Cultura Escrita - Mello - Diei

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Organização Pedagógica – 2024 Coordenadoria Pedagógica

E a Cultura Escrita?
Leitura e produção de textos
na Educação Infantil
Profª Suely Amaral Mello

Profª Suely Amaral Mello

A infância de 0 a 6 anos é um tempo essencial na constituição de características que os seres humanos têm
– como os valores, os sentimentos, os motivos, os interesses, a sensibilidade – e que formam a base das capa-
cidades, habilidades e aptidões que vão se consolidando ao longo da vida, mas que não são hereditárias, como
pensávamos há algumas décadas. Hoje, já sabemos que a inteligência e a personalidade são formadas, isto é,
aprendidas ao longo da vida, precisamos ficar atentas(os) às oportunidades que na escola damos à formação da
percepção, da memória, da fala, do pensamento, da imaginação, da autoestima, enfim, de todas as funções que
constituem a personalidade e a inteligência.
Também sabemos que aprender requer o encontro da criança com a cultura e sua expressão de tudo o que
ela vai aprendendo nesse encontro com o conjunto das produções humanas, das mais simples às mais elabora-
das. Com isso, percebemos a importância das múltiplas linguagens por meio das quais as crianças expressam o
mundo que vão conhecendo: o gesto, o desenho, a fala, o movimento, a dança, a música, a pintura, o brincar de
faz de conta, a modelagem, a escultura, a criação de objetos para brincar: aquilo que se tem chamado de culturas
infantis, isto é, tudo o que a criança faz e que expressa seu modo de ver, pensar e interpretar o mundo que ela
vai conhecendo.
Estudos e pesquisas atuais dão razão a Paulo Freire, especialmente quando ele dizia que o processo edu-
cativo é dialógico: as crianças precisam expressar o que vão aprendendo. As experiências vividas precisam ser
expressas no momento em que vão sendo vividas e não guardadas para o futuro. Por isso, bebês e crianças têm
“cem linguagens” (Malaguzzi). Cabe a nós, professoras e professores, educadoras e educadores, aprender a com-
preender essas linguagens pelas quais bebês e crianças se expressam. Ao mesmo tempo, cabe a nós apresentar
essas linguagens na escola da infância. A forma como apresentamos as diferentes linguagens condiciona a qua-
lidade da expressão que tais linguagens vão possibilitar. Por isso, ao apresentar o desenho, a pintura, a dança, a
fotografia, a modelagem, a colagem, seja a linguagem que for, precisamos nos preocupar com a possibilidade de
a criança utilizá-la com autoria para expressar algo que viveram, viram, gostaram ou não gostaram, querem, não
querem, desejam, esperam, imaginam, sonham - e não para produzir algo para mostrar a alguém. As linguagens
expressam algo da experiência da criança e não podem ser cópia ou reprodução.
É por este motivo que recusamos materiais prontos para a criança completar e enfatizamos a possibilidade
de utilizar o desenho, a pintura, a dança, a fotografia para expressar um desejo de expressão dela.
A escrita é uma das linguagens utilizadas por nós, humanos. Justamente por isso, é importante deixarmos
claro que não é a linguagem mais importante na Educação Infantil. Como criação humana e como uma das

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formas de expressão, pode e deve ser apresentada às crianças, especialmente nestes tempos em que a escrita
está presente no dia a dia das pessoas.
É, ainda, urgente refletir sobre como esse processo deve acontecer, já que a escrita é um instrumento cul-
tural complexo que não se aprende de qualquer jeito. Além disso, a partir da forma como a apresentamos para
as crianças, elas formam para si uma concepção do que seja e para que serve a escrita. Diante disso, é nossa
responsabilidade promover uma relação positiva das crianças com a escrita, ou seja, precisamos apresentar a
escrita para as crianças na Educação Infantil de modo a criar nelas a vontade de ler livros, gibis, placas e escrever
histórias, bilhetes, relatos. Convém sempre lembrar que ler e escrever são verbos transitivos (e podem ser bitran-
sitivos: quem lê, lê alguma coisa para alguém, e quem escreve, escreve alguma coisa para alguém).
Quando ouvimos falar em alfabetizar as crianças do Ensino Fundamental até o 2º ano, podemos pensar que a
Educação Infantil precisará garantir, de alguma forma, o aprendizado do alfabeto e a construção de sílabas simples.
De fato, A EDUCAÇÃO INFANTIL TEM um IMPORTANTE TRABALHO a realizar com as crianças para que elas
se apropriem da cultura escrita – e se tornem BOAS LEITORAS E BOAS PRODUTORAS DE TEXTO. No entanto, a
forma como fazemos a nossa parte nesse processo não é ensinando e treinando o alfabeto ou fazendo as crianças
decorarem o nome das letras, nem ensinando a formar sílabas e, tampouco, a escrever palavras, seja por meio
da cópia ou treino.
Diferente do que se acreditava até pouco tempo atrás, antes das pesquisas nesse campo, ensinar a ler e a
escrever requer um processo vivo e verdadeiro que começa com a convivência da criança com situações em que
a(o) professora(or) usa a escrita de forma autêntica, ou seja, para escrever um relato coletivo das crianças de um
passeio feito com o grupo, quando:
• leem esse e outros relatos para as crianças;
• escrevem com as crianças coletivamente um bilhete que será enviado aos pais (as crianças criando o
texto e o adulto escrevendo e lendo para as crianças);
• escrevem coletivamente um convite ou quando o adulto lê para as crianças um convite recebido;
• o adulto escreve uma história criada coletivamente pelo grupo ou um relato de experiência vivida cole-
tivamente no parque, num passeio, numa atividade que encantou a turma.
Enfim, se na escola da infância os adultos cultivarem o hábito de registrar as vivências do grupo, a criança
vai percebendo a escrita em sua função social e vai, aos poucos, criando a necessidade de escrever, ela mesma,
como fazem os adultos. Para isso, na escola da infância sempre escrevemos o texto da criança ou do grupo – nun-
ca copiamos nada para a lousa. A(O) professora(or) é escriba da expressão das crianças. Mesmo quando a(o) pro-
fessora(or) usa a escrita para suas próprias atividades de registro e faz isso na frente das crianças, elas também
percebem a escrita como um ato social e a desejam, como acontece com tudo o que veem os adultos fazendo.

