outro estudo (Quadro 3) identificou o nível de estresse ocupacio-
nal e as condições de trabalho de médicos residentes brasileiros.

Quadro 3. Estudo das relações entre nível de estresse ocupacional


e condições de trabalho em programas de ensino e treinamento
em anestesiologia no Brasil
• O segundo ano de treinamento em anestesiologia apresentou os maiores
índices de estresse ocupacional em relação aos outros níveis de formação
e a seus preceptores
• Os níveis de estresse ocupacional foram mais elevados no gênero feminino
• A faixa etária de maior nível de estresse ocupacional foi a entre 25 e 35
anos
• O menor nível de estresse foi evidenciado no grupo de casados em relação
a solteiros e divorciados
• O número de hospitais em que entrevistados desempenham as suas
atividades clínicas não influiu no nível de estresse ocupacional
• O alcoolismo mostrou-se altamente prevalente nos residentes e
preceptores brasileiros
• O nível de controle sobre a dinâmica de trabalho, analisado em cinco
dimensões, mostrou um nível menor e estatisticamente significante
quando comparados os profissionais brasileiros.
Fonte: referência 6.

Posta a nossa realidade, profundas mudanças para o desenvolvi-


mento do aprendiz seguem ocorrendo graças à incorporação de
ferramentas pedagógicas modernas disponibilizadas em labora-
tórios, online ou por simulação em manequins. Múltiplas possibi-
lidades são disponibilizadas para expandir habilidades cognitivas,
psicométricas e procedurais de impacto no processo de avaliação
e formação do anestesiologista 25,26.

Outra dimensão de competência vem merecendo empenho de


outros pesquisadores internacionais. Está ligada ao nível de inte-
ligência emocional, comportamentos e atitudes – atributos ne-
cessários, sobretudo, para o jovem profissional aprender a lidar
com situações críticas e/ou pressões decorrentes da alta deman-
da assistencial 27. Todavia, falta reequacionar problemas básicos
existentes na programação da residência brasileira. Muitas distor-
ções decorrem da falta de definição em termos de supervisão, do

214 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


exercício de virtudes pessoais, de humanidades e de como ajudar
nossos jovens na interlocução de seus problemas comportamen-
tais e existenciais 28.

De fato, o reconhecimento de risco físico-mental precisa ser en-


fatizado e deve fazer parte da programação de capacitação do
próprio médico em especialização e, sobretudo, dos seus precep-
tores 21,22,29, para romper a inevitável evolução de um círculo vicio-
so cujo impacto negativo decorre das variáveis inter-relacionadas
sumarizadas no Quadro 1.

Conforme mencionado anteriormente, mais importante do que


estabelecer um modelo é estruturar um processo, a começar pela
valorização do trabalho de preceptoria. O preceptor ou supervi-
sor é e continua sendo o elo fundamental para detectar preco-
cemente episódios de comportamentos repetitivos, presença ou
ausência de robustez física, psíquica e moral que possibilitem ao
iniciante articular a heterogeneidade de condições intangíveis
que permeiam reações emocionalmente deletérias e geradoras
de riscos de doença e acidentes de trabalho. Acresce a presença
de liderança para o desenho de modelos próprios de supervisão,
bem além do atual disponível “modelo único”, como se as pessoas
fossem iguais. Elaborar um sistema de apoio múltiplo se torna es-
sencial, principalmente nas fases de transição iniciais de 1º e 2º
anos e terminal no 3º ano da residência médica. O encerramento
de ciclo nas etapas de formação só pode ser efetivo após análise
do planejado e do realizado.

Apesar do reconhecido potencial de risco biopsicossocial do mé-


dico em especialização, pouco se tem feito na prática profissional.
Na falta de preceptores qualificados, a transição do jovem para
o mundo profissional se faz em moldes predominantemente tec-
nicistas – com carência em habilidades tanto do conhecimento
como afetivo-culturais. Restando lembrar que o ensino eminente-
mente prático gera poucos formadores de opinião.

Se, de fato, não houver uma real preocupação para controlar o


meio adverso existente nas residências de anestesia, sobremanei-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 215


ra carentes de recursos humanos e culturalmente despreparadas
para zelar pelo bem-estar coletivo, dificilmente poderemos acom-
panhar o desenho anunciado do futuro tecnológico e suas possi-
bilidades ilimitadas em termos de supervisão 30.

Recomendações
••Mobilizar coordenadores de residência médica para redefi-
nição de atributos concorrentes e complementares dos res-
ponsáveis e corresponsáveis para a abordagem de problemas
comportamentais.
••Na presença de sintomas clássicos de exaustão, é preciso
criar estratégias para analisar a frequência com que ocorrem
e as causas psicossociais subjacentes nos sintomas dos indiví-
duos.
••No zelo por cuidados preventivos com a saúde dos jovens
colegas, é preciso implementar medidas capazes de promover
níveis pessoais compatíveis de resiliência.
••Criar fórum para debate sobre o tema, respeitando carga li-
mite de trabalho e infraestrutura de acordo com as normas de
segurança ocupacional.
••A aplicação de questionários e entrevistas para identificar
vantagens, desvantagens, preferências e dificuldades no tra-
balho deveria ser periódica e incorporar a ótica dos precepto-
res. O Anexo 2 alinha os itens dirigidos para os preceptores.
••Em avaliação, muitos esforços acabam se dissipando sem
deixar rastros positivos. Sabe-se, no entanto, que o sucesso da
formação profissional está diretamente relacionado à impor-
tância dada nas avaliações aos atributos pretendidos.
••Dar e receber feedbacks é uma forma de desenvolvimento
profissional que não é uma simples crítica pela crítica. Visa tor-
nar o profissional mais capacitado para reconhecer e apontar
falhas e vulnerabilidades no trabalho.
••Em tempos de crescente demanda pela formação profissio-
nal mais abrangente, os processos avaliativos devem contem-

216 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


plar parâmetros vinculados ao bem-estar rapidamente visíveis,
reprodutíveis e efetivos.
••Intervenções para atender as queixas elevam o nível de satis-
fação laboral e aumentam a segurança no trabalho.
••Integrar preceptores de diferentes faixas etárias para ade-
quação do antigo às necessidades atuais, “sem desmerecer o
original”, porém, enxergando os benefícios da tendência de ver
e lidar melhor com o mais jovem (Figura 8).

Figura 8. Perfil do médico anestesiologista

Tradicional Atual
Lealdade à instituição Lealdade a si mesmo
Busca estabilidade Busca empregabilidade
Nível médio de confiança em si Alta confiança em si
Não espera permanecer no mesmo
Foco no salário e no cargo
emprego por muito tempo
Foco no crescimento pessoal, na
Plano de carreira de longo prazo
oportunidade financeira
Sonho com vida equilibrada Necessidade de vida equilibrada
Mudanças fazem parte de sua
Medo das mudanças
evolução
Uso de novas tecnologias como
Resistências às novas tecnologias
segunda natureza
Longa jornada de trabalho Que ser avaliado por resultados
Dependente da chefia Exige chefia coerente/consistente
Acostumado a ser regido pela Sem chefia competente abandona
hierarquia o cargo
Trabalhar bem, desfrutar o trabalho,
Lema: trabalho duro versus êxito
superar-se
Liderança organizacional: conceitos
Formação em gestão hospitalar
intuitivos
Estresse físico-emocional, com Lida melhor com estabilidades
mudanças sociais e/ou políticas próprias dos novos tempos*
Fonte: * referência 29.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 217


Lembrando que:

••Nenhuma geração é dona da verdade e da mentalidade de


um serviço. Idealmente, seus componentes devem sempre se-
guir construindo, já que a finalidade do serviço de anestesia
não termina com eles.
••O valor agregado do conhecimento e de novas ideias decor-
re da simbiose produtiva entre juventude e experiência.
••A consistência em análise de qualidade de vida gera indi-
cadores que podem ser utilizados pela Comissão de Saúde
Ocupacional da SBA na defesa de nossos interesses junto às
entidades médicas e agências acreditadoras.
••Campanhas devem ser instituídas nos hospitais para minimi-
zar agentes estressores que, por não serem tangíveis, imedia-
tos e/ou visíveis no dia a dia não estão no topo das prioridades.
••A integração com as equipes multidisciplinares deve ser me-
lhorada para tornar regra de ouro as adaptações necessárias
aos novos tempos em nossa práxis; sobretudo, cultivar am-
biente de trocas com colegas de outras especialidades. Uma
nova atitude, mais aberta, pode vir a ser um ingrediente funda-
mental não apenas para criar parcerias profissionais assertivas
e com maior alinhamento cultural, mas também fomentar a
desejável formação de um corpo clínico diferenciado e porta-
dor de alta autoestima.

Conclusões
O objetivo deste capítulo não é causar alarde em função da vulne-
rabilidade biopsicossocial do anestesiologista. Mas propor ao lei-
tor uma reflexão do que pode estar acontecendo em seu ambien-
te de trabalho, para onde pode estar evoluindo e quem poderá
ser afetado. De qualquer modo, é hora para que toda a comunida-
de educativa das sociedades de anestesiologia busque intervir de
maneira conjunta, harmônica e convergente, pois faz-se necessá-
rio considerar que as exigências da atualidade, impulsionando os
profissionais a atender mais e em menos tempo, podem tornar-se

218 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


o ingrediente para perpetrar distorções na fase de formação do
profissional anestesista.

A utilização de médicos residentes para suprir a carência de massa


crítica assistencial no fechamento de agendas deve ser coibida.
A escola de anestesia brasileira prima por guardar acentuada ho-
mogeneidade, que deriva da circunstância de, em mais de meio
século, manter convívio profícuo entre as diferentes gerações, li-
gando-as por meio de vínculos culturais, responsáveis e éticos, a
despeito das imensas transformações do mundo. Portanto, cabe
zelar pela sustentação desse crescimento para seguir sendo uma
entidade nacional de expressão internacional, o que denota ser
uma atividade geradora de prazer e bens psicossociais extensivos
à fase de formação de seus profissionais.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 219


Anexo I

Análise qualitativa sobre o bem-estar do médico residen-


te de anestesia: abordagem em entrevista estruturada e
individualizada, feita com discrição.
••Como anda seu desenvolvimento na vida?
••Descreva como vê o seu clima de trabalho e nível de comu-
nicação?
••E quanto à preceptoria?
••E no que se refere à aquisição de habilidades técnicas?
••E as cognitivas?
••Qual(is) o(s) tópico(s) mais expressivo(s) no domínio do co-
nhecimento?
••Como vai o seu sistema emocional e nível de satisfação?
••E a capacidade de concentração?
••Qual repertório de técnicas anestésicas domina e se sente
confiante?
••E em termos de monitoração?
••Descreva como vê os valores, normas e expectativas dentro
da residência médica?
••Como avalia o seu preparo e recursos para enfrentar situa-
ções críticas?
••E no manejo e disponibilidade de equipamentos em anes-
tesia?
••Qual é o balanço entre o trabalho supervisionado e o inde-
pendente?
••Com relação ao julgamento da qualidade da residência mé-
dica, você a considera boa, estimulante, aflitiva, prazerosa, sa-
tisfatória, organizada, com sequência lógica de assuntos?
••Tópico livre para sugestões e críticas do entrevistado;

220 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Prezado colega
Esta enquete se propõe, à semelhança da realizada com os residentes de anes-
tesia, buscar junto aos nossos preceptores subsídios para ampliar recursos técni-
co-pedagógicos e psicossociais no processo de formação profissional do médico
anestesista.
I- Objetivos
• Refletir sobre práticas correntes de ensino e abordagens preferenciais na
residência médica;
• Identificar pontos fortes (que tornaram a experiência positiva) e os proble-
mas na progressão dos treinamentos oferecidos em diferentes áreas assis-
tenciais da programação formal;
• Reconhecer facetas do inter-relacionamento/convívio com os componen-
tes do corpo clínico que acrescentam resultados curriculares;
• Comparar os resultados, sempre que possíveis, com outros centros; utilizar
feedbacks de cunho multicêntrico para crítica efetiva dos centros partici-
pantes.
II- Questões para refletir (não há resposta certa)
Na condição de preceptor de anestesia da residência médica:
1. O que acha mais gratificante na função?
2. O que considera mais difícil?
3. Liste exemplos para caracterizar dificuldades com os médicos residentes e
em que etapas/áreas da formação?
4. Quais são as habilidades técnicas de ensino que o fazem sentir-se melhor a
respeito? E as cognitivas?
5. Que habilidades de preceptor você gostaria mais de seguir desenvolvendo?
6. Faça um círculo em suas preferências metodológicas (casos, seminários,
aula expositiva, filmes)
Outra(s);_________________________________________________
III- Graduar os elementos P (presente) ou N/A (não se aplica) no desenvolvi-
mento de seus tópicos/aulas e convívio interdisciplinar dentro da residên-
cia médica
Tempo adequado? ( )
Atenção da plateia?( )
Horários, espaço adequado, acomodação/conforto? ( )
Desempenho dos médicos residentes no trabalho com pacientes? ( )
Idem para o inter-relacionamento em equipe? ( )
Ambiente de confiança/coleguismo entre os instrutores? ( )

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 221


Diversidade de pacientes e áreas assistenciais? Biblioteca, internet? ( )
Residentes avaliam seus instrutores? Objetivos formulados pelos instrutores a
cada sessão de ensino? Feedbacks construtivos para os seus residentes? ( )
IV- Na sua percepção, graduar a evolução atual dos médicos residentes
Nível de cordialidade
Comunicação
ATRIBUTOS ESCASSO MÉDIO SUFICIENTE N/A
Depressão
Cansaço R1 R2 R3 R1 R2 R3 R1 R2 R3 R1 R2 R3 R1 R2 R3

Distúrbio do humor
Perda de energia
Sabem pedir ajuda
Disciplinados
Organizados
Respeitosos
Éticos
Comprometidos
Confiáveis
V- Assinale abaixo
Você busca informações sobre o nível
de desenvolvimento de cada residente / SIM NÃO JAMAIS

capacitação técnica e interesses antes de


iniciar qualquer sessão de ensino?
A sessão de ensino começa com você fa-
zendo perguntas? ou afirmações?
Você estimula o potencial do aprendiz
para liderança política/educacional e pes-
quisa na especialidade?
VI- Por favor, liste sugestões para aumentar
O nível de confiança e credibilidade do aprendiz pelo seu mentor.
O estímulo/colaboração dos demais componentes do serviço de anestesia nos
assuntos de formação profissional.

222 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 225


O bem-estar profissional dos
anestesiologistas
Pirjo Lindfors
MD, Ph.D., Universidade de Helsinque, Finlândia
Este artigo baseia-se na dissertação do meu médico: Lindfors P. Bem-estar relacio-
nado com o trabalho de anestesiologistas finlandeses. “People andwork”,Resear-
chReports 88, do Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional, Helsinque, 2010

1. Contexto do bem-estar profissional dos anestesiolo-


gistas

Visão holística e multidimensional de bem-estar e saúde


O bem-estar de um indivíduo pode ser entendido como a so-
matória de fatores biopsicossocioculturais positivos e negativos.
A mente e o corpo humano são, neste contexto, entendidos de
forma holística, sem uma divisão dualista em termos psicológi-
cos ou físicos. Esta compreensão é apoiada por estudos da última
década, utilizando imagens do cérebro e microscopia eletrônica,
que mostram que os fenômenos mentais se correlacionam com
alterações neuroquímicas e vice-versa. No entanto, por motivos
de pesquisa, as variáveis ​​são classificadas como física, mental, so-
cial e cultural.

A relação entre o bem-estar e a saúde pode ser definida de diver-


sas maneiras. Tais como:

1 . Saúde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS,


1948), é um estado de bem-estar físico, mental e social completo
e não meramente a ausência de doença ou enfermidade. Este es-
tado ideal é, no entanto, irrealista para ser atingido – portanto, só
pode ser almejado.

2 . Antonovsky (1979) introduziu uma “orientação salutogenética”


para a saúde, o senso de coerência (SOC), segundo o qual a saú-
de de uma pessoa é determinada, em grande medida, pela forma

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 227


como experimenta o mundo como significativo, compreensível e
controlável. Isto pode ser visto como um paradigma no discurso
da saúde de um modelo centrado na doença da patogênese de
um recurso salutogenético dirigido para a prevenção (Bengels et
col., 1999). Acordos de SOC com a visão holística da saúde estimu-
lam o indivíduo a fortalecer os aspectos saudáveis ​​de seu organis-
mo, mesmo quando sofre os sintomas da doença. E enfatizam a
importância da cultura – especialmente a moral, a ética e as nor-
mas – para o bem-estar e saúde: atuar contra os valores de um
indivíduo pode afetar a sua saúde.

3. A norma estatística da saúde é determinada pela frequência de


uma característica do organismo: os desvios em relação aos valo-
res médios são considerados como indicativos de doença (Ben-
gels et col., 1999).

4 . A saúde também pode ser entendida como norma funcional:


a capacidade de a pessoa cumprir o seu papel na sociedade (Er-
ben et col., 1989). A perspectiva médica puramente ocidental ig-
nora dimensões importantes da condição do indivíduo, tais como
a capacidade de realizar e trabalhar, e a satisfação com a vida e
bem-estar.

Nesse contexto, a saúde é entendida como um conceito multi-


dimensional, incluindo sentimento positivo do corpo, ausência
de queixas ou sinais de doenças, presença de alegria, felicidade,
trabalho e satisfação com a vida, desempenho, autorrealização e
senso de significado. A saúde depende (Bengel et col., 1999) da
forma como o profissional lida com o estresse e tensão, que apre-
sentam reflexos diretos sobre a mesma.

Carga, estresse e tensão


O conceito de “estresse” é complicado, apresentando distintas de-
finições. Os primeiros estudos sobre o estresse tiveram por base
a fisiologia, mas desde 1950 diferentes modelos psicológicos sur-
giram.

228 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Abordagem baseada em estímulo
A palavra estresse vem do latim stringere, que significa desenhar
apertado. Definições de tensão e carga utilizadas na física passaram
a expressar como o estresse afeta os indivíduos. De acordo com este
modelo, as forças externas (carga) são vistas como exercendo pres-
são sobre um indivíduo, produzindo tensão (Arnold et al., 1995).

Abordagem baseada na resposta


Um segundo conceito define estresse como a resposta de uma
pessoa a um distúrbio. Cannon (1930) estudou a reação de luta
ou fuga em animais e humanos e observou que nestas situações –
principalmente no frio, na falta de oxigênio e alteração de emoção
– a concentração excretada de adrenalina se eleva. Este fato foi
descrito nos indivíduos como estando em situação de estresse.
Selye (1946) criou outro conceito de estresse: uma situação em
que a pessoa se sente tensa, ansiosa, nervosa, inquieta e tem
dificuldades para dormir, haja vista que as coisas estressantes são
muito problemáticas. E descreveu a síndrome de adaptação geral
(SAG), com três etapas cronológicas da resposta a uma ativação
prolongada do estresse:

1 . Reação de alarme: baixa resistência seguida de um contracho-


que, durante o qual os mecanismos de defesa tornam-se ativos;
2. Resistência: a fase da adaptação máxima e, esperançosamente,
o retorno bem-sucedido ao equilíbrio do indivíduo; 3. Exaustão:
quando mecanismos adaptativos entram em colapso.

Posteriormente, Selye (1974) separou os conceitos de estresse


e distresse: uma quantidade adequada de estresse é necessária
para o bem-estar do organismo. Durante o estresse ideal, o estado
de alerta e conscientização melhoram, bem como muitas funções
vitais, e os mecanismos fisiológicos que aumentam a sensação de
bem-estar tornam-se ativados.

Abordagem interacional
Teorias mais recentes enfatizam a interação entre a pessoa e seu
ambiente. Em Quadro cibernético, de Cummings e Cooper (1979),

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 229


o foco é sobre o ciclo do estresse: os eventos sequenciais que
representam a interação contínua entre a pessoa e o meio am-
biente. De acordo com isso, as pessoas tentam manter seus pen-
samentos, emoções e relações em um estado de equilíbrio. Existe
uma gama de estabilidade (homeostase) em que os indivíduos
se sentem confortáveis. Quando essa estabilidade é rompida, o
indivíduo tem de fazer ajustes ou ativar as estratégias de enfren-
tamento, com o objetivo de manter ou novamente alcançar a es-
tabilidade. De acordo com esses autores, o estresse é qualquer
força que empurra um fator físico ou psicológico para além do seu
limite de estabilidade, produzindo tensão no indivíduo. No ajuste
do modelo pessoa e ambiente de Caplan (1987), o foco é sobre o
grau das habilidades dos empregados, necessidades e expectati-
vas de atender às demandas e disposição do empregador.

Abordagem transacional
Na abordagem transacional de Lazarus, o estresse pode ser enten-
dido como um processo: uma falta de equilíbrio entre um indiví-
duo e seu ambiente particular (Lazarus e Folkman, 1984). Indiví-
duos, de acordo com esta teoria, fazem uma avaliação cognitiva
das ameaças que vêm do ambiente. O grau em que as pessoas
avaliam o estresse como séria ameaça revela o nível de estresse
percebido. Neste modelo, mais ênfase é colocada sobre as dife-
renças individuais do que nos modelos interativos.

Na maioria dos estudos sobre o estresse no trabalho foram con-


siderados os seguintes fatores para seu embasamento teórico:
presença de estressores, processo de avaliação e resposta. Porém,
não há consenso quanto à definição de estresse, nem quanto ao
processo de formação do estresse no trabalho.

Alostase e carga alostática


A adaptação em situações estressantes envolve a ativação de me-
canismos neuroimunoendócrinos. Esta adaptação, de acordo com
Sterling e Eyer (1988), é chamada de “alostase”, o que significa que
um organismo recuperou nova estabilidade por meio da mudan-
ça. A alostase é essencial para manter a homeostase. No entanto,

230 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


em situações estressantes excessivamente elevadas e de longa
duração, que causam tensão, os sistemas alostáticos podem tor-
nar-se mais estimulados e deixarem de funcionar normalmente.

Essa perturbação no sistema alostase é chamada de “carga alostá-


tica” ou o preço da adaptação (McEwen e Stellar, 1993). Peso alos-
tático leva a perturbações no sistema de defesa do organismo,
provocando alterações nas vias neuroimunoendocrinológicas e
dor ao longo do tempo, o que pode levar a doenças (McEwen,
1998, 2002, 2007). No entanto, os efeitos deletérios do estresse
crônico podem ser abordados mediante apoio aos pontos fortes
do indivíduo, permitindo que ele funcione de acordo com seu
sistema de valores e expectativas, aumentando o apoio social, a
promoção de comportamentos saudáveis ​​(exercícios físicos, alon-
gamento, ginástica, nutrição ideal, sono ideal e descanso, consu-
mo moderado de álcool, não fumar etc.), otimizando a ergonomia
e reduzindo a tensão relacionada a aspectos psicossocioculturais
no local de trabalho (Antonovsky, 1979; Hyyppä et col.,1991; Mar-
mot et col.,1997; Bengel et col., 1999; Elovainio et col.,2002: Kalimo
et col.,2003a; Heponiemi et col., 2006, 2007; McEwen, Lindfors et
col.,2009).

Ao modelar o nosso processo de estresse, é importante conside-


rar todo o ambiente do anestesiologista, incluindo a organização,
os pacientes, a família, a vida social, os eventos de vida e as de-
mandas pessoais (Lindfors P, 2010, p. 35, fig. 1).

Burnout
Burnout refere-se a uma consequência crônica negativa do es-
tresse relacionado ao trabalho (Maslach et col., 2001). Modelos
teóricos de esgotamento individual podem ser caracterizados por
sua origem interpessoal, organizacional e social. Muitos compar-
tilham a suposição de uma discrepância crônica entre as expecta-
tivas de um funcionário e a realidade das condições de trabalho
desfavoráveis. O desenvolvimento do burnout ocorre pelas diver-
sas formas disfuncionais de lidar (Schaufeli e Enzmann, 1998). Es-
tudos têm demonstrado que neuroticismo, alexitimia, fragilidade

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 231


e baixo senso de coerência estão relacionados à vulnerabilidade à
burnout (Schaufeli e Enzmann, 1998; Kalimo et col., 2003a).

De acordo com Maslach (1996), burnout é definido como uma sín-


drome psicológica tridimensional incluindo exaustão emocional,
cinismo e redução da eficácia profissional. E também engloba o
processo de esgotamento de energia no trabalho, ao invés de redu-
zir o burnout a um estado de fadiga (Schaufeli e Taris, 2005). Pontua-
ções mais altas para a exaustão, cinismo e baixos escores de eficácia
profissional indicam burnout (Maslach, 1996). Kalimo e colabora-
dores (2003) desenvolveram o Maslach Burnout Inventory (MBI) e
formaram um “índice de esgotamento finlandês”, o que possibilita
avaliar a experiência de burnout de uma forma mais exata.

Durante a última década, o foco também tem sido no compro-


misso, a antítese positiva de burnout, que deu novas perspectivas
sobre as intervenções para aliviar o burnout (Maslach et col. 2001;
Hakanen J, 2009).

As condições de trabalho
As condições de trabalho podem ser caracterizadas como as con-
dições físicas e mentais relacionadas com o ambiente de trabalho.
São conhecidas por serem fontes potenciais de estresse, riscos à
saúde e doenças, mas também podem aumentar o bem-estar, a
capacidade de trabalho e a satisfação com a vida. Adicionalmente,
podem moldar comportamentos de saúde (Stansfeld et col., 1998;
Kouvonen et col.,2007; Heponiemi et col., 2008). Contudo, as dife-
renças individuais – ligadas ao sexo, genética, ambiente de vida,
eventos de vida, modelos de lidar com o estresse e situações reais
de vida – desempenham papel crucial na cadeia etiológica entre
as condições de trabalho, bem-estar e saúde (Antonovsky, 1979;
Cummings e Cooper, 1979; McEwen, 2002, 2007). Adicionalmente,
fatores individuais podem tornar uma pessoa mais propensa a se
abater na doença ou mesmo mantê-la.

Carga de trabalho físico


Condições físicas se referem à carga de trabalho, tal como a exi-
gência de exercício físico e exposição a ameaças físicas e químicas

232 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


(Cox e Rial-Conzález, 2000). A carga de trabalho físico pode ser co-
nectada à saúde por meio das vias físicas mediadas pelo estresse
(nociceptiva),ou pelas vias psicológicas (Cox e Rial-Conzález 2000;
McEwen 2007). A carga de trabalho físico é dependente da ocupa-
ção (Hemström, 2001) e tem sido relacionada principalmente ao
trabalho manual e de classe social baixa (Suadicani et col., 1995),
mas os trabalhadores de “colarinho branco”, ao realizarem o traba-
lho burocrático por meio da utilização de computadores, também
experimentam uma carga de trabalho físico estática e repetitiva.

O trabalho do anestesista pode consistir de esforço físico – como a


elevação de pacientes pesados, movimentos repetitivos, trabalho
muscular estático, mantendo a mesma posição, sem ser capaz de
se mover, posições de trabalho difíceis, como levantar, caminhar
– e da exposição ao frio, calor, umidade, secura do ar, ar-condi-
cionado, raios X, magnetismo, produtos químicos (citostáticos,
cimento para próteses, gás, vestígios de medicamentos no ar, for-
maldeído), ruído, luz, agentes infecciosos (tuberculose, influenza,
HIV, hepatite etc.), ferimentos, violência e/ou agressão.

Carga de trabalho mental


A carga de trabalho mental pode ser entendida como fator psicos-
sociocultural relacionado com o trabalho, afetando o bem-estar e
a saúde. Constitui um “conceito guarda-chuva “, que inclui cultura
organizacional, funções na organização, justiça organizacional,
controle de trabalho, ambiente de trabalho, segurança no traba-
lho e apoio social (Karasek, 1979; Sherbourne e Stewart, 1991;Elo-
vainio et col., 2001, 2002, 2003, 2005).

Na profissão de anestesista,todos os fatores a seguir relacionados


podem trazer estresse prejudicial: turnos excessivamente longos
de trabalho; quando de plantão, trabalhar sem pausas; carga de
trabalho excessiva; procedimentos demasiado difíceis;medo de
prejudicar os pacientes; demandas emocionais quando enfren-
tam a dor dos pacientes, o sofrimento e a morte; ambiente de tra-
balho hostil; falta de possibilidades educacionais, ou ambientes
de trabalho ergonomicamente mal projetados; falta de controle
profissional e de tomada de decisão; possibilidades de confli-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 233


tos ideológicos no local de trabalho (Åkerstedt et col., 2002; van
Amelsvoort et col., 2003; Shanafelt et col., 2003; Cole e Carlin, 2009;
Wallace et col., 2009). Estressores extra trabalho também podem
enfraquecer a própria administração do estresse relacionado com
o trabalho.

Modelos de fatores psicossocioculturais que afetam a saúde


Foram testados três modelos que definem os fatores psicossociais
estressantes que afetam a saúde: o modelo de trabalho sob ten-
são, o modelo de apoio social e o modelo de justiça organizacio-
nal. “Todos estes modelos têm ganhado algum suporte empírico
para a previsão de problemas de saúde e podem ser considerados
como modelos complementares concentrando-se em diferentes
aspectos do ambiente de trabalho percebido. O modelo de tra-
balho sob tensão centra-se em fatores situacionais de trabalho; o
modelo de apoio social, sobre a qualidade da cooperação e inte-
ração social no trabalho; e o modelo de justiça organizacional, em
processos de tomada de decisões e práticas gerenciais” (Karasek,
1979, 1990; Sarason et col., 1987, 1990; Theorell, Elovainio et col.,
2001; Kivimäki et col., 2003a; Lindfors et col., 2009c).

A tensão no trabalho – Modelo de Karasek de demanda-con-


trole
A discrepância entre as demandas, expectativas, capacidades, for-
ças e necessidades pode levar ao estresse nocivo (Karasek, 1979;
Muntaner et col., 2006). Karasek criou um modelo para estudar os
efeitos do estresse no trabalho, no âmbito psicossociocultural (Ka-
rasek, 1979). De acordo com o modelo demanda-controle (DC),
a tensão do trabalho é definida pela relação entre duas entradas
independentes: as demandas de trabalho e o controle da situa-
ção de trabalho. A primeira se refere ao estresse psicológico ou a
exigência do trabalho, ou ambos, ou à pressão do tempo ou inter-
rupções – esta última envolve a autoridade dos funcionários para
tomar decisões sobre os seus empregos atuais e o uso de suas ha-
bilidades em relação à variedade de tarefas e opções para desen-
volver e aprender coisas novas. De acordo com este modelo, alta
tensão no trabalho, resultado de situações com altas demandas

234 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de trabalho e controle, gera saída do emprego. Karasek definiu
esses dois fatores como os mais importantes determinantes do
bem-estar e saúde relacionados com o trabalho (Karasek, 1979).
Ressalte-se que o modelo DC centra-se na organização, e não no
individual.

Modelo de apoio demanda-controle social


Refinando o modelo DC, Karasek e Theorell formularam novo mo-
delo de organização do trabalho e seus efeitos psicofisiológicos.
Neste, aqueles que experimentam alto apoio social apresentam
menos risco em situação de alta tensão do que aqueles que expe-
rimentam o baixo apoio social (Theorell 1990; Karasek,1990).

Este modelo tem sido criticado por sua relevância para a homo-
geneidade do trabalho, estabilidade ao longo do tempo e con-
ceituação. Trabalhar com seres humanos, como na profissão de
saúde, é diferente e mais complexo do que trabalhar com objetos.
Exigências emocionais (enfrentar a doença, a dor, o sofrimento)
e os conflitos entre os objetivos e a realidade são inexistentes a
partir dos conceitos. O modelo também tem sido criticado pela
interdependência dos dois conceitos básicos: um trabalhador rea-
lizado com bom poder de decisão sobre seu trabalho é capaz de
diminuir essas demandas, o que não se encaixa no modelo. O mo-
delo de tensão no trabalho tornou-se, no entanto, mais aplicável a
organizações que trabalham com seres humanos, quando o apoio
social foi adicionado (Söderfeldt, 1996).

Apesar das críticas, este modelo, com sua modificação, foi vali-
dado em vários estudos epidemiológicos (Bosma et col., 1998).
Algumas meta-análises têm indicado que o modelo de Karasek
está relacionado com os resultados inconclusivos de saúde ocu-
pacional e aumento na doença coronária, em particular, o que
não é explicado por exposições físicas ou químicas no local de
trabalho (Kivimäki et col., 2006). Estudos Whitehall II revelaram
que o controle reduzido no trabalho é fator que une baixo estado
socioeconômico com maior mortalidade por mortes cardiovascu-
lares (Marmot et col., 1997). Estudo recente sugere que o modelo

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 235


demanda-controle-apoio prevê não só a tensão do trabalho, mas
também a satisfação no trabalho e comprometimento organiza-
cional (Rodwell et col., 2009).

Avaliações individuais e de grupos são importantes quando se


estuda as associações entre esses fatores psicossociais e a saúde.
Em adição, quando se estuda a percepção do trabalho na visão do
empregado também devem ser consideradas as relações sociais
extra trabalho. Normas organizacionais que regem o desempe-
nho no trabalho e nas relações sociais e conflitos na relação traba-
lho-família têm significativo papel no estresse relacionado ao tra-
balho (Hammer, 2004). A combinação mais deletéria é a presença
de altas demandas de trabalho, baixo controle no trabalho e falta
de apoio social dos colegas e supervisores (Karasek, 1990).

Abordagens para o apoio social


O apoio social tem sido definido de muitas maneiras. Pode ser
entendido como apoio não relacionado ao trabalho,por exem-
plo, dos membros da família, amigos e outras pessoas importan-
tes, bem como formas de apoio relacionadas ao local de traba-
lho, onde se pode citar colegas e chefes (Sarason et col., 1987).
Também pode significar oportunidades de interagir com outras
pessoas ou ter alguém presente (Karasek, 1990). A interação pode
ocorrer na forma de feedback e na de proporcionar a capacidade
de controle e críticas a um profissional (Caplan, 1974). Pode, além
disso, mostrar a importância de serintegrante de uma rede social,
recebendo compaixão e respeito (Cobb, 1976). Vários estudos têm
mostrado que as pessoas com maior apoio social se adaptam me-
lhor às mudanças de vida do que as com menos apoio (Antono-
vsky, 1974; Caplan, 1974; Bell et col., 1982; Lindfors et col., 2009a,
2009b, 2009c). De acordo com Hobfoll (1988), o apoio social se re-
fere às relações das pessoas que vão levar a uma verdadeira ajuda
e vão ligá-las ao sistema social acreditado para dar acolhimento,
carinho e a sensação de estar ligado a um grupo social baseado
no respeito (2005). Os estudos de Brugha sugerem um mínimo de
quatro pessoas para a rede primária de suporte adequado para
proporcionar o bem-estar e saúde.

236 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


As relações sociais permitem uma transferência de cultura. O
apoio da família e dos amigos parece ser mais eficaz do que a dos
colegas de trabalho e chefes no sentido de diminuir os efeitos do
estresse no trabalho e fora dele. De acordo com uma meta-aná-
lise, o apoio social tem três efeitos: reduzir a carga, o estresse e a
tensão (Viswesvaran et col., 1999 ).

Justiça organizacional
A justiça organizacional refere-se ao grau como os funcionários são
tratados de forma justa pelo seu trabalho. Inclui um componente
processual (à medida que as tomadas de decisão incluem formas
justas e consistentes podem suprimir esse viés, tornando-se preci-
sas e éticas) que tem se mostrado importante preditor de atitudes
organizacionais, tais como comprometimento e envolvimento, e
também dos sentimentos e comportamentos dos empregados
(Cropanzano et col., 2001). Vários estudos suportam a ligação da
baixa justiça organizacional e o aparecimento de problemas de
saúde (Elovainio et al., 2001, 2002; Kivimäki et al. 2003b, 2003c).

A justiça organizacional é, muitas vezes, sugerida para represen-


tar uma experiência compartilhada entre os funcionários na mes-
ma unidade de trabalho. Alguns estudos, porém, mostram que a
percepção individual é que essencial para a justiça organizacional
no que diz respeito a afetar a saúde individual (Cropanzano et col.,
2001). Ambiente de trabalho de baixa justiça, caracterizado por
políticas organizacionais injustas, práticas e procedimentos, é, de
acordo com alguns resultados, um risco maior para a saúde do
que o tratamento injusto de um supervisor. Um elevado sentido
de justiça organizacional parece estar ligado à saúde, especial-
mente entre pessoas altamente educadas, com empregos exigen-
tes, status e responsabilidade elevados (Elovainio et col., 2002).

Abordagens para a cultura organizacional


A organização informal é essencial para o sucesso de funciona-
mento da organização formal (Barnard, 1938). Cultura pode ser
definida como o conjunto de significados, normas de compor-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 237


tamento, valores e práticas dos membros de determinada socie-
dade, e como constroem sua visão única do mundo. Como tal, a
cultura profundamente informa todos os aspectos da vida e da
saúde. Intervenções eficazes para restaurar e promover a saúde
podem, assim, ser melhoradas por meio de uma análise de con-
textos culturais (Mezzich, 2009).

Neste capítulo, o seguinte conceito de cultura organizacional foi


adotado: aprender formas de pensamento e comportamento en-
tre os membros da organização com o objetivo de desenvolver o
crescimento e adaptação individual e social. É um conceito com-
plexo, que compreende o conhecimento, moral, normas, costumes,
significados e formas de comportamento transmitidos socialmente
(Tylor, 1871; Keesing, 1981; Schein, 1985). Um membro da organi-
zação cresce na cultura e torna-se dependente dela. Cada indivíduo
cria e reforça a cultura (Tylor, 1871; Keesing, 1981). Códigos de con-
duta no local de trabalho asseguram o compromisso, identidade,
coerência e um senso de comunidade (Barnard, 1938).

De acordo com Louis (1980): “O não dito em uma organização é


mais poderoso do que o falado”. O indivíduo gradualmente co-
meça a sentir a sensação de um local de trabalho, e a forma de
trabalhar. A cultura organizacional também pode ser considerada
como o personagem de uma organização, o seu clima, ideologia
e imagem.

As origens do conceito de cultura organizacional vêm da antro-


pologia. O foco de sua pesquisa decorre desde a década de 1990,
no núcleo único integrador e fenomenológico do sujeito, em que
o entrelaçamento dos indivíduos em uma comunidade local de
trabalho acontece, e nas noções de significado, emergência e fun-
ção (Louis, 1980). A pesquisa em campo foi realizada a partir de
perspectivas em semiótica, cognição e interação. De acordo com
Smircich (1985), a cultura pode servir como um paradigma para a
compreensão das organizações e de nós mesmos. “A cultura está
em constante fusão dinâmica e não deve ser reduzida a mais uma
variável em um modelo estático de vida no trabalho”. Pesquisa

238 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


cultural contribui para a compreensão, melhoria ou potenciação –
e para responder às perguntas: qual deve ser o papel do trabalho?
Como os indivíduos podem contribuir e receber? Como devem
ser organizados os esforços?

Quadro para o bem-estar profissional dos anestesiologistas


No quadro, as condições de trabalho são abordadas a partir da
perspectiva de percepção da carga de trabalho físico e mental,
relacionado ao dever de plantão e privação de sono e fatores psi-
cossocioculturais da atmosfera de trabalho. Pode-se também citar
o controle do trabalho, a justiça organizacional, o apoio social no
trabalho e em casa e a interface de sua ligação com a tensão do
trabalho.

Os conceitos de carga, estresse e tensão são adotados combinan-


do essas teorias. O foco é a tensão que o anestesista sente quando
a carga de trabalho gera estresse. Satisfação com a vida, satisfa-
ção no trabalho, capacidade para o trabalho, volume de trabalho
e ausência de doença são resultados de tensão contra o modo de
lidar com o estresse, refletindo o equilíbrio entre o indivíduo e o
ambiente particular. Cultura organizacional – incluindo injustiça
organizacional, controle de falta no emprego, falta de apoio social
no trabalho e atmosfera hostil no local de trabalho – e estar de
plantão são vistos como os maiores fatores de estresse ou fatores
de carga de trabalho. O estresse pode ser visto, por um lado, como
a força que surge quando a carga de trabalho do anestesista cau-
sa dano. Por outro, a “carga”, causando tensão via estresse, pode
ser intrínseca, relacionada às demandas pessoais. No entanto, a
“carga intrínseca” não é mostrada no quadro como tal. Se a pres-
são for muito alta ou de longa duração, ou ambas, mecanismos
de enfrentamento falham e o anestesista acaba com uma carga
alostática. Burnout e suicídio são resultados desta carga.

Família (sua consistência, estabilidade, interação), amigos (núme-


ro, qualidade e proximidade), e os eventos de vida (protetores ou
traumáticos) podem ser vistos como fatores pessoais que intera-
gem com este equilíbrio. A estrutura pode ser vista na Figura 1.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 239


Figura 1. Quadro do estudo: o bem-estar relacionado ao trabalho
dos anestesiologistas finlandeses

2. Apresentação de problemas no bem-estar profissional


dos anestesiologistas
Breve revisão dos problemas entre os anestesiologistas
Médicos são conhecidos por viverem mais tempo do que a po-
pulação geral (Töyry, 2005), mas anestesiologistas parecem ser
uma exceção, haja vista que, de acordo com estudos internacio-
nais, muitas vezes morrem mais cedo do que seus colegas (Wright
e Roberts, 1996; Khaw, 1997; Svärdsudd et col., 2002). Os níveis
de estresse que experimentam são maiores, em conjunto com
os cirurgiões, quando comparados com outros médicos (Payne
e Rick, 1986; Cooper et col., 1999; Jackson, 1999; Lindfors et col.,
2006; Nyssen e Hansez, 2008; Lindfors 2010). No entanto, aneste-
siologistas sofrem de estresse momentâneo ainda maior do que
os cirurgiões (Rick Payne, 1986), devido à elevada carga de plan-
tão, e muitas vezes continuam em um esquema de plantão até a

240 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


aposentadoria – ao contrário da maioria de outros especialistas
(Saunders, 2006; Lindfors et col., 2006). O plantão pode ser es-
tressante por muitas razões: a privação do sono, as limitações de
tempo, a falta de possibilidades de consulta, o medo de prejudi-
car os pacientes, a responsabilidade para os casos de emergência
imprevisíveis e um ambiente desconhecido de trabalho (Lindfors
et col.,2006 , Malmberg et col., 2007; Gander et col., 2008). Especial-
mente quando de plantão, o anestesista serve como um guardião
para manter o paciente vivo até que outros especialistas possam
assumir. O anestesiologista terá de tomar decisões rápidas e fazer
os procedimentos hábeis, porém arriscados.

A privação de sono tem sido associada a maior risco de acidente,


aos sintomas de doença grave, morbidade por doenças relacio-
nadas com o estresse e até mesmo a morte em uma idade mais
precoce, de câncer ou problemas cardiovasculares (Meier-Ewert
et col., 2004; Dembe et col., 2005; Dinges et al., 2005; Megdal et al.,
2005; Van Cauter, 2005; Lindfors et al., 2006). Muito provavelmen-
te, as causas de estresse do trabalho de plantão adicionam efeitos
negativos na saúde ocupacional do anestesiologista, principal-
mente a privação de sono.

Até recentemente, os anestesistas trabalharam como assistentes


dos cirurgiões e tiveram controle limitado sobre o seu trabalho
diário. Problemas organizacionais, incluindo mudanças estrutu-
rais, com demissões, separação de equipes, mudanças na unidade
de trabalho, líderes “sem rosto” e pensamento empresarial, junta-
mente com as crises econômicas, podem aumentar ainda mais a
carga de plantão e estresse sobre o anestesiologista (Kalimo et col.
2003b;Vahtera et col., 2004; Lindfors et col., 2006,2007,2009a,b,c).
Uma vez que mais mulheres estão trabalhando como anestesio-
logistas hoje na Finlândia, a combinação de trabalho, plantões e
vida familiar tornou-se uma questão ainda mais importante (Lind-
fors et col., 2006, 2007; Lindfors, 2010).

