Serafim Leite Volume 4 Livro 1
Serafim Leite Volume 4 Livro 1
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VOL.204
mSTÓRIA
DA
COMPANIllA DE JESUS
NO
BRASIL
Capa TOMO IV
Cláudio Martins
(Século XVI -o ESTABELECIMENTO)
2000
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
HISTÓRIA
DA
COMPANHIA DE JESUS
NO
BRASIL
VE R A E F FI G r E S CELE BERHI.M:T
P. 'A N T O 'N I I V I. E Y R A /.
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P. ANTÓNIO VIEIRA
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HISTORIA
DA
COMPANHIA DE JESUS
NO
BRASIL
TÔMO IV
Séculos XVII-XVIII
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AUTÓGRAFO DO P. ANTÓNIO VIEIRA INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO LIVRARIA PORTUGÁLIA
(Última página da earta do Maranhão, de 11 de Fevereiro de 1660) Av. RIO BRANCO RUA DO CARMO, 75
Trata do bom govêrno dos Índios e das graças, que pede a Roma, para as RIO DE JANEIRO LISBOA
Cristandades do Maranhão e Pará. - Na íntegra em Novas Cartas f esuiticas,
À MEMÓRIA DE MEU PAI
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« da Companhia de Jesus fechou o I I I Tômo, no extrêmo
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Companhia e é hoje fronteira do Brasil. Cumpre-nos, na seqüência desta
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'o obra, completar o Brasil, ao sul, até ao Rio da Prata, onde os Jesuítas
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não apenas da Assistência de Espanha, mas, também, da Assistência
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dência da Colónia do Sacramento - que foi algum dia fronteira da
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A questão dos Índios, a grande questão de sempre, é essencialmente
económica; e em todos os tempos existiu fundo conflito entre o moral
x HISTÓRIA DA Cü:\1PANHIA DE JESUS NO BRASIL
TÔMO IV - PREFÁCIO
XI
e o econômico, entre a tendência ilimitada do homem para possuir,
e a contenção moral para que a posse se mantenha dentro dos limites para os Índios, como homens, a aperfeiçoar e educar. E .sob êste signo
da justiça. No Brasil dos primeiros séculos a posse da terra era inútil aliissimo, os Índios trocaram-se em Brasileiros.
sem braços para a sua cultura. Sem êles, a terra não era ainda terra:
era «mato », O descimento dos Índios do sertão para os núcleos produ-
tivos foi pois um [enômeno econômico, Os meios empregados era o *
aliciamento pacífico ou violento. Entradas ou guerra, justa ou injusta, Nas relações dos COl0110Scom os indígenas, os Portugueses criam
defensiva ou ofensiva, matizes de um problema único, a cultura da terra, na superioridade da sua civilização; mas envolviam nela, como todos
que, antes da chegada dos brancos, quási não existia, como nem sequer os Brancos, e os Portugueses menos que os outros, um sentimento
o Brasil, como expressão nacional. Na Amazónia, onde estamos agora, supersticioso de superioridade humana. O jesuíta do Brasil com ser
com a vinda dos Brancos ( e os Bran'cos na Amazónia já eram tanto
na ~:imensa maioria, também português, pioneiro da Civilizdção crist~
Portugueses como Brasileiros) começou a cultura, isto é, a civilização
em grande parte do mundo, procurou, como norma geral, abolir essa
actual. Mas os Brancos eram poucos para a terra imensa. E como
superioridade, proclamando que de homem para homem a diferença é
vencedores começaram a utilizar os vencidos, facto que estranhará apenas
nula, na sua essência humana. As diferenças acidentais de fortuna, de
quem ignore a história antiga ou moderna, que não se faz outra coisa
educação ou de côt ., tinham que se aferir pelo espírito cristão, dentro
ainda hoje nas guerras, justas a que assistimos.
ou injustas, Por uma dos dois têrmos da equação eterna, caridade e justiça.
fórmula ou por outra, obrigam-se os vencidos a trabalhar, aos milhões,
Por isso, além dos elementos diversos da actividade da Companhia:
para os vencedores, lei de ferro, que ainda levará tempo a desterrar
instrução, deuassamento dos sertões e catequese, há na história dos
do mundo.
jesuítas no Norte do Brasil um duelo formidável, como aliás no Sul,
O jesuíta colaborou nos descimenios, usando os meio..s de alicia-
entre os Padres e os Colonos, a respeito dos Índios: os Colonos olhavam
mento e de paz; colaborou também nas guerras com os I ndios (nas para os Índios com o pensamento no interesse. imediato: braços para
guerras justas,
a que chamaríamos antes guerras legais, que nem remar, braços para a lavoura, braços para ó serviço doméstico. Os je-
sempre legalidade é sinônimo de justiça) e colaborou, porque o jesuíta . suítas, repetimos, sem desprezarem os «braços », viam mais fundo.
no Brasil teve que ser tudo, sob pena de não ser nada. Mas com uma Defendiam a « alma» dos Índios, como susceptível de ser cristã, e a liber-
vantagem e esta foi a sua cruz e a sua glória. O jesuíta foi mestre-escola dade, que brota da raiz da alma, como o fruto humano mais precioso
e lavrador, construtor e mecânico, professor de Faculdades Acadé- da vida.
micas, e criador de gado, escritor e senhor de engenho; enfermeiro e O duelo entre os jesuítas e os Colonos, não obstanie tal ou qual
médico, explorou os rios e as terras, fundou povoações; foi confessor e colaboração naquelas guerras chamadas justas, [oi persistente e cons-
conselheiro de Governadores e Vice-Reis e como que secretário de Estado. tante E di h. , .
. LZ a tstôría que os colonos usaram de armas ora lícitas com
O jesuíta foi tudo, mas acima de tudo, mesmo quando acompanhava o recurso à Coroa, ora ilícitas, não excluindo as da violência e ~s da
as expedições, foi caiequista, amigo e defensor do I ndio, êsse miserável cal~nia (há exemplos concretos), logo desde o primeiro instante em que
«bugre» de certas narrações depreciativas, tão perseguido e tão desejado, LULz Figueira chegou ao Maranhão, até à hora em que sossoorados na
êle com o corpo para o trabalho, ela com o corpo para o trabalho ~e para tormenta e vencidos finalmente, se retiraram os últimos Padres da Com-
o prazer. A diferença está em que os Padres vislumbraram nos Indios,
Panhia. Luta a que não faltaram os seus lances êpicos e encheu mais
para além do corpo, uma alma, igual à de todos, que era preciso cate- de Um século.
quizar e remir. Por êste facto, 'entendem alguns que os Missionários
_ Lúcio de Azevedo, ao concluir a sua história sobre.« Os Jesuítas no
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trocaram os Índios, e querem fazer disso alguma c~isa de menos bom. Grao-Pará» 1 co t põ doi .
, n ra oe os OLSmotwos preponderantes na colonização da
Não haverá um ligeiro equívoco, supondo que os I ndios haveriam de
ser apenas, e indefinidamente, objecto de museu? Os jesuítas olhavam
I. Lúcio de Azevedo, Os Jesuítas no Grão-Pará, 381.
XII HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
Vieira, que lhe consagrou .as mais puras energias da sua alma . .' que tem em SI, e pela condição mesma da vida
de combatente construtivo e de apóstolo, não apenas como Pedro, reltglOsa de V!eira, e do direito eclesiástico vigente, explicação mais
trabalhando, mas como Paulo, trabalhando e escrevendo, que e~acta~ ~as fa-Io de boa fé e representa meritória reacção contra a
também é trabalho e não de menores conseqüências. Quando é o Slstem:tlc~ ~etracção dos panfletários da escola velha.
próprio Vieira que trata os assuntos, em que interveio, mal se podem i Na~ e ainda a .história definitiva de Vieira. A Lúcio de Azevedo
m~r~sslonou-o mais a parte política, combativa e dramática da
resumir as suas páginas, que se constituem, de direito, páginas inte-
~ctlvldade vieirense, deixando na penumbra muitos factos essenciais
grantes da História da Companhia de Jesus no Brasil. Muitas delas
Cescurando certos documentos importantes como a Resposta ao;
ficaram no I I I Tômo, Outras ficarão ainda neste, entre as quais algumas,
apítulo~, em que a verdadeira história de Víeira tem ainda muito
pouco conhecidas ou mesmo inéditas. Mas, dado o alto vinco da
que resplgar. Os aspectos da sua influência na instrução, assistência'
personalidade literária de Vieira, êle não é só agente e fonte de his-
.ent~adas, desenvolvimento económico e social do Brasil, e mesmo ~
tória, é também ocasião de investigações de maior ou menor relêvo,
TÔMO IV - INTRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA XIX
XVIII· HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
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escreve: «Aqui, como em vanos outros pontos, as idéias do Jesuíta
. literário, são mediocremente tratados e alguns totalmente esquecidos. Antônio Vieira tiveram por executor aquêle mesmo que, em rasgos
Lúcio de Azevedo deixou ainda outros escritos, que se referem de furor retrospectivo, lhe injuriou a memória com estrepitosos
a Vieira, entre os quais Os Jesuítas no Grão-Pará; e coligiu profi- baldões» 1.
cientemente as Cartas do Padre António Vieira, de que teve conhe- Ainda que escrita posteriormente, a Vida do Padre Ant6nio Vieira,
cimento, impressas pela Universidade de Coimbra, em 3 volumes, de João Francisco Lisboa (Obras, IV, Lisboa 1901) pertence a esta
inestimável serviço seu e da Universidade às letras e à história. A segunda categoria de critérios, onde se manifesta com evidência «o
estas Cartas devem juntar-se as duas que divulgou Clado Ribeiro rancor ou deferência cega ao conceito de ardentes e determinados
de Lessa(Cartas inéditas do Padre António Vieira, Rio, 1934) e as inimigos». Caindo em si, antes de morrer, João Lisboa deixou o ma-
nove, inéditas, que publicamos em Novas Cartas Jesuíticas (De nuscrito com os seguintes dizeres: <êstes papeís devem ser queimados
Nóbrega a Vieira), S. Paulo, 1940 (Brasiliana). sem serem lidos », arrependimento e última vontade, que desacataram
Sem o aparato de Lúcio de Azevedo é a Memória Histórica e seus amigos.
Crítica acêrca do Padre António Vieira e das suas obras, de D. Fran- Em francês escreveu E. Carel, Vieira, sa uie et ses oeuvres (Paris
cisco Alexandre Lobo. As abundantes notas da Memória Histórica srd), traduzido recentemente por Augusto Sousa e publicado com
serviram de guia a Lúcio de Azevedo, que a manuseou mais do que o título de Vida do Padre Ant6nio Vieira (S. Paulo s/d), sem o pre-
as citações, que dela faz, o deixam supor ao leitor pouco fam.líarizado fácio, nem a indicação de fontes que trazem, no original, alguns
com estudos de investigação literária. capítulos. Carel conheceu bem a bibliografia vieirense impressa.
Verificando o que sucedeu com Vieira, que, de homem de grande Obra estimada, sobretudo pela análise literária dos escritos de Vieira,
espírito, em que era tido, e de zêlo fora do comum, negociador pene- que vai seguindo e entressachando na sua vida.
trante e destro em matérias políticas, príncipe dos oradores cristãos, Sob feição parenética merece menção· a obra Vieira-Pregador,
passou na difamação do século XVIII, a ser considerado homem de estudo j ilosô]ico da eloqúência sagrada segundo a vida e as obras do
zêlo menos puro e orador quási desprezível, verificando êste con- grande orador português (Pôrto 1901), por Luiz Gonzaga Cabra!.
traste de apreciações, D. Francisco Alexandre Lobo a ambas con- Cabral deixou também em francês um pequenino livro, que ajudou
sidera injustas, «com a diferença que nos primeiros juizes me parece a divulgar no estrangeiro o nome de Víeira, Une grande [igure de
influir, diz êle, mais um êrro muito natural e por isso mesmo muito Prêtre.
desculpável; nos segundos obrou mais o rancor ou deferência cega Recentemente Hernani Cidade publicou Padre António Vieira.
ao conceito de ardentes e determinados inimigos» 1. colectânea de Sermões e escritos 'de Vieira (4 vol.), que faz preceder
O marco divisório daquelas apreciações contraditórias sôbre de um largo e muito valioso estudo biográfico e crítico.
