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Vistos

Fátima Aparecida Lopes da Silva ajuizou ação revisional de contrato em face de BV Financeira
S/A Crédito, Financiamento e Investimento. Sustentou, em síntese, que ajustou com o
requerido um contrato de financiamento do veículo descrito na inicial a ser pago em 48
parcelas mensais de R$ 1.584,00. Argumentou que os juros cobrados são excessivos, bem
como as cláusulas contratuais de tarifa de avaliação do bem, seguro e registro de contrato.
Dessa forma requer sejam declaradas nulas as cláusulas abusivas, e ao final julgados
procedentes os pedidos, a fim de reduzir as parcelas (fls.01/11). Juntou documentos
(fls.12/34).

A tutela foi indeferida às fls.35.

Citada (fls.39), a instituição financeira requerida apresentou contestação, alegando,


preliminarmente sobre necessidade de retificação do polo passivo, inépcia da inicial,
impugnação do valor da causa e da assistência judiciária. No mais, disse a respeito da validade
do contrato firmado e de sua formalização, pois a obrigação foi assumida pela parte autora por
livre e espontânea vontade. Alegou que a cobrança de tarifas, bem como as taxas de juros
contratadas são legais, não havendo nenhuma abusividade.. Assim, requereu a total
improcedência de todos os pedidos iniciais (fls.40/61). Juntou documentos (fls.62/281).

Houve réplica às fls.285/300.

É o relatório. DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado, pois as questões de fato estão demonstradas nos
autos (art. 355, I, do CPC).

“JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. Em matéria de julgamento antecipado da lide,


predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não, da realização
de prova em audiência, ante a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno
contraditório” (STJ, Ac da 4ª Turma no Resp 3.047, Rel. Min. Athos Carneiro, D.J.U. 17.09.1990).

Retifique-se o polo passivo da demanda, para que passe a constar BANCO VOTORANTIM S/A,
procedendo-se às anotações de praxe.

A preliminar de inépcia da petição inicial ante a falta de fundamentação específica não merece
prosperar, isto porque a petição inicial atende aos requisitos do art. 319 do CPC e possibilita o
direito de defesa.

A parte requerida não trouxe qualquer elemento concreto que justificasse a revogação da
assistência judiciária gratuita, razão pela qual rejeito essa impugnação.

Afasto também a preliminar de impugnação do valor da causa, isto porque a demanda


encontra amparo no art. 292, VI do CPC e às fls.32/34 a parte autora acostou a planilha de
cálculos que resultaram no valor apontado na inicial.

O pedido é parcialmente procedente.

A demanda em tela possui dois argumentos centrais quais sejam: alegação de juros excessivos
e tarifas abusivas.

No que tange a alegação de juros excessivos, observa-se que a ação tem por objeto contrato de
financiamento de veículo celebrado pelas partes, por intermédio
do qual a financeira ré financiou o carro que a parte autora queria adquirir, sendo que o valor
das parcelas era fixo.

Nesse sentido, o contrato em discussão (fls.23/28) não possui qualquer cláusula ilícita ou
abusiva, inexistindo onerosidade excessiva, desequilíbrio contratual ou pratica lesionaria,
ausente, enfim, qualquer ofensa a normas do Código de Defesa do Consumidor.

As parcelas do empréstimo são fixas. Então, bastava que a parte autora multiplicasse o valor
das parcelas pelo número e obteria o valor final que pagaria. Com isso poderia calcular o
percentual dos juros.

Aliás, às fls.23 está claro e devidamente informado todos os valores inclusos na operação
bancária, de sorte que a parte autora teve ciência prévia de todos os encargos e valores, não
podendo agora alegar que foi enganada.

Como tenho dito em casos similares, esta é mais uma das milhares de ações que ao longo dos
últimos anos tem sido apresentadas ao Judiciário por devedores inadimplentes de
financiamentos, para discutir pretensas irregularidades, abusos ou ilicitudes cometidas pelas
instituições financeiras que lhes concederam crédito, buscando ampla revisão dos contratos
firmados.