O suicídio tem sido mais frequente entre os médicos do que en-


tre outros profissionais e a população em geral (Lindeman, 1997;
Schernhammer e Colditz, 2004; Wallace et col., 2009). Entre os mé-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 241


dicos, os anestesistas parecem estar mais suscetíveis ao suicídio
(Lew, 1979; Seeley, 1996; Hem et col., 2000; Alexander et col., 2000,
Hawton et col., 2001; Ohtonen, 2002; Schernhammer, 2005; Lin-
dfors et col., 2009b). Anestesiologistas são conhecidos por terem
uma taxa mais elevada de abuso de substâncias – especialmen-
te de opioides – do que outros médicos (McAuliffe et col., 2006;
Skipper et col., 2009). Álcool (Lindfors et col., 2009b) e abuso de
drogas (Baird et Morgan, 2000a; Gold et col., 2005) estão ligados
ao suicídio entre anestesiologistas.

O reconhecimento de bem-estar relacionado ao trabalho do


anestesiologista é escasso e contraditório: de acordo com alguns
estudos, os anestesiologistas têm níveis mais elevados de estresse
do que os outros médicos (Dickson, 1996; Lindfors et col., 2006).
E as razões para o seu estresse estão relacionadas com o fato de
estar de plantão (Cooper, 1999, Lindfors et col., 2006). Entretanto,
outros estudos demonstraram que os níveis de neutralização são
inferiores aos de outros médicos, e sua satisfação no trabalho é
muito maior (Kluger et col., 2003, Lindfors et col., 2006).

Esses fatos nos desafiam a aprofundar o estudo do bem-estar dos


anestesiologistas como um exemplo de uma especialidade médi-
ca, experimentando um trabalho de alta tensão, com o intento de
melhorar o bem-estar de todos os médicos.

Principais conclusões do estudo do bem-estar entre os anes-


tesiologistas
Com base em minha dissertação sobre o bem-estar, relacionada
com o trabalho dos anestesiologistas finlandeses (Lindfors, 2010),
o estudo do indivíduo é o esforço mais compreensível para tentar
entender os problemas em nosso bem-estar. Por isso, chego às
principais conclusões.

O estresse no trabalho deriva da alta carga de trabalho, estar


de plantão, do ambiente de trabalho e os problemas organi-
zacionais. Sendo que estar de plantão pode ser perigoso
Estresse e exaustão relacionada ao trabalho são comuns entre os
anestesiologistas (Lindfors et col., 2006; De Oliveira et col., 2011,

242 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Rama-Maceiras et col., 2012; Lindfors, 2012). As causas mais im-
portantes de estresse são o trabalho e como o conciliar com a
vida familiar. As maiores preocupações no trabalho são da carga
de trabalho e tempo de restrições gerais, o ambiente de trabalho,
os problemas organizacionais e o medo de prejudicar os pacien-
tes. Sendo o plantão uma das causas mais importantes de nosso
estresse, anestesiologistas muitas vezes têm a maior carga entre
os médicos. Ao contrário de outros especialistas, frequentemente
continuam a ter o compromisso de estar de plantão até a idade da
aposentadoria. O compromisso de fazer plantão é a maior razão
para nossa privação de sono percebida. Estar de sobreaviso é sig-
nificativamente correlacionado com vários sintomas de estresse,
tais como náuseas, distúrbios de coordenação, cansaço, tonturas,
dificuldades na compreensão da fala e tremores. Esses sintomas
estão associados à aceitação de licença médica. As mulheres pa-
recem ser mais afetadas pelo estresse do que os homens. Alto
controle do trabalho e justiça organizacional podem atenuar os
efeitos do estresse (Lindfors et col., 2009c).

Satisfação no trabalho depende da cultura organizacional e


ambiente de trabalho
Anestesiologistas – apesar de altamente estressados – desfru-
tam de satisfação moderada ou bastante elevada do emprego,
capacidade em desempenhar o trabalho e satisfação com a vida
(Lindfors et col., 2007; Lindfors, 2010). Controle do trabalho, jus-
tiça organizacional e ambiente de trabalho são as variáveis ​​mais
importantes do bem-estar relacionados com o trabalho dos anes-
tesiologistas (Lindfors, 2010; Rama-Maceiras e Kranke, 2013).
Anestesiologistas do sexo feminino estão em um trabalho menos
vantajoso de relação trabalho/família (contrato de trabalho, con-
trole de trabalho, carga de trabalho doméstico) do que os seus co-
legas do sexo masculino. No entanto, as diferenças entre os sexos
parecem surgir nos níveis de satisfação no trabalho, capacidade
para o trabalho ou satisfação com a vida, apesar de fatores relacio-
nados ao trabalho serem os determinantemente mais importan-
tes (Lindfors et col., 2007). Trabalhadores mais velhos parecem es-
tar mais satisfeitos do que os mais jovens (Hagopian et col., 2009).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 243


O trabalho clínico parece causar menos estresse (Kluger et col.,
2003). Além disso, o significado de ser capaz de ajudar os pacien-
tes, de receber um feedback imediato e o respeito demonstrado
à profissão do médico parecem resguardar o estresse relacionado
ao trabalho (Kluger et col., 2.003, Van Ham et col., 2006). A satis-
fação no trabalho é crucial na manutenção da saúde do médico
(Williams e Skinner, 2003; Faragher et col., 2005).

Baixo apoio social é a causa dos altos índices de suicídio


Um quarto dos anestesiologistas relataram já ter considerado a
hipótese de suicídio. Fatores relacionados ao trabalho são citados,
como conflitos com colegas de trabalho e superiores, a falta de jus-
tiça no local de trabalho e o estar de plantão. Fatores familiares e
pessoais, como baixo suporte social, problemas familiares, aconte-
cimentos traumáticos da vida, falta de amigos, abuso de álcool e
tabagismo podem levar a problemas de saúde. Fatores familiares
e pessoais parecem ser riscos mais relevantes do que os fatores re-
lacionados ao trabalho. A acumulação de fatores de risco aumenta
consideravelmente o risco de suicídio (Lindfors et col., 2009b).

Conclusão
O estresse no trabalho entre os anestesiologistas é alto quando
medido por uma série de indicadores, como o nível de estresse, a
carga de permanência no serviço, sintomas de estresse, burnout,
licença médica, privação do sono, ideação suicida e baixo com-
prometimento com o trabalho. No entanto, os anestesiologistas
têm boa satisfação no trabalho e com a vida – o que pode de-
pender de seus bons mecanismos de enfrentamento de situações
estressantes.

Os fatores relacionados ao trabalho e mais associados ao bem-es-


tar são: fazer plantão, controle do ambiente de trabalho, justiça
organizacional e relações sociais no trabalho. A situação de traba-
lho das mulheres em comparação com os homens é desvantajo-
sa. Entre os anestesiologistas femininos, fatores extra trabalho são
mais importantes do que nos homens.

244 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


A carga horária do plantão, o controle do trabalho, a tomada de
decisão e as relações interpessoais devem ser os elementos focais
no objetivo de aumentar o bem-estar relacionado com o trabalho
dos anestesiologistas.

Desafios de hoje na profissão médica: desumanização da me-


dicina
Uma vez que nossos estudos apontaram a importância da cultu-
ra médica no bem-estar dos anestesiologistas, gostaria de trazer
um assunto delicado em discussão: a desumanização da cultura
médica.

Ultimamente, uma discussão contínua vem ocorrendo na comu-


nidade médica: durante as últimas décadas, juntamente com o
desenvolvimento da medicina moderna, o trabalho do médico
tornou-se mais desumanizado. Novas tecnologias e mudanças or-
ganizacionais, aliadas a uma maior responsabilização, alteraram a
relação médico-paciente. Médicos subespecializados sabem mais
sobre menos. Os médicos tratam as doenças, ignorando a doen-
ça. A medicina baseada em evidências muitas vezes não leva em
consideração o sofrimento individual do paciente. As escolas mé-
dicas ensinam ciência, mas ignoram a arte da medicina e da com-
preensão moral. A burocracia assume grande parte da pesquisa, e
a competição por financiamento aumenta. Os sistemas de saúde
são muitas vezes injustos e quebrados. Muitos hospitais tornaram-
se enormes, frios “mercados”, onde menos pessoas devem cuidar
de mais pacientes (Edwards et col., 2002; Shanafelt et col., 2003; Cole
e Carlin, 2009; Wallace et col., 2009). Os médicos também enfren-
tam regulamentações crescentes e uma base de conhecimento
em expansão (Shanafelt et col., 2003). Adicionalmente, os médicos,
especialmente os anestesistas, trabalham em situações emocional-
mente carregadas, associadas com sofrimento, medo, fracasso e
morte – o que pode culminar em interações difíceis com pacientes,
familiares e equipe médica (Wallace et col., 2009).

Em adição, a medicina acadêmica tem sido acusada de ser desa-


tenta aos valores humanistas, o que tem causado problemas nas

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 245


faculdades de medicina (Lieff, 2009). O desenvolvimento profissio-
nal tem sido atribuído à falta de significado, propósito e realização
profissional, e as possibilidades de refletir sobre essas questões.

De acordo com Cole e Carlin (2009): “A medicina está repleta de


muitas pessoas de boa vontade, integridade e compromisso,que
se esforçam para fornecer o cuidado compassivo e eticamente
aceitável, ensinar e orientar os alunos, manter os padrões científi-
cos da prática, manter-se atualizado com as recentes literaturas de
campo e realizar pesquisas biomédicas. Mas as condições atuais
impedem os médicos de viver de acordo com suas necessidades
e ideais. Esse conflito nasce quando as organizações ignoram as
condições de trabalho existentes e rigidamente impõem regras
morais, fazendo violência ética (Cole e Carlin, 2009): “Isso pode
provocar uma dissonância cognitiva entre os médicos, levando à
desilusão, insegurança, mal-estar e abandono de ideais”.

O fato contraditório de que muitos médicos têm perdido de vista


o seu próprio bem-estar – e pensar que a doença não tem nada
a ver com eles – pode piorar sua situação. Eles trabalham quando
estão doentes e esperam que os colegas façam o mesmo. Além
disso, com a intenção altruísta, os médicos muitas vezes colocam
responsabilidades profissionais acima dos entes queridos (Shana-
felt et col., 2003; Wallace et col., 2009). Esse tipo de comportamen-
to tem sido ligado a certos traços de personalidade, como o per-
feccionismo, neuroticismo, consciência, ambição (Schernhammer
e Colditz, 2004; Tyssen et col., 2007; Wallace et col., 2009). O efeito
de fatores pessoais e profissionais sobre o bem-estar dos médicos
é exacerbado pela tendência de esconder alguma deficiência pe-
rante os colegas (Wallace et col., 2009). Wallace e colaboradores
(2009) concluíram em sua revisão: “A cultura da profissão médica
tem sido reconhecida como um fator-chave que poderia impedir
os médicos de cuidar de si mesmos”.

Nesse contexto, não é de se estranhar que os médicos sofram mal-


estar: as taxas de estresse, esgotamento, ansiedade, depressão e
suicídio foram relatadas como maiores do que entre a popula-
ção em geral (Schernhammer e Colditz, 2004; Cole e Carlin, 2009;

246 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Wallace et col., 2009). Adicionalmente, os médicos debilitados
também foram apontados por apresentarem riscos na prestação
de assistência ao paciente e afetarem negativamente os sistemas
de cuidados de saúde (Wallace et col., 2009).

Essas tendências desumanizantes são mundialmente evidentes,


em especial na cultura da medicina ocidental, e também afetam
o bem-estar dos anestesiologistas, cujo trabalho é mais técnico e
menos humano do que o de outros médicos.

Recomendações para a melhoria do bem-estar profissional


dos anestesiologistas
Intervenções organizacionais
Para reduzir o estresse ocupacional dos anestesiologistas em in-
tervenções em nível de organização, faz-se necessário limitar a
carga de trabalho de plantão, melhorar a cultura organizacional
– especialmente a atmosfera do local de trabalho, a justiça organi-
zacional e o controle de trabalho – e torná-la possível para conci-
liar o trabalho com a família e a vida social.

O fardo do plantão pode ser mais reduzido, limitando o número de


turnos e encurtando o período de trabalho. Arranjos de trabalho,
como a limitação do trabalho noturno só para emergências e a
melhoria das possibilidades de consulta, também podem reduzir
o estresse de plantão. A liberação dos anestesiologistas mais ve-
lhos após certa idade (50 anos), e pessoas com graves problemas
de saúde, de qualquer obrigação de plantão seria recomendável.

Os conflitos no local de trabalho podem ser reduzidos pela adoção


de várias medidas para estabelecer a confiança, o compromisso
mútuo, a comunicação eficaz e a construção de relacionamentos
individuais. Oferecer apoio social, mostrando respeito e gratidão,
ser flexível, maximizando a utilização das capacidades de cada in-
divíduo e as forças reais, podem ajudar a alcançar essas metas.

O controle do anestesiologista no trabalho se refere ao fato de


que este tem o poder de decisão sobre o fim das tarefas, uso do

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 247


tempo, ritmo e métodos de trabalho, divisão de tarefas e decisões
sobre colegas de trabalho por meio de consenso. Todas as tarefas
precisam de descrições adequadas. A quantidade de trabalho e
horas de trabalho devem ser limitadas em relação à resistência hu-
mana. A necessidade individual para o descanso deve ser respei-
tada, e organizada uma rede de apoio suficiente. A previsibilidade
das tarefas deve ser maximizada e as interrupções, minimizadas.

A experiência do anestesista na justiça organizacional pode ser ma-


ximizada se as decisões forem tomadas com base em informações
precisas. Decisões incorretas podem ser alteradas, todos podem
expressar opinião sobre a tomada de decisões relacionadas com o
trabalho, as decisões tomadas são consistentes, os efeitos das de-
cisões são investigadas, informações sobre os efeitos entregues e
informações adicionais sobre os motivos das decisões, disponíveis.

Oportunidades para uma integração flexível do trabalho com a


vida familiar, tempo para a vida pessoal e recuperação do estresse
relacionado ao trabalho também são essenciais para garantir alto
grau de satisfação de vida dos anestesiologistas. Isto requer a pro-
moção de uma cultura de trabalho mais flexível e opções de meio
expediente. O que merece maior atenção é a melhoria da situação
dos anestesiologistas sobre o controle de trabalho, os contratos de
trabalho permanentes, a carga de trabalho doméstico e a tensão.

A ênfase deve ser colocada sobre a melhoria das competências


das lideranças superiores. Conversas, orientação e aconselhamen-
to externo – com apoio de um sistema de cuidados de saúde – de-
vem formar parte natural do trabalho.

A avaliação regular anual de satisfação com a vida, bem como de


níveis de estresse e percepção de saúde, relações entre superiores
e colegas, envolvimento com a tomada de decisões e da carreira
é necessária no local de trabalho. Os empregadores poderiam tor-
nar-se mais motivados em organizar essas avaliações e possíveis
intervenções, se o seu foco estivesse no bem-estar médico como
um indicador do sistema de cuidados de saúde (Wallace et col.,
2009).

248 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Saúde ocupacional e intervenções profissionais
O sistema de saúde dos médicos precisa ser organizado de modo
que se torne de alta resolubilidade, de forma confidencial, e esteja
disponível para todos os médicos, independentemente do local
de trabalho, tempo de trabalho, contrato de trabalho ou a posição
hierárquica. A saúde pré-emprego, que seria o check-up por um
médico do Trabalho, e exames de saúde periódicos (a cada 5 anos),
com frequência cada vez maior com o avançar da idade (a cada 3
anos), disponibilizados para todos os médicos, mas especialmen-
te para os anestesiologistas, por conta de seu trabalho altamente
estressante. Seria de extrema importância para os profissionais de
saúde reconhecer os médicos suicidas. Um questionário de tria-
gem de saúde, incluindo ideação suicida, juntamente com fatores
de risco conhecidos, incluindo os relatados neste estudo, pode-
riam ser utilizados em todos os check-ups de saúde ocupacional e,
quando necessário, durante outras visitas ao médico do Trabalho.
O foco deve ser sobre qualquer acumulação de fatores de risco.
A avaliação de risco no local de trabalho não deve se concentrar
apenas na exposição a produtos químicos ou problemas ergonô-
micos. Muito mais ênfase é necessária na carga mental ligada a
conflitos e problemas na cultura organizacional.

O desenvolvimento das práticas de saúde ocupacional poderia


envolver um projeto em coordenação com a organização da segu-
rança no trabalho, visando sensibilizar os médicos – tanto no nível
organizacional como individual – para perceber, discutir e ajudar a
resolver os problemas de saúde tanto próprios como dos colegas.
Grupos de discussão de casos poderiam promover a conscientiza-
ção e reflexão sobre os problemas relacionados ao ambiente de tra-
balho, atendimento ao paciente ou a própria saúde.

Testes psicológicos antes de entrar na faculdade de medicina po-


dem ser considerados para o rastreio adequado e monitorização da
profissão médica, que sabidamente é estressante, ou identificar os
que necessitam de intervenções terapêuticas. Isso pode ser repeti-
do durante o último ano do curso, para ajudar os médicos na esco-
lha de suas especialidades futuras. Cursos de filosofia e psicologia,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 249


para melhorar a autoconsciência e manter sua integridade, traba-
lho em equipe, educação, habilidades e gerenciamento do estresse
devem ser considerados obrigatórios para estudantes de medicina,
além de cursos de reciclagem para médicos especialistas.

Intervenções pessoais
Tratamento adequado – incluindo o tratamento no âmbito cogni-
tivo-comportamental e técnicas de relaxamento – deve, quando
necessário, ser recomendado para cada indivíduo, sem prejudicar
o emprego e sem violar a confidencialidade do paciente. O forta-
lecimento dos vínculos – civil, familiar e amigos – reforça as neces-
sidades do indivíduo. Essas terapias, nos médicos, se mostraram
mais bem-sucedidas do que na população em geral (Wallace et
col., 2009).

Intervenções organizacionais, profissionais e pessoais bem-suce-


didas podem melhorar dramaticamente a saúde e o bem-estar
dos anestesiologistas e reduzir seus níveis de estresse, depressão
e intenções de cometer suicídio.

250 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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262 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Parte 2
Responsabilidades institucionais
com o bem-estar ocupacional de
médicos (anestesiologistas)

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 263


Correlação entre bem-estar ocupacional do
anestesiologista e a segurança do paciente
cirúrgico
Gastão F. Duval Neto
TSA, Ph.D.
Professor titular da disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Pelotas, presidente da Comissão de Saúde Ocupacional da
SBA, Chairman of the Professional Wellbeing Committee of WFSA

Introdução
A correlação entre a saúde ocupacional de anestesiologistas e a
incidência de incidentes críticos em anestesiologia clínica está
bem evidenciada na literatura atual, sendo a fadiga do profissio-
nal, nessa área da medicina, um dos principais fatores responsá-
veis pela elevação da prevalência desse tipo de complicação 1-5.

Elevado número de publicações – como será visto no texto – in-


dica que a prática clínica diária excessiva (horas rotineiramente
trabalhadas, principalmente plantões) de médicos, entre eles os
anestesiologistas, contribui relevantemente para a geração de
elevados níveis de fadiga e significante redução de sua produtivi-
dade e performance profissional. Esses fatos resultam em evidente
elevação de incidentes críticos em pacientes cirúrgicos, incluindo
o erro médico – compromissando a segurança dos mesmos.

Deve ser entendido que múltiplos fatores contribuem para o esta-


belecimento de fadiga ocupacional, como também de seus des-
dobramentos, como síndrome de burnout, dependência química,
depressão psíquica, idealização de suicídio, entre outros.

O presente capítulo visa discutir a relação de responsabilidade


entre as instituições médicas que controlam a qualidade da prá-
tica clínica e da formação em medicina, com a possibilidade do
controle dos fatores etiológicos das situações patológicas que al-
teram a saúde ocupacional de anestesiologistas e, consequente-
mente, a segurança do paciente cirúrgico .

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 265


Tabela I. Níveis de evidências e recomendações médicas
(adaptado de Levels of Evidence of the Oxford Centre for
Evidence-Based Medicine)
Recomendações
Classe I: existe consenso e evidência em favor da indicação
Classe IIa: existe divergência, mas a maioria aprova
Classe IIb: existe divergência e divisão de opiniões
Classe III: não se recomenda
Evidências
Nível A: múltiplos ensaios clínicos controlados, aleatorizados
Nível B: um único estudo clínico controlado aleatorizado, estudos clínicos
não aleatorizados ou estudos observacionais bem desenhados
Nível C: séries ou relatos de casos
Nível D: consenso de especialistas

Todas as afirmativas constantes neste capítulo são baseadas em


trabalhos classificados como grau de evidência B, C ou D.
Embora seja tema difícil de abordar, em 2005 a Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) definiu o bem-estar ocupacional como 6: “A
percepção individual de sua posição na vida, incluída em um con-
texto cultural e em um sistema de valores no qual sejam ponderadas
as suas relações de gratificações, expectativas, conceitos e críticas
pessoais”.

Essa conceituação pode ser alterada por uma gama complexa de


situações, entre as quais o estado físico ou mental do profissional,
suas crenças pessoais e relação socioprofissional com fatos signi-
ficantes oriundos do seu universo de convivência, dentre os quais
o ambiente de desempenho de suas atividades clínicas.

Desses conceitos teóricos surge uma questão de ordem prática


e real: como me sinto mental e fisicamente a cada momento de
todos os dias com pertinência a minha atividade profissional, mi-
nhas relações e ao meu ambiente de trabalho?

266 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


A maneira de responder a essa questão pode ser por meio de
uma análise introspectiva sobre as suas individuais dificuldades
e frustrações no manejo das situações ocupacionais consideradas
como estressantes ou, em paralelo, se você já está evoluindo para
uma síndrome depressiva psicogênica por constantemente sub-
meter-se a condições ocupacionais vividas como estressantes es-
pecificamente por você (caráter de individualidade na capacidade
de percepção do estresse ocupacional).

O professor Hans Hugo Selye, em sua abordagem sobre a


capacidade individual de estabilização adaptativa, descreveu
o estresse como representando a própria destruição insidiosa,
resultado de acumulativa fonte de depressão interna. Dessa
maneira, é essencial entender que cada um de nós possui o seu
limiar interno de capacitância para lidar, de maneira saudável, com
esse fenômeno. Além disto, torna-se importante compreender com
profundidade que, por essa capacidade possuir características de
individualidade, não é comparativa com a de outros indivíduos
submetidos à mesma situação (atitudes gerais de estabelecimento
de condutas em relação a atividade clínica devem respeitar esse
tipo de característica de individualidade do profissional submetido
às mesmas) 6.

Com frequência, os anestesiologistas tendem a escolher a espe-


cialidade por obter gratificação mediante o curto, mas intenso,
contato com pacientes, pelo desenvolvimento de capacidades
técnicas manuais individuais, pelo conhecimento e manuseio de
alta tecnologia, pelo contato entre diferentes especialidades e
pelo cuidado perioperatório de pacientes cirúrgicos com obser-
vação imediata dos resultados de suas ações médicas. Paralela-
mente, existe frequente preço a pagar no enfrentamento dessa
realidade profissional, o que pode resultar em perda do controle
autônomo do indivíduo, fato que, para alguns, significa a transição
do estresse positivo para uma situação patológica descrita como
distresse psicogênico (Figura 1). O distresse ou estresse negativo
é o estresse em excesso, que ocorre quando a pessoa ultrapassa
seus limites e esgota sua capacidade de adaptação.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 267


Figura 1 – Correlação entre estresse/ansiedade ocupacional e
performance/eficiência profissional

A situação de bem-estar ocupacional de um profissional da área


da saúde é o entendimento individualizado do efeito positivo ou
negativo de fatores a que o profissional médico está submetido
durante a rotina de sua prática clínica.

A psique e o corpo humano devem ser entendidos holisticamen-


te, sem a possibilidade de divisão dualística. Esse entendimento é
suportado por estudos utilizando imagens radiológicas cerebrais
elaboradas e microscopia eletrônica que mostram que o fenôme-
no mental está intimamente relacionado com alterações neuro-
químicas centrais, e vice-versa.

Uma das principais causas de erro médico, bem documentada na


literatura médica, é o nível de estresse ocupacional do médico e
suas consequências (fadiga, burnout, dependência química, de-
pressão psíquica etc.), situação que muitas vezes se estabelece de
maneira insidiosa e frustra, tendo características acumulativas 7,8.

268 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


A fadiga ocupacional (também chamada de exaustão, cansaço,
letargia, estafa, apatia, prostração, esgotamento e lassidão) pode
ser diferenciada em nível físico e psíquico.

A fadiga física pode ser definida como a incapacidade de manter


o pleno funcionamento de suas habilidades técnico-científicas
normais e, geralmente, torna-se claramente visível durante o exer-
cício intenso da prática clínica, podendo variar de um estado ge-
ral de letargia para uma sensação específica de grande exaustão
física 3. Em paralelo, a fadiga mental (disfunção cognitiva) é vista
como o principal agente causador de erro médico e/ou incidentes
críticos entre os anestesiologistas.

A fadiga psicogênica se manifesta como sonolência, com incapa-


cidade de concentração, redundando, consequentemente, em in-
capacidade de realizar avaliações clínicas e tomar decisões rápi-
das frente a situações muitas vezes emergenciais. Na atualidade,
esse é o estado psíquico que está causando impacto no desempe-
nho dos médicos anestesiologistas e, de maneira direta, colocan-
do a segurança dos pacientes cirúrgicos em risco 9.

Cuidadosa análise sobre informações relativas à saúde ocupa-


cional do médico, particularmente do anestesiologista, provoca
conclusão muito perturbadora, e até mesmo alarmante, de que os
sistemas institucionais de apoio efetivo às patologias ocupacio-
nais são quase inexistentes no mundo (ver pesquisa PWC/WFSA).

Informações importantes na área de apoio à saúde ocupacional


do médico são fornecidas por meio de um sistema canadense, o
Programa de Saúde do Médico, da Associação Médica de Ontário.
A Figura 2 mostra a casuística desse centro, evidenciando signi-
ficante desproporção entre as patologias somáticas e psiquiátri-
cas atendidas nesse sistema, ressaltando o nítido predomínio de
doenças psiquiátricas em relação às somáticas tratadas nesse es-
pecífico local 10.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 269


Figura 2 - Casuística do Programa de Suporte à Saúde do Médico
Canadense

No Brasil, na Universidade de São Paulo, um departamento liga-


do à abordagem de médicos dependentes químicos (Unidade de
Pesquisa em Álcool e Drogas/Uniad) apresentou uma casuística,-
mostrada na Tabela I, incluindo 57 anestesiologistas com evidên-
cias clínicas de drogadição – tratados no departamento(dados de
informação interna).

A Tabela II mostra a frequência de comorbidades psiquiátricas en-


tre os anestesiologistas dependentes químicos tratados na Uniad.
Existe evidente correlação entre as patologias psicogênicas de-
senvolvidas durante a prática do médico anestesiologista e o es-
tabelecimento da dependência química.

270 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Tabela II - Prevalência de comorbidades em dependentes quími-
cos da Uniad - Unifesp (São Paulo)

Diagnóstico de patologias psíquicas (CID 10)


n %
Total de casos de comorbidades 24 42,1
Depressão (F32 e F33) 12 21,0
Distúrbios de personalidade (F60) 6 10,5
Distúrbios bipolares (F31) 5 8,7
Distúrbios de ansiedade (F41) 4 7,0
Esquizofrenia (F20) 1 1,7

Os agentes mais frequentemente utilizados por esse grupo de pa-


cientes foram opioides (53%), benzodiazepínicos (30%) e álcool
(23%). A dependência química em anestesiologistas evidencia for-
te prevalência dos opioides em relação às outras drogas, circuns-
tância que aumenta significativamente a dificuldade na prestação
de suporte médico-psiquiátrico e tratamento aos especialistas em
anestesiologia quando o tratamento visa uma reabilitação eficaz,
principalmente devido ao elevado risco de recaída e de morte por
suicídio ou overdose (alteração de codificação genética).

Outra dificuldade de reabilitação enfrentada no caso dos aneste-


siologistas dependentes de opioides é a grande disponibilidade
desse grupo de droga nas salas de operações, salas de recupera-
ção e unidades de cuidados pós-operatórios, fato que permite o
fácil acesso desses profissionais a esse tipo de droga (Tabela III).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 271


Tabela III - Casuística da Uniad - Unifesp (São Paulo), Centro de
Tratamento de Médicos (Uniad - Unifesp)

Drogas mais utilizadas


Uso alarmante Dependência
Drogas Total
n (%) n (%)
Álcool 20 (35,1) 7 (12,3) 12 (22,8)
Benzodiazepínicos 20 (35,1) 3 (5,2) 17 (29,8)
Opioides 34 (59,6) 4 (7,0) 30 (52,6)
Cocaína e crack 3 (5,2) 3 (5,2) 0 (0)
Marijuana 6 (10,5) 4 (7,0) 2 (3,5)
Anfetaminas 6 (10,5) 2 (3,5) 4 (7,0)
Inalantes 1 (1,8) 1 (1,8) 0 (0)

Sumário - Na atualidade, a situação de bem-estar ocupacional do


médico anestesiologista, bem como a prevalência de suas altera-
ções e consequências (fadiga, estresse, depressão psíquica, depen-
dência química, idealização suicídio, entre outras), está bem esta-
belecida na literatura especializada sobre o tema. Esse fato indica
a necessidade da conscientização e de atitudes institucionais no
sentido de abordar o problema nos seus mais variados aspectos.

Situação atual do bem-estar ocupacional na formação


médica (estudantes de medicina e residentes)e na prática
clínica anestesiológica
O bem-estar ocupacional é reflexo direto da satisfação psíquica
no ambiente de trabalho, interferindo de maneira marcante na
qualidade de vida do médico anestesiologista e pondo em risco
a sua saúde, como também a segurança de seus pacientes. Certa-
mente, o encontro de uma solução saudável integrando as condi-
ções de trabalho com a qualidade de vida do médico, com vistas
a lhe proporcionar um equilíbrio psíquico e satisfação pessoal,
resultará na obtenção de uma situação ideal de elevado nível de
bem-estar ocupacional.

As alterações patológicas da situação de bem-estar ocupacional


apresentam significante prevalência em medicina, inclusive ini-

272 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ciando-se de maneira precoce ainda na formação médica básica
(estudantes de medicina), como veremos adiante.

Durante a formação básica, os médicos residentes em anestesio-


logia, e também os seus preceptores, deveriam ser alertados pe-
las instituições responsáveis por sua formação (escolas médicas e
centros de ensino e treinamento clínico) quanto aos riscos de alte-
rações patológicas em seu bem-estar ocupacional – e suas conse-
quências –, incluindo alteração da performance clínica, aumento
de risco da segurança dos pacientes sob sua responsabilidade e
risco de morte decorrente da dependência química.

Essa medida de conscientização e da necessidade de estrutura-


ção dos sistemas de suporte é extremamente válida, principal-
mente para os estagiários, residentes e seus preceptores, os quais
já apresentam acentuado risco de desenvolver essa dependência
química – a exemplo dos portadores de níveis elevados de estres-
se psicogênico e depressão psíquica.

O estudo sobre fadiga ocupacional em médicos, em ambiente ex-


perimental ou clínico, é altamente complexo devido à sua natureza
multifatorial, variação ao longo do tempo em pessoas psiquica-
mente diferentes e sobreposição de outras condições associadas,
tais como elevado nível de estresse ocupacional, síndrome de bur-
nout, dependência química e a idealização de suicídio. Contudo,
a necessidade de estudar o fenômeno da fadiga ocupacional e as
melhores formas de controlá-la nas práticas médicas é de funda-
mental importância para a manutenção da saúde ocupacional do
anestesiologista e para a segurança do paciente cirúrgico.

Os médicos são treinados para exercer sua prática exclusivamente


voltada para o paciente, significando que, muitas vezes, ignoram
a própria saúde e o seu estado de bem-estar ocupacional. Porém,
deve ser conscientizado que a saúde dos profissionais tem im-
pacto direto na segurança do paciente, razão pela qual a atenção
institucional deve ser também focada na saúde ocupacional dos
profissionais desta área. Esse tipo de atenção deve ser especifi-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 273


camente enfatizado em relação à fadiga ocupacional do médico
anestesiologista e suas consequências, para que essa ameaça, mui-
tas vezes latente, não evolua para danos ao paciente cirúrgico 11.

A literatura médica tem evidenciado significativa maior prevalên-


cia na incidência de alterações patológicas de bem-estar ocupa-
cional, como a síndrome de burnout, em médicos e enfermeiras
quando comparados com a população em geral, nos EUA. Os mé-
dicos que desempenham suas atividades na linha de frente do
atendimento médico (unidade de terapia intensiva e atendimen-
to de emergências) são mais predispostos a desencadear esse
tipo de complicação 12.

A natureza e intensidade do trabalho executado pelos anestesio-


logistas foram modificadas drasticamente nas últimas décadas.
O advento de novas tecnologias expandiu o horizonte cirúrgico,
além de ter permitido as intervenções cirúrgicas em condições
médicas mais desafiadoras. Esses fatos, associados ao surgimento
de casos mais difíceis, de pressão psíquica crescente, de constan-
te competitividade econômica e a necessidade de se fazer “mais”
com uma força de trabalho “reduzida” elevam significantemente
a incidência de situações de estresse e distresse ocupacional na
prática clínica da anestesiologia, acompanhadas de todas as suas
consequências.

Estudos epidemiológicos atuais sobre a saúde ocupacional dos


médicos estão focados principalmente na análise da prevalência
de patologias somáticas e/ou psicológicas, tais como patologias
degenerativas, cardiovasculares, tóxicas e infecciosas, cansaço
e esgotamento, depressão psíquica e dependência química 13,14.
Paralelamente, é bem evidente o quão pouco tem sido feito em
relação à prevenção desses problemas ocupacionais adversos à
saúde do médico e à manutenção contínua do bem-estar ocupa-
cional dos mesmos.

Essas alterações patológicas da situação de bem-estar ocupacio-


nal apresentam início precoce na vida profissional dos médicos,
principalmente na formação médica básica – isto é, na faculdade.

274 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Revisão sistematizada avaliando artigos de revisão, bem como ar-
tigos sobre a incidência de depressão, ansiedade e síndrome de
burnout entre acadêmicos de medicina nos EUA e Canadá, con-
cluiu que o curso de medicina é,na vida do indivíduo,um período
de intenso estresse ocupacional, chegando frequentemente a si-
tuações patológicas como o distresse psicogênico.

Infelizmente, as informações científicas atuais são insuficientes


em qualidade metodológica e número para o estabelecimento
de diagnósticos das causas e para o perfeito estabelecimento
de condutas institucionais em relação a essa situação. Para tan-
to, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos epidemioló-
gicos, principalmente os multicêntricos, prospectivos de coorte,
com adequada análise estatística, para identificar os fatores ex-
clusivamente individuais e/ou consequentes especificamente à
formação médica e que interfiram, de maneira significante, no de-
senvolvimento de síndromes depressivas, ansiogênicas e burnout
entre estudantes de medicina.

A partir daí, estudar com profundidade a relação entre as situa-


ções de distresse psicogênico e o regime de formação universitá-
ria (por exemplo, revisão de currículo do curso de medicina e de
residências médicas). Certamente, esse é um nicho de responsabi-
lidade institucional com a qualidade da formação médica básica,
principalmente indicando o momento exato para o desenvolvi-
mento de atitudes que visem ao estabelecimento de diagnósti-
cos e à implantação de mecanismos de suporte a esse grupo de
médicos em formação 15.

O distresse psicológico é caracterizado como fato bastante preva-


lente entre estudantes de medicina. Assim sendo, as estruturações
curriculares e as exigências intrínsecas de avaliação de progressão
dentro das estruturas universitárias podem ser extremamente im-
portantes na modificação do estado da saúde ocupacional desse
grupo de seres em formação.

Estudo recente avaliou as relações entre estruturas curriculares


e graus de exigências de diferentes universidades com a sua

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 275


repercussão no bem-estar ocupacional dos estudantes de
medicina. Essa pesquisa incluiu acadêmicos de múltiplas entidades
de ensino médico nos EUA (12 faculdades de medicina) utilizando
os questionários Perceived Stress Scale (PSS), o Maslach Burnout
Inventory (MBI), o Medical Outcome Study Short Form (SF-8) e o
Quality of Life (QQL) para a avaliação, respectivamente, de estresse
ocupacional, burnout e qualidade de vida. Sua conclusão revelou
que:

••a metodologia pela qual os estudantes são avaliados durante


o curso médico tem o maior impacto sobre a sua saúde ocupa-
cional quando comparada com o específico tipo de currículo
adotado pela estrutura de ensino (importância do tipo de téc-
nica adotado na avaliação de progressão);
••as reformas curriculares devem valorizar as formas e níveis
de aprovação ou reprovação do estudante desta área, salien-
tando a responsabilidade institucional sobre a saúde ocupa-
cional desse grupo de estudantes16.

Recente estudo epidemiológico de coorte evidencia que a síndro-


me de burnout, evidentemente prevalente em residentes e médi-
cos, muitas vezes tem sua origem etiológica durante o curso de me-
dicina. Este estudo envolveu estudantes de medicina (n =1.098)que
cursavam o terceiro ano de uma faculdade em Minnesota (EUA), os
quais foram avaliados em relação à presença da sintomatologia su-
gestiva da síndrome de burnout, nível de qualidade de vida, presen-
ça de depressão psicogênica e uso abusivo de álcool.

De um total de 545 respondentes (50% do universo de estudan-


tes questionados), os resultados evidenciaram que 45% apre-
sentavam sintomatologia sugestiva de uso excessivo de álcool,
mantendo correlação estreita com o nível de adiantamento dos
estudantes. Os baixos níveis de qualidade de vida mantiveram sig-
nificante correlação com o risco da incidência de burnout (p<0,03
em análise multivariada).

O estudo concluiu que a síndrome de burnout é uma situação


patológica frequente em estudantes de medicina nos EUA, ele-

276 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


vando-se com o nível de escolaridade. Apesar da noção de que
essa síndrome está ligada primariamente ao nível de estresse ocu-
pacional, a influência das vivências prévias dos pesquisados de-
monstrou estreita correlação com o desencadeamento dessa sín-
drome durante a formação médica básica, a residência médica e a
prática da medicina após a residência. Esses autores sugerem que
tanto os fatores pessoais como os curriculares estão intimamente
relacionados com a incidência dessa síndrome, e que todo o tipo de
abordagem à mesma deve considerar os dois tipos de elementos 17.

Os programas de residência médica propiciam imensa gama de


gratificações, apesar dos médicos em formação estarem cons-
tantemente submetidos a doenças graves e irreversíveis, ao so-
frimento humano e à morte de seus pacientes. Nesse sentido, foi
publicado um editorial com o título “Quem está doente: pacientes
ou residentes?”, sugerindo que a saúde ocupacional dos residen-
tes pode estar gravemente comprometida.

Na literatura médica existe crescente número de estudos que


identificam que os programas de residência médica podem alte-
rar o estado de bem-estar psíquico ocupacional do médico, reafir-
mando que o mesmo já pode estar alterado desde a sua formação
médica básica. A modificação dessa realidade configura-se como
uma responsabilidade institucional dos órgãos responsáveis pela
formação médica básica e de sua prática clínica 18.

Collins e colaboradores analisaram residentes de anestesiologia


norte-americanos por um período de 10 anos e concluíram que
70% dos residentes portadores de dependência química conse-
guiam retornar à medicina após um programa de reabilitação
bem-sucedido. Entretanto, somente 60% dos que retornaram
conseguiram prosseguir com sucesso o treinamento em aneste-
siologia, sendo que 9% tiveram morte prematura (overdose, suicí-
dio). Os autores concluíram que o residente de anestesiologia que
desencadeia dependência química durante sua formação pode
obter melhor resultado se escolher uma especialidade médica de
menor risco para transtornos psicogênicos 19.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 277


Estudo comparando a prática rotineira de atividades extracurri-
culares (exercícios físicos, atividades culturais extramédicas, entre
outras) desenvolvidas por parte dos residentes com as desen-
volvidas por estudantes de medicina e/ou por médicos após a
residência médica evidencia que os primeiros apresentam signi-
ficante baixo nível dessas atividades “derivativas” em relação aos
dois últimos. Essa apuração pode ser um dos fatores contribuin-
tes para o estabelecimento de síndromes psicopatológicas, como
burnout, durante a realização da residência médica 20.

A literatura demonstra consistente elevação na prevalência da sín-


drome de burnout (diagnóstico com questionário MBI) em progra-
mas de residência médica de várias especialidades, entre as quais
Medicina Interna (76%), Obstetrícia-Ginecologia (90%), Pediatria
(74%), Otorrinolaringologia e Medicina de Família (27%). Além
disso, os índices de incidência são significantemente mais eleva-
dos nos médicos em formação do que em seus preceptores21.

A situação acima descrita não é diferente da que ocorre na área da


anestesiologia: um estudo realizado na Bélgica, abordando a inci-
dência da síndrome de burnout em residentes e preceptores de
anestesiologia (n=318), evidenciou significativa prevalência dessa
síndrome principalmente em jovens residentes, isto é, 40,4% dos
observados mostraram níveis entre moderados e severos de sin-
tomatologia da síndrome em pauta (Tabela IV) 22.

Tabela IV - Nível de Burnout em relação às idades dos anestesio-


logistas - Br J Anaesth. 2003;90(3):333-373

Níveis de Burnout
Idades Anos Moderado Alto
<30 4 34 24
30-35 8 21 12
35 11 12 15

A literatura médica sugere a existência de significante número de


sinais preditores ou possíveis mediadores que contribuem para o
estabelecimento de síndromes secundárias às alterações da situa-

278 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ção de bem-estar ocupacional do médico jovem anestesiologista,
entre os quais podem ser citados o número de horas trabalhadas,
o nível de estresse ocupacional no trabalho, os sinais negativos
de personalidade, como o pessimismo intenso, a perda de con-
fiança em si próprio, a falta de suporte social e técnico, e os sin-
tomas de burnout. Além disso, foram adicionados outros fatores
em associação aos acima enunciados, tais como um perfil de per-
sonalidade instável e desorganizada e a ausência de uma regular
avaliação do tipo feedback de sua performance profissional, fatos
que contribuem para o desencadeamento de síndromes psiquiá-
tricas nesse grupo de médicos.

Recente estudo evidenciou que a síndrome de burnout, a depres-


são psicogênica e a idealização do suicídio apresentam-se muito
prevalentes em residentes de anestesiologia; em adição, os efei-
tos deletérios do burnout e da depressão na saúde psíquica do
residente afetam a segurança de pacientes cirúrgicos submetidos
aos seus cuidados 23.

Desde 2000, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) tem


demonstrado crescente interesse em relação à saúde ocupacional
do anestesiologista. Portanto, tenta entender, alertar e influenciar
nesse tipo de situação, que possui importância significativa na
vida do anestesiologista e dos pacientes sob sua supervisão. As
ações desenvolvidas por essa sociedade foram apoiadas pelo Co-
mitê de Saúde Ocupacional da entidade e pela World Federation
of Societies of Anaesthesiologists (WFSA), por meio de seu Profes-
sional Wellbeing Work Party (PWWP/WFSA).

