Educação Financeira Crítica
Educação Financeira Crítica
Educação Financeira Crítica
Artigo
Original
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Tcharles SCHNEIDER
Secretaria de Estado de Educação, Vera/MT, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9444-8978
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados de uma prática pedagógica desenvolvida em sala de aula voltada para os
estudantes do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma Escola Estadual no Norte do Estado do
Mato Grosso. O objetivo da prática foi contribuir para a formação de estudantes críticos para que saibam avaliar a
melhor opção de compra de produtos em promoções e que percebam a relevância de se fazer pesquisa de preço. Os
dados foram coletados por meio da gravação de áudios no decorrer da prática pedagógica e a aplicação de um
questionário aberto ao fim da execução da referida prática. Os resultados aludem que essa intervenção foi relevante
para estes estudantes, uma vez que contribuiu na formação de cidadãos críticos, possibilitando a construção de
habilidades para o enfrentamento de situações que envolvem suas finanças. Destaca-se, por fim, a satisfação dos
alunos em trabalhar com a matemática neste contexto, haja vista que os estudantes se mostraram motivados e
desafiados a interpretarem e resolverem os cálculos matemáticos propostos nas situações-problema.
ABSTRACT
This research paper brings the results of a pedagogical practice developed in the classroom focused on high school
students of youth and Adult Education (EJA) in a State college in northern Mato Grosso. The objective of the practice
was to contribute to the training of critical students who know how to evaluate the best option to buy products in
promotions and who understand the relevance of doing price research. Data were collected through the recording of
audios in the course of the pedagogical practice and the application of a questionnaire open to the end of the
implementation of this practice. The results allude that this intervention was relevant to these students, since it
contributed to the formation of critical citizens, enabling the construction of skills to cope with situations involving their
finances. Finally, the students satisfaction in working with mathematics in this context is highlighted, since the students
were motivated and challenged to interpret and solve the mathematical calculations proposed in the problems situations.
Keywords: Critical Financial Education, Youth and Adult Education, Financial Illiteracy
Revista Eletrônica de Educação Matemática - REVEMAT, Florianópolis, v. 15, p. 01-24, jan./dez., 2020.
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1 INTRODUÇÃO
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Assim, este artigo apresentará em seu apanhado teórico a contextualização da
Educação de Jovens e Adultos, uma breve perspectiva de alguns autores sobre a
Educação Financeira Crítica e o analfabetismo financeiro, bem como o delineamento
metodológico e a análise das atividades desenvolvidas na prática pedagógica.
2 REVISÃO TEÓRICA
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A associação entre os conteúdos matemáticos básicos e seus conhecimentos
prévios é um princípio fundamental para se ter sucesso no domínio de um fazer e um
compreender matemático em todas as modalidades de ensino, cabendoao professor da
EJA oportunizar um elo entre conhecimento empírico e conhecimento científico,
possuindo um olhar voltado a formar cidadãos para a vida, preparando-os para o mercado
de trabalho.
Acredita-se que essa modalidade de ensino esteja voltada para os cidadãos que
buscam se qualificar almejando uma ascensão profissional que se faz necessária pela
perda de rendimentos em comparativo ao trabalhador "letrado":
Trabalho e rendimento financeiro são bem mais desvantajosos para os não
letrados. Enquanto homens alfabetizados registram 71% de probabilidade de ter um
emprego formal, para os analfabetos esse percentual cai para 45%. A renda familiar
per capita do primeiro grupo fica em R$ 1.200,00 enquanto a do segundo em R$
600,00. As desvantagens trazidas pela não alfabetização alcançam os filhos desses
indivíduos. Os números brasileiros evidenciam que a probabilidade de os filhos de
pai analfabeto terminarem o ensino médio com até um ano somente de atraso é de
apenas 38%, enquanto entre os alfabetizados é de 69% (Oshima, 2017, texto
digital).