Quando falamos em função social da escrita nos remetemos ao para que serve a escrita na sociedade,
ou seja, por que ela foi criada, e ao modo como é utilizada socialmente. Demonstramos à criança a função
social da escrita quando usamos a escrita em sua função autêntica. Por exemplo, ao usarmos a escrita para
registrar algo que, de verdade, necessitamos: o plano do dia que vamos seguir e ao qual voltamos ao longo
do período para checar a sequência, as histórias dos nossos passeios para fazer um livro no final do ano,
uma história inventada pelo grupo e que vai virar um livrinho feito pelo grupo para presentear os familia-
res ou responsáveis na festa das famílias, ao seguir uma receita de culinária, ao fazer um inventário com
as crianças de todas as possibilidades do que fazer com o material que se tem. Outro exemplo é quando

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registramos com as crianças os acontecimentos de cada dia (quem faltou, o que fizemos) para manter um
livro da vida da turma e ao qual poderemos voltar depois para nos lembrar de algum acontecimento. Outro
exemplo ainda é quando escrevemos com as crianças uma carta solicitando uma benfeitoria para a escola.
Da mesma forma, com a leitura. A função social da leitura relaciona-se a situações em que lemos para
buscar uma informação que interessa ao grupo de crianças, saber algo, nos deleitar com um texto, soltar
nossa imaginação ouvindo uma história.

Quando apresentamos a cultura escrita para as crianças, seja na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental,
não ensinamos uma técnica (já que ler e escrever é muito mais do que a aplicação de uma técnica), mas apre-
sentamos um instrumento cultural que tem uma forma de uso. Para aprender essa forma de uso do instrumento
língua escrita, a criança precisa entender sua função social.
Mais que isso, Leontiev (um parceiro de Vygotsky) diz que é preciso educar um sentido para qualquer coisa
que queiramos ensinar para as crianças. Em outras palavras, antes de ensinar a ler e a escrever, é preciso que as
crianças entendam o sentido da escrita, isto é, compreendam para que servem os atos de ler e escrever. E é im-
portante lembrar que as crianças aprendem pela vivência. Em outras palavras, não adianta dizer a elas para que
serve a cultura escrita: elas aprendem a função social da escrita quando convivem com atos autênticos de leitura
e de escrita, ou seja, ao usarmos a escrita de verdade para os fins aos quais ela se destina:

• registrar algo para lembrar depois;


• escrever um poema, uma história;
• comunicar algo para alguém ou ler um jornal ou uma carta para saber notícias;
• ler uma receita de bolo para fazer o bolo, ler uma definição no dicionário para entender uma palavra da
história, ler uma história para curtir).
E tudo isso acontece naturalmente, quando a escrita é um instrumento utilizado segundo a função para a
qual ela foi criada: escrever para comunicar algo para alguém. Assim, quando se lê um poema, as crianças não
copiam, nem destacam palavras dele. Do mesmo modo, na leitura de uma história, a(o) professora(or) lê, as
crianças ouvem – não desenham nem copiam – ; uma receita de bolo, a(o) professora(or) lê enquanto as crianças
vão medindo os ingredientes e acrescentando algo à mistura.
Enquanto a criança vivencia essas situações que envolvem o uso autêntico da escrita, ela é sujeito de si-
tuações que envolvem a leitura e a escrita, forma para si a NECESSIDADE de ler e escrever. A NECESSIDADE é a
mãe de todo o aprendizado. Dessa forma, na escola da infância, antes de ter como meta o ensino da técnica do
escrever, devemos buscar criar nas crianças a necessidade (o desejo, a vontade, o prazer) de ler e escrever. Isso
pode ser feito a partir de algumas ações simples, mas importantes:

• espalhar livros pela sala e pela escola, lendo para elas;


• pesquisar, nos livros, assuntos que surgem nas conversas e que interessam às crianças;
• buscar palavras no dicionário, sobretudo quando surge uma palavra nova para o grupo;
• ler, regularmente, histórias que encantam o grupo;
• registrar, por escrito e coletivamente, a história dos passeios e as coisas interessantes que acontecem
no grupo;
• registrar, ao final do período, no “livro da vida da turma”, como foi o dia das crianças na escola e o
que fizeram;
• criar histórias que viram livros.