O Comitê de Saúde Ocupacional da SBA desenvolveu uma pes-


quisa epidemiológica que objetivou avaliar o nível de estresse
ocupacional e o grau de adaptabilidade às condições de traba-
lho dos residentes e de seus preceptores nos programas de trei-
namento em anestesiologia ligados à própria SBA e ao Ministério
de Educação, além de compará-los com os resultados obtidos em
pesquisa realizada com anestesiologistas belgas – cujos principais
resultados estão resumidos na Tabela V 24.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 279


Tabela V - Conclusões do Study of Relationship Among Occupatio-
nal Stress Level and The Work Conditions: in anesthesiology Training
Programs in Brazil

• 2º ano de treinamento em anestesiologia apresentou os maiores índices


de estresse ocupacional em relação aos outros níveis de formação e a seus
preceptores.
• Os níveis de estresse ocupacional foram mais elevados no sexo feminino.
• A faixa etária de maior nível de estresse ocupacional foi entre 25 e 35 anos.
• O menor nível de estresse foi evidenciado no grupo de casados em relação
a solteiros e divorciados.
• O número de hospitais em que entrevistados desempenham as suas ativi-
dades clínicas não influiu no nível de estresse ocupacional.
• O alcoolismo mostrou-se altamente prevalente nos residentes e precep-
tores brasileiros.
• O nível de controle sobre a dinâmica de trabalho, analisado em cinco di-
mensões, mostrou um nível menor e estatisticamente significante quando
comparados os profissionais brasileiros com os anestesiologistas belgas.

Realidade atual da correlação entre fadiga e erro médico


(responsável por incidentes críticos)

Como dito anteriormente, uma das principais causas de erro mé-


dico, bem documentadas na literatura médica, é o nível de fadiga
desses profissionais durante a sua prática clínica. Esse fato confi-
gura um alerta real para a responsabilidade institucional sobre a
atividade clínica médica 25,26.

A fadiga ocupacional é considerada fator latente de erro médico,


propiciando a ocorrência de incidentes críticos que, ocasionalmen-
te, resultam em consequências graves e frequentemente evitáveis.

Características atuais inerentes à prática clínica do anestesiologis-


ta podem resultar em certas correlações com patologias psicoló-
gicas. Os riscos emergentes de fadiga aguda e crônica e os eleva-
dos níveis de estresse ocupacional devem ser observados durante
a prática clínica dos anestesiologistas, bem como nos programas
de treinamento de residentes (responsabilidade institucional).

280 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Recentemente, o professor Olli Meretoja publicou um artigo inti-
tulado “Nós deveríamos trabalhar menos à noite”, no qual conclui
que: “Existe cada vez mais evidências de que o desempenho dos
médicos torna-se inferior se os mesmos trabalharem em plantões
excessivamente prolongados ou no período da noite. Esses padrões
de trabalho diminuem a qualidade e a segurança do atendimento
médico, aumentando os custos operacionais da assistência médica.

Além disso, trabalhadores com atividade noturna apresentam


elevados riscos a sua saúde ocupacional devido a seus turnos
de trabalho não apresentarem condições fisiológicas, como, por
exemplo, o não respeito ao ciclo circadiano. As formas eficazes de
se reduzirem as consequências gerais de fadiga e desta condição
de trabalho incluem minimizar a quantidade de trabalho conduzi-
do no período citado e estabelecer regras do número máximo de
horas para cada turno de trabalho” 27.

Para o perfeito entendimento do tema que correlaciona o bem-


estar ocupacional do anestesiologista com a segurança do pa-
ciente cirúrgico e a responsabilidade institucional nessa área, tor-
na-se necessário iniciar com três definições: estresse, distresse e
fadiga ocupacional 1-3.

Estresse - é a tensão física ou psíquica (emocional) que ocorre na


presença de um desequilíbrio entre as demandas exigidas para
um ser humano e suas condições para suportá-las.

Distresse - é a presença de sintomatologia psíquica intensa em


resposta às alterações do bem-estar ocupacional de profissionais,
no caso, dos ligados à área da saúde, associados principalmente
com sintomas de depressão e ansiedade. Na literatura a presen-
ça dessa sintomatologia evidencia significante correlação com a
queda na performance profissional do médico submetido a essa
situação (estudantes de medicina, residentes, profissionais clíni-
cos e enfermagem).

Fadiga ocupacional - é a sensação subjetiva da necessidade de


repouso (dormir), acompanhada de intenso esforço para a manu-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 281


tenção de um estado de vigília, e de significante perda da condi-
ção de cognição psíquica, com repercussão direta na performance
profissional do anestesiologista, bem como da segurança do pa-
ciente cirúrgico.

Vista de outra forma, a fadiga representa a incapacidade de o in-


divíduo continuar a exercer, de maneira efetiva, as suas potencia-
lidades mentais (cognitivas) e físicas. Como anteriormente visto, a
fadiga tem características de individualidade e é expressa como
fenômeno de difícil e inequívoca identificação, consequentemen-
te, de difícil avaliação e abordagem clínica.

Ciclo circadiano - é um ritmo natural do organismo humano, asso-


ciado com o fenômeno de dormir/despertar do indivíduo. Este ci-
clo envolve um padrão de sono/vigília, um característico regime de
atividade digestiva e secreção humoral, além de um estado psíqui-
co de humor que influencia os níveis de atenção e de performance
psíquica e motora (ocupacionais) durante um período de 24 horas 3.
Está bem evidenciado que sua alteração gera uma situação patoló-
gica no desempenho clínico do médico anestesiologista.

Na literatura médica cresce o número de trabalhos científicos


que correlacionam de maneira substancial as alterações psíqui-
co-patológicas dos médicos, residentes e enfermagem (p. ex: ele-
vado nível de estresse ocupacional e suas consequências) com a
potencial geração de incidentes críticos (erro médico) 4-9.

Na atualidade, existe parcial concordância no referente à defini-


ção de erro médico. A maioria dos consensos o considera como
uma situação na qual o profissional médico escolhe e adota uma
atitude médica inapropriada e/ou a executa de maneira incorre-
ta. Dessa forma, o erro médico é descrito como “um erro humano
inserido na abordagem clinica à saúde de pacientes”. Entretanto,
essa definição é passível de discussão, desde que existem erros de
pequena e grande monta, sendo que o resultado específico dos
mesmos é, frequentemente, pouco quantificado e notificado. Tor-
na-se importante salientar que o erro médico do anestesiologista
está frequentemente ligado aos incidentes críticos perioperató-

282 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


rios, os quais podem alterar significantemente a morbidade e, por
vezes, a mortalidade do paciente cirúrgico.

A fadiga ocupacional pode ser entendida de maneira prática como


um fator latente caracterizado como pré-condição, independente
ou não, com potencialidade de influenciar na incidência de erros
médicos, podendo elevar a ocorrência de incidentes médicos crí-
ticos devido às suas características acumulativas e, muitas vezes,
com características sintomatológicas insidiosas28.

Um estudo prospectivo de coorte avaliando a prevalência de erro


médico com a administração de medicamentos, relatados espon-
taneamente por residentes portadores de depressão psíquica
ou portadores de síndrome de burnout, foi publicado no British
Medical Journal em 2008. O estudo em pauta concluiu que a de-
pressão psicogênica e a síndrome de burnout são situações muito
prevalentes em médicos residentes, sendo que os residentes
depressivos relatam incidência de erro médico significantemente
mais elevada do que os portadores de burnout10 (Figuras 3 e 4).

Figura 3 - Incidência de erros de médicos residentes com medica-


ção – depressivos/não depressivos

Fahrenkopf A M et al. BMJ 2008;336:488-491

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 283


Figura 4 - Relato espontâneo de residentes portadores ou não de
burnout e depressivos ou não depressivos em relação a incidência
de erro médico

Fahrenkopf A M et al. BMJ 2008;336:488-491

Um estudo demonstrou que o risco de um acidente (erro médico)


aumenta de maneira exponencial a cada hora após nove horas
consecutivas de trabalho. Em 24 horas de vigília sustentada, o
comprometimento da função psicomotora nos médicos pode ser
equivalente a uma concentração de 0,1% de álcool no sangue, o
que é igual ou superior ao limite legal para dirigir na maioria dos
estados dos EUA 29.

Estudos epidemiológicos atuais sobre a saúde ocupacional dos


médicos estão focados principalmente na descoberta e análise da
prevalência de patologias somáticas e/ou psicológicas, tais como
patologias degenerativas, cardiovasculares,tóxicas e infecciosas,
cansaço e esgotamento, depressão e dependência química 1,2. Em
paralelo, é evidente o quão pouco tem sido feito em relação à pre-
venção desses problemas ocupacionais adversos e à manutenção
contínua do bem-estar ocupacional dos médicos.

284 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Demandas crescentes por causa da pressão no trabalho, aliadas
aos compromissos pessoais e sociais, podem ser carga muito
pesada para alguns indivíduos,muitas vezes resultando,por con-
seguinte, na síndrome de fadiga em anestesiologistas clínicos.
Curiosamente, a “fadiga” (também chamada de exaustão, cansaço,
letargia, estafa, apatia, prostração, esgotamento e lassidão) pode
ser diferenciada nas categorias física e mental.

A fadiga física pode ser definida como a incapacidade de manter


o exercício de suas habilidades normais, fato claramente visível
durante o exercício intenso, podendo atingir um estado de inten-
sa letargia, a qual interfere de maneira significante na segurança
dos pacientes cirúrgicos 3.

Embora os anestesiologistas possam experimentar fadiga física


durante um dia de trabalho intenso, a fadiga psicogênica é vis-
ta como o principal agente causador de erro médico (geração de
incidentes críticos) entre os praticantes de anestesia. Pode mani-
festar-se como sonolência, com incapacidade de concentração
ou de realizar avaliações e tomar decisões rápidas em situações
emergenciais.

Recentemente, na área de saúde ocupacional do anestesiologista,


o conhecimento sobre os riscos de patologias somáticas e/ou psi-
cológicas, agravadas pelo estresse da prática clínica, melhorou o
diagnóstico, a prevenção e o gerenciamento dessas condições ad-
versas 3,4. Entretanto, ainda é muito importante que os anestesiolo-
gistas estejam cientes dos aspectos de sua prática clínica que mais
lhe causam estresse (ou distresse), bem como conscientizar quais
as adequadas condições de trabalho que podem ser estabelecidas
em prol da manutenção saudável de sua saúde ocupacional.

Os conselhos médicos institucionais, as sociedades de especia-


lidades nacionais e internacionais e os órgãos comprometidos
com a formação médica (faculdades de medicina ou programas
de treinamento clínico), que controlam a formação e a prática
médica no mundo, geralmente definem o erro médico como “a

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 285


conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância téc-
nica, sendo capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem,
caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência” 10. Nesse
tópico devem estar incluídas todas as causas que resultem em
alterações patológicas do bem-estar ocupacional do anestesiolo-
gista, as quais podem ter importância significante para a saúde
(física e psíquica) do profissional médico e, consequentemente,
para a segurança do paciente cirúrgico, sendo portanto incluídas
no rol de responsabilidades das instituições inicialmente citadas.
Esses fatos são confirmados por estudos epidemiológicos.

Em 1999, The North American Institute of Medicine, em sua publi-


cação To err is human: building a safer health system, apontou que
mais de 98 mil mortes de pacientes foram causadas por erro mé-
dico, tornando esse tipo de situação a sexta das oito causas mais
prevalentes de morte dentro dos EUA, sendo potencialmente
mais letal que o câncer de mama, a aids e as mortes por acidentes
de tráfego. Dessa forma, esse tipo de situação configura-se como
um problema mundial e não parece ser abordada de maneira efe-
tiva até o momento atual 30.

O mesmo instituto acima citado publicou em 2006 um trabalho


abordando o tema –“Sleep disorders and deprivation: un met public
health problem” – e concluiu que os defeitos do sono (insônia e/ou
privação de sono) apresentam efeito acumulativo, característica
que evidencia o caráter crônico dessa potencial patologia31.

Estudo realizado na Harvard University (EUA) avaliando a preva-


lência de lesões geradas em pacientes internados nos serviços de
emergência médica em 51 hospitais na cidade de Nova York, en-
globando 30.121 prontuários, observou que no grupo estudado a
incidência de lesões causadas por atitudes médicas inapropriadas
foi de 3,7%, das quais 69% resultaram de erros médicos 32.

Outro estudo revisando a qualidade do sistema de saúde austra-


liano (utilizando a mesma metodologia do estudo anterior), in-
cluindo 14.179 internações em 28 hospitais, observou incidência

286 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de 16,6% de efeitos adversos (incidentes críticos) à saúde desses
pacientes, dos quais 13% resultaram em incapacidade permanen-
te e 4,9%, em morte. É importante salientar que 51% desses fatos
foram identificados como de causa potencialmente evitável (erro
técnico e/ou administração inadequada de medicação) 33.

Estudos baseados em revisões detalhadas objetivando a detecção


de lesões causadas por condutas médicas inadequadas revelam
que a maioria não é descrita, de maneira rotineira, nos prontuá-
rios hospitalares (omissão de informação).

A utilização de um modelo computadorizado de notificação mé-


dica compulsória, utilizado para a identificação de eventos ad-
versos (incidentes críticos) após a administração de medicações,
mostrou que os mesmos ocorrem em uma incidência de 1,6%
dos pacientes internados em hospitais de Salt Lake City, em Utah
(EUA) 16. Paralelamente, a avaliação da incidência de reações ad-
versas por uso inadequado de drogas, baseada na descrição do
médico e por prontuários eletrônicos, ocorreu em 6,5% dos pa-
cientes internados em dois hospitais em Boston (EUA). As reações
adversas a medicamentos em 28% dos casos foram secundárias
a erros médicos, das quais 7,3% resultaram em sequelas graves e
potencialmente evitáveis 34.

Sumário - As instituições envolvidas com a formação médica (es-


colas de medicina e programas de treinamento clínico), junto
com as instituições controladoras da prática médica, incluindo a
proteção da saúde ocupacional do médico e sua repercussão na
segurança do paciente, devem ser conscientizadas não somente
para a sua responsabilidade com o bem-estar ocupacional do es-
tudante de medicina, do residente e dos profissionais médicos,
como também das suas reais possibilidade de modificar situações
da saúde ocupacional de médicos anestesiologistas e da seguran-
ça de pacientes.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 287


Responsabilidade institucional sobre bem-estar ocupa-
cional do anestesiologista e a segurança do paciente
cirúrgico
Os capítulos anteriores identificam dois pontos de suma impor-
tância relacionados com o bem-estar ocupacional do anestesio-
logista e os seus reflexos diretos sobre a saúde ocupacional do
médico anestesiologista e a segurança do paciente cirúrgico.

Existe estreito elo entre a existência de fadiga ocupacional em mé-


dicos anestesiologistas e a prevalência de eventos adversos duran-
te o tratamento de pacientes cirúrgicos. Esse fato está bem docu-
mentado em número substancial de trabalhos que alertam para a
prática excessiva de horas trabalhadas e a geração de uma entida-
de psicopatológica caracterizada como fadiga ocupacional, a qual
resulta em queda significante da qualidade, eficiência, produtivida-
de e da segurança da prática clínica dessa especialidade médica1-6.

É importante ressaltar, novamente, que o fenômeno da fadiga


apresenta uma característica acumulativa.

Os estudos supracitados mostram que a fadiga ocupacional favo-


rece a elevação do risco do paciente cirúrgico e do próprio médi-
co por meio de múltiplos fatores, entre os quais destacam-se:

••lapsos de atenção e a incapacidade de fixação em fatos clí-


nicos durante os procedimentos pelos quais está responsável;
••redução da motivação laboral;
••confusão mental;
••irritabilidade;
••lapsos de memória;
••dificuldade de comunicação;
••lento processamento de ideias, conclusões e atitudes médi-
cas;
••latência das respostas psicomotoras elevada;
••indiferença afetiva e perda de empatia.

288 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Existem fatos que contribuem para a elevação da incidência de
fadiga ocupacional do médico, entre os quais podem ser citados
os plantões excessivamente prolongados, tanto em tempo traba-
lhado como em frequência semanal, que alteram a qualidade do
sono dos profissionais a eles submetidos, possibilitando queda
significante na sua performance profissional, consequentemente
alterando tanto a segurança do atendimento médico como tam-
bém a sua própria segurança 25,26.

Dados epidemiológicos documentados pela Associação Médica


de Ontário demonstram aumento no número de doenças psico-
patológicas relacionadas à prática médica em comparação com
as patologias estritamente somáticas, resultantes de problemas
como infecções, irradiações, contaminações e inalações de gás,
como evidenciado na Figura 2.

Com base na atenção dispensada à saúde ocupacional, especifi-


camente ao bem-estar do médico no Canadá, o dr. Michael Myers,
professor clínico de Psiquiatria na University of British Columbia,
editou um livro, por meio da Associação Médica Canadense, aler-
tando sobre os fatores de risco para o desencadeamento de pato-
logias ocupacionais. Com esse trabalho, arrecadou fundos para o
diagnóstico, tratamento e apoio de doenças ocupacionais, no Ca-
nadá. Certamente, essa é uma iniciativa a ser seguida por outras
instituições médicas no mundo 35.

Christopher P. Landrigan (do Sleep and Patient Safety Program of


the Brigham and Womens) é mencionado no texto da American
Joint Commission Sentinel Event Alert (Comissão Mista Americana
de Sentinela de Alerta para Eventos Médicos, geralmente críticos)
por enfatizar a importância do tema por meio da seguinte afirma-
tiva: “Nós, anestesiologistas, temos uma cultura de longas horas
ininterruptas de trabalho, sendo o impacto da fadiga ocupacional
sobre a nossa saúde pouco conscientizado como um fato real”.

Esse autor e outros enfatizam a necessidade de regulamentação


da carga horária exercida por médicos anestesiologistas e enfer-
magem (plantões e jornada diária/semanal rotineiras) por parte

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 289


das instituições médicas, principalmente as com atividade efetiva
e executiva sobre o controle da qualidade do atendimento médico
e da formação médica, além de estimular a expansão da pesquisa
epidemiológica nesse setor. É importante salientar a correlação
direta entre as alterações do sono e do ciclo circadiano com as
alterações de performance cognitiva profissional do médico 36-38.

Por sua vez, o relatório do The North American Institute of Medici-


ne – “To err is human: building a safer health system (Errar é huma-
no: construindo um sistema de saúde seguro) – revela que os er-
ros médicos contribuem para muitas mortes hospitalares e graves
eventos adversos em pacientes cirúrgicos 39.

Hoje, existe a premente necessidade do estabelecimento de me-


didas profiláticas efetivas para as patologias psíquicas, que resul-
tam de alterações do bem-estar ocupacional de médicos aneste-
siologistas, por parte de instituições responsáveis pelo controle
da formação médica básica (faculdade de medicina, ministérios
da Educação e da Saúde), programas de treinamento clínico (re-
sidências médicas – sociedades de anestesiologia nacionais) e de
prática clínica da anestesiologia.

Devido aos crescentes riscos existentes para a saúde ocupacio-


nal de anestesiologistas (fadiga, estresse, distresse, burnout, de-
pendência química, idealização de suicídio etc.), a anestesiologia
sendo uma especialidade médica caracterizada epidemiologica-
mente como um grupo vulnerável a esse tipo de patologia, deve
receber atenção diferenciada dessas Instituições no sentido de
elevar a qualidade da saúde do profissional e incrementar o nível
de segurança aos pacientes cirúrgicos no período perioperatório.

Na área de saúde ocupacional do anestesiologista, o conhecimen-


to sobre os riscos de patologias somáticas e/ou psicológicas, agra-
vadas pelo estresse da prática clínica, melhorou em diagnóstico,
prevenção e gerenciamento dessas condições adversas 3,4.

Entretanto, é muito importante que os anestesiologistas este-


jam cientes dos aspectos de sua prática individual que mais lhe

290 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


causam estresse ocupacional, bem como saber como melhores
condições de trabalho poderiam ser estabelecidas em prol da ma-
nutenção de uma prática clínica saudável. A necessidade de tais
melhorias se torna mais evidente ao ser levado em conta se siste-
mas de avaliação e suporte para anestesiologistas potenciais ou
reais portadores de alguma deficiência foram estabelecidos pelas
associações e instituições médicas de defesa profissional, por or-
ganizações governamentais, por universidades ou por outras es-
truturas envolvidas nessa área médica.

Os riscos emergentes de fadiga aguda e/ou crônica e os elevados


níveis de estresse ocupacional devem ser estreitamente observa-
dos durante a prática clínica dos anestesiologistas, bem como nos
programas de treinamento clínico de residentes.

Em 2005, o Professional Wellbeing Committee da WFSA, na oca-


sião o Work Party Professional Wellbeing, elaborou e realizou um
estudo epidemiológico prospectivo de coorte sobre a saúde ocu-
pacional do anestesiologista no mundo, abordando, mediante
questionário, os presidentes das sociedades-membros da WFSA
(n = 103), com o resultado de 57% de respostas completas.

Para a questão “Os membros efetivos de sua sociedade de aneste-


siologia estão conscientes da necessidade de regulamentação de ho-
ras trabalhadas pelo anestesiologista?”, a resposta foi 36,7% não e
63,3% sim.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 291


Para a questão “Você acredita que a síndrome de burnout é um pro-
blema significante nos membros de sua sociedade?”, a resposta foi
10,4% não e 89,6% sim.

Para a questão“Você acredita que a dependência química é um pro-


blema significante em sua sociedade?”, a resposta foi 57,1% não e
42,9% sim.

292 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Para a questão ”Em sua sociedade existe algum grupo de trabalho
atuando na área de saúde ocupacional do anestesiologista?”, a res-
posta foi 81,2% não e 18,2% sim.

Essa pesquisa evidenciou a discrepância existente entre o reco-


nhecimento da prevalência das patologias psicogênicas con-
sequentes de alterações na saúde ocupacional dos anestesiolo-
gistas por parte das sociedades nacionais da especialidade e as
medidas terapêuticas ou profiláticas tomadas pelas mesmas em
relação a essa constatação epidemiológica. O estudo, realizado
pelo Professsional Wellbeing Committee da WFSA encontra-se em
fase de realização do segundo período de coorte.

O estudo da fadiga ocupacional, em ambiente laboratorial ou clí-


nico, é altamente complexo e difícil devido a sua natureza multi-
fatorial, isto é, variação ao longo do tempo de diferentes tipos de
personalidade e da sobreposição de outras condições associadas,
tais como síndrome de burnout, dependência química, idealiza-
ção de suicídio e estresse elevado. Contudo, a necessidade de es-
tudar o referido fenômeno e as melhores formas de controlá-la
em nossa prática médica é de fundamental importância.

Conforme visto, os médicos são treinados para exercer sua ativi-


dade clínica voltados somente para o paciente. Isso significa que
muitas vezes ignoram a sua própria saúde e a qualidade do seu

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 293


bem-estar ocupacional. Porém, como a saúde psíquica do médi-
co tem impacto direto no bem-estar do paciente, devemos voltar
nossa atenção para nós mesmos. Em relação à fadiga, isso signifi-
ca que devemos aprender a reconhecê-la e encontrar formas de
atenuar seus efeitos maléficos, para que essa ameaça latente não
evolua para danos ao paciente 11.

Quanto à fadiga e às longas horas de trabalho, alguns países estão


tomando medidas para corrigir esse problema. Por exemplo, a As-
sociação de Anestesiologistas da Irlanda e Grã-Bretanha produziu
um documento com 25 laudas especificamente para lidar com o
problema da fadiga em seus membros e fez recomendações sobre
as questões de segurança da equipe e dos pacientes 40. Da mesma
forma, o Colegiado Australiano e Neozelandês de Anestesiologis-
tas também produziu uma declaração sobre a fadiga ocupacio-
nal na qual os princípios e as responsabilidades específicas são
individualmente definidos para anestesiologistas e instituições
responsáveis sobre o desempenho médico, entre os quais os de-
partamentos de anestesia e direções clínicas e técnicas de hospi-
tais, com o objetivo de reduzir a fadiga e, também, os erros médi-
cosdela resultantes 41.

A carga horária (plantões e rotina) exercida por residentes tem


sido motivo de vários estudos. Com pertinência, o Conselho de
Acreditação para Educação Médica de Graduação Americano
implementou restrições em carga horária de médicos em treina-
mento clínico básico (residências médicas), limitando os plantões
em, no máximo, 30 horas e a jornada de trabalho semanal em 80
horas. Em estudos subsequentes a essa atitude ficou evidenciado
que os riscos para a segurança dos pacientes cirúrgicos e pessoais
para o médico continuaram elevados, principalmente para os re-
sidentes com plantões superiores a 24 horas 36,42.

Em setembro de 2010, o conselho acima referido publicou uma


versão final das novas diretrizes, que se tornaram efetivas nos EUA
em julho de 2011(www.acgme-2010standards.org) 43.

294 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Em artigo publicado em novembro de 2007 no Joint Commission
Journal on Quality and Patient Safety, concluiu que as evidências
médicas sugerem de maneira enfática que as jornadas de traba-
lho e plantões prolongados em duração elevam de maneira signi-
ficante a incidência de fadiga ocupacional, com consequente di-
minuição na performance profissional do médico e queda de sua
própria segurança, bem como do paciente cirúrgico. Esse artigo
relatou que os residentes que trabalham em regimes tradicionais,
isto é, plantões recorrentes de 24 horas, evidenciaram que 44-48:

••causaram 36% a mais de eventos adversos preveníveis


quando comparados com os que trabalharam em regime de
não mais de 16 horas consecutivas;
••apresentaram 5 vezes mais erros diagnósticos em relação
aos outros;
••apresentaram o dobro de fugas de atenção no desempenho
de sua atividade clínica durante a noite;
••sofreram 61% mais de acidentes perfurocortantes após a sua
20a hora consecutiva de plantão;
••experimentaram 1,5 a 2 desvios standards negativos em sua
performance quando comparados a própria performance em
repouso;
••reportaram intensa fadiga no momento do estabelecimento
dos eventos críticos que resultaram na morte do paciente.

Em 2009, outro estudo identificou elevação no número de com-


plicações durante a execução noturna de procedimentos médicos
por profissionais com menos de seis horas de sono contínuo49.

Baseados nas informações científicas acima descritas, os mem-


bros da Joint Commission recomendam algumas atitudes para as
instituições responsáveis pelo controle da qualidade da prática
médica, visando, principalmente, diminuir os riscos correlatos
com a presença de fadiga nesse grupo de profissionais (regime ro-
tineiro de trabalho e características dos plantões), entre os quais
os incidentes críticos e erros médicos preveníveis, protegendo de
forma objetiva os pacientes cirúrgicos.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 295


Recomendações 37-39, 50-54:

••Alertar os diretivos das instituições de assistência médica, de


maneira protocolar e com base epidemiológica científica, para
os riscos da fadiga ocupacional. Inclusive salientando a neces-
sidade de adequação de jornadas de trabalho e plantões, tan-
to na periodicidade como na extensão em horas ininterruptas
trabalhadas, respeitando os limites da saúde ocupacional de
cada indivíduo e elevando a segurança do paciente tratado em
sua instituição médica;
••Enfatizar, em todas as oportunidades possíveis, a correla-
ção,baseada cientificamente na literatura atual, entre a fadiga
ocupacional com estresse psicogênico e todas as suas conse-
quências;
••Estimular a participação efetiva de todos os membros da
equipe para, democraticamente, estabelecerem características
de jornada de trabalho rotineiro e plantões. Essa forma permi-
te projetar regimes de trabalho, minimizando a prevalência de
fadiga ocupacional e suas consequências.
••Criar, nas estruturas de trabalho médico, um plano de aten-
ção às situações de fadiga ocupacional de seus componentes,
tal como 51-53:
••estabelecer fóruns de discussão;
••estabelecer mecanismos que resultem em ações reais e efe-
tivas sobre o tema;
••diminuir o uso constante de cafeína durante o atendimento
médico;
••estabelecer, de forma rotineira, pequenos períodos de repou-
so durante o atendimento médico (não mais de 45 minutos);
••valorizar para a equipe médica a importância sobre “higiene
do sono” (qualidade). Sugerindo a prática de yoga ou da leitura
extramédica antes de dormir e evitando as bebidas alcoólicas,
café, nicotina, alimentação excessiva, as quais evidenciam im-
pacto significante na qualidade do sono;
••promover oportunidades para os membros da equipe mé-
dica (anestesiologistas) expressarem a sua impressão e pro-

296 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


postas em relação à qualidade da saúde ocupacional dos seus
ambientes de trabalho;
••criar sistemas de avaliação sistemática para os níveis de es-
tresse ocupacional, como também de suporte especializado
para profissionais com alterações nessa área da saúde profis-
sional do médico (anestesiologista);
••criar sistemas de apoio financeiro no caso do impedimen-
to temporário para a prática médica por problemas de saúde
ocupacional e de suas consequências sobre a saúde do profis-
sional médico.

Conclusões
A literatura médica tem evidenciado ao longo do tempo que o
ambiente de trabalho dos profissionais da área da saúde, incluin-
do os médicos anestesiologistas, apresenta nível de estresse bem
mais elevado quando comparado com o ambiente de outras ati-
vidades profissionais.

Esse grupo de profissionais está constantemente exposto a situa-


ções ocupacionais com elevado número de fatores estressantes,
tais como sobrecarga de trabalho, pressões sociais intensas, perda
do papel claro de suas funções e limites, clamor afetivo constante
do enfermo, possibilidade de acidentes no desempenho de suas
funções (acidentes perfurocortantes), contaminações com doen-
ças infectocontagiosas, geralmente sem a devida valorização de
suas opiniões e reivindicações. Esses fatores estressantes físicos
ou psíquicos resultam em elevação no desencadeamento de si-
tuações de erro médico e incidentes críticos no atendimento mé-
dico por parte dos profissionais dessa área. Frequentemente, esse
fato tem como fator etiológico as alterações psíquicas patológicas
do profissional, com consequentemente diminuição da seguran-
ça do paciente cirúrgico.

Por sua vez, tem sido evidenciada a importância da intervenção


de instituições ligadas ao atendimento médico e dos próprios mé-
dicos no sentido de mudar essa situação, ou seja, diminuir o ele-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 297


vado estresse ocupacional e suas patológicas consequências. Em-
bora a intervenção institucional deva ser a preferencial no sentido
de modificação da situação em pauta, a ação combinada entre
as instituições e os profissionais da área (médicos e enfermagem)
mostram resultados positivos mais consistentes e permanentes,
tanto no diagnóstico como na profilaxia e tratamento de seus
componentes.

Com o objetivo de reduzir o estresse ocupacional de anestesiolo-


gistas, em nível institucional, as principais intervenções de seus
diretivos devem estar focadas na necessidade de limitar rotinas de
trabalho excessivas, frequência e duração de plantões noturnos
que estejam fora de padrões aceitáveis e implementar uma cul-
tura organizacional que vise ao estabelecimento de um ambiente
de trabalho saudável baseado em justiça organizacional e parti-
cipação efetiva dos médicos anestesiologistas na implantação de
seus próprios regimes de trabalho – possibilitando, dessa forma,
uma associação saudável entre trabalho, família e vida social.

Essas possibilidades visam à criação e manutenção de um am-


biente laboral que possibilite uma situação de bem-estar ocupa-
cional do anestesiologista.

As instituições devem observar alguns tópicos no sentido da


construção de uma atividade e ambiente laboral mais próximo da
normalidade:

••os plantões noturnos devem ser reduzidos em número e du-


ração, devendo ser efetivados arranjos diretivos institucionais
que possibilitem somente os atendimentos emergenciais du-
rante a noite, evitando nesse período os atendimentos consi-
derados eletivos;
••é muito recomendável que os anestesiologistas, após certo limi-
te de idade (>60 anos), sejam liberados das atividades noturnas;
••os conflitos desencadeados no ambiente de trabalho devem
ser evitados ou reduzidos por meio de várias medidas, entre as
quais o estabelecimento da verdade, da discussão mútua das
situações conflitantes criadas, propiciando uma efetiva forma

298 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de comunicação e construção de real e saudável inter-relação
pessoal no ambiente de trabalho;
••as instituições devem oferecer algum tipo de suporte social,
demonstrando respeito e gratidão aos profissionais médicos,
ser flexíveis em suas decisões e diretrizes e maximizar o uso
das capacidades individuais, possibilitando que os médicos
atinjam seus objetivos profissionais sem estresse ocupacional
patológico;
••as instituições devem valorizar ao máximo a opinião e o sen-
timento do médico anestesiologista em relação às decisões
sobre o seu regime de trabalho, respeitando a capacidade in-
dividual do profissional para desempenhá-lo.

Como a situação de estresse ocupacional pode ser controlada


pela participação institucional nacional ou internacional, visando
a melhoria da saúde e performance profissional de médicos anes-
tesiologistas e, consequentemente, melhoria na segurança do
atendimento anestésico-cirúrgico?

Com base na experiência descrita nos tópicos anteriores, surgem


duas recomendações:

1a) Estruturação de uma agenda internacional de pesquisa coope-


rativa desenvolvida e financiada com o principal objetivo de gerar
informações sobre custos e efetividade de diferentes estratégias,
com vistas à melhoria da performance ocupacional de médicos,
enfermagem e estudantes de medicina, com especial ênfase na
escolha das melhores abordagens nesse sentido, adaptadas para
diferentes questões de pesquisa em distintas áreas da saúde ocu-
pacional desse grupo de profissionais. Essa agenda deverá ser
composta por três setores:

a) Pesquisar fatores que modificam a performance profissio-


nal, principalmente objetivando o desenvolvimento de teorias
testáveis que possam esclarecer os problemas específicos da
saúde ocupacional durante a prática médica na área de saúde;
b) Estabelecer uma rigorosa estratégia metodológica de con-
trole da relação custo/efetividade dos estudos epidemiológi-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 299


cos ocupacionais para manter uma elevada qualidade cientifi-
co-assistencial dos mesmos;
c) Iniciar um trabalho de documentação, contendo resultados
dos estudos, desenvolvendo e implementando propostas de
modelos de diretrizes sobre saúde ocupacional médica.

Essa abordagem deverá ser praticada por meio de revisões cons-


tantemente atualizadas, produção de peer-reviewed em revistas
especializadas e liberação de acesso às bibliotecas eletrônicas
para o contato direto de executivos de instituições e profissionais
dessa área com os estudos científicos epidemiológicos, muitas ve-
zes ainda não publicados.

Os resultados dessa estratégia, incluindo os detalhes das inter-


venções propostas, deverão ser divulgados para todos os setores
interessados no tema, por via internet e publicações do tipo peer-
reviewed.

2a) Desenvolver campanhas com vistas a responsabilizar os minis-


térios da Saúde e da Educação dos diferentes países junto às orga-
nizações nacionais e internacionais relacionadas com a formação
e prática médica, objetivando a transformação dos resultados das
pesquisas epidemiológicas em ações efetivas, que visem a plena
performance dos médicos anestesiologistas, com consequente
elevação da qualidade de atendimento e segurança dos pacientes
cirúrgicos, e também elevar a qualidade de seu bem-estar ocu-
pacional. A World Federation of Societies of Anaesthesiologists
(WFSA), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef ), entre outras entidades de
similar importância, deverão ser incluídas nesse tipo de atividade.

300 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 305


Parte 3
Riscos biológicos e saúde
ocupacional
Radioproteção para os anestesiologistas
Antônio Fernando Carneiro
TSA-SBA,doutor, chefe do Departamento de Cirurgia da Universidade
Federal de Goiás, diretor do Departamento de Defesa Profissional da
SBA, especialista em Medicina Intensiva
Onofre Alves Neto
TSA-SBA, doutor, professor associado de Anestesiologia da Universida-
de Federal de Goiás

Introdução
Nos anos 70 a poluição ambiental dos anestésicos representava a
principal preocupação dos anestesiologistas, com especial aten-
ção à toxicidade dos anestésicos inalatórios e, principalmente, de
seus metabólicos 1. O estudo de efeitos de anestésicos e de seus
metabólitos no organismo, tanto do paciente quanto dos profis-
sionais que aplicam anestesia e trabalham em centros cirúrgicos,
era objeto de preocupação sempre presente nos principais livros-
texto 2-3. Os anos 80 representaram, para a saúde ocupacional dos
anestesiologistas, a preocupação principal com agentes infeccio-
sos como a transmissão do HIV e da hepatite. Atualmente, um
sem-número de riscos ocupacionais estão presentes e são cons-
tantemente descritos em diversas publicações.

Cada vez mais, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) se


preocupa com a saúde ocupacional dos anestesiologistas, sendo
frequente a publicação de artigos, normas e resoluções a respeito 4.

Longe vai o tempo em que os anestesiologistas eram ocasional-


mente expostos à radiação ionizante, quando se fazia raios X em
aparelhos portáteis, geralmente associados a procedimentos de
ortopedia. Atualmente, os anestesiologistas estão aumentando
muito a sua exposição a radiações ionizantes, principalmente en-
quanto exercem o seu trabalho, facilitando o diagnóstico e trata-
mento em muitos locais, como na medicina intervencionista, na
medicina da dor, em UTIs e durante procedimentos vasculares 5.
A expansão no uso de fluoroscopia é significativa e cada vez mais

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 309


especialistas médicos a utilizam, inclusive os próprios anestesiolo-
gistas, especialmente em procedimentos de colocação de catete-
res venosos, peridural e em outros locais do organismo.

A utilização da radiação ionizante é a base para o diagnóstico e


tratamento em várias situações, mas também representa um ris-
co, pela transferência de energia que provoca.

A própria SBA, preocupada com a saúde ocupacional dos seus


componentes, criou a Comissão de Saúde Ocupacional para, den-
tre outros assuntos, estudar amatéria e oferecer informações da
profilaxia das complicações advindas do trabalho do anestesio-
logista.

Radioproteção, termo cada vez mais conhecido dos anestesio-


logistas, pode ser definida como um conjunto de medidas que
visam proteger o homem, seus descendentes e o meio ambiente
contra possíveis efeitos indevidos causados pela radiação
ionizante.

Tipos de radiação
As radiações eletromagnéticas podem ser classificadas como ioni-
zantes e não ionizantes:

a) radiação ionizante – possui energia suficiente para ionizar os


átomos e as moléculas com os quais interage, sendo as mais co-
nhecidas as dos raios X e as dos isótopos radioativos. Liberam
raios gama ou partículas alfa e beta. Nesta radiação há liberação
de energia, podendo formar, nos tecidos atingidos, radicais livres
e moléculas ionizadas, com destruição celular, além da possibili-
dade de alterações cromossômicas, com o crescimento maligno
de tecidos;

b) radiação não ionizante – não possui energia suficiente para


ionizar os átomos e as moléculas com os quais interage. Como
exemplos, o micro-ondas de aquecimento e o laser.

310 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Radiação ionizante
Os efeitos da radiação ionizante no organismo podem se classifi-
car em somáticos se aparecerem no indivíduo exposto e em here-
ditários. Podem, ainda, ser classificados de outras formas:

1. efeitos probabilísticos ou estocásticos: são aqueles tanto mais


prováveis quanto maior a quantidade de radiação recebida. Ainda
que não existam certezas absolutas, aceita-se que por menor seja
a quantidade de radiação recebida, poderá ocorrer algum tipo de
efeito, o qual, uma vez surgido, será sempre grave;

2. efeitos determinísticos ou não estocásticos: são aqueles que só


ocorrem quando a dose de radiação excede determinado valor ou
limiar e cuja gravidade depende da dose e do tempo de exposi-
ção. Os órgãos e sistemas mais afetados são os olhos (cataratas),
a pele (queimaduras), o couro cabeludo (alopecia) e os órgãos re-
produtores (infertilidade).

A exposição à radiação ionizante é comumente descrita em uni-


dades REM (Roentgen Equivalents Man). Existem, obviamente,
raios ionizantes de ocorrência natural, sendo que a quantidade
de exposição à radiação de forma natural varia, dependendo da
localização geográfica. A média nos Estados Unidos da América
(EUA) é de 80 a 200 milirems (mrem)/ano. A radiação natural vem
principalmente de raios cósmicos (cerca de 40 mrm ao nível do
mar, com aumento à medida que se eleva em relação ao nível do
mar, bem como de compostos radioativos encontrados no solo,
ladrilhos e concreto).

Acredita-se que a radiação por exposição ocupacional (pessoas


que trabalham em radiologia) não atinja mais do que 10% da dose
máxima de 5 REM, onde a maior fonte de radiação é a fluoroscopia.

Deve-se ressaltar que a exposição à radiação para se tirar um raios


X de tórax expõe o paciente a cerca de 25 mrem, quantidade míni-
ma para níveis tóxicos. A quantidade de radiação gerada durante
a fluoroscopia depende do tamanho do tubo de raios X, de onde
se reflete a luz da radiação.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 311


Físicos da radiação recomendam que a exposição à radiação deve
ser a mais baixa necessária e, obviamente, seguir os métodos re-
comendados de radioproteção, principalmente do ponto de vista
de saúde ocupacional 6.

Quando o anestesiologista executa procedimentos minimamente


invasivos guiados por fluoroscopia, o nível de radiação é maior do
que o medido em outros profissionais, devido à proximidade da
fonte geradora dos raios 7.

A dose máxima de radiação permitida pela Comissão Internacional


de Proteção Radiológica, expressa em unidades REM, corresponde
a 100 mrem/semana e 5 rem/ano. As doses recebidas de radiação
são indicadas por dosímetro, de uso individual, em unidades gray.
Geralmente, o anestesiologista não está incluído na equipe de ris-
co, não o possuindo, a não ser, modernamente, quando os mesmos
anestesiologistas ficam todo o tempo expostos à radiação em salas
de procedimentos hemodinâmicos, por exemplo.

Os raios X podem ser refletidos pelas superfícies nas quais inci-


dem, aumentando a exposição ocupacional à radiação, e seus
efeitos são cumulativos no corpo humano.

Os malefícios principais da radiação ionizante incluem: leucemia,


câncer de tireoide, formação de catarata e, nas mulheres, altera-
ções genéticas no embrião e no feto, aumentando a possibilidade
de malformações. A título de recomendação para proteção contra
a radiação, é fundamental a obediência às normas técnicas, como
o uso de aventais apropriados, pesados e desconfortáveis, a blin-
dagem adequada dos aparelhos e abrigo das radiações primárias
e secundárias e o maior afastamento possível da fonte geradora
de raios, pois a intensidade da radiação é inversamente propor-
cional ao quadrado da distância por ela percorrida. Mesmo com
essas recomendações, tem-se a exposição da pele e dos olhos, os
quais não são protegidos adequadamente8.

Idealmente, a única pessoa a receber radiações deve ser o pacien-


te. Dez minutos de visualização a 1,5 mAmp equivalem a 69 radio-

312 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


grafias de tórax, sendo que 0,27 REM é a dose média recebida a
cada radiação9.

Radiação não ionizante


Representada na prática médica principalmente pelo laser, a ra-
diação não ionizante por ele induzida pelo produz luz infraver-
melha, visível, ou ultravioleta. Embora a radiação produzida seja
não ionizante, é potencialmente perigosa por sua intensidade e
por causa da matéria liberada pelos tecidos durante sua utilização
(como em cortes ou na destruição tecidual) 10.

Internacionalmente11, os aparelhos de laser são classificados em:


••Classe I - fontes que não excedem a MPE (exposição máxima
permitida), para os olhos;
••Classe II - somente na situação de feixes de lasers visíveis;
fontes de mais de 1 mW; olhos protegidos pelo reflexo de pis-
car com tempo de 0,25 segundo;
••Classe IIIa - relaxamento da classe II de 5 mW de radiação,
fazendo a expansão do seu feixe de forma que o olho está pro-
tegido pelo reflexo de piscar;
••Classe IIIb - fontes de até 0,5 W. A visão direta é perigosa;
••Classe IV - fontes de mais de 0,5 W. Extremamente perigosas.

Ressalte-se que a maioria dos aparelhos de laser utilizados em sa-


las de cirurgia pertence à classe IV.