A proteção do contratante mais fraco na legislação consumerista, com direito à revisão dos
contratos nos casos de adoção de práticas e cláusulas abusivas (art. 6, IV do CDC), lesão ao
consumidor (art. 6º, V, in fine, do CDC), não pode ser encarada como um direito potestativo, ou
em termos menos jurídicos, como um verdadeiro cheque em branco concedido ao consumidor.

Ao contrário, a revisão contratual no CDC além de não prescindir da precisa comprovação das
hipóteses previstas do Código, deve ser interpretada em consonância com os princípios
maiores da proteção ao ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, dos quais decorre um
outro, não expresso, mas implícito no sistema jurídico constitucional vigente, de que não
comportam revisão obrigações já extintas.

Bem a propósito vale lembrar a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR de que “sem o
respaldo da segurança jurídica na contratação dos negócios jurídicos, anula-se o próprio
princípio da legalidade, criando-se verdadeiras armadilhas, na vida contratual. Isto porque,
admitida a instabilidade do vínculo produzido pelo contrato, não teria a contratante o
conhecimento prévio e reflexivo das consequências de seu negócio, daí surgindo um clima de
incerteza e intranquilidade, correspondente a um quadro de profundo antagonismo com a
dinâmica constitucional (...) A função social do contrato, estabelecida a partir dos postulados,
da boa-fé objetiva e da lealdade entre os contratantes não pode ser entendida, obviamente,
como algo incompatível com a segurança jurídica. Sem essa segurança é claro que não se
viabiliza a realização concreta dos fundamentos e objetivos permanentes do Estado
Democrático de Direito, onde a preservação do ato jurídico perfeito e do direito adquirido se
apresenta como condição sine qua non da estabilidade das relações sociais, mediante projeção
pratica do conhecimento antecipado e reflexivo dos atos, fatos e consequências por eles
desencadeados, à luz do critério da previsibilidade (...) A segurança jurídica é, pois, para o
ordenamento constitucional, um alicerce sobre o qual se assentam todos os demais princípios
fundamentais. Apresenta-se como o 'fruto final do Estado de Direito', já que é dela que surge o
clima geral que permite o desenvolvimento e a civilização; e , por isso mesmo, as pessoas
razoavelmente cultas têm sempre a convicção de que 'nenhum valor isolado, por mais valioso
que seja, vale o sacrifício da segurança jurídica'” (“Direitos do consumidor”, Ed. Forense, 2000,
pp. 14-15).

De outra sorte, a parte autora também insurge-se contra a cobrança das seguintes tarifas, as
quais entende serem abusivas:

· Tarifa de Avaliação do Bem: R$ 435,00.

· Tarifa de Registro de Contrato: R$ 144,14.

· Tarifa de Seguro: R$ 751,66.

Antes é preciso ressaltar que a instituição financeira requerida não tem qualquer razão ao
sustentar que por se tratar de contrato de financiamento não estaria sob a égide do Código de
Defesa do Consumidor. É o teor da súmula nº 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor
é aplicável às instituições financeiras”.

Quanto às tarifas apontadas na inicial, o Colendo Superior Tribunal de Justiça julgou os


Recursos Especiais repetitivos nºs. 1.251.331-RS e 1.255.573-RS, fixando para a matéria as
orientações seguintes:

"Resultado de julgamento final: a Seção, por unanimidade, conheceu do recurso especial e


deu-lhe parcial provimento para que sejam observados os juros remuneratórios nas taxas
mensal e anual efetiva, como pactuados, e para restabelecer a cobrança das taxas/tarifas de
despesas administrativas para abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), e a
cobrança parcelada do IOF, nos termos do voto da Srª. Ministra relatora. Para os efeitos do art.
543-c, do CPC, ressalvados os posicionamentos pessoais do Srs. Ministros Nancy Andrighi e
Paulo de Tarso Sanseverino, que acompanharam a relatora, foram fixadas as seguintes teses:

1ª tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN
2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê
(TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade
em cada caso concreto;

2ª tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços
bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas
em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem
respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de
Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de
Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a
qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição
financeira;

3ª tese: Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras


e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos
mesmos encargos contratuais. (STJ REsp repetitivos nºs. 1.251.331-RS e 1.255.573-RS, Rel. Min.
MARIA ISABEL GALOTTI, J. 28.08.2013)

Em relação à tarifa de registro de contrato e de avalição do bem, o Superior Tribunal de Justiça


julgou o Recurso Especial nº 1.578.553/SP, paradigma do Tema 958 dos recursos repetitivos,
fixando a seguinte tese: "Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como
da cláusula que prevê o ressarcimento da despesa com o registro do contrato, ressalvada a
abusividade da cobrança do serviço não efetivamente prestado e a possibilidade de controle da
onerosidade excessiva em cada caso".