De acordo com este artigo publicado pela jornalista na revista Época, nota-se que,
além das desvantagens financeiras, a falta de instrução resulta em um reflexo
educacional direto nos filhos dessas pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas. A
oportunidade ofertada pela EJA, além de propiciar uma melhora na qualidade de vida
individual, pode propiciar um reflexo direto nas famílias desse aluno, comona melhora da
renda. No entanto, é importante salientar que a educação é um direito a todose independe
da modalidade que se frequenta ou objetivo que se almeje.
Conforme Eves (2008), a origem dos números, mesmo com diversas formas de
simbolização, está intrinsecamente ligada com a necessidade humana de controlar/contar
seus rebanhos e sua caça. Além disso, os primeiros livros de Matemática escritos
surgiram com a finalidade de auxiliar os comerciantes com a escrituração de operações
comerciais. Apesar dessa ligação primária com a Educação Financeira, nas aulas de
Matemática pouco se discutem problemas ou situações que envolvam esta formação. Por
isso, para Martins (2004, p. 56):
A omissão da escola em relação a noções de comércio, de economia, de impostos
e de finanças tem uma consequência perversa: a maioria das pessoas, quando
adulta, continua ignorando esses assuntos e segue sem instrução financeira e sem
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habilidade para manejar dinheiro. As consequências se tornam mais graves se
levarmos em conta que ninguém, qualquer que seja a sua profissão, está livre dos
problemas ligados ao mundo do dinheiro e dos impostos. É importante tomar
consciência da necessidade de alfabetização financeira, o que pode ocorrer por
iniciativa própria, por orientação dos pais ou por conselho de amigos. Infelizmente
para muitas pessoas o “alerta” chega em decorrência de algum desastre financeiro.
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Entre os devedores, a maioria não paga porque não consegue, não por vontade.
São pessoas que se planejaram mal ou que sofreram um baque, como o
desemprego ou uma doença na família, levando a uma perda de renda disponível.
Para esses casos, a saída é a negociação direta ou nos órgãos de defesa do
consumidor ou mesmo dos tribunais.
Nesse sentido, é comum ouvir dos alunos relatos de situações envolvendo suas
finanças, que causam inquietações devido à ausência de conhecimento e habilidades
demonstrando a falta de autonomia em lidar com questões que envolvam dinheiro, fatos
esses que podem ser evidenciados em sala de aula por meio da resolução de atividades
que simulam situações reais, como nas análises de tabelas, gráficos, taxas de juros e
índices de porcentagem.
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anos de cunho sociopolítico econômico pode ter iniciado após o decreto de falência de
diversos bancos internacionais. Possivelmente, um pensamento lógico nos remeteria a
uma necessidade de maior controle das despesas, evitando pagamentos de juros e
correção monetária, multas por atraso e a inclusão do nome em órgãos de proteção ao
crédito. Nesse sentido, a edição do dia 16 de maio de 2016, do Jornal Nacional, exibiu
uma matéria que relatava a crise que afetava as famílias brasileiras:
A classe média encolheu em 2015. Um milhão de famílias passou a ter um padrão
de vida pior por causa da crise econômica [...]. Nós estávamos no topo e de um dia
para o outro despencamos. ‘A gente está fazendo de tudo para mostrar para o
nosso filho que têm altos e baixos’, diz José Alessandre de Andrade. (Portal G1,
2016, texto digital)
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3 METODOLOGIA
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3. A prática pedagógica contribuiu de alguma forma na maneira como você trata as suas finanças?
4. Você acredita que é satisfatória a forma como são abordados os conteúdos de Matemática Financeira
(juros simples/compostos; porcentagem) na educação escolar?
5. Caso negativo na resposta anterior, de que forma o professor deveria trabalhar os conteúdos da
Matemática Financeira (juros simples/compostos; porcentagem)?
(Exemplo da atividade proposta, 2020)
Fonte: Dos autores (2020).
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Linguagem utilizada para informar sobre a função de fotografar a própria tela do computador.
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Nos exercícios 2.2 e 2.3 (Quadro 4), buscou-se valorizar e priorizar o pensamento
crítico dos alunos, permitindo a eles o desenvolvimento dos cálculos matemáticos de
forma livre, sem a utilização de fórmulas pré-determinadas.