As lesões do globo ocular, por exposição direta à luz ou por radia-


ção refletida, são as que ocorrem com maior frequência no pessoal
que trabalha com laser. Por exemplo, queimaduras da córnea e da
retina, lesão do nervo óptico e catarata. Por isso, deve-se sempre
utilizar protetores oculares com filtros especiais e adequados para
a radiação produzida pelo laser.

Diferentemente da radiação ionizante, na não ionizante a distân-


cia não diminui significativamente a intensidade da radiação 12.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 313


Embora a pele humana seja menos vulnerável às lesões do que os
olhos, exposições às radiações de altas intensidades podem produ-
zir queimaduras, além de serem potencialmente mutagênicas 13.

A “névoa” ou “fumaça” que se forma durante a cirurgia com utiliza-


ção de laser é resultante da vaporização tecidual ao contato com
o laser. Habitualmente, é malcheirosa e pode contar partículas in-
fecciosas como DNA de vírus, além de mutagênica, semelhante à
fumaça de cigarro. Por isso, é importante a evacuação e a renova-
ção contínua do ar da sala de operação.

Um risco adicional para a anestesia é o fato que pode ser causado


pelo enriquecimento com oxigênio no ambiente local onde o laser
está sendo usado, ocorrendo principalmente em cirurgias otorrino-
laringológicas, mas também quando o laser é inadvertidamente di-
recionado em volta dos campos sobre os quais altas concentrações
de oxigênio e de óxido nitroso podem estar presentes.

Assim, precauções devem ser tomadas, como a não utilização de


agentes anestésicos inflamáveis; utilização de instrumentos não
refletores (pretos); não utilizar concentrações de oxigênio maiores
do que 25%, se possível; e utilizar tubos endotraqueais não infla-
máveis, usando materiais especiais ou tapando-se (cobrindo-o) o
tubo endotraqueal com faixa de alumínio 11.

Radioproteção em anestesia
Salas de ultrassonografia e ressonância magnética
Nestes locais não são necessários métodos de proteção radiológi-
ca, haja vista que tais equipamentos não emitem nenhuma radia-
ção ionizante.

Aparelhos portáteis de radiologia convencional


(Rx) em UTIs ou centro cirúrgico
São aparelhos de baixa miliamperagem e quilovoltagem utiliza-
dos em pacientes, no leito. Normalmente, possuem controle re-

314 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


moto à distância (fio elétrico longo, em torno de 2 metros). Se o
profissional de saúde se posicionar a mais de 2 metros do equipa-
mento, não se faz necessária a proteção radiológica.

Salas de tomografia computadorizada


Tomógrafos computadorizados são, por natureza, grandes apare-
lhos de raios X e, portanto, emissores de radiação ionizante quan-
do em funcionamento. Todo profissional de saúde que necessite
ficar na sala (baritada) durante a realização do exame deverá utili-
zar capote de chumbo e protetor de tireoide, além de se posicio-
nar o mais longe possível da fonte de emissão de radiação, como,
por exemplo, anestesiologistas que estejam acompanhando pa-
cientes intubados.

Salas de hemodinâmica/radiologia intervencionista


São salas que funcionam como extensão do centro cirúrgico e ne-
cessitam de cuidado com relação a métodos de limpeza e desin-
fecção.

Os aparelhos de raios X da hemodinâmica emitem continuamen-


te radiação ionizante durante a realização do exame.

Quando no interior da sala, o profissional de saúde deve sempre


utilizar capote de chumbo e protetor de tireoide. Nos casos de cir-
culantes e médicos anestesistas, estes devem se posicionar o mais
longe possível do tubo de raios X, para diminuir a exposição.

Salas em que se usa o laser


O laser se caracteriza, principalmente, pelo direcionamento do
feixe e elevada energia incidente por unidade de área. O anes-
tesiologista é, com frequência, chamado para os procedimentos
dermatológicos e/ou oftalmológicos que precisam de sedação e/
ou anestesia geral. Os efeitos negativos no organismo ocorrem
sobretudo no globo ocular e na pele. É imprescindível o uso de
equipamento de proteção individual (óculos com proteção em
todo o redor, vestuário e luvas adequadas).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 315


O controle da radiação ionizante
Como princípios gerais de radioproteção, todas as atividades que
envolvem exposição à radiação ionizante necessitam:
••que seja evitada a exposição ou contaminação desnecessária
de pessoas e do meio ambiente;
••que os níveis de exposição sejam sempre tão baixos quanto
possível e inferiores aos valores-limite fixados por lei;
••que as condições de exposição (habituais ou acidentais) se-
jam avaliadas;
••de autorização prévia, licenciamento e parecer favorável
para o uso de fontes radioativas;
••de determinação das doses-limite;
••de proteção coletiva e individual e de acompanhamento da
dosimetria individual, que deverá ser da responsabilidade de
técnicos especialistas na matéria, qualificados pelo Ministério
da Saúde;
••da aplicação da legislação vigente: Decreto-lei nº 348/89, de
12/10/89, que estabelece normas e diretivas de proteção con-
tra as radiações ionizantes, e Decreto Regulamentar nº 9/90, de
19/4/90, alterado pelo Decreto Regulamentar nº 3/92, que es-
tabelece a regulamentação das normas e diretivas de proteção
contra a radiação ionizante.

316 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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10. Milam DF. Physical principles of laser energy. In: Smith Jr JA,
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is: Mosby-Year Book; 1994. p. 1-9.
11. Moyle JTB, Davey A, Ward C. Equipamentos em anestesia de
Ward. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. p. 449-452.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 317


12. Pashayan AG. Lasers and laser safety. In Kirby RR, Gravenstein
N, editors. Clinical anesthesia practice. Philadelphia: WB Saun-
ders; 1994. p. 370-9.
13. Braz JRC, Vane LA, Silva AE. Risco profissional do anestesiolo-
gista. In: Saesp – Tratado de anestesiologia. 7ª ed. São Paulo:
Atheneu; 2011.

318 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Riscos mecânicos ocupacionais em
anestesiologia
Antenor Muzio Gripp
Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB)
Membro da Comissão de Saúde Ocupacional da SBA
Luiza Alves Castro Arai
Mestre em Ciências da Saúde pela UnB e coordenadora da residência de anestesio-
logia da Universidade Federal do Tocantins

Os médicos anestesiologistas são submetidos a uma série de ris-


cos ocupacionais em decorrência do local de trabalho e atividade
profissional, tais como toxicidade de gases anestésicos, exposi-
ção ocupacional a sangue e secreções (risco de doenças infeccio-
sas), alergia ao látex e risco de exposição às radiações ionizantes.
Outros riscos envolvem a eletrocussão, fogo e explosão. E novos
riscos têm sido identificados: drogadição e burnout. Não é fácil
mensurá-los, podendo os mesmos ter sérias consequências para
o anestesiologista 1.

Em geral, os anestesiologistas são conhecedores dos riscos quí-


micos, biológicos, físicos e psicossociais, pois já amplamente di-
vulgados. Porém, quando o assunto aborda os riscos mecânicos,
há apenas sua citação de forma breve, o que leva o profissional
anestesiologista a não reconhecê-los, a não valorizá-los.

Segundo o dicionário Houaiss:

Mecânico a, 1 relativo à mecânica (fenômeno m.) 2 que produz


movimento (energia m.) 3 acionado, executado por máquina ou
mecanismo 4 preciso, rigoroso, como se feito por máquina 5 fig.
maquinal, automático (gestos m.) 6 FIL m.q. mecanicista (adj.) 7
PET m.q. clástico 8 aquele que monta, conserva e conserta máqui-
nas e motores 2.

Ocupacional adj. 2g 1 relativo a ocupação 2 PSIC que prescreve


ocupações selecionadas para fins terapêuticos ou de reabilitação
(diz-se de terapia) 2.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 319


Os riscos mecânicos ocorrem em função das condições físicas (do
ambiente físico do trabalho) e tecnológicas impróprias, capazes
de provocar acidentes, colocando em perigo a integridade física
do trabalhador e danos materiais em máquinas e instalações, e
doenças profissionais 3.

São considerados riscos geradores de acidentes: máquinas e


equipamentos sem proteção, equipamentos defeituosos, arran-
jo físico inadequado, ferramentas inadequadas ou defeituosas,
eletricidade, animais peçonhentos, movimentação de materiais,
armazenamento inadequado, vasos sob pressão e outros riscos
operacionais podem desencadear acidentes do trabalho, desgas-
te físico, fadiga, curto-circuito, choque elétrico, incêndio ou explo-
são, doenças do trabalho 3.

Dentre os fatores de risco de acidentes mecânicos apresentados,


o risco de contato elétrico (43,10%), seguido de lesão perfurocor-
tante (33,30%) e choque contra objetos/móveis (33,30%) 4.

O centro cirúrgico requer grande aporte estrutural e de equipa-


mentos que acabam por predispor pacientes e profissionais a ris-
cos diversos, como incêndio, agravado pela combinação de uso
de diversos equipamentos à base de eletricidade e intensa rede
de oxigênio; sobrecarga física pelo manuseio de equipamentos
e materiais muitas vezes pesados, como intensificadores de ima-
gem e bandeja; equipamentos diversos que demandam conheci-
mento e atualização quanto ao seu manuseio 4.

O risco de acidentes na sala de operações aumentou considera-


velmente nos últimos anos por causa do aumento do uso de equi-
pamentos elétricos e eletrônicos e da expansão da eletrocirurgia 5.
A maior parte desses acidentes é causada por correntes mal veda-
das e por descargas elétricas estáticas 6.

Existe também a possibilidade de incêndios e explosões, pois ma-


teriais inflamáveis como a borracha e o plástico, em atmosfera de
gases inflamáveis como o oxigênio e o óxido nitroso, podem en-
trar em combustão provocada por faíscas elétricas 6. Além disso,

320 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


podemos citar casos onde houve a troca do gel condutor por ál-
cool gel, provocando explosão com queimaduras no profissional.

A segurança dos equipamentos elétricos envolve 7: serviço de


manutenção com revisão periódica dos aparelhos; cabos intactos
com três fios; conexão ao fio terra; evitar o uso de cabos de exten-
são e adaptadores múltiplos; observar a não retirada do terceiro
pino (terra), para permitir a sua conexão à tomada da sala de ope-
rações, e observar a existência de tomadas em altura adequada,
em número suficiente e de boa qualidade.

No Brasil, houve recentemente uma mudança nas tomadas e plu-


gues elétricos. A partir de agosto de 2007, foi adotada nacional-
mente a norma NBR 14136, determinando que os contatos elétri-
cos das tomadas fiquem recuados em relação à face externa do
plugue, incluindo um rebaixamento da tomada, além de implan-
tar a obrigatoriedade do terceiro pino, realizando o aterramento
da instalação 8 – detalhe que aumenta a segurança contra aciden-
tes 6.

A intensa utilização de equipamentos elétricos, como aspiradores,


bisturis elétricos e tomadas, expõe frequentemente os profissio-
nais deste ambiente a choques elétricos. Essa situação se torna
mais grave com a falta de manutenção preventiva periódica e des-
gaste dos equipamentos 4.

O frequente levantamento de peso para movimentação e trans-


porte de pacientes e equipamentos, a postura inadequada e fle-
xões de coluna vertebral em atividades de organização e assistên-
cia podem causar problemas à saúde do trabalhador, tais como
fraturas, lombalgias e varizes. Tais fatores causais estão relacio-
nados a agentes ergonômicos, que são aqueles que incidem na
adaptação entre o trabalhador-trabalho: o desenho dos equipa-
mentos, do posto de trabalho, a maneira como a atividade laboral
é executada, a comunicação e o meio ambiente 9.

O equipamento de trabalho do anestesiologista, ou seja, o apare-


lho de anestesia, tem várias conexões, traqueias, tubos de silico-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 321


nes e extensores corrugados. Além destes que são próprios dos
aparelhos de anestesia, ainda temos, a eles sobrepostos, vários
outros instrumentos, como monitores, com seus cabos, seus trans-
dutores, suas conexões elétricas, cabos de oxímetros, de capnó-
grafos, do cardioscópio, do sensor BIS, transdutores de pressões
invasivas, PVC, PAM, DC e outros conforme a indicação de cada
caso, o que faz com que, às vezes, funcione como uma armadilha,
principalmente nas urgências, podendo provocar a queda destes
sobre o profissional anestesiologista.

No ambiente de trabalho do anestesiologista existem vários fa-


tores que podem desencadear acidentes mecânicos, como, por
exemplo, materiais perfurocortantes não acondicionados ade-
quadamente, deixados sobre as bancadas de trabalho, o ato de
quebrar uma ampola de vidro, as adaptações elétricas, as exten-
sões elétricas ligadas a vários equipamentos, a má iluminação das
salas e do campo operatório por lâmpadas queimadas, os fios elé-
tricos no chão, o nível de pernas, levando ao risco de quedas, os
tubos dos aspiradores lançados diretamente ao chão.

Dentre os riscos mecânicos, estão as lesões causadas pela mani-


pulação de objetos cortantes e penetrantes, e as quedas. O fre-
quente levantamento de peso para movimentação e transporte
de pacientes e equipamentos, a postura inadequada e flexões de
coluna vertebral em atividades de organização e assistência po-
dem causar problemas à saúde do trabalhador, tais como fratu-
ras, lombalgias e varizes. Tais fatores causais estão relacionados a
agentes ergonômicos10.

Dentre estes fatores de riscos de acidentes mecânicos também


devemos relacionar aqueles referentes ao vestuário, isto é, uma
pessoa neste ambiente repleto de equipamentos, macas, mesas
cirúrgicas, aspiradores, quando em uso de roupa de numeração
maior do que a adequada, corre o risco de se enroscar em algum
equipamento e cair.

Podemos também citar aqueles acidentes que ocorrem no trans-


porte de pacientes. Geralmente, o paciente transportado é grave,

322 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


em ventilação assistida, monitorado, em uso de oxigênio. Uma
maca, um paciente, materiais e equipamentos sobrepostos a ela,
de uma forma não fixa, podem cair. Adicionalmente, não devemos
esquecer que em muitos casos o profissional que está ajudando
no transporte, na pressa de levá-lo a outro local, sempre se esque-
ce do médico que presta a assistência ao paciente, comprimindo-
o contra as paredes, principalmente em corredores com curvas.

Entre os profissionais anestesiologistas é comum o aparecimen-


to de hematomas ao nível das coxas, decorrentes de trauma di-
reto provocado pelas manivelas das mesas cirúrgicas, quando do
atendimento ao paciente, principalmente nos casos de urgências,
onde a velocidade, isto é, o tempo, é o fator preponderante nos re-
sultados – e neste momento nos esquecemos de nossa segurança.

De forma geral, grande parte das contaminações infectocontagio-


sas ocorridas em ambiente hospitalar decorre primariamente de
uma lesão mecânica. Lesão essa devida à falha humana, à falta de
educação preventiva, isto é, perfurar o dedo com uma agulha é
um acidente mecânico, como também cortar o dedo ao quebrar
uma ampola de medicamento.

Digno de nota é que os riscos nas unidades hospitalares são de-


correntes, de maneira especial, da assistência direta prestada pe-
los profissionais de saúde a pacientes em diversos graus de gravi-
dade, assistência essa que implica no manuseio de equipamentos
pesados e materiais perfurantes e/ou cortantes, na responsabi-
lidade pelo preparo e administração de medicamentos, no des-
carte de materiais contaminados no lixo hospitalar, nas relações
interpessoais de trabalho e produção, no trabalho em turnos, na
tensão emocional advinda do convívio com a dor, o sofrimento e,
muitas vezes, da perda da vida, entre outros 11,12.

Quando da formação do anestesiologista nos centros de ensino e


treinamento, nos preocupamos em torná-los eficientes e eficazes
no trabalho como anestesiologistas clínicos, porém não fomos
formados para sermos eficientes e eficazes com a nossa proteção,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 323


nossa segurança, e muito menos torná-los conhecedores dos ris-
cos ao exercerem a atividade diária.

Medidas de controle
Necessidade de educação e treinamento em segurança do traba-
lho para anestesiologistas.

A prevenção de riscos mecânico-ocupacionais inclui o reconheci-


mento precoce da situação pelos profissionais da equipe, melho-
ria nas condições de trabalho e no reconhecimento profissional1.

A principal medida para prevenir os acidentes por riscos mecâni-


cos é realizar programas de inspeções de segurança. Por meio do
exame criterioso de todas as máquinas e instalações, é possível
evitar acidentes e reparar as situações de risco potencial. Para eli-
minar os riscos mecânicos de acidente, a manutenção preventiva
eficiente e sistemática é a melhor opção 3.

Antes de iniciar o trabalho, o anestesiologista usualmente faz um


checklist de todos os materiais e equipamentos necessários para
a segurança do paciente. Mas também deve integrar a esta lista o
checklist de riscos mecânicos, verificando sua área de trabalho, se
há muitos equipamentos ligados a um único ponto elétrico, se os
cabos e fios elétricos não estão bloqueando as áreas de circula-
ção, se os monitores não estão instáveis.

Definição de segurança no trabalho


Destina-se à conscientização de todos acerca da importância de
medidas para reconhecer, avaliar, controlar e reduzir as condições
e atos inseguros nos ambientes de trabalho, visando evitar aci-
dentes e prejuízo à saúde do trabalhador. A segurança no traba-
lho estuda todos os riscos do local de trabalho que possam afetar
fisicamente o trabalhador, diminuindo sua capacidade de labor.

A segurança do trabalho é um conjunto de recursos empregados


para prevenir acidentes; isso leva a entender que a segurança do

324 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


trabalho é meio preventivo, e a prevenção dos acidentes é o fim a
que se deseja chegar.

Para que as medidas de controle em segurança no trabalho sejam


eficientes, faz-se necessário que os anestesiologistas conheçam
as normas oficiais de segurança no trabalho.

Para tanto, citaremos alguns pontos de algumas das Normas Re-


gulamentadoras (NR).

Normas regulamentadoras
As Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Tra-
balho foram aprovadas a partir da Portaria nº 3.214, de 8/6/1978,
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – (Brasil, 1978).
Torna-se necessário aos empregadores e empregados o conheci-
mento sobre os fatores de risco no trabalho (denominados riscos
ocupacionais) para que o controle possa ser realizado 13.

NR-1 – Disposições gerais


De acordo com o MTE (Brasil, 2002), Normas Regulamentadoras,
relativas à segurança e medicina do trabalho, são de observância
obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos pú-
blicos de administração direta e indireta, bem como pelos órgãos
dos poderes Legislativo e Judiciário que possuem empregados
regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

1.1.1. As disposições contidas nas Normas Regulamentadoras


– NR aplicam-se, no que couber, aos trabalhadores avulsos, às
entidades ou empresas que lhes tomem o serviço e aos sindi-
catos representativos das respectivas categorias profissionais.

1.7 Cabe ao empregador:

a) Cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares


sobre segurança e medicina do trabalho;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 325


b) Elaborar ordens de serviço sobre segurança e medicina do tra-
balho, dando ciência aos empregados, com os seguintes objetivos:

I- prevenir atos insalubres no desempenho do trabalho;


II- divulgar as obrigações e proibições que os empregados de-
vem conhecer e cumprir;
III- dar conhecimento aos empregados de que serão passíveis
de punição, pelo descumprimento das ordens de serviço ex-
pedidas;
IV- determinar os procedimentos que deverão ser adotados
em caso de acidente de trabalho e doenças profissionais ou
do trabalho;
V- adotar medidas determinadas pelo TEM;
VI- adotar medidas para eliminar ou neutralizar a insalubridade
e as condições inseguras de trabalho.
c) Informar aos trabalhadores:
I - os riscos profissionais que possam originar-se nos locais de
trabalho;
II - os meios para prevenir e limitar tais riscos e as medidas ado-
tadas pela empresa;
III - os resultados de exames complementares de diagnóstico
aos quais os próprios trabalhadores forem submetidos;
IV - os resultados de avaliações ambientais realizadas nos lo-
cais de trabalho.

d) Permitir que os representantes dos trabalhadores acompa-


nhem a fiscalização dos preceitos legais e regulamentares sobre
segurança e medicina do trabalho.

1.8. Cabe ao empregado:

a) Cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segu-


rança e medicina do trabalho, inclusive as ordens de serviço
expedidas pelo empregador;
b) Usar o EPI fornecido pelo empregador;

326 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


c) Submeter-se aos exames médicos previstos nas Normas Re-
gulamentadoras – NR
d) Colaborar com a empresa na aplicação das Normas Regula-
mentadoras – NR.

NR-5 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – Cipa


Do objetivo

5.1 A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) tem


como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorren-
tes do trabalho, de modo a tornar compatível permanente-
mente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da
saúde do trabalhador.

NR-6 – Equipamento de proteção individual – EPI


6.1 Para fins de aplicação desta Norma Regulamentadora – NR,
considera-se Equipamentos de Proteção Individual (EPI) todo
dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo traba-
lhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar
a segurança e a saúde no trabalho.

NR-9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais


9.1 Do objeto e campo de aplicação

9.1.1 Esta Norma Regulamentadora – NR estabelece a obriga-


toriedade da elaboração e implementação, por parte de todos
os empregadores e instituições que admitam trabalhadores
como empregados, do Programa de Prevenção de Riscos Am-
bientais - PPRA, visando a preservação da saúde e da integrida-
de dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimen-
to, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos
ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de
trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambien-
te e dos recursos naturais.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 327


NR-10 – Segurança em instalações e serviços em
eletricidade
10.1 Objetivo e campo de aplicação

10.1.1 Esta Norma Regulamentadora – NR estabelece os requi-


sitos e condições mínimas objetivando a implementação de
medidas de controle e sistemas preventivos, de forma a garan-
tir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, diretamente
ou indiretamente, interajam com instalações elétricas e servi-
ços com eletricidade.

10.1.2 Esta NR se aplica às fases de geração, transmissão, distri-


buição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção,
montagem, operação, manutenção das instalações elétricas
e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades, ob-
servando-se as normas técnicas oficiais estabelecidas pelos
órgãos competentes e, na ausência ou omissão destas, as nor-
mas internacionais cabíveis.

10.2 Medidas de controle

10.2.1 Em todas as intervenções em instalações elétricas de-


vem ser adotadas medidas preventivas de controle do risco
elétrico ou de outros riscos adicionais, mediante técnicas de
análise de risco, de forma a garantir a segurança e a saúde no
trabalho.

10.9 Proteção contra incêndio e explosão

10.9.1 As áreas onde houver instalações ou equipamentos elé-


tricos devem ser dotadas de proteção contra incêndio e explo-
são, conforme dispõe a NR-23.

10.9.2 Os materiais, peças, dispositivos, equipamentos e sis-


temas destinados à aplicação em instalações elétricas de am-
bientes com atmosferas potencialmente explosivas devem ser
avaliados quanto a sua conformidade, no âmbito do Sistema
Brasileiro de Certificações.

328 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


10.14 Disposições finais

10.14.1 Os trabalhadores devem interromper suas tarefas exer-


cendo o direito de recusa, sempre que constatarem evidências
de riscos graves e iminentes para sua segurança e saúde ou
de outras pessoas, comunicando imediatamente o fato a seu
superior hierárquico, que diligenciará as medidas cabíveis.

NR-12 – máquinas e equipamentos


12.1 Instalações e áreas de trabalho

12.1.1 Os pisos dos locais de trabalho onde se instalam máqui-


nas e equipamentos devem ser vistoriados e limpos, sempre
que apresentarem riscos provenientes de graxas, óleos e ou-
tras substâncias, que tornem os pisos escorregadios.

12.1.2 As áreas de circulação e os espaços em torno das máqui-


nas e equipamentos devem ser dimensionados de forma que
o material, os trabalhadores e os transportadores possam mo-
vimentar-se com segurança.

12.1.3 Entre partes móveis de máquinas e/ou equipamentos


deve haver uma faixa livre variável de 0,70m (setenta centíme-
tros) a 1,30m (um metro e trinta centímetros), a critério da au-
toridade competente em segurança e medicina do trabalho.

NR-32 – Segurança e saúde no trabalho em serviços de


saúde
32.1 Do objetivo e campo de aplicação

32.1.1 Esta Norma Regulamentadora – NR tem por finalida-


de estabelecer as diretrizes básicas para a implementação de
medidas de proteção à segurança e a saúde dos trabalhadores
dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem ativi-
dades de promoção e assistência à saúde em geral.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 329


32.1.2 Para fins de aplicação desta NR entende-se por serviços
de saúde qualquer edificação destinada à prestação de assis-
tência à saúde da população, e todas as ações de promoção,
recuperação, assistência, pesquisa e ensino em saúde em qual-
quer nível de complexidade.

330 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Referências
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tésicos. Rev Bras Anestesiol. 2009;59:110-24.
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1994;78(3):417-9.
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neu; 2011. v. 7. p. 76-77.
9. Torres MLA, Mathias RS. Complicações com o uso de monitori-
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11. Sêcco IAO, Robazzi MLCC, Gutierrez PR, Matsuo T. Acidentes
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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 331


ponível em: ccs.uel.br/espaço para saúde-/doc/hospitais.doc/.
Acesso em: 4 abril 2013.
12. Barbosa A. Riscos ocupacionais em hospitais: um desafio aos
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rianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 1989.
13. Segurança e Medicina do Trabalho. 59ª ed. São Paulo: Editora
Atlas; 2006. p. 11-46.

332 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Riscos ergonômicos ocupacionais
Luiz Alfredo Jung
TSA, SBA

Introdução
Independentemente de fatores externos, por si só a administração
de anestesia exige intensa atividade física e cognitiva ao envolver
tarefas manuais complexas, vigilância contínua, monitorização
intensiva e tomadas de decisões pontuais e precisas. Em parale-
lo, em função de vários fatores, na atualidade a anestesiologia se
destaca como especialidade médica capaz de oferecer níveis con-
sideráveis de segurança.

Ante tal constatação, não deixam de ser perturbadores dois fatos


ligados à sua prática: o alto número de pacientes que sofrem as
consequências de falhas em um ou mais aspectos das tarefas do
anestesiologista 1 e o número destes profissionais cuja saúde físi-
ca e/ou psíquica se degradou em função da atividade 2.

Os anestésicos e os opioides, cujos perfis farmacológicos são hoje


considerados favoráveis, são também muito potentes; os monito-
res, por vezes, fornecem sobrecarga de informações; as salas de
operações possuem características especiais e o grupo de pessoas
que nelas circulam é heterogêneo. Portanto, a necessidade do
emprego de atenção sustentada (vigilância) é uma consequência
óbvia e ajuda a definir uma das características da especialidade.
Não bastasse isto, muitas vezes quem a exerce é coagido a atuar
sob a pressão do tempo, para maximizar a utilização das salas de
cirurgia. Assim, se obriga a desenvolver longas jornadas de traba-
lho; convive com restrições relacionadas a custos; trabalha dentro
de um sistema de complexidade crescente e, querendo ou não, é
atingido pela realidade política, econômica e social do meio em
que vive. A fadiga, deste modo, é sua potencial companheira e a
ela tem sido concedida especial atenção na literatura da especia-
lidade 3,4. Distingui-la de outras condições que frequentemente a

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 333


acompanham, como a síndrome de burnout, a dependência quí-
mica, a depressão ou simplesmente o estresse foge dos objetivos
deste capítulo, mas com certeza o descaso com aspectos funcio-
nais da prática da anestesia auxilia o desenvolvimento e a manu-
tenção de todas elas.

Definida como a situação em que as demandas sobrecarregam ou


suplantam os recursos físicos ou psíquicos de um profissional, o
burnout e a síndrome depressiva dele decorrente acometem par-
cela considerável de profissionais da anestesia. Referindo-se à sín-
drome, Myers, psiquiatra e membro da Sociedade Canadense de
Medicina, recomenda a humanização do local de trabalho como
método profilático 5. Termo amplo essa humanização: a preocu-
pação com a mesma, no entanto, deve estar presente em cada
etapa da construção de um espaço de trabalho saudável.

Sejam quais forem os motivos para a ocorrência de um erro hu-


mano em anestesia, seus efeitos sobre quem o produziu ou acom-
panhou podem ser devastadores e, com certeza, estão presentes
na origem de muitas doenças ocupacionais. Precisam, por isso,
ser considerados. Pelo estudo da atuação dos profissionais en-
volvidos, a ergonomia se propõe a diminuir suas chances de errar.

Na realidade, a maioria das salas de cirurgia são projetadas com


mínimas considerações a respeito das necessidades próprias da
especialidade. E quando se trata dos setores de diagnóstico ou
pequenos procedimentos ambulatoriais, fora do centro cirúrgico,
este quadro se acentua. Mas não é só por isso que a expressão
“ergonomic malpractice” 6 tem sido empregada com frequência.
Além do espaço de trabalho, sua luminosidade e nível de ruídos,
outros aspectos da prática precisam ser pensados, como as rela-
ções com o aparelho de anestesia, com os diversos monitores e
com os numerosos equipamentos. Até mesmo faz-se necessária a
análise das condições de conforto para a execução de atividades
manuais, como a obtenção de vias aéreas ou punções, pelos riscos
possíveis ao sistema músculo-esquelético. Em princípio, toda a ro-
tina que antecipe o surgimento ou amplie a magnitude da fadiga
física ou psíquica deve ser revista.

334 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Neste capítulo serão destacados diversos aspectos da atividade
do anestesiologista em sala de cirurgia, que se não forem melhor
entendidos poderão causar, a médio ou longo prazo, decréscimo
em suas capacidades, seu possível adoecimento e, em paralelo,
queda nos cuidados aos pacientes.

A ergonomia e o trabalho do anestesiologista


A ergonomia é a disciplina que busca informações sobre as neces-
sidades do homem, suas características, habilidades e limitações,
e as utiliza na criação, desenvolvimento, fabricação e testagem de
equipamentos, instrumentos, sistemas, rotinas e protocolos 6. Sua
meta principal é o aperfeiçoamento da interface entre os homens,
e entre o homem e as máquinas. Aplicada à anestesia, trata de
otimizar o ambiente no qual ela se realiza, melhorando o de-
sempenho de quem a executa ao oferecer-lhe bem-estar físico
e mental 7.

A preocupação com estes aspectos é uma adição recente ao espa-


ço de trabalho do anestesiologista 8. Até bem pouco tempo, no-
vos equipamentos e monitores eram simplesmente empilhados
sobre os já existentes, sem considerar o conforto e a facilidade
para seu pleno uso.

Para alcançar seus objetivos a ergonomia utiliza a análise de tare-


fas específicas, estudos sobre a quantidade de trabalho necessá-
ria para a execução de cada tarefa, análise de incidentes críticos,
estudos sobre a atenção e a vigilância e o papel da automação e
novas tecnologias 6.

Estudos sobre as tarefas do anestesiologista


Um dos primeiros estudos analisando as atividades do anestesio-
logista em sala de operações foi o de Albert Drui, engenheiro me-
cânico da Universidade de Washington, em Seattle. Por meio de
uma série de vídeos, ele as decompôs em 24 categorias diferen-
tes. A seguir, avaliou o tempo necessário, a importância, o grau de

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 335


conhecimento e o grau de destreza manual para que cada uma
fosse executada. As tarefas foram classificadas como de baixa,
média ou alta relevância e agrupadas conforme a prioridade em
recriá-la. Disto resultaram sugestões como a criação da ficha de
anestesia automatizada, uma nova localização para o esfigmoma-
nômetro e novo desenho para o aparelho de anestesia, pois ficara
provado que eram consumidos cerca de 42% do tempo em tare-
fas afastadas do paciente e do campo cirúrgico 9.

Depois deste, uma série de trabalhos com os mesmos objetivos


mostraram resultados similares. Apontavam para a quantidade
significativa de tempo gasto em tarefas só indiretamente ligadas
ao paciente e para uma distribuição delas, influenciadas pela eta-
pa do procedimento. Suas consequências práticas foram variá-
veis, devido às diferentes respostas das indústrias de equipamen-
tos e dos próprios profissionais, muitas vezes com dificuldade de
se adaptar a mudanças de paradigmas 10-14.

Com a introdução de equipamentos para a prevenção de inciden-


tes em anestesia, como os alarmes de desconexão, a oximetria de
pulso, a capnografia e o medidor automático de pressão arterial,
o perfil de atuação do anestesiologista vem se modificando. Mc-
Donald et col., em 1989, refizeram um trabalho anterior sobre este
tema, desenvolvido em seu próprio serviço, no início dos anos
1980. Mediante vídeos, este segundo estudo revelou um acrés-
cimo no tempo dedicado à observação do paciente e ao campo
operatório, de maneira direta (44,8%) ou por meio dos monitores
(14,3%). No entanto, o registro de informações na ficha de aneste-
sia, feito manualmente, ainda ocupou de 10% a 12% do tempo 15.

A atividade do anestesiologista envolve graus variáveis de habili-


dades, experiência e conhecimentos, além de tempos diferentes
para sua execução. Desde a simples punção venosa à extubação
traqueal, desde o preparo para um bloqueio de nervo até a moni-
torização da profundidade anestésica, cada tarefa consome uma
quantidade variável de trabalho físico e/ou mental e produz certo
grau de estresse psicológico. Levando em consideração estes as-

336 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


pectos, foi solicitado a um grupo de profissionais que graduassem
em três níveis (baixa, média e alta) a dificuldade para a execução
de uma série de tarefas. Foi desenvolvido, assim, um fator de car-
ga de trabalho para cada uma 16. A multiplicação deste fator espe-
cífico pelo tempo gasto para sua realização forneceu a densidade
de tarefas por fases da anestesia e, hoje, se constitui em um dos
métodos para a medida do trabalho em sala de operações.

Estudos sobre a carga de trabalho do anestesiologista


Carga de trabalho (workload) é uma expressão criada para descre-
ver a quantidade de recursos físicos ou cognitivos que um opera-
dor consome para executar determinada atividade 17. Acessá-la e
analisá-la tem o mérito de permitir o desenvolvimento de equipa-
mentos com desenhos mais ergonômicos, propor mudanças de
rotinas e protocolos e sugerir modificações no ambiente de tra-
balho. A formatação das atuais telas dos monitores, integrando
informações e as localizando em pontos visualmente mais favo-
ráveis, os sistemas de alarmes inteligentes, as bombas de infusão
com controles em alça fechada, são alguns dos frutos desta ver-
tente 18. Avaliá-la também permite mensurar a reserva cognitiva e
física do anestesiologista e, portanto, sua aptidão para a execução
de tarefas adicionais. Sua valoração considera fatores cognitivos,
psicológicos e físicos e pode ser sentida pelo profissional como
sobrecarga de percepção, de comunicação, de intermediação ou
motora 6. Dentre os métodos para sua quantificação, destacam-se
os que avaliam o desempenho quando a tarefa primária é modifi-
cada, ou quando é acrescentada uma atividade secundária.

A um grupo de residentes executando uma tarefa primária (ad-


ministrar e controlar anestesia) foram apresentados, em diversos
momentos, problemas matemáticos simples (tarefa secundária).
Gaba e Lee, os autores, observaram que o desempenho na tarefa
secundária foi comprometido em 40% das amostras, porque foi
simplesmente omitida ou porque o profissional apresentou um
excesso de latência para a resposta. Estes achados foram mais fre-
quentes durante a indução e a superficialização da anestesia, du-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 337


rante a realização de tarefas manuais e durante conversações com
o preceptor, mostrando, assim, que pelo menos nestes momentos
os principiantes estavam sobrecarregados pela atividade primá-
ria, enquanto os mais experientes mantinham maior capacidade
de vigilância 19.

Outros trabalhos associaram técnicas para estudar o desempenho


em tempo real. Weinger 20 utilizou a análise de tarefas primárias
próprias de cirurgias de porte médio sob anestesia geral. Intro-
duziu uma tarefa secundária (teste para avaliação da vigilância
visual), acessou a carga de trabalho (opinião subjetiva dos anes-
tesiologistas envolvidos e a de um observador externo) e mediu
a densidade de tarefas para a execução de uma anestesia. O estu-
do foi realizado com dois grupos de profissionais: residentes sob
supervisão, com duas a oito semanas de experiência (11 aneste-
sias gerais com entubação traqueal para cirurgias de pequeno ou
médio porte e duração de até 4 horas), e residentes do terceiro
ano ou enfermeiras anestesistas sob supervisão limitada (11 ci-
rurgias semelhantes). A tarefa secundária foi avaliada pela medi-
da do tempo para identificação de um sinal luminoso colocado
junto ao monitor de ECG, acionado, periódica e aleatoriamente,
pelo observador. A cada dez minutos foi mensurada a carga sub-
jetiva de trabalho por meio de uma escala numérica de 6 (sem
esforço) até 20 (esforço máximo exigido). O estudo mostrou que
os anestesistas inexperientes realizavam menos tarefas primárias
por minuto (menor densidade de tarefas); para quase todas as ta-
refas dispendiam mais tempo; acusavam carga maior de trabalho;
conversavam mais tempo com seu supervisor ou com as demais
pessoas da sala de cirurgia e apresentavam maior latência para a
identificação da ativação do sinal luminoso (menor capacidade de
vigilância). Os momentos de maior sobrecarga corresponderam à
menor vigilância.

Neste estudo específico a maior carga de trabalho foi sentida an-


tes da entubação traqueal, mas pode variar em intensidade ou
extensão, segundo a fase ou o tipo de cirurgia. Até o presente
momento, os achados sugerem que durante uma anestesia para

338 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


procedimentos cirúrgicos típicos esta carga é pesada em 20% a
30% do tempo e muito baixa em 30% a 40% do tempo. No perío-
do restante, o anestesiologista está física e mentalmente ativo e é
capaz de responder à introdução de tarefas adicionais 6.

A carga de trabalho também pode ser mensurada por alterações


fisiológicas causadas no anestesiologista. Weinger, em 2004 17,
procurou aferi-las em dois grupos de profissionais com ou sem a
possível sobrecarga causada pela necessidade de ensino conco-
mitante. Em 12 cirurgias de pequeno e médio porte, os precep-
tores eram acompanhados por residentes com diferentes expe-
riências clínicas. Em outros 12 casos o profissional investigado não
possuía tarefas de ensino. Para aferir a carga de trabalho, foi acres-
centada às medidas utilizadas em estudo anterior 15 a medida
das variações da frequência cardíaca do provedor da anestesia,
por meio do monitor Holter. Os resultados sugeriram que tarefas
de ensino intra-operatórias sobrecarregam o instrutor (avaliadas
a sobrecarga psicológica e as ligadas diretamente às tarefas) e
apresentam o potencial de reduzir-lhe a capacidade de vigilân-
cia. No entanto, embora a frequência cardíaca tenha se elevado
significativamente durante a indução e a extubação em ambos os
grupos, não houve diferença significativa entre eles. Novamente,
ficou evidenciada uma queda na densidade de tarefas e na carga
de trabalho durante a fase de manutenção da anestesia, nestas
cirurgias de baixa complexidade.

Estes estudos chamam a atenção para os diversos perfis de ativi-


dades intraoperatórias entre anestesiologistas com diferentes ní-
veis de experiência clínica. Também a carga de trabalho é sentida
de maneira diferente por eles. Se, durante os períodos de indução
e superficialização da anestesia, a quantidade de tarefas é mais
elevada, diminuindo-lhes, de modo geral, a capacidade de vigi-
lância, em outros momentos do transoperatório esta carga pode
cair, na dependência de vários fatores, sobressaindo-se a técnica
anestésica escolhida, a complexidade da cirurgia, sua duração e o
estado físico do paciente. Entre estes dois períodos, por exemplo,
profissionais mais experientes ocupam mais tempo observando

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 339


o campo cirúrgico 20. Uma pergunta que precisa ser respondida
é se esta tarefa, na atualidade, tem a mesma importância. Não se
está aqui a afirmar que não seja valiosa e que o anestesiologista
não precise saber, a cada momento, o andamento do ato cirúrgi-
co. Mas será que a comunicação verbal frequente com a equipe
não pode substituir temporariamente esta observação individual,
prolongada e às vezes monótona, permitindo-lhe a execução de
outras tarefas mais importantes, ou mesmo escolher, com sabe-
doria, certos momentos para um curto descanso?

O papel das novas tecnologias


O impacto na carga de trabalho exercida pelas novas tecnologias
é outro aspecto que necessita ser considerado. Weinger e Gaba16
estudaram o efeito da utilização de uma ficha eletrônica de anes-
tesia e da monitorização com a ecocardiografia transesofágica so-
bre a distribuição de tarefas, a carga subjetiva de trabalho, a den-
sidade desta carga 6 e a capacidade de vigilância, desde a indução
da anestesia até o início da circulação extracorpórea (CEC) em 20
casos de cirurgia cardíaca. Em dez deles, os registros foram feitos
manualmente e em outros dez, por meio de um sistema eletrôni-
co. Durante a indução não houve diferenças entre os grupos com
relação ao número de tarefas e ao tempo gasto em cada uma. Em
16 dos vinte casos, neste período, não houve registros na ficha
de anestesia em ambos os grupos. Quando os dois grupos foram
analisados em conjunto, a ventilação manual sob máscara ocu-
pou 24,8% deste tempo, a observação dos monitores, 18,6% e a
administração de medicamentos, 9,0%. No restante do estudo,
ambos os grupos diferiram muito pouco com relação às tarefas
realizadas e ao tempo dispensado a cada uma. O grupo em que os
registros foram feitos por meios eletrônicos utilizou menos tempo
nesta tarefa e no ajuste ou observação de imagens da ecocardio-
grafia, e mais tempo atento aos monitores. Quando novamente
analisados em conjunto os dois grupos, 24,7% do tempo foi utili-
zado para a observação dos monitores, 11,5% para registros, 8,1%
para ajustes de tubos e infusões intravenosas e 7,7% para ajustes
ou observação do ecocardiograma. A medida subjetiva da carga

340 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de trabalho não apresentou diferença significativa, quer avaliada
pelo próprio profissional ou por um observador. Entre os grupos
também não houve diferença, mas foi maior no período da indu-
ção/entubação traqueal. Relativamente à vigilância, os anestesio-
logistas de ambos os grupos apresentaram latência maior para
perceber a lâmpada acesa durante a indução (tempo médio de
57 segundos) do que após a intubação e até o fim do período de
estudo (31 segundos; P<0,001). A seguir, os autores compararam
a capacidade de vigilância de ambos os grupos enquanto realiza-
vam as quatro tarefas mais comuns do período pré-CEC. Durante
a realização de registros não houve diferença, mas quando rea-
lizavam ajustes no ecocardiograma transesofágico, examinavam
suas imagens ou trabalhavam nas linhas intravenosas, ela foi sig-
nificativamente reduzida em ambos os grupos.

Com relação ao uso de métodos eletrônicos para registros e do-


cumentação do ato anestésico, existem duas correntes de opi-
nião opostas sobre sua validade e vantagem 6. Por um lado, sua
utilização é estimulada, pois ao diminuir a carga de trabalho do
anestesiologista tende a aumentar sua eficiência para a realiza-
ção de outras tarefas, bem como lhe permite melhor observação
do paciente e dos monitores e até pode lhe oferecer algum tem-
po para relativo descanso 21,22. Por outro, esta tecnologia tende a
remover o profissional, com sua cognição, da alça de informação
paciente-monitores-anestesiologista, distanciando-o do primeiro
e diminuindo sua percepção de alguns dos diversos elementos
que compõem o universo da anestesia 23. Ao buscar informações,
manualmente, nos diversos monitores, a períodos regulares, para
registrá-las na ficha de anestesia, é obrigado a tomar consciência
do estado do paciente naquele momento e, assim, pode anteci-
par eventos e fazer correções de tendências indesejadas.