Vieira é a Deducção Chronoiôgica, escrita por ordem e em grande Não fazemos, porém, o elenco das edições que tiveram as suas
parte pelo próprio punho de Pombal, fámulo do Santo Ofício. Dela obras, senão da bibliografia sôbre Vieira. Muitas destas colectâneas
escreve o mesmo D. Francisco Alexandre Lobo: «Não precisa de falam dêle, com maior ou menor desenvolvimento, como as traduções
outras provas a inimizade declarada do Author da Deducção Chro- estrangeiras em alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, latim, etc.,
nolôgica, a respeito de Vieira, que o virulento e descomposto estilo publicadas nos prelos mais afamados do mundo, numa difusão edi-
por que fala dêle em tôda a parte» 2. O próprio Lúcio de Azevedo, torial que, para obras escritas em português, só têm equivalência
comentando o facto de Pombal imitar Vieira na questão dos judeus. em Camões. Não são fontes de informação os estudos que se lêem
nestas colectâneas, quer estrangeiras quer mesmo brasileiras ou por-
1. D. Francisco Alexandre Lobo, Bispo de Viseu, Obras, II (Lisboa 1849)
tuguesas. São antes obra de divulgação e crítica, em geral de bom
175-176. - Na primeira edição, de 1823, êste trabalho saiu com título de Discurso
Histôrico e Crítico. 1. Lúcio de Azevedo, Histôrta dos Cristãos novos portugueses (Lisboa 1921)354.
2. ts., 293.
TÔMO IV - INTRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA XXI
quilate. Merecem referência entre muitos outros, José Fernando de Citam-se com mais freqüência, e, por isso, abreviadamente,
I os
Sousa (Trechos selectos), Antonio Honorati (Vieira ou o Crisôstomo seguintes:
Português), Pedro Calmon com o livro de sermões (Por Brasil e por
Portugal), e com um estudo sôbre o processo da família de Vieira na a) Apologia da Companhia de Jesus em Portugal composta pelo P. José Caeiro,
Baía; António Sérgio, e Afrânio Peixoto, com Os melhores sermões de ms. do Archivio della Postulazione Generale, Sezione IV, Varia, Scaffale b (Roma).
Não estava paginado e nós próprios o paginamos, ao consultá-Io em 1938. Infor-
Vieira, e sobretudo com o seu Vieira brasileiro (2 vol., Lisboa, 1921),
mam-nos que passou depois para o Arquivo Geral com a cota Lus. 95n. É díre-
em que colaborou Constâncio Alves, e para o qual Afrânio escreveu ctamente sôbre a matéria do presente volume a parte Respublica do Maranhão.
uma Introdução crítica cheia de originalidade e bom gôsto. [Apologia de Caeiro, Respublica ... ].
Dado que o P. Antônio Víeira é, em prosa, e em dois géneros
(oratória e epistolografia), o maior vulto literário da nossa língua, b) Apontamentos para a Chronica da Missão da Companhia de Jesus no Es-
tado do Maranhão, ms. da Bibl. Nac. de Lisboa, fg. 4516. Demos breve notícia
não há dicionário, selecta, compêndio de história ou tratado de lite-
dêste códice em Luiz Figueira, 15. [BNL, fg 4516, Apontamentos, ... ]
ratura, onde se não cite o seu nome e se não analise a sua obra. Re-
senha longa, desde Cândido Lusitano a Sílvio Romero, Baptista Pe- c) Diário de Diversos acontecimentos do Maranhão e Pará feito por um Padre
reira e Fidelino de Figueiredo. A leitura de Fidelino impõe-se a quem da Companhia de Jesus nos anos de 1757-1759. É ms. da colecção de Alberto Lamego.
quiser conhecer a última palavra da crítica autorizada e compe- Feito, dia a dia, quando se oferecia matéria, por um Padre ou Irmão assistente
no Pará neste período trágico. Verificamos, pela fotocópia, que possuímos, que
tente, sôbre o grande escritor.
as referências são de 1756 a 1760. Por isso citamos [Diário de 1756-1760].
Pela mesma e justa razão, apontada no Tômo III, pág. XV, d) Historia Proprovinciae Maranoniensis [ou Maragnonensis] Societatis lesu
mantém-se também neste, quanto possível, a ortografia dos tomos Pars prima. Ortus, et res gestas ab anno 1607 ad 1700 complectans, pelo P. Matias
Rodrigues. [Hist. Propr, Maragn., ... ]
anteriores, oficial no momento em que se iniciou a impressão desta
obra.
e) Hlstorla Persecutlonls Maragnonensis et Brasiliensis Prooinciarum:
1. Pars Prima: Maragnonensls Vice-Provinciae Historia per litteras exhibetur
II - Arquivos Centum Cellis [Civitavecchia] scriptas a Patre Mathia Rodrigues Maragnonensis
Vice-Provinciae alumno ad R. Adm. P. N. Laurentium Ricci anno 1761 [Hist.
Arquivo Geral da Companhia de Jesus (Archivum Socletatls Iesu Romanum): Pers. Maragn., ... ]
Brasilia 25 - Epistolae Generalium [Bras. 25, ] 2. Pars Secunda Prouinciae Brasiliensis persecutio sive Brevis narratia eorum
26 - Epistolae Maragnonenses [Bras. 26, ] quae ab Archiepiscopo Reformatore nec non Prorege ac Regiis Mirüstrls de mandato
,. 27 - Catalogus Maragnonensis :[Bras. 27, ] Lusitani Regis peracta sunt in Dioecesi Bahiensi. Auctore P. Francisco da Svtoeira.
,. 28 - Inventarium Maragnonense [Bras. 28, ] Ambas na Bíbl. Real de Bruxelas, códice 20126. Da 2.· parte, do P. Silveira, vimos
Historia Societatis Iesu [Hist. Soe., ] outro exemplar no Arq. da Universidade Gregoriana (Roma), códice 138. [Provo
Lusitania [Lus.,. . . ] Bras. Pers., ... ]
Fondo Gesuitico, Plazza dei Cesü, 45 [Roma, Gesu, ] f) Inventário do Maranhão. É o códice Bras. 28, fI. l-93v (lnventarium Ma-
Biblioteca Nazionale Vittorío Emanuele [Roma, Bíbl, Vitt. Ern., ] ragnonense), caderno autógrafo do uso pessoal do P. Manuel Luiz. Em 1768 vivia
Archivio Segreto dei Vaticano ...•................ [Vaticano, ... ] em Roma no Palácio de Sora, Sala do Grão Pará, e em 1774 em Pésaro, última
Bíblíothêque Royale de Bruxelles [Bruxelas, Bibl. Royale, J referência que dêle vimos. [Inventário do Maranhão, f. .. ]
Arquivo Histórico Colonial, Lisboa [AHC, ]
Arquivo da Província Portuguesa S. I. [Arq. Provo Port., Pasta, ] g) Lembrança dos defuntos que estam enterrados na Igreja nova de N. S. da Luz
Biblioteca Nacional de Lisboa, fundo geral [BNL, fg., ] do Collegio da Companhia de JESU no Maranhão, ms. da Bibl. Nac. de Lisboa,
Biblioteca e Arquivo Público de Évora ...•....... [Bíbl.. de Évora, ... ] fg., 4518. (Lembrança dos dej., f. .. ]
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [BNR, ]
Biblioteca e Arquivo Público do Pará [Arq. do Pará, ]
TÔMO IV - INTRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA XXIII
XXII HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
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- Novas Cartas f esuíticas - De Nóbrega a Vieira, São Paulo, 1940. [S. L., Novas Revista Brasileira de Geograjia, Rio, 1939-1942. Em curso de publicação. [Rev.
Cartas ... ) Bras. de Geogr ... ]
- Luiz Figueira - A sua vida heróica e a sua obra literária, Lisboa, 1940. [S. L., Revista do Instituto do Ceará, 1887-1942, em curso de publicação [Rev. do Inst. do
Luiz Figueira ... ) Ceará ... ]
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LúcIO DE AzEVEDO, J. - Os Jesuítas no Grão-Pará - Suas Missões e a Coloni- [Rev. do lnst. do Amazonas ... ]
zação, 2." ed., Coimbra, 1930. [Lúcio de Azevedo, Os Jesuítas no Grão-Pará ... ] Revi.sta do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio, 1838-1942. Em curso de
- História de António Vieira, 2." ed., Lisboa, 1931. [Lúcio de Azevedo, Hist. de publicação. [Rev. do I nst. Bras ... ]
A, V., I, lI ... ] Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. [Rev. do I nst. do Pará ... ]
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3 vol., Coimbra, 1925-1928. [Cartas de Vieiro, I, 11. .. ] publicação. [Revista do SPHAN ... ]
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Sua pedagogia e seus resultados, 2 vol., Rio, 1927-1929. [Madureira, A liberdade Pombo, H. do B., I, 11. .. ]
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MARQUES, Cêsar. - Apont~mentos para o Diccionario historico, geographico e es- tugal, Tomos I e II, Pôrto, 1931, 1938. Em curso de publicação. [Rodrigucs,
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- Diccionário historico, geographico da Prooincia do Maranhão, Maranhão, 1870. A Companhia ... ]
[César Marques. Dic. do Maranhão ... ] SOMMERVOGEL,Carlos. - Bibliothéque de Ia Compagnie de Jésus, Bruxelas, 1890~
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biliaria e política do Lmperio do Brasil, 5 vol., Rio, 1859-1863. [Meio Morais, SOUTHEY,Roberto. - História do Brasil, 6 vol., Rio, 1862. [Southey, H. do B ... ]
Corograjia, I...] STUDART,Barão de. - Documentos para a história do Brasil e especialmente a M
MENDES DE ALMEIDA, Cândido. - Memorias para a histeria do extincto Estado Ceará, 4 vol., Fortaleza, 1904-1921. [Studart, Documentos, I ... )
do Maranhão, 2 vol., Rio, 1860-1874. [Cândido Mendes de Almeida, Memórias, - Da/as e [actos para a história do Ceará, I - Ceará Colônia, Fortaleza, 1896.
I, I I. .. ] [Studart, Datas e jactas, I ... )
MORAIS, José de. - Histeria da Companhia de Jesus na Vice-Provincia M Ma- VARNHAGEN.- Vd. Pôrto Seguro.
ranhão e Pará, publicada por Cândido Mendes de Almeida, Memórias, I; VIEIRA, António. - Sermões, 15 tomos, Lisboa, 1854-1858. [Vieira, Sermões, I,
Rio, 1860. [Morais, História ... ] 11 ... ]
MÚRIAS, Manuel. - Portugal Império, Lisboa, 1939. [Múrias, Portugal Império ... ] r=Obras inéditas, 3 tomos, Lisboa, 1856-1857. [Vieira, Obras inéditas, I, 11. .. ]
MURY, Paulo. - Histôrla de Gabriel Malagrida da Companhia de Jesus, trasla- =rObras várias, 2 tomos, Lisboa, 1856-1857. [Víeíra, Obras várias, I. 11. .. )
dada a português e prefaciada por Camilo Castelo Branco, Lisboa, 1875. - Cartas do Padre António Vieira, coordenadas e anotadas por ] . Lúcio de Azevedo,
. [Mury, História de Gabriei Malagrida ... ] 3 tomos, Coimbra, 1925-1928. [Cartas de Vieira, 1.. 11. .. ]
PALMA MUNIZ, Pairimonios dos conselhos Municipais do Estado M Pará, Lisboa, - Resposta aos Capítulos que deu contra os Religiosos da Companhia em 1662 o
1904. [Palma Muniz, Patrimonios ... ] Procurador do Maranhão, em MeIo Morais; Corograjia, IV, 186-253. [Víeira,
Resposta aos Capítulos ... ]
- Limites Municipais M Estado do Pará, nos Anais do Pará, todo o vol. IX (1916).