Quadro 4: Promoções de Celular
Nesse sentido, o exercício 2.2 trouxe o Quadro 1, uma situação em que os estudantes precisavam adquirir
um Smartphone e para isso deveriam optar em adquirir o produto em uma das três lojas da cidade,
conforme as ofertas.
Promoções de celular
Loja A Loja B Loja C
No exercício 2.3 em específico, apresentou-se uma situação real, vivenciada pela população de uma
cidade de Santa Catarina, onde uma empresa de gás aumentou o valor do botijão em 9,8%. Essa atividade
teve por objetivo verificar se os estudantes iriam constatar que o aumento cobrado pela empresa estava
em desacordo com a determinação da entidade responsável pela fiscalização. A seguir a referida situação
proposta aos alunos:
4 Preço do gás de cozinha sobe até 9,8% para o consumidor em SC.
5 Os consumidores catarinenses já começam a sentir no bolso o aumento da Petrobrás de 9,8% nos
preços dos botijões de gás de cozinha nesta terça-feira. Com a diferença de preço entre as regiões do
Estado, o acréscimo varia bastante, mas segundo o Sindicato dos Revendedores de Gás em Santa
Catarina (Sinregás-SC), o botijão ficou até 9,8% mais caro para o cliente final. Ou seja, o aumento pode
chegar a R$ 7,00 dependendo da região.
Resolva os problemas
Problema 1: Suponha que o preço do botijão de 13kg gás custa R$ 54,10. Calcule qual será o novo preço
após o aumento máximo lido na notícia.
Problema 2: Em uma cidade do interior o botijão de 13 kg custava R$ 56,50 e foi reajustado para R$
63,23. Essa cidade fez certo? Esse aumento está de acordo com o estabelecido pela Petrobrás?
(Exemplo da atividade proposta, 2020)
Fonte: Dos autores (2020).
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4 ANÁLISE E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS
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Todas as respostas dos alunos aqui relatadas (em itálico) são transcrições fiéis das falas dos alunos
resultantes das gravações de áudio realizadas no decorrer das aulas, estando disponíveis – com o
pesquisador – para quaisquer esclarecimentos ou comprovações.
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Aluno (I): “Deu 40,24 reais de diferença, porque se você pegar esse valor parece não ser
tão significativo, mas vezes doze, dá uma compra a mais”.
Aluno (II): “Veja a diferença do valor que você vai economizar”.
Aluno (IV): “Nós vamos no (rede de atacado atuante na região) e quase ficamos o dia
inteiro lá, olhando os preços lá”.
Aluna (IX): “Quando não tem preço nas coisas, eu vou lá e pergunto para o caixa, quanto
que é isso aqui?”.
Aluna (X):“O que eu posso fazer pra economizar mais, ... comprar em fardo lucra muito
mais do que comprar unitário”.
Em contrapartida a aluna (V) afirma: “Vou chegando e pegando da prateleira”.
(Diálogo entre 6 alunos, 2020)
Observam-se, por meio desse diálogo, diferentes posturas dos alunos no momento
de realizar as suas compras, posturas que podem ser influenciadas por diversos fatores
externos, alheios à vontade ou querer. No entanto, aose considerar uma decisão com
natureza puramente matemática, o idealismo utópico permite apontar como primordial
fazer as comparações de preços, qualidade e rendimento dos produtos antes de adquiri-
los, mesmo que, às vezes, "adotamos" algumas marcas de "estimação" de produtos como
referência de qualidade. Domingos (2013, p.76-77), ao definir o ciclo de comprar bem,
destaca que não se deve“(...)pautar nas marcas, mas pelas características do produto.
Verificar a possibilidade de adquirir produtos similares e mais em conta. Analisar a relação
custo-benefício”.
Esse alerta de Domingos (2013) se reflete nos cuidados que como consumidores
devemos ter ao adquirir produtos somente por causa das ações de marketing, levando em
consideração apenas a marca do produto. Enfatiza-se também a necessidade de reflexão
referente ao preço/qualidade do produto, quando a marca é sinônimo do melhor
coeficiente possível na equação preço/qualidade.