Na tentativa de auxiliá-lo na condução da anestesia, de manter-


lhe a capacidade de vigilância e de ajudá-lo na tomada de decisão,
têm sido desenvolvidos softwares que analisam em tempo real as
propriedades estatísticas de múltiplos processos fisiológicos di-
nâmicos (frequência cardíaca e respiratória, pressão arterial, SaO2,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 341


EtCO2, volume corrente, volume minuto) e identificam mudanças
em seus padrões 22. Por meio da monitorização sensível ao con-
texto, em que são consideradas as fases da anestesia e informa-
ções a respeito do estado prévio do paciente, as variações desses
parâmetros são integradas e o anestesiologista é informado. As
informações são categorizadas como artefato (variação brusca da
frequência cardíaca causada pelo uso do cautério), clinicamente
insignificante (elevação da pressão arterial sistólica de 110 mmHg
para 120 mmHg), clinicamente significativa (elevação da frequên-
cia cardíaca de 50 bpm para 90 bpm) ou informação que exige
imediata tomada de decisão (queda da SaO2 de 100% para 90%).
Esta tecnologia, que parece promissora, atualmente encontra-se
em desenvolvimento e estudos estão sendo feitos para identifi-
car o momento em que as informações devem ser fornecidas ao
profissional.

Fadiga causada pelos alarmes


A proliferação de monitores e a utilização crescente de bombas
de infusão trouxeram para a sala de cirurgia o ruído dos incon-
táveis alarmes, o que pode ser incapacitante a longo prazo ou,
pelo menos, importante fonte de distração. Tais alarmes, essen-
ciais para prover segurança e idealmente auxiliares da vigilância,
trazem para a ergonomia desafios e oportunidades de desen-
volvimento. Ao produzir sons semelhantes ou quando os limites
desencadeadores do seu acionamento não são adequadamente
ajustados, sendo ativados de maneira indevida, podem levar à
sua desconsideração e não tomada de decisões 24. É estimado que
85% a 99% dos alarmes acionados não requerem intervenção clí-
nica, porque foram ajustados dentro de faixas demasiadamente
estreitas; os limites padrões não foram substituídos por outros,
adaptados ao paciente ou a uma população; os sensores foram
mal posicionados; houve movimentação dos mesmos ou ocorreu
interferência com outros equipamentos elétricos da sala 25. Estes
fatos, somados a uma incipiente estandardização pelos órgãos fis-
calizadores das atividades médicas e pelos fabricantes de equipa-
mentos, fazem com que certos alarmes só sejam ativados quando

342 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


o paciente já está deteriorando ou quando tudo está correndo
bem. E isto ocorre por meio de uma cacofonia diária de sons de
sinos, bips e buzinas. Como consequência, o profissional dessen-
sibiliza-se aos sons e sobrecarrega-se de informações inúteis. Em
resposta, reduz o volume dos alarmes, desliga-os ou ajusta-os em
valores que não são seguros 24. Cada ativação, no entanto, corres-
ponde a um estímulo sentido consciente ou inconscientemente
pelo anestesiologista, com o respectivo consumo de energia evo-
cado. Incapaz de distinguir um falso alarme de um verdadeiro, ou
acaba fatigado ou se arrisca a sofrer as consequências psíquicas
do erro e da consequente culpa, se os desconsidera.

O sistema de alarme ideal deve: 1) prover um aviso luminoso ou


sonoro, antes que uma situação de risco para a vida ocorra; 2)
quando isto ocorrer, deve ser acionado, quer o limite ultrapassa-
do seja devido ao paciente ou a outro fator externo; 3) poder dife-
renciar e informar alarmes disparados por alterações no paciente
dos disparados pelos equipamentos; 4) fornecer alguma informa-
ção diagnóstica ou fisiológica que explique o acionamento 21. Seu
valor preditivo negativo e sua sensibilidade para situações de ris-
co de vida devem ser muito próximas de 100%. O valor preditivo
positivo baixo e especificidade baixa são ainda seus problemas
mais comuns.

Estudos de incidentes críticos


Incidentes críticos (IC) são situações em que ocorre erro humano
ou falha em equipamento e que, se não descobertos e corrigidos
a tempo, podem levar, ou mesmo levam, a desfechos indesejáveis,
variáveis desde um tempo mais prolongado de hospitalização até
à morte 26. Quando são relatados, sua análise pode resultar em
mudanças nos processos, em novas concepções de equipamen-
tos, em mais ou melhor treinamento e em outras intervenções
que elevam a segurança do ato anestésico e tendem a melhorar as
condições de trabalho. Em outras áreas de atividades isto já vem
sendo feito há muito, como a aviação, por exemplo 27. Baseia-se
em técnicas de entrevistas aplicadas voluntária e anonimamen-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 343


te às pessoas envolvidas em procedimentos julgados inseguros.
Na anestesia, foi Cooper 26, em 1978, quem primeiro a aplicou na
busca de incidentes críticos. Foram 359 IC relatados de maneira
retrospectiva por 47 anestesiologistas, residentes e enfermeiras
anestesistas de um único hospital de Boston que constituiu a base
de seu estudo. Posteriormente, em nova publicação, foi estendido
a outros cinco hospitais da mesma cidade, elevando o número de
profissionais envolvidos para 139 e o de IC relatados para 1.089 28.
Neles, Cooper apontou a falha humana como causa principal em
aproximadamente 70% dos IC analisados. Sessenta e sete deles
resultaram em dano importante ao paciente; 28 envolveram er-
ros técnicos; 23, erros de julgamento e 13, erros na vigilância. Ao
final, sugeriu a normatização da identificação de seringas e medi-
camentos, a reavaliação dos circuitos de anestesia para a preven-
ção de desconexões e dos fluxômetros, para evitar o uso de con-
centrações perigosamente baixas de oxigênio. Além disso, foram
apontadas como acompanhantes comuns dos IC a comunicação
inadequada entre os membros das equipes envolvidas, a distra-
ção e a queda nas precauções. Assim, cerca de 20 anos antes do
American Institute of Medicine publicar “To err is human: building
a safer health system” 1, no qual se afirmava que “mais comumente
são os sistemas, os processos e os diversos aparelhos, propensos
a falhas, que levam o homem a cometer enganos ou falhar em
preveni-los”, Cooper já apontava nessa direção 29.

Posteriormente, uma série de estudos envolvendo a descrição de


incidentes críticos, relatados logo após sua ocorrência, mostraram
padrão e forma de desenvolvimento semelhantes, sugerindo nova-
mente a presença do erro humano na sua origem ou evolução 30-32. A
aplicação de checklists e o desenvolvimento de protocolos específi-
cos foram recomendados 33, bem como a substituição de aparelhos
de anestesia antigos por novos e a discussão formal de IC dentro
dos departamentos de anestesia.

A partir do final dos anos 1970, a coincidência de múltiplos fatores


levou a mudanças significativas na prática da anestesia, incluindo-
se a criação de instituições em níveis nacional (Anesthesia Patient

344 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Safety Foundation, em 1985, nos Estados Unidos da América/EUA)
e continental (Australian Patient Safety Foundation, em 1988, na
Austrália e Oceania, e o Safety Committee of the Association of
Anaesthetists of Great Britain & Ireland, em 1974). Essas institui-
ções, embora orientadas primariamente para a segurança do pa-
ciente, também levam em consideração as condições de trabalho
e de saúde do anestesiologista. Em 1993, a instituição australiana
publicou suas conclusões sobre os primeiros 2.000 incidentes crí-
ticos coletados em 90 hospitais daquele país e da Nova Zelândia 34.
O erro humano, acreditaram os autores, esteve envolvido em 83%
deles e em 17% uma melhor interação com os equipamentos em
uso os teria prevenido. Foram então apresentadas 111 sugestões
de alterações em sistemas, processos e equipamentos, as quais se
encontram, em geral, incluídas nas atuais práticas anestésicas.

Atenção e vigilância
A atenção é definida como “o esforço consciente para permanecer
alerta e poder perceber e selecionar informações” e a vigilância,
como “um estado de atenção sustentada” 35. Em anestesia, ela pode
ser percebida como um estado de consciência clínica no qual alte-
rações ou condições perigosas são antecipadas ou reconhecidas 35.
Junto com a memória e a necessidade de tomadas de decisões, a
vigilância compõe um dos aspectos mais vulneráveis da atividade
mental, pois sabe-se que o homem não é um bom vigilante. Sua
capacidade de manter-se atento decresce rapidamente e em cerca
de 30 minutos de monitorização contínua ela se encontra esgota-
da, o que se deve, em parte, à necessidade de identificação de si-
nais ou fenômenos relativamente infrequentes 35.

Como em outras áreas de atividade, a vigilância é afetada por fa-


tores ambientais (nível de ruído e outras poluições), fatores pes-
soais (fadiga, privação do sono, tédio, estresse, doenças e uso de
medicações) e pelas interfaces com as máquinas.

Enorme massa de conhecimentos sobre os atributos da ativida-


de cerebral vem se acumulando a partir da criação da chamada

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 345


“década da mente”, iniciativa global que a partir de 2007 36 tem
estimulado o estudo multidisciplinar das suas diversas funções.
Preocupada com os aspectos cognitivos dos usuários de equipa-
mentos, a Sociedade dos Fatores Humanos e Ergonomia criou um
grupo multidisciplinar para o estudo das trocas de informações
entre o homem e a máquina e das tomadas de decisões que delas
decorrem 37. Para a anestesia, onde as tarefas são mais mentais
do que físicas e a relação com os diversos monitores e aparelhos é
estreita, esta preocupação é plenamente justificada e tem forne-
cido as bases para a criação, entre outros, dos sistemas integrados
de monitoração do paciente e do aparelho de anestesia 38.

A monitorização em sala de cirurgia, uma das tarefas da vigilân-


cia, é executada principalmente pelos sentidos da audição e da
visão. A vigilância auditiva, pesquisada em um estudo de Cooper
e Cullen 39, mostrou-se mais eficiente que a visual, investigada por
Loeb 40. A oclusão do estetoscópio precordial realizada a períodos
aleatórios foi percebida num tempo médio de 34 segundos (de
2 a 457 segundos) 39 enquanto a identificação visual de um dis-
creto sinal luminoso junto ao monitor do ECG ocorreu em 61 ±
61 segundos 40. Os valores superiores de identificação por ambos
os métodos correlacionaram-se com a execução de outras tarefas,
com conversações e com as fases de indução e superficialização.

Estudos recentes sobre a ciência da visão mostram as importantes


limitações do homem para a execução de tarefas visuais simultâ-
neas: a) apenas alguns poucos itens concomitantes, em movimen-
to, podem ser observados e seguidos; b) a aparência de objetos
ou eventos inesperados pode ser perdida ou passar despercebida;
c) alterações, mesmo que grandes, repetidas e esperadas, podem
passar despercebidas; d) um observador não consegue ver duas
alterações ao mesmo tempo 41.

Disso se infere que a maneira de apresentação das informações


pelas telas dos diferentes monitores e aparelhos de anestesia
pode ter influência na capacidade de percepção e de diagnóstico.
Agrupar informações que, quando visualizadas em conjunto, per-

346 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


mitem a tomada de decisões com maior presteza e menor con-
sumo de energia é um dos objetivos perseguidos na atualidade.
Esta e outras otimizações, no entanto, somente são conseguidas
pela análise da atuação dos operadores, bem como pela troca de
ideias sobre suas dificuldades. Essas limitações devem ser con-
sideradas precocemente pelos fabricantes, ainda no processo de
criação de um novo modelo. Normas emanadas de agências re-
guladoras da fabricação de equipamentos médicos 42 devem ser
observadas e publicações com orientações que levam em consi-
deração o fator humano já se encontram disponíveis 43. Por tudo
isto, e até mesmo por sua conceituação, a ergonomia e a ciência
dos fatores humanos se confundem.

No desenvolvimento de qualquer aparelho a interface com o


usuário deve, antes de mais nada, transmitir de maneira clara
seus propósitos, modos de operação e ações para seu controle –
tornando essas ações facilmente visíveis e intuitivas. De maneira
natural ou mediante aprendizado rápido, cada ação precisa ser in-
ternalizada, idealmente até a sua automatização. Paralelamente,
formas lógicas de restringir as opções de ações do usuário, orien-
tando-o para a melhor ou única resposta a dar, também devem
fazer parte de um bom projeto. Por fim, deve ser dada especial
atenção às diversas possibilidades de erro por quem opera 6. O
cumprimento dessas recomendações assume importância vital
quando, durante uma anestesia, surgem eventos críticos.

No preparo de medicações e infusões ou na disposição do mate-


rial necessário para tarefas manuais, como as punções, a atenção
novamente assume grande importância pois a troca de medica-
ção, de seringa ou de via de administração foi responsável por
23% dos incidentes críticos catalogados por Cooper em 1978 26. O
uso de rótulos específicos para cada fármaco ou grupo deles, com
cores e formatos padronizados e a criação de uma sequência indi-
vidual ou institucional de preparo e diluições de medicamentos,
auxilia na prevenção desse tipo de erro.

A criação cuidadosa de protocolos para a indicação e realização


de técnicas especializadas que demandam atividades manuais

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 347


muito específicas, como a instalação de bloqueios nervosos cen-
trais ou periféricos, as punções arteriais e venosas centrais ou o
manuseio da via aérea difícil, além de favorecer o desempenho do
anestesiologista, oferece-lhe a salvaguarda institucional.

Assim como é desejável o planejamento e a criação de rotinas


bem estabelecidas para as fases em que há sobrecarga de ativida-
des, também devem ser estabelecidas rotinas para os momentos
eventualmente “tediosos” da anestesia. Nestes períodos em que
predominam diminuição na carga de trabalho, subestimulação
e queda nos desafios, a criação de tarefas secundárias ou a mu-
dança na sequência de tarefas podem manter a capacidade da
vigilância 44. Também deve ser mencionado o papel dos depar-
tamentos de anestesia em possibilitar a substituição, por curtos
períodos, do profissional eventualmente entediado ou fatigado.

As soluções encontradas, isoladamente ou em grupo, para ul-


trapassar com segurança estes períodos crescem em importân-
cia, porque se forem programadas e empregadas com inteligên-
cia permitem que se desenvolva uma espécie de poupança de
capacidades para o enfrentamento de novas situações. Essas
situações, por vezes complexas, podem surgir abruptamente e
requerem a passagem muito rápida da vigilância para a utiliza-
ção imediata das chamadas “habilidades não técnicas”, dentre as
quais salientam-se a atenção dividida, o planejamento por meio
de mapas mentais preestabelecidos, a priorização de atitudes, a
consciência global da situação (situation awareness) e a tomada
de decisão 45.

Consciência da situação
Estar consciente do que acontece em torno de si e entender o sig-
nificado de cada informação recebida, permitindo prever e pre-
parar os próximos momentos, constitui a base para o conceito
deste tópico 46 que descreve a habilidade de um indivíduo man-
ter adequada representação interna do estado do ambiente em
situações complexas e dinâmicas, nas quais a constante de tem-

348 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


po é pequena e as condições mudam em bem pouco tempo. A
consciência da situação se desenvolve em três níveis hierárquicos:
percepção (nível I), compreensão (nível II) e projeção (nível III) 47 e
é considerada como uma habilidade não técnica que embasa as
demais. Gaba a introduziu na anestesia em 1995 48 e sua aplicação
provém do trabalho interdisciplinar de vários ramos de atividades,
nos quais se destacam a ergonomia e a psicologia. Das suas ob-
servações e experimentos realizados em simuladores realísticos,
resultaram várias constatações, sempre apontando para a relativa
incapacidade dos profissionais em manusear toda a gama de in-
formações provenientes de diversas fontes. Além disso, segundo
Gaba, em situações de crise a alocação dinâmica da atenção, bem
como o compartilhamento desta atenção com outros profissio-
nais, são atitudes críticas e recomendáveis.

Considerações finais
A anestesia, em seus cerca de 170 anos de existência, desenvolveu
a imagem indesmentível de que é capaz de oferecer níveis muito
altos de segurança. No entanto, para que isto seja obtido, diversas
vezes são ultrapassadas as capacidades de muitos dos seus profis-
sionais. Efetivamente, os anestesiologistas enfrentam, há muito,
altos níveis de estresse – o que lhes tem sido danoso em variadas
proporções. Do estresse à fadiga e ao estabelecimento de doença
física ou psíquica, este é um caminho não necessariamente longo.
Além disso, por razões as mais variadas, eles, como os médicos
em geral, são reconhecidamente maus cuidadores de si próprios e
dificilmente procuram ajuda quando sobrecarregados 49. Justifica-
se, assim, a atual preocupação com a saúde desses profissionais,
pois ela lhes é cara e vital à segurança de seus pacientes 50.

A ergonomia é uma das ciências que se dispõem a auxiliar nesta


missão. Não só aperfeiçoando o espaço de trabalho ao torná-lo
mais prático e confortável, mas também oferecendo informações
acerca do paciente, de maneira amigável e coerente. Sua atuação
pode ser percebida em praticamente todos os aspectos da prá-
tica diária. Ao receber orientações valiosas sobre o seu trabalho,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 349


sugestões de protocolos para atividades específicas ou as bases
para a racionalização de suas tarefas, o anestesiologista desfruta
diversos tipos de vantagens da sua aplicação à anestesia.

Por tudo isso, é bom que sejam mantidas abertas as portas para
a ergonomia se quisermos praticar uma anestesia segura para os
pacientes e termos uma profissão saudável e de longa duração.

350 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Referências
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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 355


O anestesiologista e os riscos biológicos
Antônio Fernando Carneiro
TSA-SBA, doutor, chefe do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de
Goiás (UFG), diretor do Departamento de Defesa Profissional da SBA,
especialista em Medicina Intensiva
Fabiana A. P. Bosco Ferreira Bosco
TSA, doutora, professora adjunta da UFG

Muitas atividades profissionais podem favorecer o contato com


agentes biológicos como bactérias, vírus, fungos, parasitas, pro-
tozoários. Esses agentes são capazes de provocar dano à saúde
humana por meio das infecções, reações alérgicas, doenças au-
toimunes, bem como desencadear neoplasias ou malformações.

A sala de operação e/ou de procedimentos médicos invasivos é


um cenário onde a exposição do profissional de saúde ao sangue
e secreções é frequente, podendo ocasionar sua contaminação 1.
Um médico cirurgião em atividade há dez anos tem 95% de chan-
ce de sofrer algum tipo de contaminação sob tal circunstância 2.
Contudo, a utilização de agulhas com algum tipo de proteção e o
uso do bisturi elétrico parecem diminuir a chance de contamina-
ções entre estes profissionais 3. Paralelamente, poucos autores es-
tudaram a incidência e a forma de ocorrência de contaminações
entre os anestesiologistas e outros profissionais do ambiente ci-
rúrgico por lesões perfurocortantes ou contato com secreções.

Em estudo multicêntrico, Greene et al. (1998) analisaram a inci-


dência de lesões percutâneas com material contaminado entre
anestesiologistas e relataram que 74% relacionavam-se com a
contaminação sanguínea e 30% eram de alto risco, ocorrendo
com a inserção de cateteres centrais ou durante coletas de san-
gue 4. Outro estudo destes mesmos autores apontou que a maio-
ria das lesões relatadas pelos anestesiologistas eram moderadas
ou graves, e mais frequentemente nas mãos 5.

Em relação ao contato com sangue, líquidos corporais ou secre-


ções, todo anestesiologista pode referir várias situações onde

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 357


suas faces, mãos, pés e outras partes do corpo receberam res-
pingos ou quantidades moderadas de sangue e/ou secreções e
tratam o evento como sem repercussão até mesmo em centros
com programas de biossegurança 2. Além disso, em operações
cardiovasculares com circulação extracorpórea, em situações de
comprometimento hemodinâmico e/ou emergência, em muitos
serviços uma série de erros e a intensa preocupação com a outra
vida aumentam os riscos de exposição ao material biológico 6,7.

Ferimentos com agulhas, objetos perfurocortantes, contato com


líquidos corporais e/ou secreções são as causas mais comuns de
transmissão de doenças entre os anestesiologistas no ambiente de
trabalho – e a hepatite C é a doença mais frequentemente trans-
mitida aos anestesiologistas mediante o contato com o sangue de
paciente contaminado 8, principalmente por meio da conjuntiva
ocular 9. Parece que os anestesiologistas não estão conscientes
em relação aos riscos de morte e à sua segurança ameaça pela
contaminação biológica em seu ambiente de trabalho, principal-
mente quando se considera que o paciente de alto risco esteja
infectado. Corroborando, ilustra-se ainda a ausência de evidência
do teste pré-operatório para infecção por HIV em pacientes que
seriam submetidos à cirurgia, em relação à redução da frequência
da exposição acidental ao sangue pelos profissionais de saúde 1.

Assim, além de discussões em conferências promovidas pelas so-


ciedades da referida classe, faz-se necessário inculcar as medidas
preventivas e as condutas diante de uma possível contaminação
nos anestesiologistas em treinamento. Embora a prevenção da
exposição ao sangue, secreções e líquidos corporais seja a medida
ideal para que as infecções ocupacionais sejam evitadas, a condu-
ta apropriada pós-exposição também é importante elemento na
segurança do profissional.

Riscos de transmissão ocupacional do vírus da imunode-


ficiência humana (HIV)
Os riscos para transmissão ocupacional do vírus HIV são descri-
tos e variam com o tipo e gravidade/intensidade da exposição

358 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


do profissional 10. Em estudos prospectivos, o risco médio para a
transmissão do HIV após exposição percutânea ao sangue infec-
tado com o vírus é de aproximadamente 0,3% (0,2-0,5/IC: 95%) 11
e após contato com mucosa, de 0,09% (IC= 0,006% - 0,5%) 10. Por
um lado, o risco para o contato em pele com lesões parece ser o
mesmo daquele das mucosas; por outro, o risco de transmissão do
vírus por meio da exposição do profissional aos tecidos, fluidos ou
secreções de pacientes contaminados não está quantificado, mas
deverá ser menor do que aquele proveniente do contato com o
sangue. Os fluidos considerados potencialmente infectantes são:
líquor, líquido sinovial, líquido pleural, líquido peritonial, líquido
pericárdico, líquido amniótico. Fezes, saliva, escarro, suor, lágrima,
urina e vômito não são considerados infectantes, exceto se con-
tiverem sangue 11. Comparativamente às exposições aos vírus da
hepatite B ou C, a possibilidade de contágio por HIV é bem menor.

Estudos epidemiológicos e laboratoriais sugerem que múltiplos


fatores são responsáveis pelo risco de transmissão do HIV após ex-
posição ocupacional. Em estudo retrospectivo, caso-controle de
profissionais de saúde que tiveram contato por ferimento percu-
tâneo com o sangue contaminado com o HIV, o risco aumentado
estava associado com:

••a contaminação visível da agulha ou outro perfurocortante


com o sangue do paciente infectado;
••a localização intravenosa ou intra-arterial da agulha envolvi-
da no acidente;
••a profundidade da lesão;
••a contaminação com sangue de pacientes em fase terminal
da doença;
••a quantidade do sangue contaminado.
A quantificação da carga viral plasmática (RNA/HIV) reflete so-
mente o nível de célula livre do vírus no sangue periférico. Células
com infecção latente podem transmitir a doença na ausência de
viremia. Paralelamente, baixa carga viral (< 1500 RNA copias/ml)
ou abaixo dos limites de detecção provavelmente indicam expo-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 359


sição a baixos títulos; contudo, não exclui a possibilidade de trans-
missão 10.

Deve-se considerar que – como descrito por meio da comparação


com os riscos de infecção pela hepatite B ou C, apesar do risco
de infecção pelo HIV ser baixo, pela baixa resistência do HIV aos
métodos de esterilização e pelos fatores referentes à forma como
ocorre a contaminação, as características devastadoras da doen-
ça, a ausência de vacina para a síndrome da imunodeficiência hu-
mana – o profissional de saúde deve ser rigoroso no tocante às
normas de prevenção de contaminação veiculadas pelo Centers
for Disease Control (CDC), Atlanta (EUA) 10 e pelo Ministério da
Saúde, no Brasil 12:

••usar luvas (duplas); as mãos devem ser lavadas após a remo-


ção das luvas;
••usar máscaras, óculos, aventais e botas;
••não reinserção de agulhas em capas, nem sua remoção; uma
vez montadas, colocá-las após o uso em locais de descarte
apropriado;
••reesterilização de todo o material de anestesia em óxido de
etileno ou hiperóxido de hidrogênio;
••evitar ressuscitação boca-boca;
••profissionais com lesões exsudativas ou dermatites desca-
mativas não devem ter contato com paciente ou material uti-
lizado;
••todo o material com sangue deve ser transportado em reci-
piente adequado, sem vazamento;
••isolamento de substâncias corpóreas, usando-se barreiras.

Profilaxia após a exposição do profissional de saúde


Ocorrendo exposição percutânea ou de mucosas, algumas medi-
das devem ser realizadas:

••lavar vigorosamente o local com água e sabão/soluções de-


sinfetantes;

360 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


••a conjuntiva ocular deve ser enxaguada com água, soro fisio-
lógico e soluções apropriadas para os olhos;
••realizar teste sorológico no paciente;
••realizar teste sorológico no profissional semestralmente, du-
rante dois anos;
••relatar à comissão de infecção local.
Em relação à profilaxia pós-exposição (PPE), o início da terapia an-
tirretroviral rapidamente após a exposição pode prevenir ou inibir
uma infecção sistêmica por limitar a proliferação do vírus nas célu-
las-alvo ou linfonodos 13. Após estudos animais, apesar da dificul-
dade de interpretação (animais comparáveis ao homem, escolha
da cepa viral, dimensão e rota de inoculação), a profilaxia parece
benéfica 14,15. Apesar de poucos estudos em humanos, a sorocon-
versão é rara após acidente ocupacional. Em estudo retrospectivo
caso-controle o uso de Zidovudine® reduziu o risco de infecção em
81% (IC 95% = 42-94%) 16. Adicionalmente, em estudo multicêntri-
co este mesmo medicamento, administrado a gestantes infecta-
das durante a gravidez, trabalho de parto e nascimento reduziu a
transmissão para o recém-nascido em 67% 17. Contudo, há relato
de falhas na prevenção: em 16 casos com Zidovudine® como único
agente, em dois ele estava associado a Didanosine® e em três, a
três classes de medicamentos. Essas falhas de tratamento foram
associadas a altos títulos de carga viral, tamanho da inoculação,
início tardio, curta duração, características do exposto (imunode-
ficiência), cepa viral 10.

Das cinco classes de medicamentos disponíveis para o tratamen-


to da infecção pelo HIV, somente os aprovados pelo Food and
Drug Administration (FDA) – inibidores da transcriptase reversa
do nucleotídeo, inibidor da transcriptase reversa não nucleotídeo,
inibidores proteases – estão disponíveis para a profilaxia, e esta é
feita de acordo com o risco da transmissão.

Em relação ao tipo de exposição, para as lesões superficiais ou


com agulhas sólidas recomenda-se PPE com duas classes de me-
dicamentos quando o paciente infectado for tipo 1: assintomá-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 361


tico ou com baixa carga viral (< 1.500 cópias de RNA/ ml); e três
ou mais classes de medicamentos quando o paciente for tipo 2:
sintomático, tiver a síndrome da imunodeficiência, soroconversão
aguda, alta carga viral, o início da PPE deve ser imediata. Para aci-
dentes sem sorologia (paciente falecido), não é recomendável a
PPE, mas esta pode ser realizada apenas com dois medicamen-
tos, principalmente quando o paciente apresentar fatores de ris-
co para HIV. Da mesma forma, quando a contaminação ocorre
com agulhas de containers a PPE deve ser discutida com a pessoa
exposta, bem como seus riscos e benefícios. Por sua vez, em aci-
dentes que provoquem lesões graves e/ou grande quantidade de
sangue, a PPE pode ser modificada pela inclusão de três classes de
medicamentos, mesmo quando a exposição ocorreu com sangue
de paciente infectado assintomático ou com baixa carga viral 10.

Com pertinência à exposição de mucosas ou pele com lesões ao


sangue contaminado, a PPE será realizada de acordo com o volu-
me (gotas versus grande quantidade). Para pequena quantidade
de sangue, considera-se duas classes de medicamentos aos ex-
postos ao sangue de pacientes tipo 1 e recomenda-se o uso de
dois medicamentos para os expostos ao sangue de pacientes tipo
2. Para grandes quantidades, recomenda-se dois medicamentos
para os expostos ao sangue de pacientes tipo 1 e recomenda-
se três classes de medicamentos para os expostos ao sangue de
pacientes tipo 2. A PPE não é recomendada para sangue de pa-
cientes com sorologia negativa seja a contaminação ocorrida com
perfurocortantes ou contato com mucosas ou lesões de pele10.

A PPE, se indicada, deve ser iniciada rapidamente após a exposi-


ção, com reavaliação do exposto 72 horas após a exposição, espe-
cialmente quando houver informações adicionais. Administrar os
medicamentos por quatro semanas, se tolerados; diante de soro-
logia negativa, a PPE deve ser interrompida. Devido à toxicidade
dos agentes utilizados, deve-se sempre pesar o risco/benefício,
principalmente para a utilização de três classes de medicamentos.

Os expostos devem ser acompanhados e aconselhados. Após a


exposição, realizar sorologias, pelo menos, uma vez aos seis me-

362 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ses (6 semanas, 12 semanas e aos 6 meses) ou diante de quadro
de síndrome retroviral aguda, e avaliação médica – principalmen-
te para os que estiverem recebendo profilaxia.

Riscos de transmissão ocupacional do virus da hepatite


BeC
As hepatites virais são grave problema de saúde pública no mun-
do e no Brasil. Segundo estimativas, bilhões de pessoas já tive-
ram contato com os vírus das hepatites e milhões são portadores
crônicos. O fígado é o alvo preferencial desses agentes patogê-
nicos, sendo eventual a sistematização da doença. Apesar das
semelhanças clínicas dessas hepatites virais, há diferenças funda-
mentais quanto à etiologia, epidemiologia e fisiopatogenia 18.

As hepatites virais são designadas por letras do alfabeto: hepatite


A (VHA), hepatite B (HBV), hepatite C (HCV), hepatite D (VHD) e
hepatite E (VHE). Existem outras viroses hepatotrópicas, hepatites
não A-não E (ÑA-ÑE) ainda não identificadas 19. Várias outras viro-
ses podem acometer o fígado, produzindo quadros de hepatites
de difícil diagnóstico diferencial com as supracitadas. Entre elas,
as infecções por citomegalovírus, rubéola, febre amarela, herpes
vírus e varicela 20.

A hepatite B é uma doença causada por um vírus (VHB) que agri-


de o fígado, podendo, além do quadro agudo, causar infecção
crônica, cirrose hepática, hepatocarcinoma, insuficiência hepática
e morte 23. Atinge milhões de pessoas anualmente, sendo efetivo
e mundial problema de saúde pública, responsável por cerca de
4.000 a 5.000 óbitos a cada ano nos Estados Unidos da América,
por cirrose ou câncer de fígado.

A transmissão de seu vírus é feita por via parenteral, sexual, sendo


considerada uma doença sexualmente transmissível. Dessa forma,
a hepatite B pode ser transmitida por solução de continuidade
(pele e mucosa), relações sexuais desprotegidas e por via parente-
ral (compartilhamento de agulhas e seringas, tatuagens, piercings,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 363


procedimentos odontológicos ou cirúrgicos etc.). A magnitude do
risco ocupacional com o vírus da hepatite B é de 40% a 60% 21.

O vírus da hepatite C (HCV) era anteriormente conhecido por he-


patite não A-não B, quando era responsável por 90% dos casos de
hepatite transmitida por transfusão de sangue sem agente etioló-
gico reconhecido. O agente etiológico é um vírus RNA, da família
flaviviridae, podendo apresentar-se como infecção assintomática
ou sintomática. Em média, 80% das pessoas que se infectam não
conseguem eliminar o vírus, evoluindo para formas crônicas. As
restantes 20% conseguem eliminá-lo dentro de um período de
seis meses do início da infecção.

Em exposições com paciente fonte infectado pelo vírus da hepa-


tite C e naquelas com fonte desconhecida, está recomendado o
acompanhamento do profissional de saúde. O acidente ocupacio-
nal envolvendo o vírus da hepatite só é transmitido de forma efi-
ciente por meio do sangue. A incidência média de soroconversão,
após exposição percutânea com sangue sabidamente infectado
pelo HCV, é de 1,8% (variando de 0% a 7%) 21.

Como o período de incubação da hepatite C dura, em média, sete


semanas e a grande maioria (>75%) dos casos agudos é assinto-
mática, faz-se necessária a investigação laboratorial para o diag-
nóstico. Cerca de 70% a 85% dos casos de contaminação pelo HCV
evoluem para doença crônica.

O fluxograma para atendimento dos profissionais vítimas de aci-


dentes ocupacionais com material biológico deve ser aplicado e
notificado. Deve-se imediatamente interromper o procedimento
e solicitar um substituto, lavar o local com água e sabão (pele) ou
soro fisiológico (mucosa), identificar o paciente-fonte e comuni-
car à supervisão imediata. Em seguida, avaliar de forma individua-
lizada o risco ocupacional 22:

1º passo: cuidados locais


••Exposição percutânea ou cutânea;

364 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


••Lavagem exaustiva com água e sabão;
••Solução antisséptica degermante (PVP-I ou clorexidina);
••Exposição em mucosas;
••Lavagem exaustiva com água ou solução fisiológica.
São contraindicados os procedimentos que aumentam a área
exposta: cortes, injeções locais e soluções irritantes (éter, hipo-
clorito ou glutaraldeído)

2º passo: avaliação da exposição


••Material biológico com HBV
Sangue: material com maiores títulos de HBV. Leite materno,
líquido biliar, líquor, fezes, secreções nasofaríngeas, saliva, suor
e líquido articular. Esses materiais não são “bons veículos” para
a transmissão do HBV.
•• Material biológico com HCV
Sangue: único veículo para transmissão eficiente do vírus da
hepatite C.
Outros materiais biológicos: risco não quantificado. Não é sig-
nificativo o risco de transmissão por superfícies contaminadas.

3º passo: avaliação da fonte


••Paciente fonte conhecido com sorologias conhecidas ou dis-
poníveis para exame;
••Paciente fonte com sorologias desconhecidas e não disponí-
vel para exame;
••Paciente fonte desconhecido.

4º passo: manejo específico em relação à hepatite B


Risco de transmissão após exposição acidental a sangue:
a) c/HBeAg:
••20%-30% hepatite clínica;
••35%-60% evidência sorológica.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 365


b) s/HBeAg:
••1%-6% hepatite clínica;
••20%-35% evidência sorológica.

Conduta em face de acidente com risco de HBV


••Profissional não vacinado;
••Fonte +: IgHAHB + iniciar vacinação;
••Fonte -: iniciar vacinação;
••Fonte desconhecida ou não testada: iniciar vacinação.
Profissional imune (anti-HBs > 10mUI/ml)
••Fonte + ou fonte - ou fonte desconhecida ou não testada:
nenhuma medida específica.
Carneiro et al. (2003) encontraram uma prevalência da infec-
ção pelo VHB entre os anestesiologistas de 8,9% (anti-HBc+).
Manejo específico da vacina para HBV
••Vacina muito eficaz (90% a 95%) – (antiHBs+);
••10% não respondem com três doses: repetir esquema com
+ três doses;
••40% permanecem não respondedores: orientar;
••Esquema: 0, 1 e 6 meses;
••Vacina para todos os profissionais de saúde como medida
pré-exposição;
••Grávidas e lactantes podem ser vacinadas.
Manejo específico para HCV
••Não há medidas profiláticas pós-exposição;
••O profissional deve ser aconselhado, testado e acompanha-
do clínica e sorologicamente;
••Não existe vacina.

366 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Conduta em face de acidente com risco de hepatite C
••Acompanhar com sorologia e transaminases;
••O ideal é avaliar o PCR/RNA com teste sensível.

5º passo: acompanhamento clínico-sorológico


••Duração: 6 meses a 1 ano;
••Orientações: uso de preservativos, não doar sangue ou teci-
dos, evitar gravidez, suspender aleitamento.
Qualquer categoria profissional pode estar sob risco, sendo
que os profissionais da área cirúrgica (anestesiologistas), pa-
ramédicos e profissionais de setores de atendimento de emer-
gência são descritos como profissionais de alto risco de expo-
sição a material biológico.
Por fim, ressalte-se que o conhecimento das normativas de se-
gurança e sua aplicabilidade devem ser rotina do anestesiolo-
gista na clínica diária.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 367


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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 371


Exposição a anestésicos inalatórios
Maria Angela Tardelli
Professora adjunta da disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia
Intensiva da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, coeditora da Revista
Brasileira de Anestesiologia
Carlos Rogério Degrandi Oliveira
Corresponsável do CET da Santa Casa de Santos, responsável pelo
Serviço de Anestesia Cardíaca da Santa Casa de Santos
Edno Magalhães
Mestre e doutor pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp,
professor pesquisador da Universidade de Brasília (UnB),

I. Histórico
Ainda que a ação teratogênica dos anestésicos inalatórios tenha-
sido inicialmente estudada em 1910 por Stockard 1, somente a
partir da segunda metade da década de 1960 a preocupação com
a exposição prolongada a resíduos de anestésicos inalatórios, e os
seus possíveis efeitos, surgiu entre anestesiologistas da União So-
viética, Dinamarca, Inglaterra e Estados Unidos da América (EUA).
Em nosso país, artigos publicados na Revista Brasileira de Aneste-
siologia, a partir da década de 1970, denotaram a crescente preo-
cupação com o tema 2,3.

Em 1967, um estudo publicou o resultado de pesquisa realizada


na antiga União Soviética, avaliando exames de saúde de 198
anestesiologistas do sexo masculino e 110, do feminino 4. Todos
utilizavam em sua prática diária éter, N2O e halotano. Foi relata-
do alto índice de sintomas como cefaleia, fadiga e irritabilidade e,
pela primeira vez, os efeitos adversos sobre a reprodução huma-
na. Em 31 gestações, 18 resultaram em aborto espontâneo e uma
malformação congênita. Neste mesmo ano, Fink demonstrou que
o N2O produziu efeitos adversos sobre a reprodução de ratos 5. Al-
tas concentrações resultaram em incidência aumentada de anor-
malidades esqueléticas.

Em 1967, Parbrook relata pacientes normais que desenvolveram


depressão da medula óssea por exposição crônica ao N2O 6.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 373


Em 1968, são analisadas as causas de óbitos de 411 anestesiolo-
gistas americanos em um período de 20 anos, encontrando-se
baixa incidência de neoplasia pulmonar, frequência normal de
leucemia e maior incidência de neoplasias linfáticas 7.

Em 1973, um estudo mostrou que a incidência de neoplasias en-


tre enfermeiras anestesistas americanas era de 1,33%; maior que
o grupo controle (0,4%) 8.

Em 1981, a Sociedade Americana de Anestesiologistas publicou


o livreto “Resíduos de anestésicos no ar da sala de cirurgia: suges-
tões de um programa para a redução da exposição” 9.

Embora a experimentação animal tenha demonstrado exausti-


vamente a possibilidade de ações teratogênicas e abortivas dos
anestésicos inalatórios, dados contraditórios são encontrados na
literatura considerando-se a variabilidade nas respostas indivi-
duais a diferentes agentes inalatórios. Da mesma forma, os tra-
balhos experimentais não poderiam suportar uma extrapolação
para a espécie humana e muitos dosresultados desses estudos
poderiam ser relacionados a outros fatores ambientais, e não ne-
cessariamente à exposição às concentrações de resíduos de anes-
tésicos inalatórios.

II. Mecanismo de toxicidade dos anestésicos inalatórios


Efeitos diretos e indiretos
Apenas o N2O tem efeitos tóxicos diretos. Os outros anestésicos
inalatórios apresentam toxicidadederivada, primordialmente,dos
metabólitos resultantes do seu metabolismo hepático e/ou renal
ou dos produtos de sua degradação no absorvedor de CO2.

Os anestésicos voláteis podem produzir, em graus variáveis, dano


metabólico hepatocelular em humanos. Durante o metabolismo
destes anestésicos ocorre acetilação tecidual devida à formação de
substâncias reativas intermediárias. As proteínas modificadas pela
acetilação poderão levar à formação de antígeno e indução de res-

374 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


posta imune. A probabilidade de um dano hepático no pós-opera-
tório dependerá do anestésico metabolizado e da taxa de metabo-
lização. Sendo consideravelmente maior com o halotano 10.

Concentrações plasmáticas elevadas de fluoretos inorgânicos es-


tão associadas à nefrotoxicidade 10.

O sevoflurano interage com componentes dos absorvedores de


gás carbônico, levando à degradação e à formação de compostos
tóxicos em potencial. O composto A (fluorometil-2,2-difluoro-1-
(trifluorometil)-vinil-éter) produz nefrotoxicidade em ratos, mas
não leva a alterações renais em humanos 11.

A exposição prolongada ao oxido nitroso leva à oxidação irrever-


sível da vitamina B12, determinando depressão da atividade da
metionina sintetase e eritropoise megaloblástica 12.

Produtos do metabolismo
Os anestésicos voláteis modernos apresentam grau de toxicidade
sistêmica muito pequeno, resultante de mínima biodegradação.
A toxicidade do anestésico inalatório tem correlação direta com a
solubilidade no sangue e em outros tecidos.

Cerca de 20% do halotano inalado é metabolizado no fígado pe-


los citocromos P450 2E1 e 2A6. Na presença de oxigênio são for-
mados ácido trifluoroacético e pequenas quantidades de flúor,
cloro e bromo. Somente pequena parcela do halotano, aproxima-
damente 1%, é metabolizada pela via redutiva através dos cito-
cromos P450 2A6 e 3A4. Esta via se torna preferencial em situa-
ções de hipóxia e resulta na liberação de fluoretos e formação de
compostos orgânicos voláteis 13.

O enflurano sofre biotransformação hepática em torno de 5%,ori-


ginando o ácido difluorometoxi-difluoroacético, um análogo ao
ácido trifluoroacético 14.

Os citocromos P450 2E1 e 3A contribuem para o metabolismo


do isoflurano, que é de aproximadamente 0,3%. Sua metaboliza-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 375


ção também resulta em formação de ácido trifluoroacético como
composto intermediário15. Da mesma forma, o desflurano é me-
tabolizado em fluoreto inorgânico e ácido trifluoroacético, na
ordem de 0,02% 16.

O grau de metabolismo dos metiletil éteres é menor do que aque-


le apresentado pelo halotano. Consequentemente, os danos he-
páticos atribuídos a estes anestésicos são muito raros.

O sevoflurano é metabolizado pelo citocromo P450 2E1, na taxa


de 2% 15. Entretanto, diferentemente de outros agentes halogena-
dos, não produz ácido trifluoroacético. Os produtos da degrada-
ção são os fluoretos inorgânicos e o hexafluoroisopropanol. Este
último é rapidamente conjugado com glicoronídeos e excretado
via renal. As concentrações de fluoretos inorgânicos são mais ele-
vadas que as produzidas pelo uso do enflurano. Entretanto, a bai-
xa solubilidade e a rápida eliminação fazem com que a exposição
total aos fluoretos inorgânicos seja menor após a exposição ao
sevoflurano 17.

Produtos da reação com os absorvedores de CO2


Todos os anestésicos halogenados podem reagir com os compo-
nentes dos absorvedores de CO2. O hidróxido de potássio (KOH) e
o hidróxido de sódio (NaOH) são os principais componentes rea-
tivos. A alta temperatura do absorvedor e a dessecação catalisam
as reações de degradação.

A formação de concentrações elevadas de monóxido de carbo-


no (CO) foi observada após o contato do desflurano com absor-
vedores dessecados contendo KOH e NaOH. A formação de CO
também ocorre com outros halogenados, mas em quantidades
menores que com o desflurano 18.

