Educação Financeira Crítica

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EDUCAÇÃO FINANCEIRA CRÍTICA: UMA PRÁTICA


PEDAGÓGICA PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Critical financial education: A pedagogical practice for the education of youth and adults

Júlio César ROSSETTO


Secretaria de Estado de Educação, Vera/MT, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-3766-8138

Tcharles SCHNEIDER
Secretaria de Estado de Educação, Vera/MT, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9444-8978

Marli Teresinha QUARTIERI


Universidade do Vale do Taquari, Lajeado/RS, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9621-3830

Eniz Conceição OLIVEIRA


Universidade do Vale do Taquari, Lajeado/RS, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-0252-2243

A lista completa com informações dos autores está no final do artigo

RESUMO
Este artigo apresenta os resultados de uma prática pedagógica desenvolvida em sala de aula voltada para os
estudantes do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma Escola Estadual no Norte do Estado do
Mato Grosso. O objetivo da prática foi contribuir para a formação de estudantes críticos para que saibam avaliar a
melhor opção de compra de produtos em promoções e que percebam a relevância de se fazer pesquisa de preço. Os
dados foram coletados por meio da gravação de áudios no decorrer da prática pedagógica e a aplicação de um
questionário aberto ao fim da execução da referida prática. Os resultados aludem que essa intervenção foi relevante
para estes estudantes, uma vez que contribuiu na formação de cidadãos críticos, possibilitando a construção de
habilidades para o enfrentamento de situações que envolvem suas finanças. Destaca-se, por fim, a satisfação dos
alunos em trabalhar com a matemática neste contexto, haja vista que os estudantes se mostraram motivados e
desafiados a interpretarem e resolverem os cálculos matemáticos propostos nas situações-problema.

Palavras-chave: Educação Financeira Critica, Educação de Jovens e Adultos, Analfabetismo Financeiro

ABSTRACT
This research paper brings the results of a pedagogical practice developed in the classroom focused on high school
students of youth and Adult Education (EJA) in a State college in northern Mato Grosso. The objective of the practice
was to contribute to the training of critical students who know how to evaluate the best option to buy products in
promotions and who understand the relevance of doing price research. Data were collected through the recording of
audios in the course of the pedagogical practice and the application of a questionnaire open to the end of the
implementation of this practice. The results allude that this intervention was relevant to these students, since it
contributed to the formation of critical citizens, enabling the construction of skills to cope with situations involving their
finances. Finally, the students satisfaction in working with mathematics in this context is highlighted, since the students
were motivated and challenged to interpret and solve the mathematical calculations proposed in the problems situations.

Keywords: Critical Financial Education, Youth and Adult Education, Financial Illiteracy

Revista Eletrônica de Educação Matemática - REVEMAT, Florianópolis, v. 15, p. 01-24, jan./dez., 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1981-1322. DOI: https://doi.org/10.5007/1981-1322.2020.e74215
1 INTRODUÇÃO

A partir do século XXI, a oscilação é uma das características no mercado financeiro


nacional e em função disso as pessoas acabam se comprometendo financeiramente,
podendo ter como causa a perda do emprego devido ao retrocesso da expansão industrial
e a redução de cargos ou funções no mercado de trabalho. Outro fato que pode colaborar
no comprometimento da renda familiar é a falta de um controle e planejamento financeiro,
que se agrava ainda mais quando combinado ao consumismo.
Diante do contexto, percebe-se que a Matemática Financeira desenvolvida em sala
de aula pode contribuir na formação de cidadãos críticos. Por meio da criticidade pode-se
desenvolver pensamento reflexivo e autônomo frente à necessidade de tomada de
decisões como: quando, quanto e onde comprar. É importante analisar as empresas e
distinguir a que apresenta a melhor proposta de venda evitando, assim, futuros
endividamentos.
Dentro desse panorama, revela-se a necessidade de uma Educação Financeira
Crítica, visando a romper com a forma tradicional com que a Matemática Financeira é
ensinada em seus distintos contextos. Dessa forma, entende-se que é necessário abordar
essa temática em sala de aula, especialmente com os alunos da Educação de Jovens e
Adultos (EJA), pois estes já possuem uma vida financeira autônoma, contribuindo com a
renda familiar, sendo, por vezes, a única fonte de renda de sua família. Ao compreender
esse panorama social do aluno da EJA, o professor pode explorar a construção de
conceitos da Educação Financeira de forma colaborativa, na qual cada indivíduo –
professor ou aluno – pode apresentar sua forma distinta de pensar e agir em relação a
sua gestão do orçamento familiar.
A prática pedagógica possui cunho qualitativo, com características de um estudo de
caso, sendo que os dadosforam coletadosa partir de gravações de áudios, fotografias,
material produzido pelos alunos e pelo diário de campo dos pesquisadores/professores. A
análise dos dados foi efetivada de forma descritiva, seguindo-se a ordem cronológica dos
fatos ocorridos, imbricando a discussão com ideias de alguns autores que pesquisam a
temática deste artigo.
O objetivo desta proposta foi contribuir para o processo de ensino e aprendizagem
da Matemática Financeira sob a perspectiva da Educação Financeira Crítica por meio da
exploração de situações-problemas vivenciadas rotineiramente pelos alunos da EJA.

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Assim, este artigo apresentará em seu apanhado teórico a contextualização da
Educação de Jovens e Adultos, uma breve perspectiva de alguns autores sobre a
Educação Financeira Crítica e o analfabetismo financeiro, bem como o delineamento
metodológico e a análise das atividades desenvolvidas na prática pedagógica.

2 REVISÃO TEÓRICA

2.1 Educação de jovens e adultos

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino voltada a


pessoas que, por um motivo ou outro, não tiveram acesso ao ensino na idade escolar
obrigatória e tendo como principal característica uma problemática social, o
analfabetismo, fruto da miséria social promovida pela desigualdade social. Sendo assim, a
EJA tem em seu bojo um ensino voltado para pessoas que compõem a classe dos menos
favorecidos:
É este marco condicionante — a miséria social — que acaba por definir as diversas
maneiras de se pensar e realizar a EJA. É uma educação para os pobres, para
jovens e adultos das camadas populares, para aqueles que são maioria nas
sociedades de Terceiro Mundo, para os excluídos do desenvolvimento e dos
sistemas educacionais de ensino. Mesmo constatando que aqueles que conseguem
ter acesso aos programas de EJA são os com ‘melhores condições’ entre os mais
pobres, isto não retira a validade intencional do direcionamento aos excluídos
(Haddad, 2008, p. 13).