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Diante desse cenário, o texto deve ser sempre criado pelas crianças. (Para aprofundar esta discussão, leia
o texto Ensinar e aprender a linguagem escrita na perspectiva histórico-cultural, disponível em http://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2010000200011 )

Enfim, criamos a necessidade da cultura escrita nas crianças quando nós, professoras(es) a utilizamos na
escola e as crianças testemunham e vivenciam esse uso.
Quando lemos para o grupo, seja uma definição de palavra do dicionário, uma história ou uma informação
do jornal, a criança, além de criar para si a necessidade de ler - ela mesma - a exemplo do que fazem os adultos,
também aprende que, quando se lê algo, o exercício que o cérebro deve fazer é buscar o significado, a ideia, a
informação do que se lê. Da mesma forma, quando nós, professoras(es), escrevemos os textos que são falados/
produzidos pelas crianças, elas formam para si a necessidade de escrever – o desejo e a vontade de escrever elas
próprias – e também aprendem que, quando escrevemos, queremos comunicar uma ideia, uma informação, um
sentimento etc.
Dessa forma, educamos nas crianças o sentido da escrita, formamos uma atitude frente à cultura escrita. Em
outras palavras, as crianças educam seu cérebro para buscar o sentido do que se lê ou para comunicar um desejo
de expressão. Com essas práticas de ler para as crianças e de escrever os textos que elas formulam coletivamen-
te ou individualmente, formamos nelas a atitude leitora e autora de textos, que é essencial para ter sucesso na
escola futura e na vida.
Se, na Educação Infantil, criarmos nas crianças o desejo – a necessidade de ler e escrever -, elas chegarão
ao Ensino Fundamental desejosas de aprender a ler e a escrever.
Diferente disso, quando começamos por apresentar as letras e as sílabas para as crianças, quer seja na
Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, a língua viva se perde, isto é, o para que se lê e se escreve não é
vivido. Daí, independentemente da boa vontade e do nosso esforço, como professoras(es), as crianças aprendem
a atribuir à escrita um sentido alienado – “a gente escreve o que a professora manda”, ou “na escola, a gente não
escreve, só copia”. Além disso, quando ensinamos o cérebro das crianças a fazer a ligação entre som e letra – ao
ensinar a ler e escrever letra por letra ou a formar sílabas ou mesmo a escrever palavras soltas – o cérebro não
aprende a buscar o significado do que se lê e se escreve: fica viciado em relacionar som e letra. É isso que faz
com que muitos de nós tenhamos que ler um texto mais de uma vez para entender seu conteúdo e, muitas vezes,
nem chegamos a compreender o que lemos.
Por tudo isso, as pesquisas têm mostrado que devemos inverter a ordem como apresentamos a escrita para
as crianças: em lugar de começar pelas letras para chegar às sílabas e depois às palavras e, por último, ao texto,
começamos pelo texto (lendo os textos que trazem uma informação que as crianças buscam, uma história, uma
carta que chega para a turma, uma receita para um bolo que vamos fazer. Como lembra o educador francês
Celestin Freinet, ao ler, lemos os textos do mundo, desde que eles tenham algum interesse para o grupo. Ao es-
crever, escrevemos o texto das crianças (e, assim, nunca se copia nada).
A primeira relação das crianças com a escrita deve ser, então, por meio da leitura de textos pela(o) professo-
ra(or) (um artigo de jornal, uma informação numa revista, um gibi, uma história, um bilhete que a turma recebeu)
e da produção de textos de autoria das crianças (uma história que o grupo inventa e a(o) professora(or) escre-
vem; um bilhete para a família; um convite; uma carta solicitando algo para alguém; os combinados do grupo; a
página de cada dia do livro da vida do grupo).
Essa apresentação da cultura escrita não tem pré-requisito: desde bebês, as crianças podem e devem tes-
temunhar atos de leitura e escrita pela(o) professora(or). É por meio dessas práticas que as crianças dão o passo

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decisivo para se tornarem leitoras ou produtoras de texto, pois, por meio delas, aprendem a buscar um conteúdo
no texto. Quando são apresentadas à escrita por meio de letras, as crianças aprendem a procurar nos textos os
sons das letras, mas não a encontrar seus conteúdos. Por isso, não se tornam leitoras. Elas são até capazes de
oralizar, mas não conseguem ler, isto é, não conseguem compreender a mensagem do que leem; nem têm fluên-
cia ao escrever, pois aprendem a escrever os sons das letras, mas não ideias.

O que podemos ler na escola de Educação Infantil?

Para os bebês, o livro é um objeto que deve estar acessível à sua manipulação. Podemos conversar com os
bebês sobre os livros e suas figuras, chamar sua atenção para os objetos, animais, pessoas presentes nas figuras.
Mais tarde, podemos chamar a atenção das crianças para o encadeamento das ações: numa figura o cachor-
ro está parado e, na próxima, aparece correndo. Ou então: numa figura o pato aparece em terra e, na outra,
nadando. Aos poucos, esse encadeamento das ações chegará a compor a história. Quer seja para os bebês ou
crianças maiores, os livros devem estar disponíveis para a exploração das crianças e nós, adultos, os lemos para
as crianças. Com livros disponíveis na altura das crianças, cumprimos duas tarefas essenciais que desafiam a es-
cola infantil hoje: criar nas crianças o hábito de leitura e acabar com os tempos de espera das crianças na escola.
Desse ponto de vista, é fundamental que TODAS as Unidades Educativas tenham livros disponíveis na altura
dos olhos e mãos das crianças, e a leitura para as crianças deve ser uma prática diária. É importante lembrar que
na hora da leitura, tanto o adulto apresenta um livro novo, como as crianças escolhem uma leitura a ser feita: o
importante é criar uma cultura de relação prazerosa com os livros. Para isso, vale a(o) professora(or) preparar a
leitura do texto, usar vozes diferentes para os personagens, ler com ênfase criando curiosidade e deixar livre a
adesão das crianças (as crianças não devem ser obrigadas a ouvir uma história... devem ser atraídas pela forma
como o adulto lê a história). Um combinado no grupo será importante: enquanto o grupo participa de uma leitura
de história, quem não quiser participar, faz outra coisa em silêncio. E o desafio colocado para a(o) professora(or)
é, justamente, ler uma história de tal maneira atraente de modo que todas as crianças queiram ouvir. Mas nin-
guém deve ser obrigado a isso.
Hoje, sabemos que a criança aprende na ATIVIDADE, isto é, quando é SUJEITO nos processos vividos. Em
outras palavras, quando:

• ajuda a arrumar o espaço, a decidir coisas sobre a atividade;


• toma iniciativa ou faz sugestões e é acolhido;
• faz propostas e é ouvido;
• é agente no processo e não objeto que apenas ouve e faz o que o adulto propõe.

Assim, desde bebês, evitamos que as crianças fiquem esperando o adulto arrumar, organizar, tomar deci-
sões, fazer coisas enquanto as crianças apenas olham e esperam. O melhor é fazer com o grupo de crianças mes-
mo que isso leve mais tempo, pois enquanto agem, as crianças aprendem a pensar e formam uma imagem positi-
va de si mesmas. Enquanto esperam, as crianças apenas aprendem a esperar e a se conformar, mas não formam
ou desenvolvem sua inteligência e sua personalidade, não aprendem a pensar, não valorizam suas identidades.
Para as crianças maiores, os portadores de texto se ampliam: notícias de jornal sobre temas do interesse
das crianças (dinossauros, preguiças gigantes, baleias, migração de aves etc.), gibis, dicionários, enciclopédias,
livros de consulta (livros de biologia, geografia, ciências etc. do Ensino Fundamental e Médio), revistas, livro de
poemas e de curiosidades. Quando temos agrupamentos de crianças de diferentes idades em lugar de grupos

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organizados com todas as crianças de uma mesma idade, as maiores podem ser “leitoras” para as menores. Vale
dizer que a organização por agrupamentos já acontece nas experiências mais bem sucedidas pelo mundo afora
e favorece o desenvolvimento de todas as crianças, pois as maiores criam para as menores aquilo que Vygotsky
chama de zona de desenvolvimento próximo ou iminente, e as maiores aprendem ao “ensinar” e ao se perceber
como modelo para os menores. Isso não acontece quando reunimos duas turmas para ver televisão, pois nesta
condição não há interação qualificada entre as crianças. Falamos de situações diárias em que grandes e menores
compartilham a vida na escola e têm todos os momentos de atividade conjunta. É nesta condição que potencia-
lizamos o desenvolvimento dos maiores e dos menores, ao mesmo tempo.

E sobre o que se pode escrever?

Importante lembrar que, na Educação Infantil, as crianças vivenciam a cultura escrita testemunhando atos
de escrito dos adultos, fazendo relatos que os adultos escrevem, elaborando um convite que os adultos escre-
vem, criando uma história que os adultos escrevem. As crianças não precisam escrever ou copiar, mas participar
do processo mais importante que é a elaboração do texto a ser escrito, compreendendo (formando para si) a
função social da escrita, ou seja, apropriando-se da escrita como um instrumento cultural complexo.
Todos os assuntos sobre os quais as crianças tenham algo a dizer podem ser temas da escrita. Isto é, pode-
-se escrever sobre algo que elas estejam vivendo ou tenham vivido. Desde o registro do plano do dia, quando
apresentamos nosso plano e consultamos as crianças e registramos num canto da lousa o que vai acontecer até
passeios, descobertas, explorações sobre um tema que interesse ao grupo ou uma história inventada no coletivo.
Os acontecimentos do dia também devem ser comentados pelas crianças ao final do dia e registrados pela(o)
professora(or) num caderno que vai compondo a história da turma.
Temas que interessam as crianças podem e devem ser pesquisados no grupo (professora(or) e crianças). Tais
temas se relacionam ao conhecimento do mundo que está se abrindo para as crianças: de dinossauros a insetos,
de naves espaciais a brinquedos que os pais ou avós usavam quando eram pequenos. A curiosidade das crianças
frente a tudo o que vão conhecendo cria um universo de temas que podem ser explorados por meio de vídeos,
textos de jornal, revistas, livros, relatos de pessoas, entrevistas, conversas etc. Nessa perspectiva, é importante
diferenciar o uso pobre que se faz do vídeo quando as crianças se sentam caladas a ver um filme para ocupar o
tempo delas e o uso que promove desenvolvimento, o que acontece, por exemplo, quando as crianças se sentam
para buscar conhecer por meio de um vídeo a vida dos bichos, a partir do interesse despertado pelo projeto que
estão realizando com o grupo.
Quando damos voz às crianças e consideramos suas vontades de saber, não precisamos mais lançar mão
de temas que preenchem o tempo das crianças na escola sem promover seu desenvolvimento cultural, como
acontece com as datas comemorativas. O trabalho com datas comemorativas na escola surgiu e se intensificou
num momento histórico em que interessava desmerecer os conteúdos escolares e, por consequência, o trabalho
das(os) professoras(es). Em seu conjunto, misturam-se temas que, de fato, merecem ser discutidos com outros
que têm carácter meramente comercial e ambos são tratados de forma superficial. Sendo assim, é necessário
fazer um balanço! Temos, por um lado, temas que merecem ser discutidos porque fazem avançar o desenvolvi-
mento humano, tais como: a superação de preconceitos, a relação da criança com a família, o reconhecimento
dos direitos das crianças, a igualdade de gênero, o reconhecimento das etnias que constituem o povo brasileiro
devem estar presentes no dia a dia da escola e não ser objeto de uma festa ou um conjunto de pequenas tarefas
que as crianças realizem sem compreender seu sentido. Por outro lado, temas que já não correspondem à vida