A formação do composto A resulta da reação química do sevoflu-


rano com o KOH e o NaOH dos absorvedores. Ocorre em sistemas
anestésicos com reinalação e é potencializada pela utilização de
baixos fluxos de gases. Correlaciona-se diretamente com a tempe-

376 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ratura, quantidade de CO2 e as concentrações de KOH e NaOH do
absorvedor, e inversamente com a umidade 19.

Em contato com a cal sodada dessecada o sevoflurano produziu


quantidades significativas de metanol e formaldeído, detectados
no circuito respiratório 20.

Toxicidade específica nos órgãos


Hepatotoxicidade

O halotano sofre uma biotransformação de 20% no fígado. O pri-


meiro grande estudo retrospectivo sobre a associação do halo-
tano com dano hepático mostrou incidência de necrose hepáti-
ca fatal de 1:35.000 anestesias 21. Este estudo também mostrou
o aumento do risco após anestesias repetidas. Esta complicação
relativamente rara, e fatal, contrasta com uma forma de dano he-
patocelular moderado observado em 20% dos pacientes que re-
ceberam halotano 22. Esses dados trouxeram a evidência de que
a forma fulminante de hepatite induzida pelo halotano era me-
diada por uma resposta imune, resultado da ação de anticorpos
contra haptenos derivados da ligação entre compostos interme-
diários e macromoléculas.

Ainda que a disfunção hepática grave fosse associada ao halotano


poucos anos depois de sua introdução no mercado, o fator eco-
nômico fez com que este halogenado se mantivesse no mercado,
aliado ao argumento de que é baixa a incidência de complicação
hepática decorrente do seu uso.

O enflurano, isoflurano e o desflurano também podem ser res-


ponsáveis pela forma fulminante de hepatite em pacientes susce-
tíveis, porém sua ocorrência é ainda mais rara que aquela obser-
vada com o halotano 14,23,24.

O sevoflurano é metabolizado de maneira distinta dos outros ha-


logenados, sendo de administração segura quanto à possibilida-
de de hepatotoxicidade.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 377


Nefrotoxicidade

O sevoflurano é metabolizado no fígado e forma o hexafluoroiso-


propanol e fluoreto inorgânico. Em estudos animais, a concentra-
ção sérica de fluoretos inorgânicos após anestesias com sevoflu-
rano foi aproximadamente a metade da observada com o uso do
metoxiflurano 25.

O metoxiflurano foi associado precocemente a dano renal grave


dose dependente, o que resultou em sua retirada da prática clínica.

Grande parcela do metoxiflurano permanecia no tecido adiposo


durante a anestesia, mantendo as concentrações séricas de fluo-
retos inorgânicos elevadas por horas após a anestesia. Em con-
traste, o sevoflurano por apresentar baixa solubilidade no sangue
e outros tecidos, é rapidamente eliminado.

Em cães, anestesias repetidas com sevoflurano em baixo fluxo não


resultaram em alteração da função renal e as concentrações séri-
cas de fluoreto normalizaram-se rapidamente 26.

III. Poluição das salas de operações


A exposição ocupacional aos anestésicos inalatórios tem sido fre-
quentemente associada a doenças, piora das funções psicológi-
cas e toxicidade na reprodução. Entretanto, as evidências sobre
esta associação resultam de estudos epidemiológicos que têm
sido criticados.

Fontes de poluição
Idealmente, todas as salas cirúrgicas deveriam funcionar com
sistema de exaustão do ar ambiente, em decorrência das inúme-
ras fontes de poluição resultantes da administração da anestesia
inalatória. Fontes praticamente inevitáveis incluem o vazamento
da máscara facial mal adaptada, da cânula traqueal sem balone-
te, da máscara laríngea, do ventilador, dos sistemas respiratórios
pediátricos, da amostragem dos analisadores de gases, do oxige-

378 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


nador da circulação extracorpórea e do ar exalado pelo paciente
ao término do procedimento. Outras fontes evitáveis seriam o
derramamento de líquido anestésico por ocasião do enchimento
do vaporizador e a falha em interromper o fluxo de óxido nitroso
e/ou o vaporizador quando o ventilador não está conectado ao
paciente 27.

Níveis de exposição
O determinante da concentração de anestésico inalatório no ar
ambiente depende do escape de anestésico e da quantidade de
ar fresco introduzido no ambiente. Contudo, pode ocorrer varia-
ção espacial e temporal porque a mistura do anestésico inalatório
no ar ambiente não é imediata nem completa. As concentrações
costumam ser mais altas na área do anestesiologista.

Nas salas cirúrgicas sem e com sistema de ventilação com ar-con-


dicionado a concentração do N2O é de 1000-3000 ppm e de 200-
500 ppm, respectivamente. A introdução de um sistema de exaus-
tão nestas salas reduziria essa concentração para 100-300 ppm e
15-35 ppm, respectivamente 28.

Agências governamentais têm recomendado padrões de exposi-


ção máxima. Na Europa, o nível máximo para o N2O é 100 ppm
para 8 horas de trabalho/dia. Nos EUA, para a mesma carga horá-
ria, o nível máximo é de 50 ppm (American Conference of Gover-
nmental and Industrial Hygienists - ACGIH) e de 25 ppm quando
utilizado como único agente durante a administração da aneste-
sia (National Institute for Occupational Safety and Health - Niosh).
Para os halogenados, considerando 8 horas de trabalho/dia, na
Europa o limite é 10 ppm para o enflurano e 50 ppm para o isoflu-
rano. A ACGIH considera 50 ppm para o halotano e 75 ppm para
o enflurano 28. Na França, os valores limites de exposição profis-
sional são 25 ppm para o N2O e 2 ppm para os halogenados. De
modo geral, os valores limites máximos variam de 25 a 100 ppm
para o N2O e de 0,5 a 20 ppm para os anestésicos voláteis, depen-
dendo do halogenado, do tempo de exposição considerado e do
país 29.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 379


Monitorização
A exposição ocupacional aos anestésicos inalatórios tem sido ava-
liada por cromatografia e espectrometria infravermelha do ar am-
biente, coletados em dosímetro 27.

Medidas diretas, nos profissionais expostos, têm sido realizadas


por meio de cromatografia nas amostras de urina. Um método
que analisa a exposição em tempo real é a análise do gás expirado
por meio de espectrômetro de massa de reação de transferência
de prótons 30.

Controle da poluição
Sempre que possível, minimizar os fatores já mencionados nas
fontes de contaminação. As salas devem ser equipadas com ar-
condicionado sem reinalação e sistema de exaustão com fluxo de
sucção alto.

A recomendação de renovação do ar das salas é de 15 a 21 trocas


por hora, com um aporte mínimo de 50m3 por hora/pessoa.

IV. Possíveis riscos e danos


Toxicidade de órgãos
Anteriormente, foi apresentado que os principais órgãos afetados
pelos anestésicos voláteis são os rins e o fígado. Resumidamente,
a nefrotoxicidade, no túbulo proximal, ocorre pelo efeito de uma
olefina resultante da ação da beta-liase presente no rim sobre o
composto A e no duto coletor pela ação do íon fluoreto. O limiar
de nefrotoxicidade do composto A é 300 ppm.h-1 para o rato e 600
a 800 ppm.h-1 para o macaco, nos quais a atividade da beta-liase é
30 e 1,5 vezes maior que a do homem, respectivamente. Durante
anestesia com sevoflurano e fluxo de gases frescos de 1L. min-1, a
concentração plasmática de composto A, na cal sodada, não ultra-
passa 20 ppm. Não tendo sido verificada disfunção renal quando
os níveis de íon fluoreto eram inferiores a 50 µM.L-1, postulou-se

380 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


que esse nível seria um limiar de nefrotoxicidade para o fluore-
to inorgânico31.Quanto à hepatotoxicidade, evidências sugerem
que a forma grave é imunomediada e resultante da ação do ácido
trifluoroacético, enquanto que a forma menos grave de hepatite
ocorre pela ação direta do halogenado no hepatócito.

Em relação à exposição crônica, estudo que avaliou três dosagens


de fluoreto inorgânico em 10 anestesiologistas, realizadas num
período de dois anos, encontrou níveis séricos que variaram entre
0,2 e 7,9 µM.L-1. Estes profissionais atuavam em centros cirúrgicos
com ar-condicionado sem recirculação e sistema de exaustão com
12 trocas/hora 32. No Brasil, estudo de coorte avaliou dosagens se-
riadas de fluoreto inorgânico sérico por um período de 18 meses
em anestesistas ASA I com idade entre 28 e 43 anos, tempo de
profissão entre 6 e 17 anos e exposição diária de 8 a 12 horas em
salas cirúrgicas sem sistema de antipoluição. Os níveis de fluoreto
sérico neste período apresentaram média de 7,24 µM.L-1,com va-
riação entre 6,17 a 12,95 µM.L-1 e picos de concentração até 40,82
µM.L-1.. O valor médio de fluoreto sérico nos habitantes da cida-
de onde trabalham os profissionais estudados foi de 2,74 µM.L-1.
Nestes profissionais, os níveis séricos de fluoreto não retornaram
aos níveis normais nem mesmo quando afastados por períodos
de até 30 dias 33. Estes mesmos anestesiologistas foram avaliados
após cinco anos. A concentração plasmática média de fluoreto
permanecia inalterada (7,48 µM.L-1) e os testes laboratoriais não
demonstraram disfunção tubular34.

Genotoxicidade
A genotoxicidade resultante da exposição ocupacional aos anes-
tésicos inalatórios ainda é discutível. Entre os marcadores indi-
cativos de genotoxicidade incluem-se a formação de aberrações
cromossômicas e de micronúcleos e a troca de cromátides irmãs.
O aumento de micronúcleos em linfócitos tem valor preditivo
para risco de câncer e a troca de cromátides irmãs está associa-
da a malformações fetais e abortos espontâneos frequentes. Os
estudos demonstram elevação destes marcadores especialmente
a exposições acima dos níveis recomendados. Exposição a baixos

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 381


níveis de sevoflurano (0,2 ppm) ou isoflurano (0,5 ppm) aumen-
tam o nível de troca de cromátides irmãs, mas não de formação
de micronúcleos. Essas alterações desaparecem com dois meses
de afastamento da sala cirúrgica. Outros fatores, como estresse,
fumo e exposição ao óxido de etileno, também geram esses tipos
de alterações 29. Entre os não fumantes, as lesões de cromossomas
são encontradas com mais frequência naqueles expostos a anes-
tésicos inalatórios. Entretanto, entre os fumantes a incidência des-
sas alterações é alta e independe da exposição ao anestésico 35.

Carcinogênese
Estudos não demonstram aumento na incidência de câncer entre
os anestesiologistas. Em animais, não foi demonstrado risco car-
cinogênico quando expostos, por dois anos, a baixas concentra-
ções de N2O e halotano 28. Alguns estudos concluem que apenas
os anestésicos mais antigos, como o tricloroetileno, fluroxeno e
o clorofórmio, apresentam potencial carcinogênico em roedores
quando administrados em concentrações elevadas 27,28.

Toxicidade na reprodução
Fertilidade - recente meta-análise demonstrou haver risco au-
mentado de aborto espontâneo e malformações congênitas em
enfermeiras expostas a anestésicos inalatórios. Porém, a associa-
ção não foi tão evidente entre os estudos bem conduzidos e a sig-
nificância dos achados foi limitada pelo número e heterogeneida-
de dos estudos incluídos 36.

Mutagenicidade - relaciona-se com a ação dos efeitos tóxicos du-


rante a formação fetal. As evidências sugerem que os anestésicos
inalatórios utilizados atualmente não são mutagênicos 28.

Teratogenicidade - relaciona-se com a ação dos efeitos tóxicos


durante o desenvolvimento fetal. O N2O é o único anestésico que
foi demonstrado ser teratogênico em experimentos. Concentra-
ções de 50% administradas por 2,4 e 6 dias ou de 70% por 24
horas em ratas grávidas durante o período da organogênese e

382 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


concentrações baixas (0,1%) empregadas em ratas durante toda
a gravidez resultaram em aumentada incidência de anormalida-
des viscerais e esqueléticas. Entretanto, essas condições seriam
improváveis de ser reproduzidas nos seres humanos 27,37.

Entre os principais fatores relacionados com a teratogenicidade


do N2O destaca-se seu efeito inibitório sobre a metionina sinteta-
se e seus efeitos simpatomiméticos. Contrariamente aos estudos
em animais, o potencial teratogênico não tem sido bem estabele-
cido em humanos 37.

Efeitospsicofisiológicos
A maioria dos estudos não mostra efeito significante nas funções
cognitivas ou motoras após exposição a várias concentrações de
N2O, com ou sem halotano, quando comparadas com as funções
antes da exposição ou com grupos controles não expostos 28.

V. Tipos de estudo e interpretação da causa-efeito


Os estudos epidemiológicos avaliam a relação de causa-efeito, ou
causa-doença. O tipo de estudo epidemiológico indicado depen-
de do tipo de hipótese a ser testada. Na medicina ocupacional,
as avaliações sequenciais são fundamentais, bem como a relação
causa-efeito. Uma causa é classificada como suficiente quando
inevitavelmente produz ou inicia um desfecho, e é necessária se o
desfecho não pode ocorrer na sua ausência 38. Apesar da investi-
gação quase sempre partir de uma doença em busca das causas,
é possível também começar com uma causa potencial, como po-
luição do ar, e investigar seus efeitos.

Para estudar a possível ocorrência de doença do trabalho, as pes-


quisas, necessária e obrigatoriamente, devem ter como foco prin-
cipal a exposição crônica.

Em relação à exposição crônica à atmosfera de centros cirúrgicos,


a maioria dos estudos são epidemiológicos qualitativos descri-
tivos e utilizam coleta de dados, entrevistas e leituras; são sub-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 383


jetivos. Os estudos puramente descritivos falham na análise de
possíveis associações entre exposições e efeitos. Outro fator a ser
considerado é que as pessoas que desempenham atividades em
centros cirúrgicos não estão expostas apenas a resíduos de anes-
tésicos, mas também a outros agentes químicos, físicos e biológi-
cos que podem interferir nos dados avaliados. Outros fatores de
vieses devem ser considerados na análise dos dados, tais como
idade, estado nutricional, história obstétrica, consumo de fumo e
álcool e quantificação da exposição.

Os estudos mais apropriados para análise da exposição a resíduos


de anestésicos na atmosfera de centros cirúrgicos são aqueles
classificados na epidemiologia como quantitativos. Dentre esses,
são os estudos observacionais de pesquisas analíticas dos tipos
caso-controle e de coorte. Os estudos de coorte são menos susce-
tíveis a vieses e possuem grande capacidade para avaliar causali-
dade. Nestes estudos o pesquisador parte do fator de exposição
(causa) para descrever a incidência e analisar associações entre
causas da doença ao acompanhar grupos de indivíduos ao lon-
go do tempo com investigações periódicas que vão agrupando
dados sobre cada indivíduo. Geralmente, é prospectivo e exige
longo período 38.

Considerando que a toxicidade dos anestésicos voláteis se rela-


ciona aos produtos de seu metabolismo ou degradação no ab-
sorvedor de CO2, as pesquisas devem orientar seus estudos na
intensidade e forma de metabolização destes anestésicos. Prepa-
ração de células de dutos coletores de rins humanos expostos ao
fluoreto inorgânico concluiu que a mitocôndria é o alvo de ação
da nefrotoxicidade, responsável pelos distúrbios de sódio e água
observados nesses pacientes. Os anestésicos fluorados moder-
nos são metabolizados por isoformas do citocromo P450 que não
têm presença significativa no rim humano, diferente do metoxi-
fluorano que apresentava defluoração intra-renal significativa. Na
avaliação dos danos renais dos anestésicos voláteis, as pesquisas
demonstram que o tempo durante o qual os rins permanecem
expostos aos níveis altos de fluoreto inorgânico, área sob a curva

384 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


sérica de fluoreto inorgânico, tem importância maior que os picos
de concentração desse íon isoladamente 39.

A avaliação da função tubular renal deve incluir marcadores sen-


síveis e específicos 40.

VI. Contribuição da farmacogenômica


É consenso que a toxicidade é um descritor de resultado adverso
de interação específica entre uma droga e um hospedeiro.

O sequenciamento do DNA colocou em destaque a importância


da farmacogenômica que estuda a influência da variação genética
na resposta a fármacos, correlacionando a expressão do gene ou
polimorfismo à eficácia e/ou aos efeitos adversos de substâncias.

A forma como uma exposição ambiental afeta um indivíduo pode


depender de características individuais, entre as quais fatores ge-
néticos que podem torná-lo mais vulnerável.

Geralmente, existe algum componente genético e ambiental em


cada mecanismo causal.

Em relação à exposição crônica aresíduos de anestésicos inalató-


rios, a possível genotoxicidade continua em discussão. Os estu-
dos publicados envolvem,em sua maioria dificuldades técnicas de
mensuração e vieses até compreensíveis quando se avaliam indi-
víduos cronicamente expostos sem conhecimento do seu perfil
genético anterior à exposição.

O polimorfismo genético altera o efeito dos anestésicos. Um


exemplo que põe em evidência a possibilidade de predisposição
genética aos possíveis efeitos deletérios do N2O é o relato de um
paciente que após quase duas horas de anestesia com N2O 50%
apresentou mielopatia difusa com paresias dos membros superio-
res, paraplegia dos membros inferiores e distúrbios neurológicos
de bexiga. Os sintomas desapareceram com ácido fólico e vitami-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 385


na B12. A análise do DNA mostrou um polimorfismo da isoforma
5,10-metilenotetrahidrofolato redutase 41. Outros problemas tam-
bém ligados a este polimorfismo incluem o câncer de tireoide,
ovários e próstata, malformações congênitas, incidência de sín-
drome de Down, trombose e leucemia.

Assim, além dos fatores ambientais o polimorfismo genético dos


profissionais pode interferir no resultado dos efeitos da exposição
ocupacional a resíduos de anestésicos inalatórios.

386 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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390 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Exposição a agentes químicos
Rogean Rodrigues Nunes
TSA/SBA, mestre e doutor em Anestesiologia, professor de Medicina da
Fachristus, pós-graduado em Engenharia Clínica
Cristiane Gurgel Lopes Farias
Anestesiologista do Hospital Cesar Cals e do Hospital Universitário Walter
Cantídio, chefe do Serviço de Anestesia do Instituto do Câncer/CE

Introdução
A prática da anestesia está intimamente relacionada a exposição
a vários fatores ambientais potencialmente prejudiciais à saúde.
São riscos físicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes e quími-
cos 1. Desses, os últimos ocupam o maior espaço. Felizmente, nos
últimos anos, com avanços tecnológicos, farmacológicos, com
protocolos e diretrizes operacionais, houve uma minimização dos
prejuízos da exposição a agentes nocivos, embora as medidas
para proteção da saúde dos profissionais ainda estejam longe de
ser ideais 2.

Normas regulamentadoras
O Ministério do Trabalho, mediante normas regulamentadoras
(NRs), visa eliminar ou controlar os riscos ocupacionais. São 32
NRs, com destaque para a NR 32, direcionadas para o trabalho ur-
bano, das quais algumas são de relevância para o trabalhador de
saúde 3,4:

••NR 1- Disposições gerais;


••NR 4- Serviços especializados em engenharia de segurança e
medicina do trabalho - Sesmt;
••NR 5- Comissão interna de prevenção de acidentes - Cipa;
••NR 6-Equipamento de proteção individual - EPI;
••NR 7- Programa de controle médico de saúde ocupacional -
PCMSO;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 391


••NR 9 - Programa de prevenção de riscos ambientais;
••NR 15 - Atividades e operações insalubres;
••NR 16 - Atividades e operações perigosas;
••NR 17 - Ergonomia;
••NR 24 - Condições sanitárias e de conforto nos locais de tra-
balho;
••NR 26 - Sinalização de segurança;
••NR 31 - Segurança e saúde em espaços confinados;
••NR 32 - Segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos
de assistência à saúde.

Mapa de risco
Mapa é a representação gráfica do reconhecimento dos riscos
existentes nos locais de trabalho, por meio de círculos de diferen-
tes tamanhos e cores. É um instrumento que pode ajudar a dimi-
nuir a ocorrência de acidentes do trabalho, objetivo que interessa
aos empresários e trabalhadores. O mapa de riscos é feito pela
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), após ouvir
os trabalhadores de todos os setores produtivos, sob a orientação
do Serviço Especializado em Engenharia e Segurança e Medicina
do Trabalho (Sesmt) da empresa, quando houver. É importante
ter uma planta do local, mesmo que um desenho simplificado, es-
quema ou croqui. Os riscos de acidentes de trabalho podem ser
classificados de acordo com o Quadro I.

Neste quadro, que faz parte do anexo IV da Portaria Ministerial no


25, de 29 de dezembro de 1994, há cinco tipos de riscos que cor-
responderão a cinco cores diferentes no mapa 5.

O mapa de riscos tem como objetivos: a) reunir as informações


necessárias para estabelecer o diagnóstico da situação de segu-
rança e saúde do trabalho na empresa e b) possibilitar, durante a
sua elaboração, a troca e divulgação de informações entre os tra-
balhadores, bem como estimular sua participação nas atividades
de prevenção.

392 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Quadro I. Classificação dos principais riscos ocupacionais em gru-
pos, de acordo com a sua natureza e a padronização das cores
correspondentes

A intensidade do risco, de acordo com a percepção dos trabalha-


dores, deve ser representada por tamanhos diferentes de círculos
(Figura 1).

Os círculos podem ser desenhados ou colados. O importante é


que os tamanhos e as cores correspondam aos graus e tipos. Cada
círculo deve ser colocado na parte do mapa que corresponda ao
lugar onde existe o problema. Caso existam, num mesmo ponto

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 393


de uma seção, diversos riscos de um só tipo, por exemplo, riscos
físicos – ruído, vibração e calor –, não é necessário colocar um cír-
culo para cada um desses agentes. Basta um círculo apenas neste
exemplo, com a cor verde, dos riscos físicos, desde que tenham o
mesmo grau de nocividade. Outra situação é a existência de ris-
cos de tipos diferentes num mesmo ponto. Neste caso, divide‐se
o círculo, de acordo com a quantidade de riscos, em duas, três,
quatro e até cinco partes iguais, cada qual com a sua respectiva
cor – como mostra a Figura 2. Este procedimento é chamado de
critério de incidência 6.

Os fatores químicos presentes em um ambiente cirúrgico podem


ser encontrados nas formas sólida, líquida ou gasosa e classifi-
cam-se em 6 poeiras, fumaças, névoas, gases e vapores.

As vias de penetração dos agentes químicos são a cutânea, respi-


ratória ou digestiva. Vários fatores podem influenciar a toxicidade
dos contaminantes ambientais e para avaliar esse potencial tóxico
devem ser considerados 6:
••concentração: quanto maior a concentração, mais rápido e
intensamente seus efeitos nocivos manifestar-se-ão no orga-
nismo;
••índice respiratório: representa a quantidade de ar inalado
pelo profissional em sua jornada de trabalho;

394 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


••sensibilidade individual: o nível de sensibilidade varia entre
os indivíduos;
••toxicidade: é o potencial tóxico da substância no organismo;
••tempo de exposição: período de tempo de contato do orga-
nismo com o agente tóxico.

Após penetrar no organismo, os agentes químicos podem causar


uma variedade de efeitos tóxicos, de instalação imediata (agudos),
ou efeitos a longo prazo (crônicos), dependendo da natureza do
produto químico e da via de exposição. Os efeitos podem, então,
ser classificados da seguinte forma 7:
••irritantes, corrosivos ou ambos: provocam alterações na pele
ou mucosas (cimento, ácidos, bases);
••sensibilizantes: produzem alergias (níquel, cromo);
••asfixiantes: impedem o organismo de obter ou utilizar o oxi-
gênio do ar (monóxido de carbono);
••narcóticos: produzem inconsciência (clorofórmio, éter, ál-
cool);
••neurotóxicos: produzem alterações do sistema nervoso
central (benzeno, solventes em geral);
••carcinógenos: produzem tumores malignos (benzeno, for-
mol);
••mutagênicos: produzem problemas hereditários;
••teratogênicos: levam a malformações no feto.

Anestésicos voláteis
Apesar da inalação de éter dietílico, óxido nitroso e clorofórmio
terem ocorrido a primeira vez em 1840,os riscos da exposição
ocupacional não tinham sido investigados até 1960, quando foi
descrita a relação de exposição a anestésicos com prejuízo à saú-
de, na literatura russa 2. Relatos de efeitos da exposição ambiental
crônica a anestésicos têm incluído levantamentos epidemiológi-
cos, estudos in vitro, pesquisa celular e estudos experimentais. Os
objetivos são definir a potencial influência de resíduos de con-
centrações anestésicas sobre a incidência na população exposta,

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 395


causando: morte, infertilidade, abortamentos, doença hepática,
doença neurológica, doença psicomotora e alterações comporta-
mentais.

Em 1967, relatou-se uma incidência aumentada de abortamentos


entre mulheres anestesiologistas (18 abortamentos espontâneos
em 31 gestações) 2. Outros estudos tentaram evidenciar uma as-
sociação entre abortamentos espontâneos, anormalidades con-
gênitas, partos prematuros e exposição a anestésicos voláteis.
Embora muitos tenham demonstrado a existência dessa relação, a
maioria teve suas conclusões contestadas, por falhas metodológi-
cas e de coleta de dados, bem como por utilização de variáveis de
confusão, como estado nutricional, história obstétrica, ingestão
de bebidas alcoólicas, tabagismo e exposição a metilmetacrilato
e radiação 2.

A American Society of Anesthesiologists (ASA) acredita que não


há evidências conclusivas sobre o assunto, mas, apesar disso, con-
sidera de bom-senso utilizar medidas que limitem a exposição
das profissionais a esses agentes químicos 2.

Exposições a resíduos anestésicos, mesmo por curtos períodos,


podem causar: cefaleia, irritabilidade, náusea, sonolência, fadiga,
dificuldade de coordenação motora e de julgamento, além de
aumentar o risco de doenças hepáticas e renais, segundo o estu-
do de Türkan et al 8. Mesmo que os profissionais de sala tenham
uma exposição a concentrações menores dos anestésicos que os
pacientes, deve-se levar em consideração os longos anos dessa
exposição – e essa condição pode estar relacionada a agravos
maiores na saúde.

O estresse oxidativo é um desequilíbrio entre a produção de espé-


cies reativas de oxigênio e a defesa antioxidante. Agentes anesté-
sicos voláteis parecem ser capazes de aumentar o estresse oxida-
tivo e esse desequilíbrio levar a dano de moléculas celulares como
DNA, lesões de membrana celular e de organelas 8,9. Akbar et al.10
concluíram que a exposição, mesmo a pequenas concentrações

396 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de gases, aumenta a peroxidação lipídica e a quantidade de ra-
dicais livres de oxigênio. A longo prazo, essas alterações levam a
lesões de tecidos e órgãos.

Mas ainda há muitas controvérsias a respeito de efeitos mutagê-


nicos dos gases anestésicos. Dados contraditórios são vistos na
literatura. Vários estudos concluíram não existir evidências de re-
percussões clínicas ou patológicas do uso dos anestésicos inalató-
rios, mesmo quando há exposição a doses máximas toleradas. As-
sim, somente o óxido nitroso seria capaz de teratogenicidade em
animais. Concentrações elevadas (50% a 75%) em ratas grávidas
por períodos de 24 horas, durante o período da organogênese,
e concentrações baixas (0,1%) em ratas durante toda a gravidez,
resultaram em aumentada incidência de anormalidades viscerais
e esqueléticas 11.

Propõe-se que a teratogenicidade do N2O seja devida à inibição


da atividade da metionina sintetase e consequente redução do
tetraidrofolato em embriões em desenvolvimento, o que levaria
a alterações do DNA e anormalidades morfológicas. Mas a teoria
de teratogenicidade do óxido nitroso é complexa e multifatorial.
Apesar de ser considerado um teratogênico fraco em ratos e ca-
mundongos, os efeitos reprodutivos ocorrem somente após ex-
posição prolongada e a altas concentrações, improváveis de ser
encontradas na prática clínica 12.

Em alguns países, organizações governamentais estabelecem li-


mites de segurança para exposição a diferentes anestésicos vo-
láteis, mas algumas situações clínicas são acompanhadas de um
risco maior de exposição a esses agentes, como na indução inala-
tória sob máscara facial, tubos traqueais sem cuffs, sistemas respi-
ratórios pediátricos, uso de analisadores de gases tipo side stream,
uso de máscaras laríngeas, desconexão acidental dos circuitos,
broncoscopia rígida, entre outras.

O National Institute for Occupational Safety and Health (Niosh)


especifica que não é possível definir um nível seguro e preciso de
exposição a resíduos de agentes anestésicos voláteis, recomen-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 397


dando uma redução no contato, na maior medida possível, de-
terminando um limite de 2 ppm (partes por milhão) para agentes
halogenado sem ar ambiente de sala de operações e de 25 ppm
para óxido nitroso. Quando utilizados em combinação, o limite de
halogenados reduz-se para 0,5 ppm.

A máxima concentração de vapor de halotano, por exemplo, reco-


mendado pela Niosh, é muitas vezes menor que a menor concen-
tração de anestésicos que o olfato humano é capaz de identificar,
sendo poucas as pessoas capazes de perceber concentrações de
33 ppm. Portanto, se o odor do anestésico pode ser percebido no
ambiente da sala cirúrgica, é porque sua concentração está muito
acima do nível recomendado. O risco ocupacional se estende a
salas de recuperação pós-anestésica, já que alguns estudos mos-
tram que os pacientes continuam a exalar vestígios de anestési-
cos voláteis por 5 a 8 horas após finalizada a anestesia 2.

De acordo com o American Institute of Architects, as instalações


médicas devem seguir um padrão de projeto e proporcionar tro-
cas do ar do ambiente cirúrgico em média de 15 vezes a cada hora 2.
O ar deve entrar no ambiente pela parte central do teto e sair por
ductos nas paredes laterais, próximo ao chão, para controle do
fluxo de partículas de poeira e contaminantes e, assim, manter o
campo operatório estéril 13.

O Niosh disponibiliza uma série de recomendações para redu-


ção da exposição dos profissionais aos anestésicos voláteis, entre
elas: estabelecimento de um programa de comunicação de riscos,
instalação de adequados sistemas de evacuação e renovação do
ar das salas de operações, instalação de sistemas de sucção dos
resíduos de gases, instalação de sistemas de circulação e renova-
ção do ar nas salas de recuperação pós-anestésicas, manutenção
de forma adequada dos aparelhos de anestesia, circuitos respi-
ratórios, vaporizadores para minimizar os riscos de vazamentos,
treinamento de todos os profissionais para conscientização dos
riscos, prevenção e controle das exposições, desenvolvimento de
programa de monitoramento supervisionado por um profissional

398 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


experiente em cada unidade operacional, manutenção de regis-
tros dos resultados das amostras de ar coletadas pelos últimos 30
anos, manutenção dos registros de exposição dos profissionais
por 30 anos após o termino de seu trabalho, monitoramento das
funções hepáticas e renais dos profissionais das salas de opera-
ções, manutenção de prontuários médicos.

No nosso meio, essas medidas ainda são precariamente aplicadas 14.


Hoerauf et al. 15 publicaram estudo evidenciando diversos níveis
de exposição ocupacional a anestésicos inalatórios (Tabela I).

Tabela I. Níveis de exposição ocupacional recomendados para


vapores anestésicos em vários países, em ppm

*Niosh: National Institute For Occupational Safety and Health


** ACGIH: American conference of governmental and industrial hygienists

Glutaraldeído
É um líquido incolor, de odor forte, que foi muito utilizado no
ambiente hospitalar para a esterilização de materiais sensíveis ao
calor. Uma de suas principais desvantagens é a toxicidade, prin-
cipalmente pelo descuido dos profissionais com a proteção indi-
vidual, motivo pelo qual seu uso tem sido substituído por outras
substâncias químicas. Seus principais efeitos tóxicos se manifes-
tam com 16:

••dor e irritação na garganta;


••asma e sintomas de dificuldade respiratória;
••sangramento nasal;
••ardência ocular e conjuntivite;
••rash-dermatite de contato ou alérgica;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 399


••manchas amarronzadas nas mãos;
••urticária;
••cefaleia e náuseas.

Éter etílico
Também chamado de éter sulfúrico, é um líquido extremamente
volátil, incolor, com odor característico. Tem potencial explosivo. Os
efeitos danosos da intoxicação aguda podem ser a narcose – com
um estado inicial de excitação seguido de torpor. Vômitos, palidez
facial, bradicardia e sialorreia também compõem o quadro. É um
irritante médio das vias aéreas, mas se o líquido for aspirado pode
resultar em pneumonite química. Em contato com a pele, causa de-
sidratação e leve irritação local, podendo levar a um aspecto greta-
do. A exposição crônica a altas concentrações da substância pode
se manifestar por fadiga, náuseas, vômitos, cefaleia 17.

Óxido de etileno
Por suas propriedades bactericidas, esse gás incolor tem sido am-
plamente utilizado para esterilizar materiais médicos que não po-
dem ser submetidos a calor. Tem potencial explosivo e mantém-
se impregnado no material esterilizado, o que significa que este
deve ser subsequentemente ventilado para que sejam removidos
os resíduos da substância tóxica.

Os sintomas da intoxicação podem surgir muitas horas após a ex-


posição. Se ocorrer contato, podem surgir irritação, lesões de pele,
conjuntivite, abrasão da córnea e catarata se houver alta concen-
tração da substância. Contatos repetidos podem levar à sensibi-
lização alérgica e, ainda, náuseas, vômitos, irritação na garganta,
sonolência, cefaleia, fraqueza, convulsões18.

Látex
O látex é um dos produtos ao qual os profissionais de saúde cos-
tumam estar mais expostos em ambiente hospitalar. As proteínas

400 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


do látex natural ou processado constituem os alérgenos causado-
res da maioria das reações aos derivados do látex. Existem duas
causas de reação ao látex: alérgicas ou imunológicas (reações
de hipersensibilidade tipos I e IV) e não alérgicas (irritantes). Na
reação tipo I, o quadro clínico pode variar desde edema localiza-
do até choque e óbito. Na reação do tipo IV, ocorre dermatite de
contato. Na reação ao látex não imunológica, o quadro clínico é
cutâneo pelo contato constante com derivado do látex. As luvas
de látex são consideradas os principais derivados 19.

Além das mucosas, a absorção do látex ocorre pelo trato respira-


tório, veiculado pelo pó das luvas e, até mesmo, pela pele íntegra.

Como medidas preventivas, é importante 20:

••evitar o uso de luvas com pó e produtos com alto conteúdo


antigênico;
••rotular os produtos derivados do látex na sala de operação;
••pesquisar produtos alternativos;
••reafirmar o papel das instituições em dar suporte e aconse-
lhamento para readaptar o profissional.

Fumaça cirúrgica
Muita atenção deve ser direcionada aos aerossóis gerados pelo
uso dos bisturis elétricos, harmônicos e de argônio. O eletrocau-
tério foi popularizado em salas de operação em 1920 pelo neu-
rocirurgião Harvey Cushing. Desde então e com o surgimento de
outros tipos de equipamentos, a inalação de aerossóis (fumaça)
passou a ser parte da rotina de cirurgiões, anestesiologistas e ou-
tros profissionais da sala de operações. O montante e o conteúdo
da fumaça gerada pelos bisturis podem variar, dependendo da
natureza e da patologia do tecido tratado, da técnica cirúrgica, do
tipo de energia e do tempo de aplicação. Além de vírus intactos,
células tumorais viáveis, algumas análises têm encontrado nume-
rosas substâncias químicas tóxicas em quantidades relevantes.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 401


O estudo de Krones et al. 21 evidenciou que tanto as técnicas de
corte como as de coagulação, utilizando diversos tipos de cauté-
rio, foram capazes de produzir fumaça contendo compostos po-
tencialmente prejudiciais à saúde. Altas temperaturas durante o
corte podem gerar maior quantidade de compostos tóxicos, tais
como: acetaldeído, formaldeído, benzeno, monóxido de carbono,
cianeto de hidrogênio e acrilamida. Algumas dessas substâncias,
além de carcinogênicas, podem precipitar doença cardíaca isquê-
mica. O Niosh e a Association of Perioperative Registered Nurses
recomendam o uso de sistemas de sucção para remover, da sala,
a fumaça gerada pelos bisturis, já que as máscaras não conferem
a proteção adequada.

Formol
Solução aquosa de formaldeído, comumente utilizada para preser-
var amostras de tecidos a serem encaminhados para exame his-
topatológico. Sua concentração média durante a exposição é 0,5
ppm. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
publicou uma resolução (RDC 37/2008) que proíbe o uso de pasti-
lhas contendo formol ou paraformaldeído nos processos de desin-
fecção e esterilização de artigos, superfícies e equipamentos.

Devido a sua solubilidade em água, o formol é rapidamente ab-


sorvido no trato respiratório e gastrointestinal, e metabolizado.
Embora ele e seus metabólitos sejam capazes de penetrar a pele
humana, a absorção dérmica é mais leve, porém pode induzir der-
matites de contato. Dependendo da concentração da substância
a que o indivíduo é exposto, os efeitos no organismo podem va-
riar desde irritação nos olhos, nariz e garganta, lacrimejamento,
até edema pulmonar, pneumonia e risco de morte.

A International Agency for Researchon Cancer (Iarc) classificou, a


partir de 2004, o formaldeído como carcinogênico e teratogêni-
co por produzir efeitos na reprodução humana. São associadas à
exposição a essa substância as neoplasias de nasofaringe e leuce-
mias 22.

402 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Metil metacrilato
O metil éster do ácido 2-metilpropenóico (MMA) é um líquido
incolor, inflamável e volátil à temperatura ambiente. É um
monômero amplamente utilizado em odontologia, neurocirurgia
e ortopedia, como “cimento ósseo”. A principal via de exposição
ocupacional é a inalatória. A maior parte dos estudos sobre sua
toxicidade avalia o trato respiratório, mais especificamente a cavi-
dade nasal e os pulmões, por serem esses os órgãos responsáveis
pela depuração inicial da enzima carboxilesterase, que converte
o metil metacrilato em ácido metacrílico, um irritante e corrosivo
químico.

Os achados pulmonares descritos na literatura são enfisema pul-


monar, broncopneumonia, hemorragias, atelectasias, edema e
hiperplasia do epitélio bronquial. Nai GA et al 23, em estudo ex-
perimental, mostraram que existe potencial dano ao organismo
pela inalação crônica dos vapores de MMA. As alterações clínicas
significativas foram enfisema pulmonar e esteatose hepática, de-
tectadas precocemente, com 5 dias de exposição ao agente, si-
nalizando para um importante risco ocupacional e indicando a
necessidade de um adequado sistema de exaustão dos vapores
durante o uso do MMA.

Álcool (60% a 90%)


Os álcoois, em particular o etanol e isopropanol, foram utilizados
por muitos anos como agentes antimicrobianos e como transpor-
tadores para outros antimicrobianos insolúveis em água, como
iodo e fenóis. Agem desnaturando as proteínas, têm mínima toxi-
cidade e podem causar ressecamento da pele 24.

Gluconato de clorexidina (0,5 com álcool; 2%, 4%)


A clorexidina foi aprovada para uso em escovas cirúrgicas em mea-
dos dos anos 1970, e como colutório a 0,12%, no final da década
de 1980. Para as lavagens cirúrgicas, as soluções de clorexidina a

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 403


4% são de ação rápida e altamente eficazes contra microrganis-
mos gran-positivos e têm menos eficácia contra os gran-nega-
tivos. Possui toxicidade por contato direto com ouvidos e olhos
de recém-nascidos. Não causa sintomas respiratórios e é pouco
irritante para a pele, mas esporadicamente algumas pessoas po-
dem apresentar suscetibilidade. Efeitos lesivos vão depender das
concentrações utilizadas e do tempo de exposição 25.

Quimioterápicos
A introdução e manuseio de quimioterápicos na sala de operação,
implantador com o advento da hipec (hyperthermic intraperito-
neal chemotherapy), que por sua vez é realizada subsequente-
mente à cirurgia citorredutora, deve determinar uma mudança de
hábitos dos profissionais envolvidos no procedimento. A cirurgia
citorredutora demanda longos períodos de ressecção peritoneal
e visceral, utilizando eletrocautério de alta voltagem, o que gera
quantidade importante de partículas aerossolizadas no ambien-
te da sala de operações. Além dos efeitos físicos mais comuns, as
partículas ultrafinas e as substâncias tóxicas liberadas estão as-
sociadas a disfunções pulmonares, alterações cardiovasculares e
aumento da mortalidade. Os agentes citotóxicos mais utilizados
nessa técnica são mitomicina-C, cisplatina, doxorrubicina e oxali-
platina, administrados numa forma diluída. Embora a toxicidade
desses agentes esteja bem descrita para doses terapêuticas, efei-
tos de longo prazo e exposição ocupacional repetida de baixas
doses continuam desconhecidos. Por essa razão, todas as medi-
das de proteção devem ser adotadas.

As vias de exposição aos fármacos durante a hipec são, principal-


mente, o contato direto e a inalação – exposição essa mais fre-
quente na técnica aberta (Coliseu). Algumas recomendações para
a proteção profissional são importantes26:

••campo cirúrgico: utilização de campos impermeáveis, des-


cartáveis;

404 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


••sala de operações: portas fechadas, restrição à circulação de
pessoas, campos absorventes no chão para possíveis derrama-
mentos;
••proteção pessoal: avental de punhos longos, descartável, sa-
pato impermeável, proteção ocular, máscara de proteção de
alta potência (FFP3);
••medidas ambientais: ventilação adequada, exaustor de fu-
maça;
••manuseio dos resíduos: contentores à prova de vazamento
rotulados como “agentes citotóxicos”.

Conclusão
A exposição a que são submetidos os anestesiologistas pode re-
sultar em importantes problemas de saúde. Entretanto, a maior vi-
gilância dos órgãos governamentais e maior conscientização dos
profissionais têm resultado em melhores índices relacionados à
exposição profissional a agentes químicos. A metodologia de pre-
venção e eventuais efeitos associadosà exposição profissional a
agentes químicos continuará sendo fundamentalmente baseada
na avaliação externa, haja vista que para a maioria das substân-
cias químicas os conhecimentos de toxicocinética e toxicodinâ-
mica não possuem marcadores biológicos com especificidade e
sensibilidade validadas.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 405


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408 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


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Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 409


Acidentes perfurocortantes: orientação para
o anestesiologista
Oscar César Pires
Doutor em Anestesiologia, mestre em Farmacologia, professor-doutor da
Universidade de Taubaté, diretor do Departamento Científico da SBA

O anestesista está exposto a muitas doenças infecciosas transmi-


tidas pelo sangue, com alto potencial de gravidade, incluindo a
hepatite B, a hepatite C e a síndrome da imunodeficiência adqui-
rida (aids). Acidentes de trabalho no ambiente hospitalar devem
ser tratados como emergência.

Profilaxia
Precauções universais que devem ser adotadas na assistência a
todos os pacientes durante a manipulação de sangue, secreções
e excreções e o contato com mucosas e pele não íntegra (Quadro
1), bem como a utilização de equipamento de proteção individual
– EPI (Quadro 2).