O público atendido pela EJA, conforme Haddad (2008), em sua maioria, é


condicionado pela miséria social. De acordo com o autor, o professor que leciona em
turmas dessa modalidade de ensino deve ter um olhar diferenciado para os processos de
ensino e de aprendizagem, buscando associar teoria com prática. O docente da disciplina
de Matemática não deve manter-se alheio a essa prática, mesmo que estudantes possam
vê-lacomo um “bicho de sete cabeças”. Fonseca (2012, p. 66) descreve sobre essa
dificuldade:
No discurso formulado pelos alunos da EJA sobre a dificuldade da Matemática, a
marca da ideologia se faz sentir na frequência expressivamente menor em que
esses alunos relacionam essa dificuldade a aspectos da natureza do conhecimento,
eventualmente responsável por torná-lo complexo ou incompreensível de um fazer
e um compreender matemáticos, [...] e a seus esforços e oportunidades individuais
a possibilidade de superá-los.

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A associação entre os conteúdos matemáticos básicos e seus conhecimentos
prévios é um princípio fundamental para se ter sucesso no domínio de um fazer e um
compreender matemático em todas as modalidades de ensino, cabendoao professor da
EJA oportunizar um elo entre conhecimento empírico e conhecimento científico,
possuindo um olhar voltado a formar cidadãos para a vida, preparando-os para o mercado
de trabalho.
Acredita-se que essa modalidade de ensino esteja voltada para os cidadãos que
buscam se qualificar almejando uma ascensão profissional que se faz necessária pela
perda de rendimentos em comparativo ao trabalhador "letrado":
Trabalho e rendimento financeiro são bem mais desvantajosos para os não
letrados. Enquanto homens alfabetizados registram 71% de probabilidade de ter um
emprego formal, para os analfabetos esse percentual cai para 45%. A renda familiar
per capita do primeiro grupo fica em R$ 1.200,00 enquanto a do segundo em R$
600,00. As desvantagens trazidas pela não alfabetização alcançam os filhos desses
indivíduos. Os números brasileiros evidenciam que a probabilidade de os filhos de
pai analfabeto terminarem o ensino médio com até um ano somente de atraso é de
apenas 38%, enquanto entre os alfabetizados é de 69% (Oshima, 2017, texto
digital).

De acordo com este artigo publicado pela jornalista na revista Época, nota-se que,
além das desvantagens financeiras, a falta de instrução resulta em um reflexo
educacional direto nos filhos dessas pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas. A
oportunidade ofertada pela EJA, além de propiciar uma melhora na qualidade de vida
individual, pode propiciar um reflexo direto nas famílias desse aluno, comona melhora da
renda. No entanto, é importante salientar que a educação é um direito a todose independe
da modalidade que se frequenta ou objetivo que se almeje.

2.2 Educação financeira crítica na escola

Conforme Eves (2008), a origem dos números, mesmo com diversas formas de
simbolização, está intrinsecamente ligada com a necessidade humana de controlar/contar
seus rebanhos e sua caça. Além disso, os primeiros livros de Matemática escritos
surgiram com a finalidade de auxiliar os comerciantes com a escrituração de operações
comerciais. Apesar dessa ligação primária com a Educação Financeira, nas aulas de
Matemática pouco se discutem problemas ou situações que envolvam esta formação. Por
isso, para Martins (2004, p. 56):
A omissão da escola em relação a noções de comércio, de economia, de impostos
e de finanças tem uma consequência perversa: a maioria das pessoas, quando
adulta, continua ignorando esses assuntos e segue sem instrução financeira e sem

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habilidade para manejar dinheiro. As consequências se tornam mais graves se
levarmos em conta que ninguém, qualquer que seja a sua profissão, está livre dos
problemas ligados ao mundo do dinheiro e dos impostos. É importante tomar
consciência da necessidade de alfabetização financeira, o que pode ocorrer por
iniciativa própria, por orientação dos pais ou por conselho de amigos. Infelizmente
para muitas pessoas o “alerta” chega em decorrência de algum desastre financeiro.

Levando em consideração as palavras de Martins (2004), verifica-se a necessidade


de as instituições de ensino reverem suas propostas de planos de ensino, uma vez que
não se define um espaço para a abordagem de temas transversais que venha abordar
especificamente questões econômicas, a fim de preparar os alunos para enfrentar um
mundo capitalista. Uma possibilidade é trabalhar na disciplina de Matemática conceitos de
Matemática Financeira, e não apenas exercitando fórmulas de juros simples e compostos,
descontos e acréscimos sucessivos, sem discussão participativa dos discentes.
A Matemática Financeira está diretamente imbricada à Educação Financeira, sendo
essa uma questão que afeta a todos, uma vez que diariamente se pensa ou se faz algo
relacionado às finanças. Quem nunca se perguntou ao chegar no fim do mês: “O que eu
fiz com o meu salário?” Sendo assim, o intuito da proposta pedagógica relatada neste
artigo é discutir a Matemática Financeira numa perspectiva voltada para a Educação
Financeira, ou seja, à contabilidade familiar, propondo ao aluno um olhar crítico de
situações cotidianas.
Proporcionar momentos que possibilitem a discussão crítica nos alunos deveria ser
um dos principais objetivos e deveres da educação escolar. Segundo Skovsmose (2001,
p. 18), há três pontos-chaveda educação crítica:
1. os estudantes têm uma experiência geral, que, no diálogo com o professor,
permite-lhes identificar assuntos relevantes para o processo educacional; 2. se uma
educação pretende desenvolver uma competência crítica, tal competência não pode
ser imposta aos estudantes, deve, sim, ser desenvolvida com base na capacidade
já existente; 3. estudantes e professor devem estabelecer uma ‘distância crítica’ do
conteúdo da educação.

Tendo como origemessespontos-chaveda educação crítica de Skovsmose (2001),


enfatiza-se a necessidade de trabalhar com Educação Financeira Crítica na Educação
Básica, pois por meio dela pode-se desenvolver cidadãos aptos em lidar com situações
que envolvem a gestão financeira do orçamento familiar. Dessa forma,torná-loshábeisde
fazer a melhor escolha de quando, quanto, onde e se é realmente necessário o
investimento, tornando-os capazes de questionar-se sobre tais indagações, planejar
ações em longo prazo e evitar futuros endividamentos. Sardenberg (2012, texto digital)
destaca:

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Entre os devedores, a maioria não paga porque não consegue, não por vontade.
São pessoas que se planejaram mal ou que sofreram um baque, como o
desemprego ou uma doença na família, levando a uma perda de renda disponível.
Para esses casos, a saída é a negociação direta ou nos órgãos de defesa do
consumidor ou mesmo dos tribunais.

Nesse sentido, é comum ouvir dos alunos relatos de situações envolvendo suas
finanças, que causam inquietações devido à ausência de conhecimento e habilidades
demonstrando a falta de autonomia em lidar com questões que envolvam dinheiro, fatos
esses que podem ser evidenciados em sala de aula por meio da resolução de atividades
que simulam situações reais, como nas análises de tabelas, gráficos, taxas de juros e
índices de porcentagem.