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atual e não provocam seu envolvimento e desenvolvimento devem ser repensados. Por exemplo, em 2015, 40%
das famílias brasileiras era chefiada por mulheres. Dentro desse universo, é alto o número de lares compostos
por apenas mãe e filhos. Um percentual pequeno, mas, ainda assim, significativo de famílias é composto por pai
e filhos. Isso tem levado as escolas a abolir as comemorações de datas como “dia das mães” e “dia dos pais” re-
alizando, em vez disso, a festa das famílias.
Um currículo para a Educação Infantil no século XXI não precisa ser baseado em datas comemorativas.
Desde que descobrimos – com auxílio da psicologia, das neurociências, da antropologia, da sociologia – o papel
essencial da educação na formação da inteligência e da personalidade da pessoa, não podemos mais nos conten-
tar com um currículo empobrecedor, como acontece quando nos curvamos ao comércio e nos deixamos orientar,
em nosso trabalho pedagógico, por elementos externos à escola e ao processo de desenvolvimento cultural e
psíquico das crianças.
Finalmente, é importante lembrar que, momentos significativos de reflexão que contribuem para alcan-
çarmos a qualidade almejada para o currículo, no que diz respeito à cultura escrita e às múltiplas linguagens
na escola da infância, são contemplados nos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana. Os itens
referentes à participação, escuta e autoria de bebês e crianças e à multiplicidade de experiências e linguagens
em contextos lúdicos para as infâncias orientam essa busca de qualidade. Uma maneira de avaliarmos, com pro-
fundidade, nosso trabalho docente é a utilização do Indicadores refletidos no coletivo da unidade educativa, na
qual podemos, também, ampliar a discussão em torno das formas adequadas de apresentar a cultura escrita para
as crianças a fim de fazer delas boas leitoras e boas autoras de texto.
Estudiosos do desenvolvimento humano na infância (ZAPOROZHETZ, 1987; MUKHINA, 1995) têm mostrado
que a melhor forma de potencializar o desenvolvimento cultural e psíquico das crianças não é pela transformação
precoce das crianças pequenininhas em pré-escolares e no tratamento de pré-escolares como escolares, mas
com o aprofundamento das atividades lúdicas, práticas e plásticas. Deixar a criança viver a infância - enquanto
apresentamos o mundo da cultura para ela – faz nascer o desejo de saber, o desejo de aprender sobre tudo e – se
ela conviver com gente que lê e escreve para ela – também o desejo de ler e escrever. Possibilitar que as crianças
na Educação Infantil criem para si a vontade de ler e escrever é a maior contribuição que podemos almejar para o
trabalho docente. Não queremos crianças cansadas de escola, desejamos crianças ansiosas por mais escola. Esse
é um desafio que enfrentamos com estudo e intencionalidade.
Celestin Freinet (1979) propõe que aquilo que é significativo para a criança (assuntos que a criança conta na
roda e que contagia as outras crianças) torne-se objeto de desenho, de escrita ou de investigação. Ao longo de
sua vida, esse educador francês criou algumas técnicas para inserir a criança na cultura escrita desde pequenini-
nha, sem obrigá-la a copiar ou a fazer exercícios repetitivos. Em seguida, descrevemos algumas dessas técnicas
que usam a escrita com as crianças exercitando sua função social.

1. Jornal da turma

a) As novidades que as crianças contam na roda são escritas no quadro, sempre identificando a autoria.
Por exemplo:
Minha avó chegou de Campinas. (Luisa)
Eu comi um pão inteiro que a minha mãe fez. (Pedro)
Minha irmã perdeu um brinco na festa do batizado. Todo mundo procurou e ninguém achou. (Suzana)

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b ) Depois de registrar cada uma das novidades e esgotar os comentários que cada novidade suscita,
é hora de escolher uma por votação para ir para o jornal da turma. (A votação é estimulada pela
Pedagogia Freinet como forma de a criança exercitar a escolha, desenvolver a argumentação, apren-
der a conviver no coletivo em que nem sempre seu ponto de vista prevalece).

c ) O texto escolhido é (num momento posterior) impresso, sendo exemplar para cada criança da turma
(mais o da(o) professora(or) e um para a biblioteca da sala)

d) no dia seguinte, o texto volta para as crianças para ser ilustrado.

e ) Na hora de ilustrar, a(o) professora(or) lê o texto “junto” com as crianças. Cada criança ilustra a página
que vai compor o seu exemplar do jornal (que conterá novidades de todos os amigos). Nessa hora, ela
pode fazer a escrita do seu nome e da data na página ilustrada por ela (a escrita do nome a partir do
crachá e a escrita da data a partir da lousa). Esse material vai compor o jornal da turma (com notícias
das crianças da sala).

f ) Quando todas as crianças da turma tiveram uma notícia de sua autoria no jornal, é hora de preparar
uma capa com as crianças. A(O) professora(or) pode multiplicar um “selo” com o nome da turma,
nome da escola, nome da professora, ano, número do jornal para as crianças colarem na capa que será
ilustrada por elas. Pronto o jornal da turma, cada criança pode levar o seu para casa com as notícias de
toda a turma. O jornal da turma pode ser desenvolvido com crianças a partir dos 3 anos (nessa idade,
em geral, é a(o) professora(or) quem escreve o nome da criança e a data em cada ilustração).

