A Heresia Dos Índios Catolicismo e Rebeldia No Brasil Colonial Ronaldo
A Heresia Dos Índios Catolicismo e Rebeldia No Brasil Colonial Ronaldo
A Heresia Dos Índios Catolicismo e Rebeldia No Brasil Colonial Ronaldo
Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
Epígrafe
Agradecimentos
Introdução
1. Idolatrias e colonialismo
2. Santidades ameríndias
3. História de uma santidade
santidades e idolatrias
em perspectiva histórica
1. Idolatrias e colonialismo
Serge Gruzinski
combate com a sombra
Os espanhóis tiveram a convicção de tropeçar por toda parte, na América, no poder multiforme
do Maligno, mas não desconfiaram de que era o seu próprio Lúcifer que haviam levado do Velho
Mundo nos porões de seus navios.5
Retorno, aqui, ao combate europeu com a própria sombra, ou, como diz
Laura de Mello e Souza, ao olhar europeu assombrado com sua própria
exterioridade selvagem.
idolatria e demonolatria
Não resta dúvida de que foram os espanhóis, como diz Delumeau, os
maiores demonizadores da alteridade ameríndia dentre todos os europeus
que sobre ela escreveram. Demonizaram-na através de palavras, imagens e
práticas associadas, em última análise, a um conceito específico: idolatria.
Não quero dizer, com isso, que o conceito de idolatria tenha sido uma
invenção dos colonizadores. A ideia de idolatria vinha de longe, na
realidade, urdida e tecida na longa tradição judaico-cristã. É encontrada no
Antigo Testamento, indicando as impiedades dos gentios que, ao contrário
dos hebreus (povo eleito), adoravam estátuas, cultuavam ídolos, por não lhes
ser dado enxergar o verdadeiro e único Deus (Jeová). Encontra-se também
na pregação dos apóstolos, a exemplo de são Paulo, o qual associou a
idolatria à “depravação dos homens”, à loucura e à obscenidade (Rom, 1:18-
27).
A Igreja medieval só faria adensar a estigmatização das idolatrias,
estabelecendo uma virtual identidade entre idolatria e demonolatria. É o que
se pode ver no célebre Directorum Inquisitorum, de Nicolau Eymerich
(1376), por sinal um inquisidor aragonês: eram os sacerdotes de Baal os
verdadeiros idólatras condenados no Livro dos Reis — escreveu Eymerich
—, pois invocavam os diabos, ofereciam-lhes sacrifícios, adoravam-nos por
meio de “orações execráveis”, faziam-lhes voto de obediência.6
A diabolização conceitual das idolatrias era parte integrante, portanto, do
corpo doutrinário e do imaginário cristão desde, pelo menos, a Idade Média
— resultado do anátema lançado, nos tempos bíblicos, contra o culto dos
gentios e os adoradores de estátuas. Transposta para a América, a ideia de
idolatria iria funcionar como filtro na percepção das religiosidades e
costumes ameríndios pelos europeus, enxertada naturalmente de
significados que a própria realidade americana sugeria aos observadores. É
como diz Giulia Lanciani, a propósito do maravilhoso na América: “[...] a
percepção do novo pode manifestar-se também através de uma revisitação
do antigo que, enxertado em húmus diverso, se constitui em representações
inéditas que ajudam a penetrar os enigmas do mundo, transformando-se em
instrumentos de conhecimento...”.7
Embebida de elementos demoníacos, a noção judaico-cristã de idolatria
encontraria, na América, o seu território privilegiado, orientando o registro
etnográfico e as atitudes europeias em face do Outro. No olhar dos
colonizadores, a idolatria, como o diabo, estaria em toda a parte: nos
sacrifícios humanos, nas práticas antropofágicas, no culto de estátuas, na
divinização de rochas ou fenômenos naturais, no canto, na dança, na
música... Os missionários e eclesiásticos, em geral, em quase tudo veriam a
idolatria diabólica com que estavam habituados a conviver no seu universo
cultural.
Nos primeiros momentos da Conquista, sobretudo no caso hispânico, a
noção de idolatria seria ainda colorida pela tradicional repulsa ao infiel, ao
inimigo mouro que durante séculos assombrara os cristãos da península. É o
que se pode perceber em Hernán Cortés, que chamou de “grande mesquita”
ao templo maior de Tenochtitlán, onde se abrigavam os ídolos principais
cultuados pelos astecas.8 Vibrava, pois, entre os conquistadores hispânicos, a
memória da Reconquista ibérica, veiculada na literatura de cavalaria e
fermentada pela expectativa dos aventureiros de “ir a valer más” com feitos
militares em nome de Deus e do rei.
Mas foi sobretudo no campo da demonolatria que os ibéricos
enquadraram o sentimento religioso presente nos cultos ameríndios,
incluindo os sacrifícios humanos e os rituais antropofágicos que vários
povos praticavam. Referindo-se ao México, o jesuíta José de Acosta não teria
qualquer dúvida em diabolizar a religiosidade nativa em sua Historia natural
y moral de las Índias: afirmou que Satã se havia refugiado na América, após
perder seu domínio sobre o mundo antigo, fazendo das Índias um dos
baluartes da idolatria. Para os colonizadores da América — em especial os
eclesiásticos —, a idolatria não era apenas “uma forma errônea da religião
natural”, senão “o começo e o fim de todos os males”.9
Foram raríssimos, entre os colonizadores, os que aparentemente
superaram o estigma diabolizante das idolatrias. O exemplo mais célebre é o
de frei Bartolomé de Las Casas, dominicano, que foi capaz de enxergar nas
idolatrias a expressão de sincera devoção religiosa. No entanto — como se
pode ver na análise definitiva de Todorov —, Las Casas não compreendia os
índios. Apesar de defendê-los com fervor — a sua liberdade, os seus
costumes —, Las Casas somente os aceitava (e amava) por assimilação,
depurando-os das exterioridades heterodoxas e fazendo com que se
assemelhassem aos primitivos cristãos.10 Las Casas não combateu a própria
sombra porque não saiu de sua própria cultura. Não foi demonólogo — é
certo —, mas também não foi etnólogo. Construiu uma imagem idealizada
do índio — o índio puro que habitava o “paraíso perdido” —, preconizando,
no fundo, o mito setecentista do “bom selvagem”.
Las Casas foi, porém, uma voz dissonante em meio ao coro de
etnodemonólogos que cuidavam da “conquista espiritual” dos nativos. Na
América espanhola, esta outra conquista foi assumida com clareza e vigor.
Autoridades seculares, eclesiásticos e missionários, sobretudo no México e
no Peru, não tardaram a ver a força das idolatrias na persistência das
religiosidades indígenas. Trataram-na como crime passível de pena secular,
inclusive a morte, delegando-se aos bispos poderes inquisitoriais para julgar
os idólatras à semelhança de hereges.
No México dos anos 1530, foi a “extirpação de idolatrias” que celebrizou o
bispo Zumárraga, implacável perseguidor dos que ocultavam ídolos, dos que
exortavam em favor dos “deuses antigos”, dos adivinhos, dos que faziam
sacrifícios humanos. Os principais “idólatras” eram considerados
“dogmatizadores” e “hechiceros”, reservando-se-lhes castigos exemplares.
Zumárraga condenou muitos índios ao degredo, aos açoites, a trabalhos
forçados, obrigando-os a sair em autos de fé na Cidade do México; a outros
(poucos, na verdade), Zumárraga condenou à morte na fogueira.11
A “extirpação das idolatrias” assumiu, portanto, no México e no Peru,
características de grande violência, e prosseguiu mesmo depois da criação
dos tribunais do Santo Ofício naqueles vice-reinados, entre 1570 e 1571,
apesar de as idolatrias terem sido então retiradas do foro inquisitorial. À
guisa de exemplo, cito a visita geral ordenada no Peru pelo vice-rei Toledo,
entre 1570 e 1575, na qual, apesar da documentação lacunosa, sabe-se que
pelo menos três “idólatras” foram queimados por crimes de feitiçaria e
heresia.12
À diferença dos espanhóis, os portugueses não desenvolveram nenhuma
campanha de extirpação de idolatrias que pudesse lembrar os feitos de
Zumárraga, no México, ou de Toledo, no Peru. Não quero dizer que os
lusitanos tenham poupado os índios de massacres, que tanto celebrizaram
nossos governadores quinhentistas, mas tão somente frisar que faltou à
colonização portuguesa aquilo que sobejou na espanhola: a perseguição
implacável aos povos ameríndios por razões estritamente religiosas.
É verdade que, também no Brasil, não faltou quem demonizasse a terra e
os índios, a exemplo de frei Vicente, que, à semelhança de Acosta, diria que
o diabo transferira o seu reino para a América, uma vez expulso da velha
cristandade — do que resultaria, inclusive, o triunfo do nome Brasil sobre a
Terra de Santa Cruz, homenagem ao “pau de cor abrasada e vermelha” que
abundava no litoral. Mas, afora essas diabolizações genéricas e alegóricas, e
sem falar na detração dos costumes indígenas pelos jesuítas, a demonização
dos índios foi, entre nós, muitíssimo pálida, em matéria de religiosidade, se
comparada com o furor persecutório dos hispânicos.
E não é de admirar a ausência de uma “campanha extirpatória” ao estilo
hispânico na América portuguesa, se nem mesmo a palavra idolatria era
comumente usada pelos lusitanos ao se referir à religiosidade indígena. Pelo
contrário, jesuítas e colonizadores foram useiros em dizer que o gentio do
Brasil não pronunciava as letras f, l e r porque não possuía fé, lei e rei —
sugerindo com isso que os índios viviam numa espécie de anomia, e num
estado de descrença em matéria de religião.
Nóbrega foi explícito, diversas vezes, ao negar a existência de religião
entre os índios tupis: “é gente que nenhum conhecimento tem de Deus, nem
ídolos”; “esta gentilidade a nenhuma coisa adora, nem conhecem a Deus;
somente aos trovões chamam de Tupã, que é como dizer coisa divina”.
Embora detratasse os índios de várias maneiras (indômitos, impudicos etc.),
Nóbrega neles veria um “papel branco”, em matéria de fé, onde se podia
“escrever à vontade”. A postura de Nóbrega seria também a dos outros
jesuítas no século xvi: “não têm adoração nenhuma, nem cerimônias ou
culto divino”, escreveu Cardim; “não têm comunicação com o demônio”,
ajuizou Anchieta.13 No entender dos jesuítas, e no da maioria dos cronistas
do século xvi, os tupinambá não eram idólatras; não criam em Deus nem
no diabo; não possuíam qualquer espécie de religião. É como diz Viveiros de
Castro: “Antes de serem efêmeras e imprecisas estátuas de murta, os
tupinambás foram vistos como homens de cera, prontos a receber uma
forma”.14
A explicação para tamanho contraste entre o olhar hispânico e o
português em matéria de religião indígena deve ser buscada, antes de tudo,
nas diferenças entre os povos ameríndios que cada qual encontrou na sua
porção da América. Refiro-me menos às diferenças de religiosidade — pois
estou longe de endossar a opinião jesuítica de que os índios tupis eram
descrentes de tudo —, e sim às características ergológicas da religiosidade
nas duas Américas. No México e no Peru, os espanhóis se depararam com
templos, variada gama de sacerdotes, profusão de ídolos, máscaras e cultos
que se encaixavam perfeitamente no seu modelo de idolatria, quando não
sugeriam o próprio sabá diabólico. Desnecessário dizer que nada de
parecido havia entre os tupinambá.
