54 - Tecnologia, Trabalho e Pandemia No Capitalismo em Crise - Admirável Mundo Novo

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Editorial

EDITORIAL
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.277

Tecnologia, trabalho e pandemia


no capitalismo em crise:
admirável mundo novo?*
Technology, work and pandemic in capitalism
in crisis: admirable new world?

Raquel Raichelisa
https://orcid.org/0000-0003-3275-3755

A
s profundas transformações provocadas pela crise estrutural do
capital nas últimas décadas vêm impactando a vida de milhares
de trabalhadores e trabalhadoras que vivem da venda de sua força
de trabalho. Com a eclosão da pandemia da covid-19, a partir do início de
2020, esse panorama se agravou dramaticamente em todo o mundo com
as medidas de isolamento social e a estagnação das atividades econômi-
cas, provocando demissões em massa, cortes nos salários, deterioração
das condições de vida e inseguranças quanto ao presente e ao futuro.
Contudo, os acontecimentos atuais, que envolvem a crise sanitária
provocada pelo novo coronavírus, só ganham inteligibilidade se forem
conectados ao panorama mais amplo da crise estrutural do capitalismo,
que se vê confrontado com suas próprias contradições. As crises no ca-
pitalismo, como sabemos, não são fatores episódicos nem excepcionais,
mas processos que se se sucedem — “contradição em processo”, na
observação de Konicz (2020). Como totalidades históricas concretas e
contraditórias, a “instabilidade e a propensão às crises — mas também
a dinâmica destrutiva — do sistema capitalista resultam da tendência do

*Agradeço a leitura atenta deste texto realizada por Renato Francisco dos Santos Paula, membro do Comitê Editorial
deste n. 144 da Serviço Social & Sociedade, especialmente a sugestão do título deste editorial.
a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo/SP, Brasil.

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Raichelis, R.

capital, mediado pelo mercado, de reduzir o uso do trabalho assalariado


no processo produtivo” (Konicz, 2020, p. 35).
Assim, as rupturas econômicas não são “novas crises”, como obser-
va o autor, mas impulsos repetidos de crise em processo, pois o capital
precisa se expandir ou se autodestrói; e, ao fazê-lo, tenta se livrar da sua
própria substância — o trabalho assalariado —, processo impulsionado
pelo progresso técnico que aprofunda a contradição entre as relações
sociais de produção e as forças produtivas do trabalho (Marx, 1968).
Nesse contexto, as transformações tecnológicas se aceleram e re-
volucionam as forças produtivas, introduzindo novas técnicas cada vez
mais intensamente incorporadas a processos produtivos, produtos e
mercadorias, que dispensam grandes contingentes de trabalho vivo,
ampliam a superpopulação relativa e criam massas de trabalhadores(as)
descartáveis e supérfluos para as necessidades médias de valorização
do valor.
Como analisa Tauile (2001), o domínio das técnicas é instrumento
das relações de poder social e mola propulsora da concorrência no ca-
pitalismo moderno. A revolução industrial é a materialização de uma
revolução tecnológica no próprio modo de produção capitalista iniciado
com a revolução mercantil, que ampliou enormemente os espaços e o
alcance das relações capitalistas de produção. Para o autor, apoiado em
Marx, a característica principal da revolução industrial “é ser uma onda
de cristalização do conhecimento humano, no caso, materializado no
trabalho fabril, em máquinas e equipamentos que tem a forma social
de capital fixo” (Tauile, 2001, p. 21).
Desde então, as mudanças na base técnica — da eletromecânica à
microeletrônica na passagem do século XX para o século XXI — perma-
necem revolucionando as forças produtivas em busca de novas formas
de extração do excedente por meio do aumento da produtividade do
trabalho. A difusão da base técnica microeletrônica materializa uma
nova revolução tecnológica em curso e abre um leque de possibilidades
de articulação dos agentes produtivos nos processos de trabalho. As