[Palma Muniz, Limites Municipais ... ] - Memorial de MU propostas, que os Padres Missionários do Estado do Maranhõo
PÔRTO SEGURO, Visconde de (Francisco Adolfo Varnhagen). - Htstoria Geral do representão a S. Majestade para ser servido de mandar ver e dejerir-lbes, quando
. Brasil. Notas de J. Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia, 5 vols., 3." ed. lhe pareça que elles voltem para as missões do dito Estado de que ao presente
[1684] [orão expulsos na cidade de S. Luiz M Maranhão, em Meio Morais,
(Tôrno I, 4."), S. Paulo, s/d. [Pôrto Seguro, HG, I, lI ... ]
Ccirografia, IV, 186-201. [Víeira, Memorial de Doze Propostas ... ]
Regimento e Leys sobre as Missões do Estado M Maranhõo e Pará e sobre a Liberdade
dos l ndios, Lisboa, 1724. [Regimento das Missões ... com a pág. do ms. au-
téntico, que .possuímos]
LIVRO PRIMEIRO
Tôdas com magnífica obra de talha, variando nos lavores de umas para as outras.
A clássica Fênix das colunas salomónicas parece ir tomando o ar de aves
regionais da Amazónia ... Os nichos do lado, vazios, tinham suas
imagens, no tempo dos J esuítas.
CAPÍTULO I
Pernambuco aos Holandeses 1. Escrito já em fins de 1648, é o célebre remos porém todos estes pormenores, compreensíveis numa biografia
Papel Forte, qualificativo que lhe deu D. João IV, cuja iniciativa autónoma, não em uma História geral. Aliás Lúcio de Azevedo, nesta
muitos atribuem a Vieira sem fundamento. E quási ninguém repara parte, sendo assuntos puramente seculares e políticos, penetrou bem
que o Papel Forte propunha medida transitória de salvação pública, o âmago dêles e os descreve com exactidão e perspicácia.
para assegurar antes de tudo, a independência da cabeça da monarquia, Acrescentamos porém lima observação que nos parece elucidar
sem cuja conservação redundaria inútil tudo o mais; e que na conclu- a tendência profetizante de Vieira. As discussões com os Rabinos de
são, expressamente se reserva «o que agora queríamos fazer aos Holan- Holanda, se despertaram no Jesuíta o desejo de os refutar, e para isso
deses, para tempo mais oportuno, em que não só lhes tornaremos a tomar escreveu o De regno Christi in terris consummato ou Clavis Prophetarum,
o que agora lhes restituímos, mas tudo o que injustamente' possuem nas devem ter influído também para lhe confirmar o gôsto pelas inter-
nossas conquistas» 2. pretações proféticas, entre as quais sobressairiam Esperanças de
De volta da Holanda, Vieira tomou pé em Lisboa a 15 de Outu- Portugal, escrito nas margens do Amazonas, que tão caro lhe iriam
bro de 1648. Esperava-o grave campanha em que teria contra si a custar na Inquisição. Dizemos confirmar, porque já desde 1642 Vieira
Inquisição, os políticos e os próprios Superiores maiores da Companhia. insinuava a doutrina do Quinto Império ...
Vestido como ainda estava à secular, fato de grã escarlate, espada
e bigode (não poderia andar de outra maneira, nos países hereges, 4. - Com isto chegamos a 1649, ano de crise. Os nove anteriores,
Inglaterra e Holanda),· foi falar a El-Rei a Alcântara, Êste traje de tão cheios de controvérsias, negócios públicos, defesa de cristãos-novos,
Vieira constitue uma das denúncias à Inquisição contra êle. Outras e com o incontestável e ininterrupto prestígio da amizade de D. João IV,
denúncias se fizeram das suas actividades e relações com os hebreus tinham concitado contra Vieira muitas invejas, que em alguns casos
de Holanda e das suas polémicas e controvérsias, atrevendo-se um degeneraram em ódio manifesto, como provam as denúncias. A estas
denunciante, Fr. Manuel Alves Carrilho, «a dizer que chegou a ter causas externas veio unir-se outra de carácter interno. Alguns Padres
casamento contratado com uma hebreia rica de Amsterdam ». Comen- da Companhia, alentejanos, cuidaram que a parte sul de Portugal
ta Lúcio de Azevedo: «Calúnia evidente, mas que em suma não era mais poderia constituir, dentro da organização geral da Companhia de
que a imagem das suas imprudências, através do prisma da aversão. Jesus, uma Província, por si só, com o nome de Província do Alentejo.
Não se cuide todavia que oferece Vieira, quanto a costumes, alvo a Manifestaram tal desejo a D. João IV, o qual, como alentejano, abra-
censura. A continência foi sempre virtude altamente prezada dos J e- çou logo a idéia e se revelou protector dela, intransigente. Vieira enfi-
suítas e raras vezes os mais ásperos adversários da Ordem lhes encon- leirou com os Alentejanos. Os Superiores da Província acharam ino-
traram falha nêste particular. A Vieira, comtantos e tão encarniçados portuna a divisão, e a maneira, como a promoviam, irregular. O caso
inimigos, nenhum lhe exprobou jamais acto impuro, a não ser um foi a Roma, e o Padre Geral manifestou-se também contra a divisão.
sicofante sem autoridade no Maranhão, que, chamado à prova, mise- Víeira, mais influente com D. João IV, era o mais visado, e re-
ravelmente se desdisse» 3. caiam sôbre êle acusações de fomentar a intromissão de EI-Rei em
Aludimos a estas denúncias, porque, elas vão explicar, em parte aSSuntos de regime interno da Companhia, da alçada puramente dos
a atitude dos Superiores da Companhia para com Vieira. Não segui- Superiores 1.
1. Víelra, Obras Inêditas, III (Lisboa 1857) 5-59. Sôbre a in\'asão holandesa 1. João Francisco Lisboa escreve que Vieira insinuou a EI-Rei a "divisão
em Pernambuco, e do que nela obraram os Jesuítas, trataremos em Tômo futuro, c multiplicação das diversas províncias da Companhia em Portugal e no Brasil,
quando o prosseguimento 16gico desta hist6ria a êle nos reconduzir. tornando-as independentes umas das outras, talvez na idéia de colocar-se na di-
2. Vieira, Obras Inéditas, 111,59; Cf. Afrânio Peixoto, História do Brasil recçào Suprema de alguma delas, já que para as governar a tôdas enccntraria maí-
or:s obstaculos" (Obras, IV, Vida do Padre Antóllio Vieira (Lisboa 1901) 350).
(Porto 1940) 120.
3. Lúcio de Azevedo, H. de A .V., 139. Joao Lisboa naquele talvez insinua uma falsidade em que Vieira nunca pensou: e
16 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO I - §4 17
mandando, a procurei pelo P. João Nunes, confessor da Rainha nossa as razões que houve para se não executar o que Sua Paternidade
senhora, porém atêgora não pude alcançar outra resposta. O Padre ordenava~ e o que se fêz com EI-Rei e EI-Rei com o P. João Nunes.
António Vieira mandei chamar outra vez, sabendo que já tinha no- O certo e que o respeito de Sua Majestade sobresteve no tempo
tícia, por meio de Sua Majestade, da ordem que havia em buscar da execução. E esta lhe causou agora o dar-se-lhe o aviso, que se lhe .
Religião, e lhe disse que sua Paternidade sabia por via de Sua Majes- deu, para que Sua Majestade soubesse o estado do Padre e visse se
tade a ordem que havia de Roma, que eu não executava conforme o ~he;stava bem ir êle a seus negócios. Porém Sua Majestade cuida que
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que sua Majestade me mandava dizer que suspendesse, mas que o ele e o 1 homem do mundo, e um dia dêstes o teve no Conselho de
avisava para que tivesse notícia de tudo, e depois se não achasse en- Estado, pôsto que se diz não votou. Dizem mais que Sua Majestade
ganado, pois ia a Roma aos negócios a que Sua Majestade o mandava. lhe ofereceu por vezes que saísse da Companhia e lhe faria tantos e
A isto me respondeu que êle não queria saber nada, e que não tinha quantos, e agora lhe deu grandes despachos para seu pai, irmãos e
culpas, e que obrasse cá como me parecesse justiça. Como Sua Ma- cunhados etc.; porém que o Padre não quer mais que viver e morrer
jestade me tinha mandado suspendesse a coisa, pareceu que não devia ~a Companhia. Mais dizem que vai muito arrependido de se ter me-
proceder mais por diante, para que Sua Majestade não tivesse oca- tido nesta's diIVIS0es,mas
rn;
. - que não se há-de meter mais, que nisso o
rentes, que lhe faziam os dois embaixadores de França e Holanda, igualmente efectivo, não só foi abraçada com a mesma condição, se-
e quis que eu, em uma e outra parte, me informasse do estado de não com outras muito mais largas, consultadas e aprovadas pelos le-
nossas coisas com tôda a certeza, sinceridade e desengano, o que 'os trados mais doutos do Reino.
embaixadores não faziam, querendo, com bom zêlo, antes agradar Assim que êste negócio se não desvaneceu, e sõmente tardou
que entristecer, que era a moeda que então corria, tão falsa como em se aceitar, até que a experiência desenganou aos ministros, que
perigosa. De onde também se convence que a minha jornada não ao princípio por ventura o não capacitaram. Quanta fôsse a uti-
foi tratada em conferência dos ministros, como acima se diz, pois lidade e eficácia dêle bem o mostrou a Companhia Ocidental, a qual
Sua Majestade não comunicou o seu intento a outra pessoa mais foi trazendo sempre do Brasil o que bastou para sustentar a guerra
que a mim; e, como não levei a meu cargo negócio algum mais que de CasteIa, conservar o Reino, restaurar Pernambuco, e ainda acudir
a dita informação, a qual sómente fiz com as cautelas necessárias, e com prontos e grandes cabedais às ocorrências de maior importância.
logo tornei para Portugal a informar de bôca a Sua Majestade: sôbre E, se juntamente se ajuntara e fizera a Companhia Oriental,
que desvanecimento dos meus negócios podia caber aquela proposição não chegara a Índia ao estado em que hoje a temos, tão desenganada
universal, metida, como ali se vê, entre os três navios do Varejão porém da utilidade e necessidade dêste mesmo meio, que agora em
mandados a França, e a partida do Duque de Guisa para Nápoles? Portugal e na mesma Índia se trata dêle. E, para que se veja quão
Supôsto, pois, que nem dêste lugar, nem de algum outro da mesma sólido e fundamental é e foi sempre êste meio, não deixarei de referir
Hisiôria consta que eu propusesse negócio que se me desvanecesse, aqui o que me escreveu o Padre João de Matos, Assistente das Pro-
há-de me dar licença Vossa Excelência para que, discorrendo por víncias de Portugal em Roma. Chegou lá o dito papel, e diz êle que
êles, demonstre o contrário. lendo-o os políticos romanos disseram: N6s aiêgora cuidávamos que
O primeiro negócio que propus a Sua Majestade, pouco depois Portugal se não podia conservar; mas, pois êle tem homens que sabem
da sua feliz aclamação e restauração, foi: que em Portugal, à imitação excogiiar semelhantes arbítrios, não duvidamos da sua conservação.
de Holanda, se levantassem duas companhias mercantis, uma oriental, E êste é o primeiro negócio meu, ou proposto por mim, que Vossa
e outra ocidental, para que, sem empenho algum da real fazenda, Excelência julgará se merece o nome de desvanecido.
por meio da primeira se conservasse o comércio da Índia, e por meio O segundo negócio que pratiquei a Sua Majestade foi que man-
da segunda o do Brasil, trazendo ambas em suas armadas, defendido dasse passar as drogas da Índia ao Brasil, referindo como nêle nasciam
dos holandeses, o que êles nos tomavam, e bastaria a sustentar a e se davam igualmente, e EI-Rei D. Manuel as mandara arrancar
guerra contra Castela. A isto se ajuntava que, como as nossas com- sob pena de morte, para conservar a Índia, como com efeito se ar-
panhias ficavam mais perto de uma e outra conquista, seriam me- rancaram tôdas, ficando sõmente o gengibre, do qual se disse discre-
nores os gastos seus e maiores os lucros,.os quais naturalmente cha- tamente que escapara por se meter pela terra dentro, como raiz que é.
mariam e trariam a Portugal o dinheiro mercantil de tôdas as nações Consistia a utilidade dêste meio em que, tendo nós no Brasil as ditas
e muito particularmente dos Portugueses, que em Holanda estavam drogas, e sendo a condução delas tanto mais breve e mais fácil, as
muito interessados nas companhias, e com Castela tinham todos os podíamos dar muito mais baratas que os holandeses, com que os
assentos. E, porque na dita proposta se dizia que o dinheiro aplicado ficávamos destruindo na Índia. Respondeu El-Rei: Que lhe parecia
às companhias de Portugal estivesse isento do fisco (porquanto de muito bem o arbítrio, e que o tivéssemos em segrêdo até seu tempo, pelos
outra maneira nem os mercadores estrangeiros nem os do mesmo embaraços com que de presente se achava.