2.3 Analfabetismo financeiro

O “analfabetismo financeiro”, conforme Theodoro (2008), é uma variável do


analfabetismo funcional, tendo como característica a falta de habilidade em analisar
promoções ou taxas de juros, podendo agravar ainda mais a condição econômica das
famílias. O estudo realizado em 2014, pelo instituto de pesquisas Gallup, apontava que
dois em cada três adultos era considerado analfabeto financeiro. Os dados levaram em
consideração 150 mil pessoas de 148 países. O Brasil ficou em 68º lugar em ranking de
conhecimentos financeiros, obtendo 35% de acertos (BBC Mundo, 2015, texto digital).
Esse índice apurado na pesquisa simboliza um Brasil onde muitos de seus
consumidores tomam decisões financeiras sem pensar, ou, mesmo, quando refletem
antes de tomá-las, às vezes arrependem-se em seguida. Esse arrependimento pode ser
por não fazerem os cálculos matemáticos corretamente ou não terem interpretado a
contextualização em que esta decisão está inserida e o momento econômico que está
sendo atravessado. Sobre o processo de tomada de decisão, Cerbasi (2013, p. 59)
explica:
Um ramo da ciência chamado psicologia econômica e uma de suas ramificações,
chamada finanças comportamentais, estudam e tentam explicar comportamentos e
decisões aparentemente bem pensadas, porém ilógicas, do ponto de vista racional
ou mesmo matemático. Entre os aspectos estudados estão questões como por que
muitos investidores compram ações após grandes altas e por que tantas pessoas
investem seu dinheiro em Cadernetas de Poupança e CDBs apesar da certeza de
rendimentos inferiores aos de outros investimentos.

Reforçando os comportamentos ilógicos apresentados por Cerbasi (2013), numa


perspectiva racional se pontua que a crise que o Brasil está atravessando nos últimos

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anos de cunho sociopolítico econômico pode ter iniciado após o decreto de falência de
diversos bancos internacionais. Possivelmente, um pensamento lógico nos remeteria a
uma necessidade de maior controle das despesas, evitando pagamentos de juros e
correção monetária, multas por atraso e a inclusão do nome em órgãos de proteção ao
crédito. Nesse sentido, a edição do dia 16 de maio de 2016, do Jornal Nacional, exibiu
uma matéria que relatava a crise que afetava as famílias brasileiras:
A classe média encolheu em 2015. Um milhão de famílias passou a ter um padrão
de vida pior por causa da crise econômica [...]. Nós estávamos no topo e de um dia
para o outro despencamos. ‘A gente está fazendo de tudo para mostrar para o
nosso filho que têm altos e baixos’, diz José Alessandre de Andrade. (Portal G1,
2016, texto digital)

Nessa perspectiva, o Portal G1 (2019, texto digital) anuncia que o “Percentual de


famílias endividadas sobe pelo 5º mês seguido e chega a 63,4%”, diz CNC. Esta
ascensão de brasileiros endividados chegou ao final do mês de março de 2020 com
índices de 66,2%, conforme dados da própria Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC), dados apresentados pela Revista Exame - versão
Eletrônica (2020, texto digital).Eventualmente um dos fatores que culminou no
encolhimento da classe média foi a obrigação de as empresas adotarem uma postura
mais conservadora – inclusive diante da pandemia do coronavírus que atingiu vários
países no fim de 2019 e em 2020 – para evitar o seu fechamento. Entre essas medidas
destaca-se a redução da folha de pagamento, acarretando redução de seu quadro de
funcionários, o que eleva os índices de desemprego do Brasil. Dessa forma, famílias
como as do ‘seu’ José estão aprendendo a lidar com sua atual situação econômica,
passando por mudanças bruscas na qualidade de vida por não possuir uma reserva
econômica.
Nesse contexto, as instituições de ensino precisam avançar constantemente na
formação de cidadãos aptos a enfrentar situações que envolvam suas finanças. Partindo
dessa perspectiva, é relevante que os estudantes tenham formação financeira apropriada
que venha ao encontro do meio cultural/social em que eles estão inseridos. Dentro desse
panorama, salienta-se a necessidade de Educação Financeira Crítica, visando a romper o
tradicionalismo da forma como a Matemática Financeira é ensinada em seus distintos
contextos. Assim, optou-se por trabalhar esse tema com uma turma de alunos da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), pois a maioria já administra sua vida financeira.

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3 METODOLOGIA

A intervenção pedagógica aqui relatada foi desenvolvida durante as aulas de


Matemática na turma do 2º Ano “A” da EJA nível médio de umaEscola Pública no
Município de Vera, no Estado do Mato Grosso, ocorrendo nas segundas-feiras, com duas
horas-aulas para cada encontro, em um total de quatro horas-aulas. A proposta foi um
estudo de cunho investigativo para conhecer/compreender a forma com que os alunos
gerenciam suas finanças e lidam frente a situações de aquisição de produtos. Os
comentários e opiniões dos alunos foram gravados e transcritos, sendo que neste artigo
foram identificados da seguinte forma: Aluno(a) acompanhado de um algarismo romano,
para distingui-los entre os colegas.
Apesquisa teve abordagem qualitativa, pois, conforme Godoy (1995), pesquisas
dessa natureza facilitam a compreensão de um fenômeno inserido em um contexto,
necessitando ser avaliado em um contexto integrado.Quanto aos procedimentos
metodológicos, a presente proposta possui características de um estudo de caso, pois
trabalhou-se com uma turma em específico, em que este grupo de estudantes formou a
unidade de análise. Outro aspecto relevante que torna possível a caracterização dessa
proposta como um estudo de caso é a sua delimitação, que, conforme Yin (2015, p. 36):
[...] são os limites específicos para definir o começo e o fim estimado do caso para
o propósito do seu estudo (por exemplo, se incluir todo ou apenas alguma parte do
ciclo de vida da entidade que será o caso). Delimitar o caso dessa maneira ajudará
a determinar o escopo de sua coleta de dados e, particularmente, como irá
distinguir os dados sobre o sujeito do seu estudo de caso (o ‘fenômeno’) dos dados
externos ao caso (o ‘contexto’).

Dessa forma, pode-se delimitar como fenômeno as ações/decisões financeiras dos


estudantes da EJA, e o contexto são as atividades propostas, essas alusivas às práticas
comerciais. Como ferramentas de coleta de dados foram utilizados os registros do
caderno de campo dos professores para as anotações relevantes; gravações em áudio
das discussões realizadas no decorrer da prática pedagógica desenvolvida, que foram
transcritas, apresentando as divergências e os conflitos sociais de cada realidade. Ainda,
foi aplicado um questionário (Quadro 1) sobre a prática que contemplava as seguintes
questões:
Quadro 1: Discussões finais
1. Em sua opinião, quais os pontos relevantes apresentados durante a prática pedagógica que envolve a
Educação Financeira?
2. Você acredita que seus conhecimentos de Matemática Financeira são suficientes para se considerar
autônomo financeiramente? Justifique.