Acrescento, também, a escassa tradição demonológica da cultura
portuguesa em contraste com a espanhola — o que certamente pesou na
leitura que uns e outros fizeram da religiosidade ameríndia. No caso da
Espanha, embora o alcance do saber demonológico fosse ali menor do que
na Europa do norte, foram publicados dez tratados contra superstições entre
1510 e 1618, a maioria dos quais no século xvi. Laura de Mello e Souza
informa, a propósito, que a Espanha chegou a produzir uma geração ilustre
de demonólogos, a exemplo de Afonso de Salazar Frías, Pedro de Valencia e
outros. Havia, pois, alguma tradição demonológica na Espanha que foi
transportada para a América, inclusive na pessoa de alguns “extirpadores”,
como o próprio Zumárraga, homem que participara da perseguição de
bruxas na Biscaia antes de tornar-se o primeiro bispo do México.15 Nada
disso, convém frisar, se pode perceber na história portuguesa: nem a
ocorrência de uma tratadística contra superstições, nem qualquer furor
persecutório contra bruxas. Enquanto na América espanhola montou-se
desde cedo uma estrutura eclesiástica poderosa, com quadros treinados na
perseguição à feitiçaria, a América portuguesa praticamente se limitou à
ação jesuítica — sendo a maioria dos padres oriundos de Portugal (quando
não nascidos no Brasil), homens mais preocupados em evangelizar do que
em “extirpar demônios” dos ameríndios.
Tudo me parece indicar, portanto, que também no domínio da
demonização operou-se o contraste que Sérgio Buarque de Holanda viu na
postura edenizadora de portugueses e espanhóis. Experientes no contato
com outras terras e povos, e ainda desprovidos de uma “cultura do
maravilhoso” tão presente em outros países europeus, os portugueses seriam
parcimoniosos na edenização da cena brasílica, ao contrário dos espanhóis,
que buscaram El Dorados, paraísos e seres fantásticos em sua Ofir
americana.16 Em compensação, se os hispânicos viam demônios em toda
parte, e despenderam enormes recursos para extirpar as idolatrias dos
índios, os portugueses mal falavam em idolatria, julgando que os tupinambá
nem sequer possuíam religião.
Não pretendo dizer, com isso, que o demônio estivesse ausente na fala dos
portugueses ao se referir aos índios. Pelo contrário, consideravam quase
tudo diabólico nos ameríndios que habitavam o litoral, mormente a nudez,
as lubricidades e o canibalismo — que a todos apavorava —, costumes
fartamente demonizados pelos jesuítas. Mas em matéria de religião
predominou uma visão complacente, mistura de otimismo evangelizador
com uma postura pouco “idolatrizante” — com perdão pelo neologismo —
da religiosidade ameríndia. A única exceção nesse domínio foi a leitura que
fizeram os jesuítas do “profetismo tupi” — assunto que tratarei no capítulo
seguinte. Diante da pregação de certos pajés (os caraís ou pajés-açu que
andavam de aldeia em aldeia a falar aos índios possuídos pelos espíritos),
jesuítas e outros cronistas não deixaram de ver feitiçaria e até idolatria,
contrariando completamente a sua opinião de que os tupi não criam em
coisa alguma.
A idolatria não tardaria a se revelar na América portuguesa, sacudindo os
demônios que os lusitanos também haviam trazido para o Brasil. Quisessem
ou não, os portugueses acabariam, também eles, obrigados a combater a
própria sombra no trópico.
Pelo que foi até aqui exposto, é forçoso reconhecer que falar em idolatria é
usar a linguagem do colonizador, especialmente quando se utiliza o termo
apenas no seu sentido estrito, associando idolatria e culto de ídolos. No
imaginário do Ocidente cristão, não resta dúvida de que o culto de ídolos
estava, havia séculos, impregnado de estigmas diabolizantes, além de
vinculado a gentilidades.
No entanto, devo dizer que, considerada historicamente, a idolatria foi
mais do que aquilo que nela viram os europeus. Fenômeno complexo, que
ultrapassava o domínio meramente religioso que o epíteto ocidental sugeria,
a idolatria pode também ser vista como expressão da resistência social e
cultural dos ameríndios em face do colonialismo. Concebida mais
amplamente como fenômeno histórico-cultural de resistência indígena, a
idolatria pode se referir a um domínio em que a persistência ou a renovação
de antigos ritos e crenças se mesclava com a luta social, com a busca de uma
identidade cada vez mais destroçada pelo colonialismo, com a
reestruturação ou inovação das relações de poder e, inclusive, com certas
estratégias de sobrevivência no plano da vida material dos índios.
Basta examinar a vastíssima bibliografia sobre as idolatrias no mundo
hispano-americano para se perceber, com nitidez, esta dupla dimensão
histórica da idolatria na situação colonial: exprimia, de um lado, a rejeição
do europeu pela religiosidade e a cultura indígena, justificando as ações
persecutórias da Igreja e do Estado; expressava, de outro lado, o obstinado
apego dos povos ameríndios às suas tradições e crenças, quando não
projetavam uma revanche contra o invasor estrangeiro. Os próprios
colonizadores (alguns, ao menos) perceberam por vezes esse caráter
abrangente e perigoso das idolatrias para o sistema colonial. Cito apenas o
exemplo do chamado império neoinca refugiado em Vilcabamba, no Peru,
que constituiu o maior foco de luta contra a dominação colonial naquela
região, além de tentar restaurar as tradições do antigo Império do Sol.
Muitos espanhóis não tiveram dúvida em chamá-lo de “a universidade da
idolatria”...
Mas não só de ações extremadas e agressivas se nutriram as idolatrias,
senão de atitudes cotidianas de boicote e transgressão à Igreja e à dominação
colonial. Os próprios contemporâneos perceberam essa resistência
obstinada dos índios em aceitar os ditames do clero, para limitar-me à esfera
religiosa, não obstante aceitassem, de público, os sacramentos da Igreja. Foi
o que sugeriu o dominicano Diego Durán, em sua Historia de las Índias:
“Não encontrarão Deus enquanto não tiverem arrancadas as raízes, até o
menor vestígio, da antiga religião. Contentamo-nos com as aparências
cristãs que os índios fingem para nós (esquecendo) que a mínima
reminiscência da antiga religião pode perverter inteiramente o culto novo (e
único verdadeiro) [...] Certas pessoas dirão que essas coisas são
insignificantes. Eu digo que é uma forma sutil de idolatria”.17
Referindo-se a esta idolatria “invisível”, Héctor Bruit percebeu, com
acuidade, uma estratégia de simulação, na qual o forte apego ao passado —
fenômeno clandestino — se via encoberto por atividades aparentemente
insólitas dos índios diante dos espanhóis: inexplicáveis silêncios alternados
com puerilidades, a desnortear o espanhol, que pensava ver parvos onde
havia, no fundo, rebeldes.18
Serge Gruzinski, por sua vez, foi quem melhor percebeu o sentido global
da idolatria, concebendo-a, no limite, como barreira ao processo de
ocidentalização projetado pelo colonialismo. Gruzinski definiu-a “como
uma aproximação especificamente indígena do mundo” — e não apenas
como expressão de sua religiosidade: a idolatria “tecia uma rede densa e
coerente, consciente ou não, implícita ou explícita de práticas e saberes nos
quais se inscrevia e se desenvolvia a totalidade do cotidiano [...]. Falar de
idolatria é também tentar — através de referência à materialidade do objeto/
ídolo e à intensidade do afeto (latria) — não se ater a uma problemática das
‘visões de mundo’ , das mentalidades, dos sistemas intelectuais, das
estruturas simbólicas, mas considerar também as práticas, as expressões
materiais e afetivas de que ela é totalmente indissociável”.19
Gruzinski considera, assim, o embate entre extirpadores e idólatras no
pós-conquista não apenas um confronto entre “duas religiões”, senão
expressão de um conflito cultural o mais amplo possível. Conflito que
entrelaçava os domínios religioso, afetivo, político, ético, material, cotidiano,
e no qual a idolatria tendeu forçosamente a recuar, alojando-se nos
interstícios da sociedade colonial, despojada pelo colonialismo cristão do
controle integral — outrora incontestável — do espaço e do tempo.
Trata-se, ao meu ver, da melhor definição para o fenômeno real da
idolatria, exatamente por abranger a totalidade social e evitar rótulos
simplificadores. Afasto-me dela, no entanto, ao constatar que Gruzinski
admite a ocorrência de idolatrias pré-coloniais. Concebendo a idolatria
como manifestação de resistência ao colonialismo, considero-a um
fenômeno historicamente novo, não obstante ancorado no passado pré-
colonial.
Quer pelo nome — uma projeção europeia —, quer pelo que significava
na prática — resistência e hostilidade ao europeu —, a idolatria era filha do
colonialismo. Pensá-la fora do contexto colonial significaria associá-la
meramente ao “culto de ídolos” — culto diabólico no olhar europeu dos
quinhentos. Pensá-la fora do contexto colonial significaria esquecer que,
uma vez contatadas e submetidas pelo europeu, as culturas ameríndias não
seriam jamais as mesmas de antes...
idolatrias e milenarismos
O apelo dos profetas para o abandono da terra má, isto é, da sociedade tal qual ela era, para
alcançar a Terra sem Mal, a sociedade da felicidade divina, implicava a condenação à morte da
estrutura da sociedade e do seu sistema de normas. Ora, a essa sociedade se impunha cada vez
mais fortemente a marca da autoridade dos chefes, o peso do seu poder político nascente.4
[...] Estamos longe do esquema clássico dos movimentos messiânicos, em que o religioso e o
político convergem na realização de um projeto comum: a sobrevivência de uma sociedade
ameaçada por outra na sua própria existência [...]. O profetismo tupi não é exatamente o inverso
de um messianismo: nasce de uma cultura que segrega por si mesma seu próprio questionamento
e na qual a religião, por ser o lugar dessa crítica, gera a dispersão. As migrações para a Terra sem
Mal ilustram dessa maneira uma das possíveis saídas para a crise — manifestada pelas tendências
inconciliáveis do religioso e do político — das sociedades tupi-guarani: a autodestruição dessas
sociedades.6
A nosso ver, as manifestações xenófobas [dos tupi-guarani] — que constituem um aspecto quase
geral do messianismo — devem-se principalmente a uma situação de desequilíbrio provocado pelo
contato com a civilização ocidental.9
A mitologia heroica dos tupi não desconheceu a história, embora lutasse
contra ela. Deu sentido, pela boca de seus profetas e xamãs, e por meio de
cerimônias que reforçavam as tradições ancestrais daquela cultura, a
atitudes de franca resistência e hostilidade ao colonialismo nascente.
Assumiu, portanto, função de mensagem anticolonialista típica das
idolatrias, conforme expus no capítulo precedente. Idolatrias concebidas
teoricamente como recusa da situação colonial, e idolatrias pensadas
também no sentido estrito de culto e cerimônia idolátricas. A busca da Terra
sem Mal mudaria, assim, de caráter, sem prejuízo de sua originalidade ou do
sistema cognitivo indígena. Erigir-se-ia como barreira à sujeição dos
ameríndios e ao processo de ocidentalização, alentando, quando menos,
fugas em massa do que para os índios se tornava “a terra dos males sem fim”.
“Terra dos males sem fim”, feliz expressão de Mário Maestri para aludir,
na verdade, à trágica situação das populações nativas do litoral luso-
americano no século xvi, sobretudo a partir dos anos 1530, quando nosso
“rei colonizador”, d. João iii, optou por explorar e povoar o território
brasileiro.10
Não é o caso, aqui, de inventariar em detalhe os movimentos e estratégias
da colonização nascente na América portuguesa, sob o risco de repetir o que
outros já fizeram com mais competência. Impossível, todavia, não recordar
alguns aspectos gerais do ímpeto colonialista tão incrivelmente negado por
alguns estudiosos do profetismo tupi.
Mencione-se, antes de tudo, a introdução da lavoura canavieira e da
produção de açúcar, difundida com mais vigor no litoral de meados do
século em diante, o que se fez sabidamente à base da escravidão indígena. Já
Celso Furtado advertira para a importância capital assumida pelo trabalho
índio na montagem da empresa açucareira luso-brasileira, o qual
predominou até o fim do século nos engenhos e lavouras do litoral.11
Desnecessário lembrar o impacto que a introdução da agricultura escravista
causou na população indígena, rompendo o precário equilíbrio que se
manteve nas primeiras décadas dos quinhentos entre europeus e índios
envolvidos no extrativismo do pau-brasil.12
Com a introdução da economia açucareira, desenvolveu-se a feroz e
rendosa empresa de caça ao indígena, e com ela o tráfico de nativos
“descidos” para os núcleos de colonização. É certo que, como indica Stuart
Schwartz, o trabalho indígena foi explorado não apenas através de cativeiro
(lícito ou ilícito), mas também do escambo e do assalariamento, o que pouco
amenizava, na verdade, a desdita dos tupi na economia colonial.13 Na prática,
as populações indígenas foram progressivamente sugadas pelo sistema
colonial nascente e se tornaram, no vocabulário da época, “negros da terra”,
“negros brasis”, fórmulas então utilizadas para diferenciar os índios dos
“negros da Guiné”, uns e outros escravos.
No contexto da implantação da lavoura tipicamente colonial
multiplicaram-se as “revoltas do gentio”, os assaltos aos núcleos de
colonização e, consequentemente, a reação dos colonizadores, mormente
após a instalação do governo geral, em 1549. Já no “Regimento de Tomé de
Souza”, de 1548, instruía-se o governo para submeter os índios hostis aos
portugueses, destruindo-lhes as aldeias, e matando ou cativando os rebeldes
como castigo e exemplo. Tomé de Souza cumpriu à risca as ordens régias,
movendo ataques contra os tupinambá aliados dos franceses, do que
resultaram escravizações “lícitas”, uma vez que efetuadas em “guerra justa”,
como rezava a legislação da época.
Seu sucessor, Duarte da Costa, recrudesceria ainda mais a ofensiva contra
os índios nos anos de seu governo, entre 1555 e 1558. Por qualquer pretexto
ordenava massacres contra as aldeias vizinhas de Salvador, a exemplo do
ataque à aldeia da Porta Grande, em maio de 1555, e do incêndio de cinco
aldeias que haviam levantado cercas nas bandas do rio Vermelho — tarefa
que delegou a seu filho, Álvaro da Costa. Em junho do mesmo ano, treze
aldeias foram destruídas nos arredores da capital no espaço de apenas uma
semana, o que levou à morte, ao cativeiro e à expulsão cerca de 3 mil
ameríndios.
Mas nem Tomé de Souza nem Duarte da Costa puderam igualar-se a
Mem de Sá na arte de massacrar. Entre as façanhas de nosso terceiro
governador geral, destacou-se a chamada Guerra do Paraguaçu (1558-9),
que resultou na destruição de “cento e trinta e tantas aldeias”, nas palavras
do governador, ou pelo menos “mais de sessenta”, nos dizeres do célebre frei
Vicente. Nada ilustra melhor a belicosidade desse potentado quinhentista do
que o “Instrumento dos serviços de Mem de Sá”, datado de 1570: de 26
capítulos alusivos a seus serviços, nada menos do que doze dizem respeito a
empresas de “combate ao gentio” — indicação reveladora do que mais
ocupou a atenção do afamado governador.14
Mem de Sá celebrizou-se, de fato, pelo que alguns denominam, sem a
menor complacência, de “pacificação da Bahia”: um sem-número de
massacres que obstinadamente perpetrou em seu governo. Recebeu, por
isso, rasgados elogios dos contemporâneos, a exemplo de nosso Gabriel
Soares de Souza, forte partidário da escravidão indígena. O autor do Tratado
descritivo louvou sem pejo a figura do insigne governador, “que destruiu e
desbaratou o gentio que vivia derredor da baía, queimou e assolou mais de
trinta aldeias, e os que escaparam de mortos e cativos fugiram para o sertão
e se afastaram do mar [...]”.15 Trinta aldeias destruídas, mais de sessenta, 130,
quantas teriam sido as povoações vitimadas pela sanha do governador?
O certo é que, como observou Gabriel Soares, os índios tupis se afastavam
do mar, para onde se tinham dirigido em busca da Terra sem Mal. E quando
não fugiam do cativeiro e das carnificinas lusitanas, faziam-no dos jesuítas,
dos aldeamentos da Companhia de Jesus que, coincidentemente,
começaram a ser instalados na mesma época em que se instituiu o governo
geral, ganhando impulso exatamente no governo do implacável Mem de Sá.
Também por isso, o governador receberia o louvor dos inacianos, e de
ninguém menos do que Anchieta, autor do poema laudatório “De gestis
Mendi de Saa”, feitos de Mem de Sá.
Governo geral e jesuítas, Mem de Sá e Anchieta, duas faces da opressão
que se abateu sobre a população indígena no século xvi. Muito já se
escreveu acerca dos efeitos destrutivos da catequese nas culturas ameríndias,
embora o erguimento de aldeamentos por vezes funcionasse como barreira à
rapinagem escravocrata dos colonizadores. Não insistirei no assunto,
limitando-me a recordar a introjeção do cristianismo por meio de
culpabilizações e estigmas das tradições indígenas, a imposição dos
sacramentos (alguns, ao menos), a proibição de usos e costumes ancestrais, a
disciplina de horários, ofícios divinos e serviços, a tentativa, enfim, de vestir
os índios — com algodão ou o que fosse —, pois nada repugnava mais a um
jesuíta do que o corpo do “gentio”: sua nudez, sem dúvida, mas também suas
aparentes lubricidades e seu apego ao canibalismo — o pior dos males. Com
fina sensibilidade, Baeta Neves afirmou que a missão tencionava,
“efetivamente, corrigir o corpo do brasil”, condição sine qua non para sua
“salvação espiritual”.16
Cativeiro, massacres, catequese: traços definidores do que chamei, com a
licença de Maestri, a “terra dos males sem fim”, desdita da população
tupinambá no litoral luso-brasileiro dos quinhentos. Mas em matéria de
flagelos nada se pode comparar com os diversos surtos epidêmicos que
assolaram as aldeias, sobretudo as da Companhia, a ceifar a vida de milhares
de índios no século xvi. E, dentre todas as moléstias — e não foram poucas
—, a pior foi a varíola, a “peste das bexigas”.
Na Bahia, cenário privilegiado da peste, a varíola veio pelo mar,
embarcada num navio lisboeta que lá chegou em 1562. Em três ou quatro
meses extinguiu cerca de 30 mil índios, sobretudo os escravos e os reduzidos
na missão. No transcurso das décadas seguintes romperam novos surtos
epidêmicos, de modo que os 40 mil índios cristãos contabilizados pelos
jesuítas em 1564 mal passavam de 10 mil, em 1585. Em várias partes do
litoral se pôde observar desastres semelhantes, sendo as bexigas precedidas
por crises de pleurites, terçã maligna (malária), disenterias e gripes fatais. A
própria epidemia variólica, sem dúvida a mais drástica, espalhou-se por
toda a costa, de Pernambuco a São Vicente, passando por Ilhéus, Espírito
Santo, o planalto de Piratininga, e até os sertões que confinavam com os
núcleos coloniais.17
E, quanto ao horror da morte pela varíola, os jesuítas nos deixaram
depoimentos impressionantes, o martírio da doença agravada pela quase
total impossibilidade de se tratarem os enfermos. Os infectados, escreveu o
padre Antônio Blasquez em 1564, se diziam tomados por um “fogo no
coração” — alusão às febres que acompanhavam a penetração do vírus no
corpo, matando em cerca de duas semanas, após espalhar lesões e pustemas
pela face, mãos e pés. O jesuíta Blasquez se referiu às feridas como “tão
asquerosas e hediondas que não havia quem as pudesse suportar com a
fetidez que delas saía”.18 Impressão idêntica foi a de seu colega de
Companhia, Pedro da Costa, que viu as bexigas “tão nojosas e de tão
grandes fedores que punham espanto e muitas vezes se estava arrenegando a
carne de podre”.19
Inúmeras cartas jesuíticas informam, a exemplo das citadas, o quadro de
espanto e pavor que marcava o cotidiano da varíola nos aldeamentos. O
grito dos doentes, a tentativa vã dos padres em tratar dos feridos, o
amontoado de cadáveres mal enterrados, a servir de comida para os porcos.
O alastramento da doença muitas vezes reforçava o poder dos pajés, que se
não extirpavam a bexiga, pelo menos contestavam os padres, sobretudo
quando dos batismos in extremis que os inacianos ministravam junto aos
moribundos. Os curandeiros indígenas diziam, então, que o “batismo
matava”, e não deixavam de ter alguma razão ao dizê-lo, ao que retorquiam
os padres, dizendo que era o profeta dos nativos, feiticeiro que se passava
por santo, o responsável por tantas “fomes e mortandades”, ao promover
“carnalidades e vícios diabólicos” castigados por “Deus Nosso Senhor”.20
O impacto da colonização acabaria, na realidade, por reforçar a busca da
Terra sem Mal. Na pregação dos profetas encontra-se amiúde o ímpeto
guerreiro com que várias tribos tupi enfrentaram os portugueses, ou deles
fugiram, no rumo dos “sertões”. Alterava-se a rota, mantinha-se o mito. O
paraíso tupi se deslocaria lentamente do mar para o interior, pois era no
litoral, sem dúvida, que se achavam os males e campeava a morte. Não havia
de ser na costa, salvo por azares da história, que os tupi buscariam,
doravante, a sua velha “morada dos ancestrais”.
[...] De certos em certos anos vêm uns feiticeiros de mui longes terras, fingindo trazer santidade e
ao tempo de sua vinda lhe mandam limpar os caminhos e vão recebê-los com danças e festas,
segundo seu costume, e antes que cheguem ao lugar, andam as mulheres de duas em duas pelas
casas, dizendo publicamente as faltas que fizeram a seus maridos umas às outras, e pedindo perdão
delas. Em chegando o feiticeiro com muita festa ao lugar, entra em uma casa escura e põe uma
cabaça que traz em figura humana em parte mais conveniente para seus enganos, e mudando a voz
com a de menino junto da cabaça, lhes diz que não curem de trabalhar, nem vão à roça, que o
mantimento por si crescerá, e que nunca lhes faltará o que comer, e que por si virá à casa, e que as
enxadas irão a cavar e as flechas irão ao mato por caça para seu senhor, e que hão de matar muitos
dos seus contrários, e cativarão muitos para seus comeres, e promete-lhes longa vida, e que as
velhas se hão de tornar moças, e as filhas que as deem a quem quiserem, e outras coisas
semelhantes lhes diz e promete, com que os engana, de maneira que creem haver dentro da cabaça
alguma coisa santa e divina, que lhes diz aquelas coisas, as quais creem. Acabando de falar o
feiticeiro começam a tremer, principalmente as mulheres, com grandes tremores em seu corpo,
que parecem demoinhadas (como decerto o são), deitando-se em terra, e escumando pelas bocas,
e nisto lhes persuade o feiticeiro que lhes entra a santidade, e a quem isto não faz tem-lho a mal.21
Bien est vray, qu’il menoit toujours avec luy bonne compagnie, et menu epuple, qui le suyvoit pour
opinion de sa saincteté de vie, et à cause que ce Caraibe disoit bien ce qu’il pretendoit leur
persuader [...].25
[...] No meio de uma praça tinham feito uma casa grande, e nela outra mui pequena, na qual
tinham a cabaça figurada como cabeça humana, mui ataviada a seu modo, e diziam que era o seu
santo e lhe chamavam Amabozaray, que quer dizer pessoa que dança e folga, que tinha a virtude
de fazer que os velhos se tornassem moços. Os índios andavam pintados com tintas, ainda nos
rostos, e emplumados de penas de diversas cores, bailando e fazendo muitos gestos, torcendo as
bocas e dando uivos como perros: cada um trazia na mão uma cabaça pintada, dizendo que
aqueles eram os seus santos, os quais mandavam aos índios que não trabalhassem porque os
mantimentos nasceriam por si, e que as flechas iriam ao campo matar as caças [...].31
[...] Há entre eles grandíssima gentilidade e muitos errores, e de tempo em tempo se levantam
entre eles alguns que entram neles espíritos que os fazem sabedores do que está por vir [...]. Estes
fazem umas cabaças à maneira de cabeças, com cabelos, olhos, narizes e boca com muitas penas e
cores que apegam com cera composta à maneira de lavores, e dizem que aquele santo que tem
virtude para lhes poder valer e diligenciar em tudo, e dizem que fala, e à honra disto inventam
muitos cantares que cantam diante dele, bebendo muito vinho de dia e de noite, fazendo
harmonias diabólicas [...].32
cooptação da santidade
[...] Navegava-se (o rio Jaguaripe) até a cachoeira que está cinco léguas da borda [...]. Junto da
cachoeira, virando sobre a mão direita, para baixo, está um engenho de água de Fernão Cabral de
Taíde.16
Foi este governador mui amigo e favorável aos moradores para que os mercadores os não
executassem nas fábricas de suas fazendas e, quando se lhe iam queixar disso, os despedia
asperamente, dizendo que eles vinham a destruir a terra, levando dela em três ou quatro anos que
cá estavam quanto podiam e os moradores eram os que a conservavam e acrescentavam com seu
trabalho, e haviam conquistado à custa do seu sangue.23
santidade
Morfologia da aculturação na situação colonial
4. Crenças: o paraíso tupi e seu profeta
Paul Veyne
terra sem mal, nova jerusalém
Na parte externa da paliçada que protegia as malocas tupis, ergue-se a cruz com a
inscrição jesus nazareno rei dos judeus
(Ilustração da obra de Hans Staden, 1557.)
Con ciosia cosa que questa razza d’umini suscito nel Brasile una sorte de
superstizione, e di tanto maggior pericolo e dano quanto era piú simile e
conforme a riti e all’uso della Chiesa Santa.
gestos cristãos
[...] Sempre teve em seu coração a fé católica, mas cuidava ele que este mesmo
Deus, verdadeiro Senhor, era aquele outro que na dita abusão e idolatria se
dizia que vinha.
Os executores desses sacrifícios humanos reputam o seu ato grandemente honroso; depois de
praticada a façanha retiram-se em suas choças e fazem no peito, nos braços, nas coxas e na barriga
das pernas sangrentas incisões [...]. O número de incisões indica o número de vítimas sacrificadas
e lhes aumenta a consideração dos companheiros.7
santidade
O teatro da Inquisição
7. Santidade: a heresia do trópico
No inferno pintado pelo português, o diabo-mor é um índio de cocar, que flagela impávido os pecadores
brancos.
(O Inferno. Atribuído a Jorge Afonso, século XVI.)
Mas eis o verdadeiro problema: acreditavam os tupinambá em seus profetas?
Poucos anos depois de Botero, foi a vez de outro jesuíta, o francês Pierre
du Jarric, dedicar algumas páginas às “santidades” brasílicas em sua Histoire
des choses plus memorables..., obra em três volumes publicada em Bordeaux
entre 1608 e 1610.
Trata-se de uma vasta compilação de fatos sobre a história colonial
portuguesa, incluindo a expansão lusitana na Ásia e no Brasil, salientando-
se os feitos militares e celebrando-se, com grande ênfase, a obra
salvacionista dos jesuítas. Du Jarric era, como Botero, um propagandista da
Reforma católica e um apologista incansável da “Societatis Iesu”.
Os primeiros dois volumes de sua Histoire des choses... são dedicados à
história das descobertas portuguesas desde os primórdios até o ano de 1600,
e o terceiro volume ao período 1600-10. É o segundo que nos interessa mais
de perto, pois é nele que o autor trata da “superstição” indígena.5
A exemplo de Botero, Du Jarric demonizou a seita em grande estilo:
“invention diabolique, controuvé par ce forgeur de toute malice et impieté”
— eis o que o francês afirmou da santidade, sem deixar de ressaltar que seu
maior perigo residia na aparente semelhança entre os ritos da “superstição” e
os da verdadeira Igreja católica. Du Jarric se inseria, como Botero, na
tradição demonológica europeia.
No tocante às características da seita, Du Jarric praticamente repete o que
Botero havia escrito em 1596: o supremo chefe de ceste gentilité era chamado
de papa, que nomeava bispos, padres etc.; faziam confissões, diziam missas,
possuíam rosários, organizavam escolas (“pour l’instruction de la ieunesse”),
instituídas à maneira dos colégios jesuíticos; possuíam livros de rezar, “faicts
d’une certaine escorce d’arbre [...] ou ils avoyent escript plusieurs characteres
incognus”.
À semelhança de Botero — e na mesma ordem da narrativa —, Du Jarric
mencionou o modo pelo qual os índios adquiriam “la perfection de
saincteté”, tornando-se “fols et insensez”, ao beber o suco de certa erva,
“qu’ils appelent Petina”, dotada de grande “force et vertu et d’une chaleur si
excessive”, que os fazia tombar no chão, transfigurar a face, pôr a língua para
fora “d’une façon fort laide...”.
Do mesmo modo que o italiano, Du Jarric mencionou a crença indígena
de que um navio traria em breve os seus ancestrais, navio que os livraria “de
la servitude des Portugais, lesquels ils disoient debvoir estre tous massacrez”;
e os índios que não acreditassem na seita se tornariam “ou en poisson, ou en
pourceau ou en autres bestes semblables”. Du Jarric também acrescentou o
flagelo que a seita causara no Brasil: os incêndios dos engenhos, as fugas, as
mortes de portugueses. Não esquece mesmo de lembrar o infanticídio que
muitos índios praticavam, na pressa de fugir logo para o seio daquela
“invenção diabólica”.
O relato de Du Jarric somente difere das Relazioni em dois pontos: o
francês discorre mais amplamente sobre o fim da seita, exaltando o papel
dos jesuítas neste processo, abordando mesmo o destino do famoso papa
(assunto de que tratarei adiante); o francês não comparou, como Botero, a
superstição indígena com o luteranismo e o calvinismo — comparação sem
dúvida original do jesuíta italiano.
No entanto, Du Jarric foi também original, mostrando-se a par do que se
passava no Brasil, ao dizer: “Ie pense que ceste secte fust femeé par le moye
de quelques uns de ces Mammeluz, ou Mestisfs, que nous avons dicc...”.
Embora não forneça provas de sua convicção, nem se refira uma só vez a
Tomacaúna e outros, Du Jarric foi arguto o suficiente para perceber o papel
dos mamelucos na santidade, mostrando-se bom leitor da correspondência
jesuítica.
Ao deparar-me com esses dois relatos, não tive dúvidas de que ambos se
referiam não a qualquer “santidade brasílica” (daquelas descritas por
Nóbrega ou Léry), mas à própria Santidade de Jaguaripe. E não tive dúvidas,
também, de que os dois jesuítas haviam se baseado na mesma fonte para
tratar do assunto: são mínimas, com efeito, as diferenças entre os dois textos,
como indiquei no parágrafo anterior.
Quanto à convicção de que Botero e Du Jarric se referiram ao caso de
Jaguaripe, reuni algumas evidências:
a) a data e a localização da seita: cerca de 1583-4 e no Recôncavo Baiano;
b) a alusão ao papa como supremo chefe dos sectários, o qual nomeava
bispos e sacerdotes “à moda cristã”;
c) a referência às aparentes e “perigosas” semelhanças entre alguns ritos
da seita e os usos da Igreja católica;
d) a descrição de certos ritos que somente a Santidade de Jaguaripe ousou
praticar: nem tanto a confissão (rito cristão) ou a ingestão de petim (rito
tupi) — que desses Nóbrega tratara em sua “Informação” de 1549 —, mas
sobretudo o uso de rosários e a leitura dos livros em madeira com
“caracteres ininteligíveis” (inintelligibili, incognus), ritos exclusivos, repito, da
seita liderada por Antônio, o caraíba-mor de Palmeiras Compridas;
e) a referência às revoltas causadas pela seita no Brasil (o incêndio dos
engenhos, as fugas, as mortes de brancos), tudo isso em conexão com a
mensagem antiescravista dos sectários;
f) a alusão à destruição da seita pelo esforço conjugado de jesuítas e
governador, embora apenas Du Jarric seja mais detalhado nesse ponto.
Botero e Du Jarric tiveram, pois, notícia da Santidade de Jaguaripe pouco
depois dos episódios de 1585 — e é claro que não leram os processos do
Santo Ofício. Não leram, nem poderiam fazê-lo, tratando-se de papéis
absolutamente secretos, aos quais somente os inquisidores tinham acesso.
Cheguei mesmo a conjecturar que a notícia da santidade teria chegado na
Europa por obra de Fernão Cardim ou Marçal Beliarte, pois tanto o reitor do
Colégio da Bahia como o provincial da Companhia acompanharam o dossiê
da santidade e assinaram o despacho final de vários processos.
Mas, na realidade, a fonte em que se basearam Botero e Du Jarric não
guarda qualquer relação com a Visitação do Santo Ofício. Ambos souberam
da santidade, simplesmente, através da Carta Ânua de 1585, escrita em latim
e publicada na Annuae litterae Societatis Iesu, compilação de ânuas impressa
em Roma no ano de 1587.6 É nela que se encontra, na ordem mesma das
narrativas de Botero e Du Jarric, o relato das crenças e ritos da Santidade de
Jaguaripe: as alusões ao Pontificem Maximum da seita; a consagração de
episcopos et sacerdotes; a instituição de peccatorum confessiones; a referência
aos intrigantes breviários da seita: “libros habent è cortu e tabulisue
confectos, occultis notis litterisq distinctos”. É nela que se encontram as
alusões ao uso da erva (Indus petima) e aos tremores característicos da
sanctitatis: turpiter lingua, agitationibus, defatigatio. E não falta à referida
ânua a qualificação demonizadora adotada por Botero e Du Jarric: Diabolus
e Daemone encontram-se em toda parte do texto.
O autor da ânua — o primeiro documento sobre a idolatria de Jaguaripe
— foi provavelmente Anchieta, provincial da Companhia no Brasil em 1585,
ano em que a carta foi escrita e no qual a igreja de Jaguaripe se viu destruída
por ordem de Teles Barreto.
Seguidores de Anchieta — para não dizer copistas ou tradutores —, nas
considerações que fizeram sobre a Santidade de Jaguaripe, Botero e Du
Jarric também reproduziriam seus erros, quer etnográficos, quer históricos.
E digo erros — devo esclarecer — porque algumas informações contidas
nesses textos não constariam em nenhum dos inúmeros depoimentos
recolhidos pelo Santo Ofício sobre a mesma santidade, entre 1591 e 1592.
São eles, principalmente:
a) a informação de que o transe da santidade era provocado pelo suco de
petim: succum herbae (ânua), sugo di u’erba (Botero) e suc d’une certaine
herbe (Du Jarric), o que sugere a ingestão de certa beberagem alucinógena
quando, na realidade, os índios fumavam o tabaco e assopravam sua fumaça
uns nos outros;
b) a alusão à utilização das cabaças como sinos na igreja da seita: “et
minutis globulis arq. campano cucurbitis” (ânua); “facevano campane de
certe zucche” (Botero); “ils sonnoyent quelques grands courges viudes
[vides], comme nous nous servons des cloches” (Du Jarric);
c) a referência à existência de escolas na seita: “gymnasia gratis habent”
(ânua); “tenevano scuole” (Botero); “ils avoyent institué certain façon de
Colleges [...] sans payer rien, comme l’on fait...” (Du Jarric);
d) a alusão à prática do infanticídio por parte dos índios que, ansiosos por
fugir de seus amos e ingressar na santidade, livraram-se dos próprios filhos:
“quid enim parcerent Lusitanis, qui sousmet natos, ne fugae impedimento
essent, vel vivos defodiebant” (ânua); “scannavano i proprii figliuoli, affin
che non recassino loro impedimento alla partenza, o lor fossino d’impaccio
nella fuga, o li sepelivano vivi” (Botero); “[...] voire que pis est esgorgeoient
quelques fois leurs propres enfans, ou les ensepuelissoient tous vifs dans
terre, qu’ils ne leur impeschassent la fuytte...” (Du Jarric);
e) a curiosíssima referência a um navio em que vinham os ancestrais dos
índios, cuja chegada os livraria do cativeiro: “[...] Alunt suos huc maiores
advehendos esse navigio, ab ijsq se è miserrima servitude in optat e libertatis
dulcedinem vindicandos” (ânua); “Dicono che i loro maggiori hanno da
venire in un naviglio al Brasil, e a rimeterli in libertà” (Botero); “[...] ils
disoient que leurs ancestres, decedez long temps aupavarant, debvoient
aborder dans un navire et que par leur moyen, ils séroient delivrez de la
servitude des Portugais” (Du Jarric);
f) a informação sobre o fim da seita, creditada à ação dos jesuítas, com
certa alusão específica à ação do governador quanto à execução do papa
(Antônio), fato que somente Du Jarric parafraseou da ânua. Mas esse é
assunto que deixarei para examinar no último item do presente capítulo.
Poderia causar estranheza, repito, a ocorrência desses “equívocos” no
texto da ânua, repetidos por Botero e Du Jarric, especialmente se foi mesmo
Anchieta, como parece, o autor da Carta de 1585. Afinal, tratava-se de um
jesuíta experimentado nas lides da catequese, conhecedor de várias
“santidades”, homem que acompanhara de perto o caso de Jaguaripe. Quer-
me parecer, no entanto, que os tais equívocos foram propositais...
Menos importante é a informação de que a ingestão do tabaco se fazia por
meio de uma beberagem, e não pela sucção da fumaça do petum, já que a
própria erva e o hábito de fumar (para não falar do verbo) só então
começavam a se difundir na Europa. Não é impossível que, ao transformar a
fumaça em suco, o autor da ânua procurasse tão somente facilitar a
compreensão de seus leitores, recorrendo a imagens diabólicas mais
conhecidas na Europa.
Quanto às demais informações (os sinos, as escolas, o infanticídio, o
navio libertador), não resta dúvida de que Anchieta pretendeu impressionar
os seus colegas europeus de Companhia: acentuar as perigosas semelhanças
entre as ameaças que pesavam não só sobre a catequese como sobre a
colonização portuguesa no Brasil.
Mas esse esforço de reforçar o caráter herético, diabólico e sedicioso da
santidade não deixa de ser muitíssimo significativo. Ao mencionar escolas
fictícias na santidade indígena, Anchieta transformou a seita numa espécie
de catequese diabólica, o inverso exato do que se esmeravam em fazer os
jesuítas no Brasil. Ao metamorfosear as cabaças em sinos, traduziu para a
linguagem cristã o instrumento mágico dos tupi, assimilando o
chamamento dos fiéis cristãos pelos sinos da igreja à convocação dos
espíritos pelos maracás. Ao sugerir que muitos índios cometiam
infanticídios para entrar na seita, utilizou um ingrediente caro ao
estereótipo europeu do sabá — o sacrifício de crianças —, “costume
diabólico” familiar aos demonólogos europeus.7
E, finalmente, cabe considerar a informação acerca do navio dos
ancestrais rebeldes, signo da libertação dos índios escravizados — aspecto
que, à semelhança dos anteriores, jamais foi mencionado pela centena de
depoentes que haviam conhecido a santidade de perto.8 Mas, novamente
aqui, Anchieta parece ter traduzido a superstitionis indígena para o
imaginário da velha cristandade. É o que nos sugere a leitura de Jean
Delumeau, que abre o seu História do medo no Ocidente com observações
sobre o “mar variável, onde todo o temor abunda”. E, com efeito, nas
inúmeras “Vidas do Anticristo” publicadas no século xv, bem como nas
Artes moriendi, os primeiros sinais do Juízo Final se referem “ao mar e à
água dos rios”. O mar, afirma Delumeau, era o domínio privilegiado de satã
e das potências infernais. “O mar: lugar do medo, da morte e da demência,
abismo onde vivem os demônios e os monstros...”.9
Se o autor da ânua fez do papa índio uma espécie de anticristo e do
próprio demônio, por que não relacionaria o seu triunfo com o mar
tenebroso? Por que não elegeria um navio como sinal do “apocalipse
colonial”? Barca diabólica a abrigar os infernais sectários da santidade: eis,
ao que parece, mais uma das recriações dos jesuítas no Brasil. Recriação, no
caso, ancorada no imaginário europeu, imagem similar à nau dos
insensatos, tema caro à Renascença. Lembremos de Sebastian Brant, com
sua Nave dos loucos, ou do próprio Gil Vicente, com sua Barca do inferno...
Anchieta utilizou a imagem do navio diabólico para caracterizar a
santidade, mas omitiu, incrivelmente, a existência de um ídolo no templo da
seita — e por isso não o mencionaram os jesuítas italiano e francês nas suas
narrativas. O porquê dessa omissão é para mim um mistério quase
insondável, pois Anchieta bem sabia da existência de Tupanasu em
Jaguaripe. Arrisco dizer, no entanto, que a omissão do ídolo talvez visasse
diminuir os aspectos gentílicos e idolátricos da seita em favor de seus traços
heréticos e diabólicos (no sentido ocidental) — o que se fez pela ênfase nas
semelhanças entre a santidade e a Santa Igreja. Semelhanças invertidas, vale
repetir, o que fazia da santidade menos uma idolatria ameríndia do que um
sabá tropical. Afinal, a ânua fora escrita para demonólogos europeus...
O certo é que os adeptos da santidade jamais mencionaram navio algum
quando apregoavam o iminente triunfo de Tupanasu. E igualmente certo é
que os jesuítas eram habitués em traduzir as crenças na linguagem que lhes
convinha, ofício em que Anchieta era mestre. Traduzia-se o cristianismo
para a língua geral, de um lado, mas traduzia-se também a idolatria
ameríndia para a demonologia europeia, de outro, conforme a conveniência
do emissor e o presumido outillage mental do receptor da mensagem. Seria
por meio dessas traduções que o Deus cristão viraria Tupã no cotidiano da
catequese, para transformar-se depois no Tupanasu da santidade; seria
também por esses meios e modos que o papa da santidade se converteria no
anticristo e no diabo aos olhos dos demonólogos europeus da Companhia
de Jesus.
Examinar os supostos equívocos da ânua de 1585 permite, assim,
iluminar assunto dos mais importantes no tocante aos saberes e ao
imaginário europeu na época dos descobrimentos. Permite tangenciar um
daqueles nexos invisíveis por meio dos quais as “gentilidades ameríndias”,
transformadas em heresias, iriam alimentar a demonologia europeia nos
tempos modernos.
Num sítio, lançaram os índios convertidos mãos do propagador da rebelião, e não lhes
consentindo o seu missionário fazer por suas próprias mãos pronta e sumária justiça, foram
reclamá-la do governador, a quem levaram o delinquente. Foi-lhes este então entregue à discrição
e eles cortaram a língua, instrumento com que os havia iludido a eles e a seus irmãos, e depois o
estrangularam.25
Por fim, os próprios que haviam fugido das aldeias dos padres foram os que se insurgiram contra o
improvisado papa; prendem-no, maltratam-no e tê-lo-iam morto se lhes não acudisse a ideia que
deviam levá-lo ao governador como prêmio do seu perdão; mas este com melhor aviso o entregou
a eles próprios para que fizessem justiça por suas mãos. Estes arrastaram-no para a aldeia,
arrancaram-lhe a língua e o enforcaram.26
Quando acontece às vezes de ser um pajé pilhado em erro e de não coincidirem os acontecimentos
com seus presságios, matam-nos os selvagens sem qualquer problema, de vez que o consideram
indigno do título e da dignidade do cargo.28
[...] E o que se chamava de papa, sabendo da gente de Fernão Cabral de Taíde, desapareceu e fugiu,
de que se não sabem novas, e com a Justiça que mandei fazer na aldeia de Santo Antônio e com
outros que me trouxeram, que andavam alevantando o gentio, se aquietou esta terra que estava em
muito perigo.29
[...] E porque sou informado que em Jaguaripe [...] haverá mais de três mil índios que se têm feito
fortes e fazem insultos e danos nas fazendas de meus vassalos daquelas partes, recolhendo a si
todos os negros da Guiné que andam alevantados e impedem poder-se caminhar por terra de
umas capitanias a outras, vos encomendo que, podendo desarraigar daquele lugar este gentio e
dar-lhe o castigo que merece pelos portugueses e mais gente que mataram, o façais...30
Carlo Ginzburg
No estudo da santidade ameríndia — síntese da máxima resistência
indígena ao colonialismo lusitano no século xvi —, creio ter demonstrado,
antes de tudo, a ocorrência de um fenômeno pouco conhecido — quando
não negado — de nossa história: o fenômeno das idolatrias indígenas, quer
no tocante ao culto de ídolos, quer como manifestação de rebeldia
anticolonialista, à semelhança do que ocorreu na vizinha América
espanhola, em movimentos como o Taqui Ongoy peruano ou como o
liderado por Martín Ocelotl no México, ambos contemporâneos da
santidade.
Idolatria tupinambá, a santidade acabaria por se tornar, mais que isso,
uma idolatria luso-brasileira, conforme a denominei certa vez, referindo-me
especialmente ao caso de Jaguaripe. Decifrando suas crenças e ritos, pude
recompor o que chamei, ancorado em Ginzburg, de formação cultural de
compromisso. Formação cultural híbrida, resultado da “colonização da
língua tupi” pelos jesuítas, e da superposição de imagens cristãs aos heróis
indígenas no dia a dia da catequese. Formação cultural híbrida pela adesão
interesseira e irrefreável dos mamelucos. Foram eles, sem dúvida, a ponte e o
nexo entre o mundo dos índios e o dos brancos — além de serem exemplos
privilegiados da disjunção cultural que o colonialismo era capaz de gerar.
Afinal, convém relembrar, os mamelucos eram a um só tempo seres híbridos
e dilacerados, homens que podiam apresar índios para os escravocratas, mas
também podiam combatê-los (e até comê-los), como demonstram as
incisões de jenipapo que traziam em seus corpos.
A santidade também seria uma formação híbrida pela mal conhecida
adesão de africanos, dos “negros da Guiné” que cada vez mais engrossavam
as “santidades da floresta”, flagelo dos engenhos, preocupação permanente
dos governadores e de el-rei, mesmo depois da destruição do templo de
Jaguaripe. Na adesão dos negros talvez resida, como lembrou Bastide, a raiz
dos catimbós nordestinos, com a fumaça da erva santa e de outros fumos
invocando os espíritos e transformando os homens em deuses.
E a santidade seria híbrida, ainda, pela maldisfarçada adesão de homens e
mulheres brancos, portugueses e naturais do Brasil, cristãos-velhos e
cristãos-novos. Homens brancos como Pantaleão Ribeiro, que, embora
possuísse uma “casa de fazer meles”, na Bahia, também trazia no corpo a
tatuagem de antropófago. Mulheres brancas como d. Margarida da Costa,
que chegou a crer que a santidade era “coisa santa e boa”, já que os índios
portavam as cruzes “de que o demônio fugia”. Santidade, formação híbrida,
que inscreveu o catolicismo na mitologia tupi a ponto de despertar a
religiosidade popular dos lusitanos no trópico, religiosidade embebida de
magia.
Idolatria luso-brasileira na sua morfologia, a santidade seria, no entanto,
uma idolatria insurgente, liderada por caraíbas rebeldes, contestatória da
escravidão, da catequese e do colonialismo. Acabaria por isso mesmo
derrotada, após ter sido surpreendentemente cooptada por um senhor de
engenho ardiloso, exemplo-mor dos escravocratas coloniais, homem que se
julgava “acima de todas as justiças”. A história da Santidade de Jaguaripe
espelharia, nesse sentido, o triunfo do colonialismo, ao menos do seu
“sentido mercantil”.
Triunfo do sistema colonial, derrota dos índios. Derrota visível na
cooptação da seita por Fernão Cabral; derrota no ato seguinte, com a
destruição de sua igreja pelo governador Teles Barreto; derrota no teatro da
Inquisição, onde a santidade acabaria animalizada e demonizada pelo
obstinado visitador, em parceria com os colonos amedrontados. Santidade,
heresia do trópico, não obstante a pena benigna e misericordiosa que o
Santo Ofício reservou a seu heresiarca-mor, Fernão Cabral, considerando
ser ele fidalgo de “nobreza e bom sangue”.
Além de demonstrar a tenacidade da resistência sociocultural indígena, a
complexidade do processo de aculturação e o triunfo do colonialismo
escravocrata, o estudo da santidade permite perceber, com nitidez, a fluidez
das fronteiras culturais de nosso primeiro século: os aldeamentos se
misturavam com os engenhos; a floresta com a lavoura; os mamelucos com
jesuítas e caraíbas, disputando todos o monopólio da santidade... A
prevalecer sobre todas as interpenetrações, relembro a colonização cristã em
língua tupi, matéria-prima na qual se moldou a heresia do trópico, a
idolatria luso-brasileira dos tupinambá.
Santidade, exemplo de hibridismo cultural e de triunfo do colonialismo.
Nada exemplifica melhor este dueto do que a mensagem rebelde da seita,
que previa a iminente escravização dos portugueses e brancos pelos adeptos
da idolatria tupi. É com algum constrangimento que devo reconhecer esta
máxima vitória do sistema colonial, capaz de invadir a própria mitologia
tupi, colonizando-lhe o imaginário: a Terra sem Mal dos tupinambá se
converteria numa utopia escravocrata. Escravidão às avessas, é verdade —
posto que dos brancos e lusitanos —, mas ainda assim escravidão.
Destruída em 1585, devassada pelo Santo Ofício em 1591, a Santidade de
Jaguaripe só não cairia no total esquecimento graças à persistência dos
levantes indígenas — de que dá mostras a correspondência dos Filipes — e
graças aos registros do italiano Botero e do francês Du Jarric, ambos jesuítas
que mencionaram a seita baseados na ânua de 1585. Depois deles, somente
Southey, em 1819, a mencionaria em sua História do Brasil, antecedendo em
cem anos a pesquisa extraordinária de Capistrano de Abreu— a quem
dediquei, em primeiro lugar, este trabalho.
À margem da história e da historiografia, a santidade sobreviveu.
Sobreviveu nos catimbós e nas umbandas, onde nunca faltaram (nem
faltam) Tamandarés e Tupinambás entre os caboclos índio-afro-brasileiros.
Sobreviveu na literatura romântica, sucedânea da nativista, inspiradora do
indianismo. No “Canto do piaga”, de Gonçalves Dias, é o pajé-açu que prega
em transe, por meio do qual falam os deuses ou, mais precisamente (como
diz Alfredo Bosi), “fala um espectro que viu o mundo às avessas, o sol
enegrecido, a coruja piando de dia, copas da floresta a se agitarem em plena
calma, e a lua ardendo em fogo e sangue” (cf. bibliografia. Dialética da
colonização, p. 184).
Reaparece a santidade em José de Alencar, na apoteótica cena final de O
guarani. Nele reaparece, impávido, o próprio Tamandaré, o duplo do herói
Peri, ensinando aos filhos da tribo o que aprendera no céu com o Deus
cristão.
Santidade esquecida, santidade idealizada. Sublimada na literatura
romântica que, a bem da verdade, cultuou o índio morto. Estou convencido
de que a história tinha a obrigação de resgatar a santidade ameríndia que,
como a “princesa adormecida” de Lucien Febvre, encontrava-se na sombra,
“sepultada”.
Resume-se a isto o esforço desta pesquisa. Trazer a santidade à luz,
reavivar a memória de tempos idos. Reconstruir, de um lado, a colonização
de um mito, mas recuperar, de outro lado, o tempo em que os índios
ousavam ver no Brasil uma Terra sem Mal. Não resta dúvida de que se
enganaram, e viram ruir, como castelo de cartas, o sonho de um paraíso
tupi. Mas nem por isso o historiador deve recuar. Afinal, faço minhas as
palavras do italiano que me inspirou neste trabalho: “A tentativa de conhecer
o passado também é uma viagem ao mundo dos mortos”.
Anexos
introdução
1. Bastaria citar o clássico de Alfred Métraux, A religião dos tupinambás, originalmente publicado
em 1928. Muitos outros, porém, se dedicaram ao estudo da religiosidade e do chamado profetismo
tupi, a exemplo de Egon Schaden, Florestan Fernandes, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Darcy
Ribeiro, Pierre e Hélène Clastres, o próprio Gilberto Freyre e, mais recentemente, Eduardo Viveiros de
Castro e Manuela Carneiro da Cunha. Cf. bibliografia para respectivas obras.
2. A primeira História do Brasil a mencionar a Santidade de Jaguaripe foi a do inglês Robert
Southey (1810-9). Um breve comentário ancorado em fontes jesuíticas. Varnhagen não a mencionou,
de modo que somente após quase cem anos se voltaria a falar no assunto, com a publicação das
confissões e denúncias da Visitação do Santo Ofício à Bahia por Capistrano de Abreu. Os poucos
estudiosos da história baiana mencionaram a santidade en passant, mas o fizeram de modo deveras
impreciso e preconceituoso. É o caso de Pedro Calmon, que a definiu como “culto abominável, misto
de religiões tupi, africana e cristã” (Cf. A conquista: história das bandeiras baianas. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1929, p. 50). O mesmo se pode dizer de Serafim Leite, historiador maior dos
jesuítas no Brasil, que viu na santidade “uma corrutela da própria religião cristã” (Cf. hcjb, Lisboa,
Portugália, tomo ii, p. 23). O único estudo específico sobre a santidade em questão foi o opúsculo do
folclorista baiano José Calasans (cf. bibliografia), publicado em 1952, cujo valor pioneiro é
indiscutível. A partir dos anos 1970, alguns historiadores abriram caminho para o estudo que ora
realizo. Sônia Siqueira publicou um artigo sobre a santidade nos Anais do Museu Paulista, em 1975;
Stuart Schwartz retomou o assunto em Segredos internos (1985), dando boas pistas documentais;
Benno Brod dedicou à seita um brevíssimo parágrafo de seu texto “Ambientes e movimentos
alternativos”, incluído na História da Igreja no Brasil (1979). Enfim, mais recentemente, John Monteiro
comentou-a em artigo publicado na Cambridge history of native people of the Americas (1992), sem
contar o meu próprio artigo “Idolatrias luso-brasileiras”, incluído em América em tempo de conquista
(1992). Cf. dados completos dos últimos textos citados na bibliografia final.
1. idolatrias e colonialismo
1. F. Denis, “Une fête brésilienne célébrée à Rouen en 1550”. Apud perrone-moisés, Leyla. Vinte
luas. Viagem de Paulmier de Gonneville ao Brasil (1503-1505). São Paulo, Companhia das Letras,
1992, pp. 167-72.
2. certeau, Michel de. “Travel narratives of the French to Brazil: sixteenth to eighteenth centuries”.
Representations, “The New World”, no 33:221-6, 1991.
3. souza, Laura de M. e. Inferno atlântico. Demonologia e colonização — séculos XVI-XVIII. São
Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 125.
4. Apud todorov, Tzvétan, A conquista da América. A questão do Outro. São Paulo, Martins
Fontes, 1983, sobretudo “Durán ou a mestiçagem das culturas”, pp. 199-216.
5. delumeau, Jean. História do medo no Ocidente (1300-1800). São Paulo, Companhia das Letras,
1989, p. 262.
6. Le manuel des inquisiteurs. Paris, Mouton Editeur, 1973, sobretudo as pp. 68-9, onde são
examinados os “demonólatras e os invocadores do diabo”.
7. lanciani, Giulia. “O maravilhoso como critério de diferenciação entre sistemas culturais”.
Revista Brasileira de História. São Paulo, no 21, 1992, p. 26.
8. “Carta a sua sacra majestade do imperador nosso senhor pelo capitão geral da Nova Espanha,
chamado dom Hernán Cortés” (1520). Publicada na coletânea de escritos do conquistador: A
conquista do México. Porto Alegre, l&pm, 1986, p. 46.
9. Apud delumeau, J. Op. cit., pp. 260 e segs.
10. todorov, T. Op. cit., pp. 158 e segs.
11. mariel de ibáñez, Yolanda. El Tribunal de la Inquisición en México (siglo XVI). 2a ed. México,
unam, 1979, pp. 39 e segs.
12. duviols, Pierre. “Religiones y repressión en los Andes en los siglos xvi y xvii”. In: jaulin, R.
(org.). El etnocidio a través de las Américas. México, Siglo xxi, pp. 84-94.
13. Hélène Clastres resume bem esta posição dos autores quinhentistas sobre a irreligiosidade dos
tupinambá. Cf. Terra sem Mal. São Paulo, Brasiliense, 1978, sobretudo o cap. 1, “Povos sem
superstições”, pp. 14-33.
14. castro, Eduardo Viveiros de. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”.
Rio de Janeiro, Museu Nacional, 1992, ex. mimeo, p. 8.
15. souza, L. de Mello e. Op. cit., pp. 7 e 11.
16. holanda, Sérgio B. de. Visão do paraíso. 3a ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977,
sobretudo o cap. 1, “Experiência e fantasia”, pp. 1-14.
17. Apud todorov, T. Op. cit., pp. 200-1.
18. bruit, Héctor. “O visível e o invisível na conquista hispânica da América”. In: vainfas, R. (org.).
América em tempo de conquista. Rio de Janeiro, J. Zahar Editor, 1992, pp. 77-101.
19. gruzinski, S. La colonisation de l’imaginaire — sociétes indigènes et occidentalisation dans le
Mexique espagnol (XVIe-XVIIe siècle). Paris, Gallimard, 1988, p. 195.
20. Examinei o assunto em dois artigos recentes: “Colonialismo e idolatrias: cultura e resistência
indígena no mundo colonial ibérico”. Revista Brasileira de História. São Paulo, 21:101-24, 1992;
“Idolatrias e milenarismos: a resistência indígena nas Américas”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 5, no 9:29-43, 1992.
21. Estudei recentemente o assunto em “Os órfãos do Sol: notas sobre o Taqui Ongoy peruano,
século xvi”. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 110:101-14, 1992.
22. Eliade, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa, Edições 70, 1986, p. 12.
23. Id. Ibid., p. 23.
24. Id. Ibid., p. 64.
25. gruzinski, S. Man-Gods in the Mexican Highlands. Trad., Stanford University Press, 1989, pp.
38 e segs.
26. ginzburg, Carlo. História noturna. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, pp. 248-9.
2. santidades ameríndias
1. queiróz, M. I. P. de. O mecanismo no Brasil e no mundo. 2a ed. São Paulo, Alfa-Ômega, 1977, p.
165.
2. nimuendaju, Kurt. Leyenda de creación y juicio final del mundo como fundamento de la religión
de los apapokuva guarani. São Paulo, Ed. de Juan Francisco Recalde, 1944.
3. métraux, Alfred. A religião dos tupinambás. 2ª ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional,
1979, pp. 175-96.
4. clastres, Pierre. A sociedade contra o Estado. 2a ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988, p.
150.
5. clastres, Hélène. Terra sem Mal. São Paulo, Brasiliense, 1978, p. 54.
6. Id. Ibid., p. 68.
7. fernandes, Florestan. A organização social dos tupinambá. São Paulo, Hucitec/UnB, 1989, p.
297.
8. fausto, Carlos. “Fragmentos da história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento
crítico do conhecimento etno-histórico”. In: cunha, Maria M. Carneiro da (org.). História dos índios
no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras — fapesp/smc, 1992, p. 386.
9. schaden, Egon. “Ensaio etnossociológico sobre a mitologia heroica de algumas tribos indígenas
do Brasil”. Sociologia, São Paulo, no 4, 1945, p. 54.
10. maestri, Mário. “A terra dos males sem fim — agonia tupinambá no litoral brasileiro”. Porto
Alegre/Bruxelas, 1990-1, ex. mimeo, 146 pp.
11. furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1974,
p. 41.
12. Em artigo recente, Mário Maestri sugeriu que “por mais herética que a afirmação pareça, estas
três primeiras décadas de trocas entre europeus e brasis foram benéficas para os interesses mercantis e
para o desenvolvimento das comunidades nativas”. Cf. “O tempo do pau-brasil”. D. O. Leitura, São
Paulo, 9(105), 1991, p. 2.
13. schwartz, Stuart. Segredos internos. São Paulo, Companhia das Letras, 1988, p. 58.
14. marchant, Alexander. Do escambo à escravidão. 2a ed. São Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1980, pp. 88 e segs. Ver também knauss, Paulo. O Rio de Janeiro da pacificação. Rio de
Janeiro, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, 1991, p. 105.
15. Tratado descritivo do Brasil em 1587. 4a ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.
16. neves, L. F. Baêta. O combate dos soldados de Cristo na terra dos papagaios. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1978, p. 134.
17. Para a disseminação da varíola no Brasil quinhentista ver: aldrin, Dauril e miller, Joseph.
“Unwanted cargoes: the origins and dissemination of Smallpox via the slave trade from Africa to
Brazil, c. 1560-1830”. In: kiple, K. F. (ed.). The African exchange. Durham, Duke University Press,
1988, pp. 42 e segs.; dean, Warren. “Las poblaciones indígenas del litoral brasileño de São Paulo a Rio
de Janeiro. Comercio, esclavitud, reducción, extinción”. In: sanchez albornoz, N. (org.). Población y
mano de obra en América Latina. Madri, Alianza Editorial, 1985, pp. 25-51; lobo, Eulália. “Bartolomé
de Las Casas e a lenda negra”. In: vainfas, R. (org.). América em tempo de conquista. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Editor, 1992, pp. 102-17.
18. “Carta de Antônio Blasquez para o provincial de Portugal, Bahia, 30 de maio de 1564”. In:
Cartas avulsas (1550-1568). Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1931, p. 406.
19. “Carta do padre Pedro da Costa aos padres e irmãos da Casa de São Roque de Lisboa. Espírito
Santo, ano de 1565”. In: Cartas avulsas, pp. 456 e segs.
20. “Carta do padre Leonardo do Vale para o padre Gonçalo Vaz. Bahia, 12 de março de 1563”. In:
Cartas avulsas, pp. 382-6.
21. “Informação das terras do Brasil (1549)”. In: nóbrega, M. de. Cartas do Brasil (1549-1560). Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886, pp. 99-100.
22. métraux, A. Op. cit., p. 59.
23. Cf. notas de Estêvão Pinto ao cap. 4 de Métraux (“Os espíritos”). Op. cit., p. 63.
24. Singularidades da França antártica. Belo Horizonte, Itatiaia/usp, 1978, pp. 117-22.
25. Apud métraux, A. Op. cit., p. 202.
26. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1978, pp. 117-22.
27. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 209.
28. A referência de Léry ao sabá encontra-se na edição preparada por Paul Gaffarel (1878), citada
por Laura de Mello e Souza em sua recente tese de livre-docência. “Inferno atlântico — demonologia
e imaginário no mundo luso-brasileiro”. São Paulo, usp, 1993, p. 216. Na edição que utilizei de Léry
(Itatiaia), embora se afirme na Introdução que a tradução brasileira se fez com base na edição de
Gaffarel, o trecho em questão foi, incrivelmente, suprimido.
29. Léry, p. 216.
30. Cartas avulsas, pp. 97-100, 101-7, 146-51, 378-94. Ver também anchieta, José de. Cartas,
informações, fragmentos históricos e sermões. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1933, pp. 98-9; e
cardim, Fernão, Tratados da terra e da gente do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp,
1980, pp. 87-8.
31. Cartas avulsas, pp. 146-7.
32. Id. Ibid., pp. 97-100.
33. abbeville, Claude d’. História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas
circunvizinhanças. Maranhão, Typ. de Frias, 1874; Yvres d’Évreux. História da missão dos padres
capuchinhos na ilha do Maranhão. Maranhão, Typ. de Frias, 1874.
34. clastres, H. Op. cit., p. 50.
35. Notas ao cap. 7 de Métraux (“O feiticeiro”). Op. cit., p. 76.
36. schaden, E. Op. cit., p. 39.
37. clastres, H. Op. cit., p. 48.
38. Cf. Confissões, prefácio, p. xxi.
39. vauchez, André. “Santidade”. In: Enciclopédia Einaudi (Mythos/Logos — Sagrado/Profano).
Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, vol. 12, pp. 287-300.
40. bossy, J. A cristandade no Ocidente (1400-1700). Lisboa, Edições 70, 1990, pp. 17 e segs.
41. “Carta dos meninos do Colégio de Jesus da Bahia ao padre Pedro Domenech. Bahia, 5 de agosto
de 1552”. In: Novas cartas jesuíticas (de Nóbrega a Vieira). Coligidas e organizadas por Serafim Leite.
São Paulo, Editora Nacional, 1940, p. 150.
42. souza, Laura de M. e. Op. cit., p. 153. Ver, sobretudo, os capítulos 5, 6 e 7 da parte ii
(“Microdemonologia: o diabo e as tensões cotidianos”), pp. 105-159.
43. História da província de Santa Cruz. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 144.
44. métraux, A. Op. cit., p. 183.
45. Cf. notas de Estêvão Pinto ao cap. 16 de Métraux (“O mito da Terra sem Mal e as crenças [...]”).
Op. cit., pp. 195-6.
46. fernandes, F. A função social da guerra na sociedade tupinambá. 2a ed. São Paulo,
Pioneira/Edusp, 1970, pp. 338-9. Ver também, de Pierre Clastres, “Arqueologia da violência: a guerra
nas sociedades primitivas”. In: gauchet, M. et alii. Guerra, religião, poder. Lisboa, Edições 70, 1980,
pp. 9-48.
47. clastres, H. Op. cit., p. 69.
48. haubert, Maxime. A vida quotidiana no Paraguai no tempo dos jesuítas. Lisboa, Ed. Livros do
Brasil, s/d. Sobretudo o item ii do cap. 5, “Messias contra Messias”, pp. 161-73.
49. queiróz, M. I. P. Op. cit., p. 174.
50. Apud métraux, A. Op. cit., p. 191.
51. Apud queiróz, M. I. P. Op. cit., p. 166.
52. “Carta de Nóbrega aos padres e irmãos de Portugal. Bahia, 5 de julho de 1559”. In: Cartas do
Brasil, pp. 180-1.
53. Confissões, pp. 64-5.
54. métraux, A. Op. cit., pp. 190-1.
55. queiróz, M. I. P. de. Op. cit., pp. 172-3.
56. machado, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte, Itatiaia, 1980, pp. 203 e
segs.
6. ambivalências e adesões
1. haubert, Maxime. A vida quotidiana no Paraguai no tempo dos jesuítas. Lisboa, Edições Livros
do Brasil, s/d, pp. 156-7.
2. Diccionário da língua portugueza. Lisboa, Typographia Lacérdina, 1813, p. 254.
3. cahen, Claude. El Islam — desde los orígenes hasta el comienzo del Imperio Otomano. Madri,
Siglo xxi, 1972, pp. 231 e 304-5.
4. holanda, S. Buarque de. “Índios e mamelucos”. In: Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1957, pp. 16-179. [Esta obra foi reeditada pela Companhia das Letras em 1994.]
5. calmon, Pedro. A conquista: história das bandeiras baianas. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,
1929, p. 42.
6. Infelizmente, a documentação inquisitorial não apresenta qualquer tradução para o nome
Tomacaúna, ao contrário do que ocorre com outros nomes indígenas atribuídos a mamelucos. E,
como o tupi antigo é muito diferente do falado nos séculos xviii e xix (no qual se estriba a maioria
dos dicionários), seria imprudente esboçar uma tradução. Lembro somente, com alguma segurança,
que a terminação caúna (já composta) misturava caá (folha, erva) com una (coisa escura, preta,
enegrecida). Cf. sampaio, Teodoro. O tupi na geografia nacional. 5a ed. São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1987, pp. 210, 221 e 339. E muito interessante para o nosso tema é o cap. 3, “Das
alterações fônicas no tupi sob a influência da língua portuguesa”, pp. 122-71, cuja leitura me fez
desistir de traduzir o que não aparece traduzido na documentação quinhentista.
7. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 200.
8. Tratados da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 100.
9. fernandes, Florestan. A organização social dos tupinambá. 2a ed. São Paulo, Hucitec/UnB, 1989,
p. 237.
10. Abordei a fluidez da fronteira cultural expressa na figura do mameluco em “Os mamelucos e a
fronteira: um conflito de lealdades”. D. O. Leitura. São Paulo, 11 (125):12, 1992. Cf. também o artigo
mais amplo de schwartz, Stuart B. “Brazilian ethnogenesis: mamelucos, mestiços e pardos”.
Comunicação apresentada no colóquio “Le Nouveaux Monde — Mondes Nouveaux”, realizado na
ehesc, 2 a 4 de junho de 1992, 37 pp. Sou grato a Frédérique Langue, do cermaca (cnrs), pelo envio
da cópia.
11. antt, il, proc. 17 809.
12. Id., proc. 12 927.
13. souza, Laura de M. e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo, Companhia das Letras, 1986,
pp. 100-36.
14. vainfas, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro, Campus, 1989, pp. 143-86 e 267-8.
15. antt, il, proc. 11 076.
16. Cartas do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo. Itatiaia/Edusp, 1988, p. 196.
17. Léry, p. 201.
18. giucci, Guillermo. “A colonização acidental”. Ciência Hoje. Rio de Janeiro, vol. 15, no 86:19-23,
1992.
19. bennassar, Bartolomé. “Les inquisitions espagnole, portugaise et venitienne et la
problématique des rénegats”. In: novinsky, A. e carneiro, M. L. T. (orgs.). Inquisição: ensaios sobre
mentalidade, heresia e arte. São Paulo, Expressão e Cultura/Edusp, 1992, pp. 785-93.
20. antt, il, proc. 10 776.
21. Id., proc. 17 809.
22. “Ânua do provincial dos jesuítas” (Anchieta, 1584). Cópia manuscrita, traslado de 27 de
setembro de 1880, p. 10, bnrj, Seção de Manuscritos.
23. holanda, S. Buarque de. Raízes do Brasil. 9a ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1976, p. 91.
24. antt, il, proc. 17 065, pp. 188-95.
25. Denunciações, p. 276; Confissões, pp. 87-9.
26. Denunciações, pp. 453-5; Confissões, pp. 87-9.
27. Denunciações, p. 550.
28. Roger Bastide viu nas “santidades” quinhentistas a raiz dos catimbós, culto afro-indígena, cuja
transição seria “o culto indígena dos caboclos, mais ou menos cristianizados, do sertão”. A descrição
que faz Bastide de algumas cerimônias de catimbó no Nordeste lembra muito, de fato, alguns ritos das
santidades, a exemplo do poder mágico da fumaça — aspecto central da cerimônia e do próprio nome
do culto (catimbó, corruptela de cachimbo). E, após inventariar alguns traços africanos presentes no
catimbó, Bastide afirma: “[...] o negro trouxe alguma contribuição para o catimbó. Mas, nesse
encontro [...] é o elemento indígena que leva vantagem”. Cf. As religiões africanas no Brasil. 2a ed. São
Paulo, Pioneira, 1985, pp. 243 e segs.
29. Confissões, pp. 64-5.
30. Denunciações, pp. 351, 276, 311, 327, 470 etc.
31. Id., p. 327.
32. Confissões, pp. 78-9.
33. Denunciações, pp. 384-5.
34. Confissões, pp. 87-9.
35. antt, il, proc. 7950.
36. bastide, Roger. Estudos afro-brasileiros. São Paulo, Perspectiva, 1973, p. xii. Ver também o
ensaio “Contribuição ao estudo do sincretismo católico-fetichista”, incluído na mesma obra, pp. 159 e
segs.
37. ginzburg, Carlo. História noturna. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 22.
8. ressonâncias e persistências
1. A elaboração deste dificílimo item não se faria sem a ajuda de alguns amigos. Laura de Mello e
Souza levantou a questão e acompanhou o mistério de perto. Jacqueline Hermann ajudou-me na
pesquisa e foi quem primeiro me sugeriu o nome de Anchieta como possível autor da ânua. Edgar
Ferreira Neto — a quem devo um agradecimento especialíssimo — abriu-me o caminho para
descobrir Pierre du Jarric e a própria Ânua de 1585.
2. souza, Laura de M. e. “Por fora do Império: Giovanni Botero e o Brasil”. In: Inferno atlântico, pp.
58-88.
3. Apud souza, L. de M. e. Op. cit., p. 82.
4. Id., p. 83.
5. Histoire des choses plus memorables advenues tant en Indes Orientales que autres pais de la
decouverte des Portugais. Bordeaux, S. Millauges, Imprimeur ordinaire du Roy, 1610, 2eme partie, pp.
319-23.
6. Annuae litterae Societatis Iesu. Roma, Colégio eiusdem Societatis, 1567, pp. 133-6.
7. O único infanticídio praticado pelos tupinambá dava-se com os filhos dos prisioneiros de guerra
com mulheres da tribo. Eram considerados inimigos (filhos do pai) e, por isso, tão logo cresciam um
pouco, eram devidamente devorados no repasto cerimonial coletivo. Cf. fernandes, F. A organização
social dos tupinambá. 2a ed. São Paulo, Hucitec/UnB, 1989, pp. 146-7. Veja-se, portanto, que o
infanticídio tupinambá não guarda qualquer relação com a santidade, nem se enterravam vivas as
crianças.
8. A única narrativa acerca de santidades quinhentistas relacionadas de algum modo a navios
encontra-se em abn, 19o, 108, resumido por Capistrano de Abreu: “Na capitania de Porto Seguro, em
1574, Antônio Dias Adorno e seus companheiros encontraram seis ídolos de madeira, de forma
humana e tamanho natural; serviam de barreira para tiros [...] Viam-se dois paus de cinquenta a
sessenta palmos de altura, à maneira de mastro com duas gáveas. Mandara pintá-los o caraíba, que se
dizia filho de Deus padre e da Virgem Maria, vindo de Portugal, fugido dos que o queriam crucificar;
por um [mastro] subia ao céu, por outro descia; a gávea servia-lhe de púlpito se queria pregar”. Cf.
Confissões, prefácio, p. xxi. Trata-se de um caraíba do Espírito Santo — informa Capistrano —, antigo
discípulo dos jesuítas, a exemplo de Antônio.
9. delumeau, Jean. História do medo no Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, pp. 47-
50.
10. southey, Robert. História do Brasil. 4a ed. São Paulo, Melhoramentos/inl, 1977, vol. i, pp. 252-
4. Serafim Leite comenta Southey e suas fontes na clássica hcjb. Lisboa, Livraria Portugália, 1938, p.
24.
11. southey, R. Op. cit., p. 253, nota no 6.
12. Não consegui localizar o teor exato da dita “Bula da Ceia”, nome vulgar pelo qual referiu-se
Heitor Furtado à decisão pontifícia. No entanto, a pena de excomunhão para esses casos era tão antiga
quanto o iii Concílio de Latrão (1179) realizado no tempo do papa Alexandre iii (1159-81). Em seu
24o cânone, o Concílio previa a pena de excomunhão, confisco de bens e redução a cativeiro para
todos os cristãos que mandassem armas, madeira para navios ou prestassem serviços aos sarracenos.
Cf. schomberg, Jean-Louis. Verdadeira história dos Concílios. Lisboa, Europa América, 1964. Sou
grato a Rogério Ribas pela valiosa e precisa indicação.
13. Confissões, prefácio de C. de Abreu, p. xxxvii.
14. Id., pp. xxxvii e xxxviii.
15. “Regimento de 8 de março de 1588 do governador geral do Brasil”. In: Documentos para a
história do açúcar. Instituto do Açúcar e do Álcool. Rio de Janeiro, 1954-63, vol. 1, p. 376.
16. Agradeço a José Calasans por essa valiosa informação recolhida em suas pesquisas na Biblioteca
do Itamaraty.
17. Sobre o medo que o Santo Ofício causava, ver: bennassar, Bartolomé. “Modelos de la
mentalidad inquisitorial: métodos de su pedagogia del miedo”. In: alcalá, A. (org.). Inquisición
española y mentalidad inquisitorial. Barcelona, Ed. Ariel, 1984, pp. 174-84.
18. antt, il, proc. 17 065.
19. Id., proc. 6345.
20. Id. Ibid.
21. Denunciações, p. 381.
22. antt, il, proc. 17 065, p. 171.
23. “Regimento...” (Francisco Giraldes). In: Documentos para a história do açúcar, p. 359.
24. perrone-moisés, Leyla. Vinte luas. Viagem de Paulmier de Gonneville ao Brasil (1503-1505).
São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 168.
25. Apud calasans, J. Fernão Cabral de Ataíde e a Santidade de Jaguaripe. Bahia, 1952.
26. costa, Francisco P. da. Anais pernambucanos (1493-1590). Recife, Arquivo Público Estadual,
1951, vol. i, pp. 571-2.
27. Cf. Os relatos de Du Jarric e da ânua nos anexos (cópias similares).
28. Singularidades da França antártica, p. 118.
29. antt, il, proc. 17 065, p. 171.
30. “Regimento...” (Francisco Giraldes). In: Documentos para a história do açúcar, p. 360.
31. “Carta del-rey ao senhor Gaspar de Sousa em que lhe trata remedee com guerras que dê aos
índios gentios que estão na sanctidade” (19 de janeiro de 1613). In: Cartas d’el Rey escritas aos senhores
Álvaro de Sousa e Gaspar de Sousa. Rio de Janeiro. Biblioteca do Itamaraty, 1989 (transcritas por
Deoclécio Leite, professor de paleografia da Unirio e da uerj), carta 71.
32. “Carta d’el rey ao senhor Gaspar de Sousa sobre a aldea dos índios de Santo Antônio de
Jaguaripe” (24 de maio de 1613). In: Op. cit., carta 88.
Fontes e bibliografia
fontes
i. manuscritas
a) processos inquisitoriais:
b) correspondência jesuítica:
ii. impressas
a) fontes jesuíticas:
anchieta, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1933.
Annuae litterae Societatis Iesu. Roma, eiusdem Societatis, 1587.
araújo, padre Antônio. Catecismo na língua brasílica (1618). Rio de Janeiro,
puc, 1952.
antonil, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas.
2a ed. São Paulo, Melhoramentos/inl, 1976.
cardim, Fernão. Tratados da terra e da gente do Brasil. Belo Horizonte/São
Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980.
Cartas Avulsas (1550-1568). Coligidas e organizadas por Serafim Leite. Rio
de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1931.
du jarric, Pierre. Histoire des choses plus memorables advenues tout en Indes
Orientales que autres pais de la decouverte des Portugais. Bordeaux, S.
Millanger, 1608-10, 3 vols.
loyola, saint Ignace de. Exercices spirituels. Texte définitif (1548). Paris,
Seuil, 1982.
nóbrega, Manuel da. Cartas do Brasil (1549-1560). Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1886.
Novas cartas jesuíticas (de Nóbrega a Vieira). Coligidas e organizadas por
Serafim Leite. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1940.
vasconcelos, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus (1660). 3a ed.
Petrópolis, Vozes, 1977.
b) fontes inquisitoriais:
bibliografia
i. obras de referência
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no
Brasil em 2009.
Capa
Claudia Espínola de Carvalho
Imagem de capa
America, de Jacob van Meurs, 1671.
Library of Congress, Prints & Photographs Division
Preparação
Marcos Luiz Fernandes
Revisão
Eduardo Russo
Maria Prado
Coordenação editorial
Página Viva
Versão digital
Rafael Alt
isbn 978-65-5782-414-6