Outro ponto a ser mencionado nesta atividade foi a contribuição para o
desenvolvimento da autonomia dos estudantes, sendo este um ponto fundamental para a
vida financeira das pessoas. Freire (2018, p. 105) refere que "ninguém é autônomo
primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias,
inúmeras decisões que vão sendo tomadas".
A Atividade 2 foi realizada em cinco grupos de quatro alunos cada um,
subdividida em três atividades baseadas em promoções e dados selecionados de sites na
internet. Nessas três ações buscou-se estimar e priorizar o desenvolvimento dos cálculos
matemáticos, bem como as conclusões que os alunos chegaram após reflexão e análise
dos resultados. No decorrer da atividade transitou-se pelos grupos formados entre os
estudantes, questionando-os sobre suas práticas financeiras, a fim de instigá-los a expor
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suas opiniões com o intuito de fomentar discussões, fazendo observações no caderno de
campo, bem como gravando os áudios.
Por meio dessas atividades foi possível verificar que alguns estudantes usam
diferentes métodos matemáticos para definir suas opções de compras.Nas discussões em
grande grupo, a atividade 2.1 sobre a promoção do par de tênis com 50% de desconto foi
a mais debatida. Segue um dos momentos de discussão:
Aluno (V): “Eu compraria à vista, porque o desconto seria, oh, bem mais”.
Aluna (II): “Mas ele já tá dado o desconto de à vista, lá no caso já foi dado”.
Aluno (VI): “Se for pagar ele parcelado vai sair muito mais caro do que pagar à vista,
compensa comprar ele à vista do que parcelado, por causa do desconto”.
Aluno (VII): “Mas tem que o preço à vista e o prazo é a mesma coisa”.
Aluno (II): “Por aqui, pelo que eu vi, já tá dado o desconto de 50% de desconto, porque ele
tava R$ 999,99 e ele foi para R$ 499,99. E esse valor de R$ 499,99 ele foi parcelado em
até 10 sem juros.Se você comprar ele em 10 vezes ou comprar ele à vista vai pagar o
mesmo valor, ele não tem mais desconto em cima dos R$ 499,99. Já foi dado o
desconto.No meu caso, eu compraria em 5 vezes, até pra pagar mais rápido e comprar
outra coisa”.
(Diálogo entre 5 alunos, 2020)
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pode ser decorrente de diversas situações sociais e/ou culturais. Como exemplo, há o
comentário do aluno (II), ao referir que o fato de comprar à vista ou em 10 vezes não
alteraria o valor do produto, mas mesmo percebendo que matematicamente em nadase
alteraria no valor da compra, caso ela ocorresseem 10 parcelas,ele opta pela aquisição
em 5 prestações, buscando pagar a dívida o quanto antes, uma vez que sua situação
financeira na oportunidade lhe permitia essa tomada de decisão.
Esse momento de discussões/debates entre os estudantes é fundamental para
uma prática pedagógica, uma vez que oportuniza maior interação entre os alunos e entre
professor-alunos. Nesse sentido, para Freire (2017, p. 109):
[...]o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se
solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de
um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem
consumidas pelos permutantes.
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É importante referir que a aquisição deste produto em 10 vezes seria a mais
correta quanto à utilização de conceitos da Matemática Financeira. Contudo, a compra em
5 vezes citada pelo aluno não deixa de estar certa, pois de acordo com as palavras de
Kistemann Júnior4 (2018, informação verbal): “Cada pessoa usa um tamanho de camisa,
a camisa que me serve não necessariamente servirá a você, ou seja, quando falamos em
decisões financeiras, cada indivíduo tem sua camisa, ou seja, uma decisão que serve
para ele naquele momento”.