2. Registro escrito do desenho


Na fase inicial de familiarização da criança com a leitura e a escrita, tudo se registra pelo desenho – uma vi-
sita, uma história contada por alguém, um passeio, um acontecimento na escola ou relatado no grupo que chame
a atenção das crianças. A(O) professora(or) pode sempre escrever (na frente da criança) a “história” do desenho
de cada criança – aquilo que a criança diz que desenhou - num canto ou no verso da produção da criança. Assim,
elas diferenciam o desenho da escrita.

3. Os combinados na turma
Quando surge um problema no grupo, faz-se uma “assembleia” para resolver e aproveita-se para fazer
combinados (regras de convivência que são combinadas no grupo). A(O) professora(or) coordena a assembleia,
apresentando, inicialmente, o problema e, depois, fazendo perguntas que leve o grupo a refletir sobre a questão
em discussão e buscando, em seguida, fazer um combinado para superar o problema. Por exemplo, depois que
duas crianças se bateram, a(o) professora(or) reúne a grupo e discute, genericamente, sem precisar dar nomes:
“O que vocês acham de bater nos amigos?”. As crianças vão falar e é importante que todos digam o que pensam.
“É legal brigar?” Novamente, muitos comentários das crianças. “O que podemos fazer para evitar que isso acon-
teça?”. Aos poucos, vão chegando a algumas conclusões e podem fazer um combinado (uma regra). “Quando
a gente não gosta de alguma coisa, a gente conversa”. A(O) professora(or) escreve o combinado num pequeno
cartaz e as crianças ilustram o cartaz que vai para a parede para que todos possam se lembrar dos combinados.
Todos os dias, esse e outros combinados são comentados na roda inicial pra lembrar o grupo enquanto eles fo-
rem necessários. E todo fim de dia, na roda final, o grupo comenta o cumprimento dos combinados.

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4. Correspondência interescolar
A correspondência por meio de cartas pode ser estabelecida com uma turma de outra escola ou de outra
cidade, outro estado e até de outro país. É uma forma de trocar informações e produções, fomentar o desejo de
ler, escrever e conhecer mais.

a) As crianças sempre produzem o texto coletivo e a(o) professora(or) escreve na lousa.

b ) ao final, a(o) professora(or) lê o texto para provocar as correções com a turma (as crianças participam
oralmente e não copiam nunca!)

c ) depois da lousa, a carta pode ir para um cartaz na parede para que a turma se lembre do que escreveu
e para um papel de carta que pode ser produzido pelas crianças, por exemplo, colando sulfite para
fazer um papel comprido em que a(o) professora(or) escreverá, com letras grandes, cada parágrafo
deixando espaço para as crianças ilustrarem. Pode-se, ainda, produzir uma carta bem bonita que será
enviada para os correspondentes e, depois disso, é só aguardar a resposta para, em seguida, retomar
o ciclo: responder, esperar a resposta e responder. Com o tempo, o grupo pode selecionar presentes
para a turma de correspondentes, fazer um jogo, enviar um exemplar do jornal da turma etc.

5. História coletiva
A partir experiência de ouvir histórias, as crianças podem criar uma história. No início, a participação e
orientação da professora ou do professor com perguntas que orientem na organização da história será funda-
mental: quem aparece na história? Como a história começa? O que acontece na história? E depois? Como a
história termina? As crianças sempre produzindo o texto e a(o) professora(or) registrando.
Ao final da produção, a(o) professora(or) lê o texto para ser corrigido pela turma (“falta uma parte”, “falta
uma explicação”, “repete demais uma palavra”, “falta o fim” etc.). Concluída a “correção”, o texto vai para um
cartaz, o qual ficará na sala enquanto a turma faz o livro de história.
Nesse cartaz, o grupo (professora com as crianças) divide as partes do texto que deverão aparecer em cada
página da história (deixando um espaço para a ilustração): “que parte do texto vem na primeira página do nosso
livro?” “E na segunda?”
A(O) professora(or), então, reproduz cada página da história: uma para cada criança. Esse trabalho pode
ser feito com um grupo de crianças. Nos dias seguintes, prevê um horário na rotina diária para a ilustração do
livro, uma página de cada vez. A(O) professora(or) lê para o grupo o texto da página e cada criança ilustra a sua
e escreve seu nome (com ajuda do crachá) e data da atividade (que deve estar na lousa). Ao final, cada criança
terá todo o livro ilustrado por ela.
É hora de ordenar, enumerar, grampear e fazer a capa do livro. Pode-se pregar um “selo” impresso na capa
de cada livro com: o nome da história, o nome da turma, o nome da(o) professora(or) e o ano da elaboração do
livro. Além disso, cada criança pode escrever seu nome na capa (de novo, utilizando o crachá) e fazer a ilustração
da capa.
Essa mesma estratégia pode ser trabalhada para a produção de livros sobre passeios, receitas de culinária
feitas pela turma, situações vividas pelo grupo, pesquisa - sempre com textos gerados pelo conjunto das crian-
ças. O texto é construído, coletivamente, na conversa da(o) professora(or) com as crianças e o adulto escrevendo
o texto que o grupo propõe. Em seguida, lê o texto produzido pelo grupo, que pode querer corrigir, acertar ou
modificar algo.