Com efeito, as referidas tarifas administrativas dizem respeito a serviços efetivamente


prestados pela requerida e, portanto, passíveis de cobrança, já que objetivam, exclusivamente,
dar atendimento ao pleito do autor de se beneficiar do dinheiro do banco, para o fim por ele
pretendido.

Ademais, não demonstrada qualquer abusividade em tais tarifas, as quais foram fixadas em
valores módicos (R$ 435,00 referente à tarifa de avaliação e R$ 144,14 referente à tarifa de
registro de contrato).

Assim, não se sustenta a alegação de que os acréscimos são provenientes de cláusulas leoninas
e abusivas, visto que a parte autora assumiu e contratou por sua própria vontade, valendo
salientar que tais informações estão suficientemente claras no contrato.

De outra verte, em relação ao seguro, a 2ª Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao


julgar o Recurso Especial Repetitivo nº 1.639.320/ SP (Tema nº

972), relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, fixou as seguintes teses para os efeitos
do art. 1.040 do CPC:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-


GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO
FINANCEIRA. VENDA CASADA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O
ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA.
ENCARGOS ACESSÓRIOS. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados
a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por
intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES
FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 2.1 - Abusividade da cláusula que prevê o
ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos
celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo
válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da
onerosidade excessiva. 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser
compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.
2.3 – A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. 3. CASO
CONCRETO. 3.1. Aplicação da tese 2.3 ao caso concreto, mantendo-se a procedência da ação
de reintegração de posse do bem arrendado. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (REsp
1639320/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
12/12/2018, DJe 17/12/2018).

Conforme se vê, segundo o entendimento fixado pelo Tribunal, não basta assegurar ao
consumidor a liberdade de contratar ou não o seguro, sendo imprescindível que se assegure
também a liberdade de escolha da seguradora, inclusive daquelas não integrantes do mesmo
grupo econômico da instituição financeira, sob pena de se configurar a venda casada.

Nesses termos, a cobrança obrigatória do seguro ou o mero direcionamento da contratação à


seguradora determinada pela parte requerida, configura espécie de venda casada, a qual é
expressamente proibida pelo art. 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, sendo de
rigor o reconhecimento de sua abusividade no caso em tela.
Nessa esteira, tem-se que a parte autora foi indevidamente cobrada na quantia de R$ 751,66,
referente ao seguro.

Não há que falar-se em erro justificável na conduta da instituição financeira, a qual tem ciência
da irregularidade de tal cobrança deste a superveniência da Resolução nº 3.954/2011, do
BACEN e do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, nos termos do art. 42, Parágrafo único, da Lei 8.078/90, o consumidor tem direito ao
ressarcimento em dobro do valor pago indevidamente. Na espécie, R$ 1.503,32, corrigidos pela
Tabela Prática do TJ/SP e com juros de mora de 1% ao mês, tudo desde a citação.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão inicial decretando a


revisão do contrato firmado entre as partes e declarando a nulidade das cláusulas referentes à
cobrança de SEGURO. Por consequência, condeno a parte ré à restituição do valor de R$
1.503,32, corrigidos pela Tabela Prática do TJ/SP e com juros de mora de 1% ao mês, tudo
desde a citação.

Ante a sucumbência preponderante da parte autora, condeno-o ao pagamento das despesas


processuais e dos honorários advocatícios, que advocatícios que arbitro em 10% do valor da
causa (art. 85, §2º, do CPC). Observe-se o art. 98, §3º do Código de Processo Civil.

P.R.I.

Oportunamente, arquivem-se

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