Já nas atividades 2.2 e 2.3 os alunos tiveram de utilizar conhecimentos
matemáticos básicos, em quealguns sentiram dificuldades em efetuar os cálculos. Assim,
foi solicitado que os estudantes fizessem pequenos grupos, com o propósito de se
auxiliarem para a resolução dos problemas, construindo os conceitos por meio do ensino
colaborativo. Nesse sentido:
[...] a prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor
ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-
se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, [...]. (Freire, 2018, p. 42)
4
Informação verbal de Marco Aurélio Kistemann Júnior, na sua apresentação no Minicurso de Educação
Financeira, proferida no I Encontro Mato-Grossense de Professores que Ensinam Matemática - EMAPEM,
realizado na cidade de Tangará da Serra/MT, no dia 13 de junho de 2018.
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Figura 1: Oferta de Celular no comércio local
Fonte: Banco de dados dos Autores (2020).
Nesta questão, alguns alunos indicaram inicialmente que iriam efetuar a compra na
loja B, por ter uma taxa de juros mais baixa, não levando em consideração o preço inicial
do celular neste estabelecimento. Após alguns debates, os estudantes evidenciaram que
o preço final da loja C, mesmo com uma taxa de juros mais elevada, continuaria sendo a
loja que ofertaria o produto com o menor preço final. Nesse exercício, percebe-se a
matemática em ação, uma vez que foi importante efetuar os cálculos matemáticos para o
consumidor não ser ludibriado por promoções aleivosas, promoções do tipo compre 2 e
leve 3, por exemplo. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sugere o estudo desse
tipo de ação de marketing quando menciona que a Educação Financeira é:
[...] é o estudo de conceitos básicos de economia e finanças, visando à educação
financeira dos alunos. Assim, podem ser discutidos assuntos como taxas de juros,
inflação, aplicações financeiras (rentabilidade e liquidez de um investimento) e
impostos. [...] incluindo estratégias atuais de marketing. Essas questões, além
de promover o desenvolvimento de competências pessoais e sociais dos alunos,
podem se constituir em excelentes contextos para as aplicações dos conceitos da
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Matemática Financeira e também proporcionar contextos para ampliar e aprofundar
esses conceitos (Brasil, BNCC, 2017, p. 267, grifo nosso).
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Figura 2: Oferta de Gás
Fonte: Banco de dados dos Autores (2020).
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Aluno (VI): -“Fez efeito nos meus gastos”.
Aluna(V): -“Consegui economizar um pouquinho a mais esse mês”.
(Diálogo entre 4 alunos, 2020)
Observou-se, então, pelas falas dos alunos no decorrer da prática, que os objetivos
da pesquisa foram alcançados, uma vez que foi proporcionado a eles reflexão sobre suas
práticas financeiras. Dessa forma, acredita-se ter contribuído para a formação crítica dos
estudantes ao propor atividades que os fizessem analisar questões como pesquisa de
preço, taxas de juros e acréscimos cobrados por empresas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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professores somente mediaramas discussões. Percebeu-se o quanto foram relevantes
para os estudantes as discussões, despertando em nós, professores, um sentimento de
satisfação pessoal.
Durante as atividades, percebeu-se o envolvimento principalmente dos alunos mais
velhos, por serem eles que lidam com o controle das finanças de suas casas. Os mais
novos pouco contribuíram nas falas, mas ficavam atentos aos relatos dos colegas mais
velhos e se destacavam ao efetuar os cálculos matemáticos.Os resultados desta pesquisa
foram satisfatórios, uma vez que foi possível notarque,após a prática
efetivada,fomentaram o desenvolvimento do senso crítico dos alunos, em especial
relacionado às mudanças no modo de lidar com seu dinheiro, bem como a relevância de
fazerem uma pesquisa de preço e as vantagens de analisarem criticamente promoções
do dia a dia.
Ainda, a Educação Financeira não é rígida; por consequência, não se deve fazer
juízo de valor sobre as escolhas de outros indivíduos consumidores, desde que essas
decisões permitam que o indivíduo chegue ao final do mês sem dívidas, mesmo não
tendo feito investimentos ou reservas. Na Educação Financeira Crítica deve-se respeitar
a(s) tomada(s) de decisão(ões) dos demais indivíduos, pois muitas vezes o que para uma
pessoa parece uma escolha errônea financeiramente, para outra é uma decisão
financeiramente acertada/possível.