Quadro 1. Precauções universais para a proteção profissional


contra transmissão de infecções
• Lavagem frequente das mãos
• Utilização de equipamento de proteção individual (EPI):
luva - sempre que houver possibilidade de contato com sangue, secreções,
excreções, mucosas ou áreas não íntegras da pele;
máscara, gorro e óculos de proteção - durante a realização de
procedimentos nos quais haja a possibilidade de respingo de fluidos
corpóreos e sangue com as mucosas da boca, do nariz e dos olhos;
avental (capote) - durante procedimentos com a possibilidade de contato
com material biológico;
proteção dos pés - em locais úmidos ou com quantidade significante de
material infectante, como nos centros cirúrgicos.
• Descarte imediato de agulhas contaminadas sem que sejam reencapadas
• Reesterilização de equipamentos e instrumentais de reutilização permitida

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 411


• Transporte de material com sangue em recipiente adequado que não
permita vazamento
• Indicação criteriosa de hemotransfusão
• Vetar o contato de profissionais portadores de dermatite exudativa ou
úmida com pacientes
• Atenção especial às profissionais grávidas

Quadro 2. Precauções básicas para a utilização de EPI


Lavar as Máscara
Procedimento Luvas Avental
mãos e óculos
Exame de paciente sem
contato com sangue,
X
secreções, mucosas ou
áreas não íntegras da pele
Exame de paciente com
contato com sangue,
X X *
secreções, mucosas ou
áreas não íntegras da pele
Coleta de sangue, fezes e
X X
urina para exame

Realização de curativos X X * **

Aplicação parenteral de
X X **
fármacos
Punção ou dissecção
X X X X
venosa profunda
Aspiração das vias aéreas e
X X X X
entubação traqueal
Endoscopias e
X X X X
broncoscopias

Procedimentos dentários X X X X

Procedimentos com o risco


de respingo de sangue e X X X X
secreções
* Uso em curativos de grande porte (grandes feridas cirúrgicas, queimaduras graves e escaras de decúbito).
** Uso quando houver possibilidade de respingo ou para a aplicação de quimioterápicos.

412 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Medidas após acidente com exposição percutânea
Cuidados devem ser imediatamente iniciados, incluindo a lim-
peza local exaustiva, com água e sabão. Soluções antissépticas
degermantes, do tipo PVP-iodo ou clorexidina, podem ser úteis,
embora sem evidências objetivas de superioridade em relação ao
uso de sabão. Na contaminação da conjuntiva ocular, deve-se rea-
lizar o enxágue com solução fisiológica.

Em seguida, deve-se procurar a Comissão de Controle de Infec-


ção Hospitalar (CCIH) para que seja feita uma avaliação do estado
vacinal do paciente fonte e do profissional exposto, segundo nor-
mas estabelecidas (Quadros 3 e 4).

Quadro 3. Conduta sorológica para o paciente fonte


• Anti-HIV (teste rápido)
• Anti-HVC e HbsAg (dispensado quando o profissional ferido apresenta
anti-HBs positivo)

Quadro 4. Conduta sorológica adotada para o profissional


• Anti-HIV I, II (Elisa) e anti-HCV
• HbsAg (para profissional não vacinado ou que tenha esquema vacinal
incompleto, ou seja, < 3 doses)
• Anti-HBs (para profissional que tenha recebido esquema vacinal
completo, porém não tenha imunização comprovada ou tenha
apresentado anti-HBs negativo)

Nos acidentes graves, deve-se iniciar a profilaxia e, posteriormen-


te, reavaliar a manutenção ou mudança de tratamento. Caso, no
teste rápido, a sorologia do paciente seja positiva para HIV, o pro-
fissional deve receber os fármacos e iniciar a quimioprofilaxia para
um período de três dias, após o qual deverá retornar à CCIH para
acompanhamento.

Um resultado negativo do teste rápido no paciente fonte evita o


início da quimioprofilaxia para o profissional de saúde, mas não é
definitivo para excluir o diagnóstico de infecção no paciente.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 413


Em acidente com material infectado pelo HIV ou com paciente
fonte desconhecido, o profissional exposto deverá receber acom-
panhamento por seis meses. Já se ocorreu exposição a paciente
fonte anti-HIV negativo, o acompanhamento do profissional aci-
dentado será indicado se o paciente fonte tiver sido exposto ao
HIV nos últimos três a seis meses, pelo raro, mas possível, risco de
conversão recente (janela imunológica).

Embora seja de se esperar que todo profissional de saúde seja va-


cinado contra a hepatite B, caso não a tenha recebido, diante de
exposição ocupacional, recomendações para profilaxia estão bem
estabelecidas. Não obstante, em relação à hepatite C não há me-
dida específica eficaz para reduzir o risco de infecção após expo-
sição ocupacional, sendo a prevenção da ocorrência da exposição
percutânea ou de mucosa a sangue ou outro material biológico
contaminado por sangue a única medida pertinente que deve ser
adotada por todos os profissionais de saúde para reduzir os riscos
de infecção em ambiente ocupacional.

414 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Parte 4
Aspectos interdisciplinares na
saúde ocupacional
Dependência química entre
anestesiologistas
Hamer Nastasy Palhares Alves
Médico psiquiatra, doutor em Ciências pela Unifesp,
pesquisador da Uniad/Unifesp
Luiz Antônio Nogueira-Martins
Livre docente, professor associado aposentado do Departamento
de Psiquiatria da Unifesp
Daniel Sócrates
Médico psiquiatra, doutorando do Departamento de Psiquiatria
da Unifesp. Pesquisador da Uniad/Unifesp
Ronaldo Laranjeira
Professor titular de Psiquiatria da Unifesp, coordenador da Unidade
de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad-Inpad/Unifesp)

Introdução
Por que é importante que todo médico conheça a síndrome de
dependência?

Médicos adoecem tão frequentemente quanto a população ge-


ral 1. No entanto, os problemas de saúde mental e dependências,
ainda que sejam os que mais frequentemente levam a problemas
trabalhistas e aposentadoria precoce, não são facilmente reco-
nhecidos.

Tal adoecimento gera, além de incontável sofrimento emocional


para o paciente-médico e sua família, perda de qualidade no
trabalho e possíveis consequências para os pacientes.

A dependência química, assim, constitui-se, por excelência, num


transtorno de natureza bio (envolvendo genética e temperamento)
psico (comorbidades psiquiátricas, expectativas, mecanismos
de enfrentamento) social (ambiente familiar, pressão dos pares,
disponibilidade da droga).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 417


Os dados da literatura sobre a dependência entre médicos apon-
tam algo próximo à epidemiologia da população geral, mas com
maior prevalência de drogas cujo acesso é facilitado pela profis-
são (tais como benzodiazepínicos e opioides) 2, 3.

O diagnóstico de dependência
É importante que os profissionais saibam fazer o diagnóstico
correto dos problemas relacionados ao consumo de substâncias.
A literatura médica cita como um dever ético o cuidado com a
saúde dos colegas. Assim, cabe a cada médico alertar os seus co-
legas logo que perceba mudanças comportamentais que sugiram
problemas de saúde mental, dependências ou a necessidade de
uma consulta especializada.

A dependência é um quadro de instalação insidiosa, na maioria


das vezes. A partir do início de consumo de uma droga, pode ha-
ver uma progressão no consumo, quando, então, a pessoa atinge
uma fase de uso nocivo. Nesta fase, os sintomas de dependência
ainda não estão instalados, mas ocorre uma transição do padrão
de consumo experimental para um padrão mais intenso. O consu-
mo já traz consequências biopsicológicas, sem que, no entanto,
sintomas de tolerância, abstinência ou outros elementos da de-
pendência estejam presentes.

O conceito de dependência, conforme hoje entendido, foi formu-


lado há mais de três décadas 4 e permanece praticamente inalte-
rado nas diversas classificações internacionais, conforme exempli-
ficado pelos critérios da CID 10 (2008), a seguir.

O diagnóstico de síndrome de dependência de substâncias deve


ser considerado somente se três ou mais requisitos estão presen-
tes durante o último ano:

a) forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;


b) dificuldade em controlar o comportamento de consumir a
substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo;

418 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


c) um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substân-
cia cessou ou foi reduzido, como evidenciado por síndrome de
abstinência característica para a substância ou o uso da mesma
substância (ou de uma substância intimamente relacionada) com
a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência;
d) evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da
substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos origi-
nalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros são
encontrados em indivíduos dependentes de álcool e opiáceos, que
podem tomar doses diárias suficientes para matar ou incapacitar
usuários não tolerantes);
e) abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em
favor de uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de
tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se re-
cuperar de seus efeitos;
f) persistência do uso da substância, a despeito de evidência clara
de consequências manifestamente nocivas. Deve-se fazer esforços
para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia espe-
rar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano.
O circuito dopaminérgico mesolímbico-cortical é hipotetizado
como a via primária na aquisição, manutenção e reinstalação de
comportamentos de busca de substâncias e coordena o reforço
comportamental, isto é, o aumento da probabilidade de que uma
ação venha a se repetir no futuro 5, sendo via central na fisiopato-
logia das dependências e comportamentos compulsivos. Neuro-
adaptações nestes sistemas acabam por favorecer a perpetuação
do consumo em indivíduos dependentes.

Apesar das crescentes evidências dos mecanismos patológicos


envolvidos no comportamento repetitivo que caracteriza a de-
pendência, ainda prevalece grande estigma com relação a quem
usa álcool e drogas, o que pode dificultar a busca por atendimen-
to. Ademais, o próprio portador de uma dependência ou transtor-
no mental acaba por se estigmatizar por isto 6.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 419


Além do forte estigma, há uma conspiração de silêncio em tor-
no do tema da dependência de álcool e drogas entre médicos.
Ninguém quer tocar neste assunto, com receio de prejudicar o
profissional afetado pela patologia. O que revela que tal fato é
algo bem mais complexo do que mecanismos psicológicos indi-
viduais de negação do problema 7. Tal postura apenas retarda a
busca por um tratamento afetivo e empático. Um dos critérios da
dependência de álcool e drogas é que o uso é continuado apesar
da consciência de problemas. Portanto, uma postura não inter-
vencionista apenas vai manter ou agravar o padrão de consumo.
Sugere-se, no entanto, que para ser efetiva, a intervenção seja te-
rapêutica e não punitiva 7.

O problema da dependência química entre anestesiolo-


gistas
Enquanto elementos como a toxicidade de gases anestésicos,
exposição a sangue e ferimentos, exposição à radiação ionizan-
te, alergia à látex são riscos profissionais bem estabelecidos para
anestesiologistas, um estudo francês identificou dois novos riscos
que têm sido recente e progressivamente mais reconhecidos: a
síndrome de burnout e a dependência de drogas 8.

Há um consenso na literatura internacional quanto ao fato de que


os anestesistas estejam hiper-representados nas amostras de mé-
dicos que buscam tratamento para dependências 9-14. A depen-
dência de drogas tem sido descrita como o principal problema
relacionado à segurança e saúde do anestesiologista 15.

Há estudos que reportam um menor consumo de substâncias ilí-


citas, como maconha e cocaína, entre anestesistas 16. Mas o álcool,
ainda que não seja o problema que mais chama a atenção nesta
classe profissional, é a droga mais consumida 2, 17.

A experimentação pode se dar especialmente por tentativa de au-


tomedicação de:

420 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


1. “insônia” (muitas vezes, má higiene ou privação de sono ou “ne-
cessidade de dormir”, isto é, altera o desempenho);
2. continuum: burnout, ansiedade, depressão;
3. dor (enxaqueca, dores nas costas, tensão muscular), certamente
de intensidade menor do que justificaria o uso de medicamentos
injetáveis.

Outra hipótese é a “curiosidade”, uma vez que mecanismos se-


melhantes aos da população geral também podem ocorrer entre
profissionais de saúde, mormente entre os que iniciam o consu-
mo durante a adolescência. Outros mecanismos citados na lite-
ratura incluem 18-20:

••possível exposição ambiental à droga (suficiente para gerar


sensibilização de receptores, como ocorre para o tabagismo
passivo) 21,22;
••observar o efeito e a descrição, pelos pacientes, do efeito da
droga;
••sensação de que “eu sei o que estou fazendo”, conhecimen-
to técnico do manejo das dosagens e da aplicação precisa das
medicações injetáveis;
••perda do tabu em relação a sangue, seringas e injeções.

A natureza estressante da profissão tem sido considerada como


um fator de risco. Entre anestesistas, os índices de burnout che-
gam a 40% dos entrevistados, com taxas mais elevadas entre resi-
dentes jovens 23.

Exposição ambiental a drogas volatilizadas


O problema da exposição ambiental a substâncias volatilizadas
no centro cirúrgico é uma preocupação que surge na literatura
médica há quarenta anos 24,25.

Fentanil e sulfentanil são drogas altamente potentes, da ordem


de 80 a 800 vezes mais fortes que a morfina 26. A exposição a par-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 421


tículas aerossolubilizadas de drogas anestésicas como propofol
e fentanil tem sido teorizada como um dos fatores de risco para
a dependência desta classe de substância. Um estudo observou
que há pequenas concentrações destas substâncias no ar do cen-
tro cirúrgico e, em especial, no ar exalado pelo paciente, ou seja,
próximo à área onde o anestesista trabalha por horas seguidas ao
longo dos anos. Tal hipótese poderia ser um dos componentes da
explicação do alto índice de experimentação e dependência entre
anestesistas 26,27, mesmo quando comparados a outras especiali-
dades que têm acesso facilitado a opioides, como os oncologistas,
bem como alertar para um maior risco de recaída, pelo fenômeno
de sensibilização neurobiológica 21.

Anestesistas utilizam diversas drogas, e não só opioides, apesar da


literatura médica revelar que se um anestesiologista procura aten-
dimento em serviço especializado em dependências, as chances
de dependência de fentanila são por volta de 70%. Na sequência,
as drogas mais utilizadas pelos anestesistas são opioides, benzo-
diazepínicos, drogas ilícitas, propofol e ketamina 28.

Estudo que comparou a mortalidade de anestesiologistas e inter-


nistas americanos entre 1979 e 1995 observou risco relativo de
aproximadamente duas vezes para morte por suicídio e quase três
vezes maior para morte relacionada a drogas. Ademais, mortes
relacionadas à hepatite C e HIV também foram significativamen-
te maiores entre os anestesiologistas 29. Finalmente, a diferença é
maior nos primeiros cinco anos após a formação, corroborando
outros achados da maior vulnerabilidade deste período.

O problema do suicídio entre anestesiologistas tem sido reportado


como de alta prevalência quando comparado a médicos de outras
especialidades 30. Tal perfil de mortalidade remonta à questão da
saúde ocupacional do anestesista, bem como à maior prevalência
de dependência de drogas nesta população. Este ponto começou a
ganhar atenção na literatura médica há quarenta anos 31.

Desde então, o interesse na saúde mental do anestesista, especial-


mente no que concerne às dependências e suicídio, tem aumen-

422 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


tado. Estudo britânico avaliou 304 departamentos de anestesiolo-
gia e notou que problemas com álcool e drogas são frequentes e
que os colegas,na maioria das vezes, não se sentem confortáveis
ou aptos a lidar com estas situações 13.

Residência médica em anestesiologia e saúde mental


A residência médica é considerada um dos mais aprimorados sis-
temas educacionais de capacitação profissional. Seu surgimento
ocorreu nos Estados Unidos da América em 1889, sendo adotada
na maioria das escolas médicas mundiais como o padrão-ouro
de treinamento. No Brasil, foi implantada em 1944-45. Simulta-
neamente, é um período muito estressante da formação médica.
Contam para a dificuldade desta fase diversos dos seguintes fato-
res (geralmente agindo em sinergia) 32:

••duplicidade de funções (aluno/profissional);


••carga horária elevada e privação de sono;
••carências e limitações institucionais;
••situações novas;
••violência psicológica;
••discriminação/assédio sexual;
••medo de cometer erros;
••lidar com pacientes com quadros clínicos graves, queixosos,
não aderentes ao tratamento.

Desta forma, o período de residência médica tem sido frequen-


temente associado a sentimentos de tristeza, ideias suicidas, rai-
va, retraimento emocional, consumo excessivo de álcool e outras
drogas, desenvolvimento de um irônico humor negro e cinismo.
Este é um período em que a qualidade de vida é significativamen-
te impactada, sendo que o primeiro ano de residência é mais es-
tressante que o segundo – o qual, por sua vez, é mais estressante
que o terceiro 33.

Há divergência na opinião de residentes e diretores dos progra-


mas sobre a redução da carga horária. Mas ambos concordam que

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 423


a qualidade de vida dos profissionais melhorou com a redução da
carga horária 34-36. Contudo, não fica claro se houve melhoras na
segurança dos pacientes e na qualidade da formação dos profis-
sionais.

A dependência de drogas entre anestesistas, indica a literatura,


ocorre a partir dos anos de residência. Em 1997, foram acompa-
nhados 133 programas de residência, com 93% de taxa de respos-
ta e prevalência de 1,6% de dependência entre residentes e 1,0%
entre os médicos contratados 37.

A cada ano, 0,7% dos residentes irá desenvolver dependência


química. No período de três anos do programa de residência, a
prevalência de uso de opioides tem sido estimada entre 1,3% 38
e 2,1% 39.

Em contrapartida, a percepção da maioria dos residentes de anes-


tesia é a de que recebem poucas informações sobre álcool e dro-
gas, de que os controles sobre as medicações do centro cirúrgico
são falhos e de que os próprios supervisores também consomem
essas substâncias de um modo que lhes confere maus exemplos 12.
Um estudo australiano revelou, de forma semelhante, que apenas
7% dos residentes recebiam algum treinamento sobre o risco de
dependência de substâncias de uso controlado 38.

O que acontece com o anestesista dependente químico?


Estudos de prognóstico
O primeiro estudo americano reportando o que aconteceu com
anestesistas dependentes químicos observou que, dos 134 casos
notificados entre 1970 e 1980, incluindo residentes e instrutores,
as drogas mais abusadas foram fentanila e meperidina. O número
de profissionais falecidos em decorrência de overdose foi de 30
casos e 71 conseguiram retornar à profissão 40. Este estudo levan-
tou a questão sobre o grande risco de retomada da prática em
centro cirúrgico. No entanto, as críticas recebidas se embasam

424 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


no fato de ter sido feito de modo retrospectivo, o que pode ter
alavancado o viés de memória, fazendo com que casos com pior
evolução tivessem maiores chances de ser notificados.

Um estudo que avaliou os primeiros mil casos encaminhados para


o serviço de atenção à saúde dos médicos na Georgia, observou
que esses profissionais são uma população de risco para a depen-
dência química, dentre os quais os anestesistas estão claramente
hiper-representados 10. Ademais, comparados aos demais médi-
cos, anestesiologistas tinham maiores chances de abusarem mais
de drogas que de álcool, de usarem opioides e de utilizarem a via
endovenosa como forma principal de administração 11. Os autores
chamam a atenção para a necessidade de maior educação sobre o
assunto, bem como sobre detecção precoce e tratamento visando
a reabilitação.

Outro estudo sobre a evolução de anestesistas dependentes de


drogas analisou dados de 180 médicos residentes, dos quais 26
morreramem consequência de overdose 41. Dos 180 médicos, 113
foram autorizados a tentar retomar o treinamento de anestesio-
logia. No grupo dos que usavam opioides (79 casos), o índice de
sucesso foi de 34% (27 casos). Houve 14 mortes por suicídio ou
overdose entre os residentes autorizados ao processo de reentra-
da na profissão (17%). Entre os médicos que abusavam de outras
drogas (não opioides), o índice de sucesso na retomada da profis-
são foi de 70% (16 de 23 casos). Os autores sugerem que o melhor
caminho para um anestesista que tenha enfrentado um problema
de dependência de opioides seja a reabilitação, seguida de realo-
cação para outra especialidade médica.

Baseados em estudos que reportaram um prognóstico ruim na


tentativa de retomada da anestesia como área de atuação por
residentes que abusavam de opioides, um artigo sugeriu, como
conduta padrão, a ideia “One strike, you’re out” 14, ou seja, “usou
drogas injetáveis uma vez, você está fora da anestesiologia”. Este
trabalho gerou grande debate na sociedade americana de anes-
tesiologia, vez que outros estudos reportaram melhores prognós-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 425


ticos quanto à reentrada. Outra revisão de literatura dá suporte
à ideia de que, após um curso de dependência, mesmo após o
tratamento para a dependência, o melhor é não retomar a profis-
são de anestesista 42. Contudo, tais autores relatam que alguns es-
tudos menores observaram melhores prognósticos, geralmente
às custas de programas de monitoramento mais sistemáticos – e
possivelmente utilizando-se de antagonista opioide de depósito
(naltrexone).

A literatura revela que os anestesistas que continuam exercendo a


anestesiologia têm um risco de recaída aumentado quando com-
parados aos que mudaram de especialidade 43. Segundo análise
de amostra com 292 médicos de um serviço especializado em
Washington, após o tratamento inicial bem-sucedido para desin-
toxicação os seguintes fatores relacionaram-se com risco eleva-
do de recaídas: história familiar de dependências (quase triplica
o risco de recaídas), comorbidade psiquiátrica e dependência de
opioides (apenas na presença de comorbidade psiquiátrica – risco
quase seis vezes maior de recaídas). Na presença dos três fatores,
o risco de recaídas é quase 14 vezes maior 43.

Deste modo, sugere-se que a decisão acerca da reentrada no exer-


cício da anestesiologia deva ser feita caso a caso, considerando-se
variáveis locais quanto à capacidade de o serviço absorver o mé-
dico em um programa de reentrada, presença de história familiar
e comorbidades psiquiátricas, bem como aquiescência com um
programa de atenção especializado, com monitoramento conti-
nuado 42.

Um estudo observou melhores resultados quanto à possibilidade


de recuperação de anestesistas e mesmo de retorno profissional
com maior segurança que os anteriores 44.

Dos 16 programas americanos para tratamento de médicos


dependentes de álcool e drogas, observou-se que anestesistas,
quando engajados no tratamento e altamente monitorados,
tinham índices semelhantes de sucesso na retomada do trabalho,
contradizendo as publicações anteriores, mesmo quando a droga

426 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de abuso era da classe dos opioides 45. Não houve diferença em
termos de recaídas, mortalidade ou problemas profissionais
quando comparados a médicos de outras especialidades.

O debate acerca da reentrada do anestesista que teve problemas


com opioides e outras drogas injetáveis continua altamente con-
troverso, especialmente por dificuldades quanto ao seguimento
dos casos identificados e ao grande índice de mudanças geográ-
ficas 46,47.

Como lidar com o colega com problemas com o uso de drogas


Muitos médicos se deparam com situações onde há um grau ro-
busto de suspeição quanto ao comportamento de uso de subs-
tâncias por um colega médico.

Apesar de não haver sinais patognomônicos, algumas alterações


podem ser sugestivas de problemas com drogas, especialmente
quando diversas destas coexistem, tais como alterações compor-
tamentais súbitas e imprevisíveis, recusa de intervalos para lan-
che e refeições, desejo de trabalhar isoladamente, voluntariedade
para trabalho extra, quebra frequente de ampolas de anestésicos,
idas frequentes ao banheiro ou repouso médico 48. Outros estu-
dos sugerem a análise da média de drogas utilizadas, por meio
de programas estatísticos sensíveis a mudanças no padrão de
prescrição, como formas úteis de detecção de possíveis sujeitos
abusadores 49,50.

Ademais, no caso da dependência de opioides ou de outras dro-


gas de centro cirúrgico, pode ocorrer, inclusive, de o médico en-
fermo buscar trabalhar mais para ficar próximo da fonte de con-
secução da substância. Isto, associado ao fato dos frequentes
multiempregos, pouco contato com a família e da posição geral-
mente autônoma do médico, costumam dificultar o diagnóstico
de um quadro de dependência.

Daí a necessidade de uma abordagem ao mesmo tempo firme e


compassiva. É imprescindível que se conheçam as leis trabalhis-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 427


tas e as vias de encaminhamento para o tratamento, que diferem
em muito de país a país e de região a região. Independentemente
de diferenças nas leis, alguns ingredientes de uma abordagem de
caso envolvem:

••mostrar interesse em ouvir a problemática que o paciente-


médico tem a expressar;
••evitar o confronto, buscando motivar para uma avaliação es-
pecializada;
••indicar profissional treinado para o atendimento de depen-
dências;
••procurar garantir que, uma vez em tratamento, o emprego e
a remuneração serão preservados, bem como o anonimato. Se
o médico não conseguir retornar ao trabalho como anestesis-
ta, o ideal é que o serviço o auxilie na transição para outra área
de atuação dentro da medicina;
••solicitar ao médico responsável pelo tratamento que enca-
minhe relatórios frequentes quanto à manutenção e aderência
ao tratamento;
••a depender das variáveis locais quanto ao sigilo e ao envol-
vimento ou não dos órgãos reguladores do exercício profissio-
nal, amostras de fio de cabelo negativas são requeridas para
o retorno à atividade em centro cirúrgico. Esta parece ser a
forma mais confiável de observar a cessação ou não do uso de
substâncias.

Provavelmente, a droga que traz mais problemas para os anes-


tesiologistas é o álcool – apesar de não ser a que mais os leva a
buscar atendimento.

Um dos paradoxos da prevenção da dependência entre aneste-


siologistas é que a maioria dos casos atendidos não tem um “perfil
de dependente”. Muitos têm comportamento do tipo A, são com-
petitivos, prestativos, muito dedicados ao trabalho e, frequente-
mente, sem sinais psicopatológicos evidentes. Assim, estratégias
que tenham como foco todos os anestesiologistas (prevenção
universal) podem fazer mais sentido e obterem melhores resulta-

428 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


dos que estratégias de prevenção seletiva, apenas dirigidas para
grupos com maiores vulnerabilidades.

Assim, sugere-se que os programas dirigidos à saúde do aneste-


siologista tenham amplo leque de ação e não apenas o enfoque
na dependência de substâncias – o que poderia, inclusive, macu-
lar a estratégia de divulgação do serviço. Programas voltados à
qualidade de vida e saúde do médico podem ser mais bem-vindos
e sofrer menos resistência à sua implementação e manutenção.

O que funciona e como deve ser o tratamento


Apesar de ser uma patologia crônica, há uma tendência por parte
da maioria dos médicos de perceber a dependência como uma
condição aguda – como uma fratura ou uma pneumonia pneu-
mocócica –, de modo que o tratamento é pensado conforme tal
entendimento, geralmente considerando a desintoxicação como
o tratamento ideal. A recaída é vista mais como uma falha do tra-
tamento do que como uma circunstância inerente à própria pa-
tologia 51.

Mudanças nas vias cerebrais de neurotransmissão permanecem


por longos períodos após a cessação do consumo de droga e tor-
nam a se manifestar de modo rápido após a retomada do con-
sumo (reinstalação da síndrome de dependência), o que leva ao
fenômeno de recaída.

Não há consenso internacional sobre como deva ser o tratamento


do anestesista dependente químico. Ainda assim, algumas estra-
tégias têm sido formuladas na literatura sobre o assunto.

Inicialmente, é importante que os empregadores tenham um pro-


cedimento bem definido e compassivo quanto a como lidar com
um colega que desenvolva problemas relacionados às drogas.
Também é claro que o tratamento deva ser feito por pessoal com
experiência para lidar com médicos dependentes químicos 52.

Não se faz necessário que o médico seja suspenso de seu traba-


lho, desde que esteja em tratamento – ainda que um afastamen-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 429


to inicial, nos casos de dependência de drogas como propofol e
opioides, seja imprescindível.

Um programa de monitoramento prolongado sugeriu que o tem-


po de afastamento inicial para um residente que tenha depen-
dência de opioides deva ser de, no mínimo, doze meses, para que
o médico se concentre na sua recuperação 53. Após este perío-
do, deve ser estabelecido um retorno gradual à prática, a come-
çar por atividades com menor exposição a drogas, com alto grau
de monitoramento. A abordagem das frequentes comorbidades
psiquiátricas é essencial 54, haja vista que constituem significativo
fator de risco para recaídas 43.

O importante guia “Princípios do tratamento efetivo da depen-


dência”, produzido pelo National Institute on Drug Abuse (Nida),
elenca as ferramentas úteis e cientificamente comprovadas no
manejo clínico. Estudos de meta-análise têm dado suporte à vali-
dade destes princípios 55. Dentre estas ferramentas, é importante
citar que o tratamento costuma ser longo, sendo que internações
podem se fazer necessárias, além da utilidade de abordagens em
grupo, psicoterapia e farmacoterapia. O tratamento da comorbi-
dade psiquiátrica, frequente nesta clientela (em torno de 50%),
também é imprescindível.

Manejo da abstinência
Ainda que seja condição de grande sofrimento físico e mental, ra-
ramente é uma situação de risco para a vida. Em casos nos quais
se faça necessário o uso de opioides de substituição, a droga que
encontra mais respaldo na literatura médica é a metadona. A dose
de metadona inicial varia de 20 mg a 120 mg por dia; no entanto,
na maioria das vezes, fica entre 30 mg e 60 mg por dia.

O médico assistente deve fornecer um contato rápido por celular


para lidar com as dificuldades apresentadas pelo paciente-médi-
co e seus familiares.

O anestesiologista deve ser afastado de seu trabalho e de qual-


quer outra atividade médica por um período inicial.

430 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Não é necessária a internação, desde que o anestesiologista esteja
aderente ao tratamento e não apresente comorbidades psiquiá-
tricas graves que indiquem o contrário. Lembrar que a internação,
além de estigmatizante, costuma ser custosa e gera sensação de
que “agora o problema está resolvido”.

A família deve monitorar a tomada da medicação e contribuir para


a aderência às diversas modalidades de tratamento propostas. In-
tegrar a família ao tratamento tem se demonstrado peça-chave
na manutenção do tratamento ao longo dos anos.

A manutenção da metadona deve ser restrita ao período de tran-


sição para a abstinência. Após um período de pelo menos duas
semanas sem seu uso, recomenda-se instituir o e antagonista
opioide (naltrexone).

Estratégias de prevenção de recaídas: uso do naltrexone


O naltrexone, antagonista opioide, tem sido utilizado para redu-
zir a incidência de recaídas e para auxiliar na “extinção comporta-
mental” do abuso de opioides. Há boa experiência internacional
no uso de naltrexone em decorrência do tratamento de alcoolis-
tas e este tem se revelado uma medicação segura e com baixo
perfil de efeitos colaterais 56.

Um estudo comparou 11 anestesistas que buscaram tratamento


por dependência de opioides e tomaram naltrexone de forma su-
pervisionada com outros 11 anestesistas que não tomaram a me-
dicação. No primeiro grupo, apenas um caso apresentou recaída,
ao passo que no segundo, 7 recaíram e somente um conseguiu
retomar a profissão. Nove dos onze médicos que tomaram nal-
trexone tiveram sucesso em seu retorno à anestesiologia 57.

Entretanto, alguns cuidados devem ser considerados:


••não deve ser administrado nos primeiros dias de abstinência
(ou nas primeiras duas semanas de retirada da metadona, no
caso de transição de fármacos), pelo risco de “supersíndrome
de abstinência”;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 431


••o paciente deve assinar um termo de consentimento no uso
da medicação, uma vez que a parada do medicamento, segui-
da de recaída no uso de opioides, aumenta em muito o risco de
overdose, por vezes fatal, por um processo de hipersensibiliza-
ção de receptores;
••a família deve estar orientada e auxiliar o paciente a tomar a
medicação. Idealmente, deve manter o medicamento e admi-
nistrá-lo de forma supervisionada. Alternativamente, a toma-
da da medicação poderá ser feita no próprio ambiente de tra-
balho, quando da chegada ao serviço. Pode ser administrada
em duas tomadas semanais, após um período de adaptação
– por exemplo, três comprimidos duas vezes por semana.

A literatura tem mostrado bons resultados, superiores ao naltrexo-


ne via oral, com o naltrexone de depósito, tomado uma única vez
ao mês 58-60, ainda que esta estratégia não tenha sido documen-
tada para médicos dependentes de opioides. A grande diferença
relaciona-se com a aderência maior a esta forma de administração
(uma decisão por mês versus 30 decisões por mês).

Retorno ao exercício da anestesiologia


Não há consenso sobre como deve ser o processo de reentrada
dos anestesistas autorizados a reassumir a atividade em centro
cirúrgico. Recomenda-se que haja colaboração de todas as par-
tes envolvidas (chefes de serviço, familiares, paciente-médico e
profissionais assistentes – psiquiatra e equipe clínica). O médico
deve assinar um termo de consentimento esclarecido, fornecer
amostras de fio de cabelo, evitar trabalho noturno, aos finais de
semana e excesso de trabalho. Por fim, sugere-se um período de
pelo menos um ano afastado do centro cirúrgico, para melhor
considerar a escolha profissional 54.

Muitas pistas ambientais para a recaída em populações de centro


cirúrgico (e não só anestesiologistas) ainda não são bem descri-
tas e envolvem, provavelmente, estímulos olfatórios (compressas
com álcool, fumaça do eletrocautério), ambientais (do próprio

432 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


centro cirúrgico) e interpessoais 61. Tais elementos contribuiriam
com maiores índices de recaída entre anestesiologistas, vez que
no retorno ao trabalho os médicos não teriam como evitar essas
pistas ambientais.

Bons resultados foram obtidos por meio de mudança de especia-


lidade. Esse tipo de procedimento deve contar, no entanto, com a
colaboração do médico. É fundamental que conte, adicionalmen-
te, com amparo legal, auxílio financeiro ao médico durante o pro-
cesso (o que muitas vezes pode requerer novo treinamento para
exercer outra área da prática médica) e suporte da família.

Sobre os serviços de tratamento para médicos


Os serviços para tratamentos especializados em médicos apresen-
tam nuances que decorrem de diversas realidades de financiamen-
to, culturais e legais. De modo geral, preconiza-se que o acolhimen-
to seja feito o mais breve possível e que tenham uma característica
de confidencialidade e sigilo, funcionando de modo independente
das instâncias regulatórias do exercício profissional.

Um ponto-chave é fornecer orientação a familiares e a colegas do


paciente-médico. Procura-se trabalhar com os colegas no sentido
de conscientizá-los de que o médico está necessitando de ajuda e
de que lhe deve ser garantida a segurança econômica caso preci-
se se afastar para tratamento. Tal elemento – garantir o trabalho e/
ou remuneração àqueles colegas que se comprometerem ao trata-
mento – é essencial, pois o contrário pode afugentar casos futuros
a procurar tratamento ou deixar os colegas pouco à vontade ao re-
comendar que um anestesiologista com problemas busque ajuda.

A publicidade dos serviços de atenção especializados deve ser feita


apenas entre os médicos, evitando, assim, alarmismo na população
geral e, por conseguinte, a desaprovação da própria classe médica.

Sugere-se a manutenção de um foco amplo e multiprofissional.


Com isto, depreende-se que o cuidado deva visar não apenas a

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 433


dependência de drogas injetáveis, mas de problemas de saúde
mental e de saúde ocupacional. É possível que a experimentação
de uma droga anestésica seja prevenida se outras formas iniciais
de sofrimento psíquico forem detectadas 62.

Os serviços de apoio a médicos devem ser bem divulgados e


contar com o apoio dos órgãos regulatórios da profissão, e trei-
namento específico para lidar com as peculiaridades da depen-
dência química, especialmente com o manejo no caso de uso de
substâncias injetáveis, além de conhecimento em relação à de-
pendência química. Uma estratégia que pode ser adotada para
a facilitação do acesso é a definição de uma hotline que possa ser
acessada por telefone.

Exames de rastreamento
Exames de fio de cabelo têm sido reportados como mais válidos,
pois são mais difíceis de sofrerem adulteração e também por con-
templarem uma janela temporal mais ampla 48. Amostras de saliva
ainda carecem de validação 63. Em dependentes de opioides (po-
pulação geral não médica) o monitoramento, tanto da evolução
comportamental quanto dos exames aleatórios de rastreamento,
relaciona-se com um melhor prognóstico 64.

Grupos de mútua ajuda


Grupos de mútua ajuda têm sido enfatizados como importante
estratégia para lidar com a dependência entre médicos. Em diver-
sos países, há grupos específicos apenas para médicos ou para
médicos e profissionais de saúde. Tais grupos funcionam de for-
ma autônoma em relação aos serviços de atendimento a médicos.

Prevenção
A literatura sugere que formas eficientes de abordagem envolvam
prevenção por meio da melhoria das condições de trabalho, me-

434 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


lhor reconhecimento destas patologias pelos próprios médicos e
detecção precoce 8.

Ainda não é estabelecido o que realmente funciona para prevenir


o consumo de álcool e drogas entre anestesistas. Sugere-se que
uma estratégia importante seja a de mudar a cultura de autome-
dicação, haja vista que esse elemento pode ser um fator de risco
para a dependência de drogas 3. Idealmente, cada médico deve
ter o seu médico de confiança.

O melhor controle da dispensação de fármacos e melhor monito-


ramento das fichas de procedimentos têm sido enfatizados como
estratégias potencialmente úteis em lidar com o desvio dessas
substâncias com fins de abuso 65. Apesar do maior controle em di-
versos programas de anestesiologia, não é possível correlacionar
tais estratégias com menores índices de abuso 66. Ainda assim, o
melhor controle da dispensação de anestésicos relaciona-se com
maiores índices de detecção precoce de abuso 67,68.

O treinamento de residentes de anestesiologia para o enfrenta-


mento de questões de estresse profissional, dor, cansaço, sobre-
carga de trabalho, burnout, ansiedade e depressão, bem como
a busca por suporte social e redução da sobrecarga de trabalho,
têm sido reportados como estratégias de melhoria de qualidade
de vida efetivas 69.

Portais online para treinamento e educação podem ser úteis no


treinamento e educação continuada sobre saúde mental, qualida-
de de vida e dependências, tais como o portal http://www.ephysi-
cian.com

Considerando-se a residência médica como o período de maior


vulnerabilidade, o acesso a serviços de atendimento ao residen-
te, facilmente acessíveis e confidenciais, para suporte emocional,
psicoterapia, tratamento psicofarmacológico, bem como grupos
de apoio, podem ser ferramentas fundamentais para lidar com o
estresse durante o período da residência médica 1,70. Alguns es-
tudos dão suporte à redução da carga horária ou mesmo a folgas

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 435


pós-plantão, vez que este é um período onde a cognição pode
estar dificultada pela privação de sono 71.

Modelos multimodais de prevenção, incluindo exames aleatórios,


módulos educativos obrigatórios e continuados para todo o pes-
soal do setor de anestesia, controle reforçado da dispensação de
substâncias potencialmente geradoras de dependência têm sido
propostos 15.

Exames aleatórios de urina para todos os residentes em treina-


mento nos programas de anestesiologia foram sugeridos com
base na premissa de que a especialidade, em respeito ao direi-
to dos pacientes, deva ser totalmente isenta de qualquer uso de
substância psicoativa 72, mas têm sido altamente questionados,
seja pela dificuldade de realização, pelas questões éticas e de cus-
to operacional 73 e, finalmente, pela possibilidade de adulteração
dos resultados 74. Diversos artifícios são utilizados para conseguir
as substâncias, o que torna o monitoramento um processo com-
plexo e intricado 75.

Inalantes
Ainda que menos estudados, levantamentos recentes têm obser-
vado significativa taxa de mortalidade por agentes inalantes entre
os anestesistas que abusam destas substâncias, bem como baixa
frequência de reingresso bem-sucedido ao desempenho profis-
sional seguro 76.

Ketamina
O consumo de ketamina tem sido reportado entre anestesistas,
porém em menor frequência 48,77.

Propofol
Os primeiros relatos de abuso de propofol apareceram na litera-
tura médica há aproximadamente 20 anos 78. Observa-se que o

436 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


propofol, em doses sub-anestésicas, tem potencial de gerar gra-
tificação e reforço (aumento da possibilidade que o evento se re-
pita no futuro), sendo que o estudo de seu potencial gerador de
dependência deve ser mais bem compreendido 79.

Há uma percepção de que o problema de abuso de propofol es-


teja aumentando: um levantamento apontou, em um período de
10 anos, que aproximadamente 18% do programas de residência
americanos tiveram ao menos um relato de abuso desta droga 80.
Entre os que dela abusaram, a mortalidade decorrente foi de 28%,
a maioria, de residentes. Observou-se correlação entre a falta de
controle pela farmácia do hospital e a probabilidade de abuso
(p-0,048). O acesso facilitado, devido ao menor controle em rela-
ção aos opioides, pode explicar o aumento do abuso de ketamina
e propofol entre anestesistas 28.

Um estudo avaliou 16 residentes com dependência de propofol,


seis dos quais faleceram; dos dez restantes, três abandonaram a
medicina, cinco mudaram de especialidade e apenas dois perma-
neceram na anestesiologia 80.

Artigo americano demonstra uma série de casos de abuso de pro-


pofol, utilizado “para dormir”, em profissionais que tiveram um
curso clínico rapidamente progressivo e descendente. Discute
o aumento de prevalência do consumo de propofol nos últimos
anos, segundo percepção dos serviços de atendimento especiali-
zados em profissionais de saúde. O primeiro sintoma do uso pro-
blemático de propofol foi morte em 28% dos casos 81.

Considerações finais
A dependência entre anestesistas, além de ser mais prevalente,
tem algumas nuances que a tornam distinta de outras formas de
adoecimento – o profissional que sofre desta patologia geralmen-
te não pode buscar ajuda, com medo de perder a profissão 39, e
necessita de um cuidado pós-tratamento bastante compassivo e
firme.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 437


Diferentemente de outros médicos, a busca por tratamento ocorre
principalmente por demanda própria ou por indicação de colegas
ou chefes de serviços 3. Este dado aponta para o fato de que este
possa ser um problema pouco visível para a família. Daí a necessi-
dade de que os colegas e o próprio médico estejam atentos para a
saúde mental e o padrão de consumo de qualquer substância psi-
coativa. Tal postura, que tem o potencial de proteger tanto o mé-
dico que precisa de auxílio quanto a clientela a ser atendida, deve
ser vista não somente como um gesto de cuidado e gentileza para
com os colegas, mas também como um padrão de conduta ética.

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446 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Aspectos éticos e jurídicos das situações de
má-prática médica
Desiré Carlos Callegari
Membro da Comissão de Honorários Médicos,
1º secretário do Conselho Federal de Medicina

Introdução
Os anestesiologistas são submetidos a uma série de riscos ocu-
pacionais em decorrência do local de trabalho e de sua ativida-
de profissional. Podemos citar danos físicos, como a toxicidade
de gases anestésicos, a exposição ao sangue e secreções (meios
de transmissão de doenças infecciosas) e as radiações ionizantes,
entre outras. Também existem os riscos relacionados aos danos
psíquicos, como a drogadição e a síndrome de burnout, os quais
estão no foco deste capítulo.

A anestesiologia, em particular, é considerada como especialida-


de extremamente estressante e com fatores de agressão ocupa-
cional. Dentre eles, podemos citar como exemplos as condições
de trabalho inadequadas, as longas jornadas de trabalho (muitas
vezes noturnas, com privação do sono), a sobrecarga de respon-
sabilidades, a baixa remuneração e a necessidade de atualização
constante. Em decorrência desses fatores, este especialista está
sujeito ao risco de desenvolvimento de diversos transtornos de
ordem psíquica.

O problema do ponto de vista psíquico e físico


Os problemas mais comuns são o estresse, as crises de ansieda-
de, as variações do humor e as consequências do consumo de
substâncias psicoativas, com instalação do quadro de drogadição.
Também podem ocorrer comportamentos suicidas, a somatiza-
ção de quadros depressivos (com aparecimento de doenças físi-
cas, levando ao afastamento precoce ou até mesmo permanente
do trabalho), além da síndrome de burnout. Percebe-se ainda uma

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 447


redução do seu desempenho profissional, com impacto sobre sua
relação com pacientes e capacidade de vigilância, o que abre bre-
chas para a ocorrência da má-prática, ou seja, erros que podem
demandar processos éticos e judiciais.