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3. A prática pedagógica contribuiu de alguma forma na maneira como você trata as suas finanças?
4. Você acredita que é satisfatória a forma como são abordados os conteúdos de Matemática Financeira
(juros simples/compostos; porcentagem) na educação escolar?
5. Caso negativo na resposta anterior, de que forma o professor deveria trabalhar os conteúdos da
Matemática Financeira (juros simples/compostos; porcentagem)?
(Exemplo da atividade proposta, 2020)
Fonte: Dos autores (2020).

Caracterizada a pesquisa, apresenta-se um breve detalhamento das duas


atividades propostas. O primeiro encontro consistia na Atividade 1(Quadro 2), queteve
por objetivo destacar a contribuição de se fazer uma pesquisa de preço nos
supermercados locais. Para facilitar a atividade, utilizou-seum quadro de pesquisa de
preços elaborada pelos membros da Câmara de Negócios da Alimentação Escolar, da
instituição de ensino, cuja finalidade foi limitar os preços de aquisição dos itens da
alimentação escolar, através do Pregão ou Chamada Pública. Sendo assim, propôs-se
aos estudantes uma simulação de compra dos produtos que compõem a cesta básica,
com base nos preços encontrados na tabela de pesquisa de preço. Para essa atividade,
disponibilizou-se uma planilha eletrônica (Excel), com os comandos (fórmulas)
previamente definidos, para que cada estudante lançasse os dados e visualizasse os
cálculos realizados.
Quadro 2: Pesquisa de Preço
Assim, com a atividade foram propostas as seguintes funções:
● Somatório dos itens em cada mercado;
● Diferença percentual final entre os mercados no valor da cesta básica;
● Seleção do menor e do maior preço ofertado em cada produto, fazendo duas colunas com esses preços
e seus respectivos totais;
● Cálculo da diferença final em valor e em percentual das novas colunas.
(Exemplo da atividade proposta, 2020)
Fonte: Dos autores (2020).

Já no segundo encontro apresentou-se a Atividade 2 (Quadro 3), que visou a


contribuir com uma formação crítica e atender a um objetivo da pesquisa. Para isso, foram
simuladas situações de compras reais divididas nas atividades 2.1, 2.2 e 2.3, propondo
reflexão e análise sobre possíveis vantagens e desvantagens de aquisições de produtos
em promoções e formas de pagamento oferecidas.
Quadro 3: Promoção de Tênis
Para a atividade 2.1, foi feito um Print1 de uma promoção que oferecia 50% desconto em um par de tênis,
cujo valor a loja dividia em até 10 vezes sem juros, mas se pagas em 11 ou 12 parcelas eram acrescidas
de juros.Tivemos como principal objetivo nesta atividade verificar se os estudantes observaram a grande
desvantagem em comprar o calçado em 11 x R$ 54,01 quando comparado a 10 x de R$ 50,00 e o grande
benefício em comprá-lo em 10 vezes quando comparado à compra à vista.
(Exemplo da atividade proposta, 2020)
Fonte: Dos autores (2020).

1
Linguagem utilizada para informar sobre a função de fotografar a própria tela do computador.

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Nos exercícios 2.2 e 2.3 (Quadro 4), buscou-se valorizar e priorizar o pensamento
crítico dos alunos, permitindo a eles o desenvolvimento dos cálculos matemáticos de
forma livre, sem a utilização de fórmulas pré-determinadas.
Quadro 4: Promoções de Celular
Nesse sentido, o exercício 2.2 trouxe o Quadro 1, uma situação em que os estudantes precisavam adquirir
um Smartphone e para isso deveriam optar em adquirir o produto em uma das três lojas da cidade,
conforme as ofertas.

Veja os preços de um determinado celular nas lojas:

Promoções de celular
Loja A Loja B Loja C

Samsung S5 Samsung S5 Samsung S5


À vista R$ 1.300,00 À vista R$ 1.500,00 À vista R$ 1.220,00
Ou 9 x de R$ 180,00 Ou 8 x de R$ 190,00 Ou 6 x de R$ 230,00

a) Na compra a prazo qual o aparelho mais barato e o mais caro?


b) Qual a diferença em reais entre o preço à vista e a prazo nos três casos? E a diferença percentual em
cada caso?
c) Tendo em vista os dados obtidos após a realização da análise anterior, qual aparelho você compraria?
Justifique sua resposta.

No exercício 2.3 em específico, apresentou-se uma situação real, vivenciada pela população de uma
cidade de Santa Catarina, onde uma empresa de gás aumentou o valor do botijão em 9,8%. Essa atividade
teve por objetivo verificar se os estudantes iriam constatar que o aumento cobrado pela empresa estava
em desacordo com a determinação da entidade responsável pela fiscalização. A seguir a referida situação
proposta aos alunos:
4 Preço do gás de cozinha sobe até 9,8% para o consumidor em SC.
5 Os consumidores catarinenses já começam a sentir no bolso o aumento da Petrobrás de 9,8% nos
preços dos botijões de gás de cozinha nesta terça-feira. Com a diferença de preço entre as regiões do
Estado, o acréscimo varia bastante, mas segundo o Sindicato dos Revendedores de Gás em Santa
Catarina (Sinregás-SC), o botijão ficou até 9,8% mais caro para o cliente final. Ou seja, o aumento pode
chegar a R$ 7,00 dependendo da região.
Resolva os problemas
Problema 1: Suponha que o preço do botijão de 13kg gás custa R$ 54,10. Calcule qual será o novo preço
após o aumento máximo lido na notícia.
Problema 2: Em uma cidade do interior o botijão de 13 kg custava R$ 56,50 e foi reajustado para R$
63,23. Essa cidade fez certo? Esse aumento está de acordo com o estabelecido pela Petrobrás?
(Exemplo da atividade proposta, 2020)
Fonte: Dos autores (2020).

Após a resolução da Atividade 2, solicitou-se que os estudantes fizessem


pequenos grupos para que pudessem analisar criticamente os resultados obtidos,
argumentando sobre suas conclusões. Posteriormente, foi proposta uma roda de
conversa entre os grupos, que puderam expor suas considerações acerca da atividade, o
que propiciou um momento de debate.

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4 ANÁLISE E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS

Ao iniciar a intervenção pedagógica, com o intuito de abordar pesquisa de preço,


apresentou-se a Atividade 1 que trouxe como proposta os lançamentos dos preços
praticados por três supermercados da cidade. Utilizando uma tabela no Excel,previamente
elaborada com as fórmulas necessárias para se chegar aos cálculos solicitados,
organizou-se uma mesa redonda, a fim de fomentar as discussões sobre os preços
propostos pelos supermercados. À medida que os dados eram lançados, foram
apresentadas as fórmulas com uma breve explicação. O Quadro 5 apresenta a lista de
itens que compõem a cesta básica com a pesquisa de preço em três supermercados.
Quadro 5: Pesquisa de preço de mercadorias de três supermercados

Fonte: Banco de dados dos Autores da pesquisa (2020).