Reino, que o trazem divertido por outras partes, o queriam meter Estando eu em Roma, me escreveu Duarte Ribeiro de Paris , I
nas nossas companhias sem a dita condição ou segurança), esta con- que tivera carta de D. Francisco de Meio, na qual lhe referia, dizer
dição foi causa de que o Santo Ofício proíbisse o papel da proposta, El-Rei de Inglaterra que só seu cunhado, sem fazer guerra aos ho-
pôsto que sem nome, e que ela por então não fôsse aceitada. Porém, landeses, os podia destruir"; mas que não descobriria o modo, nem
depois que os apertos da guerra mostraram que não havia outro meio D. Francisco nem êle o sabiam conjecturar; que, se a mim me ocor-
4
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO I - § 5 25
24 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
que ela, são trinta as que deram escolta à mesma fragata e às duas
Rodrigues Marques, e ambos prometeram tomar o assento dos tre- naus da Índia.
zentos mil cruzados. Levei-os a EI-Rei, que lhes agradeceu muito Muitos outros exemplos pudera juntar aqui de propostas minhas
aquêle serviço, dizendo que tivessem segrêdo até Ihes mandar falar não desvanecidas; mas, porque não basta serem muitas para provar
por seus ministros. a coartada da proposição universal de Vossa Excelência é obrigado
Tornou naquela tarde o Conselho de Estado com as mesmas Vossa Excelência a me dizer algum negócio meu, ou aconselhado por
impossibilidades do dia antecedente; e nesta suspensão disse Sua mim, que se desvanecesse. Já estou vendo que Vossa Excelência com
Majestade ao Conde de Odemira e ao Secretário de Estado Pedro a voz popular, me há-de perfilhar a entrega de Pernambuco, que
Vieira, que fôssem a Lisboa tentear alguns mercadores, e que da também achei na bôca e conceito de Sua Majestade, que Deus guarde,
sua parte falassem a Duarte da Silva, e ao sobredito fulano Rodrigues quando me falou nisso. Respondo a Vossa Excelência o que respondi
Marques, os quais responderam o que não esperavam os dois mi- então a Sua Majestade, e é: que êste arbítrio ou meio de concertar
nistros, e às carreiras vieram trazer a nova a S. Majestade, dizendo a paz com os holandeses não foi meu, senão do senhor rei D. João IV,
todos os do Conselho de Estado que eram dignos de que Sua Ma- que' está no céu, e do seu Conselho de Estado. E como Sua Majestade,
jestade lhes mandasse muito agradecer um tão singular serviço. Re- que Deus guarde, me instasse, dizendo: «António Vieira, não pode
colheu-se EI-Rei com a Rainha, que se achou no Conselho, e me fêz provar isso» Respondi..« Sim, posso, e com três testemunhas as mais
mercê depois contar lhe dissera: «Eles querem que agradeça eu o autênticas. Vivo está Pedro Vieira, que então era Secretário de Estado,
negócio ao Conde e a Pedro Vieira, e António Vieira, é que o fêz 1. vivo F eliciano Dourado, Secretário da Embaixada de Holanda, e
Agora estimara ouvir de Vossa Excelência quem teve o juizo sobretudo vivas as mesmas ordens, que foram a Francisco de Sousa
igual a êste negócio, se quem previu o perigo, apontou o remédio e o Coutlnho, e haviam de ficar registadas na secretaria, de onde Vossa
executou, ou os primeiros que o não quiseram reconhecer, ou os úl- Majestade as pode mandar ver, e perguntar aos dois secretários a
timos que o não souberam remediar. Mas isto sucede muitas vezes, verdade do que digo».
quando uns são os que aconselham os negócios, e outros os que os Foi o caso da maneira seguinte: Mandou-me S. Majestade, que
executam; e por isso êste se não desvaneceu. Deus haja, a Munster, para dar a D. Luiz de Portugal, eleito em-
Na véspera de ·S. João, estando EI-Rei em Alcântara, disse eu baixador .daquele Congresso, as notícias que lhe' podiam faltar das
a Sua Majestade que lhe havia de inculcar uma festa, com que ma- coisas do Reino, e êle consultar e deliberar comigo as resoluções.
gnificamente celebrasse a noite do seu santo. E, perguntando-me Estava eu embarcado em uma nau inglesa em Paço de Arcos,
qual, respondi que com trinta e nove fogueiras, que tantas eram onde ela se deteve, esperando vento seis ou sete dias; nêste tempo
as caravelas que tinha contado, embarcando-me no Cais da Pedra chegou navio de Holanda com cartas do Embaixador, em que dizia
até Alcântara. - «As caravelas, senhor », são escolas de fugir, e de estavam tenazmente resolutos os holandeses a não concluirem a paz
fazer cobardes os homens do mar, e de entregar aos inimigos do pri- sem as três condições seguintes: que se lhes havia de entregar Per-
meiro tiro, a substância do Brasil. Proiba Vossa Majestade as cara- nambuco, isto é, a campanha, porque êles tinham os portos e as for-
velas, e mande que em seu lugar naveguem os Portugueses em naus talezas; que pelos gastos das armadas, que os rebeldes lhes tinham
grandes e bem artilhadas, as quais pelo contrário serão escolas em obrigado a fazer, se lhes pagasse uma grande quantidade de tonéis
que as armas de Vossa Majestade terão tão valentes soldados no de ouro, que é a frase do país; que para caução de outra vez se não
mar como na terra». rebelarem se lhes desse uma cidadela na Baía, presidiada por êles.
Este foi o consêlho ou negócio, o qual se se desvaneceu ou não, se Fez-se Conselho de Estado, e resolveu êste: que Pernambuco se
está bem vendo hoje neste pôrto da Baía, onde o combói consta de entregaria; que para os gastos se lhes dariam trezentos mil cruzados
uma só fragata pequena, e as naus mercantis, quási tôdas maiores de contado; que a cidadela se lhes entregaria também, mas não na
Baía, senão em S. João da Foz, da cidade do Pôrto,
1. Cf. Pôrto Seguro, HG, 111, 56.
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO I - § 5 29
28 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
Ficando por êste modo desvanecida a entrega de Pernambuco, notícia não chegou a Vossa Excelência, para que o Potosi não fôsse
ainda a proposição de Vossa Excelência não fica verificada; porque uma riquíssima prova dos meus negócios desvanecidos 1.
êste negócio não foi meu, senão resoluto e mandado expressamente Mas, deixando de acudir por mim, quero acudir pelo juízo dos
por Sua Majestade nas suas ordens; e no papel que Sua Majestade príncipes e ministros, que Vossa Excelência afirma não percebiam
me mandou fazer só fui relator das forçosas razões que êle tivera as subtilezas dos meus negócios. Se EI-Rei, D. João, que era Príncipe,
para isso, assim como Vossa Excelência não é o autor das acções os não percebia, como me encarregava os seus na forma que acabo
alheias, que refere na sua história. de referir? E, se êle e seus ministros me não percebiam em português,
E, para que a Vossa Excelência conste quão pouco inclinado como me mandavam patente para todos os dos holandeses, e a
fui a que nem um só palmo de terra déssemos aos holandeses, refe- Munster para os de todas as nações?
rirei o que passou entre mim e o Embaixador Francisco de Sousa De Roma veio aviso de Manuel Álvares Carrilho, enviado de Ná-
Coutinho. Estando êle com os Estados em Conferência, a qual os poles depois de o restaurarem os castelhanos, que aquêle reino se
Estados vinham fazer a sua casa, levantou-se da mesma Conferência, queria entregar a El-rei de Portugal. Se a mim me não entendiam,
e muito alegre nos veio dizer a Feliciano Dourado e a mim: «J á tenho como me mandou El-reí a Roma com poderes de examinar êste
concluída a paz». E. perguntando-Ihe eu como, respondeu que lar- negócio, e o resolver por mim só, e se despenderem por ordem minha
gando aos holandeses até o Rio S. Francisco. Ao que eu disse: «Bem seiscentos mil cruzados, que lá tinha Sua Majestade?
parvos são os holandeses em mandarem armadas ao Brasil; venham Para França nomeou Sua Majestade por Embaixador a Sebastião
fazer conferências com Vossa Excelência, porque mais ganham com Cêsar, com negócios para que tinha determinado o Duque de Aveiro.
uma conferência, que com muitas armadas». Então êle, lançando Se El-rei me não entendia, porque então se me entregaram as instruções
os braços na espalda de uma cadeira, disse: «Antes tomara ter cor- do dito Sebastião Cêsar, e a êle as minhas, para que de Paris a Roma
tadas as mãos, que ter feito.o que fiz; porque se o Padre me diz isso nos déssemos as mãos em todos os negócios? Antes dêstes, no mesmo
a mim, que escreverá a El-rei ?» Respondi: «muito em abôno de Paris, porque ordenou Sua Majestade que o Marquês de Niza a
Vossa Excelência; mas digo com esta clareza o que entendo». nenhuma audiência da Rainha Regente, e do Cardeal Mazarino,
Também quero dar a Vossa Excelência uma notícia, que ninguém fôsse sem eu assistir juntamente com êle a tudo o que se tratava,
tem nem teve: e é que os negócios a que El-reí muitas vezes me man- se eu não havia de ser entendido da Rainha, nem do Cardeal seu
dava eram mui diferentes do que se podia cuidar, ainda entre os primeiro ministro? E, quando o mesmo Marquês tratou com o Cardeal
ministros mui interiores, correndo a comunicação dos ditos negócios o negócio da Liga, com entrega de praças e outras condições, não
por cifra particular, de que só era sabedor o secretário Pedro Fernandes só aprovadas por outros embaixadores, mas também pelo senhor
Monteiro, e por isso ficaram sujeitas tôdas as minhas jornadas a Infante D.· Duarte, sendo eu do contrário parecer em carta que de
juízos e conjecturas muito erradas; as quais não são matérias de Holanda escrevi ao mesmo Marquês, e mandei a cópia a Sua Majestade:
história, antes tem ela obrigação de as emendar com a verdade, se se Sua Majestade me não entendia, porque lhe mandou que se con-
a sabe, e não com dizer que não tiveram fundamento. Seja o exemplo formasse em tudo com o que eu lhe tinha escrito em carta de tantos
quando parti para o Maranhão. Sendo o meu intento querer antes de tal mês?
arriscar a vida pelo rei do céu que pelo da terra, cuidaram muitos
que aquela resolução não era minha, senão de El-rei e a muito dife-
rente fim. Diziam: «Este Maranhão é maranha; e, declarando-se
I. Lúcio de Azevedo, não se isentou totalmente de dar curso a êstes boatos
comigo o Conde da Torre, o velho, o seu pensamento era: que pelo COrnoum dos motivos do embarque de Vieira, mas em sentido oposto: "A autori-
Rio das Amazonas havia de passar a Quito e de aí a Lima, onde era dade dos Superiores desacatada e porventura a razão de Estado, se havia compro-
Vice-Rei o Duque de Escalona, primo de El-rei de Castela, para o mi~~o com Costela ... (Os Jesuítas no Grão-Pará, 45). Suposição sem fundamento
persuadir que lá se levantasse com o Potosi. Quis Deus que esta Positivo.