A síndrome de burnout é uma nosologia psíquica relacionada ao


trabalho. Trata-se de um tipo de resposta prolongada a estresses
emocionais e interpessoais crônicos no trabalho. Manifestações
clínicas são usualmente pouco específicas e incluem fadiga, trans-
tornos alimentares e do sono, cefaleia e instabilidade emocional.
Podem evoluir para quadros de exaustão emocional, com estado
mental confuso, baixa realização pessoal e frustração profissional,
podendo gerar despersonalização. Se diagnosticada, necessita de
afastamento temporário do trabalho, tratamento psiquiátrico e
readaptação com melhores condições no trabalho.

A drogadição (vício bioquímico) é definida como uso abusivo e re-


petido de uma substância, o que leva a um quadro clínico caracte-
rizado por efeitos adversos significativos. Entre eles, destacam-se
sintomas de abstinência e necessidade de progressivas quantida-
des do fármaco, o que acarreta crescente procura pelo agente e as
infrutíferas tentativas do drogadito de autocontrolar seu uso. Há
inúmeros fatores que podem levar o profissional a fazer uso desse
tipo de substância: agressões psicológicas em decorrência da ati-
vidade, facilidade na obtenção de fármacos psicoativos, desejo de
experimentação, predisposição genética, baixa autoestima e ou-
tros associados a transtornos psíquicos preexistentes. As substân-
cias mais detectadas são o álcool, os opioides (fentanil, sufentanil,
meperidina e morfina), maconha, cocaína, benzodiazepínicos e o
propofol (em doses subanestésicas).

Na drogadição, existem distintas formas de estabelecimento de


dependência. Uma delas é a psicológica, na qual o organismo tem
a necessidade da utilização da substância para uma sensação de
bem-estar ou alívio de tensões cotidianas. Geralmente, é caracte-
rizada pela busca repetitiva dos efeitos do início de seu emprego
e manifesta-se no cérebro produzindo redução dos sintomas de

448 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


ansiedade, sensação de euforia, mudança agradável de humor,
percepção dos sentidos alterada e sensação de aumento da capa-
cidade física e mental.

Outra forma é a dependência física, na qual o organismo adapta-


se a certa substância. Assim, se sua utilização é interrompida, o
usuário passa por distúrbios físicos e entra em estado de ansieda-
de. Fatores como carga genética, constituição física do usuário e
modos de uso são variáveis que podem influenciar no tempo de
uso da droga, o que também evidencia um aspecto da dependên-
cia física.

Quando o organismo adapta-se a determinada substância, se uti-


lizada com bastante frequência e em quantidades elevadas, cria
mecanismos de defesa. Quando o uso do fármaco é interrompido,
o usuário entra em crise de abstinência. Uma vez detectado o es-
tado de drogadição, muitas vezes difícil de ser percebido, o profis-
sional deverá ser afastado de suas atividades e receber tratamen-
to psiquiátrico. Ressalte-se que o tratamento é de difícil controle,
bem como a reintegração do profissional à especialidade.

Um estudo sobre a dependência química entre os aneste-


siologistas
A Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de
Medicina (Uniad – EPM/Unifesp) conduziu trabalho com o obje-
tivo de traçar o perfil clínico e demográfico de uma amostra de
médicos em tratamento por dependência química. Este estudo
envolveu a coleta de dados de 198 médicos em tratamento am-
bulatorial por uso nocivo e dependência química, por meio de
questionário. Foram avaliadas as comorbidades psiquiátricas e
suas consequências associadas ao consumo de drogas. Os auto-
res obtiveram os seguintes resultados: o perfil dos participantes
apontou que, na maioria, eram do sexo masculino (87,8%), casa-
dos (60,1%), com idade média de 39,4 anos (desvio padrão=10,7
anos). Sessenta e seis por cento já tinham sido internados por con-
ta do uso de álcool e/ou outras drogas. Setenta e nove por cento

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 449


possuíam residência médica e as especialidades mais envolvidas
foram a clínica médica, a anestesiologia e a cirurgia.

Comorbidade psiquiátrica foi diagnosticada em 27,7% (Eixo I do


DSM-IV) e em 6% (Eixo II do DSM-IV). Quanto às substâncias con-
sumidas, a situação mais frequente foi uso associado de álcool e
drogas (36,8%), seguido por uso isolado de álcool (34,3%) e de
drogas (28,3%). Observou-se o intervalo de 3,7 anos em média en-
tre a identificação do uso problemático de substâncias e a procura
de tratamento. Quanto à busca por tratamento, 30,3% o fizeram
voluntariamente.

Com relação aos problemas sociais e legais relacionados, obser-


vou-se: desemprego no ano anterior em quase 1/3 da amostra,
problemas no casamento ou separação (52%), envolvimento em
acidentes automobilísticos (42%), problemas jurídicos (19%), pro-
blemas profissionais (84,8%) e 8,5% tiveram problemas junto aos
conselhos regionais de medicina. O referido trabalho conclui fa-
zendo algumas considerações de suma importância:

1. Provavelmente, um melhor conhecimento da dependên-


cia química e melhor educação nas escolas médicas podem
antecipar o reconhecimento, bem como aumentar a procura
espontânea por tratamento. A visão que os médicos têm da
dependência química, aliada à formação específica deficiente,
leva a um senso comum de intratabilidade e desesperança. O
médico teme o estigma, a falta de confidencialidade, a perda
da reputação e o desemprego. Ocorre, assim, uma “conspira-
ção do silêncio”: familiares e colegas tendem a negar ou não
abordar o problema, temendo as consequências. A identifica-
ção é feita de forma abrupta e tardia;
2. Medidas educativas e assistenciais devem ser tomadas para
reduzir a automedicação, pois este fator pode atrasar o diag-
nóstico e o tratamento;
3. É importante o treinamento das equipes médicas para reco-
nhecer, aconselhar e confrontar o dependente. A orientação

450 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


e encaminhamento para tratamento adequado configuram,
fundamentalmente, um compromisso ético. A intervenção,
nestes casos, pode ser “salvadora de vidas”, tanto para o mé-
dico quanto para pacientes, e o que costuma ser “raiva e irri-
tação” pode se transformar em “eterna gratidão” ao fim de um
tratamento bem-sucedido;
4. Serviços específicos para atendimento dos médicos depen-
dentes químicos devem ser implementados, o que auxiliaria
na triagem e detecção de casos, aumentando a adesão ao tra-
tamento, protegendo o médico e o público em geral. Segundo
a Associação Médica inglesa, são necessários serviços espe-
cíficos para médicos com transtornos relacionados ao uso de
substâncias, pois os tradicionais são ineficientes. Três compo-
nentes são essenciais para seu bom funcionamento: em pri-
meiro lugar, a entrada no tratamento deve ser simples, rápida
e bem divulgada. Em segundo, o cuidado é mais bem exercido
por outros médicos. Por fim, deve ser oferecido suporte em
longo prazo, com monitoração e supervisão, com prevenção
de recaídas. A inexistência de serviços específicos pode deixar
os médicos desamparados e os colegas sem argumentação
para abordarem o dependente;
5. O processo de “reentrada”, ou seja, mudança de especiali-
dade por conta da dependência química ocorreu em 4,5% da
amostra analisada pela Uniad – EPM/Unifesp. Este aspecto me-
rece ser mais bem pesquisado, pois abre a possibilidade de um
médico mudar de uma especialidade de maior risco para outra
de menor risco de consumo de substâncias (por exemplo, de
anestesiologia para o programa Saúde da Família);
6. O índice de problemas judiciais não relacionados ao exer-
cício da medicina (19%) revela que esta clientela necessita de
apoio e orientação jurídica com frequência, e este aspecto não
deve ser negligenciado na assistência aos médicos com de-
pendência química;
7. São necessários estudos de seguimento para determinar a
evolução dos casos submetidos ao tratamento. O estudo dos

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 451


médicos que recusam o tratamento pode providenciar impor-
tante conhecimento da história natural e do curso clínico da
dependência química entre médicos. Estudos de prevalência
bem desenhados metodologicamente são necessários;
8. Exames de rastreamento de substância (screening urinário e
exame de fio de cabelo) podem ser úteis em melhorar a con-
fiabilidade do auto relato, melhorar o desempenho do médico
em tratamento e garantir proteção legal quanto a acusações
infundadas, logo, são indispensáveis no seguimento.

Dependência química: o enfrentamento do problema


No tocante à suspensão cautelar do exercício profissional e ao tra-
tamento do médico com distúrbios de ordem psíquica, o Conse-
lho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) foi
inovador ao adotar experiência realizada com sucesso no início
da década. Em 6 de maio de 2002, a Rede de Apoio a Médicos
Dependentes Químicos foi consolidada.

Este esforço pioneiro no Brasil resultou de convênio entre o Cre-


mesp e a Uniad/Unifesp, cuja meta é facilitar o acesso ao trata-
mento, preservar a saúde do médico e o seu direito de exercício
da profissão.

Este projeto surgiu da necessidade de abordar de forma conscien-


te e madura o problema do uso nocivo e dependência de álcool
e drogas, sem empurrá-lo para debaixo do tapete ou deixar que a
sorte cuide daqueles que dele sofrerem. Ao se tornar dependente,
o médico precisa de ajuda dos pares, pois pode se afastar de seus
amigos e familiares.

Não há uma receita única de como abordar o usuário de álcool


e drogas. Assim, características pessoais e contextuais devem ser
levadas em conta. No entanto, a experiência demonstra a impor-
tância da ação firme e empática, oferecendo alternativas, ao mes-
mo tempo em que atitudes de mudança são priorizadas. Tudo isso

452 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


dentro de um contexto onde não se exclui a participação do pa-
ciente-médico no processo de tomada de decisão.

O acesso à Rede de Apoio ocorre, inicialmente, por meio de uma


central de atendimento, com telefones disponibilizados. Em se-
guida, busca-se uma abordagem presencial, com a realização de
entrevista no menor espaço de tempo possível (geralmente em 24
ou 48 horas após o contato inicial). Nesta avaliação, realiza-se um
planejamento diagnóstico e o encaminhamento para tratamento.

A partir de uma eventual indicação de apoio psicológico e/ou


tratamento psiquiátrico, se o paciente o desejar, as primeiras ses-
sões (em geral, quatro) são oferecidas na Uniad – EPM/Unifesp. As
consultas são gratuitas. Após esta etapa, o paciente-médico será
encaminhado para uma rede de psiquiatras no estado, quando
discutirá com o especialista de referência questões como a neces-
sidade de acompanhamento psicoterápico, afastamento das ati-
vidades profissionais e terapia ocupacional.

O Cremesp, com a ajuda de seu Serviço Social, desenvolve ações de


acolhimento quando da instauração de procedimento administra-
tivo, para os casos de indício de doença incapacitante para o exer-
cício da medicina. Uma dessas ações é o encaminhamento à rede.

Um ponto fundamental no processo é que a colaboração de pro-


fissionais nesta rede é voluntária. Como a maioria dos atendimen-
tos se relaciona a problemas pelo uso de substâncias químicas,
a preferência recai sobre psiquiatras que tenham experiência no
manejo destas situações e conhecedores das particularidades da
profissão.

Um dos desafios para a consolidação da Rede de Apoio é obter


melhor cobertura no interior. Para isso, buscam-se especialistas
nas cidades mais distantes da capital. Em vários casos, médicos
que atuam na parceria Uniad/Unifesp e Cremesp permanecem fa-
zendo segmento paralelo ou supervisão clínica. Os interessados
em se agregar voluntariamente ao grupo podem encaminhar cur-
rículo para as instituições de ensino parceiras no programa.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 453


Aspectos éticos e jurídicos
A má-prática do médico anestesiologista, por meio de sua liberda-
de de agir, impõe-lhe o dever de responder pelas consequências
advindas de sua atividade profissional. O ordenamento jurídico
– expresso em um conjunto de normas – estabelece que esses es-
pecialistas podem ser penalizados por atos de violação dos direi-
tos de outrem, seja por ação de indivíduos ou da sociedade.

Em face de natureza da norma, ética, civil ou penal, teremos uma


atuação de ordem administrativa ou jurídica. Na norma ética, o
interesse da atividade violada é de cunho administrativo e a res-
ponsabilidade é pessoal do profissional que a praticou. A ética do
anestesiologista está condicionada ao Código de Ética Médica
(CEM), bem como aos acórdãos e às resoluções dos conselhos fe-
deral e regionais de medicina.

Na norma civil, o interesse da atividade violada é de cunho priva-


do e a reação é possibilitar a quem teve um direito violado ter re-
paração do dano sofrido. A ação civil está condicionada ao Código
Civil e ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

No caso da norma penal, o interesse da atividade violada é de


cunho coletivo, dando origem a um processo para apuração do
fato e da autoria. Diante de sua comprovação, será gerada uma
sanção em regra privativa da liberdade. A ação penal está condi-
cionada ao Código Penal.

A questão ética
Os conselhos de medicina foram criados pela Lei Federal nº 3.268,
de 30/9/1957, assinada pelo presidente Juscelino Kubitschek. O
Decreto nº 44.045, de 19/7/58, aprovou o regulamento do con-
selho federal e dos conselhos regionais de medicina, aos quais se
refere essa legislação federal.

O CEM sofreu sua última atualização com a Resolução CFM nº 1.931,


de 17/9/2009. Contém as normas a serem observadas pelos médi-

454 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


cos no exercício de sua profissão, sendo composto por 25 princí-
pios fundamentais, 10 normas relacionadas aos direitos profissio-
nais e 118 normas que tratam do conjunto de deveres, princípios e
normas que devem ser seguidas pelos médicos, cuja transgressão
sujeitará os infratores às penas disciplinares previstas.

Os anestesiologistas, devido às peculiaridades de sua especialida-


de, estão também sujeitos às normas e resoluções editadas pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM), que oferecem parâmetros a
ser seguidos. As regras têm o objetivo de proteger a vida do pa-
ciente submetido ao ato anestésico em ambiente hospitalar ou
fora dele, entre outros pontos.

As resoluções do CFM estão sujeitas a alterações e aprimoramen-


tos implementados em consonância com a evolução da medicina
ou de modificações das leis e dos costumes. A Câmara Técnica de
Anestesiologia (CTA) do CFM reavalia as propostas de mudança e
acompanha a aplicabilidade destas normas, bem como a emissão
de pareceres a partir de questionamentos específicos.

Uma das regras mais importantes para a especialidade e que


dispõe sobre a prática do ato anestésico é a Resolução CFM nº
1.802/06, atualizada pela CTA e aprovada pela plenária do CFM.
Ela baliza o exercício da anestesiologia no país, dos pontos de vis-
ta ético e técnico. Outras normas e pareceres complementam a
legislação ética da especialidade, mas por sua importância trans-
creveremos na íntegra esta resolução, incluindo seus anexos – do-
cumento disponível ao final deste capítulo.

Também transcrevemos outra resolução de importância, que é a


Resolução CFM nº 1.990/12, que regulamenta a apuração do pro-
cedimento administrativo quanto à existência da doença incapa-
citante, parcial ou total para o exercício da medicina. Esta reso-
lução trata da suspensão cautelar do exercício profissional, que
permite ao médico, no caso um anestesiologista, portador de
distúrbios psíquicos (por exemplo, a síndrome de burnout ou dro-
gadição, entre outros), ser afastado de suas atividades enquanto

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 455


realiza seu tratamento, evitando, assim, a má-prática do exercício
profissional.

Responsabilidade civil
As ações por responsabilidade civil buscam a reparação integral
do dano injusto sofrido pela vítima. Imputada ao agente causa-
dor, ela pode ser de dois tipos, dependendo dos pressupostos im-
plicados. Na forma subjetiva, é necessário observar se o ato prati-
cado foi doloso ou culposo para justificar o direito à reparação. Na
objetiva, não se cogita observar essa característica.

A culpa ocorre quando o autor age deixando de observar os pa-


drões exigidos de cuidado, não tendo a necessária cautela, po-
dendo atuar de forma imprudente, negligente e imperita. Na im-
prudência, é a falta de cautela em realizar uma conduta positiva;
na negligência, a conduta é omissiva e na imperícia caracteriza-se
pela falta de habilidade. O dolo ocorre quando o autor age no sen-
tido de praticar deliberadamente o dano, ou seja, é a vontade do
agente em praticar o ato ilícito.

Em ambos os casos (responsabilidade subjetiva e objetiva) devem


estar presentes o dano e o nexo causal. Portanto, nas ações de
responsabilidade civil faz-se a distinção entre os tipos objetivo e
subjetivo com base na culpa, que se encontra como pré-requisito
da obrigação de indenizar. Este elemento está presente quando
se trata da responsabilidade subjetiva e é descartado na respon-
sabilidade objetiva.

A responsabilidade médica está enquadrada de acordo com o


art. 14, parágrafo 4 da Lei no 8.078/90, que estabelece o Código
de Defesa do Consumidor. De acordo com esta regra, a responsa-
bilidade de todos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa, por meio da responsabilidade subjetiva.

A responsabilidade civil, uma vez transitada e julgada, pressupõe


a liquidação do dano. Para a quantificação do dano material, não

456 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


há maiores dificuldades. Assim, em relação aos danos materiais
existe a possibilidade de certa previsibilidade do valor indeniza-
tório, posto que se refere a um patrimônio existente e mensurável.

Além disso, se houver lesão se pode propor o ressarcimento dos


gastos com medicamentos, hospitalares e novas cirurgias. Caso
o paciente não possa trabalhar por determinado período, o valor
da diária de seu trabalho também deve ser pago. Nos casos de
lesões permanentes, deve-se incluir o valor que o paciente dei-
xou de receber, quer a título de salário ou outra verba que receba.
Ocorrendo morte, a verba será de 2/3 dos rendimentos da vítima,
pagos aos seus familiares.

Por sua vez, quanto ao dano moral não há meios ou fórmulas se-
guros de se atribuir valores. A grande variação nos valores fixados
pelos juízes nos impede determinar com precisão uma média. O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado, em geral, um parâ-
metro de 500 salários mínimos para ações deste tipo.

Responsabilidade penal
O profissional médico, em especial o anestesiologista, não pode
trabalhar com a certeza do sucesso, pois vários fatores externos
à sua vontade podem mudar o curso dos fatos. Por exemplo, há
reações diferentes a tratamentos semelhantes. Para alguns, um
determinado procedimento ou medicamento pode levar à recu-
peração; para outros, pode ser o caminho para efeitos indesejá-
veis e danosos.

Para ocorrer a responsabilização criminal de um anestesiologista,


assim como no campo civil, ele deve, primeiramente, cometer um
ato descrito na lei como crime. O profissional precisa ter compro-
vada ação dolosa, isto é, quando quis o resultado atingido ou as-
sumiu o risco de produzi-lo (art. 18, I do Código Penal). Também
lhe pode ser imputada atitude culposa, que ocorre quando o pro-
fissional deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia (art. 18, II do Código Penal).

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 457


Outra característica que deve ser observada é a existência de um
resultado (com exceções) e de nexo causal, que é a ligação entre a
conduta e o resultado. Deve ser ainda avaliado se o ato foi ilícito e se
feriu o direito, pois existem condições em que o próprio Código Pe-
nal estabelece as exclusões de ilicitude. Uma das situações típicas
em que isso ocorre é a necessidade de legítima defesa e o estrito
cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.

Geralmente, a responsabilidade penal dos anestesiologistas se dá


pela forma culposa, podendo ser por imprudência, negligência ou
imperícia. A imprudência é definida pela atuação do médico com
precipitação ou afoitamento e sem cautela. A negligência é a inér-
cia psíquica acompanhada da indiferença do profissional, que faz
com que o indivíduo não tome as cautelas necessárias por displi-
cência, ou seja, mesmo podendo adotá-las. Já a imperícia é a falta
de conhecimentos teóricos e práticos da profissão.

Essas modalidades de culpa não são fáceis de ser caracterizadas


num processo por responsabilidade criminal, principalmente a
imperícia, ainda mais quando o médico comprova sua participa-
ção em cursos específicos e sua habilitação pela sociedade de es-
pecialidade registrada no Conselho Regional de Medicina (CRM).
Porém, em qualquer das modalidades, se houver dano, nexo cau-
sal e culpa (além do fato típico e ilícito na atuação profissional), o
anestesiologista será responsabilizado penalmente.

O profissional está sujeito a dois tipos de crimes: o crime comum,


produzido por qualquer pessoa, ou o crime próprio, decorrente
do exercício profissional. O processo penal é movido pela socieda-
de, cabendo ao Estado o dever de penalizar o médico que, volun-
tária ou involuntariamente, gerar danos a outrem. Na responsabi-
lidade penal há que se provar o dolo ou a culpa, não se admitindo
a culpa presumida.

A responsabilidade penal, uma vez julgada por sua atuação pro-


fissional, pode ser também qualificada como homicídio culposo.
Assim, a negligência de um médico pode levá-lo não apenas a

458 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


pagar indenizações vultosas, mas também a uma pena de prisão
de um a três anos. No caso da conduta do médico ser exagerada-
mente arriscada, ele pode, inclusive, ser processado por homicí-
dio doloso.

Isto pode ocorrer dado que se considera dolo não apenas a in-
tenção de causar o dano (chamado de dolo direto). Também são
dolosas as condutas em que o médico assume o risco de causar
o resultado (no chamado dolo eventual). Na prática, considera-se
dolo eventual a imprudência e a negligência, que são tão desme-
suradamente graves que seria injusto punir o fato com a pena re-
duzida do crime culposo, sendo mais adequada a pena do crime
doloso, que no homicídio é de 6 a 20 anos.

Os crimes considerados de menor potencial ofensivo são aqueles


cuja pena máxima é igual ou inferior a dois anos, exceto o homicí-
dio e as lesões corporais graves e gravíssimas, e somente condu-
zem à prisão em casos de reincidência. Alguns deles podem ser
punidos apenas com multa e todos podem seguir um processo
simplificado que se resolve por meio de acordo indenizatório,
pela suspensão condicional do processo ou pela imposição de
uma pena alternativa.

Atividade do anestesiologista
Pela doutrina majoritária, a natureza da obrigação do médico
anestesiologista depende no sentido da contratualidade, ou não,
da relação médico-paciente. No caso de atendimento particular
ou de convênio, existe caráter contratual da relação. Diferente-
mente do anestesiologista que trabalha em hospitais do serviço
público, que não tem feições contratuais.

No tocante ao entendimento ético, a natureza da obrigação de


qualquer ato médico é de meio, diferente no aspecto jurídico –
onde há opiniões contrárias. Com relação à atividade do aneste-
siologista e a má-prática, há um conjunto de obrigações que, se
não cumpridas, podem dar origem ao dever de indenizar.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 459


Para uma análise desta responsabilidade, é importante uma clas-
sificação baseada na divisão técnico-científica da especialidade
das obrigações assumidas pelo anestesiologista. A partir desses
parâmetros, é possível avaliar as consequências de sua não reali-
zação. A classificação das atividades se divide em pré-anestésica,
anestésica e pós-anestésica.

Na fase pré-anestésica, as medidas adotadas visam diminuir a


ocorrência de eventos adversos a partir de conhecimentos que o
profissional adquire de seu paciente, podendo fazer um planeja-
mento anestésico mais seguro. A anestésica configura o principal
momento da atividade do anestesiologista, sendo também o lapso
temporal em que mais ocorrem acidentes, tornando-se importante
verificar a correta aplicação do anestésico e da técnica adequada.

No pós-anestésico, a responsabilidade do profissional se encerra


após a recuperação total do paciente e de seu dever de vigilância,
que finda com a retomada da consciência. Neste período, sugere-
se ao médico preencher corretamente e com letra legível a ficha
de evolução pré, intra e pós-anestésica. Esta prática configura ferra-
menta de proteção, prevenindo contra futuras demandas judiciais.

Termo de consentimento dos pacientes


Do ponto de vista bioético e jurídico, a obtenção do termo de con-
sentimento livre e esclarecido (TCLE) junto ao paciente faz parte
do processo de respeito à autodeterminação, ou seja, o livre ar-
bítrio dos indivíduos. É imprescindível que o médico repasse-lhe
as informações necessárias e pertinentes para torná-lo capaz de
tomar uma decisão autônoma e consciente.

Esse cuidado impõe aos médicos o dever de fornecer – da ma-


neira mais ampla e clara possível – os dados relacionados ao pro-
cesso decisório baseado no conhecimento. O TCLE deve conter os
seguintes itens: descrição dos procedimentos propostos; riscos e
efeitos colaterais possíveis; procedimentos alternativos, com seus
respectivos riscos e benefícios; ciência ao paciente da possibilida-

460 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


de de requerer mais informações e comunicação de sua liberdade
para desistir do procedimento a qualquer tempo.

Não existe norma que torne obrigatório o uso da forma escrita para
manifestação do consentimento, basta que ele ocorra. Todavia, é
importante o documento firmado pelo paciente para que o aneste-
siologista possa se defender em eventual demanda jurídica.

Conclusão
Os estudos e a prática médica têm sugerido que a anestesiologia
congrega quantidade significativa de profissionais submetidos a
riscos e expostos a problemas que os tornam vulneráveis ao apa-
recimento de problemas físicos e psíquicos. Situações de estresse,
de crises de ansiedade e de consumo de substâncias psicoativas,
com instalação do quadro de drogadição, ocorrem com relativa
frequência.

Além disso, em função de sua atividade profissional, o anestesio-


logista está sujeito a comportamentos suicidas, a somatização de
quadros depressivos e à síndrome de burnout. Trata-se de con-
textos delicados, pois estão também relacionados à percepção
de qualidade em seu desempenho, com repercussões na relação
médico-paciente e no aumento da probabilidade de envolvimen-
to com denúncias por erro médico ou má conduta profissional.

Ressalte-se que sobre os anestesiologistas pesa a responsabilidade


de responder pelas consequências advindas de sua atividade pro-
fissional, podendo ser penalizados por atos que afetem os direitos
de terceiros. Do ponto de vista legal, isto significa dizer que estes
indivíduos, em decorrência de suas atividades, podem ser objeto
de processos civis, criminais ou éticos que, eventualmente, podem
resultar em penalizações devidas a ações dolosas ou culposas.

São balizadores deste processo na esfera civil o Código Civil e o


Código de Proteção e Defesa do Consumidor. No campo penal,
esta ação está condicionada ao Código Penal. Na esfera ética-pro-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 461


fissional, cabe aos conselhos de medicina, amparados em seu Có-
digo de Ética Médica, determinar as responsabilidades e respec-
tivas sanções.

Para enfrentar este problema, estudos realizados sobre o tema


têm apontado a necessidade da adoção de medidas práticas tais
como: melhor conhecimento da dependência química e melhor
educação nas escolas médicas podem antecipar o reconhecimen-
to; estímulo à procura espontânea por tratamento; combate ao
estigma e ao preconceito relacionado ao tema da drogadição;
adoção de medidas educativas e assistenciais para reduzir a au-
tomedicação; treinamento das equipes médicas para reconhecer,
aconselhar e confrontar o dependente; serviços específicos para
atendimento dos médicos dependentes químicos devem ser im-
plementados, o que auxiliaria na triagem e detecção de casos, au-
mentando a adesão ao tratamento e protegendo o médico e o
público em geral.

Considerando a experiência inovadora do Cremesp, relacionada


à suspensão cautelar do exercício profissional e ao tratamento do
médico com distúrbios de ordem psíquica, parece-nos pertinente
expandir essa estratégia para outros estados, constituindo, em nível
nacional, uma Rede de Apoio a Médicos Dependentes Químicos.

A compreensão da relevância do problema para o exercício pro-


fissional do médico, em especial do anestesiologista, chamou a
atenção do CFM, com apoio da Sociedade Brasileira de Aneste-
siologia (SBA), que aprovou e designou comissão específica para
elaborar o plano de criação e de implementação dessa Rede em
nível nacional, a qual funcionará como meio de recuperação e
reinserção de indivíduos em diferentes contextos: social, familiar,
acadêmico e laboral. A referida comissão do CFM é composta por
membros da Câmara Técnica de Anestesiologia, que conta com
representantes da SBA, e da Câmara Técnica de Psiquiatria. Trata-
se de um projeto piloto, que inicialmente será direcionado aos
anestesiologistas, mas que deverá ser estendido a todos os mé-
dicos brasileiros.

462 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


RESOLUÇÃO CFM N° 1.802/2006
(Publicada no D.O.U. de 10 de novembro de 2006, Seção I, pág. 102)
(Retificação publicada no D.O.U. de 20 de dezembro de 2006, Seção
I, pág. 160)

Dispõe sobre a prática do ato anestésico.


Revoga a Resolução CFM nº 1.363/1993

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas


pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo
Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de
15 de dezembro de 2004, e

CONSIDERANDO que é dever do médico guardar absoluto res-


peito pela vida humana, não podendo, em nenhuma circunstân-
cia, praticar atos que a afetem ou concorram para prejudicá-la;

CONSIDERANDO que o alvo de toda a atenção do médico é a


saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o
máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional;

CONSIDERANDO que o médico deve aprimorar e atualizar con-


tinuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso
científico em benefício do paciente;

CONSIDERANDO que não é permitido ao médico deixar de mi-


nistrar tratamento ou assistência ao paciente, salvo nas condições
previstas pelo Código de Ética Médica;

CONSIDERANDO a Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa n°


50, de 21 de fevereiro de 2002, que dispõe sobre o regulamento
técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação
de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, em
especial, salas de indução e recuperação pós-anestésica;

CONSIDERANDO o proposto pela Câmara Técnica Conjunta do


Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e So-

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 463


ciedade Brasileira de Anestesiologia, nomeada pela Portaria CFM
nº 62/05;

CONSIDERANDO a necessidade de atualização e modernização


da prática do ato anestésico;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária de 4


de outubro de 2006,

RESOLVE:

Art. 1º Determinar aos médicos anestesiologistas que:

I – Antes da realização de qualquer anestesia, exceto nas situa-


ções de urgência, é indispensável conhecer, com a devida ante-
cedência, as condições clínicas do paciente, cabendo ao médico
anestesiologista decidir da conveniência ou não da prática do ato
anestésico, de modo soberano e intransferível.

a) Para os procedimentos eletivos, recomenda-se que a avaliação


pré-anestésica seja realizada em consulta médica antes da admis-
são na unidade hospitalar;
b) na avaliação pré-anestésica, baseado na condição clínica do
paciente e procedimento proposto, o médico anestesiologista so-
licitará ou não exames complementares e/ou avaliação por outros
especialistas;
c) o médico anestesiologista que realizar a avaliação pré-anestési-
ca poderá não ser o mesmo que administrará a anestesia.

II – Para conduzir as anestesias gerais ou regionais com segurança,


deve o médico anestesiologista manter vigilância permanente a
seu paciente.
III – A documentação mínima dos procedimentos anestésicos de-
verá incluir obrigatoriamente informações relativas à avaliação e
prescrição pré-anestésicas, evolução clínica e tratamento intra e
pós-anestésico (Anexo I).

464 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


IV – É ato atentatório à ética médica a realização simultânea de
anestesias em pacientes distintos, pelo mesmo profissional.
V - Para a prática da anestesia, deve o médico anestesiologista
avaliar previamente as condições de segurança do ambiente, so-
mente praticando o ato anestésico quando asseguradas as condi-
ções mínimas para a sua realização.

Art. 2º É responsabilidade do diretor técnico da instituição asse-


gurar as condições mínimas para a realização da anestesia com
segurança.

Art. 3º Entende-se por condições mínimas de segurança para a


prática da anestesia a disponibilidade de:

I – Monitoração da circulação, incluindo a determinação da pres-


são arterial e dos batimentos cardíacos, e determinação contínua
do ritmo cardíaco, incluindo cardioscopia;

II - Monitoração contínua da oxigenação do sangue arterial, in-


cluindo a oximetria de pulso;

III - Monitoração contínua da ventilação, incluindo os teores de


gás carbônico exalados nas seguintes situações: anestesia sob via
aérea artificial (como intubação traqueal, brônquica ou máscara
laríngea) e/ou ventilação artificial e/ou exposição a agentes capa-
zes de desencadear hipertermia maligna.

IV – Equipamentos (Anexo II), instrumental e materiais (Anexo III)


e fármacos (Anexo IV) que permitam a realização de qualquer ato
anestésico com segurança, bem como a realização de procedi-
mentos de recuperação cardiorrespiratória.

Art. 4º Após a anestesia, o paciente deve ser removido para a sala


de recuperação pós-anestésica (SRPA) ou para o/a centro (unida-
de) de terapia intensiva (CTI), conforme o caso.

§ 1º Enquanto aguarda a remoção, o paciente deverá permanecer


no local onde foi realizado o procedimento anestésico, sob a aten-
ção do médico anestesiologista;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 465


§ 2º O médico anestesiologista que realizou o procedimento
anestésico deverá acompanhar o transporte do paciente para a
SRPA e/ou CTI;

§ 3º A alta da SRPA é de responsabilidade exclusiva do médico


anestesiologista;

§ 4º Na SRPA, desde a admissão até o momento da alta, os pacien-


tes permanecerão monitorados quanto:

a) à circulação, incluindo aferição da pressão arterial e dos bati-


mentos cardíacos e determinação contínua do ritmo cardíaco, por
meio da cardioscopia;

b) respiração, incluindo determinação contínua da oxigenação do


sangue arterial e oximetria de pulso;

c) ao estado de consciência;

d) à intensidade da dor.

Art. 5º Os anexos e as listas de equipamentos, instrumental, mate-


riais e fármacos que obrigatoriamente devem estar disponíveis no
ambiente onde se realiza qualquer anestesia, e que integram esta
resolução, serão periodicamente revisados.

Parágrafo único – Itens adicionais estão indicados em situações


específicas.

Art. 6° Revogam-se todas as disposições em contrário, em espe-


cial a Resolução CFM nº 1.363, publicada em 22 de março de 1993.

Art. 7° Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília/DF, 4 de outubro de 2006

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE LÍVIA BARROS GARÇÃO


Presidente Secretária-geral

466 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Anexo I

As seguintes fichas fazem parte obrigatória da


documentação da anestesia

1. Ficha de avaliação pré-anestésica, incluindo:


a) Identificação do anestesiologista;
b) Identificação do paciente;
c) Dados antropométricos;
d) Antecedentes pessoais e família;
e) Exame físico, incluindo avaliação das vias aéreas;
f ) Diagnóstico cirúrgico e doenças associadas;
g) Tratamento (incluindo fármacos de uso atual ou recente);
h) Jejum pré-operatório;
i) Resultados dos exames complementares eventualmente
solicitados e opinião de outros especialistas, se for o caso;
j) Estado físico;
k) Prescrição pré-anestésica;
l) Consentimento informado específico para a anestesia.

2. Ficha de anestesia, incluindo:


a) Identificação do(s) anestesiologista(s) responsável(is) e, se
for o caso, registro do momento de transferência de responsa-
bilidade durante o procedimento;
b) Identificação do paciente;
c) Início e término do procedimento;
d) Técnica de anestesia empregada;
e) Recursos de monitoração adotados;
f ) Registro da oxigenação, gás carbônico expirado final (nas
situações onde foi utilizado), pressão arterial e frequência car-
díaca a intervalos não superiores a dez minutos;

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 467


g) Soluções e fármacos administrados (momento de adminis-
tração – via e dose);
h) Intercorrências e eventos adversos associados ou não à
anestesia.

3. Ficha de recuperação pós-anestésica, incluindo:


a) Identificação do(s) anestesiologista(s) responsável(is) e, se
for o caso, registro do momento de transferência de responsa-
bilidade durante o internamento na sala de recuperação pós-
anestésica;
b) Identificação do paciente;
c) Momentos da admissão e da alta;
d) Recursos de monitoração adotados;
e) Registro da consciência, pressão arterial, frequência cardía-
ca, oxigenação, atividade motora e intensidade da dor a inter-
valos não superiores a quinze minutos;
f ) Soluções e fármacos administrados (momento de adminis-
tração, via e dose);
g) Intercorrências e eventos adversos associados ou não à
anestesia.
 
Anexo II
Equipamentos básicos para a administração da
anestesia e suporte cardiorrespiratório

1. Em cada sala onde se administra anestesia: secção de fluxo


contínuo de gases, sistema respiratório e ventilatório comple-
to e sistema de aspiração;
2. Na unidade onde se administra anestesia: desfibrilador, mar-
ca-passo transcutâneo (incluindo gerador e cabo);
3. Recomenda-se a monitoração da temperatura e sistemas
para aquecimento de pacientes em anestesia pediátrica e ge-

468 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


riátrica, bem como em procedimentos com duração superior a
duas horas, nas demais situações;
4. Recomenda-se a adoção de sistemas automáticos de in-
fusão para administração contínua de fármacos vasoativos e
anestesia intravenosa contínua.

Anexo III
Instrumental e materiais
1. Máscaras faciais;
2. Cânulas oronasofaríngeas;
3. Máscaras laríngeas;
4. Tubos traqueais e conectores;
5. Seringas, agulhas e cateteres venosos descartáveis;
6. Laringoscópio (cabos e lâminas);
7. Guia para tubo traqueal e pinça condutora;
8. Dispositivo para cricotireostomia;
9. Seringas, agulhas e cateteres descartáveis específicos para
os diversos bloqueios anestésicos neuroaxiais e periféricos.

Anexo IV
Fármacos
1. Agentes usados em anestesia, incluindo anestésicos locais,
hipnoindutores, bloqueadores neuromusculares e seus anta-
gonistas, anestésicos inalatórios e dantroleno sódico, opioides
e seus antagonistas, antieméticos, analgésicos não opioides,
corticosteroides, inibidores H2, efedrina/etil-efrina, broncodila-
tadores, gluconato/cloreto de cálcio.
2. Agentes destinados à ressuscitação cardiopulmonar, incluin-
do adrenalina, atropina, amiodarona, sulfato de magnésio, do-
pamina, dobutamina, noradrenalina, bicarbonato de sódio,
soluções para hidratação e expansores plasmáticos.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 469


RESOLUÇÃO CFM nº 1.990/2012
(Publicada no D.O.U. de 11 de junho de 2012, seção I, pág.103)

Regulamenta a apuração do procedimento administrativo quanto


à existência de doença incapacitante, parcial ou total, para o exer-
cício da Medicina.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições


conferidas pela Lei n° 3.268, de 30 de setembro de 1957, regula-
mentada pelo Decreto n° 44.045, de 19 de julho de 1958, respecti-
va e posteriormente alterado pela Lei n° 11.000, de 15 de dezem-
bro de 2004, e pelo Decreto n° 6.821, de 14 de abril de 2009, e

CONSIDERANDO o disposto no inciso I das Disposições Gerais do


Código de Ética Médica (CEM) aprovado pela Resolução CFM nº
1.931, publicada em 24 de setembro de 2009;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar o procedimen-


to administrativo previsto no inciso I das Disposições Gerais, Ca-
pítulo XIV, da Resolução CFM nº 1.931/09, para os casos de indício
de doença incapacitante para o exercício da Medicina;

CONSIDERANDO a possibilidade de interdição cautelar nos ter-


mos da Resolução CFM nº 1.987/12;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária de


10 de maio de 2012,

RESOLVE:

Art. 1° Cabe ao Conselho Regional de Medicina, mediante denún-


cia formal ou de ofício, apurar em procedimento administrativo,
com perícia médica, a existência de doença incapacitante, parcial
ou total, para o exercício da Medicina.

Parágrafo único. O procedimento ocorrerá em absoluto sigilo


processual.

470 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Art. 2° Protocolada a denúncia, ou tendo o Conselho Regional de
Medicina tomado conhecimento de indícios de doença incapaci-
tante, o presidente do Conselho designará um conselheiro relator
para conduzir o procedimento administrativo.

Art. 3° Os conselhos regionais de Medicina poderão interditar


cautelarmente o médico submetido a procedimento administra-
tivo para doença incapacitante desde que os atos decorrentes do
seu exercício profissional estejam notoriamente prejudicando a
população, ou na iminência de fazê-lo.

§ 1º Nestes casos será observado o rito previsto na Resolução CFM


nº 1.987/12, sem prejuízo do procedimento administrativo para
apuração de doença incapacitante.

§ 2º Cessará a qualquer tempo a interdição cautelar, prevista na


Resolução CFM nº 1.987/12, transitada em julgado, com a conclu-
são do processo administrativo.

Art. 4º Na apuração administrativa de doença incapacitante o


médico indiciado deverá ser intimado, mediante ofício, a manifes-
tar-se no prazo de 30 (trinta) dias contados da juntada do aviso de
recebimento (AR).

Art. 5º O conselheiro presidente designará perícia médica para


avaliar o médico, fixando de imediato o prazo para a apresentação
do laudo.

§ 1º O presidente do Conselho formulará os quesitos que enten-


der necessários ao pleno esclarecimento dos fatos.

§ 2º Incumbe ao médico periciado, no prazo de 10 (dez) dias úteis


contados a partir da intimação da nomeação da perícia médica,
apresentar quesitos e indicar assistente técnico.

§ 3º Na ausência sem causa justificada do médico periciado, ou


caso haja recusa do mesmo em submeter-se ao exame ordenado, o
julgamento será realizado com os elementos de prova já colhidos.

Sociedade Brasileira de Anestesiologia / Conselho Federal de Medicina 471


Art. 6º Finda a avaliação, o conselheiro relator decidirá sobre as
provas requeridas e determinará as diligências necessárias para a
completa averiguação da verdade.

Art. 7º Encerrada a avaliação pela perícia médica constituída, o


médico periciado deverá ser intimado a apresentar manifestações
sobre todo o procedimento adotado e as provas produzidas, no
prazo de 10 (dez) dias.

Art. 8º Protocolizadas as manifestações, o relator terá o prazo de


30 (trinta) dias para concluir seu relatório, que pode ser prorroga-
do por igual período, sempre em despacho fundamentado.

§ 1º Concluído o prazo de que trata o caput deste artigo, o conse-


lheiro relator remeterá os autos ao presidente do Conselho, que de-
terminará sua inclusão na pauta da primeira plenária subsequente.

§ 2º O médico periciado e seu representante legal serão intimados


da data da avaliação com a antecedência mínima de 10 (dez) dias.

Art. 9º O plenário do CRM, em sessão sigilosa, apreciará o relató-


rio do conselheiro relator para somente então decidir pelo arqui-
vamento, suspensão parcial ou total do exercício profissional.

Art. 10. Decidindo pela suspensão do exercício profissional por


doença incapacitante, o Conselho Regional de Medicina deverá
fixar o prazo de sua duração e os mecanismos de controle da inca-
pacidade quando se tratar de suspensão por tempo determinado.

§ 1º Concluindo pela incapacidade parcial, o Conselho Regional


de Medicina poderá determinar a suspensão do exercício em de-
terminadas áreas da Medicina.

§ 2º A suspensão do exercício da Medicina, na hipótese do pará-


grafo primeiro deste artigo, ficará sujeita à supervisão do Conse-
lho Regional de Medicina, devendo o interditado submeter-se a
exames periódicos.

472 Bem-estar ocupacional em anestesiologia


Art. 11. Os casos de incapacidade total e permanente dependem
de homologação pelo Pleno do Conselho Federal de Medicina.

Art. 12. Da decisão do plenário do Conselho Regional caberá re-


curso ao Conselho Federal de Medicina, no prazo de 30 (trinta)
dias, sem efeito suspensivo, a contar da data da intimação da de-
cisão.

Art. 13. Recebido o recurso, o presidente do CFM designará um


conselheiro relator para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar
seu relatório.

Parágrafo único. Se necessário, o conselheiro relator designado


poderá baixar os autos em diligência, devendo, neste caso, solici-
tar prorrogação do prazo previsto no caput deste artigo.

Art. 14. A sessão de julgamento no Pleno do CFM seguirá roteiro


previsto no CPEP.

Art. 15. As omissões existentes na presente resolução serão sana-


das pelo plenário do Conselho Federal de Medicina.

Art. 16. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,


revogadas as disposições em contrário, especialmente a Resolu-
ção CFM nº 1.646/02.

Brasília-DF, 10 de maio de 2012

ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA


Presidente Secretário-geral

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Referências
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