Conforme o Quadro 5, elaborado pelos alunos, eles verificaram a diferença de


preços praticada entre os três supermercados da cidade. Dessa forma, concluiu-se a
relevância de se efetuar uma pesquisa de preço antes de adquirir qualquer produto, pois
nesta situação específica haveria uma economia de R$ 40,24 com a aquisição dos
produtos de menor preço.Ainda nesta proposta, os alunos destacaram a economia feita
ao se fazer um comparativo de preço entre os mercados da cidade. Observou-se que a
economia final na aquisição da cesta básica foi significativa quando comparada aos
produtos ofertados, chegando-se, assim, a uma economia de 8,97%, evidenciada em
suas respostas2. A seguir, um diálogo entre os alunos sobre o que estavam percebendo:

2
Todas as respostas dos alunos aqui relatadas (em itálico) são transcrições fiéis das falas dos alunos
resultantes das gravações de áudio realizadas no decorrer das aulas, estando disponíveis – com o
pesquisador – para quaisquer esclarecimentos ou comprovações.

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Aluno (I): “Deu 40,24 reais de diferença, porque se você pegar esse valor parece não ser
tão significativo, mas vezes doze, dá uma compra a mais”.
Aluno (II): “Veja a diferença do valor que você vai economizar”.
Aluno (IV): “Nós vamos no (rede de atacado atuante na região) e quase ficamos o dia
inteiro lá, olhando os preços lá”.
Aluna (IX): “Quando não tem preço nas coisas, eu vou lá e pergunto para o caixa, quanto
que é isso aqui?”.
Aluna (X):“O que eu posso fazer pra economizar mais, ... comprar em fardo lucra muito
mais do que comprar unitário”.
Em contrapartida a aluna (V) afirma: “Vou chegando e pegando da prateleira”.
(Diálogo entre 6 alunos, 2020)

Observam-se, por meio desse diálogo, diferentes posturas dos alunos no momento
de realizar as suas compras, posturas que podem ser influenciadas por diversos fatores
externos, alheios à vontade ou querer. No entanto, aose considerar uma decisão com
natureza puramente matemática, o idealismo utópico permite apontar como primordial
fazer as comparações de preços, qualidade e rendimento dos produtos antes de adquiri-
los, mesmo que, às vezes, "adotamos" algumas marcas de "estimação" de produtos como
referência de qualidade. Domingos (2013, p.76-77), ao definir o ciclo de comprar bem,
destaca que não se deve“(...)pautar nas marcas, mas pelas características do produto.
Verificar a possibilidade de adquirir produtos similares e mais em conta. Analisar a relação
custo-benefício”.
Esse alerta de Domingos (2013) se reflete nos cuidados que como consumidores
devemos ter ao adquirir produtos somente por causa das ações de marketing, levando em
consideração apenas a marca do produto. Enfatiza-se também a necessidade de reflexão
referente ao preço/qualidade do produto, quando a marca é sinônimo do melhor
coeficiente possível na equação preço/qualidade.
Outro ponto a ser mencionado nesta atividade foi a contribuição para o
desenvolvimento da autonomia dos estudantes, sendo este um ponto fundamental para a
vida financeira das pessoas. Freire (2018, p. 105) refere que "ninguém é autônomo
primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias,
inúmeras decisões que vão sendo tomadas".
A Atividade 2 foi realizada em cinco grupos de quatro alunos cada um,
subdividida em três atividades baseadas em promoções e dados selecionados de sites na
internet. Nessas três ações buscou-se estimar e priorizar o desenvolvimento dos cálculos
matemáticos, bem como as conclusões que os alunos chegaram após reflexão e análise
dos resultados. No decorrer da atividade transitou-se pelos grupos formados entre os
estudantes, questionando-os sobre suas práticas financeiras, a fim de instigá-los a expor

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suas opiniões com o intuito de fomentar discussões, fazendo observações no caderno de
campo, bem como gravando os áudios.
Por meio dessas atividades foi possível verificar que alguns estudantes usam
diferentes métodos matemáticos para definir suas opções de compras.Nas discussões em
grande grupo, a atividade 2.1 sobre a promoção do par de tênis com 50% de desconto foi
a mais debatida. Segue um dos momentos de discussão:
Aluno (V): “Eu compraria à vista, porque o desconto seria, oh, bem mais”.
Aluna (II): “Mas ele já tá dado o desconto de à vista, lá no caso já foi dado”.
Aluno (VI): “Se for pagar ele parcelado vai sair muito mais caro do que pagar à vista,
compensa comprar ele à vista do que parcelado, por causa do desconto”.
Aluno (VII): “Mas tem que o preço à vista e o prazo é a mesma coisa”.
Aluno (II): “Por aqui, pelo que eu vi, já tá dado o desconto de 50% de desconto, porque ele
tava R$ 999,99 e ele foi para R$ 499,99. E esse valor de R$ 499,99 ele foi parcelado em
até 10 sem juros.Se você comprar ele em 10 vezes ou comprar ele à vista vai pagar o
mesmo valor, ele não tem mais desconto em cima dos R$ 499,99. Já foi dado o
desconto.No meu caso, eu compraria em 5 vezes, até pra pagar mais rápido e comprar
outra coisa”.
(Diálogo entre 5 alunos, 2020)

Conforme o comentário feito pelo aluno (V), a melhor forma de aquisição do


produto seria à vista, uma vez que sobre o mesmo não incidirá a cobrança de juros devido
à prorrogação do prazo de pagamento. Vindo ao encontro de Domingos (2015,
informação verbal)3, "não existe aplicação que tenha melhor desconto do que o oferecido
no pagamento à vista", porém enfatiza que "não podemos usar todos os nossos recursos
e ficarmos sem nada porque sempre há despesas inesperadas" devido à atual
instabilidade da economia. Corroborando com esse autor, foi apresentada aos alunos
uma ideia da tese de Kistemann Júnior (2011) ao destacar que outra estratégia utilizada
pelas empresas de marketing é fazer promoções ofertando produtos em prestações com
o preço à vista, cuja prática é denominada como “ilusão monetária”.
Ao apresentar possibilidades de ilusão monetária, como a de preço parcelado igual
a preço à vista, as empresas buscam dar um poder de compra (empoderamento do
indivíduo-consumidor) que, muitas vezes, o próprio indivíduo-consumidor desconfia
que não tem, mas que graças às estratégias convincentes de marketing podem
começar a acreditar que tem mesmo um poder de consumir. (Kistemann Jr., 2011,
p. 201)

As ponderações dos autores mostram que certamente a compra à vista é a melhor


opção, e para isso surge a necessidade de termos uma reserva financeira. Entretanto,
devido à realidade imposta,por vezes não é possível fazer isso, e essa impossibilidade
3
Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros, em entrevista para a
jornalista Marta Cavallini, publicada no site G1, em 24 de abril de 2015. Recuperado de
http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/04/pagar-vista-ou-parcelar-veja-em-que-situacoes-
usar-cada-modalidade.html. Acesso em: 10 out. 2018.