32 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
significar queria que agora ficasse, mas, como então se assentou que ultimamente me tinha ordenado e eu prometido. Não sei, senhor, que
procedesse eu em suposição de que havia de vir, enquanto Sua M.a- diga nêste caso, senão ou que Deus não quis que eu tivesse mereci-
jestade de público me não mandava revogar a licença, para satis- mento nesta missão, ou que se conheça que tôda ela é obra sua; por-
fação dos Padres, fi-lo eu assim, procedendo em tudo como quem que a primeira vez vinha eu contra a vontade de Sua Majestade, mas
vinha por minha vontade; e agora parti contra a de Sua Majestade
se embarcava 1. .
Na véspera da partida fui avisar a Sua Majestade e a V: Alteza e contra a minha, por mero caso ou violência: e, se nela houve alguma
da brevidade com que se apressava, e que naquele dia descia a ca- vontade, foi só a de Deus, a qual verdadeiramente tenho conhecido
ravela para Belém, e Sua Majestade e V. A. me fizeram mercê dizer em muitas ocasiões, com tanta evidência como se o mesmo Senhor
que logo da tribuna se mandaria recado a Pedro Vieira, e na mesma ma revelara. Só resta agora que eu não falte a tão clara vocação do
tribuna o tornei a lembrar a Sua Majestade: esperei todo aquêle céu, como espero não faltar com a divina graça, segundo as medidas
dia em casa por Pedro Vieira ou escrito seu, e não veio; mas à noite das fôrças, com que Deus fôr servido alentar minha fraqueza.
recado que nos fôssemos embarcar em amanhecendo. Enfim, senhor, venceu Deus! Para o Maranhão vou, voluntário
Não tive outro remédio mais que fazer o aviso que fiz a V. A., quanto à minha primeira intenção, e violento quanto à segunda;
o qual enviei pelo primeiro portador, que pude haver, ao bispo do mas mui resignado e mui conforme, e com grandes esperanças de que
Japão, assim por não ser hora de outra pessoa falar com V. ~., co~o êste caso não foi acaso, senão disposição altíssima da Providência
porque todo o outro recado, que Iôsse direito ao paço, sena mutto Divina, como já neste Cabo Verde tenho experimentado, em tão
suspeitoso naquela ocasião em que todos os incrédulos andavam manifesto fruto das almas que, quando não chegue a conseguir outro,
só por êste posso dar por bem empregada a missão e a vida.
espreitando minhas acções e esperando o sucesso.
Saí enfim, indo-me detendo quanto pude, como avisei a V. A.; O muito que nesta terra e nas vizinhas se pode fazer em bem
mas na praia soube que o Procurador do Brasil tinha recebido um das. almas, e a extrêma necessidade em que estão, aviso em carta
escrito de Salvador Correia, no qual lhe dizia que êle falara com Sua particular ao Bispo do Japão, para que o comunique a V. A., e o modo
Majestade, que eu não ia para o Maranhão, e que o sindicante tinh~ com que fácil e prontamente se lhe pode acudir. Não encareço êste
ordem de mo notificar assim, quando eu fôsse embarcar-me. Entendi negócio que é o único que hoje tenho no mundo, e o único queo
então que Sua Majestade tinha mudado de traça, e com esta notí~ia mundo devia ter, porque conheço a piedade e zêlo de V. A., a que
e suposição me fui mais desassustado para a caravela, onde achei o Nosso Senhor há-de fazer, por êste serviço, não só o maior monarca
da terra, mas um dos maiores do céu.
sindicante, mas êle não me disse coisa alguma.
As velas se largaram, e eu fiquei dentro nela e fóra de mim, Eu não me esquecerei nunca de o rogar assim a Deus em meus
como ainda agora estou e estarei, até saber que Sua Majestade e sacrifícios,oferecendo-os continuamente, como hoje fiz os três, um por
V. A. têm conhecido a verdade e sinceridade do meu ânimo, e que El-rei que Deus guarde, outro pela Rainha nossa Senhora e outro
em tôda a fatalidade dêste sucesso não houve da minha parte acção, por V. A.; e o mesmo se fará na nossa missão, tanto que chegarmos
nem ainda pensamento ou desejo, contrário ao que Sua Majestade a ela, e em tudo o que nela se obrar e merecer terão Sua Majestade
e V. A. sempre a primeira parte. Príncipe e senhor da minha alma,
a graça divina more sempre na alma de V. A., e o guarde com a vida,
1. Para satisjação dos Padres, os Padres Missionários com que Víeira haveria saúde e felicidade que a Igreja e os vassalos de V. A. havemos mister.
de embarcar, que malsatisjeitos ficariam se soubessem a novidade da contra-ordem Cabo Verde, 25 de Dezembro de 1652. ~ Antônio Vieira» 1.
e que haviam de ir sem êle. Interpretanto mal esta frase, aplicando-a aos Padres
Carta de despedida e explicação, em cujas entrelinhas ressalta
de Lisboa, que teriam imposto a sua ida e não conviria que soubesse~. a vontad:
A
a preocupação de que no seu embarque não vissem El-rei nem o Prín-·
régia, falaram alguns escritores em comédia, representada :ôda por Vieíra. Send .
falsa a interpretação, dêsses autores, de que qualidade hão-de ser os comentá-
rios que fazem? 1. Cartas de Vieira, I, 290-293.
6
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO I - § 6 41
40 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
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I - A primeira batalha ganha por Vieira; 2 - A lei de 9 de Abril de J 655 restrin-
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fissão sejam de ordinário os mais apaixonados contra nós; porque alguns marinheiros da caravela em que viemos, contra os quais
só êles querem valer na terra, e ofende-Ihes os olhos tanta luz na arremeteu o povo, querendo-os matar por nos haverem trazido.
Companhia, e, pôsto que houvesse pessoas, das mais graves e au- Enfim o tumulto cresceu de maneira, que, para o sossegar, foi
torizadas, que se puseram em campo por nós, contudo contra um necessário que o Governador, com tôdas as três companhias que
povo furioso ninguém prevalece. aqui há de presídio, com balas e mechas acesas, os viessem arrancar
O furor que tinham concebido contra a lei de EI-Rei (à qual das nossas portas. Não houve porém eÍn todo êsse tempo, que se~ia
também não perdoaram, arrancando-a de onde estava), todo o con- espaço de uma hora, quem se atrevesse a pôr as mãos nelas; só o
verteram contra os Padres da Companhia, não duvidando já de vereador, que já dissemos, entrou a pedir que quiséssemos pôr al-
fazer alguma demonstração com êles, mas tratando ou tumultuando guma moderação no nosso parecer sôbre os pontos que tocavam à
em qual havia de ser. Para o fazer com maior justificação, como liberdade dos Índios, para que com isso se moderasse também e
a êles Ihes parecia, formaram uma proposta ao Capitão-mor gover- aquietasse o povo.
nador, em nome da nobreza, religiosos e povo de todo o Estado, Respondemos-lhe com declarar a grande vontade que tínhamos
na qual lhe requeriam levantasse Q bando, alegando que a repú- de servir a esta república, da qual também nós éramos parte, pois
blica se não podia sustentar sem Índios, e que os de que se serviam viéramos para viver e morrer nela; e que, por esta causa, no nosso
eram legitimamente cativos; que as entradas ao sertão e resgates papel seguíramos as opiniões mais largas e favoráveis aos moradores,
eram lícitos; que os Índios eram a mais bárbara e pior gente do e que só lhes negávamos nêle aquilo que em conciência Ihes não
mundo; e que, se se vissem com liberdade, se haviam de levantar podia de nenhum modo pertencer. Que o nosso primeiro intento
contra os Portugueses; e outras coisas a êste modo, umas verda- fôra não dar parecer nesta matéria, pelos não desagradar; mas que,
deiras e outras duvidosas, e as mais totalmente falsas e erradas. obrigados dêles mesmos a dizer o que sentíamos, faltaríamos muito
Esta proposta, assinada pelos Prelados das religiões e pelos dois ao que de nós se esperava, se disséramos coisa alheia da justiça
vigários, nos mandou a Câmara para que também a assinássemos. e da verdade: e no caso que, pelos contentar, nós o fizéssemos, então
Escusámo-nos de o fazer, porém insistiram a que respondêssemos. merecíamos não só que nos lançassem fóra, senão que nos tratassem
Pareceu a todos os Padres que devíamos responder, e que a res- muito pior.
posta fôsse a mais favorável ao povo, quanto desse lugar a con- Sôbre isto lhes referimos como em Lisboa renunciara o P. Ma-
ciência, para que entendessem, que só obrigados dela nos não con- nuel de Lima o ofício de Pai dos Cristãos, como na Índia, e eu o
formávamos, em tudo o que êles queriam. da administração e repartição dos Índios, tudo a fim de evitar en-
Feita esta resposta, e aprovada por todos os Padres, levaram-na contros nesta matéria com os Portugueses, cujas almas, primeiro
dois ao vereador mais velho, que é pessoa muito autorizada, Capitão- que as dos índios, vínhamos buscar ao Maranhão. Partiu-se o ve-
-mor que ficou do Gurupá, e dos maiores devotos e benfeitores que reador bem satisfeito da nossa resposta, e resultou o vir êle pela
tem nestas partes a Companhia. Era em papel apartado, para que manhã do dia seguinte com os mais, em forma de Câmara, a terem
pudessem usar dêle ou não, como Ihes parecesse. Disseram-se as satisfação conosco sôbre o tumulto da noite passada, estranhando
missas tôdas daquele dia por esta tenção; e, no seguinte; estando muito o atrevimento do povo, e sentindo que, na terra em que êles
nós conferindo que mais orações e penitências se haviam de aplicar, governavam, tivesse sucedido tal descompostura: e o mesmo cum-
era a primeira hora da noite, e eis que ouvimos um tumulto muito primento vieram também ter connosco os mais graves da terra.
maior que os passados, o qual cada vez soava mais, e se vinha avi- Aquietaram-se com isto as vozes e os tumultos, porém os ânimos
zinhando à nossa casa. Saímos a uma varanda, e as vozes que se Pouco ou nada sossegaram. Cada dia, de ali por diante, nos levan-
ouviam eram: «Padres da Companhia fóra! Fóra! inimigos do bem tavam um falso testemunho. Dia da Purificação de Nossa Senhora
comum! Metam-os em duas canoas rôtas!» Entre as vozes reluziam fêz o Padre Francisco Veloso a doutrina aos índios, como é costume,
as espadas, das quais escaparam com muita dificuldade o pilôto e à primeira missa da madrugada, e, sendo que de indústria só lhes
HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
48
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO li - § 1 49
Por aqui se vê já a variedade da legislação. Em três anos, três leis! o motivo, interior, único e total desta resolução, que há muito
Liberdade completa dos índios, com motim dos moradores; cativeiro se medita, é a cobiça, principalmente dos mais poderosos; e porque
dissimulado, com reacção dos Jesuítas, cativeiro dificultado e liber- esta se não contenta com o que lhe permitem 2S leis de Vossa Majes-
dade tutelada, com novas reacções dos moradores" primeiro com o tade; e não há outros que defendam as ditas leis e a liberdade e jus-
motim de Gurupâ, dominado vigorosamente pelo Governador André tiça dos índios senão os Religiosos da Companhia, resolveram final-
Vidal de Negreiros, o, que trouxe uma acalmia de cinco anos, mais mente de tirar êste impedimento por tão indignos caminhos. Eu lhes
aparente que real, entrecortada de reclamações, que vieram a reben- disse sempre que, se não estavam satisfeitos, recorressem a Vossa
tar em novos distúrbios em 1661, não dominados pelo novo Gover- Majestade, como o autor e senhor das leis, e que Vossa Majestade,
nador D. Pedro de Melo, que a-pesar de ser amigo de Vieira, e Vieira ouvidas as partes, revogaria ou confirmaria o que fôsse justo; mas
dêle, tergiversara à última hora, ficando os Missionários à mercê dos êles, como desconfiados da sua justiça, nunca quiseram aceitar esta
amotinados, com os concomitantes agravos e expulsão, Mas como es- razão.
tava presente Vieira, e êle tinha cabeça para arguir, argumentos para A última ocasião que tomaram para o que se fêz, escreve-me o
usar, e pena para os escrever, a sua figura é o centro dêste drama e Governador que foi pelas três causas seguintes.
se aiteia singularmente no meio da tormenta. Primeira: por se publicar nêste Estado a carta da Relação que
fiz a Vossa Majestade do que se tinha obrado nestas missões o ano
3. - Os distúrbios, propriamente ditos, começaram na cidade de de 659, a qual Vossa Majestade foi servido mandar que se imprimisse;
S. Luiz, a instigação de Belêm, com a prisão dos Padres do Colégio 1. e não se pode crer quanto com esta carta se acendeu a emulação dos
Vieira, que do Pará ia a caminho do Maranhão, foi surpreendido peJa que não podem sofrer que, havendo tantos anos que estão nêste Es-
novidade nas praias de Cumã, donde escreveu a D. Afonso VI no tado, nunca se obrassem nêle estas coisas senão depois que vieram
dia 22 de Maio de 1661: Os Padres da Companhia.