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6. Álbum de investigação
A elaboração do álbum de investigação exige a seleção, com o grupo de crianças, de um tema de interesse
do grupo. No texto inserido a seguir, a professora Maria Carmen Díez conta como esse processo de investigação
(também conhecido como trabalho por projeto) aconteceu na sala dela.
“Os Elefantes” são uma turma de 5 anos e estão interessados nos dinossauros. Este ano, o início das aulas
chegou carregado de aventuras. Não foi necessária nenhuma situação especial, as propostas chegavam sem pa-
pel de presente e foram invadindo a sala.
Enquanto pintam e jogam, discutem sobre os dinossauros: se existiram ou não, se são carnívoros, porque já
não há dinos, se eram homens ou animais, se eram bons ou maus... Na segunda-feira, na roda, Davi contou que
havia ganhado um “presente caro”. Ao perguntar-lhe o que era, respondeu com ênfase: “Um dinossauro, o que
mais poderia ser?”, o que, imediatamente, desencadeou algo mais que minha surpresa.
Os apaixonados pelo assunto começaram a falar disso. Discutiram e me perguntaram mil coisas, mas eu não
sabia aclarar muitas de suas dúvidas. Então, Antônio contou que sua mãe gravara coisas de dinossauro e que “se
víssemos o vídeo, saberíamos tudo o que precisávamos saber”. Por isso, pedi que o trouxesse.
Xavier falou de uma exposição de dinossauros, “mas não de ossos, como uma que mostraram na televisão,
mas de fotos”. Proponho que venha um colega da escola de Ensino Fundamental que sabe coisas de dinossauros
e tem livros sobre eles. Vota-se e sai um “sim” unânime. Carlos pede uma carta da classe para mandar para outras
escolas pedindo material sobre dinossauros. Resolvemos fazer a carta. Davi sugere que um dia todos poderiam
trazer seus dinossauros para a escola e brincar com eles todos juntos.
Decidimos, então, que se alguém tivesse mais alguma ideia poderia para a turma.
Não é possível contar muitos detalhes de tudo o que aconteceu, mas tratarei de dar algumas pinceladas que
permitam entrever o que houve de prazeroso e apaixonante para as crianças... e para nós, adultos.

Algumas propostas
Vamos fazer cavernas para que vivam aqui, um rio cor de prata, montanhas e o cometa que caiu. Podíamos
fazer um dinossauro dos que voam para pendurar no teto. Vamos fabricar uns dinossauros para enfeitar esse
canto! Vamos brincar que somos dinossauros e um cometa cai e mata todos nós. Vamos brincar que a gente luta
por uma terra ou que ficamos congelados. Vamos para o pátio procurar ossos enterrados e se encontrarmos,
construímos um dinossauro. Eu vou trazer um vídeo sobre dinossauros. E eu vou trazer um livro que a minha
vizinha me mostrou. E eu, um livro do meu irmão.
Algumas perguntas das muitas que fizeram para Lourenço, o “especialista” do 3º ano que veio falar sobre
dinossauros: por que os dinossauros morreram? Eles soltavam fogo? Como voavam com tanto peso? Por que
tinham espinhos nas costas? Por que eram tão grandes? Eles atacavam as pessoas? É verdade que no gelo ainda
encontram pedaços de dinossauros? Eles podem voltar?
Fizeram algumas rimas: O tricerátops usa sapatos, Dragão, você é um cagão! Grandão, você é um bobão!
Algumas palavras que apareceram: herbívoro, carnívoro, dinossauro, diplodocus, pterodáctilo, tricerátops,
brontossaurio, dragão, tiranossauro, ave, mamífero, réptil, manada, macho, fêmea, cria, lagarto, aquático, ter-
restre, marinho, voador, selvagem, perigoso, devorar, refúgio, toca, caverna, mar, rio, lago, montanha, terra, fu-
maça, vapor, clima, selva, gelo, congelar, alimento, defesa, desaparecer, princípio, mistério, antigo, pré-história,

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pegadas, cometa, meteorito, planeta, escavação, museu, fóssil, esqueleto, espaço, vulcão, fotocópia, enciclopé-
dia, reconstruir, dicionário, explosão etc.

As reflexões das crianças


“Quando eu era pequeno, eu pensava que os dinossauros tinham desaparecido porque tinham comido to-
das as árvores. Depois, eu aprendi que foi um cometa ou o clima e, depois, os jornais falaram que foi por causa
dos vulcões... mas isso não pode ser”. “A gente pode aprender o que quiser procurando nos livros”. “O que dizem
os livros, é sempre a verdade ou não?” “Por que uns dizem que tem um dragão no lago Ness e outros dizem que
não? Ou tem ou não tem!” “Eu fico com pena que uns dinossauros comam os outros, mas eu sei que isso é assim
mesmo...” “Eu já sei coisas dos dinossauros, agora eu quero saber por que meu avô morreu.” “Como é que muita
gente não sabe nada sobre os dinossauros? Isso é muito importante!” “Se alguém ficar bem quietinho e se pas-
sarem uns mil anos, vira fóssil?” (Vendo um livro sobre animais na página dos gorilas): “Assim éramos nós antes
de sermos homens!”

Avaliação
“Entendemos que as propostas foram muito ricas, criativas e maduras e sua realização exercitou muito a
autonomia das crianças. Entendemos que o trabalho por projetos foi favorecido pela experiência anterior de tra-
balho em ateliês (cantos, oficinas) que exercita muito a autonomia na aprendizagem. As crianças acostumadas a
trabalhar em ateliês estão acostumadas a ter ideias e tomar iniciativas para levar essas ideias até o fim.
As contribuições das famílias são muito importantes, tanto em relação ao material como no incentivo às
crianças em casa ouvindo o que acontece na escola.
Alguns momentos foram mais importantes e aglutinadores da atividade: a escavação no pátio de caça aos
ossos e a construção de um esqueleto de peças de papelão, já que não se encontraram ossos no pátio, apesar da
decepção inicial. A exposição de Lourenço, o menino do 3º ano, foi muito boa e muito respeitada pelas crianças.
Uma letra de música que falava dos dinossauros que foi criada pelas crianças para uma música bem conhecida.
Percebeu-se uma evolução do pensamento das crianças, que no início falavam coisas como: “eu tenho medo
de dinossauros porque eles comem gente” e “e se eles voltarem?” e depois haviam dado um salto com as novas
informações: já não duvidavam de que eles tinham existido, mas que já não existiam e que quando eles viviam na
terra, não havia homens, sabiam o que eles comiam, como viviam, como desapareceram.
O entusiasmo pelo tema acabou por envolver a todos: dos mais tímidos aos mais desinteressados ou distra-
ídos: todos trabalharam com alegria e aprenderam muito. Na verdade, toda a escola acompanhou o desenvol-
vimento do tema e isso também animou muito a turma. Desse tema que durou quase um mês, outros surgiram
e as crianças ficaram animadas para começar o estudo de outros: fósseis, esqueletos, minerais, a evolução das
espécies...
À professora, foi um incentivo e, ainda que o trabalho tenha se multiplicado, creio que valeu a pena. O vo-
cabulário trabalhado deu grandes saltos, tomamos um banho de dinossauros, pré-história e evolução. Passamos
um tempo investigando algo que não sabíamos nem as crianças, nem a professora e aprendemos bastante.
É preciso destacar, nessa avaliação, que o fio condutor principal dessa experiência foi:
- Queremos saber algo
- Procuramos nas fontes adequadas (livros, pessoas etc.)
- Reunimos as informações, a professora as leu, organizamos, registramos”.

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A experiência relatada por essa professora pode ter, como produto final, um álbum produzido, como o livro
de histórias. Para a confecção do álbum de investigação, Freinet (1973) propõe:

a ) que esse processo rico de investigação seja acompanhado de um registro diário do conhecimento que
a cada dia foi se construindo: explorando os materiais que o grupo juntou sobre o assunto e que a
professora leu, vendo vídeos, conversando com gente que sabe. Esse registro é feito, a cada dia, pela
professora a partir da fala das crianças (“O que aprendemos hoje sobre os dinossauros”?) em uma
folha grande de papel afixada na parede e torna-se, aos poucos, um texto.

b ) ao término da exploração de todo o material e possibilidades de conhecer sobre os dinossauros, pro-


duz-se um livro nos moldes do que se faz com a história coletiva.

7. Livro da vida
É um registro diário que a(o) professora(or) faz e que fica na escola para sempre. Esse material não é multi-
plicado para a turma. Faz-se apenas um exemplar que fica na escola. As famílias/os responsáveis podem ver nas
reuniões e as crianças podem ver todos os dias. Esse registro é feito na roda final de cada dia, quando as crianças
comentam e avaliam o dia. A(O) professora(or) registra o que as crianças dizem. Ao final, lê para elas e elas em
grupo ou individualmente (por rodízio) ilustram o registro do dia.

Para finalizar, se começamos a promover o contato prazeroso e funcional com a escrita na - lendo histórias
para elas, registrando o que se faz - a criança desenhando e a(o) professora(or) escrevendo e lendo para elas - aos
6 anos, ela arriscará a escrita por iniciativa própria: não apenas lendo e escrevendo o seu nome e o dos colegas. E
o que é MAIS IMPORTANTE: entendendo a escrita como um instrumento cultural que tem um significado/função
social para o qual ela está atenta. O importante é, como diz Vygotsky, não cair no equívoco de apresentar as letras
e se esquecer de apresentar a linguagem escrita para as crianças.

Referências

FREINET, C. As técnicas Freinet da Escola Moderna. Tradução: Silva Letra. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.

FREINET, C. O itinerário de Célestin Freinet: a livre expressão na Pedagogia Freinet. Tradução Priscila de Siqueira. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1979.

MUKHINA, V. Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

ZAPORÓZHETS, A. Importancia de los períodos iniciales de la vida em la formación de la personalidade infantil. In: DAVIDOV, V.;
SHUARE, M. (org.). La psicología evolutiva y pedagogica en la URSS. Antología. Moscú: Editorial Progresso, 1987. p.228-249.

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