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pode ser decorrente de diversas situações sociais e/ou culturais. Como exemplo, há o
comentário do aluno (II), ao referir que o fato de comprar à vista ou em 10 vezes não
alteraria o valor do produto, mas mesmo percebendo que matematicamente em nadase
alteraria no valor da compra, caso ela ocorresseem 10 parcelas,ele opta pela aquisição
em 5 prestações, buscando pagar a dívida o quanto antes, uma vez que sua situação
financeira na oportunidade lhe permitia essa tomada de decisão.
Esse momento de discussões/debates entre os estudantes é fundamental para
uma prática pedagógica, uma vez que oportuniza maior interação entre os alunos e entre
professor-alunos. Nesse sentido, para Freire (2017, p. 109):
[...]o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se
solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de
um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem
consumidas pelos permutantes.

A discussão emergente da propostafoi um momento ímpar de troca de experiências


vividas e novas perspectivas entre os envolvidos na prática, possibilitando a
(re)construção de novos significados sobre a Educação Financeira. Em meio a essas
discussões, enfatiza-se os comentários a seguir:
Aluno (IX): -“Se continuar o mesmo valor compensa comprar a prazo em 10 vezes”.
Aluno (II): -“Em 11, 12 vezes... você vai pagar mais caro... muito juro”.
Aluno (V): -“Às vezes não vai, olha os juros, só vê as diferenças das parcelas que é maior,
quando vê o produto sai bem mais caro”.
Aluno (II): -“Já tá na cara, você vai pagar além de pagar uma parcela a mais, e R$ 4,00
reais a mais em cada parcela”.
(Diálogo entre 4 alunos, 2020)

Salienta-se em relação às falas que os objetivos desta questão foram alcançados.


Após debate, os alunos conseguiram compreender a vantagemmatemática de comprar o
tênis em 10 vezes, já que seu preço se mantinha o mesmo de quando adquirido à vista.
Observaram que comprando em 11 vezes pagariam uma parcela a mais, além de um
acréscimo de R$ 4,00 em cada parcela. Esse acréscimo no preço do tênis pode ser
atribuído às empresas de marketing que possuem um papel de antagonistas quando se
aborda a aquisição de um determinado produto por impulso, ou seja, sem efetivação dos
devidos cálculos/reflexões fundamentais antes de se efetuar a compra. ParaCerbasi
(2016), a falta de educação financeira provoca nos consumidores despreparo para
combater as eficientes estratégias de marketing arquitetadas para induzir os cidadãos às
compras tidas como equivocadas.

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É importante referir que a aquisição deste produto em 10 vezes seria a mais
correta quanto à utilização de conceitos da Matemática Financeira. Contudo, a compra em
5 vezes citada pelo aluno não deixa de estar certa, pois de acordo com as palavras de
Kistemann Júnior4 (2018, informação verbal): “Cada pessoa usa um tamanho de camisa,
a camisa que me serve não necessariamente servirá a você, ou seja, quando falamos em
decisões financeiras, cada indivíduo tem sua camisa, ou seja, uma decisão que serve
para ele naquele momento”.
Já nas atividades 2.2 e 2.3 os alunos tiveram de utilizar conhecimentos
matemáticos básicos, em quealguns sentiram dificuldades em efetuar os cálculos. Assim,
foi solicitado que os estudantes fizessem pequenos grupos, com o propósito de se
auxiliarem para a resolução dos problemas, construindo os conceitos por meio do ensino
colaborativo. Nesse sentido:
[...] a prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor
ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-
se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, [...]. (Freire, 2018, p. 42)

A dificuldade com a efetuação de cálculos básicos vem ao encontrodo


pensamento de Skovsmose (2014), uma vez que a educação matemática pode ser
potencializadora para alguns alunos, enquanto que para outros ela é atenuante, ou seja,
enquanto alguns estudantes constroem o conhecimento com facilidade e a utilizam no
cotidiano, outros alunos possuem dificuldades na compreensão e utilização dos signos
matemáticos. A atividade 2.2 (Figura 1), Oferta de Celular, trata sobre a compra de um
Smartphone, em queos alunos precisavam optar por umas das três lojas da cidade,
observando as ofertas, condições de pagamentos e taxas.

4
Informação verbal de Marco Aurélio Kistemann Júnior, na sua apresentação no Minicurso de Educação
Financeira, proferida no I Encontro Mato-Grossense de Professores que Ensinam Matemática - EMAPEM,
realizado na cidade de Tangará da Serra/MT, no dia 13 de junho de 2018.

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Figura 1: Oferta de Celular no comércio local
Fonte: Banco de dados dos Autores (2020).

Para a discussão desta atividade, somente dois alunos se pronunciaram, sendo


que os demais concordaram com a resolução apresentada:
Aluno (IV): -“Eu ia comprar na loja B, mas aí eu vi a taxa de juros deu só 1,33%, só que daí
eu notei, fazendo os cálculos das taxas das outras lojas, notei que na C ia sair mais barato
ainda, mesmo com a taxa sendo mais alta que na B”.
Aluno (II): -“Eu no meu caso optaria na C, que além de ele estar mais barato que os outros
lugares, eu vou pagar um jurinho a mais do que na loja A e na loja B, aliás no caso, mas
ele ainda vai ficar mais barato, porque ele já é mais barato lá, tá R$ 1.220,00.
(Diálogo entre 2 alunos, 2020)

Nesta questão, alguns alunos indicaram inicialmente que iriam efetuar a compra na
loja B, por ter uma taxa de juros mais baixa, não levando em consideração o preço inicial
do celular neste estabelecimento. Após alguns debates, os estudantes evidenciaram que
o preço final da loja C, mesmo com uma taxa de juros mais elevada, continuaria sendo a
loja que ofertaria o produto com o menor preço final. Nesse exercício, percebe-se a
matemática em ação, uma vez que foi importante efetuar os cálculos matemáticos para o
consumidor não ser ludibriado por promoções aleivosas, promoções do tipo compre 2 e
leve 3, por exemplo. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sugere o estudo desse
tipo de ação de marketing quando menciona que a Educação Financeira é:
[...] é o estudo de conceitos básicos de economia e finanças, visando à educação
financeira dos alunos. Assim, podem ser discutidos assuntos como taxas de juros,
inflação, aplicações financeiras (rentabilidade e liquidez de um investimento) e
impostos. [...] incluindo estratégias atuais de marketing. Essas questões, além
de promover o desenvolvimento de competências pessoais e sociais dos alunos,
podem se constituir em excelentes contextos para as aplicações dos conceitos da

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Matemática Financeira e também proporcionar contextos para ampliar e aprofundar
esses conceitos (Brasil, BNCC, 2017, p. 267, grifo nosso).