« Senhor. - Ficam ,os Padres da Companhia de Jesus do Ma- Segunda: virem também ao Maranhão, e publicarem-se umas
ranhão, missionários de Vossa Majestade, expulsados das Aldeias dos cartas que escrevi a Vossa Majestade por via do Bispo do Japão,
índios, e lançados fóra do Colégio e prêsos em uma casa secular, com em que dava conta a Vossa Majestade das contradições que tinha
outras afrontas e violências indignas de que as cometessem católicos neste Estado a propagação da fé, e quão mal se guardavam as leis
e vassalos de Vossa Majestade. de Vossa Majestade sôbre a justiça dos índios, das quais coisas me
Os executores desta acção foi o chamado povo, mas os que o tinha Vossa Majestade mandado repetidamente desse conta a Vossa
moveram e traçaram e deram ânimo ao povo para o que Iêz, são os Majestade por via do Bispo, e juntamente que apontasse os remédios
que já tenho por muitas vezes feito aviso a Vossa Majestade, isto é, com que se lhe podia acudir. E, porque assim o fiz, nomeando entre
os que mais deviam defender a causa da fé, aumento da' cristandade, os transgressores das leis aos religiosos do Carrno, cujo Provincial,
e obediência e observância da lei de Vossa Majestade 2. Frei Estêvão da Natividade, foi o primeiro que as quebrou, êste mes-
mo Provincial, indo embarcado para o Reino no navio em que iam as
ditas cartas, sendo tomado pelos Dunquerqueses, teve traça para as
L A Câmara de S. Luiz não estava a princípio inclinada e devolveu em Ja- haver à mão, e as teve em segrêdo até à morte do Bispo, e depois dela
neiro de 1660 a representação da de Belém «pela sua falta de decência e moderação) remeteu aos seus frades, e as publicaram e se executou o que por mui-
e que não fôra apresentada ao Governador para «não ser objecto de censura de tas vezes, no público e no secreto, tinham intentado.
toda a gente sisuda e bem criada> (Cêsar Marques, Dic. do Maranhão, 243, 244).
, . Terceira: a prisão do índio Lopo de Sousa Guarapaúba. Êste
,2. Dizia por exemplo na carta a D. João IV de 8 de Dezembro de 1655: «Temos
índio é Principal de uma Aldeia, e depois da publicação das leis de
contra nós o povo, as religiões, os donatários das Capitanias mores, e igualmente
todos os que nêsse Reino e nêste Estado são interessados no sangue e no suor dos Vossa Majestade nunca as quis guardar, e amparado dos poderosos,
Índios cuja menoridade nós só defendemos>, Cartas de Vieira, I, 452. a quem por esta causa fazia serviços, vivendo no mesmo tempo êle e
6
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO II - § 3 57
56 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
funcionários, e no Colégio perante todos os religiosos, e não apenas liberdade aos Índios, a que se seguiu a criação das Juntas das Missões,
doze. Quando Vieira, alquebrado por uma recaída na velha doença, a 7 de Março de 1681.
se levantou para ouvir a sentença, todos os seus confrades se levan-
taram com êle. Assim lhe davam a prova de solidariedade que lhe . 4.-A Lei de I de Abril de 1680, depois de um preâmbulo justi-
deviam, numa questão que no fundo era um ataque, não tanto às ficativo, em que se refere às leis anteriores, entra na parte positiva:
extravagâncias do seu espírito, como a algumas das qualidades que «Ordeno e mando que daqui em diante se não possa cativar
mais lhe realçavam aalma e a alguns dos esforços que mais lhe podem Índio algum do dito Estado em nenhum caso, nem ainda nos exce-
ganhar a simpatia da posteridade» 1. ptuados nas ditas leis, que para êsse fim nesta parte revogo e hei
Mas a derrota não foi total. Daí a algum tempo foi até uma por revogadas, como se delas e das suas palavras fizera expressa e
vitória, porque mudado de novo o tablado político português com declarada menção, ficando no mais em seu vigor: e sucedendo que al-
a subida ao poder de D. Pedro lI, se Vieira não voltou a ter na Côrte guma pessoa de qualquer condição e qualidade que seja, cative, e
o prestígio do tempo de D. João IV (há situações que se não repetem mande cativar algum Índio, pública ou secretamente por qualquer
na mesma vida) recuperou contudo a liberdade, em 1667; e em 1669 título ou pretexto que seja, o ouvidor geral do dito Estado o prenda
foi a Roma para tratar, com o favor de D. Pedro li, da causa dos e tenha a bom recado, sem nêste caso conceder homenage~, alvará
Mártires do Brasil e mais ainda da sua própria causa 2; e tratou de fiança, ou. fieis carcereiros, e com os autos que formar, o remeta
dela tão bem que só voltou de Roma, com o Breve Pontifício de 17 a êste reino, entregue ao capitão, ou mestre do primeiro navio que
de Abril de 1675 que o isentava de tôdas as Inquisições da terra, para êle vier, para nesta cidade o entregar no Limoeiro dela, e me dar
alto privilégio de que nunca fêz uso 3. Mas era uma segurança futura. conta para o mandar castigar como me parecer. E tanto que ao dito
Com êle aparece na Côrte em que nem sempre era atendido, mas ouvidor geral lhe constar do dito cativeiro, porá logo em sua liber-
onde pregou mais alguns sermões, em que era sempre admirável. dade ao dito Índio, ou Índios, mandando-os para qualquer das Al-
E reatou-se o fio quebrado das Missões. Não que houvesse de voltar deias dos Índios católicos e livres, que êle quiser. E para me ser mais
a elas. Mas porque as Aldeias do Maranhão e Grão-Pará, entregues facilmente presente, se esta lei se observa inteiramente, mando que
a capitães seculares, estavam quási desertas. Era preciso remédio o Bispo, e Governador daquele Estado, e os Prelados das Religiões .
e reclamavam-no da Colónia. dêle, c os Párocos das Aldeias dos Índios, me dêem conta, pelo Con-
Vieira tornou a ser o árbitro, o homem experimentado e ouvido, selho Ultramarino, e J unta das Missões, dos transgressores que houver
o inspirador da nova lei, de 1 de Abril de 1680, que ia dar completa da dita lei, e de tudo o que nesta matéria tiverem notícia, e fôr con-
veniente para a sua observância. E sucedendo mover-se guerra de-
fensiva ou ofensiva, a alguma nação de Índios do dito Estado, nos
1. Hernani Cidade, Padre Anlónio Vieira, I, 117-118. Hernani Cidade trata casos e têrrnos em que por minhas leis e ordens é permitido: os Índios
êste assunto com elevação, concisamente, conforme a índole do seu livro. Com mais que na tal guerra forem tomados, ficarão somente prisioneiros como
pormenores, Lúcio de Azevedo (Hist. de A. V., 11, 5-82) que no entanto aqui e
ficam as pessoas que se tomam nas guerras de Europa, e somente o
além sacrifica ao seu habitual prurido de interpretar os sentimentos Íntimos de
governador os repartirá como lhe parecer mais conveniente ao bem
Vieira, no que em geral é menos feliz.
2. Aquela causa dos 40 Mártires foi o alvo a que "atirou para conseguir sua e segurança do Estado, pondo-os nas Aldeias dos Índios livres cató-
ida", diz o Procurador do Brasil em Lisboa, P . .J oão Pimenta, Carta de 11 de Agôsto licos, onde se possam reduzir à fé, e servir o mesmo Estado, e conser-
de 1669, Bras. 3 (2), 84. O Provincial do Brasil propôs a ida ao Geral: Como Vieira varem-se na sua liberdade, e com o bom tratamento que por ordens
é muito aceito de Sua Alteza, o seu valimento ajudará muito a causa dos 40 Már- repetidas está mandado, e de-novo mando, e encomendo que se Ihes
tires que tanto se dilata, Carta do P. Francisco Avelar, 5 de Julho de 1669.
dê em tudo, sendo severamente castigado quem Ihes fizer qualquer
Bras. 3 (2) 81. .
3. "Breve de isenção das Inquisições de Portugal e mais Reinos que alcançou vexação, e com maior rigor aos que lha fizerem no tempo em que dêles
em Roma a seu favor o Padre António Víelra", Obras Inéditas, I, 175-178 .. se servirem, por se Ihes darem na repartição.
64 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO 11 § 4 65
Pelo que mando aos governadores e capitães móres, oficiais da
câmara e mais ministros do Estado do Maranhão, de qualquer qua- 50 - Que
. '
os Índios de serviço das Aldeias se dividam em três partI es
lidade e condição que sejam, a todos em geral, e a cada um em par- Iguais: a primeira para ficar nas mesmas Aldeias, tratando
ticular, cumpram e guardem esta lei, que se registrará nas câmaras de suas lavouras e famílias; a segunda para servir aos mora-
do dito Estado; e por ela hei por revogadas, não somente as sobreditas dores; a terceira para acompanhar os Missionários às Missões'
leis, como acima fica referido, mas tôdas as mais, e quaisquer regi- e que dentro do mesmo número que couber a esta terceira
mentos e ordens, que haja em contrário ao disposto nesta que somente parte tenham os ditos Missionários a liberdade de escolher
quero que valha, tenha fôrça e vigor como nela se contém, sem em- aquêles que forem mais práticos e idóneos para as Missões
bargo de não ser passada pelo chancelaria, e das ordenações c regi- que .se houverem de fazer, conforme as terras e línguas do~
mentos em contrário, Lisboa 1.0 de Abril de 1680. - Principe» 1. gentios.
Para assegurar a execução desta lei ou realizar o que ela supõe, 6° - Que a repartição dos Índios de serviço a faça o Senhor Bispo
expediram-se outras ordens importantes, de fomento econômico, co;n o Prelado de Santo António, e uma pessoa eleita pela
administrativo, agrícola, colonial e religioso, que os Padres de Lisboa, Camara. E ond~ o Senhor Bispo não estiver, o seu Vigário,
ordenaram em 20 pontos, correspondentes a outros tantos despachos .e que para a dita repartição se saberá o número dos Índios
ou cartas régias, pelas listas que dêles derem os Párocos.
7° - Que as missões ao sertão as façam só os Religiosos da Com-
panhia de Jesus .