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Tecnologia, trabalho e pandemia no capitalismo em crise

novas formas de produção e repartição do excedente competem pela


hegemonia para se tornar o padrão socialmente necessário, que garante
lucro extraordinário da renda tecnológica do monopólio, de um lado; e,
de outro, impõe perdas da desvalorização do trabalho, provocando mais
uma crise do trabalho (Tauile, 2001, p. 121).
Embora com incidências distintas no centro e na periferia do ca-
pitalismo mundializado, o processo generalizado de automação e de
suporte digital ao trabalho atinge os países do sul global, como o Brasil,
de acordo com as particularidades de sua inserção subordinada na divi-
são internacional do trabalho, mais como consumidor do que produtor
de artefatos e dispositivos tecnológicos, e, portanto, dependente dos
grandes conglomerados que hegemonizam as tecnologias de informação
e comunicação (TIC), a indústria 4.0, a robótica, a inteligência artificial
(IA) e as gigantescas plataformas digitais. A amplitude e o alcance das
tecnologias digitais impactam a totalidade dos processos de trabalho, não
apenas a produção material do “chão da fábrica”, mas também o amplo,
heterogêneo e diversificado trabalho no “setor” de serviços, incluindo os
serviços públicos e as instituições governamentais, portanto com reba-
timentos no trabalho de assistentes sociais.
Como observa Tauile (2001, p. 120), a aplicação da base técnica
microeletrônica encontra caldo fértil justamente nos serviços, principal-
mente naquelas atividades que lidam com manipulação de informações
padronizadas, que ganharam impulso com a automação bancária a
partir da década de 1970, exatamente na transição da base técnica da
eletrônica para a microeletrônica. Nesse âmbito, o que se observa, de
modo geral, é que:

[...] à medida que as informações e os conhecimentos do saber trabalhador


são crescentemente codificados nos dispositivos eletrônicos de processa-
mento de dados, para uma grande maioria de atividades de operação de
equipamentos e de utilização de bens de consumo durável, ou ainda, de
terminais de serviços com base nas novas tecnologias, há nitidamente um
processo de simplificação dessas atividades (Tauile, 2001, p. 123).

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Nesse contexto, o movimento de subsunção real do trabalho ao capital


(Marx, 1968), como expropriação de conhecimentos e de energias vitais
dos(as) trabalhadores(as), sofre uma inflexão no trabalho em serviços,
considerando que a informação e o conhecimento são a base das atividades
de coleta massiva, registro, codificação, armazenamento, processamento
e uso de dados próprios do trabalho intelectual no âmbito dos serviços.
Para Bolaño (2002 apud Valente, 2021, p. 179), a subsunção do tra-
balho intelectual é um traço constitutivo da etapa do sistema inaugurado
no fim do século passado, na chamada terceira Revolução Industrial. O
digital é exatamente o suporte da informação, não um novo tipo de tra-
balho ou um adjetivo a ser agregado ao trabalho em função do tipo de
tecnologia empregada, como argumenta Valente (2021). Daí a crítica do
autor ao uso do termo “trabalho digital”, da mesma forma que não tem
sentido falar em “trabalho mecânico” no século XIX nem em “trabalho
eletrônico” para um conjunto de atividades desenvolvidas no século XX.
O uso digital, como suporte da informação, teve nas TICs a base para
o desenvolvimento relacionado a um “novo paradigma calcado na coleta
massiva de dados (dataficação), ao processamento inteligente por meio
de algoritmos e sistemas de inteligência artificial e à oferta de serviços
personalizados e moduladores de comportamentos, sobretudo por meio
de aplicativos (apps) para cada vez mais atividades (construindo uma
‘appzação de tudo’)” (Valente, 2021, p. 180).
Esta processualidade própria da produção capitalista da “era digital”
foi potencializada com o advento da pandemia da covid-19, contexto em
que as TIC, notadamente sua aplicação nas diversas modalidades de
trabalho remoto ou teletrabalho, tanto nas atividades materiais quanto
nas atividades imateriais, funcionaram como um grande laboratório
para o capital e seus representantes no aparelho de Estado, viabilizando
a exponencial ampliação da produtividade do trabalho mediante a redu-
ção do trabalho vivo e a maximização do trabalho morto; a diminuição
dos custos do trabalho; o aprofundamento das estratégias de controle e
vigilância; a destruição de direitos e conquistas da classe trabalhadora.

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Nessa mesma direção, Grohmann (2021, p. 41) afirma que o trabalho