Destaca-se também que esse foi apenas um primeiro passo dado, havendo muito
mais a ser investigado sobre o tema da pesquisa. Diante disso, propõe-se uma análise
crítica a ser feita baseada na citação abaixo, que faz refletir sobre o foco desta proposta:
Uma criança passa oito anos no Ensino Fundamental, três anos no Ensino Médio e,
durante esses onze anos de Educação Básica, é obrigada a memorizar nomes e
datas de pouca utilidade na vida real. Em pouco tempo tudo, ou quase tudo é
esquecido. Nesses onze anos, o aluno não estuda noções de comércio, economia,
finanças ou impostos. O sistema educacional ignora o assunto ‘dinheiro’, algo
incompreensível, já que a alfabetização financeira é fundamental para ser bem-
sucedido em um mundo complexo. Se fizer um curso universitário fora da área
econômica, o estudante completará a sua formação superior sem noções de
finanças. Não tenho dúvida de que essa falha é responsável por muitos fracassos
pessoais e familiares. (Martins, 2004, p. 5)
Enfim, esta proposta contribuiu também para reflexão da nossa prática pedagógica,
percebendo que é necessário rever alguns conceitos tidos anteriormente como
verdadeiros e absolutos. Acredita-se que é necessário inovar, com métodos de ensino
que partam de situações corriqueiras que fazem parte do dia a dia dos alunos,
proporcionando maior significado aos conteúdos ministrados, buscando a melhoria da
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qualidade do ensino. Sendo assim, estaprática pedagógica propiciou aos alunos
momentos de associação entre as teorias que lhe são apresentadas e as suas práticas,
cujo entrecruzamento serviu como facilitador dos processos de ensino e aprendizagem de
conceitos matemáticos. O entendimento de alguns conceitos da Matemática Financeira
mostrou-se primordial para que os alunos da EJA tenham uma postura crítica frente a
situações vivenciadas na gestão do orçamento familiar.
Já se a mesma prática fosse realizada com os estudantes da idade escolar
obrigatóriamuitas discussões não fariam sentido para uma boa parte deles, uma vez que
o orçamento doméstico, de forma geral, é administrado por um ou pelo casal de
adultos/responsáveis. Nesse sentido, sugere-se a adequação da proposta, quando o
professor poderá discutir assuntos como: a influência de modismos para aquisição de
roupas, eletrônicos, cosméticos, entre outros. Posto isso, entende-se que a temática da
Educação Financeira deve se fazer presente nos processos de ensino e aprendizagem,
observando as especificidades do aluno.
REFERÊNCIAS
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Estadão Conteúdo (2020). Endividamento no Brasil bate recorde e deve aumentar devido
ao coronavírus. Exame - Revista Eletrônica. Recuperado de
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NOTAS
TÍTULO DA OBRA
Educação financeira crítica: uma prática pedagógica para a educação de jovens e adultos
Tcharles Schneider
Mestre em Ensino de Ciências Exatas
Secretaria de Estado de Educação, Escola Estadual Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Vera/MT, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0002-9444-8978
AGRADECIMENTOS
O nosso agradecimentoem especial é para os estudantes desta turma da EJA que participarão desta intervenção
pedagógica.
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA
Concepção e elaboração do manuscrito: J. C. Rossetto, T. Schneider, M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
Coleta de dados:J. C. Rossetto, T. Schneider
Análise de dados:J. C. Rossetto, T. Schneider, M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
Discussão dos resultados:J. C. Rossetto, T. Schneider, M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
Revisão e aprovação:M. T. Quartieri, E. C.Oliveira.
FINANCIAMENTO
Não se aplica.
CONFLITO DE INTERESSES
Não se aplica.
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EDITOR – uso exclusivo da revista
Méricles Thadeu Moretti e Rosilene Beatriz Machado.
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