•Lista dos despachos e ordens que vão de Sua Alteza -1680:
8° - Que as Aldeias de Índios já cristãos sejam governadas somente
pelos seus Párocos e pelos Principais das suas nações sem se
10- Lei geral de que não haja escravos nem resgates dêles daqui
lhes .poder pôr outro capitão ou administrador de qualquer
por diante. Não se entende esta Lei dos que até agora se fi-
qualidade que seja,
zeram; mas exclue todos os casos, ainda os de guerra justa,
9° - Que os Religiosos da Companhia tenham à sua conta tôdas
que nas leis antigas se permitiam,
as Al,deias dos Índios já cristãos, exceptas somente algumas
20 _ Que todos os anos se metam no Estado do Maranhão qui-
. que tivessem outros Religiosos, antes de ir àquele Estado o Se-
nhentos ou seiscentos negros, para suprirem os escravos que
nhor Bispo.
se faziam no sertão; os quais negros se venderão aos mora-
lO° - Que no caso em que o dito Senhor Bispo haja alterado al-
dores por preços muito moderados e a largo tempo, E Sua Al-
teza os pagará aqui aos mercadores, com quem se fêz êste con- guma coisa acêrca das Aldeias que tenham à sua conta os
Padres
. , da Com pan h'Ia, toôd as diítas A ldeias
. e suas igrejas sejam
trato, para o qual lhes tem já consignado os efeitos de que se
restituidas aos mesmos Padres.
hão-de embolsar. 11°_ Qu e toôd as as outras Aldeias do Gurupá e Rio das Almazonas
30 _ Que se tirem todos os estanques e só se ponham nos gêneros
dêles um direito moderado, e out:as quaisquer que não têm próprios Párocos se entreguem
40 _ Que o Cacau, baunilhas, anis e tôdas as outras drogas novas também aos Religiosos da Companhia
12°_ . '
cultivadas, não paguem direito algum nem lá nem cá, por Que assim mesmo sejam êles os Párocos de todos os Índios
espaço de seis anos e nos quatro seguintes só meios direitos. que descerem do sertão e das Aldeias e igrejas que se formarem
de novo.
1. Bíbl, de Évora, cód. CXV/2-18, f. 35v; Melo Morais, Corograjia, IV, 495-
13°_ Q
Í u~ as, Aldeielas, que de presente há, se reconduzam todos os
496; Porto Seguro, HG" II I, 339-341; Collecção dos Breves Pontijicios e Leys regias, hn~lOs, ~ue ~ndarem divertidos por outras partes, para que
nO. I I. aja maior numero nas sobreditas repartições e que o Gover-
nador os faça reconduzir sem apelação nem agravo,
66 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
CAPíTULO I I I
número incluímos o mesmo autor que noutros passos da sua His- gunda-feira de Pentecostes. Neste dia o Governador Rui Vaz de
tória faz bem a distinção. Realmente a crueldade ou a violência Síqueíra «fêz oração na igreja do Colégio, que havia um ano
do sangue é de todo alheia à tradição da Companhia. A sua fôrça estava fechada, e no dia seguinte se disse nela missa cantada, a
está nas armas do espírito, nos argumentos, ou se quisermos na dia- que assistiu o Governador acompanhado de tudo o que havia no
lécica, por palavra e por escrito, de que Vieira é precisamente entre Maranhão » 1.
nós, e nêste próprio caso, o mais alto exemplo. Mas o espírito de Não se pode duvidar das disposições iniciais do novo Gover-
tolerância com as pessoas, não quer dizer que se suprimam as nador. Quando porém vieram notícias da revolução palaciana, e do
sanções contra as ilegalidades ou crimes; e o próprio Vieira, diante exílio de Vieira e do processo da Inquísição, Rui Vaz mostrou muito
do novo atentado e expulsão de 1684, recordará depois que a com- menos amor à catequese do que aos seus interesses pessoais. São
pleta impunidade de 1661 alentou a repetição da façanha 1. muitos os documentos que o provam; não entremos porém em tais
. O perdão geral, levado por Vaz de Siqueira, foi publicado a minudências, intoleráveis pela repetição, semelhantes a quási tôdas
2 de Junho de 1662 e diz o Governador: «pela informação que as mais nesta matéria de Índios. Relegando-as ao merecido silêncio,
tirei por ordem expressa de S. Majestade sôbre a dita expulsão, vamos direitos aos factos que marquem rumos novos.
me não consta de particular delinqüente, e sendo a culpa comum Antes de mais nada, deve ser assinalado um, o deslocamento
de todos, costumam os Reis usar de sua clemência e benignidade, da preponderância política administrativa e económica de S. Luiz
sendo o arrependimento o mais equivalente castigo» 2. para Belém. A pouco e pouco a primeira capital deixou de ser a
Rui Vaz começou pois o govêrno com boas disposições, pro- residência oficial do Estado. O Governador passara a viver em
curando contemporizar com as Câmaras, sustentando ao mesmo Belém, cidade que fôra prevalecendo pela sua posição geográfica
tempo os Jesuítas. Quando um dos dois navios, em que iam expulsos mais central, perto da grande fonte de riqueza humana que era
os do Pará, arribou outra vez, o Governador desautorizou os res- o Amazonas, emulação vinda de longe, mas que se ia equilibrando.
ponsáveis nêsse embarque, e manteve com firmeza os Padres. Facto importante, porque se até então, ainda às vezes se fazia a
Quanto à reentrada dos Padres no Maranhão, Bettendorff nota concordância entre ambas as cidades e respectivas Câmaras, como
as seguintes efemêrides e dupla coincidência: sucedeu em 1661, daqui em diante, quando uma propunha alguma
Motim principal: dia do Espírito Santo de 1661.
o
inovação ou recusava algum quesito das leis, a outra tomava ge-
Saída do P. Vieira e outros do Maranhão: 8 de Setembro de 1661; ralmente a posição contrária. Nestas circunstâncias, e é êste outro
Resolve-se no Maranhão a volta dos Jesuítas: dia do Espírito facto a assinalar, entrou em S. Luiz no dia 11 de Julho de 1679, o
Santo de 1662. primeiro Bispo do Estado, D. Fr. Gregório dos Anjos, que pouco
Chegada dos Padres Vale e Gorzoni: 8de Setembro de 16623. depois passou ao Pará. E a êle, com mais dois membros, como vimos,
Parece que a J unta no Maranhão, para a volta dos Padres, foi um F ranciscano e um Camarista, se encarregou a repartição dos
exactamente na «primeira oitava do Espírito Santo, isto é, na se- Índios das Aldeias ou dos novamente descidos. Entretanto, a lei
determinava que tanto a administração das Aldeias como os des-
1. Cortas de Vieira, I II, 490.
cimentos se fizessem por Padres da Companhia; a repartição, de que
2. Meio Morais, Corograjia, 111, 167. Êste perdão foi confirmado por EI-Rei, os Jesuítas se não quiseram ocupar, é que ficou a cargo daquele
no dia 12 de Setembro de 1663, para fazer mercê aos seus vassalos e que se não triunvirato ou junta repartidora. As leis determinavam em concreto
trate mais dessas culpas, arquivando-se o processo, Id., lho, 175-176. Mas alguns o modo da repartição, salário e o número que se havia de repartir,
dos mais culpados tiveram má sorte. A Relação dos Sucessos do Maranhõo, em e os que haviam de ficar nas Aldeias, que era a terceira parte, mo-
S. L., Novas Cartas, 313-314, atribue êsses castigos ao «rigor da Divina Justiça>.
Ci tam-se nomes.
o
Fizeram também dois misteres, escolhidos entre os que formavam da .Companhia foram Fr. Inácio Ventoso, conselheiro-mor dos levantados, e Fr.
L~I~ :estana. Todos aparecem incitando os amotinados, no púlpito ou fora dêle. O
o corpo do motim, e que serviu para se cuidar que as acções de todos
VIga no da Matriz, ainda que alguns factos o culpavam, protestou depois que só
eram dirigidas pelo govêrno do povo: e a êste corpo de amotinados Votara
. contra o Esta nea, e nao- pc Ia expu Isao
- e que so,. agira por medo
. (Bett., Cr6-
n/ea ' 362' , M emana
,. d o P . B ama bêe S oares, 172-173). Falando sôbre a expulsão
dosPadres da Companhia, diz o Superior da Missão: "Franciscani Carmelitae
1. Convento de Santo Antônio, Bett., Cr6nica, 360; Mem6ria do P. Bar- M erce .. CI ' ,
nabê Soares (Bras. 3(2), 172). <Os sediciosos se juntaram pela meia noite na cêrca , naru et erici earn a populo extorquerunt » (Bras. 26, 98). A pedido dos
do convento de Santo António (então ainda fora da cidade), entrando nela por rnCes~os Padres da Companhia, EI-Rei perdoou «aos clérigos culpados. (Betr.
r6ntea, 409). '
uma brecha, que o tempo havia feito no seu muro, diz Fr. Francisco de Na. Sa. dos
Prazeres, Poranduba Maranhense, na Rev. da Inst. Bras., LIV, 86. Be ~. Ss três pseudo-governadores foram Tomás Be~uimão, irmão de Manuel
2. Manuel Bequimão, que ofereceu o outro cargo de Procurador do Povo qUlmao, João de Sousa e Manuel Coutinho Memória 172
3 ' ,.
a Eugênio Ribeiro que se escusou por não saber discursar. Nomeou então a Jorge . . Manuel Bequimão, que é o aludido sempre que aqui se fala apenas em
procurador ou um dos procuradores.
de Sampaio ficando Eugênio Ribeiro, como vogal do Conselho, com Francisco
Dias Deir6 e Melchior Gonçalves, Mem6riado P. Barnabé Soares, 172.
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO III - § 2 77
76 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
e a ~; Fr. Luiz Pestana (Mem~ria, 173). O emissário procurou mover o' Prelado
amara a secundarem o motim do Maranhão. O Prelado mostrou-se tíbio, re-
Alcântara os seus intentos, mas sem o fruto que esperavam; porque
78 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO III - § 2 79
Teve disto notícia o capitão-mor de T apuitapera, e fêz aviso ali, ficasse em notícias autênticas, para testemunho de seu acertado
ao Pará, da embaixada que lhe mandavam do Maranhão, para se procedimento. Para isso grudaram algumas fôlhas de papel, em que
prevenir o governador do Estado com as cautelas convenientes a lançaram um círculo grande, no meio do qual se escreveram seus
tão estranha novidade; e porque os conjurados souberam dês te decretos, e cláusulas da conjuração, e motivos dela, com severas de-
aviso do capitão-mor Henrique Lopes, corria voz, que o mandavam precações e penas contra os que obrassem ou dissessem o contrário
vir prêso, e se não sabia até àquele tempo se o haviam feito, ou do que ali estava escrito; e para não ficar lugar de se poderem co-
se êle com alguma notícia desta resolução, se havia ausentado. nhecer os cabeças e autores destas perturbações, assinaram todos
Tornaram ao Colégio os procuradores do povo, argüindo aos em roda do dito círculo, satisfeitos de que não sendo conhecidos
prelados de haverem mandado o Padre Pedro de Pedrosa ao Pará, pela ordem das firmas naquele papel, o não poderiam ser pelo que
com aviso do que haviam feito, e de que tinham quantidade de tão publicamente obravam nas ruas e praças da cidade.
cravo em casa de um confidente seu, e de não terem dado umas Depois de juramentados nesta forma, quiseram que assim mesmo
índias de leite para criarem os filhos de uns moradores; constou se pusesse em outra escritura a expulsão dos Padres, para constar
logo ali ser tudo falso, porque o Padre Pedro de Pedrosa apareceu diante a todo o tempo da causa porque a empreenderam. E a êsse fim Ihes
dêles, e o Padre reitor Ihes ofereceu de graça todo o cravo, que mandaram intimar um protesto, com cerimonias judiciais, cuja su-
achassem na casa sobredita; e finalmente se averiguou que era tes- bstância brevemente resumida é a seguinte: que o povo do Maranhão
temunho, o que se dizia das índias de leite, pedidas e não dadas aos os lançava fora, não por escândalo algum em seu procedimento e
moradores. Vendo-se assim convencidos em sua temeridade, êstes vida religiosa, nem menos por faltarem ao cuidado da salvação das
conjurados concluiram suas razões com inculcarem canoas para os almas 1. Que a razão, motivo e principal fundamento desta resolução,
Padres sairem, aos 20 de Março, no que êles não vieram, por serem era por que os Padres tinham a administração temporal dos Índios,
aquelas embarcações incapazes de levarem vinte e sete religiosos no que experimentava aquêle povo intoleráveis apertos. Que Ihes
por uma costa brava e com navegação de tantos dias. Deferiram os pediam e intimavam juntamente não pretendessem jamais voltar
procuradores do povo a esta réplica muito violentados; e destinaram para a terra, que de nenhum modo os queria, e de que já haviam
dois barcos velhos, em que fôssem os Padres para o Brasil, que era sido lançados duas vezes e intentados lançar outra 2.