em plataformas é um “laboratório da luta de classes”, no qual as forças
do capital experimentam novas formas de controle e gerenciamento do
trabalho; e, num movimento dialético, também abrem possibilidades para
os(as) trabalhadores(as) experimentarem novas maneiras de associação e
cooperativismo autogestionários, por meio de plataformas de propriedade
de trabalhadores(as).
Importa destacar que, para o autor, esse processo de “plataformiza-
ção do trabalho” é um movimento generalizado que ocorre não apenas
com entregadores de mercadorias solicitadas por aplicativos, mas também
com professores(as), designers, jornalistas, pedreiros e, acrescento, tam-
bém com assistentes sociais. Isso se deve não só à crescente dependência
das atividades de trabalho em relação às plataformas, entendidas como
meios de produção e meios de comunicação (Grohmann, 2021, p. 41-42),
mas igualmente porque não há um único perfil de trabalhador(a) ou
de plataforma. Ao contrário, trata-se de uma configuração altamente
heterogênea, com a presença de marcadores de classe, gênero e raça
muito nítidos. Basta observar o perfil dos entregadores, em sua maioria
homens, negros e jovens. Ou as plataformas de trabalho doméstico, com
predomínio de mulheres negras. Cabe acrescentar a concorrência merca-
dológica desenfreada entre as diferentes plataformas (de fato, empresas,
embora não se apresentem como tais), que disputam entre si o maior
número de usuários/clientes e, então, precarizam ainda mais as condições
de trabalho com vista a oferecer “melhores serviços” com menor preço,
à custa do aumento da exploração da força viva de trabalho.
Ainda que haja essa possibilidade de experimentos controlados por
coletivos de trabalhadores(as) — e há inúmeros e significativos experi-
mentos em desenvolvimento —, é o capital, hegemonizado pela sua fração
financeira, com vista à amplificação do lucro sem limites, que, por meio
de sistemas informatizados e digitalizados incorporados crescentemente
aos processos de trabalho, rebaixa o valor da força de trabalho, acirra
a concorrência intercapitalista, reduz a demanda de trabalhadores(as)

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na cadeia produtiva de valor em escala global — desde o setor agrícola,


passando pela indústria e atingindo os serviços —, promovendo a des-
qualificação e a reedição de formas de trabalho análogas à escravidão,
e a devastação do trabalho e dos direitos dele derivados, bem como de-
sarticulando sindicatos e formas de associação e representação coletivas.
A expansão da digitalização do trabalho e de modalidades de traba-
lho on-line, como o home office, e as distintas formas de trabalho remoto
— teletrabalho, teleatendimento, tele-educação, teleconsultas médicas,
teleterapias etc., existentes até então de modo residual —, com a pan-
demia do novo coronavírus passaram a ser adotadas em larga escala,
em todas as áreas e setores do mercado de trabalho público e privado,
atingindo também o trabalho de assistentes sociais.
No trabalho de assistentes sociais pré-pandemia, já era possível
observar essa tendência, que agora se torna mais visível e generalizada,
introduzindo novos elementos a serem problematizados: convivência de
trabalho presencial e trabalho remoto no domicílio, sem alteração dos
contratos de trabalho; ampliação das jornadas de trabalho sem contra-
partidas às(aos) trabalhadoras(es); alterações significativas no conteúdo
do trabalho em função de novos processos, organização e gestão das
atividades. Tal situação não apenas incorpora novas estratégias de orga-
nização e processamento do trabalho, orientadas por uma racionalidade
gerencialista-produtivista e guiadas pela razão instrumental, como tam-
bém (re)configura a natureza do trabalho profissional e seus modos de
ser nos diferentes espaços ocupacionais em que se inserem assistentes
sociais, dinâmica nem sempre acompanhada de reflexão crítica sobre seus
possíveis impactos. Nesse âmbito, é possível observar certa naturalização
e fetichização das tecnologias, no sentido formulado por Marx (1968,
p. 81), em sua análise sobre o fetiche da mercadoria e seu caráter miste-
rioso, quando afirma: “Uma relação social definida, estabelecida entre os
homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas”.
Isso confere às formas uma capacidade de interação como se fossem
vivas, transformando relações sociais em relação entre coisas, processo

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que captura a subjetividade dos(as) trabalhadores(as) como denominou


Alves (2011) em sua análise do novo metabolismo social do trabalho.
Contudo, como não se trata de processos lineares, a dimensão con-
traditória das tecnologias digitais e da internet se manifesta em todos
os âmbitos da vida social. No caso do trabalho profissional na pandemia,
o teletrabalho ou trabalho remoto se, por um lado, viabilizou a atenção
social, ainda que de forma precária e insuficiente, de parcela da população
usuária em um contexto de isolamento e aumento da violência contra
mulheres, idosos, crianças e adolescentes, por outro, ampliou jornadas
de trabalho sem remuneração, intensificou e invadiu as fronteiras dos
espaços de vida e de trabalho de assistentes sociais, transferiu novos
custos aos(às) próprios(as) trabalhadores(as). Tal contexto trouxe mais
impacto sobre a vida das mulheres, especialmente negras e pobres, pois,
na tradicional divisão sexual do trabalho, são elas que continuam assu-
mindo a responsabilidade pelas atividades reprodutivas de cuidado na
vida privada e no espaço público. Com essa sobrecarga, seguem desempe-
nhando atividades profissionais mais desvalorizadas, mal remuneradas
e com menos oportunidades de ascensão profissional.
No trabalho presencial, o recrudescimento de antigas e indevidas
requisições profissionais, movidas pela emergência social, como o proces-
samento do auxílio emergencial nos três níveis de governo, a distribuição
de cestas básicas, vouchers, entre outros, exigiu respostas profissionais
que passaram ao largo de políticas e sistemas públicos, como o SUAS
(Sistema Único de Assistência Social), apoiadas em equipes desfalcadas,
precárias condições materiais e tecnológicas, ausência de equipamentos
de proteção individual e coletiva, de protocolos e planos de contingência,
entre outros.
No caso do trabalho docente, que se manteve de forma remota nos
últimos dois anos, professores(as) passaram a ministrar aulas e demais
atividades acadêmicas por meio de plataformas digitais de propriedade
das megacorporações mundiais que, a pretexto da pandemia, passaram
a disputar os nichos de negócios abertos pelos ensinos público e privado

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em todo o país. Os(as) docentes foram obrigados(as), no mais das vezes de


forma intempestiva e autoritária, a manejar ferramentas tecnológicas, sem
tempo nem condições objetivas e subjetivas para conhecer e se adaptar a
dispositivos digitais até então de pouco domínio da categoria profissional.
Todas essas situações nos convocam a refletir sobre o trabalho
remoto e o presencial como faces contraditórias e complementares da
nova morfologia do trabalho profissional no capitalismo contemporâneo
(Raichelis, 2020), assim como buscar apreender o significado das tecnolo-
gias em sua historicidade, como produtos do trabalho social cristalizado
no sistema maquínico, que potencializa a subsunção real do trabalho
intelectual aos circuitos de valorização do capital (Marx, 1968). Mas,
ao mesmo tempo, contraditoriamente, abrem possibilidades inéditas de
apropriação crítica das TIC em uma dimensão contra-hegemônica, des-
de que sejam superados tanto os determinismos quanto os fetichismos
que cercam o uso das tecnologias. Torna-se urgente, pois, a criação de
estratégias de enfrentamento das múltiplas situações que podem colocar
em xeque os valores éticos e os compromissos históricos da profissão de
Serviço Social com a classe trabalhadora, reconhecendo potencialidades,
limites e contradições.
Os artigos deste número especial da Serviço Social & Sociedade, em
resposta à chamada realizada, responderam amplamente às temáticas
que relacionam trabalho, tecnologias de informação e comunicação e
pandemia, problematizando, sob múltiplos ângulos, as implicações para
o trabalho profissional de assistentes sociais.
Abordando as distintas e complexas facetas do trabalho e as respos-
tas do capital à sua crise, apresentam um amplo painel da nova morfologia
do trabalho “uberizado” (Antunes, 2018; Abílio, 2021), que não se reduz
ao trabalho na empresa Uber, mas é como vem sendo denominado esse
amplo processo de transformações que atinge a forma social do trabalho
na atual quadra do capitalismo mundializado e financeirizado, o qual se
dissemina amplamente para todos os setores do mercado de trabalho,
incluindo o trabalho assalariado de assistentes sociais nos distintos

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espaços ocupacionais em que se inserem (cf. Raichelis; Vicente; Albur-


querque, 2018; Raichelis; Arregui, 2021).
Na leitura do conjunto de artigos que compõem este número, desta-
ca-se que todos trabalham questões teórico-conceituais e estabelecem,
em alguma medida, conexões e implicações para o trabalho profissio-
nal nas políticas sociais, em determinados espaços ocupacionais; ou
problematizam as incidências do ensino remoto emergencial com o uso
intensivo das plataformas digitais durante a pandemia da covid-19, no
caso do trabalho docente e da formação acadêmica.
No âmbito do trabalho nas políticas sociais, há um conjunto de textos
que abordam o significado dos sistemas algorítmicos, da dataficação, da
robotização, da plataformização, da uberização do trabalho como processos
altamente lucrativos ao capital e a seus representantes no aparelho de
Estado, cuja presença até então embrionária dissemina-se com grande
velocidade no contexto da pandemia do novo coronavírus. As análises
evidenciam como esses dispositivos tecnológicos são instrumentos de
poder que submetem o trabalho profissional a rotinas institucionais
controladas por poderosas máquinas digitais que padronizam, classifi-
cam e selecionam, em geral sem transparência e crescentemente sem a
mediação profissional, aqueles(as) usuários(as) que serão excluídos(as)
ou beneficiados(as) por políticas e programas sociais públicos. São pro-
cessos que reproduzem expropriações e desigualdades sociais, além de
intensificação, precarização, desqualificação e adoecimento de assistentes
sociais. É o caso dos artigos que analisam o processamento de alguns
benefícios, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou o auxílio
emergencial dos governos federal e estaduais implementados durante a
pandemia, no caso da política de assistência social e do SUAS; e também
a assistência estudantil, quando do trabalho desenvolvido nos institutos
federais de educação (IFES). Comparecem também reflexões que particu-
larizam o impacto das TIC nos processos de adoecimento e precarização
da saúde de trabalhadores, em função das novas formas de gestão e con-
trole do trabalho subordinado às plataformas digitais. E, ainda, análises

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que destacam os limites do trabalho de vigilância socioassistencial no


âmbito das diretrizes da Política de Assistência Social, ante os desastres
socioambientais com barragens, exemplificando com os casos de Mariana
e Brumadinho. Aqui o que chama atenção é a insuficiência de cadastros e
instrumentos técnicos de registro, bem como a necessidade de aprimorar
os sistemas de informação e leitura de dados manejados por assistentes
sociais e demais profissionais, no sentido de prevenir ou ao menos mitigar
o impacto dos riscos de desastres socioambientais na vida das famílias.
Destaca-se ainda neste número da revista um conjunto de artigos
voltados à problematização da formação acadêmica e do trabalho docente
no contexto da covid-19, com a adoção do Ensino Remoto Emergencial
(ERE) na docência em Serviço Social, aqui analisado em universidade
pública, mas extensivo a faculdades e universidades privadas. São pro-
blematizados alguns desafios da formação profissional num contexto
de perda da qualidade acadêmica dos cursos, burocratização das ativi-
dades, aligeiramento das exigências intelectuais, ampliação do controle
administrativo das tarefas, perda de autonomia intelectual de docentes,
exclusão digital de discentes perante as dificuldades de acesso às pla-
taformas digitais, desgastes da saúde física e da mental de docentes e
discentes, entre outros.
Na conclusão desta edição, o artigo que trata da violência doméstica
contra mulheres compõe o caleidoscópio de questões que, embora não
sendo novas, assim como as múltiplas situações enfrentadas pelos(as)
assistentes sociais e demais trabalhadores(as), sofrem um inegável apro-
fundamento e amplificação. Sendo uma problemática persistente na
sociedade brasileira patriarcal, machista e racista, a violência doméstica
contra mulheres, atingindo com mais intensidade mulheres negras e po-
bres, teve um recrudescimento vertiginoso decorrente da necessidade de
isolamento social em função da pandemia da covid-19. De certa forma,
esse artigo condensa as múltiplas faces do capitalismo em crise e as
estratégias ultraneoliberais em curso, que desidrataram ainda mais as
já desfinanciadas e fragilizadas políticas públicas de proteção social, no

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Tecnologia, trabalho e pandemia no capitalismo em crise

momento em que eram mais necessárias e demandadas pelas camadas


mais subalternizadas da classe trabalhadora, especialmente mulheres e
jovens pretos(as), pardos(as) e periféricos(as), que dependem das políticas
sociais e do fundo público para sua reprodução social.
O que fica evidenciado neste número da revista Serviço Social &
Sociedade é a necessidade de nos apropriamos mais profundamente dos
elementos que configuram a nova morfologia do trabalho e suas estraté-
gias de vigilância, controle e gestão do trabalho, nas quais as tecnologias
de informação e comunicação jogam um papel fundamental. Para isso, é
preciso consolidar um campo de estudos e pesquisas na área de Serviço
Social e das ciências humanas e sociais, para tornar visíveis e inteligíveis
as formas contemporâneas de espoliação, opressão, dominação e explo-
ração do trabalho, mas também as propostas alternativas, as lutas e a
resistência da classe trabalhadora na periferia capitalista do sul global.
Boa leitura!

Referências
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Marília: Projeto Editorial Práxis, 2021.

Sobre a autora
Raquel Raichelis – Assistente social. Doutora em Serviço Social. Pós-doutorada
pela Universidade Autônoma de Barcelona. Professora e coordenadora do Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP e do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Trabalho e Profissão. Pesquisadora do CNPq.
E-mail: [email protected]

Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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