Verifica-se, segundo a BNCC, a importância da utilização da Matemática


Financeira para garantia dos direitos dos consumidores, não permitindo que sejam
ludibriados pelas estratégias de marketing desenvolvidas pelas empresas, uma vez que
possivelmente serão capazes de analisar as ofertas apresentadas. Conforme a Figura 1,
constatou-se que o aluno utilizou os conceitos da regra de três simples para efetuar os
cálculos dos valores de juros que estavam sendo praticados nas três lojas.

Observou-se, também nesta resposta, que o aluno em um primeiro momento foi


“ludibriado” pela taxa de juro cobrada pela loja B, sendo que a mesma ofereceu a menor
taxa de juros; entretanto, o valor inicial do aparelho de celular era o maior quando
comparado com as demais lojas. O fato de oferecer a menor taxa de juro é um atrativo
para a venda do produto, uma vez que chama a atenção dos consumidores, porém muitas
vezes não passa de mais uma estratégia de marketing, vindo novamente ao encontro de
Cerbasi (2016) ao defender que devemos ter atenção com as ações demarketing
desenvolvidas pelas empresas na hora da aquisição de produtos.

Frente a essas situações, a Matemática crítica se torna importante, pois ao usar


situações problemas vivenciadas pelos alunos propiciará condições de analisar,
interpretar, calcular e tomar a melhor decisão frente às situações apresentadas. Essa
concepção de Matemática crítica é trazida por Skovsmose (2014, p.12):

Uma concepção crítica da matemática é apresentada com base na ideia de


matemática em ação e nas consequências do emprego da matemática na
sociedade moderna, seja nas questões econômicas, administrativas, seja na
tecnologia e todos os tipos de atividades humanas. A matemática em ação contribui
significativamente para conformar nosso mundo-vida.

Dessa forma, os alunos verificaram a relevância e a aplicabilidade dos conteúdos


matemáticos propostos, o que contribui para o enfrentamento dessa situação, bem como
para as mais diversas situações encontradas no cotidiano dos nossos estudantes e suas
famílias.A atividade 2.3 - Oferta de Gás (Figura 2) ocorreu da mesma forma, havendo
concordância dos alunos após alguns apontamentos dos colegas, com relação ao
problema 1.

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Figura 2: Oferta de Gás
Fonte: Banco de dados dos Autores (2020).

Observa-se que os procedimentos matemáticos utilizados pelos alunos para chegar


ao resultado foram efetuar os cálculos de forma direta, usando a multiplicação e a divisão:
Aluno (II): -“R$ 59,40 eu peguei 54,10 x 9,8% que seria a porcentagem e divide por 100”.
Aluno (II): -“Por que ele não aumentou só a porcentagem...”.
Aluno (IV): -R$ 62,37 com o aumento da porcentagem, ele cobrou R$ 63,23”.
Aluno (II): -“Ele cobrou a mais, porcentagem a mais do que foi estabelecido pra gente”.
(Diálogo entre 2 alunos, 2020)

Em meio a essas discussões e verificando os cálculos efetuados, percebe-se que


os alunos têm condições de enfrentar situações que requeiram interpretações e cálculos
matemáticos. Na atividade 2.3, nota-se na resposta que o comerciante não atendeu às
normas dos órgãos fiscalizadores, exercendo uma prática irregular ao cobrar um valor
acima do permitido. Nesse sentido, salienta-se a concepção da Matemática crítica de
Skovsmose (2014), ao defender que a sua utilização auxilia na tomada de decisões, uma
vez que ao usarconceitos matemáticos pode-se estar mais seguro para concretizar uma
compra.
Para finalizar a intervenção pedagógica, foi disponibilizado um espaço para os
alunos socializarem suas impressões sobre a temática, a abordagem e as contribuições
para seu cotidiano. Dessa forma, apresentam-se alguns comentários dos alunos sobre os
pontos positivos e negativos das atividades:
Aluno (VII): -“Eu aprendi a fazer meu dinheirinho que eu ganho a render mais, né, assim
quando eu vou comprar uma coisa, eu analiso se realmente preciso daquele negócio, se
vou conseguir pagar, só compro se eu vejo que consigo pagar”.
Aluno (X): -“E também a gente vê que às vezes a gente comprando produto mais em
conta, que tem na promoção, a gente vai economizar, porque a gente vai em um mercado
e não está, às vezes no outro está, então, a gente também tem que pesquisar, né”.

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Aluno (VI): -“Fez efeito nos meus gastos”.
Aluna(V): -“Consegui economizar um pouquinho a mais esse mês”.
(Diálogo entre 4 alunos, 2020)

Conforme relato dos alunos, enfatiza-se a necessidade de trabalhar a Educação


Financeira em uma perspectiva crítica, possibilitando ao aluno analisar situações
financeiras reais, bem como demonstrar aos estudantes o quão importante é fazer um
planejamento e controlar seus recursos. Outro estudante expõe que acredita que a
Matemática vista em sala de aula é suficiente para lidar com situações do cotidiano, e os
colegas concordam sem ressalvas:
Aluno (II): -“Sim, você vai analisar mais o valor que tá e o valor que você vai pagar, se
compensa você fazer em menos parcelas pagando menos juros ou pagar à vista, porque
tem o juro.”
(Fala de um aluno, 2020)

Nesse momento, os alunos expuseram suas contribuições com relação às últimas


questões, relatando suas observações a como os conteúdos de Matemática Financeira
são abordados tradicionalmente em sala de aula:
Aluna (IX):-“E na prática também né, ter umas aulas com prática, não sei, só aqui na sala,
podia sair também”.
Aluno (VII):-“Ensinar a fazer essas continhas mais, porque a gente vai comprar uma coisa
na loja e o vendedor fala: ah mas tem mais não sei quantos de porcentagem, você tá
ganhando não sei quanto, fica falando um monte de coisa que a gente não entende, a
gente vai lá e compra. A gente não entende e vai lá e compra, se eu for comprar um celular
e ele for falar em porcentagem e tantantan, se eu ver que dá para mim pagar vou lá e
compro”
Aluno (XI):-“A gente aprendeu muito mais a dar valor ao dinheiro, economizar.
Aluno (VI):- “PA e PG, essas coisas a gente não ocupa em mercado não gente, é mais, é
menos e dividir, o quanto deu e quanto que não deu”.
(Diálogo entre 4 alunos, 2020)

Observou-se, então, pelas falas dos alunos no decorrer da prática, que os objetivos
da pesquisa foram alcançados, uma vez que foi proporcionado a eles reflexão sobre suas
práticas financeiras. Dessa forma, acredita-se ter contribuído para a formação crítica dos
estudantes ao propor atividades que os fizessem analisar questões como pesquisa de
preço, taxas de juros e acréscimos cobrados por empresas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer das aulas, observou-se o entusiasmo dos alunos ao ser abordada a


Matemática Financeira numa outra perspectiva. Foram efetivadas atividades práticas que
possibilitaram reflexões e trocas de experiências. No decorrer das atividades, os

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professores somente mediaramas discussões. Percebeu-se o quanto foram relevantes
para os estudantes as discussões, despertando em nós, professores, um sentimento de
satisfação pessoal.
Durante as atividades, percebeu-se o envolvimento principalmente dos alunos mais
velhos, por serem eles que lidam com o controle das finanças de suas casas. Os mais
novos pouco contribuíram nas falas, mas ficavam atentos aos relatos dos colegas mais
velhos e se destacavam ao efetuar os cálculos matemáticos.Os resultados desta pesquisa
foram satisfatórios, uma vez que foi possível notarque,após a prática
efetivada,fomentaram o desenvolvimento do senso crítico dos alunos, em especial
relacionado às mudanças no modo de lidar com seu dinheiro, bem como a relevância de
fazerem uma pesquisa de preço e as vantagens de analisarem criticamente promoções
do dia a dia.
Ainda, a Educação Financeira não é rígida; por consequência, não se deve fazer
juízo de valor sobre as escolhas de outros indivíduos consumidores, desde que essas
decisões permitam que o indivíduo chegue ao final do mês sem dívidas, mesmo não
tendo feito investimentos ou reservas. Na Educação Financeira Crítica deve-se respeitar
a(s) tomada(s) de decisão(ões) dos demais indivíduos, pois muitas vezes o que para uma
pessoa parece uma escolha errônea financeiramente, para outra é uma decisão
financeiramente acertada/possível.
Destaca-se também que esse foi apenas um primeiro passo dado, havendo muito
mais a ser investigado sobre o tema da pesquisa. Diante disso, propõe-se uma análise
crítica a ser feita baseada na citação abaixo, que faz refletir sobre o foco desta proposta:
Uma criança passa oito anos no Ensino Fundamental, três anos no Ensino Médio e,
durante esses onze anos de Educação Básica, é obrigada a memorizar nomes e
datas de pouca utilidade na vida real. Em pouco tempo tudo, ou quase tudo é
esquecido. Nesses onze anos, o aluno não estuda noções de comércio, economia,
finanças ou impostos. O sistema educacional ignora o assunto ‘dinheiro’, algo
incompreensível, já que a alfabetização financeira é fundamental para ser bem-
sucedido em um mundo complexo. Se fizer um curso universitário fora da área
econômica, o estudante completará a sua formação superior sem noções de
finanças. Não tenho dúvida de que essa falha é responsável por muitos fracassos
pessoais e familiares. (Martins, 2004, p. 5)

Enfim, esta proposta contribuiu também para reflexão da nossa prática pedagógica,
percebendo que é necessário rever alguns conceitos tidos anteriormente como
verdadeiros e absolutos. Acredita-se que é necessário inovar, com métodos de ensino
que partam de situações corriqueiras que fazem parte do dia a dia dos alunos,
proporcionando maior significado aos conteúdos ministrados, buscando a melhoria da

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qualidade do ensino. Sendo assim, estaprática pedagógica propiciou aos alunos
momentos de associação entre as teorias que lhe são apresentadas e as suas práticas,
cujo entrecruzamento serviu como facilitador dos processos de ensino e aprendizagem de
conceitos matemáticos. O entendimento de alguns conceitos da Matemática Financeira
mostrou-se primordial para que os alunos da EJA tenham uma postura crítica frente a
situações vivenciadas na gestão do orçamento familiar.
Já se a mesma prática fosse realizada com os estudantes da idade escolar
obrigatóriamuitas discussões não fariam sentido para uma boa parte deles, uma vez que
o orçamento doméstico, de forma geral, é administrado por um ou pelo casal de
adultos/responsáveis. Nesse sentido, sugere-se a adequação da proposta, quando o
professor poderá discutir assuntos como: a influência de modismos para aquisição de
roupas, eletrônicos, cosméticos, entre outros. Posto isso, entende-se que a temática da
Educação Financeira deve se fazer presente nos processos de ensino e aprendizagem,
observando as especificidades do aluno.

REFERÊNCIAS

BBC Mundo. (2015).Pesquisa mede “analfabetismo financeiro” no mundo. Recuperado


dehttp://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151127_analfabetismo_financeiro
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NOTAS
TÍTULO DA OBRA
Educação financeira crítica: uma prática pedagógica para a educação de jovens e adultos

Júlio César Rossetto


Mestre em Ensino de Ciências Exatas
Secretaria de Estado de Educação, Escola Estadual Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Vera/MT, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-3766-8138

Tcharles Schneider
Mestre em Ensino de Ciências Exatas
Secretaria de Estado de Educação, Escola Estadual Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Vera/MT, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9444-8978

Marli Teresinha Quartieri


Doutora em Educação
Universidade do Vale do Taquari, Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Exatas, Lajeado/RS, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9621-3830

Eniz Conceição Oliveira


Doutora em Química
Universidade do Vale do Taquari, Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Exatas, Lajeado/RS, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-0252-2243

Endereço de correspondência do principal autor


Avenida Manágua, 2061, 78.880-000, Vera, MT, Brasil.

AGRADECIMENTOS
O nosso agradecimentoem especial é para os estudantes desta turma da EJA que participarão desta intervenção
pedagógica.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA
Concepção e elaboração do manuscrito: J. C. Rossetto, T. Schneider, M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
Coleta de dados:J. C. Rossetto, T. Schneider
Análise de dados:J. C. Rossetto, T. Schneider, M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
Discussão dos resultados:J. C. Rossetto, T. Schneider, M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
Revisão e aprovação:M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.

CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA


Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

FINANCIAMENTO
Não se aplica.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM


Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA


Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES
Não se aplica.

LICENÇA DE USO – uso exclusivo da revista


Os autores cedem à Revemat os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado
sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY) 4.0 International. Estra licença permite que terceiros remixem,
adaptem e criem a partir do trabalho publicado, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste
periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não
exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal,
publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.

PUBLISHER – uso exclusivo da revista


Universidade Federal de Santa Catarina. Grupo de Pesquisa em Epistemologia e Ensino de Matemática (GPEEM).
Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores,
não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

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EDITOR – uso exclusivo da revista
Méricles Thadeu Moretti e Rosilene Beatriz Machado.

HISTÓRICO – uso exclusivo da revista


Recebido em: 25-05-2020 – Aprovado em: 18-08-2020

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