o termo de seu destêrro. Que de fazerem os Padres o contrário, soubessem causariam
Chegaram nesta ocasião duas canoas do Pará, uma com cartas muitos danos no Maranhão com sua vinda, dos quais, e das mortes
do governador do Estado para o Capitão-mor Baltasar Fernandes, que se seguissem, teriam a culpa tôda. Que nenhuma razão das que
e outra com o Padre J ódoco Peres, da Companhia, Superior das
missões, e mais dois religiosos. Puseram os três governadores em
arrecadação os índios, canoas e cartas, que nelas vinham, e da ja- I. A notificação começa assim: «O povo desta cidade de S. Lulz do Maranhão
nela da Câmara leram os procuradores do povo as do Governador tem já expulsado a Vossas Paternidades dela três vezes com esta; não porque Vossas
Paternidades lhe tenham dado escândalo algum no espiritual mais que no temporal,
do Estado em voz alta, com os comentos e glossa, que Ihes ditava
os quaís declararão e farão presentes ao Príncipe Nosso Senhor, que Deus guarde,
sua paixão. Quiseram também que tudo quanto tinham obrado até porque no exemplo com que Vossas Paternidades obram no espiritual e bem das
almas não têm que dizer> ... Bras. 26, 123; Bibl. de Évora, C6d. CXV/2-11, 87-88;
Melo Morais, Corografia, IV, 186.
pelindo a sugestão só quando viu que o Pará a repelia. O Governador, que antes 2. Uma em 1661, outra talvez se refira ao tempo dos Padres Manuel Gemes
do motim tergiversava na questão dos Indios (Bras. 9,322), quando soube que os e Diogo Nunes, de que não há documentos; a tentativa foi à chegada do P. António
amotinados o tinham deposto, segurou bem as rédeas. E a Câmara, quando Frei Víelra em 1653. Quanto aos índios, que os amotinados queriam, tinharn-lhes res-
Luiz lhe apresentou a mensagem e relatório dos acontecimentos do Maranhão, Pondido os Jesuítas que reparassem em que êles os administravam, mas outros os
pegou nos originais e levou-os ao Governador, hipotecando-lhe a sua adesão e fide- repartiam. A repartição competia, como se disse, ao Bispo, ao Prelado de Santo
lidade à autoridade legítima (Baena, Compêndio das Eras, 153-154). António e a um camarista eleito pela Câmara (Bett., Crónica, 359ss).
80 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL
"
1. Bras. 26, 114.
2. Foram enforcados dois: Manuel Bequimão e Jorge de Sampaio; Fran-
cisco Oeir6 (em estátua), Melchior Gonçalves açoitado e proscrito; remetidos
para Lisboa, Tomás Bequimão e Eugênio Ribeiro que se pensava em libertar pela
intercessão dos «Nossos>, Carta de Bettendorff, de 12 de Março de 1686, Bras. 26,
133; Crônica, 409. O Jesuíta acrescenta: «Francisco Deíró andou escondido, pelas
matas e sua roça até que anos depois alcançou perdão, tendo também eu escrito
por êle, por me mandar várias vezes pedir essa caridade, quando ouviu que por
meu respeito, tinha EI-Rei perdoado aos clérigos culpados>.
3. De Lisboa tinha-se indicado ao novo Superior do Maranhão, a f6rmula,
protesto e reservas que as circunstâncias requeriam: <Côpia do termo que fez o Padre
Sebastião Pires no Maranhão tornando para lá os Padres. - Chegando a porta da
Igreja de Nossa Senhora da Lus fis protesto, e se me deu certidam na forma se-
guinte. Obedecendo a ordem de S. Mg.dc que Oeos g.de dada ao Sr. Governador e
Cap.üm G.ül deste Estado Gomes Freire de Andrada p.a restituir os Religiosos da
Comp.s de JESV ao seu Colls de N. Senhora da Lus desta Cidade de S. Luis do
Maranhão, e suas missocns e residencias de que foram com injusta e manifesta vio-
lencia expulsados, em nome do P. Ant6nio Pereira vice Superior destas missões
e dos mais Missionarios, Eu o P", Sebastiam Pires religioso professo da mesma Com-
panhia de JESV tomo posse de tudo na forma em que dantes estava, requerendo e
protestando que a dita posse ha de ser dependente da vontade e determinação de
N. M. Rdo P." Geral o P". Carlos de Noíelle, ou. quem em seu lugar estiver p-, a
aprovação, ou recusão como julgar ser mais conveniente e conforme ao nosso Ins-
tituto: e com a mesma condição declaro, que não podemos, nem devemos demitir
com a dita posse o direito que temos p". cobrar as perdas e danos que se nos tem
causado com a tal expulsão. E p •. que a todo o tempo conste deste meu reque-
rimento e protesto, peço que se faça hum termo em modo que faça fee, aos 23 de
Setembro de 1685. Sebastlam Pires. > to
gado a tomar posse do d. Coll=. pelo dito Padre foi lido o conteudo do papel assima
em alta voz em presença de mi tabaliam, e pello dito Snr. General me foi dito desse
TERMO fee de como o d to P? I d to I .
.. ,era o .. pape conteudo assima do que tudo fis este termo
am
eBeuManuel Correa t. do Publico Judicial e notas nesta cidade que o fiz e escrevi :
«Aos vinte e tres dias do mes de Septembro do anno de mil e seiscentoS e ( raso 26, 122).
oitenta e sinco nesta cidade de S. Luis do Maranhão a porta do Collv. de N. Senhora
II 1. CL Rodolfo Garcia, que anota e corrige a Varnhagem e a Berredo, HG,
da Lus estando presente o senhor Gomes Freire de Andrada Governador e Cap.am
I, 312. O retrato de Gomes Freire, da Câmara do Pará, uma lámina de cobre
Geral deste Estado pelo P", Sebastião Pires da Campo. de JESV, que tinha che-
c~m a data de 1688, vimo-Io em 1941, numa sala do Instituto Hist6rico da mesma
CIdade do Pará.
CAPÍTULO IV
segurança necessana, e dotação congruente (não mero fingimento mesmos Índios pelo Governador, sob proposta dos Padres da Com-
dela) os Padres não deveriam aceitar nada dos Índios. Manifestou-se panhia; a repartição dos Índios pelos moradores; os que deviam ficar
contra alguns pedidos' de Bettendorff, que, segundo êle, pedia sem para o serviço dos Missionários; o salário respectivo; a defesa interna
saber o que pedia: as Aldeias para os Colégios; a repartição dos Índios das Aldeias contra possíveis intrusões e perturbações dos moradores;
livres, fonte perpétua de distúrbios; os resgates dos Índios, no sertão, a defesa do matrimónio cristão, e que se algum índio ou índia das
pelos da Companhia; e que a Companhia aceitando tais resgates Aldeias induzido pelos seus senhores, casasse com escrava ou escravo
perderia a autoridade. No Maranhão, pela experiência que êle tinha, em vez do livre ficar cativo, ficava o cativo livre, disposições estas
os Padres da Companhia não deviam buscar mais que canseiras e e outras, que se repartem por 24 parágrafos 1.
trabalhos com os Índios e os lucros da sua liberdade. Senão, seria O § 17 concedia para serviço dos missionários, 25 Índios; como
a ruina 1. Em todo o caso Vieira, para garantir essa mesma liberdade era expressão ambígua e a poderiam sofismar, como de-facto sofis-
dos Índios, era partidário da administração temporal, da qual era maram os desafectos dos Padres, negando-lhes o direito a te rem Índios
tão dependente a espiritual, que sem aquela não poderia haver esta. casados, não tardou a declarar-se autenticamente que eram 25 casais2•
Nisto o acôrdo era completo. Mas explica, para obstara más inter- EI-Rei assinou o famoso Regimento das Missões a 21 de Dezembro
pretações de inimigos, que a administração era apenas o que se de 1686. Dez dias depois escreve êle próprio ao Geral da Companhia,
dirá ao tratar dos Aldeamentos, uma «prudente e zelosa direcção para evitar que opusesse dúvidas à restituição dos Padres ao Ma-
com que os missionários encaminham a vida dos índios, para que ranhão e Pará, e para afirmar, com um acto pessoal, a garantia régia
ao serviço dos nossos Portugueses não periguem suas liberdades ». da segurança oferecida:
«Padre Geral da Companhia de Jesus: Eu EI-Rei vos envio muito
2. - Bettendorff, em contacto directo com El-Rei, que o recebia saudar. Com a primeira notícia do levantamento do Estado do Ma-
muitas vezes 2, atendia mais à segurança económica da missão e ranhão e expulsão dos Religiosos vossos súbditos, mandei àquêle Es-
manifestou-se partidário da descentralização da catequese de ma- tado averiguar e castigar os cúmplices e autores de tão grave crime.
neira que os encargos dela se repartissem por outros Religiosos. San- E por me constar que não só não deram causa à dita expulsão, mas
cionado assim o princípio da colaboração, e encerrados os debates, que os motivos dela fôra o zêlo do serviço de Deus e meu, com que
cujos pormenores são longos, seguiu-se uma série de diplomas legais se empregam na redução daquela vasta gentilidade, os mando resti-
de 1686 a 1693 que ficaram a reger a matéria da liberdade daí em
diante, ainda depois com múltiplas modificações como sempre, mas 1. Publicamo-Io na íntegra, porque apesar de ser tão importante o Regimento
permanecendo intacto o essencial dêles só é conhecido nos autores que tratam dêstes assuntos, por extractos ou in-
O primeiro grande diploma régio é de 21 de Dezembro de 1686, completos, ou tirados de fontes menos fidedignas. O exemplar, único que co-
nhecemos, conserva-se em Évora, C6:!. CXV/2-12, anotado pelos pr6prios Je-
o chamado Regimento das 'Missões do Estado do Maranhão e Grão-
suítas, a quem pertencia. São 82 páginas impressas por Ant6nio Manescal e
Pará. Com uma segunda parte manuscrita com diversas leis posteriores a 1724. Abre
O Regimento abre com um preâmbulo em que alude aos dis- com o Regimento e Ley sobre as Missões do Estado do Maranhão e Pará sobre a
túrbios do Maranhão dois anos antes; e depois regula a catequese, Liberdade dos Índios (Lisboa 1724) 1-16. CL Apêndice D.
a cargo da Companhia de Jesus e também dos Padres de Santo 2. Carta Régia de 23 de Março de 1688 ao Governador do Maranhão
avisando-o de que no Novo Regimento, que concedeu aos Padres da Companhia
António, nas Aldeias que tinham; o govêrno não só espiritual como
:;ra a~ Missões, I?es permitiu ter~m 2~ ca.sais de Índíos, Bibl. de Évora, Cód.
temporal e político; a manutenção e acrescentamento das Aldeias XV/2 18, 115. Neste mesmo côdice ha ainda outras Cartas Régias de 20 de
com os descimentos dos Índios; a nomeação de dois procuradores dos Março, 22 de Março, e 2 de Maio de 1688. A carta Régia de 23 de Março a
Artur de Sá e Meneses com a data de 25, está em Anais do Pará, I, 95: «que
1. Bras. 3 (2), 256-257v. se não falte nunca com os vinte e cinco casais de índios, a que têm direito os Mis-
2. Bras. 26, 134. Sionários da Companhia de Jesus>.
TÔMO IV - LIVRO I - CAPÍTULO IV ~ § 3 93
92 HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL